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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS JANAÍNA FERNANDA BATTAHIN CAIO PRADO JÚNIOR E A CRÍTICA À TEORIA ECONÔMICA: UMA ANÁLISE DE ESBOÇO DOS FUNDAMENTOS DA TEORIA ECONÔMICA Varginha/MG 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS

JANAÍNA FERNANDA BATTAHIN

CAIO PRADO JÚNIOR E A CRÍTICA À TEORIA ECONÔMICA: UMA

ANÁLISE DE ESBOÇO DOS FUNDAMENTOS DA TEORIA ECONÔMICA

Varginha/MG

2014

JANAÍNA FERNANDA BATTAHIN

CAIO PRADO JÚNIOR E A CRÍTICA À TEORIA ECONÔMICA: UMA

ANÁLISE DE ESBOÇO DOS FUNDAMENTOS DA TEORIA ECONÔMICA

Trabalho de conclusão de curso

apresentado ao Instituto de Ciências

Sociais Aplicadas da

Universidade Federal de Alfenas, como

requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Ciências Econômicas com

Ênfase em Controladoria.

Orientador: Prof. Roberto Pereira Silva

Varginha/MG

2014

JANAÍNA FERNANDA BATTAHIN

CAIO PRADO JÚNIOR E A CRÍTICA À TEORIA ECONÔMICA: UMA

ANÁLISE DE ESBOÇO DOS FUNDAMENTOS DA TEORIA ECONÔMICA

A Banca examinadora abaixo-assinada,

aprova a monografia apresentada como

parte dos requisitos para obtenção do

título de Bacharel em Ciências

Econômicas com Ênfase em

Controladoria da Universidade Federal

de Alfenas.

Aprovada em: Varginha, 15 de julho de 2014.

________________________________

Prof. Roberto Pereira Silva

________________________________

Prof. Daniel do Val Cosentino

________________________________

Prof. Thiago Fontelas Rosado Gambi

Dedico este trabalho aos meus pais Maria

Luiza e Paulo Sérgio que possibilitaram a

realização deste sonho, à minha linda irmã

Paula por ter cuidado deles na minha

ausência, ao meu querido Isaac que

permaneceu paciente ao meu lado em

todos os momentos, aos meus fiéis e

amados amigos Altiérez, Daiane, Jéssica e

Zamara que caminharam esses anos ao

meu lado, ao professor Roberto com quem

pude contar em todos os momentos e

quem tornou possível a concretização

deste trabalho.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por ter permanecido ao meu lado nesses quatro anos e

meio de graduação, dando-me forças para enfrentar todos os desafios e acalmando meu coração

nos momentos de angústia.

Ao Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas pela

oportunidade oferecida, aos professores e demais funcionários.

Ao professor Roberto pela dedicação, paciência e ensinamentos.

Ao professor Daniel, idealizador deste trabalho. Agradeço por ter recebido de presente a

obra Esboços dos Fundamentos da Teoria Econômica e por ter feito parte da minha caminhada

na graduação com todo seu apoio.

Aos meus pais, responsáveis por mais essa conquista.

Agradeço em especial ao meu pai Paulo Sérgio Battahin, exemplo de honestidade e luta,

quem faz com que cada sonho meu se torne realidade.

À minha avó Jacy e minha tia Carmem pelas orações.

À minha irmã Paula pelo companheirismo.

Às minhas velhas e grandes amigas Paula Beber e Daniele C. Marcato por toda ajuda

nos momentos finais da entrega deste trabalho.

Aos melhores amigos que fiz em Varginha e com quem pude contar em todos os

momentos, felizes ou não, e que permaneceram fortes ao meu lado me apoiando em cada passo,

agradeço de todo meu coração cada dia que Deus me deu ao lado de vocês Altierez, Daiane,

Jéssica e Zamara. Levarei vocês comigo por toda a vida!

Agradeço ao meu namorado Isaac por toda paciência, pelo apoio, pelas orações e por

toda a força.

A todos aqueles que contribuíram, direta ou indiretamente, para que essa etapa pudesse

ser concluída, sou extremamente grata.

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo central compreender o lugar do livro Esboço dos

Fundamentos da Teoria Econômica escrito em 1957 no conjunto das reflexões de Caio

Prado Júnior. A hipótese de trabalho é que nesta obra o autor altera seu instrumento de

estudo: passa de uma reflexão sobre a formação da Nação e os dilemas sociais

brasileiros para uma análise da teoria econômica, ou seja, de uma análise social para

uma visão baseada no conhecimento econômico. A proposta é a criação de uma teoria

econômica que contemple a realidade periférica, aplicando-se àqueles países cuja

situação econômica guarda especificidades em relação às economias desenvolvidas.

Completa-se o estudo com uma breve análise de História e Desenvolvimento, obra

escrita em 1968, argumentando-se que esta conclui a análise de 1957, deixando

explícito que o grande diferencial dessa teoria é incorporar o processo de formação

histórica, econômica e social brasileira, sem a qual não é possível desvendar os dilemas

do presente. Conclui-se que para Caio Prado Júnior não há uma teoria econômica pronta

para os países atrasados, mas uma interpretação de seus dilemas econômicos, explicados

pelo passado, fator esse desconsiderado pelas teorias clássicas aplicadas aos países

subdesenvolvidos.

Palavras-chave: teoria econômica; História do Pensamento Econômico no Brasil; Caio

Prado Júnior, Desenvolvimento Econômico; História Econômica do Brasil.

ABSTRACT

The present work is mainly aimed to comprehend the representation of the book

Fundamentals's Sketch of Economic Theory written in 1957 in the set of reflections of

Caio Prado Junior. The work’s hypothesis is that in this book the author changes his

instrument of study: It pass from a reflection on the formation of the Brazilian nation

and social dilemmas to an analysis of economic theory, in other words, it pass from a

social analysis to a view based on economic knowledge. The proposal is to create an

economic theory that considers peripheral reality, by applying to those countries whose

the economic situation keep specificities toward developed economies. The study is

completed with a brief review of the book History and Development, written in 1968,

arguing that it’s concludes the analysis of 1957 showing that the great advantage of that

theory is to incorporate the Brazilian process of historical formation, economic and

social which without it is not possible to unravel the present dilemmas. It’s conclude t in

the opinion of Caio Prado Júnior that there is not a finished economic theory to the

backward countries, nonetheless an interpretation of their economic dilemmas,

explained by the past, this factor was overlooked by the classical theories applied to

underdeveloped countries.

Keywords: Economic theory; History of Economic Thought in Brazil; Caio Prado

Júnior; Economic Development; Brazil’s Economic History.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 9

2. O CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL ................................... 11

2.1 Contexto da política econômica nos anos 1950 .......................................................................... 11

2.2 O contexto do pensamento econômico nos anos 1950 ................................................................ 14

2.3 A Cepal ........................................................................................................................................ 17

2.4 Marxismo .................................................................................................................................... 21

3. A OBRA ESBOÇO DOS FUNDAMENTOS DA TEORIA ECONÔMICA ........................................ 24

3.1 De Formação do Brasil Contemporâneo à Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica ...... 24

3.2 Por que estudar a teoria econômica? ........................................................................................... 26

3.3 Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica: críticas às visões da economia política

brasileira ............................................................................................................................................ 32

3.3.1Crítica a Cepal ....................................................................................................................... 37

3.3.2 Crítica a Keynes ................................................................................................................... 41

3.3.3 Crítica aos modelos marxistas .............................................................................................. 48

3.3.4 O Modelo Democrático-Burguês e o Modelo de Subdesenvolvimento Capitalista ............. 49

4. A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO PARA CAIO PRADO JÚNIOR ............ 53

4.1 Perspectivas para Ação................................................................................................................ 55

4.1.1 O diferencial de Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica ....................................... 56

4.1.2 A importância de História e Desenvolvimento ..................................................................... 58

5. Referências Bibliográficas ................................................................................................................ 61

9

1. INTRODUÇÃO

Segundo PRADO JÚNIOR (1942) o Brasil, diferentemente dos países com certo grau

de desenvolvimento (países que romperam suas amarras com o passado) precisa buscar no

passado a solução dos problemas atuais. Considerando que os principais problemas brasileiros

consistem em sua dependência econômica em relação aos países desenvolvidos, as

preocupações de Caio Prado Júnior, ao longo das décadas de 1940 e 1950, concentraram-se

em captar a formação histórica do Brasil, bem como delinear os principais problemas do

presente, buscando soluções, tanto da herança do passado, quanto de perspectivas de futuro.

O presente trabalho, abordando o diagnóstico que Caio Prado elaborou nos anos de

1950, faz uma análise sobre os problemas econômicos brasileiros, sem eliminar suas

considerações sobre a formação do Brasil contemporâneo, evidenciando a importância de

estudar a teoria econômica e tentar compreender suas dificuldades de adaptação na realidade

brasileira. O foco está em tentar compreender o lugar do livro Esboço dos Fundamentos da

Teoria Econômica escrito em 1957 no conjunto de reflexões de Caio Prado Júnior, levando

em consideração que, embora tendo como principal caraterística a reflexão sobre a história

para compreender os dilemas do presente, ocorre uma alteração no instrumental utilizado pelo

autor para compreendê-lo, que passa de uma reflexão sobre a formação da Nação e os dilemas

sociais brasileiros para um diagnóstico no qual, os problemas econômicos são o elemento-

chave para diagnosticar o presente e sugerir normas para a ação. Argumenta-se ainda, que

essa passagem do social para o econômico pode ser explicada também pelos debates

intelectuais dos anos de 1950, no qual a economia se torna o principal instrumental de

conhecimento para compreender o presente, ao contrário da análise social que predominou

nos anos de 1930 e 1940. Nesses anos a principal forma de compreender a realidade brasileira

era através das ciências sociais, interpretando o passado brasileiro (CANDIDO, 1984, pp. 27-

36). A partir dos anos de 1950 o objeto que compreende o presente passa a ser o estudo das

relações econômicas. Isso evidencia a mudança da visão de Caio Prado Júnior em 1957.

Em Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica Caio Prado Júnior foi além de

uma análise histórica recorrendo à teoria econômica que se transformou na principal forma de

compreender o presente, tendo com principal objetivo enfatizar as dificuldades da sua

adaptação em países com características colonial-históricas. No Brasil, o tipo de colonização

por exploração criou um nexo de dependência e um foco nas necessidades de demanda

10

externa, o que se mostra completamente diferente nos países desenvolvidos – como os países

europeus e os Estados Unidos - onde o grande arsenal teórico econômico se desenvolveu a

partir da compreensão das transformações que estavam ocorrendo nos países desenvolvidos.

Para compreender o papel de Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica, cabe ao

trabalho apresentar uns dos principais argumentos de Caio Prado Júnior em 1957, ano em que

o cenário nacional passa por várias mudanças, principalmente com o Plano de Metas e o

surgimento de vários modelos no pensamento econômico que tentavam encontrar soluções

para a problemática brasileira do subdesenvolvimento. Esse argumento consistia em defender

a ausência de uma teoria econômica que levasse em consideração as características dos países

subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil.

Caio Prado Júnior tenta mostrar na obra de 1957 a importância da teoria e da prática

estarem juntas e sempre relacionadas – como já havia feito em suas publicações anteriores-

evidenciando que os grandes autores que discutiam economia direcionavam seus argumentos

à realidade que presenciavam. A realidade era a de países precursores do capitalismo e do

desenvolvimento.

No Brasil a falta de uma teoria que entendesse a prática (a realidade) fez com que

adotássemos teorias prontas e relacionadas aos países desenvolvidos, com uma história

diferentes da nossa, sendo clara a necessidade de uma teoria relacionada à prática brasileira,

que possui muitas dificuldades econômicas, estruturais, sociais e históricas.

Fica claro perceber que Caio Prado Júnior não considera as teorias existentes

adequadas para o caso brasileiro e, assim, fica implícita a necessidade de se construir,

dialeticamente, uma teoria para esse caso específico. Caio Prado em Formação do Brasil

Contemporâneo publicado em 1942 já discutia o atraso brasileiro, afirmando que as raízes do

mesmo estavam na excessiva dependência do comércio internacional e na debilidade da

dinâmica econômica interna, estando o desenvolvimento e a superação do passado colonial

ligado à superação do sentido da colonização.

A obra fundamental nesta pesquisa é Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica

de 1957, trazendo pela primeira vez uma preocupação do autor em averiguar as teorias

econômicas difundidas no panorama mundial, em uma releitura minuciosa dos autores

clássicos, como base para uma possível teoria que abarque as reais necessidades de países

com o Brasil, mostrando que nas áreas subdesenvolvidas existe a ausência de uma teoria que

compreenda a realidade de países atrasados e de economias dependentes, tornando-se

necessária a criação de uma teoria que considere a prática dos países subdesenvolvidos ao

11

invés de fazer-se uma tentativa de adaptação de teorias feitas para a realidade dos países

desenvolvidos.

Para tanto, iremos, num primeiro momento, descrever o contexto histórico e cultural

dos anos de 1950, década em que Caio Prado publicou Esboço dos Fundamentos da Teoria

Econômica, tentando compreender os motivos que o levou a escrevê-la. Em seguida, iremos

abordar correntes de pensamento econômico importantes para a compreensão da trajetória

intelectual de Caio Prado Júnior. Feito isso iremos nos deter na obra do autor, expondo suas

trabalhos, escritos principais. Posteriormente o foco será Esboço dos Fundamentos da Teoria

Econômica propriamente dita, buscando mostrar ao leitor as peculiaridades discutidas por

Caio Prado e suas críticas às visões da Economia Política e às correntes marxista, cepalina e

keynesiana.

Por fim, discutiremos a teoria do desenvolvimento econômico para Caio Prado e

dirigiremos nosso trabalho às perspectivas para ação propostas por Caio Prado Júnior.

2. O CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL

2.1 Contexto da política econômica nos anos 1950

A obra Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica foi escrita em 1957, década

em que o Brasil sofreu grandes transformações econômicas e políticas, presenciando um salto

nos índices quantitativos com a presidência de Juscelino Kubitschek e o Plano de Metas. É

importante compreender o cenário brasileiro dessa época tentando construir uma relação da

obra de Caio Prado Júnior com o momento pelo qual o Brasil passava. Cabe aqui então

discutirmos a conjuntura econômica e as transformações brasileiras nos anos de 1950.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 o cenário internacional mudou

significativamente, separando-se o mundo em dois blocos: Estados Unidos (EUA) e União

das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) (KORNIS, 2014). Visando ampliar sua

influência os EUA fizeram com que a cultura norte-americana fosse introduzida não só em

países latino-americanos como o Brasil, mas também em países da Europa. Com a

prosperidade alcançada após a guerra, os EUA difundiram pelo mundo ocidental um modo de

viver com a presença da produção de manufaturados em massa, que se consolidaram no Brasil

nos anos 50, modificando o consumo e o comportamento da população urbana.

12

Antes de discutir os acontecimentos brasileiros em 1950, cabe descrever o panorama e

o cenário em que tudo aconteceu. Comecemos pela política brasileira do pós-guerra, que tinha

no poder o presidente Dutra de 1945 a 1951, governo este que contou com dois marcos

importantes: uma mudança na política de comércio exterior, que levou ao fim do mercado

livre de câmbio e a adoção do contingenciamento às importações em 1948; e a passagem de

uma política ortodoxa para metas fiscais e monetárias flexíveis (VIANA, 1990). Desde o

início o principal problema enfrentado pela economia brasileira tinha um nome, a inflação. A

política liberal adotada por Dutra tinha como principais objetivos atender a demanda contida

durante a Segunda Guerra Mundial, a ampliar a concorrência ou a produção/disponibilidade

de bens de consumo, aumentando assim a oferta de produtos industrializados visando uma

diminuição dos preços; e estimular o ingresso bruto de capitais no futuro.

A partir de 1947 foram várias as tentativas para controlar as importações, dentre elas o

regime de câmbio por cooperação e a criação de licenças prévias para importar. Em 1949,

houve uma reversão da política de Dutra, pois com a proximidade das eleições era preciso

controlar a inflação que havia acelerado.

Em 1951, assume pela segunda vez a presidência da República, Getúlio Vargas que

permanece no cargo até 1954. Segundo Viana (1990) o governo dividiu seus objetivos em

duas fases: a fase de estabilização e a de realizações. A primeira consistia em uma política

ortodoxa que equilibrasse as finanças públicas e uma política monetária restritiva para dar fim

à inflação. Já a segunda contava com um saneamento econômico e financeiro e um afluxo de

capitais externos para financiar projetos industriais e de infraestrutura.

Com a vitória do partido republicano nos Estados Unidos em 1953, a Comissão Mista

Brasil Estados Unidos, que incentivava o afluxo de capitais para o Brasil, chega ao fim, tendo

o país que abandonar seu projeto inicial que depositava no apoio estadunidense os projetos de

infraestrutura e industrialização. Assim, nesse mesmo ano, cria-se a Lei 1807 (Lei do

Mercado Livre) para incentivar a entrada de capitais estrangeiros, instituindo um sistema de

taxas múltiplas de câmbio com o objetivo de possibilitar o escoamento das exportações dos

produtos gravosos e a reduzir a propensão a importar. Porém, as exportações não reagiram a

essa lei, gerando apenas uma crise no Balanço de Pagamentos. Com esses resultados

negativos assume o novo ministro da fazenda que atua tentando estabilizar a economia com

uma política fiscal austera e uma política monetária restritiva. A solução criada foi a Instrução

70 da SUMOC que consistia em leilões de câmbio e no fim do controle das importações. Mais

uma vez o Balanço de Pagamentos estava deficitário. No início dos anos 50 Getúlio Vargas

13

traçou projetos estratégicos como a geração de energia elétrica, deu forma operacional à

Petrobrás, realizou um plano rodoviário para integrar a logística do mercado interno, apontou

a centralidade da indústria metal- mecânica, criando assim, estrutura para o avanço da

industrialização brasileira (LESSA, 2006).

Em 1956 assume a presidência Juscelino Kubitschek. A maioria de suas metas, que

pretendiam um crescimento de cinquenta anos do Brasil em apenas cinco anos, através do

investimento em áreas prioritárias para o desenvolvimento econômico, principalmente, infra-

estrutura (rodovias, hidrelétricas, aeroportos) e indústria, foram atingidas tanto no setor

público como no privado, alcançando o tripé crescimento econômico, democracia e

estabilidade de preços (OREINSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990). Os programas anteriores

ao governo de Juscelino estavam ligados em geral à infraestrutura. Em 1956, cria-se o

Conselho de Desenvolvimento encarregado de lançar o Plano de Metas, estimulando o

crescimento econômico e resumindo os objetivos da esfera pública. O plano investiu em cinco

áreas principais: energia, transporte, indústria de base, educação e alimentação. Tinha como

objetivo diminuir a inflação, aumentar as exportações, aumentar a renda per capita e diminuir

as importações.

Os hábitos da sociedade se deixaram moldar pelo processo de modernização da época,

onde os produtos começaram a ser fabricados com plástico e fibras sintéticas, tornando-se a

vida mais prática. A política desenvolvimentista da época consolidou a sociedade urbano-

industrial acompanhada de um novo estilo de vida.

Expandiram-se os meios de comunicação, cinema, teatro, o consumo de novos

produtos, a música, as artes, etc. Os anos 50 ficaram conhecidos como “anos dourados” por

englobarem mudanças sociais, culturais e por alcançar a tão almejada reconstrução nacional.

As metas do Plano de Metas alcançaram resultados positivos, crescendo as indústrias de base

100%, dando aos brasileiros esperança de que o subdesenvolvimento poderia ser superado.

Porém, o governo foi criticado pelo crescimento econômico ter sido impulsionado pelo capital

estrangeiro (OREINSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990).

Discutido o panorama econômico e político da época, cabe agora apresentarmos o

comportamento do pensamento econômico dos anos 1950, que foi sofrendo transformações e

sendo moldado conforme os acontecimentos ocorridos. Destacaremos adiante a importância

dessa década para as teorias econômicas e os principais argumentos utilizados e criticados por

Caio Prado Júnior em Esboços dos Fundamentos da Teoria Econômica. Deteremos-nos em

argumentos da CEPAL, do marxismo e de Keynes.

14

2.2 O contexto do pensamento econômico nos anos 1950

Já enunciado o andamento político e econômico dos anos 1950, cabe agora uma

discussão sobre o pensamento econômico da época. Nessa seção serão abordados o

pensamento desenvolvimentista e seu confronto com o pensamento liberal. Será também

evidenciada a importância da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

(CEPAL) na formulação de políticas econômicas dos anos 50 e sua defesa ao protecionismo, e

os vários modelos dos principais pensadores da economia política: o Modelo de Substituição

de Importações, o Modelo de Democrático-Burguês, o Modelo de Subdesenvolvimento

Capitalista e o Modelo Brasileiro de Desenvolvimento, todos segundo a classificação de

Guido Mantega.

No campo do pensamento econômico os anos de 1950 foram especiais, pois

presenciaram o amadurecimento do desenvolvimentismo. A conjuntura econômica e política

brasileira de transição do após-guerra exigiram do pesquisador uma análise em separado,

registrando a historiografia brasileira grande concentração de pesquisa no final da década de

1940 (BIELSCHOWSKY, 2000).

No triênio 1953-1955 o pensamento econômico desenvolvimentista respondeu ao

liberalismo com firmeza, passando o debate para o ritmo em que o governo efetuava o

desenvolvimento urbano-industrial. Foi um período de decisões e indeterminações políticas,

ocorrendo nesse triênio a armação institucional básica das correntes do pensamento

econômico do desenvolvimentismo. Em 1955, com o anúncio das metas de Juscelino

Kubitschek, o pensamento econômico desenvolvimentista atingiu seu auge.

Bielschowsky apresenta as três principais vertentes em que se dividiam o pensamento

desenvolvimentista em sua obra. Os desenvolvimentistas “não nacionalistas” aproximaram-se

das posições neoliberais, não abandonando. A questão de que se o país devia ou não

industrializar-se, deixou de ter a relevância do passado, pois a mesma já era fato consumado

no final dos anos 50. Os desenvolvimentistas do setor privado continuavam a defender a

industrialização e os interesses dos grandes empresários. Já os desenvolvimentistas

nacionalistas vinculavam suas ideias principais através da Revista Econômica Brasileira,

estando no auge da sua participação no processo decisório da política de industrialização e

ainda não se preocupando, como faria anos depois, com os desequilíbrios regionais. Essa

ênfase às questões distributivas ficou por conta da corrente socialista, inaugurando ao lado da

15

Revista Brasiliense, editada por Caio Prado Júnior desde 1955, a Revista de Estudos Sociais,

colocando em ação a discussão das questões nacionalistas e distributivas.

Durante a década de 50, disputavam lugar com os desenvolvimentistas, que

priorizavam a intervenção estatal para o alcance da industrialização; os liberais, que

defendiam a vocação agrária do país (MANTEGA, 1987). Enquanto a corrente liberal

limitava-se aos antigos princípios estabelecidos pela teoria econômica como a regulação

automática do mercado, alocação ótima de recursos e a teoria das vantagens comparativas, a

corrente desenvolvimentista encontrou na Comissão Econômica para a América Latina

(CEPAL) um apoio para seus argumentos.

A CEPAL além de fornecer a teoria do desenvolvimentismo e de levar aos meios de

comunicação da época as informações sobre suas discussões, também foi responsável pela

elaboração de planos de governo colocados em prática na metade dos anos 50. A esquerda

comunista aderiu ao pensamento defendido pelos desenvolvimentistas de que a

industrialização era meta prioritária naquele momento, fazendo com que a ideologia ganhasse

impulso. O auge da influência do desenvolvimentismo cepalino ocorreu durante as décadas de

1950 e 1960 (COLISTETE, 1990). A tese cepalina propunha uma industrialização apoiada

pelo Estado como a melhor forma de superação do subdesenvolvimento latino-americano. A

ambiguidade e a flexibilidade da teoria cepalina, que sofreu ajustes que incorporavam sempre

novos temas e questões, permitiram sua consolidação em 1950.

Já na economia política surgem renomados pensadores, como Celso Furtado, Ignácio

Rangel e Maria da Conceição Tavares, que chegaram a diagnósticos parecidos construindo o

primeiro modelo de análise da economia brasileira, o Modelo de Substituição de Importações.

A substituição de importações promove em um primeiro momento a expansão do mercado

interno, pois acontece nos setores de bens de consumo corrente, de alguns bens intermediários

e de bens de capital (TAVARES, 1972). Ainda nesse primeiro momento, a industrialização

substitutiva não elimina as importações, verificando-se uma constante transformação da pauta

de importações. Para Tavares, o estrangulamento externo não era absoluto, mas provisório,

pois cada período de restrições e incentivo a produção interna era sucedido por outras novas

importações que conduzia um novo estrangulamento.

Após as substituições dos produtos de consumo corrente, a vez passa a ser dos bens de

consumo duráveis, bens intermediários e de capitais, causando insuficiência do mercado

consumidor devido uso de bases tecnológicas no lugar da mão-de-obra, ocasionando o

problema da demanda.

16

Disputando com esses pensadores estavam os intelectuais ligados ao Partido

Comunista Brasileiro (PCB), formulando para a realidade brasileira uma abordagem marxista,

buscando aplicar no Brasil as teses da III Internacional para países coloniais e retardatários

que segundo argumentavam, a agricultura brasileira tinha caráter semifeudal focada na

exportação de produtos primários da colônia, impedindo o desenrolar da industrialização

(MANTEGA, 1987). Essa tese ganhou forças com os trabalhos de Nelson Werneck Sodré e

Alberto Passos Guimarães que consolidaram um novo modelo de interpretação brasileira, o

modelo Democrático- Burguês, que não se distinguia muito do Modelo de Substituição de

Importações, já que ambos defendiam a industrialização destacando o papel da burguesia

industrial e do Estado nesse processo. Porém, enquanto o primeiro preocupava-se em discutir

questões políticas, o segundo detinha-se nos aspectos técnicos do desenvolvimento.

Nos anos 60 ambas as correntes foram vítimas de críticas devido à falta de resultados

da teoria desenvolvimentista (MANTEGA, 1987). Caio Prado Júnior surge como principal

membro do PCB que critica a tese de que as relações sociais de produção, no Brasil, ocorridas

no campo era semifeudais e pré-capitalistas, afirmando em A Revolução Brasileira que a

agricultura era capitalista e que nunca tinha sido feudal, originando-se do interesse comercial

europeu, nossos então colonizadores. Assim, não havia revolução democrático-burguesa a ser

feita, pois o Brasil, mesmo que colonial e dominado pelos interesses dos imperialistas,

encontrava-se em pleno capitalismo.

Caio Prado Júnior apresenta sua tese de que o Brasil vivia em um capitalismo tardio,

descartando o reformismo do PCB, sendo essa situação resultado da expansão do capitalismo

mundial, surgindo a tese do Subdesenvolvimento Capitalista. A precariedade do mercado

interno fez com que o excedente nacional produzido pela superexploração dos trabalhadores,

tomasse como destino os mercados menos desenvolvidos dos países da América Latina. A

tese de subimperialismo brasileiro, capitalismo colonial, desenvolvimento do

subdesenvolvimento e da superexploração do trabalhador resultaram no Modelo de

Subdesenvolvimento Capitalista.

A corrente neotrotskista surge então, afirmando que a única saída para superar esse

subdesenvolvimento seria a implementação do socialismo para alcançar a democracia, a

soberania nacional e desenvolver as forças produtivas. Na segunda metade dos anos 60, em

discordância a essa tese catastrófica surge a Teoria da Dependência que afirmava que o

desenvolvimento capitalista em países como o Brasil ocorreria de forma dependente e

17

associada ao capital estrangeiro, consolidada nos anos 70 com os trabalhos de Francisco de

Oliveira, Paul Singer e Maria da Conceição Tavares.

Outro modelo oposto às teses e aos autores citados anteriormente é o Modelo

Brasileiro de Desenvolvimento, colocado em prática a partir do Golpe Militar de 1964 e

segundo Mantega vigente até os “nossos dias”, referindo-se ao ano de 1987. Esses pensadores

controversos adaptaram a teoria neoclássica liberal à necessidade de intervenção estatal em

uma economia de acumulação inicial como a do Brasil. Roberto Campos e Mário Henrique

Simonsen, percursores desse corrente, inovaram os ensinamentos do Gudin, que criticava a

estatização da economia brasileira.

Os pensadores brasileiros, segundo Mantega, fundamentaram suas análises da

economia brasileira através da releitura da teoria econômica convencional, como a clássica,

marxista, neoclássica, keynesiana e outras. Para Mantega, nem todos os pensadores

consideraram as especificidades e peculiaridades do Brasil, aplicando-se modelos de

interpretação do capitalismo clássico. Porém, veremos que essa afirmação não é correta,

quando mostramos o papel de Esboço dos Fundamentos Econômicos na obra de Caio Prado

Júnior. Isso será discutido melhor na última seção desse trabalho chamada, Perspectiva para

ação.

Concluímos então nosso panorama econômico dos anos 50, as principais medidas

econômicas, os governos e o comportamento do pensamento econômico da época.

Destacamos o papel do pensamento desenvolvimentista, que teve seu auge os anos 1950, do

Modelo Democrático-Burguês e do Modelo de Subdesenvolvimento Capitalista que também

desenvolveram-se na década de 50. Por fim, expomos a visão de Mantega acerca da cópia das

teorias econômicas no Brasil, país considerado colonial e atrasado, completamente

despreparado para a utilização das teorias dos países desenvolvidos, deixando em aberto essa

questão, que será discutida mais a frente.

A seguir, serão discutidas as características da Cepal e do Marxismo, permitindo ao

leitor conhecer o que posteriormente Caio Prado Júnior criticou sobre esses argumentos em

sua obra.

2.3 A Cepal

Criada em 25 de fevereiro de 1948, a Comissão Econômica para a América Latina e o

Caribe (CEPAL), é uma das cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas. O

18

intuito de sua criação foi monitorar as políticas direcionadas à promoção do desenvolvimento

econômico na região latino-americana e o Caribe e contribuir de alguma forma para reforçar

as relações econômicas entre os países dessa região e as demais nações, tendo como objetivo

principal promover o desenvolvimento econômico. Essa seção tem como objetivo apresentar

os aspectos gerais da teoria cepalina, enfatizando os argumentos que são criticados por Caio

Prado Júnior. Isso dará ao leitor base para a compreensão da elaboração de Esboços dos

Fundamentos da Teoria Econômica.

A teoria cepalina do desenvolvimento latino-americano foi formulada entre 1949, com

a chegada de Prebisch ao escritório da Cepal no Chile e o final dos anos de 1950, sendo

conduzida e conduzindo a realidade dos países da América Latina. No Brasil, a teoria cepalina

encontrou um terreno fértil, sendo abraçada pelos técnicos governamentais e empresários

industriais que ampararam suas causas.

A Cepal (BIELSCHOWSKY, 2000) não apenas formulou propostas protecionistas

contrárias às teorias e políticas liberais, mas elaborou um amplo e original sistema analítico

para compreender o processo de transformação das economias da América Latina. A teoria do

subdesenvolvimento de Prebisch e da Cepal propôs para os países subdesenvolvidos a

industrialização com meio de superar a pobreza e reduzir as diferenças em relação aos países

ricos, criando assim uma independência do crescimento econômico autossustentado. A Cepal

atacou o liberalismo e seus princípios de livre comércio, que era doutrina dominante na época,

ao propor um desenvolvimento que fosse autossustentável através do planejamento e o

intervencionismo para um avanço rápido e eficiente da industrialização.

Bielschowsky apresenta sete aspectos da teoria cepalina de suma importância para seu

sistema analítico. O primeiro aspecto é o subdesenvolvimento como condição periférica que

diz respeito ao conceito fundamental da Cepal de “centro-periferia” que descreve a difusão do

progresso técnico nas periferias. O progresso técnico é diferenciado: no centro sua difusão é

rápida em todos os setores, ocorrendo de forma homogênea e na periferia é intenso apenas no

setor de exportação, em contraste com o restante do sistema produtivo. A Cepal crítica

veemente a teoria clássica das Vantagens Comparativas, afirmando que a mesma falha ao

afirmar que a transferência de progresso técnico é igual tanto no centro como na periferia e

que os preços dos produtos manufaturados caem mais que os preços dos produtos primários,

melhorando a situação da periferia, passando a poder importar mais.

Analisando alguns dados que mostram a relação entre os preços dos produtos

primários e dos artigos finais da indústria Prebisch concluiu o contrário ao perceber que os

19

preços dos produtos primários caem relativamente mais que os preços dos produtos

manufaturados, concluindo que a concorrência não existe em decorrência da existência de

monopólios industrializados absorverem o lucro não havendo transferência de progresso

técnico para a periferia. (PREBISH, 2013)

O segundo aspecto discutido pelo autor é a identificação de um processo de

industrialização espontâneo e o significado histórico a ele atribuído, que afirma que a

substituição do crescimento “para fora” dentro de um padrão primário exportador para um

desenvolvimento “para dentro” dinamiza o desequilíbrio no Balanço de Pagamentos.

O terceiro aspecto traz a industrialização na periferia como um padrão de

desenvolvimento sem precedente e problemático, pois o consumo na periferia é independente

do sistema produtivo e os bens são importados através dos rendimentos da atividade

exportadora, herdando a fase “para dentro” uma economia especializada em poucos setores de

exportação, gerando uma dependência dos produtos exportados.

A tese estruturalista sobre a inflação é o quarto aspecto cepalino em cena. Nessa tese,

a Cepal defende que a inflação é provocada por condições estruturais e a maneira de evitá-la é

alterando as condições estruturais que a provocam através de um esforço para um crescimento

econômico contínuo e planejado.

O quinto aspecto é referente à substituição de importações que se constitui como um

processo específico da industrialização da América Latina através da interação entre

desequilíbrio externo e novas demandas por importação devido à expansão industrial. Os dois

últimos aspectos cepalinos levantados por Bielshowsky são as propostas de planejamento da

Cepal, fundamental devido ao desequilíbrio externo e o seu argumento de intervencionismo,

defendendo que a mão-de-obra abundante deve ser aplicada no setor menos produtor evitando

o direcionamento da produtividade para o centro.

Expostos os principais argumentos da Cepal, cabe enfatizarmos aqui, os pontos que

serão criticados por Caio Prado Júnior mais à frente para que possamos compreender o

direcionamento de seus argumentos.

Comecemos pela teoria do desenvolvimento, que compreende um dos principais

pilares da teoria cepalina. Essa teoria (BIELSCHOWSKY, 2000) faz uma análise das

transformações que ocorrem na “periferia” latino-americana, destacando que a mesma é

completamente diferente do ocorrido na Revolução Industrial dos países desenvolvidos.

Destaca a diferença do consumo nos países subdesenvolvidos que independe do sistema

produtivo e a importância dos rendimentos das exportações para efetuar as importações. A

20

teoria afirma que a fase de desenvolvimento “para dentro” teve dificuldades ao herdar uma

base econômica especializada em poucas atividades de exportação, com diversificação

praticamente nula, sendo as exportações insuficientes para satisfazer a capacidade de

importar. Percebemos aqui, o ponto de vista econômico da Cepal, que se baseava em fatores

quantitativos, não se referindo aos condicionantes sociais e políticos das economias

periféricas.

Outro tema importante (BIELSCHOWSKY, 2000) da Cepal é o termo “centro-

periferia”, que descreve como o progresso técnico se difunde. Como já visto nesse conceito a

divisão internacional do trabalho provocou um desenvolvimento diferente nas duas regiões,

desenvolvendo-se o progresso técnico de forma desigual. Para a teoria cepalina a definição de

períferia resumia-se a “função de suprir o centro com alimentos e matérias-primas a baixo

preço, o progresso técnico só foi introduzido nos setores de exportação, que eram verdadeiras

ilhas de alta produtividade, em forte contraste com o atraso do restante do sistema produtivo”

(Bielschowsky, 2000, p.16), enfatizando a importância da baixa difusão das técnicas

modernas nesses países. O conjunto de problemas das economias periféricas ameaçava a

continuidade da difusão do progresso técnico. O resultado da distinção entre as estruturas

dessas economias eram a especialização e a heterogeneidade tecnológica que provocava

quatro tendências: desemprego, deterioração nos termos de intercâmbio, desequilíbrio externo

e inflação.

É importante salientar que o auge da influência cepalina no Brasil foi entre as décadas

de 1950 e 1960. Isso ocorre justamente por sua participação em planos do governo. Nos anos

de 1950 a Cepal defendeu o caráter positivo das inversões, que consistiam em investimentos

externos para a promoção da industrialização brasileira tornando-se a estratégia utilizada na

época. Segundo a Cepal, a internacionalização era um fator imperativo econômico e técnico

indiscutível para que a industrialização fosse possível. Nos anos de Juscelino e o seu Plano de

Metas houve um impulso extraordinário ao desenvolvimento gerando um crescimento

industrial, modernização e implantação de novos ramos produtivos. Porém, o resultado disso

foi a ocorrência de desequilíbrios sociais e regionais. Isso evidencia mais uma vez a não

discussão dos aspectos socias pela Cepal e a importância da internacionalização dada por eles.

Segundo Colistete em O Desenvolvimento Cepalino: Problemas Teóricos e

Influências no Brasil os autores cepalinos fizeram mais que um manifesto pelo

desenvolvimento dos países da América Latina, eles elaboraram uma estrutura conceitual

própria que deu suporte e legitimidade às propostas da Cepal legitimidade. As preposições

21

teóricas e políticas atribuíram ao substância desenvolvimentismo cepalino, referindo-se a

proposta de industrialização apoiada pelo Estado como superação do subdesenvolvimento

latino-americano.

Suas primeiras alterações aconteceram em 1960, quando houve um questionamento de

como a industrialização era capaz de superar a condição periférica. Ao longo dos anos, outras

mudanças mais radicais foram ocorrendo, particularmente sobre o conceito de dependência. A

partir da segunda metade dos anos 1960, a teoria entrou em declínio devido a outras correntes

teóricas. Apesar disso, o pensamento econômico brasileiro tem até os dias de hoje as marcas

da Cepal.

Assim, aqui foram discutidos os principais temas da Cepal e os seus argumentos sobre

o desenvolvimento. A importância da compreensão das defesas cepalinas é primordial para

entendimento das críticas feitas indiretamente à corrente por Caio Prado Júnior em 1957.

Torna-se assim importante discorrer na próxima seção sobre a corrente marxista que também

foi criticada por Caio Prado Júnior quando o mesmo formulou suas análises às interpretações

da realidade.

2.4 Marxismo

Passemos para a discussão do marxismo. Na verdade, o que há na obra de 1957 não é

uma crítica á teoria marxista, mas ao diagnóstico realizado pela corrente tal como foi

assimilada no Brasil, seja pelo Partido Comunista Brasileiro, seja por intelectuais que

adotavam seu referencial teórico. Assim, essa seção é exposta de maneira diferente da seção

“Cepal”, consistindo na exposição da III e IV Internacional, de como Caio Prado utilizou o

pensamento marxista em suas obras e a utilização do mesmo na obra Esboço dos

Fundamentos da Teoria Econômica.

Caio Prado Júnior aborda o pensamento marxista no Brasil de maneira distinta dos

demais intelectuais de sua época, sendo uma exceção ao combinar Marx com a meio cultural

de 1920 e 1930, rejeitando a interpretação mecanicista das obras de Marx feitas até a década

de 60. Caio Prado interpretou os argumentos marxistas sem fazer cópias, contribuindo com

obras que abordavam a união da teoria à prática (SECCO, 2007).

A Internacional Comunista surge como o nome dos movimentos comunistas de cunho

internacional. As raízes do pensamento marxista brasileiro estão inseridas na III e IV

Internacional. A III Internacional fundada em 1919 foi resultado das divergências entre Lênin

22

e os principais líderes do movimento comunista internacional, ganhando importância ao

discutir a questão nacional e colonial. Segundo Lênin “os movimentos nacionais dos países

atrasados deveriam ser democrático-burgueses”, tornando-se os comunistas responsáveis em

apoiar os burgueses locais, atacando o imperialismo e os “burgueses renegados” - que

defendiam as práticas imperialistas – pois eram contra os trabalhadores. Lênin defendia um

acordo ente o proletariado e a burguesia no contexto revolucionário (MANTEGA, 1987, p.

145).

A IV Internacional, por sua vez, apoiada por Trotski afirmava que o programa

revolucionário deveria ser uma transição para o socialismo, contrariando a revolução

democrático – burguesa que focava em eliminar um feudalismo, que segundo a IV

Internacional era inexistente no Brasil. Era impossível instaurar regimes democráticos em

países coloniais e atrasados.

Para Trotski, o desenvolvimento desigual e combinado do mundo capitalista

atribuía às colônias e semicolônias a condição de países atrasados que, em

face de sua submissão à dominação capitalista, reuniam, ao mesmo tempo,

formas econômicas primitivas e a última palavra em técnica e civilização

capitalista. Em face disso, o proletariado dos países atrasados deveria

elaborar uma política que combinasse as lutas mais elementares da

independência nacional e da democracia burguesa com a luta socialista

contra o imperialismo mundial (MATEGA, 1983, p. 155).

Caio Prado Júnior encontra na IV Internacional as bases para seus argumentos. Autor

de orientação marxista, Prado Júnior enfatizou no Modelo de Subdesenvolvimento Capitalista

sua crítica ao Modelo Democrático-burguês (MANTEGA, 1987).

Para o autor, os laços de produção semifeudal existentes no Brasil segundo o programa

democrático-burguês, não existiam. O Brasil sempre fora assim, capitalista. Caio Prado torna

verídica sua afirmação ao expor as relações de trabalho de cunho capitalista em seu modelo.

Essa questão será mais bem discutida na seção “Críticas ao Marxismo”.

Caio Prado Júnior também evidenciou o pensamento marxista em suas análises,

discutindo questões como o desenvolvimento do trabalho, sua especialização e o aumento da

produtividade, e apresentando ao leitor, seu método dialético.

Tanto a influência marxista presente nas obras de Caio Prado Júnior como suas críticas

e discussões sobre o pensamento econômico são evidenciadas em Esboço dos Fundamentos

da Teoria Econômica. É importante ressaltar que a obra faz uma discussão de alguns dos

23

principais teóricos econômicos, destacando as principais divergências apontadas por Caio

Prado e sua defesa em relação a certas argumentações.

O lado marxista de Caio Prado é evidente em toda a sua obra. Em Esboço dos

Fundamentos da Teoria Econômica seu lado marxista aparece quando o autor se refere ao

produto social, afirmando que quando esse produto social é gerado a divisão do trabalho deixa

o plano trabalhador e produtor, atingindo um patamar de escravo e senhor, dando lugar à

pretensões distintas e a um jogo de forças.

O processo econômico e o termo de troca apresentam-se como distribuidores do

produto social, abrindo novas perspectivas de divisão do trabalho e especialização do

produtor. A mercantilização se torna o processo de generalização do regime de trocas

favorecendo a divisão do trabalho, especialização do produtor e o desenvolvimento da

produtividade.

As razões gerais dessa deficiência e das limitações do comércio pré-moderno

residem na sua imaturidade do ponto de vista da facilidade do intercâmbio,

fluidez da oferta e da procura, concorrência efetiva de ofertantes e

demandistas. Na ausência em suma dos elementos que constituem o que os

economistas denominam um “mercado perfeito”. Mas todas as deficiências

do comércio pré-moderno se centralizam (porque é aí que se conjugam para

darem naquela circunstância fundamental da confusão entre o valor de uso e

valor de troca) no fato de não se terem formado ainda as condições

necessárias para que o esforço despendido na produção fosse suscetível de

medição através do funcionamento normal das trocas, pois faltava para isso,

em primeiro lugar, o padrão dessa medida (PRADO JÚNIOR, 1961, p.39).

Outra importante contribuição marxista na obra de Caio Prado é a utilização do

método dialético já enunciado na introdução do presente trabalho, método este, que para os

marxistas consiste, em última instância, em uma teoria do conhecimento.

A utilização do método dialético fica evidente na obra de Caio Prado Júnior, quando o

autor defende a idéia de transportar a prática brasileira de caráter colonial exportador para a

teoria. Ou seja, o autor busca uma teoria que reflita as reais necessidades do país em questão,

que compreenda a realidade e as dificuldades que a mesma enfrenta para então tentar

construir uma teoria. Essa dialética marxista defende uma compreensão do todo, sempre

utilizando uma idéia que o mundo não deve ser considerado com a característica de ser estável

e ter coisas eternas e acabadas. As idéias e as coisas passam por constantes mudanças, não

estando nada acabado, sendo o fim de um processo, o começo de outro.

24

Assim, compreendemos a importância de Marx na obra de Caio Prado Júnior ao

discutirmos um dos seus principais argumentos em debate, a construção de uma teoria

concreta para países coloniais e dependentes.

A seguir será discutida a terceira parte do presente trabalho que aborda a obra de Caio

Prado Júnior, destacando sua importância e o papel de Esboço dos Fundamentos da Teoria

Econômica. Será apresentada a idéia sobre a relevância em estudar a teoria econômica e as

principais críticas de Prado Júnior à Cepal, ao marxismo e à Keynes.

3. A OBRA ESBOÇO DOS FUNDAMENTOS DA TEORIA ECONÔMICA

3.1 De Formação do Brasil Contemporâneo à Esboço dos Fundamentos da Teoria

Econômica

Nessa seção abordaremos as principais obras de Caio Prado Júnior e suas

contribuições para a compreensão da história brasileira, caminhando para o entendimento da

publicação de Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica em 1957.

A maturidade intelectual de Caio Prado Júnior já havia se desenvolvido

consideravelmente no início da Segunda Guerra Mundial, segundo Paulo Teixeira Iumatti em

Caio Prado Jr.: uma trajetória intelectual (IUMATTI, 2007). Em 1942 publicou aquela que

seria sua tão prestigiada e discutida obra, Formação do Brasil Contemporâneo que trouxe

uma interpretação sobre o Brasil de “hoje”, convencendo os leitores dos obstáculos que o

passado colonial brasileiro causava, impedindo o desenvolvimento da nação. Colocou a tríade

“população, vida material e vida social” presentes na obra de 1942, em um jogo dialético

apresentando traços pioneiros em relação aos trabalhos de outros historiadores. Essa obra

trouxe uma nova maneira de interpretar o Brasil.

Para Iumatti, Caio Prado tinha como preocupação tornar o discurso historiográfico

marxista menos dogmático, atingindo um nível elevado de elaboração metodológica. Após as

críticas recebidas com a publicação de seu primeiro livro Evolução política do Brasil (1933),

que mostrava a interpretação materialista da História e afirmando que não tem a intenção de

fazer uma análise tradicional sobre o tema, o autor tenta dialogar com os diferentes setores da

sociedade abrindo as portas às alianças políticas.

25

Formação do Brasil Contemporâneo distancia-se da Evolução Política do Brasil ao

procurar demonstrar a força do conhecimento para compreensão da vida e as possibilidades de

orientação da mesma.

O significado da obra de Caio Prado na historiografia pode ter como peça fundamental

a obra Formação do Brasil Contemporâneo, pois a partir da publicação da mesma os esforços

do autor se concentraram na síntese da história econômica brasileira.

Em 1945 é publicada História Econômica do Brasil, que contribuiu de maneira

decisiva para a compreensão das questões nacionais, interpretando a história brasileira sob um

ponto de vista marxista e se tornando indispensável para o entendimento das características

estruturais do Brasil, dos dilemas herdados pelo seu passado colonial e os possíveis caminhos

para superá-los. Em 1952 publicou Dialética do Conhecimento, em 1953, Evolução Política

do Brasil e outros estudos e em 1954 Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira,

obras essas não tão conhecidas pelos leitores.

José Carlos Reis afirma em seu artigo Anos 1960: Caio Prado Jr e “A Revolução

Brasileira” que as grandes obras de Caio Prado sempre apresentam uma indagação sobre o

sentido da história brasileira.

Para Plínio de Arruda Sampaio Júnior (1997) a obra de Caio Prado Júnior nos fornece

importantes elementos para uma análise minuciosa sobre a problemática do desenvolvimento

nacional, enfatizando a necessidade de superar as relações internas e externas que geram o

subdesenvolvimento. Através da leitura da obra de Caio Prado, procura-se encontrar as

respostas para os problemas contemporâneos dos países de capitalismo dependente através de

uma análise de suas estruturas e dinâmicas.

As nações emergentes possuem excessiva dependência em relação aos países

desenvolvidos. Essas nações emergentes apresentam dificuldades em utilizar o capitalismo

para gerar eficiência econômica e bem-estar da população e isso faz com que o país se

direcione à barbárie, contrariando o desenvolvimento. Ou seja, a posição de dependência

brasileira em relação aos países desenvolvidos resulta em um abandono à construção de uma

nação, caminhando em direção à situação de crise e barbárie, propondo Plínio uma revisão

dessa dependência em relação ao capital estrangeiro, eliminando o abismo social e a cópia dos

padrões de consumo dos países ricos (SAMPAIO JÚNIOR, 1997).

Caio Prado Júnior assume uma nova maneira de pensar o conformismo político e

social das sociedades dependentes. Suas novas interpretações mostram que as teorias

26

convencionais nos foram impostas e que a tendência dos países capitalistas não deve ser

aceita sem nenhum questionamento.

Percebendo os desafios do desenvolvimento nacional e a ausência de teorias e

instrumentos analíticos adequados é que Caio Prado Júnior escreve em 1957, Esboço dos

Fundamentos da Teoria Econômica onde apresenta sua argumentação sobre os modelos

econômicos utilizados em uma realidade completamente diferente e peculiar, da realidade dos

países subdesenvolvidos. O trabalho é dedicado à discussão sobre essa obra.

A seguir, discutimos a importância do estudo da teoria econômica, estudo esse feito

por Caio Prado Júnior em 1957.

3.2 Por que estudar a teoria econômica?

Já apresentada ao leitor a caminhada feita por Caio Prado até a publicação de Esboço

dos Fundamentos da Teoria Econômica em 1957 é necessário nesse momento compreender a

importância em estudar a teoria econômica. Para isso será feita uma exposição sobre as

características da teoria tradicional, sobre a crítica de Caio Prado às mesmas e sua conclusão

sobre como países como o Brasil as utilizaram e quais as suas reais necessidades.

Sabe-se que a ciência econômica não possui regras fixas e imutáveis, permitindo que

inúmeras correntes de pensamento econômico surgissem, como os clássicos, neoclássicos,

novo-clássicos, keynesianos, novos-keynesiasnos, pós-keynesianos, dentre outros. Porém,

desse vasto repertório teórico irrompem divergências.

A teoria clássica tomou forma com a publicação de “A Riqueza das Nações:

investigação sobre sua natureza e suas causas” em 1776 de Adam Smith, obra que convence

o leitor da época de que a iniciativa individual opera no mercado e que a “mão invisível”

orienta de forma espontânea a economia para o ponto de ótimo econômico (DROUIN, 2008).

Até 1929 era consenso entre os economistas mais influentes que o mercado, ao

funcionar livremente, era capaz de equilibrar oferta e demanda, imperando até essa época o

liberalismo. Com a Grande Depressão de 1930, que mostrou aos economistas que o momento

era diferente de tudo que já havia acontecido, pois tratava-se na época não mais de uma

simples recessão, o intervencionismo tomou forma e surgiu como uma maneira de tentar

reverter a crise. Assim, John Maynard Keynes ganha força e dissemina seus argumentos sobre

importância da intervenção estatal para resolução dos problemas econômicos.

27

Apresentado o panorama entre liberalismo e intervencionismo, cabe agora discutirmos

a diferenciação entre ortodoxia e heterodoxia econômica, que formam a base do pensamento e

da teorização da economia.

A ortodoxia defende a neutralidade da moeda, a tendência natural da economia para o

pleno emprego, a existência de um mercado livre e uma atuação mínima do Estado. A Teoria

do Equilíbrio Geral e a Lei de Say são pilares fundamentais da teoria ortodoxa. A primeira

afirma que o ponto de eficácia máxima é alcançado através de um funcionamento livre do

mercado e da flexibilidade dos preços e dos fatores de produção, enquanto a segunda prega

que toda oferta adicional gera uma demanda adicional, ressaltando a importância do

investimento (DROUIN, 2008).

Os heterodoxos, por sua vez, discordam dos ortodoxos, tendo como um dos principais

representantes, Keynes. Como já foi enunciado anteriormente, após a quebra da bolsa de

Nova Iorque em 1929, houve um período de depressão, passando alguns economistas a

defender a importância da intervenção do Estado (HOBSBAWM, 1995). Essa corrente

defendia a ideia da estabilização da economia capitalista e a manutenção do pleno emprego,

tendo como efeito colateral a inflação, que ganhou importância posteriormente.

Porém, mesmo tentando ter uma pretensão de servir universalmente, o pensamento

ortodoxo e heterodoxo não traz em seu arcabouço teórico economias como a do Brasil, não se

adequando a essa realidade. O problema está em o desenvolvimento de o pensamento

econômico ter como berço países como Inglaterra e Estados Unidos, onde o processo de

industrialização e os objetivos da colonização foram completamente diferentes do Brasil.

Caio Prado Júnior afirma que esses modelos econômicos são apenas expressões

matemáticas, tornando-se aplicáveis em níveis mais abstratos, em economias com um

dinamismo próprio do sistema capitalista. Em sua obra Esboço dos Fundamentos da Teoria

Econômica de 1957, refaz a história do pensamento econômico para caminhar em direção à

construção de uma teorização e sistematização da prática que deixe de lado a teoria clássica,

procurando uma forma de solucionar os problemas peculiares dos países dependentes.

A argumentação consiste em utilizar o método da dialética marxista, ou seja, em

transportar a prática para a teoria de forma que a mesma constitua-se levando em

consideração o passado colonial brasileiro, sua dependência externa, sua economia de caráter

primário - exportador, buscando fugir de aplicações de teorias abstratas em uma realidade

completamente particular como a do Brasil e construir uma teoria que se aplique aos países

subdesenvolvidos. Vejamos a aplicação desse método.

28

Ao discutir grandes pensadores como Smith, Ricardo e Marx, o leitor de Esboço dos

Fundamentos da Teoria Econômica percebe a correlação entre a teoria econômica e a

consolidação do capitalismo. Nesse cenário, teoria e prática, unem-se e formam a Economia

Política clássica. Nos países subdesenvolvidos, porém, isso não ocorre, pois não houve uma

teoria econômica da sua formação, sendo Caio Prado Júnior o construtor de uma teoria que

considere as peculiaridades brasileiras.

Caio Prado evidencia em sua obra o papel de Adam Smith na compreensão do sistema

capitalista. O autor de A riqueza das Nações enxergou a natureza social do valor, descartando

o valor do uso e analisando o valor da troca. Na teoria do valor e no sistema capitalista tinha-

se de um lado a natureza e o padrão de medida do valor de troca e do outro, a lei do valor que

consiste numa norma reguladora onde os bens se distribuem de acordo com a quantidade de

trabalho realizado. As perturbações do sistema capitalista giram em torno da possibilidade e

eventualidade de transformação desse sistema.

David Ricardo, por sua vez, presente no florescimento industrial e capitalista da

Inglaterra, avançou no desenvolvimento da teoria do valor de Smith, analisando interiormente

o capitalismo, assentando toda sua análise no trabalho, enquanto Smith trabalhou sempre à

margem deste. Segundo Ricardo, o valor de troca das mercadorias era determinado pelo

tempo de trabalho gasto na produção, matérias-primas e instrumentos de trabalho. Já o padrão

do valor do trabalho era expresso monetariamente pelo salário, meio de subsistência do

trabalhador.

A diferença entre o valor dos meios de subsistência (juntamente com os bens

consumidos na produção) e o valor da mercadoria produzida era revertida para o capitalista

sobre a forma de lucro.

A última questão da teoria do valor foi resolvida por Marx, que desenvolveu a

natureza do lucro no sistema capitalista, a chamada mais-valia. No século XIX, época em que

desenvolveu sua ideia sobre o tema, o capitalismo estava maduro e a diferenciação e

separação de classes era nítida. Marx argumentava da seguinte forma: no sistema capitalista

havia de um lado a classe trabalhadora detentora da força de trabalho conhecida como

proletariado, e do outro lado os detentores dos meios de produção e bens econômicos, a classe

burguesa que se beneficiava da mais-valia.

Assim, essa diferenciação gera uma luta de classes que poderia ser solucionada de

duas maneiras: conservação do sistema, aperfeiçoando-o e assim justificando seu

29

funcionamento ou transformação (situa-se a teoria econômica política burguesa) e destruição

(situa-se a teoria econômica do proletariado, o então marxismo) do mesmo.

A pergunta a ser respondida é a de como podemos explicar o valor de troca criada pelo

trabalho ser superior ao valor de troca desse mesmo trabalho. A teoria ortodoxa e

conservadora se valerá dos argumentos de Smith e de Ricardo, criticando o trabalho como

exclusiva fonte de valor. A explicação é que essa diferença entre força de trabalho e

mercadoria produzida por essa força existe, pois há também uma contribuição do capital e da

terra, argumentos esses que persistiam segundo Prado Júnior, até aqueles dias.

O socialismo vulgar, por sua vez, defensor da destruição do sistema conclui que o

valor tem fonte exclusiva no trabalho e o trabalhador tem direito total a esse mesmo valor. O

trabalhado sofre espoliação, devendo por isso ser eliminado.

Prado Júnior argumenta que a principal falha da teoria socialista é que a mesma

elimina o automatismo e a lei do valor, envolvendo um fator ético que não é medido por essa

teoria.

A lei do valor, que é uma lei natural, não pode sofrer exceções, sobretudo

uma exceção que diz respeito ao elemento fundamental de todo sistema. Se é

o valor que determina a proporção em que as mercadorias são trocadas, e

isso precisamente porque é a base do esforço de produção nelas despendido

que aquele valor é computado (e isso constitui a essência da teoria

econômica), como então justamente esse trabalho, mercadoria como as

demais, é avaliado e trocado, isto é, pago pelo seu valor? A exceção que os

socialistas introduzem na teoria do valor joga essa teoria por terra, destrói-a

em seus fundamentos. E destrói com isso a própria concepção que atribui ao

trabalho a produção do valor (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 60).

Para Caio Prado a teoria econômica do socialismo vulgar (anterior à Marx) possui uma

inconveniência irremovível, portando precárias bases teóricas, se opondo à Marx e Engels.

A contribuição marxista é de suma importância, já que a mesma consegue deixar de

lado as preocupações de ordem “ética”. Não existe assim, “injustiça” (afirmada pelo

socialismo vulgar) na troca de trabalho e salário, valendo o trabalho exatamente o salário

pago, adquirindo o capitalista o valor de troca do trabalho. O sistema capitalista consiste em o

capitalista que paga pelo trabalho o valor de troca obter um produto de valor maior.

Iludem-se, portanto, os socialistas utópicos e reformistas quando pretendem

eliminar a exploração do trabalho através de uma correta e justa aplicação da

lei do valor; é precisamente dessa correta e justa aplicação que deriva a

exploração (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 64).

30

Para solucionar a questão operária e eliminar a exploração do trabalho basta uma

adequada interpretação da economia capitalista, como a realizada pelo marxismo. A solução é

eliminar o privilégio de uma das partes do sistema que é a classe detentora dos meios de

produção, através da abolição da propriedade privada, implantando assim o socialismo, sendo

isso o marxismo.

Os economistas ortodoxos afirmam que o valor da mercadoria provém além do

trabalho, de outros fatores como a terra e o capital. A mais-valia resultaria dos demais fatores

que colaboram para a produção. Assim, para a economia ortodoxa não são os elementos

naturais, mas esses recursos apropriados pelo homem que constituem a fonte do valor. O

capital é uma fonte de valor, desenvolvendo-se quando invertido na atividade produtiva. O

valor possui três fontes geradoras, segundo os ortodoxos, o capital, a terra e o trabalho.

Mas a teoria ortodoxa tem dificuldades de explicar o quanto do valor criado se

distribui entre os fatores de produção. Ela atribui à causa o que na verdade constitui o efeito

do valor.

Notemos aqui mais uma vez, a natureza praticista da teoria econômica

ortodoxa e sua inspiração na experiência e nas necessidades teóricas

imediatistas da classe dominante dos capitalistas e empresários da produção.

Para estes o que interessa são valores monetários, que é aquilo com que

lidam e que exprime o resultado das suas vendas e os pagamentos que têm

de efetuar aos agentes que participam da produção; que exprimem em suma

a receita e despesa realizadas em seus negócios e de cuja diferença resulta o

lucro que esperam e que é tudo quanto os preocupa. É sobre isso que

desejam e precisam se informar, e é disso que tratará a Economia Política,

seja embora com formulações mais ou menos ambíguas que disfarçam seus

verdadeiros propósitos (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 70).

O principal objetivo da Economia Política ortodoxa consistirá em observar os fluxos e

refluxos monetários que reproduzem o processo econômico do capitalismo que consiste na

trajetória da produção à distribuição.

Segundo Caio Prado, os clássicos se preocupavam acima de tudo com o sistema de

trocas, dando à moeda um papel de intermediária das mesmas. A forma monetária representa

o início e o fim do processo de circulação do capital. Assim, para o autor a Lei de Say que

subestima a moeda e considera a troca como um todo inseparável, está embasada em

fundamentos falsos, não havendo nos economistas clássicos nada de novo.

A teoria econômica do capitalismo e a Economia Política se constituem com a

liberdade dos indivíduos. O conjunto ideológico que acompanha a Economia Política é o

31

liberalismo, que a partir do século XVIII na Europa, orientou os homens pregando a liberdade

econômica.

No mundo capitalista o grande artífice é a burguesia que faz somente o que convém

aos seus interesses. O lucro condiciona o funcionamento do sistema e é essencial no processo

de inversão, pois é a principal causa e estímulo para as inversões. O lucro passa a receber

maior importância, surgindo na obra de Keynes mesmo que indiretamente sob forma de

eficiência marginal do capital, que na obra keynesiana é um dos principais fatores do

capitalismo.

Realmente é o lucro, mais que outro fator ou circunstância qualquer do

capitalismo que caracteriza o sistema. É assim pelo menos, ou deve ser para

a análise econômica (PRADO JÚNIOR, 1961, p.81).

O elemento central do sistema capitalista é o lucro, fonte de riqueza, receita e de

domínio da burguesia, classe fundadora do sistema. O lucro acumulado gera a acumulação do

capital que objetiva mais lucro e uma nova acumulação do capital. O dinamismo do

capitalismo é o ciclo produtivo, que forma e reforma o capital, resultando desequilíbrio entre

a oferta e a demanda de mercadorias, ocasionando as crises de superprodução.

Com o amadurecimento do capitalismo, as oportunidades de inversão declinam e a

produção e o consumo não encontram compensação e as crises econômicas se agravam

(desemprego, regime social e político precários) havendo necessidade de uma nova teoria que

interprete e previna a crise.

Portanto dessa maneira, Caio Prado evidencia a utilização do método dialético na obra

de 1957, e isso fica claro ao expormos suas críticas às teorias tradicionais. Cabe agora

concluir esta seção com o que foi enunciado anteriormente. Já sabemos que as teorias

impostas ao Brasil, sempre foram de especificidade dos países desenvolvidos, que

diferentemente, não têm em sua gênese o caráter dependente, primário-exportador e colonial.

Na teoria ortodoxa os mercados internos e externos se equiparam e são subdivisões do

mercado em geral. No Brasil, isso não ocorre e percebe-se um mercado interno à parte e

individual. O consumo internacional dos gêneros produzidos no Brasil criou as condições

para a instalação e organização no território brasileiro (PRADO JÚNIOR, 1968).

A nacionalidade brasileira se estruturou com o mercado direcionado ao exterior. O

mercado interno, por sua vez, não se equipara ao mercado externo, muito menos ocorre em

paralelo com o mesmo, mas é uma função do próprio, ou seja, derivava dele.

32

O Brasil tem assim, papel subalterno e dependente, organizando-se com um único

objetivo, o de satisfazer as necessidades das economias internacionais (PRADO JÚNIOR,

1957). Seus fundamentos econômicos estarão em função do mercado externo e suas

atividades dependerão sempre da receptividade e da rentabilidade desse mercado.

(...) é um tal fornecimento para o exterior que promove o crescimento do

país, determina os seus padrões de riqueza, e pois o consumo e mercado

interno que por seu turno estimularão atividades produtivas voltadas para

esse mesmo mercado interno (PRADO JÚNIOR, 1968, p. 140).

Contraditoriamente, as insuficiências do mercado externo devido à guerra de 1945 e as

depressões econômicas causadas pela crise de 1929, deterioraram a capacidade de importar do

Brasil ocorrendo um aumento da dinâmica interna e gerando o processo de substituição das

importações, que resultou o processo de industrialização (TAVARES, 1972).

Percebemos assim, que há o predomínio da função exportadora. A indústria que se

constitui depende dos produtos semielaborados e matérias-primas do exterior.

Essa conjuntura econômica brasileira de se mostra incapaz de difundir a vitalidade

econômica do país, permanecendo um sistema obsoleto que coloca obstáculos ao

desenvolvimento. Devido a essas características, Caio Prado Júnior busca em sua obra

mostrar a necessidade de uma teoria que seja real e atenda as necessidades de países

diferentes em relação ao tipo de colonização e que apresente uma economia atrasada.

Estudar a teoria econômica para Caio Prado Júnior é imprescindível, já que o autor

tenta ao longo da obra de 1957 criticá-la, sugerindo posteriormente uma nova teoria que se

adeque às características brasileiras. Desta forma, Prado Júnior faz uma reflexão sobre o tema

em Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica, que como o próprio nome diz esboça a

teoria econômica tentando ressaltar as dificuldades da adaptação ao Brasil. Veremos a seguir

as principais características da obra.

3.3 Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica: críticas às visões da economia

política brasileira

A obra de 1957 possui um caráter especifico das demais citadas inicialmente, que

contemplavam sempre a história da economia brasileira e o atraso nacional. Essa seção

mostrará como Caio Prado Júnior sem abandonar o cerne de sua preocupação com a relação

33

passado/presente, aborda a teoria econômica como um preâmbulo para apresentar o melhor

instrumental para compreender os dilemas do presente, no qual a economia, em sua conexão

com a história brasileira, assume importância central. Para tanto, iremos revisar o conceito do

autor sobre o capitalismo e o seu diagnóstico sobre os problemas do Brasil e dos países

subdesenvolvidos, introduzidos em Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica.

Caio Prado apresenta na obra o capitalismo como uma organização da sociedade

moderna, das relações econômicas e das teorias interpretativas dessa organização. Esse

capitalismo resulta em uma política econômica que reage sobre a organização e a modifica,

conforme suas regras.

Porém, nos países subdesenvolvidos o capitalismo se instaurou de maneira atrasada e

se deparou com uma realidade completamente diferente dos países desenvolvidos. Surge daí,

a necessidade de uma teoria econômica que se aplique e se inspire nas reais necessidades dos

países atrasados em relação aos outros. Essa visão mostra um lado particular e único, até

então nunca abordado pelo autor.

Na obra, Prado Júnior analisou o fator econômico desde sua gênese e natureza no ato

da troca de bens até a etapa de mercantilização desses mesmos bens, incluindo a força de

trabalho que constitui a base de um sistema de organização econômica chamada capitalismo.

Evidencia ainda, que existem diferentes concepções e teorias econômicas, dissertando desde

os antigos interpretes até os mais atuais, os economistas clássicos, socialistas e os

keynesianos.

Ao se relacionar com o capitalismo mundial, a economia dos países subdesenvolvidos

passou a funcionar para cumprir os objetivos que não eram os seus. A economia se torna débil

e instável ao atender os interesses externos, não tendo autonomia e força própria,

direcionando-se sempre à produção que atendesse as demandas internacionais.

Enfim, a riqueza de Caio Prado consiste em ter qualificado a especificidade

do estado de incerteza perante o desconhecido que é característico das

economias capitalistas de origem colonial que não superaram sua posição

subalterna na economia mundial (SAMPAIO JÚNIOR, 1997, p.111).

A originalidade de Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica é fazer um debate

até então não discutido em sua obra: o uso inadequado de teorias econômicas desenvolvidas e

formuladas para países capitalistas, em economias periféricas com necessidades

características e especificas.

Em 1957, Caio Prado passou de um diagnóstico histórico-conceitual da economia

brasileira para uma análise das teorias econômicas. Com isso procurou deixar explícito o

34

papel inapropriado da teoria ortodoxa no cenário brasileiro. Este cenário, segundo o autor,

tinha as peculiaridades de um país dependente e atrasado, formado com bases coloniais que o

afastava dos até então países desenvolvidos. O modelo ortodoxo não compreendia a realidade

brasileira, suas deficiências, necessidades e especificidades, encaixando-a em um panorama

mundial que não fazia parte de suas reais possibilidades de desenvolvimento.

Salienta ainda que a análise e a interpretação dos fatos econômicos dependem das

experiências que determinaram a teoria, ou seja, uma prática da ação. Na economia o mais

importante é compreender os fatos relativos à produção e distribuição dos bens gerados,

dando destaque ao processo tecnológico, responsável pela elevação da capacidade produtiva

acima do nível mínimo de subsistência resultando um excedente (PRADO JÚNIOR, 1957).

Na teoria ortodoxa cada país possui diferentes níveis de desenvolvimento, podendo ser até

mesmo nulo ou negativo, e que mesmo com essas diferenças devem acompanhar a trajetória

econômica mundial. O desenvolvimento nessa teoria consiste no progresso econômico,

medido pela renda nacional per capita, baseando-se puramente em aspectos quantitativos.

A teoria econômica ortodoxa (teoria do capitalismo) quando transportada para os

países subdesenvolvidos, evidencia o caráter periférico e complementar dos mesmos, tendo

como fundamento os interesses privados representados pelos grandes trustes internacionais.

Essa teoria passa a apresentar somente caráter de fornecedoras de produtos primários das

economias subdesenvolvidas.

Caio Prado classifica o ortodoxismo como simplista de natureza falha e insuficiente. O

subdesenvolvimento, sobretudo em países como o Brasil, não é definido pelo grau de

desenvolvimento e progresso ou muito menos pela renda nacional, mas sim pela posição

específica que ocupa no sistema capitalista. Países subdesenvolvidos possuem posição

periférica e complementar, sendo subordinados e dependentes, geralmente fornecedores de

produtos primários como no caso brasileiro, servindo aos interesses dos países dominantes do

sistema (PRADO JÚNIOR, 1957).

No decorrer da obra Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica (1957) Caio

Prado nos remete ao seu principal argumento de Formação do Brasil Contemporâneo (1942),

ou seja, a superação do passado colonial brasileiro e reestruturação em bases nacionais do país

como solução para o problema do subdesenvolvimento. Prado mostra a universalidade dada à

teoria econômica, enfatizando que não existe uma ciência econômica total e absoluta que

tenha princípios e leis aplicáveis generalizadamente.

35

A acumulação capitalista e a inversão do capital formado condicionam e promovem o

desenvolvimento capitalista e o progresso tecnológico. A acumulação nos países

subdesenvolvidos impulsiona atividades alheias, não havendo nenhum estímulo interno e a

formação de capitais nesses centros periféricos, por sua vez, é destinada ao exterior através

das importações que sugam o poder aquisitivo interno, desequilibrando produção e consumo.

A falta de produção interna faz com que a inversão, além de depender da acumulação,

dependa também da disponibilidade de recursos em moeda internacional, gerando uma

situação especial no funcionamento das economias subdesenvolvidas, questões essas que não

estão presentes nas teorias econômicas tradicionais.

O processo de desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, no que diz respeito à

acumulação e a inversão, possui aspectos peculiares que as teorias econômicas correntes não

consideram. Aspectos como a especialização na produção de gêneros primários destinados à

exportação de algumas necessidades, como as manufaturas via importação.

A solução para o desequilíbrio das contas externas dos países periféricos segundo

Prado (1957) é uma política econômica permanente, capaz de aproveitar ao máximo os

esforços e recursos transformando a economia periférica em uma economia apoiada em bases

nacionais, eliminando qualquer intervenção privada no comércio e nas transações com o

exterior. A ação pública deve se tornar ativa e visar objetivos além do alcance privado,

objetivos tais como libertação do trabalho, repartição dos benefícios econômicos, socialização

dos meios de produção, etc.

Discutido a forma como Caio Prado via internacionalização da economia dos países

subdesenvolvidos, podemos salientar a crítica de Caio Prado ao PCB. Essas críticas estão

relacionadas à ideia de economia brasileira e às inversões internacionais do PCB. As ideias

do partido sobre capital estrangeiro estavam ligadas ao esquema clássico da Revolução

Democrático-Burguesa, considerando as relações imperialistas como obstáculos às

características feudais da agricultura no Brasil, sendo responsáveis pelo atraso econômico no

Brasil, enquanto para Caio Prado o Brasil sempre teve inserido no capitalismo e não em bases

feudais (COLISTETE, 1990).

O PCB também assumia que o imperialismo entrava em choque com os interesses das

classes burguesas domésticas e defendia um crescimento industrial para a modernização

capitalista.

Era necessário se preocupar com bases sociais, com o sentido histórico dos países

dependentes e o sentido de sua colonização. Pensando nisso a proposta de Caio Prado é uma

36

nova teoria econômica que deve ser aplicada nesses países com características tão peculiares,

levando em conta fatores específicos das economias subdesenvolvidas. Os países periféricos

não devem deixar de ser considerados participantes do sistema capitalista, mas integrados ao

mesmo, estruturando-se numa economia própria e nacional. O capitalismo consiste na

mercantilização generalizada, penetrando no interior do processo de produção onde a força de

trabalho é englobada nas trocas. Sua principal característica é sempre voltar ao ponto de

partida, sendo então circular.

No sistema capitalista há um consumo direto da força de trabalho e um consumo

indireto dos meios de subsistência dos trabalhadores, que são os principais produtores,

resumindo-se todos os atos em operações de trocas. Assim a troca sempre implicará em

produção e consumo.

Segundo Prado Júnior no sistema capitalista existem os fatores de produção que se

dividem em trabalhadores ou produtores que possuem a força de trabalho e em proprietários

dos bens de produção. Assim, o processo produtivo compreende na troca de força de trabalho

por meios de subsistência, recebendo o trabalhador do proprietário dos bens de capital um

salário ao vender sua força de trabalho e comprando desses mesmos capitalistas os meios de

sua subsistência.

O processo de produção capitalista consiste em: aos trabalhadores dirigem-se os meios

de subsistência necessários à reposição de sua força de trabalho, conservando-se para

desempenhar a força de trabalho sempre. Os produtores recebem o retorno de seus bens ou

um equivalente do mesmo e mais o excedente dessa produção, dando sentido ao processo.

Esse, em linhas gerais, o sistema capitalista e a maneira pela qual nele se

resolvem as questões propostas a qualquer sistema econômico: o que

produzir, quanto produzir, para quem produzir (PRADO JÚNIOR, 1961, p.

52).

Constata-se, portanto a real motivação para a existência do Brasil: a exploração de

seus bens primários, evidenciando as falhas das teorias até então impostas ao nosso sistema

subdesenvolvido. Caio Prado salienta na obra, que há uma grande necessidade de se criar algo

realmente brasileiro, uma teoria que compreenda as dificuldades e particularidades do país.

Para tanto o autor dispõem-se a criticar o que até aquele momento se apresentavam como

possíveis soluções para o problema do subdesenvolvimento e as bases teóricas em que

estavam fundamentadas. Apresentaremos a seguir as principais críticas ao pensamento

37

econômico brasileiro que Caio Prado Júnior formula, direta ou indiretamente, na obra de

1957.

3.3.1Crítica a Cepal

Já se sabe a importância que a Cepal apresentou na década de 1950 quando discutimos

seus principais argumentos e soluções para o problema do subdesenvolvimento no início

desse trabalho. Cabe agora, salientar as críticas de Caio Prado ao modelo cepalino e seus

fundamentos para tal.

Essa seção apresenta primeiramente uma crítica de João Manoel Cardoso de Mello

sobre a interpretação puramente econômica do desenvolvimento realizada pela Cepal que vem

a abarcar um forte argumento de Caio Prado Júnior, quando o mesmo afirma que uma das

deficiências da teoria cepalina é não levar em consideração na formulação de seus

argumentos, os condicionantes sociais dos países periféricos. A partir disso, serão

apresentadas ao leitor as demais críticas de Caio Prado relacionadas à ausência da abordagem

histórica na teoria do desenvolvimento da Cepal, às inversões estrangeiras como estratégia de

industrialização, a visão cepalina do capital estrangeiro e as consequências das inversões e

dos financiamentos internacionais nos países periféricos.

Em O Capitalismo Tardio, João Manoel Cardoso de Mello afirma que a problemática

que move o pensamento cepalino baseia-se na ideia do desenvolvimento desigual da

economia mundial, sendo a essência do desenvolvimento econômico a propagação do

progresso econômico, que ocorre de forma desigual. A CEPAL nasce para explicar a natureza

e o processo de industrialização que ocorreu entre 1914 e 1945, tentando revelar os problemas

e a possível superação deles através de uma independência econômica nacional. Cria-se uma

divisão internacional do trabalho: o centro e a periferia. O centro compreende o conjunto de

economias industrializadas com estruturas produtivas diversificadas e com técnicas

distribuídas homogeneamente e a periferia resume os países exportadores de produtos

primários, matéria-prima, alimentos para os países centrais, não estimulando essa atividade

primária a industrialização. A demanda dos países centrais é que comanda o crescimento das

economias periféricas, uma vez que as necessidades industriais impulsionam a produção

primária, não tendo essa economia de desenvolvimento para fora (economias periféricas)

comando sobre si mesma.

38

Devido às guerras e à Grande Depressão a etapa do desenvolvimento para dentro das

economias latino-americanas foi se manifestando em decorrência da dificuldade de

importações. Essa industrialização periférica “esbarra, ademais, no desequilíbrio entre as

técnicas importadas e a relativa fragilidade da demanda” (MELLO, 1998).

A industrialização possibilita que a Nação acabe com a pobreza, consolide sua

economia e desloque seu desenvolvimento para dentro, ou seja, o centro dinâmico se move

para dentro da Nação, substituindo-se a demanda externa pelo investimento como o “motor”

da economia. Na década de 60 a industrialização mostrou que não era puramente de êxitos:

E assim chegamos aos meados da década de sessenta, quando a morte do

movimento social nacional-desenvolvimentista ficou evidente. A

industrialização ou se abortara, ou, quando tivera êxito, não trouxera consigo

nem a libertação nacional, nem, muito menos, a liquidação da miséria

(MELLO, 1998, p. 13).

A crítica de Mello é que o subdesenvolvimento e a industrialização periférica não

podem ser compreendidos apenas do ponto de vista econômico. As relações sociais de

produção devem ser levadas em consideração, assim como os condicionantes sociais e

políticos das economias periféricas, sendo Caio Prado Jr o pioneiro ao explicar as relações

sociais de produção para compreensão do subdesenvolvimento.

A CEPAL não deu devida consideração à esses condicionantes. Sugere-se então, um

estilo de análise que considere o desenvolvimento latino-americano não como um

desenvolvimento qualquer, mas como específico, pois trata-se de uma situação periférica.

Caio Prado também critica a teoria do subdesenvolvimento da CEPAL. Para o autor os

economistas cepalinos inspiravam-se em uma abordagem histórica insuficiente, sendo a

definição de periferia completamente inadequada, pois a mesma resumia-se à baixa difusão de

técnicas modernas.

Isso indicava, de acordo com Caio Prado, um estreitamento fatal na

perspectiva da análise teórica, restringindo-a a uma caracterização não mais

que formal – retardo da difusão da técnica moderna-, que seria incapaz de

sugerir uma explicação das múltiplas razões que definiam aquela

particularidade frente a outros países no plano do capitalismo internacional.

Como decorrência, toda a matéria do “desenvolvimento econômico” ficaria

delimitada pelas possibilidades e condições que cercavam a propagação do

progresso tecnológico na periferia, conduzindo a uma abordagem

basicamente quantitativa, centrada nas magnitudes do investimento, setores

de produção estratégicos e incremento tecnológico (COLISTETE, 1990,

p.114).

39

Segundo o argumento cepalino de desenvolvimento econômico, os países

subdesenvolvidos superariam seu problema de atraso estimulando a propagação de técnicas

modernas que elevaria as variáveis quantitativas, elevando assim a produtividade. Essa

abordagem, porém não explicava as causas e os principais elementos deste atraso econômico,

desconsiderando fatores importantes como o processo histórico desses países, de suma

importância para Caio Prado Júnior. Para o autor de Esboço dos Fundamentos da Teoria

Econômica a história é a única explicação consistente para que possamos compreender a

natureza e os limites do desenvolvimento econômico, sendo o colonialismo e o imperialismo

formas de se forjar um desenvolvimento que não aconteceu.

Outra crítica importante feita por Caio Prado Júnior à Cepal foi à estratégia de

desenvolvimento na década de 50 dos cepalinos, que se baseava nas inversões estrangeiras

para a industrialização do Brasil (PRADO JÚNIOR, 1945). Para a Cepal as inversões seria

uma maneira de tornar a economia nacional e independente, enquanto que para Caio Prado as

mesmas ocasionavam três grandes danos à sociedade brasileira: a transferência de renda para

os países desenvolvidos em forma de lucros, dividendos, amortizações; a redução da

capacidade de controle das decisões econômicas para o alcance de uma economia nacional e a

criação de instabilidade financeira do Balanço de Pagamentos (COLISTETE, 1990).

Sobre a transferência de renda para os países desenvolvidos, sabe-se que resulta a

debilidade da acumulação de capital doméstica já que o capital é destinado às economias

internacionais. Porém, os resultados do desenvolvimento econômico seriam qualificados

somente com a existência de um capital nacional. Para Caio Prado, os empreendimentos

estrangeiros fariam com que o capitalismo brasileiro se tornasse fraco e subordinado ao

sistema internacional de trustes.

Caio Prado afirma que o capital estrangeiro gera a formação de novos capitais no país,

porém reforça que esse capital não é nacional, mas estrangeiro, servindo o Brasil apenas como

gerador desse capital. Assim, a entrada de capitais e as inversões são somente prejudiciais,

não favorecendo o desenvolvimento econômico, mas sim envolvendo exploração de

trabalhadores e proprietários do país.

Já em relação à redução da capacidade de controle das decisões da política econômica

e coordenação interna do desenvolvimento, o autor assegura que também seriam

comprometidas, pois a teoria que afirmava a tomada de capital estrangeiro como uma

aplicação capitalista qualquer estava equivocada. Isso resulta em um controle interno imenso

40

por parte dos países desenvolvidos, distorcendo o curso normal do desenvolvimento

econômico.

De uma forma resumida, o apoio irrestrito às inversões estrangeiras como

elemento estratégico de desenvolvimento significaria, para Caio Prado,

abdicar a uma orientação coordenada de decisões econômicas – volume de

investimento, setores priorizados, estilo de financiamento, entre outras – que

seriam cruciais para alcançar o objetivo de uma economia integrada

nacionalmente (COLISTETE, 1990, pg. 205).

Acerca dos efeitos negativos no Balanço de Pagamentos, a influência das inversões e

dos financiamentos internacionais levaria à instabilidade nas contas externas, pois não gerava

uma transferência da propriedade de ativos, desequilibrando as contas externas. O

desenvolvimento estava ligado ao deslocamento das atividades econômicas para o mercado

interno e os fluxos de capitais redirecionados às atividades domésticas.

Os impactos da internacionalização defendida pela CEPAL em 1950, segundo Caio

Prado, só reafirmavam as características de um Brasil colonial (COLISTETE, 1990).

Podemos assim depreender que Caio Prado desenvolveu uma visão nacionalista acerca

da industrialização brasileira e criticava fortemente as teses desenvolvimentistas utilizadas no

governo de Juscelino entre 1955 e 1961. Somente a industrialização a partir de incentivos

nacionais faria com que o atraso econômico brasileiro fosse superado, estando o Estado

atuando e direcionando o desenvolvimento econômico.

Ao ir contra o desenvolvimentismo cepalino Caio Prado considerou duas coisas.

Primeiramente, rejeitou a ideia de que internacionalização fosse um imperativo econômico e

técnico indiscutível, discutindo outras possibilidades de acesso aos recursos necessários para a

industrialização do país. Em segundo lugar, buscou criticar a análise do capital estrangeiro

como uma simples aplicação capitalista, levando em consideração fatores qualitativos como

os aspectos sociais relacionados à internacionalização capitalista (COLISTETE, 1990).

Coube assim ao leitor compreender nessa seção os equívocos que, segundo Prado

Júnior, estavam inseridos na teoria da Cepal. O autor faz uma crítica veemente à visão

cepalina de investimentos internacionais como uma das maneiras de promover o

desenvolvimento periférico. Caio Prado crítica esse conceito desenvolvimento e questiona a

análise do capital estrangeiro da Cepal, que afirmava que capital financeiro perderia sua

função com o tempo, contribuindo apenas para o desenvolvimento. É importante ressaltar a

crítica feita à análise cepalina das inversões internacionais, que para o autor era a-histórica

(COLISTETE, 1990), impedindo exame das relações de poder e das pressões sobre o

41

desenvolvimento. Veremos mais a frente a grande importância dada por Caio Prado à história

para a compreensão dos limites do desenvolvimento.

3.3.2 Crítica a Keynes

Essa seção consiste em mostrar ao leitor da crítica de Caio Prado Júnior à Keynes.

Para isso nos detemos primeiramente em descrever os principais argumentos keynesianos

utilizados pela Cepal. Feito isso, voltamos a atenção a dois argumentos específicos: a forte

crítica a Lei de Say e a defesa ao intervencionismo.

Keynes possui uma abordagem macroeconômica, diferenciando-se dos economistas

clássicos e neoclássicos que realizavam uma análise vinculada ao comportamento individual e

em dimensões estritas (empresas) (DROUIN, 2008). A revolução keynesiana surge para

criticar esse tipo de abordagem, considerando o sistema econômico em seu conjunto e

rompendo com a ortodoxia liberal ao enfatizar a importância da intervenção estatal na

economia. Os fatores keynesianos presentes na teoria cepalina são resumidamente os

seguintes: intervencionismo, crítica à Lei de Say, ênfase na demanda efetiva interna, defesa de

políticas de crescimento acelerado dos investimentos e do produto e rejeição às teorias

ortodoxas de inflação e do comércio internacional (FONSECA, 2000). Vale aqui ressaltar

alguns deles.

Pra Keynes, não há um equilíbrio automático do mercado como defendia a Lei de Say,

onde a oferta criava sua própria demanda e os produtos eram trocados por produtos,

destacando a possível inadequação entre rendimentos distribuídos na produção e os gastos dos

mesmos nas compras da produção. O argumento keynesiano também salienta que a poupança

não era um meio de acumulação como defendiam os clássicos, mas um fator capaz de

ocasionar aumento do desemprego (com o aumento da poupança há uma redução do consumo

que diminui a demanda causando o desemprego). Esse argumento é defendido também pela

teoria cepalina, que afirma que a Lei de Say é inconsistente.

Outros dois pontos de suma importância são a defesa keynesiana da atuação do Estado

na economia, afirmando que a mesma não pode ser regulada pelo mercado e o papel da

poupança no investimento.

Em relação ao primeiro, sabe-se que Keynes surge após a Grande Depressão de 1929

com uma teoria antiliberal para solucionar os problemas econômicos da época. A Cepal

42

igualmente defende argumentos completamente antiliberais (BIELSCHOWSKY, 2000), como

a deteriorização dos termos de troca, o desequilíbrio do Balanço de Pagamentos, a

vulnerabilidade dos ciclos econômicos em decorrência da especialização, a inadequação de

técnicas modernas à disponibilidade de recursos, dentre outros. Isso comprova que a Cepal

inspira-se em Keynes em relação ao intervencionismo.

Já em relação ao papel da poupança no investimento, pode-se afirmar que para a Cepal

a acumulação de capital é o que viabiliza os investimentos, sendo essa acumulação realizada

através da poupança, associando-se à poupança keynesiana. Assim, para a Cepal a poupança

deve se dirigir aos investimentos como para Keynes, segundo Caio Prado. Porém, deve-se

salientar que para Keynes essa definição cepalina é simplificada, pois a poupança segundo ele

não era exatamente o mecanismo impulsionador do investimento, esse papel cabia à demanda

efetiva e a propensão marginal a consumir e a investir. Assim, Caio Prado afirma que a

poupança para Keynes e para Cepal assume o mesmo significado.

Visto essas semelhanças entre Keynes e a Teoria cepalina, o leitor deve compreender o

porquê da importância que Caio Prado dá em sua crítica à Keynes em Esboço dos

Fundamentos da Teoria Econômica. Isso se deve à críticas árduas feitas anteriormente à

Cepal, que tornam compreensiva à atenção à Keynes.

Traçado aqui um panorama sobre esses argumentos que a Cepal tem em comum com a

teoria keynesiana, nos deteremos a seguir a discorrer a posição de Caio Prado em relação às

afirmações keynesianas. Segundo Caio Prado Júnior, John Maynard Keynes foi o primeiro

economista dentro da economia ortodoxa a explicar como e por que o poder aquisitivo do

mercado pode ser inferior ao valor da produção, encontrando as maneiras de evitar ou atenuar

os desequilíbrios entre oferta e demanda de mercadorias através da Teoria Geral. A economia

clássica afirmava que os atrasos que ocorriam para superar a crises econômicas estavam

relacionados às intervenções em má hora daqueles que não acreditavam nas leis econômicas.

Os fatos no decorrer do tempo mostraram à economia clássica que as crises não eram de

superprodução relativa, mas absoluta, pois o excesso de produção podia ser geral.

Os economistas clássicos afirmavam que descobrindo a falha existente no mecanismo

automático que regula as leis econômicas e o motivo do desequilíbrio, o problema das crises

era resolvido. Essa falha, segundo eles estava presente no desajustamento entre a produção e o

consumo.

Os economistas ortodoxos, segundo Prado Júnior, explicam o desequilíbrio da

produção e do consumo com fatos monetários, tentando descobrir o motivo da demanda

43

efetiva não se igualar ao valor de produção. Os subconsumistas defendem uma receita

direcionada em partes ao consumo, sendo a outra parte poupada, ou seja, a deficiência do

consumo causada pelo desfalque que a poupança ocasiona no consumo é a principal

causadora dos desequilíbrios econômicos. Porém, essas idéias foram criticadas pelos

economistas ortodoxos que afirmavam que a poupança destina-se à inversão, e a inversão

importa em consumo de bens de produção, sendo o equilíbrio obtido desde que a poupança

seja absorvida por completo pelas inversões.

Keynes e sua obra intitulada Teoria Geral do Emprego, do juro e da moeda discute a

questão da poupança e das inversões como causadoras das crises. Para Keynes, a ocorrência e

o desenvolvimento das crises econômicas estavam ligados à falta de recuperação espontânea e

automática e ao desemprego crônico. As crises ocasionam um desequilíbrio, e quando a

economia se recupera é em um nível mais baixo e com a incidência de desemprego,

discordando dos teóricos clássicos, que afirmavam um equilíbrio espontâneo após crises e a

ausência do desemprego.

Keynes vai além ao afirmar que há a igualdade entre poupança e as inversões, porém

essa igualdade não exclui o desequilíbrio. A poupança superior às inversões reduz os

rendimentos ou receitas que caberia ao consumo, assim a renda nacional se reduzirá, e a

poupança que é função dessa renda também se reduzirá, sendo reestabelecido o equilíbrio

com poupança e renda nacional menores e com uma inversão, produção e emprego menores.

Isso naturalmente constitui uma simplificação da Teoria Geral , mas contém

o essencial que nos interessa aqui, a saber, que enquanto na teoria clássica

todo poder aquisitivo ou receita criada pelos pagamentos efetuados no curso

da produção, e que não é aplicada em consumo, isto é, que é poupada, se

absorve na inversão que tenderá sempre e espontaneamente a se equilibrar

com a poupança; enquanto a teoria clássica desemboca assim na Lei de Say,

a teoria keynesiana pelo contrário aponta a insuficiência da inversão com

relação à poupança como determinando a adaptação da atividade econômica

(produção e emprego) ao ritmo reduzido da inversão. Em vez de as inversões

se estimularem com o fato da poupança as superar, mantendo-se assim o

nível anterior da atividade econômica, como prevê a teoria clássica, é o nível

de atividade econômica que se conforma e adapta o volume menor de

inversões (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 116).

Assim, Keynes traz uma nova interpretação das flutuações cíclicas, substituindo a

ideia clássica de equilíbrio automático, defendendo o argumento de que era necessário uma

intervenção pública na economia para que a mesma se ajustasse, sendo a insuficiência das

inversões responsável pelas crises, tendo como solução um estímulo à mesma.

44

Nesse sentido, que é fundamental, e para nós aqui de máxima importância,

pois ilustra flagrantemente a nossa tese da unidade da teoria e da prática, da

ciência e da ação, a teoria keynesiana representa a teorização e

sistematização da prática de todos os governos deste último quarto de século

pelo menos, que agindo embora empiricamente e sob o impacto de situações

econômicas e políticas graves, sentiram-se obrigados a porem de lado os

princípios clássicos que teoricamente aceitavam, procurando a solução dos

problemas pendentes, e em particular o do desemprego em massa, com a

realização de obras públicas de vulto. Sem perceberem ainda muito bem,

estavam esses governos combatendo a depressão com a inversão, fazendo-se

com isso percursores práticos de Keynes e da sua teoria (PRADO

JÚNIOR, 1961, p. 117).

Porém, ao afirmar que a inversão é definida como a “aquisição de bens de capital de

qualquer espécie” Keynes limita-se (PRADO JÚNIOR, 1957). Para Prado Júnior, a inversão é

mais que isso, pois a mesma constituiu uma fase do ciclo de produção, onde o capital-dinheiro

é transformado em capital-bens de produção e força de trabalho, se convertendo novamente

no processo produtivo em capital-dinheiro.

Keynes vê na inversão, os efeitos da compra no que diz respeito à produção dos bens

comprados, ou seja, uma compra de equipamento que estimula a produção exigindo também

trabalho. Assim, Prado Júnior afirma que Keynes, baseia-se em uma inversão que considera

apenas a compra e a aquisição de bens econômicos, deixando de lado a inversão geradora de

emprego (compra de equipamentos, aplicação deles nas atividades produtivas e ocupação da

mão de obra). Keynes não ia além das explicações baseadas na superprodução e na

insuficiência de compradores para explicar as crises e flutuações da economia, aprisionando-

se na propensão a consumir e na indução a inverter, considerando a inversão e elevação dela

para a poupança.

Os fatores profundos que ocasionam os desequilíbrios e crises na economia não são

alcançados por Keynes, considerando exclusivamente os fluxos monetários. A inversão possui

caráter de “compra” de bens econômicos e somada às compras de bens de consumo atingindo

a demanda total devendo cobrir o valor total da produção para que ocorra o equilíbrio. Caio

Prado atesta que os fatores essenciais que determinam e impulsionam a inversão não são

observados, estando presentes no dinamismo do processo de produção capitalista e na

natureza do capital.

Considerando o processo produtivo do capitalismo em seu conjunto, a

inversão se apresenta como uma das fases desse processo, aquela em que o

capital passa da forma dinheiro (D) para a de bens de produção e força de

45

trabalho (P) a fim de se transformar em seguida e através da atividade

produtiva em bens econômicos que são mercadorias (M), isto é, bens

destinados a venda e que uma vez vendidos reconstituem a primeira forma

monetária do capital (D); renovando-se em seguida o processo que

normalmente não se interrompe neste último momento que precede a

inversão e é condição dela porque isso seria inutilizar o capital, tirar-lhe essa

qualidade para fazer dele um tesouro estéril e massa de moeda acumulada

não se sabe pra que fim (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 123).

Porém, o ciclo pode não se completar quando a mercadoria não é vendida, ou seja,

quando o capital mercadoria não se transforma em capital dinheiro, por motivos que vão

desde a situação ruim da empresa às condições do mercado para o produto em questão.

O crédito torna possível o equilíbrio entre produção e consumo, porém como a procura

por ele se torna intensa, as empresas passam a ter uma liquidez limitada, tendo então que

reduzir suas inversões. Para Keynes essa insuficiência de inversões causa as crises, pois entra

em confronto com o excesso de poupança.

Caio Prado Júnior afirma que a crise se deve à falta desses recursos, trazendo a

diminuição das inversões diminuição das compras de bens produtivos, redução do emprego e

consequentemente do consumo, sendo os efeitos do desequilíbrio da produção e consumo

cumulativos.

O subconsumo normal do sistema produtivo do capitalismo determina

indiretamente e através de seus efeitos sobre as inversões, um subconsumo

ainda mais acentuado. E é esse o processo cumulativo e gerador de um

desequilíbrio cada vez mais pronunciado que constitui a característica

própria das crises que somente se resolvem, em última instância pela

destruição ou inutilização de bens econômicos e capital, quando então,

reduzida a coletividade em crise a um mínimo de atividade produtiva,

mesmo de simples subsistência pelos efeitos de rolo compressor daquela

destruição e inutilização de riquezas, e eliminando assim pela raiz o

desequilíbrio provocado pelo subconsumo, é possível recomeçar de novo o

processo produtivo, e mesmo eventualmente incentivá-lo com o concurso de

estimulantes exteriores que são as novas oportunidades de atividade

produtiva e inversão(...) (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 125).

Keynes não considera o subconsumo (não acompanha o desenvolvimento da produção

resultando um desequilíbrio acompanhados de crises de superprodução e períodos longos de

depressão) em sua obra, considerando a inversão como a simples compra de bens de produção

e compra efetuada com a poupança resultante do excesso da renda sobre as despesas de

consumo, não considerando a reinversão no curso do processo produtivo, ou seja, a

transformação de dinheiro para força de trabalho e bens de produção e em seguida

mercadorias em dinheiro. Para Keynes a “inversão nem sempre é suficiente para

46

contrabalancear a poupança, resultando daí o desequilíbrio do sistema” realizando uma

análise minuciosa da poupança (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 127).

Em outras palavras, como o poupado é o não-consumido, a análise das

proporções do consumo com relação à renda dá para Keynes a caracterização

e medida da poupança É daí que deriva a sua famosa noção de “propensão a

consumir”. Já por aí se verifica a limitação do ponto de vista em que Keynes

se coloca, pois restringe suas considerações à poupança individual (PRADO

JÚNIOR, 1961, p. 127).

Keynes limita sua análise às inversões que se alimentam da poupança individual. O

que realmente interessa para o autor na Teoria Geral é essa poupança individual que pode ser

conservada de forma líquida, ser aplicada em título de renda ou depósitos bancários.

Assim, a acumulação do capital, as inversões, o aumento da atividade produtiva e o

emprego derivam do lucro capitalista, sendo a relação entre a inversão e a ocupação a maior

contribuição de Keynes para a teoria econômica e essa ocupação depende da composição

orgânica do capital, expressão marxista, que se eleva conforme o aumento na tecnologia

(PRADO JÚNIOR, 1957). Para dada quantidade de matéria-prima e equipamentos há desde

os primórdios do capitalismo um número decrescente de trabalhadores, gerando um

desequilíbrio entre oferta e demanda da força de trabalho que só pode ser contrabalanceada

através das inversões. Percebe-se que o consumo da massa é controlado pela natureza do

sistema quando, por exemplo, há prejuízo do lucro. Quando isso ocorre o emprego aumenta e

com essas pessoas adquirindo renda, comprarão mais alavancando assim o consumo.

As perspectivas de inversão, ou seja, a criação de negócios lucrativos é cada vez

menor nos países desenvolvidos, sendo direcionada para os países subdesenvolvidos da

África, Ásia e América Latina.

As correntes ortodoxas erram ao realizar análises pautadas nos moldes da primeira

fase do capitalismo, não considerando as transformações por ele sofridas e seu

amadurecimento, distanciando-se assim a Economia Política do mundo real. Consideram o

progresso tecnológico como a causa e o fator da evolução capitalista, não levando em conta

que esse progresso é dessa evolução, direcionando os ortodoxos a consequências

desacertadas.

(...)chega-se naturalmente à falsa e perigosa conclusão de que o

desenvolvimento do capitalismo é produto de uma causa exterior cuja

presença e ação não depende desse desenvolvimento, e existe ou não

independentemente da evolução capitalista do dinamismo do sistema

(PRADO JÚNIOR, 1961, p. 143).

47

No início do capitalismo o progresso tecnológico era o principal gerador de lucro.

Porém, o ritmo desse progresso depois de uma longa ascensão até o terceiro quartel do século

XX começa a declinar tendendo assim a desaparecer a margem de lucro. O tamanho da

empresa deixa de significar produtividade, ou seja, quanto a capacidade produtiva atinge seu

limite e inicia seu declínio. Os economistas incluem esses fatores na lei de retornos

decrescentes. O desenvolvimento tecnológico deixa de assegurar o sobrelucro tão aspirado

pelas empresas que operam no mercado:

(...) a concentração e centralização de capitais e da atividade produtiva que

se realizara a fim de tornar possível o progresso tecnológico, e com o

aumento da produtividade daí decorrente proporcionar o sobrelucro, deixa

além de certo limite de apresentar remuneração crescente; e mesmo em

certos casos se torna embaraço para a obtenção daquele sobrelucro. Numa

situação dessas, poder-se-ia figurar teoricamente um esmorecimento e

mesmo estagnação do processo de concentração e de crescimento das

unidades produtoras (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 149).

O comportamento do mercado visa então favorecer as grandes empresas e eliminar os

concorrentes fracos. Evitando uma guerra de preços com rivais de forças equivalentes, criam-

se os cartéis, resultando agrupamentos estáveis das empresas (trustes) visando através dessa

manipulação usufruir do lucro capitalista.

A política compensatória do ciclo, defensora do Estado como consumidor e inversor

dos particulares nos momentos de desequilíbrio entre oferta e demanda de mercadorias, visa

solucionar problemas das crises e desequilíbrios, porém ela se mostra insuficiente.

Para Caio Prado Júnior o capitalismo no momento atual de sua obra já era

simplesmente uma organização econômica, deixando de ser um instrumento primordial da

evolução da história, passando a ser concorrente do socialismo que foi se tornando palpável e

mais concreto e “tudo isso modifica singularmente os termos do problema que se propõe ao

capitalismo nos seus projetos expansionistas” (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 188).

Assim, e o leitor percebe nessa seção é a crítica à Keynes realizada por Caio Prado

Júnior. Para o autor de Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica, Keynes não

compreende o mecanismo profundo das crises ao afirmar que a mesma era impulsionada pela

diminuição dos investimentos. Para Prado Júnior esse elemento é apenas o sintoma do

48

subconsumo (fase avançada do capitalismo), deixando de ter importância no processo

produtivo.

Assim, a nova fase do capitalismo, o chamado Imperialismo, que visa ampliar a taxa

de lucro em países com a mão-de-obra e investimentos em capital fixo que são mais baratos

em algumas áreas, é a principal causa do subdesenvolvimento brasileiro.

3.3.3 Crítica aos modelos marxistas

Nessa parte será discutida a afiliação de Caio Prado Júnior ao Partido Comunista

Brasileiro (PCB) e a posterior tensão em relação ao mesmo. Evidenciaremos que o autor teve

uma orientação teórica própria, identificando-se com a IV Internacional. A ênfase será a

crítica feita ao Modelo Democrático-Burguês, que possuía cunho marxista, quando Caio

Prado nega o principal argumento do mesmo, a existência do feudalismo no Brasil. Essa

crítica será melhor trabalhada na nossa próxima seção.

Podemos iniciar as críticas de Caio Prado Júnior ao marxismo evidenciando sua

relação de tensão com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). O PCB se reorganiza em 1943,

após ter sido praticamente destruído pelo Estado Novo, ocorrendo algumas lutas internas

dentro do partido formadas pela Comissão Nacional de Organização Política (CNOP) que

defendia um apoio ao ditador Getúlio Vargas, em oposição ao Comitê de Ação defensor de

lutas contra o facismo e o Estado Novo, que tinha como membro Caio Prado Júnior

(RICUPERO, 2000).

Em 1955, ano de fundação da Revista Brasiliense, percebe-se que o ponto de vista

teórico e prático entre Caio Prado e o PCB já eram bem divergentes. Ao tentar compreender

as particularidades brasileiras, Caio Prado se afastou do PCB e aproximou-se de muitos

autores não-marxistas. Caio Prado afasta-se do PCB ao elaborar uma explicação do Brasil

com base na nossa experiência histórica-social. O autor demonstrou uma inacreditável

autonomia intelectual de 1933 a 1966 representando o seu pensamento uma transição do

dogmatismo marxista-leninista ao marxismo teórico (RICUPERO, 2000, p. 200). Não se

deixou dominar pela interpretação oficial marxista entre 1930 e 1940, desvinculando-se do

Modelo Democrático-Burguês.

Enquanto Caio Prado talvez possuísse uma orientação teórica própria, o Modelo

Democrático-Burguês apoiado pelo PCB seguia a orientação de Lênin e da III Internacional

49

(REIS, 1999). Caio Prado rejeitava a análise de ambos referente ao passado brasileiro e o

projeto revolucionário. A hipótese de Mantega em A Economia Política Brasileira é que Caio

Prado se identifica mais com as ideias da IV Internacional, mesmo que sem se vincular

ortodoxamente a elas.

Veremos à diante a negação de Caio Prado ao feudalismo no Brasil e à revolução

democrático-burguesa, quando o mesmo defende um sub-capitalismo e uma revolução

permanente, resultando o socialismo (REIS, 1999).

Para a instauração do socialismo, Caio Prado defendia que não havia a necessidade de

uma transição para o sistema capitalista, já que para o mesmo o Brasil fora sempre capitalista.

Ele foi o precursor da reflexão marxista que busca entender o caráter não

clássico da constituição do capitalismo no Brasil.Seu objeto de reflexão e

pesquisa é a "especificidade" do tempo histórico brasileiro, que pode ser

conhecida à luz do marxismo desde que se evite repetições teóricas

mecânicas e inadequadas à realidade brasileira (REIS, 1999).

Tem-se assim, conhecimento suficiente para discutirmos o Modelo Democrático-

Burguês e o Modelo de Subdesenvolvimento, que enfatizam as principais diferenças de Caio

Prado em relação ao modelo baseado em preceitos marxistas.

3.3.4 O Modelo Democrático-Burguês e o Modelo de Subdesenvolvimento Capitalista

Discutiremos nesta seção o Modelo Democrático- Burguês e o Modelo de

Subdesenvolvimento Capitalista. Vale ressaltar que ao tratar dessas duas correntes, perceber-

se-á que Caio Prado Júnior, mesmo sendo marxista, não apoiou a esquerda marxista

idealizadora do Modelo Democrático-Burguês.

Caio Prado foi contra a ideia democrático-burguesa de que o Brasil não havia atingido

o capitalismo, afirmando que essa tese era uma cópia das explicações dadas aos países

europeus, reforçando seu argumento de o que se tinha em países como o Brasil, era apenas

uma transposição de ideias prontas de países que não contemplavam características periféricas

e atrasadas.

O Modelo Democrático- Burguês, apoiado pela esquerda marxista, sofreu várias

críticas a partir dos anos 60. A própria esquerda marxista questionava os argumentos desse

modelo que defendia que o Brasil tinha desde sua colonização relações de produção

50

semifeudais e a transformação necessária no país aconteceria através de uma revolução

democrático-burguesa (MANTEGA, 1987).

E a grande questão que se colocava no cenário teórico brasileiro de então era

saber a quem cabia a responsabilidade pelo fracasso ou pelas dificuldades do

desenvolvimento sócio-econômico da nação brasileira (MANTEGA, 1987,

p. 210).

O Modelo Democrático-Burguês culpava os latifundiários e as classes pré-capitalistas

pelo fracasso do desenvolvimento brasileiro. Já o Modelo de Subdesenvolvimento Capitalista

interpretava o Brasil como fruto da expansão capitalista mundial, deixando de lado o

argumento de que desde o início o país se encontrava em um sistema feudal, defendendo que

o grande problema brasileiro era a exploração capitalista imperialista sofrida pelo país, o

então subdesenvolvimento capitalista. Assim, não havia uma ausência do capitalismo no

Brasil, mas sim uma dependência para sua expansão.

Os principais representantes do Modelo de Subdesenvolvimento Capitalista foram

André Gurder Frank, Caio Prado Júnior e Rui Mauro Marinho. Caio Prado Júnior, autor em

questão, discutia a questão agrária e defendia que a agricultura havia sido criada para fornecer

produtos primários mais baratos e estava assim, diretamente relacionada com o capitalismo

mercantil, criando a condição colonial brasileira. O autor sugeria um capitalismo nacional

integrado, transformando-se no longo prazo em socialismo.

Sendo obra do capitalismo colonial, o sistema colonial brasileiro funcionara

na base de relações mercantis de produção, posteriormente transformadas,

segundo Caio Prado Jr. , em relações capitalistas de produção, quando da

abolição da escravatura, no final do século passado. Porém, a despeito dessas

mudanças do regime de exploração, o Brasil continuaria, no essencial, como

fornecedor do excedente e de produtos primários baratos para as metrópoles

(...) (MANTEGA, 1987, p. 213).

Caio Prado Júnior forneceu uma vasta contribuição para o Modelo de

Subdesenvolvimento Capitalista ao analisar minuciosamente as relações de produção na

agricultura brasileira desde a época colonial. Em A Revolução Brasileira, sua obra de maior

impacto político, o autor enfatiza suas criticas ao Modelo Democrático-Burguês, modelo este

mais defendido pelos correligionários do PCB.

Para os defensores do Modelo Democrático-Burguês as colônias, semicolônias e

países dependentes não haviam atingido a fase capitalista, estando na fase anterior do

feudalismo em transição para o sistema capitalista. Assim, a Revolução Democrático-

51

burguesa realizaria essa transição, assumindo “feições de uma revolução agrária e anti-

imperialista” (MANTEGA, 1987, p. 237).

Prado Júnior era contrário aos argumentos propostos por esse modelo, afirmando que

essa análise era uma transposição do que ocorrera nos países europeus para os países como o

Brasil.

Mas para Caio Prado Jr. essa análise era uma mera transposição mecânica do

que ocorrera nos países europeus, cujo capitalismo havia efetivamente

surgido das estranhas do feudalismo. Já o Brasil, oriundo da expansão

mercantil europeia do século XVI, nunca havia sido feudal e, por isso

mesmo, não poderia apresentar, em plena década de 60 do século XX, restos

feudais, como queriam os teóricos do PCB (MANTEGA, 1987, p. 238).

Tentando comprovar seu argumento, Caio Prado Júnior realizou um levantamento

sobre as relações de produção existente na agricultura brasileira comparando com as relações

feudais. A definição do feudalismo é caracterizada por uma economia camponesa composta

por uma classe privilegiada de origem aristocrática, que explora a força de trabalho do

camponês devido seus privilégios jurídicos- políticos. Para Prado Júnior, no Brasil as relações

de produção da propriedade rural, sejam essas fazendas, engenhos, usinas ou estâncias, que

produziam os principais produtos do país, eram capitalistas, não sendo os trabalhadores como

os camponeses do feudalismo que reivindicavam a posse das terras, mas trabalhadores que

eram livres e vendiam sua força de trabalho, lutando por remunerações e condições de

trabalho melhores. Vale salientar que as remunerações nem sempre se caracterizavam em

dinheiro, mas também por outras formas, como por exemplo, a meação; que esteve presente,

segundo o autor, em países onde a presença do capitalismo era incontestável, como a parceria

presente na produção algodoeira dos Estados Unidos (MANTEGA, 1987).

Nesses termos, a economia brasileira teria adquirido um caráter mercantil

desde a sua gênese, operando em grandes unidades produtivas (a grande

exploração agrária) e com mão-de-obra escrava, em contraste com a

economia feudal europeia, constituída pela pequena propriedade camponesa.

Não se constitui, portanto, afirma Caio Prado Jr, no Brasil uma economia e

classe camponesa, a não ser em restritos setores de importância secundária.

E o imperialismo, argumenta ele, não apenas implantou a estrutura colonial

brasileira, como participou ativamente da vida econômica, social e política

do país. Isso significa que ele não atuou de fora para dentro, como se deu na

Ásia, mas profundamente entrosado no contexto social do Brasil.

Consequentemente, diz Prado Jr., os países da América Latina sempre

compartilharam do mesmo sistema ou das mesmas relações econômicas que

deram origem ao imperialismo, vale dizer, do sistema capitalista

(MANTEGA, 1987, 240).

52

Assim, a economia brasileira sempre esteve inserida no sistema capitalista.

Primeiramente no capitalismo comercial e logo depois no capitalismo imperialista das grandes

e poderosas potências mundiais, existindo desde o escravismo as práticas capitalistas, ou seja,

desde o inicio da colonização os elementos da estrutura mercantil capitalista já existiam,

diferenciando-se o capitalismo da economia brasileira das demais economias capitalistas

devido a existência da mão-de-obra escrava. Para Caio Prado, esse fator não tem a mínima

importância, já que a mão-de-obra escrava esteve sempre relacionada ao trabalho livre, não

ocorrendo profundas transformações da economia mercantil para o pleno capitalismo.

Conclui-se, assim, que para Caio Prado Jr., a substituição do trabalho

escravo pelo trabalho livre não afeta a natureza estrutural da grande

exploração, que já seria, pois, em sua essência, capitalista, mesmo quando

impulsionada por relações de produção escravistas (MANTEGA, 1987, p.

242).

A economia colonial brasileira é definida pela exploração comercial em grande escala

composto por um trabalho coletivo e em cooperação, entrando em contraste com a

organização feudal, que se caracteriza não pela grande exploração, mas por uma exploração

parcelaria (MANTEGA, 1987, p. 243).

Na exploração feudal, a ocupação e direção são exercidas pelo camponês enquanto na

grande exploração rural isso cabe ao proprietário.

O quadro traçado por Caio Prado Júnior para a economia brasileira era de um

capitalismo colonial centrado nas atividades agrícolas e exportadoras, diferentemente do

capitalismo clássico, que se baseava na acumulação industrial. Tinha-se no Brasil um

capitalismo atrasado e um país cheio de obstáculos para o desenvolvimento de sua economia,

como a estrutura econômica colonial voltada para as necessidades do mercado externo, nível

de vida precário da população, concentração na agricultura, carência de condições para um

mercado consumidor que incentivasse a industrialização.

Diferente dos defensores da tese feudal Caio Prado afirmava que a superação dessas

limitações estava diretamente ligada à luta dos trabalhadores do campo por melhores

condições de trabalho para construção de um mercado interno que possibilitaria a

industrialização. Essa luta política deveria centrar-se em inverter o que até então era a

principal característica da economia colonial brasileira, ou seja, realizar a transição da

produção direcionada para o mercado externo para o mercado interno e suas necessidades.

53

Conclui-se que aproximação existente entre o Modelo Democrático-Burguês e o

Modelo de Subdesenvolvimento Capitalista é que ambos apostam no capitalismo nacional e

defendem que o principal obstáculo do capitalismo brasileiro é o imperialismo. Porém, as

divergências aparecem em destaque nessa seção. Essas divergências de Caio Prado Júnior

com as duas correntes derivam de sua interpretação do capitalismo, para a qual foi

fundamental a compreensão, não apenas da obra de Marx, mas do trabalho de crítica à teoria

econômica que ele apreendeu em Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica.

4. A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO PARA CAIO PRADO

JÚNIOR

Apresentaremos nessa seção o que para Caio Prado Júnior consiste na teoria do

desenvolvimento econômico. Chegamos a essa definição após a leitura de várias de suas obras

que caminharam em direção a essa questão.

O que podemos observar é que Caio Prado Júnior inicia com a publicação de

Formação do Brasil Contemporâneo em 1942 a sua posição com a formação da Nação,

entrando em linha de consideração os problemas sociais expressos na incorporação da massa

inorgânica da sociedade. Formação do Brasil Contemporâneo, História Econômica do Brasil

e História e Desenvolvimento têm como principal objetivo compreender o passado colonial

brasileiro, observando as características e peculiaridades de sua formação e os

desdobramentos da dependência externa. Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica é

discutida neste trabalho para a compreensão da passagem de um diagnóstico social para um

diagnóstico econômico dos impasses do presente, sem, entretanto, deixar de considerar a

relação passado/presente que CPJ formulou no livro de 1942 e que permanece no conjunto de

obras referidas acima. Discutimos o papel das inversões nos países subdesenvolvidos, o

direcionamento da produção ao mercado externo, a dependência em relação aos países

desenvolvidos e o sentido da formação do Brasil. Através daí, o leitor concluirá que a reflexão

sobre o desenvolvimento econômico se tornou uma instância privilegiada para pensar os

dilemas brasileiros nas décadas de 1950 e 1960.

As inversões externas realizadas em países periféricos remuneram o capital invertido,

sendo a maior parte delas nos países subdesenvolvidos, ligadas à produção para exportação,

aplicando-se também diretamente na produção de matéria-prima e gêneros alimentares

54

exportáveis e indiretamente no transporte de produtos exportáveis e no financiamento da

produção e no comércio de exportação. A inversão nos países subdesenvolvidos não abre

perspectivas para novas atividades, diferente dos países europeus e norte-americanos. Tem-se

assim, a Teoria Imperialista (PRADO JÚNIOR, 1957).

Os países subdesenvolvidos além de exportarem produtos para os países periféricos

também instalam suas filiais nos mesmos, onde a mão-de-obra é barata. Essas instalações

visam unicamente prologar suas empresas e criação de uma seção de acabamento de seus

produtos, visando ampliação de vendas e ocasionando um desequilíbrio do balanço de contas

externas dos países subdesenvolvidos, tornando difícil a regularização dos débitos

internacionais desses países.

Os países coloniais e semicoloniais da Ásia, América e África, não se estruturam em

formas e relações próprias do sistema capitalista. Os países subdesenvolvidos dependem em

alto grau da importação, devido à insuficiência de sua produção industrial e a exportação

limitada no volume e no preço dos produtos exportados, tornando-se os déficits mercantis

cada vez maiores, comprometendo a vida econômica. Assim, ocorre um desequilíbrio entre o

que o país deve e o que pode pagar, sendo a correção alcançada através de novas inversões,

tornando o endividamento dos países periféricos progressivo.

Os empreendimentos estrangeiros somente ocasionam desordem nos países

subdesenvolvidos, fazendo com que a estruturação do capitalismo nacional fique sempre em

segundo plano, apoiando-se em finanças desorganizadas e em bases aleatórias. O

desenvolvimento através das inversões estrangeiras realizadas pelos trustes internacionais é

precário e limitador, pois gera novas obrigações e reduz ainda mais a capacidade dos

pagamentos externos, criando-se um círculo vicioso.

Essa dependência dos países periféricos com o decorrer dos séculos muda somente de

caráter, ou seja, ao se tornar quantitativamente menos dependente após a decadência do

modelo tradicional de desenvolvimento o país muda qualitativamente a natureza de sua

dependência ao assumir o modelo de substituição de importações.

O processo de formação do Brasil é desenvolvido através da noção de “sentido da

colonização”. Segundo o autor, todo povo possui um sentido, que deve ser compreendido para

um estudo detalhado de sua evolução. Assim, para entendermos a história brasileira, devemos

encontrar o seu sentido histórico. O sentido da colonização seria atender aos interesses

comerciais exteriores, da metrópole durante o período colonial, das nações desenvolvidas no

Brasil pós independência. Mesmo com o passar dos anos o Brasil continuou com caráter

55

dependente. Esse argumento central do autor deixa visível sua posição sobre o assunto, ou

seja, mesmo com a industrialização e diversificação econômica o Imperialismo continuou a

perdurar até os dias atuais em virtude do sentido da colonização que está presente no

panorama econômico brasileiro (PRADO JÚNIOR, 2011).

Ao longo de Formação do Brasil Contemporâneo, o autor critica o espírito mercantil e

individualista da sociedade portuguesa colonial, assim como em História e Desenvolvimento.

Podemos depreender, portanto, que o desenvolvimento econômico para Caio Prado

Júnior consiste na superação do sentido da colonização. Ou seja, na superação da

determinação externa de toda a estrutura econômica e social do país, o processo histórico é

quem mostra onde a questão do desenvolvimento se encontra, e o uso desse método histórico

é claro na obra de História e Desenvolvimento de 1968. O país deveria então, estimular a

produção que atendesse o mercado interno e criasse um espaço econômico de “existência

autônoma”. O passado colonial brasileiro é o principal responsável pelas deficiências que

limitam o desenvolvimento. Dessa forma, dada a insuficiência estrutural da economia

brasileira, o autor argumenta que a relação do país com as grandes potências capitalistas é

sempre dependente e subalterna.

O desenvolvimento econômico vai assim, além da difusão de técnicas modernas e da

industrialização. Necessita-se de uma compreensão histórica da realidade e uma prática

teórica fundamentada na realidade brasileira. Caio Prado Júnior caminhou em direção à uma

conclusão que foi estabelecida com a publicação de História e Desenvolvimento em 1968.

Nessa obra o autor contextualiza tudo o que foi discutido anteriormente nas outras obras

publicadas. Foi em 1968 que concluiu a importância da história na realidade do Brasil, a

necessidade da superação de um passado colonial e a dificuldade na adaptação das teorias

prontas que nos foram impostas. Prado Júnior, constatou em 1968 o que havia iniciado em

1957, ou seja, ressalta a ausência da inserção da história nas teorias que tanto havia criticado

em Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica, ressaltando que o elemento histórico,

fundamental para a elaboração de uma teoria que abarcasse as reais necessidade brasileiras,

havia sido sempre eliminado de qualquer compreensão sobre o desenvolvimento.

Compreendido esse salto de Prado Júnior em relação ao pensamento econômico, cabe

agora nos determos na explicação das possíveis perspectivas para ação e se esse tipo de teoria

foi diretamente proposto no decorrer de sua trajetória intelectual.

4.1 Perspectivas para Ação

56

4.1.1 O diferencial de Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica

Ao decorrer do presente trabalho percebemos que a partir de Esboço dos Fundamentos

Teoria Econômica, Caio Prado muda a maneira como procura compreender os problemas do

presente e realiza uma reflexão sobre os anos 50, década em que a obra foi publicada. Já foi

discutido anteriormente que o objetivo principal de Caio Prado Júnior é encontrar respostas

para o presente utilizando do marxismo e criticando as teorias econômicas e as outras

formulações marxistas que não levavam em conta a realidade específica dos países

subdesenvolvidos.

Na obra Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica, que lança luz sobre os

conceitos econômicos que servem de base para as análises de Caio Prado Júnior, fica evidente

o equívoco de Guido Mantega em A economia política brasileira, quando o mesmo afirma

que os pensadores brasileiros fundamentaram suas análises sobre a economia brasileira

através da releitura econômica convencional, como a clássica, marxista, neoclássica,

keynesiana e outras, não considerando as especificidades e peculiaridades do Brasil, aplicando

modelos de interpretação do capitalismo internacional e desenvolvido. Nessa afirmação,

Mantega não reconhece o importante papel de Caio Prado em tentar pela primeira vez no

pensamento econômico brasileiro debater a inadequação das teorias dos países

subdesenvolvidos.

Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica trouxe um questionamento sobre as

teorias internacionais para países desenvolvidos em uma realidade como a do Brasil. Portanto,

Caio Prado não se inclui nessa gama de pensadores que somente adaptam modelos teóricos ao

país.

Caio Prado busca no decorrer da obra uma teoria que leve em consideração a

especificidades desses países subdesenvolvidos, atribuindo à história papel fundamental para

a compreensão das economias coloniais e atrasadas. Cada país tem suas especificidades e no

caso dessas economias periféricas o processo histórico tem suma importância, não se

adaptando a nenhuma teoria pronta, vindo daí a necessidade de se construir uma teoria para

esse caso específico.

A ideia de que as teorias econômicas existentes no Brasil nos foram impostas, sem

sequer realizar uma análise da real situação de um país, que como já enunciado pelo autor em

57

1942 na obra Formação do Brasil Contemporâneo, possuía como único sentido de existência:

a colonização para exploração. Caio Prado Júnior foi muito além ao criticar o keynesianismo,

a Cepal e até mesmo o marxismo e considerar que no Brasil a realidade era completamente

diferente para que pudéssemos simplesmente aderir a teorias prontas. O autor dedica a obra de

1957 a uma minuciosa análise da teoria econômica concebida nos países desenvolvidos, até

então utilizada em países periféricos.

Os diversos artigos publicados na Revista Brasiliense a partir de 1955, os

livros “Esboço dos fundamentos da teoria econômica” (1957) e “Diretrizes

para uma política econômica brasileira” (1954), fundamentaram uma posição

que era ao mesmo tempo nacionalista, ao postular a afirmação da nação

através de uma economia voltada ao mercado interno e ainda (pelo menos

nos anos 50) dentro dos marcos do capitalismo, e radical, por rejeitar a

possibilidade de que o capital estrangeiro pudesse ter qualquer papel

progressista na constituição de uma economia daquele tipo (COLISTETE,

1990, p. 108).

A obra consiste em uma análise do fator econômico/teoria econômica, discutindo

desde a troca de bens até a mercantilização dos bens e do trabalho humano, compreendendo o

capitalismo como uma organização econômica. Analisa-se assim, as diferentes concepções e

teorias econômicas da organização capitalista. A conclusão de Caio Prado é a necessidade de

uma teoria que compreenda a economia dos países desenvolvidos.

Em outras palavras, o que se propõe aos países subdesenvolvidos é

superarem o estatuto em essência e fundamentalmente colonial de sua

economia, e se reestruturarem em bases propriamente nacionais. Mas para

realizarem isso, impõem-se uma política econômica inspirada em

concepções em que eles hoje se acham. O que requer uma nova teoria

econômica (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 212).

Fica, portanto evidente, o foco central de Esboço dos Fundamentos da Teoria

Econômica e sua mudança em relação às demais obras de Caio Prado Júnior. Enquanto nos

anos anteriores à década de 1950 as obras tinham um caráter social e histórico, essa obra em

especial tem um foco econômico, visando discutir as falhas da teoria econômica, importadas

pelos países periféricos. Ao expor o diferencial da obra chegamos ao momento final do

presente trabalho.

58

A seguir destacaremos como Caio Prado Júnior concluiu o que iniciou em 1957 e a

importância dada aos aspectos históricos, até então não levados em consideração na

formulação das teorias econômicas.

4.1.2 A importância de História e Desenvolvimento

No conjunto de produção de Caio Prado Júnior História e Desenvolvimento aparece

como obra posterior a Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica, sendo publicada em

1968. Caio Prado realizou uma compreensão crítica do desenvolvimento, tentando elaborar

uma política econômica particular para o mesmo. Nesta obra, o autor retoma o lugar da

história, depois de ter se dedicado ao estudo da teoria econômica, enfatizando a importância

da mesma nas análises econômicas do presente. O que o livro História e desenvolvimento

representa é a retomada das preocupações de Formação do Brasil Contemporâneo, com um

diferença importante: enquanto no livro de 1942, o diagnóstico do presente foi feito tendo

como eixo a Formação da Nação e as dificuldades em superar as clivagens sociais do setor

inorgânico da sociedade, em História e desenvolvimento o diagnóstico sai do campo social e

vai para a esfera econômica, fazendo eco às discussões no Brasil dos anos de 1950. Para esse

salto no diagnóstico do presente, tem-se como momento fundamental nas reflexões de Caio

Prado Júnior a obra Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica, onde empreende uma

epistemologia da ciência econômica, para fundamentar suas análises sobre o presente.

Cabe aqui discutir brevemente as principais discussões na obra de 1968. História e

Desenvolvimento evidencia a busca dos antecedentes da problemática atual através de

pesquisas sobre a evolução histórica brasileira e a formação econômica e social do país.

Segundo Caio Prado, a problemática atual circulava em torno das possibilidades de

“desenvolvimento”, afirmando que só através do mesmo o país poderia alcançar o nível e os

padrões da civilização moderna. No caso brasileiro, o foco é o “subdesenvolvimento”, que

abarca países com capitalismo não completamente amadurecidos ou não se insere na forma

clássica na qual o capitalismo se desenvolveu.

O processo histórico brasileiro é marcado pela dualidade de seu sistema econômico: de

um lado, a tradicional produção de gêneros primários para a exportação e do outro, o

emergente mercado interno que traz consigo a indústria. São dois setores que andam

separadamente e nunca recobrem um ao outro. Produtos primários como a castanha-do-pará, o

59

café, o cacau e tantos outros, tinham como sentido econômico e único a exportação (PRADO

JÚNIOR, 1968).

A indústria (PRADO JÚNIOR, 1968) no Brasil substituiu as importações e

desenvolveu uma atividade voltada para o mercado interno. A divisão da estrutura econômica

brasileira em dois setores, interno e externo, condiciona seu crescimento econômico e o

desenvolvimento. Teorias consideradas clássicas sobre o desenvolvimento voltam-se à renda

per capita e o ritmo das inversões, que é o que condiciona as flutuações dessa renda. Porém,

como já imaginado, a teoria ortodoxa, mostra-se incapaz de avaliar as circunstâncias

peculiares dos países subdesenvolvidos.

A teoria ortodoxa fica no simples relacionamento das inversões, em nível de

alta abstração, com o processo de acumulação capitalista que por seu turno

se liga esquematicamente à poupança conceituada simplesmente como

excedente da receita acima das despesas de consumo (PRADO JÚNIOR,

1968, p. 135).

No Brasil, o processo de capitalização é realizado já na produção, originando-se de

lucros que não foram distribuídos, revertendo-se na própria produção. Nossa produção sempre

esteve voltada para o mercado e condicionada a ele. O progresso econômico brasileiro sempre

esteve ligado às conjunturas comerciais favoráveis aos nossos produtos exportação (PRADO

JÚNIOR, 1968).

.

O capital, as inversões, as atividades produtivas e tudo mais, até mesmo os

índices demográficos, se condicionam direta e imediatamente àquela

conjuntura. São seu reflexo e sua conseqüência (PRADO JÚNIOR, 1968, p.

138).

A importância de citar neste trabalho a obra posterior à Esboço dos Fundamentos da

Teoria Econômica é mostrar ao leitor que Caio Prado Júnior foi além de apensas sugerir uma

nova teoria econômica que contemplasse as necessidades dos países periféricos. Caio Prado

concluiu em História e Desenvolvimento a análise que iniciou em 1957, ou seja, a proposta da

criação de uma teoria que contemplasse a realidade periférica, atrasada e direcionada aos

interesses internacionais da economia brasileira. Em História e Desenvolvimento ele deixa

implícito que o grande diferencial dessa teoria seria acrescentar à ela os fatores históricos do

Brasil, como a excessiva dependência em relação ao capital internacional, a colonização para

a exploração dos bens primários, a imitação dos padrões de consumo externos, entre outros.

60

Ao escrever em 1968 Caio Prado mostra que não há uma teoria econômica pronta para

países como o Brasil, mas o que existe é uma interpretação histórica dos dilemas econômicos

do Brasil, que são explicados pelo passado e que nunca foram considerados pelas teorias

clássicas impostas aos países subdesenvolvidos. Concluímos assim, que a formulação de uma

teoria que contemplasse a realidade brasileira, deveria primeiramente fazer uma interpretação

histórica dos dilemas econômicos do Brasil, que são explicados pelo passado.

61

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