a presenÇa dos contos de fadas nos processos...

326
ROSANA AURICCHIO A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS FORMATIVOS DAS PROFESSORAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2012

Upload: vanxuyen

Post on 23-Jan-2019

228 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

ROSANA AURICCHIO

A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS FORMATIVOS DAS PROFESSORAS DE

EDUCAÇÃO INFANTIL

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO 2012

Page 2: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

ROSANA AURICCHIO

A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS FORMATIVOS DAS PROFESSORAS DE

EDUCAÇÃO INFANTIL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo, como requisito exigido para a obtenção do título de mestre sob a orientação do Prof. Dr. Julio Gomes Almeida.

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

São Paulo

2012

Page 3: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

Ficha Elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID

A928p

Auricchio, Rosana. A presença dos contos de fadas nos processos formativos das professoras de educação infantil. / Rosana Auricchio. --- São Paulo, 2012. 326 p.; anexos. Bibliografia Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade de São Paulo - Orientador: Prof. Dr. Julio Gomes Almeida. 1. Narração de histórias. 2. Contador de histórias. 3. Formação de professores. 4. Trajetória de vida. I. Almeida, Julio Gomes. II. Título.

CDD 370

Page 4: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

ROSANA AURICCHIO

A Presença dos Contos de Fadas nos Processos Formativos das Professoras de Educação Infantil

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado em Educação da Universidade

Cidade de São Paulo, como requisito

exigido para obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: Educação Data da Defesa: 23/05/2012 Resultado: ___________________

BANCA EXAMINADORA:

Profº Dr. Julio Gomes Almeida ____________________________ Universidade Cidade de São Paulo

Profª Dra. Ecleide Cunico Furlanetto ____________________________ Universidade Cidade de São Paulo

Profº Dr. Carlos Bauer de Souza ____________________________

Universidade Nove de Julho

Page 5: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

IN MEMORIAN

Agradeço a meus pais, Aniello e Palmyra, por todo amor, incentivo, noites mal dormidas, puxões de orelha, que me ajudaram a construir minha identidade pessoal e profissional. Ensinaram-me a agradecer o que eu sou, o que tenho e que, muitas vezes, é mais que mereço.

Page 6: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado a meu filho Leonam, que é a razão

da minha vida, é a pessoa que me incentiva com seu olhar, com

seu sorriso e com sua confiança. É a pessoa que sempre me

apoiou, mesmo tendo de ficar, muitas vezes, sem minha

presença por estar me dedicando integralmente ao lado

profissional. Filho te amo muito.

É dedicado a minha irmã Eliana, que me deu força para

continuar nesta trajetória pessoal e profissional. Que dedicou

muito de seu tempo para me ouvir, para ler o que escrevi e me

amparar nos momentos de desânimo e ansiedade. Irmã, você

vive em meu coração.

Page 7: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao querido Professor e Orientador Júlio Gomes

Almeida por toda paciência, compreensão, profissionalismo e

carinho dispensado a mim e a meus colegas de sala.

Agradeço ao amigo Aparecido Diniz, pelos infindáveis

domingos de leitura, revisão e formatação da pesquisa, além do

apoio incondicional.

Agradeço ao Cláudio, meu companheiro e cúmplice há dez

anos, que me transmite segurança em suas ações e

pensamentos e apoia minhas decisões mesmo precipitadas ou

repentinas. Que dedicou muito de seu tempo para ler e reler

esta dissertação.

Agradeço às professoras do CEI Mário Caldana que

participaram junto comigo desta pesquisa. Que me ensinaram e

me ensinam diariamente que a educação vale a pena e que a

criança pequena nos ensina muito e transforma nossa prática.

Deixo aqui registrada minha admiração por este grupo de

professoras que conquistaram seu espaço junto à Educação

percorrendo uma trajetória de lutas, conquistas e vitórias

fazendo historia ao lado da historia da Educação Infantil,

inovando e influenciando não só a minha prática como também

das futuras educadoras.

Page 8: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

Agradeço ao amigo Domingos Fernandes que dedicou seu

tempo para ler o que escrevia, reescrevia e deu opiniões

sinceras sobre mudanças que deveriam ser realizadas.

Agradeço a Lady e ao Zeca, pela companhia e pela alegria

compartilhada durante esta pesquisa e a minha vida.

Agradeço a diretora Sônia Maria Scapolan Ito, pelo

incentivo dado à minha pesquisa permitindo que eu realizasse

os encontros com as professoras do CEI Mário Caldana e

apoiando todas as possibilidades e oportunidades para ampliar

minha formação docente.

Agradeço a todos os professores da UNICID pelo carinho,

respeito, comprometimento comigo e pelo conhecimento

compartilhado.

Page 9: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

Há um significado mais profundo nos contos de fadas que me

contaram na infância do que na verdade que a vida ensina.

Schiller (2006), poeta alemão.

Page 10: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

RESUMO

AURICCHIO, Rosana. A presença dos contos de fadas nos processos formativos das professoras de Educação Infantil. São Paulo: 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade de São Paulo.

Esta pesquisa teve como objeto de estudo a presença dos contos de fadas nos processos formativos das professoras de um Centro de Educação Infantil da rede municipal de São Paulo. O objetivo foi compreender como os contos de fadas se manifestaram nas práticas e nos discursos destas professoras. O motivo para a realização desta pesquisa relaciona-se com minha atividade enquanto professora que atua em um Centro de Educação Infantil, preocupada com o como e com o que se oferece às crianças pequenas em termos de histórias. Para a realização da pesquisa optei pela abordagem qualitativa e como procedimento de coleta de dados utilizei a análise bibliográfica e documental complementada pelo relato da minha própria experiência e de colegas que atuam como professoras no Centro de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros de formação, sobre a presença dos contos de fadas em suas histórias de vida e atuação profissional. Percebi com a pesquisa que a expressão contos de fadas designa diferentes narrativas, entre as que emergiram na pesquisa como parte dos processos formativos das professoras destacaram-se além dos contos de fadas, os “causos”, as historias bíblicas, os contos folclóricos, etc. Além disso, foi possível perceber que muitas das narrativas trabalhadas nas escolas, são adaptações feitas pela indústria cultural, escolhidas mais pela facilidade de acesso do que como resultado de uma discussão pedagógica.

Palavras chave: narrativas, contos de fadas, historias de vida, formação de professores.

Page 11: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

ABSTRACT

AURICCHIO, Rosana. The presence of fairy tales in the process of training teachers of kindergarten. São Paulo: 2011. Thesis (MA) - City University of São Paulo. This research had as its object of study, the presence of fairy tales in the formative processes of the teachers of an Early Childhood Center in the Municipality of São Paulo. The objective was to understand how fairy tales were manifested in the practices and discourse of these teachers. The reason for this research relates to my work as a teacher who works in an Early Childhood Center, concerned with how and with what is offered to young children in terms of stories. For the research I opted for a qualitative approach to data collection procedure used to analyze literature and documents supplemented by reports from my own experience and from colleagues who work as teachers in Early Childhood Center Captain Mario Caldana in training meetings, about the presence of fairy tales in their life stories and professional performance. I realized through research that the term means different fairy tales stories, among which emerged as part of the formative process of the teachers stood out beyond the fairy tales, the "stories", the biblical stories, folk tales, etc. Furthermore, it was revealed that many of the stories worked in schools, are adaptations made by the cultural industry, chosen more for ease of access than as a result of a pedagogical discussion. Keywords: stories, fairy tales, stories of life, teacher training.

Page 12: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

ABREVIATURAS

ACT – Auxiliar Contratada Temporária.

ADI – Auxiliar de Desenvolvimento Infantil.

CEI – Centro de Educação Infantil.

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

EXPOTEC – Exposição de Tecnologia.

FEBEM - Fundação do Bem Estar do Menor.

FTD - Frère Theophane Durand.

FUVEST – Fundação Universitária para o Vestibular.

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas.

INSA – Instituto Nossa Senhora Auxiliadora.

OMEP – Organização Mundial de Educação Pré Escolar.

PEA – Programa Especial de Ação.

PUC – Pontifícia Universidade Católica.

SAS – Secretaria de Assistência Social.

SESI – Serviço Social da Indústria.

UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.

UNICEF – United Nations Children’s Fund

UNICID – Universidade Cidade de São Paulo.

Page 13: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................... 14

1. UMA HISTORIA AINDA NÃO CONTADA........................................................... 20

1.1. Escola, o início................................................................................................. 23

1.2. Contos de fadas X Realidade adolescente...................................................... 31

1.3. O verdadeiro caminho começa: destino professora........................................ 34

1.4. Da teoria à prática: distante, mas paralela...................................................... 37

1.5. Momentos charneiras...................................................................................... 39

1.6. Educar, crianças de diferentes idades – a realização do sonho...................... 44

2. UM CONTO NADA DE FADAS – UMA HISTORIA DE LUTA E CONQUISTA.......................................................................................................... 58

2.1. Cuidar: a bandeira da creche...........................................................................59

2.2. A creche no contexto histórico......................................................................... 61

2.3. Mudança de rumo – a trajetória da formação.................................................. 65

2.4. CEI Capitão PM Mário Caldana – um lugar de muitas possibilidades.............68

3. OS CONTOS DE FADAS REFLETINDO HISTORIAS DE VIDA..................... 76

3.1. Contos de fadas - lições e segredos............................................................... 77

3.2. Quem conta um conto... Perrault, La Fontaine, Grimm, Andersen…………... 79

3.3. Origem das fadas............................................................................................. 81

3.4. O poder da realidade – a fantástica imaginação............................................. 82

3.5. Mito – herói e divino....................................................................................... 85

3.6. Contos de fadas – muitas historias uma só magia.......................................... 87

3.7. Historias de vida – o individual que modifica o coletivo.................................. 92

3.8. Aprender a viver – depois ensinar................................................................... 94

3.9. A indústria cultural – fábrica de sonho e consumo.......................................... 97

4. DIFERENTES HISTORIAS, MUITAS DESCOBERTAS................................ 102

4.1. A utilização dos encontros de formação no cotidiano.................................... 107

4.2. As narrativas no Centro de Educação Infantil Mário Caldana....................... 110

4.3. A Família e a Infância.................................................................................... 115

4.4. Narrativas na formação das professoras....................................................... 126

4.5. Folclore e formação....................................................................................... 136

4.6. A Televisão e a formação docente.................................................................138

4.7. Os contos clássicos e a formação................................................................. 141

4.8. Formação docente......................................................................................... 144

4.9. A escola......................................................................................................... 149

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 160

ANEXOS............................................................................................................... 167

Page 14: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

14

INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta dados de uma pesquisa que procura identificar a

presença dos contos de fadas no imaginário das professoras de Educação Infantil

que atuam na rede pública municipal de São Paulo. O estudo deste tema remete

a experiências importantes de minha história de vida, ou como afirma Josso, a

momentos charneiras, que foram construídos em meio a essas histórias. Por isso

trata-se de um tema com grande relevância pessoal. Essa relevância estende-se

a outros educadores, uma vez que o conhecimento disponibilizado no campo da

formação de professores tem potencial para atingir grande quantidade de

pessoas. Espero contribuir, de certa forma, com as futuras pedagogas, elucidando

uma prática pedagógica modificada a cada nova fase da Educação, a cada novo

conhecimento adquirido, a cada nova fase da vida.

O interesse por estudar esse tema surgiu a partir da reflexão sobre

algumas das práticas que organizaram o cotidiano do educador que atua na

Educação Infantil, especificamente aquelas práticas relacionadas ao

desenvolvimento no campo da linguagem verbal. A discussão destas práticas está

presente nos horários de trabalho coletivo, nas reuniões pedagógicas, nas

formações feitas fora do ambiente escolar, enfim, nos diversos momentos em que

paramos para planejar ou avaliar o nosso trabalho com as crianças pequenas.

Esses momentos de trocas são muito ricos entre os educadores e muitas vezes

nos fazem voltar no tempo, ao nosso tempo de criança e encontrar pessoas com

as quais convivemos e vivemos momentos importantes, inesquecíveis. E foi em

uma destas voltas ao passado que relembrei os contos de fadas. Afinal,

educadores como Bettelheim (2009) reconhecem a importância dos contos de

fadas na formação da criança e refletindo sobre essa situação surgiu o desejo de

descobrir qual a importância dos contos de fadas na formação das professoras de

Educação Infantil, que trabalham com o imaginário da criança pequena

diariamente.

O psicanalista Bruno Bettelheim (2009) afirma com propriedade que:

Page 15: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

15

Os contos de fadas tem um valor inigualável, conquanto oferecem novas dimensões à imaginação da criança que ela seria incapaz de descobrir por si só de modo tão verdadeiro. Mais importante ainda: sua forma e estrutura sugerem à criança imagens com as quais ela poderá estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida. (BETTELHEIM, 2009, p.14)

A leitura de contos infantis leva a criança a uma fantasia saudável, que a

capacitará a uma vida adulta mais consistente, permitindo que enfrente os

desafios do cotidiano. No livro Creches: Crianças, faz de conta & Cia (2001, p.49),

as autoras Oliveira e Ferreira comentam a respeito da ação em uma situação

imaginária.

A ação em uma situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas pelo significado da situação, as regras nela embutidas, os papéis por ela possibilitados. (OLIVEIRA; FERREIRA, 2001, p.49)

O desenvolvimento da pesquisa colocou uma questão inicial: o que se

quer dizer quando se fala em contos de fadas? Iremos refletir ao longo desta

pesquisa sobre os contos de fadas, os clássicos e aqueles contos adaptados pela

indústria cultural.

O desejo de ser professora me acompanha desde pequena, não sabia o

motivo, mas gostava de colocar minha irmã recém-nascida entre as bonecas e

contar historias como havia aprendido e, às vezes, fazendo algumas adaptações

ao texto, vivenciando o maravilhoso mundo do faz de conta.

Em minha casa, os “causos” do dia a dia tornavam-se aventuras e eram

compartilhados. Livros eram ofertados por meus pais e avós, historias eram lidas

a qualquer momento do dia. O momento de ouvir história era um tempo de muita

emoção e expectativa, de imaginação solta. Hoje percebo essas emoções nos

olhos e gestos das crianças nos momentos de contação de histórias. De fato

trata-se de um momento mágico, onde a imaginação transporta as crianças para

lugares maravilhosos. Refletindo sobre estas situações surgiu outra questão: para

onde vai nossa imaginação quando nos tornamos adultos?

Segundo Alliaud (2009), em suas biografias, os professores referem:

marcas, pegadas, exemplos a seguir ou não, modelos e contra modelos como

Page 16: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

16

uma experiência que lhes proporcionou uma estadia longa nas instituições

escolares.

A passagem por algumas dessas instituições não me roubou a capacidade

de imaginar, porém me trouxe a capacidade de desejar imaginar junto e talvez

seja este desejo que me conduziu ao objeto de minha pesquisa.

Para Ferry (2004), o trabalho em grupo favorece a expressão individual de

aspirações e dificuldades e a troca cooperativa entre os participantes. Inúmeras

vezes, nós, professores, falamos de teorias, de alunos, de falta de recursos, mas

não temos um espaço para falar do professor enquanto pessoa, que tem vida

própria fora do espaço escolar, tem uma família e tem sonhos como qualquer

pessoa.

Conforme afirma Nóvoa (1992), “não é possível separar o eu pessoal do

eu profissional”. Na busca de significados para a construção de sua identidade

profissional, o indivíduo interpreta suas ações individuais e coletivas. Enquanto

relata sua historia de vida, o docente revela seus anseios e expectativas diante de

sua profissão e de sua própria vida.

As colegas têm manifestado confiança para expressar suas ideias e narrar

suas experiências de vida, participando ativamente das discussões e

manifestando vontade de continuar no grupo investigativo. Para algumas a volta

ao passado reflete um pouco do que o presente significa, de como se tornou um

docente totalmente diferente dos modelos que teve em sua infância ou muito

semelhante a elas. Tornou-se claro, nesta pesquisa, que as matrizes pedagógicas

que estas professoras trazem foram construídas nos encontros que fizeram no

seu percurso formativo e que elas influenciam de maneira direta sua vida pessoal

e profissional. Neste sentido, a pesquisa tem proporcionado reflexão sobre o

conceito de matrizes pedagógicas, assim nomeadas por Furlanetto (2008), por

meio do qual os professores descobrem um “professor interno”, composto por

dimensões conscientes e inconscientes que se revelam no seu fazer docente

como arquivos existenciais que contem imagens, conteúdos coletivos e pessoais.

Nos relatos autobiográficos, a influência percebida pelos professores não só recai em uma pessoa: surgem exemplos opostos que seguem paralelamente. Há os que se deve tomar como exemplo e aprender e outros dos quais se deve diferenciar.

Page 17: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

17

Estreitamente relacionados com modelos vividos durante a infância e a juventude, há casos em que os professores principiantes expressam o que querem ser ou não ser, tomando como parâmetro os professores que foram encontrando em sua volta na escola. Serão novamente os professores de nível primário as referências mais próximas que possibilitaram ir delineando, projetando ou provando certas ações ligadas com os aspectos mais específicos de sua prática profissional. (ALLIAUD, 2009, p.51 – 53)

Muitas professoras que, como eu, trouxeram a formação do Curso de

Magistério ou de Pedagogia, possuíam a teoria, mas não a prática com a criança

pequena em uma realidade de creche. Naturalmente, houve o impacto da teoria

desvinculada da prática, de reações e ações que não estavam nos livros.

Segundo Tardif (2009), a escola não é apenas um espaço físico, mas

também um espaço social que define como o trabalho dos professores é repartido

e realizado, planejado, remunerado e visto por outros. Neste contexto, fica claro

como é difícil compartilhar ideias envolvendo pessoas tão diferentes, vindas de

diversas formações pessoais e profissionais que ao mesmo tempo narram

experiências de vida tão parecidas e que se fundem num espaço comum, com

objetivos comuns que acompanham as crianças em sua trajetória de vida além

dos muros da escola. Em outra perspectiva, o trabalho docente é um trabalho

solitário visto que o professor fecha a porta da sala de aula, ficando afastado do

olhar dos colegas que vivenciam a mesma situação. Ao mesmo tempo em que

conquista uma relativa autonomia fica vulnerável a julgamentos de quem não está

participando do processo de ensinar e aprender.

O professor, mesmo solitário lida com uma coletividade de alunos que

apresentam características semelhantes e diferentes as quais condicionam seu

trabalho docente, pois são seres humanos. São seres sociais definidos por sua

situação econômica, seus valores, suas crenças e seus interesses particulares

que lhe são transmitidos pela família. Por isso, o professor deve sair de seu

mundo fechado, escondido e partilhar esta experiência inusitada e única com os

pais que conhecem seu filho em outro ambiente que não o escolar. Desta forma,

acredito que o trabalho docente seria mais valorizado pela família e pela própria

sociedade. O professor mesmo sendo o mediador ensina e aprende com quem

até então era um mero receptor de conteúdo e não um transformador, um ser

criativo, livre e responsável por seus atos e suas escolhas.

Page 18: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

18

Pereira (1995), afirma com muita propriedade que cada tempo tem seus

heróis, tem os autores da moda, tem as palavras de ordem, os emblemas. Os

professores, por estarem em constante formação e transformação, acabam

olhando sua própria prática a partir das ideias, princípios e valores éticos, morais

e formadores destes intelectuais. Formação esta entendida como um crescimento

pessoal que interfere no ambiente, no coletivo e no aprendizado individual.

Formação esta que mescla o real e o imaginário na historia de vida das pessoas

envolvidas neste processo.

O fantástico e a ficção constituem a realidade tanto nas historias, contos,

anedotas do dia a dia das pessoas nos diferentes lugares das cidades. De acordo

com Maffesoli (2001): “Por mais distantes que pensemos estar da magia, ainda

mal nos separamos dela.”

Introduzir a ficção na vida real, cotidiana é uma forma de resistência. Uma

resistência a imposições exteriores, sociais. A ficção estrutura uma forma de

existência dupla. A duplicidade é um dos fatores essenciais da criação de um

tempo e de um espaço fantástico em nosso cotidiano. Morin (1997) afirma que

“cotidiano e fantástico são a mesma coisa com dupla face”.

A dissertação está organizada em cinco capítulos. No primeiro, apresento a

minha historia de vida no campo pessoal e profissional. No segundo, relato a

historia da creche, a transformação em Centro de Educação Infantil e especifico a

historia do CEI Mário Caldana. No terceiro, relaciono os contos de fadas e as

historias de vida. No quarto, escrevo sobre pesquisa (conceito, abordagem,

técnica e utilização do grupo focal) e a pesquisa realizada na unidade

educacional. No quinto, faço a análise dos dados coletados durante a pesquisa.

Para a realização da pesquisa recorri a uma abordagem qualitativa e como

procedimento de coleta de dados a análise bibliográfica e documental,

completada pelo relato da minha própria experiência e pelo trabalho de campo por

meio do grupo focal. A pesquisa foi realizada em um Centro de Educação Infantil

da rede pública municipal no qual atuo como professora.

Os dados iniciais da pesquisa tem me levado a perceber que a formação

acadêmica contribui muito para abrir novos horizontes, demonstrar o que foi

pensado e vivido por diversos educadores em diferentes épocas, mas ela não

Page 19: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

19

esgota as necessidades apresentadas no dia a dia na instituição escolar. O

imaginário se faz cada vez mais presente e necessário no cotidiano das pessoas

para uma leitura de mundo diferenciada, otimista e esperançosa na resolução de

problemas e dificuldades do dia a dia. A vivência, a experiência de vida e as

experiências compartilhadas são fundamentais para a transformação constante

da minha prática docente, do meu olhar enquanto educador crítico e reflexivo, o

qual muitas vezes me vejo multifacetada diante das exigências sociais.

Page 20: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

20

1. UMA HISTORIA AINDA NÃO CONTADA

“[...] O sonho é assim uma exigência ou

uma condição que se vem fazendo

permanente na historia que fazemos e que

nos faz e re - faz.”

(FREIRE,1992, p.99)

Este capítulo narra a minha historia de vida e sua relação com os

contos de fadas. Comento fatos relevantes que ocorreram antes de meu

nascimento até os dias atuais e que auxiliaram em minha formação como pessoa

e como profissional. Ele está articulado ao meu objeto de pesquisa que é

descobrir a presença dos contos de fadas na historia de vida de professoras de

Educação Infantil como eu.

O cotidiano humano é sobremaneira, marcado pela troca de experiências, pelas narrativas que ouvimos e que falamos pelas formas como contamos as historias vividas. Daí a emergência e a utilização, cada vez mais expressivas, das autobiografias e das biografias educativas em contextos de pesquisas na área educacional. (Souza, 2006, p. 136)

A historia que vou narrar neste momento, me foi contada por meus pais e

avós. A minha historia é real e os contos de fadas estão presentes nela, talvez um

pouco misturados e ao mesmo tempo criando ou escrevendo uma nova historia.

Ao resgatar a minha história de vida, tenho a expectativa de que essa trajetória possa fundamentar coerentemente meu pensar como educadora e minha prática como gestora. Entendo que esse caminho implica buscar, recordar momentos positivos e negativos, alegres e tristes, em um processo árduo de ir ao passado com o pensar e o olhar de hoje, em um exercício constante de reflexão, que visa a formação do sujeito aprendente (JOSSO, 2004, p. 21).

Page 21: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

21

Neste sentido, para entender minha historia é necessário que eu inicie

com a historia do casamento de meus pais. Na década de 1960, apesar do

momento turbulento que o Brasil enfrentava, vivenciando a ditadura militar que

acarretava insegurança, desemprego e a violência crescente, uma união estável,

tranqüila e duradoura deu início a uma verdadeira historia de contos de fadas, de

príncipes e princesas.. Eram pessoas maduras, seguras, que estavam com a

vida, mais ou menos, estruturada e sabiam o que queriam. Transmitindo

confiança para que tomasse minhas decisões, inclusive a de ser professora.

Desta maneira, sempre que falava em ser professora, meus pais me

incentivavam. Quando decidi fazer o Magistério, meus pais me disseram que não

me preocupasse em trabalhar e sim em estudar e custearam vários cursos de

aperfeiçoamento além da escola particular. Minha família se encontrava sempre

ao meu lado. Meus pais nunca tentaram mudar minha decisão ou vocação: ser

professora.

O conceito de experiência formadora implica uma articulação conscientemente elaborada entre atividade, sensibilidade, afetividade e ideação, articulação que se objetiva numa representação e numa competência. Os cenários e contextos que são descortinados através da narrativa de si inscrevem-se em experiências individuais e coletivas, a partir dos diferentes seres socioculturais e psicossomáticos que somos. (JOSSO, 2002, p.35)

Continuando minha historia, como em todos os contos de fadas, neste

casamento também houve uma bruxa, não era uma madrasta e sim uma das

irmãs do noivo. Os anos foram se passando, a felicidade e o companheirismo

estavam presentes no cotidiano de ambos. Da união consolidada, nasceu em

vinte de outubro de 1963, uma menina que não era alva como a neve, mas

morena, muito chorona e cabeluda. Neste momento começava minha história.

Primeira filha, primeira neta, primeira sobrinha de uma família italiana formada de

sete filhos. Recebi toda atenção e carinho tanto do lado paterno quanto do lado

materno. Fui muito mimada, pois era considerada a princesa da família. Segundo

relatos de meus familiares, tinha tudo que queria, na hora que desejasse, sendo

protegida por eles. O conceito de princesa foi construído baseado nas historias

Page 22: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

22

que eram contadas, pessoa bela, bondosa, altruísta e sonhadora. Ao longo de

minha historia, com o contato com a realidade, percebi que as princesas tinham

uma vida comum, de muito trabalho e dissabores. O que as tornava mais

próximas das pessoas como eu que tem momentos bons e ruins, porém luta para

realizar os sonhos.

Como qualquer bebê, não deixei meus pais dormirem durante os

primeiros meses. Até que um dia meu pai colocou na vitrola um disco de historia.

Para ele, eu dormia porque havia uma pessoa falando comigo à noite toda, já que

a agulha da vitrola voltava para o início do vinil quando este terminava. Para meu

avô Mario, eu estava decorando a historia. Ainda em tempo, preciso dizer que

tudo o que acontecia na vida de meu avô se transformava em uma aventura, em

um “causo”. Meu avô não tinha referência de família. Segundo ele, veio do Rio

Grande do Sul, da cidade de Uruguaiana, acompanhando um circo e não

conheceu seus pais. O Gaúcho, como era conhecido cresceu sozinho, lutou pela

vida, mas não perdeu a alegria e a esperança. Trabalhava como eletricista da

Light e adorava dançar. Teve dois filhos e uma esposa muito a frente de seu

tempo. Minha avó Palmyra era muito inteligente, perspicaz, sabia viver e

comandava a casa como uma verdadeira matriarca, com pulso forte e muito

carinho.

Em 1964, muitos preparativos para a festa de meu primeiro ano de vida. O

tema da festa era a Branca de Neve, minha princesa favorita. Talvez naquela

época gostasse dela por viver rodeada por bichinhos e com anões extremamente

divertidos e diferentes. As fotografias retratavam o vestuário, os carros e até o

mobiliário da época.

Em 1965, já caminhava e falava bastante, realizava tarefas com maior

autonomia e brincava com todos os brinquedos da moda: bicicleta, bonecas da

Estrela e o que eu mais gostava: jogar bola! Mencionei a Fábrica de Brinquedos

Estrela, pois, meu tio trabalhava nela e conseguia qualquer brinquedo com

descontos muito grandes. Isso significava que todas as bonecas que eram

lançadas, eu tinha antes mesmo de chegarem às lojas. Apesar de brincar muito

de faz de conta, gostava de jogar bola com os meninos da vila. Minha avó se

preocupava muito, ela queria que eu me portasse como uma mocinha, mas eu

Page 23: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

23

não era desta forma. Sempre fui arteira e gostava de brincar na rua, não era

briguenta, mas gostava de movimento e de conversar. Continuava filha única e

pedia para a fada uma irmãzinha. Se ela deu um menino de verdade para o

Gepeto, poderia me dar uma irmã de verdade para que pudesse brincar comigo e

com todos aqueles brinquedos.

Segundo Souza (2006), o relato de formação nos faz compreender os

modos como se concebe o passado, o presente e as dimensões experienciais da

memoria de escolarização e de formação. E afirma neste sentido que:

Entender as afinidades entre narrativas (auto)biográficas no processo de formação e auto formação é fundamental para relacioná-las com os processos constituintes da aprendizagem docente. Desta forma, as implicações pessoais e as marcas construídas na trajetória individual/coletiva, expressas nos relatos escritos, revelam aprendizagens da formação e sobre a profissão. A memória é escrita num tempo, um tempo que permite deslocamento sobre as experiências. Tempo e memória que possibilitam conexões com as lembranças e os esquecimentos de si, dos lugares, das pessoas e das dimensões existenciais do sujeito narrador. (SOUZA, 2006, p.4)

Esta narrativa foi possível, pois fatos de minha infância ganharam

significados e foram (re)significados durante minha trajetória individual e

profissional. Em 1966, ingressei no Jardim da Infância, em período integral. Minha

mãe tinha uma loja de roupas infantis e as professoras do Jardim da Infância,

localizada na Rua Catumbi, passavam na porta e me viam brincando na loja. Um

dia uma das professoras conversou com minha mãe e perguntou se ela me

deixaria frequentar o Jardim da Infância. Minha mãe concordou e uma professora

me levava de manhã para a escola e a outra me trazia à tarde para a loja.

1.1. Escola, o início

Comecei a frequentar o jardim da infância com três anos. Naquela época

não havia muito espaço para criança tão pequena. Não estava matriculada, não

tinha idade para isso. Era frequentadora, mas muito interessada em aprender e

fazer amizades. Hoje em dia, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA,

Page 24: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

24

1988) dispõe em seus artigos a garantia da permanência da criança na escola e

possibilita o contato com outras crianças, outras culturas e situações

desafiadoras.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se- lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (ECA,1988,p.43)

Minha entrada no Jardim da Infância pode ser considerada um momento charneira, ou seja, um divisor de águas segundo Josso (2002).

Extrair da vivência momentos marcantes significa identificar os percursos (auto) formativos, porque houve um aprendizado, uma experiência. O paradigma experiencial entende que só há aprendizagem, quando ocorre mudança de referenciais e a formação docente é uma construção que ocorre nos espaços e tempos da história da vida em formação, que contribui para a compreensão do processo de construção do conhecimento de si e do mundo humano. (JOSSO, 2002, p.32)

Minha primeira professora, uma pessoa apaixonada pela educação infantil,

foi Dona Irene P. Barra Grosche. Uma profissional que trabalhava com as crianças

e os pais. Uma professora muito à frente de seu tempo, com ideias avançadas e

inovadoras. Tenho certeza que foi um de meus modelos de docente. Ela

organizava as festas da unidade onde todos participavam. Os pais ajudavam na

compra de materiais e no que fosse necessário como: contar historia, ensaiar a

bandinha e até tomar conta das crianças no parque. Convidava ex-alunos para

participarem das festividades, entregava os “diplominhas” ao final do ano e

narrava o período em que as crianças frequentaram o Jardim da Infância e o que

fizeram depois de saírem de lá. Contava historias como ninguém, os objetos

utilizados por ela se transformavam em princesas, bruxas, duendes, etc. Seu

fazer pedagógico tinha uma intencionalidade, a escola não era um depósito de

Page 25: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

25

crianças, mas um espaço de aprendizagem, de compartilhar ideias e

experiências.

Furlanetto (2007, p.6) afirma que a ausência de respostas, cria espaços

reflexivos que nos mantem em movimento de busca. Furlanetto (2007, p.10) cita o

educador Gómez (1995) que salienta que...

[...]o professor intervém num meio ecológico complexo, num cenário psicológico, vivo e mutável, definido pela interação simultânea de múltiplos fatores e condições. Nesse ecossistema, o professor enfrenta problemas de natureza prioritariamente prática, que, quer se refiram a situações individuais de aprendizagem ou formas de comportamentos de grupos, requerem um tratamento singular, na medida em que se encontram fortemente determinados pelas características situacionais do contexto e pela própria historia da turma enquanto grupo social. (Gómez, 1995, p. 102)

Em relação à mudança do modelo da escola, Lapassade (1983, p.14)

citado por Almeida (2008) afirma que já existe instituição cuja função é manter a

ordem, organizar o aprendizado e a produção, considerando horários, ritmos,

normas de trabalho, sistema de controle, estatutos e papéis sociais.

Voltando à professora Dona Irene, conhecer o aluno e sua família era

fundamental. Perceber as intervenções realizadas entre as crianças era muito

importante para planejar suas ações e os conteúdos não serem ministrados e sim

explorados. Gostava de dialogar muito com os alunos e analisar as respostas e o

que havia por trás daquelas falas, mesmo que aparentemente sem sentido.

Em 1967, nasceu minha irmã, Eliana, depois de muitos pedidos feitos a

meus pais e à Fada Azul, fada que transformou o boneco de madeira, Pinóquio,

em menino de verdade. Pinóquio, personagem de Carlos Collodi (1880), cuja

primeira aparição foi em 1883, no romance As Aventuras de Pinóquio. Esta era a

fada que mais pedidos atendia. Posso dizer que foi outro momento charneira

(Josso, 2002), uma passagem entre duas etapas de minha vida, um

acontecimento que articulou a filha única à irmã responsável, segundo o meu

ponto de vista. Mesmo com muitas crianças ao meu redor, queria alguém para

compartilhar minhas experiências, minhas aventuras, enfim a minha vida. Não

houve ciúme e sim um novo sentido com a chegada de um bebê em nossas

vidas. Tinha novidades para contar para minha professora e para meus

Page 26: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

26

coleguinhas do Jardim da Infância. Com a chegada de minha irmã Eliana, talvez

tenha descoberto minha vocação ou minha profissão, queria ser uma professora

como Dona Irene. Ela sabia de todas as coisas, mesmo aquelas que não

perguntávamos.

Nossa primeira percepção do mundo e de nós passa pela consciência. A imaginação e suas formas em ação nos relatos de vida e no trabalho autobiográfico nos colocam progressivamente no tempo. O ser de imaginação é muito fortemente ligado ao ser de sensibilidades (JOSSO, 2009, p.128-129)

Segundo Bettelheim (2009, p.11), para que uma historia realmente prenda

a atenção da criança, deve entretê-la e despertar a sua curiosidade. Para

enriquecer a sua vida deve estimular-lhe a imaginação.

Mesmo sem saber a fundamentação teórica, sentava minha irmã entre as

bonecas, pegava minha lousa e “dava aula para ela”. Era a minha brincadeira

predileta. Enquanto falava, cantava e contava historias ampliava meu repertório, o

que me permitiu maior desenvoltura, mesmo depois de formada, quando iniciei

minha atuação em sala de aula.

Para que uma historia realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade. Contudo, para enriquecer a sua vida, deve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções; estar em harmonia com suas ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas dificuldades, mas, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam. (BETTELHEIM, 2009, p.11)

Minha família sempre soube que eu seria professora ou uma educadora

muito exigente. Exigente no sentido de querer as coisas certas, de ser

perfeccionista para comigo. Eu queria transmitir tudo que sabia para eles. Nesta

fase de minha vida já contava as historias do Pinóquio, da Chapeuzinho

Vermelho, da Cinderela e a preferida, da Branca de Neve. Em minha casa sempre

teve muitos livros de historias e eu lia as imagens coloridas com postura de leitora

e ar de professora.

Em 1969, conclui o Jardim da Infância, onde vivi momentos marcantes de

minha vida e onde aprendi a conviver em sociedade. A entrega do diploma foi

uma solenidade inesquecível, já que meu primo, na época servindo na

Page 27: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

27

Aeronáutica, em Barbacena, participou da mesma entregando os diplomas. Ele

era um príncipe, pois foi na formatura fardado e segurava nas mãos o quepe.

Uma pessoa muito querida pela professora, pois tinha sido seu aluno e ao mesmo

tempo uma pessoa importante para tantas crianças que não tinham a

oportunidade de ver de perto um futuro aviador. Naquela época o diploma

significava o término bem sucedido de uma etapa escolar. Porém, nos dias atuais,

com o comércio de diplomas, o mesmo perdeu o significado para a maioria das

pessoas, servindo apenas como forma de obter promoção profissional. .

Em 1970, mudei da creche municipal para o SESI (Serviço Social da

Indústria), para cursar o Pré-Primário. Minha professora Dona Maria Helena era

muito ativa e gostava de cantar, contar historias de assustar e decorar nossas

atividades. A sala era numerosa, mas as atividades eram diferenciadas e

distribuídas nos grupos de trabalho, incentivando os alunos a aprenderem as

primeiras letras. Nesta fase meu principal objetivo era ensinar minha avó materna

a escrever o próprio nome. Achava muito importante escrever o nome para saber

se comunicar com as outras pessoas, pensava muito na identidade, mas também

na singularidade.

Segundo Hall (2009), a percepção da identidade como fixa e contínua

cede espaço para uma nova concepção de sujeito com identidade inacabada,

fragmentada, aberta e contraditória. Esta ideia sobre identidade também foi

contemplada nas pesquisas de Josso (2007) :

Trabalhar as questões da identidade, expressões de nossa existencialidade, através da análise e da interpretação das historias de vida escritas, permite colocar em evidência a pluralidade, a fragilidade e a mobilidade de nossas identidades ao longo da vida. Às constatações que questionam a representação convencional de uma identidade, que se poderia definir num dado momento graças à sua estabilidade conquistada, e que se desconstruiria pelo jogo dos deslocamentos sociais, pela evolução dos valores de referência e das referências socioculturais. (JOSSO, 2007, p. 415)

Minha avó faleceu no ano seguinte, mas consegui cumprir meu objetivo,

minha missão prematura de ensinar a pessoa a descobrir e ler o mundo. Em

1971, entrei na 1ª série do Ensino Primário. Uma série que deveria ser marcante e

decisiva, pois seria o início do meu estudo, da minha formação propriamente dita.

Mas não tenho lembranças da minha professora, aliás, nem me lembro do nome

Page 28: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

28

dela. Não foi uma professora com significado em minha vida e nem sei dizer o

porquê.

“As historias de formação são, sem sombra de dúvida, uma das mediações possíveis para redescobrirmos essas dimensões esquecidas, para mostrar como é que elas continuam a estar vivas dentro de nós, como alimentam o nosso ganhar forma, para as reinvestirmos conscientemente como tantas outras vias possíveis de interpretação da significação da nossa existência e da direção que entendemos dar à nossa busca de uma arte de viver em ligação e partilha.” (JOSSO, 2004)

Talvez esta falta de significado em minha vida, do esquecimento deste

período deve-se ao distanciamento da professora detentora do poder pelo saber e

de nós, alunos, seres sem luz, necessitados de conhecimento. Naquele momento,

seria importante uma escola com um atendimento de qualidade. Para acontecer

isso seria necessário de acordo com Nunes e Pereira (1996), outro professor,

outra escola, outra concepção de conhecimento, reinventado no fluxo da

instituição, da historia e da vida. Há que se compreender o professor e o aluno

como sujeitos produtores da historia e da cultura inseridos na linguagem.

Sei que na sala de aula a decoração era composta de letras e sílabas e

que minha cartilha foi “Caminho Suave”, como de toda a minha geração. A partir

da repetição, acreditava-se que o aluno se apropriava do conteúdo e

consequentemente do conhecimento. Fazia muitas cópias do mesmo texto, das

mesmas palavras, mas não havia mais historias e nem alegria na sala de aula.

Será que este conhecimento era realmente significativo? Será que aprendíamos?

Será que o conteúdo ministrado tinha um objetivo, uma intencionalidade?

Segundo Nunes e Pereira (1996), o conhecimento deve ser compreendido

como um processo dinâmico em constante transformação, como modo múltiplo de

criar e recriar o mundo incorpore também à política, os valores, a ética, a beleza,

o mito.

Uma lembrança muito forte era o hasteamento da bandeira ao som do

Hino Nacional. Tive a oportunidade de hastear a bandeira uma vez e meus pais

fotografaram o evento com muito orgulho. O ensino no SESI (Serviço Social da

Indústria) era muito conteudista e era valorizada a nota dos alunos para a

continuidade ou não da professora na escola.

Page 29: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

29

Devido ao falecimento de minha avó materna, tivemos de mudar de casa

e eu mudar de escola no término do ano. Em 1972, nossa vida transformou-se

totalmente. Mudamos para um sobrado próximo ao Largo São José do Belém.

Meu pai continuava contando historias para minha irmã e para mim. Minha mãe

apoiava, mas não era contadora de historias. Nesta época, meu pai arrumou um

emprego de assistente jurídico da firma SIAN ÚTIL e minha mãe, em sociedade

com minha madrinha ganharam a concorrência de uma cantina escolar em uma

escola estadual no bairro do Belém, chamada Escola Estadual de 1º e 2º graus

Amadeu Amaral onde cursei da 2ª até a 8ª série e tive a certeza de minha futura

profissão. Como eu ajudava a minha mãe na cantina, o contato e o convívio com

os professores da escola era maior. Acompanhava os eventos e ouvia as historias

dos funcionários, fazendo minha opção profissional definir-se.

Meu pai viajava pelo Brasil todo e voltava para casa nos finais de

semana. Na volta contava os fatos da viagem e como era importante conhecer

nosso país. Ele economizava para que nas férias pudesse levar a mim ou minha

irmã nas viagens com ele. Conhecemos pessoas muito interessantes e com

historias de vida extremamente curiosas e pitorescas. Essas historias eram

contadas por meu pai em minha casa e reproduzidas por mim na escola, pois

despertava o interesse de meus colegas. Uma dessas historia foi quando meu pai

viajou para o Amazonas, na época da construção da Transamazônica e teve a

oportunidade de conhecer índios daquela região. Não entendia o que eles diziam

e nem eles o meu pai, mas ele comprou colares e artefatos de madeira

produzidos na tribo, sendo que um dos artefatos era uma carranca com a

caricatura do cacique para ser pendurada na corrente e espantar os maus

espíritos. Era muito colorida e tinha um índio com cara de muito, muito bravo.

Levei para a escola e contei a historia, ficamos com medo porque aprendemos

sobre os indígenas, mas não sabíamos o que eram os “maus espíritos”.

Hoje compreendo que conhecer nossa cultura, nossa identidade cultural

é de suma importância e, às vezes, não temos valorizado ou não damos

oportunidade para que nossos alunos a conheça. Segundo a Conferência Mundial

sobre Políticas Culturais, promovida pela United Nations Educational, Scientific

and Cultural Organization (UNESCO), 1982, citada por Candau (1997) relata que:

Page 30: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

30

[...] a identidade cultural é uma riqueza estimulante que amplia as possibilidades de florescimento da espécie humana, incentivando cada povo ou cada grupo a nutrir-se de seu passado, a acolher as contribuições compatíveis com suas características próprias, dando assim continuidade ao processo de criação própria. (CANDAU, 1997, p. 239)

Voltando a minha trajetória, lembro que Ana Maria Tamone, minha

professora da 2ª série, era excelente. Trazia novidades e participava junto aos

alunos de todo e qualquer concurso cultural que aparecesse. Tivemos o concurso

pelo aniversário do bairro do Belém. Meus pais valorizando sempre o estudo, o

conhecimento, me ajudaram na pesquisa. Tiramos diversas fotos do bairro,

fizemos várias entrevistas e meu pai datilografou todo o trabalho. No dia

estipulado, entregamos o trabalho elaborado pela Família Auricchio.

No dia da premiação, meu trabalho recebeu uma medalha, que para

minha família, significou nosso esforço e dedicação na realização do mesmo.

Meus pais disseram que com este trabalho a família ficou ainda mais unida e

teríamos historias para contar para nossos filhos e netos. Neste momento, meus

pais continuaram defendendo valores e concepções que nos foram transmitidas.

Reforçaram que em toda situação de conflito, existe um aprendizado e que escola

e sociedade são lugares de mudança. Para que estas aconteçam é necessário

cultivar a esperança de um espaço justo e igualitário.

Silva (2005), concretiza a importância da esperança no cotidiano escolar.

A educação é por definição uma obra de mudança, de movimento de uma dada situação a outra diferente, mediante um determinado caminho; a paralisia burocrática não apenas prejudica o trabalho educativo, mas o impede. [...] O ponto nodal de toda mudança na educação passa pela mudança na unidade escolar, lugar onde se concretiza o esforço global de ensino e aprendizagem. Para tanto, há que criar condições para que essa grande aliada de qualquer mudança, a esperança humana, possa encontrar espaço para manifestar-se e viver. (SILVA, 2005, p. 55 – 56)

Em 1973, minha professora era Dona Cláudia, uma pessoa fiel a escola

tradicional. Havia desfile de Sete de Setembro, com bandas, fanfarras e pelotão

de bandeiras. Escolas públicas e privadas da 5ª Delegacia de Ensino reuniam-se

no Largo São José do Belém para o evento cívico que contava com a presença

de vereadores, deputados e representantes da Câmara Municipal. Neste ano, os

Page 31: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

31

estudantes representaram os estados brasileiros e seu folclore. Personagens

folclóricos desfilaram em meio a bandeiras e muita pompa. As lendas foram

trabalhadas em sala de aula e os personagens reverenciados pela professora.

Não conhecia muitos deles, pois meus personagens prediletos eram os de contos

de fadas. Mesmo assim pesquisei e aprendi a importância dos mesmos para a

memória do povo.

Antes de continuar meu relato, preciso contar que minha irmã e eu

brincávamos de princesa com as roupas de minha mãe. Gostávamos de robes de

cetim, pois eram cumpridos e arrastavam no chão. Digo isto para demonstrar o

meu maior contato com os contos de fadas e não com os contos folclóricos.

Em 1974, cursava a 4ª série com a Professora Neide Leda Porrino,

professora da Escola Estadual de 1º e 2º Graus Amadeu Amaral e do Colégio

Dante Aleguieri, aprendi muito com ela e sem dúvida foi meu modelo de

educadora durante vários anos. Ela ministrava o mesmo conteúdo nas duas

escolas e exigia o máximo de seus alunos, incentivando o conhecimento através

de medalhas para os melhores alunos. Sem fazer comparações com o nível

socioeconômico das famílias.

Foi dada à pesquisa “Brasil de nossos dias”. Meu pai, em suas viagens,

comprava cartões postais de todos os estados para contar onde esteve e

descrever os lugares. Meu trabalho mostrava o Brasil todo através de postais

coloridos e atualizados. Montei um belíssimo trabalho manuscrito e este sim foi

encaminhado a 5ª Delegacia de Ensino, onde ficou arquivado na biblioteca como

fonte de pesquisa para os demais estudantes. Para minha família, a glória não foi

uma medalha ou um troféu e sim um elogio escrito pela professora, em folha

avulsa, parabenizando o incentivo e o apoio da família no trabalho realizado.

Bilhete este que meu pai guardou em sua carteira e que me foi dado pouco antes

de seu falecimento.

1.2. Contos de fadas X Realidade adolescente

De 1975 a 1978, cursando da 5ª a 8ª séries, participei da Diretoria do

Centro Cívico onde organizávamos vários eventos e estávamos presentes nas

Page 32: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

32

reuniões representando os demais alunos e levando suas reivindicações. Nesta

fase da minha vida, esqueci um pouco dos contos de fadas e comecei com os

namoricos.

Substituía as professoras até a 4ª série do 1º grau. A Diretora Dona Amélia

Saldiva, dizia a minha mãe que eu tinha potencial e seria uma ótima professora.

Cantava, contava historias, naquela época com gestos e dramatizações e ainda

ensinava um pouco de Língua Portuguesa, minha disciplina predileta.

Afirma Furlanetto (2007, p.6) que ao longo dos anos de trabalho foi

compreendendo que aprender assusta, porque rompe, desloca, une e, sobretudo

transmuta. “Viver é perigoso”, já nos dizia Guimarães Rosa (1956) e aprender,

também, exige ousadia, desapego, coragem de entregar-se aos caminhos.

Não sabia se ia dar certo ou não como “professora”, mas gostava de

desafios e aprender o que as crianças me ensinavam, pois, naquele tempo

também era uma criança.

Neste período, comecei a participar da catequese ajudando na Missa das

Crianças, tocava violão e era catequista. Tia Corina, uma revolucionária

educadora, trouxe os gestos e as histórias para a igreja, atraindo assim a atenção

das crianças para a doutrina católica. Foi o primeiro curso que fiz como

catequista, incentivando ainda mais minha opção profissional.

Mais do que depressa, adotamos na Igreja São José do Belém, a missa

cantada e historiada. Para isso estendemos uma cortina no altar que tampava o

santo padroeiro. Os grupos mais conservadores da igreja tentaram boicotar a

inovação, mas vinham pessoas de várias paróquias para visitar e conferir nossa

missa diferenciada, que estava mexendo com os valores religiosos de uma

comunidade. As historias eram bíblicas, mas partiam de fatos relacionados ao dia

a dia. Eram interessantes, engraçadas e tinham um fundo moral. Passávamos a

semana desenhando as transparências. Minha irmã, sempre me acompanhando,

fazia as leituras durante a missa e tinha um grupo de crianças menores que

faziam a pré catequese.

Em 1978, fiz quinze anos, e era o auge da discoteca. Minha festa tinha

mais de trezentas pessoas, quase todos os colegas de escola, colegas da minha

irmã, colegas da igreja e alguns familiares. Como diriam hoje em dia, foi o evento

Page 33: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

33

social do ano, patrocinado com a maior felicidade por meus pais. Naquele

momento me senti uma princesa, estava usando vestido longo, tinha mais quinze

meninas com seus príncipes para dançar a valsa. Eu namorava naquela época

com um menino muito bonzinho e que minha família gostava muito. Porém não foi

com o Paulo que dancei e sim com meu primo Wilson, aquele que me entregou o

diploma no Jardim da Infância. Nossa relação sempre foi muito forte, é como se

ele fosse o irmão que nunca tive, protetor e verdadeiro.

Comecei a fazer cursos para aprender a contar histórias com entonação

de voz, suspense e alegria. O primeiro curso que fiz por ironia do destino foi

Didática do Folclore. Aprendi a valorizar as lendas, seus personagens e a

crendice popular. Percebi que além dos contos de fadas, outros contos poderiam

chamar a atenção das crianças, como na experiência com os contos bíblicos.

Como minha mãe continuava com a cantina, eu passava um período

estudando e no outro atendia o balcão. Uma professora muito habilidosa,

chamada Vera Lúcia, do Pré-Primário, pedia minha ajuda na decoração das

festinhas e me ensinava às técnicas de pintura e a confeccionar os enfeites. Eu

adorava, pois aprendia na prática com a experiência dela.

Uma professora que também incentivou minha carreira foi Dona Maria

Helena, professora da classe especial da escola. Esta classe, hoje em dia, seria

formada por alunos portadores de necessidades especiais. Foi ela quem me deu

o primeiro modelo para desenhos de festa junina e me disse que apostava muito

em mim e em minha “vocação” para professora. Muito católica; para ela ser

professora era uma vocação, um sacerdócio.

Silva (2008) descreve uma nova concepção de professor.

[...] o educador vê acrescido ao seu anterior trabalho de mediador para o conhecimento o de formador de identidades, o que implica em transmitir significados, valores e propostas de vida. Enfim, há de se superar a mera informação para atingir-se a formação. (Silva, 2008, p. 23)

Neste mesmo ano foi minha formatura da 8ª série. Na igreja montamos

um coral com as crianças da catequese e elas cantaram na formatura da escola

Amadeu Amaral com a regência da minha mãe; meus pais sempre participaram

de nossas vidas, minha e de minha irmã. Recebi o diploma das mãos da

Page 34: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

34

professora Maria Helena e foi como se ela estivesse entregando o diploma para

uma colega de profissão. Fiquei muito feliz e com uma responsabilidade muito

grande, não decepcionar as pessoas que acreditavam em meu talento, que

diziam que era nato. Senti-me como Peter Pan que se recusava a crescer, mas

tinha um mundo para organizar. A Terra do Nunca seria a próxima etapa de

minha vida.

1.3. O verdadeiro caminho começa: destino professora

Em 1979, entrei para cursar o Magistério no Instituto Nossa Senhora

Auxiliadora, uma escola particular, tradicional e de freiras salesianas.

Chorei muito no meu 1º Magistério; não queria aquela escola com

pessoas totalmente diferentes de mim. Sempre fui muito comunicativa e

inovadora. Com o passar do tempo, expus minhas ideias, comecei a tocar violão

nas festas de Nossa Senhora Auxiliadora e fiquei conhecida no colégio.

Lembro-me que nesta época tive muitas indagações, desilusões, ilusões,

construções, desconstruções, saberes e não saberes.

Sobre este aspecto Furlanetto (2007) comenta a existência de um

professor multifacetado, que não exerce sua docência pautada, somente, em

alguns princípios teóricos ou procedimentos técnicos.

Deparamo-nos com um sujeito mergulhado em vivencias e conflitos que exigem dele respostas desconhecidas e soluções, muitas vezes, impensadas. As certezas, a maneira correta de proceder e as respostas vão cedendo lugar à incerteza, aos dilemas, às diferenças e à necessidade de soluções singulares. (FURLANETTO, 2007, p. 11-12)

Em 1980, no 2º Magistério, comecei a estagiar. O estágio deveria ser de

observação, porém meu estágio de seis meses foi na Fundação do Bem Estar do

Menor (FEBEM) - Tatuapé, supervisionado pela Irmã Maria José, uma freira que

ministrava aulas de Português. Era uma pessoa muito tranquila, falava baixo, mas

extremamente politizada e resolvia qualquer tipo de problema pelo amor ou pela

dor, como diz o ditado popular. Todas as historias e músicas que eu conhecia não

Page 35: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

35

tinham sentido naquele momento, naquele ambiente. As teorias aprendidas até

então não eram colocadas em prática e os meninos, que possuíam família, não

contavam com ela. Narravam historias de abandono, de discriminação, de

violência, de impunidade. Durante as conversas entravam inspetores para chamar

alguns meninos para lavar os banheiros ou fazer outras atividades. Não

respeitavam o momento de diálogo e reflexão dos garotos, um momento em que

eram acolhidos e ouvidos. Um belo dia, a freira e eu fomos escoltadas para fora

da unidade por seguranças. Nossa presença não era mais bem vinda, segundo

relato dos seguranças os meninos estavam se apegando muito a nós e não era

bom para sua autoestima, para sua conduta. Percebia, neste momento, a

distância cada vez maior entre teoria e prática. O que fazer em uma situação

desta? Como administrar o conflito para evitar o confronto? Os cursos de

formação docente estavam preparados para dar aos alunos subsídios práticos

para resolver um desafio como este?

O desafio das situações educativas se encontra na imaginação de formas de aprendizagem que vão surpreendendo o aprendizado. Estas formas oferecem uma oportunidade de transformar a vivência proposta em experiência analisada, no decorrer da situação educativa. Os professores devem cultivar o seu imaginário e a sua capacidade de imaginação, para se tornarem “bons educadores”, ajustados, por um lado, à formação pessoal (existencial) dos alunos e, por outro, aos recursos que eles precisam na sociedade em que vivem. (JOSSO, 2009)

Escrevemos vários relatórios, mas não conseguimos voltar à unidade

para continuar nosso trabalho efetivamente pedagógico. De acordo com Paulo

Freire, partíamos da realidade dos meninos, de suas reflexões e críticas para

planejar o próximo encontro. Não estávamos lá para incutir uma educação

bancária, mas uma educação para a vida, talvez até ajudar a formar cidadãos

críticos, não somente no papel, mas na prática do dia a dia.

Em 1981, no 3º Magistério, fiz estágio de 1ª a 4ª séries na rede pública e

privada. Tive uma ampla visão do ensino ministrado naquele momento. Um

ensino que valorizava o conteúdo, sendo o aluno um mero receptor e o professor

o conhecedor, o detentor de todo o saber. Nos eventos, os alunos dançavam e

falavam todos iguais. Os pais, assim como eu, achavam lindo, todos realizando os

Page 36: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

36

gestos como a professora ordenou, ou seja, ensaiou. Percebi a diferença do

ensino público e privado e lembrei-me da minha professora Neide para quem esta

diferença ocorreria, mas que ela repudiava com veemência. Na escola pública,

várias crianças se destacavam, mas eram encobertas pela indisciplina e pela falta

de vontade de aprender dos demais.

Neste ano, em meu estagio, comecei a montar as pastas de atividades

motoras, de datas comemorativas, de músicas e de historias. Adorava fazer estas

tarefas, não via a hora de meus futuros alunos estarem executando atividades

confeccionadas por mim. Seria lindo pendurar os desenhos mimeografados, todos

iguaizinhos, pois a pintura deveria ser direcionada para que os pais recebessem

belas pastas para guardar e acompanhar o desenvolvimento artístico dos filhos.

Um período de transição implica olhar para o passado, preservar e rejeitar o que existia considerar desejos e possiblidades, pois as pessoas tendem a ficar suspensas entre o passado e o futuro, buscando reorganizar-se para um novo tempo. Esses momentos são de crises e oportunidades. O adulto, ao findar um curso preparatório para a docência, era considerado preparado para exercer sua profissão, como se estivesse pronto para lidar com os problemas que sua profissão iria propor-lhe. A Educação é um processo sem fim que solicita tempos e espaços adequados para ocorrer. (FURLANETTO, 2007, p.18-20)

Em 1982, fiz a especialização nos estudos da Pré-Escola no 4º

Magistério, ainda no mesmo colégio de freiras. Não acreditava em estágios

assinados pela diretora sem necessidade de fazer e muito menos naquele em que

ficava sentada olhando a professora e relatando. Fiz estágio aos domingos, na

Casa Aberta, um projeto para atender a comunidade belenense dando reforço

pedagógico, fazendo brincadeiras, confeccionando peças de artesanato e o

melhor de tudo contando historias. As crianças chegavam por volta de catorze

horas e iam embora às dezessete horas. O colégio tinha uma ótima infraestrutura

e tínhamos uma equipe de jovens que realizavam atividades atraentes e

significativas. Não era obrigatória a presença, mas a cada domingo mais e mais

crianças chegavam e o projeto cresceu. Fizemos exposições e várias

apresentações para a comunidade.

Page 37: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

37

Neste mesmo ano, minha irmã completou quinze anos e fomos à Disney

como presente de aniversário. Foi a primeira vez que tive a oportunidade de

vivenciar os contos de fadas de maneira real, de entrar em um castelo e tirar

fotografias com os personagens de minha infância. Das historias que conhecia,

dos livros que meu pai comprava da Editora Vecchi. Livros que traziam historias

originais dos Irmãos Grimm (1964), como As Aventuras do Pequeno Polegar e

Branca de Neve e as historias de Perrault (1964), como Cinderela, Chapeuzinho

Vermelho, O Gato de Botas e a Bela Adormecida no Bosque.

Segundo Maffesoli (2001):

O fantástico e a ficção não tem outro sentido: organizar o espaço vital tornar o cotidiano aceitável. As historias de vampiros, de fantasmas e outras criações excepcionais, transmitem uma visão de mundo normalizada e homogeneizada ou traduzem a angústia coletiva do tempo que passa. (MAFFESOLI, 2001, p. 100)

No final do ano, prestei o vestibular para Pedagogia e passei na 1ª fase

da Fundação Universitária para o Vestibular (FUVEST) e na Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) no período matutino. Meus pais

estavam muito satisfeitos e deixaram a escolha para mim. Não fiz a 2ª fase da

FUVEST, fui para a PUC-SP tentar encontrar e vivenciar os ensinamentos de

Paulo Freire, tão lido e reverenciado em meu magistério.

1.4. Da teoria à prática: distante, mas paralela

Em 1983, fui chamada para lecionar como substituta no Amadeu Amaral.

Foram anos puxados, estudava muito e trabalhava período integral, mas estava

fazendo o que sempre esperei, colocando em prática o que vivenciara em minha

vida escolar.

De 1983 a 1998, trabalhei no Instituto Nossa Senhora Auxiliadora (INSA),

lugar onde chorei muito e aprendi muito com as diferentes historias de vida.

Page 38: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

38

Por ser uma escola tradicional no bairro, por ser uma escola de freiras, o

ensino era tradicional e as aulas também. Tínhamos uma porção de cadernos

para utilizar, livros didáticos para cumprir e diversas avaliações para corrigir.

No início de minha docência, como havia estudado lá, fazia tudo como me

fora ensinado. As crianças em ordem crescente na fila, em silêncio, em sala de

aula escolhia o lugar de cada aluno seguindo as necessidades passadas pelas

irmãs: óculos, dispersão, problemas familiares na frente. As aulas eram

planejadas no final de semana, pois nossa freira coordenadora vistava os

semanários e dava sugestões para aqueles que não estivessem de acordo.

As festas de Nossa Senhora Auxiliadora eram o maior evento do colégio e

o melhor. Professores, funcionários, alunos e famílias se uniam para rezar em

uma missa realizada no pátio e havia apresentações de ginástica rítmica

realizadas pelos alunos. A comunidade belenense era convidada para o evento,

assim como diretoras e coordenadoras de outras escolas salesianas.

De 1983 a 1986, também lecionei na Escola Estadual Amadeu Amaral.

No primeiro ano, minha sala era de 1ª série com alunos de diferentes faixas

etárias e com ritmos de trabalho muito diversificados. Tenho certeza que não me

sai muito bem; não conseguia ensinar crianças sentadas em fileiras A, B, C, D,

separadas pelo nível de conhecimento, de aprendizado que apresentavam.

Algumas crianças estavam mais interessadas na merenda do que no conteúdo.

Elas gostavam muito quando contava historias de minha infância e dos

contos de fadas. Pelas historias me aproximava da realidade das crianças e

utilizava os contos de fadas para transmitir o que eu considerava certo ou errado,

bom ou mau. Elas narravam o dia a dia e seus problemas quando chegavam em

casa. Pais separados, violência doméstica, privações eram as historias que eu

ouvia, me perguntava como eu ensinaria o conteúdo se não era isso que as

interessavam?

No segundo ano, tive uma 2ª série e tentei trabalhar o conteúdo como

minhas professoras da 2ª e da 4ª séries trabalhavam. Tentei dar o mesmo

conteúdo que dava na escola particular e as crianças responderam bem. Os pais

ajudavam muito, enviavam tudo o que era solicitado. Queriam que as crianças

aprendessem e confiavam em minha proposta de trabalho de igualdade e

Page 39: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

39

valorização da escola pública. Proposta que foi explicada à eles na primeira

reunião de pais, relembrando a professora Neide (citada anteriormente) que fez

um belíssimo trabalho com alunos das escolas pública e privada.

No terceiro ano que estava ainda como Auxiliar Contratada Temporária

(ACT), foi o ingresso das crianças da Fundação do Bem Estar do Menor (FEBEM)

na escola estadual. Estava com uma sala de Pré-Escola com crianças da FEBEM

e da comunidade. Foi um ano difícil, pois tinha que tentar conter a agressão física

entre eles e as crianças da comunidade.

No final do ano, as crianças tiveram uma formatura digna de qualquer

cidadão. A comunidade aceitou os “pequenos infratores” como eram designados.

Fizeram até o juramento com o uso da beca, que eles não conheciam. Eles foram

incluídos e se incluíram na escola, perceberam e mostraram que não existe

diferença e sim maneiras diferenciadas de agir e pensar.

Em 1985, casei-me. Mas nossa historia de vida era muito diferente e com

o passar do tempo percebi que as diferenças ou a falta de alguns valores

dificultavam nosso relacionamento.

Em 1986, foi minha formatura em Pedagogia no Palácio do Governo. Foi

um evento cheio de pompa e circunstância. Meu patrono foi Paulo Freire, um

amigo de todas as sextas-feiras na PUC-SP e nosso paraninfo foi o educador

Moacir Gadotty. Educadores que influenciaram e influenciam a carreira de

diversos profissionais, comprometidos com a Educação verdadeiramente para a

Liberdade. Durante o curso de Pedagogia tive contato com diversas pessoas

vindas de diferentes e interessantes realidades.

1.5. Momentos charneiras

Em 1988, nasceu o amor de minha vida, meu filho Leonam. Um meninão

que modificou toda minha vida e me fez lutar por meus ideais. Até hoje, o Lê me

acompanha em todos os projetos e apoia minhas ideias.

Com o nascimento do Leonam tornei-me uma pessoa mais segura e

guerreira, queria ver meu filho bem e poder dar-lhe tudo que eu sempre tive

Page 40: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

40

principalmente carinho, amor e o estudo. Minha família apoiou minha decisão e

lutou junto comigo para que não faltasse nada a ele.

Voltando a minha historia profissional, nos primeiros dez anos trabalhei

conforme os ensinamentos. Percebi que era uma professora autoritária, que

cumpria rigorosamente as orientações sem questionar nada. O que havia

acontecido com aquela garota questionadora e inconformada com regras

impostas? Talvez o medo de perder o emprego e não ter como sustentar meu

filho tornara-se maior que minhas convicções e minhas crenças.

Em 1993, comecei a ousar trabalhar em grupo. Os alunos eram

convidados a sair das carteiras e sentarem no chão para a realização de

trabalhos e atividades. No início recebi muitas reclamações da direção, pois os

alunos saiam com o uniforme sujo e havia barulho na sala de aula. Argumentei

várias vezes que era bom para a socialização das crianças, para que elas

pudessem trocar ideias e compartilhar pensamentos e sentimentos. Neste período

lia muito sobre projetos e aulas diferenciadas e participativas. A inovação estava

presente em mim e era mais forte que eu.

De 1988 a 1998, trabalhei somente um período e fiquei no Instituto Nossa

Senhora Auxiliadora (INSA) onde meu salário era maior e era o lugar onde me

sentia em casa. Dediquei-me de corpo e alma a esta escola e principalmente às

crianças. Realizei vários projetos de leitura e escrita de livros. Os contos de fadas

tinham presença constante em minha sala de aula, continuava utilizando-os para

transmitir valores e também falar sobre as diferentes culturas e sociedades. Além

dos contos originais, as crianças tinham contato com as diferentes adaptações

para poder compará-las. No INSA, trabalhei com livros paradidáticos, livros

didáticos, valorizando o conteúdo até 1990.

Em 1990, com a mudança da direção e da coordenação principalmente, o

enfoque começou a ser outro. Entramos na era das Atividades Diferenciadas e

dos Projetos. Tínhamos vários cursos de formação e aperfeiçoamento. As festas

de Nossa Senhora Auxiliadora eram as mais marcantes do ano para os alunos,

pois tinham uma participação efetiva. O colégio tinha uma nova “cara”, tinha

autonomia, tinha particularidades até então esquecidas ou massificadas para

todos os colégios da ordem.

Page 41: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

41

Inventamos a Festa da Caneta, um evento na metade do ano, onde as

crianças da 2ª série passavam a utilizar caneta nos cadernos. Os pais compravam

uma caneta bem bonita e durante uma apresentação de música e dança dentro

de um contexto de contos de fadas ofereciam a caneta ao filho marcando uma

nova etapa em sua vida escolar. Era uma forma de trazer os pais mais vezes para

a escola.

A coordenadora não era freira e vinha com ideias de liberdade com

responsabilidade, de comprometimento sem opressão. Foram anos excelentes

em que alunos e professores aprendiam mutuamente e não existia os seus e os

meus alunos. Mas esta alegria durou até 1996, ano em que a coordenadora foi

demitida e em seu lugar a diretora colocou sua irmã que não tinha o mínimo de

experiência no primário.

Em 1998, minha mãe faleceu em outubro e em dezembro sai do Instituto

Nossa Senhora Auxiliadora (INSA), escola que trabalhava há quinze anos. Uma

professora, chamada Regina, pediu meu currículo e em uma semana depois

estava empregada novamente. Mudanças significativas que me fizeram repensar

conceitos e valorizar momentos que até então eram normais ou sem relevância.

Para compreender o efeito desta mudança nas historias de vidas Dominicé (2006)

indaga:

Quantos adultos não tiveram de aprender a ‘refazer sua vida’ enquanto imaginavam ter efetuado escolhas maduras e definitivas. A fragilidade do emprego, os conflitos relacionais, uma saúde defeituosa constituem alguns exemplos de perturbações que habitam a historia de vida. Quando essas situações se tornam sem saída, é preciso renunciar e recriar, aceitar perder, para poder refazer. Aqueles que viveram essas metamorfoses sabem o que lhes custaram. (DOMINICÉ, 2006, p.349)

De 1999 a 2004, trabalhei no Colégio Latino Americano, no bairro da

Penha. Os diretores eram rígidos e exigiam bastante do professor, por outro lado,

eram humanos e valorizavam a família.

A diretora, rubricava o semanário, caderno que trazia o planejamento de

atividades e conteúdos da semana, e dava sugestões de atividades e de

festividades. Como eu já estava acostumada com esta prática não me importava.

Achava normal acompanhar meu trabalho, mas para quem trabalhava naquela

Page 42: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

42

escola há mais tempo e não tinha este tipo de controle, não aceitava muito bem a

nova orientação. A coordenadora rubricava os cadernos dos alunos e cobrava

atitudes dos professores na intervenção junto às crianças.

Como sempre acreditei que os pais deveriam participar da vida escolar de

seus filhos, investi neste projeto. Depois de longas conversas com a direção,

consegui que os pais ajudassem nas atividades diferenciadas e em grupo. Minha

primeira oportunidade de aproximação foi a Festa Junina. Depois da dança

tradicional das crianças, os pais foram convidados a dançar com os filhos a

quadrilha. Tive a honra de dançar com meu pai, que estava prestigiando a festa

juntamente com meu filho que fotografou a quadrilha mais divertida que a escola

tinha visto. Foi uma experiência fantástica para eles e para nós do corpo docente.

Percebemos que se os pais fossem convidados, participariam da vida escolar dos

filhos com maior frequência e interesse e não somente nas reuniões para falar de

notas e indisciplina.

Em 2000, realizei um grande sonho, levar meu filho para a Disney. Minha

irmã, o Leonam e eu ficamos no mundo de magia e encantamento. Parecia que

estávamos participando das historias, ficamos mais de quarenta minutos sentados

em frente de uma das casas esperando a Branca de Neve e os Sete Anões

aparecerem para tirarmos fotografias com eles. A Disney é um lugar, em minha

opinião, onde os adultos se transformam em crianças e aproveitam como as

crianças a permanência em uma terra mágica e fantástica.

Em 2001, a mantenedora assumiu novamente a direção e as coisas

começaram a mudar. Dona Ivani, com uma experiência pedagógica infinita,

transformou a sala de aula tradicional em cantos montessorianos, o que facilitou o

acesso das crianças no manuseio dos materiais pedagógicos.

De acordo com seu pensamento e formação, incentivava o trabalho com

projetos e as atividades utilizando diversos ambientes fora da sala de aula. O

colégio tinha um bosque maravilhoso para trabalhar com as crianças, os

conteúdos de animais e plantas. As aulas de Ciências eram práticas e em lugar

extremamente agradável.

Fizemos o Projeto Monteiro Lobato, no qual as crianças leram sobre o

autor, pesquisaram os personagens famosos e contei diversas historias do Sítio

Page 43: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

43

do Picapau Amarelo. O Projeto Profissões valorizou as diversas atividades

profissionais e trouxe para a escola pais que contavam como escolheram sua

profissão e se estavam realizados fazendo o que haviam escolhido.

O mais interessante projeto daquele ano foi a Festa da Caneta que havia

trazido da outra escola. A festa nesta escola foi baseada na festa do livro da 1ª

série. No primeiro ano, a direção não apostou muito no êxito da mesma. A partir

do segundo ano, o evento tomou vulto. Os pais participaram ativamente. A Festa

da Caneta foi tão bem acolhida que a direção a incluiu no calendário escolar.

Em 2002, com minha família tranquila e o meu lado profissional também,

conheci uma pessoa extraordinária, que mudou minha vida amorosa. Até aquela

oportunidade não tinha encontrado uma pessoa companheira, carinhosa, disposta

a tudo. Numa ironia do destino, meu caminho cruzou-se ao de Cláudio. Pessoas

tão diferentes que acabaram unindo-se num laço de amor, respeito e amizade.

Em 2003, com a aproximação do final do ano, comecei a pensar no tema

da festa, minha irmã escreveu um texto no qual os personagens de contos de

fadas ajudavam uma criança a procurar sua caneta. Esta havia sido levada pelo

Capitão Gancho, que não sabia escrever. O menino percorreu a floresta e

encontrou diversos personagens como: Mogli, Peter Pan, Robin Hood, etc. No

castelo encontrou princesas, príncipes e até os anões. No mar encontrou a

pequena Sereia e seus companheiros e na fábrica de brinquedos toda a magia de

Gepeto e Pinóquio. As três fadas da Bela Adormecida eram mães que

participaram da dramatização com alegria e entusiasmo.

O pai de um aluno desenhou e confeccionou todo cenário. Meu filho

gravou vídeos com canções de diversos desenhos que foram cantadas pelas

crianças e pelos adultos. Os pais ficaram encantados e consegui realizar um

sonho. Resgatar os contos de fadas nos pais para atingir cada vez mais os filhos.

O colégio também saiu na frente na questão da inclusão social, tivemos

várias palestras e cursos referentes aos tipos de necessidades especiais, a

importância da inclusão e da não exclusão. Tive a oportunidade de conhecer o

Laramara que faz um trabalho excelente para os portadores de necessidades

visuais, incluindo-os socialmente e o mais importante culturalmente. As pessoas

saiam dos cursos sensibilizadas e ao mesmo tempo preocupadas com a falta de

Page 44: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

44

preparo e formação do professor para receber e realmente não excluir estas

crianças.

Em 2004, tive uma aluna com Síndrome de Down e um aluno psicótico,

cada um em um período, pois dobrava período no Colégio Latino Americano.

Passava atividades diferenciadas e as próprias crianças me ajudavam tanto na

parte pedagógica como na parte de higiene e alimentação.

O menino me preocupava bastante. Não sabia qual seria a atitude dele

comigo e com as demais crianças. Foi um ano difícil e percebi que apesar dos

cursos, não estava preparada para a inclusão e nem a escola tinha infraestrutura

para receber alunos inclusivos. Percebi a falha na formação docente que se

preocupava com as crianças ditas normais e as teorias mais adequadas a este

tipo de clientela e nem sequer mencionava as síndromes e as patologias que

eram encontradas constantemente nas salas de aula.

À vontade e a facilidade do trabalho com projetos aumentava em minha

prática docente um desejo de conhecer mais, de explorar e aplicar esta inovação

tão esperada.

1.6. Educar, crianças de diferentes idades – a realização do sonho

Em agosto de 2004, ingressei na Prefeitura de São Paulo, no cargo de

Professora de Desenvolvimento Infantil, no berçário do CEI Vereador José

Bustamante. Vi-me apavorada, pois nunca tinha passado por este tipo de

experiência. Sempre trabalhei com crianças maiores, não sabia o que era um CEI.

Prestei o concurso porque minhas colegas de trabalho insistiram para que eu

fizesse a prova. Chegando à unidade, a coordenadora me disse que eu era

professora do berçário e que as contratadas me ajudariam. Foi uma fase de

transição na Prefeitura de São Paulo. Nós, professoras efetivas, entravamos na

unidade e as contratadas tinham de sair. Pessoas que estavam há muito tempo

eram substituídas por recém chegadas, sem experiência e com um diploma na

mão. Tiravam o emprego de quem realmente precisava e sabia cuidar das

crianças.

Page 45: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

45

Após alguns dias, chegou para ocupar a outra vaga do berçário a

professora Maria da Penha Miranda, minha melhor amiga, ensinou-me o

necessário e o essencial do trabalho em berçário. Aprendi a rotina daquelas

crianças tão pequenas e enfrentamos juntas as grandes dificuldades encontradas

na estrutura estabelecida naquela unidade. A falta de material e de vivência de

creche das professoras que estavam chegando acabou por unir o grupo que ao

longo dos meses tornou-se uma equipe. Tivemos de aprender juntas para não

desistir de nossa função. Nossas teorias não valiam tanto naquele momento

quanto a prática das professoras mais antigas. A falta de funcionário e de material

também eram fatores que dificultavam nosso trabalho docente.

Cada dia ficava mais surpresa com aqueles pequeninos, não precisava de

carteira, de caderno para chamar a atenção deles. Ficávamos seis horas com as

crianças desenvolvendo atividades práticas do dia a dia delas.

Separávamos várias sucatas para contar historia. O mais interessante é

que as crianças não viam os objetos e sim os personagens. Percebi que a

imaginação era o ponto chave do mundo dos pequenos e era nele que eu,

acostumada com conteúdos difíceis e complexos, deveria adentrar.

Compreendi a importância do banho para a aproximação com o bebê,

além é claro da higiene. A hora da alimentação era um excelente momento de

aprendizado e de vivência. Tirávamos as crianças dos cadeirões e as

colocávamos nas mesinhas para se socializarem com as outras crianças. Era

durante as refeições que elas trocavam ideias e experiências. Viam como os

outros seguravam as canequinhas e os talheres, como levavam o prato para jogar

o resto de comida no lixo e colocar o prato na bacia para ser lavado. Na sala de

aula reconheciam seus pertences e tentavam vestir-se ou despir-se sozinhos.

Fiquei muito surpresa, pois não imaginava que crianças tão pequenas

pudessem e quisessem ser autônomas. Crianças tão pequenas reproduzissem

historias e reconhecessem os personagens e suas características. Que

soubessem cantar músicas e organizar a sala. Estava realmente encantada com

a Educação Infantil e o princípio de autonomia trabalhado no Centro de Educação

Infantil (CEI).

Page 46: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

46

No final de 2004, sai do Colégio Latino Americano, pois a diretora queria

exclusividade. Naquele momento minha estabilidade profissional era muito

importante e estava gostando do meu novo desafio no CEI. Minha grande alegria

foi a formatura de meu filho na 8ª série do Ensino Fundamental. Senti como se

parte de minha missão estivesse cumprida. Ele ficou lindo de “ smoke”, parecia

um príncipe de verdade. Neste momento não poderia ser mais uma princesa e

sim rainha devido a minha idade e experiência de vida. Meu pai, nesta época

estava muito doente, mas não deixou de prestigiar o neto em seu primeiro baile.

Minha irmã, madrinha e fada madrinha, de meu filho dançou a valsa com ele. Foi

maravilhoso ver nossa família reunida para comemorar uma etapa importante da

vida de meu filho, que cresceu sem que nós percebêssemos, pois sempre foi um

menino tranquilo e muito companheiro.

No início de 2005, fui chamada pela Escola e Faculdade João XXIII. A

coordenadora me explicou o funcionamento da escola, disse que minhas

referências eram boas e que precisava de alguém com a minha experiência para

ampliar e inovar o trabalho pedagógico desenvolvido naquela instituição. No dia

seguinte, iniciei meu trabalho na 2ª e 3ª série daquela escola. Encontrei a

receptividade das professoras que trabalhavam há mais de quinze anos naquela

unidade.

O ano foi maravilhoso. Ninguém tinha medo de demissão, o ambiente era

tranqüilo e as crianças saiam ganhando. O corpo docente era muito unido,

desenvolvíamos as atividades e os projetos juntos. O trabalho era coerente e

coeso. A coordenadora deu-nos carta branca para realizarmos nossos projetos,

pois acreditava que as crianças aprendiam mesmo fora da sala de aula.

Depois de quase dez anos sem fazer cursos de extensão, voltei a estudar

com o apoio de minha família e de Cláudio que achavam que a sala de aula

estava pequena para minhas ideias e aspirações. Cursei Supervisão Escolar na

Universidade de Araras durante seis meses. Foi excelente a convivência com

estudantes mais novos. Minha professora conheceu Piaget, era uma senhorinha

com uma história de vida emocionante e uma carreira brilhante na educação.

Falava que aos setenta e cinco anos não conseguia ficar em casa. Sentia-se bem

Page 47: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

47

na faculdade e que tinha muito a aprender. Seu conhecimento e sua vivência

eram invejáveis.

Em 2006, me removi para trabalhar no Centro de Educação Infantil

Penha, próximo ao metrô Vila Matilde. Fui atribuída ao mini grupo que atende

crianças de até três anos. A organização deste CEI era impressionante. A direção

e a coordenação eram presentes e comprometidas com a Educação Infantil. A

professora Assunta e eu, desenvolvemos diversos projetos durante o ano. Nossos

projetos mais significativos foram do salão de beleza e da cozinha. As crianças

participaram ativamente de atividades de seu dia a dia. Tiramos várias fotos e

aprendemos que esta poderia ser uma forma de registro e de revisitar os

registros. O olhar do outro, através da fotografia, ampliou o meu, pois durante a

atividade não nos atentamos a detalhes que depois foram observados e puderam

nos auxiliar na reavaliação da atividade como um processo.

Na Escola João XXIII, as crianças juntamente com as famílias

desenvolveram vários projetos. Os projetos foram valorizados pela direção e

divulgados no jornal da escola. Fizemos o Projeto Crianças Famosas onde as

crianças pesquisaram a vida e a carreira de vários músicos e pintores que tiveram

seu talento aflorado e descoberto desde muito cedo. Conhecemos Mozart,

Leonardo da Vinci, Schumann entre outros. As crianças caracterizadas

expuseram a vida e a obra destes gênios e também seus próprios talentos

artísticos.

Em um dos cursos promovidos pela Editora Frère Theophane Durand

(FTD), no mês de agosto, conheci pessoalmente o escritor Fernando Carraro que

tinha preocupação com o meio ambiente e os valores éticos e morais. Na época,

estava lendo com os alunos o livro “O Catador de Papel” que narrava a historia de

vida de moradores de rua. Contei a ele o projeto que estava desenvolvendo e o

autor me disse que iria visitar a escola e ver como as crianças estavam reagindo

frente à realidade diferente relatada no livro. Pensei que fosse brincadeira, mas,

mesmo assim, deixei meu nome e o endereço da escola com ele. Depois de uma

semana, foi agendada uma data para a visita de Fernando Carraro.

Não acreditei que uma pessoa tão ocupada, tivesse tempo de visitar o

trabalho de um grupo de alunos. Os pais foram convidados para assistir a

Page 48: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

48

dramatização e apoiaram integralmente o projeto. Os elogios tecidos pelo autor às

crianças e à professora emocionaram a todos os presentes. Foi uma experiência

inesquecível para quem acredita no poder dos projetos e no processo de ensino e

aprendizagem.

Em outubro deste mesmo ano, iniciei uma Pós-Graduação em Docência

do Ensino Superior Tecnológica. Minha família mais uma vez estava ao meu lado.

Minha irmã sempre me compra um caderno quando vou iniciar um curso. Ela

escolhe o caderno mais bonito que encontra, sempre com personagens de contos

de fadas. Para incentivar meus estudos, o Cláudio almoçou todos os sábados na

Faculdade comigo e com meus colegas. Os almoços eram divertidos e nos

aproximávamos cada vez mais, conhecendo assim a historia de vida de cada um

e de como chegaram até o curso. Com a pós, novos horizontes se abriram em

minha carreira e comecei a visualizar a educação de maneira diferente. Percebi

que a cada fase que passava, me transformava ou me reconstruía como uma

nova professora, ou melhor, queria ser educadora. Conheci pessoas vindas

novamente de diversas profissões, a diferença é que todos queriam lecionar e

colocar em prática os ensinamentos recebidos ou transmitidos nos cursos de

graduação.

Em 2007, continuei no CEI Penha como volante, isto é, não tinha uma

sala fixa. No início do ano juntei-me a uma Professora de Desenvolvimento Infantil

(PDI) readaptada e a uma Agente de Apoio, para montarmos um projeto utilizando

a biblioteca: Projeto Biblioteca Itinerante. A prefeitura havia enviado mais de

trezentos livros para a unidade. Separamos e catalogamos os livros. Fizemos a

divulgação da biblioteca para os pais. No início foi difícil, pois os pais pensavam

que estivéssemos vendendo livros e não queriam nem parar para conversar.

Depois entenderam e participaram do projeto. As crianças retiravam os livros em

dois dias da semana e ficavam com os livros no final de semana em casa. As

professoras assim como os pais eram responsáveis pela preservação do livro e

pela contação de historia.

As crianças chamavam os pais para escolherem os livros e cobravam dos

mesmos a carteirinha da biblioteca. Alguns pais foram contar historias no CEI e

utilizaram caixas de historias confeccionadas pelas educadoras da unidade. O

Page 49: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

49

trabalho demorou, mas rendeu muitos frutos. Nosso aprendizado foi imenso. Pais,

professores e crianças apoiaram a ideia e incentivaram nosso projeto.

Hermantina, uma agente de apoio com uma vivência inigualável na

creche, uma pessoa que entrou no CEI quando este pertencia a Assistência

Social, onde o cuidar era mais importante que o educar, teve a chance de

transformar seu cargo e estudar para ser professora, mas sempre disse que a

melhor escola era a vida e que poderia ser mais útil do seu jeito de tratar as

crianças e auxiliar as professoras. Em sua visão para ser professor é necessário

um curso de formação, é necessário ler muito, ter um diploma, mas para ser

educadora é necessária à experiência, ter uma historia de vida significativa para si

e para o outro e estar aberto para se reconstruir sempre diante dos desafios

impostos pela sociedade e pela cultura.

Em 2007, nosso projeto de leitura continuava no CEI Penha. Tínhamos

mais de oitenta frequentadores assíduos na Biblioteca Itinerante. Decidimos

inscrever nosso projeto no concurso da Câmara Municipal, Prêmio Paulo Freire

de Qualidade do Ensino Municipal, recebemos menção honrosa, porém todos se

sentiram premiados, foi um esforço conjunto para que o Projeto Biblioteca

Itinerante – Leve esta Ideia para casa, desse bons frutos e estimulasse um

momento de leitura, de encontro entre pais e filhos.

Na Escola João XXIII, meu ano começou excelente. Ganhei de presente

uma sala com crianças questionadoras, ativas e o mais importante com pais

participativos. Os pais estavam à disposição. A direção já havia me dado carta

branca para a realização de projetos e a entrada dos pais na escola. Neste ano

conheci a tia Célia, que me acompanha até hoje. Adotei como tia, disposta a tudo

para ver as crianças felizes. O Leonardo, seu sobrinho, tem orgulho de vêr como

a Célia auxilia nos projetos e é querida pelas famílias e pelas professoras. O

Projeto Recreio Cantado uniu crianças de todas as salas para apresentarem

canções trabalhadas em sala de aula. Tivemos total apoio da diretora Conceição.

Mas o projeto fundamental deste ano em minha sala foi o Projeto Sítio do

Picapau Amarelo. Lemos sobre o autor e seus diversos personagens, visitamos o

sítio e conferimos o que pesquisamos. Confeccionamos bonecos dos

personagens usando material reutilizável. Neste projeto além do apoio dos pais,

Page 50: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

50

ingressou em nossa equipe a tia Sandra, uma inspetora de alunos, que fez o

Magistério e que tem muita habilidade artística para realizar trabalhos manuais e

muito jeito com o público infantil. O Projeto Monteiro Lobato durou o ano todo e

teve seu ponto máximo na Exposição de Tecnologia (EXPOTEC), uma exposição

de tecnologia na qual os alunos caracterizados expuseram toda sua vivência no

mundo mágico e real de Monteiro Lobato. Contamos principalmente com a

participação dos pais que também vieram caracterizados de personagens para

engrandecer e valorizar o trabalho dos filhos. Senti-me uma educadora realizada,

pois meu sonho de trabalhar com projetos e ter a participação da família dos

alunos estavam realizados. Fui à mediadora de um trabalho significativo e

carregado de muitos valores humanos.

No segundo semestre deste mesmo ano, fui contratada para lecionar

Antropologia Cultural na Faculdade Drummond, no curso de Administração de

Empresas. Fiquei felicíssima e meu pai que acompanhou a trajetória da menina

que dava aula para as bonecas, estava muito orgulhoso e me dizia para ir em

frente, porque eu era competente e amava o que fazia. Notei que aqueles

meninos crescidos precisavam de apoio e carinho como minhas crianças do CEI e

do Fundamental I. Eles solicitavam atenção, respeito e o mais importante alguém

que se interessasse pela defasagem de conteúdo deles e resgatasse alguns

conteúdos fundamentais para que pudessem prosseguir sua jornada.

O processo de formação torna-se uma longa busca de si em um mundo que demanda uma forte consistência pessoal para enfrentar os desafios que cada um deve encarar na sociedade atual. Essa experimentação existencial irá de certo surpreender, particularmente em contextos de conformidade social, porque ela favorecerá trajetórias insólitas e opções aparentemente contraditórias. (DOMINICÉ, 2006, p.328)

Esses alunos traziam historias de vidas diversificadas, concepções

diferentes, porém objetivos comuns: frequentar e concluir o Ensino Superior para

ter chance de promoção no emprego ou para ascender socialmente perante a

família, principalmente no caso de pessoas que estão afastadas da escola há

muito tempo. Tinha uma sala com oitenta jovens e como fazia com minhas

crianças, tentava chamá-los pelo nome. Logicamente que eu trocava o nome da

maioria, mas acertava o nome de alguns. Para eles, a identificação fez muita

Page 51: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

51

diferença. Eles não se sentiam um número, mas uma pessoa valorizada e

conhecida, diferenciada. Começaram a me chamar de professorinha. No início

pensei que fosse por minha estatura baixa, mas descobri que era por estar

próxima a eles, como a professora do Fundamental, havíamos criado um laço

afetivo iniciado pela valorização da identidade desses jovens. Neste momento não

sabia quem era o mestre e quem era o aprendiz, pois eles me mostraram o

caminho que deveria seguir para ter êxito no Ensino Superior: a liberdade de

escolha, o comprometimento com o grupo e a responsabilidade pelas atitudes

tomadas.

As matrizes pedagógicas podem ser compreendidas como nichos, nos quais são gestados e guardados os registros sensoriais, emocionais, cognitivos e simbólicos vividos pelos sujeitos ao tramitarem nos intersubjetivos, em que se constela o arquétipo do Mestre-aprendiz. Alguns professores e alunos, ao se sentirem em uma relação pedagógica na qual este arquétipo esta constelado, caracterizam-se como momento mágico, pois ele não ativa somente as dimensões racionais dos sujeitos envolvidos, mas os embarca por inteiro, tocando as instâncias mais profundas do ser. O sujeito pode participar dessa vivência como aprendiz ou como mestre> Ao experimentar a polaridade aprendiz está, simultaneamente, absorvendo Maneiras de vivenciar a polaridade mestre (FURLANETTO, 2008, p.198).

Em 2008, iniciamos o Projeto Caixa de Historia. As crianças escolhiam

um livro e confeccionavam caixas de historia com a família que depois iam até a

escola contar a historia para a classe de seu filho. Já na confecção, as crianças

vinham cheias de novidades, pois contavam que os pais desligavam a televisão

para ficar um tempo somente com elas.

Os que foram contar historia na escola relataram que a experiência foi

impagável, a criança ficava extremamente feliz por ter a família na escola e os

coleguinhas comentavam durante vários dias a participação daquela família e

reproduziam a historia. Uma das historias mais marcantes foi a contada pelo

Leonardo e tia Célia, O Leão e o Ratinho. Eles contaram a historia e depois

fizeram um baile com músicas relacionadas a historia. Outra historia interessante

foi a contada pela Catarina e sua mãe Lílian, a historia de uma abelhinha.

Fizemos a integração escola pública e escola privada. As crianças da

Escola João XXIII foram contar historias para as crianças do CEI Penha. Os

bebês ficaram encantados com as caixas coloridas e os personagens ganharam

Page 52: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

52

vida na voz de crianças um pouco maiores. Foi uma experiência gratificante para

as crianças que tiveram a possibilidade de mostrar seu trabalho fora da escola e

conhecer crianças tão pequenas que prestaram atenção e entenderam suas

historias.

De volta a Escola João XXIII, as crianças tiveram historias para contar

durante uma semana e queriam saber quando voltaríamos no CEI. As demais

crianças da escola quando viam a chegada de caixas de papelão queriam saber

onde seria a historia, quem iria contar. Combinamos com as professoras e as

crianças contaram as historias em diversas salas. Foi muito interessante. Durante

este ano a prioridade foram as historias, os contos de fadas, o folclore ou livros

utilizados como paradidáticos.

Sempre com o apoio da direção, montamos uma oficina pedagógica com

as caixas de historia e contávamos com a participação das escolinhas parceiras

da Escola João XXIII. Algumas famílias foram contar historias para as professoras

das diversas escolas. Depois as professoras confeccionavam caixas de historia

em equipe e apresentavam a historia para as demais. Senti meu trabalho

frutificando e minhas ideias colaborando para a formação de novos profissionais.

A Revista Atividades e Experiências do Sistema Positivo incentivou nosso

trabalho publicando uma matéria sobre o projeto, valorizando as caixinhas que

ganharam sentido real partindo da criatividade e da imaginação das crianças.

Na faculdade montamos seminários referentes à Cultura Brasileira e um

dos quesitos da avaliação era a criatividade. Os meninos utilizaram data show,

vieram caracterizados, trouxeram convidados para falar, organizaram debates e

trouxeram até um grupo de uma cidade do interior paulista que cantava músicas

evangélicas para participar do seminário sobre religião. Foi fantástico o empenho

dos meninos, dos meus garotos que eram nomeados e se sentiam cidadãos

participativos e reflexivos, não se conformavam com qualquer tipo de aula ou

conteúdo.

Em 2009, me removi para o CEI Capitão PM Mário Caldana, onde fui bem

acolhida, todos sabiam que eu vinha de outro CEI contra minha vontade e que eu

era professora universitária. Frequentemente escutava o que eu fazia no CEI, se

poderia estar somente na faculdade. Minha resposta sempre foi que tinha e tenho

Page 53: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

53

muito à aprender com as pessoas que têm tanta experiência com criança

pequena e que eu só tinha a teoria. Queria combinar a teoria com a prática,

precisaria delas para me ensinar como fazer isso, mas esse ensinamento seria

através de vivência, de conversa, de contar como elas conseguiram ensinar

durante vários anos sem ter fundamentação teórica, sem saber o certo e o errado

na ação pedagógica.

Como eu digo sempre estava adaptada a nova realidade em duas horas.

Encontrei professoras novas como eu na prefeitura e que tinham vontade de

trabalhar com projetos e o mais impressionante, realizavam atividades

diferenciadas com contos de fadas. Neste CEI a contação de historia era o carro

chefe, era uma prática constante das professoras dos dois períodos. Conheci

também professoras com mais de vinte anos naquele CEI, que eu chamo

carinhosamente de dinossauros. A Márcia e a Sueli têm narrativas de vida

incríveis e suas experiências é significativa para a historia do CEI e das crianças.

São professoras que entraram na unidade quando a creche ainda pertencia a

Secretaria do Bem Estar Social e sua principal função era cuidar de crianças.

Vindas de outras profissões tiveram de aprender com a vivência como cuidar de

crianças tão pequenas, com pouco ou nenhum material pedagógico. Atualmente,

dizem que trabalhar no CEI ficou fácil. A quantidade de material enviado pela

prefeitura é grande, elas receberam formação docente e cursos de atualização.

Sabem como e porque utilizar uma atividade ou outra e como conduzir as famílias

que frequentam o CEI.

A experiência destas professoras que me encantam e ao mesmo tempo

me instigam a investigar como e porque elas se tornaram professoras e

continuam exercendo esta profissão.

Durante o ano de 2009 desenvolvemos um projeto de leitura que

mostrava as diversas possibilidades de trabalhar a leitura com crianças pequenas.

O projeto tinha o título de Quem Aumenta um Ponto, Inventa um Conto... Todas

as crianças do CEI participaram das atividades, houve contação de historia no

parque utilizando tecidos e fantasias, no refeitório através de dramatização, na

sala utilizando caixas de historia, avental de historia, fantoches e o livro gigante

confeccionado por duas professoras (Edina e Silvia). Apresentamos este projeto à

Page 54: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

54

Diretoria Regional da Penha e as demais professoras ficaram encantadas como

as crianças reagiram bem a leitura e as atividades propostas.

Prosseguimos com o projeto durante todo o ano, trabalhamos historias

clássicas dos contos de fadas como: Branca de Neve e os sete anões, O patinho

feio, Pinóquio, João e Maria, Chapeuzinho Vermelho e Os Três Porquinhos. Para

finalizar o projeto convidamos o escritor Ivan Fortunato (2008), autor do livro

“Caminhos de Fortuna” para nos fazer uma visita e assistir a dramatização de seu

livro preparada pelas professoras juntamente com as crianças. Ele aceitou e toda

equipe do CEI Capitão PM Mário Caldana ajudou a transformar o refeitório em um

enorme picadeiro, a roupa do palhaço Fortuna foi confeccionada e o livro

desenhado em diversas cenas como se fossem vários quadros. O autor ficou

emocionado ao ver crianças tão pequenas identificando seu personagem e os

fatos marcantes que ocorreram durante o livro. A professora Silvia, ficou idêntica

ao palhaço Fortuna e levou alegria para as crianças e para as famílias que foram

recepcionadas na hora da saída pelo palhaço. Foi um momento inesquecível para

todos os funcionários da unidade.

A escola vale mais por aquilo que possibilita do que por aquilo que tem a intenção de proporcionar. No tempo de escola, como em todos os tempos, existem coisas boas e outras necessárias. A escola organiza-se apenas para as coisas necessárias. Quero pensar em uma escola onde as coisas boas sejam necessárias e, além de ocupar um tempo e um espaço em sua organização, também onere o seu orçamento. (ALMEIDA, 2008, p.133)

Na faculdade continuava o trabalho de identidade com meus meninos. Fui

chamada para ministrar as disciplinas de Seminário de Pesquisa e Metodologia

Científica. Fui convidada para ser tutora em outra unidade da Faculdade

Drummond, na Ponte Rasa. Uma turma que estava iniciando e que possuía

características semelhantes as da turma da unidade Penha. Continuei meu

trabalho como tutora de sala, com a mesma turma que recebi em 2008. Agora

estávamos mais integrados e formávamos uma equipe, onde um auxiliava o outro,

onde não nos conformávamos com algumas teorias e conteúdos ministrados por

professores tradicionais que não estavam abertos à mudanças. Os trabalhos de

Page 55: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

55

pesquisa realizados por eles melhoraram muito de qualidade e de teor

acadêmico.

O estágio foi uma vivência única para este grupo, o qual a maioria não

trabalhava com educação, porém perceberam que caminho seguir para não

repetir erros ocorridos em seus processos formativos e que vieram à tona com a

experiência de analisar a prática docente.

Percebo que a cada ano, a cada nova etapa, a cada novo desafio me

reconstruo como ser humano e como docente. Aquela Rosana que começou sua

carreira timidamente em 1983, não fora substituída e nem esquecida, mas está

em um processo constante de formação, construindo significados novos para sua

vida e sua prática docente, já que ambas estão fortemente e afetivamente

interligadas.

Em 2010, continuei trabalhando no CEI Capitão PM Mário Caldana. Desta

vez procurei me aproximar das professoras do período da manhã, pois

trabalhamos na mesma unidade e vivenciamos experiências semelhantes, já que

convivemos com as mesmas crianças. Fui aceita no grupo e nosso trabalho

transcorreu em paz. Substitui por duas vezes a diretora da unidade devido ao seu

período de férias e tive a oportunidade de vivenciar o outro lado da escola, o lado

administrativo.

Minhas funções na faculdade continuaram as mesmas. Meus alunos de

Pedagogia progredindo no desafio da educação e os meninos de Administração

entendendo que a postura acadêmica deve ser diferente da postura do Ensino

Médio, que o aprendizado deve ser construído por eles e não transmitidos e

incutidos em sua mente pelo professor. A pesquisa deve ser uma constante na

vida deles.

A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria

e prática, o que demonstra a interdependência entre ambas.

O que interessa agora interessa agora, repito, é alinhar e discutir alguns saberes fundamentais à prática educativo-critica ou progressista e que , por isso mesmo, devem ser conteúdos obrigatórios à organização programática da formação docente. Conteúdos cuja compreensão, tão clara e tão lúcida quanto possível, deve ser elaborada na prática formadora. É preciso, sobretudo, e ai já vai uma desses saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também de produção

Page 56: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

56

do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou construção. (FREIRE, 2008, p. 22)

Neste ano iniciei meus estudos no Programa de Mestrado da

Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), na linha de sujeito, formação e

aprendizagem. Encontrei pessoas interessantes e de diferentes áreas de atuação.

Quando expus meu projeto de pesquisa, alguns acharam muito curioso o tema e

outros não entenderam o que minha proposta tinha a ver com educação ainda

para escrever uma dissertação de mestrado. O tema escolhido por mim e

respeitado pelo meu orientador foi A Presença dos Contos de Fadas nos

Processos Formativos dos Professores. Com o passar do tempo meus colegas

de sala encontravam artigos, livros ou bibliografias sobre os contos de fadas,

traziam e me perguntavam sobre o projeto. O conteúdo das aulas estava

adequado a minha formação, lia alguns autores e me encontrava no texto.

Modifiquei muito alguns valores e concepções que tinha antes de minha postura

como pesquisadora.

Escrevi o artigo denominado Professor - autor de sua própria historia que

foi publicado no livro Educação por Excelência, incentivado pelo Prof. Jair. O

encontro com o Prof. Jair Militão da Silva após vinte e cinco anos me deixou muito

feliz. Este professor me deu aula no curso de graduação e sempre foi muito

querido e fiel a seus ideais em relação à educação para todos. Foi uma

experiência emocionante ver meu nome escrito em um livro sobre educação.

Fiquei triste por meu pai, que sempre foi presença viva em minha trajetória na

educação, ter falecido em abril, antes do lançamento do livro. Ele teria ficado

orgulhoso em ver como meus horizontes foram ampliados incentivados por suas

convicções e saberes em relação a formação da pessoa e do cidadão crítico

reflexivo.

No mês de outubro tive a oportunidade de viajar para Portugal para

participar do II Seminário de Capacitação Docente Internacional realizado pelo

Instituto Piaget de Almada e de Vila Nova de Gaia. Sempre apoiada por minha

família me preparei para a viagem. Aproveitei ao máximo tanto o conteúdo do

seminário quanto o convívio com uma nova realidade e costumes. O Seminário

falou sobre inclusão, um tema que senti muita falta no passado quando trabalhei

Page 57: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

57

sem preparo com alunos inclusivos. Voltei cheia de idéias e querendo saber mais

sobre inclusão, já que todos nós temos de ser incluídos em algum momento de

nossa vida.

Nos encontros de orientação, optamos como metodologia a pesquisa

qualitativa utilizando como instrumento de coleta de dados a análise bibliográfica

e documental, completada por minha história de vida e pela realização de um

grupo focal envolvendo professoras do Centro de Educação Infantil (CEI). Desta

forma, o memorial relata as mudanças que ocorreram tanto em minha vida

pessoal quanto profissional e como o encantamento dos contos de fadas

influenciou neste processo. Mesmo quando as historias utilizadas eram as que a

indústria cultural oferecia, já que a maioria das crianças, conhece seus

personagens favoritos através de filmes de animação.

Cabe a nós apresentarmos às novas gerações os livros originais para que

cada um possa compará-los e aprender com eles.

No próximo capítulo conheceremos um pouco da historia do Centro de

Educação Infantil, antiga creche, seus desafios, conquistas e lutas para acolher

crianças que necessitavam e necessitam de cuidado e de vivenciar experiências

para construir seu aprendizado. É significativo também ressaltar a situação

familiar da época, a qual cada vez mais mulheres assumiam o sustento da família

e consequentemente a responsabilidade de criar os filhos sozinhas. Gerando uma

nova composição social e familiar, abrindo assim um novo campo de trabalho, as

mulheres “crecheiras”.

Page 58: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

58

2. Um conto nada de fada – uma história de luta e conquista

“O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito das ocorrências. Não sou apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente. No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar”.

(FREIRE,1999, p.85)

O objetivo deste capítulo é apresentar um breve histórico do atendimento

às crianças pequenas, contextualizar os momentos históricos pelos quais a

creche passou até se transformar em Centro de Educação Infantil. Com a

apresentação desta história pretendo delinear o contexto onde está inserido o

Centro de Educação Infantil PM Capitão Mário Caldana, cenário onde atuam as

educadoras que participaram desta pesquisa. Conhecer um pouco dessa história

é fundamental para o desenvolvimento do trabalho que é realizado por

professoras vindas de diversas profissões, com diferentes experiências de vida e

que mesmo ao longo dos anos não perderam a concepção de criança e de

Educação Infantil. Pareceu-me importante também apresentar esta unidade e

refletir sobre vários aspectos em relação a currículo, concepções, atividades

práticas e teóricas utilizadas nesta faixa etária.

Serão apresentados aspectos da historia das creches no Brasil, das

creches em São Paulo e do Centro de Educação Infantil pesquisado pelas autoras

Zilma de Moraes Oliveira (1989) e Gilda Rizzo (2002), além do relato da diretora

Sonia Maria Scapolan Ito, a Constituição Brasileira de 1988, o Projeto Pedagógico

da unidade educacional onde a pesquisa foi realizada e documentos oficiais

publicados pela Prefeitura Municipal de São Paulo.

Page 59: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

59

2.1. Cuidar: a bandeira da creche

Assim como minha historia de vida, a creche teve sua historia inserida em

um contexto histórico e cultural. Neste momento é de fundamental importância

conhecer um pouco da trajetória desta instituição, de suas propostas e da

concepção de educação e criança pequena das pessoas envolvidas neste

processo.

O atendimento de crianças em creches, até o início do século não se distinguia do atendimento dado em asilos e internatos. A clientela, em sua maioria era de mães solteiras que não tinham como criar seus filhos, gerando, assim sentimentos de pecado ou de culpa. O atendimento institucional a essas crianças era considerado caridade, um favor. (OLIVEIRA, 2001, p. 17 – 23)

No Brasil, segundo Kishimoto e Vieira (1988), as primeiras creches

instaladas no início da República confundem-se com asilos infantis em razão do

seu atendimento quase que exclusivo às crianças órfãs, em regime de internato,

ao invés de proteger os filhos de operários durante o período de trabalho. Apesar

de existir algumas diferenças entre os asilos infantis e as primeiras creches

instaladas no Brasil, os dois tipos de instituições se confundem por atender

crianças órfãs em regime de internato, crianças carentes e por restringir suas

atividades à assistência médica, sanitária, de guarda e cuidados.

Enquanto na Europa, destaca Kramer (1982), as creches já existiam

desde o século XVIII, os jardins de infância desde o século XIX, no Brasil ambos

surgiram enquanto instituições somente no século XX.

Entre os anos 1930 à 1980 teremos uma fase determinada por um

acentuado intervencionismo por parte de um Estado balizado por valores

ancorados nas noções de pátria e civismo que se manifestará na administração e

nos programas de atenção à infância.

Os discursos oficiais dos anos 30 anos 80 relacionaram a assistência médico-pedagógica à criança ao desenvolvimento da nação. O intervencionismo proposto vai se manifestar nos anos 30 através da criação de estabelecimentos assistenciais, oficiais e de práticas variadas. (KRAMER, 1982, p.78)

Page 60: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

60

Nos anos 1960 e 1970, temos a regulamentação dos direitos da mulher e

iniciativas de programas de assistência à criança menor de sete anos e a criação

de agências internacionais, tais como a Organização Mundial da Educação Pré

Escolar (OMEP), o United Nations Children´s Fund (UNICEF) e a United Nations

Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). Com seu caráter

assistencial elas influenciaram as políticas de atendimento à infância e de

combate à pobreza que passam a ser reconhecidos por esses órgãos como

ameaças ao desenvolvimento do país, a educação da infância será um meio de

superação do subdesenvolvimento e aceleração do progresso (ROSEMBERG,

1984, p. 73- 79).

Com a Lei n. 9394/96 de Diretrizes e Bases (LDB), consagrada à

educação infantil, pela primeira vez a creche enquanto instituição será pensada

como parte integrante do sistema de ensino, configurando-se num campo de

análise e atuação dos órgãos públicos de educação. Não obstante, a inclusão da

creche na legislação como instituição de educação infantil não será traduzida na

garantia plena da criança pequena como um sujeito de direitos.

Segundo Torres (1996), mede-se a qualidade da educação pré escolar

pelo desempenho alcançado posteriormente na escola, negando-se o avanço das

teorias do desenvolvimento infantil, a primeira infância volta a ser vista como pré

etapa. E se considerarmos às crianças de 0-3 anos que não são pré-escolares,

estas não serão merecedoras de atendimento.

Assim, as creches, por exemplo, estiveram durante muito tempo vinculadas à instituições filantrópicas ou órgãos de assistência e bem-estar social, e não aos órgãos educacionais. O jardim de infância foi à primeira instituição pública de atendimento à criança criada no Brasil. Os primeiros jardins de infância brasileiros receberam forte influência de Friederich Froebel, que preconizava o desenvolvimento de um trabalho sistemático com as crianças pequenas, fundamentado em jogos e brincadeiras, seguindo uma minuciosa rotina de atividades que tinham, sobretudo, um caráter disciplinador, visando promover uma boa formação moral. Um dos primeiros jardins de infância implantados no país foi criado no ano de 1896, como anexo à antiga Escola Normal do Estado, Caetano de Campos, localizada na cidade de São Paulo. (KUHLMAN Jr., 1998, p.30).

O atendimento das crianças nas creches modificou-se e ainda tem muito

a melhorar. A criança pequena necessita de cuidados especiais relativos à:

Page 61: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

61

segurança, higiene, alimentação, afeto e educação. A creche existe para suprir

estas necessidades na ausência da família. Porém, não devemos nos esquecer

que a família é a base da educação.

2.2. A creche no contexto histórico Segundo Faria (1999), com a finalidade de atender aos filhos dos

trabalhadores, foram criados no ano de 1935 os primeiros Parques Infantis de

caráter municipal, distribuídos em bairros de grande concentração de operários na

cidade de São Paulo. Estes parques estavam ligados ao Departamento de Cultura

do município de São Paulo, tendo Mário de Andrade como principal idealizador,

além de diretor. Nesse período, os parques atendiam à crianças de 3 à 6 anos e

também às de 7 à 12 anos, sendo que essas últimas frequentavam a instituição

em período oposto àquele em que frequentavam a escola regular. O atendimento

oferecido à faixa etária de 7 à 12 anos tinha o intuito de assistir, educar e recrear

as crianças. A partir da década de 1940, os parques infantis difundiram-se pelo

Brasil.

De acordo com Oliveira (2001), com a implantação da industrialização no

país, na segunda metade do século passado, aumentou a demanda de mulheres,

sem importar seu estado civil, para trabalhar nas fábricas. As mulheres que eram

mães tiveram de solucionar um problema até então novo: quem cuidaria de seus

filhos. Algumas pagavam para as vizinhas “olharem” as crianças.

Com a chegada dos imigrantes europeus no início deste século, a

questão do atendimento aos filhos das operárias obteve um novo tratamento, pois

os mesmos eram absorvidos como mão de obra nas fabricas. Começaram a se

organizar, na década de vinte, nos centros urbanos mais industrializados do país

em movimentos de protesto contra as condições de trabalho nas fábricas e

reivindicavam, como prioridade, creches para seus filhos.

Os donos das fábricas, procurando diminuir a força dos movimentos

operários e ter o controle dos mesmos dentro e fora das indústrias, foram

concedendo benefícios sociais e propondo novas formas de disciplinar seus

Page 62: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

62

operários. Vilas operárias, clubes e algumas creches e escolas maternais vão

sendo criadas. O fato dos filhos das operárias estarem sendo atendidos em

creches e escolas maternais montadas pelas fábricas, fazia com que as operárias

trabalhassem mais satisfeitas e produzissem mais. Para os empresários o

empreendimento passou a ser vantajoso.

Estas poucas conquistas se realizaram através de muitos conflitos.

Mulheres que eram criadas para serem donas de casa, só trabalhavam devido às

necessidades econômicas. Por isso, as creches eram vistas como um paliativo,

um “mal necessário”.

Nas décadas de 1930, 1940, 1950 as poucas creches que existiam foram

da indústria e eram de responsabilidade de entidades filantrópicas e mantidas por

doações de famílias ricas da região ou por ajuda governamental. As creches

eram defendidas por médicos e sanitaristas preocupados com as condições de

higiene da população mais pobre, pois as crianças destas famílias eram vítimas

de frequentes infecções.

No início, a luta por creche tinha como objetivo: a assistência, a

alimentação, a higiene e a segurança física das crianças. Por outro lado a

educação, o desenvolvimento intelectual e afetivo não eram valorizados.

Procurando regulamentar as difíceis relações entre patrões e empregados, o

presidente Getúlio Vargas criou, em 1943, uma legislação específica, a C.L.T.

(Consolidação das Leis de Trabalho). Esta lei determinou a organização de

berçários pelas empresas para abrigar os filhos das operárias durante o período

de amamentação, abrindo espaço para outras entidades realizarem essa tarefa

através de convênios. O poder público não fiscalizou a oferta de berçários pelas

empresas e esta conquista não foi efetivada na prática. Poucas creches e

berçários foram organizados na época.

Na segunda metade da década de 70, observa-se o estabelecimento de uma nova política de atendimento as reivindicações populares. Nos grandes centros urbanos, a cobrança por creches se intensificou e adquiriu novo caráter social, saiu do paternalismo estatal e empresarial para se tornar um direito do trabalhador. Os resultados dos movimentos pelas creches e dos movimentos feministas foram um aumento do número de creches organizadas, mantidas e geridas diretamente pelo Poder Público e uma participação maior das mães no trabalho desenvolvido nas creches. (OLIVEIRA, 2001, p.21)

Page 63: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

63

A própria Constituição de 1988 reflete o movimento recente de repensar

as funções sociais da creche. Ela reconhece a creche como uma instituição

educativa, “um direito da criança, uma opção da família e um dever do Estado”.

Tal concepção se contrapõe a visão da creche ser uma dádiva, um favor prestado

a criança com funções assistencialistas e de substituição da família pelo contrário,

a criança tem direito ao convívio familiar.

A creche tem sido cada vez mais procurada por um grande número de

famílias de diferentes camadas sociais, tendo por objetivo garantir um

atendimento de qualidade, o qual atende às necessidades da criança de acordo

com a legislação e à concepção de infância e o desenvolvimento integral da

criança.

Enfim, hoje, não se aceita mais creche como sinônimo de depósito ou de estacionamento de crianças. Creche é coisa séria. Qualquer que seja o nome adotado pela instituição que cuida de crianças pequeninas, ela tem de se constituir em espaços montados de tal forma que se transformem em ambientes especiais de criar crianças, oferecendo a elas tudo de que precisam para se desenvolverem integral e harmoniosamente, física e psicologicamente, atendendo às suas necessidades físicas, biológicas, sociais, intelectuais e afetivas de forma integrada. (RIZZO, 2002, p.45)

A oferta de atendimento à criança, até a década de 1970, deu-se de

maneira muito tímida e, em geral, não contemplava a criança menor de três anos.

Mas, em função do grande processo de industrialização que abarcava

principalmente São Paulo, e também com a progressiva inserção feminina no

mercado de trabalho, configurou-se a necessidade de implantação de instituições

que oferecessem número de vagas suficiente para atender à demanda de

crianças cujas mães dedicavam-se a atividades fora do lar. Em virtude da

absorção da mão-de-obra feminina pelo crescente mercado de trabalho e devido

à dificuldade de obtenção de ajuda familiar ou comunitária, é reiterada a

necessidade de implantação de atendimento a crianças na faixa etária de zero a

três anos.

Segundo Oliveira; Ferreira (1989), durante o período pós segunda guerra

e com as oportunidades trazidas pela Revolução Industrial, as famílias de baixa

renda, cujas mães trabalhavam fora de casa, deixavam suas crianças em creches

Page 64: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

64

mantidas por entidades filantrópicas, parques infantis que ofereciam atendimento

em período integral e, somente no final desse período, algumas poucas classes

de pré-escola estadual ofereciam atendimento em período parcial.

Em 1973, a rede de creches na cidade de São Paulo era composta por

trinta e oito creches particulares, doze creches de administração indireta e cinco

de administração direta. Ainda assim, a expansão da rede de creches foi feita de

forma precária, não atendendo à demanda por esse tipo de serviço.

De um modo geral, as propostas do Estado para atendimento à infância

estavam baseadas no estabelecimento de convênios com entidades filantrópicas

e particulares, na manutenção do atendimento indireto e na implantação de

programas como as “mães crecheiras”, afastando-se, desse modo, da criação e

gerenciamento direto de instituições para o atendimento da infância e,

principalmente, transferindo para a sociedade civil uma responsabilidade

inquestionavelmente estatal. A falta de clareza com relação às metas e a não

definição de políticas de atendimento à infância provocam nos órgãos

responsáveis por esse tipo de atendimento uma situação de constante indefinição

e incerteza. Com isso, os problemas vividos pelas famílias de classes

economicamente desfavorecidas apenas avolumavam-se e tornavam-se cada vez

mais visíveis.

Assim, muitas mães de crianças com idades entre quatro e seis anos

preferiam matricular seus filhos em creches, que já sofriam pressão pelo aumento

do número de vagas por mães de crianças entre zero e três anos.

Em meio a esse cenário de reivindicações, estrutura-se o Movimento de

Luta por Creches, criado por parcelas da população que necessitava desse tipo

de serviço. Esse movimento vigorou no município de São Paulo de 1978 a 1982 e

desempenhou importante papel na reivindicação pela expansão das vagas em

creches, apontando essa instituição como uma necessidade da sociedade e

indicando como responsabilidade do Estado sua criação e manutenção.

A política governamental de atendimento à infância baseava-se na

expansão quantitativa e na redução de custos. Em função do escasso

planejamento, bem como do não estabelecimento de metas e propostas de

atendimento à infância, a qualidade do serviço prestado ficou prejudicada e, com

Page 65: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

65

isso, as crianças mais pobres representavam aquelas mais mal atendidas e as

creches, em vez de compensar as desigualdades, acabavam por reforçá-las.

(OLIVEIRA; FERREIRA, 1989, p. 45). As soluções para a precariedade das

instituições e insuficiência de atendimentos começaram a ser esboçadas à partir

da Constituição Federal de 1988, que reconhecia à infância o direito à educação.

2.3. Mudança de rumo – a trajetória da formação

No final do século XX, a Prefeitura do Município de São Paulo atendeu a

uma determinação legal e promoveu a formação para as Auxiliares de

Desenvolvimento Infantil (ADI) que estavam na rede municipal, pois o dinheiro

investido seria menor do que contratar novos profissionais. A partir desta medida,

às educadoras das creches diretas tiveram a oportunidade de estudar e construir

seu conhecimento. O curso ADI Magistério, teve como base a prática do dia a dia

das professoras das creches. Com a implantação do Programa Interdisciplinar

ADI (Auxiliar de Desenvolvimento Infantil) Magistério, a turma um de educadoras

elaborou registros de prática que foram organizados em forma de livro e contaram

a nova identidade do Centro de Educação Infantil (CEI) antiga creche e das

pajens que se tornaram Auxiliares de Desenvolvimento Infantil. Esta trajetória foi

lenta e repleta de obstáculos, mas significativa para este grupo de professoras

que pode observar e vivenciar os benefícios trazidos às crianças.

Os relatos das professoras, apurados por Guilherme e Ferreira (2004),

refletem que a formação do professor pode construir novas formas de (re)

significar seu trabalho no CEI, criando um ambiente de crescimento e

aperfeiçoamento contínuo. O conhecimento das teorias levou-as a examinar o

contexto concreto que as crianças viviam, exigindo assim, uma formação ampla,

pois o professor, segundo elas, deveria ser um eterno aprendiz.

A proposta deste grupo era realizar encontros de formação sistemáticos

para educadores focados na cultura da infância, retomando o conceito de

Qualidade Social da Educação, que requer a participação e o esforço de todos.

Segundo a Prefeitura Municipal de São Paulo, representada pela Secretaria

Page 66: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

66

Municipal de Educação, o sucesso desta nova proposta dependia principalmente

dos professores, pois presidia a ideia da construção de um projeto educativo

como um processo inacabado, provisório e historicamente contextualizado,

demandando reflexões e debates constantes com todas as pessoas envolvidas e

interessadas.

Buscar a formação é fundamental para o educador, para que ele perceba

seu papel de mediador das situações cotidianas das crianças. O educador

necessita unir teoria e prática de forma coerente e integrada, reconhecendo e

avaliando as etapas do desenvolvimento das crianças.

Os Centros de Educação Infantil (CEIs) deveriam proporcionar condições

para todos os profissionais participarem de diferentes momentos de formação,

pois os verdadeiros educadores estão sempre em formação.

Com a oportunidade de estudar, estas professoras que já possuíam uma

prática pedagógica ainda não fundamentada, puderam compreender porque

trabalhavam certas atividades, porque contavam algumas historias e qual a

importância de seu trabalho para o desenvolvimento integral da criança pequena.

Através de análises de episódios e de estudos bibliográficos, oferecidos

no Curso de ADI (Auxiliar de Desenvolvimento Infantil) Magistério, as educadoras

que trabalhavam nas creches e optaram em participar deste curso de formação,

observaram experiências práticas e ensino teórico que possibilitaram formar

atitudes e conhecimentos dos modos de organização do trabalho pedagógico,

fundamentando a educação e o desenvolvimento psicológico das crianças,

construindo desta forma sua identidade. Os temas mais discutidos pelo grupo

foram: agressividade, sexualidade, racismo e preconceito. (Oliveira, 2001)

No início de 2001, as creches começaram a receber professores de

Educação Infantil, havendo um enorme choque de práticas pedagógicas, entre

educadores e professores. O professor com uma visão escolarizante da classe e

o educador com um olhar mais voltado à alimentação e à higiene da criança, ou

seja, um olhar de cuidar. Não podemos esquecer que a concepção de Educação

Infantil tem como objetivo um trabalho indissociado entre o cuidar e o educar. A

tarefa propõe uma redefinição dos dois termos, mediando assim o

desenvolvimento sociocultural da criança desde seu nascimento.

Page 67: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

67

As creches foram criadas como uma medida provisória. Contribuíram com

fatores como alimentação, higiene e segurança física, mas o desenvolvimento

cultural era pouco valorizado. Trabalhava-se, então, em um local educacional que

era tratado como um “depósito de criança”.

De acordo com Rosemberg (1991), o atendimento à criança pequena

ficou determinado por seu pertencimento social, o que definiu uma dupla trajetória

que pode ser caracterizada como:

[...] uma, mais frequentemente denominada creche, geralmente vinculada às instâncias da assistência, localizadas nas regiões mais pobres da cidade oferecendo um atendimento de pior qualidade, sendo frequentado principalmente por crianças pobres e negras; a outra mais frequentemente denominada pré escola ( ou escola de educação infantil) vinculadas às instâncias da educação e que mesmo apresentando, por vezes, padrões de qualidade insatisfatórios, por sua localização geográfica tende a acolher uma população infantil mais heterogênea no plano econômico e racial. (ROSEMBERG 1991, p. 2-3)

Segundo Oliveira (2001), para abolir o sentido de depósito de criança foi

necessário melhorar a qualidade de trabalho do educador e o entrosamento entre

a família, os docentes e a própria criança.

Com a Declaração dos Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do

Adolescente, a criança passa a ser concebida como um ser social. Está

estabelecido no sétimo princípio que a criança tem direito à educação:

[...] para desenvolver as suas aptidões, sua capacidade para emitir juízo, seus sentimentos, e seu senso de responsabilidade moral e social. Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais. A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito. (ECA, 1988, p.17)

Os educadores que participaram do curso de capacitação para as

auxiliares de desenvolvimento infantil, aprenderam a atrair a criança para

atividades que estimulassem seu interesse e sua atenção, outros prazeres e

novas possibilidades de lazer. Estes profissionais colocaram em prática, nas

Page 68: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

68

unidades que trabalhavam, o que aprendiam com os professores e demais

colegas que apresentavam sua experiência no cotidiano da creche.

A criança começou a liberar sua imaginação em um ambiente

aconchegante e interessante, como, por exemplo, o planejamento de cantos

como: de livros e leitura, para que entrassem no mundo de faz de conta; de

pintura, para que extravasassem suas ansiedades; e de desenho, onde

pudessem mostrar seus traços e criações. As mudanças na formação dos

educadores refletiram um ambiente educativo de qualidade e não mais um

depósito.

2.4. CEI Capitão PM Mário Caldana – um lugar de muitas possibilidades

O Centro de Educação Infantil Capitão PM Mário Caldana foi inaugurado

em agosto de 1988 e iniciou seu funcionamento em vinte e um de setembro do

mesmo ano. Nessa época o órgão responsável era a Secretaria do Bem Estar

Social. O terreno foi cedido por um morador do bairro Chácara Cruzeiro do Sul, o

qual foi homenageado tendo seu nome na unidade escolar.

Em 1988 e 1989, a diretora era uma freira indicada, com formação de

Assistente Social. Tendo como maior preocupação o cuidar, pois era a proposta

implantada pela Prefeitura Municipal de São Paulo. De 1989 a 1991, a diretora

era outra Assistente Social, que deixou a creche para trabalhar em um Hospital de

Hermelino Matarazzo.

De abril a novembro de 1991, uma pedagoga efetiva era a responsável

pela direção. Em dezembro, chega à unidade uma diretora de creche admitida,

comissionada, com formação em psicologia, Sonia Maria Scapolan Ito. Diretora

até hoje da unidade e a pessoa que informou os dados históricos que são

relatados neste trecho e que foram retirados de registros arquivados na unidade.

Em 1992, direção e coordenação iniciaram a escrita de registros,

concepções de criança e educador, indicadores. Neste momento já havia as

Page 69: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

69

supervisões coletivas mensais, atualmente chamadas de paradas pedagógicas.

Com o aumento e o interesse nos registros, surgiu a necessidade de encontros

intermediários quinzenais, com as professoras do mesmo módulo, objetivando

elevar a autoestima e valorizar o profissional para competências e maior clareza

de suas atribuições e concepções.

Segundo a ideologia do CEI Capitão PM Mário Caldana, apresentada em

seu Projeto Pedagógico da unidade, a criança é concebida como um ser criativo,

questionador, observador, falante, tem personalidade, sabe escolher o que quer,

adaptada às mudanças com facilidade, dinâmica, flexível, é ouvida na medida do

possível, demonstra em certos momentos autonomia, necessita de cuidados

primários de higiene, alimentação e sono. É construtora de cultura, estabelece

vínculos, tem necessidades de interagir com o adulto e com outras crianças e tem

conflitos. É um sujeito de direitos, ativa e capaz de criar vínculos. É produtora de

conhecimento, tem fantasias e poder de imaginação.

Compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças

serem e estarem no mundo é o grande desafio da educação infantil e de seus

profissionais.

A concepção de quem é a criança e o olhar que temos sobre a infância

são construções sócio históricas, contextualizadas em relação ao tempo, ao

espaço e à cultura, variando conforme condições sócio econômicas, gênero, etnia

e etc. Podemos então falar da existência de múltiplas formas de ser criança e de

diferentes visões sobre a infância. Partindo destes princípios, o próximo passo é

contextualizar a visão de criança e de infância que estamos revelando em nossa

unidade através da forma como estamos pensando e organizando o currículo, o

tempo e o espaço, as relações, garantindo seu desenvolvimento afetivo, social e

cognitivo e sua aprendizagem.

A educadora infantil, de acordo com as próprias educadoras do CEI

Capitão PM Mário Caldana, devem ser comprometidas com a prática e melhoria

das condições pedagógicas; atenta, cuidadosa, deve demonstrar interesse pelo

que faz, dedicada, disposta a ajudar, verdadeira, autocritica, pesquisadora,

transformadora, humanista, responsável, cooperativa, afetiva, ética, participativa,

Page 70: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

70

conhecedora das teorias do desenvolvimento infantil, envolvida, mobilizadora, não

ser impulsiva, equilibrada emocionalmente. O educar e o cuidar tem sentidos

indissociáveis e com significados particulares na educação infantil. O

desenvolvimento infantil se dá de forma conjunta e recíproca, ocorrendo nas

diversas situações em que a criança se envolve, particularmente naquelas em

que ela é cuidada e educada.

Educar e cuidar são ações integradas. Ao educar, cuidamos e ao cuidar,

precisamos ter claro o caráter educativo da ação. O espaço na Educação Infantil:

não existe isolado do ambiente e constitui uma variável decisiva da proposta

pedagógica; planeja-lo é uma ação necessária e deve ser feita por todos que

atuam direta ou indiretamente com as crianças. As concepções que as

educadoras tem a respeito da criança, desenvolvimento e aprendizagem vão

influir na organização do ambiente e na seleção dos objetivos da ação educativa.

Organização do tempo e do espaço: pensar e planejar o cotidiano é uma

ação necessária e um exercício fundamental para traduzir para o concreto os

princípios de uma educação que pretende respeitar os Direitos das crianças,

buscando coerência entre o discurso e a pratica. Ao organizarmos as atividades,

os espaços, os materiais, os tempos, as interações sociais temos que integrar

cuidado e educação no trabalho coletivo com as crianças, respeitando os ritmos

individuais, superando as “esperas” das atividades cotidianas.

Espaço coletivo e privilegiado de vivencia da infância (0 a 6 anos), a

unidade de Educação Infantil, contribui para a construção da identidade social e

cultural das crianças, fortalecendo o caráter integrado do cuidar e do educar,

entendendo que todo cuidado educa e que toda educação cuida. Não objetiva a

antecipação ou preparação para o ensino fundamental, nem tampouco a

compensação de carências, mas, sobretudo, constitui-se como espaço coletivo de

relações múltiplas entre crianças e adultos.

Segundo a diretora Sonia Maria Scapolan Ito, a Secretaria Municipal de

Educação ampliou as Políticas Públicas dando ênfase a formação do professor e

abastecendo as creches de materiais, principalmente brinquedos de qualidade.

Page 71: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

71

Os registros eram feitos, conforme consta na unidade, relatando

planejamento, atividade, concepções, supervisões coletivas e eventos, na época

as datas comemorativas tinham especial importância, eram os temas geradores.

O planejamento era realizado pela pedagoga em conversa com os professores. O

Plano de Trabalho era direcionado pela pedagoga utilizando temas geradores e

as educadoras faziam o planejamento semanal em formulário próprio. Os

professores dos dois turnos tinham a visão da rotina diária. Podiam planejar

atividades que atendessem às necessidades das crianças, integrassem os

planejamentos e diversificassem as atividades. Este tipo de prática tinha como

objetivo a gestão do tempo e a visualização da sequencia didática das atividades

A Prefeitura do Município de São Paulo dava a formação central mensal.

A direção e a coordenação para complementar a formação faziam cursos de

aperfeiçoamento e atualização.

A Pedagoga veio para a unidade com dez anos de experiência em

creche, com as crianças maiores. A Diretora, por sua vez, tinha experiência com

crianças pequenas. O trabalho de ambas somaram esforços para atender as

crianças integralmente. A Diretora não entrou em conflito com a concepção da

Secretaria Municipal de Educação porque já fazia trabalhos comunitários. O

Educar e o Cuidar eram indissociáveis naquela época como nos dias atuais.

Em outubro de 1996, foi inaugurada a Brinquedoteca. Uma conquista

delineada através de pesquisas, visita à brinquedoteca da Universidade de São

Paulo (USP), planejamento estruturado, supervisão coletiva revisitando o tema. É

imprescindível comentar que foi realizada uma campanha de brinquedos, mesmo

usados e em bom estado para o inicio deste desafio: a montagem, ainda que

tímida, da brinquedoteca.

O planejamento era estruturado contendo os seguintes temas: o Eu, a

Família, a Comunidade, datas comemorativas e ecologia. Havia a avaliação do

planejamento realizada pelas próprias professoras. A proposta para o ano

seguinte era realizada sempre coletivamente com a ajuda das crianças. Eram

registrados informes e orientações. A Confraternização dos funcionários sempre

Page 72: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

72

foi um momento muito planejado, preparado e de extrema relevância para a

direção, que acredita no ser humano e em suas habilidades e potencialidades.

A Diretora Sonia Maria ficou sozinha na direção e na coordenação de

1998 a 2003. Em 1998, deu-se a efetivação da diretora como Diretora de

Equipamento Social, ainda na Secretaria da Família e do Bem Estar Social. O

trabalho pedagógico prosseguiu com o planejamento e registro da diretora. A

mesma opinava e sugeria para as professoras atividades, exercícios motores e a

utilização de materiais de forma diversificada. Um marco importantíssimo ocorrido

neste ano foi à reorganização das creches, na gestão de Mário Covas.

Em 1999, foi instituído que julho era o mês das brincadeiras. Além de

serem trabalhados outros temas havia o resgate das brincadeiras. As mesmas

eram planejadas de acordo com a faixa etária e a necessidade da criança. No

planejamento, a diretora, escrevia recados para as professoras, lembretes de

alguns cuidados essenciais com as crianças.

Em 2000, iniciou o estudo do referencial curricular volume 4, o qual dava

ênfase principalmente ao movimento. A partir de março, a direção organizou

mensalmente um trio de professoras que conversavam e organizavam o Plano de

Trabalho para as demais. Este sistema funcionava em forma de rodízio.

O Plano de Trabalho teve o perfil dos referenciais teóricos, ou seja,

documentos oficiais impressos e enviados pela Prefeitura Municipal de São Paulo.

As professoras utilizavam a bibliografia e a pesquisa para realizar a Parada

Pedagógica. Na pesquisa eram elencadas sugestões de atividades por faixa

etária, o que chamamos hoje de expectativas de aprendizagem sempre focadas

em um tema gerador.

Na Parada Pedagógica, os cursos realizados davam subsídios para a

montagem da mesma, o conhecimento era compartilhado e havia o trabalho

coletivo com os painéis. A adaptação era fundamentada, além da prática havia

um pouco de teoria.

Page 73: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

73

Com advento do ADI Magistério, no qual os educadores tinham como

objetivos: obter a formação na Modalidade Normal, em Nível Médio, conquistar

uma valorização profissional e ajudar a promover a qualidade do atendimento

ofertado às crianças de zero a seis anos (ADI Magistério, Boletim Informativo,

2004), houve o (re) significado da ação das professoras, valorizando as novas

aprendizagens, a mudança no olhar sobre as crianças e o reconhecimento do

profissional adquirido ao longo dos anos. Houve a troca da postura doméstica

para a postura técnica.

Em 2004, com a chegada da coordenadora pedagógica efetiva, iniciou-se

o horário coletivo de formação. Fora respeitado o limite de cada professora em

fazer os registros no Diário de Bordo (caderno onde é registrado os avanços das

crianças diariamente), escrever as atas de formação e lidar com o receio das

profissionais em escrever, em expor suas ideias, interações e intenções. A

Direção não deixou de acompanhar o trabalho pedagógico e o desenvolvimento

dos registros.

Entre 2004 e 2008, o Horário de Formação previa cinco horas com

criança e uma hora de estudo. Em 2007, foi instituído o caderno de memórias,

sendo resgatadas historias e eventos da unidade com o auxilio das famílias. O

Horário Coletivo denominado Projeto Especial de Ação (PEA) teve seu início no

ano de 2008 com material mais teórico e fundamentação de práticas.

Apenas um adendo, o trabalho com a família sempre esteve presente

nesta unidade. No início formou-se uma Comissão de Pais que auxiliavam na

realização de eventos e reuniões. Secretaria de Assistência Social (SAS) também

promovia reuniões bimestrais com os professores e mensais com os pais,

efetuando palestras em Assembleias Gerais. Em 1996, concretizou-se no CEI

(Centro de Educação Infantil) a Associação Comunitária Creche, o que

atualmente corresponde ao Conselho de Escola e Associação de Pais e Mestres

juntos.

Atualmente, esta unidade atende a cento e vinte crianças, na faixa etária

de um ano e meio à quatro anos, conta com profissionais capacitados para

Page 74: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

74

exercer sua função e comprometimento para realizar suas atividades junto às

crianças. A Equipe Gestora está sempre presente, assim como as famílias.

O Trabalho Pedagógico segue as normas da Secretaria Municipal de

Educação, sendo o Projeto Especial de Ação (PEA) um projeto permanente e

essencial na unidade para garantir o aperfeiçoamento e a atualização dos

professores, além da reflexão constante de suas práticas pedagógicas, agora

teorizadas e fundamentadas por teóricos renomados e que realmente tem um

trabalho efetivo junto à formação de professores e à Educação Infantil.

Conhecendo um pouco desta historia e da realidade do Centro de

Educação Infantil (antiga creche) decidi pesquisar sobre a presença dos Contos

de Fadas na historia de vida destas professoras que até então eram conhecidas

como “tias da creche”, com caráter assistencialista, ou seja, onde o cuidar

imperava sobre o educar.

“As historias tem a força e possibilidade de enriquecer e contribuir para o

bom caráter de um indivíduo”, afirma a contadora de historia Penélope Brito, da

P&B Contação de Historia em entrevista para a Revista Pedagógica – Creche.

(2011, p.16)

No CEI (Centro de Educação Infantil), segundo as professoras, o trabalho

com historias tem um significado especial, pois contribui para a formação integral

da criança. Elas são utilizadas no aprendizado para garantir uma sensibilidade

literária influindo na formação cultural, intelectual e emocional.

A contação de historia é tão antiga quanto a nossa historia. O ato de

compartilhar seja ao redor de uma fogueira ou encenando em palco, seja

contando a historia ou lendo o livro. Nem sempre as historias devem estar

prontas, permitindo assim a interatividade com as crianças. A historia deve ser

clara, interessante, adequada para a faixa etária dos ouvintes e despertar a

emoção até de quem a conta. As crianças ouvem as historias, porém cada uma

reage de uma forma diferente em relação ao que foi contado de acordo com suas

experiências de vida.

Discutiremos a seguir a relevância dos contos de fadas em diferentes

momentos das diversas historias de vida destas profissionais que utilizam os

Page 75: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

75

contos de fadas como instrumento de trabalho. Um grande desafio é descobrir

quando os contos de fadas realmente tiveram significado ou não na vida deste

grupo de professoras e como influenciou em sua profissão.

Page 76: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

76

3. Os Contos de Fadas refletindo Historias de Vida

“Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer.”

(FREIRE, 1983, p. 16)

Neste capítulo pretendo apresentar a relação entre os Contos de Fadas e

as Historias de Vida. Com esta afirmação não quero generalizar de forma alguma

que todas as pessoas são influenciadas pelas historias, porém estarei relatando

justamente sobre aquelas que se deixam ou deixaram em algum momento de sua

vida que os contos de fadas minimizassem ou abrissem caminhos ou novas

oportunidades para a resolução de algumas situações problemáticas.

Para elaborar este capítulo, pesquisei alguns autores que discorrem sobre

Contos de Fadas como: Nelly Novaes Coelho (2009), Bruno Bettelheim (2009),

Eliana Gagliardi (2001), Heloísa Amaral (2001), Vladimir Propp (1997) e Marie-

Louise Von Franz (2008) e alguns que escrevem a respeito de Historias de Vida

como: Marie-Christine Josso (2004), Dorisdaia Humerez (1998), Ecleide Cunico

Furlanetto (2007), Maria Imaculada Macioti (1988), Eliseu Clementino de

Souza(2004), António Nóvoa (2000), Maria da Conceição Moita (2000) e Walter

Benjamin (1978) e tentei associar estes temas.

Algumas definições fizeram-se necessárias para o melhor entendimento e

desenvolvimento deste tema. Em minha opinião, eles estão extremamente

relacionados, pois passamos por diferentes etapas em nossas vidas que vemos

refletidas nos contos de fadas, porque eles foram escritos para resolver ou

amenizar nossas angústias e contemplar nossas alegrias.

Em diversas fases de minha vida utilizei e utilizo os Contos de Fadas

para exemplificar situações, perceber ensinamentos ou a sensibilidade externada

através deles. Como muitas vezes utilizei os mesmos para debater o preconceito,

o fantástico e o real, o que estava contido além do “felizes para sempre”. Tenho

certeza que para desenvolver esta dissertação este “link” é fundamental, pois

Page 77: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

77

cada pessoa traz em sua historia de vida muitas historias que se confundem entre

o real e o imaginário.

Muitos são os contos de fadas, assim como muitas são as historias de

vida. Comecei a refletir se as pessoas comparavam ou identificavam suas

historias com personagens fantásticos, mágicos e não me vi sozinha nesta

reflexão.

3.1. Contos de fadas - lições e segredos

As historias estão presentes em todas as sociedades. Sejam elas de que

natureza for, encantam adultos e crianças através do tempo, seja de forma oral ou

escrita, em prosa ou em verso. O importante é que tenha um ensinamento, uma

lição de vida ou um valor em suas entrelinhas que podem ser interpretados de

maneira coletiva ou individualmente.

De acordo com o autor Pelayo (2008):

Gênero tão antigo como a imaginação humana é o relato de casos fabulosos, seja para recrear com sua mera narração, seja para tirar deles um ensinamento salutar. A parábola, a fábula, os contos de fadas e outras formas de símbolo didático são narrações mais ou menos simples e germes do conto. Todas tem em suas origens mais remotas certo caráter mítico e transcendental, cujo sentido foi-se perdendo com a passagem dos tempos, ficando apenas a mera envoltura poética e episódica. (PELAYO, 2008, p.15)

Coelho (2009) apresenta no glossário de seu livro O Conto de Fadas:

símbolos, mitos e arquétipos, conceitos essenciais para quem quer conhecer os

diversos gêneros de narrativas:

ALEGORIA: narrativa que tem significado completo de dois níveis: no do argumento narrado e em seu significado figurado, simbólico ( cujo entendimento pode variar de leitor para leitor). ARQUÉTIPO: segundo Jung (2002), arquétipos correspondem a modelos de pensamento e ação, preexistentes na alma humana (“inconsciente coletivo”). Manifestam-se como estruturas psíquicas quase universais, espécie de consciência coletiva, e se exprimem por uma linguagem simbólica de grande poder energético que une o universal ao individual. Os arquétipos pertencem ao mundo dos Mitos ou dos deuses.

Page 78: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

78

CULTURA MÁGICA: é atribuída aos povos orientais (especialmente árabes e hindus), em oposição à dos ocidentais – a cultura fáustica. Esta última compreende o universo e o homem como que regidos por uma energia racional, rotulada de vontade ou razão. Na primeira, a mágica, tudo depende de um destino inevitável, de acontecer sem razão lógica, atribuído a uma força suprema que decide a vida dos homens e de todos os demais seres do Universo. Na cultura mágica, tudo acontece e repete-se ciclicamente, independente de causas racionais ou lógicas, por vezes como se tudo já estivesse predeterminado e, por outras, como se as forças mágicas decidissem-no ao acaso. FÁBULA: forma narrativa breve que visa dar uma lição aos homens. Suas personagens são animais falantes que se comportam como humanos. Nela, as situações narradas denunciam sempre erros de comportamento, que resultam na exploração do homem pelo homem. Desde os tempos arcaicos, a fábula foi dos gêneros narrativos mais difundidos em todas as sociedades. HISTORIA: narração verdadeira de acontecimentos ou situações significativas para conhecimento e evolução dos tempos, das culturas, das civilizações, das nações. Não é mera exposição de fatos, mas resulta de uma indagação inteligente e crítica dos fenômenos que tem por fim o conhecimento da verdade. LENDA: narrativa anônima de matéria supostamente histórica ou verdadeira, guardada pela tradição (oral ou escrita). Todos os folclores estão repletos de lendas, que tentam explicar de maneira mágica os mistérios da vida e do Universo. MITO: narrativas primordiais que, sob forma alegórica, explicam de maneira intuitiva, religiosa, poética ou mágica os fenômenos da vida humana em face da Natureza, da Divindade ou do próprio Homem. PARÁBOLA: narrativa breve, alegórica, de uma situação vivida por seres humanos e animais, da qual se deduz, por comparação, um ensinamento moral. Tem na Bíblia um de seus registros mais ricos. (COELHO, 2009, p.133 – 143)

Os contos de fadas e os contos maravilhosos tem diferenças

fundamentais quando se observam em suas raízes. Coelho (2009), traz a

seguinte diferenciação:

O conto maravilhoso tem raízes orientais e gira em torno de uma problemática material/social/sensorial – busca de riquezas; a conquista do poder; a satisfação do corpo – ligada basicamente à realização socioeconômica do indivíduo em seu meio. Exemplo: Aladim e a Lâmpada Maravilhosa; O Gato de Botas; O Pescador e o Gênio; Simbad, o Marujo. Quanto aos contos de fadas de raízes celtas, giram em torno de uma problemática espiritual/ ética/ existencial, ligada à realização interior do indivíduo, basicamente por intermédio do Amor. [...] tendo como motivo central o encontro do Cavaleiro com a Amada [...]. Exemplos: Rapunzel, O Pássaro Azul, A Bela Adormecida, Branca de Neve e os Sete Anões, a Bela e a Fera.

Page 79: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

79

Há ainda os contos exemplares, nos quais se misturam as duas problemáticas: a social e a existencial. Câmara Cascudo chama-os de “contos de encantamento”, de que são exemplos: Chapeuzinho Vermelho, O Pequeno Polegar, João e Maria.(COELHO, 2009, p.85)

3.2. Quem conta um conto... Perrault, La Fontaine, Grimm, Andersen...

Os livros que tem resistido ao tempo são os que possuem uma essência de verdade, capaz de satisfazer a inquietação humana, por mais que os séculos passem. (MEIRELES, 2003, p.30)

Assim, como diz Cecília Meireles (2003), os contos de fadas são livros

eternos. Aos autores: Perrault, La Fontaine, Irmãos Grimm e Andersen são

atribuídos os primeiros contos infantis de que se tem registro.

Perrault, escritor francês do século XVII, publica em 1697 os Contos da

Mãe Gansa, que constava de oito historias populares a saber: A Bela Adormecida

no Bosque; Chapeuzinho Vermelho; O Barba Azul; O Gato de Botas; As Fadas;

Cinderela ou A Gata Borralheira; Henrique do Topete e O Pequeno Polegar.

A França desta época (século XVII) vivia um esplendido momento de progresso e transformações político culturais, enquanto o Brasil era ainda uma simples colônia, culturalmente atrasada e continuamente disputada pelos holandeses, franceses e outros atraídos por nossas riquezas naturais. (COELHO, 2009, p.27- 28)

La Fontaine, intelectual francês, dedicou-se a escrita das fábulas baseado

na Antiguidade Greco romana, na bíblia, narrativas orientais e medievais. Sua

obra: Fábulas de La Fontaine, que popularizou fábulas como: O Lobo e o

Cordeiro; O Leão e o Rato; A Cigarra e a Formiga; A Raposa e as uvas; Perrette,

A leiteira e o pote de leite; que denunciavam as intrigas da corte de Luís XIV.

No século XVIII, na Alemanha, a literatura infantil inicia a sua expansão

pela Europa e as Américas com os Irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm). Dentre as

centenas de testemunhos guardados na memória do povo formou-se o que hoje é

conhecido como Literatura Clássica Infantil; os mais conhecidos são: A Bela

Adormecida; Branca de Neve e os Sete Anões; Chapeuzinho Vermelho; A Gata

Page 80: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

80

Borralheira; O Ganso de Ouro; Os Sete Corvos; Os Músicos de Bremem; A

Guardadora de Gansos; João e Maria; O Pequeno Polegar; As Três Fiandeiras e

O Príncipe Sapo.

Influenciados pelo ideário cristão que se consolidava na época romântica e cedendo á polêmica levantada por alguns intelectuais, contra a crueldade de certos contos, os Grimm, na segunda edição da coletânea, retiraram episódios de demasiada violência ou maldade, principalmente aqueles que eram praticados contra a criança. (COELHO, 2009, p.29)

No século XIX, o dinamarquês, Hans Christian Andersen dedica seu

trabalho para as crianças através da linguagem religiosa e romântica. Por esta

razão, são contos tristes ou de finais trágicos. Os mais conhecidos: O Patinho

Feio, Os Sapatinhos Vermelhos, O Soldadinho de Chumbo, A Pequena

Vendedora de Fósforos, A Roupa Nova do Imperador, Nicolau Grande e Nicolau

Pequeno e A Rainha de Neve.

[...] Entre os diversos valores ideológicos consagrados pelo Romantismo e facilmente identificáveis nas historias desse autor, destacam-se:

1. Defesa dos direitos iguais, pela anulação das diferenças de classe (A Pastora e o Limpador de Chaminés). 2. Valorização do individuo por suas qualidades próprias e não por seus privilégios ou atributos sociais ( O Patinho Feio, A Pequena Vendedora de Fósforos).

3. Ânsia de expansão do EU, pela necessidade de conhecimento de novos horizontes e da aceitação de seu Eu pelo outro (O Sapo, O Pinheirinho, A Sereiazinha).

4. Consciência da precariedade da vida, da contingência dos seres e das situações (O Soldadinho de Chumbo, O Homem da Neve).

5. Crença na superioridade das coisas naturais em relação às artificiais (O Rouxinol e o Imperador).

6. Incentivo à fraternidade e à caridade cristãs; à resignação e à paciência com as duras provas da vida (Os Cisnes Selvagens e Os Sapatinhos Vermelhos).

7. Sátira às burlas e às mentiras usadas pelos homens para enganarem uns aos outros (Nicolau Grande e Nicolau Pequeno, A Roupa Nova do Imperador).

8. Condenação da arrogância, do orgulho, da maldade contra os fracos e os animais e, principalmente, contra a ambição de riquezas

Page 81: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

81

e poder (A Menina que Pisou no Pão, Nicolau Grande e Nicolau Pequeno, Os Cisnes Selvagens).

9. Valorização da obediência, da pureza, da modéstia, da paciência, da submissão, da religiosidade como virtudes básicas da mulher (patente em todos os contos, confirmando o ideal feminino consagrado pela tradição: pura/impura, bruxa/fada, mãe/madrasta...). (COELHO, 2009, p.31-32)

Todas estas formas de narrativa tem sua relevância, sua importância

pessoal, social e cultural, porém no caso desta pesquisa vamos nos ater aos

contos de fadas clássicos e os modificados pela indústria cultural que veremos

mais adiante.

3.3. Origem das fadas

Seres em forma de mulheres belíssimas, com poderes de ajudar a

humanidade quando nenhuma outra solução se fazia possível, sempre ligadas às

forças da natureza, foi na água que as fadas surgiram entre os celtas; povo que

primeiro descreveu estas fantásticas criaturas.

Os celtas eram pastores que viviam na região da Boêmia e Baviera em

princípio e depois se espalharam por toda a Europa, tendo sua maior

concentração na Irlanda. Eram governados pelos druidas (sacerdotes), cultivavam

as armas (“Espada do rei Arthur”) e lhes atribuíam poderes mágicos.

Após a fusão com a doutrina cristã e em virtude de seu culto as mulheres

(druidesas e fadas), esse povo passou a cultuar á Virgem Maria. Todavia, quando

essas mulheres representam o mal passam a ser conhecidas como bruxas.

[...] Se há personagem que, apesar do correr dos tempos e da mudança de costumes, continua mantendo seu poder de atração sobre adultos e crianças, essa é a Fada. (COELHO, 2009, p.78)

Coelho (2009) afirma que as fadas são criaturas que pertencem aos

quatro reinos da natureza e define cada tipo de fada de acordo com o elemento

que representa.

Page 82: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

82

As fadas do ar dividem-se em: sílfides ou fadas das nuvens, criaturas altamente desenvolvidas, que vivem nas nuvens e que evoluíram da terra, da água e da experiência do fogo, sendo por isso, dotadas de inteligência elevada. Há também as fadas do vento e das tempestades, espíritos dotados de poderosa energia, que giram por cima das florestas e ao redor dos altos picos das montanhas. As fadas da terra dividem-se em espíritos de superfície e do subsolo: fadas dos jardins ou bosques (as de superfície) e gnomos ou fadas dos rochedos (as do subsolo ou reino mineral). As fadas do fogo ou salamandras habitam a região do subsolo vulcânico e estão relacionadas com o relâmpago e as fogueiras acima do solo. Tem mais forças do que as fadas dos jardins, mas ficam mais distantes da humanidade do que estas. As fadas das águas ou ondinas habitam as profundezas das águas e uma de suas principais tarefas é retirar energia do sol para transmiti-la à água. Há ainda aquelas que vivem junto às praias e marés: são pequeninas, alegres e mais conhecidas como bebês d’água. (COELHO, 2009, p.87)

Há mais mistérios em nosso mundo do que certezas, saber decidir sobre

a verdade ou inverdade sobre as fadas depende da interpretação, da vivência e

experiência de cada indivíduo.

3.4. O poder da realidade – a fantástica imaginação

Pesquisando os Contos de Fadas, li um pensamento de Câmara Cascudo

que é a epígrafe do livro da escritora Nelly Novaes Coelho (2001, p.5), O Conto

de Fadas e revela que este material literário contém informações do contexto

sócio histórico cultural de um determinado grupo que cresce ouvindo historias,

criando heróis e elaborando sonhos.

De todos os materiais de estudo, o conto popular maravilhoso é justamente o mais amplo e mais expressivo (...) revela informação histórica, etnográfica, sociológica, jurídica, social. É um documento vivo, denunciando costumes, ideias, mentalidades, decisões, julgamentos. Para todos nós é o primeiro leite intelectual. Os primeiros heróis, as primeiras cismas, os primeiros sonhos, os movimentos de solidariedade, amor, ódio, compaixão, vem com as historias fabulosas, ouvidas na infância. (CASCUDO, 2000, apud. Coelho, 2001, p.5)

Page 83: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

83

Cascudo (1984) comenta que os sentimentos também podem ser

revelados ou manifestados com o estímulo deste leite intelectual, ou seja, dos

contos infantis. Este autor fora menino enfermo, seus brinquedos não poderiam

lhe proporcionar exercícios, mas vida sedentária. Filho único de pais ricos, foi

criado com dedicação e temor da difteria. Tal condição conduziu Cascudo muito

cedo ao mundo dos livros e da leitura, sua diversão predileta. Em casa, lia

revistas, álbuns de gravuras, viagens, curiosidades, desenhos, livros de historias

infantis cheios de magia, cavernas de dragões, princesas e cavaleiros valentes

que misturavam suas vozes às das amas narradoras.

Como escritor, Luís da Câmara Cascudo foi motivado por dois impulsos

originários. Um mais acadêmico/formal outro mais contaminado pela subjetividade

e pela criação. O aprofundamento na leitura da obra permite entrever que esse

diálogo se encontra presente na construção da escritura de seus textos,

denunciando sua emoção e sensibilidade, intuição e conhecimento.

De acordo com Cascudo (1984), conduzido à margem da ciência por

registrar a história cultural, principalmente, através do imaginário das lendas e

superstições, dos mitos e ”causos”; se baseava, sobremodo, nos depoimentos

orais como fonte de dados e exercia suas funções de historiador sem o rigor do

argumento crítico das fontes históricas e do estilo científico preestabelecido, o que

demonstrava tanto na escrita quanto na fala. Impunha-se confortávelmente em tal

posição, afirmando que descobriu a tempo o perigo de se filiar a uma corrente ou

a um pesquisador, o que implicava em aceitar também os defeitos dele. Por isso,

a melhor escola era a liberdade.

Certamente, há muitas maneiras de ver as coisas, e nem todos seguem a mesma direção. Se muitos permanecem ainda aferrolhados na ordem racional, outros já abrem largas janelas para a ordem do imaginário, para obras elaboradas com outro teor criativo, sem por isso desprezarem a razão. O imaginário, de fato, teve baixo crédito durante muito tempo entre os cientistas, embora a cientificidade seja a parte emersa do iceberg profundo da não cientificidade, e o homem não se defina somente pela técnica e pela razão. Define-se também pelo imaginário e pela afetividade, o que possibilita acessar um pensamento mítico simbólico/ lógico-racional, construtor de um pensamento complexo, “um pensamento que relaciona o que, tendo origens diversas e múltiplas, forma um tecido único e inseparável: complexus”. (MORIN, 1994, p. 176)

Page 84: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

84

Este pensamento é compartilhado com Bettelheim (2009, p.9), que afirma

que a sabedoria é construída por meio de pequenos passos a partir do começo

mais irracional. Na idade adulta é que podemos ter uma compreensão inteligente

do significado de nossa existência neste mundo obtida a partir de nossa

experiência.

Em cada momento da existência, embora sejamos uma totalidade, manifesta-se apenas uma parte de nós como desdobramento das múltiplas determinações a que estamos sujeitos. Compareço como mãe diante de meu filho, como professor diante do aluno, tornando-se impossível expressar a nossa totalidade, mas, estamos sempre nos apresentando como representantes de nós mesmos. O mesmo se dá com os outros que interagem conosco. Neste processo, vamos pontualmente construindo a historia de vida. (HUMEREZ, 1998, p.33)

O educador e terapeuta Bettelheim (2009), trabalhava com crianças

gravemente perturbadas e o desafio assumido era restituir um significado a vida

de seus pacientes, dessas crianças. Detectou que o elemento fundamental é o

impacto que os pais e as outras pessoas que cuidam da criança exercem, depois

vem à herança cultural e percebeu que a literatura canaliza melhor este tipo de

informação. Percebi que esta afirmativa está de acordo com minha historia de

vida, pois os fatos foram ocorrendo na mesma sequência citada pelo autor. Meus

pais e meus avós apresentaram os contos de fadas e deram ênfase aos

personagens apontando atitudes positivas e negativas em diferentes situações.

Quando iniciei minha vida cultural, indo ao cinema e ao teatro ficou ainda mais

evidente aqueles ensinamentos dados por meus familiares e o que a sociedade

aceitava como parâmetros de regras e normas sociais. Já entendia que não podia

pegar o que não fosse meu (Rapunzel), que não podia mentir (Pinóquio), que o

bom sempre vence o mau (Chapeuzinho Vermelho), que trabalhando você

consegue o que quer (Os Três Porquinhos) e outras lições ligadas às historias

infantis.

As narrativas ganham sentido e potencializam-se como processo de formação e de conhecimento, porque tem na experiência sua base existencial. Desta forma, as narrativas constituem – se como singulares num projeto formativo, porque se assentam na transação entre diversas experiências e aprendizagens individual/coletiva. (SOUZA, 2004, p.19)

Page 85: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

85

Bettelheim (2009) ficou decepcionado com a literatura oferecida. Esta se

destinava ao ensino de habilidades sem se importar com o significado. A

aquisição de habilidades fica sem valor quando o que se aprende não acrescenta

nada de importante à vida da pessoa.

Uma historia verdadeiramente significativa é aquela que prende a atenção

da criança e desperta a sua curiosidade. Para enriquecer a sua vida deve

estimular-lhe a imaginação, relacionando todos os aspectos de sua

personalidade, promovendo a confiança da criança em si mesma e em seu futuro.

Segundo Coelho e Propp (1997), citados por Gagliardi e Amaral (2001),

os homens contam historias, de alguma maneira, desde épocas muito remotas.

As primeiras historias ficaram conhecidas como mitos, há duas fontes que nos

levam a essa conclusão: as sociedades ágrafas de nossa época, em que os mitos

assumem funções fundamentais para a conservação da cultura e da vida desses

povos e o conjunto das antigas civilizações, que transmitiram seus mitos pela

tradição oral e só foram registrados a partir do momento em que a escrita se

difundiu entre eles.

3.5. Mito – herói e divino

De acordo com Gagliardi e Amaral (2001), os mitos são historias

sagradas para explicar as origens do mundo, transmitir a sabedoria coletiva,

conservar a tradição, os costumes e moral próprio que preservam a identidade de

um povo.

Segundo Bettelheim (2009), algumas historias folclóricas e de fadas se

desenvolveram a partir dos mitos e foram incorporadas a eles. Ambas as formas

registraram a experiência acumulada de uma determinada sociedade para

relembrar a sabedoria passada e transmiti-la às futuras gerações. O autor traça

semelhanças entre mitos e contos de fadas.

Os mitos e os contos de fadas tem muito em comum. Mas, nos mitos, muito mais do que nas historias de fadas, o herói civilizador se apresenta ao ouvinte como uma personagem que, tanto quanto possível, ele deve emular em sua própria vida. Um mito, tal como uma historia de fadas, pode expressar um conflito interior de forma simbólica e sugerir como

Page 86: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

86

pode ser resolvido. O mito apresenta seu tema de modo majestoso; transmite uma força espiritual; e o divino está presente e é vivenciado na forma de heróis sobre humanos que fazem solicitações constantes aos simples mortais. (BETTELHEIM, 2009, p.37)

Segundo Propp (1997), nas sociedades em que os rituais foram

abandonados há muito tempo, os mitos também foram deixando de ter sua função

primitiva, a preservação de um povo, de uma sociedade. Os rituais modificaram-

se restando somente à parte das narrativas míticas, que se transformaram em

outras formas de narrativa, entre elas os contos de fadas. Esses contos relatam à

trajetória de heróis e heroínas, de forma semelhante ao que acontece nos rituais,

enfrentam provações (obstáculos, enigmas, tarefas impossíveis), recebem ajudas

mágicas (elementos para vencerem as provações). Os protagonistas

transformam-se em pessoas adultas, capazes de retornar ao lar, prontas para

assumir uma nova fase de suas vidas.

Franz (2008, p. 33) afirma que “o mito é uma produção cultural” e acredita

que grandes mitos podem decair com as civilizações e os temos básicos podem

sobreviver como contos de fadas. Afirma que o mito:

[...] apresenta conjuntos de expressões culturais conscientes, que facilitam sua interpretação, pois nele certas ideias são expressas de maneira mais explícita. Pode-se dizer que a estrutura básica ou que os elementos arquetípicos de um mito são construídos numa expressão formal, que se liga ao consciente coletivo cultural da nação na qual se originou e que, de certa maneira, está mais próximo da consciência e do material histórico conhecido. (FRANZ, 2008, p.34)

Coelho (2009) sintetiza três conceitos de fundamental importância para

esta pesquisa. Ao mesmo tempo em que estão separados, estão interligados.

Mitos nascem na esfera do sagrado; arquétipos correspondem à esfera humana e símbolos pertencem à esfera da linguagem, pela qual mitos e arquétipos são nomeados e passam a existir como verdade a ser difundida entre os homens e transmitida através dos tempos. (COELHO, 2009, p.91)

Não poderia deixar de mencionar neste tópico, que comentamos sobre

arquétipos, o psiquiatra Jung (2002), fundador da psicologia analítica ou

junguiana, que definiu arquétipos de modo claro e funcional.

Page 87: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

87

Os arquétipos são sistemas de prontidão que são ao mesmo tempo imagens e emoções. São hereditários como a estrutura do cérebro. Na verdade é o aspecto psíquico do cérebro. Constituem, por um lado, um preconceito instintivo muito forte e, por outro lado, são os mais eficientes auxiliares das adaptações instintivas. Propriamente falando, são a parte tônica da psique – se assim podemos falar – aquela parte através da qual a psique está vinculada a natureza, ou pelo menos em que seus vínculos com a terra e o mundo aparecem claramente. Os arquétipos são formas típicas de comportamento que, ao se tornarem conscientes, assumem o aspecto de representações, como tudo o que se torna conteúdo da consciência. Os arquétipos são anteriores à consciência e, provavelmente, são eles que formam os dominantes estruturais da psique em geral, assemelhando-se ao sistema axial dos cristais que existe em potência na água-mãe, mas não é diretamente perceptível pela observação. Do ponto de vista empírico, contudo, o arquétipo jamais se forma no interior da vida orgânica em geral. Ele aparece, ao mesmo tempo que a vida. “Dei o nome de arquétipos a esses padrões, valendo-me de uma expressão de Santo Agostinho: Arquétipo significa um “Typos” (impressão, marca-impressão), um agrupamento definido de caracteres arcaicos, que, em forma e significado, encerra motivos mitológicos, os quais surgem em forma pura nos contos de fadas, nos mitos, nas lendas e no folclore. (JUNG, 2002, p.87)

Os mitos são narrativas que formam um universo que demonstra as

fronteiras entre o conhecido e o mistério, o consciente e o inconsciente, o real e o

imaginário.

3.6. Contos de fadas – muitas historias uma só magia

Bettheleim (2009) afirma que os contos de fadas enquanto diverte a

criança, esclarece-a sobre si e favorece o desenvolvimento de sua personalidade.

São ímpares como obras de arte acessível à criança. Cada pessoa interpreta o

conto de fadas de acordo com o momento de sua vida, por isso o mesmo conto

pode ter diferentes significados.

Gagliardi e Amaral (2001), afirmam em seus estudos que além de se

transformarem em contos de fadas, as primeiras narrativas foram tomando formas

de saga, epopeia e lenda. O conjunto de narrativas foi, a princípio, transmitido

oralmente pelos contadores de historias por meio das gerações. Os contos de

fadas são historias abertas que desencadeiam outras historias, admitem diversas

Page 88: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

88

interpretações entre aqueles que contam e aqueles que ouvem, por sofrerem a

influência da historia e dos lugares onde são contados.

Segundo Franz (2008), o valor dos contos de fadas para a investigação

científica do inconsciente é superior a qualquer outro material. Eles são

especialmente importantes quando se analisam pessoas de diversos lugares do

mundo.

Eles representam os arquétipos na sua forma mais simples, plena e concisa. Nesta forma pura, as imagens arquetípicas fornecem-nos as melhores pistas para compreensão dos processos que se passam na psique coletiva. Nos mitos, lendas ou qualquer outro material mitológico mais elaborado, atingimos as estruturas básicas da psique humana através de uma exposição do material cultural. Mas nos contos de fadas existe um material cultural consciente muito menos específico e, consequentemente, eles espelham mais claramente as estruturas básicas da psique. (FRANZ, 2008, p.9)

Gagliardi e Amaral (2001), sintetizam uma análise sobre a composição do

conto de fadas baseados nos estudos sobre a obra do folclorista russo Vladimir

Propp (1997):

1. Há uma situação inicial de tranquilidade. 2. Aparece um elemento desestabilizador, que pode ser uma proibição ou uma perda para o (a) herói/heroína.

3. O (a) herói/heroína pode sair de casa ou continuar vivendo nela com restrições ou castigos impostos por seus antagonistas.

4. O (a) herói/heroína recebe um objeto mágico ou a ajuda de um ser mágico em algum momento da historia.

5. Ao longo da historia, o (a) herói/heroína passa por muitas provações, que podem ser desde a execução de trabalhos pesados, até desafios propostos por outras personagens que aparecem ao longo da historia. Esses desafios podem levar o herói/heroína a um enfrentamento direto com seu (sua) antagonista.

6. As ações da historia podem realizar-se num só espaço ou acontecerem em vários espaços diferentes, lugares distantes do lar do (a) protagonista.

7. Muitas vezes o (a) herói/heroína tem que se disfarçar; outras vezes ele/ela é transformado (a) em outro ser.

8. Ao longo da trama, o (a) herói/heroína disfarçado(a) ou transformado(a) é reconhecido(a).

Page 89: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

89

9. O (a) antagonista é desmascarado(a) ou castigado(a).

10. No final acontece um desenlace: há uma reparação do dano feito ao (à) herói/heroína, que pode casar-se com a filha/filho do rei ou receber qualquer outro tipo de recompensa. (GAGLIARDI e AMARAL, 2001, p.13)

Esses elementos aparecem em muitos contos de fadas. O mesmo ocorre

ao distinguir-se as várias funções das personagens na estrutura dos contos de

fadas. Propp (1972), reconhece a essencialidade dos contos de fadas como

expressão da vida. Ele afirma: “Não há duvida de que o conto encontra,

geralmente, sua fonte na vida”. (PROPP, 1972, p.14)

Assim sendo, Coelho (2009) nota a identidade existente entre as funções

apontadas e as constantes básicas do viver humano:

1. Situação de crise ou mudança: é natural que na vida real todo ser humano viva contínuas situações de mudança ou de crise, pois do nascimento à morte passamos por muitas transformações, desafios e provas; 2. Desígnio: todo ser humano tem (ou deve ter) suas aspirações, seu ideal, seu desígnio a ser atingido na vida, em busca de sua auto realização;

3. Viagem: basicamente, a luta pela auto- realização trava-se fora de casa, no corpo a corpo do eu com o mundo exterior, com outros;

4. Obstáculos: são as inevitáveis dificuldades que se interpõem entre o eu e seu caminho para a auto-realização.

5. Mediação: são os auxílios que, via de regra, o eu recebe para poder avançar em seus caminhos;

6. Conquista: este deveria ser o desenlace feliz para a auto-realização desejada pelo eu, como acontece sempre nos contos de fadas e deveria acontecer também na vida real. (COELHO, 2009, p.119-120)

Os contos transformam-se de acordo com a historia do tempo em que são

contados, o que permite reconhecê-los e nomeá-los como contos de fadas.

Os contadores e escritores atuais de contos de fadas, embora mantenham a essência daquilo que contam ou escrevem, modificam suas historias a partir de sua experiência de vida, do que ouvem veem e sentem. Os ouvintes ou leitores das narrativas transmitidas também participam da continua reconstrução das historias, interpretando-as a partir de seus conhecimentos, de sua historia de vida, quando vão

Page 90: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

90

recontá-las. A cada recontar o conto transforma-se, ganha novos elementos, novo modo de dizer, novo significado. (GAGLIARDI e AMARAL, 2001, p.11)

Na época das sociedades artesanais, segundo Benjamin (1985), as

práticas de trabalho favoreciam um estado mental de esquecimento de si, que

propiciava a memorização das historias ouvidas, mesmo porque elas se repetiam

tal quais os movimentos tediosos de fiar e tecer. Neste tipo de sociedade havia

dois tipos de narradores: os que permaneciam vivendo a vida toda em seus

lugares de origem e aqueles que viajavam trazendo historias de outras partes do

mundo. Essa junção de saberes aperfeiçoou a arte de narrar e difundiu as

narrativas pelo mundo todo.

A força das narrativas orais tradicionais, entre as quais está o conto de fadas, deve-se a uma série de fatores: eram historias concisas, que evitavam explicações, deixando um espaço para interpretações; eram fáceis de memorizar; transmitiam saberes práticos e conselhos preciosos para a vida do ouvinte. Este aconselhamento não tinha a pretensão de ser uma resposta, mas de ser uma sugestão possível de ser utilizada em razão da experiência de vida partilhada entre narrador e ouvintes. A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das historias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos. [...] “Quem viaja tem muito que contar”, diz o povo, e comisso imagina o narrador como alguém que vem de longe. Mas também escutamos com prazer o homem que ganhou honestamente sua vida sem sair de seu país e que conhece suas historias e tradições. (BENJAMIN, 1985, p.199)

Segundo Benjamin (1985), o que interessa ao pesquisador no relato de

historia de vida é apreender e compreender a vida conforme ela é relatada e

interpretada pelo próprio autor. Por meio do estudo da vida das pessoas é

possível penetrar em sua trajetória histórica e entender a dinâmica das relações

estabelecidas ao longo de sua existência, ou seja, de seu cotidiano. Este

entendido como o momento concreto, definido pelo tempo e espaço. As historias

de vida estão enquadradas no contexto em que se desenvolvem projetando assim

um conjunto de significações.

É impossível identificar o caminho percorrido pelos contos de fadas em

seu processo de difusão pelo mundo, porém demonstra uma possível origem

comum, as narrativas orais transmitidas de geração a geração.

Page 91: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

91

Bettelheim (2009), acredita que nada é tão enriquecedor e satisfatório,

seja para criança, seja para o adulto, do que o conto de fadas popular. Os contos

de fadas pouco ensinam sobre as condições da vida na sociedade moderna de

massa, no entanto, pode-se aprender sobre os problemas íntimos dos seres

humanos e sobre as soluções corretas para suas dificuldades em qualquer

sociedade.

Tentou entender a razão pela quais essas historias tem tanto êxito no

enriquecimento da vida interior da criança e constatou que esses contos

começam no ponto em que a criança efetivamente se acha em seu ser

psicológico e emocional. Falam de suas graves pressões interiores de modo que

ela compreende e oferecem exemplos para soluções temporárias e/ou

permanentes.

Os contos de fadas tem um valor inigualável, pois oferecem novas

dimensões à imaginação da criança que ela não descobriria por si só de modo tão

verdadeiro. Sua forma e estrutura sugerem imagens com as quais a criança pode

estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida.

O trabalho autobiográfico possibilita a descoberta de aspectos decisivos da vida pessoal presentes na interioridade e na relação com o mundo, que de outra forma permaneceriam ocultos e, em muitos casos, desconhecidos. Esse caminho de apropriação de si é também estimulado pela troca realizada entre os pares que ajuda a aprofundar e compreender melhor os aspectos importantes da trajetória formativa. Verifica-se assim a presença de “dispositivos de formação baseados na explicitação e troca de experiências, instituindo processos de comunicação e aprendizagem entre pares e a reversibilidade de papéis entre todos os implicados no processo educativo, ou seja, todos aprendem com todos”. (CANÁRIO, 2005, p.12)

Neste sentido é que pretendo relacionar os contos de fadas às historias

de vida, pois algumas pesquisas procuram compreender a existência humana, o

que significa que tornam o ser humano como sujeito que faz a historia ao mesmo

tempo em que se constrói através dela.

O processo de socialização acontece em uma sociedade perpassada pela desigualdade social, onde são criados os hábitos de classe que vão aparecer nas relações familiares entre os membros, determinando comportamentos específicos quanto à idade, ao sexo, à posição no grupo familiar, entre outros. (HUMEREZ, 1998, p.32)

Page 92: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

92

3.7. Historias de vida – o individual que modifica o coletivo

Após o nascimento somos resgatados pelo grupo familiar e vamos

interiorizando papéis, valores e atitudes num movimento que nos insere em nossa

cultura.

Segundo Josso (2004), os relatos de vida escritos, centrados sobre a

perspectiva das experiências formadoras e fundadoras de nossas identidades em

evolução, de nossas ideias e crenças meio estabilizadas, de nossos hábitos de

vida e de ser com relação a nós mesmos, aos outros e ao meio humano e natural,

tem a particularidade de ser territórios por vezes tangíveis e invisíveis, ou seja,

simbólicos, nos quais se exploram e se descobrem formas e sentidos múltiplos de

uma existencialidade evolutiva.

A historia de vida narrada é assim, uma mediação de conhecimento de si em sua existencialidade, que oferece à reflexão de seu autor oportunidades de tomada de consciência sobre seus diferentes registros de expressão e de representações de si, assim como sobre as dinâmicas que orientam a formação. (JOSSO, 2008, p.27)

A mudança estrutural na forma do homem conceber a si e a sua relação

com o mundo traz implicações importantes para o campo da Educação. Para

Brandão (2005), tornam-se necessários encontrar instrumentos formativos que

favoreçam a descoberta e a apropriação de si num contexto multifacetado e

contraditório, de forma a promover a capacidade de discernimento e ação.

O processo de formação torna-se uma longa busca de si em um mundo que demanda uma forte consistência pessoal para enfrentar os desafios que cada um deve encarar na sociedade atual. Essa experimentação existencial irá de certo surpreender, particularmente em contextos de conformidade social, porque ela favorecerá trajetórias insólitas e opções aparentemente contraditórias. (DOMINICÉ, 2006, p. 345)

Para Macioti (1988), citado por Humerez (1998, p.34),no relato de historia

de vida, o testemunho individual está diretamente condicionado às experiências

vividas e que expressa a realidade sócio histórica.

Page 93: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

93

Cipriani (1988), citado por Humerez (1998, p.34), ressalta que a historia

de vida é a possibilidade de ver se desenvolver as diversas biografias individuais

sobre um terreno partilhado em nível social.

Segundo Moita (2000), a abordagem biográfica ou os relatos de historias

de vida tem as potencialidades do dialogo entre o individual e o sociocultural.

Assim como Josso (2004), Moita (2000) afirma que esse diálogo introduz

necessariamente uma reflexão sobre a articulação entre essas duas realidades e

a “tomada de consciência de co-habitações de significados múltiplos num mesmo

vivido”.

[...] Só uma historia de vida permite captar o modo como cada pessoa, permanecendo ela própria, se transforma. Só uma historia de vida põe em evidência o modo como cada pessoa mobiliza os seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num diálogo com os seus contextos. Numa historia de vida podem identificar-se as continuidades e as rupturas, as coincidências no tempo e no espaço, as “transferências” de preocupações e de interesses, os quadros de referência presentes nos vários espaços do cotidiano. (MOITA, 2000, p.116-117)

O desenvolvimento da abordagem biográfica tem especificidades de

ordem metodológica e de ordem epistemológica. Moita (2000) faz o levantamento

de alguns pressupostos que confirmam esta afirmação.

1.O “saber” que se procura é de tipo compreensivo, hermenêutico, profundamente enraizado nos discursos dos narradores. O conhecimento dos processos de formação pertence antes de mais àqueles que se formam. [...] O papel do investigador é fazer emergir o(s) sentido(s) que cada pessoa pode encontrar nas relações entre as várias dimensões de sua vida. 2.O tipo de enfoque deste trabalho exclui a formulação de hipóteses a serem sujeitas a verificação, uma vez que não se procura a relação entre as variáveis. Torna-se fundamental a definição de eixos de pesquisa que explicitem e delimitem o campo da investigação.

3.O quadro de análise interpretativo das historias de vida é elaborado de um modo coerente com o objeto de pesquisa e o “corpus” biográfico recolhido. O problema é ordenar, compreender sem violentar, sem sobre impor um esquema preestabelecido.

4.Cada historia de vida, cada percurso, cada processo de formação é único. Tentar elaborar conclusões generalizáveis seria absurdo. Como refere Dominicé (1985): “Neste caso, a verdade não cabe na generalização. Existe uma singularidade de cada historia de vida, que

Page 94: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

94

não permite que se considere como verdadeira toda a generalização que não tenha em conta essa singularidade”.

5.Neste processo de pesquisa impõe-se a criação de condições de uma efetiva implicação de todos os participantes. Gaulejac (1989) escreve que a qualidade do material produzido depende do grau de implicação de cada participante, do desejo e capacidade de fazer memória da sua vida para a encontrar, exprimir e analisar.

6.O tipo de relação a manter com os narradores é caracterizado pela colaboração, pela partilha, pela escuta empática, por uma atitude que reflete uma situação de paridade. Essa atitude não é estratégica para obter mais facilmente “informações” ou para ganhar a confiança dos implicados, mas decorre de um posicionamento de princípio. 7.A participação contem um caráter necessariamente formativo em relação a todas as pessoas nele implicadas. Embora se situe claramente no domínio da investigação, é oportunidade formativa pelas características da metodologia pela qual optou. A apropriação que cada pessoa faz do seu patrimônio existencial através de uma dinâmica de compreensão retrospectiva é um fator de formação. Para o investigador, um certo vaivém da emergência dos processos de formação conduz a um questionamento sobre os seus próprios processos formativos. (MOITA, 2000, p.117-118)

3.8. Aprender a viver – depois ensinar

Segundo Josso (2004), as historias de vida vem ocupando lugar de

destaque na pesquisa nos últimos vinte anos. No âmbito educacional, a relação

entre as historias de vida e o saber tem se firmado como importante instrumento

para os estudos deste tema.

De acordo com Nóvoa (2000), apesar de todas as fragilidades e

ambiguidades, é inegável que as historias de vida tem dado origem a práticas e

reflexões estimulantes [...] fertilizadas pelo recurso a uma grande variedade

conceitual e metodológica.

O movimento de experiências de vida e dos estudos (auto) biográficos

produzidos no âmbito da profissão docente, nasceu da vontade de se produzir um

outro tipo de conhecimento, mais próximo da realidade educativa e do cotidiano

dos professores.

Produzir outro conhecimento sobre os professores para compreendê-los

como pessoas e como profissionais, para descrever e para mudar as práticas

educativas é um desafio muito grande. Dominicé (1990) escreve:

Page 95: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

95

A vida é o lugar da educação e a historia de vida o terreno no qual se constrói a formação. Por isso, a prática da educação define o espaço de toda reflexão teórica. O trabalho do investigador e dos participantes num grupo biográfico não é da mesma natureza, na medida em que ele possui mais instrumentos de análise e uma maior experiência de investigação. Mas trata-se do mesmo objeto de trabalho. Dito doutro modo, o saber sobre a formação provém da própria reflexão daqueles que se formam. É possível especular sobre a formação e propor orientações teóricas ou fórmulas pedagógicas que não estão em relação com os contextos organizacionais ou pessoais. No entanto, a análise dos processos de formação, entendidos numa perspectiva de aprendizagem e de mudança, não se pode fazer sem uma referência explícita ao modo como um adulto viveu as situações concretas do seu próprio percurso educativo. (DOMINICÉ, 1990, p.167)

Não podemos deixar de mencionar o processo da construção de

identidades. É um processo que necessita de tempo, um tempo para assimilar as

mudanças, perceber as inovações e refazer identidades. Nóvoa (2000) define

com muita clareza e precisão a palavra identidade.

A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor. (NÓVOA, 2000, p.16)

Moita (2000), afirma que ninguém se forma no vazio e acrescenta que

formar-se:

[...] supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações. Ter acesso ao modo como cada pessoa se forma é ter em conta a singularidade da sua historia e sobretudo o modo singular como age, reage e interage com os seus contextos. Um percurso de vida é assim um percurso de formação, no sentido em que é um processo de formação. (MOITA, 2000, p.115)

Nóvoa (2000), sugere uma forma de compreender os aspectos que são

objetos de uma maior atenção em relação à investigação, a formação e a

investigação formação do professor. Os professores são encarados como

“objetos” da investigação, como “sujeitos” da formação e como “atores” da

investigação formação. O autor agrupou este estudo em nove tipos que serão

descritos abaixo:

Page 96: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

96

1. Objetivos essencialmente teóricos, relacionados com a investigação versus pessoa (do professor): estes estudos tomam como referência a pessoa do professor, exprimem-se numa perspectiva sociológica: baseadas em metodologias de “historia oral” ou em “memórias escritas”; numa perspectiva psicológica mais preocupada com os problemas de saúde mental e de stress ou com fases e etapas da vida pessoal dos professores.

2. Objetivos essencialmente teóricos, relacionados com a investigação versus práticas (dos professores): este tipo de estudo procura compreender as práticas pedagógicas a partir das narrativas e descrições dos professores. 3. Objetivos essencialmente teóricos, relacionados com a investigação versus profissão (de professor): estudos sobre os ciclos de vida profissional dos professores e as (auto)biografias dos professores para produzir um conhecimento renovado sobre a profissão docente. 4. Objetivos essencialmente práticos, relacionados com a formação versus pessoa (do professor): incluem-se nesta categoria práticas de formação de professores, que se organizam à volta da problemática do desenvolvimento pessoal, de experiências que valorizam as dinâmicas de auto formação, a partir da análise de materiais tão distintos como o “curriculum vitae” ou as biografias profissionais, nas tendências para (re)centrar a formação de professores na pessoa do professor. 5. Objetivos essencialmente práticos, relacionados com a formação versus práticas (dos professores): trata-se de dispositivos que procuram rememorar as práticas dos professores, através de estratégias várias (narrativas orais, relatos escritos, etc.), tendo como objetivo produzir uma reflexão auto formadora. 6. Objetivos essencialmente práticos, relacionados com a formação versus profissão ( de professor): importa considerar neste item as iniciativas de caráter mais institucional, que se tem vindo a desenvolver no âmbito da formação de professores: experiências realizadas no contexto da formação inicial, os primeiros anos de exercício profissional, etc. 7. Objetivos essencialmente emancipatórios, relacionados com a investigação formação versus pessoa (do professor): há um conjunto de iniciativas em que os profissionais são chamados a desempenhar, simultaneamente, o papel de “objetos” e de “sujeitos” da investigação. 8. Objetivos essencialmente emancipatórios, relacionados com a investigação formação versus práticas (dos professores): evocam-se as experiências autobiográficas que tem como fulcro a mudança das práticas dos professores. 9. Objetivos essencialmente emancipatórios, relacionados com a investigação formação versus profissão (de professor): utilização das abordagens biográficas que aponta no sentido da transformação da profissão docente. Os professores se assumirem como profissionais dotados de largas margens de autonomia; dar voz aos professores; redação de diários e desenvolvimento profissional; a responsabilidade da mudança; as identidades profissionais. (NÓVOA, 2000, p.21-23)

Page 97: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

97

3.9. A indústria cultural – fábrica de sonho e consumo

Os contos de fadas de hoje sofreram modificações durante os séculos.

Encontrar o original de Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, é muito difícil, muito

raro. Deparamo-nos com versões diferentes de um mesmo conto em uma mesma

cultura ou em culturas diferentes.

Segundo Gonçalves (1998), alguns contos de fadas tiveram sua versão

modificada pela localização ou pelos estúdios Disney:

[...] a “Cinderela” dos irmãos Grimm perde “um sapatinho de seda bordado de ouro”, já a versão de Perrault é intitulada “Borralheira ou Sapatinho de Vidro”, os sapatinhos de vidro mais lindos do mundo. “Chapeuzinho Vermelho” nas versões mais antigas era conhecida como “Capinha Vermelha”. “Branca de Neve” que ficou conhecida como “Branca de Neve e os Sete Anões” por obra dos estúdios Disney, na Itália era “A moça de leite e sangue”, porque na Itália raramente neva e as três gotas de sangue do dedo da rainha caem no leite, no mármore ou mesmo no queijo branco. Na versão russa, não são sete anões que habitam a casinha da floresta e sim sete cavaleiros; e a historia se chama “O Conto da Princesa Morta”. (GONÇALVES, 1998, p.37)

Todas essas diferenças são fruto das modificações sociais, morais e

culturais pelas quais cada sociedade e em um nível mais amplo a humanidade

tem passado desde se surgimento. Cada historia passa por adaptações, criam

detalhes e particularidades de acordo com a cultura de seu país.

Em um artigo publicado na revista Movendo Ideias (2003), um grupo

contendo jornalista (Costa), socióloga (Palheta) e assistentes sociais (Mendes e

Loureiro) revisou as ideias de Adorno e Horkheimer (1985) e fez comentários

relevantes sobre a indústria cultural.

Horkheimer e Adorno foram dois teóricos que defenderam que o desenvolvimento da comunicação de massa teve um impacto fundamental sobre a natureza da cultura e da ideologia nas sociedades modernas. Na concepção deles, a análise da ideologia não pode mais se limitar ao estudo das doutrinas políticas, mas deve ser ampliada para abranger as diferentes formas simbólicas que circulam no mundo social, ou seja, a estruturação das relações na sociedade, a forma como se produz e se intensificam a massificação do indivíduo. Não obstante, a cultura é o instrumento que desenvolve e assegura formas de controle das concepções sociais e das ideologias estruturadas na sociedade capitalista. (COSTA, PALHETA, MENDES, LOUREIRO, 2003, p.13)

Page 98: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

98

Segundo os autores citados anteriormente, compreender e possuir uma

posição que seja crítica e analítica desse processo de massificação dado pela

cultura é mais do que roteiro teórico, é antes de tudo, uma referência que supera

a gama de problemas culturais vividos no século XX. Um dos caminhos a ser

seguido é o da Escola de Frankfurt*, e com ela um de seus teóricos Theodor

Adorno, que possui uma produção relevante nesta temática, mas nesse contexto

não podemos deixar de citar Walter Benjamin que produz reflexões sobre a

técnica de reprodução da obra de arte, no caso particular, o cinema,

compreendendo os resultados sociais e políticos dessa massificação, o que

Adorno estabelecerá como indústria cultural.

Walter Benjamin, possui uma teoria materialista da arte, cujo

desenvolvimento do estudo aponta para compreensão das causas e dos

resultados da aura (ambiente de acontecimento exterior) que envolve a obra de

arte, tratada enquanto objeto individualizado e único. A expansão do que é único

é dado através da técnica de reprodução que estabelece a dissolução da aura

original, portanto, irá romper com as restrições dos pequenos ciclos, dos

pequenos grupos sociais.

Poder-se-ia resumir todas essas falhas, recorrendo à noção de aura, e dizer: Na época das técnicas de reprodução, o que é atingido na obra de arte é a sua aura. Esse processo tem valor de sintoma, sua significação vai além do terreno da arte. Seria impossível dizer, de modo geral, que as técnicas de reprodução separam o objeto reproduzido do âmbito da tradição. Multiplicando as cópias, elas transformam o evento produzido apenas uma vez num fenômeno de massas. Permitindo ao objeto reproduzido oferecer à visão e à audição em quaisquer circunstâncias, conferem-lhe atualidade permanente. Esses dois processos conduzem a um abalo considerável na realidade transmitida – a um abalo de tradição, que constitui a contrapartida da crise por que passa a humanidade e a sua renovação atua. Estão em estreita correlação com os movimentos de massa hoje produzidos. Seu agente mais eficaz é o cinema. Mesmo considerado sob forma mais positiva – e até precisamente sob essa forma – não se pode apreender a significação social do cinema, caso seja negligenciado o seu aspecto destrutivo e catártico: a liquidação do elemento tradicional dentro da herança cultural. (Benjamin, 1983, p.8)

Adorno e Horkheimer (1985) definem indústria cultural como:

[...] o conjunto de meios de comunicação como, o cinema, o rádio, a televisão, os jornais e as revistas, que formam um sistema poderoso para gerar lucros e por serem mais acessíveis às massas, exercem um

Page 99: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

99

tipo de manipulação e controle social, ou seja, ela não só edifica a mercantilização da cultura, como também é legitimada pela demanda desses produtos. (Horkheimer, 1985, p.57)

Segundo os sociólogos citados acima esses produtos passaram por uma

hierarquização quanto à qualidade, no sentido de privilegiar uma quantificação

dos procedimentos estatístico dos consumidores. Tolhendo a preferência da

massa e instaurando o poder da técnica sobre o homem, a indústria cultural cria

condições favoráveis para a implantação de seu comércio. O valor de uso é

absorvido pelo valor de troca em vez de prazer estético, o que se busca é

conquistar prestígio e não propriamente ter uma experiência do objeto. O filme

sonoro e a televisão podem criar a ilusão de um mundo que não é o que a nossa

consciência espontaneamente pode perceber, mas uma realidade

cinematográfica que interessa ao sistema econômico e político no qual se insere a

indústria cultural. Pela cultura de massa, o homem é subordinado ao progresso da

técnica e esta destrói, fragmenta-o em sua subjetividade para dar lugar a razão

instrumental, ou seja, a razão é reduzida a instrumentalidade. A indústria cultural

mostra a regressão do esclarecimento na ideologia, que encontra no cinema e no

rádio sua expressão mais influente, à medida que eles não passam de um

negócio rentável aos seus dirigentes. O esclarecimento como mistificação das

massas consiste, sobretudo, no cálculo da eficácia e na técnica de produção e

difusão. Os autores mostram que, a despeito de sua postura aparentemente

democrática e liberal, a cultura massificada realiza impiedosamente os ditames de

um sistema de dominação econômica que necessita, entretanto, de uma

concordância das pessoas para a legitimação de sua existência.

De acordo com o artigo da Revista Movendo Ideias (2003), citado

anteriormente, Horkheimer e Adorno (1985) utilizam o termo “indústria cultural”

para se referirem à mercantilização das formas culturais ocasionadas pelo

surgimento das indústrias de entretenimento na Europa e nos Estados Unidos no

final do século XIX e início do século XX. Esses teóricos discutiram os filmes, o

rádio, a televisão, a música popular, as revistas e os jornais argumentando que o

surgimento das indústrias de entretenimento como empresas capitalistas

resultaram na padronização e na racionalização das formas culturais, e esse

processo, por sua vez, atrofiou a capacidade do indivíduo de pensar e agir de

Page 100: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

100

uma maneira crítica e autônoma. A indústria cultural através dos meios de

comunicação como no caso do cinema, faz com que os indivíduos percebam de

forma ilusória a reprodução mecânica dos filmes refletida na vida real. É como se

a vida dentro da tela se tornasse um prolongamento da vida real. Atualmente,

segundo Adorno (1985), o consumidor de filme tem sua imaginação e

espontaneidade paralisadas pelos efeitos dessa máquina, que produz velozmente

os fatos diante dos seus olhos. As pessoas são modeladas de acordo com o

estabelecido pela indústria cultural.

A indústria cultural usa da técnica e dos melhores recursos para envolver o

consumidor, levando até eles uma arte mais acessível de conteúdo oco, repetido

e muitas vezes abandonado.

A arte contemporânea, ao destruir a aura da obra, em virtude da difusão

em série, proporciona o valor de exposição. Esse fato, não é visto por Benjamin

(1984) como algo prejudicial, pois isso facilitava a proximidade da obra com as

massas. O autor projetou uma visão positiva da cultura de massa, no sentido de

que esta poderia ser uma fonte de emancipação, libertando o homem moderno

das opressões do capital.

Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua produção (…) Retirar o objeto do seu invólucro, destruir sua aura, é a característica de uma forma de percepção cuja capacidade de captar o “semelhante no mundo” é tão aguda, que graças à reprodução ela consegue captá-lo até no momento único. (BENJAMIM, 1984, p.170)

Benjamin (1984) faz uma observação em relação ao cinema no tópico

intitulado: Camundongo Mickey. Ele aborda qual seria o potencial crítico do filme

em demonstrar a realidade, colocando a câmera como um instrumento para

desvelar o meio social, trazendo aos homens os mistérios de um mundo que lhe

era familiar.

O cinema introduziu uma brecha na velha verdade de Heráclito segundo a qual o mundo dos homens acordados é comum, o dos que dormem é privado. E o fez pelo menos pela descrição do mundo onírico que pela criação de personagens do sonho coletivo, como o camundongo Mickey, que hoje percorre o mundo inteiro. Se levarmos em conta as perigosas tensões que a tecnização, com todas as suas consequências, engendrou nas massas, percebemos que essa mesma tecnização abriu a possibilidade de uma imunização contra tais psicoses de massa através de certos filmes, capazes de impedir, pelo desenvolvimento artificial de

Page 101: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

101

fantasias sadomasoquistas, seu amadurecimento natural e perigoso. [...] os filmes grotescos, dos Estados Unidos, e os filmes de Disney, produzem uma explosão terapêutica do inconsciente. Seu percursor foi o excêntrico. Nos novos espaços de liberdade abertos pelo filme, ele foi o primeiro a sentir-se em casa. (BENJAMIN, 1985, p. 190)

Segundo Junior (2007), as análises de Walter Benjamin (1984/1985) foram

fundamentais para reconhecer que os novos recursos poderiam sim ampliar a

expressão artística, possibilitando novas linguagens e experiências, concedendo,

portanto, novas funções para a arte e, do mesmo modo atualizando o conceito de

arte na contemporaneidade.

Para finalizar estas reflexões, gostaria de fazer uma citação que resume o

que acredito ser a relação entre contos de fadas e historias de vida. A fantasia, a

magia são, em minha opinião, elementos essenciais à vida do ser humano e

necessitam ser cultivados desde a infância para que a maioria de nossas historias

tenham “finais felizes”, tenham esperança e razão pelo que lutar.

É simplesmente fascinante o caminhar em meio a essa floresta de arquétipos que são os contos de fadas e descobrir os mil e um significados do rei, de heróis, princesas, sapos e rãs encantados, cabelos, anéis, madrastas, ilhas, gigantes e anões, fadas, bruxas, rainhas estéreis, concepções mágicas e outros. Mas não podemos esquecer que na vida real não existem fadas nem madrinhas que venham realizar por magia aquilo que temos vontade de fazer. Há, na vida, um trabalho a ser realizado, uma luta a ser empreendida por todos nós. E, nesse sentido, a literatura cumpre um papel. Pela imaginação, varinha de condão capaz de revelar o homem a si mesmo, a literatura vai lhe desvendando mundos que enriquecem seu viver. O objetivo último da literatura é a experiência humana, o convívio com ela. (COELHO, 2009, p.124)

No próximo capítulo relatarei o conceito de pesquisa, a importância da

abordagem qualitativa e o grupo focal como instrumento de coleta de dados. Fez -

se necessário todos esses elementos para que eu tivesse embasamento teórico

para realizar o trabalho nos moldes acadêmicos, perceber como age um

pesquisador, suas dificuldades e desafios.

Page 102: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

102

4. Diferentes historias, muitas descobertas...

“Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e porque me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. ”(FREIRE, 2008, p. 29)

Neste capitulo apresento e analiso os dados colhidos junto aos

professores do Centro de Educação Infantil Mário Caldana, vinculado à rede

municipal de ensino e no qual atuo como professora desde 2009. O propósito

inicial era utilizar como instrumento de coleta de dados o grupo focal, porém no

processo de constituição do grupo todas as professoras aceitaram o meu convite

para participar da pesquisa e acabei optando por acolher a todas. Assim, aquilo

que eu pretendia um grupo focal acabou sendo constituído por vinte e uma

pessoas e, considerando o número adequado para constituição do grupo focal,

conforme indicação de Gatti (2005), decidi chamar de encontros de formação as

reuniões realizadas em função da coleta de dados para a pesquisa.

A definição parece adequada porque os encontros aconteceram no tempo

e espaço de formação das professoras e, sobretudo, porque se constituíram em

verdadeiros espaços de reflexão sobre os processos formativos vivenciados pelas

professoras desde a infância até a vida adulta, no exercício da profissão. Embora

não tenha utilizado o grupo focal como instrumento de coleta de dados, vou

apresentar uma breve reflexão sobre ele na medida em que o grupo focal foi

muito estudado por mim, pois o considerei como o instrumento mais adequado

para a realização da pesquisa, porém denominei o instrumento utilizado como

encontros de formação, em função do número de participantes ir além dos

considerados adequados por Gatti (2005):

[...] Visando abordar questões com maior profundidade, pela interação grupal, cada grupo focal não pode ser grande, mas também não pode ser excessivamente pequeno, ficando sua dimensão preferencialmente entre seis e doze pessoas. Em geral, para projetos de pesquisa, o ideal é não trabalhar com mais de dez participantes. (GATTI, 2005, p.22)

Page 103: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

103

Como vimos um grupo com vinte e uma pessoas ultrapassa o limite

aceitável para o grupo focal. Sobretudo, considerando que os encontros tinham a

duração de uma hora cada, não foram garantidos, ao longo dos mesmos, alguns

aspectos do grupo focal, pois limitava a participação das professoras, as

oportunidades de trocas de ideias e o aprofundamento no tratamento do tema.

Neste sentido, pareceu-me conveniente chamar os encontros realizados

com o objetivo de coletar os dados da pesquisa de encontros de formação. Foram

encontros importantes nos quais todos puderam participar. Mesmo aqueles que,

por falta de espaço ou timidez, não expuseram suas ideias, foi possível perceber

o envolvimento com o processo.

Um aspecto importante que gostaria de destacar no desenvolvimento da

pesquisa, uma vez que muito acrescentou em minha formação, foi, enquanto

pesquisadora, à reflexão que este trabalho possibilitou sobre a própria noção de

pesquisa e dos instrumentos de coleta de dados.

Em diversos momentos do meu processo formativo ouvi falar em

pesquisa qualitativa, quantitativa ou em pesquisas que se estruturam por meio de

recursos destas duas abordagens, mas a experiência em decidir que abordagem

utilizar foi, para mim, bastante enriquecedora.

A pesquisa, como afirma Gatti (2007) tem diferentes conotações na vida

cotidiana das pessoas e na escola. Pesquisa é o ato pelo qual procuramos obter

conhecimento sobre alguma coisa. Com essa definição assim tão ampla,

podemos dizer que estamos sempre pesquisando em nossa vida de todo dia, toda

vez que buscamos alguma informação ou nos debruçamos na solução de algum

problema, colhendo para isso elementos que consideramos importantes para

esclarecer nossas dúvidas, aumentar nosso conhecimento ou fazer uma escolha.

Na pesquisa, segundo Gatti (2007) os dados com os quais trabalhamos

são muito importantes. Eles se apresentam de diversas maneiras: depoimentos,

entrevistas, diálogos, discussões, observações, etc. O momento histórico, o

contexto, as teorias e métodos, as técnicas que o pesquisador escolhe para

trabalhar determinam os conhecimentos.

Segundo Severino (2007), é preferível usar a terminologia abordagem

qualitativa ao invés do vocábulo pesquisa, com esta designação aborda-se mais

Page 104: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

104

os fundamentos epistemológicos do que propriamente a especificidades

metodológicas.

Qualquer trabalho de pesquisa exige do pesquisador um envolvimento tão grande que a investigação passa a fazer parte de sua vida, a temática deve ser vivenciada por ele e lhe dizer respeito. O trabalho de pesquisa e reflexão deve ser pessoal, autônomo, criativo e rigoroso. A abordagem qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Os pesquisadores valem-se de amostras reduzidas, os dados são analisados em seu conteúdo psicossocial e os instrumentos de coleta não são estruturados. (SEVERINO, 2007, p.119)

Richardson (1999), afirma que a abordagem qualitativa “pode ser

caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e

características situacionais apresentadas pelos entrevistados”.

Para Minayo (2002), a pesquisa qualitativa:

[...] responde a questões particulares, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores, atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO,2002, p.22)

Borgan (In: Triviños, 1987, p. 128-130) aponta as seguintes

características em relação à pesquisa qualitativa:

a)ter ambiente natural como fonte direta de dados;

b)ser descritiva;

c)analisar intuitivamente os dados;

d)preocupar-se com o processo e não só com o resultado e o produto;

e)enfatizar o significado. (BORGAN, 1987, p. 128-130)

Devido às características citadas acima é que posso afirmar que esta

pesquisa tem uma abordagem qualitativa porque descreveu as historias de vidas

contadas pelas professoras, identificou quais os significados das falas na vida

pessoal e profissional das mesmas e como chegaram a certas reflexões durante

sua trajetória.

Page 105: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

105

A pesquisa qualitativa pode empregar vários métodos e técnicas. A

escolha depende do tipo de investigação. Segundo Gatti (2005), a técnica do

grupo focal vem sendo muito utilizada nas abordagens qualitativas.

A seleção dos participantes segue alguns critérios conforme o problema a ser estudado. Os participantes devem ter alguma vivência em relação ao tema a ser discutido, de forma que sua participação traga elementos ligados a suas experiências cotidianas. (GATTI, 2005, p.7)

Os participantes desta pesquisa não tinham a vivência de ser professora,

de sala de aula, porque trabalhavam em outras áreas. Porém, trouxeram

elementos ligados às próprias experiências vividas na infância com a família e no

início de sua carreira docente.

Segundo a definição de Powell e Single (1996, p.449) citado por Gatti

(2005, p.7) um grupo focal é:

Um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua experiência pessoal. (POWELL e SINGLE, 1996, p.449)

Nos anos 1970 e 1980, o grupo como fonte de informação em pesquisa

foi comum em áreas como comunicação, na avaliação de materiais ou de

serviços, em processos de pesquisa – ação ou pesquisa – intervenção.

Houve uma redescoberta do grupo focal nos anos 1980 com o objetivo de

adaptar essa técnica ao uso na investigação cientifica. Ele é um bom instrumento

de levantamento de dados para pesquisas em ciências sociais e humanas, porém

a escolha de seu uso tem de ser criteriosa e coerente com os propósitos da

pesquisa.

No caso desta pesquisa, penso que a escolha inicial do grupo focal se

deu em razão dos estudos sobre a pesquisa em educação terem revelado que o

tema do trabalho seria melhor tratado por meio da abordagem qualitativa e entre

os instrumentos utilizados de coleta de dados hoje utilizados na realização deste

tipo de pesquisa, o grupo focal emergiu como o mais adequado.

É essencial na condução do grupo focal que o facilitador ou moderador

deva cuidar para que o grupo não seja dirigido ou conduzido por ele; deva fazer

Page 106: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

106

os encaminhamentos necessários que facilitem as trocas e que mantenha os

objetivos do trabalho.

É muito importante neste instrumento de pesquisa que o moderador tenha

em mente qual é a sua função no momento.

Fazer a discussão fluir entre os participantes e sua função, lembrando que não esta realizando uma entrevista com um grupo, mas criando condições para que este se situe, explique seus pontos de vista, analise, infira, faça criticas, abra perspectivas diante da problemática para o qual foi convidado a conversar coletivamente. (KITZINGER, 1994, p.9)

O fundamental é a interação do grupo e essa interação será estudada

pelo pesquisador diante de seus objetivos. O interesse deve ser como as pessoas

pensam e porque pensam desta forma, ou seja, porque pensam o que pensam. O

grupo focal fornece ao pesquisador uma grande quantidade de informações em

um período de tempo curto.

A autora ainda cita aspectos relevantes trazidos pelas interações ocorridas

nos grupos focais ressaltadas por Kitzinger (1994, p.116), por meio das interações

podemos:

Clarear atitudes, prioridades, linguagem e referenciais de compreensão dos participantes; Encorajar uma grande variedade de comunicações entre os membros do grupo, incidindo em variados processos e formas de compreensão; Ajudar a identificar as normas do grupo; Oferecer insight sobre a relação entre funcionamento do grupo e processos sociais na articulação de informação. Encorajar uma conversão aberta sobre os tópicos embaraçosos para as pessoas; Facilitar a expressão de ideias e de experiências que podem ficar pouco desenvolvidas em entrevista individual. (GATTI, 2005, p.10)

Segundo a autora, o trabalho com grupos focais permite compreender

práticas do nosso dia a adia, ações e reações a fatos e acontecimentos,

comportamentos e atitudes, construção da realidade por determinados grupos

sociais. Além de obter perspectivas diferentes para a mesma situação, permite

compartilhar ideias a respeito do cotidiano e compreender a maneira como um

indivíduo é influenciado pelos demais.

Esta técnica pode servir para fundamentar hipóteses ou verificar

tendências, para testar ideias, planos ou propostas, busca o aperfeiçoamento e o

Page 107: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

107

aprofundamento da compreensão a partir de dados provenientes de outras

técnicas.

Porém esta técnica é limitada devido ao pequeno número de participantes

e a forma de seleção dos participantes. O facilitador deve manter o foco no

assunto, criando–se um clima aberto para as discussões. Os participantes devem

sentir- se seguros para explanar suas opiniões.

A interação grupal muitas vezes surpreende e coloca novas formas de

entendimento que dão suporte a novas inferências sobre o problema estudado. A

adesão dos participantes deve ser voluntária. Os participantes devem estar

motivados para aderir ao processo e ao tema.

Krueger e Casey (2000, p.25) citados por Gatti (2005, p.14) afirmam que

não se deve utilizar o grupo focal quando se deseja que as pessoas cheguem a

um consenso, quando se quer que o grupo seja educativo, quando se busca

informações delicadas que não podem ser partilhadas com o grupo ou que podem

ser ofensivas para algum participante.

4.1. A utilização dos encontros de formação no cotidiano

As reflexões sobre a abordagem qualitativa em função da realização

desta pesquisa levaram-me a considerar o grupo focal o instrumento de coleta de

dados mais adequado, contudo o processo desenvolvido na escola levou-me a

redefinir o instrumento uma vez que não foi possível garantir os critérios da

constituição do grupo focal.

Os dados de minha historia de vida foram coletados com pessoas que

participaram e participam dela. Levei a ideia de realizar a pesquisa para o grupo

de professoras que trabalham comigo no Centro de Educação Infantil Mário

Caldana. A diretora autorizou que a pesquisa fosse realizada na unidade.

A sala dos professores tomou outra forma, transformou–se em um

espaço de reflexões, lembranças e exposição de fatos individuais que

influenciaram no coletivo. Nossa maior dificuldade foi adequar o horário para que

estes encontros fossem realizados. Cada professora envolvida dedicou um pouco

Page 108: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

108

de seu tempo para participar dos encontros de formação. Realizamos cinco

encontros, com duração de uma hora cada, nos horários de formação.

Outra dificuldade foi o número de participantes. Como não ocorreram

desistências e eu optei por não excluir ninguém, fizemos a pesquisa com um

grupo grande. Não foi realizada uma entrevista coletiva, pois cada professora

falou de sua experiência, de sua vivência em relação aos contos de fadas, tendo

liberdade para expor aspectos que julgassem relevantes ou necessários para que

sua historia fosse contada. As participantes interagiram de forma dinâmica à

medida que narrativas em comum eram descritas durante os relatos.

O tema foi apresentado e de imediato uma das professoras abriu o

encontro com seu relato de vida. Foi um relato emocionante. Embora tenha

certeza de ter escolhido o instrumento de coleta de dados correto, o grupo não se

configurava mais como um grupo focal, devido ao número de participantes.

Entretanto, os encontros de formação possibilitaram a revelação de informações

importantes sobre o tema.

O grupo percebeu que a emoção apareceu por diversas vezes, pois o

resgate de nossa historia nos faz revisitar nosso passado, relembrar nossas

perdas e reviver nossas alegrias.

À medida que o tempo foi passando ficou mais tranquilo fazer a relação

da vivência daquele grupo com as historias que ouviam na infância. A partir da

discussão do conceito de contos de fadas, começou a emergir, entre as

professoras, que suas historias não eram contos de fadas e sim “causos” como

veremos a seguir:

Eu não tive historia não, a minha avó contava muito causo. Que ela falava, mas era assim de morte, né. Então, até hoje, assim eu não consigo dormir com a luz apagada, eu só durmo com a luz acesa. (Professora Noelina)

Algumas comentaram sobre as adaptações dos mesmos e não da leitura

dos clássicos originais. Essa citação problematiza a noção de contos de fadas,

geralmente utilizada na escola como sinônimo de diversas historias que ouvimos

e contamos. Surge, então, a necessidade de diferenciar os contos clássicos e as

Page 109: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

109

situações para fins pedagógicos, como é o caso das versões de Perrault escritas

em um determinado contexto político na França:

Em 1695, aos 62 anos, perdeu seu posto como secretário. Idoso, resolveu registrar as histórias que ouvia de sua mãe e nos salões parisienses. O livro, publicado em 11 de janeiro de 1697, quando contava quase 70 anos, recebeu o nome de Histórias ou contos do tempo passado com moralidades, mas também era chamado de "Contos da Velha" e "Contos da Cegonha", ficando, afinal, conhecido como "Contos da mamãe gansa". A publicação rompeu os limites literários da época e alcançou públicos de todos os cantos do planeta, além de marcar um novo gênero da literatura, o conto de fadas. Foi, ao fazer isto, o primeiro a dar acabamento literário a esses tipos de histórias, antes apenas contadas entre as damas dos salões parisienses. (ALMEIDA, 2006, p.31)

E as adaptações feitas com os objetivos comerciais pela indústria cultural,

como é o caso daquelas realizadas pelos estúdios Disney e Maurício de Sousa.

Neste momento poderíamos citar Calvino (1993), quando afirma que ler

pela primeira vez um grande clássico na idade adulta é um prazer extraordinário,

diferente.

Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los. (CALVINO, 1993, p.10)

O melhor momento para ler os clássicos é quando estamos preparados

para entendê-los, para refletirmos sobre a historia.

Assim, como o folclore que é divulgado e difundido em diversas partes de

nosso país, adaptando historias do interior e lendas transmitidas por gerações.

Osmar Barbosa (2000) escreveu a introdução da obra de Câmara Cascudo (2000)

intitulada “Lendas brasileiras” e revelou que os contos populares do Brasil:

[...] tem sabor de uma fruta do mato, o cheiro agreste da flor mais viçosa, a fantasia colorida com as tintas da nossa selva, o encanto de um primitivismo tropical. Então, com o crescer das atividades folcloristas descobrem-se horizontes cujas cores a literatura tanto necessita, já que as letras irão dourar uma civilização de que se deve orgulhar um povo aguerrido e batalhador. (BARBOSA, 2000, p.7)

Page 110: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

110

As pessoas relembraram historias que marcaram a infância, que tiveram

um significado diferente, especial em sua historia de vida. A presença da escola

na formação ou na informação dessas pessoas. O fator tempo influenciando na

relação familiar, afetiva e por que não dizer cognitiva das mesmas.

O relato da Professora Silvia demonstrou a relevância dos contos nas

historias de vida:

Marcou-me muito porque eu lembrava de João e Maria, que minha mãe contava pra mim e daquele livro que é daquele Bruno Bettelheim (2009) que falava da historia de João e Maria, que na verdade é uma despedida. Que era a mãe e o pai que deixavam a criança na floresta. Eu acho que isto teve meio a ver porque minha mãe morreu e eu tinha quatro anos. Minha mãe teve uma doença terminal e ela já sabia que ia morrer. Meu pai contava muita historia pra mim depois que a minha mãe morreu. E os contos clássicos, eu lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas madrastas na falta de uma. Quando eu já estava adulta sempre continuei adorando contos de fadas, sempre comprei os desenhos da Disney e livrinhos de contos, mesmo antes de fazer Pedagogia. Quando eu já estava na faculdade fui estudar o livro dos contos de fadas. (Professora Silvia)

Em um dado momento, sem intenção, refleti como minha historia de vida

havia sido diferente daquelas que ouvia e que, muitas vezes, entendi certas

atitudes e valores de algumas profissionais. Como o grupo foi rico para nossa

formação como ser humano e como profissional.

Escutamos várias historias, relatos tristes e alegres, a imaginação

mesclada com a ficção. O imaginário revelando uma realidade concreta do grupo.

Pessoas que lutaram para que a Educação fosse de qualidade, que contemplasse

a criança como um ser integral, digno de direito e de deveres.

As categorias selecionadas para apreciação foram: 1- Família, 2- Infância, 3-

Contos de fadas, 4- A formação docente e 5- A escola.

4.2. As narrativas no Centro de Educação Infantil Mário Caldana

Page 111: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

111

As professoras chegaram para o primeiro encontro com receio ou dúvida

de como o mesmo seria como se daria o desenvolvimento e a participação de

cada uma.

A postura, o tom de voz e até mesmo a maneira de falar se modificou.

Aos poucos, as professoras perceberam que elas deveriam ser fiéis aos relatos,

naturais, transparentes, detalhistas e acima de tudo boas ouvintes. Esta afirmativa

pode ser evidenciada pelos relatos de algumas professoras que demonstraram a

postura de ouvinte e ao mesmo tempo a interação que houve no grupo de

formação:

Com certeza o caso que a Tereza acabou de falar. Que ela conta muito para o Henrique. Ontem a gente estava conversando sobre isso e eu comentei que assim, se futuramente se tiver uma pesquisa dessas, o Henrique, a Sofia, minha filha, poderão contar o que vivenciaram. Eles não vão falar como a gente. Eles vão falar: - A minha mãe contava muita historia! (Professora Maria Edlene) Então, eu não tive os contos na infância. Meu relato é completamente diferente da Silvia e da Paula porque a minha família é sem crianças. Eu fui à última. Então, o que acontece, somente tive a convivência com adultos e os adultos somente em correria. (Professora Dulcinéia)

Nos demais encontros, elas pareceram mais tranquilas. Umas falavam

mais que as outras, porém, notei que todas estavam participando a seu modo. Há

professoras muito tímidas, outras com historias de vida difíceis ou extremamente

marcantes, outras ainda não se sentiam à vontade para compartilhar sua vivência.

Cada uma há seu tempo foi relatando sua historia de vida com emoção, riqueza

de detalhes, alegria pela recordação e tristeza pelas perdas que tiveram durante o

percurso.

Segundo Gatti (2005) nos primeiros momentos, deixa-se claro que:

[...] todas as ideias e opiniões interessam, que não há certo ou errado, bom ou mau argumento ou posicionamento, que se espera mesmo que surjam diferentes pontos de vista, que não se está em busca de consensos. Os participantes devem sentir-se livres para compartilhar seus pontos de vista, mesmo que divirjam do que os outros disseram. A discussão é totalmente aberta em torno da questão proposta, e todo e qualquer tipo de reflexão e contribuição é importante para a pesquisa. (GATTI, 2005, p.29)

Page 112: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

112

O tema Contos de Fadas é muito presente no Centro de Educação Infantil

Capitão PM Mário Caldana. Porém, as professoras, na maioria das vezes, utilizam

adaptações da indústria cultural ao invés dos contos originais devido à facilidade

de acesso a essas adaptações. A indústria cultural, facilitando o acesso a suas

adaptações em muitos casos leva os educadores a utilizarem estas versões no

lugar dos clássicos. [...] à faixa etária das crianças (de zero a três anos).

Pude perceber também que o conceito de contos de fadas é usado para

nomear diversos gêneros literários como: contos maravilhosos, historias

folclóricas, lendas e mitos. Há uma prática diária de contar ou ler historias,

apresentadas com diversas versões e materiais variados. A escolha do material é

exclusiva do professor, assim como a escolha da historia e a maneira de contá-la.

No primeiro encontro, algumas professoras falaram sobre a família, a

infância, a escola, o início da formação docente e a relação com as historias.

Devido o grupo ser grande, no segundo encontro, o assunto teve

prosseguimento. Porém, acrescentaram a importância da Literatura Infantil

Brasileira e o seu maior escritor, Monteiro Lobato. Discutiram alguns personagens

de adaptações de Contos de Fadas recentes que estão sendo veiculado pela

mídia, como a “Princesa e o Sapo” que é uma adaptação do texto original “O

Príncipe Sapo” e o que os mesmos ensinam. Quem não havia dado seu relato,

falou e as interações começaram a acontecer. Interações, no sentido, de

questionamentos, perguntas, curiosidades sobre as historias de vida

apresentadas.

Josso (2004) fundamenta a formação baseada na descoberta e na

valorização da singularidade do sujeito. Traz a formação experiencial como um

dos conceitos chave das histórias de vida em formação, destacando a importância

da narrativa neste percurso, pois ela permite explicitar a singularidade e perceber

o caráter processual da formação e da vida, articulando as diferentes dimensões

de nós mesmos, em busca de uma sabedoria de vida.

No terceiro encontro, o relato teve como foco a historia que mais

representava a vida da professora naquele momento tanto no enfoque pessoal

quanto profissional. Demonstrando uma identificação entre as historias contadas

ou lidas e a realidade vivida por essas professoras, mesmo sem ter os contos de

Page 113: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

113

fadas presentes na infância. Evidenciando assim, a importância do momento

lúdico em cada fase da existência.

No quarto encontro, o relato sobre as historias de vida e o conto de fadas

continuou, porém, as professoras falaram da chegada ao Centro de Educação

Infantil, da diferença com as escolas convencionais e sobre a passagem da

creche, da Assistência Social para a Educação. A mudança causada às práticas

pedagógicas e a fundamentação teórica das mesmas. Essa passagem não foi

tranquila, porém com o auxílio do curso de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil

compatível com o Magistério, estas educadoras construíram o próprio

conhecimento e revisitaram suas práticas pedagógicas:

O ADI Magistério abriu as portas de diversas coisas E o que deu para perceber principalmente, quem cursou ADI Magistério tem um olhar diferente. (Professora Sueli)

Ao comentar sobre a presença da leitura no Centro de Educação Infantil

Mário Caldana, as professoras lembraram-se da formação que tiveram no curso

de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil oferecido pela prefeitura em parceria com

a Universidade de São Paulo:

O ADI Magistério trabalhava com música, conhecer o som através das palmas, das pernas, através dos blocos de madeira. Você já fazia o som para a criança. Com o ADI Magistério, conseguimos elaborar mais a prática do dia a dia, criar muito mais em cima da própria prática. (Professora Noelina)

As falas anteriores, como a seguinte, apontaram para os ganhos da

Educação Infantil, em termos de melhoria na qualidade do atendimento às

crianças, com a mudança desta etapa da formação das professoras para a

educação.

Eu acho que o ADI Magistério foi muito gratificante. (Professora Walkíria)

No quinto encontro, o relato foi sobre a formação docente, as mudanças

que o Programa do ADI Magistério proporcionou às cuidadoras que melhoraram a

atuação profissional enquanto educadoras. Neste sentido, o curso contribuiu para

que as profissionais passassem a refletir sobre suas práticas de cuidado e

Page 114: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

114

educação, pois o que se espera de quem trabalha com Educação Infantil é que

seja bom cuidador e bom educador. Entenderam a importância da teoria para

complementar a prática e que a formação continuada é essencial para todos os

profissionais da Educação. As professoras que fizeram o curso de ADI Magistério

consideram sua formação suficiente e complementar à sua prática pedagógica:

Quem teve oportunidade de fazer o ADI Magistério, foi um avanço para nós que já estávamos na rede, porque aquelas que entraram com diploma da faculdade, entraram com o teórico, sem saber nada de Educação Infantil. Só sabiam de nome e nós tínhamos a prática. (Professora Noelina)

Surgiu algo neste relato bem interessante, que foi o impacto da mudança

no cotidiano dos profissionais que atuavam no Centro de Educação Infantil.

Verificou-se uma disputa entre aqueles que já estavam e aqueles que chegaram.

Houve na fala acima um destaque à dicotomia teoria e prática. Na visão da

professora, os novos profissionais que chegaram com formação universitária

eram teóricos e os que já estavam na unidade eram práticos.

A Faculdade em si, não sabe o que é Educação Infantil. Ela acha que Educação Infantil é só brincar e cuidar. A Fundação Vanzollini fez uma pesquisa em todas as creches de várias regiões e em cima dessa pesquisa ela foi e mudou o trajeto do ADI Magistério. Então, a gente percebia que o que a gente aprendia lá, era o que a gente usava na sala. Em compensação na faculdade você escutava o professor falar um monte de coisas lá na frente. Eu acho que a maior diferença entre a Fundação Vanzollini e a Faculdade foi essa. A faculdade me deu uma base teórica, já o ADI Magistério te deu a base didática que você sabia que o que você estava aprendendo lá, você tinha condições de fazer na sala de aula. (Professora Terezinha)

Aqui também é reiterada a oposição que reflete uma questão básica que

se instalou no cotidiano das creches com a mudança para a educação. A chegada

do professor com diploma universitário tirou da zona de conforto os profissionais

que estavam instalados na creche. Neste sentido, a fala revelou também uma

tentativa do próprio interesse, muito presente em processos como o de atribuição

de salas. Para analisar estes encontros, utilizarei categorias que emergiram dos

próprios relatos. Estas categorias são: 1- Família, 2- Infância, 3- Contos de fadas,

4- A formação docente e 5- A escola que ajudarão a explicitar alguns conceitos,

Page 115: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

115

concepções e crenças que permearam os encontros. Para melhor visualização

dos dados, foram utilizados quadros comparativos, que se encontram em anexo

nesta pesquisa.

4.3. A Família e a Infância

Nas discussões sobre contos de fadas, duas categorias apareceram

bastante: a família e a infância. E foi em função desse grupo de referência e desta

fase da vida que as pessoas lembraram-se das historias que fizeram parte de seu

processo formativo, como veremos nas falas a seguir:

E os contos clássicos, eu lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas madrastas na falta de uma. E aí Cinderela, Branca de Neve, nossa! A bruxa exerce um encantamento em mim, coisa assim, nossa, muito forte. (Professora Silvia)

Como contos de fadas, a bruxa, Chapeuzinho Vermelho, eu não tive acesso. Eu tive mais acesso igual à Edlene falou é relatos de vidas passadas, experiência do meu pai e da minha mãe. Eles tem a leitura na ponta da língua. Lê muito bem, meu pai e minha mãe e foi com essa leitura de vida que eu fui crescendo. (Professora Marcia de Fátima)

Eu além de ouvir historias, eu sempre participei porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia. Então, historias da Bíblia eu ouvi muito, minha vida inteira. Tanto que desde pequenininha, você já tem contato com revista, literatura, tem historinha que a mãe tem que contar um pedaço por dia pra ele. (Professora Paula)

As falas mostraram que diversas narrativas fizeram parte da infância das

professoras e que a escolha destas narrativas estiveram relacionada com a

condição de existência da família ou mesmo de suas opções religiosas. Esteve

também relacionado à condição familiar, o fato de não ter tido acesso a estas

historias na infância, como mostrou o trecho a seguir:

Na minha infância eu não tive historia. Minha mãe trabalhava muito. Meu pai também, eu fui criada praticamente com a minha avó. Minha avó que olhava a gente. Então, não tinha isso de contar historia. Eu não me lembro de minha mãe, meu pai ou minha avó contar historia pra mim. Lembro-me do bicho papão, que eles falavam nada de historia. (Professora Ana Maria)

Page 116: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

116

A falta de tempo e a correria foram desculpas muito comuns quando não

se cuidava da educação dos filhos, contudo foi possível observar que algumas

famílias, em contexto semelhante, oportunizaram as crianças acesso às

narrativas. Foi possível inferir que contar historia se relaciona com a tradição

familiar e onde se tem essa tradição se consegue tempo e onde não se tem se

usa a falta de tempo como desculpa.

E neste contexto pode ser entendida a atitude de alguns pais que

alegaram falta de tempo para não contar historias, segundo relatos das filhas,

pode ser lido como uma justificativa para a falta de hábito de leitura que deve ser

cultivado em todas as fases da vida.

Segundo Silva (2005, p. 84), a pessoa para existir precisa relacionar-se e

o ambiente fundamental e primeiro para que isto aconteça é o grupo familiar. A

necessidade de um grupo de referência onde ocorram relações diretas de ajuda

mútua, amparo e trocas afetivas, cognitivas, valorativas é radical para a vida da

pessoa.

Ao analisar algumas falas, constatei que os pais trabalhavam muito e não

tinham tempo para contar historias para os filhos ou alegavam falta de tempo.

Um trecho do relato da Professora Maria Edlene nos coloca frente a esta

situação:

Meu pai e minha mãe trabalhavam muito. Então, eles não tinham esse tempo. Até vontade tinham, mas não tinham tempo de sentar, contar historia pra gente e a gente, eu e meus irmãos buscávamos sozinhos.

Desta fala valeu destacar um aspecto muito presente na escola que é a

crítica aos pais que não acompanham seus filhos com a frequência que a escola

deseja. Embora, alguns educadores, tenham experimentado essa realidade de

pais ausentes, que alegavam falta de tempo, devido ao trabalho, nem sempre os

educadores lembram-se desse fato na relação com as famílias e seus alunos.

Outros relatos interessantes são os das Professoras Sueli e Dulcineia

referentes ao seu modo de vida:

Page 117: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

117

Era aquela coisa, saíam pra trabalhar, chegavam tarde da noite. Minha mãe nunca teve o hábito e também não dava tempo. A hora que a gente deitava para dormir não tinha como. (Professora Sueli)

Já a Professora Dulcineia, sendo a única criança da casa teve a criação

de uma pessoa expropriada dos direitos da infância em função de conviver

apenas com adultos. É um fato frequente em situações como a das grandes

cidades, onde as crianças não podem brincar na rua e tem que conviver apenas

com as pessoas da casa.

Neste sentido destaca-se a importância do acesso à educação infantil,

para que direitos como o de viver e conviver com outras crianças sejam

garantidos. Teve lembrança de alguma leitura, mas não a presença dos contos de

fadas em sua infância:

A minha família é sem crianças. Eu fui à última. Então, o que acontece, somente tive a convivência com adultos e os adultos somente em correria. Lembrança de uma leitura ou outra eu tenho. (Professora Dulcineia)

Naquela época, algumas não entendiam a ausência dos pais, porém

tinham de aceitar. Atualmente, com o avanço tecnológico, as crianças tem a

presença dos pais de maneira virtual, fazendo parte do cotidiano da sociedade

moderna. As crianças da educação infantil também acompanham o ritmo de vida

dos pais e reconhecem que para sobreviver, comprar as coisas que precisam, os

pais necessitam trabalhar cada vez mais. Hoje, com as experiências vividas

durante sua trajetória e a formação que tiveram no antigo curso de magistério, as

professoras puderam construir seu conhecimento e entenderam a dificuldade dos

pais na época da infância. Outras perceberam depois de adultas a falta que

fizeram os pais nesta tarefa de contadores de historia:

A Tereza conta muita historia para o Henrique. Ontem a gente estava conversando sobre isso e eu comentei assim, se futuramente tiver uma pesquisa dessas, o Henrique, a Sofia, minha filha, poderão contar o que vivenciaram. Eles não vão falar como a gente, que fala que os pais não contavam historia por falta de tempo. Eles vão falar: - A minha mãe contava muita historia! (Professora Maria Edlene)

Page 118: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

118

. Contar historia faz parte da tradição oral da historia de nossa civilização.

Porém, no caso de algumas educadoras, essa tradição não era real. Assim, para

que esta situação não se perpetuasse, tornaram-se contadoras de historias para

seus filhos. Como observamos nos relatos das Professoras Eliana e Edina que

expressaram com clareza a experiência vivida e deixaram registrado que a leitura

é um hábito:

Esse hábito de contar historia eu tenho desde mais nova, quando eu casei. Assim que meu filho nasceu, eu sempre contei historia. Inclusive eu comprei livros, tudo direitinho e eu contava historias pra ele. (Professora Eliana)

O hábito da leitura deveria ser construído e incentivado tanto na família

quanto na escola. Para tanto, poderíamos utilizar as narrativas como material

inicial de introdução à leitura:

Foi aí que começou meu interesse, quando meus filhos começaram a estudar, que comecei a ajudar eles. A parte de ir a biblioteca procurar livros era eu que ia. (Professora Edina)

Remeto-me a minha historia e relembro o esforço de meus pais, que

também trabalhavam muito para me incluir no mundo letrado, ter conhecimento

das narrativas, de onde tiravam a função pedagógica das mesmas e

ensinamentos que julgavam ser importante a vida. Não sei se era correto ou não,

mas tenho os narrativos presentes em minha trajetória, graças ao estímulo de

meus pais.

A descrição da Professora Norma nos contou justamente como foi

importante o incentivo da família durante as diferentes fases da vida:

Bom, eu tive conhecimento com historias desde muito novinha. Não era assim, contos de fadas. Meu pai gostava muito de contar historias, era analfabeto também, quem ensinou meu pai a ler e escrever fui eu. Mas ele contava historias de Saci Pererê, de Fantasmas, de coisas assim. Ele adorava contar essas coisas pra gente. Esse estímulo que ele me deu, eu me tornei leitora muito cedo. Eu me lembro que aos doze anos, eu ganhava livros de historias. Eu guardei até muito tempo um livrinho “A Princesa e a Rosa”, umas historinhas assim e eu me tornei leitora por isso. Meu pai incentivava muito a leitura, incentivava muito o estudo. Acho que por ele não ter tido oportunidade de ter estudado, ele fazia isso com a gente. (Professora Norma)

Page 119: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

119

Esta fala revelou que diferentes historias fizeram parte do percurso

formativo das professoras e não apenas os contos de fadas. Isso foi uma

revelação, que ampliou o horizonte da pesquisa. Antes minha proposta era

apenas verificar a presença dos contos fadas, porém encontrei a presença de

outras narrativas. Outro aspecto dessa fala que se mostrou fundamental foi à

leitura incentivada por uma pessoa analfabeta que percebeu a importância do ato

de ler.

Algumas professoras foram criadas com a presença da madrasta. Porém,

estas não se mostravam ruins como nos contos de fadas, muitas vezes

auxiliavam na educação e formação destas crianças:

Nenhuma coletânea de histórias dá tanta importância às madrastas quanto os contos de fadas. Foram eles a grande manifestação social que revelaram as polaridades, as ambiguidades e os estigmas sociais. Como as bruxas, as madrastas são as responsáveis por todo o sofrimento moral, emocional e físico dos heróis e heroínas dos contos de fadas. Não há madrastas boas, assim como, com raríssimas exceções, as fadas são capazes de qualquer ato maléfico contra os heróis. Por mais que os contos de fadas se passem na terra do nunca e suas imagens sejam fantásticas e irreais, eles se prestam a reproduzir os conflitos humanos como ninguém. Utilizando imagens sobrenaturais, cheias de detalhes, os contos de fadas falam ao inconsciente permitindo que nossas fantasias sejam vividas e elaboradas. (GONÇALVES, 1998, p.35)

Para ilustrar esta observação leremos os relatos de duas educadoras as

Professoras Silvia e Tereza que tiveram experiências diferenciadas em relação a

convivência com a madrasta.

No relato da Professora Tereza, observamos que a citação acima

realmente retratou a realidade de algumas pessoas. O novo casamento do pai,

devido o falecimento da mãe, muitas vezes, transforma a vida da criança. Neste

caso, ela sentiu-se sacrificada devido ser a filha mais velha, além da vontade de

ser branca como as irmãs, conforme divulgado por ela. Ficou evidente que viver

com a madrasta, em alguns casos, como nos contos, remete ao preconceito, a

exploração e, muitas vezes, à submissão devido a cor da pele:

Eu vou falar um pouco da minha infância. Lá atrás, fui criada por madrasta, foi uma infância difícil. Onde de cinco filhas, duas eram filhas de meu pai, três eram filhas de minha madrasta e entre as cinco eu era a mais velha. Portanto, eu era a mais sacrificada. Então, eu tinha que cuidar dos irmãos, tudo que acontecia de errado era comigo. Tudo era

Page 120: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

120

eu. Eu já tinha um complexo terrível, por conta de que as filhas da minha madrasta eram brancas e eu era preta. (Professora Tereza)

No segundo relato, da Professora Silvia, percebemos que a madrasta não

ocupou o papel como destinado nos contos de fadas. A professora comentou que

gostava da ideia de ter madrasta e por ironia conviveu com duas. Não foi sentido

por ela nenhuma mudança em relação ao comportamento do pai com a vinda da

madrasta, pelo contrário, ele começou até a contar mais historias:

Tem uma coisa que eu me recordei. Meu pai contava muita historia pra mim depois que a minha mãe morreu. E os contos clássicos, eu lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas madrastas na falta de uma, eu tive duas madrastas. E aí Cinderela, Branca de Neve, nossa! Eu achava o máximo, primeiro que tinha a questão das madrastas e segundo porque tinha a possibilidade do príncipe aparecer um dia. (Professora Silvia)

Esta fala é fantástica. Identificar-se com a madrasta poderia ser uma

estratégia de sobrevivência até que o príncipe chegasse. Os contos de fadas

permitiram fugir da realidade por meio da imaginação, permitiram compreender o

que vivia. O próprio fato de o pai começar a contar historia após a morte da mãe é

emblemático.

A Professora Walkiria teve uma historia um pouco diferente com a perda

da mãe, foi criada pela tia e teve de seguir o cotidiano da casa:

Olha, eu não tive muito contato com historia porque a minha mãe faleceu muito cedo. Eu fui morar com a minha tia. Então, eles não tinham o hábito de contar historia. Então assim, não que assustava de noite, tipo assim, é que vinha o fantasma, punha o lençol, aquela brincadeira assim. Mas historia, sentar e contar eu não tive. (Professora Walkíria)

Percebi também que na maioria dos relatos, quando as historias eram

contadas na infância, fazia-se presente a figura do pai ou dos avós, raramente as

mães contavam historias devido aos afazeres do lar. Esta afirmativa indicou que

as mulheres e mães cumpriam uma jornada dupla de trabalho, um fenômeno

urbano, em detrimento a momentos mais estritos com seus filhos. Porém, tivemos

relatos de professoras vindas do interior, aonde uma parte da família, pais e

filhos, vão para a roça e a outra fica em casa, cuidando dos afazeres domésticos:

Page 121: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

121

Eu morava no interior e a gente ia à noite, acendia a fogueira, reunia os vizinhos e eu me lembro de que o meu pai contava historias. Não sei se era da cabeça dele, eu adorava ouvir meu pai contando. Por isso, que eu lembro mais do meu pai, eu gosto da minha mãe. Ela era batalhadora, mas meu pai que brincava. Ele chegava cansado à noite, tomava banho, mas era ele que dava atenção. (Professora Maria Lúcia)

Neste caso, a professora relacionou a contação de historia com a atenção

recebida do pai. Será que um dos aspectos que fazem com que a criança goste

de historia é sentir-se olhada, vista, protegida? Será que as historias ajudam a

repensar dúvidas e medos?

O avô citado na narrativa abaixo, além de contar historias, procurava

estimular a postura leitora da neta. Este avô preparava um cenário especial para

o evento e abria a possibilidade de escolha entre diversos recursos existentes na

casa:

Meu avô, meu avô também tem só até a 4ª série, mas ele lia muita historinha pra gente. Máquina de slide, Cd, disquinho e ele punha muito pra gente. A gente ficava lá no quarto dele assistindo. Ele apagava tudo, fechava tudo. Eu acho que isso também influenciou eu gostar de ler, de escrever, de contar historias de contos de fadas. (Professora Paula)

No caso da Professora Sueli, as historias eram diferentes das habituais

devido à cultura dos avós. Essa miscigenação trouxe historias de índios e

africanos, ao invés de príncipes e princesas:

A maior parte da minha infância eu passei com os meus avós. E a minha avó como era índia, ela não contava contos de fadas. Ela contava historias indígenas e meu vô contava historias africanas. Nada a ver com contos de fadas. (Professora Sueli)

Outros avós, contavam “causos”, que eram tão reais que provocavam

reações de medo, alegria e que influenciam até na vida adulta daquelas crianças.

O relato da Professora Noelina nos traz a morte como exemplo:

Eu não tive historia não, a minha avó contava muito causo, né. Que ela falava, mas era assim de morte, né. Então, até hoje, assim eu não consigo dormir com a luz apagada, eu só durmo com a luz acesa. Pra mim está sendo difícil até hoje, tanta coisa que ela contava, que vinha

Page 122: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

122

aparecendo, que a pessoa falecia, depois vinha visitar. Eu não durmo com a luz apagada de jeito nenhum. (Professora Noelina)

Meu interesse era estudar os contos de fadas nas historias de vida das

professoras pesquisadas, mas emergiram outras narrativas que revelaram a

riqueza que é o Brasil em termos culturais. Cascudo (1967) coloca o folclore ao

lado da cultura letrada, afirmando serem eles os dois lados de nossa cultura que

se complementam, nos definem e caracterizam nossa vida mental:

Nascemos e vivemos mergulhados na cultura da nossa família. Dos amigos, das relações mais contínuas e íntimas, do nosso mundo afetuoso. O outro lado da cultura (cultura, fórmula aquisitiva de técnicas, e não sinônimo de civilização) é a escola, a universidade, bibliotecas, especializações, o currículo profissional, contatos com os grupos e entidades eruditas e que determinam vocabulário e exercício mental diversos do vivido habitualmente. Vivem, numa coexistência harmônica e permanente, as duas forças de nossa vida mental. Potências de incalculável projeção em nós mesmos, o folclore e a cultura letrada, oficial, indispensável, espécie de língua geral para o intercâmbio natural dos níveis da necessidade social. (CASCUDO, 1967, p.18).

O mágico, descrito por Cascudo (1967), nem sempre foi bem aproveitado

pelas famílias nas relações com as crianças. Como foi dito anteriormente, as

condições e concepções de cada família interferiram na maneira como a infância

foi vivida, se como um tempo de “relações mais contínuas e íntimas do nosso

mundo afetuoso” ou como tempo de sofrimento. A fala a seguir foi de uma

professora que viveu em uma família de militares e mostrou como foi crescer

neste ambiente:

Eu nunca tive nenhum contato com historias nenhuma na minha infância. Meu pai nunca foi de ler, minha mãe muito menos. Minha mãe fez a 4ª série, não sabia nem escrever e meu pai era militar. Então ele era muito duro com agente, muito duro, muito duro, muito duro. Não que ele não conversava, a gente sofria, a grande verdade era essa. A gente sofria muito porque ele apontava o dedo e você tinha que fazer as coisas que ele mandava. Então, a gente tinha medo dele. Então, historia assim nenhuma. A gente teve, nem eu, nem minhas irmãs. (Professora Maria Aparecida)

A Professora Dione também atribuiu a dureza do pai à profissão, porém

um tio assumiu o papel de contador de historia. Mesmo sendo historias de

Page 123: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

123

assustar as crianças adoravam ficar com ele. O carinho e o afeto tornaram-se

fatores fundamentais para aqueles sobrinhos:

Meu pai também era militar. Eu acho que é característica de militar. Meu pai era muito durão, mas eu tinha um tio nosso que contava. Eu lembro que ele reunia todos os sobrinhos e contava principalmente historia de dar medo que a gente adorava ouvir. Ele, ele inventava a historia e contava. E todo mundo, a criançada adorava, estava todo mundo sempre em volta dele pra ele contar historia. (Professora Dione)

De acordo com Bettelheim (2007) uma criança, por exemplo, que, a partir

das historias de fadas:

[...] aprendeu a acreditar que o que de início parecia uma personagem repulsiva e ameaçadora pode magicamente se transformar num amigo extremamente adjuvante, está pronta a acreditar que uma criança desconhecida que encontra e teme pode também ser transformada de uma ameaça numa companhia agradável. A crença “na verdade” do conto de fadas lhe dá coragem para não se afastar devido à maneira como esse estranho lhe surge inicialmente. Relembrando como o herói de muitos contos de fadas conseguiu ser bem-sucedida na vida porque ousou se tornar amigo de uma personagem aparentemente desagradável, a criança acredita que pode efetuar a mesma magia. (BETTELHEIM, 2007, p. 73-74)

A substituição dos pais na contação de historias por outros familiares

também foi observada nas narrativas, apresentando diferentes situações que

justificaram, nesta atividade, a ausência dos mesmos.

Talvez esta situação nos remetesse a uma reflexão: a ausência dos pais

ou a presença de parentes na contação de historias nos revelou que nem todo pai

ou mãe sabe ou gosta dessa prática. Poderia ser que na família quem gosta de

fazer isto é um tio ou outro parente próximo, porém há um problema que pode ser

detectado em nossa sociedade: não há mais encontros de família. Então, onde as

crianças encontrariam esses “parentes contadores de historias”?

Como na família, na escola, nem todos gostam de contar historias e

talvez a escola pudesse obter sucesso se aproveitasse os professores com

talento de contar historia para incentivar os pequenos leitores ou ouvintes dos

diversos gêneros de narrativas.

Eu tive bastante contato, não leituras de historias, leitura de contos de fadas porque na realidade, naquela época, os livros eram muito caros, muito difíceis de conseguir. Então, assim, principalmente eu lembro

Page 124: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

124

muito quando chovia. A minha tia Maria, que ela era mulher do irmão da minha mãe, ela pegava todo mundo, sentava na cama, fazia mingau de fubá doce, dava uma tigelinha pra cada um, a gente sentava e ela começava a contar historias. (Professora Terezinha)

A necessidade de ajudar nas despesas da casa nos deparou com o

trabalho infantil fazendo com que os contos de fadas não tivessem espaço na

dura realidade que emergia de algumas historias de vida.

Comecei a trabalhar muito cedo, com nove anos eu já fui trabalhar de empregada doméstica. Trabalhei até os quinze anos, então, não tive infância. Minha infância era no quintal, ficava conversando com as formigas, com os tatuzinhos. Então, eu era muito, muito só nesta parte. Mas, eu sinto uma diferença, porque todo mundo fala da infância e eu não tenho nada pra falar, porque eu não tenho nada. Não sei se é porque eu esqueci o que eu tive. Eu realmente esqueci porque eu to aqui, eu vivi. (Professora Edina)

Esta fala apresentou uma situação bastante presente na realidade

brasileira e dos demais países pobres. A necessidade de trabalhar cedo, na

maioria das vezes, obrigaram as pessoas a antecipar sua entrada no mundo do

trabalho, não tiveram também acesso à escola e hoje vivem excluídos de boa

parte dos bens produzidos socialmente, muitos inclusive, dependendo dos

chamados “benefícios sociais” que alavancam candidaturas politicas.

Outro tipo de narrativa presente na historia de vida das professoras foram

as narrativas bíblicas, evidenciando a presença da religião. Famílias diferentes

com narrativas diferentes, em que a presença da religião norteava a vida e a

infância das educadoras conforme o relato abaixo:

Eu além de ouvir historias, eu sempre participei porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia. Então, historias da Bíblia eu ouvi muito, minha vida inteira. Tanto que desde pequenininha, você já tem contato com revista, literatura, tem historinha que a mãe tem que contar um pedaço por dia pra ele. Eu acho que a igreja... (Professora Paula)

No caso da Professora Maria Edlene, a igreja proporcionava um espaço

para reproduzir as historias de diferentes maneiras. Ela expressou sua

preferência e contou como transferiu este aprendizado para outras pessoas:

Page 125: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

125

Também sou evangélica, assim sinto de berço a partir dos oito anos que tinha uma professora, que agora eu lembrei o nome dela. Ela se chamava Cileide e depois ela até veio a ser amiga e madrinha do meu casamento. Ela contava muita historia da Bíblia pra gente e uma que eu achava interessante e que ela até fazia, dramatizava e tudo, era a historia de Davi. Eu achava linda a historia de Davi e depois em outra unidade que eu trabalhei como era uma unidade que dava mais espaço pra gente, eu também contava as mesmas historias que ela falava pra gente. A historia de Davi, a historia de Sansão e Golias e eu acabei contando pras minhas crianças. O engraçado é que eles contavam em casa, contavam direitinho e depois a mãe vinha me perguntar. Eu achei engraçado, achei interessante e a mãe queria saber da historia. (Professora Maria Edlene)

A Professora Edina ouvia as historias bíblicas e transformava os

personagens em heróis. Talvez tenha descoberto sua profissão ou vocação neste

momento:

Ouvia. Isso tudo que a Paula teve, eu tive. Tive meus heróis e adorava a historia de José. O José chegou e fez aquilo tudo. Eu gostava demais e dentro da igreja fui ser professora de criança, desde os dezessete anos. Então, todo mundo falava: - Ah, esta vai ser professora! Vai ser professora! E acabei sendo professora. (Professora Edina)

Perpetuaram as historias ao longo do tempo, os valores transmitidos

pelas gerações, foram verificados em uma das famílias demonstrando o carinho e

o afeto entre as descendências:

Minha mãe contava muita historia, que nem o pai da Norma. Principalmente, de terror, Eu sempre lia o quanto eu podia, sempre lia e a minha mãe sempre passou também pros meus filhos. E hoje, todas as historias que ela contou pra mim, ela contava pros meus filhos. Eu não tenho uma formação em historia, mas tenho a formação da vida da minha mãe, e experiência que meus avós passaram pra ela. E ela passou pra mim e antes de falecer, também passou pros meus filhos. (Maria da Penha)

Em famílias muito numerosas, como as que conhecemos nos

depoimentos, os irmãos mais velhos é que cuidavam dos menores, assim fazendo

o papel de pais e de educadores. Esta situação também é uma realidade em

sociedade como a nossa, em que o estado não dá conta do cuidado e educação

das crianças, cujos pais precisam trabalhar e os irmãos mais velhos assumem

Page 126: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

126

esse papel tendo, muitas vezes, que deixar a escola para isso. O relato a seguir

evidenciou esta condição:

Minha infância, como eu sou a filha caçula de muitos irmãos, eu tive contato com a leitura através deles. Eu tenho doze irmãos, eu sou a décima terceira de todos e eu tenho trinta e cinco anos. Eu, quando criança, tinha vergonha de falar isso pros meus amigos a respeito dessas piadinhas, me sentia como o Patinho Feio. (Professora Marcia de Fátima)

Raramente os pais da Professora Maria Edlene conseguiam contar

historias devido o trabalho, porém ao contar falavam de fatos ocorridos com eles

no passado, historias de vida e não contos de fadas que não faziam parte de sua

cultura ou de seu modo de vida:

O mais velho lia gibis, quando a minha mãe não estava cansada, ela ainda conseguia contar historias, mas não assim, de contos, ela contava historia assim do passado. Do que tinha acontecido. Eles lá tem, assim, meu pai conta historia muito forte, que ele chegou a ver Lampião quando ele era criança. (Maria Edlene)

Este tópico revelou as diversas historias de vida influenciada pela família,

que refletiram na infância e ainda trazem recordações e diferentes significados

para a vida adulta. Demonstrou ainda a presença de diferentes narrativas no

processo formativo das educadoras. Essas narrativas estão relacionadas com sua

origem territorial, rural ou urbana, credo religioso, condição social, etc. Reforçou a

ideia de que há no Brasil grande diversidade cultural e apontou a enorme

importância que os educadores precisam ter a respeito das historias que

compõem o universo de cada um.

4.4. Narrativas na formação das professoras

Ao tentar entender a presença dos contos de fadas nos processos

formativos das professoras, deparei-me com uma realidade, que, em certo

sentido, conhecia, mas cuja conceituação ainda não tinha emergido como uma

Page 127: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

127

necessidade minha. A expressão contos de fadas de repente deixou de dar conta

de tudo àquilo que as professoras pesquisadas ouviram na infância.

Ao referirem-se à expressão contos de fadas, as professoras mostraram

visões diferentes sobre esse tipo de narrativa:

Eu não tive esse negócio de contos de fadas na minha vida, eu sonhava porque eu ouvia falar. Acho que todo mundo sonha com o príncipe. (Professora Edina)

Mesmo sem contato com os contos de fadas na infância, o relato abaixo

mostrou o encantamento pelo personagem e revelou a contadora de historia.

Eu nunca tive nenhum contato com historias nenhuma na minha infância. Essa historia do Lobo Mau, essa historia eu acho que é contagiante. É uma historia que você conta e eles não cansam de ouvir. (Professora Maria Aparecida)

A narrativa da professora, a seguir, demonstrou que ela desejava uma

explicação do contexto, o que era e de onde vinha. Isso pode ser feito nos cursos

de formação. Um bom exemplo de contação de historia é Chicó, personagem do

Auto da Compadecida, de Suassuna (2005), quando alguém solicita alguma

resposta que ele não sabe explicar, responde: “não sei só sei que foi assim”.

E eu fui crescendo, crescendo e nunca mais tive contato com contos de fadas. Mas, embora, alguém falava do Chapeuzinho Vermelho, alguém falava do Lobo Mau. Até então não significava muita coisa pra mim, porque ninguém me falava na íntegra o que era, de onde vinha o Chapeuzinho Vermelho, de onde vinha esse Lobo Mau. (Professora Tereza)

Há pessoas que adaptaram os contos de fadas: professores, pais e a

indústria cultural. Os contos de fadas ou narrativas, como toda a obra de arte,

historicamente foi manipulada para fins educativos ou comerciais. As adaptações

podem melhorar ou piorar essas narrativas, depende de quem patrocinou ou de

quem os analisou:

Page 128: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

128

É você ver os dois lados desse conto de fada. Você pode mostrar através do conto de fada que nem tudo você consegue com facilidade. Você trabalhou, você se esforçou, você lutou, quer dizer, você vai mostrando valores pra criança. Eu acho que no caso da princesa negra e do sapo, você vai mostrando valores. Ela é negra, pobre, que foi a luta, que trabalhou, batalhou, se desenvolveu até que, e mostrando independentemente dela ser pobre e negra encontrou o príncipe que gostou dela. Que você ganha, que você perde, que isso faz parte do seu dia a dia, você vai aprender a perder, a ganhar, mas quer dizer, tudo em cima de valores e respeito para com o outro. (Professora Sueli)

Esta fala evidenciou o conto de fadas como uma obra aberta, segundo

Eco, isto é, passível de interpretações diferentes. Com a ideia de “obra aberta”

Eco (2005), aponta para a tensão entre fidelidade e liberdade interpretativa:

As obras de arte teriam como característica a ambiguidade e a auto reflexibilidade, de tal maneira que, ainda que tomando uma forma fechada como um organismo equilibrado, “é também aberta, isto é, passível de mil interpretações diferentes, sem que isso redunde em alteração em sua irreproduzível singularidade”. (ECO, 2005, p. 40)

As historias sempre passam valores. As historias clássicas permitem às

crianças um processo de elaboração que contribui com o seu desenvolvimento

intelectual, as adaptações geralmente para atingirem objetivos mais imediatos

buscam destacar os valores que desejam impor às crianças. Desta forma o

potencial da historia é reduzido:

Sabe o que é legal no Shrek, pensando no estudo, porque o Shrek mostra depois do viveram felizes para sempre. Ele mostra depois como casal, eles dois tendo filho e não. É assim apesar deles serem julgados como feios, por serem ogros, eles são felizes, eles se divertem muito. Aparecem eles se divertindo, tem isso também, eles serem felizes para sempre sem ter o dinheiro ou ser bonito. (Professora Paula)

Historias deste tipo, geralmente, buscaram intertextualidade com os

clássicos e acabou mostrando para as pessoas apenas aquilo que elas queriam

ouvir, uma espécie de consolo diante da exclusão social em função da pessoa

Page 129: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

129

não se enquadrar no padrão de beleza estabelecido. Os feios também poderiam

ser felizes e divertidos.

Os contos de fadas sempre trabalharam valores que deveriam organizar a

vida e também preparar para os percalços dela como mostrou a fala seguinte:

E o bom desse conto “A Princesa e o Sapo” é que tem tanta coisa. Eu acho um dos contos melhores. Tem a historia da perda. Que é quando o vagalume morre, trata isso também pra gente estar trabalhando com as crianças sobre isso. E a gente se voltar quando a gente era criança, a gente não entendia. E o engraçado é que mostra que a morte não é um lado ruim do conto, você vê que o “Way” acha que é legal a morte, que ele vai encontrar a Evangeline. (Professora Maria Edlene)

De fato, perda e morte são dois percalços da vida muito trabalhados nas

narrativas que fazem parte de cada cultura. Nas sociedades mais simples, a

transmissão de valores para a vida e a preparação para enfrentar seus desafios

era feito na família, na escola e na rua, quando ainda se podia brincar nas ruas.

Hoje esses espaços passam por grandes dificuldades em função da crise

de valores presentes na sociedade e vem ficando apenas para a escola a tarefa

de transmissão desses valores, sobretudo nos ambientes mais precários e de alta

vulnerabilidade social. Ao refletir sobre a educação na metrópole, Silva (2008) faz

referência a esta situação:

O educador vê acrescido ao seu anterior trabalho de mediador para o conhecimento o de formador de identidade, o que implica em transmitir significados, valores e propostas de vida. Enfim, há de se superar a mera informação para atingir-se a formação. (SILVA, 2008, p.23)

As narrativas, de maneira geral, apresentaram a disputa entre o bem e o

mal. Nas narrativas das professoras foi possível observar personagens

identificadas com o mal. Neste caso, os personagens que representavam o mal

mais citado foram:

a) O homem do saco:

Page 130: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

130

Era só o homem do saco, não tinha bruxa ainda. O homem do saco vai passar, vai te levar. Era mais folclore que os avós falavam. (Professora Walkíra)

Embora certas personagens representem o mal na historia, as crianças

podem gostar delas, como mostrou a fala seguinte, onde a professora revelou sua

paixão pela bruxa:

Na contação de historia, eu vou apresentar uma personagem, que é a bruxa, pois eu sou apaixonada pelos vilões. A bruxa exerce um encantamento em mim, coisa assim, nossa, muito forte. Eu lembro até que quando eu estava na pré escola, na escola que eu estudava tinha um morro. E todo mundo falava que era o morro da bruxa. E no meu imaginário, vivia na minha cabeça, será que a bruxa morava ali. Eu também tinha no meu quarto os anões, todos os anões com a Branca de Neve e a bruxa como madrasta e a bruxa transformada como aquela velhinha. Eu adoro representá-la na contação de historias para as crianças e ser a bruxa pra mim é o máximo, porque eu sinto que aquele prazer do meu imaginário, você também sente a me ver como bruxa? (Professora Silvia)

Eis aqui um mistério, por que as crianças gostam de historias que causam

medo? E não são as crianças apenas, há adultos que vão à parques participar de

sessões cuja finalidade exclusiva é assustar, como é o caso das noites do Terror

do Play Center ou Hopi Hari:

. O Lobo Mau é uma das historias que eles mais gostam, eles não cansam. Toda vez que você passa eles pedem. Historia de medo à gente gostava de ouvir. A historia da bruxa dá prazer. (Professora Dione)

Segundo Furlanetto (2007), os monstros representam papéis importantes

nas historias de vida e nos ajudam a transpor o medo:

Os monstros aparecem e ao dialogarmos com Chevalier e Gheerbrant (1998) para ampliar este símbolo, vemos que eles assumem o papel de guardiões do tesouro. Representam as dificuldades, os desafios que devem ser enfrentados e superados para se ter acesso a um tesouro material ou espiritual. O monstro apresenta-se para provocar a dominação do medo, a capacidade para enfrentar desafios, o heroísmo. (FURLANETTO, 2007, p.64-65)

Page 131: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

131

A Professora Simone em sua prática diária vivenciou este fato, afirmando

que as crianças gostam da sensação do medo:

A historia de Lobisomem, ou de Lobo Mau ou de Bruxa, eles querem sentir o medo. Eles querem participar daquela historia. Eles querem sentir o medo do monstro, eles querem sentir o medo disso ou daquilo. (Professora Simone)

Segundo Silva (2005, p.82), a capacidade de perseguir valores demonstra

ser o homem dotado da possiblidade de transcender o dado imediato. Este

homem é capaz de distinguir entre um bem e um mal e entre bens equivalentes

entre si. Nos relatos abaixo, as educadoras comentaram seus medos e o

encantamento pelo mistério:

Minha mãe contava muita historia, que nem o pai da Norma. Principalmente, de terror, principalmente quando era Semana Santa, pra gente, principalmente as historias das saídas. Que a gente não podia sair na Sexta-feira Santa na rua e a gente era assim, porque a gente também era muito pobre e não tinha luz. (Professora Maria da Penha)

As historias de medo estiveram presentes na formação das professoras e

elas notaram a fascinação das crianças por esse tipo de narrativa:

E também historias de assombrar. A gente tinha o homem do saco, ou então, é engraçado que nem minha avó, nem meu avô nunca falaram de bicho papão. Eles falavam que o vulto da noite ia pegar aquele que fizesse muita travessura durante o dia, principalmente se fosse mal educado com os adultos. Então, era sempre assim, olha o vulto da noite, vai vim conversar com você. Então quer dizer que só de imaginar que o vulto da noite ia vir falar, você já tinha medo. (Professora Sueli)

Olha que coisa assustadora ser abordado pelo vulto da noite. E essa era

uma ameaça a quem fizesse travessura e, sobretudo, desrespeitasse os mais

velhos. A fala a seguir mostrou o uso educativo destas narrativas e seus

personagens:

Page 132: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

132

Criança era criança e acabou. Elas tinham que ficar no lugar dela e o adulto no lugar dele. Então, acho que por mais medo que a gente sentisse das historias era o momento que você estava perto. Era o momento que você tinha a tia perto, você tinha o pai perto. Então, pra você não tinha problema que você ia ter medo, mas pelo menos eles estavam perto de você. (Professora Terezinha)

Mas será que nesta expressão da professora “criança era criança e

acabou”, ser criança era o que entendemos hoje por ser criança? A frase seguinte

permitiu inferir que a criança tinha que ficar em um lugar que, sobretudo, não

atrapalhasse os adultos. Por que a proteção de quem estava perto dependia do

comportamento da criança.

. Para Kehl (2006, p.17), as crianças procuram o medo. As historias infantis

incluem sempre elementos assustadores que ensinam os pequenos a conhecer e

enfrentar o medo. Curiosos e excitados, os pequenos exigem que os adultos

repitam várias vezes as passagens mais amedrontadoras das narrativas:

O Lobo Mau é uma das historias que eles mais gostam, eles não cansam. Toda vez que você passa eles pedem. Historia de medo à gente gostava de ouvir. A historia da bruxa dá prazer. (Professora Dione)

Por outra ótica, as professoras envolvidas fizeram a relação dos contos

de fadas com momentos atuais de sua vida, tanto no âmbito pessoal como no

profissional. As historias citadas foram:

a) Peter Pan:

Atualmente eu acho que eu me encaixo nessa historia do Peter Pan. Na historia do Nunca, porque minha vida teve uns altos e baixos, realmente ficou meio complicado. Assumi um papel na minha vida que antes eu não tinha, é porque eu era casada, tinha meu marido, veio a minha separação e ficou tudo nas minhas costas. (Professora Ana Maria)

Mesmo na idade adulta, as historias ajudaram a compreender a vida.

Esse é um aspecto interessante das narrativas, ajudar a entender a vida. Quando

Page 133: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

133

se é criança esse processo talvez se revista de magia. Na idade adulta, de

realismo, entender a vida pareceu ser um dos valores das narrativas.

Neste processo de utilizar as historias para entender a própria vida, as

pessoas também fizeram suas leituras das historias, como foi o caso da narrativa

a seguir, onde a professora considerou Chapeuzinho Vermelho como alguém

medrosa e que gostava de ajudar os outros.

b) Chapeuzinho Vermelho:

Eu me vejo como Chapeuzinho Vermelho, porque eu gosto de ajudar todo mundo, mas ao mesmo tempo eu sou muito medrosa, eu tenho medo, às vezes, de desafios. (Professora Maria Aparecida)

O mesmo pode ser visto na fala seguinte. A personagem ajudou a

compreender a vida, sempre marcando as perdas e as decepções, no caso dos

adultos.

No caso das crianças, a identificação com o lado mais difícil da vida,

parece ter pouco espaço porque a fantasia é o que as mobiliza:

c) A Princesa e o Sapo:

Eu sou a Tiana da Princesa e o Sapo. Eu acho que eu tenho que trabalhar muito, sempre trabalhei muito, ralei muito e acho que eu tenho muito pra ralar. Aí encontrei o sapo que virou príncipe. Eu acho a nossa historia um pouco parecida, eu trago a historia da Tiana porque também houve muitas perdas na minha família e teve isso também na historia. (Professora Maria Edlene)

A concepção de Furlanetto (2007, p. 48) no tocante à retomada da

trajetória de vida, das ações e escolhas de cada pessoa também teve espaço em

um dos relatos feitos pelas educadoras:

O educador, ao entrar em contato com sua trajetória, está de certa forma buscando, em sua vida, em suas experiências, o que Jung buscava nos sonhos de seus pacientes: tomar consciência do plano que vem permeando suas ações. Ao retomar sua historia de vida, percebe que ela

Page 134: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

134

não é um conjunto de ações e escolhas desconexas, mas que existe um projeto sendo desenvolvido. Não significa uma volta saudosa ao passado, mas uma apropriação da vida para dela participar de forma mais consciente. (FURLANETTO, 2007, p.48)

Durante um dos encontros, as professoras se detiveram na análise da

historia “A Princesa e o Sapo” por apresentar em seu conteúdo uma princesa

negra, discutindo assim o racismo e outras questões de moral e ética pela

interpretação desse conto. Procuraram buscar outros elementos para,

posteriormente, utilizá-los nas atividades com as crianças. O diálogo foi transcrito

na íntegra para que nenhum detalhe fosse omitido:

Professora Márcia Polessi – Então, a gente está aqui numa época muito valiosa. Temos a mídia e a informática. Professora Eliana - Em relação aos contos de fadas, o que você acha Sueli, da “Princesa e o Sapo”, que trouxe a princesa negra? Professora Sueli – Ótimo! Professora Eliana – Você encara como preconceito ou valorização do negro? Professora Sueli – Não, eu encaro, não digo valorização, mas eu acho por que as princesas só tinham que ser branquinhas e loirinhas? Professora Márcia Polessi – Por que não incluir aí a oriental? Professora Edlene – Tem a Mulan. Legal Sueli! Só que eu estava lendo uma reportagem que um crítico americano fala assim, que demorou tanto tempo pra sair uma princesa negra e por que ela tinha que começar pobre, trabalhar, trabalhar pra conseguir alguma coisa. Ela já tinha que vir de família rica. Ela já tinha que ser uma princesa, quer dizer. Ele achou ruim que a princesa teve que nascer pobre, trabalhar, trabalhar bastante, casar com o príncipe pra virar princesa. Que ela já tinha que ser princesa, que a Disney tinha que ter valorizado, eles lutaram tanto pra ter uma princesa negra e ela é linda? Professora Sueli – Então, pra mim, eu entendo assim, que nem você falou até a autocrítica desse americano. Só que eu acho assim. É você ver os dois lados desse conto de fada. Você pode mostrar através do conto de fada que nem tudo você consegue com facilidade. Você trabalhou, você se esforçou, você lutou, quer dizer, você vai mostrando valores pra criança. Eu acho que no caso da princesa negra e do sapo, você vai mostrando valores. Ela é negra, pobre, que foi a luta, que trabalhou, batalhou, se desenvolveu até que, e mostrando independentemente dela ser pobre e negra ela encontrou o príncipe que gostou dela. É como você falou existe dois lados da historia. O lado do príncipe eu achei interessante que ele era totalmente sem caráter, ele estava atrás de uma princesa que tivesse dinheiro, porque o pai dele já tinha cortado tudo, porque ele era folgado. Só ficava gastando, não ajudava em nada e quando ele a conheceu, que ela falava muito em

Page 135: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

135

trabalhar, em um valor bem diferente do dele. Ele aprendeu, então, ela ensinou muito pra ele. Professora Sueli – Então, quer dizer, independente dela ser negra e pobre, ela ensinou valores pra ele. Que um príncipe branco e rico não tinha, nunca teve, nunca aprendeu. Você entra naquela historia, que nem a gente fala, aquele que veio de berço pobre, que foi a luta e conseguiu alguma coisa. Ele dá valor, se formou, conseguiu entrar em uma faculdade. Ele tem um valor moral, que ele conseguiu aquilo. Agora aquele que desde criança dá um grito e o pai dá pra ele, ele nunca vai dar valor moral. Professora Edlene – E o bom desse conto é que tem tanta coisa. Eu acho um dos contos melhores. E a gente se volta quando a gente era criança, a gente não entendia. Professora Sueli – E através desse conto de fada, o que a pessoa faz, você consegue mostrar valores, perdas, quer dizer ensinar que você... Professora Márcia Polessi – Respeito. Professora Sueli – Que você ganha, que você perde, que isso faz parte do seu dia a dia, você vai aprender a perder, a ganhar, mas quer dizer, tudo em cima de valores e respeito para com o outro. Professora Edlene – E o engraçado é que mostra que a morte não é um lado ruim do conto, você vê que o “Way” acha que é legal a morte, que ele vai encontrar a Evangeline. Ia ficar feliz, ele sorria, então, tem esse lado. Professora Sueli – Mas porque na historia do conto de fada, o “Way” já não via a morte com medo, ele já via a morte... Professora Edlene – Ele era apaixonado. Professora Sueli – Eu vou encontrar a Evangeline, aquilo ali pra ele, se ele morresse estava tudo bem, porque ele falava assim. Que ele tinha sempre aquela esperança que do outro lado ele ia encontrar e outros problemas que a gente não consegue. Professora Márcia Polessi – E a gente também trabalha a religião e o respeito, de você ter uma religião e respeitar a pessoa e ela te respeitar também. É muito bom esse conto. Professora Sueli – E isso que eu estou falando, às vezes, a pessoa vê o conto e como fala? Professora Edlene – Não vai além. Professora Sueli – Não vai além, não se aprofunda você tem que ler e se aprofundar e conseguir. Você vai ter que se aprofundar pra você descobrir, em um conto só quantas coisas pra trabalhar. Professora Edlene – E ainda se a gente for ver tem mais coisa nesse conto.

Page 136: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

136

As professoras falaram de contos de fadas, ainda confundindo este

conceito, comentaram especialmente do desenho animado “A Princesa e o Sapo”,

porém sendo uma produção dos estúdios Disney, faz parte da indústria cultural e

foi adaptado para ser veiculado na mídia. No caso desta adaptação, a palavra

perda assumiu um papel bem diferente do tradicional, a perda pode ser alcançar

um objetivo inatingível em que a esperança não deixa de existir.

4.5. Folclore e formação

O folclore brasileiro traz elementos variados da cultura popular. Foram,

algumas vezes, esquecidos pelos contadores de historia ou pelas professoras nas

atividades. Entretanto, muitas das educadoras ouvidas, cresceram em cidades

pequenas, no interior do Brasil. Pudemos, então, perceber a importância do

folclore em sua infância, já que os personagens que participaram delas de forma

real foram: o Saci Pererê, o Lobisomem, o Lampião e seu bando entre outros. O

imaginário mesclou-se ao real para transformar-se em historia, em lenda.

O folclore brasileiro também apareceu na formação das professoras. Ao

falarem também das narrativas que marcaram suas vidas, aparecem referências a

personagens do folclore que se misturam a personagens da vida real que

passaram a fazer parte do folclore, como é o caso de Lampião, citado na fala

seguinte:

a) Lampião:

Isso é verdade, o meu pai, ele contava uma historia pra gente que ele vivenciou. Ele disse que ele tinha oito anos e enquanto o meu avô chegava da roça com a minha avó, ele ficou numa pedra esperando eles chegarem, que ele não queria ficar lá dentro sozinho. Aí, de repente, apareceu Lampião e toda a sua tropa. Nossa, a gente viajava com ele contando isso! Todo dia eu pedia e ele contava. E o engraçado que ele contava vivenciando como se ele fosse e ele imitava o tom da voz, tudo ele imitava até o barulho dos cavalos chegando. Aí ele falava assim que o, que o Lampião chegou na casa dessa mulher e perguntou pra ela, se ela tinha alimento pra dar pra todo mundo e se ela tinha preparado o almoço que desse pra todo mundo. E tinha que ter. Aí meu pai falou que todos se sentaram entorno da casa da mulher muito

Page 137: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

137

pobre e foram comer. Quando, de repente, um da tropa do Lampião falou assim: Tá muito salgado esse feijão! Aí Lampião mandou a mulher buscar e perguntou pra ela quanto punhado de sal ela tinha colocado no feijão. Ela falou que tinha colocado a medida de uma mão. Aí, então, o Lampião falou: Então agora a senhora vai lá buscar três cabaças, que era aquela de medir feijão, e pega três cabaças de sal e traz porque ele vai comer tudo. Meu pai falava como se o Lampião fosse um campeão, imagine, mas ele falava isso. Aí o que o Lampião fez, acabou fazendo o homem comer as três cabaças. O homem morreu na hora, ficou muito inchado, muito feio. Aí, na hora, meu pai ficou com medo, ficou assustado. Aí, ele chamou meu pai, falou pra ele não se assustar. Mas falou assim que era pra aprender que se tinham chegado até ali e aquela mulher tinha preparado de bom coração a comida pra todos tinha que comer calado, não tinha que reclamar. (Professora Maria Edlene)

b) Lobisomem: é uma figura do folclore que apareceu entre as

narrativas que fizeram parte da infância das professoras. O relato a seguir

falou de uma historia muito ouvida pelas crianças de algumas regiões do

Brasil, sobretudo da Região Nordeste:

Uma noite, diz que toda semana sumia galinha do vizinho, sumia, sumia, sumia e o meu avô ficou esperando pra saber aquela noite porque que sumia a galinha do vizinho. E diz que um dia apareceu um cachorro muito grande e meu avô foi pra cima do cachorro. Bateu no cachorro, pôs fogo no cachorro e no dia seguinte, o vizinho apareceu todo machucado e queimado. E eles deduziram, naquela época, que o cachorro, que o vizinho era o lobisomem. (Professora Maria da Penha)

c) Saci Pererê: é outra personagem presente em nossa cultura e suas

conhecidas peripécias são também citadas na fala seguinte:

Eu me lembro da chácara, fogão de lenha, e ele contava, parece que ele acreditava. A gente acabava até vendo o Saci de tanto que ele imaginava. E ele naquele pó do rodamoinho que aparecia o Saci. E ele dizia que o Saci montava o cavalo, fazia trança no rabo do cavalo e ele falava de um jeito que parece que ele mesmo tava acreditando. Então, a gente ficava assim muito empolgada e fazendo aquelas criações na cabeça da gente mesmo. (Professora Norma)

O desenvolvimento da Indústria Cultural proporcionou a difusão e a

popularização dos contos de fadas, isso é, promoveu adaptações para adequá-los

aos diferentes mercados. Alcançando todos os tipos de público, os que tem

acesso à leitura ou não. Os desenhos e filmes animados não excluíram a leitura

dos clássicos, já que são veiculados na televisão e no cinema em diferentes

Page 138: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

138

versões. Os educadores deveriam promover o acesso aos clássicos de modo a

levar às crianças a conhecerem os mesmos e a entenderem o processo de

manipulação.

4.6. A Televisão e a formação docente

A pesquisa revelou que vivemos em uma sociedade onde as mídias –

enquanto veículo de indústria cultural – exerce cada vez mais o papel de

mediadora entre as narrativas e as crianças. Essa situação tem trazido perdas e

ganhos. Essa mediação das novas tecnologias nos processos formativos

apareceu na fala das professoras, como veremos a seguir:

Depois, quando eu já estava um pouco maiorzinha, lembro que o primeiro livrinho que eu ganhei foi “A Dama e o Vagabundo”. Um livro que não tinha praticamente ilustração nenhuma, só a capa com um pequeno desenho da Dama e o Vagabundo. Assim, a cada mudança de capítulo, eu queria muito aprender a ler pra poder ler aquele livrinho que foi o meu primeiro livrinho. Demorei pra ler porque eram muitas letras, foi um livro que guardei com muito carinho. Depois, quando eu já estava adulta sempre continuei adorando contos de fadas, sempre comprei os desenhos da Disney e livrinhos de contos, mesmo antes de fazer Pedagogia e tudo. (professora Silvia)

A presença da indústria cultural nos processos formativos das professoras

se fez notar nas falas da professora Silvia citada anteriormente e também na fala

da professora colocada a seguir:

Os contos de fadas, os primeiros que eu me lembro, não foram através de leitura, mas através de vídeo. Eu gostava de assistir a “Cinderela”, era o meu conto de fadas preferido, assistia todos, mas Cinderela era o que mais gostava. E aí assim, eu por conta, buscava livro em biblioteca emprestado pra ler. Na minha infância, na verdade adolescência, o que mais me marcou foi o vídeo da “Cinderela”. (Professora Paula)

Dentre os meios de comunicação, a televisão apareceu nas falas das

professoras como principal mediadora entre elas e os contos de fadas.

Em uma cidade marcada pela violência e em que as crianças precisam

ficar em casas fechadas, a televisão passou a ser um meio de garantir que as

crianças não atrapalhassem os afazeres daqueles que delas quando não estão na

Page 139: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

139

escola. Essa situação apareceu de maneira expressiva na fala das professoras

como veremos nos trechos seguintes:

Eu não lembro quando eu era criança de algum professor contar historia pra mim. Eu me lembro mais de ter assistido contos de fadas através da televisão. Minha mãe não tinha hábito nenhum de contar historias, nenhum, nenhum. (Professora Eliana)

A televisão que por um lado substituiu o velho hábito das famílias de contar

historias, por outro, acabou levando às crianças a escaparem de certas práticas

autoritárias de determinados pais como mostrou a fala a seguir:

.

Quando a gente lia alguma coisa que ele não gostava, a gente lia escondida debaixo do lençol. Na hora de dormir, a gente acendia uma lanterninha e começava a ler debaixo da coberta pra ele não ver. Mas na minha cabeça, eu sempre tive vontade de ler. Acho que por ser privada disso, eu tenho vontade de conhecer, a gente lia Manchete. A televisão chegou e a gente passou a ver mais televisão. Em 1969, foi mais ou menos quando a minha mãe adquiriu um aparelho de tevê. Na escola eu não me recordo de ter lido nenhum livro na minha infância. (Professora Edina)

Valeu destacar a presença da tevê Cultura neste processo. Por ser uma

emissora estatal e ter assumido uma linha de produzir ou reproduzir programas

educativos, a tevê Cultura apareceu como uma alternativa para aqueles que não

podiam ficar sem a televisão e que desejavam para seus filhos programas menos

voltados para o consumismo:

E assim, ela também assistia muito a Cultura e a Cultura, naquele tempo, passava muito desenho, muitos contos de fadas, passava muito e minha mãe assistia muito. Então, eu cresci ouvindo essas historias dela. Um pouco dela e um pouco do canal da TV Cultura, né. E os meus filhos também, todos esses tipos de historias eles conhecem e eu também, pela TV Cultura que passava: fantoche, a historia do Lobo Mau, da cobra Norato, do Bumba meu boi, todas as historias eles passavam. (Professora Maria da Penha)

Essa presença da tevê Cultura na formação das professoras foi uma

descoberta importante da pesquisa. É importante destacar que as mídias nem

sempre são ruins e que dependendo dos objetivos de quem faz pode oferecer

bons programas, como mostrou a fala seguinte:

Page 140: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

140

É ele fazia a criança viajar pra outro universo. O universo da imaginação. Mas eles não eram como agora. Assim, vamos supor, entra um programa que introduz a historia de um conto de fadas dentro daquele programa. O conteúdo básico da tevê Cultura. Hoje a televisão ajuda mais, porque hoje você vê vários contos de fadas, mas de primeiro era assim, quando você falava em contos de fadas você via poucos. Era Branca de Neve, Cinderela e o Pinóquio. (Professora Sueli)

Frequentemente, se faz uma crítica generalizada à televisão, mas pelo

que experimentaram as professoras, a presença da televisão nem sempre é

prejudicial. É possível se fazer programas que contribuem para o

desenvolvimento da criança a partir do uso da imaginação.

Outro meio de comunicação citado pelas professoras em seus processos

formativos foi o gibi, tendo contribuído inclusive para o processo de alfabetização:

Bom, eu sempre gostei de ler e escrever, desde pequenininha. Eu me alfabetizei sozinha, com quatro anos e meio. Pois, eu já lia e escrevia tudo, eu tenho uma tia que é pedagoga, que ela não acreditava. Então, ela ficava forçando eu tentar ler as coisas e eu lia praticamente tudo. Não foi com contos de fadas, foi com gibis da Turma da Mônica, mas como eu sempre gostei de ler tudo, eu buscava a leitura, eu buscava as letrinhas, buscava escrever e copiar. (Professora Paula)

A professora Márcia também destacou a presença do gibi em sua vida,

inclusive atribuiu à leitura deste veiculo a sua rápida alfabetização:

.

A minha historia acho que é diferente de todos. Não sei, eu fui alfabetizada, comecei a ler com o gibi do Cebolinha. Olha que coisa! Trocava as letrinhas e quando eu comecei a ler, eu fiquei muito assim. Isso me marcou, porque o meu pai comprava gibi, porque ele adorava ler também gibi do “Homem Aranha”, do “Fantasma” (naquele tempo). E olha já faz um tempinho e ele vinha com gibis pra mim e pro meu irmão. Do Cebolinha pra mim e pro meu irmão acho que era do Cascão que vendia separadamente. E eu dizia: - Olha mamãe! Eu sei ler. Olha pegou o coelhinho do Sansão. A minha mãe, nossa, me abraçou e me beijou muito. Isso me marcou porque minha mãe trabalhava demais, meu pai também. A gente tinha pouco contato e eu me lembro que isso foi marcante. Que um gibi que a gente não dá valor, que começou a me alfabetizar. (Professora Márcia Polessi)

Como vemos, a mídia quer por meio da televisão ou de outros veículos,

marcou presença como mediadora entre as narrativas e a formação das

professoras.

Page 141: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

141

4.7. Os contos clássicos e a formação

Os contos clássicos, motivo inicial deste trabalho, inspiraram não só a

minha infância como a de outras colegas. A fala a seguir mostrou a presença

também destes contos na formação das professoras:

E também assim, eu tinha um livro era, acho que os Irmãos Grimm e era um dos primeiros livros e nele tinha assim, todas as historias o Lobo Mau. Mas as historias verdadeiras mesmo e eu sempre lia, né. Eu sempre lia o quanto eu podia, sempre lia e a minha mãe sempre passou também pros meus filhos. (Professora Maria da Penha)

A identificação com princesas, fadas, príncipes e heróis, participaram da

infância e da adolescência de algumas educadoras:

Tinha esses projetos de leitura, tinha uma professora excelente que se envolvia com esses projetos. Trabalhava até com slides, vídeos, sempre ela tinha uma historia, uma novidade, uma historia diferente. Poema, vários tipos de textos, que ela elaborava na aula. Era uma professora muito criativa e a gente sempre levava os livrinhos pra casa. E eu tinha muito interesse pelos clássicos. (Professora Cecília)

Em sua fala, a professora destacou a importância do envolvimento do

educador com os projetos de leitura no sentido de envolver os alunos.

A professora que tem um projeto, tem alternativas e possibilidades como

observaremos na fala seguinte:

Busquei vários portadores da mesma historia: livros diversos, DVDs, historias só falada. A gente acabou construindo o gigante, o pente do gigante. A gente trabalhou o tridimensional com eles e eles sempre trabalhando junto e uma coisa que eu achei que iria ser simples, que era o trabalho da horta partindo de “João e o Pé de Feijão” se tornou uma coisa muito mais grandiosa. Foi fazer o gigante, foi esmiuçar cada vez mais a historia. Ver que existiam versões diferentes para a mesma historia, tinha historia que o gigante era bem malvado e tinha historia que o gigante não era tão malvado. Foi muito legal porque foi um conto de fadas que eu tenho certeza que marcou não só a minha vida, mas marcou a vida dos meus alunos. Tudo pela leitura. (Professora Paula)

Ao discutir os contos de fadas, valeu destacar que as professoras falaram

muito em Monteiro Lobato, autor que dedicou parte de sua vida à literatura para

criança, buscando construir um universo infantil ambientado na realidade

Page 142: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

142

brasileira. Segundo Lobato (1948): "Tudo tem origem nos sonhos. Primeiro

sonhamos, depois fazemos." Contista, ensaísta e tradutor, Monteiro Lobato,

tornou-se também editor, passando a editar livros também no Brasil e implantou

uma série de renovações nos livros didáticos e infantis. Este notável escritor é

bastante conhecido entre as crianças, pois se dedicou a um estilo de escrita com

linguagem simples onde realidade e fantasia estão lado a lado. Este autor foi

mencionado por várias educadoras tanto na infância quanto na docência:

Eu me lembrei da minha infância, a minha infância, eu e a minha irmã. A gente ajuntava o sofazinho de um lugar só, fazia um bercinho. Ficava uma na ponta e a outra na outra. Colocava a coberta e assistia o Sítio do Pica-pau à tarde inteira, passava na Globo. Não lembro que canal e a gente ficava assistindo. Meu pai chegava às três horas, almoçava e a gente almoçava junto com ele, porque sentia o cheiro maravilhoso. Então, a gente almoçava e nessa, eu queria saber por que contos de fadas só é aquele que no caso é internacional. Não é daqui e por que a Emília traz a imaginação? A Emília é uma boneca que fala, uma boneca costurada pela avó pro neto. Como os nossos avós e a criança usa a imaginação? E os contos de fadas faz isso? Só que ele é internacional e a Emília é brasileira. Por que não pode ser a Emília, contos de fadas também. (Professora Márcia de Fátima)

As historias do Sítio do Pica-pau Amarelo e seus personagens, foram

lembradas pelas educadoras ao falarem dos contos de fadas, revelando o valor

que reconhecem na obra deste autor:

Aí, no caso, seria assim, vamos supor, a literatura em si não reconhece o Sítio do Pica-pau, só porque... Ele é brasileiro e vê ele como uma historia folclórica e não como conto de fada. Porque na verdade ele vem como se fosse um conto popular e que foi se aprimorando de historias. Porque Monteiro Lobato criou de um jeito e foram se aprimorando, aprimorando. Ele poderia muito bem ser contado e colocado como um conto de fada nacional, porque ele mexe com a imaginação das crianças. E quem foi que não assistiu o Sítio do Pica-pau Amarelo? (Professora Sueli)

Monteiro Lobato relatou nossa cultura, nossas paisagens, lugares reais

onde as crianças poderiam encontrar vários personagens folclóricos:

Eu estava aqui pensando que uma coisa que me identificava um pouco comigo é a historia que envolve a Narizinho, o Visconde de Sabugosa, o Saci Pererê. Esses personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo, porque tem ocasiões na minha vida que eu procuro sair um pouco fora da realidade, eu sei que é irrealidade, mas, às vezes, eu gostaria de estar dentro deste sítio comendo biscoito, aquele bolinho de chuva da Tia

Page 143: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

143

Anastácia, conversar com a Narizinho, ouvindo aqueles personagens do Sitio do Pica-pau Amarelo. Porém, a realidade não é estar dentro do Sítio do Pica-pau Amarelo. Porém, a realidade é outra, a minha realidade não é estar dentro do Sitio do Pica-pau Amarelo. Eu estou bem fora, mas eu me identifico, hoje me identifico um pouco com a história do Sítio do Pica-pau de Monteiro Lobato. Que é uma coisa que lá atrás que eu já fiz em sala de aula também, tanto é que lá atrás quando eu estava na sala de aula eu me lembro, eu fiz uma dinâmica, com o grupo de crianças da minha sala, crianças de cinco anos na época em que eu levei as crianças para o sitio numa viagem imaginária e que na verdade eu também vivi junto com as crianças e eu não me esqueço desse episódio. (Professora Tereza)

As professoras compararam a obra de Monteiro Lobato com os contos de

fadas pelo fato de ambas trabalharem a imaginação, o que permitiu a

identificação dos pequenos, tornando as historia possíveis, reais:

Então, mas só que eu falo assim, em questão de contos de fadas e folclore também trabalha a imaginação. Por que, existe o príncipe? Então, eu estou falando a comparação, porque na minha infância como eu já havia falado não tinha contos de fada, não tinha historia da Chapeuzinho Vermelho. Não tinha historia dos outros, Branca de Neve, os padrões, o que é contos de fadas pra todo mundo, é esse aí, pronto e acabou. O meu conto de fada, na época, voltando a minha memória era o Sítio do Pica-pau Amarelo, porque me fazia imaginar a bruxa, que era a Cuca, o príncipe e tinha os sapos, todas as personagens de uma historia de contos de fadas. (Professora Márcia de Fátima)

Através do relato da Professora Norma, verificou-se o quanto foi

importante à descoberta do papel das historias em sua vida e no seu trabalho. E o

arrependimento por não ter registrado as historias que o pai contava, já que

muitas se perderam com o passar do tempo.

Então, pena que a historia entrou tão tarde em minha vida. Que eu trabalhei tanto, com tantos alunos que eu alfabetizei durante vinte e dois anos e a historia entrou tão tarde. É muito enriquecedor trabalhar com historia. Uma aula que eu tive uma vez com uma historiadora, ela me falou: - Você viu, se você tivesse escrito tudo isso. Eu não tinha essa ideia de fazer os registros. Foi quando eu vim dar mais valor nas coisas que o meu pai falava. Eu dizia: Meu Deus! Essas historias dariam pra eu escrever um livro, às vezes, eu tenho essa ideia de passar para o papel uma historia. Contar às coisas que eu consegui viver com as crianças da primeira série. Porque eu tenho muitas historias pra contar. (Professora Norma)

A vida cotidiana, marcada pela rotina, muitas vezes, nos faz duvidar da

presença dos contos de fadas. A vida é um constante ir e vir, um fluir e refluir,

Page 144: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

144

pode ser que a ideia de “um final feliz” seja ideológica. Porém, os finais felizes,

para algumas pessoas, existem, mas tem que conviver com o trabalho, os

afazeres domésticos, as dívidas, o trânsito.

Duas professoras, no quinto encontro, refletiram sobre este assunto:

A vida não é só Conto de Fadas. (Professora Maria Lúcia)

É um Conto de Fadas, só que todos tem que trabalhar, todos sofrem e nem sempre eles saem felizes para sempre. (Professora Sueli)

Um ponto importante da pesquisa foi perceber que retomar a própria

historia é um aspecto importante no processo de formação das professoras e que

estes momentos de revisitação do vivido, precisam ser constantemente

retomados.

Essa situação encaminhou para a reflexão sobre algumas ações de

formação identificadas no desenvolvimento da pesquisa e que serão

apresentadas no próximo tópico.

4.8. Formação docente

A questão da formação tem sido tema frequente nos diversos espaços

onde se fala da atuação docente. Embora muito se fale em formação do

professor, pouco se tem conseguido em termos de construção uma definição

deste conceito que seja aceita por todos.

Nas falas das professoras que participaram da pesquisa também

apareceram diferentes visões do que seja formação e cada uma destas visões

parece relacionar-se com a prática desenvolvida individualmente em sala de aula.

Para entender o conceito formação, utilizei o citado por Furlanetto (2007)

para designar os significados desta palavra:

Há dois caminhos contidos na própria palavra. O primeiro deles pode emergir da ideia de forma. Nessa perspectiva, pode-se pensar em formação como um processo de “enformar” o professor, um processo mais comprometido com o reprimir, com o imprimir [...]. Por outro lado, o mesmo conceito pode nos remeter a palavra forma. Resgatando esse

Page 145: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

145

novo significado, podendo pensar em um movimento de formação que permita ao professor buscar os próprios contornos, aqueles que possibilitem sua expressão. (FURLANETTO, 2007, p.25)

A formação docente seguiu um processo diferente na vida de cada

educadora. Algumas sentiram essa “vocação” desde muito cedo, como no meu

caso, outras tentaram outras profissões e depois se depararam com a docência.

A fala da professora a seguir, expressou sua “vocação” para ser

professora:

Tive meus heróis e adorava a historia de José. O José chegou e fez aquilo tudo. Eu gostava demais e dentro da igreja fui ser professora de criança, desde os dezessete anos. Então, todo mundo falava: - Ah, esta vai ser professora! Vai ser professora! E acabei sendo professora. Eu já fazia curso desde pequena pra ser professora. (Professora Edina)

O relato da professora a seguir demonstrou que ela trabalhava em outra

profissão, mas teve de optar entre ficar mais tempo com o filho pequeno ou

abraçar uma carreira que exigisse mais horas de trabalho fora de casa:

Eu cheguei aqui em São Paulo, eu nunca tinha trabalhado. Comecei a trabalhar na Abaeté, fiz curso e consegui trabalhar na Helena Rubbinstein de consultora de beleza. Prestei concurso, eu tinha meu filho pequeno e ele precisava muito de mim. Ele tinha quebrado o braço e toda vez que eu deixava ele com alguém... Certo dia eu cheguei em casa, tinha uma moça no banheiro com uma água quente, quente. Então, me apavorei. Eu falei: - Eu vou sair do serviço, eu tinha que pensar nele. Prestei o concurso, a minha supervisora falou assim: - Não Noelina. Há oito anos eu trabalhava lá. – Não, não sai, não entrega o uniforme porque você vai voltar. (Professora Noelina)

Os relatos, principalmente do quarto e quinto encontros do grupo de

formação apontaram para uma dificuldade que ainda atualmente encontramos. Os

professores entraram e entram na sala sem experiência, assim como em todas as

profissões, porém, neste caso, lidam com crianças pequenas que necessitam de

muita atenção e cuidados especiais. Na maioria dos casos, os professores de

Educação Infantil tinham a vivência de cuidar dos filhos ou sobrinhos, porém

perceberam a diferença de função quando estavam na gestão de uma sala com

crianças de diferentes procedências.

Page 146: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

146

Podemos fazer um paralelo entre o médico e o professor no sentido do

estágio supervisionado. O médico, na residência, tem o acompanhamento de

professores e não atendem pacientes sem orientação do preceptor. Os casos

clínicos são discutidos com os residentes e explicado o porquê de um

procedimento ou outro.

O nosso estágio supervisionado é bem diferente da residência médica. As

unidades e sistemas de ensino não se prepararam para atender o estagiário e o

estágio acaba sendo uma maneira de complementar a carga horária sem custo ou

com menos custo para a instituição de ensino.

Neste sentido, a pesquisa apontou para a necessidade de se repensar o

estágio, de se pensar uma forma de incentivo às escolas para que elaborem

projetos educacionais que envolvam estagiários.

No caso das professoras que entraram na Prefeitura Municipal de São

Paulo na década de 1980, em seus depoimentos afirmaram que vieram de

diversas profissões, porém sem noção da profissão docente. O mais

impressionante é que foram pessoas que chegaram à Educação Infantil por

diferentes motivos, mesmo sem nunca ter a intenção de ser professora.

Essa situação revelou que pessoas sem qualificação profissional ou

formação cuidavam e educavam crianças pequenas mesmo não conhecendo as

teorias e sem ter práticas pedagógicas para trabalhar com as crianças. A carreira

do magistério parecia mais fácil, mais tranquila e que qualquer pessoa poderia

desenvolver a atividade docente.

A Professora Tereza procurou a prefeitura por causa do salário que era

bem melhor do que o que recebia como recepcionista:

Bem, quando eu entrei na prefeitura. Eu antes tinha um desejo enorme de entrar, eu antes era recepcionista das Lojas Riachuelo. Então, todo holerite azul que caía na minha mão que era pra fazer crediário. Eu já perguntava: - Como que faz pra entrar na prefeitura? Como que faz? Tamanha era a minha vontade de entrar, até que um belo dia alguém falou: - Vai abrir inscrição lá no mercadão da Penha pra tomar conta de criança. Lá fui eu correndo, fiz a inscrição, me mandaram fazer a provinha de ABCD que era de nível primário. Só pra saber se eu era alfabetizada, fui, passei, mas, até então, eu não tinha noção do que era creche, do que era tomar conta do filho do outro. Eu não tinha noção de nada.[...] Bom, as crianças, nós queríamos saber das crianças. As crianças começaram a chegar e nós estávamos aqui, doidas pra tomar conta das crianças. Era um tomar conta das crianças que nem mãe.

Page 147: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

147

Olhava a cabeça se tinha piolho, se tinha piolho a gente catava. Cortava a unha, limpava o ouvido. A fralda, naquela época, era de pano. Então, era aquela fralda que você tirava o excesso no vaso sanitário. Não tinha essa questão de luva, essa questão de todo esse cuidado. Era tudo muito rústico, tudo muito doméstico mesmo. Foi aí que começamos dentro da sala de aula com as crianças e muitas vezes a gente contava historia. Só que pra acalmar as crianças porque a gente não sabia nada, além disso. Contava historia, por exemplo, da Chapeuzinho Vermelho e aconteceu assim, mas não havia uma intenção, não havia uma reflexão, não havia nada disso.(Professora Tereza)

Esta fala mostrou um pouco do significado da transferência das creches da

assistência social para a educação. Hoje, para assumir uma sala de aula, em

qualquer escola legalizada, precisa ser professor, precisa ter formação como

professor. É possível questionar a qualidade da formação inicial, mas ela precisa

existir.

A Professora Walkíria era telefonista e estudava à noite. Ela foi avisada do

concurso e mesmo sem experiência com criança ela tentou:

Eu era telefonista, dois empregos eu tinha e estudava à noite. A minha primeira professora disse que ia ter um concurso pra entrar na prefeitura, mas pra pajem. Então, eu me arrisquei e fui. Não sabia nada de olhar criança, sabia de olhar um primo em casa. Tomar conta, mas de uma sala cheia não. Não tinha experiência nenhuma, eu fiz tudo que tinha que fazer. Não passei na visão, eu fui reprovada. Agora complicou, eu não vou entrar, eu fiquei inapta, porque eu não tinha óculos, não tinha dinheiro pra comprar o óculos. Não passei, eu fiz arrecadação, comprei o óculos e voltei lá. Eu passei com o óculos, entrei e caí aqui. Cheguei aqui, vi as colegas tudo lá fora com as crianças. Tanta criança, tinha o gira gira, fui lá brincar, disfarcei e falei: -Vou dar uma de entendida. Fui lá no gira gira e estava a Terezinha. Ela falou: - Você já trabalhou? Eu falei: - Já, mas eu nunca tinha trabalhado com criança. Fui entrando, fui vendo, fui aprendendo como elas faziam e fui aprendendo contar historia também. Ao longo dos anos, fui vendo como um faz, o outro faz, mas entrar sabendo eu não sabia não. (Professora Walkíria)

Valeu destacar nesta fala algo que também está nas demais, as

professoras são de origem pobre, entraram na educação porque parecia ser uma

área que exigia menos. Essa situação faz com que a docência, sobretudo na

escola pública, seja cada vez mais definida como uma profissão de ascensão.

As falas de todas destacaram o fato de terem começado a lidar com

crianças sem ter noção sobre o que era esse serviço, como reitera o trecho

seguinte:

Page 148: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

148

Entrei aqui em 88 também, não aqui nesse CEI. Eu entrei na Barra Funda. Eu estava desempregada e uma amiga falou que estava abrindo inscrição e eu fiz lá no Cangaíba. Todo mundo fez, mas eu fui parar lá na Penha, mas a gente teve um período de adaptação pra fazer os enfeites da creche, no CEI lá na Tiradentes, na Avenida Tiradentes. Depois nós fomos pra lá e eu entrei no estágio. Eram dezoito crianças pra gente, foi que nem pegar nós e jogar na boca do leão. Que nós, sem saber o que fazer só que naquela época o estágio tomava banho também. Então, a gente passava a maior parte da manhã dando banho, dando banho, parque depois tinha que voltar a dar banho e ia pra mesa. Então, esse ritmo de atividade, de leitura, quase não existia naquela época, porque o cuidar era muito maior que o brincar, o contar historia, o conversar com a própria criança porque não dava tempo. Toda creche, todas as crianças, do maior até o menor tomava banho e tinha que ser rápido porque era muita criança e um banheiro só, pra todas aquelas crianças. Ficava uma bagunça, a gente tinha que dar conta. A gente tinha que dar conta, quando eu entrei, não era oito horas. Eu entrei já era meio período. Então, em seis horas a gente tinha que fazer tudo isso e era rapidinho. Quando eu vim pra cá em 90, já tinha uma outra dinâmica, as meninas já liam historia, já tinha a roda, já conversavam e o banho também foi tirando, foi diminuindo. Não se tomava mais banho. Só o mini grupo e o berçário. Ficou mais fácil a gente lidar com os estágios, contando historia, mas de ler livro na creche, era muito difícil. Não tinha livro, as historias eram as que a gente contava. Branca de Neve do jeito da gente, que o Lobo Mau era mau mesmo e não tinha outra saída. Não tinha livros ilustrados pra gente estar lendo pra criança. (Professora Maria da Penha)

A definição da educação básica a partir dos zero ano criou instrumentos

legais para que esta questão fosse superada, isto é, instituiu a exigência de

formação específica para o exercício da profissão docente. Contudo os cursos de

formação continuam precários, os estágios como atividades de faz de conta e que

pouco de positivo acrescentam aos estudantes.

A mesma professora apontou a importância do curso ADI Magistério, no

sentido de melhorar essa situação, proporcionando aos professores instrumentos

para atuarem com as crianças pequenas.

Com o tempo é que foi se mudando, foi crescendo essa dinâmica da gente ler, depois a gente fez o ADI Magistério e nós aprendemos a importância de contar historia. Vimos também como fazer uma caixa de historia. O ADI Magistério foi muito rico pra gente nesse ponto. Eles não queriam só a teoria, eles queriam a prática, que a prática a gente levasse pra sala de aula, que fizesse aqui e levasse pra lá, isso foi um registro também, tudo foi registrado. Foi no ADI Magistério que a gente aprimorou tudo, tinha que registrar a criança almoçou, jantou e acabou o dia. Montava teatro de sombras, tudo lá no ADI Magistério, a importância

Page 149: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

149

de um desenho com grafite, qual a importância de desenhar com carvão, com a tinta e a respeitar o limite das crianças naquele desenho. Contar historias e ouvir também as crianças. E a gente dava o desenho e eles contavam pra gente o que significava o desenho e a gente passou a ouvir as crianças também nesse sentido. Porque a gente mudou muito depois do ADI Magistério, os livros também foram chegando pra escola e a gente foi aprendendo, mas no começo foi muito difícil. Foi muito difícil mesmo. A gente entrou que nem a Noelina entrou por causa do Bruno, do Eli. A Walkíria estava procurando uma coisa melhor. Eu estava desempregada, a gente se arriscou também e eles mais ainda de colocar a gente. (Professora Maria da Penha)

Valeu ressaltar que este curso, contudo, foi concebido e oferecido para

suprir essa necessidade de formação inicial daqueles profissionais que

trabalhavam com as crianças, quando estas eram ainda atendidas pela

assistência social.

4.9. A escola

O grupo familiar, durante um bom tempo, era o responsável pela

educação dos filhos. Essa era uma crença tão arraigada, que até hoje ainda é

frequente a expressão: “A educação vem de casa!” ou “Filho de peixe, peixinho

é!” entre outras que expressam essa concepção que atribui à família toda a

responsabilidade pela educação.

A constituição de 1988, no seu artigo 205, ampliou o universo de

responsáveis pela educação das crianças e envolveu também o estado e a

sociedade, sendo que colocou o estado como primeiro responsável.

Essa situação tem colocado para a escola cada vez mais a

responsabilidade de cuidar e educar as crianças. Uma das ferramentas com a

qual a escola contou são as narrativas que antes não eram valorizadas na escola

fundamental, como se pode perceber na fala a seguir:

Ah, eu também, na minha infância, a minha mãe teve só até a 4ª série e ela nunca teve assim de contar historinha, de sentar com os filhos e contar pra mim não teve isso não. Só comecei a ter contato com historia na faculdade que eu comecei a fazer Pedagogia. Falou que a historia era importante, eu lia muito, gostava de ler, mas na infância em si não tive contato nenhum. (Professora Ana Maria)

Page 150: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

150

Durante muito tempo a escola foi um espaço destinado à elite, que ouvia

historias de seus pais e empregados, sobretudo dos empregados que iam para a

escola aprender a ler, escrever e contar. Não se atribuía à escola à função de

inserir as crianças pequenas na cultura porque isso era feita pela família.

As creches eram destinadas a atender crianças, cujos pais trabalhavam e

não tinham com quem deixar. As falas das professoras deixaram bem claras essa

situação.

Assim, ouvir historia na escola não era uma realidade, como mostrou a

fala da professora Sueli:

Na minha época de escola eu tive um professor que me contava muita historia. Eu fui aprender historia mesmo, tipo contos de fadas, acho que já estava na 4ª série. Nos primeiros anos não. Era aquele negócio, você pega o livro, você folheia. Eles não passavam conto de fadas. (Professora Sueli)

Na escola, as crianças, muitas vezes, vivem experiências que deixam

marcas profundas, uma vez que, o professor por distinção ou no cumprimento das

atividades diárias pode elevar o profissional e deixar de observar às necessidades

individuais dos alunos, que, muitas vezes, podem ser resolvidas com um gesto de

carinho ou um pouco mais de atenção:

Na escola eu não me recordo de ter lido nenhum livro na minha infância. Não me recordo da professora ter falado alguma coisa pra mim sobre livros. Eu só me recordo de uma bronca que eu levei da professora e me marcou muito. (Professora Edina)

Para o professor, às vezes, o que é um problema ou uma situação simples

e fácil de resolver, para a criança é um “momento charneira”, um momento que

ela nunca vai esquecer porque foi significativo, nem sempre positivo, porém

marcante em sua historia de vida. É um momento de grande preocupação e

sofrimento e a atenção ou desprezo recebido nunca serão esquecidos, como

mostrou o trecho seguinte:

Page 151: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

151

Faz uns quarenta anos e até hoje eu me lembro disso. Eu levantei e mostrei o desenho para a professora que estava sentada no lugar dela e ela olhou meu desenho e falou: - Está uma porcaria. Amassou e jogou no lixo. Hoje eu tenho grandes imaginações. Eu crio na minha cabeça, mas se eu for passar para o papel eu não consigo. Então, eu passo para outra pessoa e a pessoa desenha para mim. (Professora Terezinha)

A postura autoritária de alguns professores afastaram o aluno que se

amedrontou diante dele, não esclarecendo as dúvidas ou questionando os

ensinamentos e, sobretudo, não considerando suas angústias ou esperanças:

Nós viemos de uma educação que o professor falava: - Pinta aqui desenha uma casa. (Professora Simone)

Entretanto, outros educadores cativaram seus alunos sendo

simplesmente acolhedores e carinhosos:

Cursei de novo a 1ª série e tive uma professora excelente, que me deu aula na 1ª e 2ª séries. Foi à mesma professora, me apeguei tanto com ela e ela me incentivava muito. Ela me levava, não sei se tem hoje, à sala de leitura no Ensino Fundamental. Tinha projetos de leitura e a gente sempre levava os livrinhos pra casa. (Professora Cecília)

As crianças, muitas vezes, tem contato com historias somente na escola,

devido ao ritmo de vida imposto às famílias. É muito importante que a escola

insira a leitura em seu currículo, sobretudo a leitura dos textos originais, antes das

intervenções da indústria cultural. Essa é uma maneira de garantir o acesso à

cultura por uma via lúdica e que estimula a imaginação a entrar em um mundo de

possiblidades.

A fala seguinte mostrou a escola como esse espaço de encontro com a

fantasia imaginativa:

Foi na minha vida escolar que vieram os contos, porque na infância meus pais não contavam. Mas para as crianças hoje, eu trabalho contos com diversas literaturas. Eu fui uma criança que não fiz a pré escola. A minha vida é assim: não tive a historia familiar, não tive a hora da historinha ou com a mãe ou com o pai e também não tive a parte da Educação Infantil na minha vida. Já fui direto com sete anos pro primeiro ano. Então, as historias que eu ouvia, já eram historias que estavam

Page 152: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

152

embutidas nos livros didáticos. Eu me encantava porque eu era criança. (Professora Dulcineia)

Um exemplo curioso vivido pela Professora Terezinha, demonstrou que a

criança tenta solucionar os problemas apresentados nas historias tendo como

norte a sua realidade:

Eu contei a historia do João e Maria e a criança levantou e perguntou para mim: - Tia, porque o pai do João e Maria os deixou na floresta? Eu disse: - Porque ele não tinha dinheiro para comprar comida. –Tia, por que ele não os trouxe para a creche? (Professora Terezinha)

Essa é a importância dos textos originais, permitir o exercício do

pensamento. Diferentemente dos textos adaptados onde outros já pensaram e

ofereceram apenas suas conclusões.

As historias podem ser um bom instrumento para a aproximação entre as

crianças e a professora, como mostrou a fala seguinte:

É verdade, às vezes, eu percebia alguns problemas de disciplina com a criança, uma tristeza. Então, você procura uma historia que condiz com aquele problema da criança. Você acaba contando aquela historia, não mencionando o nome da criança. A criança vai acabar se relacionando e tendo como trabalhar o problema. Mesmo, às vezes, brigas em casa e ele vem triste. (Professora Norma)

A Professora Paula observou o aumento da presença de diferentes

classes sociais convivendo na mesma sala, na escola pública. Fazendo com que

o professor se depare com uma nova realidade e, portanto exposto a novos

desafios. A escola pública não é somente para a criança pobre, para a família que

precisa trabalhar, mas sim é direito de toda criança independentemente de sua

posição social:

Na escola pública, está tendo cada vez mais mistura de classe social. A gente vê por aqui que numa sala, tem uma família que mal tem dinheiro pra comer e criança na sala que viaja de avião, que tem tevê a cabo mesmo, tem carro novo. Então, cada vez mais na escola pública, as pessoas tão entendendo que é direito da criança não é pra quem não

Page 153: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

153

tem dinheiro e cada vez mais a gente vai ter que lidar com essas diferenças aqui dentro. (Professora Paula)

Essa fala colocou de maneira bem clara o grande desafio da escola, que

é promover a convivência produtiva entre os diferentes. Essa é uma demanda

posta para todas as escolas e, sobretudo, para aquelas que se situam no contexto

metropolitano.

Page 154: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

154

Considerações finais

Este trabalho apresenta dados de uma pesquisa que procurou identificar

a presença dos contos de fadas nos processos formativos que marcaram as

historias de vida das professoras de Educação Infantil que atuam na rede pública

municipal de São Paulo. O estudo deste tema remeteu a experiências importantes

de minha história de vida, ou como afirma Josso (2002), a “momentos charneiras”,

que foram construídos em meio a essas histórias. Por isso tratou-se de um tema

com grande relevância pessoal.

Fazendo meu memorial pude resgatar historias de minha infância,

adolescência, fase adulta e profissional e perceber quantas pessoas são

significativas em minha vida, quantas pessoas passam pela nossa vida e sem

deixar marcas. Como a família, no meu caso, foi e é fundamental tanto no aspecto

pessoal quanto profissional. Quanto aprendi com eles, quantas perdas, quanta

saudade, quantos momentos alegres e inesquecíveis.

Creio que o estudo será também relevante para outros educadores, uma

vez que o conhecimento disponibilizado no campo da formação de professores

tem potencial para atingir grande quantidade de pessoas. Conheci diversas

historias de vida que foram construídas através de famílias não nucleares e que

tiveram de se adaptar a nova realidade. No caso, a perda da mãe precocemente

fez com que estas historias fossem fortes, representativas e tivessem outro rumo,

outro final.

O interesse por estudar esse tema surgiu a partir da reflexão sobre

algumas das práticas que organizavam o meu cotidiano enquanto educador que

atua na Educação Infantil, especificamente aquelas relacionadas ao

desenvolvimento no campo da linguagem. Espero contribuir, de certa forma, com

as futuras pedagogas, relatando uma prática pedagógica que se modificou a cada

nova fase da Educação, a cada novo conhecimento adquirido, a cada nova fase

da vida.

Em relação aos procedimentos metodológicos os dados foram coletados

nos encontros com os professores, nos horários de trabalho coletivo [...], e,

sobretudo, se constituíram em verdadeiros espaços de reflexão sobre os

Page 155: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

155

processos formativos vivenciados pelas professoras desde a infância até a vida

adulta, no exercício da profissão.

Um aspecto importante que gostaria de destacar no desenvolvimento da

pesquisa, uma vez que muito acrescentou em minha formação, foi, enquanto

pesquisadora, à reflexão que este trabalho possibilitou sobre a própria noção de

pesquisa e dos instrumentos de coleta de dados. Em diversos momentos do meu

processo formativo ouvi falar em pesquisa qualitativa, quantitativa ou em

pesquisas que se estruturam por meio de recursos destas duas abordagens, mas

a experiência em decidir que abordagem utilizar foi, para mim, muito

enriquecedora.

A pesquisa evidenciou que, muitas vezes, na escola, se usa a expressão

contos de fadas para nomear diferentes historias e que além dos contos de fadas

fazem parte da historia de vida das professoras: os causos, as historias bíblicas,

as fábulas, os contos folclóricos e assim por diante.

Os “causos” dos genitores e progenitores embalavam a infância dessas

educadoras que além de gostarem das narrativas, apreciavam os momentos que

permaneciam ao lado da família. Apesar de alguns pais alegarem falta de tempo,

sempre um parente próximo se dispunha a assumir o papel de contador de

historias, um avô que preparava cenários como o da Professora Paula, um tio

como o da Professora Dione que reunia a criançada para contar historias de dar

medo e até uma tia Maria como da Professora Terezinha que fazia mingau de

fubá doce para que a historia ficasse ainda melhor.

Professoras como Maria Lúcia, que morava no interior e à noite tinha o

hábito de sentar-se ao redor da fogueira para brincar e ouvir historias, Noelina

que brincava na rua de casinha e de boneca, Simone que relatou que não

gostava de brincar de boneca, gostava de empinar pipa, jogar bola, andar de

bicicleta, brincar de correr na rua, era moleca mesmo e Sueli que registrou que

vivia a maioria do tempo com os avós e que apesar de ser dentro de São Paulo,

era em um terreno enorme, como se fosse um sítio. Quer dizer, tudo que

acontecia lá era muito parecido com o que acontecia à boneca Emília do Sítio do

Pica Pau Amarelo. Com estes exemplos é possível compreender que estas

professoras são do tempo que ainda podia se brincar na rua e não ser controlado

Page 156: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

156

pela mídia televisiva ou pela internet, que o faz de conta, a criatividade e a

inocência eram fatores predominantes no universo infantil.

A tevê Cultura, presente em muitos relatos, divulgou as narrativas infantis

e o folclore brasileiro, valorizando nossa cultura, nosso país. O escritor Monteiro

Lobato foi reverenciado pelas educadoras, que, muitas vezes, sentiram-se

personagens do famoso Sítio do Pica Pau Amarelo.

Conheci pensadores como Adorno e Hokerheim (1985), que me fizeram

refletir sobre a indústria cultural. Sou realmente fruto desta indústria e neste

momento concordo com Benjamin (1984/1985) quanto à liberdade e a

massificação da arte. Não conheço a intencionalidade dos estúdios Disney e

Mauricio de Sousa, contudo os efeitos desta indústria cultural é a banalização dos

contos clássicos por meio de adaptações que as relacionam à produtos. Não

posso deixar de mencionar que estas duas empresas movimentam a indústria e o

comércio com produtos facilmente encontrados e irresistíveis.

Não estou de modo algum desprezando os clássicos, que foram tão

presentes nas historias contadas por meu pai, porém a mídia atinge de modo

direto a criança e o adulto. O professor pode aproveitar para trabalhar de forma

pedagógica alguns conceitos e fazer algumas reflexões com as crianças e com os

próprios docentes de seu local de trabalho, não necessariamente em uma escola.

Contudo, geralmente, as adaptações são escolhidas pelo acesso ser mais fácil e

sem um critério pedagógico discutido e decidido coletivamente.

Além da historia da “Princesa e o Sapo”, que foi citada e interpretada por

diversas educadoras, comentaria sobre a relevância de Toy Story que tenta

ensinar a cuidar dos brinquedos, a importância dos mesmos para as crianças e

tenta salientar a relação de amizade, respeito e confiança que deve haver entre o

grupo de pessoas, no caso de brinquedos.

Shrek mostra que a aparência não exprime o caráter da pessoa, mistura os

contos de fadas para nos mostrar que também no reino da fantasia a

cumplicidade é fundamental. Que o bem está sempre com o bem e o mal se alia

ao mal. Que pessoas diferentes podem encontrar-se em lugares inusitados e

terem uma vida “feliz para sempre”, sendo que este significa enquanto durar o

relação de respeito e afeto.

Page 157: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

157

Pocahontas que mostra a diferença cultural entre os povos. Os indígenas

que tinham como ouro a natureza e os ingleses que para alcançar o ouro teriam

que devastar a floresta.

Conheci autores como Josso (2004), Furlanetto (2007) e Souza (2004) que

comprovaram o valor das narrativas de historias de vida para os estudos

acadêmicos, científicos e para nós enquanto seres humanos que convivemos em

uma sociedade multifacetada.

Recordaria os “causos” contados na infância de algumas professoras: o de

Lampião, o da Mãozinha, o do Lobisomem que demonstraram tanta riqueza de

detalhes em relação à nossa cultura e ao nosso povo. Trazendo em loco o

escritor Câmara Cascudo (1984) como folclorista inesquecível que influenciou e

continua influenciando gerações.

Durante a formação destas professoras percebemos que elas ingressaram

na carreira docente vindas de diferentes áreas e por diferentes motivos: para

cuidar do filho, para ser efetiva no trabalho, para ter segurança, etc. é notório

também que as historias estavam esquecidas em sua mente ou que ainda não

tinham percebido a importância das mesmas para a criança. Segundo relatos, as

educadoras, no início, utilizavam as historias para acalmar as crianças, não

contavam os clássicos e sim historias modificadas pela indústria cultural, com

objetivos pedagógicos ou comerciais.

Com o passar do tempo, perceberam que o conto, a narrativa é um

aproximar, é conhecer as historias de vida ocultas. O universo infantil deve ser

povoado de historias para ajudar a trabalhar a realidade, não que as historias

mascarem a vida, mas amenizam as angústias, as frustrações, as perdas.

As crianças podem ouvir historias em casa, com a família ou na escola,

coma as professoras, identificando-se com as personagens dos livros infantis, ou

seja, adaptações dos clássicos, contadas ou lidas e, muitas vezes,

transformando-as em experiências de vida. O final da historia pode ou não ser

feliz, no entanto, toda historia deixa marcas, ensinamentos, refletem o modo de

vida da pessoa e da sociedade em um contexto histórico.

As perdas familiares, fazendo com que crianças cresçam rapidamente e

tenham outra visão do mundo, outra leitura da vida. Os desafios enfrentados na

Page 158: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

158

escola, local que a convivência deveria ser tranquila e que o aprendizado se daria

em todos os ambientes e por todas as pessoas envolvidas neste processo de

aprender e ensinar.

A pesquisa também foi interessante conhecer suas nuances, a visão de

autores como Gatti (2005), Goldenberg (2002) e Severino (2007) e a importância

da mesma na vida cotidiana e na vida acadêmica. A seleção de autores é muito

difícil, pois não conhecemos, enquanto pesquisadores iniciantes, muitos deles,

quando começamos a ler percebemos que o conteúdo é muito mais amplo do que

aparentava. Há textos excelentes e que não devem ser esquecidos, há autores

consagrados e há aqueles que serão um dia por apresentarem ideias coerentes.

Pretendo continuar meus estudos acadêmicos em relação à presença dos

contos de fadas na Educação Infantil, pois percebi que tenho muito a aprender e a

explorar sobre este tema. Tenho interesse em saber como as narrativas são

vistas pelas crianças em outros países e que narrativas são estas. Não foi

possível estudá-las nesta pesquisa sobretudo porque o tempo em que dispomos

para realizar o mestrado é curto e o tema é muito amplo.

Concordo com as ideias de Bettelheim (2009), uma vez que considero as

narrativas extremamente relevantes em cada fase de nossa vida. A fantasia

versus a realidade, a simbologia da madrasta má, a necessidade de magia na

criança e a aquisição de autonomia, escape e consolo.

Para finalizar este trabalho gostaria de deixar registrado que aprendi que

pela experiência de cada pessoa, pela historia de vida que ela traz podemos

entender algumas atitudes e comportamentos; que a família e a infância ajudam a

definir valores que serão utilizados durante toda a vida; que, muitas vezes, ser

professor, é ter uma profissão mais rápida, fácil e com campo maior de trabalho.

Por isso, como já foi relatado anteriormente nos encontros de formação, a

docência pode ser um desejo que as crianças alimentam desde a infância ou

pode ser a decisão de uma historia de vida adulta resultado da própria

sobrevivência. Porém, muitos professores esquecem que foram crianças, que se

encantaram com os educadores que transcenderam os limites da sala de aula.

Por isso, a formação docente, a capacitação do professor tem de ser constante

Page 159: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

159

para que ele se torne um pesquisador, não somente enquanto está na graduação,

mas durante sua trajetória de vida.

Page 160: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

160

Referências Bibliográficas

ADORNO, T e HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. ALLIAUD, A., ANTELO, E. Los Gajes del Oficio: Enseñanza, pedagogia y formación. 1. ed. – Buenos Aires, Argentina: Aique Grupo Editor, 2009. ALMEIDA, F.L. Contos de Perrault. São Paulo: Editora Ática, 2006. ALMEIDA, J.G. Práticas Institucionais e Formação de Educadores: o Universo da Escola como Ambiente de Aprendizagem Coletiva. Notandum, 17 jul-dez, 2008 ESDC/ CEMOrOC –Feusp/ IJI – Universidade do Porto _____________. O bom da escola era o caminho. In BENZATTI, A.L. NHOQUE, J.R. e ALMEIDA, J.G. (Orgs.) Historias de vida: quando falam os professores. São Paulo: Scortecci, 2008. BAUER, M.; GASKELL, G. Pesquisa com texto, imagem e som. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2003. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1984/1985. ______________. A obra de arte. In: Textos escolhidos/ trad. De José Lin Grünnewald, et al. 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Pensadores). COHN, Gabriel (org.). Comunicação e indústria cultural. 4.ed., São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978. BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Tradução: Arlene Caetano. São Paulo: Paz e Terra, 2009. 23ª ed. revista. BRANDÃO, S.R. Trabalho Biográfico e a Constituição da Identidade Docente no Contexto Contemporâneo. Notandum. 12, 2009. BRITO,P. Revista Pedagógica – Creche. Editora On line, 2011. CANÁRIO, R. Prefácio In Porque escrever é fazer historia. Campinas, SP: Graf. FE. 2005. CANDAU, Vera Maria. Pluralismo cultural, cotidiano escolar e formação de professores. In Candau, Vera Maria (org.). Magistério: Construção Cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1997. CASCUDO, L.C. História do Rio Grande do Norte. Serviço de Documentação do MEC. 2.ed. Rio de Janeiro: ACHIAMÉ, 1955; Natal: Fundação José Augusto, 1984.

Page 161: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

161

___________. História da República no Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Ed. do Val, 1965.

______________. Folclore do Brasil (pesquisas e notas). Rio de Janeiro, São Paulo, Fundo de Cultura, 1967.

CIPRIANI, R. Biografia e cultura: da religião à política. In: SINSON, O.M.V. (org.) Experimentos com historia de vida (Itália – Brasil). São Paulo: Vértice, 1988. COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infanto juvenil. São Paulo: Quíron, 1985. __________. O Conto de fadas. 2.ed. São Paulo: Editora Ática, 1991 – 2001- 2009. Série Princípios. COSTA, A.C.S; PALHETA, A.N.A.A., MENDES, A.M.P. e LOUREIRO, A. S. Indústria Cultural: Revisando Adorno e Horkheimer. Movendo Ideias – Artigos, v. 8, n. 13, p. 13-22. Pará: Belém, 2003. DOMINICÉ, P. A formação de adultos confrontada pelo imperativo biográfico. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.32, n.2, Maio/Agosto, 2006. ___________. L’histoire de vie comme processos de formation. Paris: Éditions L’Harmattan, 1990. ECO, U. Obra Aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2005. Estatuto da Criança e do Adolescente, 1988. FARIA, A. L. G. de. Educação pré-escolar e cultura: para uma pedagogia da educação infantil. São Paulo: Cortez, 1999. FERRY, G. Pedagogia de la formacion. Buenos Aires: Centro de Publicaciones Educativas y Material Didáctico, 2004. FORTUNATO, I. Caminhos de Fortuna. 1ª. ed. São Paulo: Edição do Autor, 2008. FRANZ, M.L., A Interpretação dos Contos de Fada. 7.ed. São Paulo: Editora Paulus, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2008. Coleção Leitura. ______________.Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

Page 162: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

162

______________. A importância do ato de ler. 23.ed. São Paulo: Cortez, 1989. Coleção polêmica do nosso tempo. ______________.Pedagogia da esperança: um encontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. FURLANETTO, E.C. Matrizes Pedagógicas e formação de professores: um olhar sobre as histórias. In BENZATTI, A.L. NHOQUE, J.R. e ALMEIDA, J.G. (Orgs.) Historias de vida: quando falam os professores. São Paulo: Scortecci, 2008. ______________ . Como nasce um professor? 4ª ed. São Paulo: Paulus, 2007. Questões Fundamentais da Educação. GAGLIARDI, Eliana; AMARAL, Heloisa. Trabalhando com os gêneros do discurso: narrar conto de fadas. São Paulo: FTD, 2001. GAULEJAC, V. La socioclinique: roman familial et trajectoire soaiale”. In Les histoires de vie. Paris: L’Harmattan, 1989. GATTI, Bernardete Angelina. Grupo focal na pesquisa em Ciências Sociais e Humanas. Brasília: Líber Livro Editora, 2005. Série Pesquisa em Educação. _______. A construção da Pesquisa em Educação no Brasil. Brasília: Líber Livro Editora, 2007. Série Pesquisa. GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar: como fazer uma pesquisa qualitativa em ciências sociais. 6.ed. São Paulo: Record, 2002. GÓMEZ, A.P. O pensamento prático do professor. A formação do professor como profissional reflexivo. In: Nóvoa, A. (org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995. GONÇALVES, A.C.C. Madrastas do conto de fadas para a vida real. São Paulo: Iglu Editora, 1998. GOODE, William J.; HATT, Paulo K. Métodos em pesquisa social. São Paulo: Nacional, 1969. Capítulo 13. GUILHERME, P; FERREIRA, G. Boletim Informativo - ADI Magistério. Ano 2, n.9. São Paulo, 2004. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva, Guaraeira Lopes Louro, 11ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. HUMEREZ, D.C. Historia de vida: instrumento para captação de dados na pesquisa qualitativa. Acta Paul. Enf. São Paulo, v.1, n.2, 1998.

Page 163: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

163

JOSSO, M.C. Os relatos de historias de vida como desvelamento dos desafios existenciais de formação e do conhecimento: destinos sócio culturais e projetos de vida programados na invenção de si. In SOUZA. E.C. e ABRAHÃO, M.H. (org.). Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si. Porto Alegre: EDIPUCRS, Salvador: EDUNEB, 2006. _________. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004. _________. A transformação de si a partir da narração de histórias de vida. Educação. Porto Alegre, ano XXX, n.3, (63), p. 413-438, set/dez, 2007. ___________. As histórias de vida como territórios simbólicos nos quais se exploram e se descobrem formas e sentidos múltiplos de uma existencialidade evolutiva singular-plural. In: PASSEGGI, M. da Conceição (org.). Tendências da pesquisa (auto)biográfica. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008, p. 23-50. JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente. Tradução Maria Luíza Appy e Dora M.R.F. da Silva. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002. JUNIOR, H.A.S. Walter Benjamin e a Dimensão Política da Indústria Cultural. Trabalho apresentado no III ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Bahia: Salvador, 2007. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. A Pré-Escola em São Paulo (1877-1940). São Paulo: Edições Loyola, 1988. ____________. Educação Infantil Integrando Pré-escola e Creches na busca de socialização da criança. In: Vidal, Diana G. HILSDORF, Maria L. Spedo. Brasil 500 Anos: tópicos em História da Educação. São Paulo: Ed. da USP, 2001. KITZINGER, Jenny. The methodology of focus groups: the importance of interaction between research participants. Sociology of Healt and Illness, v.16, n. 1, 1994. KRAMER, Sonia. A política do pré-escolar no Brasil: arte do disfarce. Rio de Janeiro: Achimé, 1982. _________. Privação cultural educação compensatória: análise crítica. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: nº 42, pp.54-62. Ago., 1982. KRUEGER, R. A.; CASEY, M. A. Focus group: a practical guide for applies research. 3. ed. London: sage Publications, 2000. KUHLMANN Jr., M. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998.

Page 164: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

164

LOBATO, J.B. América: Os Estados Unidos 1929. Editora Brasiliense Ltda, 1948, p.111. LOPES, M.R.C. Infância e Educação Infantil. 2.ed. Campinas, SP: Papirus, 2002. Coleção Prática Pedagógica. MACIOTI, M.I. Vida cotidiana. In: SINSON, O.M.V. (org.) Experimentos com historia de vida (Itália – Brasil). São Paulo: Vértice, 1988. MAFFESOLI, M. A conquista do presente. Tradução de Alípio de Souza Filho. Natal (RN): Argos, 2001. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia Cientifica. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2009. MEIRELES,C. Problemas da Literatura Infantil. São Paulo: Summus, 2003. MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). 21.ed. Pesquisa social: teoria, métodos e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1993. MOITA, M.C. Percursos de Formação e de Trans-Formação. In: NÓVOA, António (Org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2000. Coleção Ciência da Educação. MORIN, Edgard. O Cinema ou o homem imaginário.1.ed. São Paulo: Ed. Relógio D´água, 1997. ______________. Mes démons. Paris: Stock, 1994. p.176-189: Uma experiência intelectual. NÓVOA, António (Org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2000. Coleção Ciência da Educação. NUNES, Maria Fernanda Rezende e PEREIRA, Rita Maria Ribes. “Buscando o mito nas malhas da razão: Uma conversa sobre educação e teoria crítica”. In: KRAMER, Sonia e JOBIM E SOUZA, Solange. Historia de professores: Leitura, escrita e pesquisa em educação. São Paulo: Ática, 1996. OLIVEIRA, Z. M. R.; FERREIRA, M. C. R. Propostas para o atendimento em creches no município de São Paulo: histórico de uma realidade – 1986. In: ROSEMBERG, F. (Org.) Creche. São Paulo: Cortez, 1989. p. 28-89. _______________ Creches: Crianças faz de conta & Cia. 10ªEdição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. PASSEGGI, M.C. (org.). Tendências da pesquisa (auto) biográfica. In: Josso, M.C. As Historias de Vida como Territórios Simbólicos nos quais se

Page 165: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

165

exploram e se descobrem formas e sentidos múltiplos de uma Existencialidade Evolutiva Singular – Plural. São Paulo: Paulus, 2008. Coleção Pesquisa (Auto) Biográfica & Educação. PEREIRA, M.V. Traços de fundamentalismo pedagógico na formação de professores. Cadernos de Pesquisa em Educação. PPGE-UFES. Vitória, V.14, n.27, p.179-203, janeiro/junho, 2008. PERES, Lúcia Maria Vaz; MANCINI, Flávia Griep; OLIVEIRA, Valeska Maria Fortes de. Experiências de vida e formação, de Marie-Christine Josso. Resenha. Revista @ambienteeducação. São Paulo, v.2, n.2, p. 152-156, ago./dez. 2009. POWELL, R.A; SINGLE, H.M. Focus groups. Internacional Journal of Quality in Healt Care. v. 8, n. 5, p.449, 1996. PROPP, Wladimir. As raízes históricas do conto maravilhoso. São Paulo: Martins Fontes, 1997. RICHARDSON, Roberto Jarry et al. 3.ed. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999. Capítulos 5 e 6. RIZZO, Gilda. Creche: Organização, Currículo, Montagem e Funcionamento. 2ªEdição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. ROSA, J. G. Grande Sertão Veredas. 1ª ed. São Paulo: Nova Fronteira, 2006. ROSEMBERG, Fúlvia. O movimento de mulheres e a abertura política no Brasil. O Caso da Creche. Cadernos de pesquisa. São Paulo (51), nov. 1984 ______________. Raça e educação inicial. Cadernos de pesquisa. São Paulo (77), maio 1991. SABINO, C. A. El processo de investigación. Buenos Aires: Lúmen – Humanitas, 1996. SCHILLER, F. The Piccolomini. EBook#6786, 2006. SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23.ed. São Paulo: Cortez, 2007. SILVA, J.M. A Autonomia da Escola Pública: A re-humanização da escola. 8ª ed. Campinas, S.P.: Papirus, 2005. Coleção Práxis. ________________. Ser professor, eu? Continuar sendo professor, eu? A resposta é... In: BENZATTI, A.L. NHOQUE, J.R. e ALMEIDA, J.G. (Orgs.) Historias de vida: quando falam os professores. São Paulo: Scortecci, 2008.

Page 166: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

166

SOUZA, Elizeu Clementino de. O conhecimento de si: narrativas do itinerário escolar e formação de professores. 344 f. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004. _________________. O conhecimento de si: estágio e narrativas de formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A; Salvador: UNEB, 2006. _________________. Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si. 1.ed. EDIPUCRS e EDUNEB, 2006.

SUASSUNA,A. Auto da compadecida. 35ª ed. São Paulo: Editora Agir, 2005.

Ediouro Publicações.

TARDIF, M. LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Tradução de João Batista Kreuch. 5. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. TORRES, Rosa Maria. Melhorar a Qualidade da Educação Básica? As estratégias do Banco Mundial. In: TOMMASI, Livia de. Warde, Miriam Jorge & HADDAD, Sérgio. (Org). O banco Mundial e as Políticas Educacionais. São Paulo: Cortez, 1998. TRIVINÕS, Augusto N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

Page 167: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

167

ANEXOS

Diferentes historias, muitas descobertas...

Este trabalho de pesquisa utilizou como instrumento de coleta de dados o

grupo focal e foi realizado no Centro de Educação Infantil Capitão PM Mário

Caldana, uma vez por semana, em cinco encontros com duração de sessenta

minutos cada um. Teve como tema Os Contos de Fadas e contou com a

participação das seguintes Professoras de Educação Infantil:

1-Ana Maria de Vicente

2-Cecília Tinte

3-Dione Aguillar Crespi

4-Dulcinéia Melhado Bessas

5-Edina Alvina de Souza

6-Eliana dos Reis Nogueira da Costa

7-Márcia de Fátima Batista Gomes Vieira

8-Márcia Polessi

9-Maria Aparecida Braga de Campos

10-Maria da Penha Santos Teixeira

11-Maria Edlene da Silva Rodrigues Nascimento

12-Maria Lúcia Olinda de Araújo

13-Noelina Messias Gabriel

14-Norma Miquelina Munhoz Mamprim

15-Paula de Moura Cerqueira

16-Silvia Miranda Netto de Moraes

17-Simone Machado de Paula

18-Sueli Corrêa de Paula

19-Tereza Pereira de Carvalho

20-Terezinha Augusto de Almeida Cardoso

21-Walkíria Ribeiro de Souza da Silva Rodrigues

Page 168: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

168

A transcrição fiel dos cinco encontros foi escrita na íntegra e os relatos

compõem um CD anexo neste trabalho. Os depoimentos foram espontâneos e

autorizados por todas as professoras participantes. Não houve corte ou

montagem de relatos.

1º Encontro

Professora Silvia - A lembrança mais antiga que eu tenho de contato

com contos de fada, era a historinha que minha mãe contava pra mim. Minha mãe

morreu e eu tinha quatro anos. Então, eu era bem pequenininha e uma historia

que me marcou muito foi “João e Maria” pela historia dos doces e tudo o mais.

Era, acho, a historia que minha mãe mais contava. Depois, quando eu já estava

um pouco maiorzinha, lembro que o primeiro livrinho que eu ganhei foi “A Dama e

o Vagabundo”. Um livro que não tinha praticamente ilustração nenhuma, só a

capa com um pequeno desenho da Dama e o Vagabundo. Assim, a cada

mudança de capítulo, eu queria muito aprender a ler pra poder ler aquele livrinho

que foi o meu primeiro livrinho. Demorei pra ler porque eram muitas letras, foi um

livro que guardei com muito carinho. Depois, quando eu já estava adulta sempre

continuei adorando contos de fadas, sempre comprei os desenhos da Disney e

livrinhos de contos, mesmo antes de fazer Pedagogia e tudo. Depois, quando eu

já estava na faculdade, fui estudar que tinha o livro dos contos de fadas. Eu li um

capítulo que me marcou muito, que foi o que falava exatamente das mensagens

que as pessoas contam tradicionalmente. Os contos que tem a mensagem que as

pessoas querem passar.

E me marcou muito porque eu lembrava de João e Maria, que minha mãe

contava pra mim e daquele livro que é daquele Bruno Bettelheim que falava da

historia de João e Maria, que na verdade é uma despedida, né. Que era a mãe e

o pai que deixavam a criança na floresta. Eu acho que isto teve meio a ver porque

a minha mãe teve uma doença terminal e ela já sabia que ia morrer. Foi uma

historia que me marcou muito, porque ela sempre contava esta historia pra mim.

Então, esta foi uma historia marcante pra mim de conto de fadas. Nunca mais

pude esquecer (não posso chorar). Eu até parei.

Page 169: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

169

Professora Paula - Bom, eu sempre gostei de ler e escrever, desde

pequenininha. Eu me alfabetizei sozinha, com quatro anos e meio. Pois, eu já lia e

escrevia tudo, eu tenho uma tia que é pedagoga, que ela não acreditava. Então,

ela ficava forçando eu tentar ler as coisas e eu lia praticamente tudo. Não foi com

contos de fadas, foi com gibis da Turma da Mônica, mas como eu sempre gostei

de ler tudo, eu buscava a leitura, eu buscava as letrinhas, buscava escrever e

copiar.

Os contos de fadas, os primeiros que eu me lembro, não foram através de

leitura, mas através de vídeo. Eu gostava de assistir a “Cinderela”, era o meu

conto de fadas preferido, assistia todos, mas Cinderela era o que mais gostava. E

aí assim, eu por conta, buscava livro em biblioteca emprestado pra ler. Na minha

infância, na verdade adolescência, o que mais me marcou foi o vídeo da

“Cinderela”. Mas a historia de “João e o Pé de Feijão” marcou muito minha vida

profissional. Eu fui trabalhar essa historia com o primeiro estágio aqui do CEI,

voltada, pensando no feijão, na horta e o que chamou a atenção das crianças foi

o gigante. Eu acabei fazendo um trabalho com as crianças.

Busquei vários portadores da mesma historia: livros diversos, DVDs,

historias só falada e a gente acabou construindo o gigante, o pente do gigante. A

gente trabalhou o tridimensional com eles e eles sempre trabalhando junto e uma

coisa que eu achei que iria ser simples, que era o trabalho da horta partindo de

“João e o Pé de Feijão” se tornou uma coisa muito mais grandiosa. Foi fazer o

gigante, foi esmiuçar cada vez mais a historia. Ver que existiam versões

diferentes para a mesma historia, tinha historia que o gigante era bem malvado e

tinha historia que o gigante não era tão malvado.

Então, pra mim, foi muito marcante a historia do “João e o Pé de Feijão”.

Infelizmente os registros que eu tinha dessa experiência ficaram na escola e

acabaram sendo perdidos aqui na escola. Mas assim, foi uma experiência que

marcou muito e que foi muito gratificante. Foi muito legal porque foi um conto de

fadas que eu tenho certeza que marcou não só a minha vida, mas marcou a vida

dos meus alunos. Tudo pela leitura.

Professora Dulcinéia - Então, eu não tive os contos na infância. Meu

relato é completamente diferente da Silvia e da Paula porque a minha família é

Page 170: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

170

sem crianças. Eu fui à última. Então, o que acontece, somente tive a convivência

com adultos e os adultos somente em correria. Lembrança de uma leitura ou

outra eu tenho. Mas não tenho de uma específica, leitura eu vim a ter na escola,

mas eram leituras mais impostas, mas nem por isso eu deixo, hoje, como

professora de contar os contos. De levar os contos pras crianças e assim eu não

tenho essa dificuldade, nem um bloqueio. Por conta de não ter tido uma infância

de contar os contos. Mas os contos você sabe que encanta as crianças, que

aquele faz de conta todo, faz muito bem para os pequenos.

Professora Maria Lúcia - Bom, a historia que eu me lembro e que

marcou a minha vida. Eu morava no interior e a gente ia à noite, acendia a

fogueira, reunia os vizinhos e eu me lembro de que o meu pai contava historias.

Não sei se era da cabeça dele, eu adorava ouvir meu pai contando e eu comecei

a conhecer mais aqui.

Quando eu comecei a estudar, eu trabalhei no CEI e comecei a gostar

dos contos de fadas, Branca de Neve e outros.

Professora Maria Edlene - Eu também, a minha historia é quase

parecida com a da Néia, porque meu pai e minha mãe trabalhavam muito. Então,

eles não tinham esse tempo. Até vontade tinham, mas não tinham tempo de

sentar, contar historia pra gente e a gente, eu e meus irmãos buscávamos

sozinhos. Então, o mais velho lia gibis. Quando a minha mãe não estava cansada,

ela ainda conseguia contar historias, mas não de contos. Ela contava historia do

passado. Do que tinha acontecido. Eles lá tem, meu pai conta historia muito forte,

que ele chegou a ver Lampião quando ele era criança. Então, ele contava toda

essa historia pra gente, mas isso não me travou em nada. Inclusive eu amo, é

uma área que eu gosto. Eu conto muito pras minhas crianças, pros meus alunos,

pra minha filha e jamais também travou ou causou algum problema de não gostar

ou de não me interessar, muito pelo contrário. Eu gosto e até compreendi porque

eles não contavam. Não dava tempo, a correria, eles trabalhavam muito, mas de

alguma forma eles conseguiam estar também contando historias pra gente e hoje

eu faço esse trabalho junto com os meus alunos porque eu gosto. E é um trabalho

que a gente acaba levando cada um pra outro mundo. Enquanto a gente está

Page 171: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

171

contando historia, não só as crianças estão viajando, o professor também viaja

muito. E essa é minha experiência.

Professora Márcia de Fátima - Eu, bom, é também na minha infância,

como eu sou a filha caçula de muitos irmãos, eu tive contato com a leitura através

deles. Mas, como contos de fadas, a bruxa, Chapeuzinho Vermelho, eu não tive

acesso. Eu tive mais acesso igual à Edlene falou. É relatos de vidas passadas,

experiência do meu pai e da minha mãe. Tanto que eles também não tiveram

acesso ao estudo, só até a 4ª série e a 3ª série, mas eles contavam a experiência

de vida deles, que ajuda muito. Eles tem a leitura na ponta da língua. Lê muito

bem, meu pai e minha mãe e foi com essa leitura de vida que eu fui crescendo e

eu fui gostar realmente de contos de fadas depois que o meu filho nasceu.

Nem no magistério eu gostava muito. Depois que meu filho nasceu eu

tive contato mais com contos de fadas através do Matheus. A partir disso sempre

contei, sempre comprei livro de contos de fadas, de folclore, não só de contos de

fadas, mas gibi igual à Paula falou e acesso a leitura a gente sempre tem.

Professora Márcia Polessi - A minha historia acho que é diferente de

todos. Não sei, eu fui alfabetizada, comecei a ler com o gibi do Cebolinha. Olha

que coisa! Trocava as letrinhas e quando eu comecei a ler, eu fiquei muito assim.

Isso me marcou, porque o meu pai comprava gibi, porque ele adorava ler também

gibi do “Homem Aranha”, do “Fantasma” (naquele tempo). E olha já faz um

tempinho e ele vinha com gibis pra mim e pro meu irmão. Do Cebolinha pra mim e

pro meu irmão acho que era do Cascão que vendia separadamente. E eu dizia: -

Olha mamãe! Eu sei ler. Olha pegou o coelhinho do Sansão.

A minha mãe, nossa, me abraçou e me beijou muito. Isso me marcou

porque minha mãe trabalhava demais, meu pai também. A gente tinha pouco

contato e eu me lembro que isso foi marcante. Que um gibi, gente. Que a gente

não dá valor, que começou a alfabetizar a gente. E agora, como professora de

Educação Infantil, eu não perco a oportunidade de disponibilizar a revista, os

livrinhos porque isto é uma coisa muito gostosa de trabalhar, é uma coisa que

marca a gente.

Professora Cecília - Bom, é difícil falar sobre a leitura porque quando eu

era mais nova pra ser alfabetizada, eu tive muita dificuldade pra aprender a ler e a

Page 172: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

172

escrever. Tanto que eu até repeti a 1ª série por problema (choro). É que é difícil

porque mexe com o emocional, meus pais também estudaram até a 4ª série. Não

tinha muito estímulo em casa, mas depois que eu fui, retornar a cursar a 1ª série

novamente, tanto que tive que até, a irmã me encaminhou pra eu ir para o

psicólogo.

A psicóloga me incentivava através de jogos, brincadeiras, mas ela

contava historias também. Depois, quando eu me adaptei, cursei de novo a 1ª

série, tive uma professora excelente, que deu aula na 1ª e 2ª séries. Foi à mesma

professora, me apeguei tanto com ela e ela me incentivava muito. Ela me levava,

não sei se tem hoje, sala de leitura no Ensino Fundamental. Tinha esses projetos

de leitura, tinha uma professora excelente que se envolvia com esses projetos.

Trabalhava até com slides, vídeos, sempre ela tinha uma historia, uma novidade,

uma historia diferente. Poema, vários tipos de textos, que ela elaborava na aula.

Era uma professora muito criativa e a gente sempre levava os livrinhos pra casa.

E eu tinha muito interesse pelos clássicos. Tanto que quando eu iniciei com

Educação Infantil, que é a turma que eu mais gosto, mais me identifico até hoje,

trabalhei com o Fundamental. Eu gosto da minha profissão, mas pra trabalhar

com Educação Infantil, eu trabalhei muito, trabalhei com maternal. Com a idade

que eu estou trabalhando agora. Eu iniciei minha carreira trabalhando com

crianças de três anos e eu adorava. Assim, contar os clássicos, através de

fantoches, através de historinhas. E eles gostavam muito, eles tinham muito

interesse pela leitura e eu peço desculpa por ter me emocionado, porque mexeu

muito com meu emocional, porque é uma situação que foi difícil pra mim. Mas a

partir do momento que eu comecei a ler mesmo, a ser alfabetizada, eu me

dediquei bastante nos estudos e eu não parei mais. Continuo até hoje, tenho

muito interesse em estudar, porque tudo é um aprendizado. E a gente dando

aula, a gente aprende muito com a experiência, com a troca com os outros

profissionais, que a gente está interagindo.

Professora Eliana - Eu não lembro quando eu era criança de algum

professor contar historia pra mim. Eu me lembro mais de ter assistido contos de

fadas através da televisão. Minha mãe não tinha hábito nenhum de contar

Page 173: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

173

historias, nenhum, nenhum. Minha avó fazia as orações dela, ela era evangélica,

historinhas mesmo... nada.

Professora Paula - Eu além de ouvir historias, eu sempre participei

porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia. Então,

historias da Bíblia eu ouvi muito, minha vida inteira. Tanto que desde

pequenininha, você já tem contato com revista, literatura, tem historinha que a

mãe tem que contar um pedaço por dia pra ele. Eu acho que a igreja...

Meu avô, meu avô também tem só até a 4ª série, mas ele lia muita

historinha pra gente. Máquina de slide, Cdzinho, disquinho e ele punha muito pra

gente. A gente ficava lá no quarto dele assistindo. Ele apagava tudo, fechava

tudo. Eu acho que isso também influenciou eu gostar de ler, de escrever, de

contar historias de contos de fadas. As historias da Bíblia são reais, mas não

deixam de ter um fundo de fantasia, pra gente que não viveu. Você tem que

imaginar como era.

Professora Eliana - Esse hábito de contar historia eu tenho desde mais

nova, quando eu casei. Assim que meu filho nasceu, eu sempre contei historia.

Inclusive eu comprei livros, tudo direitinho e eu contava historias pra ele.

Professora Márcia de Fátima – Você se interessou quando seu filho

nasceu?

Professora Eliana – É, quando meu filho nasceu.

Professora Márcia de Fátima – E na sua profissão? Você conta?

Professora Eliana – Conto bastante. Na minha profissão eu conto

bastante.

Professora Silvia - Tem uma coisa que eu me recordei. Meu pai contava

muita historia pra mim depois que a minha mãe morreu. E os contos clássicos, eu

lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas

madrastas na falta de uma, eu tive duas madrastas. E aí Cinderela, Branca de

Neve, nossa! Eu achava o máximo, primeiro que tinha a questão das madrastas e

segundo porque tinha a possibilidade do príncipe aparecer um dia.

Professora Cecília – Imaginando que ia casar com o príncipe.

Professora Márcia de Fátima – Mas quando vocês contam a historia,

vocês inventam ou só através de livros?

Page 174: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

174

Professora Eliana – Os dois. Cantando, inventando, contando historias

através de livros, lendo, inventar também...

Professora Paula - Porque você acaba tendo que trabalhar a historia,

pela historia. O conto de fadas, pelo conto de fadas. A criança te dá o prazer de

trabalhar a historia para desenvolver qualquer outra coisa que tenha na historia.

Tem aquela historia que a criança pede pra você contar, tem vários tipos

de momentos de historias. Tem hora, hora que você tem que inventar de acordo

com o que você vai estar trabalhando.

Professora Eliana - Eu gosto de contar historias que tenham bruxas,

fadas, mas assim, eu me lembro de quando eu era criança, de uma prima, hoje eu

vejo. Naquela época eu não tinha noção, hoje eu vejo que ela era a bruxa da

minha vida. Ela fazia coisas que me arrepiavam. Forçar e comer coisas que eu

não queria, às vezes, você estava com vontade de brincar e ela não deixava.

Uma vez eu fui comer um cacho de uva lá no quintal e ela falava não pode porque

você vai almoçar agora. Quando criança eu não tinha nem noção, aí depois que

cresce...

Professora Silvia – Agora, na contação de historia, eu vou apresentar

uma personagem, que eu sou apaixonada pelos vilões. A bruxa exerce um

encantamento em mim, coisa assim, nossa, muito forte. Eu lembro até que

quando eu estava na pré escola, na escola que eu estudava tinha um morro. E

todo mundo falava que era o morro da bruxa. E no meu imaginário, vivia na minha

cabeça, será que a bruxa morava ali. Eu também tinha no meu quarto os anões,

todos os anões com a Branca de Neve e a bruxa como madrasta e a bruxa

transformada como aquela velhinha. Eu adoro representá-la na contação de

historias para as crianças e ser a bruxa pra mim é o máximo, porque eu sinto que

aquele prazer do meu imaginário, você também sente ao me ver como bruxa?

Nossa! Eu adoro, eles também.

Professora Maria Edlene - Agora a Paula falando da experiência dela na

igreja, eu lembrei que quando eu tinha uns oito anos de idade, minha mãe

começou a ir na igreja. Também sou evangélica, assim sinto de berço a partir dos

oito anos que tinha uma professora, que agora eu lembrei o nome dela. Ela se

chamava Cileide e depois ela até veio a ser amiga e madrinha do meu

Page 175: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

175

casamento. Ela contava muita historia da Bíblia pra gente e uma que eu achava

interessante e que ela até fazia, dramatizava e tudo, era a historia de Davi. Eu

achava linda a historia de Davi e depois em outra unidade que eu trabalhei, como

era uma unidade que dava mais espaço pra gente, eu também contava as

mesmas historias que ela falava pra gente. A historia de Davi, a historia de

Sansão e Golias e eu acabei contando pras minhas crianças. O engraçado é que

eles contavam em casa, contavam direitinho e depois a mãe vinha me perguntar.

Eu achei engraçado, achei interessante e a mãe queria saber da historia.

Professora Edina - Pra ser sincera, eu nasci dentro da igreja. Eu era

daquela que quando sai da barriga da minha mãe, já saiu bem. A minha mãe se

batizou na igreja evangélica, ela estava grávida de mim. Então, praticamente eu

me batizei junto com a minha mãe.

A minha infância, eu não me recordo muita coisa. Da minha infância,

principalmente da época de escola, porque a gente vivia muito de viagem. Meu

pai chegava pra São Paulo, passava um tempo e depois voltava pra terra dele.

Ele não conseguia fixar num lugar, era que nem cigano. Então, praticamente na

minha infância eu passei aqui na Zona Leste, como referência aqui na Buenos

Aires, na Vila Buenos Aires perto do Carrefour, perto do Extra. Aqui eu cresci e fiz

tudo e não saía da igreja também. Fui crescendo dentro da igreja, meu pai era

muito rígido com esse negócio de leitura.

Professora Paula- Você não ouvia historia lá na igreja?

Professora Edina - Ouvia. Isso tudo que a Paula teve, eu tive. Tive meus

heróis e adorava a historia de José. O José chegou e fez aquilo tudo. Eu gostava

demais e dentro da igreja fui ser professora de criança, desde os dezessete anos.

Então, todo mundo falava: - Ah, esta vai ser professora! Vai ser professora! E

acabei sendo professora.

Eu já fazia curso desde pequena pra ser professora.

Professora Paula-Tem curso de capacitação dentro da igreja.

Professora Edina - Eu não tive esse negócio de contos de fadas na

minha vida. Eu sonhava porque eu ouvia falar. Eu ouvia, mas eu não tive. Eu não

tive nada disso. Comecei a trabalhar muito cedo, com nove anos eu já fui

trabalhar de empregada doméstica. Trabalhei até os quinze anos. Então, não tive

Page 176: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

176

infância. Minha infância era no quintal, ficava conversando com as formigas, com

os tatuzinhos. Então, eu era muito, muito só nesta parte. Meu pai era muito

severo com a gente. Eu não tinha liberdade de sair, saia só junto com a igreja.

Quando a gente lia alguma coisa que ele não gostava, a gente lia escondido

debaixo do lençol. Na hora de dormir, a gente acendia uma lanterninha e

começava a ler debaixo da coberta pra ele não ver. Mas na minha cabeça, eu

sempre tive vontade de ler. Acho que por ser privada disso, eu tenho vontade de

conhecer, a gente lia Manchete.

A televisão chegou e a gente passou a ver mais televisão. Em 69, foi mais

ou menos quando a minha mãe adquiriu um aparelho de tevê. Na escola eu não

me recordo de ter lido nenhum livro na minha infância. Não me recordo da

professora ter falado alguma coisa pra mim sobre livros. Eu só me recordo de

uma bronca que eu levei da professora e me marcou muito, a professora de

matemática.

Como eu já tinha falado pra vocês, eu vivia muito assim. Então, eu não

tinha ponto. Cada escola que eu chegava era nova pra mim, meu pai era cigano

neste sentido. Até quando minha mãe conseguiu se fixar em algum lugar. “Eu não

saio, daqui ninguém me tira.” Tanto que aqui as igrejas da Zona Leste, todas eu

passei, todas eu conheço. Meu pai era evangelista, tipo evangelista, pastor e ele

saía das igrejas e a gente saía atrás, porque tinha que ir junto com os pais. Então,

a minha infância foi isso. Eu conheço toda a Zona Leste, todas as igrejas,

conheço todo mundo. E foi, conheci a parte da leitura mais na faculdade e quando

meus filhos começaram a estudar, que eu ajudava eles a estudar. Foi quando eu

comecei a correr atrás de biblioteca. Por isso, eu gosto de sebo, porque eu gosto

de procurar, de ver historias diferentes. Eu gosto, eu tenho em casa muito livro,

assim de sebo. Eu também, naquela época, não podia adquirir muito livro novo.

Então, eu ia nas bibliotecas e pedia emprestado. Tanto que meu cartãozinho aqui

da Penha até... tão velhinho que ficou. Depois a meninada da Penha era tudo

conhecido da igreja, ficava mais fácil pra trazer livro.

Foi aí que começou meu interesse, quando meus filhos começaram a

estudar, que comecei a ajudar eles. A parte de ir a biblioteca procurar livros era

eu que ia. Mas, eu sinto uma diferença, porque todo mundo fala da infância e eu

Page 177: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

177

não tenho nada pra falar, porque eu não tenho nada. Não sei se é porque eu

esqueci o que eu tive. Eu realmente esqueci porque eu to aqui, eu vivi. De alguma

maneira eu vivi, mas de alguma maneira pelo meu pai ser muito severo com a

gente e era só nessa época, com as meninas. Ele segurava tanto a gente com

medo... Eu bloqueei toda essa parte, mas procuro hoje na minha vida, procuro

passar pras minhas crianças tudo àquilo que eu não tive. Historias, eu procuro

sempre novidades pra trazer pra eles. Eu procuro o fundo da historia, eu não dou

uma historia por dar, porque eu acho bonita a historia.

Eu não sei se porque na igreja tem um fundo de moral em tudo que a

gente aprende, fora o cristão a gente também aprende um fundo de moral. Então,

eu procuro também fazer isso com as crianças. Tanto que quando eu dava aula

no fundamental, uma sala terrível, que você nem imagina. Uma sala terrível que

só parando e falando: - Só Deus, pra ter misericórdia!

Vocês já viram aquelas salas de filme, era mais ou menos assim. Era a 4ª

série e não tinha jeito com aquela turma. Tinha uma inspetora de aluno lá, que ela

sempre tinha a Bíblia dela lá. Ela era católica, tenho que deixar bem claro que ela

não era evangélica. Ela tinha a Bíblia dela lá embaixo e eu pra acalmar aqueles

alunos, que eu não tinha mais, eu não sabia mais o que fazer, eu falava: - Vai lá,

vai buscar a Bíblia da tia Ivonete lá embaixo.

Eu contava, eu pegava uma criança da sala que tinha um nome da Bíblia

e começava a contar a historia daquela personagem da Bíblia pra eles e mostrar

o fim. Eles prestavam atenção, o único momento que eles paravam um pouco pra

prestar atenção. Infelizmente, depois eu saí, nem sei o que aconteceu com essa

turma. Pode ser que eles nem se lembrem dessa situação. Mas, então, esses

pequenos detalhes eu procuro passar. Eu sou uma pessoa muito reflexiva até

demais, porque quando o tempo está assim, eu fico assim junto com o tempo. Eu

não tenho muita coisa pra falar.

Acho que todo mundo sonha com o príncipe.

Professora Tereza – Eu gostaria de falar um pouco sobre a minha

experiência, como eu conheci os contos de fadas. Bom, eu vim de uma família

pobre, humilde, aonde não se falava em contos de fadas. A primeira vez, com oito

ou nove anos, me deram um livro que se chamava “O Gato de Botas”. Eu fiquei

Page 178: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

178

tão encantada de ver aquelas ilustrações, aquelas figuras que eu tinha vontade de

entrar no livro. Mas assim, eu fiquei muito tempo com aquele livro, mas depois

aquele livro se perdeu.

E eu fui crescendo, crescendo e nunca mais tive contato com contos de

fadas. Mas, embora, alguém falava do Chapeuzinho Vermelho, alguém falava do

Lobo Mau. Até então não significava muita coisa pra mim, porque ninguém me

falava na íntegra o que era, de onde vinha o Chapeuzinho Vermelho, de onde

vinha esse Lobo Mau. Bom, o tempo passou, passou, passou e eu entrei na

creche.

Quando eu entrei na creche, eu me deparei com essas questões, primeiro

dos livrinhos de historias infantis, que nada mais era do que os contos de fadas.

Aí eu fui me adaptando a uma nova realidade. Um contato mais direto com o livro

e me apropriando de algumas coisas que até então era desconhecido pra mim.

Professora Maria Edlene - Mas nem na escola?

Professora Tereza - Nem na escola. Eu não me lembro de que nem na

escola eu tive essa. Eu não me lembro mesmo. Aí, bom, voltando. Eu cheguei na

creche, tive contato com esses livrinhos de historia que até então eu nem sabia

muito o significado na íntegra, mas fui aprendendo. Fui construindo um

conhecimento que aqueles livrinhos eram os contos de fadas. A historia da

Branca de Neve, a historia da Rapunzel, a historia da Chapeuzinho Vermelho.

O tempo passou, passou e cada vez mais eu fui aprendendo sobre os

contos de fadas. Hoje, eu tenho um netinho de dois anos. Eu entendo a

importância de ler e de ensinar o que é contos de fadas. Tanto é que eu me

disponho a ler com ele todas as noites a historia da Chapeuzinho Vermelho, do

Coelhinho da Toca, do Tatu. Mas sempre eu estou reforçando a historia dos

contos de fadas na vida da criança.

Assim como é importante na vida do meu neto, eu creio que seja

importante na vida de qualquer criança. Como as nossas crianças são

privilegiadas dentro da creche, que todas as salas tem um projeto que fala dos

contos de fadas. Pelo menos uma vez por semana as crianças tem esse contato,

que eu até então eu não tive esse privilegio. Então, o meu contato com os contos

Page 179: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

179

de fadas é muito rico hoje. Mas lá pra trás, no passado, eu quase não conheci

nada. É isso.

Professora Norma - Bom, eu tive conhecimento com historias desde

muito novinha. Não era assim, contos de fadas. Meu pai gostava muito de contar

historias, era analfabeto também, quem ensinou meu pai a ler e escrever fui eu.

Mas ele contava historias de Saci Pererê, de Fantasmas, de coisas assim. Ele

adorava contar essas coisas pra gente. Esse estímulo que ele me deu, eu me

tornei leitora muito cedo. Eu me lembro que aos doze anos, eu ganhava livros de

historias. Eu guardei até muito tempo um livrinho “A Princesa e a Rosa”, umas

historinhas assim e eu me tornei leitora por isso.

Meu pai incentivava muito a leitura, incentivava muito o estudo. Acho que

por ele não ter tido oportunidade de ter estudado, ele fazia isso com a gente.

Então, só que durante a minha jornada na escola alfabetizando, eu não usei

muitos livros de historia. Eu usei muito música pra alfabetizar. Mas devido ao

próprio sistema nós não pegávamos livros de historia.

Professora Maria Edlene – Por quê?

Professora Norma - Era coisa do próprio sistema, do planejamento, a

gente não tinha esse acesso a livros de historia. Nós líamos livros e dávamos

livros sim, mas não era livro de Esopo, estes livros de conto, de historia, que eu

acho que seria importantíssimo ainda. Ainda alfabetizar, usar essa técnica pras

crianças até os adultos gostam dessas historias. Eu voltei novamente a viver essa

nova etapa da minha vida.

Quando eu vim trabalhar no CEI, aqui no Centro de Educação Infantil.

Quando nós voltamos novamente a ler livros de historias, que eu também acho de

muita importância ler livros de historias. Eu acho que levar a criança a criar essa

imaginação, a vivenciar essa fantasia, que eu acho necessária. E pena que eu

não usei isso na alfabetização, usei música, mas era devido ao próprio

planejamento. A gente não usava livro de historia. Então, essa foi a minha

experiência e agora tenha assim, um carinho muito grande por livros de historias.

Eu sou avó também e eu sempre contei muitas historias pros meus netos.

Inclusive hoje eu até participo da vida deles e todos eles se tornaram muito

Page 180: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

180

leitores. Hoje, em casa, todos lêem muito. Foi o incentivo que começou do meu

pai, uma pessoa que não tinha estudo nenhum, mas sabia contar historias.

Professora Maria Edlene - Com certeza o caso que a Tereza acabou de

falar. Que ela conta muito para o Henrique. Ontem a gente estava conversando

sobre isso e eu comentei que assim, se futuramente se tiver uma pesquisa

dessas, o Henrique, a Sofia, minha filha, poderão contar o que vivenciaram. Eles

não vão falar como a gente. Eles vão falar: - A minha mãe contava muita historia!

Professora Tereza - E é isso que eu quero deixar, o que eu quero deixar

pro meu neto é isso. Que um dia ele cresça e conte pros filhos o que eu fazia com

ele, coisa que eu não fiz com os meus filhos.

Professora Maria Edlene – O bom, Tereza, é que apesar da gente não

ter recebido isso, isso não influenciou, em nenhum momento influenciou. Eu até

conto, eu gosto, até parece que eu vivi e vivenciei tudo isso.

Professora Tereza – E falando desse assunto é uma coisa assim, eu to

pensando que é uma coisa que me emociona muito. De repente, eu voltei lá,

quando eu era pequena e a minha madrasta fazia aquelas bonecas de pano,

aquelas bruxinhas feias, mas que eram bonitas pra mim. É que assim, é

complicado você falar hoje daquilo que você, que eu não tive oportunidade de

viver quando eu tinha oito anos. Nunca eu ouço tantas pessoas falar: - A minha

avó contava historias, minha avó.

Minha mãe, eu não tive mãe, fui criada pela minha madrasta, já é uma

perda muito grande. Agora, quando eu falo de contos de fadas, eu fico pensando:

- Nossa! Quanta coisa que eu não pude vivenciar quando eu era criança. O que

eu não quero que os meus netos deixem de vivenciar que é esta questão de

inspirar, é esta questão de ser um indivíduo tipo leitor futuramente.

Professora Maria Edlene – E no imaginário?

Professora Tereza – No imaginário, fazer essa viagem fantástica. Que eu

me lembro quando eu atuava em sala de aula. Eu tinha um trabalho que eu fazia

assim, eu mandava as crianças deitar no colchonete e eu ia contando uma

historia e levando a criança a imaginação. E ele ia e ele viajava e eu viajava junto.

No final tinha criança até que dormia, de tanto que sonhava, que eu conduzia.

Isso nunca fizeram comigo.

Page 181: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

181

Professora Norma – Eu só sinto também de não ter registrado nada,

porque muitas das historias que meu pai contava eu até esqueci. Porque aquela

época eu não sabia dar a importância que eu dou agora. Então, nada foi

registrado. O que é uma pena!

Professora Maria Edlene – É, é verdade. E assim, eu acho que os

contos, ele faz a criança ser um adulto pensador, reflexivo e imaginar o imediato.

Por exemplo: na contação ele viaja, ele vai para o mundo mágico. Quando ele é

adulto, ele tem mais facilidade de criar um projeto assim, de imaginar, de sonhar

pra você ver como é rico a contação de historia.

Penha, como você conheceu a contação de historia, como participou na

sua vida? Divida conosco.

Professora Maria da Penha – Bom, com a minha mãe, minha mãe

contava muita historia, que nem a mãe da Norma. Principalmente, de terror,

principalmente quando era Semana Santa, pra gente, principalmente as historias

das saídas. Que a gente não podia sair na Sexta-feira Santa na rua e a gente era

assim, porque a gente também era muito pobre e não tinha luz. E era nessa hora

assim, que a minha mãe contava as historias de terror. E também assim, eu tinha

um livro era, acho que os Irmãos Grimm e era um dos primeiros livros e nele tinha

assim, todas as historias o Lobo Mau. Mas as historias verdadeiras mesmo e eu

sempre lia, né. Eu sempre lia o quanto eu podia, sempre lia e a minha mãe

sempre passou também pros meus filhos. E hoje todas as historias que ela contou

pra mim, ela contava pros meus filhos.

Tinha uma historia do Lobo Mau, que ela morava aqui na Penha, ela

sempre morou aqui na Penha. Uma noite, diz que toda semana sumia galinha do

vizinho, sumia, sumia, sumia e o meu avô ficou esperando pra saber aquela noite

porque que sumia a galinha do vizinho. E diz que um dia apareceu um cachorro

muito grande e meu avô foi pra cima do cachorro. Bateu no cachorro, pôs fogo no

cachorro e no dia seguinte, o vizinho apareceu todo machucado e queimado. E

eles deduziram, naquela época, que o cachorro, que o vizinho era o lobisomem. E

essa historia ela repassou pro meu filho e o meu filho tinha que contar uma

historia na escola. Ele contou justamente esta, que ela repassou pra ele. E assim,

ela também assistia muito a Cultura e a Cultura, naquele tempo, passava muito

Page 182: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

182

desenho, muitos contos de fadas, passava muito e minha mãe assistia muito.

Então, eu cresci ouvindo essas historias dela. Um pouco dela e um pouco do

canal da TV Cultura, né. E os meus filhos também, todos esses tipos de historias

eles conhecem e eu também, pela TV Cultura que passava, né: fantoche, a

historia do Lobo Mau, da cobra Norato, do Bumba meu boi, todas as historias eles

passavam. Então, eu tenho assim, não tenho uma formação em historia, mas

tenho a formação da vida da minha mãe, e experiência que meus avós passaram

pra ela. E ela passou pra mim e antes de falecer, também passou pros meus

filhos.

Hoje, eu já tenho diferente, vejo de uma maneira diferente é mais livro. As

bonecas não é que nem a gente. A gente aprendeu ali, tipo na imaginação

mesmo, como era os lobisomens, como era essas historinhas. Hoje é folclore,

folclore, mas pra gente não, não saía à noite de medo da lua cheia, de aparecer o

cachorro, né. De virar uma bruxa. Hoje não, as crianças já sabem que isso tudo é

fantasia.

Professora Norma - Na época que meu pai contava historia não tinha

televisão, não tinha televisão.

Professora Maria Edlene - É.

Professora Norma - Eu me lembro da chácara, fogão de lenha, e ele

contava, parece que ele acreditava. A gente acabava até vendo o Saci de tanto

que ele imaginava. E ele naquele pó do rodamoinho que aparecia o Saci. E ele

dizia que o Saci montava o cavalo, fazia trança no rabo do cavalo e ele falava de

um jeito que parece que ele mesmo tava acreditando. Então, a gente ficava assim

muito empolgada e fazendo aquelas criações na cabeça da gente mesmo.

Professora Maria da Penha - Outro dia eu estava em casa assistindo

televisão e por um acaso eu coloquei no canal dois e estava anunciando “Os Três

Porquinhos”, eu fiquei parada pra saber o que ia acontecer e de repente,

começou a historia dos “Três Porquinhos”. E eu fiquei ali do começo até o fim,

como se não tivesse quarenta e sete anos, porque uma carência que faz parte da

minha vida. Eu assistir aquele, aquele filme dos Três Porquinhos e observei o

anúncio da próxima historia, que com certeza, se eu me lembrar eu não vou

perder.

Page 183: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

183

Professora Maria Edlene – Isso é verdade, o meu pai, ele contava uma

historia pra gente que ele vivenciou. Ele disse que ele tinha oito anos e enquanto

o meu avô chegava da roça com a minha avó, ele ficou numa pedra esperando

eles chegarem, que ele não queria ficar lá dentro sozinho. Aí, de repente,

apareceu Lampião e toda a sua tropa. Nossa, a gente viajava com ele contando

isso! Todo dia eu pedia e ele contava. E o engraçado que ele contava vivenciando

como se ele fosse e ele imitava o tom da voz, tudo ele imitava até o barulho dos

cavalos chegando.

Professora Norma – É verdade.

Professora Maria Edlene – Aí ele falava assim que o, que o Lampião

chegou na casa dessa mulher e perguntou pra ela, se ela tinha alimento pra dar

pra todo mundo e se ela tinha preparado o almoço que desse pra todo mundo. E

tinha que ter. Aí meu pai falou que todos se sentaram entorno da casa da mulher

muito pobre e foram comer. Quando, de repente, um da tropa do Lampião falou

assim: Tá muito salgado esse feijão! Aí Lampião mandou a mulher buscar e

perguntou pra ela quanto punhado de sal ela tinha colocado no feijão. Ela falou

que tinha colocado a medida de uma mão. Aí, então, o Lampião falou: Então

agora a senhora vai lá buscar três cabaças, que era aquela de medir feijão, e

pega três cabaças de sal e traz porque ele vai comer tudo. Meu pai falava como

se o Lampião fosse um campeão, imagine, mas ele falava isso. Aí o que o

Lampião fez, acabou fazendo o homem comer as três cabaças. O homem morreu

na hora, ficou muito inchado, muito feio. Aí, na hora, meu pai ficou com medo,

ficou assustado. Aí, ele chamou meu pai, falou pra ele não se assustar. Mas falou

assim que era pra aprender que se tinham chegado até ali e aquela mulher tinha

preparado de bom coração a comida pra todos tinha que comer calado, não tinha

que reclamar.

Professora Márcia de Fátima – Eu tava contando pra Rosana no

caminho que assim, a minha infância, eh! Eu tenho doze irmãos, eu sou a décima

terceira de todos e eu tenho trinta e cinco anos.

Professora Márcia Polessi - Tinha tevê em casa? (risos)

Page 184: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

184

Professora Márcia de Fátima – Tevê eu tenho. Então, eu quando

criança eu tinha vergonha de falar isso pros meus amigos a respeito dessas

piadinhas, entendeu? Quando era criança.

Professora Edina - Essa piadinha!

Professora Márcia de Fátima – Eu me sentia o Patinho Feio, como o

Patinho Feio. Então, como eu não queria ser diferente de ninguém e na minha

época, assim, a maioria tinha alunos. Eu estudei em escola da prefeitura. Minha

mãe pegava, tinha alunas, tinha meninas que faziam balé, fazia isso. Então, eu

era a única diferente, no caso eu me sentia o Patinho Feio.

Então, pra não ser o Patinho Feio, não ser motivo de chacota, de

piadinhas. Eu evitava falar de mim e da minha família, entendeu. Mas eu amo

todos. Eu sou a caçula, eu sou tratada, sou bajulada por todos, entendeu. Sou

bajulada por todos, tanto eu, meu filho, né.

Se eu choro, todo mundo liga pra mim pra saber porque eu to chorando.

Se eu dou risada também todo mundo liga, mesmo o que mora lá em Rio Preto,

longe, mas sempre está presente.

Os meus sobrinhos, todos, é ligado a mim, todo mundo. Eu chego em

casa seis horas da tarde. Seis e vinte o telefone não para até meia noite que são

minhas irmãs, meus irmãos, meus pais e até meus sobrinhos tão ligando. Então,

eu sentia vergonha disso, depois na minha primeira série, como a Cecília falou,

ela teve medo. Eu tive uma professora, o nome dela é Marli, não foi a melhor

professora.

Professora Maria Edlene - Era CDF.

Professora Márcia de Fátima – Não foi a melhor professora, eu lembro

dela, do cabelo dela, das unhas, o que me chamava mais atenção era as unhas.

A unha dela era enorme, ela pegava a criança pelo rosto, eu me lembro dessa

cena até hoje. A menina era gordinha, fortinha, sabe aquela criança terrível, ela

pegava a criança pelo rosto e saía puxando. Então, a cena da minha professora,

a melhor professora da primeira série, aquela que todo mundo fala da professora

da primeira série, eu não tive isso, a minha professora foi a bruxa, o monstro.

Professora Cecília – A minha também.

Page 185: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

185

Professora Márcia de Fátima – Além de eu me sentir o Patinho Feio, eu

tinha aquela professora bruxa e depois logo em seguida, eu tive um professor, um

professor homem que chamava Pedro. Ele era terrível, eu tinha medo, todo

mundo tinha medo. Eu sempre fui muito tímida, eu tinha vergonha de falar. Até

hoje eu sou tímida. Eu sou tímida, pra outras coisas não, mas assim, quando eu

pego amizade eu não tenho, mas eu sou tímida, muito tímida.

Professora Edina - Na sua época tinha violência, que hoje está em

voga? O professor era poderoso?

Professora Márcia Polessi - Tinha sim, o professor era autoritário.

Professora Maria Edlene - Tinha uma época que os pais sabiam que

tinha.

Professora Márcia Polessi - Sabiam e deixavam. A palmatória.

Professora Maria Edlene - Palmatória, minha mãe passou.

Professora Márcia de Fátima - Eu vou contar uma historia que a irmã

falou pra eu contar. Eu vou contar, mas não tire sarro de mim, que na época foi

um trauma. É assim, por causa desse trauma de professor eu não podia deixar

nada sem fazer, a lição, então eu tive medo. Na prova caiu pra fazer um animal

de quatro patas. Eu tinha medo, não deixem nada em branco, façam a lição. Por

causa disso eu desenhei uma mesa. Até hoje é motivo de sarro na minha casa,

entendeu. Só que a pessoa, que eu, no caso, quando eu fiz, eu não pensei que a

cadeira, a mesa era o animal. Eu pensei que eram as quatro patinhas e não podia

deixar em branco, entendeu? Só que os meus irmãos, eles tiram sarro, tudo eles

brincam. A semana passada, o Pedro, meu sobrinho, veio falando, aí eu

conversei com ele. E ele disse: Nossa tia, isso dava medo, o professor dava

medo. Eu falei: É! Um menino de seis anos entendeu, aí, até hoje eu sou motivo

de, eles dão risada, mas vocês não sabem o medo que eu tive. Eu tenho trauma

de professor até hoje. Eu tenho respeito por professor, eu não consigo nem na

faculdade chamar o professor pelo nome.

Professora Edina - Você nunca conversou com seus pais sobre esse

medo que você tinha?

Professora Márcia de Fátima - Já. Não, não naquele momento. Não

tinha coragem! Minha mãe, minha mãe sempre foi aberta comigo, apesar dela ter

Page 186: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

186

setenta e cinco anos e o meu pai ter setenta e nove. Eles nunca foram assim de,

nunca apanhei, nem meus irmãos. A gente sempre foi através da conversa e

como eu falei, eles não tinham estudo, mas, eu tinha medo, e não era desse

assunto que eu ia falar. Falava pra ela que eu tinha medo do professor, ela sabia

como que era, mas naquela época, o professor pra mãe era o que tinha razão,

entendeu?

Então, eu falando e não acho que era a mesma coisa porque o professor

tinha razão, né. O professor, esse Pedro que eu falei também. Ele, eu não

conversava, os moleques fazendo bagunça, como eu sentava no meio, envolta só

tinha moleque, ele me colocou, me colocou atrás da porta. Eu tenho trauma disso.

Na faculdade eu chamava os professores. Não, Márcia, pode me chamar pelo

nome. Não, você é meu professor. Não tinha amizade com professor da

faculdade. Eu ia, mostrava meus trabalhos, fazia tudo e eu via pessoas tendo

amizades com professores e eu não tinha. Eu conversava a respeito da disciplina.

Então, naquela época eu me sentia um Patinho Feio. O Magistério eu fiz no

CEFAN lá em Arthur Alvim e no primeiro semestre do primeiro ano, uma colega

minha me disse: - Márcia, você é burra. O seu QI é abaixo de zero e aquilo lá,

naquela época foi o fim. Eu parei pra pensar e eu falei não sou e eu vou mostrar

pra ela. Eu peço desculpa por estar chorando, porque é uma coisa que emociona.

Professora Maria Lúcia - Eu também já fui chamada de burra. Eu não

queria fazer mais nada. Eu perdi o tesão pelas coisas.

Professora Márcia de Fátima – Eu também trabalhei numa escola

particular, a dona da escola também me chamou de burra.

Professora Cecília - Ninguém é burra. Todo mundo é capaz.

Professora Maria Lúcia - A gente pode ter menos habilidade pra umas

coisas e mais pra outras.

Professora Márcia de Fátima – Nessa escola eu sofri muito. Até meu

filho ela rejeitou. Eu coloquei na minha cabeça, eu não trabalho mais em escola

particular. E como se diz, mexeu com o meu filho, mexeu comigo. Eu tirei meu

filho de lá, eu nunca mais quero escola particular, eu vou fazer qualquer outra

coisa, mas escola particular não. Eu não quero nunca mais. Levava presente pros

filhos.

Page 187: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

187

Professora Maria Edlene – Ficava bajulando.

Professora Márcia de Fátima – Eu não fazia isso, não faço isso nem

aqui, nem em lugar nenhum. Por isso, que eu detesto que falem pra mim que eu

sou puxa saco. Eu trato todo mundo igual. E lá não. Eu venho pra trabalhar, eu

não venho pra puxar o saco de ninguém. E os pais adoravam isso, gostavam de

mim, tanto que eu saí, elas me mandaram embora por telefone, eu não sabia. Os

pais me adoravam: Márcia você vai ficar com o meu filho o ano que vem? Olha,

eu não sei! Vai depender da atribuição e tal e em dezembro, em janeiro, um dia

antes da reunião eu liguei pra escola e perguntei qual o horário da reunião. Não,

Márcia, já que você me ligou, você não faz parte do quadro de funcionários. Só

que eu tive de cumprir o aviso prévio. Cumpri o aviso prévio e nesse mesmo

momento os pais fizeram uma reunião pra eu voltar, porque eu falei, eu não sei

por que elas me mandaram embora. Todo dia ela subia e falava os pais tão

reclamando de você, os pais tão reclamando de você, te chamaram até de burra.

Eu cheguei na mãe que ela falou que me chamou de burra e a mãe falou:

Imagina! E a mãe era vizinha minha e eu conheço os irmãos dela desde criança e

a gente tinha contato. E ela falou que essa mulher me chamou de burra e eu

conversei com ela e ela falou que não. Depois que eu cumpri o aviso prévio elas

queriam de volta porque eu sei trabalhar. Também me dei muito bem com o

infantil e eu falei pra ela que não. Que se ela tivesse feito de uma maneira

diferente poderia até, assim considerar. Eu tentar trabalhar, mas assim não, eu

abri mão de outras escolas por causa dela, porque era perto da minha casa. Eu

tava com o meu filho e só porque o meu filho, meu filho sempre voltou. Adora

folclore, tinha livros de folclore, onde eu tinha que comprar um livro de folclore pra

ele e foi na Semana Cultural. Ela pegou, pediu emprestado os livros que tavam

com a professora dele e ela falou assim: -É do Matheus, pedi pra Márcia. Não, se

é do Matheus eu não quero.

Professora Cecília – Credo!

Professora Márcia de Fátima – Então, isso chegou aos meus ouvidos e

eu disse que a partir de amanhã eu pagava a mensalidade e ainda eu era a única

professora que pagava mensalidade. E falei pra ela assim que no ano que vem

ele ia sair da escola e ele sentia isso na pele. E ele mal ia pra escola, foi um aluno

Page 188: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

188

muito bem, excelente, mas ele mal ia pra escola porque eu não queria que ele

sofresse. Mas eu consegui tudo e depois que eu sai teve o Eco futuro e a minha

aluna da época que eu trabalhava lá, ganhou o concurso. Foi premiada, deu briga

com ela de novo por causa dessa premiação. O Eco futuro exigia a minha

presença porque eu era ex-funcionária. Só que quando eu cheguei lá no hotel,

aqui em São Paulo, a representante do Eco futuro, foi uma ex-supervisora minha

lá na Paulista. Quando ela chegou e me viu, ela começou a me tratar e essa

mulher fez de tudo e conseguiu ir. Essa dona Alessandra, conseguiu ir no

Congresso lá e a minha sorte é que essa mulher me conhecia. Ela tava até com

medo de eu fazer barraco, porque eu briguei com a Alessandra, briguei com a

Sandra por causa dessa mulher. Aí chegando lá, ela ficou revoltada porque a

mulher me conhecia.

Professora Cecília – Então, essa diretora foi uma bruxa, no seu

caminho?

Professora Márcia de Fátima – Foi, foi.

Professora Cecília – Mais alguém encontrou com bruxas ou o que

representa essa bruxa?

Professora Maria Lúcia – Tem pessoa muito má, que quer acabar com a

vida, com os sonhos da gente. Deixa a gente assim pra baixo de pano de chão.

Professora Márcia de Fátima – Ela me humilhava todo dia, me

humilhava todo dia.

Professora Márcia Polessi – É a pessoa não profissional, a pessoa não

profissional, ela se torna uma bruxa. Eu acho que a ética, né. A ética em primeiro

lugar.

Professora Márcia de Fátima – A inveja.

Professora Márcia Polessi – É a inveja! Mas isso, isso não pode

misturar no seu campo profissional.

Professora Márcia de Fátima – Mas ela misturou, ela misturou.

Professora Cecília – Não quer ver a felicidade dos outros.

Professora Maria Lúcia – Lá onde a Rafaela estudou também, ela falava

que tinha uma mulher que pagava trezentos reais pra ela e só faltava bater nela.

Page 189: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

189

Humilhava. Ela falou que ia denunciar, ela falou eu pago pra escola e quem vai se

ferrar é você. Aí ela foi embora de lá.

Professora Márcia Polessi – Vocês querem escutar a minha historia? A

minha historia começou em 1988, eu caí no Bem Estar, na Secretaria do Bem

Estar Social de paraquedas. Eu estava há um ano desempregada e eu precisava

ajudar a minha família. A minha família sempre foi assim, não somos pobres, mas

somos de uma família mediana. Papai sempre incentivou os filhos a trabalharem,

assim você quer uma roupa nova, você vai trabalhar para comprar.

Aí eu fui fazer um teste que era na DRE – Penha e me deparei com uma

pessoa muito gente fina. Muito legal, a dona Alice. Aí ela olhou pra mim e falou

assim: Nossa! Você quer ser professora?

E na época eu só tinha o Nível Médio. Aí eu peguei, aquela pergunta pra

ela foi pertinente, porque eu me assustei, fui fazer pra ser secretária, ser auxiliar,

né. Aí ela falou: A gente tá pagando tanto. Na época me interessou que era

melhorzinho o preço, assim o valor, como fala?

Professora Cecília – O salário.

Professora Márcia Polessi – Aí eu falei assim: O que tem que ter? E ela

falou: Não, nada. Você tem que ter o Nível Médio. Aí tá bom. Eu tenho. É aí eu

falei: Tá bom, vamos fazer. Aí era ano de política. Você sabe gente, era 1988 pra

cá era só com padrinho, né. Era só com padrinho. Eu fiz, eu, minha cunhada e

uma coleguinha minha da mesma rua. A minha cunhada já entrou como

professora nesse equipamento que eu tô agora. E eu como pajem, depois que

veio ADI, né. Não me lembro se era pajem, não já era ADI, minto já era ADI e

nisso com o Sr. Jânio Quadros, foi uma sorte, porque eu entrei, fiquei três meses

sem receber, não fiquei tudo isso, acho que fiquei dois meses sem receber. Eu

queria aquela calça, aquele tênis, eu queria um dinheiro pra mim.

Professora Cecília – Quantos anos você tinha?

Professora Márcia Polessi – Eu tinha dezenove anos. Aí o seu Jânio

Quadros veio, né. Ele estava como, né, na prefeitura como prefeito e o pessoal

ganhava muito mal e ele falou assim: - Eu vou dar um aumento bom. Nossa, eu

peguei, comprei sofá pra minha casa, comprei estante, fiquei muito feliz, comprei

minha calça. Só que quando eu assumi sala, porque eu vim num equipamento

Page 190: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

190

novo, aqui era novo, não tinha nada. A gente que pintou parede, a gente tinha que

lavar chão, enfeitar, por aqueles bonequinhos na parede com chupetinha tal. E o

equipamento não tava pronto, precisava o seu Gianotti inaugurar. Pra inaugurar,

né, a agenda dele tava muito cheia. Então, o que eles fizeram, eles puseram os

funcionários que tava aqui, em CEI, creche, perto do ponto que tinha e eu fui

parar na Vila Salete, você sabe na Vila Salete já tinha sete anos de CEI. E eu

ingênua, caí com uma profissional chamada Maria, eu entrei na sala, criança de

seis anos. Gente, sem experiência nenhuma.

Trinta e duas crianças. Ela falou assim: Fica aqui só um pouquinho que eu

já venho. Esse pouquinho gente...

Professora Paula - Demorou.

Professora Márcia Polessi - Foi o dia todo.

Professora Eliana - Foi o dia todo.

Professora Paula - Prova de fogo.

Professora Márcia Polessi - Eu vi aqueles cabelinhos, eu vi um senhor e

eu falei: Por favor, dá pra chamar a funcionária Maria? Olha ele deu uma saidinha

com a diretora. As crianças jogando tudo. Aí eu falei: Ah! Meu Deus, o que eu vou

fazer? Passou, passou, veio uma outra funcionária que me ajudou. Entreguei a

criança, cheguei em casa e falei: Mãe, não quero. Aí ela: Não, você quer sim,

porque você tem que ajudar, não sei o que. Não, não tá bem, fui uma semana

assim, empurrada e nesse CEI é, ficaram comigo, uma colega minha Vera e a

assistente de direção que seria a Farani. Aí eu comentei com a Farani que eu não

ia mais, que eu ia passar aquela semana e que eu não ia mais. Que aquilo não

era pra mim, gente imagina. Aí a Farani me tranquilizou que só ia ficar uma

semana naquele CEI Salete, porque o nosso equipamento já tava pronto, que a

gente ia lá pra inaugurar. Aí eu falei: Tá bem! Aí voltamos pra cá, né,

inauguramos e aí foi entrando criança de pouquinho em pouquinho por vez e eu

na época era a minha primeira sala.

Eu peguei um grupo maior, então, foi entrando em uma semana uma

,outra semana mais uma criança. Então, acho que isso amenizou o impacto. Aí,

na época era a professora. A diretora era uma freira, muito gente fina, a dona

Neusa. Você sai pro parque, olha o parque que grande pra essas crianças. Olha o

Page 191: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

191

espaço que vocês tem e aí o vizinho vendo assim a nossa. Porque não tinha

brinquedo, não tinha nada, porque era no começo. A Prefeitura não tinha feito a

compra, tinha dado salários altos pros funcionários. Então, a Prefeitura tava...

Então, os vizinhos aí do lado, vieram dar doações: carrinhos, motocas,

enfim... A gente ficou aqui praticamente uns cinco meses sem o pedagógico,

podemos falar que era o pedagógico naquela época. Aí veio a dona Maria da

Graça, que deu umas pinceladas no que a gente deveria fazer com as crianças,

que ela era professora, não era pedagoga. Depois que ela formou a pedagogia.

Ela era professora e a gente tinha a parada todo mês, a gente tinha parada pra

Reunião Pedagógica. Aí vinha um pessoal, as técnicas e orientava a gente a fazer

isso e aquilo. E a gente foi caminhando. O que me marcou muito na contação de

historia, que eu como eu poderia contar historias sentada numa roda, se eu nunca

tinha visto ninguém trabalhar com contação de historia. O que me pegou? Foi à

necessidade, a sobrevivência porque eu vi uma sala pegando fogo e tinha três

livrinhos em cima do balcão. Não tinha nem prateleira de historia, já tinha dado

parque, já tinha dado motinha, já tinha dado carrinho pra aquelas crianças e elas

pegando fogo.

Olha o livrinho da Branca de Neve, quem que conhece a Branca de Neve

e eles pararam. Aí eu falei: Vamos sentar! Mas nós não sentamos em roda, nós

sentamos assim, era a lousa sem colchonete, sem nada. Foi assim de sopetão.

Sentava onde queria e começamos a contar historia, sem mostrar pra criança,

sem mostrar a figura pra criança. Aí contamos e acabou sendo uma prática que

acalmava a criança. E foi indo, foi indo, foi indo.

Bom, isso de 88 pra cá muitas coisas mudaram. Ou você estuda ou está

fora da prefeitura. Chegou isso nos nossos ouvidos. Ou você quer continuar ou

você tá fora. Quem quer, mas em um primeiro momento na prefeitura, você

estuda, estuda ou não te pago nada. Então, vamos atrás, né. Até antes de fazer

pedagogia, eu falei: Será que é isso que eu quero? Será que é isso mesmo, mas

se eu já to aqui há quinze anos, eu vou perder esse tempo de casa, quinze anos.

Vamos fazer e eu gostei.

Eu gostei da pedagogia. Lá, a partir de então, a gente ta vendo o

processo que nem agora.

Page 192: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

192

Professora Paula – Olha Márcia, eu nunca comentei com você, mas eu

já comentei com outras pessoas que eu te admiro porque você foi atrás. Você foi

uma das poucas pessoas aqui dentro que foi atrás.

Professora Márcia Polessi – Então, Paula. Mas a gente pode falar assim

que é amor, foi por amor ou foi por precisão?

Professora Paula – Tanto faz, mas você foi atrás, independente de ser

por amor ou por necessidade, você foi atrás.

Professora Silvia – Você foi uma das primeiras.

Professora Márcia Polessi – Fui, fui a primeira a fazer Pedagogia, mas

eu fiquei em dúvida.

Professora Paula – Mas a dúvida é normal.

Professora Márcia Polessi – Porque antes disso, nós pegamos dois

anos de Maluf, dois anos de Pitta. Sabe o que que ele falou pro funcionário? São

todas mal amadas da prefeitura.

Professora Paula – Falou pras professoras.

Professora Silvia – Ele não dava valor pras professoras.

Professora Márcia Polessi – São mal amadas, gente isso não se fala

com ninguém. Nós “tamo” em CEI, a gente ainda não é bem vista não. Eles nem

fala em CEI, eles fala creche, entendeu! Olha o preconceito que tem ainda?

Professora Paula – Eu não to criticando quem não fez, porque às vezes a

pessoa ainda não fez porque não tinha condições, não é isso, mas se todo mundo

fosse atrás como você foi, entendeu, independente de ser por amor ou por

necessidade, se a maioria tivesse ido atrás, talvez o quadro hoje tivesse

diferente porque as pessoas iam poder lutar por uma coisa que conquistaram.

Professora Márcia Polessi – Eu não sei se ia estar diferente porque o

CEI tem muitas pessoas que já tem muita idade. Isso só vai mudar a visão

quando as pessoas se aposentarem.

Professora Paula – Mas agora elas tem muita idade, mas há dez anos

atrás.

Professora Márcia Polessi – Não, não tinha.

Professora Paula – Há dez anos atrás não tinha. Se elas tivessem a

postura de ser professor, mesmo não sendo da Educação.

Page 193: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

193

Professora Márcia Polessi – Mas Paula, você não acha que a prefeitura

também não foi errada, estuda, estuda ou não te pago nada. Sendo que mãe, que

mãe solteira que tem três filhos pra sustentar não tinha possibilidade também.

Professora Paula – Desculpa. A prefeitura pagou o meu estudo?

Professora Márcia Polessi – Nem o meu, mas pagou o da Sueli.

Professora Paula – Então, mas porque você ficou esperando? E se a

prefeitura não tivesse pago?

Professora Márcia Polessi – Não fazia.

Professora Paula – Então, aí que tá. Você foi atrás. É isso que eu to

falando da minha admiração. A Prefeitura não pagou meu estudo, meu irmão

ficou dois anos parado sem estudar, porque ele não conseguiu um crédito

educativo, porque meu pai tinha um apartamento.

Professora Márcia Polessi – É verdade, não dão.

Professora Paula – Meu pai é desempregado, minha mãe é

desempregada. Entendeu, não é você esperar os outros te darem é você ir atrás.

É isso que faz a diferença. Eu fui atrás. Nessa época que eu estudava, só eu

trabalhava em casa, não ganhava nem salário mínimo. Você entendeu o que é a

minha admiração, que eu falo de você e de outras pessoas que foram atrás

independente do motivo foram atrás. Acho que é assim que tem que ser. Você

tem que ir atrás. Se você vai atrás você valoriza mais. Se você tem esforço, se

você não ganhou de mão beijada, você valoriza mais, você valoriza muito mais.

Professora Márcia Polessi – Só que é.

Professora Paula – Não tô criticando quem ganhou o curso, eu tô te

elogiando.

Professora Márcia de Fátima – Então, Paula. Entrando nesse assunto

eu fazia o CEFAN e o CEFAN na época era remunerado, era um salário mínimo,

né. Na época e muita gente lá no CEFAN. Essa menina mesmo que, que falou

isso pra mim, a maioria das meninas usavam aquele dinheiro pra outras coisas.

Porque é uso pra parte pedagógica, pro estudo. Eu não, eu acrescentava na

minha passagem, comprava um livro quando conseguia e valorizava, entendeu. E

eu mostrei pra mim, principalmente pra mim e pra aquela menina que eu não era

burra. E engraçado que na Paulista, eu trabalhei na CONTAX de operadora de

Page 194: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

194

telemarketing, aí me revoltei. Eu queria mudar de profissão, né. Eu tenho que ver

novos caminhos porque eu não sei se é isso que eu quero. Depois de muito

tempo trabalhando na Educação, eu quero ver. E lá na Paulista eu dei de cara

com essa menina e ela veio e me abraçou, me beijou. Márcia que saudade! E eu

até esqueci de comentar, eu comentei com a Rosana, eu fui tão burra na época

quando ela falou, que a minha burrice acho que superou ela. No final do quarto

ano a gente tem que entregar o estágio. Eu fiz todos os estágios. Eu ia, as

professoras fechavam a porta na minha cara no estado. Fechavam a porta na

minha cara. Essa estagiária eu não quero na minha sala, senta lá que eu assino.

Eu sentava em uma mesa na sala dos professores e assinava.

No Henrique Pegada eu fui super bem tratada, porque já me conheciam.

Então, fiz o estágio não deixavam eu entrar, não precisa entrar, eu assino. Mas se

você quiser entrar, você fica à vontade. Eu fiz o meu estágio, fui todos os dias.

Essa menina chegou no final do ano, mostrou a ficha de estágio pro professor,

quando foi entregar pro diretor da escola assinar, o diretor falou assim: Não essa

menina não fez o estágio. Ela falsificou a assinatura dos professores, entendeu.

Todos os estágios dela foi falsificados. Então, ela reprovou por causa do estágio.

Ela era uma ótima aluna, aluna que fazia a sobrancelha na hora da explicação,

mas as notas dela era melhor.

Professora Edina – Tem gente assim, né. Engraçado!

Professora Márcia de Fátima – Só que ela foi reprovada por causa

disso. Então, a minha burrice passou pra ela, entendeu. Aí foi que mostrou quem

era.

Professora Maria Aparecida – Eu nunca tive quase, eu não tive quase

não, eu nunca tive nenhum contato com historias nenhuma na minha infância.

Meu pai nunca foi de ler, minha mãe muito menos. Minha mãe fez a 4ª série, não

sabia nem escrever e meu pai era militar. Então ele era muito duro com agente,

muito duro, muito duro, muito duro. Não que ele não conversava, a gente sofria, a

grande verdade era essa. A gente sofria muito porque ele apontava o dedo e você

tinha que fazer as coisas que ele mandava.

Então, a gente tinha medo dele. Então, historia assim nenhuma. A gente

teve, nem eu, nem minhas irmãs.

Page 195: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

195

Professora Ana Maria – Ah, eu também, na minha infância, a minha mãe

teve só até a 4ª série e ela nunca teve assim de contar historinha, de sentar com

os filhos e contar pra mim não teve isso não. Só comecei a ter contato com

historia na faculdade que eu comecei a fazer Pedagogia. Falou que a historia era

importante, eu lia muito, gostava de ler, mas na infância em si não tive contato

nenhum.

Professora Dione – Eu também com os meus pais, meu pai também era

militar. Eu acho que é característica de militar. Meu pai era muito durão, mas eu

tinha um tio nosso que contava assim. Eu lembro que ele reunia todos os

sobrinhos e contava principalmente historia de dar medo que a gente adorava

ouvir.

Ele, ele inventava a historia e contava. E todo mundo, a criançada

adorava, tava todo mundo sempre em volta dele pra ele contar historia. Aí meu

segundo contato foi trabalhando, né. No estado era professora de Língua

Portuguesa. Eu comecei trabalhar historias com livros de leitura e uns textos de

historia.

Professora Terezinha – Eu tive bastante contato, não leituras de

historias, leitura de contos de fadas porque na realidade, naquela época, os livros

eram muito caros, muito difíceis de conseguir. Então, assim, principalmente eu

lembro muito quando chovia. A minha tia Maria, que ela era mulher do irmão da

minha mãe, ela pegava todo mundo, sentava na cama, fazia mingau de fubá

doce, dava uma tigelinha pra cada um, a gente sentava e ela começava a contar

historias.

Historia da Branca de Neve, do Chapeuzinho Vermelho, né. Até hoje eu

tenho isso na minha mente. Principalmente quando chove, às vezes, até hoje eu

lembro dessa época que ela sentava todo mundo na cama e contava. E tanto é

que hoje em dia eu não tenho contato com as minhas tias, cada um foi pra um

lado. Casou e tudo, mas com ela, eu sempre me lembro no Natal, sempre me

lembro no aniversario dela de ta ligando, porque eu tinha nela uma mãezona, né.

A minha mãe era muito rústica, ela tinha problema de bebida. Então, ela não tinha

isso, então, assim, quando ela não bebia, né, ela ainda, eu lembro, ela dava de

Page 196: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

196

mamar pra um e contava historias pra gente. Mas era mais contos folclóricos de

um homem não sei de onde que tinha virado lobisomem.

Professora Dione – Saci Pererê.

Professora Terezinha – Saci Pererê, se a criança fizesse arte, o Saci

Pererê vinha, buscava a criança, né. Eu lembro muito de uma que ela contava

que a criança era muito malvada com a mãe. E a criança batia na mãe, tudo. E

essa criança foi enterrada e quando ela foi enterrada a mãozinha dela ficou pra

fora. Então, eu sempre me lembro dessa historia. Então, a mãozinha dela ficou

pra fora porque ela batia na mãe dela quando ela era pequena. Então, eu tive

bastante contato de historias. Contei também muito pros meus filhos, aí com livros

mesmo. Deitava assim à noite, eu contava muitas historias pros meus filhos. Era a

Bíblia, a gente tem muito costume de ler a Bíblia, hoje já nem tanto porque com o

computador quase não deixa as crianças sentarem juntas. Eu acabo lendo

sozinha, mas quando os meus filhos eram mais novos, eu sempre lia a Bíblia

junto com eles.

Professora Walkíria – Olha, eu não tive muito contato com historia

porque a minha mãe faleceu muito cedo. Eu fui morar com a minha tia. Então,

eles não tinham o hábito de contar historia. Então assim, não que assustava de

noite, tipo assim, é que vinha o fantasma, punha o lençol, aquela brincadeira

assim. Mas historia, sentar e contar eu não tive. Comecei a ter relação com

historia quando eu tive meus filhos, porque aí eu começava a contar pra eles

antes de dormir, tal. Mas pra mim mesma, na infância eu não tive não. Só depois

quando eu fui estudando.

Professora Maria da Penha – E vocês, por exemplo, esperavam o

príncipe encantado?

Professora Walkíria – Com certeza!

Professora Maria Aparecida – Eu não!

Professora Maria da Penha – Não?

Professora Maria Aparecida – Não, eu nunca tive essa ilusão assim.

Professora Terezinha – Eu tinha essa ilusão. E quando eu tive meu

primeiro namorado que foi o meu marido, eu achava que ele era o príncipe

encantado. Quando ele foi embora, foi uma desilusão tão grande pra mim, muito

Page 197: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

197

grande mesmo. Sabe foi assim como se o príncipe encantado fosse realmente

uma coisa de historia, ele não existisse. Que eu achava que eu tinha achado ele,

mas ele não era meu, ele era de outra.

Professora Maria da Penha – E a visão da bruxa? Vocês tinham uma

visão de bruxa, quando vocês eram pequenas.

Professora Walkíria – Não, era só o homem do saco, não tinha bruxa

ainda. O homem do saco vai passar, vai te levar.

Professora Terezinha – O Lobisomem tinha muito Lobisomem, Saci

Pererê.

Professora Walkíria – Era mais folclore que os avós falavam.

Professora Ana Maria – Que eram as historias que davam medo.

Professora Maria da Penha – E você Noelina, como foram os contos de

fadas? Quem contava historia pra você?

Professora Noelina – Eu não tive historia não, a minha avó contava

muito causo, né. Que ela falava, mas era assim de morte, né. Então, até hoje,

assim eu não consigo dormir com a luz apagada, eu só durmo com a luz acesa.

Pra mim ta sendo difícil até hoje, tanta coisa que ela contava, que vinha

aparecendo, que a pessoa falecia, depois vinha visitar. Eu não durmo com a luz

apagada de jeito nenhum.

Professora Tereza – É trauma.

Professora Noelina – É sim.

Professora Maria da Penha – E como vocês começaram a contar

historias pras crianças de vocês? Por que vocês contam historia?

Professora Walkíria – Ah! Porque a gente estudou e aprendeu que teria

que ta contando, fala da imaginação.

Professora Maria da Penha – Mas você acha importante essa hora de

contar historia?

Professora Walkíria – Eu acho. Agora eu sei que é importante. Eu vejo

pelo Erick, que ele chega contando, ele quer pegar os livros.

Professora Noelina – Tem criança que fica, né. Eles contam né.

Professora Dione – Quando eles gostam.

Page 198: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

198

Professora Walkíria – E ele faz igualzinho à professora faz. Ele pega o

livro, senta, cala a boca que eu vou te contar. Então, sabe é muito importante.

Professora Noelina – Porque no berçário quando a gente conta historia,

eu e a Simone, sempre mesmo antes de ter essa observação de criança, a gente

colocava cada um pra ler a historia. E o Erick aprendeu, desde o berçário, ele já

passava a folha e contava.

Professora Walkíria – O Pinóquio ele gravou, ele gravou a historinha do

Pinóquio. Pode perguntar pra ele, que ele conta.

Professora Ana Maria – E o lobo mau? Que que vocês me contam do

lobo mau?

Professora Dione – É uma das historias que eles mais gostam, eles não

cansam. Toda vez que você passa eles pedem.

Professora Noelina – Eles imitam na sala. O Breno fala pras crianças:

Eu sou o Lobo Mau!

Professora Walkíria – Tem alguns que cantam. Eles gostam, né?

Professora Noelina – Começa a cantar, aí faz aquela fila, quando você

vê a sala toda já ta envolvida, né.

Professora Maria Aparecida – Essa historia, essa historia eu acho que é

contagiante. É uma historia que você conta e eles não cansam de ouvir.

Professora Noelina – E quando nós fomos contar a historia do

Chapeuzinho Amarelo. A Giovanna falava: Não é esse, tia. Não é esse. Porque

ela conhece o Chapeuzinho Vermelho. Não era amarelo, era vermelho. Que

coisa, né?

Professora Simone – Eu lembro a gente na máquina de costura até dez,

onze horas da noite. Assim eu lembro um pouco da infância, de alguém contando

historia pra mim. Era meu bisavô que contava, minha bisavó que contava as

historias da guerra. Não historia pra criança mesmo, historia da vida dela. E ela

quando foi ter o meu avô, o pai do meu pai, ela escutava os tiros da guerra. Na

hora do parto, ela ficou com muito medo. E meu vô contava do Curupira, do Saci

Pererê, coisas do folclore mesmo.

Page 199: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

199

Professora Terezinha – Acho que Lobisomem, naquela época aparecia

muito por causa da quaresma. Porque, então, se você saísse à noite, se fosse

pro baile, se se pintasse. Então, pode ter certeza que ele vinha, o Lobisomem.

Professora Noelina – Eu escutei tanta historia. A minha mãe nasceu na

revolta. Era tanta coisa que ela falava dessa revolta. Que esqueceram ela na

rede, que voltaram pra buscar ela. O pessoal já tava tomando conta da casa e ela

contando aquilo. Ia me deixando apavorada, parecia que eu tava participando

daquele momento também, vê como é interessante. A gente pequena...

Professora Terezinha – E como marca, né?

Professora Noelina - É e eram duas pessoas, eu e meu irmão. Ali, ela

sozinha, contava aquilo pra gente.

Professora Dione – Por que marcou? Porque foi significativo pra vocês.

É a mesma coisa que você falou hoje. Aquilo que você dá pra criança, se ela vai

lembrar amanhã é porque teve algum significado. Teve alguma significância pra

ela.

Professora Terezinha – É que nem o menino Gustavo, né? Que ele

gosta muito da princesa, né. Ele quer se vestir de princesa. Então, tem um livro

que chama O Menino que queria Ser, é bem esse jeito. Não é que ele vai ser gay

um dia, porque ele gosta da princesa. É porque a princesa é uma coisa que

marcou pra ele. Ela é mais bonita, a roupa dela é muito mais bonita. Ela participa

muito mais da historia.

Ela aparece mais na historia. Então, provavelmente foi isso que chamou

a atenção dele. Não o fato dele em si, da roupa, não dele gostar da roupa de

mulher. Uma coisa não tem nada a ver com a outra e tem pessoas que ficam, né,

tipo podando ele, porque eles acham que esse aí não sei não.

Professora Dione – Historia de medo à gente gostava de ouvir. A historia

da bruxa dá prazer.

Professora Simone – A historia de Lobisomem, ou de Lobo Mau ou de

Bruxa, eles querem sentir o medo. Eles querem participar daquela historia. Eles

querem sentir o medo do monstro, eles querem sentir o medo disso ou daquilo. E

nós como criança também, nós lembramos de que: das historias de Lobisomem,

de Bruxa, do Curupira, do Saci Pererê.

Page 200: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

200

Professora Terezinha – Mas eu acho também que antigamente, hoje a

gente ainda tem essa mentalidade de dá atenção pro meu filho. Preciso sentar

com o meu filho. Antigamente nossos pais não tinham essa visão.

Professora Noelina – Não tinha.

Professora Terezinha – Criança era criança e acabou. Elas tinham que

ficar no lugar dela e o adulto no lugar dele. Então, acho que por mais medo que a

gente sentisse das historias era o momento que você tava perto. Era o momento

que você tinha a tia perto, você tinha o pai perto. Então, pra você não tinha

problema que você ia ter medo, mas pelo menos eles estavam perto de você.

Porque eu acho que na realidade, que eu me lembre, eram os únicos

momentos que eu ficava perto da minha mãe ou da minha tia. Se tivesse adulto

conversando, ela só olhava, você já saía de lado, você nunca tava junto.

Professora Noelina – Só o olhar você já entendia o que queria dizer.

Professora Terezinha – Era pra você ta se afastando, que não era lugar

pra você.

2º Encontro

Professora Maria Edlene - Sueli, fale como você conheceu os contos de

fadas? Se na sua infância seus pais contavam, como era?

Professora Sueli – A maior parte da minha infância eu passei com os

meus avós. E a minha avó como era índia, ela não contava contos de fadas. Ela

contava historias indígenas e meu vô contava historias africanas. Nada a ver com

contos de fadas. E o pouco de contos de fadas que eu aprendi eu já estava bem

maiorzinha. Já tinha entrado na escola, mas eu não aprendi contos de fadas

contados no livro. O que eu aprendi eram eles contando pra ensinar a gente o que

era certo, o que era errado, mas contando que nem a historia do Pinóquio.

Ah! Você quer ficar que nem um menininho que conta mentira e o nariz

cresce? Assim, mas não, exatamente a historia como a gente foi aprender depois

de grandinha.

Professora Dulcinéia – Sueli, eles contavam essas historias indígenas,

mas e as historias de princesas, príncipes?

Page 201: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

201

Professora Sueli – Tinha princesas e príncipes, mas indígenas. Um

príncipe, um príncipe índio, que se apaixonou por uma índia de outra tribo. Mas

como as tribos eram rivais, eles não, não aceitavam o relacionamento deles. Por

causa disso, eles fizeram um pacto, é bem parecido com a historia que conta de

Ceci e Peri. Só que eu não me lembro mais. Mas minha avó colocava os nomes,

mesmo da tribo. E eles fizeram um pacto de sangue e que os dois entraram na

lagoa, entraram no rio grande e de mãos juntas morreram afogados.

Professora Dulcinéia – Que bonito!

Professora Sueli – Era as historias que eu ouvia. Eram bem diferentes,

eu falei que são bem diferentes as minhas historias.

Professora Márcia Polessi – Interessante!

Professora Sueli – E também historias de assombrar. A gente tinha o

homem do saco, ou então, é engraçado que nem minha avó, nem meu avô nunca

falaram de bicho papão. Eles falavam que o vulto da noite ia pegar aquele que

fizesse muita travessura durante o dia, principalmente se fosse mal educado com

os adultos. Então,era sempre assim, olha o vulto da noite, vai vim conversar com

você.

Então quer dizer que só de imaginar que o vulto da noite ia vir falar, você

já tinha medo. Mas não era aquela coisa de assombração, o homem monstro, o

homem não sei o que, não tinha.

Professora Márcia Polessi – Su e na sua época de escola, contavam

historia pra você?

Professora Sueli – Muito pouco. Na minha época de escola eu tive um

professor que me contava muita historia. Eu fui aprender historia mesmo, tipo

contos de fadas, acho que já estava na 4ª série. Nos primeiros anos não. Era

aquele negócio, você pega o livro, você folheia. Eles não passavam conto de

fadas, só na 4ª série mesmo.

Professora Dulcinéia – E mesmo sem ter tido a vivência, você contava

pras suas crianças como educadora?

Professora Sueli – Se eu contava? Não, eu contava, mesmo sem ter tido

a vivência, porque que nem diz, eu aprendi a apreciar os contos de fadas já

grandinha. Eu já estava alcançando os dez, onze anos. Quando eu fui começar a

Page 202: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

202

ler mesmo os livrinhos de contos de fadas. A historia de Branca de Neve,

Cinderela eu já estava entre, entre os dez e os onze anos, quando eu fui

aprender.

Professora Dulcinéia – Que tinha contos?

Professora Sueli – Que tinha contos, porque até aí não eram contos de

fadas, era historia como qualquer outra, não se via como contos. E eu também

tinha aquele negócio, meus pais trabalhavam o dia todo, os dois. E eu também

não tinha aquele acesso a livros. As poucas vezes que eu via contos de fadas,

era quando tinha aquele professor que mostrava interesse, entendeu, pra mim

conseguir ver, se o professor não mostrava nada, não tinha nada.

Professora Maria Edlene – E a televisão ajudava? Ajuda hoje? Ou

ajudava na época pra você entender alguma coisa?

Professora Sueli – Naquela época, televisão acho que não passava

muito contos de fadas.

Professora Márcia Polessi – Só a Emília, sítio do Pica-pau Amarelo, Vila

Sésamo. Sueli se lembra da Vila Sésamo?

Professora Sueli – Não, mas aí não.

Professora Márcia Polessi – Toppo Gigio.

Professora Sueli – Mas aí eram programas infantis não direcionados a

contos de fadas.

Professora Maria Edlene – Fazia a criança viajar?

Professora Sueli – É ele fazia a criança viajar pra outro universo. O

universo da imaginação. Mas eles não eram como agora. Assim, vamos supor,

entra um programa que introduz a historia de um conto de fadas dentro daquele

programa. O conteúdo básico da tevê Cultura. Hoje a televisão ajuda mais,

porque hoje você vê vários contos de fadas, mas de primeiro era assim, quando

você falava em contos de fadas você via poucos. Era Branca de Neve, Cinderela

e o Pinóquio.

Professora Márcia Polessi - Chapeuzinho Vermelho.

Professora Sueli – E Chapeuzinho Vermelho, quer dizer quem soubesse

esses quatro, já sabia todos os contos de fada. Raramente você ouvia alguém

falar João e o Pé de Feijão, era raro. Rapunzel ou Os Três Ursinhos que era a

Page 203: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

203

menininha dos cachinhos dourados, raramente você ouvia contar. Quer dizer,

quem conhecia essas historias, já estava bem mais a frente que as outras

pessoas, principalmente quem...

Professora Márcia Polessi – Quem tinha vitrola naquela época, porque

saiu primeiro em vitrola.

Professora Sueli – Ah! Sim!

Professora Márcia Polessi – Depois saiu em livro. Quando tinha vitrola,

tinha quem não tinha.

Professora Sueli – Eu, na verdade assim, de ouvir historia, eu fui ouvir

historia, eu já ia fazer uns onze, devia ter de onze pra doze anos. Porque a minha

mãe me deu uma vitrolinha e ganhou no Baú, o Silvio Santos contando historia.

Professora Márcia Polessi – Isso, isso mesmo!

Professora Sueli – Você punha o disquinho e escutava várias vezes a

mesma coisa.

Professora Cecília – E tinha sempre a moral da historia?

Professora Sueli – Ah?

Professora Cecília – Tinha sempre a moral da historia no final? A

explicação.

Professora Sueli – É ele contava toda a historia e tinha a moral da

historia. Sempre assim, tá vendo a importância de você não contar mentira, você

ser sempre educado, não confiar em estranhos. Sempre tinha uma moral de

historia, que era pra quem estava ouvindo fixar aquilo. Sempre tinha essa, essa,

essa coisa de ficar preste atenção no que eu estou falando, guarde bem o que eu

estou te informando.

Professora Márcia de Fátima – Sueli, você falou do Sítio do Pica-pau

Amarelo. Eu me lembrei da minha infância, a minha infância, eu e a minha irmã. A

gente ajuntava o sofazinho de um lugar só, fazia um bercinho. Ficava uma na

ponta e a outra na outra. Colocava a coberta e assistia o Sítio do Pica-pau à tarde

inteira, passava na Globo. Não lembro que canal e a gente ficava assistindo. Meu

pai chegava às três horas, almoçava e a gente almoçava junto com ele, porque

sentia o cheiro maravilhoso. Então, a gente almoçava e nessa, eu queria saber

por que contos de fadas só é aquele que no caso é internacional. Não é daqui e

Page 204: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

204

por que a Emília traz a imaginação? A Emília é uma boneca que fala, uma boneca

costurada pela avó pro neto. Como os nossos avós e a criança usa a

imaginação? E os contos de fadas faz isso?

Só que ele é internacional e a Emília é brasileira. Por que não pode ser a

Emília, contos de fadas também. Por que na minha época eu não tinha Barbie, eu

não tive bonecas. A minha boneca, minha irmã fazia de pano. Aquela magrelinha,

o cabelinho costuradinho, o olhinho e aquilo lá era a minha Barbie. E eu

imaginava que era uma Emília, entendeu. Eu fazia o quê? As caixinhas de fósforo

eu fazia a casinha. Então, eu imaginava tudo isso. Porque comparava a minha

boneca de pano com a Emília. Só que não era colorida. Não pode ser um conto

de fadas?

Professora Dulcinéia – Então, a Emília, ela trabalha o folclore, que é o

nosso folclore brasileiro, o folclore nacional. E o que ela traz? Ela traz os

personagens do próprio folclore?

Professora Márcia de Fátima – Então, mas só que eu falo assim, em

questão de ser contos de fadas e folclore também trabalha a imaginação. Por

que, existe o príncipe?

Professora Dulcinéia – Existe.

Professora Márcia de Fátima – Pra todo mundo?

Professora Dulcinéia – Existe nos contos.

Professora Márcia Polessi – A rainha existe.

Professora Márcia de Fátima – Na Emília também tem.

Professora Márcia Polessi – Tem o Príncipe Escamado.

Professora Márcia de Fátima – Então, eu estou falando a comparação,

porque na minha infância como eu já havia falado não tinha contos de fada, não

tinha historia da Chapeuzinho Vermelho. Não tinha historia dos outros, Branca de

Neve, os padrões, o que é contos de fadas pra todo mundo, é esse aí, pronto e

acabou.

O meu conto de fada, na época, voltando a minha memória era o Sítio do

Picapau Amarelo, porque me fazia imaginar a bruxa, que era a Cuca, o príncipe e

tinha os sapos, todos os personagens de uma historia de contos de fadas. Eu

fazendo essa comparação, entendeu?

Page 205: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

205

Professora Sueli – Aí, no caso, seria assim, vamos supor, a literatura em

si não reconhece o Sítio do Pica-pau, só porque...

Professora Márcia Polessi – Ele é brasileiro.

Professora Sueli – Ele é brasileiro e vê ele como uma historia folclórica e

não como conto de fada.

Professora Márcia Polessi – Mas reconhece Walt Disney, porque a

mídia...

Professora Sueli – Porque na verdade, pelo que eu entendi seria assim,

o Sítio do Pica-pau sairia de um conto folclórico e se tornaria...

Professora Márcia de Fátima – No caso um conto popular.

Professora Sueli - Porque na verdade ele vem como se fosse um conto

popular e que foi se aprimorando de historias. Porque Monteiro Lobato criou de

um jeito e foram se aprimorando, aprimorando. Ele poderia muito bem ser, né?

Ele poderia muito bem ser contado e colocado como um conto de fada nacional,

porque ele mexe com a imaginação das crianças. E quem foi que não assistiu o

Sítio do Pica-pau Amarelo?

Professora Maria Edlene – Mas falta à literatura aprimorar mais e dar

valor também.

Professora Márcia Polessi – Eu acho que não é a literatura, a mídia, a

mídia ajuda muito. É a mídia gente, a mídia levantou Walt Disney, a mídia, a

mídia levanta e derruba.

Professora Sueli – E se colocassem...

Professora Maria Edlene – Se o povo brasileiro quisesse...

Professora Sueli – E se transformasse o Sítio do Pica-pau Amarelo num

desenho animado, pode ter certeza que ele vai pegar, como pega a Cinderela ou

uma Branca de Neve.

Professora Dulcinéia – Márcia, você já conta às historias do Sítio, está

contando da Emília? Você gostaria de ter sido algum personagem do Sítio do

Picapau?

Professora Márcia de Fátima – Não.

Professora Márcia Polessi – A Cuca!

Professora Dulcinéia – Nas suas brincadeiras...

Page 206: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

206

Professora Márcia de Fátima – Eu tinha vontade de ser a Narizinho, que

eu adorava a Narizinho e a Emília pelas travessuras. Que ela poderia, que eu não

podia no momento fazer. Igual se subir na árvore, na minha casa não tinha

árvore, eu tinha que ficar dentro de casa. Não podia sair na rua, que minha mãe

não deixava, entendeu?

Como eu falei, por ser a caçula e tinha uma irmã um ano mais velha,

então, a gente vivia juntas. A gente não saía na rua. Então, a gente imaginava as

brincadeiras que a Emília fazia de pular, de correr, de imaginar de estar em um

lugar diferente. Era esse momento que eu queria ser ela e também a Narizinho

que eu adorava o Pedrinho.

Professora Márcia Polessi – Ah! Eu queria ser a Cuca, por medo em

todo mundo, saía na rua e falava: Eu sou a Cuca! Sempre tive esse lado

macabro.

Professora Maria Edlene – De querer ser a Cuca, as bruxas?

Professora Márcia Polessi – O Saci, sumir com as coisas, esconder.

Professora Sueli – Eu, já ao contrário, quando eu consegui aprender a

ouvir a historia do Sítio do Pica-pau, eu já me via a Emília. Porque eu era o

contrário. Eu falava que ela fazia tudo o que eu fazia. Então, muitas vezes eu

falava: Ah! Não tem graça. Essa boneca, essa boneca faz tudo que eu faço,

entendeu? Porque era assim, eu vivia como eu falei a maioria do tempo com

meus avós, que apesar de ser dentro de São Paulo, era um terreno enorme, que

era como se fosse um sítio. E sempre teve muitas árvores frutíferas e muitos

animais. Quer dizer, tudo aquilo que passava que a Emília estava fazendo na

televisão. Ai que boneca chata! Ela sobe na árvore, eu também subi!

Professora Cecília – Você já tinha vivenciado.

Professora Sueli – Entendeu? Eu falava assim: ela está correndo dentro

do rio, eu também corri, então, quer dizer...

Professora Cecília Ela estava te imitando.

Professora Sueli - É, no meu ver, ela estava imitando o que eu fazia. Eu

tinha um primo que falava assim: “Olha lá, vem ver a Sueli na televisão!”, que era

a Emília e eu falava: Vó eu não gosto dela, porque ela está fazendo à mesma

coisa que eu fiz. Pois agora vou pegar um sapo e eu quero ver se essa boneca

Page 207: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

207

vai pegar, até aí eu não tinha aquela, aquela compreensão de dizer assim: ela

está interpretando o que foi escrito pra ela fazer e mais parecia uma coisa. No dia

que eu subia na árvore, quando nós parávamos de tarde pra assistir televisão. A

boneca subia na árvore. Então, aquilo dava a impressão que ela tinha visto o que

eu estava fazendo e estava me imitando. Aí minha avó falava assim: Isso é só

televisão, menina. Aí eu falei: Pois eu vou pegar um sapo.

Eu fui num poço que tinha lá perto, peguei um raio de um sapo, coloquei

ele dentro de uma caixinha de sapato, corri pra frente da televisão e fiquei

esperando. Agora eu quero ver se ela vai pegar o sapo também, quer dizer,

porque eu sempre entendi assim. Mas é que nem eu estava explicando, eu

assistia o Sítio do Pica-pau Amarelo como se, como se tivesse assistindo

qualquer coisa, a gente não via como um conto de fadas, você estava assistindo.

Professora Dulcinéia – E Sueli, você falou da Emília, da identificação, da

imitação. E a sua avó, a sua avó também pra você era como uma figura de Dona

Benta.

Professora Sueli – Sim, sim porque minha avó adorava fazer bolinhos,

vivia com um avental e adorava quando a gente falava que precisava fazer

comidinha pra brincar de casinha. Ela sempre dava um jeito, ela fritava ovo, fazia

farofa e falava: Pode ir buscar as suas panelas. Então, ela punha a farofa dentro

das panelinhas, pra gente levar até aonde a gente estava brincando nos caixotes.

Ela colocava pra gente brincar de comer. A gente brincava de casinha, mas não

era de imaginação. A gente tinha as comidinhas mesmo, porque a minha avó

dava, ela misturava farinha de mandioca com açúcar pra fazer coisinha doce. A

gente sempre comia comida mesmo nas brincadeiras de casinha, não imaginava.

Professora Maria Edlene – Sueli, e assim, porque a gente como

educador não acaba contando a historia da Emília pras crianças e acaba

contando outros contos?

Professora Sueli – Por quê?

Professor Márcia Polessi – Bom, aqui já teve no CEI um movimento de

contação de historia da Emília, que em 1989 – 90, não é, Sueli? Se não me falha

a memória nós dramatizamos sim, trabalhamos a historia do Sítio do Pica-pau

Amarelo. E no final do projeto, que a gente nem sabia que era projeto nós fizemos

Page 208: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

208

um teatro com danças, vestimos as crianças com sabugo, tingimos lençóis. A

gente fez.

Professora Maria Edlene – Não, mas eu acho assim...

Professora Márcia Polessi – Um tumulto aqui no CEI.

Professora Maria Edlene – Porque veja a historia da Branca de Neve, se

você for contar pras suas crianças você vai contar daquele jeito que é a historia

mesmo. Eu também, mas a da Emília tem só um padrão?

Professora Márcia Polessi – Não, não tem padrão, porque ela não tem

fim.

Professora Maria Edlene – Eu acho que talvez seja por isso.

Professora Sueli – Que nem a Branca de Neve, os outros contos de

fada, que de certa forma dentro de uma instituição educacional, não só de CEI, é

bem dizer, quase que te imposto a você contar esse conto de fadas.

Professora Cecília – Sim, porque ele faz parte.

Professora Sueli – Ele faz parte do conto de fada, mas é assim, vamos

supor, acaba que nem no nosso caso. Aqui já recebemos dois mil livros, já teve

um ano que chegamos a receber mil livros, não tinha um do Sítio do Pica-pau

Amarelo.

Professora Márcia Polessi – Verdade!

Professora Sueli – Agora, tinha cinco ou seis exemplares de Branca de

Neve, de Chapeuzinho Vermelho, Pinóquio, quer dizer...

Professora Márcia Polessi – Os três porquinhos...

Professora Maria Edlene – Talvez seja por isso, porque eles tem só

aquela historia, tem começo, meio e fim.

Professora Márcia Polessi – O Sítio não tem fim.

Professora Maria Edlene – São várias etapas, várias historias.

Professora Sueli – Só que coisa que poderia ser assim trabalhada e

resolvida, nós também temos historias aqui. Por que o Chapeuzinho é vermelho?

Por que é verde? Por que é amarelo? Por que é abóbora? Por que é Lobo Mau?

Vamos supor, na historia, você está contando a historia, depois assim, o Lobo não

é mais mau, o Lobo é bonzinho. Quer dizer que foi tema que era a diversificação.

Page 209: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

209

Professora Maria Edlene – Já vi historia da Chapéu que ela tentava

educar o Lobo. No final ela que ficava má e o Lobo ficava bonzinho.

Professora Sueli – Você vê, mas de certa forma ela já teve umas

modificações, diversificaram assim o tipo...

Professora Maria Edlene – Ninguém fez isso, ninguém se preocupou em

fazer isso.

Professora Sueli – Então fica uma historia assim, sem ter fim, porque se

fossemos se basear na primeira historia do Sítio do Pica-pau que Monteiro Lobato

criou, o que ia acontecer? Você conseguiria ficar focada naquelas, mas acontece

que o Sítio do Pica-pau, acho que ele logo que entrou na televisão, ele foi

mudando historias, historias e historias, ninguém sabe direito dizer qual é a

historia original.

Professora Maria Edlene – O que falo das travessuras da Emília e o que

a gente lembra.

Professora Márcia de Fátima – Por que os nossos pais nunca contavam

historias do Sítio?

Professora Márcia Polessi – Eu vou falar por mim, os meus estavam

sempre trabalhando.

Professora Maria Edlene – E porque não conheciam.

Professora Márcia Polessi – E sempre trabalhando, porque o horário

que passava, quem estava em casa? O seu pai chegava às três horas, quando

terminava ia almoçar e aí?

Professora Sueli – No meu caso, que nem eu falei, o ambiente que eu

vivia era diferente. As historias que eu ouvia também e depois quando eu passei a

morar constantemente, na época de escola, com o meu pai e com a minha mãe.

Aí era aquela coisa, saíam pra trabalhar, chegavam tarde da noite e que nem

dizem, eu não tive, não tinha. Minha mãe nunca teve o hábito assim e também

não dava tempo. A hora que a gente deitasse para dormir não tinha como. Aquilo

foi passando, quer dizer, vamos supor, a minha mãe foi parar pra pegar um livro

de contos de fadas pra ler, o dia que eu peguei na biblioteca o livro. Levei pra

casa e mostrei pra minha mãe, que era a historia. É por isso que eu falo da

historia do Pinóquio, que é a que pra mim ficou mais marcada assim. Porque eu já

Page 210: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

210

ouvia ela quando eu era criança. Era a historia de ler. De Pinóquio “nossa, sua

avó falava uns pedaços dessa historia de Pinóquio pra mim”, mas nessas alturas

eu estava entrando quase com treze anos de idade. Eu já estava bem dizer quase

passando da fase, já tinha saído da fase infantil e entrando na adolescência.

Professora Maria Edlene – Acho que as crianças hoje em dia tem sorte.

Professora Márcia Polessi – Nasceram numa época boa, né?

Professora Sueli – É uma época que tantos pais se interessam em

contar.

Professora Maria Edlene – Tem mais opções.

Professora Márcia Polessi – A globalização no caso. Porque antes não

tinha computador e televisão, não tinha DVD, não tinha nada. Rádio se vocês

pensarem bem gente. Rádio e televisão o pessoal que tinha e a gente. A gente

mora num bairro médio. O rádio foi surgir em 1960 que é isso. A televisão se não

me engano em 1950. Não é, o que você tinha notícias no rádio, naquela época,

era sobre a guerra, Segunda Guerra Mundial. Num ia entrar nos contos de fadas,

o mundo era militar. O Brasil estava na época do militar, aonde que o militar ia dar

vazão pros contos de fadas, me fala?

Professora Maria Edlene – Imagina!

Professora Márcia Polessi – Então, a gente está aqui numa época muito

valiosa. Temos a mídia e temos a informática.

Professora Eliana - Em relação aos contos de fadas, o que você acha

Sueli, da “Princesa e o Sapo”, que trouxe a princesa negra?

Professora Sueli – Ótimo!

Professora Eliana – Você encara como preconceito ou valorização do

negro?

Professora Sueli – Não, eu encaro, não digo valorização, mas eu acho

por que as princesas só tinham que ser branquinhas e loirinhas?

Professora Márcia Polessi – Por que não incluir aí a oriental?

Professora Maria Edlene – Tem a Mulan.

Professora Cecília – É o estereótipo?

Professora Sueli - É o estereótipo.

Page 211: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

211

Professora Maria Edlene – Legal Sueli! Só que eu estava lendo uma

reportagem que um crítico americano fala assim, que demorou tanto tempo pra

sair uma princesa negra e por que ela tinha que começar pobre, trabalhar,

trabalhar pra conseguir alguma coisa. Ela já tinha que vir de família rica. Ela já

tinha que ser uma princesa, quer dizer. Ele achou ruim que a princesa teve que

nascer pobre, trabalhar, trabalhar bastante, casar com o príncipe pra virar

princesa.

Que ela já tinha que ser princesa, que a Disney tinha que ter valorizado,

eles lutaram tanto pra ter uma princesa negra e ela é linda?

Professora Eliana – Eu conheço uma historia que a menina era

empregada da minha irmã, ela era branquinha, loirinha. Era uma graça, ela era lá

do Rio Grande do Sul, só que vivia aqui com a minha irmã. Os pais dela tinham

morrido, não tinha ninguém. Então, ela vivia aqui com a minha irmã. E a irmã

falou assim: Tenho uma pessoa que quer que more na casa dela, pra você

trabalhar lá. E ela falou: Eu aceito. Aí ela trabalhou na casa da minha irmã como

empregada. Fazia de tudo, depois ela foi embora pra casa da irmã, lá no Rio

Grande do Sul e lá ela depois conheceu um fazendeiro. Casou com ele e virou a

princesa! E ela ainda convidou a minha irmã pra ir lá, passar um dia lá na casa

dela.

Professora Sueli – Então, pra mim, eu entendo assim, que nem você

falou até a autocrítica desse americano. Só que eu acho assim. É você ver os

dois lados desse conto de fada. Você pode mostrar através do conto de fada que

nem tudo você consegue com facilidade. Você trabalhou, você se esforçou, você

lutou, quer dizer, você vai mostrando valores pra criança. Eu acho que no caso da

princesa negra e do sapo, você vai mostrando valores. Ela é negra, pobre, que foi

a luta, que trabalhou, batalhou, se desenvolveu até que, e mostrando

independentemente dela ser pobre e negra ela encontrou o príncipe que gostou

dela.

Independente de valores, nesse ponto eu acho que independente de

estereótipo, independente de valores, classe social, ele não se importou se ela

era pobre, se ela era negra. Foi dela que ele gostou. Então, eu acho assim que

são tipos de valores que você, somente a gente que está na área de Educação

Page 212: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

212

Infantil aponta pra criança que há diferenças. Não é porque aquele é branco e

você é negro, que ele é melhor que você ou que você é melhor que ele. Todos

são iguais e é aquela coisa, ele tem condições melhores que você, você vai

aprender com o tempo que tem que ir a luta pra alcançar seu objetivo.

Lá na frente que você também pode ter o que ele tem e aprender que

principalmente na criança, que eu não tenho que invejar o outro. Eu tenho é que

demonstrar pra ele que eu sou tão capaz quanto ele. Eu não preciso invejar do

que ele tem. Então, quer dizer que a partir do momento que o professor de

Educação Infantil, você começa a ensinar a criança, você consegue fazer com

que a criança começa aprender aquilo, que o colega dele é igual a ele

independente se ele é negro, se ele é índio.

Professora Maria Edlene – É como você falou existe dois lados da

historia. O lado do príncipe eu achei interessante que ele era totalmente sem

caráter, ele estava atrás de uma princesa que tivesse dinheiro, porque o pai dele

já tinha cortado tudo, porque ele era folgado. Só ficava gastando, não ajudava em

nada e quando ele conheceu ela, que ela falava muito em trabalhar, em um valor

bem diferente do dele. Ele aprendeu, então, ela ensinou muito pra ele.

Professora Sueli – Então, quer dizer, independente dela ser negra e

pobre, ela ensinou valores pra ele. Que um príncipe branco e rico não tinha,

nunca teve, nunca aprendeu.

Professora Eliana – Eu achei muito engraçado.

Professora Sueli – Você entra naquela historia, que nem a gente fala,

aquele que veio de berço pobre, que foi a luta e conseguiu alguma coisa. Ele dá

valor, se formou, conseguiu entrar em uma faculdade. Ele tem um valor moral,

que ele conseguiu aquilo. Agora aquele que desde criança dá um grito e o pai dá

pra ele, ele nunca vai dar valor moral. E qual é o papel do educador? Formar a

criança para que a criança tenha valores morais, porque o que mais está faltando

no adolescente hoje em dia, em muitos, principalmente, o que está se reparando

hoje em dia na mídia são valores morais, principalmente em adolescentes de

classe média alta, que é aquele que tudo que ele quer, o pai dele dá.

Professora Cecília – Mas é culpa da família.

Professora Sueli – Ele nunca fala não pra ele. É a família mesmo.

Page 213: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

213

Professora Cecília – Quando fala não um dia na vida.

Professora Sueli – Ele é capaz de matar o próprio pai.

Professora Maria Edlene – E o bom desse conto é que tem tanta coisa.

Eu acho um dos contos melhores. Além disso, do príncipe que eu acabei de falar,

tem a historia da perda. Que é quando o vagalume morre, trata isso também pra

gente estar trabalhando com as crianças sobre isso. E a gente se voltar quando a

gente era criança, a gente não entendia.

Quando minha avó morreu, que eu era criança e ela lá no caixão e foram

colocar ela lá embaixo e era engraçado. Que eu falava pra minha mãe: Mas vão

colocar ela aí embaixo, ela vai morrer sufocada. Então, quer dizer, eu não sabia,

eu não entendia o que era. Meu pai, minha mãe não tinha tempo e talvez se eles

me explicassem ela foi embora, ela morreu, não tem outra forma de trabalhar pra

criança entender isso e hoje tem.

Professora Sueli – E através desse conto de fada, o que a pessoa faz,

você consegue mostrar valores, perdas, quer dizer ensinar que você...

Professora Márcia Polessi – Respeito.

Professora Sueli – Que você ganha, que você perde, que isso faz parte

do seu dia a dia, você vai aprender a perder, a ganhar, mas quer dizer, tudo em

cima de valores e respeito para com o outro.

Professora Maria Edlene – E o engraçado é que mostra que a morte não

é um lado ruim do conto, você vê que o “Way” acha que é legal a morte, que ele

vai encontrar a Evangeline. Ia ficar feliz, ele sorria, então, tem esse lado.

Professora Sueli – Mas porque na historia do conto de fada, o “Way” já

não via a morte com medo, ele já via a morte...

Professora Maria Edlene – Ele era apaixonado.

Professora Sueli – Eu vou encontrar a Evangeline, aquilo ali pra ele, se

ele morresse estava tudo bem, porque ele falava assim. Que ele tinha sempre

aquela esperança que do outro lado que ele ia encontrar e outros problemas que

a gente não consegue.

Professora Márcia Polessi – E a gente também trabalha a religião e o

respeito, de você ter uma religião e respeitar a pessoa e ela te respeitar também.

É muito bom esse conto.

Page 214: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

214

Professora Sueli – E isso que eu estou falando, às vezes, a pessoa vê o

conto e como fala?

Professora Maria Edlene – Não vai além.

Professora Sueli – Não vai além, não se aprofunda você tem que ler e se

aprofundar e conseguir. Você vai ter que se aprofundar pra você descobrir, em

um conto só quantas coisas pra trabalhar.

Professora Maria Edlene – E ainda se a gente for ver tem mais coisa

nesse conto.

Professora Sueli – E se você for se basear, vamos fazer uma

comparação da historia do príncipe e da princesa baseado em cima do da Branca

de Neve, onde que você encontra maiores valores? Quem sabe o conto da

Branca de Neve, você quase não vai encontrar. Você primeiro vai encontrar que

ela é boazinha, que ela está sofrendo na mão da madrasta.

Professora Maria Edlene – Valoriza muito a beleza.

Professora Sueli – É porque ela é linda, linda, linda. Ela é muito linda e

ta, ta, ta. E demonstra o quê? Que a madrasta tem inveja. E eu acho assim é uma

coisa trabalhada assim, que se você não trabalhar bem a cabeça da criança, uma

menina no meio da escola que se vê como a Márcia. É linda como a Márcia é

linda, não sabe que é inveja, birra com a Márcia, porque a professora falou que a

Márcia é linda. Então, você que vai trabalhar o conto de Branca de Neve, quer

dizer o único que vê Branca de Neve numa boa são os sete anões. Eles não

queriam saber dela, da onde que ela veio, quem era ela. Eles demonstraram a

bondade, é o outro lado. Eles demonstram a bondade à hora que eles aceitam ela

na casa uma estranha na casa. Independente, eles não queriam saber se ela era

princesa, da onde que ela veio.

Professora Cecília – Eles só pensam em ajudar.

Professora Márcia Polessi – Ela limpou a casa gente.

Professora Eliana – Ela organizou.

Professora Sueli – Ela sabia fazer comidinha.

Professora Cecília – Eles trabalhavam bastante chegavam do serviço e

achavam tudo arrumado.

Page 215: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

215

3º Encontro

Professora Paula - Bom, minha vida profissional no momento me fez

lembrar. Eu até li ontem pras crianças foi a historia dos três porquinhos, porque

desde que eu pensei em cursar pedagogia e ser professora. O meu objetivo

sempre foi trabalhar na EMEI. É um lugar que desenvolve um trabalho legal com

às crianças, é uma faixa etária que eu gosto de trabalhar e a primeira vez que eu

comecei a trabalhar mesmo foi em escola particular. E na escola particular a

gente é muito podada, não era muito, mas éramos. Seguimos algumas coisas

que, às vezes, você não concorda, mas é o seu emprego e você tem que

respeitar a linha pedagógica da escola. Então, era mais ou menos como o

porquinho da casa de palha, logo veio o primeiro vento, eu prestei o concurso,

entrei no CEI, no final do ano e eu fui dispensada exatamente porque eu não

podia mais dobrar, porque eu tinha passado na prefeitura. Então, a primeira casa

que é de palha logo já foi embora. Foi rápida, em questão de seis meses eu tinha

passado no concurso. A segunda casa seria a de madeira, que é uma casa já um

pouco mais resistente, mais difícil um pouco do lobo derrubar e seria o CEI. Eu

achei até que eu ia ficar mais tempo no CEI, quando eu entrei, eu já procurei

tentar pegar estágio dentro da idade que eu gosto de trabalhar. É um lugar que eu

aprendi muito, mas que eu gostaria muito de ir pra EMEI e que agora eu tive a

oportunidade e consegui. Então, é a segunda casinha que está sendo derrubada,

mas no bom sentido, não é no sentido do Lobo Mau. Esse seria um Lobo Bom

que é o crescimento, é buscar, a busca de objetivos, da felicidade, da conquista.

Agora, acho que eu cheguei à casinha de tijolinhos, que era o que eu queria, que

era poder trabalhar em uma EMEI, com a faixa etária que eu gosto, que é a faixa

etária entre três anos e meio e quatro até seis anos, que é a descoberta de muitas

coisas. Eu vejo mais ou menos isso, e o lobo, na verdade, eu vejo como os

desafios que eu tenho que enfrentar, mesmo estando na EMEI, o lobo vai tá

sempre me rondando lá. Na casinha de tijolos, eu acho que depois disso, eu vou

ter que sair da casinha e construir um prédio, que seria eu ir pra frente, eu

caminhar pra uma coordenação, pra uma direção. Eu acho que a gente tem

sempre que estar crescendo, a gente ficar parado não dá. A gente tem que ir em

Page 216: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

216

busca da novidade, em busca de coisas diferentes e nunca ter medo de voltar

atrás também. Se um dia eu precisar voltar lá pra casinha de palha, voltar lá pra

casinha de palha, porque a gente sabe que as outras casinhas tão lá, pra gente

poder se refugiar.

Professora Sueli – Paula, e na sua vida pessoal, qual é a historia do seu

momento?

Professora Paula – A historia do meu momento, não sei, eu não parei

pra pensar nisso.

Professora Márcia Polessi – Casamento.

Professora Eliana – Que conto?

Professora Paula – Não sei qual seria a personagem.

Professora Maria Edlene – No conto já seria o fim, o casamento.

Professora Paula – Ah! Ficar felizes para sempre mesmo. Sim, mas é

que está na parte que ainda não chegou no casamento, mas está chegando. Eu

gosto muito da historia da Cinderela, dos contos de fadas a historia da Cinderela

é a que eu mais me identifico, que eu gosto sim. Eu sempre gostei mais, mas não

sei relacionar a historia da minha vida, a historia é muito fora da nossa realidade.

Então, mas é uma historia que eu gosto, toda vez que alguém me pergunta de

um conto de fadas que eu gosto, particularmente eu digo, Cinderela.

Professora Maria Edlene – Mas a Cinderela, acaba que trazendo, até

que não é tão fora assim, porque acho que todo mundo espera um noivo, fica a

espera, sonha.

Professora Márcia – Por que você está olhando pra mim?

Professora Sueli – Porque você está esperando o seu príncipe.

Professora Márcia – O meu príncipe, como a Edina fala, já virou o quê?

Professora Edina – Sapo.

Professora Márcia – Sapo?

Professora Eliana – Então ele ainda não virou príncipe.

Professora Edina - É um sapo que ainda vai virar príncipe.

Professora Márcia – Vou começar a beijar todos os sapos que eu

encontrar.

Page 217: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

217

Professora Sueli – Eu só posso afirmar que eu não tenho contos de

fadas.

Professora Maria Edlene – Não! Por quê?

Professora Sueli – Porque eu era a Emília. Porque a boneca Emília me

imitava. Ela me imitava! E a Cecília?

Professora Cecília – Não tenho nada a declarar.

Professora Márcia – Hein, Cê e você?

Professora Cecília – Não tem nada em relação aos contos de fadas.

Professora Maria Edlene – É real!

Professora Cecília – Eu realizei os meus sonhos, eu estou em busca dos

meus sonhos e tenho muitos sonhos pra se concretizar ainda. Também já

encontrei meu príncipe encantado, já me decepcionei muito. Ainda bem que eu

não casei com pessoas que iam me fazer sofrer. E ele entrou na minha vida só

pra acrescentar. Então, tudo o que eu consegui, tudo que eu batalhei, eu tive

apoio dele. Tudo, então, eu agradeço.

Professora Márcia – Com que historia se encaixa?

Professora Cecília – É eu acho que eu fui um pouco de Cinderela

também. Eu nunca tive muito incentivo dos meus pais, por não ter condições de

ter bancado estudo e nos incentivado. Eles sempre me incentivaram a estudar,

mas eles não tinham condições de pagar uma faculdade. Eu sempre comparava a

minha prima que tinha melhores condições que eu, melhores brinquedos, viajava.

Então, quando a gente é criança, a gente percebe as diferenças.

Então, a gente sonha também em tá no lugar, de ter os mesmos

privilégios que no caso a minha prima tinha. Desde pequenininha a educação dela

foi diferente, sempre estudou nos melhores colégios, meu tio sempre

proporcionou cursos pra ela, até quando ela se formou na faculdade. No meu

caso já fui como se fosse Cinderela.

Professora Paula – Eu também fui bolsista no colégio, na faculdade.

Professora Cecília – Então, eu comecei desde muito nova a trabalhar e

comecei a trabalhar. E o meu primeiro emprego não foi em escola, comecei a

trabalhar em um shopping que abriu perto da minha casa. Eu tinha uns quinze

anos. Eu fiquei entre quinze e dezesseis anos, eu estava terminando o segundo

Page 218: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

218

grau. A minha prima trabalhava numa escola, ela fez magistério. Ela trabalhava

numa escola, ela começou como professora em uma escola particular. Ela me

indicou pra trabalhar com criança, mas eu pensar em ser professora, sem ter

experiência. Eu topei o desafio. Comecei a trabalhar com mini maternal, crianças

de dois anos. E com a experiência do dia a dia, eu fui pegando amor, carinho pelo

ambiente de trabalho. Sonhava em estar no lugar das professoras. Porque eu

observava a experiência delas, porque eu estava mais como auxiliar, mas eu

pensava assim comigo, um dia você é capaz de chegar no lugar delas. Então, pra

isso eu tenho que batalhar, tenho que estudar, só que na época eu ganhava um

salário mínimo. Não tinha nem como eu estudar e era meio período, só que eu

trabalhava. Só que eu falei mais pra frente eu vou.

Professora Paula – Ela não era estagiária, era estadiária.

Professora Cecília – Eu me lembro do passado, essa minha prima era

professora e eu era aluna dela nas brincadeiras de faz de conta.

Professora Sueli – Então, na verdade baseado no conto, nos contos de

fadas, você e a Paula se sentiam o Patinho Feio.

Professora Paula – Eu nunca me senti Patinho Feio, verdade.

Professora Cecília – Em certas ocasiões eu sentia, eu me sentia o

Patinho Feio.

Professora Sueli – O Patinho Feio no sentido assim...

Professora Paula – Meus pais sempre me incentivaram a ir pra frente,

não é porque eu tinha menos que eu era pior.

Professora Cecília – Então, até hoje eu tenho que vencer a minha

insegurança, até hoje eu sou muito insegura.

Professora Sueli – Então, de certa forma, você traz da infância aquele

negócio, a sua prima podia tudo. Ela tinha tudo e você via a diferença, eu estou

falando nesse sentido.

Professora Cecília – Foi mais fácil pra ela progredir do que pra mim, no

caso.

Professora Sueli – Então, você conseguiu tudo com esforço, mas no

momento você era o patinho.

Professora Cecília – E um pouco de Cinderela.

Page 219: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

219

Professora Sueli – Sim, são historias assim.

Professora Cecília – Eu também já sonhei em ter um príncipe

encantado, já quebrei muito à cara assim, com relacionamento, já sofri muito.

Professora Sueli – É isso também.

Professora Cecília – E assim, quando eu menos esperava, eu encontrei

a pessoa certa.

Professora Sueli – E são os contos de fadas que a gente vai mudando.

Você primeiro é uma, você se vê em uma historia daqui a pouco você se vê em

outra.

Professora Cecília – Mas eu sempre pensei em progredir. Eu fiquei três

anos na particular, mas sempre prestando concurso. Uma hora eu consigo e tudo

foi acrescentando na minha vida, aos poucos.

Professora Paula – Tudo é batalha. Acho que a gente vai valorizar não

que quem tenha mais fácil não valorize, mas quem luta pra conseguir as coisas

valoriza as coisas muito mais. Eu vejo pelo pessoal que eu cresci junto, quem

hoje trabalha na profissão que escolheu, por exemplo, foram pessoas que mesmo

que tinham dinheiro, os pais não davam tudo. Foram pessoas que foram atrás,

batalhar. Então, eu vejo isso, muitas pessoas que eu cresci junto, que os pais

deram tudo, muito inteligente, hoje não sabem nem o que fazer da vida. Eu acho

que quando a gente batalha, independente da condição financeira, mas no

sentido de batalhar.

Professora Cecília – De batalhar mesmo.

Professora Sueli – De ir atrás dos objetivos.

Professora Paula – Acho que é mais neste sentido.

Professora Maria Edlene – Sueli. E você continua sendo a Emília? Você

se sente como a Emília?

Professora Sueli – Eu acho, que em certos momentos sim. Em certos

momentos ainda me sinto a Emília, mas só que agora já passou daquela fase da

infância. Eu não me sinto mais imitada. Porque até aí, na infância, como eu disse

anteriormente eu achava que a boneca me imitava. Ela está fazendo tudo o que

eu faço.

Professora Paula – Eu amava a Emília. É por isso que eu gosto de você.

Page 220: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

220

Professora Sueli – Então, então eu achava que ela imitava as coisas que

eu fazia, quer dizer eu fazia durante. Vamos supor no período da manhã, quando

chegava de tarde que eu ia assistir, ela estava fazendo a mesma coisa que eu

estava fazendo. Então, mas hoje eu já vejo... me sinto a Emília várias vezes. Mas

uma Emília um pouco mais consciente, mais do mesmo jeito daquela Emília.

Professora Eliana – Que faz travessura.

Professora Sueli – Eu não digo de fazer travessuras, mas aquela

personalidade de conversar com todo mundo. Eu converso com todo mundo, eu

brigo com todo mundo quando é necessário, ou seja, é aquele jeito bem da

boneca Emília mesmo. Fica brava agora e daqui a pouco já não está mais. Se

tiver que fazer cara feia eu faço cara feia e pronto. Depois, amanhã já não estou

de cara feia e aquilo, me comparando à boneca é o mesmo jeito que todo mundo

via a boneca. Aquela boneca com ares birrento, tinhosa e ao mesmo tempo,

conseguia cativar todo mundo.

Eu acho que eu ainda continuo assim, eu brigo e daqui a pouco está tudo

bem, mas eu acho que eu ainda continuo um pouco de Emília.

Professora Edina – Oh, gente! A minha historia tem um pouco a ver com

a da Cecília. Eu não parei ainda pra analisar se tem a ver com contos de fadas.

Vocês até podem me ajudar. Também o meu começo não foi fácil, mas eu

sempre me joguei e eu tenho tido muita sorte. Todo lugar que eu trabalho, as

pessoas me acolhem e eu acolho elas também. Porque se você não se dá, você

não recebe. E no caso eu tive muita sorte quanto ao magistério, quanto a

trabalhar na secretaria da escola. E eu na secretaria eu fazia de tudo, o que eu

não consegui na vida eu fazia pra aqueles que chegavam lá. Que pediam pra mim

e eu tentava. É por isso que eu estou falando a minha historia deve ser parecida

com a da Fiona, que estava lá no castelo presa e quando se soltou...

Professora Maria Edlene – Encontrou com o Shrek.

Professora Márcia – O Shrek que soltou ela.

Professora Paula – Seu Benê.

Professora Edina – Já tentei fazer outras coisas, trabalhar com pessoas,

já trabalhei com pessoas, trabalhei na polícia civil. Fui policial civil algum tempo,

depois pro Magistério. Saí da polícia não foi porque não gostei, gostei demais de

Page 221: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

221

trabalhar, mas saí devido à criança, filho. Então, achei que era prioridade naquele

momento. Mas, depois, quando eu entrei na escola pra trabalhar com magistério

mesmo, acho que na secretaria mesmo eu já comecei, porque eu lidava com

criança, com as pessoas que chegavam e depois a própria escola me acolheu

quando eu fui mesmo fazer a faculdade. Eles me jogaram numa sala lá e

disseram: - Agora você vai! E toda vez que eu chego nessa escola eu sou

referência pra eles.

Esta aqui era a secretária, agora como ela tá. Eles fazem sempre assim

pra mim. É gente muito legal, eu não sei que conto de fadas é esse. Mas eu

sempre pensei como a Cecília. Se eu quero, porque eu não vou conseguir. Acho

que todo mundo pode conseguir.

Professora Cecília – Todo mundo é capaz.

Professora Edina – É capaz de conseguir aquilo que você quer

realmente você quer. E outra coisa, quando você consegue realizar o que você

tem dentro do coração , é a parte melhor. Que aquele que está lá em cima vai

olhar não essa daqui vai realizar. Quando eu era pequena, todo mundo falava,

você vai ser professora e eu fiquei com aquilo na minha cabeça.

Professora Paula – Falam que o meu é genético, porque a avó e a outra

avó eram, todas as tias são. Então, não tem jeito, não tinha escapatória, a mãe

também.

Professora Edina – Mas assim, nasci pra lecionar mesmo. Eu gosto de

fazer as coisas pras crianças. Sofro com eles e isso não é bom pra mim. Se tem

um chorando, agora choro junto. Acho que a idade vai chegando e a gente

começa a sentir mais essas coisas.

Mas agora a psicóloga do nosso grupo pode informar muito bem pra

gente onde que eu me encaixo mais.

Professora Sueli – Mas, você acha que o estudo não mudou o seu modo

de agir e de ser?

Professora Edina – Mudou, mudou assim pra melhor, eu acho. Abriu

mais a minha... Eu começo a enxergar melhor, tanto que eu falei pra vocês que

eu esqueço.

Professora Márcia – A Dorothy, a Dorothy do Nemo.

Page 222: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

222

Professora Edina – E eu tenho esse negócio de esquecer as coisas ruins

que acontecem comigo. Então, eu sempre estou procurando as coisas boas,

quando é ruim, eles falam, mas aconteceu isso tal dia. Então, eu não me lembro,

agora eu não sei se isso é bom ou é ruim. Pra mim deve ser bom.

Professora Sueli – Então, você se sente como uma Fada Madrinha para

aquelas pessoas que você ajuda? Que você vê que precisa de sua ajuda.

Professora Edina – Não tirar dos ricos por que ... mas, eu tiro mesmo de

mim, de casa, das coisas já que eu tenho, ou então...

Professora Sueli – Então, você pode ser considerada uma Fada

Madrinha que nem do conto do Pinóquio. Aquela Fada Madrinha que procura

sempre ajudar.

Professora Edina – Eu sempre pensava, eu vou conseguir, eu vou em

frente quando todo mundo ganhava uma boneca e eu não ganhava, eu falava: -

Não tem problema, eu vou ganhar essa. Eu mereço essa, a minha mãe pode me

dar essa. Então, eu sempre pensava assim, um dia eu vou estudar, eu vou

conseguir as coisas.

Professora Cecília – Por esforço!

Professora Edina – É, e consegui, dentro da medida que eu preciso, que

eu quero isso, só isso e vou conseguir. Tem que ter força de vontade.

Professora Paula – Na minha historia, eu estava pensando, vocês

falaram do casamento. Acho que tem mais a ver com a Bela e a Fera, não que

meu namorado seja uma fera, mas é porque ele sofreu muito quando a gente se

conheceu. A ex-mulher dele foi embora, traiu ele fora daqui, tirou praticamente

tudo dele, entendeu? Então, eu vejo mais assim, que eu cheguei na vida dele,

que nem a Bela quando chega na vida da Fera, é pra dar, sabe, uma outra cor,

que é assim, ele estava muito revoltado com tudo. Ele tinha perdido a mulher, ele

tinha perdido o carro, ele tinha pego dinheiro dos pais emprestado pra ele poder ir

e ela nunca mandou um real pra ele.

Então, tinha horas, tinha dias, que eu não sabia o que falar, o que fazer.

Tinha que estar perto dele só e é o que muitas vezes a Bela faz. Ela está perto da

Fera.

Professora Márcia – Ela acalma.

Page 223: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

223

Professora Paula – Ela mostra pra Fera, ela não faz com a Fera. Então,

um pouco é essa relação que eu sinto. Assim, dele ter acalmado muito. Ele vivia,

a boca dele vivia estourando com afta, dava afta na garganta enorme e isso já faz

mais de oito meses que ele não tem. Então, eu não sou a mulher perfeita, mas eu

acho que eu cheguei na vida dele pra acalmar.

Professora Sueli – No momento certo, que ele estava precisando.

Professora Paula – Estava, porque ele estava passando por uma

situação muito, muito complicada. Até a menina voltar tudo, eles resolverem tudo,

ele ficava muito e ela chamava Paula também. Eu falo pra ele: - Deus te falou que

era Paula. A primeira que apareceu você casou, não soube esperar.

A Paula do mal foi embora. Eu vejo mais ou menos assim, que ele me

ajudou bastante também. Me fez crescer em muita coisa, mas assim, nesse

aspecto de estar chegando, da gente ter se encontrado. O engraçado é que a

irmã dele namora com o meu irmão. Então, foi tudo muito rápido pros quatro, até

uniu um pouco eu e meu irmão. Meu irmão é um pouco frio tal e acabou ficando

mais junto.

Acho que sim, na questão que vocês falaram do casamento, eu vejo mais

essa questão de ter chegado na vida dele, não foi à toa. Deus colocou um na vida

do outro. Ele pra me completar e eu pra completar ele. E pra ele poder sair

daquela coisa que estava consumindo ele por dentro e, às vezes, pai e mãe não

entendem porque eles já estão em outra etapa da vida.

Professora Sueli - Então, mas no seu caso, seria você a Bela, que

encontra a Fera que você, você acaba passando, mostrando o conceito de que

independente do que a pessoa, a aparência da pessoa ou o que ela é, as coisas

podem mudar. A essência da pessoa você consegue buscar.

Professora Paula – É muito mais importante que a aparência da pessoa.

Professora Sueli – Exatamente, quer dizer, é aquela tal historia da Bela

e a Fera. Ela não se importa com a aparência, ela vai buscar algo que ele tem

atrás da aparência dele, no íntimo dele. Por isso, que a gente, às vezes, tem as

identificações, que a gente fala que vai buscar algo.

Professora Maria Edlene – Não, e esse conto de fadas é lindo mesmo.

Mas como a Sueli está falando, a primeira vez ela se assusta. Ela tem aquela

Page 224: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

224

impressão assustadora. Depois, ela vai conhecendo ele, se apaixona sem ele

ainda ter ficado príncipe. Voltando pra sua historia, no final acaba a rosa parando

de murchar, porque no desenho a rosa vai murchando, murchando e depois

quando eles se encontram...

Professora Paula – Eu acho legal que ela fala pras pessoas. No começo

as pessoas achavam estranho que eu tinha o mesmo nome da ex-mulher dele,

achavam muito estranho. Tinha gente que tentava fazer referência. Mas ela é alta,

é gorda, é japonesa, não tem nada a ver comigo. E hoje em dia ele fala que as

pessoas questionam porque ele vai casar de novo. Além disso, ele é mais novo

que eu três anos, que ele ainda é novo e ele fala, porque a gente namora há um

ano e meio. O tempo que a gente namora, ele conquistou muito mais coisa que o

tempo que ele foi casado. Então, a gente vê a conquista que a gente está tendo

junto de tanta coisa. Então, eu acho que isso não tem dinheiro que pague. Não é

só conquista financeira, a gente comprou apartamento e tal, é a conquista de

amizade, é a conquista de relacionamento, é a conquista de vitória. Tudo isso

conta, eu acho que esse conto de fadas da Bela e a Fera tem muito a ver comigo.

Professora Sueli – E a sua historia Edlene?

Professora Maria Edlene - Eu falei ontem. Eu sou a Tiana. Eu sou a

Tiana da Princesa e o Sapo. Eu acho que eu tenho que trabalhar muito, sempre

trabalhei muito, ralei muito e acho que eu tenho muito pra ralar. Encontrei o sapo

que virou príncipe, que é ao contrário. Que não era o sapo e que também, igual

ao conto de fadas que a Tiana conhece o nome do príncipe no conto. Me ajudem,

que eu esqueci agora, mas depois eu lembro e ele, da mesma forma, que ele era

de um jeito e depois que ele conheceu a Tiana ele mudou muito. Eu acho a nossa

historia um pouco parecida. Eu trago a historia da Tiana porque também houve

muitas perdas na minha família e teve isso também na historia. Não dá pra

continuar. (choro)

Professora Sueli – Você tem uma amiga como ela? Como a Tiana?

Professora Maria Edlene – Tenho, tenho. Ela queria porque queria casar

e é engraçado porque assim, é minha irmã. E ela é como a amiga da Tiana, que

sempre queria casar primeiro, queria casar primeiro, queria encontrar o príncipe e

Page 225: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

225

acabou primeiro, eu no caso, casando e ela está esperando também. Só que não

dançou igual a é Dorothy? Dorothy, uma coisa assim, é o nome dela, Doty?

Professora Eliana - É Doty!

Professora Maria Edlene - Igual à Doty, só que a Doty ainda no final

encontra o irmão do príncipe de três anos, começa a dançar e fala que vai

esperar. Então, quem sabe no futuro a Doty já encontrou, que seria a minha irmã,

né? Que seria o príncipe dela.

Professora Paula – Fala pra ela que, às vezes, o príncipe está disfarçado

de Fera.

Professora Maria Edlene - Pode ser!

Professora Paula – Você está procurando o príncipe? Talvez eu tivesse

procurando até hoje em compensação a Fera.

Professora Sueli - É mais fácil você encontrar o sapo.

Professora Cecília - Você beija e vira príncipe.

Professora Maria Edlene - É verdade!

Professora Paula - Sabe por que, o bom da Fera, é que ela mostra o que

ela é de verdade. Ela não vive de aparência. Às vezes, é melhor achar a Fera,

que o Príncipe.

Professora Maria Edlene - Quando eu falo, o meu noivo, no caso

quando a gente namorava é que eu queria encontrar uma pessoa de um jeito e

ele era de outra forma e por nos conhecermos ele acabou ficando como eu. É que

como eu sempre cresci na igreja, minha mãe, meus pais queriam também um

noivo da igreja e ele era diferente. Ele não era da igreja. Então, é isso que eu falo,

mas acabou a gente se conhecendo melhor e ele vindo, né, pra igreja. Eu falo que

hoje ele acaba sendo até mais assíduo que eu na igreja e ele acabou tendo as

mesmas convicções que as minhas. Então, eu falo nisso porque no conto da

Princesa e o Sapo é quase assim porque a Tiana é de um jeito e ele de outro. Ela

acaba trazendo ele com amor, com carinho, com o jeito dela acaba trazendo ele

pra ela. Depois os dois constroem, trabalham, constroem tudo junto. Eu trago

muito porque o Cleber me ajuda muito, meu sapo, ele me ajuda muito. Ele é

companheiro. A gente conquista junto. Então, graças a Deus, pelo meu sapo.

Page 226: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

226

Professora Sueli – A Bela também conquistou ele pela simpatia dela e a

gente vê isso em você também.

Professora Paula – É a gente conversava muito porque ele estava

passando pelos problemas. A gente conversava muito, de tanto conversar, a

gente foi se conhecendo, conhecendo e ele falou: - Quer sair comigo? E aí dois

dias depois a gente estava namorando, foi rápido o noivado.

Professora Sueli – Edlene e a sua menina, ela se acha quem?

Professora Maria Edlene – Ela briga comigo porque ela quer ser a Tiana

e ela fica questionando porque ela quer ser. - Mãe, eu quero ser assim, mãe eu

quero ser negra como você. Eu quero ser da sua cor, por que eu não sou? Não,

eu sou a Tiana e você vai ser a Doty.

Professora Márcia – Maria Lúcia, a sua formação em Pedagogia mudou

a sua historia de vida.

Professora Maria Lúcia – Com certeza, mudou bastante. Eu vim do meio

do mato, porque vocês não tem noção de como é. Eu cheguei aqui, trabalhei, sofri

bastante. Eu vim quase que fugida, porque a minha mãe brigava muito comigo.

Veio eu e um amigo, a minha vizinha que tinha uma vendinha na cidade que a

gente ia, porque a gente tinha barraca na feira. Eu ia, ajudar a minha mãe. De

vez em quando, eu dava uma fugidinha e ia lá na casa da vizinha. Um dia ela

falou: - Você quer ir embora? - Eu quero sim, é o meu sonho porque minha mãe é

muito chata e eu trabalho muito.

Ela me ajudou a pagar a passagem. Veio eu e o filho dela. - Olha minha

filha mora lá em São Paulo, em Santa Cecília, chegando lá você procura. Me deu

o endereço, aí eu liguei. Ela era casada com o Mohamed, que era um cara lá da

Índia, não sei de onde. Ruim que só ele, batia nela grávida todo dia. Todo dia eu

ia com ela pra casa, todo dia. Fiquei um tempão lá com ela. Eu pegava, ela me

dava um dinheirinho, eu punha num envelope e mandava pra minha mãe.

Cheguei aqui, trabalhei, trabalhei em casa de família, morei sozinha, com amiga

não dava certo.

Professora Eliana - Sua mãe sabia?

Professora Maria Lúcia - Sabia, porque eu escrevia pra ela. Mandava o

dinheiro todinho pra ela, não comprava uma calcinha pra mim. – Mãe, estou aqui,

Page 227: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

227

estou bem. Mentira, sofri pra caramba. Cheguei aqui, comecei a fazer supletivo,

estudei, estudei pra caramba à noite. Trabalhava o dia e estudava à noite. Depois

eu conheci o meu primeiro marido, casei e fui morar com a minha sogra também.

Não foi muito bom. Trouxe a minha irmã do norte pra morar comigo.

Professora Paula – Ainda bem que eu comprei apartamento, meu Deus,

não ter que morar com mãe e sogra.

Professora Maria Lúcia – A minha irmã ficou com o meu marido, veio

tomar conta do Roberto, tomou conta do marido também. Eu separei e comecei a

estudar. Estudava escondido também porque ele não gostava que eu estudasse.

Professora Paula – Sabe uma coisa que me marcou, rapidinho. Eu

lembro que você contou que você estava com um barrigão, grávida e que o

traficante pedia seus negócios.

Professora Maria Lúcia – Deixa passar, porque senão ele vai roubar.

Professora Paula – Ela estava grávida, foi uma coisa que me marcou

muito. Outra pessoa teria desistido no seu lugar.

Professora Maria Lúcia – Eu fui estudar na 6ª série. Ele foi pedir pra

minha mãe chorando pra eu não estudar. O pai dele tinha um monte de casas,

que ia me dar uma. Ah! Tá bom. Me separei, a primeira coisa que eu fiz foi sair

da casa que a gente morava. Larguei tudo lá, meus móveis. A gente morava

numa casa grande, com tudo do bom e do melhor. Fui embora, conheci o Tomé,

que tinha levado chifre também. Vamos juntar os trapos? E eu falei: Vamos. Ele

me deu a maior força. Fiz o Magistério, fiquei grávida de gêmeos. A primeira vez

que saí com ele já fiquei grávida. Ele falou: - Vai estudar, que eu olho as

crianças. Eu fui fazer Magistério e eu peguei gosto pelo estudo. Um colega meu,

que arrumou serviço pra mim na prefeitura que ele falou: - Nossa! Você é tão

legal. Você cuida tão bem das crianças! Que eu cuidava de criança quando eu

não tinha nada pra fazer. Me arrumou, mandou eu, me deu uma carta pra eu ir

falar com Antônio Aurelinho. Saí de lá, nem sei mais quem é. São Miguel, aí eu fui

lá, ele me arrumou. Você quer trabalhar de quê? De qualquer coisa pra mim está

bom. Você não quer na Câmara, eu vou te arrumar lá de secretaria. Eu disse não,

eu tenho vergonha, não sei trabalhar assim.

Page 228: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

228

Eu falei: - Eu quero cuidar de crianças. E ele falou: - Está bom. - Então,

vai em creche. Eu comecei trabalhar. Aí ele falou: - Depois você faz o concurso e

passa que é melhor, porque a gente não sabe daqui a uns anos, as coisas podem

mudar. - Não, eu quero ir embora, quero voltar pra Bahia. Aí fui, nem liguei pra

fazer o concurso.

Professora Márcia - Lúcia, qual a historia que você se identifica?

Professora Maria Lúcia - Eu sempre achei alguém que me ajudava.

Então, eu realizei meu sonho, que eu achava impossível. Eu vou ser alguém na

vida. Impossível. E hoje eu sou pedagoga. Oi que chique! Então, pra mim, dos

meus irmãos, a única que é formada é eu. Tem duas que estão fazendo letras,

mas estão pra terminar. A minha mãe fala: -Nossa você venceu.

Professora Paula – Ainda bem que ela fugiu.

Professora Maria Lúcia – É, minha mãe, fala hoje em dia, ainda bem

que você fugiu.

Professora Sueli – Pra você o estudo, a formação, o seu trabalho te

ampliou os horizontes e te deu, não é uma estabilidade, te deu uma segurança,

que você não tinha.

Professora Maria Lúcia – Eu sempre fui desconfiada, eu não confiava

em qualquer um, às pessoas acham que eu sou metida. Não é, eu não confio em

qualquer um porque eu sofri muito. Depois que eu fui traída, eu não confio em

mais ninguém, mesmo sendo minha amiga se eu vejo mentir em alguma coisa,

dói muito, é difícil eu confiar em alguém.

Professora Márcia – E você se acha super mãezona?

Professora Maria Lúcia – Ah! Eu acho porque tudo que ela me pede eu

dou, pelos meus filhos, pelo meu marido tudo que eu posso fazer. Então, o que eu

não tive, eu quero que eles tenham. Eles tendo eu fico feliz.

Professora Edina – A Lúcia contou uma historia que ela fugiu de casa. A

minha mãe não fugiu de carro, o meu pai chegou com um cavalo. Ela montou no

cavalo e foi embora com o meu pai com treze anos. Até hoje eu falo pra ela que o

pai dela queria matar o meu pai. Ela ficou escondida. Ela é branca, branca,

branca, pra casar ela teve que aumentar a idade. Eu estou escrevendo a vida

dela e quando chega nessa parte eu falo: - Mãe, vou colocar aqui que você subiu

Page 229: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

229

no cavalo e fugiu. Ela não gosta que eu falo essa historia, ela não gosta porque

hoje eles tão separados.

Professora Maria Edlene – E ela nem conhecia ele nem nada?

Professora Edina – Conhecia, porque ele era empregado do pai,

entendeu. Ele era empregado da fazenda.

Professora Paula – Parece historia de novela.

Professora Edina – Era empregado da fazenda e ela era uma menina

bonitinha, minha mãe era muito bonita. Aquela menina de cabelo comprido tudo.

Acho que ele se encantou, meu pai conversou com ela. Passou a conversa nela e

ela caiu na dele. Coitada! Ela tinha de tudo, ela tinha de tudo, não precisava sair

fugida.

Professora Eliana – Mas era o príncipe.

Professora Márcia - É o amor.

Professora Edina - De aparência eu sou mais parecida com o meu pai.

Não saí da cor, mas um pouquinho e eu estou escrevendo a historia e eu falo pra

ela. Gostei muito dessa parte aqui de subir no cavalo. É igual a historia de fada, o

conto de fadas. Ela... não, não põe essa parte. Ela não gosta que eu ponha essa

parte. Mas é, acho interessante, quando vocês falam de, quando você falou de

fugir de casa, ainda existe isso até hoje.

Professora Cecília – Com a cara e a coragem.

Professora Maria Edlene – E hoje a gente fala em mudar, você ajudar

alguém a mudar ou a pessoa ajudar você a mudar. Traz um pouco no conto de

fadas do Shrek e da Fiona, porque ela que era a princesa, linda de um jeito e

quando conheceu o amor se transformou.

Professora Paula – É, a beleza está nos olhos de quem vê.

Professora Maria Edlene – Não, é verdade! Um se encontrando com o

outro e formando um só.

Professora Sueli – É exatamente. Se a gente for analisar bem, porque a

gente não para muito para analisar essas situações.

Professora Márcia – Não, a gente não para, o cotidiano sufoca a gente.

Professora Sueli – Só que assim a gente que trabalha na área de

Educação, de certa forma, quando a gente vê esses novos filminhos que

Page 230: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

230

aparecem na mídia, que nós já discutimos porque que os contos brasileiros não

são contos de fadas, só faz parte da literatura infantil. Não como conto de fada,

você vê, a gente consegue se identificar com contos de fadas, com a historia e

com a nossa historia de vida, de infância, a gente consegue se identificar cada um

com uma parte da historia, às vezes, você passa em várias fases, uma hora você

foi Chapeuzinho, outra hora você até é o Lobo Mau. A sua etapa, da sua vida toda

você vai mudando as fases nos contos de fadas. Digamos, às vezes, eu acho

assim, a gente acaba tendo um privilégio. Da gente ligar diretamente com a

Educação Infantil e a gente passar esses conceitos do passado que não sabia o

porque, mas sabia que aquela historia traz alguma coisa que se encaixava no dia

a dia da gente.

Professora Paula – Sabe o que é legal no Shrek, pensando no estudo?

Porque o Shrek mostra depois do viveram felizes para sempre. Ele mostra depois

como casal, eles dois tendo filho e não. É assim apesar deles serem julgados

como feios, por serem ogros, eles são felizes, eles se divertem muito. Aparecem

eles se divertindo, tem isso também. Eles serem felizes para sempre sem ter que

ter o dinheiro ou de ser bonito.

Professora Márcia – Foge um pouco do padrão.

Professora Paula – Depende do relacionamento ir bem, o dia a dia da

gente é isso também. Não é só a gente ter o dinheiro, quanta gente que tem

dinheiro, que se suicida. É ter a companhia de pessoas que te fazem bem.

Professora Márcia de Fátima - Que é o importante.

Professora Paula – Que você ri, que você, quando eu pedia pra Deus

alguém na minha vida. Eu nunca pedi um homem bonito, um cara elegante, eu

pedia alguém que me fizesse ri, porque o que adiantava eu estar do lado de um

cara com dinheiro, um cara isso, um cara aquilo. E eu não estar feliz, num poder

contar uma piada e a vida não é assim, tem coisas muito mais importantes que

dinheiro e a beleza e o Shrek relata bem isso. Eles vivem lá no pântano e vivem

felizes lá.

Professora Maria Edlene - Fugiu do padrão, de que princesa tem que

ser bonita e o príncipe tem que ser perfeito, lindo.

Page 231: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

231

Professora Sueli – Essas historias quando você passa na formação

para as crianças, você passa o quê? Independente de beleza, você vai mostrar

também todos os conceitos. Independente de beleza, independente de condição

social, você tem que estar sempre em busca do seu objetivo.

Professora Paula – Na escola pública, está tendo cada vez mais mistura

de classe social. A gente vê por aqui que numa sala, tem uma família que mal tem

dinheiro pra comer e criança na sala que viaja de avião, que tem tevê a cabo

mesmo, tem carro novo. Então, cada vez mais na escola pública, as pessoas tão

entendendo que é direito da criança. Não é pra quem não tem dinheiro e cada vez

mais a gente vai ter que lidar com essas diferenças aqui dentro.

Professora Sueli – Não, e passar pra criança isso, que o seu colega do

lado não é inferior a você, porque ele não tem um sapato pra colocar no pé e o

outro está com a sandalinha da moda. Não, vocês dois são iguais. Eu acho que é

o papel do professor, que faz o que, antes de tudo ensinar pra criança os valores

morais, éticos, porque eu acho que se você ensinar isso pra criança lá em cima,

lá na frente a criança não vai ser aqueles adolescentes mais pra aborrescentes,

filhinhos de pais de classe média que acha que tudo ele pode porque o pai dele

vai defender, porque o pai dele tem dinheiro. Ele vai aprender que não, meu pai

tem dinheiro, mas se eu fizer alguma coisa errada, eu vou ter que pagar. Eu acho

que se você desde pequeno começar a explicar para a criança que é importante

valorizar aquilo que tem.

Professora Edina - Ontem eu falei pra Márcia, eu vou deixar essas

roupas em cima de uma mesa pra peça, a primeira a entrar foi a Nicolly. - Eu vou

ser a Maria. Quem falou pra ela que era a Maria, pois ela fez eu amarrar, vestir. A

Vitória quis o pano azul, eu coloquei na Vitória, a Nicolly foi lá logo e já pegou a

boneca de Jesus. Eu acho interessante, as crianças pegam mesmo tudo que a

gente passa.

Professora Sueli – Eu acho que nessa fase, eu acho que tudo que a

gente passar, eu, como educador passar tudo que for melhor pra criança porque

ela vai carregar pro resto da vida, porque, às vezes, em casa ela já não tem.

Então, como educador você procura sugerir aquilo que ela não tem em casa.

Page 232: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

232

Professora Paula – Nossa! Como você está bonita, que roupa bonita.

Tem criança que você olha e fala: - Meu que gracinha. Tem criança que não, não

é nem o outro que tem aquela roupa bonita pra ficar em casa, mas você elogia, a

criança fica tão feliz. Depois você fala: - Vamos escolher uma roupinha? Qual

você quer? As meninas geralmente escolhem um vestidinho: -Nossa! Que roupa

linda! A gente troca, arruma o cabelo. Eu não sei arrumar o cabelo direito, mas vá

lá no espelho: - Olha como você ficou bonita! Porque é aquilo que ela tem, ela

tem que se sentir bonita e de bem com o que ela tem. Eu tenho que valorizar

aquela criança como ela é. Então, o que a gente procura fazer, aquela criança

que tem uma roupinha surrada e outra que tem uma roupa da Lilica Repilica,

elogiar e colocar a criança com a auto estima elevada.

Professora Sueli – Exatamente.

Professora Eliana – Porque a criança percebe.

Professora Terezinha – Eu hoje me vejo na historia da Bela Adormecida,

porque eu estou precisando tanto dormir, sabe não dormir de sono, dormir pra

descansar mesmo. Sabe como ela. Ela com quinze anos, descansou de tudo. E

todo mundo tomava conta dela. Na realidade, eu tenho que tomar conta de todo

mundo. Pior, eu estou cansada disso. É que eu estou com o meu pai internado e

eles ficam: - Terezinha. Que eu perguntei pro médico, - Terezinha pode dar

comida pro pai? Sabe, quando eu chego do hospital, onze horas da noite a minha

tia liga, a minha avó liga, meu tio liga, a minha tia liga, a minha prima liga. Então,

é tudo. Então, tem hora que eu falo para o Donizete: - Eu precisava sumir porque

as pessoas iam ter que se virar. Elas iam ter que se virar. Então, tudo: - Olha, eu

preciso comprar móveis, aonde eu vou?

- Onde você acha que eu vou? - Vamos na vinte e cinco comigo? É que

eu vou fazer a festa do meu marido. - Você me ajuda? - Você faz não sei o que?

É tudo.

Então, eu estava pensando de ser a Bela Adormecida. O povo cuidar um

pouco de mim. Chegar uma hora pra eu dormir e todo mundo se virar sozinho.

Professora Maria Aparecida - Eu me vejo como Chapeuzinho

Vermelho, porque eu gosto de ajudar todo mundo. Mas ao mesmo tempo eu sou

muito medrosa, eu tenho medo, às vezes, de desafios. Eu tenho, eu sou insegura,

Page 233: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

233

e na historia do Chapeuzinho Vermelho, ela obedeceu à mamãe e foi lá levar a

comida pra vovó. Depois foi lá, obedeceu o Lobo Mau pro caminho ser mais curto.

E eu sou assim, eu sou uma pessoa que luta muito contra os meus medos. Medo

de tudo, às vezes, eu tenho e eu estou passando uma fase muito difícil de uns

dias pra cá na minha vida. Porque eu estou quase perdendo o meu apartamento.

Eu estou sem dormir, estou assim muito mal. Então, eu acho que na minha vida,

num todo eu seria Chapeuzinho Vermelho, é isso.

Professora Simone – Eu, eu mesmo que você quer que fale? Eu não

sei, eu acho que nos contos de fadas eu não me acho quem eu seja, nunca me vi

como nenhuma das personagens de princesa. Eu nunca brinquei disso, eu

gostava de brincar de pipa, de bola, de subir em árvore, de subir em muro. Então,

eu não era muito menina na minha época, mas eu gostava muito do Sítio do Pica-

pau Amarelo. Então, às vezes, que eu assistia os episódios em casa, eu brincava

de sítio. Eu só não era a bruxa, mas do resto eu era tudo, das crianças. E eu

gostava muito do sítio, mas nos contos de fadas eu não me encaixo.

Professora Tereza – Qual o personagem?

Professora Simone – Uma hora eu era a Emília, outra hora eu era o

Pedrinho, outras vezes eu era a outra menina, a Narizinho. E assim por diante. E

quando aparecia o príncipe na historia eu nunca era a Narizinho. Eu era a Emília

ou o Pedrinho. Eu brincava de sítio, mas eu nunca fazia a mocinha da historia.

Professora Tereza – E tem um por quê?

Professora Simone – Não sei, eu acho que tem a ver até com o tipo de

brincadeira que eu gostava. Eu não gostava de brincar de boneca, gostava de

empinar pipa, jogar bola, andar de bicicleta, brincar de correr na rua. Eu não

gostava de brincar fechada, de casinha, de panelinha, nunca. Era moleca mesmo.

Professora Noelina – Bom, na minha época, não tinha muito assim

televisão. A televisão chegou na minha casa, eu já tinha quatorze para quinze

anos. Assim, eu sempre fui de brincar de boneca, casinha, entendeu? Não tinha

esse negócio de contar historia, era mais “causo”. No entanto, é o que eu já falei,

eu tenho medo do escuro, eu não durmo no escuro. Meus pés se ficar de fora,

descoberto, eu não durmo. Eu vou cobrir o pé da criança porque eu acho que ela

Page 234: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

234

vai ter medo como eu tenho medo. Não gosto de pé descoberto, pra mim alguém

vem pegar, entendeu?

Professora Simone – E hoje? Qual historia é parecida com a sua?

Professora Tereza – Então, eu estou aqui tentando lembrar uma historia

de contos de fadas que eu possa identificar. Não vejo assim, contos de príncipe,

contos de fadas e essas coisas.

Mas assim ouvindo um pouco assim o que a Simone falou. Eu estava aqui

pensando que uma coisa que me identificava um pouco comigo é a historia que

envolve a Narizinho, o Visconde de Sabugosa, o Saci Pererê.

Esses personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo, porque tem ocasiões

na minha vida que eu procuro sair um pouco fora da realidade, eu sei que é

irrealidade, mas, às vezes, eu gostaria de estar dentro deste sítio comendo

biscoito, aquele bolinho de chuva da Tia Anastácia, conversar com a Narizinho,

ouvindo aqueles personagens do Sitio do Pica-pau Amarelo.

Porém, a realidade não é estar dentro do Sítio do Pica-pau Amarelo.

Porém, a realidade é outra, a minha realidade não é estar dentro do Sitio do Pica-

pau Amarelo. Eu estou bem fora, mas eu me identifico, hoje me identifico um

pouco com a história do Sítio do Pica-pau de Monteiro Lobato. Que é uma coisa

que lá atrás que eu já fiz em sala de aula também, tanto é que lá atrás quando eu

estava na sala de aula eu me lembro. Eu fiz uma dinâmica, com o grupo de

crianças da minha sala, crianças de cinco anos na época em que eu levei as

crianças para o sitio numa viagem imaginária e que na verdade eu também vivi

junto com as crianças e eu não me esqueço desse episódio.

E eu falava: - Olha, o Visconde está chegando, a Dona Anastácia está

trazendo bolinho e no final desta dinâmica com as crianças muitos dormiam,

muitos acordavam e eu voltava para a realidade. Mas isso hoje, no presente, é

muito forte pra mim. A realidade do Pica-pau Amarelo, embora eu sabia que ele

não é a minha realidade, mas é uma viagem.

Então, eu vou falar assim um pouco da minha infância. Lá atrás, fui

criada por madrasta, foi uma infância difícil. Onde de cinco filhas, duas eram filhas

de meu pai, três era filha da minha madrasta e entre as cinco eu era a mais velha.

Page 235: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

235

Portanto, eu era a mais sacrificada. Então, eu tinha que cuidar dos irmãos, tudo

que acontecia de errado era comigo.

Tudo era eu, tudo era eu, tudo era eu. Eu já tinha um complexo terrível,

por conta de que as filhas da minha madrasta eram brancas e eu era preta.

Então, eu me via sempre como a neguinha do nariz escorrendo, de

vestido rasgado, do cabelo duro, toda funhanhada e as minhas irmãs todas de

cabelo liso, brancas e mais novas. Tanto é que até hoje eu não sou muito

chegada a essa questão do negro. Essa questão do negro é hoje uma questão

muito forte. As minhas filhas falam pra mim: - Mas nós somos negras. Mas eu não

sou negra. Mas as minhas filhas são negras. Eu sei que no fundo, no fundo eu

sou negra, mas na minha cabeça eu, eu sou morena, negra eu não sou.

Professora Terezinha - E quando você escuta a historia da Cinderela,

você não se lembra da sua infância?

Professora Tereza - Não lembro, quando eu escuto a historia da

Cinderela. Eu não me lembro da minha infância, porque eu não ouvia a Cinderela

quando eu era pequena. Quando eu era criança eu não ouvia historia nenhuma.

Eu só vivi de boneca de pano que a minha madrasta fazia pra mim,

aquelas bruxinhas de tecido. Aquilo era minha boneca, aquilo era uma historia,

não tinha uma historia, nunca ninguém contou uma historia pra mim.

4º Encontro

Professora Paula – Bom, a nossa entrada no CEI se deu no ano de

2004, logo depois dele ter passado pra Educação. Nossa entrada foi um pouco

tumultuada porque tinha o pessoal contratado e a gente chegou meio que pra tirar

a vaga entre aspas dele. Eles viram a gente com maus olhos, mesmo a gente não

querendo que eles saíssem. Inclusive minha mãe era contratada naquela época e

eu sabia o que ela estava passando. As outras pessoas, não tinha só mulher e

então, a gente foi bem mal recebida e também as professoras que já eram do

CEI, mais que ainda não eram professoras nós chegamos meio como, meio como

que uma ameaça porque nesse ano a gente escolheu salas antes delas pelo fato

da gente já ser professora, umas poucas ADIs já tinham transformado o cargo.

Page 236: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

236

Então, foi um ano difícil, foi um ano de muitas mudanças para quem já estava. O

pessoal contratado olhando a gente com maus olhos e a gente querendo

trabalhar com cargo novo, um mundo novo.

Então, foi bem complicado o que a gente via muito é que era muito

assistencialismo. Então, era a preocupação só com o banho, com a criança estar

arrumada e com o cabelo penteado pra ir embora. A criança ter comido ou não e

a questão pedagógica a gente não via muito forte não. Então, a gente tinha que

mostrar a importância da parte pedagógica também. Então, as crianças, às vezes,

você via que elas estavam ávidas por ouvir uma história, por ter uma atividade

direcionada, dirigida com intencionalidade e não só cuidar.

Ainda até hoje, em 2010, nesses seis anos, a gente vê muito ainda a

coisa voltada para o cuidar. Ah! Tenho que dar banho, tenho que trocar. Tem é

importante sim, mas, às vezes, a parte pedagógica fica importante só no papel.

Você tem que registrar, você tem que montar portifólio, você tem que colocar o

registro diário, o registro individual e a coisa acontecer mesmo, às vezes, fica

complicado porque você tem que dar banho, você tem que dar comida, trocar a

criança e a atividade pedagógica acaba ficando por fora. No meu ponto de vista,

banho, cortar unha, cabelo é obrigação de pai e mãe.

A gente tem que cuidar também, mas a primeira obrigação é de pai e mãe

e não nossa. Eu acho que se tivesse uma visão mais pedagógica das coisas, isso

caminharia de outra forma. Caminharia assim, o banho é necessário, o banho é

importante quando a criança precisa dentro da escola. Então, não é negar o

banho. Um atendimento individualizado, especializado de higiene e saúde, mas

se tira muito a obrigação dos pais e a obrigação do professor do cuidar e educar,

acaba ficando só no cuidar e o educar acaba ficando muitas vezes em segundo

plano.

E eu tenho certeza que os professores acabam ficando frustrados com

isso, porque não é bom você estudar, se preparar pra poder trabalhar com a

criança e chegar num lugar e você ser meio que um assistente de enfermagem.

Você dá banho, penteia o cabelo e quando a gente chegou com essa visão há

seis anos, eu acho que isso incomodou um pouco porque é relativamente

Page 237: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

237

simples. Você só cuidar, fazer as atividades mecânicas de banho e alimentação,

fazer essas atividades com intencionalidade pedagógica é outra questão.

Então, tudo isso foi difícil pra gente. Então, selecionar um livrinho de

historia que fale sobre as verduras e os legumes pras crianças aprenderem a

gostar de legumes e verduras, isso é uma coisa. Você chegar e falar: Você tem

que comer legumes e verduras é outra, bem mais fácil, bem mais simples.

Então, foi um período difícil, um período de adaptação pra todo mundo.

Tinha muito diretor de equipamento social transformando cargo, muito diretor de

escola que nunca tinha entrado num CEI, muito coordenador pedagógico a

mesma coisa. A gente pegou um período difícil, de muitas transições dentro do

CEI, entre o SAS e a Educação Infantil. Mas eu tenho certeza que bons

coordenadores, bons diretores surgirão dessa leva, que saberão entender a

historia do CEI.

O que o CEI passou, o que o professor passa em sala de aula. Então, ter

uma visão diferenciada do que é estar em uma sala de aula de um CEI com

crianças de zero a três anos. No meu caso agora, eu que estou encerrando minha

jornada no CEI indo pra EMEI, transformei meu cargo. Um dos motivos é estar

descontente com o meu trabalho pedagógico aqui. Eu não consigo realizar ele do

jeito que eu gosto plenamente. Por falta de tempo, pelo cuidar ser excessivo e eu

não poder trabalhar o educar, fazer as crianças caminharem mais pra uma

educação pra cidadania, terem mais oportunidades de leitura, mesmo sendo

pequenininhos, de escrita. Então, acho que é isso.

Professora Ana Maria – Bom, a minha historia quando eu cheguei aqui

na prefeitura no ano passado, eu tinha me inscrito, me chamaram e eu fiquei

muito feliz, por quê? Porque eu trabalhava, eu sempre trabalhei na área da

Educação. Eu trabalhei uns dezessete anos com escolinha particular. Então, eu

sempre adorei criança, eu sempre me identifiquei com criança. A dona vendeu a

escolinha e eu fiquei sem escola.

Eu comecei a trabalhar em outras áreas que não tinha nada a ver comigo.

Trabalhei com transporte escolar, mas não era o que eu gostava de fazer,

trabalhei porque eu precisava. Depois, quando me chamaram aqui eu fiquei muito

feliz. Então, quando eu entrei aqui, sabia o porquê de contar historia, porque eu já

Page 238: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

238

tinha trabalhado isso com criança na escolinha que eu trabalhava. A gente

contava bastante historia. As crianças gostavam, interagiam muito e se

desenvolviam muito bem.

Professora Sueli – E você viu, você sentiu diferença entre o que você

passava pras crianças na escola particular e agora no CEI?

Professora Ana Maria – Há muita diferença. Aqui eu aprendi muita coisa

diferente do que eu fazia na escola particular. Não em relação às historias porque

lá também contava historias, mas em relação à aprendizagem. Muito papel, muita

escrita. Na prefeitura, as crianças mais tem recreação. Lá eles exigiam mais

escrita, papel, pintar, tem que mostrar pros pais o que a gente fazia com as

crianças. Aqui a criança já aprende brincando, com a recreação, com historias. Já

é bem diferente.

Professora Sueli – E na sua vida tanto profissional ou na vida social,

você se encaixa em algum conto?

Professora Ana Maria – É assim, atualmente eu acho que eu me encaixo

nessa historia do Peter Pan. Na historia do Nunca, porque minha vida nunca teve

assim.

Professora Sueli – Uns altos e baixos.

Professora Ana Maria – É uns altos e baixos, realmente ficou meio

complicado. Assumi um papel na minha vida que antes eu não tinha. É porque eu

era casada, tinha meu marido, veio a minha separação, ficou tudo nas minhas

costas. Meu ex-marido não participava de nada. Eu voltei pra casa dos meus pais

e eu tive também que abraçar meu pai e minha mãe, porque eles também são

pessoas idosas.

Esse ano pra mim foi meio difícil porque a minha mãe teve muito doente

e eu tive que assumir a casa toda, tudo. O meu pai tem oitenta e poucos anos, já

é uma pessoa idosa. Minha mãe também setenta, é idosa, tem problemas e

também ficou muito doente. Então, eu fiquei com responsabilidade de tudo: de

filho, de pai, de escola, de trabalhar fora. Então, pra mim ficou um pouco

sobrecarregado e eu não sabia se eu estava preparada pra assumir tudo isso

assim.

Page 239: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

239

Professora Sueli - Mas você acha que todos esses problemas te

fortaleceram profissionalmente?

Professora Ana Maria - Me fortaleceu muito, bastante. Eu aprendi muito.

Eu acho que também desenvolvi muita coisa diferente na minha vida e que antes

eu não fazia e fui. E tive que fazer porque a necessidade me obrigou.

Professora Sueli – É porque, às vezes, tem mulheres, que geralmente

fica meio acomodada no sentido que ela se forma e de repente nunca exerce a

profissão, porque fica direcionada a marido e filhos, e fica de certa forma, às

vezes, até meio frustrada porque ela não segue em frente aquilo que fez.

Professora Ana Maria - A bem da verdade, eu sempre trabalhei, eu

nunca fiquei, dependi assim, o que foi bom, foi isso. Se eu tivesse ficado

acomodada depois de casada, eu acho que teria sido pra mim muito mais difícil.

Eu sempre trabalhei fora, mesmo casada. Eu sempre ajudei, sempre desenvolvi

meu trabalho fora do lar. É que acarretou muita coisa pra mim sozinha, que eu

não estava envolvida antes. Ficou mais difícil pra mim, mas eu aprendi muito.

Eu acho que valeu a pena, a gente aprende com o sofrimento e com as

coisas que a gente precisa passar na vida. Então, isso é uma aprendizagem, é de

certa forma foi difícil pra mim, muito. Eu perdi meu apartamento, foi muito

complicado.

Professora Sueli – Aparecem perdas que a gente não está esperando.

Professora Ana Maria - Mas foi bom, foi bom de certa forma porque eu

aprendi muito.

Professora Sueli – E então, você consegue, são todos esses valores que

você aprende, que você consegue transmitir pra criança, mesmo sendo crianças

pequenas ainda, você consegue passar pras crianças alguns valores?

Professora Ana Maria – Ah! Eu procuro passar tudo isso, porque eu

acho que pra mim foi uma lição. E tudo que eu faço, eu faço com amor aqui,

entendeu. Porque eu acho que essas crianças são umas crianças, às vezes, um

pouco carentes, precisam do apoio e do carinho da gente, da atenção, da

dedicação do professor. Então, eu acho que é importante trabalhar isso com eles

sobre valores.

Page 240: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

240

Professora Sueli – Porque na verdade, a maioria das crianças aqui, às

vezes, não são. Temos crianças carentes, mas temos crianças de uma vida social

que a gente pode dizer até que razoável. Mas elas são carentes de atenção e o

papel nosso como educador é procurar dar atenção e procurar dar pra criança o

que for de melhor pra ela.

Professora Ana Maria – O que for melhor. Hoje eu agradeço muito a

Deus, por ter me dado essa oportunidade de trabalhar aqui. Eu dou muito valor a

esse trabalho.

Professora Sueli – É porque a gente na verdade, todo mundo que

desempenha um serviço como educador tem que fazer porque gosta. Porque se

fizer só pensando em interesse financeiro ela não consegue passar nada. Você

não consegue passar pra uma criança e eu acho que o papel nosso aqui, como

educadora, é passar pra criança antes de tudo uma segurança, transmitir

segurança.

Professora Dione – Bom, agora sou eu. Aqui na Prefeitura, na verdade

eu sou professora já há muito tempo. Inclusive aposentada, mas faltavam uns

quatro anos pra aposentadoria do Estado, quando eu entrei na Prefeitura. Assim,

na verdade eu entrei sem esperar, por uma brincadeira. Surgiu esse concurso e

eu comentei com uma professora do Estado: - Vamos tentar mudar? Porque

como eu trabalhava só com adultos, principalmente supletivo e adolescentes.

Eu falei: - Eu quero mudar, vamos mudar. Vamos fazer esse concurso. Eu

passei. Inclusive eu passei e ela não. Mas eu fiquei muito insegura na hora de

assumir, porque quando eu escutava a coordenadora falar. Era coordenadora do

Estado e de um CEI. São nove bebês pra uma professora, eu me senti muito

insegura. Eu achei que eu não era capaz de assumir nove bebês sozinha. Eu

achei que era muito trabalho e eu fiquei muito insegura. Tanto é que eu tive

alguns entraves pra conseguir, tive que entrar na justiça por causa de alguns

problemas que eu tive. Mas a hora que eu assumi, eu adorei. Era uma realidade

totalmente diferente, eu estava com bebês e estava com aluno mais velho que eu.

Era muito diversificado, mas pra mim foi uma novidade que eu adorei. Como eu

era professora de Língua Portuguesa, eu já tinha um contato com leitura.

Page 241: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

241

Lógico que eu gostava muito, mas tinha feito um trabalho legal há uns

anos anteriores, emprestando livros meus mesmos paradidáticos para as crianças

lerem. Mas ultimamente estava muito difícil trabalhar com leitura. As crianças

estavam muito rebeldes e estava difícil o trabalho mesmo.

Então, quando você dá uma leitura, a todo instante você tinha que

interromper porque uma criança brigava com outra, porque entrava criança de

outra sala na sua sala e você não conseguia concluir. Dar uma aula legal mesmo

de leitura e isso estava me deixando mesmo muito frustrada.

Quando eu entrei no CEI, e isso foi verdade, a minha irmã até hoje fala,

você parece boba de tanto falar nisso. Que eu percebi que as crianças, os

pequenininhos gostavam tanto de historia e quando eu chegava na porta da sala

com um livrinho de historia, eu não precisava falar nada, todos iam sentar porque

sabiam que era hora da historia.

Eles adoravam. Isso me dava uma alegria, uma satisfação muito grande.

Professora Sueli – É porque você já pegou uma fase, de certa forma, as

crianças já estavam mais habituadas a historia no sentido de que já tinham visto

livros, já tinham folheado.

Professora Dione – Ah! Sim, sim.

Professora Sueli – Então, aquilo já tinha despertado um interesse pela

leitura, quer dizer, eles poderiam não, mas sabiam que aquele livrinho tinha

alguma coisa de interessante pra ele.

Professora Dione – Sim. E o que eu percebi foi que, na verdade as

crianças, os pequenininhos tinham muito mais interesse que os grandes. Eu acho

que eu estava formando os pequenininhos pra futuramente não acontecer o que

estava acontecendo no Estado. Deles não estarem tendo interesse, foi uma

alegria muito grande.

Tanto é que é o trabalho que eu mais me identifico, com as crianças é

realmente contar historias. E eu to procurando tentar um curso de contadora de

historia. Estou atrás e é que eu fiz esse trabalho esse ano com a historia do

Pinóquio.

Page 242: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

242

Corri o CEI inteiro com o Pinóquio. E é uma satisfação muito grande e eu

entro na sala, eles me reconhecem como a tia do Pinóquio, da historia do

Pinóquio. Então, eu entro, eles me pedem: Vai contar a historia do Pinóquio?

Professora Sueli – Eles já associaram você.

Professora Dione – Já.

Professora Sueli – E você acha que assim, com todas essas mudanças

que teve na sua vida profissional, o CEI mostrou algum lado seu, que estava

escondido?

Professora Ana Maria – Na verdade, acho que não estava escondido, a

parte maternal, que eu sempre, eu sempre procurei trabalhar a historia com meus

filhos. Sempre dei, embora o meu filho não goste muito de leitura. Já a minha filha

ao contrário adora, os livrinhos dela, estão por aqui.

Ela tinha ciúmes tremendo quando eu falei pra ela: Deixa eu levar pras

crianças. Então, eu acho que aflorou um pouco essa coisa maternal.

Professora Sueli – Depois de muito tempo, você demonstrar o hábito da

leitura pra criança.

Professora Dione – Pro pequenininho. Que pra mim é uma satisfação

muito grande mesmo. Eu me sinto recompensada.

Professora Sueli – E assim no conto, nos contos, tem algum

personagem assim, que você se identifica?

Professora Dione – Não, já tive pensando, a Rosana já tinha feito essa

pergunta. Eu não consegui me identificar nos contos que eu leio, que me veio à

memória. Eu não consigo me identificar em nenhum conto.

Professora Sueli – Eu posso te dar uma sugestão?

Professora Dione – Como? Pode ser que eu não consiga me enxergar e

você consiga.

Professora Sueli – De repente é assim, dar uma sugestão. Você pode

lembrar a Mamãe Ursa que contava historia. Na historia dos cachinhos dourados,

que contava a historia, porque ela sempre gostava de contar uma historia.

Como você adora contar historia, que nem você disse que se identifica

mais na parte da leitura. A Mamãe Ursa gostava de contar historia, quer dizer o

Page 243: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

243

papel dela era aquela mamãe que deixava de fazer o que ela estava fazendo pra

sentar numa cadeira, pra eles poderem ouvir uma historia.

Professora Ana Maria – Eu contava pra minha filha. Ela adorava historia,

tem vários livrinhos. Eu até trouxe uns aqui, tem várias coleções e toda noite eu

tenho que contar uma historia pra ela ou ela lê uma historia pra mim ou eu leio pra

ela.

Professora Sueli – Então, mas você concorda que essas historinhas,

esses contos que você conta pra criança na infância, ela leva pro resto da vida.

Ela sempre vai se lembrar?

Professora Dione – Com certeza.

Professora Sueli – Como a gente também se lembra, se o pai não teve

tempo de contar.

Professora Ana Maria – Na minha infância eu não tive. Minha mãe

trabalhava muito. Meu pai também, eu fui criada praticamente com a minha avó.

Minha avó que olhava a gente. Então, não tinha isso de contar historia. Eu não

me lembro de minha mãe, meu pai ou minha avó contar historia pra mim. Lembro

do bicho papão, que eles falavam nada de.

Professora Sueli – Contar uma historia, você entra na mesma

porcentagem da maioria de hoje em dia. Que tão todas formadas, formando

crianças pra ter gosto pela leitura e que na verdade só foi conhecer a leitura bem

depois, porque os pais não tiveram tempo. A maioria está sempre falando: Meu

pai trabalhava muito, não tinha tempo.

Professora Dione – Então, mas eu acho que ainda hoje, embora tenha

mudado muito. Eu acho que é nossa função porque tem muitos pais que hoje

também não contam historia, embora eu acho que tenha mudado. É mais

divulgado, acho que tem mais facilidade, mas eles não contam. Então, é nossa

função criar na criança esse hábito, esse gosto pela leitura.

Professora Sueli – É como já foi dito, nós já comentamos em outro

encontro, apesar de ser mais acessível os livros hoje em dia, é que nem você

falou, muitos não vão ter condições. Eles não tem o hábito e não conseguem

encontrar um tempo e de dizer este tempo é pra mim dar uma atenção mais

Page 244: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

244

dirigida para o meu filho. Então, quer dizer, o papel nosso, como educadora é

começar a introduzir.

Professora Dione – Embora a gente não substitua esse hábito dos pais.

Professora Sueli – Não substitui, mas você vai ter sempre de uma

dessas crianças que vai dizer: - Olha meu pai e minha mãe não tiveram tempo de

contar, mas eu tive uma professora que me contava história, ou pode dizer eu tive

uma professora que me contava, eu tive uma professora que contava a história do

Pinóquio. Ela contava hoje e contava no outro dia, até que eu aprendi a historia

do Pinóquio, quer dizer, eu acho que são pontos na parte da educação

principalmente das crianças menores da área de CEI, que vai ficar focada, quer

dizer de certa forma a gente não vai redimir essa falta dele dizer o meu pai não

me contou história, mas ele vai também ter uma parte boa de dizer mas eu tive

professores que se interessavam em me mostrar a história, são paralelos

diferentes mas que pro crescimento de criança é importante.

Professora Ana Maria - Com certeza.

Professora Norma - Eu vou começar contando do meu tempo de criança,

como eu já falei das histórias que meu pai contava, eram histórias fantásticas

sobre o Saci Pererê, sobre esses protetores das matas. Naquela época eu

achava engraçado e, às vezes, achava assim que o meu pai era um pouco bobo

de estar contando aquilo. Só que eu não tinha ideia da riqueza que poderia ter

levado comigo. Não tinha ideia, era muito criança, mas ele contava assim e eu vivi

muitas histórias. Parece que era verdade, sabe, ele falava de uma maneira. E

outra coisa também, que eu vim aprender depois são os trava línguas que o meu

pai fazia com a gente.

E o meu pai era analfabeto, ele aprendeu a escrever ali comigo. Agora,

quando eu vim pra prefeitura, como eu vim. Eu me aposentei em uma escola,

Dom João, na direção. Escola estadual, mas antes eu alfabetizei. Mas nós não

tínhamos o hábito de contar historias na escola. Era próprio do sistema. Eu

incentivava muito a criança a escrever, a contar as coisas dela e tudo.

Mas não existia esse hábito de contar historia, que seria ótimo. Mas não

tinha não. Tinha todo um sistema já para alfabetizar, tinha cartilhas da Emília

Ferrero. Começou a aparecer as experiências, nós começamos a trabalhar de

Page 245: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

245

maneira diferente, mas sem orientação. Então, ficamos muito perdidas, mas a

historia não estava em pauta. Mas quando eu me aposentei, quis vir trabalhar,

porque eu nunca quis ficar em casa.

Eu decidi que eu ia trabalhar. Eu pedi licença à prêmio e férias no

trabalho que eu estava. Pedi aposentadoria e já me inscrevi na prefeitura.

Comecei a trabalhar como contratada e depois que eu fiz o concurso pra trabalhar

como efetiva.

Professora Maria Edlene – Você ficou quanto tempo ainda como

contratada?

Professora Norma – Contratada? Três anos depois.

Professora Maria Edlene – É que naquela época podia, hoje são só dois

anos.

Professora Norma – Três anos quebrados, você pode ir renovando, mas

vai quebrando o contrato. Nas primeiras EMEIs que eu trabalhei, eu também não

percebi muita historia. Não se contava historia e tinha todo um trabalho já

desenvolvido pelas coordenadoras. Então, a gente era muito orientada, já tinha

um trabalho feito. Foi quando eu prestei concurso e vim trabalhar nos CEIs,

Centro de Educação Infantil, que tinha passado de creche para a Educação.

Então, estava tendo uma das transições.

As primeiras vezes que eu cheguei eu falava muito. É claro que nós

continuávamos sendo professora, mas de uma maneira diferente. Eu falava muito

como professora e, às vezes, eu falava para as crianças. Elas olhavam pra mim

com aquelas carinhas, o que ela está falando? O que aconteceu?

Eu acho que aprendi muito com as crianças também. Eu voltei a cantar,

eu sempre cantei muito com as crianças. Voltei a cantar, voltei a fazer roda e tudo

isso. O contar historia, só que bem diferente de quando eu contava historias para

os meus filhos e pros meus netos.

Eu tive muita convivência com a minha neta e contei, cantava muitas

canções pra ela e contava historias falando do fantástico, da beleza, do bonito.

Mas nunca como quando eu vim trabalhar na prefeitura, que eu comecei a

perceber o quanto a gente podia tirar da historia, trabalhar com intencionalidade.

Page 246: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

246

Desenvolver a linguagem, o pensamento lógico, o fazer com que a criança crie

mesmo matemática contando os personagens.

Uma linguagem mais culta, falando palavras que eles ainda não

conhecem e que eles vão criando hábito de falar, ensinando pra eles que na

historia a gente pode criar, falando de absurdos, de voar, de viajar. Então, a

historia pra mim, me acrescentou não só pra criança, acrescentou muito pra mim

também.

Eu achei que com as historias eu consegui fazer um trabalho com a

criança em outras ideias. A intenção que eu tinha, por exemplo, em matemática,

em oralidade e pra desenvolver a criança, com a historia eu conseguia muito

mais. Por quê? Porque a gente está levando a criança a brincar, a exploração do

ambiente e tudo. A historia, pra mim, veio me enriquecer muito nesses anos de

prefeitura.

Professora Edlene – Por que Norma, às vezes, a gente não sabe. Você

falando eu estava pensando. A gente não sabe o mundo de cada criança. Na

historia, eles saem um pouco daquela vida sofrida.

Professora Norma – É verdade, às vezes, eu percebia alguns problemas

de disciplina com a criança, uma tristeza. Então, você procura uma historia que

condiz com aquele problema da criança. Você acaba contando aquela historia,

não mencionando o nome da criança.

A criança vai acabar se relacionando e tendo como trabalhar o problema.

Mesmo, às vezes, brigas em casa e ela vem triste, porque a mãe qualquer coisa.

Então, a gente contando uma historia, a criança acaba vendo aquela historia. Ela

vai falar do problema e vai conseguir problematizar.

Professora Cecília – Consegue trabalhar um problema.

Professora Norma – Então, pena que a historia entrou tão tarde em

minha vida. Que eu trabalhei tanto, com tantos alunos que eu alfabetizei durante

vinte e dois anos e a historia entrou assim, tão tarde.

É muito enriquecedor trabalhar com historia. A historia foi muito bonita e

foi quando eu vim dar mais valor nas coisas que o meu pai falava. Eu dizia: Meu

Deus! Uma aula que eu tive uma vez com uma historiadora, ela me falou: Você

Page 247: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

247

viu, se você tivesse escrito tudo isso. Eu não tinha essa ideia de fazer os

registros, nada.

Essas historias daria pra eu escrever um livro, às vezes, eu tenho essa

ideia de passar para o papel uma historia. Contar às coisas que eu consegui viver

com as crianças da primeira série. Porque eu tenho muitas historias pra contar.

Era isso, acho que o que eu tinha que falar era isso.

Professora Maria Edlene – Bom, eu vou contar da minha experiência de

quando eu cheguei ao CEI. O CEI direto, eu já vinha de uma unidade indireta. De

um CEI conveniado. Lá a gente já tinha muito essa vivência de contação de

historia.

Eu só fui de uma época. Como eu já tinha falado, eu já existia, mas os

meus pais não tinham tempo, só trabalhavam. Quando tinha tempo, meu pai

contava uma historia que ele tinha vivenciado, meu avô tinha vivenciado. Por ser

analfabeto, ele contava como eu falei, historia de Lampião, as historias da época.

Historias como eles falavam mal assombrada, essas coisas e muita cantiga. Meu

pai também cantava muito pra gente. Ele tinha mais essa preocupação que a

minha mãe. Ela ficava mais na parte do cuidar, elas trabalhava muito. Os dois

trabalhavam muito. A gente acabava ficando com meu irmão mais velho, que

acabou aprendendo a ler sozinho com os gibis e é assim a minha vivência de

contação de historia.

Eu fui aprendendo sozinha, eu fui reconhecendo e vendo historias bem

depois. Acho que nem na escola a professora tinha esse hábito. Eu não aprendi

na escola, já tinha Norma, acho que já era pra ter um pouco essa vivência dos

professores contarem. Mas eu não tive essa experiência, mas eu vim, ouvi e

aprendi. Eu já tinha bem uns quinze anos. Tarde, né? Só que eu já me apaixonei.

Já amava, já vi outro mundo e já entrei, ingressei no Magistério com essa noção.

Era engraçado que ninguém me ensinou, mas parece que eu ia sozinha,

que eu já ia. Aquilo me encantava e eu gosto. Então, lá no CEI indireto, todos os

professores eram meio que induzidos a trabalhar com contos de fadas durante o

ano inteiro. Com projetos variados, por exemplo: dramatização, quando não dos

professores, a gente chamava as crianças pra dramatizar.

Page 248: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

248

A gente trabalhava em sala e depois colocava no pátio. Então, tinha muito

esse trabalho de contação de historia. Também veio minha filha, que acho que foi

o que mais me encantou, porque eu até falo que ela vai ter outra vivência. Mais

tarde ela não vai falar o que eu falei dos meus pais, que eu não tive essa

experiência. Acho que se tiver um trabalho assim, ela vai contar diferente.

Professora Norma – É, hoje a minha neta fala pra mim que ela é

apaixonada por história por minha causa tem uma coisa também que me veio a

memória, na minha casa não eram leitores. A minha mãe não lia, meu também

não, mas devido às histórias que ele me contou, eu me tornei leitora. Que eu me

lembro, que quando eu fiz doze anos, meus tios me deram um livro de histórias

porque eu gostava de ler e eu me tornei muito leitora, eu lia muito.

Professora Cecília – Eu acho que em relação a mim, o que me

despertou mais a leitura, não foi nem o fato dos meus pais contarem histórias, foi

na escola que eu aprendi, foi de observar o meu pai ler jornal. Apesar dele ter

concluído até a 4ª série, porque na época era mais difícil concluir, porque sempre

trabalhou, desde os quinze anos. Ele teve uma infância difícil porque a mãe dele

faleceu quando ele era novo e sempre teve que trabalhar desde cedo. Então, não

teve tempo de completar os estudos, mas ele sempre foi muito inteligente porque

ele até hoje as pessoas se admiram porque ele conhece de tudo, apesar dele

nunca ter feito faculdade. Qualquer assunto que você perguntar para ele: politica,

esporte, cultura, ele sabe. Então, isso de observar, de eu estar observando este

gosto pela leitura, é que desenvolveu o gosto de eu observar ele lendo o jornal.

Professora Norma - É e o que as histórias podem falar do valor pra

gente. O meu pai foi uma pessoa que a família deixou ele aqui com quinze anos.

Foi todo mundo embora pra Espanha e ele ficou sozinho. Ele não era pra ser a

pessoa que ele era. Então, ele ensinou muito, eu vim perceber isso depois.

Quando a gente é criança, a gente não percebe, pelas histórias que ele contava,

pela maneira que ele tratava. Quando tinha qualquer festa, Dia das Mães, que ele

pegava um dinheiro escondido e ia com a gente para comprar presente. Minha

mãe, às vezes, ainda falava é bobagem, mas era o jeito dele.

Eu falo, às vezes, como é que ele conseguiu ser uma pessoa assim.

Professora Maria Edlene – Engraçado, se ele não teve essa experiência.

Page 249: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

249

Professora Norma - Ele não teve, foi uma pessoa muito sofrida. Teve

padrasto muito ruim. Inclusive, foi a causa dele ter ficado aqui no Brasil, os outros

foram embora e ele se tornou uma pessoa para os filhos assim.

Professora Cecília - Minha mãe também, ela teve pouca oportunidade de

estudo, porque a minha avó teve oito filhos e desses oito tem a minha mãe e mais

uma irmã que é caçula. A minha avó é professora em Maceió, numa cidadezinha

de Maceió. Ela alfabetizava, trabalhava com o prefeito. Antigamente, não tinha

nem concurso.

Professora Maria Edlene - Não era só conhecer e pronto.

Professora Cecília - Era uma pessoa, que tem respeito até hoje na

cidade dela. Escreveram até um livro, colocaram o nome dela, que ela

alfabetizou. Então, no caso, a minha avó trabalhava bastante também na roça. No

caso, quando a minha mãe nasceu pelo fato dos meus tios também trabalharem

bastante e serem mais velhos, quando minha mãe nasceu ela teve que ajudar nos

afazeres domésticos. Ela teve que ajudar muito a minha avó, ela teve assim uma

vida muito sofrida e quando eles vieram pra São Paulo, vieram todos os irmãos, a

família toda. A minha mãe casou muito cedo e parou de trabalhar porque meu pai

não quis deixar ela trabalhar fora. Quando era solteira, ela até trabalhou em

alguns lugares, só que teve que parar de trabalhar pra cuidar dos filhos, casou

tudo.

Só que até hoje ela sente. Ela é uma pessoa muito ativa, ela é uma

pessoa meio que frustrada por não ter trabalhado fora. E o meu pai também tem

uma história muito carente, porque ele perdeu a mãe dele com quinze anos.

Então, a irmã que cuidou dele. Então, ele tem, de certa forma, uma carência,

casou com a minha mãe, assim teve mais conforto. E ele não deixou a minha mãe

trabalhar, acho que justamente por isso, pelas dificuldades, que eles não

passaram essa parte de ensinar entendeu, de incentivar.

Professora Maria Edlene – É engraçado, imagine, porque sua avó era

alfabetizadora. Era o caso do meu avô, ele era o único professor da região, no

sertão nordestino e o meu pai não teve interesse nenhum, não queria. Meu avô

falava, que ele fugia, corria, meu avô saia correndo atrás dele nas plantações e

ele não queria de jeito nenhum. Ele achava e ele falava pra gente, que ele achava

Page 250: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

250

que aquilo não ia ajudar em nada. Ele falava isso: O que eu já tinha e o que eu já

sabia, eu ia aprender com a vida. Ele era muito assim, falava que não conseguia

se concentrar e nem conseguia ficar numa cadeira, nem num banco aprendendo

nada.

Professora Norma - Eu sou mais velha que vocês, bem mais velha.

Então, as mulheres da minha época não eram pra estudar, eram pra fazer corte e

costura, casar e ter filho. Na verdade eu consegui ser uma vencedora, inclusive,

na minha família, eu sou a única mulher que trabalha fora.

Professora Cecília - O que me entristece é que mesmo quando a minha

mãe teve o meu irmão mais novo, na época, ele tinha uns três, quatro anos de

idade, não lembro. Abriu um shopping perto de casa, não sei se vocês ouviram

falar do Shopping Arthur Alvim, pertinho da minha casa. Não deu certo, acabou

falindo. Ela conseguiu emprego no Habbib’s, até hoje permanece o restaurante. O

shopping faliu, mas o restaurante está lá.

Só que na época ela ficou super contente, ela conseguiu como auxiliar

de cozinha, e hoje ela ia ser uma das chefes de cozinha. Ela cozinha super bem,

ela é super ativa. A minha mãe ficou super empolgada só que meu pai ficou com

ciúmes e jogou que o meu irmão estava ficando doente, estava sentindo falta dela

e ela acabou desistindo.

Então, voltando a minha infância, a minha mãe teve três filhos. Eu fui à

segunda tenho dois irmãos, tenho um mais velho, só que pelo fato da minha mãe

viver em função da família e dos afazeres domésticos se apegou muito com os

filhos. Quando eu nasci, por eu ser a única filha mulher, ela sempre foi aquela

mãe, até hoje ela é, super protetora. Só que assim, sem noção mesmo, não foi

proposital, ela me retraiu. Ela me sufocava muito, sabe então, aquela mãe super

protetora que tem medo que eu saia na rua.

Desde pequena, só tinha medo que me sequestrassem, entendeu. A

família toda ficava me bajulando, porque eu era um bebê assim, não estou

querendo me gabar, eu era uma criança muito bonita, que chamava muito

atenção. Mas na minha infância eu não gostava disso, isso me retraía, as

pessoas ao redor me paparicavam e só realçando a minha beleza. Eu não queria

isso, eu queria mostrar que eu tinha muito mais a oferecer, que não só beleza.

Page 251: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

251

Então, todo mundo ficava me sufocando, entendeu. Isso atrapalhou até pra eu

formar a minha personalidade.

Eu cresci com insegurança, eu cresci uma criança tímida, eu tive

dificuldade de aprendizagem na escola e minha mãe me mimava muito, me dava

de tudo, tudo era muito fácil pra mim. Apesar das dificuldades financeiras, ela

fazia de tudo pra me agradar. Quando comecei a estudar na EMEI, eu peguei

uma professora, minha primeira professora era muito rígida, muito brava. Então,

pra mim toda criança sofre com a adaptação, porque está acostumada com o

amparo da família. De repente, começo a estudar, pego uma professora que é

bem rígida, completamente diferente da minha mãe, outra personalidade. Eu me

assustei, então, eu chorava, eu era muito manhosa. Eu chorava muito, eu não

queria ir para a escola e a minha mãe pra reforçar mais ainda, ela deixava eu

faltar na escola, entendeu.

Ela reforçava mais ainda a minha insegurança, entendeu. Tanto que

quando eu estava na primeira série que foi a fase de alfabetizar. Eu também

peguei uma professora enérgica, rígida. Na época, foram mudando as leis, mas

as professoras davam castigos, tinha que ser aquela disciplina, que as crianças

não podiam se mexer. Queriam controlar tudo, a criança não tinha muita

liberdade. Então, eu entrei em contradição do que eu vivia em casa, totalmente

oposto, as regras tudo. E ninguém ficava me bajulando, eu estava acostumada

com todo mundo me protegendo, me dando as coisas na minha mão, facilitando

as coisas pro meu lado. Só que aí eu cresci, sem ter autonomia, sabe, insegura,

tímida, medrosa, envergonhada, desconfiada e isso atrapalhou porque foi

formando a minha personalidade. Porque chega uma idade com seis ou sete

anos, que não tem como voltar atrás foi à maneira que minha mãe criou, me criou

de uma forma errônea, não que ela tenha feito por maldade, proposital, foi por

falta de conhecimento mesmo. Foi inocentemente mesmo, eu não me culpo, quer

dizer, eu não culpo a minha mãe por causa disso. Porque foi por falta de

conhecimento que ela agiu daquela maneira. Então, com o passar do tempo, na

adolescência, eu jamais pensei em ser professora, eu não tinha assim. Eu não

nasci com dom de ser professora, apesar da minha avó ter sido professora, a

minha prima também que se formou primeira professora na família, que fez

Page 252: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

252

magistério, só que eu era muito apegada a minha prima. Tanto que nas

brincadeiras de infância, a minha prima era sempre a professora e eu a aluna.

Professora Márcia Polessi - Eu era a professora e as bonecas eram as

alunas.

Professora Cecília - Ela dava bronca, reunia às crianças, as primas, a

família, as amiguinhas e ela era aquela professora enérgica, dava bronca,

colocava de castigo, dava atividade.

Professora Maria Edlene - É porque ela estava repetindo o que ela via

com a professora dela.

Professora Cecília - É, eu estava aprendendo com ela, como aluna, mas

jamais passou na minha cabeça: Um dia eu vou querer ser professora. Tanto que

com o passar do tempo, na minha adolescência, quando eu estava começando o

Ensino Médio, eu participava muito na igreja, na comunidade católica. No caso,

eu me batizei, fiz a primeira comunhão e participava de grupo de jovens. Eu

conheci um rapaz que gostava muito de fazer teatro, como todo mundo me

cobrava isso, até nas festas de família, que eu era muito quieta, que eu não me

comunicava, que eu não me entrosava com o pessoal. Vinha essa cobrança

interna, eu não queria ser diferente, eu queria mostrar do que eu era capaz. Sobre

me expressar, que eu era inteligente, eu tinha que por pra fora todo aquele

sentimento.

Eu me cobrava demais, eu tinha que mudar aquele meu jeito de ser e que

eu podia ser capaz. Teve essa oportunidade, inclusive o teatro, não sei se você

conhece é o TUSP, o teatro da USP que fica na Rua do Mackenzie que era o

antigo Centro Cultural Maria Antônia. Você tem conhecimento, inclusive foi à

antiga Faculdade de Filosofia da USP. Então, lá abriu inscrição pra pessoa sem

experiência.

Professora Norma - Você foi fazer?

Professora Cecília - E ele estudava no Mackenzie esse meu amigo. Me

convidou, eu me interessei. Vai ser interessante pra mim porque se eu começar a

fazer teatro vai ser uma forma de vencer essa timidez. Eu topei o desafio e eu

fazendo teatro, melhorou muito como pessoa. Só que na época eu tive

empecilhos porque eu estava ensaiando pra peça de teatro que eles iam passar

Page 253: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

253

por uma reforma. Eles iam montar mesmo um teatro, só que foi aberto também

festivais de teatro pra outras turmas de outras cidades se reunirem e

apresentarem as peças. E por pertencer ao governo, a USP, no caso, eu ia ter

que ficar vários dias, uma temporada. A USP ia oferecer até pra quem quisesse

participar do festival hospedagem, porque iam vir pessoas de fora pra concorrer

nos festivais. Só que na época meus pais ficaram enciumados porque eu era de

menor. Não deu pra eu dar continuidade, depois com o tempo eu estava

terminando o Ensino Médio.

A minha prima, essa minha prima já estava trabalhando como professora.

Inclusive ela trabalhava, na escola que era na rua da minha casa, praticamente do

lado. Ela trabalhava como professora, tinha feito só o Magistério, aí falou que

precisava de uma pessoa pra ser auxiliar das crianças. Só que até o momento, eu

fiquei preocupada porque eu não tinha formação, não tinha experiência com

criança. Gostava de criança, nas reuniões de família, eu sempre gostava de

criança, mas jamais pensei que eu pudesse, tivesse dom de trabalhar com

criança.

Abriu essa oportunidade, na época eu estava sem trabalhar, porque o

meu primeiro no emprego aos quinze anos foi justamente nesse shopping que

abriu perto de casa. Eu trabalhei em algumas lojas e depois acabei desistindo. Na

época eu estava precisando de um dinheirinho pra eu poder, porque assim meus

pais não tinham condições de que se eu quisesse um tênis, uma roupa era difícil

deles comprarem pelo salário que o meu pai tinha.

Ele é aposentado, mas ele continua trabalhando e ainda na minha família

nenhum filho casou. Então, tem muita despesa até hoje. Então, um dinheirinho a

mais pra eu poder comprar uma roupa, passar no shopping ainda mais na fase da

adolescência você tem vontade. Eu topei o desafio, era pra trabalhar meio

período. Inicialmente, eu comecei a trabalhar com crianças de dois anos de idade,

eu não sabia trocar as fraldas. Eu aprendi de observar o dia a dia, vendo as

professoras na prática, pedia ajuda e eu fui me esforçando. Só que eu criei aquele

ambiente. Eu criei amor, eu criei um vínculo e eu ficava observando as

professoras na sala de aula que estavam com as turmas com as crianças. Era

uma escolinha infantil, não tinha nem Ensino Fundamental, mas eu via nas salas

Page 254: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

254

de aula que eu queria desenvolver na sala de aula aquilo que elas estavam

desenvolvendo com as crianças de outras idades também. Eu ficava admirando,

um dia eu quero chegar lá onde elas estão. Só que eu sei que eu tinha que

estudar, eu sei que eu tenho que batalhar muito, que eu tenho muito a aprender

ainda e na época eu ganhava um salário mínimo. Não tinha nem como pagar uma

faculdade, mas eu fui perseverante. Eu falei vou trabalhar, vou correr atrás, vou

ver se dá pra eu fazer Magistério. Só que em 97, eu estava terminando o Ensino

Médio. Eu até pensei em fazer na mesma escola o Magistério, só que na época,

essa mesma escola que eu estudei, inclusive aqui na Penha, tinha extinguido o

Curso de Magistério.

Eu fui procurar informação e as únicas escolas que ainda tinham o

Magistério, era o CEFAN, mas só que eu teria que estudar o dia todo. Tinha que

deixar de trabalhar. No caso, eu estava gostando de trabalhar, eu estava

adquirindo experiência com as crianças. Então, eu falei: - Eu não quero largar de

trabalhar pra ter que estudar o dia inteiro.

O que eu pensei, futuramente quando eu tiver condições, eu vou direto

na faculdade. Só que eu não tinha condições. Eu ganhava salário mínimo,

trabalhava meio período. Mesmo assim, pelo fato da minha prima trabalhar lá,

estava tendo praticamente um cargo de confiança, apesar de não ter formação

como professora. Ela até me abriu a possibilidade de continuar lá. Mesmo sem a

formação, só que eu tive que esperar dois anos pra eu poder entrar na faculdade.

Eu tive que conversar com o meu pai, a minha mãe também convenceu

ele. Mesmo na dificuldade, ele me ajudou, no início, me ajudou bastante. Só que

mesmo com esse salário mínimo, eu colocava e juntava. Eu não comprava nada

pra mim.

Eu juntava esse salário, que era pouco, com o que meu pai me ajudava

na época, o vale transporte e eu fui com a cara e a coragem. Só que nesse início,

no primeiro ano de Pedagogia, antes de eu ingressar em 96/97, eu tinha voltado a

fazer curso de teatro só que não era no TUSP.

Eu comecei a fazer no SESI, é teatro amador, mas mesmo assim nesse

percurso eu fiz dois anos de teatro. Eu não desisti do teatro mesmo dando aula.

Só que pela faculdade eu não tive tempo mais de fazer o teatro. Eu comecei a me

Page 255: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

255

dedicar nos estudos mesmo, tanto que o professor falou assim: - Mas justo agora

que você vai pra turma especial? Porque eu apresentei a peça de teatro, fiz o

maior sucesso, todo mundo gostou. Minha nota no certificado tinha melhorado e

eu ia pro grupo especial, mas justamente agora.

Eu falei: - Não posso, eu vou estudar agora. Eu vou fazer Pedagogia, eu

quero seguir, eu quero ser professora. Eu quero seguir na área que eu estou

atuando agora.

Eu preciso da faculdade porque se eu não estudar, eu não vou poder ser

mais professora ou uma coisa ou outra. Você tem até na sua família. E você sabe

que viver de teatro é difícil, eu sempre fui pé no chão. Eu tenho que ter uma

estabilidade, porque eu voltei a fazer teatro por hobby. Eu nunca pensei assim, eu

vou fazer teatro como profissão, vou me especializar nisso, porque é complicado

pra você atuar, pra você se estabilizar nessa área e tem muita coisa errada

também.

Professora Norma – E como você veio para a Prefeitura?

Professora Cecília – Então, eu trabalhei bastante tempo na escola

particular. Nessa mesma escola eu trabalhei durante quase treze anos, quer

dizer, no contrato está treze anos. Eu fiquei quase dez anos nessa, mudei pra

outra e fiquei três anos.

Eu, de certa forma, por essa escola particular ser próxima à minha

residência, eu me acomodei na mesma escola. Poderia justamente, pela minha

insegurança, ter tentado outras oportunidades melhores, mesmo sendo na

particular. Pela experiência que eu adquiri, tanto na Educação Infantil como no

Ensino Fundamental. Claro que se eu for analisar agora, o que eu gostei mais de

trabalhar foi com a Educação Infantil, pelo fato de eu ter tido mais experiência

com a Educação Infantil e por eu ter começado a gostar mais e ter me

identificado.

Professora Maria Edlene – E lá, você já tinha a vivência da contação de

historia com eles?

Professora Cecília – Sim, eu já tinha essa prática porque eu observava o

trabalho das professoras desde o momento que eu iniciei e pelo fato de eu gostar,

de eu ter feito teatro, de explorar esse mundo da fantasia. Eu até na hora de

Page 256: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

256

contar as historias, eu tinha muita facilidade, porque tinha os personagens. Eu me

incorporava nos personagens. Era como se eu tivesse representado, como se eu

estivesse num palco contando as historinhas para as crianças e eu imaginava.

Ah! Um dia eu vou fazer teatro, mas eu quero fazer teatro infantil, peça

infantil, até hoje eu tenho esse sonho de um dia voltar a estudar teatro, porque foi

um dom que despertou em mim, um talento.

Eu tinha facilidade pra decorar texto e todo mundo falava, como você

consegue? Você é tão tímida, pra mim eu me escondia atrás do personagem, não

era mais eu, entendeu. Tanto que até quando eu fui apresentar. Eu fiz a pós

graduação, quando eu fui apresentar o TCC, eu tive que apresentar sozinha,

defender a tese sozinha. Eu tive muita dificuldade e até agora pra eu falar em

público eu tenho muita dificuldade.

Mas já se eu estou incorporando o personagem, já ao contrário, não sou

eu, entendeu. Eu estou me escondendo atrás de um personagem. Então, eu

tenho mais facilidade. Então, eu fui trilhando pra atuar como professora adquiri

experiência com o Ensino Fundamental. Eu dei aula para o Ensino fundamental

uns três anos. Tive mais dificuldade, justamente pelo fato de como fui educada,

principalmente porque no Ensino Fundamental era muito carinhosa com as

crianças. As crianças confundiam com liberdade. Então, eu queria agradar

sempre. Então, eu não tinha aquele pulso firme, não sabia impor limites pra

criança. Eu facilitava tudo pra criança. Então, o que gerava? Gerava indisciplina.

Então, as crianças confundiam aquele carinho todo com liberdade. Então, logo de

começo encarar o Ensino Fundamental foi muito difícil, foi um desafio enorme e já

com as crianças pequenas eu já tive mais facilidade, porque eles necessitavam

mais.

Eles dependem mais do carinho e da atenção da gente. Claro, que com o

passar do tempo, eu comecei a ser mais enérgica, a ter uma dose de equilíbrio.

Eu nunca perdi a ternura, porque eu acho que a criança pra desenvolver, ela tem

que ter afetividade, mas ao mesmo tempo você tem que impor limites. Você tem

que ser firme com elas e a cada dia que passa, a cada ano que atuo como

professora, eu vou me aprimorando com as experiências, com os erros. Isso eu

acho que é com todas as professoras.

Page 257: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

257

A gente vai tentando melhorar cada dia mais escutando, trabalhando. Eu

tive muita decepção amorosa também, graças a Deus eu encontrei a pessoa

certa. Na minha vida acrescentou, me motivou a estudar, tanto que eu conheci ele

em 2007, eu estava iniciando o curso de pós graduação. Eu tive minhas

dificuldades, eu achava que o curso estava difícil. Meu namorado falou: - Não,

você tem que ir atrás, você é capaz. Isso vai te acrescentar lá na frente. As

minhas colegas falavam: - Olha, tenta um concurso público, uma hora você

consegue passar. Eu estou tentando desde 2006. E eu falava: - Mas é muito

difícil, eu ficava admirada com as minhas colegas que estudaram comigo.

Vocês são muito inteligentes, acho que eu não vou chegar no mesmo

patamar de vocês. Acho que é impossível, eu estudo tanto e não consigo. Eu me

esforço tanto e as minhas colegas: - Não, não desiste. Meu namorado, minha

família: - Não, você tem que tentar algo melhor. Você não pode ficar só na

particular, porque a particular infelizmente, você trabalha muito. Você se esforça

tanto, mas você não é recompensada. Não pelo valor, questão financeira, mas é

claro que você tem que fazer o que gosta, mas você tem que ter retorno também.

Mas você também não pode ser explorada e eu fui muito explorada. Eu fui

muito judiada na escola particular. Acho que se for conversar com todos os

professores que passaram na particular, sem dúvida a escola pública,

principalmente agora, atualmente ela tem plano de carreira. Ela facilita tudo que

você for estudar, você tem evolução funcional. Então, você está se atualizando

sempre e isso facilita até pra sua prática em relação às crianças.

Então, eu sempre procurei progredir mesmo diante das dificuldades. Eu

sempre fui uma guerreira, batalhadora. Então, eu sempre fui atrás, meu

namorado, minha família sempre me incentivaram e eu consegui.

Professora Norma – Pra você foi fácil, porque o teatro te deu esse...

Professora Cecília – Essa bagagem toda.

Professora Norma – Essa bagagem.

Professora Cecília – Isso, inclusive eu até contei nos outros

depoimentos, deve até estar registrado com a Rosana, que quando eu estava no

Ensino Fundamental, eu tinha uma professora que tinha uma sala de leitura, tinha

uma professora que era excelente. Era uma ou duas vezes por semana a gente

Page 258: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

258

ia, tinha uma programação. A professora levava a gente nessa sala e contava

historias. Essa professora que ficava na sala de leitura e a gente levava os

livrinhos pra casa. Empréstimos na biblioteca e a gente escolhia o que a gente

mais gostava mesmo.

Então, isso foi desenvolvendo o gosto pelos estudos, pela leitura. Eu

sempre gostei de estudar, de correr atrás e minha família sempre me motivou

também, meu namorado e até no concurso também. Em 2007, teve concurso, fiz

cursinho preparatório, estudava todo final de semana, dava aula, dobrava período

na particular. Dava aula pras duas turmas de Ensino Fundamental, ainda fazia

pós graduação. Foi muita coisa na minha cabeça, muita preocupação. Levava

serviço pra casa, por isso que eu não consegui passar. Não por falta de

capacidade, todo mundo é capaz, mas porque eu não tinha tempo de administrar

o meu tempo pros estudos, porque concurso público está cada vez mais

concorrido. Eles colocam uma bibliografia imensa e nem tudo o que você estuda

vai cair na prova. Sem contar o nervoso e até que graças a Deus eu consegui

passar no concurso público para trabalhar na creche e eu estou gostando da

experiência, tem sido riquíssima pra mim.

Professora Tereza – Bem, quando eu entrei na prefeitura. Eu antes tinha

um desejo enorme de entrar, eu antes era recepcionista das Lojas Riachuelo.

Então, todo holerite azul que caía na minha mão que era pra fazer crediário. Eu já

perguntava: - Como que faz pra entrar na prefeitura? Como que faz? Tamanha

era a minha vontade de entrar, até que um belo dia alguém falou: - Vai abrir

inscrição lá no mercadão da Penha pra tomar conta de criança.

Lá fui eu correndo, fiz a inscrição, mandaram eu fazer a provinha de

ABCD que era de nível primário. Só pra saber se eu era alfabetizada, fui, passei,

mas, até então, eu não tinha noção do que era creche, do que era tomar conta do

filho do outro. Eu não tinha noção de nada.

Bom, aí eu fui chamada na prefeitura. Quando eu cheguei no prédio, o

prédio tinha acabado de ser inaugurado. Estava vazio, não tinha nada, nem

ninguém. Éramos eu e outras companheiras que chegamos juntas. A nossa maior

ansiedade, isso tudo aconteceu em 88. Então, eu e as minhas companheiras que

Page 259: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

259

também entraram na mesma situação que eu, queríamos saber aonde estavam

as crianças. Quando que elas iam chegar.

Mas primeiro tinha que chegar os móveis, primeiro tinha que chegar as

coisas da cozinha. Era muito devagar, quase parando. Nós chegamos na creche

mais ou menos em abril e ela só foi funcionar depois do meio do ano, porque teve

uma série de ajustes pra isso acontecer.

Bom, as crianças, nós queríamos saber das crianças. As crianças

começaram a chegar e nós estávamos aqui, doidas pra tomar conta das crianças.

Era um tomar conta das crianças que nem mãe. Olhava a cabeça se tinha piolho,

se tinha piolho a gente catava. Cortava a unha, limpava o ouvido. A fralda,

naquela época, era de pano. Então, era aquela fralda que você tirava o excesso

no vaso sanitário. Não tinha essa questão de luva, essa questão de todo esse

cuidado. Era tudo muito rústico, tudo muito doméstico mesmo.

Foi aí que começamos dentro da sala de aula com as crianças e muitas

vezes a gente contava historia. Só que pra acalmar as crianças porque a gente

não sabia nada, além disso. Contava historia, por exemplo da Chapeuzinho

Vermelho e aconteceu assim, mas não havia uma intenção , não havia uma

reflexão, não havia nada disso.

Contar por contar pra acalmar as crianças. Então, esse contato com a

historia era uma coisa como se fosse qualquer outra coisa, não fazia tanta

importância. Não tinha essa questão do faz de conta, era aquilo que a gente sabia

a nível de alguém já ter contado porque não era uma coisa lida. Não tinha livro,

não tinha gibi, não tinha nada.

O que a gente fazia. Eu pelo menos contava como alguém já me contou

uma vez. Era uma vez a Chapeuzinho Vermelho que a mamãe mandou levar a

cestinha para o Lobo Mau. Mas na verdade existe mais coisa dentro dessa

historia. Ao longo dos anos é que eu fui observar que não era aquela historia do

jeito que eu contava. A historia da Chapeuzinho Vermelho é mais ampla. Ela é

cheia de intenções, mas enfim, isso a gente aprendeu com o tempo.

Professora Noelina – Eu cheguei aqui em São Paulo, eu nunca tinha

trabalhado. Comecei a trabalhar na Abaeté, fiz curso e consegui trabalhar na

Helena Rubbinstein de consultora de beleza.

Page 260: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

260

Prestei concurso, eu tinha meu filho pequeno e ele precisava muito de

mim. Ele tinha quebrado o braço e toda vez que eu deixava ele com alguém...

Um certo dia eu cheguei em casa, tinha uma moça no banheiro com uma

água quente, quente. Então, me apavorei. Eu falei: - Eu vou sair do serviço, eu

tinha que pensar nele. Prestei o concurso, a minha supervisora falou assim: - Não

Noelina. Há oito anos eu trabalhava lá. – Não, não sai, não entrega o uniforme

porque você vai voltar.

Eu não vou voltar, eu vou entregar esse uniforme. Só que aí, eu prestei o

concurso e queria essa creche e não consegui. Fui lá pro CEI Penha, trabalhei lá,

só que lá quando eu cheguei, me colocaram no Jardim. Nossa! No primeiro dia eu

fiquei mal, queria até nunca mais voltar porque tinha criança maior que eu e as

meninas você tinha que trançar o cabelo. Eu nunca tinha pego o cabelo daquele

jeito, tive que pegar aquelas crianças amoadinhas.

Meu Deus, fiquei apavorada. Com o passar do tempo, eu fiquei lá. Tinha

uma professora que ela vinha pegar as crianças pra fazer caderno, eu ficava com

o restante que não fazia caderno. Tinha uma professora que chamava Renata

que levava os outros pro refeitório pra ela dar os cadernos. Depois ela mandava

as crianças pra mim novamente.

Teve uma época que estava precisando uma professora aqui. Que a

professora gestante ia sair de licença. Fizeram a reunião, a supervisora foi lá,

queria saber quem morava próximo. As meninas falaram: - Não, você não vai.

Queriam fazer reunião que não era pra mim vir. Não, você não vai. Que eu já

estava bem, interagindo com o grupo. O grupo não queria que eu viesse e eu vim.

No final da historia, acabei ficando aqui. E estou aqui até hoje. Entrei em

doze de maio de 88. Estou aqui até hoje, essas historias se a gente contar, não é

muito assim como hoje. Nós estudamos, aprendemos como que é o contar

historia.

Antigamente, era uma coisa mais light, era mais o cuidar. Hoje não, com a

formação que nós obtivemos, aprendemos bastante coisa, foi um grande avanço.

Professora Walkíria – Eu era telefonista, dois empregos eu tinha e

estudava à noite. Eu não tive muito contato com a historia, porque não tive quem

contava, porque era eu e meu irmão e nós brincávamos à noite, quando apagava

Page 261: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

261

a luz. Mas brincava com gestos com a mão, no escuro, de assombração. Contava

e a gente brincava, mais duas primas que eu tinha, que era filha de criação.

Então, a gente brincava de historia assim. O meu avô, às vezes, contava

aquelas historias antigas de assombração.

Depois a minha primeira professora disse que ia ter um concurso pra

entrar na prefeitura, mas pra pajem. Então, eu me arrisquei e fui. Não sabia nada

de olhar criança, sabia de olhar um primo em casa. Tomar conta, mas de uma

sala cheia não. Não tinha experiência nenhuma, eu fiz tudo que tinha que fazer.

Não passei na visão, eu fui reprovada. Agora complicou, eu não vou entrar, eu

fiquei inapta, porque eu não tinha óculos, não tinha dinheiro pra comprar o óculos.

Não passei, eu fiz arrecadação, comprei o óculos e voltei lá. Eu passei

com o óculos, entrei e caí aqui. Cheguei aqui, vi as colegas tudo lá fora com as

crianças. Tanta criança, tinha o gira gira, fui lá brincar, disfarcei e falei: -Vou dar

uma de entendida. Fui lá no gira gira e estava a Terezinha. Ela falou: - Você já

trabalhou? Eu falei: - Já, mas eu nunca tinha trabalhado com criança.

Fui entrando, fui vendo, fui aprendendo como elas faziam e fui

aprendendo contar historia também. Ao longo dos anos, fui vendo como um faz, o

outro faz, mas entrar sabendo eu não sabia não.

Professora Maria da Penha – Entrei aqui em 88 também, não aqui nesse

CEI. Eu entrei na Barra Funda. Eu estava desempregada e uma amiga falou que

estava abrindo inscrição e eu fiz lá no Cangaíba. Todo mundo fez, mas eu fui

parar lá na Penha, mas a gente teve um período de adaptação pra fazer os

enfeites da creche, no CEI lá na Tiradentes, na Avenida Tiradentes. Depois nós

fomos pra lá e eu entrei no estágio. Eram dezoito crianças pra gente, foi que nem

pegar nós e jogar na boca do leão. Que nós, sem saber o que fazer, só que

naquela época o estágio tomava banho também. Então, a gente passava a maior

parte da manhã dando banho, dando banho, parque depois tinha que voltar a dar

banho e ia pra mesa.

Então, esse ritmo de atividade, de leitura, quase não existia naquela

época, porque o cuidar era muito maior que o brincar, o contar historia, o

conversar com a própria criança porque não dava tempo. Toda creche, todas as

Page 262: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

262

crianças, do maior até o menor tomava banho e tinha que ser rápido porque era

muita criança e um banheiro só, pra todas aquelas crianças.

Ficava uma bagunça, a gente tinha que dar conta. A gente tinha que dar

conta, quando eu entrei, não era oito horas. Eu entrei já era meio período. Então,

em seis horas a gente tinha que fazer tudo isso e era rapidinho.

Quando eu vim pra cá em 90, já tinha uma outra dinâmica, as meninas já

liam historia, já tinha a roda, já conversavam e o banho também foi tirando, foi

diminuindo. Não se tomava mais banho. Só o mini grupo e o berçário. Ficou mais

fácil a gente lidar com os estágios, contando historia, mas de ler livro na creche,

era muito difícil. Não tinha livro, as historias eram as que a gente contava. Branca

de Neve do jeito da gente, que o Lobo Mau era mau mesmo e não tinha outra

saída. Não tinha livros ilustrados pra gente estar lendo pra criança.

Com o tempo é que foi se mudando, foi crescendo essa dinâmica da

gente ler, depois a gente fez o ADI Magistério e nós aprendemos a importância de

contar historia. Vimos também como fazer uma caixa de historia. O ADI

Magistério foi muito rico pra gente nesse ponto. Eles não queriam só a teoria, eles

queriam a prática, que a prática a gente levasse pra sala de aula, que fizesse aqui

e levasse pra lá, isso foi um registro também, tudo foi registrado.

Foi no ADI Magistério que a gente aprimorou tudo, tinha que registrar a

criança almoçou, jantou e acabou o dia.

Professora Walkíria – Melhor que na faculdade, que tinha o lençol e a

gente ia contar atrás do lençol pras outras professoras.

Professora Maria da Penha – Montava teatro de sombras, tudo lá no ADI

Magistério, a importância de um desenho com grafite, qual a importância de

desenhar com carvão, com a tinta e a respeitar o limite das crianças naquele

desenho.

Contar historias e ouvir também as crianças. E a gente dava o desenho e

eles contavam pra gente o que significava o desenho e a gente passou a ouvir as

crianças também nesse sentido.

Porque a gente mudou muito depois do ADI Magistério, os livros também

foram chegando pra escola e a gente foi aprendendo, mas no começo foi muito

difícil. Foi muito difícil mesmo. A gente entrou que nem a Noelina entrou por

Page 263: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

263

causa do Bruno, do Eli. A Walkíria estava procurando uma coisa melhor. Eu

estava desempregada, a gente se arriscou também e eles mais ainda de colocar

a gente.

Professora Noelina - Vocês já foram criança. Saber cuidar de sobrinho

pra eles estava bom. Eu mesma saí em dois lugares, aqui na Penha e lá em São

Miguel. Eu mesma tive que ir lá desistir e ficar só com o da Penha.

Professora Maria da Penha - Pra eles estava bom, quando eu entrei,

quando nós entramos ainda tinha gente trabalhando oito horas. Depois foi

diminuindo a carga horária, que foi ficando mais difícil ainda e também era mais

selecionado. A creche não era pra todas as crianças, era só pra mãe que

precisava também ficou mais difícil, porque todo mundo tinha acesso a creche,

mas era como se fosse um depósito de criança, tinha muita falta de professor.

Professora Noelina - Eu assumi duas salas.

Professora Maria da Penha - A gente chegou a trabalhar na cozinha. Eu

fiquei uma semana aqui já, fiquei uma semana na cozinha fazendo almoço pras

crianças.

Professora Walkíria - Lavava banheiro, lavava sala. No carnaval a gente

vinha pra cá, pra lavar não tinha jeito. Lavar sala, banheiro.

Professora Noelina - Tudo a gente fazia.

Professora Maria da Penha - Então, o bem estar da criança entre aspas

ficou muito a desejar. Hoje tem a cozinha terceirizada, vamos falar, também não é

um mar de rosas, mas é melhor do que quando a gente entrou. Do que há vinte e

dois anos atrás. Teve uma boa evolução. E nós também, hoje somos professoras,

naquela época era pajem. Depois foi mudando, mudando e hoje somos

professoras. A prática que nós temos, foi muito maior que tudo isso. Do que a

faculdade, o ADI Magistério,... Tinha enfermeira, hoje eu tenho que dar remédio,

tenho que ver se a dose é muito grande ou muito pequena.

Professora Walkíria - Quando o PAS entrou, vieram várias enfermeiras

pra cá, tumultuou bastante.

Professora Noelina - As enfermeiras que nunca tinham trabalhado com

criança, vieram pra cá ficar na sala de aula com a gente.

Page 264: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

264

Professora Maria da Penha - Antes a gente tinha que pegar o piolho.

Recebia uma tolha e um pente fino. Puxa o piolho, quantos piolhos nós já não

pegamos nesta creche.

Professora Noelina - E a entrada que tinha que fazer a triagem do

piolho. No CEI Penha, peguei aqui no começo, cada dia era uma professora

nenhuma professora queria ir pra triagem.

Professora Maria da Penha – Hoje não, você comunica a direção, a

direção faz um encaminhamento, vai pro médico e o médico vai tratar do seu

piolho. O bem estar foi uma fase muito dura na creche. Hoje em dia, depois de

vinte e dois anos, eu ainda me preocupo com aquela criança que tem piolho. Hoje

eu vejo professora atual, que já entrou no CEI, que já não tem essa preocupação.

De pentear o cabelo, da minha criança ir embora descabelada, sem roupa. Hoje

em dia o que eu percebo nos CEIs é muito papel. A gente escreve muito, escreve,

escreve e deixa um pouquinho do cuidar de antigamente da criança. Tem

crianças que não precisam desse cuidar, mas tem outras que são necessitadas e

que precisam desse acompanhamento.

Professora Noelina – O cuidar e o educar tem que ser juntos.

Professora Maria da Penha – Hoje em dia nos CEIs o educar está lá na

frente e o cuidar vem muito atrás. A gente sente essa diferença, não que os

recursos não ficaram melhores, ficaram sim, mas a prática deixa hoje muito a

desejar.

5º Encontro

Professora Márcia de Fátima – Então, eu comecei quando eu estava no

ensino, que era antigamente o Ensino Fundamental, no antigo Fundamental que

era?

Professora Cecília - Primário.

Professora Márcia de Fátima – Não.

Professora Sueli - Ginásio.

Professora Márcia de Fátima – Ginásio, era o ginásio. Eu fiz até a 8º

série na escola municipal. Chegava no Ensino Médio, aí eu falava assim: “ Eu não

vou mais estudar, se eu não fizer o Magistério, eu não vou mais estudar. E eu

Page 265: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

265

tinha um sonho, uma loucura, uma paixão de estudar no Filomena, entendeu?

Porque a minha irmã estudou lá, eu via os trabalhos dela e tudo. Então, aquilo pra

mim foi uma paixão. Se eu não conseguisse estudar no Filomena, eu não ia

estudar em lugar nenhum. Eu fiz inscrição no CEFAN consegui, passei, no dia

que eu ia fazer o...

Professora Cecília - Vestibulinho?

Professora Márcia de Fátima - O Vestibulinho no Filomena, eu fui

madrinha de formatura. Então, foi aquele caos, não cheguei no horário, não deu

tempo pra chegar, eu fui pra casa. Na segunda feira, eu ia saber o resultado do

Vestibulinho. Eu tinha passado, fiquei feliz, pronto e fui lá. Eu fiz e foi aquele

tormento, teve pessoas que falavam pra mim que eu não ia conseguir, pessoas

que falavam que eu ia conseguir e pra provar pra mim mesma que eu tinha futuro

eu fiz assim o melhor que eu pude. Quando eu pego alguma coisa pra fazer, eu

faço com todo o amor, eu não gosto de fazer nada pela metade. Então, eu fui, eu

fiz, eu consegui. Em 2005, eu me formei e já comecei de cara em uma escola

particular. Não tinha experiência nenhuma, em escola nenhuma, a escola estava

começando e eu começando junto com a escola. Era a Castelo Encantado, aqui

no Cangaiba, perto dos predinhos. Então, nós começamos uma turma de Jardim

I, aquela loucura. Eu não sabia de nada e fui, graças a Deus, fui bem. Lia pra

eles, lia, mas, noção do que é a leitura e do que é contar história. Apenas pegava

um livro e lia, não importava pra mim no momento se era escolha deles ou

escolha minha. Era o momento de fazer a leitura, eu pegava e fazia a leitura,

porque no começo da escola não tinha toda aquela programação, aquela

organização toda da escola. Era matrícula, então, não tinha como, era numa

casa, mas foi tranquilo. Tirei de letra e no ano seguinte, eu fui pro maternal.

Também, graças a Deus, também consegui. Na metade do ano fui pro Estado,

peguei da 1ª a 4ª série no Estado, fiquei um bom tempo lá. Casei, engravidei, saí

do particular e só fiquei no Estado.

No Estado também trabalhava muito com eles, já tinha mais a noção do

que era a leitura. Já tinha um pouco mais de experiência de fazer a leitura e

contar histórias e em questão de pré escola, o Ensino Infantil com o Ensino

Page 266: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

266

Fundamental tem bastante diferença. Porque pode trocar, troca-se a leitura, tem o

momento de ler, quem lê, eles escolhem.

Eu fazia um trabalho de levar livro pra casa, ajudava a escolher, e depois,

no dia seguinte a criança ia até a frente contava a história, o livro porque ele

escolheu aquele livro, pra quem que ele leu em casa e o que ele mais gostou

daquele livro. Então, a gente fazia um trabalho de leitura bem gostoso no Ensino

Fundamental e depois, eu saí também porque acabou o meu contrato porque eu

era contratada do Estado e também que era o antigo estagiário e fui pra

particular. Fiquei como eventual no Estado e voltei novamente para a particular e

essa particular foi aonde eu me achei. Me adaptei, me localizei, que eu pude fazer

o que eu gostava.

Pré escola, eu vou e volto, eu saio da pré escola, mas não consigo. Eu

tenho que voltar pra pré escola. O trabalho também era tudo: tinha contos até a

apresentação da criança tinha contos de fadas. Tudo que a gente fazia naquele

momento tinha contos de fadas, tinha história, final de ano, sempre tinha uma

imaginação, uma história pra contar pros pais, uma encenação, uma

apresentação. Depois que eu tentei fugir da Educação, fui ser operadora de

telemarketing. Fiquei um ano, foi um aprendizado ótimo, aprendi a falar, aprendi a

atender telefone, mas não era o que eu queria. Voltei para pra Educação de novo,

tentei fugir, mas alguma coisa me chamava, tanto pelo meu filho, por tudo. Voltei

para o Ensino Fundamental, fui pra conveniada, no particular, voltei a fazer

Educação Artística que era o meu sonho. Me formar em Artes Plásticas, mas eu

ainda não consegui, mas eu fiz Educação Artística, mas esse sonho ainda é uma

meta que eu quero alcançar.

E eu já quero fazer como a minha pós graduação em Artes Plásticas, mas

primeiramente eu vou fazer Pedagogia e logo em seguida vou realizar meu

sonho.

Professora Sueli – E qual a historia da sua vida?

Professora Márcia de Fátima – A historia da minha vida, que eu me

identifico, que eu posso falar essa é a minha historia, essa é a minha vida, eu

Page 267: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

267

assisti ela sábado. É a Bela e a Fera, essa é uma historia que chama muito a

minha atenção, além do romance, a parte da Fera. Mais pela Fera, porque

quando eu comecei a namorar, me falaram: - Márcia, você merece coisa melhor.

Ele não é pra você. Ele é feio, você é mais bonita. Foi o que me falaram e eu falei

pra pessoa que não foi a primeira e nem a segunda: - Olha, quem está

namorando com ele sou eu, quem gosta dele sou eu, não importa.

Então, eu já imaginei quem, a Fera e a personalidade do meu marido. É

bem assim, ele é grosso, é estúpido, mas eu amo aquela pessoa daquele jeito.

Ele é o amor da minha vida. Tem muita gente que não entende o jeito dele. Ele foi

criado na ignorância, pra ele sair da casa dele, ele subia no telhado, ele tirava

uma telha pra sair de casa, porque o pai dele trancava. Se saísse ele batia, ele

apanhava e ele cresceu naquela violência. Então, eu coloco o meu marido como

uma Fera por causa disso. Ele fala, ele é estúpido, ele é grosso, só que ele tem

um coração bom e ele é bom. Ele tem um objetivo, ele quer alcançar um objetivo

ele alcança e eu como a bela, não por questão de beleza, eu não me acho bonita,

eu não me acho bela, eu não me acho a melhor mulher do mundo, nem a mãe.

Mas eu estou ali pra aprender, pra amar. O que eu posso fazer pro meu

marido e pro meu filho é o amor. Então, o que a Bela fez pra Fera, foi a questão

do amor, da compreensão, da paciência e é isso que eu tenho com o meu marido.

Depois que a gente começou a namorar, quando a gente foi casar, pessoas até

hoje falam: - Você é mais bonita que ele. Mas não é isso o que eu quero dele, eu

até brinco com ele: - Você é feinho, mas você é meu. Ele é grosso, é estúpido,

mas é a maneira dele falar.

Uma vez o Matheus, quando era pequenininho, ele brigou uma vez com o

Matheus. Que ele fala, aquela coisa, a casa caiu. Ele bateu no Matheus, não

esperava. Ele chorou tanto, sabe aquele choro emotivo, que não esperava aquilo.

Ele pegou, sentou na escada, pôs o Matheus do lado e falou:- Vem aqui com o

papai, Matheus. Chorou, chorou e a minha mãe de lá de cima olhou e deu risada.

Ele é uma Fera só da boca pra fora, dentro dele é amor. Por isso, que eu

me identifico com a Bela e a Fera.

Page 268: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

268

Professora Dulcinéia – Um pouquinho de mim é assim: Como já havia

conversado anteriormente sobre os contos. Eu cresci numa família de adultos.

Então, esse resgate que nós temos hoje das historias, dos contos não fez parte

da minha infância. Mas eu tive uma infância boa, eu tive tanto uma infância como

uma adolescência boa, porque eu cresci de uma forma adulta e a minha família

com tudo que eu tinha que fazer, que realizar, nunca com punições nem nada,

sempre dentro de um ambiente onde as pessoas tem uma confiança. Sempre tive

segurança no que eu estava fazendo.

Então, tive uma infância e uma adolescência boa, junto com a minha

família. Não tem um conto hoje que eu possa falar que foi um conto que marcou,

que eu posso comparar. O que eu posso falar dos contos é que eles fazem parte

da minha vida escolar mesmo. Então, hoje eu conto para os alunos.

Foi na minha vida escolar que vieram os contos, porque na infância não,

mas para as crianças hoje eu trabalho contos com eles e trabalho diversas

literaturas. Eu fui uma criança que não fiz a pré escola. A minha vida é assim: não

tive a historia familiar, não tive a hora da historinha ou com a mãe ou com o pai e

também não tive a parte da Educação Infantil na minha vida.

Já fui direto com sete anos pro primeiro ano. Então, as historias que lá eu

ouvia, já eram historias que já estavam embutidas nos livros didáticos. Eu

também tive essa parte da infância de chegar da escola, de sentar, ter prazer por

assistir o Sítio do Pica-pau. Era legal estar assistindo, mas eu não me via em

nenhum daqueles personagens apresentados. Eu assistia porque gostava, porque

isso encanta a criança. Então, eu me encantava também porque eu era criança.

Então, isso me encantava e é isso que norteia a minha vida, sem uma

comparação com um conto. Não tem um conto, a princesa ou a Branca de Neve.

Historias que eu gosto, eu conto todas pras crianças porque eu sei a importância

que tem de você contar pra criança. Mas eu gosto daquela historia que envolve a

criança, porque pra mim envolver um personagem, por exemplo, como só a

Branca de Neve que não era uma criança, eu gosto das historias que tenham as

Page 269: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

269

próprias crianças pra você retratar. Esse tipo de historias são historias que eu

gosto.

Professora Sueli – João e Maria?

Professora Dulcinéia – João e Maria, não que tenha a bruxa, não é a

bruxa que tanto me fascina, a Cinderela, e sim a historia que a própria criança

consegue no final. Toda a historia no final dela tem um final bonito. E que a

historia de superação seja da própria criança.

E a minha historia é essa, que eu cresci uma criança adulta, já com a

responsabilidade, mas eu que acompanhava eles, do que eles me

acompanhavam. Mas dentro disso tudo na minha vida eu não posso falar. Lógico

que como todas nós aqui batalhamos. Temos algo a falar, mas eu tive uma

infância e uma adolescência, muito boas e é o que a gente fala dos contos. O que

não foi contado lá pra mim, depois com a formação que eu tenho e da atuação

profissional não atrapalhou.

Professora Sueli – Talvez se os contos tivessem aparecido na sua época

de infância, você veria de outra forma na hora de contar pras crianças. Ou o que

te entusiasma a contar pras crianças foi porque você não ouviu os contos?

Professora Dulcinéia – Hoje trabalhando com essa faixa etária tão boa,

que a gente gosta tanto desse trabalho que faz. Eu acho sim que teria sido

também prazeroso pra eu estar ouvindo as historias. Teria sido muito bom,

poderia ter tido até mais resultados. E que eu não tive na minha infância, foi

responsabilidade de adulto.

Professora Sueli – Você se vê procurando passar pra criança uma coisa

que não vai se perder com o tempo.

Professora Dulcinéia – E é tão bom isso, você sentar com a criança,

você ver, você levar a criança a esse mundo da imaginação. Você proporcionar

isso pra criança. Eu não tive, mas eu faço de uma maneira que as crianças

possam ter estes momentos. Eu não tive na minha vida, nem a pré escola. E é

Page 270: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

270

uma fase importante pra criança. É uma fase ali de você brincar, de você estar

neste mundo de fantasia.

Professora Sueli – Eu também não tive a pré-escola, mas eu tinha a avó

e o avô que contava muita historia. Eu já fui diretamente pra primeira série, mas já

sabendo muita coisa, coisa que você vê que uma criança que não fez a pré-

escola vai totalmente crua, sem saber nada. Quando a gente fala parece que ela

não sabe nem imaginar as coisas.

Na época, eu já sabia imaginar uma historia, inventar uma historia de mim

mesma, porque meu pai contava historia, diferente daquele que nunca ouviu

historia, porque na verdade o conto em si, porque você inventar aquela historia

sempre bonitinha. A Branca de Neve e os Sete Anões comeu a maçã ou a bruxa

que era má. É você contar uma historia que a criança depois de adulta consegue

se lembrar: - A minha mãe me contava uma historia de um homem que andava no

meio da rua e pegava criança que fizesse arte. Coisas que você acaba guardando

e tem crianças que não passavam nem desta fase. Ela não passou na pré escola

pra ter um estímulo de imaginação e não tinha em casa também.

Professora Dulcinéia – Então, estas fases não tem nem como eu

lembrar hoje.

Professora Maria Lúcia – Por isso, que eu lembro mais do meu pai, eu

gosto da minha mãe. Ela era batalhadora, mas meu pai que brincava. Ele

chegava cansado à noite, tomava banho, mas era ele que dava atenção.

Professora Sueli – Aquele do pai ou da mãe que ficar um pouco mais

presente é aquele que a gente lembra mais, você vê como são as coisas. Eu sou

aquela que eu me lembro muito mais da minha infância com os meus avós que foi

até os seis anos do que a fase que eu fiquei com pai e mãe.

Na verdade, fiquei entre aspas, porque eu saí daquele mundo onde eu

vivia solta como uma Emília. Correndo atrás da galinha. De repente, eu me vejo

em uma casa, que eu tinha que ir para a escola sozinha. Eu com a minha irmã,

porque viemos morar definitivo com meus pais. Mas os dois saiam cedo e eu

Page 271: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

271

ficava o dia inteiro sozinha. Eu já não podia ser mais a criança, agora eu tinha que

ser aquela responsável, porque a gente tinha responsabilidade de puxar a água

do poço pra poder lavar a louça, brincar era muito pouco. Eu já tinha passado o

dia todo sozinha, tinha ido pra escola retornado, e eu só ia retornar pra rua pra

brincar um pouco, quando meu pai ou minha mãe chegassem no finalzinho da

tarde . Quase sempre era meu pai porque ele trabalhava mais perto. Então, ele

chegava antes, ele sentava um pouco no portão, era onde que a gente ia brincar

um pouco com as filhas da vizinha, mas ali, raramente o pai tinha participação na

brincadeira, mais ele ficava ali vendo a gente brincar, são coisas que você grava

também.

Professora Dulcinéia - Na parte da historia eu não tenho, mas na minha

casa tem a leitura do mundo. Aquela leitura assim, a minha mãe me falava coisas

que o pai dela dizia pra ela. Essa conversa com eles, isso eles me passaram.

Essa experiência de mundo eles me passaram. O que era infantil não, nós

participávamos, eu tive uma infância boa. Eles eram coordenadores na igreja

católica, nós tínhamos os eventos, nós íamos nesses eventos, se tinha essa

leitura que eu falo, tinha ensinamentos.

Professora Sueli – Como costuma dizer os sábios, você era uma réplica

dos adultos. Era um adulto em miniatura, porque participava das conversas, tem

um estilo mais adulto, mais sério.

Professora Dulcinéia - Eu sempre vi notícias de jornal com meus

familiares.

Professora Sueli - Isso não foi ruim.

Professora Dulcinéia – Isso não foi ruim, me deixou ser um adulto

responsável e eu cresci uma pessoa responsável.

Professora Sueli - E isso você passa para as crianças. Mesmo elas

sendo pequenas, você passa como é viver em sociedade e trabalhar valores com

as crianças.

Page 272: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

272

Professora Dulcinéia - A bondade, o respeito, a boa interação com as

pessoas. O que falta hoje em dia é a estrutura familiar, os adolescentes não

sabem mais pedir, por favor. Independente desta estrutura familiar ser pai e mãe ,

pai e filhos, mãe e filhos , tia ou avós. Hoje mudou a constituição da família, mas

tem de ser uma família que venha com estrutura, que possa dar esse alicerce

para as pessoas.

Professora Sueli – É na verdade. O papel do educador agora é o que?

Já que trabalhamos com muitas famílias desestruturadas como a gente costuma

dizer. O papel nosso como educador na 1ª infância da criança é procurar embutir

na criança esses valores, pra que ela fuja dos valores que os pais não

conseguiram passar.

Professora Dulcinéia - Que você como formador possa possibilitar sim,

possa ajudar sim .

Professora Maria Lúcia - Conheço professores que a gente trabalhava,

que tinha que procurar psicólogo porque não estava conseguindo educar o filho,.

Eu sei o que eu faço, eu fui educado assim. Eu sou professora, mas meus filhos

não me obedecem, eu não sei o que fazer. Ela chorava todo dia, vou procurar um

psicólogo, porque não sei o que fazer.

Professora Sueli - É que na verdade, como diz alguns psicólogos, teve

muita discussão por causa disso. Aquele pai que trabalhava muito, ele ficava

muito ausente. Ele acha que ele deixando de falar o não pro filho ele está

compensando o filho pela ausência dele.

Professora Dulcinéia - Ele reforça até um comportamento. A criança,

vai sempre atrás. Então, ela vai por um caminho assim, esse é o caminho que eu

consigo as coisas. Então, eu já sei se a tal situação eu vou conseguir isso.

Professora Sueli - E tem aquelas crianças que usam chantagem. Porque

já repararam que é o ponto fraco do pai e da mãe. Ela vai me dar o que eu

quiser. Eu tenho um conceito assim e eu acho que a Lúcia também. Eu procuro

dar pros meus filhos, o que os meus pais não puderam dar pra mim. Quando eu

Page 273: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

273

tenho que falar não é não uma vez só. Não preciso, não tem essas insistências,

às vezes, no olhar até as colegas que trabalham juntas.

Nossa como a Sueli é dura, é porque quando eu falo não é não. Sabe,

porque a criança tem que saber até a hora que é o limite dela. Isso eu posso, isso

eu não posso. Porque eu entendo assim. Eu não estou fazendo isso. É, ela não

gosta da minha criança , ao contrário, eu entendo que a partir do momento que eu

falo não, que é necessário, eu estou educando. Isso é um sinal que eu amo ela e

que eu quero que ela seja alguém respeitada e que respeite. Que seja respeitado,

mas não na frente porque a impressão que dá é que a gente faz assim. Oh ! Meu

Deus, mas ele é tão pequenininho.

Porque, às vezes, o falar não, não é você fazer: - Não é você falar não. É

você, às vezes, dizer agora não pode, agora não quero: - Olha, a professora não

quer porque isso vai te machucar.

Professora Dulcinéia - Você deixando claro pra criança que ela tem uma

direção.

Professora Sueli - Se você não explica, ela pode repetir, mas a criança

vai repetir uma ou duas vezes, mas depois ela vai perceber: - Nossa, de novo ela

vai dizer não, que não quer. Ela vai dizer que é pra eu pedir desculpas.

Só que eu acho formador e educador, você está mostrando pra elas que a

vida lá fora e futuramente vai ter que ter regras e limites a cumprir. Por aqui eu

posso ir, por aqui eu não posso ir, porque se eu for por um caminho errado, eu

vou ter que pagar por aquilo que eu estou fazendo.

Foi o que nós comentamos que esses adolescentes, que são na maioria

das vezes de classe média alta. Onde tem de tudo, porque o pai e a mãe nunca

disseram não e quando ele faz uma coisa errada ele não te fala, ele só te falta

olhar e falar: - Não tem importância , o meu pai vai livrar minha cara.

Professora Dulcinéia - Você tem que mostrar pra eles a saída. Eu

posso, eu posso , eu posso é isso.

Page 274: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

274

Professora Sueli - Eu posso, eu posso e além do mais é aquela coisa de

dizer assim até no campo profissional. Se ensino, valores e limites pras crianças

desde pequenas, elas vão aprender a convivência e saber qual é o limite. E isso

vai fazer dela um bom profissional, vai fazer dela lá na frente um bom profissional,

ela pode ser a Presidenta da República e ter que aprender a falar um, por favor, e

um muito obrigado, e não falar assim “sabe quem sou eu”, sabe de quem eu sou

filho”, você tem dinheiro e seu dinheiro não te resolveu em nada. Então, o papel

do professor na Educação Infantil, antes de tudo é procurar valorizar os valores.

Professora Dulcinéia - Você utiliza dentro desta educação, diversos

meios e instrumentos pra chegar a esses valores.

Professora Maria Lúcia - O meu marido acha que tem que contar que o

Papai Noel não existe, que o papai é que compra, porque se amanhã ou depois

não ganhar, não falar esse ano o Papai Noel não veio, porque ele acha que desde

pequeno você deve contar.

Professora Sueli - Na verdade é assim, são dois tipos de ilusão.

Professora Dulcinéia - Eu sei que a gente precisa sonhar, mas não tão

alto.

Professora Sueli - Na verdade é assim, são dois tipos de ilusão só que

até uma certa idade você pode levar eles porque é importante pra criança aquela

imaginação.

Professora Dulcinéia- Você tem a fase de trabalhar isso, levar ao mundo

da imaginação.

Professora Sueli – É que nem a escola, você vai explicar o que pra

criança. Se você jogar a chupeta fora o Papai Noel vai trazer um carrinho bem

legal. Eles consideram isso como troca e a criança naquela ilusão, que o Papai

Noel vai aparecer com um presente pra ela, vai colocar na árvore um presente pra

ela, ela automaticamente se dispõe a se desfazer de um apego forte que ela tem.

Eu dei o exemplo da chupeta, mas pode ser o paninho, mas é aquela coisa de

ilusão. Eu acho que a ilusão da criança você pode, já pode tirar na outra fase da

Page 275: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

275

infância, lá pelos nove ou dez anos. “Vamos conversar”, não é assim. Papai Noel

que dá, é o papai que está trabalhando pra dar. Se você contar Papai Noel era

um homem comum como o pai.

Professora Dulcinéia - Mas você deixa a criança viver essa ilusão.

Professora Sueli - Mas o Papai Noel era um homem comum, como um

pai que trabalhou muito e dava presentes pras pessoas necessitadas. Hoje em

dia também tem pessoas assim e quando eles falam, mas o Papai Noel não veio,

é porque na verdade o dia que o Papai Noel não veio é porque o seu pai não teve

condições ou então você vai naquela ilusão. Uma vez eu vi o meu tio falando para

os meus primos. “O papai trabalhou muito, mas o papai não conseguiu dar o

dinheiro para o Papai Noel te comprar um presente”.

Professora Maria Lúcia - É que nem a Julinha, já falou que vai casar

com o príncipe. Olha de pequena, como pode?

Professora Dulcinéia - Mas ela está vivenciando isso agora. Ela está

inserida neste contexto, ela está numa instituição, onde o foco é a contação de

historias. O que é melhor pra ela, o que é belo pra criança, é o príncipe ou a

princesa. Então, ela reproduz isso que ela queria ser: a princesa.

Professora Sueli - Mas eu acho que é uma ilusão boa até uma fase da

infância. A infância passa por três fases, até uma fase da infância, vamos dizer

assim, ela passa da 3ª fase da infância pra puberdade, menina na adolescência,

ele vai começar a dizer assim: - Eu sou linda, sou uma princesa e eu vou achar

um príncipe. Se você puser a ilusão, deixar a imaginação aflorar e você ir

mostrando passo a passo o que acontece. Quando ela chegar aos dez anos, ela

vai pensar desta maneira: - Ah! O príncipe também sofre, a princesa também

sofre, o príncipe também precisa trabalhar, a princesa também precisa trabalhar.

Professora Maria Lúcia - A vida não é só Conto de Fadas.

Professora Sueli – É um Conto de Fadas, só que todos tem que

trabalhar , todos sofrem e nem sempre eles saem felizes para sempre.

Page 276: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

276

Professora Maria Lúcia - E a princesa também solta pum.. Igual ao

Conto de Fadas.

Professora Sueli - A Lúcia entrou como ADI que diferença tem pra você

de quando entramos como ADI pro momento agora?

Professora Maria Lúcia – Não, é uma diferença muito grande, como eu

falei. Eu fiz supletivo e eu não estudava muito não, porque eu sempre trabalhei e

não dava tempo. Eu trabalhava e estudava. Então, eu brincava mais com as

crianças de sucata. Eu adorava cuidar, eu adorava brincar. Eu gosto de cuidar,

ficar escrevendo eu não gosto não. Mas eu fico a tarde inteira dando banho se for

possível, mas escrever não é comigo, eu não gosto.

Professora Maria Lúcia - E aí Sueli, como foi a sua vida no ADI

Magistério? O que você aprendeu?

Professora Sueli - Eu fiz o ADI Magistério de dois anos, porque aqui no

CEI eu era uma das únicas que tinha o Segundo Grau, o Ensino Médio

incompleto. A diretora, a Sônia falou: - Faz como se você tivesse só o Primeiro

Grau, eu fui da primeira turma. Onde o ADI Magistério, abriu muito mais caminho

que a faculdade. Porque na faculdade nós trabalhamos o teórico e o ADI

Magistério estava voltado para a Educação Infantil. Na verdade, o ADI Magistério

foi o que? Eles estavam buscando das ADIs ou das antigas pajens, buscando

colocar no papel o que a gente já fazia na prática. Não tinha plano de aula.

Professora Simone - Você aprendia determinado assunto, trazia aquele

assunto para dentro da aula e na outra aula dava a devolutiva para o professor,

de como você desenvolveu aquele tema na sua sala.

Professora Sueli - Tanto que as divisões do ADI eram: Orientações

Pedagógicas, Orientações da Prática Educativa, porque ali você tinha o estágio

de horas, mas era feito tudo em sala de aula. Eu tinha que aplicar na criança o

capítulo anterior que eu fiz e na próxima aula levar para ela e relatar, qual foi à

reação da criança, como ela se comportou. É o que nós aprendemos.

Page 277: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

277

A prática nós tínhamos, nós estávamos aprendendo a desenvolver mais,

elaborar mais aquela prática que a gente já executava, mas a gente sempre

naquela coisa. Qual a intencionalidade? Qual a importância?

Professora Simone - Você tinha que fazer um exercício de outros olhares,

sobre aquilo que você estava habituado a fazer há tanto tempo. E buscar nesse

fazer outros olhares, o que mais você podia absorver da criança nessa atividade

que você dava sempre.

A gente tinha que ir buscando, exercitando isso, para hoje a gente chegar

onde a gente está. E a dificuldade que eu lembro, na creche que eu trabalhava só

podia pedir material na sexta - feira, para você trabalhar durante a semana. O que

você planejou durante a semana seguinte, você pedia na sexta - feira para

trabalhar. Só que nós tivemos uma reposição no horário de aula que era o HTPC,

para ser feito na sala de aula no sábado. Na segunda - feira já ia ter a devolutiva

para ela porque era uma aula de reposição da aula da segunda. Houve a falta da

professora. Depois no sábado e na segunda, ela já queria saber o resultado

dessa reposição e eu não tinha o material, porque não me deram material para

trabalhar aquela atividade.

Eu tive que sair correndo nas outras salas, procurando alguém que tivesse

um pouquinho de material para me dar, para eu poder fazer. Eu acho que isso

dificultou bastante o desempenho dos trabalhos dentro da sala de aula em

relação ao que a gente aprendia.

Professora Sueli - Eu acho que o ADI Magistério pelo menos, no meu

caso, eu não tive problema aqui no CEI.

Professora Terezinha – É, a Sônia sempre foi parceira, ela sempre ajudou

bastante.

Professora Sueli - Eu nunca tive problema, eu deixei bem explicado para

ela que eu estava fazendo atividade em cima das atividades nossas. Que eu já

estava habituada, cumprindo também as horas de estágio que depois ela ia ter

que assinar. Que comprovasse que eu realmente fiz aquela atividade, que eu

Page 278: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

278

desempenhei o trabalho de estágio em sala de aula no meu horário. Que eu

utilizei materiais do CEI, que eu não tive problemas para utilizar materiais.

Eu aprendi a contação de história, eu fiz o teatro de sombras, fazia parte da

gente montar caixa de historia. Só que antes de tudo eles ensinavam, devido a

faixa etária da criança, você focar uma historia, resumir aquela historia, não

perdendo os personagens, nem o conteúdo da história. Mas diminuir ela de um

jeito que a criança menor conseguisse depois reproduzir o que você contou

através da caixa de historia. Eu na época fiz uma caixa de historia que era do

Patinho Feio e depois eu fiz já estilo maquete na sala. Era um mini grupo, era o

castelo da historia da Cinderela, o canteiro de alface, usando, trabalhando uma

coisa que foi o ADI Magistério que abriu. Aquela oficina que você utiliza qualquer

material, eles abriram aquela: - O que você pode fazer com papelão, com a caixa

de ovo. Eu tive muitas oficinas no meu ADI Magistério.

Professora Terezinha - A Faculdade em si, não sabe o que é Educação

Infantil. Ela acha que Educação Infantil é só brincar e cuidar. A Fundação

Vanzollini fez uma pesquisa em todas as creches de várias regiões e em cima

dessa pesquisa ela foi e mudou o trajeto do ADI Magistério. Então, a gente

percebia que o que a gente aprendia lá, era o que a gente usava na sala. Em

compensação na faculdade você escutava o professor falar um monte de coisas

lá na frente. Eu acho que a maior diferença entre a Fundação Vanzollini e a

Faculdade foi essa. A faculdade me deu uma base teórica, já o ADI Magistério te

deu a base didática que você sabia que o que você estava aprendendo lá, você

tinha condições de fazer na sala de aula.

Professora Sueli - Na verdade, o ADI Magistério te deu uma troca de

experiência prática, porque em um CEI eles faziam uma determinada atividade

que aqui no CEI eu nunca tinha visto.

Professora Walkíria - A oficina que eu montei com todo o material que

era para ver até onde a criança ia.

Professora Noelina - A diversidade.

Page 279: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

279

Professora Terezinha - Tinha um nome essa oficina. Eram diversos

materiais e a criança tinha que escolher.

Professora Simone - O que mudou também é que a gente aprendeu a

ser mais crítica.

Professora Sueli - O ADI Magistério abriu as portas de diversas coisas e

a gente entendia que não poderia dar para a criança pequena, mas isso era uma

concepção nossa.

Professora Simone - Nós achávamos difícil trabalhar com aquilo.

Professora Noelina - O ADI Magistério trabalhava com música, conhecer

o som através das palmas, das pernas, através dos blocos de madeira. Você já

fazia o som para a criança. Quem teve oportunidade de fazer o ADI Magistério, foi

um avanço para nós que já estávamos na rede, porque aquelas que entraram

com diploma da faculdade, entraram com o teórico, sem saber nada de Educação

Infantil. Só sabiam de nome e nós tínhamos a prática. Com o ADI Magistério,

conseguimos elaborar mais a prática do dia a dia, criar muito mais em cima da

própria prática.

Professora Walkíria - Eu acho que o ADI Magistério foi muito gratificante.

Professora Sueli - E o que deu para perceber principalmente, quem

cursou ADI Magistério tem um olhar diferente.

Professora Simone - Nós viemos de uma educação que o professor

falava: - Pinta aqui, desenha uma casa.

Professora Terezinha - Faz uns quarenta anos e até hoje eu me lembro

disso. Eu levantei e mostrei o desenho para a professora que estava sentada no

lugar dela e ela olhou meu desenho e falou: - Está uma porcaria.

Amassou e jogou no lixo. Hoje eu tenho grandes imaginações. Eu crio na

minha cabeça, mas se eu for passar para o papel eu não consigo. Então, eu

passo para outra pessoa e a pessoa desenha para mim. Se eu tiver que

Page 280: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

280

desenhar... Eu consigo imaginar o que eu quero e tudo, mas na hora de passar

para o papel não sai.

Professora Sueli - E na verdade o que aconteceu? O ADI Magistério abriu

um leque enorme para nós, mostrou o que deveríamos fazer e o que nunca

deveríamos fazer com a criança para que não aconteça com ela o que aconteceu

com a gente: - Isso está horroroso, está uma porcaria, do professor amassar a

sua obra prima. Você achar que está lindo e ela amassar e jogar no lixo. E você

fala: - Mas porque aquela criança quer tanto o lápis preto? O trabalho do

professor é tentar descobrir porque ela quer sempre o lápis preto, será que é

porque sempre ofereceram o lápis preto para ela ou porque no preto ela

extravasa a raiva?

O que nós aprendemos no ADI Magistério é descobrir porque aquela

criança gosta do preto e a menina da cor de rosa e porque não pode deixar o

menino brincar de boneca se a menina pode brincar de carrinho.

Professora Terezinha - Eu contei a historia do João e Maria e a criança

levantou e perguntou para mim: - Tia, porque o pai do João e Maria deixou eles

na floresta? .Eu disse: - Porque ele não tinha dinheiro para comprar comida. –Tia,

por que ele não trouxe eles para a creche?

Page 281: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

281

Quadros de apoio para a análise do Capítulo V – Diferentes historias, muitas descobertas...

Categoria de análise - 1

A FAMILIA E A INFÂNCIA

Professor

FAMILIA

INFÂNCIA

Ana Maria

Na minha infância eu não tive. Minha mãe

trabalhava muito. Meu pai também, eu fui criada praticamente com a minha avó. Minha avó que olhava a gente. Então, não tinha isso de contar historia. Eu não me lembro de minha mãe, meu pai ou minha avó contar historia pra mim. Lembro do bicho papão, que eles falavam nada de.

A minha mãe teve só até a 4ª série e ela nunca teve assim de contar historinha, de sentar com os filhos e contar pra mim não teve isso não.

Na infância em si, não tive contato nenhum com as historias.

Cecília

Meus pais também estudaram até a 4ª série, não tinha assim, muito estímulo em casa.

Eu acho que em relação a mim, o que me despertou mais a leitura, não foi nem o fato dos meus pais contarem histórias, foi na escola que eu aprendi, foi de observar o meu pai ler jornal. Apesar dele ter concluído até a 4ª série, porque na época era mais difícil concluir, porque sempre trabalhou, desde os quinze anos. Ele teve uma infância difícil porque a mãe dele faleceu quando ele era novo e sempre teve que trabalhar desde cedo. Então, não teve tempo de completar os estudos, mas ele sempre foi muito inteligente porque ele até hoje as pessoas se admiram

Quando eu era mais nova pra ser alfabetizada, eu tive muita dificuldade pra aprender a ler e a escrever. Tanto que eu até repeti a 1ª série por problema.

Eu me lembro do passado, essa minha prima era professora e eu era aluna dela nas brincadeiras de faz de conta.

Page 282: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

282

porque ele conhece de tudo, apesar de ele nunca ter feito faculdade. Qualquer assunto que você perguntar para ele: politica, esporte, cultura, ele sabe. Então, isso de observar, de eu estar observando este gosto pela leitura e que foi que desenvolveu o gosto de eu observar ele lendo o jornal.

Minha mãe também, ela teve pouca oportunidade de estudo, porque a minha avó teve oito filhos e desses oito tem a minha mãe e mais uma irmã que é caçula. A minha avó é professora em Maceió, numa cidadezinha de Maceió. Ela alfabetizava, trabalhava com o prefeito. Antigamente não tinha nem concurso. Era uma pessoa, que tem respeito até hoje na cidade dela. Escreveram até um livro, colocaram o nome dela, que ela alfabetizou. Então, no caso, a minha avó trabalhava bastante também na roça. No caso, quando a minha mãe nasceu pelo fato dos meus tios também trabalharem bastante e serem mais velhos, quando minha mãe nasceu ela teve que ajudar nos afazeres domésticos. Ela teve que ajudar muito a minha avó, ela teve assim uma vida muito sofrida e quando eles vieram pra São Paulo, vieram todos os irmãos, a família toda. A minha mãe casou muito cedo e parou de trabalhar porque meu pai não quis deixar ela trabalhar fora. Quando era solteira, ela até trabalhou em alguns lugares, só que teve que parar de trabalhar pra cuidar dos filhos, casou tudo.

Só que até hoje ela sente. Ela é uma pessoa muito ativa, ela é uma pessoa meio que frustrada por não ter trabalhado fora. E o meu pai também tem uma história muito carente, porque ele perdeu a mãe dele com quinze anos. Então, a irmã que cuidou dele. Então, ele tem de certa forma uma carência, casou com a minha mãe, assim teve mais conforto. E ele não deixou a minha mãe trabalhar, acho que justamente por isso, pelas dificuldades, que eles não passaram essa parte de ensinar entendeu, de incentivar.

Page 283: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

283

Dione

Meu pai era muito durão, mas eu tinha um tio nosso que contava assim.

Por que marcou? Porque foi significativo pra vocês. É a mesma coisa que você falou hoje. Aquilo que você dá pra criança, se ela vai lembrar amanhã é porque teve algum significado. Teve alguma significância pra ela.

Eu lembro que meu tio reunia todos os sobrinhos e contava principalmente historia de dar medo que a gente adorava ouvir.

Dulcinéia

A minha família, assim, é sem crianças. Eu fui à última. Então, o que acontece, somente tive convivência com adultos e os adultos somente em correria, lembrança de uma leitura ou outra eu tenho.

Eu cresci numa família de adultos. Então, esse resgate que nós temos hoje das historias, dos contos não fez parte da minha infância. Mas eu tive uma infância boa, eu tive tanto uma infância como uma adolescência boa, porque eu cresci de uma forma adulta e a minha família com tudo que eu tinha que fazer, que realizar, nunca com punições nem nada, sempre dentro de um ambiente onde as pessoas tem uma confiança. Sempre tive segurança no que eu estava fazendo.

Page 284: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

284

Edina A minha mãe se batizou na igreja evangélica, ela estava grávida de mim. Então, praticamente eu me batizei junto com a minha mãe. Meu pai era muito severo com a gente. Eu não tinha liberdade de sair, saia só junto com a igreja.

A minha mãe não fugiu de carro, o meu pai chegou com um cavalo. Ela montou no cavalo e foi embora com o meu pai com treze anos. Até hoje eu falo pra ela: mãe, o pai dela queria matar o meu pai.

Foi aí que começou meu interesse, quando meus filhos começaram a estudar, que comecei a ajudar eles. A parte de ir a biblioteca procurar livros era eu que ia.

A minha infância, eu não me recordo muita coisa, da minha infância, principalmente da época de escola porque a gente vivia muito de viagem. Meu pai chegava pra São Paulo, passava um tempo e depois voltava pra terra dele. Ele não conseguia fixar num lugar, era que nem cigano.

Comecei a trabalhar muito cedo, com nove anos eu já fui trabalhar de empregada doméstica. Trabalhei até os quinze anos, então, não tive infância. Minha infância era no quintal, ficava conversando com as formigas, com os tatuzinhos. Então, eu era muito, muito só nesta parte.

Mas, eu sinto uma diferença, porque todo mundo fala da infância e eu não tenho nada pra falar, porque eu não tenho nada. Não sei se é porque eu esqueci o que eu tive. Eu realmente esqueci porque eu to aqui, eu vivi.

Quando eu era pequena, todo mundo falava, você vai ser professora e eu fiquei com aquilo na minha cabeça.

Eu sempre pensava, eu vou conseguir, eu vou em frente quando todo mundo ganhava uma boneca e eu não ganhava eu falava: não tem problema, eu vou ganhar essa. Eu mereço essa, a minha mãe pode me dar essa.

Eliana

Minha mãe não tinha hábito nenhum de contar historias, nenhum, nenhum. Minha avó fazia as orações dela, ela era evangélica, historinhas mesmo... nada.

Esse hábito de contar historia eu tenho desde mais nova, quando eu casei. Assim que meu filho nasceu, eu sempre contei historia. Inclusive eu comprei livros, tudo direitinho e eu contava historias pra ele.

Eu gosto de contar historias que tenham bruxas, fadas, mas assim, eu me lembro de quando eu era criança, de uma prima, hoje eu vejo. Naquela época eu não tinha noção, hoje eu vejo que ela era a bruxa da minha vida. Ela fazia coisas que me arrepiavam.

Eu não lembro assim, quando eu era criança de algum professor contar historias pra mim, eu me lembro de quando eu era criança, de uma prima, hoje eu vejo. Naquela época eu não tinha noção, hoje eu vejo que ela era a bruxa da minha vida. Ela fazia coisas que me arrepiavam.

Márcia de Fátima

É relatos de vidas passadas, experiência do meu pai e da minha mãe. Tanto que eles também não tiveram acesso ao estudo, só até a 4ª série e a 3ª

Minha infância, como eu sou a filha caçula de muitos irmãos, eu tive contato com a leitura através deles. Eu tenho doze irmãos, eu sou a décima

Page 285: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

285

série, mas eles contavam a experiência de vida deles, que ajuda muito. Eles tem a leitura na ponta da língua. Lê muito bem, meu pai e minha mãe e foi com essa leitura de vida que eu fui crescendo.

Então, pra não ser o Patinho Feio, não ser motivo de chacota, de piadinhas. Eu evitava falar de mim e da minha família, entendeu. Mas eu amo todos. Eu sou a caçula, eu sou tratada, sou bajulada por todos, entendeu. Sou bajulada por todos, tanto eu, meu filho, né.

terceira de todos e eu tenho trinta e cinco anos.

Eu, quando criança, tinha vergonha de falar isso pros meus amigos a respeito dessas piadinhas, me sentia como o Patinho Feio. Além de eu me sentir o Patinho Feio, eu tinha aquela professora bruxa e depois logo em seguida, eu tive um professor, um professor homem. Ele era terrível, eu tinha medo, todo mundo tinha medo.

Eu me lembrei da minha infância, a minha infância, eu e a minha irmã, a gente ajuntava o sofazinho de um lugar só, fazia um bercinho. Aí ficava uma na ponta e a outra na outra. Colocava a coberta e assistia o Sítio do Picapau à tarde inteira, passava na Globo.

Márcia Polessi

A minha mãe, nossa, me abraçou e me beijou muito. Isso me marcou porque minha mãe trabalhava demais, meu pai também. A gente tinha pouco contato e eu me lembro de que isso foi marcante.

Eu fui alfabetizada, comecei a ler com o gibi do Cebolinha. Olha que coisa! Trocava as letrinhas e quando eu comecei a ler, eu fiquei muito assim, isso me marcou, porque o meu pai comprava gibi, gibi, porque ele adorava ler também gibi do “Homem Aranha”, do “Fantasma”. (naquele tempo)

Maria Aparecida

Meu pai nunca foi de ler, minha mãe muito menos. Minha mãe fez a 4ª série, não sabia nem escrever e meu pai era militar. Então, ele era muito duro com a gente, muito duro, muito duro, muito duro. Não que ele não conversava, a gente sofria, a grande verdade era essa. A gente sofria muito porque ele apontava o dedo e você tinha que fazer as coisas que ele mandava.

Maria da Penha

Minha mãe, minha mãe contava muita historia, que nem a mãe da Norma. Principalmente, de terror, Eu sempre lia o quanto eu podia, sempre lia e a minha mãe sempre passou também pros meus filhos.

Page 286: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

286

E hoje todas as historias que ela contou pra mim, ela contava pros meus filhos.

Então, eu tenho assim, não tenho uma formação em historia, mas tenho a formação da vida da minha mãe, e experiência que meus avós passaram pra ela. E ela passou pra mim e antes de falecer, também passou pros meus filhos.

Maria Edlene

Meu pai e minha mãe trabalhavam muito, então, eles não tinham esse tempo. Até vontade tinham, mas não tinham tempo de sentar, contar historia pra gente e a gente assim, eu e meus irmãos buscava sozinhos.

Com certeza o caso que a Tereza acabou de falar. Que ela conta muito para o Henrique. Ontem a gente estava conversando sobre isso e eu comentei que assim, se futuramente se tiver uma pesquisa dessas, o Henrique, a Sofia, minha filha, poderão contar o que vivenciaram. Eles não vão falar como a gente. Eles vão falar: - A minha mãe contava muita historia!

O mais velho lia gibis, quando a minha mãe não estava cansada, ela ainda conseguia contar historias, mas não assim, de contos, ela contava historia assim do passado. Do que tinha acontecido. Eles lá tem, assim, meu pai conta historia muito forte, que ele chegou a ver Lampião quando ele era criança.

Eu lembrei que quando eu tinha uns oito anos de idade, minha mãe começou a ir na igreja, tinha uma professora, que agora eu lembrei o nome dela. Ela se chamava Cileide ela contava muita historia da Bíblia pra gente.

Quando minha vó morreu, que eu era criança e ela lá no caixão e foram colocar ela lá embaixo e era engraçado. Que eu falava pra minha mãe: Mas vão colocar ela aí embaixo, ela vai morrer sufocada. Então, quer dizer, eu não sabia, eu não entendia o que era. Meu pai, minha mãe não tinha tempo e talvez se eles me explicassem ela foi embora, ela morreu, não tem outra forma de trabalhar pra criança entender isso e hoje tem.

Maria Lúcia

Eu morava no interior e a gente ia à noite, acendia a fogueira, reunia os vizinhos e eu me lembro de que o meu pai contava historias. Não sei se era da cabeça dele, eu adorava ouvir meu pai contando.

Por isso, que eu lembro mais do meu pai, eu gosto da minha mãe. Ela era batalhadora, mas meu pai que brincava. Ele chegava cansado à noite,

Eu me lembro de que marcou a minha vida. Eu morava no interior e a gente ia à noite, acendia a fogueira, reunia os vizinhos e eu me lembro de que o meu pai contava historias.

Page 287: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

287

tomava banho, mas era ele que dava atenção.

Noelina

A minha mãe nasceu na revolta. Era tanta coisa que ela falava dessa revolta. Que esqueceram ela na rede, que voltaram pra buscar ela. Parecia que eu estava participando daquele momento também, vê como é interessante.

Bom, na minha época, não tinha muito assim televisão. A televisão chegou na minha casa, eu já tinha quatorze para quinze anos. Assim, eu sempre fui de brincar de boneca, casinha, entendeu? Não tinha esse negocio de contar historia, era mais “causo”.

Eu não tive historia não, a minha avó contava muito causo, né. Que ela falava, mas era assim de morte, né. Então, até hoje, assim eu não consigo dormir com a luz apagada, eu só durmo com a luz acesa. Pra mim ta sendo difícil até hoje, tanta coisa que ela contava, que vinha aparecendo, que a pessoa falecia, depois vinha visitar. Eu não durmo com a luz apagada de jeito nenhum.

Norma

Eu vou começar contando do meu tempo de

criança, como eu já falei das histórias que meu pai contava, eram histórias fantásticas sobre o Saci Pererê, sobre esses protetores das matas. Naquela época eu achava engraçado e, às vezes, achava assim que o meu pai era um pouco bobo de estar contando aquilo. Só que eu não tinha ideia da riqueza que poderia ter levado comigo. Não tinha ideia, era muito criança, mas ele contava assim e eu vivi muitas histórias. Parece que era verdade, sabe, ele falava de uma maneira. E outra coisa também, que eu vim

Eu me lembro de que aos doze anos, eu ganhava livros de historias. Eu guardei até muito tempo um livrinho “A Princesa e a Rosa”, umas historinhas assim e eu me tornei leitora por isso.

Eu me lembro da chácara, fogão de lenha, e ele contava, parece que ele acreditava. A gente acabava até vendo o Saci de tanto que ele imaginava.

Page 288: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

288

aprender depois são os trava línguas que o meu pai fazia com a gente.

Meu pai gostava muito de contar historias, era analfabeto também, quem ensinou meu pai a ler e escrever fui eu.

É e o que as histórias podem falar do valor pra gente. O meu pai foi uma pessoa que a família deixou ele aqui com quinze anos. Foi todo mundo embora pra Espanha e ele ficou sozinho. Ele não era pra ser a pessoa que ele era. Então, ele ensinou muito, eu vim a perceber isso depois. Quando a gente é criança, a gente não percebe, pelas histórias que ele contava, pela maneira que ele tratava. Quando tinha qualquer festa, Dia das Mães, que ele pegava um dinheiro escondido e ia com a gente para comprar presente. Minha mãe, às vezes, ainda falava é bobagem, mas era o jeito dele.

Eu falo, às vezes, como é que ele conseguiu ser uma pessoa assim.

Eu sou mais velha que vocês, bem mais velha. Então, as mulheres da minha época não eram pra estudar, eram pra fazer corte e costura e casar e ter filho. Na verdade eu consegui ser uma vencedora, inclusive na minha família eu sou a única mulher que trabalha fora.

Paula

Meu avô, meu avô também tem só até a 4ª série, mas ele lia muita historinha pra gente.

Bom, eu sempre gostei de ler e escrever, desde pequenininha. Eu me alfabetizei sozinha, com quatro anos e meio. Pois, eu já lia e escrevia tudo.

Page 289: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

289

Não foi com contos de fadas, foi com gibis da Turma da Mônica, mas como eu sempre gostei de ler tudo, eu buscava a leitura, eu buscava as letrinhas, buscava escrever e copiar.

Eu além de ouvir historias, eu sempre participei porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia

Silvia

E me marcou muito porque eu lembrava de João e Maria, que minha mãe contava pra mim e daquele livro que é daquele Bruno Bettelheim que falava da historia de João e Maria, que na verdade é uma despedida, né. Que era a mãe e o pai que deixavam a criança na floresta. Eu acho que isto teve meio a ver porque Minha mãe morreu e eu tinha quatro anos, minha mãe teve uma doença terminal e ela já sabia que ia morrer. Meu pai contava muita historia pra mim depois que a minha mãe morreu.

E os contos clássicos, eu lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas madrastas na falta de uma eu tive duas madrastas.

A lembrança mais antiga que eu tenho assim de contato com contos de fada, era a historinha que minha mãe contava pra mim, João e Maria pela historia dos doces e tudo o mais.

Era, acho, a historia que minha mãe mais contava e aí depois quando eu já estava um pouco maiorzinha, eu lembro que o primeiro livrinho que eu ganhei foi “A Dama e o Vagabundo”, um livro que não tinha praticamente ilustração, Eu lembro até que quando eu estava na pré escola, na escola que eu estudava tinha um morro. E todo mundo falava que era o morro da bruxa. E no meu imaginário, vivia na minha cabeça, será que a bruxa morava ali.

Simone

Eu lembro a gente na máquina de costura até dez, onze horas da noite. Assim eu lembro um pouco da infância, de alguém contando historia pra

mim. Era meu bisavô que contava, minha bisavó que contava as historias da guerra. Não historia pra criança mesmo, historia da vida dela.

Então, eu não era muito menina na minha época, mas eu gostava muito do Sítio do Pica-pau Amarelo. Então, às vezes, que eu assistia os episódios em casa, eu brincava de sítio. Uma hora eu era a Emília, outra hora eu era o Pedrinho, outras vezes eu era a outra menina, a Narizinho. E assim por diante. E quando aparecia o príncipe na historia eu nunca era a narizinho. Eu era a Emília ou o Pedrinho. Eu brincava de sítio, mas eu nunca fazia a

Page 290: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

290

mocinha da historia.

Eu não gostava de brincar de boneca, gostava de empinar pipa, jogar bola, andar de bicicleta, brincar de correr na rua. Eu não gostava de brincar fechada, de casinha, de panelinha, nunca. Era moleca mesmo.

Sueli

No meu caso, que nem eu falei, o ambiente que eu vivia era diferente. As historias que eu ouvia também e depois quando eu passei a morar constantemente, na época de escola, com o meu pai e com a minha mãe. Aí era aquela coisa, saíam pra trabalhar, chegavam tarde da noite e que nem diz, eu não tive, não tinha. Minha mãe nunca teve o hábito assim e também não dava tempo. A hora que a gente deitasse para dormir não tinha como. Aí aquilo foi passando, quer dizer, vamos supor, a minha mãe foi parar pra pegar um livro de contos de fadas pra ler, o dia que eu peguei na biblioteca o livro. Levei pra casa e mostrei pra minha mãe, que era a historia. É por isso que eu falo da historia do Pinóquio, que é a que pra mim ficou mais marcada assim. Porque eu já ouvia ela quando eu era criança.

Aquele do pai ou da mãe que ficar um pouco mais presente é aquele que a gente lembra mais, você como são as coisas. Eu sou aquela que eu me lembro muito mais da minha infância com os meus avós que foi até os seis anos do que a fase que eu fiquei com pai e mãe.

A maior parte da minha infância eu passei com os meus avós. . E a minha avó como era índia, ela não contava contos de fadas. Ela contava historias indígenas e meu vô contava historias africanas. Nada a ver com contos de fadas. E o pouco de contos de fadas que eu aprendi eu já estava bem maiorzinha. Já tinha entrado na escola, mas eu não aprendi contos de fadas contados no livro. O que eu aprendi eram eles contando pra ensinar a gente o que era certo, o que era errado, mas contando que nem a historia do Pinóquio.

E também historias de assombrar. A gente tinha assim, o homem do saco, ou então, é engraçado que minha avó nem meu avô nunca falaram de bicho papão. Eles falavam que o vulto da noite ia pegar aquele que fizesse muita travessura durante o dia, principalmente se fosse mal educado com os adultos.

Então, quer dizer que só de imaginar que o vulto da noite ia vir falar, você já tinha medo.

Muito pouco. Na minha época de escola eu tive um professor que me contava muita historia. Eu fui aprender historia mesmo, assim tipo contos de historia. Eu acho que já estava na 4ª série.

Na verdade assim, de ouvir historia, eu fui ouvir historia assim, eu já ia fazer uns onze, devia ter de onze pra doze anos. Porque a minha mãe me deu uma vitrolinha e ganhou no Baú, o Silvio Santos contando historia.

Minha avó adorava fazer bolinhos, vivia com um avental e adorava quando a gente falava que precisava fazer comidinha pra brincar de casinha. Ela sempre dava um jeito, ela fritava ovo, fazia farofa e falava: Pode ir buscar as suas panelas. A gente brincava de casinha, mas não era de imaginação.

Page 291: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

291

Tereza

Eu vim de uma família pobre, humilde, aonde não se falava em contos de fadas; eu não tive mãe, fui criada pela minha madrasta, já é uma perda muito grande.

E é isso que eu quero deixar, o que eu quero deixar pro meu neto é isso. Que um dia ele cresça e conte pros filhos o que eu fazia com ele, coisa que eu não fiz com os meus filhos.

A primeira vez, com oito ou nove anos, me deram um livro que se chamava “O Gato de Botas”.

De repente, eu voltei lá, quando eu era pequena e a minha madrasta fazia aquelas bonecas de pano, aquelas bruxinhas feias, mas que eram bonitas pra mim.

Agora, quando eu falo de contos de fadas, eu fico pensando: - Nossa! Quanta coisa que eu não pude vivenciar quando eu era criança.

Eu não tive bonecas e nem ninguém que me contasse historia. Então, eu não vivi isso na infância.

Eu vou falar assim um pouco assim da minha infância. Lá atrás, fui criada por madrasta, foi uma infância difícil. Onde de cinco filhas, duas eram filhas de meu pai, três era filha da minha madrasta e entre as cinco eu era a mais velha. Portanto, eu era a mais sacrificada. Então, eu tinha que cuidar dos irmãos, tudo que acontecia de errado era comigo.

Tudo era eu, tudo era eu, tudo era eu. Eu já tinha um complexo terrível, por conta de que as filhas da minha madrasta eram brancas e eu era preta.

Então, eu me via sempre como a neguinha do nariz escorrendo, de vestido rasgado, do cabelo duro, toda funhanhada e as minhas irmãs todas de cabelo liso, brancas e mais novas. Tanto é que até hoje eu não sou muito chegada a essa questão do negro. Essa questão do negro é hoje uma questão muito forte. As minhas filhas falam pra mim í, mas nós somos negras, mas eu não sou negra.

Eu só vivi de boneca de pano que a minha madrasta fazia pra mim, aquelas bruxinhas de tecido. Aquilo era minha boneca, aquilo era uma historia, não tinha uma historia, nunca ninguém contou uma historia pra mim.

Page 292: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

292

Terezinha

A minha mãe era muito rústica, ela tinha problema de bebida. Então, ela não tinha isso, então, assim, quando ela não bebia, né, ela ainda, eu lembro, ela dava de mamar pra um e contava historias pra gente.

Hoje, a gente ainda tem essa mentalidade de dá atenção pro meu filho. Preciso sentar com o meu filho. Antigamente, nossos pais não tinham essa visão.

A minha tia Maria, que ela era mulher do irmão da minha mãe, ela pegava todo mundo, sentava na cama, fazia mingau de fubá doce, dava uma tigelinha pra cada um, a gente sentava e ela começava a contar historias.

Criança era criança e acabou. Elas tinham que ficar no lugar dela e o adulto no lugar dele. Então, acho que por mais medo que a gente sentisse das historias era o momento que você estava perto.

Que eu me lembre, eram os únicos momentos que eu ficava perto da minha mãe ou da minha tia. Se tivesse adulto conversando, ela só olhava, você já saía de lado, você nunca estava junto.

Walkiria

A minha mãe faleceu muito cedo. Eu fui morar com a minha tia.

Comecei a ter relação com historia quando eu tive meus filhos, porque aí eu começava a contar pra eles antes de dormir, tal. Mas pra mim mesma, na infância eu não tive não.

Page 293: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

293

Categoria de

análise - 2

CONTOS DE FADAS

Professor

Contos de Fadas

Ana Maria

É assim eu, é assim atualmente eu acho que eu me encaixo nessa historia do Peter Pan. Na historia do Nunca, porque é assim, minha vida teve assim. É uns altos e baixos, realmente ficou meio complicado. Assumi um papel na minha vida que antes eu não tinha, é porque eu era casada, tinha meu marido, aí veio a minha separação, aí ficou tudo nas minhas costas.

Cecília

Eu realizei os meus sonhos, eu estou em busca dos meus sonhos e tenho muitos sonhos pra se concretizar ainda. Também já encontrei meu príncipe encantado, já me decepcionei muito. Ainda bem que eu não casei com pessoas que iam me fazer sofrer. E ele entrou na minha vida só pra acrescentar. Então, tudo o que eu consegui, tudo que eu batalhei, eu tive apoio dele. Tudo, então, eu agradeço.

É eu acho que eu fui um pouco de Cinderela também. Assim, eu nunca tive muito incentivo dos meus pais, por não ter assim, condições de ter bancado estudo e nos incentivado. Eles sempre me incentivaram a estudar, mas eles não tinham condições de pagar uma faculdade. Eu sempre comparava assim, a minha prima que tinha melhores condições que eu, melhores brinquedos, viajava.

Eu também já sonhei em ter um príncipe encantado, já quebrei muito à cara assim, com relacionamento, já sofri muito.

Dione

O Lobo Mau é uma das historias que eles mais gostam, eles não cansam. Toda vez que você passa eles pedem.

Historia de medo à gente gostava de ouvir. A historia da bruxa dá prazer.

Você pode lembrar a Mamãe Ursa que contava historia. Na historia dos cachinhos dourados, que contava a historia, porque ela sempre gostava de contar uma historia.

Como você adora contar historia, que nem você disse que se identifica mais na parte da leitura. A Mamãe Ursa gostava de contar historia, quer dizer o papel dela era aquela mamãe que deixava de fazer o que ela estava fazendo pra sentar numa cadeira, pra

Page 294: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

294

eles poderem ouvir uma historia. E o que eu percebi foi que, na verdade as crianças, os pequenininhos tinham muito mais interesse que os grandes. Eu acho

que eu estava formando os pequenininhos pra futuramente não acontecer o que estava acontecendo no Estado. Deles não estarem tendo interesse, foi uma alegria muito grande.

Tanto é que é o trabalho que eu mais me identifico, com as crianças é realmente contar historias. E eu to procurando tentar um curso de contadora de historia. Estou atrás e é que eu fiz esse trabalho esse ano com a historia do Pinóquio.

Corri o CEI inteiro com o Pinóquio. E é uma satisfação muito grande e eu entro na sala, eles me reconhecem como a tia do Pinóquio, da historia do Pinóquio. Então, eu entro, eles me pedem: Vai contar a historia do Pinóquio?

Dulcinéia

Eu não tive os contos na infância

Edina

Eu não tive esse negócio de contos de fadas na minha vida, eu sonhava porque eu ouvia falar. Acho que todo mundo sonha com o príncipe.

Oh, gente! A minha historia tem um pouco a ver com a da Cecília. Eu não parei ainda pra analisar se tem a ver com contos de fadas. Vocês até podem me ajudar. Também o meu começo não foi fácil, mas eu sempre me joguei e eu tenho tido muita sorte. Todo lugar que eu trabalho, as pessoas me acolhem e eu acolho elas também. Porque se você não se dá, você não recebe. E no caso eu tive muita sorte quanto ao magistério, quanto a trabalhar na secretaria da escola. E eu na secretaria eu fazia de tudo, o que eu não consegui na vida eu fazia pra aqueles que chegavam lá. Que pediam pra mim e eu tentava. É por isso que eu estou falando a minha historia deve ser parecida com a da Fiona, que estava lá no castelo presa e quando se soltou...

Tive meus heróis e adorava a historia de José. O José chegou e fez aquilo tudo. Eu gostava demais e dentro da igreja fui ser professora de criança, desde os dezessete anos.

Eliana

Eu me lembro de mais de ter assistido contos de fadas através da televisão.

Eu gosto de contar historias que tenham bruxas, fadas.

Page 295: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

295

Márcia de Fátima

Como contos de fadas, a bruxa, Chapeuzinho Vermelho, eu não tive acesso. Eu tive mais acesso igual à Edlene falou é relatos de vidas passadas, experiência do meu pai e da minha mãe. Eles tem a leitura na ponta da língua. Lê muito bem, meu pai e minha mãe e foi com essa leitura de vida que eu fui crescendo.

Eu fui gostar realmente de contos de fadas depois que o meu filho nasceu.

Eu me sentia o Patinho Feio, como o Patinho Feio. Então, como eu não queria ser diferente de ninguém e na minha época, assim, a maioria tinha alunos. Eu estudei em escola da prefeitura. Minha mãe pegava, tinha alunas, tinha meninas que faziam balé, fazia isso. Então, eu era a única diferente, no caso eu me sentia o Patinho Feio.

O meu conto de fada, na época, voltando a minha memória era o Sítio do Picapau Amarelo, porque fazia eu imaginar a bruxa, que era a Cuca, o príncipe e tinha os sapos, todos os personagens de uma historia de contos de fadas.

Márcia Polessi

A minha historia acho que é diferente de todos. Não sei, eu fui alfabetizada, comecei a ler com o gibi do Cebolinha. Olha que coisa! Trocava as letrinhas e quando eu comecei a ler, eu fiquei muito assim. Isso me marcou, porque o meu pai comprava gibi, porque ele adorava ler também gibi do “Homem Aranha”, do “Fantasma” (naquele tempo).

E a gente também trabalha a religião e o respeito, de você ter uma religião e respeitar a pessoa e ela te respeitar também. É muito bom esse conto da Princesa e o Sapo.

Maria Aparecida

Eu nunca tive nenhum contato com historias nenhuma na minha infância. Essa historia do Lobo Mau, essa historia eu acho que é contagiante. É uma historia que você conta e eles não cansam de ouvir.

Eu me vejo como Chapeuzinho Vermelho, porque assim, eu gosto de ajudar todo mundo, mas ao mesmo tempo eu sou muito medrosa, eu tenho medo, às vezes, de desafios. Eu tenho, eu sou insegura e na historia do Chapeuzinho Vermelho, ela obedeceu à mamãe e foi lá levar a comida pra vovó. Depois foi lá obedeceu o Lobo Mau pro caminho ser mais curto. E eu sou assim, eu sou uma pessoa que luta muito contra os meus medos. Medo de tudo, às vezes, eu tenho e eu to passando uma fase muito difícil de uns dias pra cá na minha vida.

Page 296: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

296

Maria da Penha

E também assim, eu tinha um livro era, acho que os Irmãos Grimm e era um dos primeiros livros e nele tinha assim, todas as historias o Lobo Mau. Mas as historias verdadeiras mesmo e eu sempre lia, né.

De repente, começou a historia dos “Três Porquinhos”. E eu fiquei ali do começo até o fim, como se não tivesse quarenta e sete anos, porque uma carência que faz parte da minha vida.

E assim, ela também assistia muito a Cultura e a Cultura, naquele tempo, passava muito desenho, muitos contos de fadas, passava muito e minha mãe assistia muito. Então, eu cresci ouvindo essas historias dela. Um pouco dela e um pouco do canal da TV Cultura, né. E os meus filhos também, todos esses tipos de historias eles conhecem e eu também, pela TV Cultura que passava, né: fantoche, a historia do Lobo Mau, da cobra Norato, do Bumba meu boi, todas as historias eles passavam.

Maria Edlene

Também sou evangélica, assim sinto de berço a partir dos oito anos que tinha uma professora, que agora eu lembrei o nome dela. Ela se chamava Cileide e depois ela até veio a ser amiga e madrinha do meu casamento. Ela contava muita historia da Bíblia pra gente e uma que eu achava interessante e que ela até fazia, dramatizava e tudo, era a historia de Davi. Eu achava linda a historia de Davi e depois em outra unidade que eu trabalhei, como era uma unidade que dava mais espaço pra gente, eu também contava as mesmas historias que ela falava pra gente.

Já vi historia da Chapéu que ela tentava educar o Lobo, aí no final ela que ficava má e o Lobo ficava bonzinho.

Só que eu estava lendo uma reportagem que um crítico americano fala assim, que demorou tanto tempo pra sair uma princesa negra e por que ela tinha que começar pobre, trabalhar, trabalhar pra conseguir alguma coisa. Ela já tinha que vir de família rica. Ela já tinha que ser uma princesa, quer dizer. Ele achou ruim que a princesa teve que nascer pobre, trabalhar, trabalhar bastante, casar com o príncipe pra virar princesa.

É como você falou existe dois lados da historia. O lado do príncipe eu achei interessante que ele era totalmente sem caráter, ele estava atrás de uma princesa que tivesse dinheiro, porque o pai dele já tinha cortado tudo, porque ele era folgado. Só ficava gastando, não ajudava em nada e quando ele conheceu ela, que ela falava muito em trabalhar, em um valor bem diferente do dele. Ele aprendeu, então, ela ensinou muito pra ele.

Que ela já tinha que ser princesa, que a Disney tinha que ter valorizado assim, eles lutaram tanto pra ter uma princesa negra.

E o bom desse conto é que tem tanta coisa. Eu acho um dos contos melhores. Além disso, do príncipe que eu acabei de falar, tem a historia da perda. Que é quando o vagalume morre, trata isso também pra gente estar trabalhando com as crianças sobre isso. E a gente se voltar quando a gente era criança, a gente não entendia.

Page 297: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

297

E o engraçado é que mostra que a morte não é um lado ruim do conto, você vê que o “Way” acha que é legal a morte, que ele vai encontrar a Evangeline. Ia ficar feliz, ele sorria, então, tem esse lado.

Mas a Cinderela acaba que trazendo, até que não é tão fora assim, porque acho que todo mundo espera um noivo, fica a espera, sonha.

Eu sou a Tiana. Eu sou a Tiana da Princesa e o Sapo. Eu acho que eu tenho que trabalhar muito, sempre trabalhei muito, ralei muito e acho que eu tenho muito pra ralar. Aí encontrei o sapo que virou príncipe, que é ao contrário que não era o sapo e que assim também, igual ao conto de fadas que a Tiana conhece o nome do príncipe no conto. Me ajudem, que eu esqueci agora, mas depois eu lembro e ele da mesma forma que ele era de um jeito e depois que ele conheceu a Tiana ele mudou muito. Eu acho assim, a nossa historia um pouco parecida, eu trago assim a historia da Tiana porque também houve muitas perdas na minha família e teve isso também na historia.

Então, eu falo nisso porque no conto da Princesa e o Sapo é quase assim porque a Tiana é de um jeito e ele de outro. Ela acaba trazendo ele com amor, com carinho, com o jeito dela acaba trazendo ele pra ela. Depois os dois constroem, trabalham, constroem tudo junto. Eu trago muito assim, porque o Cleber me ajuda muito assim, meu sapo, ele me ajuda muito. Ele é companheiro. A gente muita conquista junto. Então, graças a Deus, pelo meu sapo.

E hoje a gente fala em mudar, você ajudar alguém a mudar ou a pessoa ajudar você ou mudar, traz um pouco no conto de fadas do Shrek e da Fiona, porque ela que era a princesa, linda de um jeito e quando conheceu o amor se transformou.

Maria Lúcia

Quando eu comecei a estudar, eu trabalhei no CEI e comecei a gostar dos contos de fadas, Branca de Neve e outros.

A vida não é só Conto de Fadas.

Noelina

Eu não tive historia não, a minha avó contava muito causo, né. Que ela falava, mas era assim de morte, né.

E quando nós fomos contar a historia do Chapeuzinho Amarelo. A Giovanna falava: Não é esse, tia. Não é esse. Porque ela conhece o Chapeuzinho Vermelho. Não era amarelo, era vermelho. Que coisa, né?

Page 298: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

298

Norma

Eu tive conhecimento com historias desde muito novinha. Não era assim, contos de fadas.

Então, pena que a historia entrou tão tarde em minha vida. Que eu trabalhei tanto, com tantos alunos que eu alfabetizei durante vinte e dois anos e a historia entrou assim, tão tarde.

É muito enriquecedor trabalhar com historia. A historia foi muito bonita e foi quando eu vim dar mais valor nas coisas que o meu pai falava. Eu dizia: Meu Deus! Uma aula que eu tive uma vez com uma historiadora, ela me falou: Você viu, se você tivesse escrito tudo isso. Eu não tinha essa ideia de fazer os registros, nada.

Essas historias daria pra eu escrever um livro, às vezes, eu tenho essa idéia de passar para o papel uma historia. Contar às coisas que eu consegui viver com as crianças da primeira série. Porque eu tenho muitas historias pra contar.

Paula

Não foi com contos de fadas, foi com gibis da Turma da Mônica, mas como eu sempre gostei de ler tudo, eu buscava a leitura, eu buscava as letrinhas, buscava escrever e copiar.

Eu além de ouvir historias, eu sempre participei porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia. Então, historias da Bíblia eu ouvi muito, minha vida inteira. Tanto que desde pequenininha, você já tem contato com revista, literatura, tem historinha que a mãe tem que contar um pedaço por dia pra ele.

Os contos de fadas, os primeiros que eu me lembro não foram através de leitura, mas através de vídeo. Eu gostava de assistir a “Cinderela”, era o meu conto de fadas preferido.

Eu além de ouvir historias, eu sempre participei porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia.

Na minha historia, eu estava pensando, vocês falaram do casamento. Acho que tem mais a ver com a Bela e a Fera, não que meu namorado seja uma fera, mas é porque assim, ele sofreu muito quando a gente se conheceu. Eu vejo mais assim, que eu cheguei na vida dele, que nem a Bela quando chega na vida da Fera, é pra dar, sabe, uma outra cor, que é assim, ele tava muito revoltado com tudo.

Sabe por que, o bom da Fera, é que ela mostra o que ela é de verdade. Ela não vive de aparência. Às vezes, é melhor achar a Fera, que o Príncipe.

Sabe o que é legal no Shrek, pensando assim no estudo, porque o Shrek ele mostra depois do viveram felizes para sempre. Ele mostra depois como casal, eles dois tendo filho e não. É assim apesar deles serem julgados como feios, por serem ogros, eles são felizes, eles se divertem muito. Aparecem eles se divertindo, tem isso também, eles serem felizes para sempre sem de ter o dinheiro ou de ser bonito.

Page 299: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

299

Então, era mais ou menos como o porquinho da casa de palha, logo veio o primeiro vento, eu prestei o concurso, entrei no CEI, no final do ano e eu fui dispensada exatamente porque eu não podia mais dobrar, porque eu tinha passado na prefeitura. Então, a primeira casa que é de palha logo já foi embora. Foi rápida, em questão de seis meses eu tinha passado no concurso. A segunda casa seria a de madeira, que é uma casa já um pouco mais resistente, mais difícil um pouco do lobo derrubar e seria o CEI. Eu achei até que eu ia ficar mais tempo no CEI, quando eu entrei, eu já procurei tentar pegar estágio dentro da idade que eu gosto de trabalhar. É um lugar que eu aprendi muito, mas que eu gostaria muito de ir pra EMEI e que agora eu tive a oportunidade e consegui. Então, é a segunda casinha que está sendo derrubada, mas no bom sentido, não é no sentido do Lobo Mau. Esse seria um Lobo Bom que é o crescimento, é buscar, a busca de objetivos, da felicidade, da conquista. Agora, acho que eu cheguei à casinha de tijolinhos, que era o que eu queria, que era poder trabalhar em uma EMEI, com a faixa etária que eu gosto, que é a faixa etária entre três anos e meio e quatro até seis anos, que é a descoberta de muitas coisas. Eu vejo mais ou menos isso, e o lobo, na verdade, eu vejo como os desafios que eu tenho que enfrentar, mesmo estando na EMEI, o lobo vai ta sempre me rondando lá. Na casinha de tijolos, eu acho que depois disso, eu vou ter que sair da casinha e construir um prédio, que seria eu ir pra frente, eu caminhar pra uma coordenação, pra uma direção. Eu acho que a gente tem sempre que estar crescendo, a gente ficar parado não dá. A gente tem que ir em busca da novidade, em busca de coisas diferentes e nunca ter medo de voltar atrás também. Se um dia eu precisar voltar lá pra casinha de palha, voltar lá pra casinha de palha, porque a gente sabe que as outras casinhas tão lá, pra gente poder se refugiar.

Silvia

Marcou muito porque eu lembrava do João e Maria que minha mãe contava pra mim e daquele livro que é daquele Bruno Bettelheim que falava da historia de João e Maria que na verdade é uma despedida.

Tem uma coisa que eu me recordei. Meu pai contava muita historia pra mim depois que a minha mãe morreu. E os contos clássicos, eu lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas madrastas na falta de uma, eu tive duas madrastas. E aí Cinderela, Branca de Neve, nossa! Eu achava o máximo, primeiro que tinha a questão das madrastas e segundo porque tinha a possibilidade do príncipe aparecer um dia.

A bruxa exerce um encantamento em mim, coisa assim, nossa, muito forte.

Page 300: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

300

Simone

A historia de Lobisomem, ou de Lobo Mau ou de Bruxa, eles querem sentir o medo. Eles querem participar daquela historia. Eles querem sentir o medo do monstro, eles querem sentir o medo disso ou daquilo. E nós como criança também, nós lembramos de que: das historias de Lobisomem, de Bruxa, do Curupira, do Saci Pererê.

Eu não sei, eu acho que nos contos de fadas eu não me acho quem eu seja, nunca me vi como nenhuma das personagens de princesa. Eu nunca brinquei disso, eu gostava de brincar de pipa, de bola, de subir em árvore, de subir em muro.

Eu, é eu mesmo que você quer que fale? Eu não sei, eu acho que nos contos de fadas eu não me acho quem eu seja, nunca me vi como nenhuma das personagens de princesa. Eu nunca brinquei disso, eu gostava de brincar de pipa, de bola, de subir em árvore, de subir em muro. Então, eu não era muito menina na minha época, mas eu gostava muito do Sítio do Picapau Amarelo. Então, às vezes, que eu assistia os episódios em casa, eu brincava de sítio. Eu só não era a bruxa, mas do resto eu era tudo, das crianças. E eu gostava muito do sítio, mas nos contos de fadas eu não me encaixo.

Sueli

E a minha avó como era índia, ela não contava contos de fadas. Ela contava historias indígenas e meu vô contava historias africanas. Nada a ver com contos de fadas. E o pouco de contos de fadas que eu aprendi eu já estava bem maiorzinha. Já tinha entrado na escola, mas eu não aprendi contos de fadas contados no livro. O que eu aprendi era eles contando pra ensinar a gente o que era certo, o que era errado, mas contando que nem a historia do Pinóquio.

Tinha princesas e príncipes, mas indígenas. Um príncipe, um príncipe índio, que se apaixonou por uma índia de outra tribo. Um príncipe, um príncipe índio, que se apaixonou por uma índia de outra tribo. Mas como as tribos eram rivais, eles não, não aceitavam o relacionamento deles. Por causa disso, eles fizeram um pacto, é bem parecido com a historia que conta de Ceci e Peri. Só que eu não me lembro mais. Mas minha avó colocava os nomes, mesmo da tribo. E eles fizeram um pacto de sangue e que os dois entraram na lagoa, entraram no rio grande e de mãos juntas morreram afogados.

E também historias de assombrar. A gente tinha o homem do saco, ou então, é engraçado que nem minha avó, nem meu avô

nunca falaram de bicho papão. Eles falavam que o vulto da noite ia pegar aquele que fizesse muita travessura durante o dia, principalmente se fosse mal educado com os adultos. Então,era sempre assim, olha o vulto da noite, vai vim conversar com você.

Então quer dizer que só de imaginar que o vulto da noite ia vir falar, você já tinha medo. Mas não era aquela coisa de assombração, o homem monstro, o homem não sei o que, não tinha.

Eram programas infantis não direcionados a contos de fadas. Eles faziam a criança viajar pra outro universo, o universo da

imaginação. Mas eles não eram como agora. Assim, vamos supor, entra um programa que introduz a historia de um conto de fadas dentro daquele programa. O conteúdo básico da tevê Cultura. Hoje a televisão ajuda mais, porque hoje você vê vários contos de fadas,

Page 301: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

301

mas de primeiro era assim, quando você falava em contos de fadas você via poucos. Era Branca de Neve, Cinderela e o Pinóquio.

E Chapeuzinho Vermelho, quer dizer quem soubesse esses quatro, já sabia todos os contos de fada. Raramente você ouvia alguém falar João e o Pé de Feijão, era raro. Rapunzel ou Os Três Ursinhos que era a menininha dos cachinhos dourados, raramente você ouvia contar. Quer dizer, quem conhecia essas historias, já estava bem mais a frente que as outras pessoas.

Ele contava toda a historia e tinha a moral da historia. Sempre assim, tá vendo a importância de você não contar mentira, você ser sempre educado, não confiar em estranhos.

Que nem a Branca de Neve, os outros contos de fada, que de certa forma dentro de uma instituição educacional, não só de CEI, é bem dizer, quase que te imposto a você contar esse conto de fadas.

Vamos supor, na historia, você ta contando a historia, depois assim, o Lobo não é mais mau, o Lobo é bonzinho. Quer dizer que foi tema que era a diversificação.

É você ver os dois lados desse conto de fada. Você pode mostrar através do conto de fada que nem tudo você consegui com facilidade. Você trabalhou, você se esforçou, você lutou, quer dizer, você vai mostrando valores pra criança. Eu acho que no caso da princesa negra e do sapo, você vai mostrando valores. Ela é negra, pobre, que foi a luta, que trabalhou, batalhou, se desenvolveu até que, e mostrando independentemente dela ser pobre e negra ela encontrou o príncipe que gostou dela.

Independente de valores, aí nesse ponto eu acho que independente de esteriótipo, independente de valores, classe social, ele não se importou se ela era pobre, se ela era negra. Foi dela que ela gostou. Então, eu acho assim que são tipos de valores que você, somente a gente que está na área de Educação Infantil aponta pra criança que há diferenças. Não é porque aquele é branco e você é negro, que ele é melhor que você ou que você é melhor que ele. Todos são iguais e é aquela coisa, ele tem condições melhores que você, ta, você vai aprender com o tempo que tem que ir a luta pra alcançar seu objetivo.

Que você ganha, que você perde, que isso faz parte do seu dia a dia, você vai aprender a perder, a ganhar, mas quer dizer, tudo em cima de valores e respeito para com o outro.

Você que vai trabalhar o conto de Branca de Neve, quer dizer aí o único que ver Branca de Neve numa boa são os sete anões. Eles não queriam saber dela, da onde que ela veio quem era ela. Eles demonstraram a bondade, é o outro lado.

E são os contos de fadas que a gente vai mudando. Você primeiro é uma, você se vê em uma historia daqui a pouco você se vê em outra.

Então você pode ser considerada uma Fada Madrinha que nem do conto do Pinóquio. Aquela Fada madrinha que procura sempre ajudar.

Exatamente, quer dizer, é aquela tal historia da Bela e a Fera. Ela não se importa com a aparência, ela vai buscar algo que ele tem atrás da aparência dele, no íntimo dele. Por isso, que a gente, às vezes, tem as identificações, que a gente fala que vai buscar algo.

Page 302: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

302

A gente consegue se identificar com contos de fadas, com a historia e com a nossa historia de vida, de infância, a gente consegue se identificar cada um com uma parte da historia, às vezes, você passa em várias fases, uma hora você foi Chapeuzinho, outra hora você até Lobo Mau. A sua etapa, da sua vida toda você vai mudando as fases nos contos de fadas.

Eu, já ao contrário, quando eu consegui aprender a ouvir a historia do Sítio do Picapau, eu já me via a Emília. Porque eu era o contrário. Eu falava que ela fazia tudo o que eu fazia. Então, muitas vezes eu falava: Ah! Não tem graça. Essa boneca, essa boneca faz tudo que eu faço, entendeu? Porque era assim, eu vivia como eu falei a maioria do tempo com meus avós, que apesar de ser dentro de São Paulo, era um terreno enorme, que era como se fosse um sítio. E sempre teve muitas árvores frutíferas e muitos animais. Quer dizer, tudo aquilo que passava que a Emília estava fazendo na televisão. Ai que boneca chata! Ela sobe na árvore, eu também subi!

É um Conto de Fadas, só que todos tem que trabalhar , todos sofrem e nem sempre eles saem felizes para sempre.

Tereza

E eu fui crescendo, crescendo e nunca mais tive contato com contos de fadas. Mas, embora, alguém falava do Chapeuzinho Vermelho, alguém falava do Lobo Mau. Até então não significava muita coisa pra mim, porque ninguém me falava na íntegra o que era, de onde vinha o Chapeuzinho Vermelho, de onde vinha esse Lobo Mau; Eu cheguei na creche, tive contato com esses livrinhos de historia que até então eu nem sabia muito o significado na íntegra, mas fui aprendendo. Fui construindo um conhecimento que aqueles livrinhos eram os contos de fadas.

Esses personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo, porque tem ocasiões na minha vida que eu procuro sair um pouco fora da realidade, eu sei que é irrealidade, mas, às vezes, eu gostaria de estar dentro deste sítio comendo biscoito, aquele bolinho de chuva da Tia Anastácia, conversar com a Narizinho, ouvindo aqueles personagens do Sitio do Pica-pau Amarelo.

Terezinha

Saci Pererê, se a criança fizesse arte, o Saci Pererê vinha, buscava a criança, né. Eu lembro muito de uma que ela contava que a criança era muito malvada com a mãe. E a criança batia na mãe, tudo. E essa criança foi enterrada e quando ela foi enterrada a mãozinha dela ficou pra fora. Então, eu sempre me lembro dessa historia. Então, a mãozinha dela ficou pra fora porque ela batia na mãe dela quando ela era pequena. Então, eu tive bastante contato de historias. Contei também muito pros meus filhos, aí com livros mesmo. Deitava assim à noite, eu contava muitas historias pros meus filhos. Era a Bíblia, a gente tem muito costume de ler a Bíblia, hoje já nem tanto porque com o computador quase não deixa as crianças sentarem juntas. Eu acabo lendo sozinha, mas quando os meus filhos eram mais novos, eu sempre lia a Bíblia junto com eles.

Eu tinha essa ilusão. E quando eu tive meu primeiro namorado que foi o meu marido, eu achava que ele era o príncipe

Page 303: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

303

encantado. Quando ele foi embora, foi uma desilusão tão grande pra mim, muito grande mesmo. Sabe foi assim como se o príncipe encantado fosse realmente uma coisa de historia, ele não existisse. Que eu achava que eu tinha achado ele, mas ele não era meu, ele era de outra.

Acho que Lobisomem, naquela época aparecia muito por causa da quaresma. Porque, então, se você saísse à noite, se fosse pro baile, se se pintasse. Então, pode ter certeza que ele vinha, o Lobisomem.

Eu hoje me vejo na historia da Bela Adormecida, por quê? Porque eu tô precisando tanto dormir, sabe não dormir de sono, dormir pra descansar mesmo. Sabe como ela, ela com quinze anos ela descansou de tudo. E todo mundo tomava conta dela. Na realidade, eu tenho que tomar conta de todo mundo.

Walkiria

Era só o homem do saco, não tinha bruxa ainda. O homem do saco vai passar, vai te levar. Era mais folclore que os avós falavam.

Page 304: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

304

Categoria de análise – 3

FORMAÇÃO DOCENTE

Professor

Formação Docente

Ana Maria

Só comecei a ter contato com historia na faculdade que eu comecei a fazer Pedagogia. Falou que a historia era importante, eu lia muito, gostava de ler.

Então, quando eu entrei aqui, sabia o porquê de contar historia, porque eu já tinha trabalhado isso com criança na escolinha que eu trabalhava. A gente contava bastante historia. As crianças gostavam, interagiam muito e se desenvolviam muito bem.

Na prefeitura assim, as crianças mais tem recreação. Lá eles exigiam mais escrita, papel, pintar, tem que mostrar pros pais o que a gente fazia com as crianças, né. Aqui a criança já aprende brincando, né, com a recreação, com historias, né. Já é bem diferente.

Eu procuro passar tudo isso, porque eu acho que pra mim foi uma lição. E tudo que eu faço, eu faço com amor aqui, entendeu. Porque eu acho assim, que essas crianças são umas crianças, às vezes, assim, um pouco carentes, precisam do apoio e do carinho da gente, da atenção, da dedicação do professor. Então, eu acho que é importante trabalhar isso com eles sobre valores.

Cecília

Eu iniciei minha carreira trabalhando com crianças de três anos e eu adorava.

Assim, contar os clássicos, através de fantoches.

Continuo até hoje, tenho muito interesse em estudar, porque tudo é um aprendizado, né. E a gente dando aula, a gente aprende muito com a experiência, com a troca com os outros profissionais.

E eles gostavam muito, eles tinham muito interesse pela leitura.

Ela me indicou pra trabalhar com criança, mas assim, eu pensar em ser professora, sem ter experiência. Aí eu topei o desafio, né. Comecei a trabalhar com mini maternal, crianças de dois anos, né. E com a experiência do dia a dia, eu fui pegando amor, carinho pelo ambiente de trabalho. Sonhava em estar no lugar das professoras, né. Porque eu observava a experiência delas, porque eu tava

Page 305: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

305

mais como auxiliar, mas eu pensava assim comigo, um dia você é capaz de chegar no lugar delas.

Eu cresci com insegurança, eu cresci uma criança tímida, eu tive dificuldade de aprendizagem na escola e minha mãe me mimava muito, me dava de tudo, tudo era muito fácil pra mim. Apesar das dificuldades financeiras, ela fazia de tudo pra me agradar. Quando comecei a estudar na EMEI, eu peguei uma professora, minha primeira professora era muito rígida, muito brava. Então, pra mim toda criança sofre com a adaptação, porque está acostumada com o amparo da família. De repente, começa a estudar, pego uma professora que é bem rígida, completamente diferente da minha mãe, outra personalidade. Eu me assustei, então, eu chorava, eu era muito manhosa. Eu chorava muito, eu não queria ir para a escola e a minha mãe pra reforçar mais ainda, ela deixava eu faltar na escola, entendeu.

Ela reforçava mais ainda a minha insegurança, entendeu. Tanto que quando eu estava na primeira série que foi a fase de

alfabetizar. Eu também peguei uma professora enérgica, rígida. Na época, as professoras, foi mudando as leis, mas as professoras davam mais castigos, tinha que ser aquela disciplina, que as crianças não podiam se mexer. Queriam controlar tudo, a criança não tinha muita liberdade. Então, eu entrei em contradição do que eu vivia em casa, totalmente oposto, as regras tudo. E ninguém ficava me bajulando, eu estava acostumada com todo mundo me protegendo, me dando as coisas na minha mão, facilitando as coisas pro meu lado. Só que aí eu cresci, sem ter autonomia, sabe, insegura, tímida, medrosa, envergonhada, desconfiada e isso atrapalhou porque foi formando a minha personalidade. Porque chega uma idade com seis ou sete anos, que não tem como voltar atrás foi a maneira que minha mãe criou, me criou de uma forma errônea, não que ela tenha feito por maldade, proposital, foi por falta de conhecimento mesmo. Foi inocentemente mesmo, eu não me culpo, quer dizer, eu não culpo a minha mãe por causa disso. Porque ela não fez foi por falta de conhecimento que ela agiu daquela maneira. Então, com o passar do tempo, na adolescência, eu jamais pensei em ser professora, eu não tinha assim. Eu não nasci com dom de ser professora, apesar da minha avó ter sido professora, a minha prima também que se formou primeiro professora na família, que fez magistério, só que eu era muito apegada a minha prima. Tanto que nas brincadeiras de infância, a minha prima era sempre a professora e eu a aluna.

Não posso, eu vou estudar agora. Eu vou fazer Pedagogia, eu quero seguir, eu quero ser professora. Eu quero seguir na área que eu estou atuando agora.

Eu preciso da faculdade porque se eu não estudar, eu não vou poder ser mais professora ou uma coisa ou outra. Você tem até na sua família. E você sabe que viver de teatro é difícil, eu sempre fui pé no chão. Eu tenho que ter uma estabilidade, porque eu voltei a fazer teatro por hobby. Eu nunca pensei assim, eu vou fazer teatro como profissão, vou me especializar nisso, porque é complicado pra você atuar, pra você se estabilizar nessa área e tem muita coisa errada também.

Dione

No estado era professora de Língua Portuguesa. Eu comecei trabalhar historias com livros de leitura e uns textos de historia.

Por que marcou? Porque foi significativo pra vocês. É a mesma coisa que você falou hoje. Aquilo que você dá pra criança, se

Page 306: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

306

ela vai lembrar amanhã é porque teve algum significado. Teve alguma significância pra ela.

Eu acho que é nossa função porque tem muitos pais que hoje também não contam historia, embora eu acho que tenha mudado. É mais divulgado, acho que tem mais facilidade, mas eles não contam. Então, é nossa função criar na criança esse hábito, esse gosto pela leitura.

Bom, agora sou eu. Aqui na Prefeitura, na verdade eu sou professora já há muito tempo. Inclusive aposentada, mas faltavam uns quatro anos pra aposentadoria do Estado, quando eu entrei na Prefeitura. Assim, na verdade eu entrei sem esperar, por uma brincadeira. Surgiu esse concurso e eu comentei com uma professora do Estado: - Vamos tentar mudar? Porque como eu trabalhava só com adultos, principalmente supletivo e adolescentes.

Eu falei: - Eu quero mudar, vamos mudar. Vamos fazer esse concurso. Eu passei. Inclusive eu passei e ela não. Mas eu fiquei muito insegura na hora de assumir, porque quando eu escutava a coordenadora falar. Era coordenadora do Estado e de um CEI. São nove bebês pra uma professora, eu me senti muito insegura. Eu achei que eu não era capaz de assumir nove bebês sozinha. Eu achei que era muito trabalho e eu fiquei muito insegura. Tanto é que eu tive alguns entraves pra conseguir, tive que entrar na justiça por causa de alguns problemas que eu tive. Mas a hora que eu assumi, eu adorei. Era uma realidade totalmente diferente, eu estava com bebês e estava com aluno mais velho que eu. Era muito diversificado, mas pra mim foi uma novidade que eu adorei. Como eu era professora de Língua Portuguesa, eu já tinha um contato com leitura.

Lógico que eu gostava muito, mas tinha feito um trabalho legal há uns anos anteriores, emprestando livros meus mesmos paradidáticos para as crianças lerem. Mas ultimamente estava muito difícil trabalhar com leitura. As crianças estavam muito rebeldes e estava difícil o trabalho mesmo.

Então, quando você dá uma leitura, a todo instante você tinha que interromper porque uma criança brigava com outra, porque entrava criança de outra sala na sua sala e você não conseguia concluir. Dar uma aula legal mesmo de leitura e isso estava me deixando mesmo muito frustrada.

Então, mas eu acho que ainda hoje, embora tenha mudado muito. Eu acho que é nossa função porque tem muitos pais que

hoje também não contam historia, embora eu acho que tenha mudado. É mais divulgado, acho que tem mais facilidade, mas eles não contam. Então, é nossa função criar na criança esse hábito, esse gosto pela leitura.

Dulcinéia

Mas não tenho de uma específica, leitura eu vim a ter na escola, mas eram leituras mais impostas, mas nem por isso eu deixo, hoje, como professora de contar os contos. De não levar os contos pras crianças e assim eu não tenho essa dificuldade, nem um bloqueio.

Page 307: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

307

Edina

Dentro da igreja fui ser professora de criança, desde os dezessete anos. Então, todo mundo falava: - Ah, esta vai ser professora.

Conheci a parte da leitura mais na faculdade e quando meus filhos começaram a estudar, que eu ajudava elas a estudar. Foi quando eu comecei a correr atrás de biblioteca.

Por isso, eu gosto de sebo, porque eu gosto de procurar, de ver historias diferentes.

Procuro passar pras minhas crianças tudo àquilo que eu não tive.

Historias, eu procuro sempre novidades pra trazer pra eles, eu procuro o fundo da historia, eu não dou uma historia por dar, porque eu acho bonita a historia.

E no caso eu tive muita sorte quanto ao magistério, quanto a trabalhar na secretaria da escola. E eu na secretaria eu fazia de tudo, o que eu não consegui na vida eu fazia pra aqueles que chegavam lá. Que pediam pra mim e eu tentava. É por isso que eu tô falando a minha historia deve ser parecida com a da Fiona, que tava lá no castelo presa e quando se soltou...

Mas, depois, quando eu entrei na escola pra trabalhar com magistério mesmo, acho que na secretaria mesmo eu já comecei, porque eu lidava com criança, com as pessoas que chegavam e depois a própria escola me acolheu quando eu fui mesmo fazer a faculdade.

Mas assim, nasci pra lecionar mesmo. Eu gosto de fazer as coisas pras crianças. Sofro com eles e isso não é bom pra mim, né. Se tem um chorando, agora choro junto.

O estudo mudou meu modo de agir, mudou assim pra melhor, eu acho. Abriu mais a minha... Eu começo a enxergar melhor, tanto que eu falei pra vocês que eu esqueço.

Eliana

Esse hábito de contar historia eu tenho desde mais nova, assim, quando eu casei. Assim que meu filho nasceu eu sempre contei historia.

Márcia de Fátima

Depois que meu filho nasceu eu tive contato mais com contos de fadas através do Matheus. A partir disso sempre contei, sempre comprei livro de contos de fadas, de folclore, não só de contos de fadas, mas gibi igual à Paula falou e acesso a leitura a gente sempre tem.

Eu tenho trauma de professor até hoje. Eu tenho respeito por professor, eu não consigo nem na faculdade chamar o professor

Page 308: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

308

pelo nome.

Entrando nesse assunto eu fazia o CEFAN e o CEFAN na época era remunerado, era um salário mínimo, né. Na época e muita gente lá no CEFAN. Essa menina mesmo que, que falou isso pra mim, a maioria das meninas usavam aquele dinheiro pra outras coisas. Porque é uso pra parte pedagógica, pro estudo. Eu não, eu acrescentava na minha passagem, comprava um livro quando conseguia e valorizava, entendeu.

O Vestibulinho no Filomena, eu fui madrinha de formatura. Então, foi aquele caos, não cheguei no horário, não deu tempo pra chegar eu fui pra casa. Na segunda feira eu ia saber o resultado do Vestibulinho. Eu tinha passado, fiquei feliz, pronto e fui lá. Eu fiz e foi aquele tormento, teve pessoas que falavam pra mim que eu não ia conseguir, pessoas que falavam que eu ia conseguir e pra provar pra mim mesma que eu tinha futuro eu fiz assim o melhor que eu pude. Quando eu pego alguma coisa pra fazer, eu faço com todo o amor, eu não gosto de fazer nada pela metade. Então, eu fui, eu fiz, eu consegui. Em 2005, eu me formei e já comecei de cara em uma escola particular. Não tinha experiência nenhuma, em escola nenhuma, a escola estava começando e eu começando junto com a escola. Era a Castelo Encantado, aqui no Cangaiba, perto dos predinhos. Então, nós começamos uma turma de Jardim I, aquela loucura. Eu não sabia de nada e fui, graças a Deus, fui bem. Lia pra eles, lia, mas, noção do que é a leitura e do que é contar história. Apenas pegava um livro e lia, não importava pra mim no momento se era escolha dele ou escolha minha. Era o momento de fazer a leitura, eu pegava e fazia a leitura, porque no começo da escola não tinha toda aquela programação, aquela organização toda da escola.

Márcia Polessi

Como professora de Educação Infantil, eu não perco a oportunidade de disponibilizar a revista, os livrinhos porque isto é uma coisa muito gostosa de trabalhar, é uma coisa que marca a gente.

A minha família sempre foi assim, não somos pobres, mas somos de uma família mediana. Papai sempre incentivou os filhos a trabalharem. Eu tinha dezenove anos e eu ingênua, caí com uma profissional chamada Maria, eu entrei na sala, criança de seis anos, sem experiência nenhuma.

Aí vinha um pessoal, as técnicas e orientava a gente a fazer isso e aquilo. E a gente foi caminhando. O que me marcou muito na contação de historia, que eu como eu poderia contar historias sentada numa roda, se eu nunca tinha visto ninguém trabalhar com contação de historia, foi à necessidade.

Bom, isso de 88 pra cá muitas coisas mudaram. Ou você estuda ou está fora da prefeitura. Chegou isso nos nossos ouvidos. Ou você quer continuar ou você ta fora. Quem quer, mas em um primeiro momento na prefeitura, você estuda, estuda ou não te pago nada. Então, vamos atrás, né. Até antes de fazer pedagogia, eu falei: Será que é isso que eu quero? Será que é isso mesmo, mas se eu já to aqui há quinze anos, eu vou perder esse tempo de casa, quinze anos. Vamos fazer e eu gostei. Eu gostei da pedagogia. Lá, a partir de então, a gente ta vendo o processo que nem agora.

Eu não sei se ia estar diferente porque o CEI tem muitas pessoas que já tem muita idade. Isso só vai mudar a visão quando as pessoas se aposentarem.

Page 309: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

309

Sentava onde queria e começamos a contar historia, sem mostrar pra criança, sem mostrar a figura pra criança. Aí contamos e acabou sendo uma prática que acalmava a criança.

Porque antes disso, nós pegamos dois anos de Maluf, dois anos de Pitta. Ele falou pro funcionário: “São todas mal amadas da prefeitura’”. Nós “tamo” em CEI, a gente ainda não é bem vista não. Eles nem fala em CEI, eles fala creche, entendeu! Olha o preconceito que tem ainda?

Se não me falha a memória nós dramatizamos sim, trabalhamos a historia do Sítio do Picapau Amarelo. E no final do projeto, que a gente nem sabia que era projeto nós fizemos um teatro com danças, vestimos as crianças com sabugo, tingimos lençóis.

Maria Aparecida

Maria da Penha

Não tenho uma formação em historia, mas tenho a formação da vida da minha mãe e a experiência que meus avós passaram pra ela.

Entrei aqui em 88 também, não aqui nesse CEI. Eu entrei na Barra Funda. Eu estava desempregada e uma amiga falou que estava abrindo inscrição e eu fiz lá no Cangaíba. Todo mundo fez, mas eu fui parar lá na Penha, mas a gente teve um período de adaptação pra fazer os enfeites da creche, no CEI lá na Tiradentes, na Avenida Tiradentes. Depois nós fomos pra lá e eu entrei no estágio. Era dezoito crianças pra gente, foi que nem pegar nós e jogar na boca do leão. Que nós, sem saber o que fazer, só que naquela época o estágio tomava banho também. Então, a gente passava a maior parte da manhã dando banho, dando banho, parque depois tinha que voltar a dar banho e ia pra mesa.

Então, esse ritmo de atividade, de leitura, quase não existia naquela época, porque o cuidar era muito maior que o brincar, o contar historia, o conversar com a própria criança porque não dava tempo. Toda creche, todas as crianças, do maior até o menor tomava banho e tinha que ser rápido porque era muita criança e um banheiro só, pra todas aquelas crianças.

Ficava uma bagunça, a gente tinha que dar conta. A gente tinha que dar conta, quando eu entrei, não era oito horas. Eu entrei

já era meio período. Então, em seis horas a gente tinha que fazer tudo isso e era rapidinho. Quando eu vim pra cá em 90, já tinha uma outra dinâmica, as meninas já liam historia, já tinha a roda, já conversavam e o

banho também foi tirando, foi diminuindo. Não se tomava mais banho. Só o mini grupo e o berçário. Ficou mais fácil a gente lidar com os estágios, contando historia, mas de ler livro na creche, era muito difícil. Não tinha livro, as historias eram as que a gente contava. Branca de Neve do jeito da gente, que o Lobo Mau era mau mesmo e não tinha outra saída. Não tinha livros ilustrados pra gente estar lendo pra criança.

Como tempo é que foi se mudando, foi crescendo essa dinâmica da gente ler, depois a gente fez o ADI Magistério e nós

Page 310: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

310

aprendemos a importância de contar historia. Vimos também como fazer uma caixa de historia. O ADI Magistério foi muito rico pra gente nesse ponto. Eles não queriam só a teoria, eles queriam a prática, que a prática a gente levasse pra sala de aula, que fizesse aqui e levasse pra lá, isso foi um registro também, tudo foi registrado.

Foi no ADI Magistério que a gente aprimorou tudo, tinha que registrar a criança almoçou, jantou e acabou o dia. Montava teatro de sombras, tudo lá no ADI Magistério, a importância de um desenho com grafite, qual a importância de

desenhar com carvão, com a tinta e a respeitar o limite das crianças naquele desenho. Contar historias e ouvir também as crianças. E a gente dava o desenho e eles contavam pra gente o que significava o

desenho e a gente passou a ouvir as crianças também nesse sentido. Porque a gente mudou muito depois do ADI Magistério, os livros também foram chegando pra escola e a gente foi

aprendendo, mas no começo foi muito difícil. Foi muito difícil mesmo. A gente entrou que nem a Noelina entrou por causa do Bruno, do Eli. A Walkíria estava procurando uma coisa melhor. Eu estava desempregada, a gente se arriscou também e eles mais ainda de colocar a gente.

Pra eles estava bom, quando eu entrei, quando nós entramos ainda tinha gente trabalhando oito horas. Depois foi diminuindo a carga horária, que foi ficando mais difícil ainda e também era mais selecionado. A creche não era pra todas as crianças, era só pra mãe que precisava também ficou mais difícil, porque todo mundo tinha acesso a creche, mas era como se fosse um depósito de criança, tinha muita falta de professor. A gente chegou a trabalhar na cozinha. Eu fiquei uma semana aqui já, fiquei uma semana na cozinha fazendo almoço pras crianças. Então, o bem estar da criança entre aspas ficou muito a desejar. Hoje tem a cozinha terceirizada, vamos falar, também não é um mar de rosas, mas é melhor do que quando a gente entrou. Do que há vinte e dois anos atrás. Teve uma boa evolução. E nós também, hoje somos professoras, naquela época era pajem. Depois foi mudando, mudando e hoje somos professoras. A prática que nós temos, foi muito maior que tudo isso. Do que a faculdade, o ADI Magistério,... Tinha enfermeira, hoje eu tenho que dar remédio, tenho que ver se a dose é muito grande ou muito pequena. Antes a gente tinha que pegar o piolho. Recebia uma tolha e um pente fino. Puxa o piolho, quantos piolhos nós já não pegamos nesta creche. Hoje não, você comunica a direção, a direção faz um encaminhamento, vai pro médico e o médico vai tratar do seu piolho. O bem estar foi uma fase muito dura na creche. Hoje CEI, muito dura mesmo. Hoje em dia, depois de vinte e dois anos, eu ainda me preocupo com aquela criança que tem piolho. Hoje eu vejo professora atual, que já entrou no CEI, que já não tem essa preocupação. De pentear o cabelo, da minha criança ir embora descabelada, sem roupa. Hoje em dia o que eu percebo nos CEIs é muito papel. A gente escreve muito, escreve, escreve e deixa um pouquinho do cuidar de antigamente da criança. Tem crianças que não precisam desse cuidar, mas tem outras que são necessitadas e que precisam desse acompanhamento.

Maria Edlene

Enquanto a gente tá contando historia, não só as crianças estão viajando, o professor também viaja muito. E essa é minha experiência.

A historia de Davi, a historia de Sansão e Golias e eu acabei contando pras minhas crianças, achei interessante que as mães

Page 311: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

311

queriam saber da historia.

Futuramente se tiver uma pesquisa dessas, o Henrique e a Sofia, minha filha, poderão contar o que vivenciaram. Eles não vão falar como a gente. Eles vão falar: A minha mãe contava muita historia.

Apesar da gente não ter recebido isso, isso não influenciou, em nenhum momento influenciou. Eu até conto, eu gosto, até parece que eu vivi e vivenciei tudo isso.

Eu acho que os contos, ele faz a criança ser um adulto pensador, reflexivo e imaginar o imediato. Por exemplo: na contação ele viaja, ele vai para o mundo mágico. Quando ele é adulto, ele tem mais facilidade de criar um projeto assim, de imaginar, de sonhar pra você ver como é rico a contação de historia.

É como você falou existe dois lados da historia. O lado do príncipe eu achei interessante que ele era totalmente sem caráter, ele tava atrás de uma princesa que tivesse dinheiro, porque o pai dele já tinha cortado tudo, porque ele era folgado. Só ficava gastando, não ajudava em nada e quando ele conheceu ela, que ela falava muito em trabalhar, em um valor bem diferente do dele. Ele aprendeu, então, assim, ela ensinou muito pra ele.

E o bom desse conto é que tem tanta coisa, né. Eu acho um dos contos melhores, além disso, do príncipe que eu acabei de falar, tem a historia da perda. Que é quando o vaga lume morre, trata isso também pra gente ta trabalhando com as crianças sobre isso.

Eu fui aprendendo sozinha, eu fui reconhecendo e vendo historias bem depois. Acho que nem na escola a professora tinha esse hábito. Eu não aprendi na escola, já tinha Norma, acho que já era pra ter um pouco essa vivência dos professores contarem. Mas eu não tive essa experiência, mas eu vim, ouvi e aprendi. Eu já tinha bem uns quinze anos. Tarde, né? Só que eu já me apaixonei. Já amava, já vi outro mundo e já entrei, ingressei no Magistério com essa noção.

Era engraçado que ninguém me ensinou, mas parece que eu ia sozinha, que eu já ia. Aquilo me encantava e eu gosto. Então, lá no CEI indireto, todos os professores eram meio que induzidos a trabalhar com contos de fadas durante o ano inteiro. Com projetos variados, por exemplo: dramatização, quando não dos professores, a gente chamava as crianças pra dramatizar.

A gente trabalhava em sala e depois colocava no pátio. Então, tinha muito esse trabalho de contação de historia. Também veio minha filha, que acho que foi o que mais me encantou, porque eu até falo que ela vai ter outra vivência. Mais tarde ela não vai falar o que eu falei dos meus pais, que eu não tive essa experiência. Acho que se tiver um trabalho assim, ela vai contar diferente.

Maria Lúcia

Fiz o Magistério, fiquei grávida de gêmeos. A primeira vez que saí com ele já fiquei grávida. Ele falou: Vai estudar, que eu olho as crianças. Eu fui fazer Magistério e eu peguei gosto pelo estudo. Um colega meu, que arrumou serviço pra mim na prefeitura que ele falou: Nossa! Você é tão legal. Você cuida tão bem das crianças. Que eu cuidava de criança quando eu não tinha nada pra fazer. Me arrumou, mandou eu, me deu uma carta pra eu ir falar com Antônio Aurelinho. Saí de lá, nem sei mais quem é. São Miguel, aí eu fui lá, ele me arrumou. Você quer trabalhar de quê? De qualquer coisa pra mim está bom. Você não quer na Câmara, eu vou te arrumar lá de secretária. Eu disse não, eu tenho vergonha, não sei trabalhar assim.

Page 312: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

312

Eu sempre achei alguém que me ajudava. Então, eu realizei meu sonho, que eu achava impossível. Eu vou ser alguém na vida. Impossível. E hoje eu sou pedagoga, oi que chique. Então, pra mim, dos meus irmãos a única que é formada é eu. Tem duas que ta fazendo letras, mas ta pra terminar. A minha mãe fala: Nossa você venceu.

Noelina

No berçário quando a gente conta historia, eu e a Simone, sempre mesmo antes de ter essa observação de criança, a gente colocava cada um pra ler a historia.

Eu cheguei aqui em São Paulo, eu nunca tinha trabalhado. Comecei a trabalhar na Abaeté, fiz curso e consegui trabalhar na Helena Rubbinstein de consultora de beleza.

Prestei concurso, eu tinha meu filho pequeno e ele precisava muito de mim. Ele tinha quebrado o braço e toda vez que eu deixava ele com alguém...

Um certo dia eu cheguei em casa, tinha uma moça no banheiro com uma água quente, quente. Então, me apavorei. Eu falei: - Eu vou sair do serviço, eu tinha que nele. Prestei o concurso, a minha supervisora falou assim: - Não Noelina. Há oito anos eu trabalhava lá. – Não, não sai, não entrega o uniforme porque você vai voltar.

Eu não vou voltar, eu vou entregar esse uniforme. Só que aí, eu prestei o concurso e queria essa creche e não consegui. Fui lá pro CEI Penha, trabalhei lá, só que lá quando eu cheguei me colocaram no Jardim. Nossa! No primeiro dia eu fiquei mal, queria até nunca mais voltar porque tinha criança maior que eu e as meninas você tinha que trançar o cabelo. Eu nunca tinha pego o cabelo daquele jeito, tive que pegar aquelas crianças amoadinhas.

Meu Deus, fiquei apavorada. Com o passar do tempo eu fiquei lá. Tinha uma professora que ela vinha pegar as crianças pra fazer caderno, eu ficava com o restante que não fazia caderno. Tinha uma professora que chamava Renata que levava os outros pro refeitório pra ela dar os cadernos. Depois ela mandava as crianças pra mim novamente.

Teve uma época que estava precisando uma professora aqui. Que a professora gestante ia sair de licença. Fizeram a reunião, a supervisora foi lá, queria saber quem morava próximo. As meninas falaram: - Não, você não vai. Queriam fazer reunião que não era pra mim vim. Não, você não vai. Que eu já estava bem, interagindo com o grupo. O grupo não queria que eu viesse e eu vim.

No final da historia, acabei ficando aqui. E estou aqui até hoje. Entrei em doze de maio de 88. Estou aqui até hoje, essas historias se a gente contar, não é muito assim como hoje. Nós estudamos, aprendemos como que é o contar historia.

Antigamente, era uma coisa mais light, era mais o cuidar. Hoje não, com a formação que nós obtivemos, aprendemos bastante coisa, foi um grande avanço.

O ADI Magistério trabalhava com música, conhecer o som através das palmas, das pernas, através dos blocos de

madeira. Você já fazia o som para a criança. Quem teve oportunidade de fazer o ADI Magistério, foi um avanço para nós que já estávamos na rede, porque aquelas que entraram com diploma da faculdade, entraram com o teórico, sem saber nada de Educação Infantil. Só sabiam de nome e nós tínhamos a prática. Com o ADI Magistério, conseguimos elaborar mais a prática do dia a dia, criar

Page 313: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

313

muito mais em cima da própria prática.

Norma

Durante a minha jornada na escola alfabetizando, eu não usei muitos livros de historia. Eu usei muito música pra alfabetizar. Mas devido ao próprio sistema nós não pegávamos livros de historia. Era coisa do próprio sistema, do planejamento, a gente não tinha esse acesso a livros de historia.

Nós líamos livros e dávamos livros sim, mas não era livro de Esopo, estes livros de conto, de historia, que eu acho que seria importantíssimo ainda.

Eu acho que levar a criança a criar essa imaginação, a vivenciar essa fantasia, que eu acho necessária.

Hoje, em casa, todos leem muito. Foi o incentivo que começou do meu pai, uma pessoa que não tinha estudo nenhum, mas sabia contar historias.

Eu só sinto também de não ter registrado nada, porque muitas das historias que meu pai contava eu até esqueci. Porque aquela época eu não sabia dar a importância que eu dou agora.

Quando eu vim pra prefeitura, como eu vim. Eu me aposentei em uma escola, Dom João, na direção. Escola estadual, mas

antes eu alfabetizei. Mas nós não tínhamos o hábito de contar historias na escola. Era próprio do sistema. Eu incentivava muito a criança a escrever, a contar as coisas dela e tudo.

Mas não existia esse hábito de contar historia, que seria ótimo. Mas não tinha não. Tinha todo um sistema já para alfabetizar, tinha cartilhas da Emília Ferrero. Começou a aparecer as experiências, nós começamos a trabalhar de maneira diferente, mas sem orientação. Então, ficamos muito perdidas, mas a historia não estava em pauta. Mas quando eu me aposentei, quis vir trabalhar, porque eu nunca quis ficar em casa.

Eu decidi que eu ia trabalhar. Eu pedi licença a prêmio e férias no trabalho que eu estava. Pedi aposentadoria e já me inscrevi na prefeitura. Comecei a trabalhar como contratada e depois que eu fiz o concurso pra trabalhar como efetiva.

Paula

Mas a historia de “João e o Pé de Feijão” marcou muito minha vida profissional. Eu fui trabalhar essa historia com o primeiro estágio aqui do CEI, voltada, pensando no feijão, na horta e o que chamou a atenção das crianças foi o gigante. E eu acabei fazendo um trabalho com as crianças.

Page 314: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

314

A criança te dá o prazer de trabalhar a historia para desenvolver qualquer outra coisa que tenha na historia.

Então, era mais ou menos como o porquinho da casa de palha, logo veio o primeiro vento, eu prestei o concurso, entrei no CEI, no final do ano e eu fui dispensada exatamente porque eu não podia mais dobrar, porque eu tinha passado na prefeitura. Então aí a primeira casa que é de palha logo já foi embora. Foi rápida, em questão de seis meses eu tinha passado no concurso. A segunda casa seria a de madeira, que é uma casa já um pouco mais resistente, mais difícil um pouco do lobo derrubar e seria o CEI. Eu achei até que eu ia ficar mais tempo no CEI, quando eu entrei, já procurei tentar pegar estágio dentro da idade que eu gosto de trabalhar. É um lugar que eu aprendi muito, mas que eu gostaria muito de ir pra EMEI e que agora eu tive a oportunidade e consegui. Então é a segunda casinha que está sendo derrubada, mas no bom sentido, não é no sentido do Lobo Mau. Esse seria um Lobo Bom que é o crescimento, é buscar, a busca de objetivos, da felicidade, da conquista. Agora, acho que eu cheguei à casinha de tijolinhos, que era o que eu queria, que era poder trabalhar em uma EMEI, com a faixa etária que eu gosto, que é a faixa etária entre três anos e meio e quatro até seis anos, que é a descoberta de muitas coisas. Eu vejo mais ou menos isso, e o lobo, na verdade, eu vejo como os desafios que eu tenho que enfrentar, mesmo estando na EMEI, o lobo vai ta sempre me rondando lá. Na casinha de tijolos, eu acho que depois disso, eu vou ter que sair da casinha e construir um prédio, que seria eu ir pra frente, eu caminhar pra uma coordenação, pra uma direção. Eu acho que a gente tem sempre que estar crescendo, a gente ficar parado não dá. A gente tem que ir em busca da novidade, em busca de coisas diferentes e nunca ter medo de voltar atrás também. Se um dia eu precisar voltar lá pra casinha de palha, voltar lá pra casinha de palha, porque a gente sabe que as outras casinhas tão lá, pra gente poder se refugiar.

Falam que o meu magistério é genético, porque a avó é, a outra avó era, todas as tias são. Então, não tem jeito, não tinha escapatória, a mãe também.

Na escola pública, tá tendo cada vez mais mistura de classe social. A gente vê por aqui que numa sala, tem uma família que mal tem dinheiro pra comer e criança na sala que viaja de avião, que tem tevê a cabo mesmo, tem carro novo. Então, cada vez mais na escola pública, as pessoas tão entendendo que é direito da criança não é pra quem não tem dinheiro e aí cada vez mais a gente vai ter que lidar com essas diferenças aqui dentro.

Eu tenho que valorizar aquela criança como ela é. Então, o que a gente procura fazer, aquela criança que tem uma roupinha surrada e outro que tem uma roupa da Lilica Repilica. Elogiar e colocar a criança com a auto estima elevada.

Então, foi um ano assim difícil, foi um ano de muitas mudanças para quem já estava, o pessoal contratado olhando a gente com maus olhos e a gente querendo trabalhar com cargo novo, um mundo novo. Então, foi bem complicado o que a gente via muito e que era muito assistencialismo. Então, era a preocupação só com o banho, com a criança ta arrumada e com o cabelo penteado pra ir embora né. A criança ter comido ou não e a questão pedagógica a gente não via muito forte não. Então, a gente tinha que, a gente tinha que mostrar a importância da parte pedagógica também.

Um atendimento individualizado, especializado de higiene e saúde, mas se tira muito a obrigação dos pais e a obrigação do professor do cuidar e educar, acaba ficando só no cuidar e o educar acaba ficando muitas vezes em segundo plano.

E eu tenho certeza que os professores acabam ficando frustrados com isso, porque não é bom você estudar, se preparar pra poder trabalhar com a criança e chegar num lugar e você ser meio que um assistente de enfermagem.

Page 315: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

315

Eu não to criticando quem não fez, porque às vezes a pessoa ainda não fez porque não tinha condições, não é isso, mas se todo mundo fosse atrás como você foi, entendeu, independente de ser por amor ou por necessidade, se a maioria tivesse ido atrás, talvez o quadro hoje tivesse diferente porque as pessoas iam poder lutar por uma coisa que conquistaram.

No meu caso agora, eu que estou encerrando minha jornada no CEI indo pra EMEI, transformei meu cargo. Um dos motivos é eu estar descontente com o meu trabalho pedagógico aqui. Eu não consigo realizar ele do jeito que eu gosto plenamente. Por falta de tempo, pelo cuidar ser excessivo e eu não poder trabalhar o educar, fazer as crianças caminharem mais pra uma educação pra cidadania, terem mais oportunidades de leitura, mesmo sendo pequenininhos, de escrita.

Silvia

Quando eu já estava adulta sempre continuei adorando contos de fadas, sempre comprei os desenhos da Disney e livrinhos de contos, mesmo antes de fazer Pedagogia e tudo.

E aí depois quando eu já estava na faculdade que eu fui estudar que tinha o livro dos contos de fadas.

Eu adoro representá-la na contação de historias para as crianças e ser a bruxa, pra mim é o máximo, porque eu sinto aquele prazer do meu imaginário.

Simone

Sueli

Eu contava, mesmo sem ter tido a vivência, porque que nem diz eu aprendi a apreciar os contos de fadas já grandinha.

E eu também tinha aquele negócio, meus pais trabalhavam o dia todo, os dois. E eu também não tinha aquele acesso a livros. As poucas vezes que eu via contos de fadas, era quando tinha aquele professor que mostrava interesse, entendeu, pra mim conseguir ver, se o professor não mostrava nada, não tinha nada, né.

O conteúdo básico da tevê Cultura. Hoje a televisão ajuda mais, porque hoje você vê vários contos de fadas, mas de primeiro era assim, quando você falava em contos de fadas você via poucos. Era Branca de Neve, Cinderela e o Pinóquio.

Então, quer dizer que a partir do momento que o professor de Educação Infantil, você começa a ensinar a criança, você consegue fazer com que a criança começa aprender aquilo, que o colega dele é igual a ele independente se ele é negro, se ele é índio.

Você entra naquela historia, que nem a gente fala, aquele que veio de berço pobre, que foi a luta e conseguiu alguma coisa. Ele dá valor, se formou, conseguiu entrar em uma faculdade. Ele tem um valor moral, que ele conseguiu aquilo. Agora aquele que desde criança dá um grito e o pai dá pra ele, ele nunca vai dar valor moral. E qual é o papel do educador? Formar a criança para que a

Page 316: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

316

criança tenha valores morais, porque o que mais ta faltando no adolescente hoje em dia, em muitos, principalmente, o que ta se reparando hoje em dia na mídia é valores morais, principalmente em adolescentes de classe média alta, que é aquele que tudo que ele quer, o pai dele dá.

Você vai ter que se aprofundar pra você descobrir, em um conto só quantas coisas pra trabalhar.

Eu acho assim, a gente acaba tendo um privilégio da gente ligar diretamente com a Educação Infantil e a gente passar esses conceitos do passado que não sabia o porque mas sabia que aquela historia traz alguma coisa que se encaixava no dia a dia da gente.

Essas historias quando você passa na formação para as crianças, você passa o quê? Independente de beleza você vai mostrar também todos os conceitos. Independente de beleza, independente de condição social, você tem que tá sempre em busca do seu objetivo.

Não, e passar pra criança isso, que o seu colega do lado não é inferior a você, porque ele não tem um sapato pra colocar no pé e o outro tá com a sandalinha da moda. Não, vocês dois são iguais. Aí eu acho que é assim, o papel do professor que faz o que antes de tudo ensinar pra criança os valores morais, éticos, porque eu acho que se você ensinar isso pra criança lá em cima, lá na frente à criança não vai ser aqueles adolescentes mais pra aborrescentes, filhinhos de pais de classe média que acha que tudo ele pode porque o pai dele vai defender, porque o pai dele tem dinheiro, né. Ele vai aprender que não, meu pai tem dinheiro, mas se eu fizer alguma coisa errado, eu vou ter que pagar. Eu acho assim, se você desde pequeno começar a explicar para a criança e valorizar aquilo que tem.

Temos crianças carentes, mas temos crianças de uma vida social que a gente pode dizer até que razoável. Mas elas são carentes de atenção e aí o papel nosso como educador é procurar dar atenção e procurar dar pra criança o que for de melhor pra ela.

É como já foi dito, nós já comentamos em outro encontro, apesar de ser mais acessível os livros hoje em dia, é que nem você falou, muitos não vão ter condições. Eles não tem o hábito e não conseguem encontrar um tempo e de dizer este tempo é pra mim dar uma atenção mais dirigida para o meu filho. Então, quer dizer, o papel nosso, como educadora é começar a introduzir.

Porque na verdade ele vem como se fosse um conto popular e que foi se aprimorando de historias. Porque Monteiro Lobato criou de um jeito e foram se aprimorando, aprimorando. Ele poderia muito bem ser, né? Ele poderia muito bem ser contado e colocado como um conto de fada nacional, porque ele mexe com a imaginação das crianças. E quem foi que não assistiu o Sítio do Picapau Amarelo?

Só que assim a gente que trabalha na área de Educação de certa forma quando a gente vê esses novos filminhos que

aparecem na mídia, que nós já discutimos porque que os contos brasileiros não são contos de fadas, só faz parte da literatura infantil. Não como conto de fada, você vê, a gente consegue se identificar com contos de fadas, com a historia e com a nossa historia de vida, de infância, a gente consegue se identificar cada um com uma parte da historia, às vezes, você passa em várias fases, uma hora você foi Chapeuzinho, outra hora você até Lobo Mau. A sua etapa, da sua vida toda você vai mudando as fases nos contos de fadas, digamos, às vezes, eu acho assim, a gente acaba tendo um privilégio da gente ligar diretamente com a Educação Infantil e a gente passar esses conceitos do passado que não sabia o porque mas sabia que aquela historia traz alguma coisa que se encaixava no dia a dia da gente.

Page 317: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

317

Contar uma historia, você entra na mesma porcentagem da maioria de hoje em dia. Que tão todas formadas, formando crianças pra ter gosto pela leitura e que na verdade só foi conhecer a leitura bem depois, porque os pais não tiveram tempo. A maioria está sempre falando: Meu pai trabalhava muito, não tinha tempo.

Se você não explica, ela pode repetir, mas a criança vai repetir uma ou duas vezes, mas depois ela vai perceber: - Nossa, de

novo ela vai dizer não, que não quer. Ela vai dizer que é pra eu pedir desculpas.

Só que eu acho como papel de formador e educador você está mostrando pra elas que a vida lá fora e futuramente vai ter que ter regras e limites a cumprir. Por aqui eu posso ir, por aqui eu não posso ir, porque se eu for por um caminho errado, eu vou ter que pagar por aquilo que eu estou fazendo.

E na verdade o que aconteceu? O ADI Magistério abriu um leque enorme para nós, mostrou o que deveríamos fazer e o que nunca deveríamos fazer com a criança para que não aconteça com ela o que aconteceu com a gente: - Isso está horroroso, está uma porcaria, do professor amassar a sua obra prima. Você achar que está lindo e ela amassar e jogar no lixo. E você fala: - Mas porque aquela criança quer tanto o lápis preto? O trabalho do professor é tentar descobrir porque ele quer sempre o lápis preto, será que é porque sempre ofereceram o lápis preto para ele ou porque no preto ele extravasa a raiva?

O que nós aprendemos no ADI Magistério é descobrir porque aquela criança gosta do preto e a menina da cor de rosa e porque não pode deixar o menino brincar de boneca se a menina pode brincar de carrinho?

Tereza

Eu tenho um netinho de dois anos. Eu entendo a importância de ler e de ensinar o que é contos de fadas.

No imaginário, fazer essa viagem fantástica. Que eu me lembro de quando eu atuava em sala de aula. Eu tinha um trabalho que eu fazia assim, eu mandava as crianças deitar no colchonete e eu ia contando uma historia e levando a criança a imaginação. E ele ia e ele viajava e eu viajava junto. No final tinha criança até que dormia, de tanto que sonhava, que eu conduzia. Isso nunca fizeram comigo.

Que é uma coisa que lá traz que eu já fiz em sala de aula também, tanto é que lá traz quando eu estava na sala de aula eu me lembro, eu fiz uma dinâmica, com o grupo de crianças da minha sala, crianças de cinco anos. Na época em que eu levei as crianças para o sitio do Pica-pau Amarelo numa viagem imaginária e que na verdade eu também vivi junto com as crianças e eu não esqueço desse episódio.

Bem, quando eu entrei na prefeitura. Eu antes tinha um desejo enorme de entrar, eu antes era recepcionista das Lojas Riachuelo. Então, todo holerite azul que caía na minha mão que era pra fazer crediário. Eu já perguntava: - Como que faz pra entrar na

Page 318: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

318

prefeitura? Como que faz? Tamanha era a minha vontade de entrar, até que um belo dia alguém falou: - Vai abrir inscrição lá no mercadão da Penha pra tomar conta de criança.

Lá fui eu correndo, fiz a inscrição, mandaram eu fazer a provinha de ABCD que era de nível primário. Só pra saber se eu era alfabetizada, fui, passei, mas, até então, eu não tinha noção do que era creche, do que era tomar conta do filho do outro. Eu não tinha noção de nada.

Bom, aí eu fui chamada na prefeitura. Quando eu cheguei no prédio, o prédio tinha acabado de ser inaugurado. Estava vazio, não tinha nada, nem ninguém. Éramos eu e outras companheiras que chegamos juntas. A nossa maior ansiedade, isso tudo aconteceu em 88. Então, eu e as minhas companheiras que também entrou na mesma situação que eu, queríamos saber aonde estavam as crianças. Quando que elas iam chegar.

Mas primeiro tinha que chegar os móveis, primeiro tinha que chegar as coisas da cozinha. Era muito devagar, quase parando. Nós chegamos na creche mais ou menos em abril e ela só foi funcionar depois do meio do ano, porque teve uma série de ajustes pra isso acontecer.

Bom, as crianças, nós queríamos saber das crianças. As crianças começaram a chegar e nós estávamos aqui, doida pra tomar conta das crianças. Era um tomar conta das crianças que nem mãe. Olhava a cabeça se tinha piolho, se tinha piolho a gente catava. Cortava a unha, limpava o ouvido. A fralda, naquela época, era de pano. Então, era aquela fralda que você tirava o excesso no vaso sanitário. Não tinha essa questão de luva, essa questão de todo esse cuidado. Era tudo muito rústico, tudo muito doméstico mesmo.

Foi aí que começamos dentro da sala de aula com as crianças e muitas vezes a gente contava historia. Só que pra acalmar as crianças porque a gente não sabia nada, além disso. Contava historia, por exemplo da Chapeuzinho Vermelho e aconteceu assim, mas não havia uma intenção , não havia uma reflexão, não havia nada disso.

Terezinha

É que nem o menino Gustavo, né? Que ele gosta muito da princesa, né. Ele quer se vestir de princesa. Então, tem um livro que chama O Menino que queria Ser, é bem esse jeito. Não é que ele vai ser gay um dia, porque ele gosta da princesa. É porque a princesa é uma coisa que marcou pra ele. Ela é mais bonita, a roupa dela é muito mais bonita. Ela participa muito mais da historia.

A Faculdade em si, não sabe o que é Educação Infantil. Ela acha que Educação Infantil é só brincar e cuidar. A Fundação Vanzollini fez uma pesquisa em todas as creches de várias regiões e em cima dessa pesquisa ela foi e mudou o trajeto do ADI Magistério. Então, a gente percebia que o que a gente aprendia lá, era o que a gente usava na sala. Em compensação na faculdade você escutava o professor falar um monte de coisas lá na frente. Eu acho que a maior diferença entre a Fundação Vanzollini e a Faculdade foi essa. A faculdade me deu uma base teórica, já o ADI Magistério te deu a base didática que você sabia que o que você estava aprendendo lá, você tinha condições de fazer na sala de aula.

Page 319: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

319

Walkiria

A contação de historia existe porque a gente estudou e aprendeu que teria que ta contando, fala da imaginação.

Eu era telefonista, dois empregos eu tinha e estudava à noite. Eu não tive muito contato com a historia, porque não tive quem contava, porque era eu e meu irmão e nós brincávamos à noite, quando apagava a luz. Mas brincava com gestos com a mão, no escuro, de assombração. Contava e a gente brincava, mais duas primas que eu tinha, que era filha de criação.

Então, a gente brincava de historia assim. O meu avô, às vezes, contava aquelas historias antigas de assombração. Depois a minha primeira professora disse que ia ter um concurso pra entrar na prefeitura, mas pra pajem. Então, eu me

arrisquei e fui. Não sabia nada de olhar criança, sabia de olhar um primo em casa. Tomar conta, mas de uma sala cheia não. Não tinha experiência nenhuma, eu fiz tudo que tinha que fazer. Não passei na visão, eu fui reprovada. Agora complicou, eu não vou entrar, eu fiquei inapta, porque eu não tinha óculos, não tinha dinheiro pra comprar o óculos.

Não passei, eu fiz arrecadação, comprei o óculos e voltei lá. Eu passei com o óculos, entrei e caí aqui. Cheguei aqui, vi as colegas tudo lá fora com as crianças. Tanta criança, tinha o gira gira, fui lá brincar, disfarcei e falei: -Vou dar uma de entendida. Fui lá no gira gira e estava a Terezinha. Ela falou: - Você já trabalhou? Eu falei: - Já, mas eu nunca tinha trabalhado com criança.

Fui entrando, fui vendo, fui aprendendo como elas faziam e fui aprendendo contar historia também. Ao longo dos anos, fui vendo como um faz, o outro faz, mas entrar sabendo eu não sabia não.

Page 320: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

320

Categoria de análise – 4

A ESCOLA

Professor

A ESCOLA

Ana Maria

Cecília

Bom, é difícil falar sobre a leitura porque quando eu era mais nova pra ser alfabetizada, eu tive muita dificuldade pra aprender a

ler e a escrever. Tanto que eu até repeti a 1ª série por problema (choro). É que é difícil porque mexe com o emocional, meus pais também estudaram até a 4ª série. Não tinha muito estímulo em casa, mas depois que eu fui, retornar a cursar a 1ª série novamente, tanto que tive que até, a irmã me encaminhou pra eu ir para o psicólogo.

A psicóloga me incentivava através de jogos, brincadeiras, mas ela contava historias também. Depois, quando eu me adaptei, cursei de novo a 1ª série, tive uma professora excelente, que deu aula na 1ª e 2ª séries. Foi à mesma professora, me apeguei tanto com ela e ela me incentivava muito. Ela me levava, não sei se tem hoje, sala de leitura no Ensino Fundamental. Tinha esses projetos de leitura, tinha uma professora excelente que se envolvia com esses projetos. Trabalhava até com slides, vídeos, sempre ela tinha uma historia, uma novidade, uma historia diferente. Poema, vários tipos de textos, que ela elaborava na aula. Era uma professora muito criativa e a gente sempre levava os livrinhos pra casa. E eu tinha muito interesse pelos clássicos.

Eu já tinha essa prática porque eu observava o trabalho das professoras desde o momento que eu iniciei e pelo fato de eu gostar, de eu ter feito teatro, de explorar esse mundo da fantasia. Eu até na hora de contar as historias, eu tinha muita facilidade, porque tinha os personagens. Eu me incorporava nos personagens. Era como se eu tivesse representado, como se eu estivesse num palco contando as historinhas para as crianças e eu imaginava.

Ah! Um dia eu vou fazer teatro, mas eu quero fazer teatro infantil, peça infantil, até hoje eu tenho esse sonho de um dia eu voltar a estudar teatro, porque foi um dom que despertou em mim, um talento.

Eu tinha facilidade pra decorar texto e todo mundo fala, como você consegue? Você é tão tímida, pra mim eu me escondia atrás do personagem, não era mais eu, entendeu. Tanto que até quando eu fui apresentar. Eu fiz a pós graduação, quando eu fui apresentar o TCC, eu tive que apresentar sozinha, defender a tese sozinha. Eu tive muita dificuldade e até agora pra eu falar em público eu tenho muita dificuldade.

Mas já se eu estou incorporando o personagem, já ao contrário, não sou eu, entendeu. Eu estou me escondendo atrás de um personagem. Então, eu tenho mais facilidade. Então, eu fui trilhando pra atuar como professora adquiri experiência com o Ensino Fundamental. Eu dei aula para o Ensino fundamental uns três anos. Tive mais dificuldade, justamente pelo fato de como eu fui educada, principalmente porque no Ensino Fundamental eu era muito carinhosa com as crianças. As crianças confundiam com liberdade. Então, eu queria agradar sempre. Então, eu não tinha aquele pulso firma, não sabia impor limites pra criança. Eu facilitava

Page 321: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

321

tudo pra criança. Então, o que gerava? Gerava indisciplina. Então, as crianças confundiam aquele carinho todo com liberdade. Então, logo de começo encarar o Ensino Fundamental foi muito difícil, foi um desafio enorme e já com as crianças pequenas eu já tive mais facilidade, porque eles necessitavam mais.

Eles dependem mais do carinho e da atenção da gente. Claro, que com o passar do tempo, eu comecei a ser mais enérgica, a ter uma dose de equilíbrio. Eu nunca perdi a ternura, porque eu acho que a criança pra desenvolver, ela tem que ter afetividade, mas ao mesmo tempo você tem que impor limites. Você tem que ser firme com eles e a cada dia que passa, a cada ano que atuo como professora, eu vou me aprimorando com as experiências, com os erros. Isso eu acho que é com todas as professoras são assim.

Dione

Dulcinéia

. Não tem um conto hoje que eu possa falar que foi um conto que marcou, que eu posso comparar. O que eu posso falar dos contos é que eles fazem parte da minha vida escolar mesmo. Então, hoje eu conto para os alunos.

Foi na minha vida escolar que vieram os contos, porque na infância não, mas para as crianças hoje eu trabalho contos com eles e trabalho diversas literaturas. Eu fui uma criança que não fiz a pré escola. A minha vida é assim: não tive a historia familiar, não tive a hora da historinha ou com a mãe ou com o pai e também não tive a parte da Educação Infantil na minha vida.

Já fui direto com sete anos, já fui pro primeiro ano. Então, as historias que lá eu ouvia, já eram historias que já estavam embutidas nos livros didáticos. Eu também tive essa parte da infância de chegar da escola, de sentar, ter prazer por assistir o Sítio do Pica-pau. Era legal estar assistindo, mas eu não me via em nenhum daqueles personagens apresentados. Eu assistia porque gostava, porque isso encanta a criança. Então, eu me encantava também porque eu era criança.

Então, isso me encantava e é isso que norteia a minha vida, sem uma comparação com um conto. Não tem um conto, a princesa ou a Branca de Neve. Historias que eu gosto eu conto todas pras crianças porque eu sei a importância que tem de você contar pra criança. Mas eu gosto daquela historia que envolve a criança, porque pra mim envolver um personagem, por exemplo, como só a Branca de Neve que não era uma criança, eu gosto das historias que tenham as próprias crianças pra você retratar. Esse tipo de historias são historias que eu gosto.

Page 322: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

322

Edina

A televisão chegou e a gente passou a ver mais televisão. Em 69, foi mais ou menos quando a minha mãe adquiriu um

aparelho de tevê. Na escola eu não me recordo de ter lido nenhum livro na minha infância. Não me recordo da professora ter falado alguma coisa pra mim sobre livros. Eu só me recordo de uma bronca que eu levei da professora e me marcou muito, a professora de matemática.

Eliana

Eu não lembro quando eu era criança de algum professor contar historia pra mim. Eu me lembro mais de ter assistido contos de fadas através da televisão.

Márcia de Fátima

Márcia Polessi

Ela era professora e a gente tinha a parada todo mês, a gente tinha parada pra Reunião Pedagógica. Aí vinha um pessoal, as

técnicas e orientava a gente a fazer isso e aquilo. E a gente foi caminhando. O que me marcou muito na contação de historia, que eu como eu poderia contar historias sentada numa roda, se eu nunca tinha visto ninguém trabalhar com contação de historia. O que me pegou? Foi à necessidade, a sobrevivência porque eu vi uma sala pegando fogo e tinha três livrinhos em cima do balcão. Não tinha nem prateleira de historia, já tinha dado parque, já tinha dado motinha, já tinha dado carrinho pra aquelas crianças e elas pegando fogo.

Olha o livrinho da Branca de Neve, quem que conhece a Branca de Neve e eles pararam. Aí eu falei: Vamos sentar! Mas nós não sentamos em roda, nós sentamos assim, era a lousa sem colchonete, sem nada. Foi assim de sopetão. Sentava onde queria e começamos a contar historia, sem mostrar pra criança, sem mostrar a figura pra criança. Aí contamos e acabou sendo uma prática que acalmava a criança. E foi indo, foi indo, foi indo.

Maria Aparecida

Page 323: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

323

Maria da Penha

Maria Edlene

Maria Lúcia

Noelina

Norma

É verdade, às vezes, eu percebia alguns problemas de disciplina com a criança, uma tristeza. Então, você procura uma historia que condiz com aquele problema da criança. Você acaba contando aquela historia, não mencionando o nome da criança.

A criança vai acabar se relacionando e tendo como trabalhar o problema. Mesmo, às vezes, brigas em casa e ele vem triste, porque a mãe qualquer coisa. Então, a gente contando uma historia, a criança acaba vendo aquela historia. Ela vai falar do problema e vai conseguir problematizar.

Paula

Bom, minha vida profissional no momento me fez lembrar. Eu até li ontem pras crianças foi a historia dos três porquinhos, porque desde que eu pensei em cursar pedagogia e ser professora. O meu objetivo sempre foi trabalhar na EMEI. É um lugar que desenvolve um trabalho legal com as crianças, é uma faixa etária que eu gosto de trabalhar e a primeira vez que eu comecei a trabalhar mesmo foi em escola particular. E na escola particular a gente é muito podada, não era muito, mas éramos. Seguimos algumas coisas que, às vezes, você não concorda, mas é o seu emprego e você tem que respeitar a linha pedagógica da escola.

Na escola pública, está tendo cada vez mais mistura de classe social. A gente vê por aqui que numa sala, tem uma família que mal tem dinheiro pra comer e criança na sala que viaja de avião, que tem tevê a cabo mesmo, tem carro novo. Então, cada vez mais na escola pública, as pessoas tão entendendo que é direito da criança não é pra quem não tem dinheiro e cada vez mais a gente vai ter que lidar com essas diferenças aqui dentro.

Silvia

Page 324: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

324

Simone

Você aprendia determinado assunto, trazia aquele assunto para dentro da aula e na outra aula dava a devolutiva para o professor, de como você desenvolveu aquele tema na sua sala.

Você tinha que fazer um exercício de outros olhares, sobre aquilo que você estava habituado a fazer há tanto tempo. E buscar nesse fazer outros olhares, o que mais você podia absorver da criança nessa atividade que você dava sempre.

A gente tinha que ir buscando, exercitando isso, para hoje a gente chegar onde a gente está. E a dificuldade que eu lembro, na creche que eu trabalhava só podia pedir material na sexta - feira, para você trabalhar durante a semana. O que você planejou durante a semana seguinte, você pedia na sexta - feira para trabalhar. Só que nós tivemos uma reposição no horário de aula que era o HTPC, para ser feito na sala de aula no sábado. Na segunda - feira já ia ter a devolutiva para ela porque era uma aula de reposição da aula da segunda. Houve a falta da professora. Depois no sábado e na segunda, ela já queria saber o resultado dessa reposição e eu não tinha o material, porque não me deram material para trabalhar aquela atividade.

Eu tive que sair correndo nas outras salas, procurando alguém que tivesse um pouquinho de material para me dar, para eu poder fazer. Eu acho que isso dificultou bastante o desempenho dos trabalhos dentro da sala de aula em relação ao que a gente aprendia.

Nós viemos de uma educação que o professor falava: - Pinta aqui, desenha uma casa.

Sueli

Na minha época de escola eu tive um professor que me contava muita historia. Eu fui aprender historia mesmo, tipo contos de fadas, acho que já estava na 4ª série. Nos primeiros anos não. Era aquele negócio, você pega o livro, você folheia. Eles não passavam conto de fadas, só na 4ª série mesmo.

Que tinha contos, porque até aí não eram contos de fadas, era historia como qualquer outra, não se via como contos. E eu

também tinha aquele negócio, meus pais trabalhavam o dia todo, os dois. E eu também não tinha aquele acesso a livros. As poucas vezes que eu via contos de fadas, era quando tinha aquele professor que mostrava interesse, entendeu, pra mim conseguir ver, se o professor não mostrava nada, não tinha nada.

Que nem a Branca de Neve, os outros contos de fada, que de certa forma dentro de uma instituição educacional, não só de

CEI, é bem dizer, quase que te imposto a você contar esse conto de fadas. Ele faz parte do conto de fada, mas é assim, vamos supor, acaba que nem no nosso caso. Aqui já recebemos dois mil livros,

já teve um ano que chegamos a receber mil livros, não tinha um do Sítio do Pica-pau Amarelo.

Page 325: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

325

Não, e passar pra criança isso, que o seu colega do lado não é inferior a você, porque ele não tem um sapato pra colocar no pé e o outro está com a sandalinha da moda. Não, vocês dois são iguais. Eu acho que é o papel do professor, que faz o que, antes de tudo ensinar pra criança os valores morais, éticos, porque eu acho que se você ensinar isso pra criança lá em cima, lá na frente à criança não vai ser aqueles adolescentes mais pra aborrescentes, filhinhos de pais de classe média que acha que tudo ele pode porque o pai dele vai defender, porque o pai dele tem dinheiro. Ele vai aprender que não, meu pai tem dinheiro, mas se eu fizer alguma coisa errado, eu vou ter que pagar. Eu acho se você desde pequeno começar a explicar para a criança e valorizar aquilo que tem.

Eu fiz o ADI Magistério de dois anos, porque aqui no CEI eu era uma das únicas que tinha o Segundo Grau, o Ensino Médio

incompleto. A diretora, a Sônia falou: - Faz como se você tivesse só o Primeiro Grau, eu fui da primeira turma. Onde o ADI Magistério, abriu muito mais caminho que a faculdade. Porque na faculdade nós trabalhamos o teórico e o ADI Magistério estava voltado para a Educação Infantil. Na verdade, o ADI Magistério foi o que? Eles estavam buscando das ADIs ou das antigas pajens, buscando colocar no papel o que a gente já fazia na prática. Não tinha plano de aula.

Tanto que as divisões do ADI eram: Orientações Pedagógicas, Orientações da Prática Educativa, porque ali você tinha o estágio de horas, mas era feito tudo em sala de aula. Eu tinha que aplicar na criança o capítulo anterior que eu fiz e na próxima aula levar para ela e relatar, qual foi à reação da criança, como ela se comportou. É o que nós aprendemos.

A prática nós tínhamos, nós estávamos aprendendo a desenvolver mais, elaborar mais aquela prática que a gente já executava, mas a gente sempre naquela coisa. Qual a intencionalidade? Qual a importância?

Tereza

Nem na escola. Eu não me lembro de que nem na escola eu tive essa. Eu não me lembro mesmo. Aí, bom, voltando. Eu cheguei na creche, tive contato com esses livrinhos de historia que até então eu nem sabia muito o significado na íntegra, mas fui aprendendo. Fui construindo um conhecimento que aqueles livrinhos eram os contos de fadas. A historia da Branca de Neve, a historia da Rapunzel, a historia da Chapeuzinho Vermelho.

Terezinha

É que nem o menino Gustavo, né? Que ele gosta muito da princesa, né. Ele quer se vestir de princesa. Então, tem um livro

que chama O Menino que queria Ser, é bem esse jeito. Não é que ele vai ser gay um dia, porque ele gosta da princesa. É porque a princesa é uma coisa que marcou pra ele. Ela é mais bonita, a roupa dela é muito mais bonita. Ela participa muito mais da historia.

Ela aparece mais na historia. Então, provavelmente foi isso que chamou a atenção dele. Não o fato dele em si, da roupa,

Page 326: A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS …arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/principal/old/mestrado... · de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros

326

não dele gostar da roupa de mulher. Uma coisa não tem nada a ver com a outra e tem pessoas que ficam, né, tipo podando ele, porque eles acham que esse aí não sei não.

Faz uns quarenta anos e até hoje eu me lembro disso. Eu levantei e mostrei o desenho para a professora que estava sentada no lugar dela e ela olhou meu desenho e falou: - Está uma porcaria. Amassou e jogou no lixo. Hoje eu tenho grandes imaginações. Eu crio na minha cabeça, mas se eu for passar para o papel eu não consigo. Então, eu passo para outra pessoa e a pessoa desenha para mim. Se eu tiver que desenhar... Eu consigo imaginar o que eu quero e tudo, mas na hora de passar para o papel não sai.

Eu contei a historia do João e Maria e a criança levantou e perguntou para mim: - Tia, porque o pai do João e Maria deixou eles na floresta? Eu disse: - Porque ele não tinha dinheiro para comprar comida. –Tia, por que ele não trouxe eles para a creche?

Walkiria