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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS ALINE CRISTINA DE ALMEIDA A QUESTÃO DA CASA PRÓPRIA PELA ÓTICA DO FINANCIAMENTO HABITACIONAL: PRODUÇÃO DO ESPAÇO E ESPECULAÇÃO NO MUNICÍPIO DE MUZAMBINHO/MG ALFENAS 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS

ALINE CRISTINA DE ALMEIDA

A QUESTÃO DA CASA PRÓPRIA PELA ÓTICA DO FINANCIAMENTO

HABITACIONAL: PRODUÇÃO DO ESPAÇO E ESPECULAÇÃO NO

MUNICÍPIO DE MUZAMBINHO/MG

ALFENAS

2014

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ALINE CRISTINA DE ALMEIDA

A QUESTÃO DA CASA PRÓPRIA PELA ÓTICA DO FINANCIAMENTO

HABITACIONAL: PRODUÇÃO DO ESPAÇO E ESPECULAÇÃO NO

MUNICÍPIO DE MUZAMBINHO/MG

Dissertação apresentada como parte dos

requisitos para obtenção do título de Graduação em

Licenciatura Plena em Geografia da Universidade

Federal de Alfenas.

Orientador: Prof. Dr. Evânio dos Santos Branquinho

ALFENAS

2014

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ALINE CRISTINA DE ALMEIDA

A QUESTÃO DA CASA PRÓPRIA PELA ÓTICA DO FINANCIAMENTO

HABITACIONAL: PRODUÇÃO DO ESPAÇO E ESPECULAÇÃO NO

MUNICÍPIO DE MUZAMBINHO/MG

A Banca examinadora abaixo-assinada,

aprova o Trabalho de Conclusão de Curso,

apresentado como parte dos requisitos para

obtenção do título de Graduação em Licenciatura

Plena em Geografia da Universidade Federal de

Alfenas.

Aprovada em: Prof.a Sandra de Castro de Azevedo Instituição: UNIFAL/MG Assinatura: Prof.a Ana Rute do Vale Instituição: UNIFAL/MG Assinatura:

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DEDICATÓRIA

Dedico este estudo especialmente à minha mãe, que cuidou carinhosamente do meu filho, enquanto estive envolvida com a pesquisa.

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AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por sempre proporcionar a força de continuar. Agradeço à minha família, por ter sido o porto seguro diante de minhas dificuldades e inseguranças. Agradeço também aos meus professores, que contribuíram de maneira significativa em minha formação e na conquista deste sonho. Em especial meu orientador Prof. Evânio, agradeço pela paciência e pela sabedoria dividida.

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RESUMO

O fenômeno da especulação imobiliária que se observa em municípios de diversos portes, da metrópole aos pequenos centros, mas que pode apresentar motivações distintas em função das características específicas de cada escala de análise. Estamos em um momento da política nacional em que foi dada uma atenção especial ao setor habitacional, seja como reação a crise internacional que reflete ainda hoje na economia, ou como uma questão importante da plataforma política para angariar apoio popular, por se tratar de uma reivindicação antiga dos movimentos sociais. O presente trabalho vem analisar, por meio de um apanhado das políticas habitacionais, como elas se desenvolveram até chegar à atual forma implantada pela gestão PT, distinguindo as duas modalidades, o PMCMV parcialmente subsidiado oferecido como linha de crédito, e o Programa social. Através da discussão sobre a renda da terra, entender quais os mecanismos utilizados pelos agentes “construtores” do espaço urbano para extrair o lucro máximo de seus empreendimentos e verificar como o financiamento habitacional tem inflacionado o mercado imobiliário. Por último, apresentar o perfil destes sujeitos que buscam o crédito pra compra da casa própria, demonstrando como grande parte fica a par deste processo. Para se compreender os aspectos que englobam essa realidade, é preciso relacionar os aspectos teóricos com os aspectos práticos impressos no espaço construído de nossas cidades. Nesse sentido, vamos abrir espaço para uma pequena reflexão a cerca dos estudos urbanos realizados ao longo dos anos em nosso país, contextualizando-os em relação ao desenvolvimento das políticas públicas voltadas à habitação. Portanto, grandes barreiras devem ser derrubadas para que se torne um projeto que atenda de fato aqueles que mais precisam, através de habitação de qualidade, acessível, inserida na malha urbana e que promova sim o desenvolvimento econômico, porém equilibrado, com base na função social da moradia, o contrário do que vem sendo considerada, simples mercadoria.

.

Palavras-chave: habitação; moradia; programa do governo; abrangência.

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ABSTRACT

The phenomenon of speculation that is observed in cities of various sizes, from the metropolis to small centers, but may have different motivations depending on the specific characteristics of each scale of analysis. We are in a time of national policy in which special attention was given to the housing sector, either in response to international crisis that reflects today on the economy, or as a major issue of political platform to garner popular support, because it is a claim old social movements. The present work is to analyze, through an overview of housing policies, how they have developed to reach the current way of managing deployed PT, distinguishing the two modalities, PMCMV offered as partially subsidized credit line, and the social program. Through discussion about the rent of land, to understand the mechanisms used by the "builders" agents of urban space to extract the maximum profit from their endeavors and see how the housing finance has inflated the housing market. Finally, present the profile of these individuals seeking credit for home purchases, demonstrating how much stays abreast of this process. To understand the aspects that encompass this reality, we must relate the theoretical with the practical aspects printed on the built environment of our cities aspects. Accordingly, we make room for a little reflection about urban studies conducted over the years in our country, contextualizing them in relation to the development of public policies aimed at housing. Therefore, major barriers must be broken down so that it becomes a project that meets in fact those most in need through quality housing, low, inserted into the urban fabric and to promote economic development yes, but balanced, based on the social function housing, the opposite of what has been considered mere commodity.

Keywords: housing; housing; government program; scope.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10

2 ASPECTOS METODOLOGICOS ............................................................................. 12

3 REVISÃO DA LITERATURA .................................................................................... 15

3.1 Estudos urbanos: sua relação com a produção das cidades brasileiras e as

políticas públicas. ............................................................................................. 15

3.2 Políticas Públicas voltadas à habitação – do BNH ao PMCMV .................. 24

3.3 Breve discussão sobre a renda da terra ..................................................... 31

3.4 Caracterização da área de estudo ............................................................. 36

3.4.1 Dados Populacionais, Econômicos e Sociais .......................................... 36

3.5 Perfil dos mutuários ............................................................................................. 42

4 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 52

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 54

Anexos ….…………………………………………………………………….......…..............55

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico1 ............................................................................................................ 43

Gráfico 2 ........................................................................................................... 44

Gráfico 3. .......................................................................................................... 45

Gráfico 4 ........................................................................................................... 46

Gráfico 5 ........................................................................................................... 46

Gráfico 6 ........................................................................................................... 47

Gráfico 7 ........................................................................................................... 48

Gráfico 8 ........................................................................................................... 49

Gráfico 9 ........................................................................................................... 49

Gráfico 10 ........................................................................................................50

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1 INTRODUÇÃO

O fenômeno da especulação imobiliária ocorre em municípios de

diversos portes, da metrópole aos pequenos centros, mas pode apresentar

motivações distintas em função das características específicas de cada escala

de análise. Estamos em um momento da política nacional em que foi dada uma

atenção especial ao setor habitacional, seja como reação à crise internacional

que reflete ainda hoje na economia, ou como uma questão importante da

plataforma política para angariar apoio popular, por se tratar de uma

reivindicação antiga dos movimentos sociais.

Ao comparar o programa atual com os programas habitacionais

anteriores, observaram-se avanços, porém são nítidos os problemas e

incoerências: nos reais interesses, nos verdadeiros beneficiados, bem como as

contradições entre um programa social e econômico e as demandas

urbanísticas, entre outros fatores conjunturais. Em nossa área de estudo,

observa-se que prevalecem os objetivos econômicos em detrimento dos

sociais. O Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) oferecido para a

região, em especial Muzambinho-MG, não atende os propósitos da função

social da moradia e tampouco da terra, em função da especulação imobiliária

crescente, e dos instrumentos da política urbana que estão sendo ineficientes

diante da sua má aplicação.

Tal programa trata-se de uma linha de financiamento da Caixa

Econômica Federal (CEF) para comprar um imóvel novo ou ainda lhe é

disponibilizado o recurso para o mutuário comprar o terreno e construir. Esse

mecanismo já se constitui uma barreira para uma parte da população, que não

tem renda comprovada ou que não possui a quantidade necessária para

obtenção do crédito. Mas se torna ainda mais difícil diante de uma prática que

não é permitida pela CEF, mas facilmente identificada no mercado imobiliário,

onde imóveis que são avaliados nos limite máximo para enquadramento no

programa, são na verdade vendidos por valores acima destes, com a diferença

paga por fora do financiamento, sob a forma de uma “entrada”. Aqueles que

realmente necessitam e possuem alguma condição, atendem as imposições,

seja do loteador, seja do proprietário do imóvel que atende os critérios para

financiamento.

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O presente trabalho vem analisar, por meio de um apanhado das

políticas habitacionais, como elas se desenvolveram até chegar à atual forma

implantada pela gestão PT (Partido dos Trabalhadores), distinguindo as duas

modalidades, o PMCMV parcialmente subsidiado oferecido como linha de

crédito, e o Programa Social. Através da discussão sobre a renda da terra,

entender quais os mecanismos utilizados pelos agentes “construtores” do

espaço urbano para extrair o lucro máximo de seus empreendimentos e

verificar como o financiamento habitacional tem inflacionado o mercado

imobiliário. Por último, apresentar o perfil destes sujeitos que buscam o crédito

para compra da casa própria, demonstrando como grande parte fica a par

deste processo.

Este estudo Foi motivado pelas recorrentes manifestações de

descontentamento em relação ao alto custo dos lotes e imóveis na cidade,

feitas por aqueles que realmente necessitam. É uma discussão pertinente na

medida em que poucos trabalhos tratam de assuntos relacionados às

dinâmicas das cidades pequenas, tendo a produção acadêmica se debruçado

em grande parte sobre o estudo das metrópoles e agora deslocado a atenção

para as cidades médias. A pesquisa pode contribuir para a abertura de uma

reflexão sobre a necessidade de medidas que mantenham um equilíbrio entre

crescimento econômico e o atendimento a demanda por moradia das classes

mais populares.

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2 ASPECTOS METODÓLOGICOS

De maneira geral, os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa

foram: levantamento bibliográfico acerca das políticas públicas no setor habitacional

e urbano como um todo, e especificamente sobre o uso do solo urbano e

mecanismos de extração da renda da terra; Leitura de documentos oficiais, como o

Plano Diretor do município de Muzambinho-MG; uso de dados estatísticos, mapas e

imagens, e aplicação de questionários semiestruturados, além de entrevistas com a

população, obtendo relatos orais. Os parágrafos seguintes darão detalhes de como

se desenvolveu a pesquisa e as concepções sob as quais ela está fundamentada.

Por se tratar de um estudo que busca analisar a atuação Estatal e dos demais

agentes produtores do espaço urbano, ressaltando os aspectos positivos e negativos

para a população, em especial a faixa em que se concentra a demanda por moradia,

é necessário definir uma concepção de Estado que atenda a esse propósito. Sendo

assim, é tomado como um produto da “contradição entre os interesses particulares e

o da comunidade”, como afirma Harvey (2005, p. 80), mas que na prática não atua

somente como um mediador, tendo seus próprios interesses.

Embora a questão habitacional seja um assunto de grande visibilidade, nesse

momento foi necessário distinguir o senso comum das concepções postas em

trabalhos acadêmicos, que mostram a real dimensão das iniciativas do Estado nesse

setor. Desta forma, procurou-se desenvolver uma noção sobre o Estado que não

seja demasiadamente radical, mas que exponha a dualidade de suas ações, tendo

como exemplo a

[...] política estatal relativa à posse de casa própria pela classe trabalhadora como, simultaneamente, ideológica (o princípio de propriedade privada obtém apoio muito difundido) e econômica (proporcionam-se padrões mínimos de abrigo e abre-se um novo mercado para a produção capitalista). (HARVEY, 2005, p. 88)

São várias as fontes relacionadas a políticas públicas, mas que trazem muitos

aspectos em comum. Muitas vezes, quando terminava a leitura de um texto,

percebia que já havia visto aquela afirmação outras tantas. Por isso, buscou-se

diversos autores que lidam com essa temática, no intuito de colocar a contribuição

de cada um, e montar uma sequencia de acontecimentos no cenário político e

econômico que desencadearam as atuais formas de atuação do governo. Assim, foi

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possível perceber que há gestões que dão continuidades em projetos anteriores,

outras que criam seus próprios projetos, mas sempre com os mesmos fundamentos.

Na atualidade, vários foram os aperfeiçoamentos desenvolvidos, mas ainda assim

há reflexos de medidas tomadas em outros tempos.

Partindo desse princípio, após a revisão de literatura que subsidia as

pontuações sobre as contradições observadas na iniciativa governamental, foram

realizadas leituras sobre outro agente que tem papel de destaque quando falamos

em especulação: o proprietário fundiário. Tradicionalmente, investir em terra é uma

“aplicação” segura e rentável de em nosso país, e por isso famílias abastadas

sempre tiveram o domínio desse mercado. Hoje, encontram-se envolvidos em uma

parceria com incorporadores que possuem mecanismos próprios de acumulação.

São eles que, no caso do nosso foco de estudo, a cidade de Muzambinho/MG,

realizam em seus empreendimentos a instalação de infraestrutura e equipamentos

urbanos, e desta forma manipulam o mercado imobiliário.

Contribui para essa perspectiva Rodrigues (2001, p. 19):

No mercado de compra e venda, quando teoricamente aumenta o volume de ofertas, diminui o preço. No caso dos terrenos, quando novos terrenos entram no mercado, por exemplo na expansão do perímetro urbano, ou loteamentos de glebas, o preço da terra, no geral, aumenta e não diminui.

Após ter dedicado atenção especial a estes dois tópicos teóricos, parte-se

para uma análise prática das características do município em questão, por meio de

um levantamento de dados quantitativos e qualitativos relacionados à população,

urbanização, economia, PIB e IDHM. Teve como finalidade traçar um perfil do

município, além de permitir uma relação desses indicadores com as características

levantadas sobre aqueles que objetivam a compra da casa própria por meio do

financiamento habitacional. Foram consultados os sites do IBGE e também a página

do Atlas Brasil, que trouxeram informações muito precisas e atualizadas sobre esses

itens. Além disso, permitiu situar a cidade dentro da mesorregião na qual se insere,

delimitando sua área em relação aos demais municípios mais próximos.

Os principais resultados dessa parte do trabalho dizem respeito a uma

evolução populacional significativa a partir de 1991, e que agora tem se estabilizado;

a pequena diversidade econômica, que resulta em um PIB fundamentado

principalmente em atividades rurais, poucas opções de emprego para a população e

uma média salarial relativamente baixa; Mas em um contexto geral, o IDHM (índice

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de desenvolvimento humano municipal) alcançou uma boa pontuação, considerando

principalmente o fator educação e saúde da cidade.

Por fim, foi realizada a aplicação de 34 questionários semi-estruturados para

aqueles que se dirigissem até o Correspondente Bancário da Caixa para obter

informações sobre como comprar a casa própria por meio de um financiamento - o

Programa Minha Casa, Minha Vida - que na referida cidade corresponde a uma linha

de crédito da Caixa Econômica Federal. Essa prática se mostra bastante pertinente

uma vez que, embora seja uma pesquisa aleatória, conseguiu atingir de maneira

satisfatória o público alvo, ao ir de encontro com este. Foram previamente

escolhidas questões que pudessem demonstrar o porquê destas famílias estarem

necessitando da casa própria e quais as barreiras enfrentadas. Foram, no total, dez

perguntas e as respectivas opções.

Três delas abarcavam particularidades e por isso havia-se dado um espaço

maior para resposta, sendo elas 1- O número de integrantes do núcleo familiar:

quantos com renda e quantos sem renda; 2- se recebia algum benefício/bolsa do

governo; e 3- local atual de residência. Nesse sentido, foi possível perceber que

quando não eram orientadas através da escolha de uma opção, as pessoas

deixavam de responder. Do total, essas perguntas foram as que alguns não

preencheram, mas não houve um comprometimento do resultado, uma vez que

aqueles que responderam apresentaram uma diversidade de situações que na

realidade, até dificultou um pouco a apuração, mas foi possível chegar a um

resultado. As demais são relacionadas à renda, escolaridade, ocupação e a forma

como estes sujeitos residem hoje, se em casa aluga, cedida e etc, como poderá ser

visto mais adiante.

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3 REVISÃO DA LITERATURA

3.1 Estudos urbanos: sua relação com a produção das cidades brasileiras e as

políticas públicas.

Para se compreender os aspectos que englobam essa realidade, é preciso

relacionar os aspectos teóricos com os aspectos práticos impressos no espaço

construído de nossas cidades. Nesse sentido, vamos abrir espaço para uma

pequena reflexão acerca dos estudos urbanos realizados ao longo dos anos em

nosso país, contextualizando-os em relação ao desenvolvimento das políticas

públicas voltadas à habitação.

A literatura sobre os estudos urbanos traz contribuições significativas na

medida em que demonstra como iniciativas desencontradas fundamentaram e ainda

influenciam fortemente as inúmeras políticas públicas que objetivam suprir a

demanda habitacional. Aponta para as descontinuidades da maioria das ações, de

caráter pontual e pouco abrangente, o que significa um entrave frente a uma tomada

de decisões mais acertada. Ainda, traz uma série de conceitos que muitas vezes são

banalizados por não se ter um embasamento teórico consistente sobre eles, como

segregação, pobreza, desigualdade social, e que são fundamentais para

compreender a dinâmica das cidades e o jogo de interesses travados pelos diversos

grupos que a compõem.

Marques (2005) faz uma análise sobre os estudos urbanos e também da

influência da sociologia sobre esses, sendo o espaço urbano primeiramente objeto

de pesquisa de arquitetos, urbanistas e engenheiros no final do século XIX, com

uma temática mais técnica e pouco envolvimento com as questões sociais. Nesse

contexto ocorre a emergência do trabalhador livre, a proclamação da república e o

desenvolvimento da indústria, ainda incipiente, subsidiada pelas atividades ligadas à

cafeicultura e às necessidades básicas do mercado interno.

Maricato (2001) discorre sobre as reformas urbanas do final do século XIX e

início do século XX afirmando que com estas se constituíram as bases legais para

um mercado imobiliário capitalista. Nesse sentido, nos primórdios da urbanização do

país observa-se o surgimento de assentamentos sem nenhum ordenamento e infra-

estrutura constituídos pela população que viria a se tornar mão de obra para a

indústria que se consolidava, enquanto a elite residia em espaços dotados de

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equipamentos urbanos. A partir de 1930, com as mudanças nos rumos da economia,

o Estado passa a investir em infra-estrutura para o desenvolvimento industrial, mas

sem ruptura com os interesses hegemônicos estabelecidos, o que pode ser visto

como a causa e a conseqüência da ausência de questões de caráter social nos

estudos realizados neste período, permitindo que a sociedade mantivesse uma

estrutura territorial patrimonialista. Embora o Estado se fizesse mais presente, ainda

não se encontra formulada uma política que trate especificamente da questão

habitacional.

Em 1933, na gestão Vargas, a promoção de habitação foi coordenada pelos

IAPs (Instituto de Aposentadorias e Pensões), com recursos obtidos através de

contribuições do Estado/empregador/empregado. Para entender o que motivou essa

postura por parte do governo, ainda que de maneira não muito compromissada, mas

já entendendo o problema habitacional como seu, Otero (2009) aponta as

contribuições de Farah (1983), que faz uma reflexão da ação do Estado no setor

habitacional a partir de uma corrente francesa partindo de duas premissas:

reprodução da força de trabalho e acumulação de capital no setor imobiliário.

A referida autora salienta que a primeira perspectiva não condiz com a

realidade brasileira devido à grande massa de trabalhadores existente, não sendo

essa uma prioridade do governo. Com relação à habitação tida como mercadoria,

fica visível essa intenção quando se faz a injeção de recursos públicos nas

construções e financiamento aos mutuários, através de entes privados.

Nas décadas de 1940 e 1950 começam a se desenvolver análises de

geografia urbana, baseadas em levantamentos de dados entre o meio físico e a

presença humana, conforme Marques (2005). Nesse contexto, após o fim da

segunda Guerra, inicia-se um rearranjo do processo de industrialização com

significativo e crescente controle do capital internacional, desvinculando

parcialmente a indústria da produção do campo, visando à produção de bens de

consumo mais duráveis, como o automóvel, o que marca uma mudança no modo de

vida, na habitação e nas cidades. Contudo, a inserção do país na divisão

internacional do trabalho é subalterna, mantendo o país um alto grau de

dependência externa, o que sempre interferiu decisivamente na produção do

ambiente construído no Brasil (MARICATO, 2001 p. 19).

Nesse momento, o Estado passou a ser mais cobrado por parte do

proletariado, uma vez que a forma de ser morar até então mais buscada – o aluguel

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– estava sendo regulada e desestimulada para atrair os investimentos da produção

rentista de moradias para a indústria. Sendo assim,

A década de 40 é [...] crucial no que se refere à ação do Estado no setor habitacional, quando ocorrem as principais intervenções do governo federal – congelamento dos aluguéis, produção em massa de moradias por intermédio dos IAPs e criação da Fundação da Casa Popular. Além disso, no mesmo período consolidou-se a aceitação, pelo Estado e pela população, de alternativas habitacionais precárias, ilegais e excluídas do âmbito capitalista, como a favela e a casa própria em loteamentos clandestinos e desprovidos de infra-estrutura [...]. Bonduki (1998 apud OTERO, 2009, p. 209)

A Fundação Casa Popular, que tinha em sua constituição propósitos de

atender a demanda dos movimentos sociais, levando os impostos pagos pelas

classes mais altas nas operações imobiliárias para subsidiar a produção de moradia,

encontrou forte resistência. Criada no governo Dutra, não se efetivou devido à

contrariedade de incorporadores, construtores e contribuintes que burlavam o

sistema e também por responsabilidade dos próprios governos estaduais, que não

cobravam os débitos. Além disso, era um projeto permeado de irregularidades na

seleção dos beneficiários, com orçamento restrito em decorrência da inexistência de

correção monetária das parcelas, sendo extinto em 1964. Esse intuito de promoção

habitacional foi retomado na gestão de Janio Quadros, com a tentativa de criação do

Instituto Brasileiro de Habitação, porém com outra ótica, disseminando a ideologia e

valores da classe média, como a propriedade privada, conforme Otero (2009).

Já na década de 1970 os processos sociais ganham espaço em meio às

pesquisas, uma vez que a partir da década de 1950 verifica-se um aumento

populacional significativo nas cidades, com o abandono do campo em busca de

melhores condições de vida, principalmente nas grandes metrópoles. Nesse período,

há três linhas de raciocínio: há estudiosos que consideram a pobreza e o trabalho

informal como frutos da migração intensa do ambiente rural para o urbano, sem que

o mercado conseguisse absorver essa mão de obra. Aqueles que consideram esse

acréscimo populacional a formação de um exército industrial de reserva, típico do

padrão de acumulação capitalista dependente, como esclarece Marques (2005).

Ainda, os que vêem os baixos salários como condição para a industrialização.

Grande parte desses estudos era de cunho marxista, não naturalizavam a

exploração do trabalhador, culpando-o por sua condição social, mas demonstravam

que a nossa economia assim o fez, pobre e marginalizado.

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Nos anos marcados pelo regime ditatorial, embora sejam caracterizados pela

inflexibilidade política, nos estudos acentua-se essa preocupação com o aumento do

desenvolvimento econômico versus o da pobreza, onde as análises começam a se

debruçar sobre “[...] processos concretos e mecanismos específicos da produção de

nossas cidades. Nessa linha de estudos, foram priorizados os processos de produção dos

espaços habitados pela população de baixa renda” (MARQUES, 2005, p. 22).

A primeira iniciativa brasileira de criação de uma política habitacional de

abrangência nacional, com objetivos e metas definidos, fontes de recursos

permanentes e mecanismos próprios de financiamento, ocorreu com a implantação

do Banco Nacional da Habitação (BNH), o que significou impactos em toda a cadeia

produtiva, bem como no mercado fundiário, consistindo em uma explosão

imobiliária. Com a constituição do BNH integrado ao Sistema Financeiro da

Habitação (SFH), criados pelo regime militar a partir de 1964, que as cidades

brasileiras passaram a ocupar o centro de uma política destinada a mudar seu

padrão de produção, segundo Maricato (2001). Essa mudança engloba aspectos

positivos e negativos, mas sobressai o fato dos recursos do SFH aplicados na

produção de moradias ter ocasionado um expressivo aumento especulativo do solo.

Essa política pautou-se apenas na construção de novas unidades, deixando

de lado outras alternativas, mas acompanhando sempre as demandas do mercado.

Na segunda metade dos anos 70, as atividades ligadas à construção civil ajudaram a

manter o significativo crescimento do PIB, que já dava sinais de desaceleração (cf.

Maricato, 1987), com aumento significativo da inflação, desemprego, queda dos

níveis salariais, o que gerou um forte desequilíbrio no SFH em decorrência das

seguidas alterações nas regras de correção monetária, dentre outros fatores. Tal

cenário resultou na extinção do BNH em 1986, cujas funções foram redistribuídas

entre alguns órgãos de governo, atribuídas principalmente a Caixa Econômica

Federal.

Paralelamente, as décadas de 80/90 foram marcadas por um período de

recessão, com aumento populacional para além do PIB, ampliação do universo de

desigualdade social, da pobreza e da violência urbana. Na literatura, observa-se que

a partir da década de 80 há uma mudança de ótica, quando os estudos passam a

considerar que ocorre um movimento por parte dessa então “manipulável” população

de baixa renda residente nos espaços periféricos, em prol de melhores condições de

vida e moradia, com grandes contribuições de estudos antropológicos, sobre “os

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moradores da periferia, seu cotidiano e suas visões sobre a sociedade, seus

espaços e suas vidas” (MARQUES, 2005, p. 24). Essas análises apenas não

consideraram as estruturas em que se inserem esses sujeitos.

Foram realizadas reflexões importantes sobre as questões fundiárias

(instrumentos de regulação da cidade e da terra urbana e da irregularidade no seu

uso) questões econômicas e sociológicas sobre o mercado imobiliário. Também,

com relação à estrutura socioespacial, algumas alternativas foram desenvolvidas no

sentido do planejamento territorial. Mas entre os temas abordados de maneira

significativa, destacam-se nos últimos anos os movimentos sociais urbanos, o que

significa avanços nessa área de estudo, ainda mais se considerado o nível de

interdisciplinaridade com outros campos do conhecimento como a economia, direito

urbano e planejamento, além da voz dada à população até então marginalizada e

silenciada.

As pesquisas realizadas nas décadas de 1970 e 1980 objetivavam uma

“interpretação crítica do nosso capitalismo” bem como do regime militar, atendendo

as expectativas daquele momento. Porém, várias lacunas foram deixadas, sendo

principalmente relacionadas “ao Estado, aos capitais que agem no urbano e ao

estudo dos espaços periféricos” (MARQUES, 2005, p. 26). Desta forma, essas

lacunas tornam-se significativas se considerados os atuais problemas urbanos. Os

processos políticos eram naturalizados, sendo a ação do Estado destituída de

interesses próprios:

O Estado era pensado de forma única, monopolística e abstrata, e seus conteúdos e suas ações eram quase sempre explicados a partir dos interesses do capital em geral, dos capitalistas interessados na construção da cidade ou dos grupos sociais mais abastados, oscilando entre um tratamento do Estado do pluralismo e da teoria das elites, embora recobertos de categorias marxistas. (MARQUES, 2005, p. 27).

Na prática, grande parte da população encontrava-se fora do mercado formal

de trabalho ou com salários ao nível se subsistência, não cabendo no computo dos

seus rendimentos um valor destinado especificamente à moradia. Nota-se que o

financiamento imobiliário não promoveu a democratização do acesso a terra, a

“atividade produtiva imobiliária nas cidades brasileiras não subjugou as atividades

especulativas, como ocorreu nos países centrais do capitalismo” (MARICATO, 2001,

p. 21).

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20

Sobre os capitais produtores do espaço urbano, nos estudos produzidos,

foram tomados de maneira relativizada. Dessa forma a teoria não corresponde

necessariamente à prática, sendo importante pensar “a ação política como baseada

em atores concretos agindo em ambientes institucionais, relacionais e espaciais

específicos” (MARQUES, 2005, p. 28). Nessa perspectiva, é preciso refletir que não

há neutralidade nas relações econômicas e políticas travadas no ambiente

construído, e buscar respostas para questionamentos como, de que maneira

enfrentar o mercado imobiliário altamente especulativo e excludente? Como

implementar a função social da propriedade? Como fazer o controle do uso do solo?

Na medida em que “o mercado imobiliário controla os investimentos públicos

urbanos que são o fator mais importante de valorização imobiliária” (MARICATO,

2001, p. 43).

Esses capitais produtores do espaço urbano podem ser divididos em dois

grandes grupos: os que usam o espaço urbano apenas como substrato e os

envolvidos em atividades produtivas que usam o espaço urbano em seus processos

de valorização. O primeiro grupo tem influência menor uma vez que preza pela boa

localização, relacionada ao potencial de lucratividade, mas o espaço não é central

em sua atividade produtiva. Já para o segundo grupo o espaço é tido como matéria

prima para valorização, onde suas ações influenciam na produção do espaço

urbano, de acordo com Marques (2005). Nesse sentido, vale ressaltar a participação

do Estado na medida em que este contribui através de diversos mecanismos para a

orientação das localizações no espaço urbano, como o planejamento, o zoneamento

e demais instrumentos.

As disputas pela apropriação das rendas imobiliárias determinam, em grande

parte, os destinos das cidades e seu desenvolvimento. A ocupação do solo obedece

a uma estrutura informal de poder: a lei de mercado precede a lei/norma jurídica,

como nos afirma Maricato (2001). Os capitais produtores do espaço urbano podem

ainda serem divididos entre,

Os envolvidos com a promoção imobiliária (proprietários de terra, construtores de edificações, financeiras, imobiliárias, e incorporadores), os construtores de infra-estrutura (viária, drenagem e canalização, grandes estruturas, etc.) e os envolvidos com a promoção de serviços urbanos (como transportes e limpeza urbana). (Marques, 2005, p. 28)

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O primeiro grupo é peça principal deste trabalho, uma vez que o elemento

chave das relações que se materializa no ambiente urbano, sendo agentes que

produzem e consomem espaço, responsáveis por mecanismos de especulação da

terra urbana (dotada de equipamentos e infra-estrutura), manipulando e atribuindo a

ela “amenidades” e “externalidades” que resultam em seu alto custo. É deste grupo

que partem as iniciativas de crédito que possibilitam ao mesmo tempo o acesso a

terra e à casa própria para determinados segmentos da população, mas que

também acabam contribuindo para essa valorização excessiva da terra e/ou imóvel.

Com relação aos conceitos associados aos estudos urbanos, partimos do

geral para o específico e buscamos encontrar a concepção de segregação que mais

se aproxima da realidade da cidade em estudo aqui neste trabalho, e se relacionada

com a perspectiva de que o financiamento habitacional é hoje o principal propiciador

de especulação imobiliária, seria a segregação entendida como “[...] desigualdade

de acesso, em várias acepções da expressão. Uma importante corrente da literatura

enfocou as desigualdades de acesso a políticas públicas ou de condições de vida de

uma forma geral” (MARQUES, 2005, p. 33). Portanto, não só o acesso, mas também

a possibilidade de manutenção das vantagens obtidas através do acesso a

determinadas políticas públicas ocorrem de maneira diferenciada entre os vários

grupos sociais que habitam a cidade, bem como a distribuição desses grupos no

espaço.

O conceito de pobreza trazido por Marques foi estabelecido a partir dos

estudos sociológicos que partem do principio de que esta

[...] não pode ser definida apenas em termos de níveis materiais de sobrevivência, mas tem de considerar aqueles indivíduos que, apesar de conseguirem sobreviver acima do mínimo, não tem acesso aos mais importantes benefícios das sociedades urbanas modernas, como educação, saneamento básico, saúde, cultura e integração social. (MARQUES, 2005, p. 40)

Dessa forma, independente do que se considere como o mínimo para a

sobrevivência, esses aspectos devem ser observados. O autor ainda coloca que a

idéia de pobreza advém de uma construção social na medida em que é a sociedade

que estipula quais bens e serviços o individuo deve ter direito de acesso, estando

em constante mudança, de acordo com os costumes, com o tempo e com o lugar.

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Sobre o termo desigualdade social, que foi amplamente difundido e

popularizado de maneira simplificada pelos meios de comunicação, Marques (2005)

ressalta em seu trabalho, o entendimento das “desigualdades sociais associadas ou

inscritas especificamente no espaço urbano”. Desta forma,

[...] como as desigualdades sociais tendem a ser cumulativas, o território pode cumprir um papel importante em sua produção e reprodução, reforçando circuitos e cristalizando situações de pobreza e destituição, mesmo contra esforços em contrário desenvolvidos pelo Estado, por exemplo. (MARQUES, 2005, p. 42)

A desigualdade de acesso origina-se da combinação da segregação e

pobreza, constituindo-se em um tipo específico de desigualdade espacial. Assim, o

acesso limitado e ou dificultado ocorre principalmente com relação ao mercado de

trabalho e às políticas públicas. Nesse sentido, as situações de pobreza devem ser

combatidas ativamente por políticas estatais, não cabendo apenas aos avanços

econômicos as possibilidades de solução para os problemas hoje vivenciados no

ambiente urbano.

Diversos fatores contribuem para a ocorrência das desigualdades sociais e a

segregação no espaço, sendo as principais causas, conforme Marques (2005, p. 44):

- a dinâmica econômica, o mercado de trabalho e a estrutura social sem si; - a dinâmica do mercado de terras, as ações dos produtores do espaço urbano e da produção da moradia; - o Estado e as políticas públicas; - a ordem jurídica brasileira e sua relação com nossa sociedade em suas dimensões de tradicionalismo, hierarquia social e preconceito.

É fundamental discorrer mais especificamente sobre a explicação da

segregação e da desigualdade no Brasil pautada no papel do mercado de terras, da

incorporação imobiliária e da indústria da construção. Nessa perspectiva encontram-

se trabalhos que trazem em primeiro plano a ação dos incorporadores, que

controlariam as melhores localizações, especulariam e lucrariam com a mudança de

usos dos diversos espaços que compõe o ambiente urbano. Outros autores

trabalham com a influência do mercado na espacialização dos diversos grupos

sociais e na competição por localizações de fins não residenciais.

A ação estatal também é um fator de relevância em nosso estudo, uma vez

que as políticas públicas podem se tornar promotoras de segregação e desigualdade

urbana. O Estado tem poder regulatório sobre o território da cidade, que é exercido

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por meio da legislação urbana, como por exemplo, o uso do zoneamento na

distribuição dos benefícios da urbanização apenas para um grupo de maior poder

aquisitivo. Pode também intervir de forma direta ou indireta, sendo que sua ação

indireta é observada por meio da elevação dos valores da terra em certas partes da

cidade, através da instalação de infra-estrutura, o que pode acarretar uma ação

direta de expulsão de determinados grupos sociais para áreas mais distantes ou

ainda a construção de conjuntos habitacionais em áreas periféricas.

Na perspectiva de Maricato (2001, p.107), “a ordem jurídica urbana seria

erigida para defender a propriedade privada e os processos de valorização que

envolvem a terra.” O plano diretor e seus mecanismos podem ser eficazes e até

mesmo influenciar nos preços do mercado imobiliário, o que seria o grande objetivo

da função social da propriedade, ou seja, diminuir a importância dos imóveis como

reserva patrimonial. Essa ação poderia ocorrer por meio políticas ativas de

integração espacial das classes sociais na cidade e agiria sobre o preço da terra,

facilitando o acesso a esse bem para toda a população.

Portanto, as iniciativas do Estado estarão sempre produzindo impactos sobre

o território e na atualidade verifica-se uma necessidade de fazer valer as

proposições jurídicas que trazem benefício para a sociedade, e rever concepções

que ao contrário, contribuam somente para a acumulação de capital por grupos

específicos.

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3.2 Políticas Públicas voltadas à habitação – do BNH ao PMCMV

É importante refletir sobre as diversas medidas tomadas ao longo do tempo,

principalmente no período compreendido a partir da implantação do BNH (Banco

Nacional da Habitação), que de certa forma significou um marco na política

habitacional do país, aos dias de hoje, pois nos permite entender que certos tipos de

políticas públicas são mais adequadas que outras frente a alguns problemas. Um

marco devido aos números alcançados e mecanismos que refletem até hoje nas

políticas governamentais, mas por outro lado essa iniciativa apresentou diversas

limitações e incoerências diante do propósito social, uma vez que foi marcada

principalmente pela construção de novas unidades em loteamentos muitas vezes

destituídos de infra-estrutura necessária e pouca integração com o restante da

cidade, como veremos mais adiante.

Com o golpe militar de 1964, consolidou-se uma administração com força e

recursos para criação de um órgão responsável exclusivamente pelo setor

habitacional. Foi elaborado um sistema de correção monetária em relação às perdas

inflacionárias, que dava sustentabilidade ao projeto e os recursos ampliados através

da captação dos depósitos voluntários em caderneta, por meio do Sistema Brasileiro

de Poupança e Empréstimo (SBPE) e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

(FGTS), poupança compulsória dos trabalhadores, através do recolhimento de 8%

dos salários, sendo utilizados como seguro desemprego e quando aplicados,

destinados à habitação. Os primeiros seriam destinados à classe média, enquanto

os últimos às classes de renda mais baixa, o que se assemelha com o Programa

Minha Casa, Minha Vida de hoje. Foi uma inovação, mas que agregou alguns

elementos de propostas anteriores, já que o desenvolvimento urbano foi,

[...] atrelado à lógica do atendimento à demanda por moradia, o que acabou por tornar a construção de unidades o objetivo central do sistema, em lugar da construção de bairros inseridos na malha urbana, ficando a produção avaliada meramente por critérios quantitativos. (OTERO, 2009, p. 100)

O BNH atuava ao mesmo tempo financiando a produção e o consumo

imobiliário. Os principais objetivos que pretendia atingir eram estimular a economia

por meio da construção civil, gerar empregos, principalmente para a mão de obra

não especializada, ampliando assim o poder de compra também em outros setores

da economia, além de reduzir o preço da habitação por meio do aumento da oferta.

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Contudo, essa política eliminou com os mecanismos de subsídios concedidos até

então, buscando recuperar integralmente os capitais investidos. Além disso, os

aumentos salariais não acompanhavam os reajustes das prestações, além dos

prazos para pagamento serem demasiadamente longos, o que aponta para a

incapacidade de atender a demanda das camadas mais populares, conforme

informações contidas em Otero (2009).

Reconhecendo o problema, foi criado em 1967 o Fundo de Compensação das

Variações Salariais, com a incumbência de “cobrir eventuais alongamentos dos

prazos resultado do crescimento das dívidas dos mutuários, assumindo a

responsabilidade pelo saldo devedor” (OTERO, 2009, p.102). Porém, não foi

suficiente uma vez que atendia também integrantes da classe média que haviam

sido beneficiados dentro dos programas. A política como um todo se configurou

desta forma como uma ferramenta a favor do capital, oferecendo recursos públicos a

iniciativa privada e favorecendo o acúmulo de renda para a classe média.

Houve um revigoramento das Cohabs, a partir de 1976, responsáveis pela

construção em massa de casas destinadas as classes populares de 1 a 3 salários

mínimos. Porém, diversas vezes essa população acabava expulsa para outras

áreas da cidade devido à valorização da terra urbana e aumento da especulação

imobiliária, que atraia a classe média para as áreas de intervenção, já dotada de

toda infra-estrutura urbana. De 1979 a 1986, o BNH passou a investir em programas

reformistas, não mais em grandes conjuntos habitacionais, buscando reduzir ainda

mais os custos, e ao mesmo tempo conter os movimentos populares, de acordo com

Otero (2009).

De 1981a 1986, com o cenário econômico conturbado, aumenta-se a retirada

do FGTS por parte dos trabalhadores, e diminuem os recolhimentos por parte dos

empregadores. Devido o desemprego, a diminuição do poder de compra dos

salários, há uma redução dos depósitos nas cadernetas de poupança e também

aumento da inadimplência dos mutuários, até mesmo da classe média. Otero (2009)

aponta que a política se sustentava apenas em um ambiente economicamente

equilibrado, e todo o sistema se tornara frágil em momento de contração econômica.

Com a implantação do Plano Cruzado diminuiu-se a rentabilidade da poupança na

busca pelo controle da inflação, ocasionando retirada em massa dos investimentos,

cessando por vez as fontes de recursos do BNH, levando-o a extinção.

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Na literatura, observa-se que pouco se fez para o atendimento das

necessidades habitacionais no Brasil, no período de 1986 a 2002, por iniciativa

direta do governo federal. Desta forma, o setor privado ganhou espaço provendo

habitação para a faixa de maior renda, acompanhado de algumas ações pontuais

por parte das prefeituras, que não sanaram a carência habitacional no país para as

famílias de baixa renda. Nessa perspectiva, o Instituto Cidadania, coordenado por

Lula, solicita a contribuição de Nabil Bonduki para elaboração de um projeto que

respondesse ao problema habitacional, partindo de pressupostos que coordenasse

questões sociais e econômicas, denominado Projeto Moradia. Contou com intensa

participação popular, sendo lançado em 2000.

O projeto propôs a criação do Sistema Nacional de Habitação, sendo que os

três entes da federação atuariam sob a orientação de um novo ministério: o

Ministério das Cidades. Tal ação teve como objetivo o controle social, atendendo a

demanda por moradia através de fundos de habitação que concentrariam recursos

para população de baixa renda, além de uma Política de subsídios desenvolvida

pelo uso de recursos não onerosos (Orçamento Geral da União e FGTS). Portanto, a

partir de 2003 iniciaram grandes mudanças no setor com a criação do Ministério das

Cidades, buscando minimizar a submissão da própria política aos interesses

econômicos, resultado da prevalência de bancos públicos, além de contar com maior

participação popular.

A 1º Conferência Nacional das Cidades ocorreu em 2003 e consolidou as

bases de atuação do governo, propondo a criação do Conselho Nacional de

Habitação, instalado em 2004. Outro fato de relevância para mudar o rumo da

habitação no país foi à aprovação da Política Nacional de Habitação – PNH, também

em 2004, que traz um olhar amplo e integrado das questões de desenvolvimento

urbano. Segundo Romagnoli (2012) é prevista em sua elaboração a regularização

fundiária, uma vez que sem o controle efetivo do mercado de terras e da cadeia

produtiva, seria questionável as medidas implantadas para ampliação do acesso à

habitação. Contudo, o que se observa é um distanciamento das propostas políticas e

da legislação urbanística, das medidas postas em prática nesse período que segue,

Já que, ao invés de incentivar o barateamento do valor final da unidade habitacional, como se viu no final de 2007 até meados de 2008, resultou na valorização do mercado imobiliário, em especial, nas grandes cidades brasileiras. MOREIRA (2009 apud ROMAGNOLI, 2012, p.23)

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A PNH é viabilizada principalmente por meio do Sistema Nacional da

Habitação, que em suas diretrizes articula ações integradas nos três níveis de

governo, visando à estruturação institucional do setor a partir da organização de

fundos, entidades e regras de funcionamento. Divide-se em Sistema Nacional de

Habitação de Interesse Social - SNHIS, voltado à população com renda entre 0 a 5

salários mínimos e em Sistema de Habitação de Mercado, que atende,

principalmente, às classes de renda entre 5 a 10 salários mínimos.

No entanto, podemos verificar que os trabalhadores que possuem renda de

até três salários mínimos, mesmo estando dentro do grupo que deve ter acesso à

habitação por meio do SNHIS, encontram-se sujeitos aos valores impostos pelo

mercado, uma vez que em Muzambinho-MG, nossa área de estudo, esse grupo

busca acesso à casa própria através de financiamento habitacional ofertado pela

Caixa Econômica Federal. Sendo assim, não há na referida cidade, a execução de

um projeto com esses propósitos por parte do poder público, com ou sem parceria

com o setor privado.

O mutuário compra o terreno e gerencia a construção, sendo responsável

pela aquisição de material e contratação de mão de obra, encontrando dificuldades

frente aos seus elevados custos. Enquanto a Caixa libera em média, R$850,00 por

m² de construção, tem sido gasto aproximadamente, R$950,00 a R$1.000,00 por m².

Salvo alguns casos, é possível a compra da casa pronta através de imobiliárias e

pessoas autônomas que as fazem para vender, mas que cobram um “adicional” para

além do valor financiado, o que também ocorre com os terrenos. Dessa forma,

podemos inferir que, de fato não há o controle do mercado de terras e da cadeia

produtiva, estando às famílias sujeitas às imposições dos agentes financeiros e

incorporadores.

Já em março de 2009 o Programa Minha Casa, Minha Vida passa a ser

implementado, com investimentos de aproximadamente R$ 34 bilhões somados a

partir da participação de recursos do Orçamento Geral da União, FGTS e BNDS,

segundo Romagnoli (2012). Inicialmente representou uma medida para atender a

necessidade da economia frente à crise internacional, mas também mostrou

propósitos de cunho social, sendo que além dos subsídios para a população de

baixa renda, seriam oferecidas melhores taxas de juros e a utilização do Fundo

Garantidor que cobririam possíveis inadimplências justificadas. Porém, é relevante

considerar que havia a consciência de que com os investimentos, podia-se “gerar

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impactos negativos como a elevação do preço da terra, que representaria a

transferência do subsidio para a especulação imobiliária, desvirtuando os propósitos

do programa” (BONDUKI, 2009, p.13).

O Programa Minha Casa, Minha Vida surge de uma estratégia maior

desenvolvida pelo PlanHab (Plano Nacional de Habitação) - que visa a

universalização da moradia digna para população de baixa renda. Nesse sentido,

seria considerada a “diversidade da questão habitacional, as variadas categorias de

municípios, as especificidades regionais e os diferentes olhares de cada segmento

social” (BONDUKI, 2009, p.12). Sua atuação fundamentava-se em uma metodologia

coerente para alocação dos recursos, adequando-os à situação socioeconômica dos

grupos beneficiados como um todo, não se pautando somente na variável renda

para distribuí-los.

A execução da proposta seria dividida em quatro eixos: financiamentos e

subsídios; arranjos institucionais; cadeia produtiva da construção civil e estratégias

urbano-fundiárias, como nos mostra Bonduki (2009), sendo que dessa forma

abarcaria grande parte dos fatores envolvidos na questão habitacional. Também

enfatiza em suas diretrizes a necessidade de uma transformação estrutural no setor

e medidas integradas entre os diversos níveis do governo, além da continuidade dos

projetos de um governo para o outro, atingindo resultados a longo prazo. Essa

perspectiva traz um avanço na medida em que se conta com mais recursos e

protagonistas envolvidos na gestão e fiscalização da aplicação destes.

Mas nem todos os propósitos do PlanHab foram incorporados pelo PMCMV, o

que representa uma perda em relação ao alcance da política. O Programa estrutura

sua atuação a partir de grupos separados de acordo com a renda, para

enquadramento e concessão de subsídio. Assim, discute-se a possibilidade do

Programa atender não somente a parcela da população de “Interesse Social”, mas

também de serem incluídos aqueles que podem obter a casa própria através de

linhas de crédito oferecidas pelo mercado. Romagnoli (2012) mostra que do total de

unidades previstas em seu lançamento, apenas 40% do total das unidades seriam

destinadas ao grupo 1 (de até 3 salários mínimos), sendo que estes são

responsáveis por 90% do déficit habitacional.

Esse fato também está vinculado a outros problemas urbanos quando

pensada a contribuição do Programa no aumento da especulação e valorização

imobiliária promovidos pelos incorporadores, agentes da construção civil, corretores

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imobiliários dentre outros participantes do processo de produção e venda da

moradia. Apesar do PMCMV apresentar no seu modelo de implementação a

participação de municípios e estados, bem como da CEF, ainda fica sujeito e

alimenta o setor privado. Embora faça dentre suas normas menção ao uso de

instrumentos do Estatuto das Cidades, não regula pontos importantes de

especulação imobiliária e uso da terra.

Faz-se necessário ir além do incentivo à aplicação do Estatuto das Cidades e

vinculação do Programa à existência de Planos Diretores, que muitas vezes ficam

somente no papel. É primordial o Estado em suas ações tocar na questão fundiária,

pois, senão, como afirma Maricato (2011), a terra continuará sendo o “nó” que

embaraça a produção de cidades justas no Brasil.

Ao estimular o setor da construção civil, composto em grande parte por

empresas e organizações privadas, embora tenha significado um grande impulso na

geração de emprego e renda, acaba contribuindo para a conformação da moradia

em simples mercadoria, destituída de função social. Nesse ponto, dá continuidade

ao modelo até então predominantes no país, bem como da escolha pelo incentivo a

construção de novas unidades em meio a outras possibilidades.

Apesar do PlanHab prever uma gama de possibilidade de moradias a preços mais reduzidos, como lotes urbanizados e/ou materiais de construção com assistência técnica, o que potencializaria a capacidade de atendimento da população de baixa renda, o PMCMV “fixou-se apenas na produção de unidades prontas, mais ao gosto do setor da construção civil”. (BONDUKI, 2009, p. 13)

Segundo Romagnoli (2012), observa-se um aumento significativo no subsidio

concedido às famílias com 3 e 4 salários mínimos, que hoje se constituem “a nova

classe C”, passando a representar 52% das famílias brasileiras. Nesse sentido,

segundo o autor, se faz necessário incluí-la na economia de mercado, para que o

governo dedique-se a faixa que mais precisa – famílias de até 3 salários mínimos.

No entanto, verifica-se na prática que os dois grupos mencionados têm a produção

de habitação a cargo do setor privado, uma vez que faltam ordenamento e

planejamento do espaço e mecanismos de controle da distribuição dos recursos em

relação aos preços dos imóveis, para que os mesmos possam ser acessíveis

principalmente a quem mais precisa. A Caixa, órgão que autoriza o financiamento,

não é quem confere, acompanha e avalia as obras. Toda essa etapa é realizada por

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engenheiros de empresas terceirizadas, que muitas vezes desconhecem a realidade

local, e acabam por atender a interesses privados.

Embora tenha sido ampliado o poder aquisitivo da população, no computo do

seu salário, não é destinado um valor à habitação, sendo possível sua participação

no mercado apenas através da aquisição de bens de pequeno custo, e sabemos da

dificuldade encontrada para obtenção da casa própria diante do preço da terra

urbana, mão de obra e materiais para construção em alta. Acreditamos que um dos

fatores que ocasionam essa “inflação” do setor seja o estímulo oferecido ao mercado

através da injeção de recursos do Programa na economia. Esse é o principal

elemento que justifica o presente estudo. Há uma dualidade no processo de

intervenção do Estado, na medida em que busca facilitar a aquisição da casa própria

por meio da complementação de renda (subsídios), mas permanece pautado no

modelo de intervenção que favorece o setor privado, o que encarece a produção da

moradia.

Ainda que persistam problemas não resolvidos historicamente pelas diversas

iniciativas governamentais, a política desenvolvida pelo governo Lula concebe que o

enfrentamento da questão habitacional precisa romper com a noção de auto-

sustentação financeira, o que é um diferencial - ainda que o retorno venha através

do impulso do setor da construção civil e do próprio aumento no valor dos imóveis, e

os respectivos impostos gerados. O desenvolvimento do Fundo garantidor que conta

com Recursos do Orçamento Geral da União, lhe confere maior estabilidade e

capacidade de atuação. Esse instrumento reflete a possibilidade de inclusão da

classe média no sistema de mercado e na possibilidade de acesso aos

financiamentos.

O PMCMV inova com relação às questões ligadas ao financiamento

habitacional (rompe com a burocratização do processo) e instrumentalização dos

recursos. Porém deixa a desejar no tocante ao planejamento urbano e regularização

fundiária, que ainda se constituem entraves ao avanço ainda mais significativo desta

proposta e o atendimento a demanda por habitação como um todo.

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3.3 Breve discussão sobre a renda da terra

Ao presenciar operações de compra e venda de lotes no Município de

Muzambinho/MG atuando em um correspondente da Caixa Econômica Federal, foi

possível observar que a renda da terra é um fator decisivo para criar barreiras ou

facilitar o acesso à casa própria. Sendo assim, é relevante abordar o assunto,

mostrando algumas conclusões advindas da prática, mas também uma discussão

baseada em preceitos teóricos.

Isso porque o solo urbano custa caro, o que atribuem os proprietários as

várias vantagens oferecidas, como a infra-estrutura e as condições mais adequadas

de construção, uma melhor localização em relação ao centro da cidade e aos

serviços, o “status” do grupo que ali reside ou viria a residir, além da disputa entre os

diferentes usos que se pode fazer do espaço. Mas é importante salientar que, o solo

urbano é o espaço que possibilita as relações sociais e de trabalho, não se

constituindo um meio de produção em si, portanto o seu “valor” está na sua

característica de propriedade privada, e não necessariamente no trabalho nele

incorporado, o que fica sempre implícito. Paul Singer, ao discorrer sobre o uso do

solo na economia capitalista afirma que,

Ao contrário dos mercados de produtos do trabalho humano, em que os preços giram ao redor de uma média constituída pela soma dos custos de produção e da margem de lucro capaz de proporcionar a taxa de lucro média sobre o capital investido, os preços no mercado imobiliário tendem a ser determinados pelo que a demanda estiver disposta a pagar. (SINGER,1982 , p.23)

Esta colocação nos faz refletir que, na cidade de Muzambinho-MG, foco do

nosso estudo, não somente a disponibilidade de recursos por parte do

comprador/mutuário acaba por definir o preço no mercado imobiliário, pois este

encontra-se sujeito às determinações dos proprietários/vendedores, que elevaram e

estão mantendo os preços dos lotes, mesmo em momentos de “crise”. Embora tenha

ocorrido uma queda no preço do café – principal fonte de renda na região – e sem

expectativa de aumento em um curto prazo, os preços dos lotes não baixaram, o que

constitui um argumento para a perspectiva de que o financiamento habitacional tem

contribuído para a especulação imobiliária no município. O comprador não tem

recursos próprios para adquirir o lote, busca crédito no banco e desta forma paga o

valor exigido pelo loteador, arcando ainda com valores para além do financiado.

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Sposito (1990, p.28), coloca baseado em Lojkine (1979) que a renda fundiária

urbana tende “cada vez mais [...] a ser objeto de um investimento de capital

financeiro, isto é, dos monopólios que fundem capital bancário e capital industrial”,

mostrando que o proprietário fundiário tem uma “parceria” na utilização do solo

urbano para obtenção do sobrelucro. Como capital bancário, pode-se entender os

créditos disponíveis para a execução de projetos de loteamentos e também aos

mutuários que os comprarão, e ainda o capital da indústria da construção, que

fomenta o setor.

No discurso dos agentes econômicos envolvidos no setor, quando acompanho

operações de compra e venda, fica clara a obtenção da renda fundiária em suas três

modalidades: diferencial, absoluta e de monopólio. A renda diferencial é obtida

através da exploração das características especificas dos lotes, como a

construtibilidade e a localização, que possam auferir vantagens para o comprador,

como redução no custo da obra e de transporte, por exemplo. O fator localização

aparece mais relacionado ao “status” que se obterá ao residir naquele espaço do

que com os gastos com transportes, levada em consideração a dimensão da cidade.

Observa-se isso quando, mesmo próximos ao centro, por serem inseridos em

bairros mais antigos, na qual a população residente é mais humilde, determinados

lotes não tem a mesma procura que outros, embora situados mais distantes, em

função da condição socioeconômica do local. A construtibilidade favorece ou não o

consumo do solo urbano, tendo em vista que mesmo diante dos avanços da

engenharia e da indústria da construção civil, as pessoas não dispõem de recursos

suficientes para se construir em áreas de muito declive. Já a acessibilidade é uma

característica muito valorizada, tanto por quem vende, quanto por quem compra.

Sobre a renda absoluta, Sposito (1990) afirma ser gerada pela capacidade

intrínseca da instituição da propriedade privada gerar renda ao proprietário, o que

reitera a concepção de que, mesmo sem “atributos” que melhor o qualifiquem,

enquanto propriedade privada, esses lotes geram renda ao seu proprietário. Os

mesmos podem retê-los até que encontre o preço almejado, o que nos remete a

manipulação que determinada fração da sociedade exerce sobre aqueles que

necessitam da terra para construir sua casa. Ainda, os preços dos lotes em uma

dada localização contribuirão para estabelecer os dos demais, através da

comparação entre a relação custo x benefício de um para outro.

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Por último, a renda de monopólio, caracterizada especialmente pela

capacidade de pagar dos compradores, tendo em vista uma porção do espaço que

possui aspectos relevantes que não são reprodutíveis pelo capital, que se

transformam em fonte de renda para os proprietários. Consequentemente, a renda

imobiliária, na literatura, é tida como uma renda de monopólio. Assim,

[...] a renda imobiliária é resultante da particularidade da circulação da mercadoria habitação, constituída de bens produzidos em épocas diferentes e submetidas ás regras de um mesmo mercado, que contém um “custo histórico” diferenciado. Dessa forma, a renda imobiliária vai aparecer, “ao mesmo tempo, sob a forma da alta do aluguel real e sob a forma de aumento do valor venal da habitação”. Topalov (1984 apud SPOSITO, 1990, p. 47)

Atualmente em Muzambinho, temos a transformação da terra rural em área

urbana através da compra das áreas próximas ao perímetro por empresas

loteadoras e incorporadoras: MZB-L, Pavidez, Paviluz, Shalom e G.A

Empreendimentos imobiliários. É importante assinalar que são áreas que não estão

sendo utilizadas para fins agrícolas há determinado tempo, o que pode caracterizar a

intenção de agregá-las a cidade e o poder de retenção (especulação) desses

proprietários fundiários. Embora tenham sido criados vários novos loteamentos, os

preços são estáveis, independente da oferta.

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Foto 1 - Loteamentos criados recentemente no município de Muzambinho-MG

Fonte: Google Earth (modificado – 10/05/2014)

Foram assinalados na imagem do Google Earth acima os novos bairros, que

surgiram de empreendimentos das referidas empresas. São eles: 1- Jardim Europa; 2-

Jardim Paraíso; 3- Jardim Ágape; 4- Jardim Primavera; 5- Chácara Vila Lima; 6- Jardim

América e por último, a maior área ainda não está concluída, sendo de responsabilidade

da Pavidez Loteadora e Incorporadora Ltda. Em 2011, os lotes do Jardim Europa eram

vendidos na faixa de R$ 35.000,00, com muitas construções financiadas pelo PMCMV.

Hoje, dificilmente encontra-se um lote por menos de R$ 70.000,00.

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Foto 2- Vista térrea do Jardim Paraíso, ainda sem construções

Fonte: Site Muzambinho.com, 09/2011

Foto 3- Vista aérea do Jardim Europa (aos fundos)

Fonte: página Sou mais Muzambinho

Foto 4- Jardim Ágape, iniciando pavimentação

Fonte: Panorâmio.com

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3.4 Caracterização da área de Estudo

3.4.1 Dados Populacionais, Econômicos e Sociais

Mapa 1- Limites do município de Muzambinho/MG

Fonte: www.muzambinho.mg.gov.br

É elevada a quantidade de pequenos centros na Mesorregião do Sul de

Minas, onde se insere o município de Muzambinho, nossa área de estudo,

pertencente em uma escala mais local a Microrregião de São Sebastião do Paraíso.

Esse fato foi mencionado pelo motivo de que, há uma tendência a homogeneizar

essas localidades, uma vez que possuem características muitos similares entre si.

Porém, nesse momento buscarei fazer um apanhado geral dos dados que

contribuam para um maior conhecimento acerca da área de estudo, e que elucide os

propósitos do trabalho.

O fator chave para o desenvolvimento do município está relacionada a

inauguração em 1913 da ferrovia Estrada de Ferro Muzambinho, construída pela

Companhia Mogyana, ligando a cidade a Guaxupé. Embora envolvida em torno da

produção e escoação do café, além de outros gêneros alimentícios, a ferrovia

favoreceu a criação de uma rede de comércio, serviços e até mesmo pequenas

indústrias, além de ter contribuído para a estruturação do espaço urbano.

A cidade está localizada a uma altitude média de 887 m acima do nível do

mar, ocupando uma área de 409,9 km², com densidade demográfica de 49,8

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hab/km², segundo dados do senso realizado pelo IBGE no ano de 2010. Do total do

seu território, aproximadamente 65% é rural, de acordo com Guida (2011). Mesmo

diante dessa questão, houve um incremento populacional significativo nos últimos

anos em ambiente urbano, conforme tabela abaixo.

Tabela 1 – População total, por Gênero, Rural/Urbana e Taxa de Urbanização

População População

(1991)

% do Total

(1991)

População

(2000) % do Total

(2000)

População

(2010)

% do

Total

(2010)

População total 17.887 100,00 20.589 100,00 20.430 100,00

População residente Masculina 9.022 50,44 10.381 50,42 10.266 50,25

População residente Feminina 8.865 49,56 10.208 49,58 10.164 49,75

População Urbana 11.424 63,87 14.363 69,76 15.729 76,99

População Rural 6.463 36,13 6.226 30,24 4.701 23,01

Taxa de Urbanização - 63,87 - 69,76 - 76,99

Fonte: Pnud, Ipea e FJP, 2010

A taxa de urbanização para o município foi calculada em 76,99%, o que é

representativo diante das cidades limítrofes como Juruaia (48,86%), Cabo Verde

(55,18%), Caconde – SP (68,18%), Monte Belo (69,35%). As únicas exceções foram

a de Tapiratiba – SP (82,47%) e Guaxupé (94,03%), de acordo Pnud, Ipea e FJP

(2010). Sobre Guaxupé, o alto índice está relacionado principalmente à política

adotada pelo município que atraiu empresas e fábricas de diversos produtos, e

conseqüente mão de obra, contribuindo para um crescimento diferenciado na região.

Em Tapiratiba - SP, o fator preponderante para a urbanização foi à construção

de conjuntos habitacionais, devido à demanda crescente por moradia. Os

investimentos vêm ocorrendo desde 1995, por intermédio da prefeitura e a CDHU

(Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano). Em relação às demais

cidades com as quais Muzambinho faz limite, está liderando o processo de

urbanização.

Esse fato vai de encontro à perspectiva de que, embora a população

encontre dificuldades na obtenção do crédito, uma vez que muitas pessoas não

apresentam a renda necessária e também encontre dificuldades para encontrar um

terreno a preço acessível, o PMCMV vem contribuindo significativamente para o

aumento das construções na área urbana, ainda que favoreça a classe média e a

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especulação do setor imobiliário. Não há no município, no momento, a implantação

de um projeto que possa alocar recursos do FNHIS (Fundo Nacional de Habitação

de Interesse Social) / FAR (Fundo de Arrendamento Residencial), para atender a

demanda popular, e não é tomada nenhuma medida política, através dos

instrumentos que constam no plano diretor, para a contenção da super valorização

dos imóveis e terrenos.

O Plano Diretor Participativo do município de Muzambinho foi elaborado na

gestão do prefeito Marco Regis de Almeida Lima, no ano de 2008. Por conseguinte,

não faz menção à incorporação de loteamentos no perímetro urbano anterior a essa

data e também ainda não foi revisto para incluir informações sobre os projetos

recentes. Não há nenhuma publicação que contenha informações a respeito dos

empreendimentos que foram executados em cada mandato, a não ser na forma de

leis e decretos. Tendo em vista a necessidade de levantar alguns aspectos

relacionados à intervenção do poder público municipal na configuração do espaço da

referida cidade, obteve-se algumas informações por parte do Assessor do

Legislativo, o Sr. Marcos Vinicius Melo Ribeiro, além da consulta a reportagens da

“Folha Regional” e o site “Muzambinho.com”.

Os investimentos em habitação na cidade de Muzambinho/MG, por parte da

prefeitura, não se diferenciam da atuação de tantas outras municipalidades. Na

gestão de Sebastião Del Gáldio, na década de 80, foi realizada a construção de um

conjunto habitacional em parceria com a Cohab-MG, sendo o referido prefeito

responsável também por diversas obras do patrimônio público e de urbanização. No

ano de 2012, o prefeito Sérgio Paolielo recebeu representantes da Cohab-MG para

mover uma ação de regularização desses imóveis, sendo que naquela ocasião

haviam 159 famílias aptas a receber suas escrituras definitivas, uma vez que já

haviam concluído seus pagamentos.

Em 1992, sob a administração de Marco Régis de Almeida Lima, foi

idealizada a implantação de um bairro que atendesse a demanda popular por

moradia, denominado Vila Socialista, no qual seriam disponibilizados 320 lotes para

construção. Esse projeto passou por 3 mandatos, sendo que parte da infra-estrutura

foi instalada na gestão seguinte, a de José Ubaldo de Almeida, quando foram

abertas as ruas, feita a rede de esgoto e disponibilizada a água. Somente na

administração de Nilson Bortoloti (1997-2000) foi feita a instalação da rede elétrica,

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distribuição dos lotes para as famílias cadastradas e executada a pavimentação.

Novamente Marco Régis, agora como Deputado, levantou recursos para compra de

material básico de construção e disponibilizou plantas de residências com

aproximadamente 50 m² para a população ali construir. Hoje, o bairro conta com

aproximadamente 400 casas.

Nilson também fez a compra de uma gleba de três alqueires para a

implantação de um novo conjunto habitacional, mas que só foi executado no

segundo mandato de Marco Régis (2005-2008), sendo construídas 189 unidades

pela Cohab-MG. Essa população sofreu bastante com a ausência de asfalto e a

distância em relação ao centro da cidade, sendo que somente em agosto de 2011 o

então prefeito Sérgio Paolielo, buscou recursos com o Banco de Desenvolvimento

de Minas Gerais (BDMG) para a pavimentação, sendo que na época o loteamento já

totalizava aproximadamente 300 casas. Para essa obra foi solicitado um montante

de R$ 1,1 milhão, de acordo com reportagem da “Folha Regional”. Em Julho de 2012

foram noticiadas obras com verba viabilizada pelo secretário Carlos Melles, através

da Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas - SETOP - MG, para a

pavimentação da subida paralela ao Jardim dos Imigrantes, que dá acesso a vários

bairros rurais.

Desde então, surgiram novos empreendimentos como será mostrado no item

“Renda da terra”, mas todos sem contribuição direta do poder público. São entes

privados que, ao adquirir a gleba, já providencia todos os itens de infra-estrutura

para depois realizar a venda dos lotes. Embora esse fator traga uma melhor

qualidade de vida para a população, também é em parte responsável pelo

encarecimento dos terrenos na cidade, que ficam acessíveis somente para

determinados segmentos, uma vez que não há participação da municipalidade na

instalação de equipamentos urbanos. Observa-se assim a dificuldade de prover

habitação de qualidade para a população de baixa renda, dado que não é realizada

uma parceria entre entes públicos e privados, cujos projetos ou são executados

somente com recursos públicos, que demoram sanar todas as necessidades, ou são

deixados apenas nas mãos do setor privado, que é motivado mais pelo ganho do

que o benefício social das obras.

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Sobre a economia da referida cidade, é baseada na agricultura, pecuária

(principalmente a leiteira), artesanato, com destaque também para o setor de

serviços. O principal produto, assim como em todo o sul de minas, é o café, mas não

se trata de uma monocultura, consistindo em uma produção do tipo familiar. Embora

mereça consideração à produção do milho e do feijão, esses itens agrícolas são

voltados para consumo do mercado local e regional, e não necessitam de serviços

altamente especializados.

A economia do município mantém uma dependência em relação ao cultivo do

café, o que a torna vulnerável às oscilações do mercado. Além disso, os produtores

passaram por um período crítico desde o fechamento da COOMAM (Cooperativa

Mineira Agropecuária de Muzambinho Ltda), com indícios de corrupção, em que

vários cafeicultores perderam as sacas que haviam depositado na Cooperativa. A

cidade foi referência na produção de doce de leite, mas a fábrica também foi

fechada, em virtude de problemas administrativos e orçamentários, o que causou um

grande impacto com relação ao número de desempregados. Ainda assim, possui

vários estabelecimentos que lidam, em menor escala, com produtos agroindustriais,

geralmente na forma de cooperativas/laticínios.

Tabela 2 - PIB municipal e valores agregados aos setores em Muzambinho/MG. (Mil

reais)

Fonte: IBGE, 2010

O PIB industrial não é muito significativo, dada as poucas indústrias do município,

sendo grande parte delas do ramo da construção civil, como a Artecon e a Lajes Almeida,

que trabalham com a produção de pré-moldados e produtos básicos para a construção.

Mas temos empresas com um potencial mais abrangente, envolvendo toda a região, como

a Pavidez e a Britamil. São responsáveis por três usinas de concreto, sendo uma às

margens da BR 491 em Muzambinho, uma no pólo industrial de Guaxupé e outra às

Setores Em 2000 Em 2010

Serviços R$ 57.598,00 R$ 159.589,00

Agropecuária R$ 16.684,00 R$ 66.273,00

Indústria R$ 10.289,00 R$ 30.466,00

PIB R$ 90.739,00 R$ 271.891,00

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margens da BR 354 em Arcos, sendo que Britamil dedica-se à extração de matéria prima

em uma pedreira do grupo.

Os laticínios totalizam três empreendimentos: Muuusa, Jussara e Vila Minas. E

segundo dados da ACE (Associação Comercial e Empresarial de Muzambinho). Mas existe

também o laticínio Macaúbas, em uma comunidade rural e ainda o Atacadão Doce Mel

Indústria e Comércio. As tecelagens têm um importante papel, seja com relação à

produção, mas também à atratividade turística, para as quais a Fio Brasil e a

tecelagem Santa Edwiges são as mais importantes, considerando que existem alguns

pontos de produção familiares.

Dados do IBGE 2012 revelam que há, no município, 751 empresas atuantes, que

ocupam em média 3.619 pessoas, mas desse total, 2.570 pessoas possuem carteira

assinada. Esse é um dado relevante, pois caracteriza uma prática recorrente na cidade,

onde muitas pessoas trabalham sem a carteira assinada, e os que são registrados recebem

em seus holerites apenas o salário mínimo. Ocorrem também casos em que é pago “por

fora” um adicional, para que não incida sobre ele as contribuições trabalhistas.

Tabela 3 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal e seus componentes –

Muzambinho/MG

Fonte: Pnud, Ipea e FJP, 2010

O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) calculado para

Muzambinho foi de 0,740, em 2010. O município está situado na faixa de Desenvolvimento

Humano Alto (IDHM entre 0,7 e 0,799). Entre 2000 e 2010, a dimensão que mais cresceu

em termos absolutos foi Educação (com crescimento de 0,187), seguida por Longevidade e

por Renda.

IDHM e componentes 1991 2000 2010

IDHM Educação 0,262 0,465 0,652

% de 18 anos ou mais com ensino fundamental completo 25,00 35,67 51,02

% de 5 a 6 anos na escola 26,18 48,25 97,11

% de 11 a 13 anos nos anos finais do fundamental ou com fundamental completo 56,85 70,31 93,67

% de 15 a 17 anos com fundamental completo 11,82 58,32 68,76

% de 18 a 20 anos com médio completo 12,23 35,49 35,55

IDHM Longevidade 0,758 0,803 0,859

Esperança de vida ao nascer (em anos) 70,49 73,15 76,51

IDHM Renda 0,603 0,707 0,723

Renda per capita 340,26 652,75 719,94

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3.5 Perfil dos mutuários

Para explanar as características dos sujeitos que buscam o financiamento

habitacional e poder demonstrar suas motivações e as dificuldades por eles

enfrentadas, foi elaborado um questionário estruturado. A escolha dessa

metodologia deve-se ao fato de poder quantificar e qualificar de maneira mais fiel à

realidade o perfil desse grupo, ao atingir um número maior de pessoas. Além disso,

há uma maior facilidade de tabular os dados, tendo em vista a multiplicidade de

respostas se não os tivesse orientado. Mas ressalto a preocupação em colocar

questões e números previamente analisados que abarcassem toda a população,

sem fazer com que estes tivessem que escolher opções que não os

representassem, além do fato de ter conversado com o público sobre a pesquisa e

ter obtido informações para além das questões colocadas e que foram essenciais

para o resultado aqui apresentado.

Foram aplicados 34 questionários no período de Abril a Maio de 2014, o que

corresponde a mais de 10% do total dos mutuários tendo como referência o ano de

2013, onde foram assinados 190 contratos de financiamento, sendo 53 deles com

recursos do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos) e 137 com

recursos do FGTS (Fundo de Garantia por tempo de Serviço) segundo dados da

Caixa Econômica Federal, Agência de Muzambinho-MG. Caracteriza-se um trabalho

de campo na medida em que se teve um contato in loco com o público dessa

instituição financeira, embora a coleta de dados tenha sido realizada no

correspondente bancário onde presto serviço à CEF. Sendo assim, parte dos

resultados dessa pesquisa corresponde aos relatos que recebo diariamente, além

dos dados obtidos a partir do questionário.

As primeiras características analisadas foram o gênero e a idade desses

indivíduos. Observou-se que, a maioria entrevistada são homens, que em conversa

revelaram ser, em grande parte, casados. Resultado que reforça o papel do homem

na busca por melhores condições de vida da família, levada em consideração essa

tradição nos pequenos centros. Por outro lado, as mulheres que participaram da

pesquisa também tomaram a iniciativa diante de uma necessidade da família, e

estão inseridas no mercado de trabalho, ainda que seus salários sejam menores,

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demonstrando a crescente participação da mulher, no sustento e bem estar da

família.

Gráfico 1- Porcentagem de homens e mulheres que responderam ao questionário.

Fonte: Trabalho de Campo, 2014

Com relação à idade, os maiores índices foram dos 24 aos 41 anos, que está

relacionado com a perspectiva apontada anteriormente, de serem pessoas que já

constituíram família. São adultos que exercem uma atividade remunerada, ainda que

possuam uma média salarial relativamente baixa, como veremos a seguir, mas que

buscam através da casa própria uma estabilidade financeira e social. Houve também

uma pequena porcentagem de jovens que, por curiosidade, por estarem prestes a se

casar e assim necessitarem de uma moradia, ou ainda por tratarem a questão do

financiamento habitacional como um investimento, se fizeram presentes.

Observa-se também uma pequena participação de pessoas acima dos 50

anos, que revelaram ter passado a vida toda em busca da oportunidade de

conseguir a casa própria, morando “de favor” ou ainda pagando aluguel. Esse grupo

encontra uma dificuldade extra, levada em consideração o prazo para pagar que é

reduzido, e o seguro embutido na prestação do financiamento, que encarece de

acordo com a idade. Mas ainda assim apontam ser o financiamento habitacional

uma saída, mesmo diante dos empecilhos na obtenção do crédito e dos altos

valores dos lotes/imóveis.

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Gráfico 2 – Idade das pessoas que responderam ao questionário.

Fonte: Trabalho de campo, 2014

Outro aspecto relevante é a escolaridade desses sujeitos, uma vez que em

nosso país, de maneira geral, as pessoas com menor renda são aquelas que

possuem menos anos de estudo e ocupam funções menos favorecidas, embora não

menos dignas. O resultado da pesquisa aponta um índice relativamente bom, dado

que 52,94% das pessoas que responderam ao questionário possuem o Ensino

Médio (também chamado pelos entrevistados de 2º grau ou colegial) seja completo

ou incompleto, seguido por aqueles que freqüentaram a escola somente até o

Ensino Fundamental. Não foram considerados na pesquisa cursos técnicos, mas

alguns dos participantes da pesquisa os possuem, tendo em vista o “Colégio

Comercial”, instituição que fornece na cidade curso técnico de Administração e

Contabilidade, além do “IF Sul de Minas” que oferece tantos outros. Nenhum dos

participantes da pesquisa deixou de freqüentar a escola, e alguns até possuem

curso superior, 14,7% do total. Esses últimos são aqueles que apresentaram o maior

nível salarial.

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Gráfico 3 – Nível de escolaridade dos participantes da pesquisa

Fonte: Trabalho de campo, 2014

Um item importante, mas um tanto complexo, diz respeito ao número de

integrantes do núcleo familiar desses entrevistados. Nesse momento, foi necessário

dar uma maior liberdade de resposta aos pesquisados, pois se desejava saber

quantas pessoas que moravam na mesma residência do entrevistado possuíam

renda e quantas não possuíam. A complexidade advém da multiplicidade de

respostas, o que acabou por criar várias classes. Além disso, muitos incluíram no

grupo “com renda” pessoas que não contribuem efetivamente no sustento da casa.

Mas foi possível extrair a informação de que, 23,52% dos participantes da pesquisa

têm no ambiente familiar, duas pessoas com renda e uma pessoa sem renda, sendo

que, no geral, essa última corresponde a um filho. Mas há também uma composição

familiar mais numerosa, sendo que 11,80% afirmaram ter em sua família três

pessoas com renda e três pessoas sem renda.

Com relação à renda em si, 11,76% afirmaram que apenas uma pessoa

contribui para o sustento de uma família com duas pessoas que não trabalham. Esse

fato está relacionado à perspectiva de que, embora tenha sido observado um nível

de escolaridade relativamente bom, considerada outras pesquisas vistas que

apontavam pessoas que nem eram alfabetizadas, não há um bom número de

empregos no município, tendo em vista o pequeno investimento/desempenho

industrial. Desta forma, muitas famílias sobrevivem com o salário de apenas um ou

dois dos seus integrantes.

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Gráfico 4- Número de integrantes da Família com/sem renda

Fonte: Trabalho de campo, 2014

No gráfico 5, procura-se observar qual a parcela dos interessados em

obter o financiamento habitacional recebem auxílio do governo provenientes de

programas de transferência de renda, como o bolsa família. Os dados apresentados

revelam que, uma pequena parcela afirmou receber bolsa família. Porém, muitos

deixaram de responder a este questionamento, por algum motivo pessoal, e podem

talvez receber. Outra grande porcentagem afirmou não receber, sem explanar se há

a necessidade ou não.

Gráfico 5 – Participantes da pesquisa que recebem ou não auxílio do governo

Fonte: Trabalho de campo, 2014

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Um dos principais aspectos abordados refere-se à renda dessas pessoas,

tendo em vista que este é o critério principal para a obtenção do crédito. Pode-se

comprometer até 30% do salário com um compromisso financeiro, o que equivale,

por exemplo, para quem recebe um salário mínimo (hoje R$ 724,00) uma prestação

de, no máximo, R$ 217,00. Observa-se aí um dos principais entraves para a

população pesquisada, uma vez que os R$90.000,00 liberados para o município de

Muzambinho para a compra de uma casa NOVA ou para a AQUISIÇÃO DE

TERRENO + CONSTRUÇÃO dentro do PMCMV vai gerar uma parcela de

aproximadamente R$ 570,00, isso já incluindo o subsídio fornecido pelo governo.

Desta forma, muitas famílias que buscam o crédito se vêem impossibilitas de

arcar com as prestações, ou ainda há aquelas que insistem na capacidade de honrar

o compromisso, através da contribuição de terceiros ou de alguma renda informal,

mas que são impedidas pelas regras do banco, que aceita somente os rendimentos

comprovados.

Gráfico 6 – Renda familiar dos que buscam o financiamento habitacional

Fonte: Trabalho de campo, 2014

Nota-se que, a maior porcentagem, 35,29% dos pesquisados, possuem renda

familiar na faixa de dois a dois salários e meio, seguido por aqueles com renda de

um salário e meio a dois, 23,52%. O menor número são aqueles com renda de

apenas um salário mínimo, ou seja, 2,94%, mas tenho conhecimento de uma

quantidade maior de pessoas nessa faixa, porém que não estiveram no referido

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estabelecimento no período da pesquisa, mas que de certa forma foram

representados. Esses números corroboram com a perspectiva de que, a

especulação imobiliária que ocorre no município juntamente com a baixa média dos

salários dificulta a obtenção da casa própria, no modelo hoje disponível, sem apoio

da prefeitura, apenas na forma de linhas de crédito oferecidas pela Caixa Econômica

Federal. Seguindo essa perspectiva, foi questionada a ocupação desses possíveis

mutuários.

Gráfico 7- Ocupação dos participantes da pesquisa

Fonte: Trabalho de campo, 2014

Verifica-se que, 52,94% daqueles que responderam ao questionário,

trabalham com carteira assinada. Em conversa com os pesquisados, foi revelada as

funções desempenhadas, sendo em sua maioria empregadas domésticas,

trabalhadores da construção civil, balconistas etc. Dos que enquadram no grupo

“Servidor Público”, apenas dois eram funcionários do Estado, os demais estão a

serviço da Prefeitura Municipal, o que tem destaque dentro da economia da cidade.

Também, o grupo de “Produtores Rurais”, que representam 14,70% do total esta

inserido num ramo importante para economia do município. Não foi entrevistada

nenhuma pessoa que seja aposentada ou pensionista, e ainda o grupo de

“autônomos” não houve uma porcentagem significativa, porém, ao atuar como

correspondente Caixa-Aqui, posso afirmar que estas duas classes foram

consideradas com base no universo total, que é bastante amplo.

Já com relação ao local de trabalho, foram consideradas as seguintes

possibilidades: Em Muzambinho-área urbana/rural; Em Município da região; No

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Estado de São Paulo; Outros. Havia a possibilidade de algum entrevistado exercer

atividade remunerada no estado de São Paulo devido a proximidade de

Muzambinho com municípios desta região. Porém, no período da pesquisa não

verificou-se ninguém que correspondesse a essa classe, e nem que trabalhasse em

outros lugares, diferentes dos citados. Não observou-se um número maior de

interessados advindos de cidades vizinhas, devido ao fato das mesmas também

possuírem Correspondentes Bancários Caixa. Ainda assim foi importante a

participação destes.

Gráfico 8- Local de trabalho dos interessados em obter o financiamento habitacional

Fonte: Trabalho de Campo, 2014

Gráfico 9 – Tipo de residência dos participantes da pesquisa

Fonte: Trabalho de Campo, 2014

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Sobre a forma de residir, esse também esta entre os aspectos mais

importantes analisados. constatou-se que 32,35% responderam morar em casa

alugada, 29,41% em casa cedida e 20,58% com familiares. Os entrevistados tratam

a saída do aluguel como uma “libertação”, uma vez que fariam a troca de uma

parcela por outra, mas que resultaria a longo prazo na propriedade definitiva do

imóvel. Aqueles que responderam residir em casa cedida, são em grande parte

moradores da zona rural, que ainda trabalham em grandes propriedades e vivem de

“favor”, em troca do serviço.

Os que afirmaram morar com familiares, destacaram a vontade de ter

autonomia e concretizar o sonho da casa própria. Foi levantada a hipótese de haver

algum interessado em obter um segundo imóvel, ainda que financiado, pelo fato de

observar-se na cidade a utilização de imóveis como reserva de valor. Muitas

pessoas buscam a compra de uma segunda casa para aluguel ou mesmo para

revender a um valor maior. É o que comprovou-se com a classe dos que já possuem

imóvel, 17,66% do total. Desta forma, a especulação perpetua-se também com a

contribuição de parte dos interessados, daqueles que possuem uma renda maior.

Gráfico 10- Local onde residem atualmente os participantes da pesquisa

Fonte: Trabalho de Campo, 2014

Por fim, para precisar de onde vem esses sujeitos que querem obter a casa

própria por meio de um financiamento habitacional, foi perguntado o local em que

estes residem atualmente. 44,11% afirmaram residir na própria cidade, e tendo

consciência dessa representatividade, hávia-se pensado em quantificar de quais

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bairros essas pessoas eram origniárias, mas devido ao grande número de

pesquisados que não forneceu essa informação, optou-se por expor os dados

conforme estão apresentados no gráfico 10.

A segunda maior porcentagem representa aqueles que querem deixar de

morar na zona rural. Isso se deve geralmente, segundo relatos dessas pessoas, a

baixa no preço do café que ocorreu no ano passado e que ainda tem impactado os

produtores e trabalhadores agrícolas neste ano, além de “não ter preço as outras

coisas da roça”. Mas grande parte afirma não querer abandornar o campo, pelos

menos até encontrar um trabalho que lhe dê estabilidade na cidade. Por isso muitos

deles buscam o crédito para a obtenção da casa objetivando manter sua pequena

propriedade, ou ainda, aqueles que são assalaridados no campo, demonstram a

intenção de continuar exercendo essa profissão, concomitante outras atividades que

possam encontrar no ambiente urbano que complementem sua renda.

Por último, há pessoas que são de outros municípios, e nesse grupo foram

englobados os residentes tanto em área urbana quanto rural e todos os com os

quais conversei buscam o crédito para construir em suas próprias cidades.

O Programa Minha Casa, Minha Vida em Muzambinho não leva à segregação

sócio-espacial dos beneficiados, uma vez que não são feitos conjuntos habitacionais

distantes da malha urbana. São unidades pulverizadas, e a construção é

administrada pelo próprio mutuário. Geralmente estes imóveis concentram-se nos

novos loteamentos, uma vez que os lotes vagos nos bairros mais antigos são ainda

mais caros. Esses loteamentos localizam-se na área destinada a expansão,

conforme o zoneamento proposto pelo Plano Diretor, que está no anexo deste

trabalho. Estão distribuídos ao longo da cidade, não fixando-se apenas em uma

zona de ocupação. De modo geral, também não há carência de infra-estrutura. A

característica principal do projeto na cidade é a dificuldade de acesso a essa

política, em decorrência da especulação praticada pelos agentes construtores do

espaço, tanto com relação aos imóveis prontos, quanto aos terrenos, e a renda da

população que não acompanha os preços do mercado.

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4 CONCLUSÃO

O trabalho buscou, em todo o seu desenvolvimento, demonstrar que as

políticas públicas voltadas à habitação, enquanto fundamentadas na transferência de

recursos para o setor privado, para que este cumpra com as obrigações do Estado,

acabam por dificultar ainda mais o acesso à casa própria para as classes mais

populares. Os subsídios concedidos à população vão, dessa forma, parar nas mãos

dos proprietários fundiários e dos incorporadores, que fazem os empreendimentos,

vendem dentro do Programa e cobram excedentes. Não que isso tenha sido

considerado deste de sua implantação e muito menos incentivado de maneira direta,

mas também nenhuma medida vem sendo tomada para o controle da alta

valorização dos imóveis.

Para quem conta com recursos limitados, a oferta de imóveis no mercado não

é compatível com seus salários. O Programa Minha Casa Minha Vida é sim uma

iniciativa de grande repercussão, dada à dimensão dos investimentos e o potencial

de alcance, desde que se considere e busque soluções para questões

tradicionalmente banalizadas pelos governos, mas que estão na base de todo o

processo, como o controle do mercado fundiário. Mesmo sem trabalho incorporado,

sem a edificação, o solo urbano vem se valorizando gradativamente pela

monopolização do acesso a um bem necessário à sobrevivência e reprodução da

sociedade. Assim, o que se observa é a reprodução da desigualdade de acesso.

No caso específico da área de estudo, esse fator é ainda mais evidente,

considerada a característica das cidades pequenas, em que algumas poucas

famílias são proprietárias das áreas ao redor do perímetro urbano. Contudo, também

se verifica novos mecanismos de acumulação, típicos do nosso atual contexto

econômico, onde empresas incorporadoras passam a trabalhar o espaço e

influenciar o mercado imobiliário. São novos agentes, mas com os mesmos

objetivos, e ainda que se tenha conhecimento das práticas para a extração do maior

lucro possível, o poder público local ainda não sabe como lidar com esse problema,

levando-se em consideração mais uma vez as vantagens econômicas que trazem,

em detrimento dos problemas sociais.

Portanto, grandes barreiras devem ser derrubadas para que se torne um

projeto que atenda de fato aqueles que mais precisam, através de habitação de

qualidade, acessível, inserida na malha urbana e que promova sim o

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desenvolvimento econômico, porém equilibrado, com base na função social da

moradia, o contrário do que vem sendo considerada, simples mercadoria.

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HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. Coleção Geografia e Adjacências. São Paulo: Annablume, 2005.

MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

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ANEXOS

Anexo 1

Zoneamento Urbano de Muzambinho/MG

Legenda:

Cor amarela: zona preferencial de preservação histórica e cultural (ZPPHC); Cor vermelha: zona preferencial para adensamento (ZPA); Cor azul: zona preferencial para expansão (ZPE); Cor verde: zona de proteção ambiental (ZPAM); Cor lilás: zona especial de interesse social (ZEIS); Cor roxa: zona preferencial para empreendimentos comerciais e industriais (ZPECI) Cor lilás em linha estreita: representa o perímetro urbano.

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Anexo 2

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