6679413 acesso e cia da populacao negra no ensino superior

Upload: sergio-lima

Post on 30-May-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    1/342

    EDUCAOPARATO

    DOS

    CO

    LE

    O

    Acesso e

    Permannciada PopulaoNegra no

    Ensino

    Superior

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    2/342

    Lanada pelo Ministrio da Educao

    e pela UNESCO em 2004, a Coleo

    Educao para Todos, um espao para

    divulgao de textos, documentos, relat-

    rios de pesquisas e eventos, estudos de

    pesquisadores, acadmicos e educadores

    nacionais e internacionais, que tem por fi-

    nalidade aprofundar o debate em torno da

    busca da educao para todos.

    A partir desse debate espera-se pro-

    mover a interlocuo, a informao e a

    formao de gestores, educadores e de-

    mais pessoas interessadas no campo da

    educao continuada, assim como rea-

    firmar o ideal de incluir socialmente um

    grande nmero de jovens e adultos, ex-

    cludos dos processos de aprendizagem

    formal, no Brasil e no mundo.

    Para a Secretaria de Educao Con-

    tinuada, Alfabetizao e Diversidade (Se-

    cad), rgo, no mbito do Ministrio da

    Educao, responsvel pela Coleo, a

    educao no pode separar-se, nos deba-tes, de questes como desenvolvimento

    socialmente justo e ecologicamente sus-

    tentvel; direitos humanos; gnero e diver-

    sidade de orientao sexual; escola e pro-

    teo crianas e adolescentes; sade e

    preveno; diversidade tnico-racial; pol-

    ticas afirmativas para afrodescendentes e

    populaes indgenas; educao para as

    populaes do campo; educao de jo-vens e adultos; qualificao profissional e

    mundo do trabalho; democracia, tolerncia

    e paz mundial.

    O livro Acesso e Permanncia da Po-

    pulao Negra no Ensino Superior rene

    12 artigos de pesquisadores(as) que en-

    focam experincias e estratgias formais

    e informais para promoo da permann-

    cia de estudantes negros(as) nas univer-

    sidades pblicas brasileiras, assim como

    o significado dessa presena. A finalida-

    de das pesquisas foi identificar e analisar

    as estratgias e prticas bem sucedidas

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    3/342

    Acesso ePermanncia

    da PopulaoNegra no

    EnsinoSuperior

    EDUC

    AOPARATOD

    OS

    CO

    LE

    O

    Organizao:Maria Auxiliadora Lopes

    Maria Lcia

    de Santana Braga

    Braslia, abril de 2007

    1a Edio

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    4/342

    Edies MEC/Unesco

    SECAD Secretaria de Educao Continuada,Alfabetizao e Diversidade

    Esplanada dos Ministrios, Bl. L, sala 700Braslia, DF, CEP: 70097-900Tel: (55 61) 2104-8432Fax: (55 61) 2104-8476

    Organizao das Naes Unidas paraa Educao, a Cincia e a Cultura

    Representao no BrasilSAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/Unesco,9 andar Braslia, DF, CEP: 70070-914Tel.: (55 61) 2106-3500Fax: (55 61) 3322-4261Site: www.unesco.org.brE-mail: [email protected]

    http://www.unesco.org.br/mailto:[email protected]:[email protected]://www.unesco.org.br/
  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    5/342

    EDUC

    AOPARATOD

    OS

    CO

    LE

    O

    Acesso ePermanncia

    da PopulaoNegra no

    EnsinoSuperior

    Organizao:Maria Auxiliadora Lopes

    Maria Lcia

    de Santana Braga

    Braslia, abril de 2007

    1a Edio

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    6/342

    2007. Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad) eOrganizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco)

    Conselho Editorial da Coleo Educao para Todos

    Adama OuaneAlberto MeloClio da CunhaDalila ShepardOsmar FveroRicardo Henriques

    Coordenao Editorial

    Maria Auxiliadora Lopes e Maria Lcia de Santana Braga

    Diagramao: Supernova DesignReviso: Sarah Pontes

    1a EdioTiragem: 5.000 exemplares

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Acesso e Permanncia da populao negra no ensino superior / Maria Auxiliadora Lopes e MariaLcia de Santana Braga, organizao. Braslia : Ministrio da Educao, Secretaria deEducao Continuada, Alfabetizao e Diversidade : Unesco, 2007.

    358 p. (Coleo Educao para Todos ; v. 30)

    ISBN 978-85-60731-06-0

    1. Ao afirmativa. 2. Poltica de incluso social. 3. Negros. 4. Permanncia na escola. 5. Acesso educao. I. Lopes, Maria Auxiliadora. II. Braga, Maria Lcia III. Brasil. Secretaria de EducaoContinuada, Alfabetizao e Diversidade. IV. Unesco.

    CDU 37.014.053

    Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bem comopelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da Unesco e do Ministrio daEducao, nem comprometem a Organizao e o Ministrio. As indicaes de nomes e a apresentaodo material ao longo deste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da Unesco

    e do Ministrio da Educao a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regioou de suas autoridades, nem tampouco a delimitao de suas fronteiras ou limites.

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    7/342

    Apresentao

    A Lei n 10.639, sancionada em 2003, tornou obrigatrio o ensino da Histriada frica e da Cultura Afrobrasileira nas escolas de Educao Bsica brasileiras.Desde ento, a fim de que sejam criadas as condies necessrias para colocarem prtica o que a Lei preconiza, diversas aes vm sendo implementadas peloMinistrio da Educao, especialmente por intermdio da Secretaria de EducaoContinuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad/MEC).

    Nesse contexto, um tipo de ao estratgica a promoo de estudos epesquisas sobre excluso social, discriminao e desigualdade tnico-racial nasinstituies de educao e ensino. Os resultados desses estudos permitem es-truturar uma base conceitual, ampliar a compreenso das questes envolvidas esubsidiar a formulao de polticas pblicas mais abrangentes e eficazes.

    Com essa linha de ao busca-se alm da revalorizao da identidadecultural da populao negra analisar estratgias e prticas bem-sucedidas volta-das para a ampliao do acesso, permanncia e concluso de estudantes indge-

    nas e negros(as) no ensino mdio e superior.O livro Acesso e Permanncia da Populao Negra no Ensino Superiorrene

    artigos sobre experincias e estratgias, formais e informais, dirigidas a estudantesde diferentes contingentes raciais, matriculados em universidades pblicas de quatroregies do Brasil. Os artigos tambm analisam o significado da ampliao dessapresena em espaos ocupados historicamente, de forma majoritria, por brancos.

    A partir dessas pesquisas de campo, foi possvel estudar prticas dessa na-tureza desenvolvidas nas instituies de ensino superior e apresentar avaliaes

    sobre casos de programas bem-sucedidos ou sobre a ausncia de aes paraa incluso e permanncia qualificada de estudantes negros(as) nas respectivasuniversidades.

    Com esse livro, o Ministrio da Educao espera contribuir para a expan-so de polticas pblicas educacionais que promovam a incluso e a cidadaniaplena, baseada nos valores de igualdade, liberdade, pluralidade e participao detodos(as) os(as) cidados(s).

    Ricardo Henriques

    Secretrio de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    8/342

    Sumrio

    Introduo 11

    Prefcio 17

    Regio Nordeste

    Acesso e Permanncia de Negros(as) no Ensino Superior:

    o caso da UFBA

    Dyane Brito Reis 49

    Polticas Pblicas para Permanncia da Populao

    Negra no Ensino Superior: o caso da Uneb

    Taynar de Cssia Santos Pereira 71

    As Estratgias de Estar e Permanecer da Juventude Negra

    na Universidade: representaes e percepes dos(as)

    estudantes da Ufal

    Jos Raimundo J. Santos 89

    Regio Centro-Oeste

    Universidade Plural, Pas de Cidados: aes afirmativas desafiando

    paradigmas na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

    Vera Lcia Benedito 113

    Significados da Permanncia da Populao Negra no Ensino

    Superior: o caso da Universidade Estadual de Gois

    Waldemir Rosa 143

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    9/342

    Regio Sudeste

    O Programa Aes Afirmativas na UFMG e os Conflitos em Tornode uma Proposta de Permanncia de Estudantes Negros(as)

    Marcus Vincius Fonseca 161

    Insero de Alunos(as) Negros(as) na Universidade Estadual

    de Campinas: estudo de caso do Programa de Ao Afirmativa

    e Incluso Social (Paais)

    Alessandro de Oliveira Santos 187

    Aes Comunicativas da Juventude Negra na USP:

    a experincia do Programa Raa, Desenvolvimento

    e Desigualdade Social, Brasil Estados Unidos

    Rosangela Malachias 207

    O Desafio da Permanncia do(a) Aluno(a) Negro(a) no Ensino

    Superior: o caso da Universidade Federal Fluminense

    Jos Geraldo da Rocha 251

    A Permanncia da Populao Negra na Universidade do

    Estado do Rio de Janeiro: significados, prticas e perspectivas

    Maria Clareth Gonalves Reis 271

    Regio Sul

    Permanncia de Negros(as) na Universidade Federal

    do Paran: um estudo entre 2003 e 2006

    Marcilene Lena Garcia de Souza 297

    A Permanncia da Populao Negra na Universidade

    Estadual de Londrina

    Georgina Helena Lima Nunes 319

    Sobre Autores e Autoras 349

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    10/342

    11

    Introduo

    Em 2006, a Coordenao-Geral de Diversidade e Incluso Educacional,vinculada ao Departamento de Educao para a Diversidade e Cidadania da Se-cretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade do Ministrio da

    Educao, promoveu a realizao de pesquisas sobre acesso e permanncia dapopulao afrodescendente e indgena no ensino superior, com nfase na anlisede experincias de estudantes negros(as) seus olhares e estratgias formais ouinformais e no significado dessa presena para as universidades brasileiras.

    Essa iniciativa teve por objetivo constituir base conceitual e coletar insumostanto para o desenvolvimento de estudos e pesquisas posteriores, quanto para aformulao de polticas pblicas permanentes de incluso social e tnico-racial nombito dos ensinos mdio e superior. Ao mesmo tempo, ela se articula com as

    finalidades do Programa Diversidade na Universidade, que integra o Plano Pluria-nual de Atividades, 2004-2007, do Governo Federal, e conta com financiamento doBanco Interamericano de Desenvolvimento.

    Foram selecionados(as), por meio de uma chamada pblica, doze pesquisa-dores(as) e definidas as instituies pblicas de ensino superior, federais e esta-duais nas quais deveriam ser feitos os estudos de caso e a coleta de dados, tendoem vista as vrias formas de ingresso (mediante formas tradicionais de acesso,por cotas ou outros tipos de aes afirmativas) e as especificidades locais e re-gionais, bem como a relevncia das experincias em execuo nas respectivasuniversidades.

    As regies e instituies pesquisadas foram as seguintes: na regio Nordeste Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Universidade Federal da Bahia (UFBA)e Universidade Estadual da Bahia (Uneb); Centro-Oeste Universidade Estadualde Gois (UEG) e Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS); Sudeste Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Estadual do Rio deJaneiro (Uerj), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade de So Paulo(USP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); na Regio Sul Universi-

    dade Estadual de Londrina (UEL) e Universidade Federal do Paran (UFP).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    11/342

    12

    As pesquisas enfocaram o significado e a qualidade da permanncia de es-tudantes negros(as) nas universidades pblicas. Os pesquisadores(as), alm da

    qualidadeda permanncia desses jovens nas universidades, ativeram-se aos novosdesafios que estudantes, suas comunidades de origem e a comunidade acadmicapassam a enfrentar medida que os esforos se dirigem promoo de um mundosocial mais solidrio e humanamente diversificado.

    Os questionamentos que orientaram as pesquisas concentraram-se nos se-guintes aspectos: em que medida a adoo de aes afirmativas para o ensinosuperior modifica o padro de sociabilidade e a percepo das relaes tnico-ra-ciais na sociedade brasileira e nas universidades? Tais aes e os discursos mudama compreenso sobre existncia ou a percepo de tratamento diferenciado entreos diferentes grupos tnico-raciais na sociedade em geral e na universidade emparticular? Como essas novas aes tm repercutido e quais so seus efeitos nosprocessos de (re)configurao identitria dos diferentes contingentes raciais presen-tes nas universidades? Quais sos os efeitos desse processo sobre as possveisreatualizaes do mito da democracia racial brasileira?

    As pesquisas investigaram as possibilidades da construo de canais paraa expresso democrtica desse novo olhar seus anseios, esperanas e saberes em diferentes universidades e em diferentes momentos de implementao dasaes afirmativas de acesso e permanncia da populao negra. Foram analisadasexperincias com mais de trs anos de implementao como as da UniversidadeEstadual de Mato Grosso do Sul, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Uni-versidade Estadual de Londrina, Universidade do Estado da Bahia e UniversidadeFederal do Paran; experincias de universidades que recentemente aderiram aosistema de cotas como o caso da Universidade Estadual de Gois; experinciasde universidades que possuem programas de ao afirmativa, fruto da iniciativa degrupos de professores e estudantes Universidade Federal de Minas Gerais e a

    Universidade Federal Fluminense; e experincias de universidades que abrigam pro-gramas de intercmbio, transformados em ao afirmativa para a juventude negrae indgena caso da Universidade de So Paulo; e, finalmente, aes de univer-sidades que optaram por criar alternativas ao sistema de cotas como no caso daUniversidade Estadual de Campinas.

    No prefcio do livro, Rogrio Diniz Junqueira, autor do Termo de Refernciaque deu origem s pesquisas relatadas neste livro, condensa o debate mais amplosobre o significado da permanncia de estudantes negros(as) no ensino superior,

    com destaque para o valor educacional da diversidade, e detalha os eixos nortea-dores das pesquisas realizadas. Em seguida esto os artigos escritos pelos pesqui-

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    12/342

    13

    sadores selecionados, organizados em quatro captulos, intitulados de acordo coma respectiva regio.

    O primeiro captulo, Regio Nordeste, rene trs artigos. Em Acesso e Perma-nncia de Negros(as) no Ensino Superior: o caso da UFBA, Dyane Brito Reis avaliao programa de acesso e permanncia de estudantes negros(as) da Universidade Fe-deral da Bahia. A pesquisadora analisou, a partir de pesquisa com 100 estudantes,como as experincias e estratgias institucionalizadas ou no podem assegurara permanncia dos estudantes negros no ensino superior. No segundo artigo, Polti-cas Pblicas para Permanncia da Populao Negra no Ensino Superior: o caso da

    Uneb, Taynar Santos Pereira analisa as experincias da Universidade Estadual daBahia e aponta fortes indcios de que transformaes positivas no campo da edu-cao podem derivar de uma proposta coletiva. No artigo As Estratgias de Estar ePermanecer da Juventude Negra na Universidade: representaes e percepes de

    estudantes da Ufal, o professor Jos Raimundo Santos buscou apreender as estra-tgias formais e informais de permanncia da populao negra no ensino superior assim como a percepo e a representao do estar na universidade e o graude envolvimento da instituio nas polticas de acompanhamento e permanncia dajuventude negra, a partir das redes de sociabilidade de estudantes cotistas inseridosno programa Afroatitude realizado na Universidade Federal de Alagoas.

    No segundo captulo, Regio Centro-Oeste, o artigo Universidade Plural, Pasde Cidados: aes afirmativas desafiando paradigmas na Universidade Estadual deMato Grosso do Sul, de Vera Lcia Benedito, apresenta cinco eixos narrativos, comdestaque para o sistema de reserva de vagas adotado pela UEMS; a experinciaacadmica e o significado da presena de estudantes negros(as) naquela instituio,o surgimento de perspectivas promissoras e os aspectos institucionais que reque-rem ateno imediata. No artigo seguinte, Significados da Permanncia da Popula-o Negra no Ensino Superior: o caso da Universidade Estadual de Gois, Waldemir

    Rosa, mostra que as experincias de permanncia de estudantes negros(as) naUEG se fundamentam, basicamente, nas estratgias informais e de apoio financeirofamiliar, refletindo dimenses e impactos do racismo na trajetria da juventude.

    No captulo Regio Sudeste, so apresentados cinco artigos. O primeiro, deMarcus Vincius Fonseca, denominado O Programa de Aes Afirmativas na UFMG eos Conflitos em Torno de uma Proposta de Permanncia de Estudantes Negros(as),analisa as modificaes promovidas na vida da Faculdade de Educao da Univer-sidade Federal de Minas Gerais e seu impacto na trajetria dos estudantes. O se-

    gundo, Insero de Alunos(as) Negros(as) na Universidade Estadual de Campinas:estudo de caso do Programa de Ao Afirmativa e Incluso Social (PAAIS), de auto-

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    13/342

    14

    ria de Alessandro de Oliveira Santos, mostra que o programa, construdo com basenos princpios da autonomia universitria e do mrito, tem como desafios avanar

    na incluso de estudantes negros e indgenas com baixa renda familiar, promoverdiscusses sobre desigualdade tnico-racial e aes afirmativas junto comunidadeuniversitria e acompanhar, de forma mais prxima, a insero na Universidade dosalunos beneficiados. No artigo Aes Comunicativas da Juventude Negra na USP: aexperincia do Programa Raa, Desenvolvimento e Desigualdade Social, Brasil-Es-

    tados Unidos, Rosngela Malachias apresenta um estudo baseado na experinciado referido Programa, que patrocinado pela Coordenao de Aperfeioamento dePessoal de Nvel Superior do Ministrio da Educao (Capes/MEC). O estudo revelaque esse Programa atraiu e aprovou candidatos(as), que se tornaram intercambis-

    tas, gerando uma onda de aes comunicativas, as quais propiciaram alto ndicede concesso de bolsas a estudantes negros em um setor extremamente elitista,que o intercmbio acadmico. No quarto artigo, O Desafio da Permanncia do(a)Aluno(a) Negro(a) no Ensino Superior: o caso da Universidade Federal Fluminense,Jos Geraldo da Rocha apresenta os resultados de sua pesquisa. Para o pesqui-sador, os dados sugerem que essa permanncia est condicionada superaoda concepo universalista de poltica pblica e que as aes especficas voltadaspara a incluso do negro demandam uma nova compreenso do significado de m-rito acadmico no ambiente universitrio, o qual necessita de um ambiente pluralque valorize e respeite a diversidade sob pena de atentar contra a democracia ea dignidade humana no processo de desenvolvimento do pas. No ltimo artigo docaptulo, A Permanncia da Populao Negra na Universidade do Estado do Rio deJaneiro: significados, prticas e perspectivas, Maria Clareth Gonalves Reis analisaos efeitos dos programas de permanncia na Uerj, uma das primeiras universidadesa adotar o sistema de cotas.

    O ltimo captulo do livro, Regio Sul, apresenta pesquisas realizadas porduas investigadoras. Marcilene Lena Garcia de Souza, no artigo Permanncia denegros(as) na Universidade Federal do Paran: um estudo entre 2003 e 2006, almde analisar o processo de construo e consolidao do Programa de Incluso So-cial e Racial da UFPR, estuda o perfil dos alunos ingressantes de 2003 a 2006e o ndice de evaso e rendimento acadmico dos participantes do programa,demonstrando que, de modo geral, a populao negra que ingressou antes daaprovao do programa de cotas estava numa situao de vulnerabilidade sociale econmica muito maior quando comparada aos alunos brancos. J GeorginaHelena Lima Nunes, em seu artigo A Permanncia da Populao Negra na Univer-

    sidade Estadual da Londrina, analisa o papel do movimento social negro na imple-

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    14/342

    15

    mentao das polticas afirmativas adotadas pela UEL, os programas Afroatitudee Uniafro e as vozes de seus participantes, bem como as relaes familiares como

    estruturas presentes no acesso e na permanncia de alunos(as) negros(as) naquelauniversidade. Trata tambm das mudanas que a universidade precisa implementarno que diz respeito questo da diversidade tnico-racial presente em seu interior.

    Os artigos apresentados nesta publicao mostram que as polticas de aoafirmativa que contemplam acesso e permanncia so fundamentais para garantirmaior presena de negros, indgenas e outros grupos nas universidades, no merca-do de trabalho e na mdia. Indicam tambm que a sociedade brasileira e as univer-sidades somente ganharo com a diversidade tnico-racial em seus campiuniversi-trios e que o mapeamento da excluso social, da discriminao e da desigualdaderacial no ensino superior, interessa, tanto produo cientfico-acadmica quanto formulao de polticas pblicas.

    O propsito desse livro dar visibilidade diversidade tnico-racial, valori-zando-a, respeitando-a, promovendo-a na pluralidade de suas manifestaes. Este um dever do Estado que foi por muito tempo negligenciado. Acreditamos que auniversidade , por excelncia, o locusda pluralidade de formao, de produode conhecimentos e de consolidao de direitos. Nela e a partir dela, os estu-dantes negros(as) e no negros(as) podero contribuir de modo decisivo para aconstruo de propostas e solues para os variados problemas que acometem asociedade brasileira.

    Maria Auxiliadora Lopes

    Coordenadora-Geral de Diversidade e Incluso Educacional

    Maria Lcia de Santana Braga

    Coordenadora de Estudos e pesquisas

    (Organizadoras)

    .

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    15/342

    17

    Prefcio

    O crescente emprego de medidas de ao afirmativa na seleo de estu-dantes em instituies pblicas e privadas de ensino coloca-nos diante de umasrie de temas que dizem respeito a questes de ordem poltica, jurdica, organi-zativo-institucional, econmica e acadmica. No plano microssociolgico, concerne

    s possveis diferenas de perceber e diferenci-las por parte das pessoas direta-mente envolvidas. Alm disso, diz respeito s diferentes possibilidades que essaspessoas tm para conferir significados a elas e, ao mesmo tempo, ressignificarem-se em termos identitrios e moverem-se segundo estratgias formais e informaispara garantir a permanncia na universidade. Confrontar essas diferentes dimen-ses pode ser um dos caminhos para compreendermos no apenas o significadodessas medidas, mas tambm o de uma nova1 presena de estudantes negros enegras no espao universitrio brasileiro.

    Com vistas a assegurar a permanncia (e, especialmente, uma permann-cia de qualidade) de estudantes negros(as) no ensino superior, um dos primeirosinterrogativos que costuma vir mente se refere necessidade de entendermoscomo tais experincias e estratgias se definem. Mais que isso, preciso ver emque medida tais experincias e estratgias se articulam e se de maneira institucio-nalizada ou no. Alm disso, importa considerar possveis modalidades informaisque, antes do ingresso na universidade, se delineiam, em termos de formao deredes de solidariedade.

    A identificao e a compreenso de prticas, mtodos e experincias (exi-tosas ou no) podem, entre outras coisas, fornecer subsdios para a formulaode polticas para a ampliao das possibilidades, de um lado, de permannciade jovens negros(as) no ensino superior e, de outro, de insero qualificada nosdemais campos sociais da sociedade, a fim de possibilitar-lhes oportunidades demobilidade social.

    1 Nova presena porque, onde adotadas polticas de incluso universitria de negros(as), ela no seria maisto esmagadoramente minoritria, mas garantida e qualificada por instrumentos institucionais de acesso. Talpresena, evidentemente, se articula com a de negros(as) que l entraram antes que medidas afirmativas

    tivessem lugar e que no podem jamais ser esquecidos(as) no mbito de pesquisas sobre a permannciade negros(as) no ensino superior.

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    16/342

    18

    Alm disso, fundamental refletir acerca dessa nova presena negra nauniversidade brasileira e seu potencial de transformar um campo que, at agora,

    constituiu um espao de formao de profissionais de esmagadora maioria no-negra, em uma sociedade que, historicamente, insistiu em valorizar um nico com-ponente civilizatrio simultaneamente, branco, masculino e heterossexual. Assim,tal valorizao contribui para no s configurar trajetrias educacionais e escolhasprofissionais, mas, sobretudo, reificar e ulteriormente discriminar todos aqueles eaquelas que no correspondessem s disposies do arsenal (a um s tempo, ain-da que de maneira variada) racista, sexista, homfico e heteronormativo.2

    Desse modo, preciso refletir acerca do impacto social e do significado daentrada cada vez maior de um contingente populacional que esteve alijado da pos-sibilidade de aceder em grande nmero universidade, que, assim, tambm seconfigurou como um espao de reproduo, ampliao e institucionalizao do ra-cismo e, por conseguinte, um importante elemento na estruturao, preservaoe atualizao de um padro de relaes sociais inquo, pois hierarquizado, discri-minatrio, excludente e cravado de disposies socioculturais desumanizantes enaturalizadoras.

    suprfluo lembrar que a universidade brasileira no cumpre tal papel iso-ladamente. Foi na trama de suas prticas educacionais, polticas e administrativas,tecida na articulao com outros setores da sociedade, que ela prestou importantecontribuio para a construo social da invisibilidade da diversidade tnica e racial(e no somente essas) da populao brasileira, baseando-se, entre outros fatores,em formulaes e enunciaes que ainda insistem em urdir e articular conjuntosde representaes segundo as quais haveria, no pas, uma homogeneidade tnico-racial, fruto de uma miscigenao bem-sucedida, ao sabor da democracia racial.

    Importa agora, tanto em termos cientfico-acadmicos quanto de polticaspblicas, reconhecer a diversidade, promover a pluralidade dinmica de suas ma-

    nifestaes e manter uma postura crtica tanto no que concerne s relaes de

    2 Marcadores identitrios relativos a cor, raa, etnia, corpono se constroem separadamente e sem fortesresses sociais concernentes a outros marcadores sociais, como sexo, gnero, orientao sexual, idade,condio fsico-mental, classe, origem(social, geogrfica etc.), entre outros. Tanto estes quanto aqueles nopoderiam ser considerados de maneira isolada e sem levar em considerao os contextos de produo deseus significados, os mltiplos nexos que estabelecem entre si e os mtuos efeitos que produzem. DeborahBritzman (2003) observa: o corpo no pode ser vivido a prestaes, e, considerados em conjunto, os mar-cadores do corpo agem uns sobre os outros de maneira que se afiguram imprevisveis e surpreendentes.Assim, preciso tambm dedicar particular ateno a processos de construo de identidades tnicas, ra-ciais ou racializadas, pois esses tendem a se dar em torno da produo e da circulao de representaessociais naturalizadoras no apenas acerca ou a partir das noes de etnia e de raa, mas tambm das de

    corpo, gnero e sexualidade, entre outras. Nesse caso, racismo, sexismo e homofobia podem se encontrare se reforar.

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    17/342

    19

    poder historicamente construdas, quanto s que o prprio enfrentamento da situa-o de opresso pode reconfigurar ou produzir.

    A diversidade, como fenmeno ou conceito, estende-se muito alm da negri-tude, da afrodescendncia, bem como de qualquer idia de raa, de origem tnicaou de pertena sociocultural. Ela diz respeito s variedades das (e s variaes nas)histrias pregressas de indivduos e grupos, condies socioeconmicas, trajetriassociais, status, origens geogrficas, deslocamentos territoriais, gnero, orientaoafetivo-sexual, vises de mundo, prticas culturais, crenas, religies etc.

    No mbito dos desafios e dos esforos voltados a promover pesquisas comvistas formulao de polticas pblicas na rea da educao de jovens que te-

    nham como meta a promoo da igualdade e a valorizao da diversidade, pre-ciso, antes de tudo, reter que as reflexes e anlises devem se produzir a partir dehorizontes necessariamente crticos em relao ao panorama histrico e o cenriosocial atual. Uma postura desmistificadora em relao s medidas que se podemadotar para a superao das iniqidades mostra-se igualmente indispensvel.

    No caso dos estudos sobre experincias e estratgias (formais e informais)de permanncia de estudantes negros(as) (beneficiados(as) ou no por medidas deao afirmativa em universidades pblicas brasileiras), importante refletir sobre a

    qualidade dessa permanncia e os desafios que eles/elas, suas comunidades e omundo acadmico passam a enfrentar na medida em que se cobram esforos paraa promoo de um mundo social mais solidrio e reconhecedor da diversidade.

    Ao mesmo tempo, parece indispensvel refletir sobre o significado da maiorpresena negra e seus possveis efeitos em todo o universo acadmico nacional.Tais efeitos, em primeiro lugar, podero apresentar, por exemplo, implicaes noque concerne vida cotidiana na universidade, s suas ambincias, qualida-de das interaes entre diferentes agentes que a povoam e as possibilidades de

    novas convergncias ou conflitos entre (e no interior de) seus diversificados con-tingentes, ora mais ora menos definidos em termos raciais,3 sociais, econmicose aculturais. Em que medida a adoo de aes afirmativas no ensino superiorincide sobre a vivncia, o padro de sociabilidade e a percepo das relaes ra-ciais na sociedade brasileira como um todo e, especialmente, nas universidades?Que mudanas tais aes e os discursos que em torno delas se fazem produzem

    3 Aqui, adota-se uma viso construcionista de identidade, de modo que a noes de raa, etnia, cor, sexonoso entendidas como essncias naturais, fixas, a-histricas, mas sim como realidades construdas (tambm

    desconstrudas e reconstrudas) socialmente, ao sabor de relaes de poder e que geram efeitos de poder.Ver: Silva (2000); Hall (1996 e 1999).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    18/342

    20

    no terreno da compreenso acerca da existncia ou da percepo de tratamentodiferenciado entre negros(as) e no-negros(as) na sociedade em geral e na uni-

    versidade em particular? Que reelaboraes discursivas se encontram em curso?Que espao tais reelaboraes encontram para circular? Que recepo elas tmtido e que efeitos tm surtido sobre os processos de (re)configurao identitriados diferentes grupos e subgrupos presentes nas universidades? Que nexos tais(re)configuraes mantm com as dinmicas de construo de relaes de poder,hierarquias e classificaes sociais? Que efeitos todo esse processo tem tido so-bre as possveis reatualizaes do mito da democracia brasileira?4

    Alm disso, parece importante considerar aspectos tanto assistenciais (emtermos econmicos e at jurdicos) quanto didtico-pedaggicos em face da entra-da de estudantes cotistas com distintas trajetrias sociais, em geral, e educacionaise formativas, em particular. Mais especificamente, em relao a estes ltimos e emrazo dessa nova presena negra, verifica-se a necessidade de se promover alte-raes nos contedos programticos das disciplinas e nas grades curriculares, comvistas a criar possibilidades para a livre busca e constituio de identidades scio-raciais no hierarquizadas e para a legtima expresso das diferenas culturais,possibilitando a troca de experincias, para ampliar e aprofundar a reflexo sobreo padro das relaes sociais e raciais no Brasil e no mundo, enfrentar o racismo

    e seus efeitos e, enfim, promover a diversidade e a igualdade. Isso sem mencionara necessidade de se considerar o impacto que a entrada e a contribuio de novoscontingentes populacionais nas universidades podero promover tanto na constitui-o de referncias simblicas a seus grupos e suas comunidades culturais quantonaquelas comunidades universitrias ainda refratrias valorizao da diversidaderacial, quer no seu interior, quer na sociedade brasileira no seu complexo.

    Ao se falar de busca de identidades e de livre e igualitria expresso de dife-renas culturais ao lado de profundas clivagens raciais e sociais, preciso lembrar

    que uma certa tradio da crtica social brasileira apresenta-se fortemente tributria aopensamento freyriano, nas suas variadas nuances. Entre tantos nomes, pode-se men-cionar o de Roberto Da Matta (1997), para quem a nacionalidade brasileira na sua di-menso tnico-racial veio se construindo em um espao de representao demarcado

    4 No Brasil, uma produo cientfica direta ou indiretamente ligada a essas reflexes vem tomando maior f-lego e pode servir mais que como importante subsdio para os estudiosos de polticas sociais e relaes ra-ciais. Por exemplo: Bernardino (2002; 2004); Gomes e Martins (2004); Guimares (2003); Miranda e Aguiar,Di Pierro (2004); Oliveira (2003a; 2003b); Queiroz (2000; 2002; 2004); Santos e Lobato (2003). Silva (2003);Silva e Silvrio (2003); Silvrio (2002); Siss (2003); Teixeira (2003a). Ver tambm os artigos publicados noperidico Estudos Avanados, v. 18, n. 50, 2004. Sobre a histria e debate acerca do alcance das polticas

    e dos programas de ao afirmativa, cf.: Belz (1991); Mills (1994); West (1994); Bowen e Bok (2004), entreoutros.

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    19/342

    21

    por trs plos raciais (o branco, o negro e o ndio), que, embora mantidos como refe-rncia, teriam sido caprichosamente diludos ou afastados, produzindo uma mestia-

    gem que nos tornaria peculiares como nao. No difcil admitir que a mestiagemno atributo nico da sociedade brasileira e que fortes mecanismos discriminatriosproduzem, desde o perodo colonial, clivagens de todas as ordens, separando, segre-gando, desqualificando, desumanizando contingentes humanos inteiros em razo desuas aparncias fsicas e de suas condies sociais e culturais (econmicas, culturais,territoriais, de gnero e orientao afetivo-sexual etc.). E mais: onde quer que lgicasdiscriminatrias do ponto de vista racial tenham sido postas em prtica, a represen-tao e a identificao do outro nunca constituram um ponto pacfico, e muitos dosseus potenciais alvos souberam empreender estratgias criativas para tentar escapar

    delas ou, seno, pelo menos, afrouxar-lhes as amarras.

    Por outro lado, Antnio Srgio Alfredo Guimares (2000) defende que a ma-neira de definir-se tnico-racialmente apontada por Da Matta se encontraria em crise:as pessoas estariam, agora, em busca de uma identificao apoiada na recriaode plos dos quais antes se procurava afastar. O fenmeno, certamente, no atingiupropores massivas, mas, segundo ele, indicaria movimentos de reagrupamento:

    [...] o branco de classe mdia busca sua segunda nacionalidade na Europa, nos Es-

    tados Unidos (...) ou recria uma xenofobia regional racializada ; o negro constri

    uma frica imaginria para traar a sua ascendncia, ou busca os Estados Unidos

    como Meca afro-americana; os ndios recriam a sua tribo de origem. (2000, ver ain-

    da: SOUZA, 1997).

    Ao invs de continuar a ver o pas como uma nao mestia,5 Guimaresparece preferir assumir uma posio que defende a distino identitria sob a gi-de do multirracialismo.6 Para ele, isso no plano cultural significar o direito de no

    ser absorvido de modo genrico como brasileiro (...). No plano poltico, significaro direito de reivindicar direitos no nvel coletivo da comunidade negra (GUIMA-RES e HUNTLEY, 2000).7

    5 Para uma discusso acerca do assimilacionismo e do diferencialismo, ver, por exemplo: DAdesky (2001).6 Para crticas do multiculturalismo liberal, ver, por exemplo: Appiah (1997); Bauman (2003); Calhoun (2001);

    Gutman (1994); Jacoby (1999); Leghissa e Zoletto (2002); Willinsky (2002); Macedo (1999); Wieviorka(2003); Young (1989).

    7 Cashmore observa que etnicidade e multiculturalismo vm, desde a dcada de 1970, assumindo o papelde principais alternativas para a sociedade racista talvez correndo mesmo o risco de se desintegraremsob esse enorme nus. hora, (...) de reavaliar a importncia analtica, os objetivos polticos e as impli-

    caes morais desses conceitos (CASHMORE, Ellis. Dicionrio de relaes tnicas e raciais, So Paulo:Summus, 2000).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    20/342

    22

    So posies distintas que merecem ser aprofundadas e debatidas aber-tamente. De toda sorte, para evitar a balcanizao (insistentemente apontada

    por algumas interpretaes), na qual grupos, de maneira beligerante, se divideme se subdividem com base em verdadeirasou supostasdiferenas e identidadesculturais, necessrio que o apelo ao multiculturalismo constitua-se como umaevocao por uma profunda reestruturao e reconceitualizao das relaes depoder entre e dentro das diversificadas comunidades culturais,8 incluindo novaspossibilidades de produo e expresso simblica e novos, contnuos e criativosprocessos de reconfigurao identitria.9 E seria oportuno que tais processos es-tivessem suficientemente calcados em pressupostos crticos, solidrios e plura-listas, de modo que o apelo s diferenasno comportem desigualdades, novas

    clivagens narcsiscas e separatistas; e que o apelo igualdadeno enseje a ho-mogeneizao. Para tanto, vale lembrar a feliz formulao do princpio multiculturalde igualdade e de diferena por Boaventura de Sousa Santos (2001): temos odireito a ser iguais quando a diferena nos inferioriza; temos o direito a ser diferen-tes quando a igualdade nos descaracteriza (TOURAINE, 1997).

    preciso ter sempre em mente, ainda, que as divergncias e as sonorascontrovrsias em torno das discusses sobre as medidas para enfrentar proble-mas provocados por racismo, preconceito e discriminao racial devem ser atribu-

    das, inclusive, impossibilidade de um consenso sobre a fonte de tais problemas.E no dever surpreender se a busca por solues encontrar desavenas e nopoucos desafetos dispostos a se demonstrarem bastantes beligerantes, inclusiveentre setores posicionados no campo do anti-racismo.10 Nesse sentido, neces-srio identificar e analisar esse tipo de fenmeno e outros a ele correlatos, quepodem surgir das mais diferentes maneiras e encontrar as mais diversas formasde tematizao e de circulao, produzindo os mais diferentes efeitos e servindoaos mais diferentes propsitos.11

    Diante disso, antes que procurar um consenso em torno dos marcos dedistino tnica e racial entre os seres humanos importa envidar esforos parapromover aes polticas tanto de enfrentamento do racismo e seus efeitos quantode promoo da diversidade, da pluralidade e da igualdade entre pessoas e gru-

    8 Ver Shohat e Stam, 1994.9 Sobre a noo de comunidade, ver, por exemplo: Bauman (2003).10Insistir em ver racismo em todos as situaes genericamente desfavorveis comporta incorrer no mesmo

    erro que Judith Buttler (2004) detecta entre aqueles(as) que lanam acusaes de anti-semitismo de manei-ra indiscriminada e, com isso, terminam por enfraquecer radicalmente o conceito.

    11 Sobre insultos, ver: Guimares (2002); Flynn (1977); Preston (1987). Para uma breve reflexo sobre relaesraciais entre estudantes universitrios brasileiros, ver: Machado e Barcelos (2001).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    21/342

    23

    pos dinamicamente definidos e redefinidos em termos raciais, sociais, culturais,sexuais etc. Diante da monumental impossibilidade de se construrem bases con-

    vincentes para classificar tnico-racialmente seres humanos, sempre muito difcilsaber onde comea ou termina um grupo tnicoou racial, ou onde se situa umdeterminado indivduo (ROBINSON, 2003). Esquecer isso arriscar-se a ver enre-dar-se em falsas polmicas, como aquelas sobre o uso de fotos de candidatos(as)s cotas no vestibular da Universidade de Braslia de 2004.

    De todo modo, no plano da adoo de polticas pblicas, o importante no procurar fixar-se no terreno escorregadio da discusso se determinado indivduo ou no branco, negro, indgena, mestio, etc. com base em um critrio ouem outro. Em vez disso, talvez seja mais proveitoso e democrtico desestabilizarpreceitos normativos preconceituosos, promover a valorizao e as potencialida-des da diversidade tnico-racial presente do complexo da sociedade brasileira,reconhecendo a enorme gama de meios e alternativas mediante as quais seusdiferentes, polifnicos e caleidoscpicos contingentes humanos podem (re)definira si mesmos e aos demais, continuamente.12 E, como observa Edson Lopes Car-doso (2004), a resposta poltica adequada ao apelo em favor da diversidade opluralismo. Uma sociedade que se quer democrtica no limita a auto-objetivar-se,de maneira complacente, como tolerante, mas efetivamente pratica, reconhece,

    respeita, valoriza e promove sua pluralidade, dando vez e voz e espao a sua he-terogeneidade cultural, em todos os seus espaos, com vistas eqidade no gozode direitos e na produo e apropriao de recursos (WALZER, 1997).

    A valorizao da diversidade e da pluralidade racial (e no apenas ela) nosomente busca reverter processos histricos de discriminao, mas carrega em sialgo com o qual toda a sociedade brasileira poder beneficiar-se. No se pode es-quecer que, tendo em vista a complexidade das relaes sociais e a dimenso re-lacional das identidades, o que afeta um grupo social diz respeito ao conjunto de

    uma sociedade, de tal modo que, ao se assegurar, em todos os espaos e em todasas manifestaes, lugar a um determinado grupo social, at ento dela excludo ouincludo de maneira subalternizada, implica uma transformao global da sociedadeem que ele vive. Desse modo, polticas de ao afirmativa para garantir uma maiorpresena de negros(as), indgenas e outros grupos populacionais nas escolas, nasuniversidades, na mdia, no mercado de trabalho, na burocracia estatal e, ao mes-mo tempo, assegurar-lhes maiores oportunidades e uma renda melhor devem ser

    12 Por uma breve reflexo acerca da necessidade de levar em conta as diversidades que compem uma mes-ma cultura, ver: Teodoro (1987).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    22/342

    24

    encaradas e empreendidas como medidas concretas voltadas a promover um me-lhoramento do quadro global de nossa sociedade, uma vez que visam fazer que

    todos os seus grupos passem a participar dela ativamente e contribuir, de maneirademocrtica, para sua transformao. Nesse sentido, vale insistir: a diversidade nauniversidade brasileira, buscada por meio de uma maior presena e uma perma-nncia com qualidade de maiores contingentes negros (e outras minorias polticas),passa a ser vista como um poderoso fator de promoo de um considervel salto dequalidade nos padres acadmicos e cientficos nacionais13.

    To simplesmente, pode-se afirmar que a diversidade, alm de envolverquestes de ordem tica, um recurso social. Com efeito, estudos recentementedivulgados pelas Naes Unidas mostram que a luta contra a pobreza no servencida enquanto os pases no trabalharem para que suas sociedades sejam cul-turalmente diversificadas e inclusivas (PNUD, 2004). A valorizao da diversidadee, portanto, o empenho pela construo de uma sociedade mais solidria, comelevados padres ticos, pluralista e livre de preconceitos, configuram-se fatoresde fortalecimento da prpria sociedade.

    No caso da experincia universitria nos Estados Unidos, educadores vmfrisando, h mais de 150 anos, o valor educacional da diversidade, na medida emque j se considerava essencial aprendizagem a associao e o convvio diretoentre indivduos dessemelhantes (BARTH, 1990). Inicialmente, pensava-se ali adiversidade sobretudo como diferena de idias e opinies; depois o conceito foiampliado, passando a incluir a geografia, a religio, o pas ou a regio natal, a cria-o, a situao econmica, o gnero, a orientao afetivo-sexual e a raa. Todavia,William G. Bowen e Derek Bok observam que, em termos quantitativos, difcilencontrar provas sistemticas dos efeitos da diversidade educacional, porque, en-tre outras questes, a definio, a mensurao e a anlise so muito complexasnessa rea. Alguns processos circulares evidenciam-se por toda parte, e separar

    causa e efeito extremamente difcil: os estudantes mais predispostos a se bene-ficiar da diversidade so os que mais tendem a relatar seus efeitos benficos, e bem possvel que as atitudes positivas para com ela alterem as percepes do quese ganhou com a experincia universitria (2004). Porm, os autores apontamque, at mesmo no caso de abordagens de cunho quantitativo, possvel contor-nar certos obstculos levando-se em conta:

    13 Por isso, no caso dos EUA, em um momento em que as polticas de aes afirmativas sofriam fortes cr-

    ticas, vieram em sua defesa as suas foras armadas. No caso brasileiro, inegvel o salto de qualidadeverificado no futebol a partir da entrada de jogadores negros. Ver, por exemplo, o clssico: Filho, 2003.

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    23/342

    25

    1) a importncia atribuda s relaes raciais pelos(as) estudantes;

    2) suas percepes acerca da contribuio trazida por seus estudos de

    graduao e ps-graduao para essa rea;

    3) a extenso relatada das interaes entre indivduos de raas, etnias,crenas e situaes socioeconmicas diferentes; e

    4) a viso dos/das matriculandos(as) sobre os esforos que as universida-de tm feito para diversificar sua populao de estudantes.

    Os autores enfatizam a necessidade de se compreender detalhadamente ouniverso acadmico, as carreiras escolhidas e as histrias de vida (pessoal, acad-

    mica e profissional) dos(das) estudantes14

    . E embora se refiram ao contingente po-pulacional dos estudantes das universidades estadunidenses ditas academicamenteseletivas, o(a) estudioso(a) brasileiro(a) pode levar em conta tais orientaes, ade-quando-as, tendo em vista, entre outros aspectos, as peculiaridades dos padres edas dinmicas das relaes raciais, alm das especificidades locais e regionais.

    Ao lado disso, preciso reter que se costuma esquecer que os vestibularesforam institudos no Brasil para excluir pessoas. Aps a sua instituio no pas,pessoas idneas para cursarem o ensino superior passaram a ser impedidas de

    entrar na universidade brasileira, em virtude da adoo de um mecanismo simplese perverso de barreira baseado no nmero de vagas e na nota ou ponto de cor-te.15 E no tudo: negros(as), mulheres, determinadas minorias sexuais, pessoasoriundas dos setores populares tm tido um acesso restrito universidade graas atuao de mecanismos pr-seletivos, diante dos dispositivos presentes em uma

    14 perfeitamente previsvel que, diante da necessidade de se averiguar o que acontece ou aconteceu comestudantes (para saber, por exemplo, seus rendimentos acadmicos, se concluram ou no os cursos, queempregos tiveram, discutir as razes do sucesso ou encontrar explicaes para os fracassos e desistnciasetc.), o(a) pesquisador tenha que lidar, entre outras questes, com a ausncia de cadastros atualizados dosendereos de estudantes e ex-estudantes das universidades.

    15 Conforme observa Delcele Mascarenhas de Queiroz (2002), embora uma significativa parcela de estu-dantes apresente o desempenho exigido, no tm direito de ingressar na universidade, em decorrnciado limitado nmero de vagas que oferecido. Ela analisou a performance dos candidatos pretose pardosaprovados no vestibular de 2001 da Universidade Federal da Bahia para cursos considerados de elevadoprestgio social. Essa opo partia do pressuposto de que, sendo essas carreiras as mais valorizadas,eram tambm as mais disputadas e a elas concorreriam candidatos(as) com maior desempenho educa-cional. Os nmeros apresentados, ento recortados pela informao se o(a) candidato(a) era oriundo(a)de escolas pblicas ou particulares, demonstram que 743 candidatos pretose pardosoriundos de escolaspblicas foram aprovados em cursos altamente valorizados, mas apenas 167 deles foram classificados,enquanto os demais 576, apesar de aprovados, no puderam ingressar. A autora sublinha que no setratou de uma perda irrisria para um segmento social com a histria de excluso que tem o negro brasi-leiro. Foram 576 estudantes que, depois de romper todas as barreiras que um negro tem de ultrapassarat chegar s portas da universidade e, mesmo tendo preenchido, plenamente, todos os seletivssimosrequisitos exigidos para a sua aprovao, foram impedidos de ser mdicos, advogados, odontlogos, ad-ministradores, engenheiros, arquitetos, psiclogos. So estudantes que, ao no poderem realizar o curso

    para o qual foram aprovados, perderam a oportunidade, entre outras, de cumprir o papel de referncia parao seu grupo racial, to carente dessas imagens.

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    24/342

    26

    estrutura social tremendamente desigual em termos de renda, oportunidades, ex-pectativas e definies de papis.16

    Tal fato, sem ser percebido na sua processualidade scio-histrica e na suadimenso excludente, fez que contingentes humanos inteiros apartados daqueleespao, embora idneos para freqent-lo, passassem a acreditar-se inidneos,imerecedores e, portanto, culpados pela sua excluso. As atribuies das respon-sabilidades passaram de um sistema discriminatrio para o indivduo discrimina-do. A violncia simblica (BOURDIEU, 1992) instaurou-se a com sua fora eeficincia: a vtima da excluso cr-se culpada por ela. Disso tambm deriva todauma srie de discursos e enunciaes construdas a partir de uma representaoacerca do mrito17. Quem passa pelo crivo do vestibular teria seu mrito natural,quem no passa (mesmo se idneo) no o teria e seria culpado por isso. Dito isso, preciso sublinhar: se, por um lado, o vestibular tradicional foi engendrado paraexcluir, por outro, as cotas e demais medidas de ao afirmativa devem cumprirum papel como instrumentos de incluso, eficazes para alterar os padres vigen-tes de seletividade scio-racial.18

    O processo de seletividade no ensino superior brasileiro, construdo eaperfeioado segundo uma lgica no inclusiva, foi responsvel pelo recruta-mento de seus alunos e sua comunidade docente quase que exclusivamenteem um nico contingente scio-racial. Pesquisas feitas na Universidade de SoPaulo revelaram que cerca de 70% de seu alunado oriundo de apenas trs

    16 Em um estudo ainda atual, l-se: O vestibular, atualmente, realiza sua seleo, na realidade, em duasetapas. A primeira pode ser identificada como pr-seleo (escolha de carreira por ocasio da inscrio novestibular). Numa segunda etapa, os exames do vestibular realizam uma seleo j dentro de um universopr-selecionado. (KLEIN e RIBEIRO 1982).

    17 Como observam Bowen e Bok, dizer que a considerao do mrito deve nortear o processo seletivo equi-vale a formular perguntas, e no a respond-las, pois: No existem meios mgicos de identificar automa-ticamente os que merecem ser aceitos, com base em qualidades intrnsecas que os distinguam de todosos demais. Os escores de testes e as notas so medidas teis da capacidade de realizar um bom trabalho,

    mas no passam disso. Esto longe de ser indicadores infalveis de outras qualidades que alguns poderiamconsiderar intrnsecas, como o amor profundo aprendizagem ou a capacidade de um alto aproveitamentoacadmico. (...) tais medidas quantitativas so ainda menos teis para responder a outras perguntas per-tinentes ao processo de admisso, como prever que candidatos contribuiro mais para suas profisses esuas comunidades em poca posterior (BOWE e BOK, 2004).

    18 Azuete Fogaa observa que os vestibulares no so instrumentos de avaliao da aprendizagem e notm como objetivo identificar quem sabe ou no, quem tem mrito ou no. Seu propsito maior eliminaro excesso de candidatos. (...) A definio dos pontos de corte (...) no segue nenhum critrio pedaggicoque determine qual o mnimo de conhecimentos que um egresso do ensino mdio deve ter para que sejaconsiderado apto a fazer um curso superior. Os pontos de corte so ditados, pura e simplesmente, pelarelao candidato-vaga, com o objetivo de, em cada curso, eliminar 60% dos candidatos na primeira fase e,na segunda, classificar um nmero de candidatos igual ao nmero de vagas oferecidas. Isto significa que,quanto maior a relao candidato-vaga, mais alto ser o ponto de corte; de outro lado, quer dizer que a re-provao ou a no-classificao no representam, necessariamente, falta de mrito. Os cursos de medicinaso magnficos exemplos: como a oferta de vagas no cresce na mesma proporo do nmero de jovens

    que os procuram, os pontos de corte so cada vez mais altos, eliminando candidatos que possuem plenascondies de freqentar aqueles cursos (FOGAA, 2004).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    25/342

    27

    bairros da capital paulista.19 Quantas vocaes foram desperdiadas? Quantostalentos perdidos? Quantas possibilidades desbaratadas? Quantas novas con-

    tribuies deixaram de ser dadas? A nova entrada de estudantes negros(as) nauniversidade brasileira, graas s mais variadas adoes de medidas de aoafirmativa, introduz a uma potencial mudana, abre novas possibilidades noapenas a contingentes at agora impossibilitados de povoarem aquele espaona condio de estudantes, professores(as) ou pesquisadores(as), mas o faz medida que traz para dentro da academia a possibilidade de novos olhares,diferentes anseios, novas esperanas, a induz a produzir novos conhecimentose abrir novos horizontes sociais, polticos, econmicos, culturais, em benefciode um pas que at hoje tem dificuldade de reconhecer a humanidade de uma

    enorme parcela de sua populao. Importa, portanto, investigar as possibilidadesda construo de canais para a expresso democrtica de novos olhares, seusanseios, esperanas, saberes e dvidas.

    Bowen e Bok insistem em estudos sistemticos que demonstrem os efeitoseducacionais da diversidade. Os autores notam que no h como negar a impres-so predominantemente favorvel [nos EUA], compartilhada por estudantes de to-das as raas, sobre o valor da contribuio da diversidade na educao (BOWENe BOK, 2004). Recentes estudos realizados em pases que adotaram programas

    de ao afirmativa nas escolas defendem que a diversidade tnica e racial umfator que incide positivamente sobre o processo educativo e na pesquisa. No casobrasileiro,20 a presena, nas salas de aula e nos espaos de pesquisa, de umnmero significativo de negros(as), at agora excludos(as), configura-se uma ex-celente oportunidade para, entre outras coisas, se revisarem e ampliarem teorias econtedos estabelecidos e naturalizados de inmeras disciplinas dos cursos.21

    Alm da importante desmistificao de concepes preconceituosas quepovoam representaes e orientam prticas cotidianas opressivas (at mesmo,

    dentro dos grupos raciais), a presena de negros(as) nas universidades brasileirastraz consigo a carga de experincias que apresentam mais do que um mero po-

    19 A USP, que, excetuando-se a Universidade Paulista de Medicina, a nica universidade pblica na capital,contava nas suas fileiras de estudantes, em 2001, com 8,3% de negros (7% de pardos e 1,3% de pretos).Um estudo recente mostrou que a maior parte dos(as) que se inscrevem no vestibular da USP tem o mes-mo perfil daqueles(as) que entram na instituio: so brancos(as), no trabalham, tm acesso internet,estudaram em escolas particulares e fizeram ao menos um ano de cursinho pr-vestibular. Menos de umquarto dos 400 mil estudantes do estado que concluem o ensino mdio na rede pblica se inscrevem nosvestibulares da USP, da Unicamp e da Unesp (Folha de S. Paulo, 29/03/2004).

    20 Ver, por exemplo: Dayrel (1996); Gomes (2003).21 Isso sem mencionar a clssica hiptese do contato, segundo a qual, o contato interpessoal pode, em

    certa medida, desfazer esteretipos e, por conseguinte, reduzir preconceitos. Ver: Allport (1979); Mazza-ra (1997).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    26/342

    28

    tencial de questionamento intelectual de variadas disciplinas dos cursos universi-trios. Junto com a presena fsica de estudantes socialmente definidos(as) como

    negros(as), entram tambm olhares cujas perspectivas pode no ser necessaria-mente as postas pela branquitude, que reproduzem uma tica etnocntrica, predo-minantemente ocidentalizante, europia ou norte-americana (inclusive na adoode modelos multiculturalistas conservadores).22 Isso configurar um grande desafiopara professores(as) e estudantes, o que poder implicar um ganho imenso paratodos(as). Novas especializaes, novas reas de pesquisa, e disciplinas e cursosde ps-graduao havero de surgir como resultado de convivncia inter-racialnova e pautada em princpios pluralistas e emancipatrios.23

    Vale, ento, insistir. O(a) estudioso(a), diante desse quadro, v-se instado/aa se indagar quer acerca dessas potencialidades que a entrada de contingentesexpressivos de estudantes negros(as) acarreta, quer sobre os meios de concreti-zao dessas potencialidades. Deve analisar suas possibilidades, suas dificulda-des. Mapear experincias exitosas e verificar as razes dos fracassos de outras.Pensar em propostas de polticas pblicas mais abrangentes para garantir o bomsucesso dessas potencialidades. Em outras palavras: pensar criticamente a ques-to universitriaa partir do prisma do questionamento das relaes scio-raciaisvigentes significa ver a entrada de maiores contingentes negros na universida-

    de como um vetor de alto poder transformador dessa mesma universidade e, aomesmo tempo, estudar meios para a realizao dessa transformao em sentidoinovadoramente democrtico e pluralista.

    O desafio da manuteno de um(a) estudante na universidade (mesmo napblica, onde o estado de carncia ou indigncia infra-estrutural obriga os(as) estu-dantes a comprarem parte dos equipamentos e materiais que devero usar) algoque, obviamente, se pe a todo o alunado, marcadamente quele mais pobre. So-bretudo no caso daqueles cursos que requerem dos estudantes altos investimentos

    em equipamentos pessoais (computadores, estetoscpios, publicaes importadasetc.) e exijam deles dedicao praticamente exclusiva. Mas deve ser igualmente

    22 Rita Laura Segato (2003) observa que, com freqncia, as lutas pelo reconhecimento de direitos diferenaa partir da perspectiva das polticas de identidade se reduzem a meros recursos de admisso dentro dosistema, perdendo-se de vista a necessidade de se questionar e de transformar o sistema.

    23 No Relatrio do Grupo de Trabalho Interministerial, constitudo por determinao do MEC e da SecretariaEspecial para Promoo da Igualdade Racial (Seppir), em setembro de 2003, l-se: pode-se sustentar comsegurana que as aes afirmativas permitiro a retomada da produo de um conhecimento endgeno,ancorado na experincia social e histrica especfica da nao brasileira. As universidades brasileiras sedistanciaram perigosamente desse compromisso, da a necessidade de iniciar um processo de integraoracial capaz de superar a homogeneizao elitizadora, tanto no perfil racial quanto nos valores, que tm

    caracterizado a nossa comunidade universitria desde a sua origem (GRUPO DE TRABALHO INTERMI-NISTERIAL, 2003).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    27/342

    29

    bvio que, medida que a adoo de cotas para afrodescendentes fica rigorosa-mente vinculada ao fato de esse(a) cotista dever ser oriundo(a) da escola pblica

    e/ou no possuir renda mensal que ultrapasse um certo teto, o(a)afrodescendentecotista e a sua universidade so levados(as) a enfrentar desafios cada vez maio-res para que lhe sejam asseguradas a permanncia e uma formao de qualidade.Evidentemente, isso no deve ser encarado como um problema do(a) cotista, masconfigura-se um desafio para todos os(as) formuladores(as) de polticas pblicasna rea da educao superior.

    Por exemplo, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde, con-forme o edital para o vestibular de 2005, a renda familiar per capitade candidato(a)s cotas no podia superar 520 reais mensais, pode atingir contornos dramticos:calcula-se que, dentro de pouco mais de dois anos, quando estudantes cotistasconstituiro a metade do seu corpo discente de graduao, a universidade termais de 10 mil estudantes carentes, sem meios para arcar sozinha com o sistemade cotas e com todas as polticas de assistncia estudantil que deveria acompa-nh-lo. Pensar em formas criativas de financiamento desse sistema tarefa urgen-te (Uerj, 2004).24 Obviamente, ao lado de investimentos nessas universidades paragarantir a qualidade do ensino e da produo cientfica, o acesso e a permannciade todos(as) os(as) estudantes, ser preciso planejar e implementar polticas de

    investimento na qualidade da educao bsica.No seria razovel tomar, desde j, o caso da Uerj como paradigmtico no

    terreno das aes afirmativas no ensino universitrio brasileiro. No entanto, talexperincia inovadora merece ateno, pois as dificuldades vividas pela Uerj, noque respeita disponibilidade de recursos, no podem estar distantes das experi-mentadas por outras universidades brasileiras.

    24 A Uerj destinou, para o vestibular de 2004, 20% de suas vagas para afrodescendentes, 20% para estu-dantes da rede pblica de ensino e 5% para portadores de necessidades especiais ou oriundos de povosindgenas todos submetidos ao critrio de carncia, fixado em anteriormente de 300 reais (atualmenteem 500 reais) de renda familiar per capitae, portanto, alunos potencialmente com menor acesso a bensculturais e educacionais. A Seppir defende que os projetos de lei de cotas devam ser acompanhados de umprograma de incentivo permanncia dos alunos carentes, que, estima-se, dever custar entre 50 e 60 mi-lhes de reais, para o custeio de moradia, alimentao, transporte e material (Folha de S. Paulo, 15/05/04). importante reter que, entre os universitrios brasileiros, quase metade estudou exclusivamente em esco-las pblicas e 71% provm de famlias com renda mdia de at 10 salrios mnimos. E mais: segundo dadosda Pnad/IBGE, de 2002, 38% do alunado das universidades pblicas tm renda familiar per capita inferiora dois salrios mnimos, ao passo que nas universidades privadas eles so apenas 24%. Nessa mesmapesquisa, no ensino superior pblico, 28% dos estudantes se declararam pretos ou pardos, enquanto noensino privado o percentual caa para 15% (FLORENTINO, 2004; BRITO, 2004). A universidade pblica,por mais discriminatria que seja em relao populao negra, ainda o menos do que as instituiesprivadas de ensino superior. Eis a mais uma razo para que os pesquisadores se atentem necessidade

    de refletir acerca das possibilidades de expanso do ensino pblico e gratuito no mbito do delineamento deestratgias de incluso scio-racial e de promoo da diversidade no ensino superior brasileiro.

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    28/342

    30

    Em tempos de reforma universitria, quando nem mesmo as instituies fe-derais que lograram a construo de seus parques de graduao e de pesquisa

    numa poca em que havia investimentos de peso no ensino superior queremassumir o financiamento de estudantes carentes, torna-se necessria uma ampladiscusso acerca dos moldes em que ser praticada a poltica de cotas na Uerj.

    (...) A Uerj se ressente, hoje, de Polticas de Estado que viabilizem a permanncia,

    sustentando as polticas de acesso j implementadas, pois que no h sinalizao

    do poder pblico na direo de polticas consistentes de longo prazo. Isso significa

    alunos sem bolsa, sem condies de freqncia, sem condies de alimentao e

    de estudo. Para a instituio, pode vir a significar o aumento no tempo de integrali-

    zao dos cursos e, assim, uma menor capacidade de atendimento aos estudantes

    (Uerj, 2004).25

    preciso ter em mente tal quadro de dificuldades e verificar, em cada planode observao escolhido, quanto h de comum e de especfico com relao a ele,tendo em vista a formulao de polticas pblicas de insero e permanncia comqualidade de negros(as) nas universidades brasileiras.

    Tais polticas precisam ser mais bem concebidas para que tenham maior efic-cia. Para isso, fundamental que se conheam, de forma mais profunda, as virtudes

    e os limites das experincias institucionais j em curso ou em fase de implementao.O cenrio j apresenta uma considervel variedade de situaes, cujas possibilidadese potencialidades podem depender, tambm, do grau de articulao dos movimentossociais organizados e da qualidade do apoio poltico que tais medidas podem receberpor parte da sociedade em geral. Dependero, ainda, do sustento concreto que fra-es (organizadas ou no) da sociedade podero oferecer, com adoo de iniciativas(isoladas ou no) que apontem para a construo (ainda que precria) de redes desolidariedade que ensejem, facilitem ou garantam a estudantes negros(as) e carentesno apenas o acesso, mas a permanncia na universidade, no estabelecimento de

    trajetrias que apontem para sua ascenso social, reconfiguraes identitrias e alte-raes nos padres das relaes raciais no interior e fora dos Campiuniversitrios.26

    25 Ali se indica que so necessrios: laboratrios de informtica, com acesso internet, para estudo e pes-quisa, em todos os Campi; modernizao e ampliao do acervo e do horrio de funcionamento das biblio-tecas; ticket-alimentao; vale-transporte; material de uso pessoal e especfico para estudantes de deter-minados cursos (Odontologia, Medicina, Desenho Industrial, Geografia); alojamento; bolsas de estudos (atodos(as) os(as) carentes) e aporte oramentrio para isso.

    26 Para um estudo acerca do papel dessas redes de solidariedade para a manuteno de estudantesnegros(as) no ensino superior, ver Teixeira (2003a). A autora, mesmo reconhecendo a importncia de taisredes, identifica nelas um dispositivo de manuteno dos padres de desigualdades raciais no pas, poisa forma como est estruturada a sociedade brasileira faz que se perpetuem os mecanismos que levam

    ascenso social das camadas discriminadas, via rede de relaes, em grande parte informais e pessoais,de ajuda e amizade, que s alguns conseguem estabelecer (TEIXEIRA, 2000).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    29/342

    31

    De todo modo, tendo em vista a complexidade do quadro e das tecnolo-gias de polticas pblicas disponveis ou desejveis, preciso ressaltar que no

    se defende aqui o abandono ou o arrefecimento, por parte do Estado brasileiro,de polticas sociais universais em nome de sua incapacidade histrico-poltica depromover programas de tal alcance com vistas reduo das desigualdades so-ciais. Uma efetiva universalizao das polticas sociais no s desejvel, masdeve contemplar no seu interior medidas que promovam a melhoria das condiesexistenciais dos grupos sociais que at agora permaneceram margem delas,combatendo desigualdades e garantindo cidadania.

    At o presente momento, conforme observou Laura Tavares Soares, os re-

    cursos gastos em polticas pblicas nomeadamente universais vm sendo apro-priados (e concentrados) de uma forma etno-racialmente determinada e, parapiorar, a adoo de medidas focalizadas, feita segundo a lgica neoliberal e ar-ticulada com polticas econmicas monetaristas ortodoxas, deixa de fora os quesempre estiveram de fora:

    [...] quando (...) princpios de universalidade e do direito no so garantidos, as cha-

    madas polticas de incluso correm um srio risco de se transformarem em polticas

    pobres para pobres, cuja estratgia de focalizao deixa de fora boa parte dos pr-

    prios pobres que ela pretende cobrir, bem como aqueles setores historicamente jdiscriminados, (...) mulheres e negros (SENADO FEDERAL, 2003).

    Segundo Sueli Carneiro (2003), para as polticas universalistas poderemcorresponder sua concepo ideal, preciso reconhecer os fatores que vmdeterminando a reproduo das desigualdades e tomar a focalizao como uminstrumento de correo desses desvios histricos e no como alternativa de po-ltica social.

    preciso, assim, refletir sobre os efeitos para os quais pode apontar a ado-o de polticas de insero universitria baseada em aes focalizadas, centra-das em reservas de vagas, e que estejam (ou no) associadas ao abandono ou oarrefecimento de polticas universais. necessrio indagar que efeitos a adoode polticas de combate pobrezae a implementao de medidas de ao afirma-tiva podem produzir frente ao esgaramento do tecido social resultante de polticasneoliberalizantes.

    Justamente por isso, preciso tambm no ignorar que, nos EUA, conforme

    observam Pierre Bourdieu e Loc Wacquant, em um contexto de descompromisso

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    30/342

    32

    macio e multiforme do Estado e de crescimento generalizado das desigualdadesnestas ltimas dcadas, a crise da mitologia nacional do sonho americano est

    encoberta (ou pelo menos esteve at a administrao Clinton) por um registro os-tensivamente tnico (essencialista). Registro este que, ao contrrio do que mui-tos poderiam supor, no est efetivamente voltado ao reconhecimento dos grupose das culturas marginalizadas, mas, antes, ao acesso a instrumentos de produoe reproduo das classes mdia e superior (BOURDIEU, 1998).27

    Ao lado disso, considere-se a insistncia da mdia brasileira em construirum quadro representacional no qual estudantes cotistas seriam despreparados(as)(ou menos preparado(as)) para o ensino superior.28 As diferenas na modalidadede seleo comportariam diferenas na origem de candidatos(as) que, por si ss,implicariam um inadministrvel desnvel educacional e cultural entre estudantes.A heterogeneidade da origem scio-racial produziria a heterogeneidade de rendi-mentos acadmicos, que, por fim, colocaria em risco a formao de todos, coma queda da qualidade do ensino. A este ponto, por mais que seja bvio, preci-so lembrar que a crise qualitativa do ensino brasileiro comeou no fim dos anos1970, no ensino fundamental, chegou ao ensino mdio no fim dos anos 1980 ese faz presente, desde a dcada de 1990, no ensino superior. As universidadesbrasileiras (com ou sem reservas de vagas) se ressentem desse processo29. Alm

    disso, cada educador(a) reconhece que o desnvel cultural e educacional semprecaracterizou toda sala de aula. As cotas no podem ter criado condies que lheso anteriores. No entanto, tais crenas, insistentemente divulgadas na mdia, pro-duzem efeitos que precisariam ser prevenidos, detectados e superados.

    De toda sorte, tendo em vista o longo processo de deteriorizao da qua-lidade e das condies do ensino universitrio e a chegada de novos contingen-tes estudantis por meio de instrumentos de reservas de vagas, caberia verificarse (e em que medida) as cotas podem manter nexos com o agravamento ou o

    desnivelamento que, de todo modo, vinha se delineando e caracterizando cada

    27 Para a crtica deste texto, ver nmero especial da revista Estudos Afro-Asiticos, Ano 24, n. 1, 2002.28 Sobre mdia e racismo no Brasil, ver, por exemplo: Arajo (2000); Cardoso (1992); Dadesky (2001); Jun-

    queira (2002); Lima (1989 e 1992); Pereira (2001); Ramos (2002); Sodr (1999). Ver ainda: Campbell (1995);Dines e Humez (1995).

    29 A universidade pblica brasileira Xest em crise h mais de uma dcada e, embora ainda seja melhor quea maioria das universidades privadas, vem perdendo qualidade. E, por esta dura realidade, no se podeculpar nem os pobres, nem os negros e nem aqueles que se originam das escolas pblicas. Ela produto,principalmente, de uma continuada conteno dos gastos com o ensino superior pblico, a pretexto deque o governo no podia aumentar os gastos com a educao bsica porque era obrigado a manter umauniversidade cara e ineficiente. E a mesma sociedade que fechou os olhos a este processo, apela agora

    para a questo da qualidade para justificar a oposio ampliao das oportunidades de ingresso para ossegmentos historicamente excludosX(FOGAA, 2004).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    31/342

    33

    vez mais a realidade da sala de aula de nossas universidades. Em que medida ascrenas que pem em dvida as capacidades intelectuais de estudantes cotistas

    podem encontrar eco entre diferentes agentes da comunidade universitria? Queconflitos podem produzir ou potencializar? Que efeitos podem produzir no aproveita-mento acadmico desses(as) estudantes? Os conflitos que podem surgir da apon-tariam uma mudana nos padres do racismo brasileira? (TELLES, 2003).

    Mesmo no existindo relao biunvoca entre desempenho no vestibular erendimento acadmico, a possibilidade de que cotistas podero apresentar, aoingressarem na universidade, taxas de aproveitamento inferiores aos no cotistasrequer, de todo modo, avaliao mais atenta. Bowen e Bok observam que boaparte das universidades estadunidenses, diante do sub-aproveitamento de estu-dantes negros(as), no empreende srios esforos para que venham a apresentardesempenhos altura de suas capacidades, para que cada estudante realize aplenitude de seu potencial. Os autores lembram que as notas universitrias noconstituem uma medida plena das conquistas educacionais, nem determinam asrealizaes futuras na vida. Se, de um lado, o desempenho na graduao influen-cia efetivamente as oportunidades de estudantes freqentarem cursos de ps-gra-duao e seguirem suas carreiras, por outro, os autores perguntam: quo fortesso essas influncias e que efeitos tm elas no que os estudantes das minorias

    e os no minoritrios realizam nos anos subseqentes formatura? (BOWEN;BOK, 2004). preciso reter que a eficcia dos processos de admisso e a doscurrculos educacionais transcendem a graduao e os muros das universidades,devendo ser pensadas e testadas no que concerne, por exemplo, contribuioefetiva dos(as) graduados(as) s suas profisses e comunidades.30

    necessrio tambm investigar em que medida recortes de gnero pro-duzem diferenciaes, tanto nas atitudes e percepes diante da diversidade emsi,31 quanto nas dificuldades enfrentadas e distines nas estratgias utilizadas

    por estudantes negros(as) para garantirem-se o acesso e a permanncia no en-sino superior. Afinal, nunca demais lembrar que a populao feminina brasileiravem constituindo um perfil diferenciado em relao educao. So vrias asrazes. Vale mencionar, por exemplo, que a populao feminina vem freqentando

    30 Martin Luther King, considerado um dos maiores oradores do sculo passado, no apresentou bom desem-penho no teste verbal do Exame Protocolar de Ps-graduao. Ver: Cross (1997).

    31 No caso dos EUA, verificam-se grandes diferenas nas atitudes de homens e mulheres diante da diversi-dade: elas (brancas e negras) se mostram mais propensas a enfatizar a importncia de se levar em contaas relaes raciais. Vale notar que a profisso dos entrevistados tambm uma varivel a ser considerada:

    mdicos (brancos e negros) tendem a dar mais valor do que os advogados capacidade de se conviverbem com pessoas de raas e culturas diferentes. Ver: Appiah (1997).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    32/342

    34

    a escola por mais tempo do que a masculina, sobretudo no ensino fundamental emdio, e a sua parcela branca apresenta ingressos expressivos no nvel superior.

    Esse ganho na instruo por parte da poro feminina (no caso da branca, masmarcadamente no da negra) no tem correspondido a melhores oportunidades deinsero ou de melhores rendimentos no mercado de trabalho (DIEESE, 2001a).

    Nesse sentido, o quadro das dificuldades enfrentadas e das estratgiasutilizadas por estudantes negros(as) deve ser pensado a partir, por exemplo, doseguinte:

    1) poro expressiva do estudantado, branco e negro, continuar seus es-tudos universitrios na condio de estudantes trabalhadores(as);

    2) o risco de desocupaoafeta mais significativamente mulheres com nvelde escolaridade intermedirio,32 onde situa-se a maioria das jovens can-didatas ao ensino superior, que tero, portanto, maiores dificuldades parase manterem nos cursos;

    3) apesar da diversificao na atual participao feminina no mercado detrabalho (DIEESE, 2003a, 2003b), a segmentao ou a segregao des-se mercado baseada no gnero responsvel pela concentrao demulheres em setores de atividades com menores nveis de remunerao

    e estabilidade, fazendo que a maioria continue a ocupar posies nosetor informal;

    4) sutis, mas poderosos, mecanismos racialmente discriminatrios produ-zem uma sub-remunerao e uma subutilizao da mo-de-obra negra,masculina ou feminina, qualificada ou no (HERINGER, 2002), e fica agrande parte da parcela feminina negra confinada principalmente no em-prego domstico;33

    5) no tocante ainda a salrios, duas negras e meia equivalem a um homembranco (DIEESE, 2001b e 2002). Mulheres negras recebem 55% menosdo que mulheres no negras e apresentam maiores taxas de desempre-go, e 60% das famlias chefiadas por mulheres negras tm renda inferiora um salrio mnimo (ARTICULAO DE MULHERES BRASILEIRAS,

    32 Nos anos 1990, as taxas de desemprego das mulheres portadoras de diplomas do ensino mdio pratica-mente dobraram em relao s altamente escolarizadas. Ver: Guimares (2001).

    33 O emprego domstico o segundo em importncia na ocupao feminina, em geral, e o primeiro entre astrabalhadoras negras (DIEESE 2001a). Segundo dados do IBGE (2001), so empregadas domsticas 40%das mulheres negras e 15% das brancas. Vale sublinhar que o emprego domstico o que apresenta os

    menores rendimentos entre as ocupaes precrias, os menores nveis de vnculo formal e, no raro, jorna-das de trabalho irregulares, efetuadas em ms condies.

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    33/342

    35

    2001). A hierarquia salarial fica ento estabelecida: no topo o homembranco, seguido pela mulher branca, depois vem o homem negro e, por

    fim, a mulher negra;34

    6) as transformaes no mundo do trabalho apontam para um quadro emque antigas defasagens entre homens e mulheres e entre brancos(as) enegros(as) vm se somar criao de novos mecanismos de desigual-dade. A flexibilizao/precarizao do mercado de trabalho, o cancela-mento de postos de trabalho, o crescimento dos desempregos estruturale tecnolgico e o surgimento de novas ocupaes e vocaes empresa-riais afetam diferentemente estes contingentes;35 e

    7) a ausncia ou a precariedade de redes pessoais de solidariedade quegarantam ou facilitem a estudantes negros(as) o acesso a melhores opor-tunidades de emprego e/ou de permanncia na universidade at mesmosem terem que trabalhar.

    Esse cenrio faz que estudantes negros(as) (e, especialmente, as estudan-tes trabalhadoras negras) postulantes a um diploma universitrio tenham que fazerfrente a um sem-nmero de agudas dificuldades, que devem, meticulosamente,ser levadas em considerao em pesquisas voltadas a analisar a permanncia

    desses estudantes no ensino superior brasileiro.36

    preciso identificar e analisaras nuances desse cenrio, estudar as experincias e as estratgias adotadas pe-los atores e instituies nele inseridos para garantirem-se melhores resultados.

    Neste nterim, oportuno analisar que efeitos os processos de reproduoou de transformao social em curso no campo universitrio brasileiro tm surtidona construo das expectativas dos agentes do campo universitrio e como estasltimas tm servido para legitimar, acirrar ou transformar o quadro de opresso so-cial, racial e de gnero no interior do cenrio acadmico e na sociedade brasileira

    no seu complexo.

    34 A distncia salarial entre os gneros e as raas explica-se, sobretudo, pela discriminao e no se verificaem razo das capacidades produtivas. Uma vez que, a partir de cada um dos contingentes raciais, as mu-lheres apresentam maiores nveis de escolaridade, a especializao delas em determinados tipos de pro-fisses e ocupaes consideradas femininas (e que, no por acaso, so as de mais baixos nveis salariais)s se explica em decorrncia de um deslocamento (na discriminao) do nmero de anos de escolaridadepara o tipo de escolaridade. Tais mecanismos discriminatrios (que por sua sutileza so chamados de bar-reiras ou tetos de cristal) limitam as possibilidades de formao profissional das mulheres nos mercadosde trabalho e, por conseguinte, impedem a livre construo de trajetrias baseadas nas necessidades, nascompetncias e nos desejos dessas mulheres. Ver, por exemplo: Yannoulas (2002).

    35 FIG/CIDA (2000); Capellin, Delgado e Soares (2000).

    36 Dados sobre evaso de estudantes universitrios(as) negros(as) no Brasil so ainda incipientes. Ver, porexemplo: Teixeira (2003b).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    34/342

    36

    Nesse sentido, preciso lembrar que, no pas, desigualdades curriculares(desde o ensino fundamental e mdio) vm progressivamente acirrando-se, por

    meio da escolha de cursos que norteiam e limitam trajetrias escolares e formati-vas, em razo do valor que lhes atribudo e pela composio dos seus pblicospreferenciais, em termos sociais, raciais e de gnero. No um acaso que asocupaes femininas costumam apresentar vnculos estreitos com as funes dereproduo social e cultural ligadas ao universo domstico (YANNOULAS, 2002)e que grandes contingentes femininos ainda orientam suas estratgias escolaresem direo a cursos mais ligados s atividades relativas reproduo material esimblica das outras pessoas, ou seja, alimentao, educao das crianas, assis-tncia aos idosos, cuidados de higiene etc.

    Ao mesmo tempo, preciso considerar que, no Brasil, como lembra MiltonSantos, onde o trabalho do negro foi, desde o incio da histria econmica, essen-cial manuteno do bem-estar das classes dominantes, e onde gestou-se (e vemse perpetuando) uma tica conservadora, produtora de convices escravocratasarraigadas, que mantm esteretipos que ultrapassam os limites do simblico etm incidncia sobre os demais aspectos das relaes sociais (SANTOS, 2002).No surpreende, portanto, que, em decorrncia de sutis, complexos e profundosprocessos de violncia simblica, em um cenrio de ausncia de polticas de

    ao afirmativa, expressivos contingentes negros orientem suas estratgias forma-tivas universitrias em relao a cursos profissionalizantes, noturnos e, nas univer-sidades, dirijam-se majoritariamente para cursos socialmente reconhecidos comode mdio ou baixo prestgio, como Histria, Geografia e Letras.37 importantedeter-se sobre esses aspectos para estudar se tal fenmeno, diante da adoode aes afirmativas em prol da populao negra, ainda apresenta essa mesmaregularidade scio-histrica. Ao mesmo tempo, ele dever sondar suas possveistransformaes, a curto prazo, e, onde possvel, traar perspectivas quanto aomdio e longo prazos.

    Ademais, preciso considerar que, nos vestibulares em que se adotaramcotas, houve casos de alunos antes socialmente brancos que tiraram a foto dobisav negrodo armrio e passaram a autodeclarar-se negros(as) a fim de concor-rerem pelas cotas de afrodescendentes. Depois de aprovados, como passam essesestudantes a se autodeclarar e como em geral so vistos pelos demais? possvelque o cenrio a se formar a seja bastante variado e at inusitado. preciso verifi-

    37 Segundo dados do Inep, obtidos a partir do questionrio socioeconmico do ENEM, o curso que tem maior

    ndice de participao de negros o de Histria, com 8,5% do total de estudantes. Em seguida vm Geo-grafia (6,5%) e Letras (5,6%). A menor taxa: Odontologia (0,8%).

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    35/342

    37

    car potenciais situaes de conflito (no apenas interior, identitrio no plano ntimo;mas entre diferentes grupos) e estud-las com a devida ateno. Ao lado disso,

    oportuno que se proponham, inclusive, possveis medidas para o enfrentamento detais conflitos. Essas podem ser pensadas, por exemplo, tanto no plano dos critriosadotveis para a identificao dos candidatos concorrentes como cotistas, quantono que concerne os conflitos prprios da convivncia cotidiana.

    Seria possvel identificar a gnese de ressentimentos por partes de estu-dantes (brancos(as) ou no) que, habituados(as) a uma presena reduzida e noempoderada de negros(as) nas universidades brasileiras, sintam-se incomodadosou at mesmo ameaados diante da possibilidade de aumento do contingente

    afrodescendente no interior delas? Que experincias j esto sendo adotadaspara fazer frente a isso? Que efeitos tm produzido? Que comparaes internacio-nais podem ser feitas?

    Entre tantos outros importantes aspectos que poderiam ainda ser aqui men-cionados e melhor explorados, vale, ainda, sublinhar que, na perspectiva de seformar cidados dentro de uma perspectiva inclusiva, preciso desmistificar tododiscurso e prtica educacional orientado predominantemente pela valorizao daformao para o mercado, sob pena de se continuar a nutrir diversas lgicas de

    opresso e de segregao, sobretudo raciais e de gnero. O mercado apenasuma das pores importantes de uma sociedade, e, no raro, ao se referirem aele, muitos entendem uma srie muito limitada e circunscrita de interesses e po-sies, que, embora dinmicos, no so os mesmos em uma sociedade no seucomplexo e, de todo modo, constituem-se de mecanismos poderosos de alarga-mento dos abismos sociais entre negros(as) e no-negros(as). Importa lembrarque, como ressaltava Milton Santos, ao contrrio do que apregoam alguns, a figurado cidado no se encerra na do Consumidor e tampouco na do eleitor. Estes lti-mos podem existir sem que o primeiro tenha lugar (SANTOS, 1987). Sem realizar

    inteiramente suas potencialidades como participante ativo e dinmico de uma co-munidade, o ator social tem sua individualidade limitada e fica com possibilidadesreduzidas de estabelecer encontros interpessoais diretos, livres e enriquecedores.Tal estado de alienao social, especialmente em um contexto como o brasileiro,relaciona-se fortemente com a produo de representaes, sentidos e prticassociais marcadas pelo racismo, preconceito e discriminao.

    O enfrentamento do racismo e das diferentes formas de discriminao re-quer uma luta pela conquista de cidadania plena, igualitria, libertria, plural, par-

    ticipativa e constantemente renovada. Neste sentido, entre outros aspectos, fun-

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    36/342

    38

    damental reter que a universidade deve cumprir seu papel articulador na conquistae na garantia dos direitos educao, ao trabalho e s demais esferas da expe-

    rincia humana, contribuindo de maneira decisiva para assegurar a todo cidadouma insero digna e participativa no mundo social. Uma educao de qualidade,libertria, pluralista, que reconhea e enseje a multiplicidade das escolhas e dasvivncias. Uma educao para a vida, nas suas mais variadas dimenses. Umaformao que proporcione a cidados(s), de um lado, um trabalho valorizado ereconhecido com salrio compatvel com a sua importncia social e que, de outro,lhe permita, sem qualquer distino discriminatria, valorizar e respeitar as dife-renas, superar desigualdades, criar e aproveitar oportunidades para o desenvolvi-mento pessoal e coletivo, bem como dispor de tempo para aprimorar-se, viver, so-

    nhar, desejar e realizar-se juntamente com todos(as) aqueles(as) empenhados(as)na transformao social, nos seus mais variados e surpreendentes aspectos.

    Rogrio Diniz Junqueira38

    38 Rogrio Diniz Junqueira doutor em Sociologia das Instituies Jurdicas e Polticaspela Universidade de

    Milo/Macerata Itlia, responsvel pela implementao do programa Brasil sem Homofobia no Ministrioda Educao.

  • 8/14/2019 6679413 Acesso e cia Da Populacao Negra No Ensino Superior

    37/342

    39

    Referncias

    ALLPORT, G. W. The nature of prejudice. Reading, MA: Addison-Wesley, 1979.

    APPIAH, K. A. The multiculturalist misunderstanding. New York Review of Books.[S.l.: s.n.], v. 44, n. 15, 1997, p. 30-36.

    ARAJO, Z. Z. A Negao do Brasil: o negro na telenovela brasileira. So Paulo:Senac, 2000.

    ARTICULAO DE MULHERES BRASILEIRAS. Mulheres Negras:um retrato dadiscriminao racial no Brasil. Braslia: [s.n], maio, 2001.

    BARTH, R. A personal vision of a good school. [S.l]: Phi Delta Kappan, n. 71, 1990,p.