relatório de iniciação científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de...

26
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG Relatório de Iniciação Científica O DISCURSO DO BANCO MUNDIAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO (1946-1987) Bolsista: Caio Rennó José Orientador: Prof. Thiago Fontelas Rosado Gambi Curso: Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Economia Varginha/MG 2013

Upload: dangthu

Post on 25-Jan-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG

Relatório de Iniciação Científica

O DISCURSO DO BANCO MUNDIAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO

(1946-1987)

Bolsista: Caio Rennó José

Orientador: Prof. Thiago Fontelas Rosado Gambi

Curso: Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Economia

Varginha/MG

2013

Page 2: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

Resumo

O crescimento econômico pode ser definido simplesmente como o aumento da riqueza material ou, em termos atuais, pela elevação do Produto Interno Bruto (PIB). Identificamos que no decorrer da história do pensamento econômico a ideia de desenvolvimento esteve quase sempre atrelada a de crescimento econômico. A distinção entre crescimento e desenvolvimento econômico, pelo menos no âmbito acadêmico, tornou-se mais nítida a partir dos efeitos e as destruições provenientes da Segunda Guerra Mundial, quando se ampliou o escopo das reflexões sobre o desenvolvimento, tanto para reconstruir as economias dos países europeus devastados pela guerra, como para fazer prosperar as economias mais pobres da periferia do capitalismo. Esses fatos foram decisivos para que o desenvolvimento econômico se tornasse um campo específico da economia. As mudanças da ideia de desenvolvimento podem ser avaliadas por meio da análise do discurso e da atuação dos agentes que se ocuparam dessa questão na história recente. Agências internacionais de ajuda financeira podem ser fontes práticas para se investigar a evolução das ideias. Seja por seu tamanho e volume de capital para empréstimo ou por seu grau de influência global, o Banco Mundial (BM) apresenta-se como objeto privilegiado de investigação. O objetivo deste trabalho é captar, por meio do discurso contido em seus relatórios de gestão anuais, a mudança da ideia de desenvolvimento desde o início de suas atividades (1946) até a publicação do “Relatório Brundtland” (1987), marco da concepção de desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: Desenvolvimento Econômico, História do Pensamento Econômico, Banco Mundial.

Page 3: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

Sumário

1. Introdução................................................................................................................... 1

2. Concepção de desenvolvimento do Banco Mundial .................................................. 3

a. Desenvolvimento como crescimento econômico (1944-1962) .................. 3

b. Ampliação do escopo dos projetos (1963-68) ............................................ 7

c. Os anos McNamara e o combate à pobreza (1968-1981) ........................... 9

d. Dos projetos de desenvolvimento à política econômica e o ajuste estrutural (1981-1995) ................................................................................................ 11

3. Políticas de empréstimos do Banco Mundial ........................................................... 13

4. Considerações Finais ................................................................................................ 20

5. Referências ............................................................................................................... 22

Page 4: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

1

1. Introdução

Na história do pensamento econômico, o termo “desenvolvimento econômico” é

frequentemente associado à ideia de melhoria do padrão de vida material das pessoas. Em geral, para os antigos economistas – de mercantilistas, fisiocratas, clássicos a neoclássicos –, o conceito de desenvolvimento foi construído ao longo do tempo como sinônimo de crescimento econômico, isto é, uma produção abundante de bens que automaticamente levaria à melhora nas condições de vida das pessoas. Para melhor enxergar as concepções que atrelam o desenvolvimento à ideia de crescimento econômico, vale retomar, de modo muito breve, o cerne dessas abordagens.

Para os mercantilistas, no século XVI, havia a preocupação com a riqueza da nação por meio da acumulação de metais preciosos via comércio internacional. Entre os fisiocratas, o aumento da riqueza estava condicionado às atividades produtivas de cunho agrícola. A visão clássica também enfatiza o lado da oferta e encara o desenvolvimento de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva neoclássica preocupa-se com a alocação eficiente de recursos escassos, cujo corolário seria o maior crescimento econômico possível. Todavia, não trata desse processo de modo dinâmico. Numa tentativa de preencher essa lacuna na teoria neoclássica, Schumpeter descreveu o funcionamento normal de uma economia como um fluxo circular, estático. A existência da classe empreendedora, que lança as inovações no mercado, romperia o equilíbrio do fluxo circular e criaria a dinâmica do processo econômico ou crescimento econômico (FURTADO, 1952). Em suma, mercantilistas, fisiocratas e clássicos, cada um a sua maneira, identificavam o crescimento econômico com o processo de desenvolvimento econômico.

Para todas essas correntes de pensamento, o crescimento econômico pode ser definido simplesmente como o aumento da riqueza material ou, em termos atuais, pela elevação do Produto Interno Bruto (PIB). Identificamos que no decorrer da história do pensamento econômico a ideia de desenvolvimento esteve quase sempre atrelada a de crescimento econômico. A distinção entre crescimento e desenvolvimento econômico, pelo menos no âmbito acadêmico, tornou-se mais nítida a partir dos efeitos e as destruições provenientes da Segunda Guerra Mundial, quando se ampliou o escopo das reflexões sobre o desenvolvimento, tanto para reconstruir as economias dos países europeus devastados pela guerra, como para fazer prosperar as economias mais pobres da periferia do capitalismo. Esses fatos foram decisivos para que o desenvolvimento econômico se tornasse um campo específico da economia.

A primeira divisão entre os pensadores desse campo se baseou nas teorias de desenvolvimento equilibrado e desequilibrado. Do lado do desenvolvimento equilibrado, os autores (Nurkse, Rosenstein-Rodan, Lewis) defendem que os investimentos devem ser sincronizados em diversas atividades econômicas, o que viabilizaria uma industrialização autossustentada – considerando a industrialização o caminho para os países se desenvolverem. A ideia de coordenação de investimentos é, por exemplo, a base para o conceito de “grande impulso” (big push).

Já o lado do desenvolvimento desequilibrado, representado por Hirschman, Myrdal e Perroux, entende que os investimentos a serem feitos na economia não precisariam ser expressos de modo proporcional ou obedecer a um programa de alocação coordenada entre os setores econômicos. Sustentavam que a aplicação estratégica em determinado setor desencadearia um efeito de sucessão, ou seja, a centralização do investimento em atividades-chave seria capaz de propiciar a implantação e o crescimento de outras atividades interligadas por meio de encadeamentos (linkages).

Page 5: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

2

Outra abordagem da teoria do desenvolvimento foi criada pela CEPAL (Comissão Econômica para América Latina), no final da década de 1940. O desenvolvimento foi pensado no contexto da periferia do capitalismo, particularmente da América Latina. As ideias da CEPAL se associavam às teorias do desenvolvimento equilibrado e desequilibrado, ao assimilar a ideia de que o desenvolvimento econômico passaria antes pelo processo de industrialização. A diferença consistia na compreensão do subdesenvolvimento como uma condição estrutural do sistema capitalista e não como uma etapa para obtenção do desenvolvimento. Nesse sentido, o desenvolvimento não se limitava ao processo de crescimento da economia, mas de transformação estrutural dos países periféricos.

Com o término da Segunda Guerra (1945), a Europa foi reconstruída e muitos países menos desenvolvidos se industrializaram e apresentaram taxas de crescimento regulares nas décadas seguintes. No entanto, o aumento persistente da produção não significou a solução dos problemas sociais ou a melhoria do padrão de vida material para todas as pessoas, ou seja, ainda que os países tivessem crescido economicamente, os resultados esperados em termos sociais não apareceram. Nesse contexto se inicia o descolamento dos conceitos de crescimento e desenvolvimento econômico.

Para Amartya Sen, os indicadores de produção e mensuração econômicos utilizados não conseguiam refletir a melhoria das condições de vida da população. Nessa crítica estava implícita a existência de uma diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento. Por isso, foi um dos criadores do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e teorizou sobre o desenvolvimento a partir da ideia de liberdade, que significa o acesso das pessoas aos meios disponíveis para atingir seus fins particulares, isto é, atingir o crescimento econômico não é a condição determinante para garantir a liberdade das pessoas (SEN, 1988; 2000).

Assim, a trajetória do pensamento sobre o desenvolvimento econômico revela uma complexificação da ideia ao longo do tempo. O crescimento econômico deixa de ser identificado com o desenvolvimento e se torna uma condição necessária, mas não suficiente, para que este último processo efetivamente aconteça. As mudanças da ideia de desenvolvimento podem ser avaliadas por meio da análise do discurso e da atuação dos agentes que se ocuparam dessa questão na história recente. Agências internacionais de ajuda financeira podem ser fontes práticas para se investigar a evolução das ideias. Seja por seu tamanho e volume de capital para empréstimo ou por seu grau de influência global, o Banco Mundial (BM)1 apresenta-se como objeto privilegiado de investigação. O objetivo deste trabalho é captar, por meio do discurso contido em seus relatórios de gestão anuais, a mudança da ideia de desenvolvimento desde o início de suas atividades (1946) até a publicação do “Relatório Brundtland” (1987), marco da concepção de desenvolvimento sustentável.

A publicação do referido relatório marca um período em que a preocupação ambiental ganhou espaço nas discussões mundiais. Nesse contexto, foi criada uma comissão da ONU (Organização das Nações Unidas) para investigar os efeitos do crescimento econômico sobre o meio ambiente. A CMMAD (Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento) ou, em inglês, WCED (World Comission on Environmental and Development), era chefiada pela ex-primeira-ministra da Noruega:

1 Atualmente, o Grupo Banco Mundial é composto por cinco instituições: o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD); a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID); a Sociedade Financeira Internacional (SFI); o Centro Internacional par Arbitragem de Disputas sobre Investimento (CIADI) e a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (MIGA). A partir daqui nos referiremos ao BIRD e à AID como Banco Mundial (BM). Cf. www.worldbank.org.

Page 6: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

3

Gro Harlen Brundtland, nome pelo qual o relatório “Our Common Future” ficou conhecido. Esta foi a primeira publicação internacional que tentou conciliar preservação do meio ambiente e desenvolvimento econômico, culminando no conhecido conceito de “desenvolvimento sustentável”, isto é, “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras em satisfazer suas próprias necessidades" (WCED, 1987:44). O relatório ainda relaciona, de modo claro, os problemas ambientais aos sociais:

a pobreza é uma das principais causas e um dos principais efeitos dos problemas ambientais do mundo. Portanto, é inútil tentar abordar esses problemas sem uma perspectiva mais ampla, que englobe os fatores subjacentes à pobreza mundial e à desigualdade internacional (WCED, 1987:4).

Portanto, este relatório marcou um alargamento do debate mundial sobre o desenvolvimento para além das questões econômicas, ou seja, inseriu na agenda de um organismo internacional o discurso sobre a complexidade das implicações do desenvolvimento e a consideração de componentes fora do campo econômico como elementos fundamentais para se pensar as estratégias de desenvolvimento de uma sociedade.

Como o BM incorpora as mudanças na ideia de desenvolvimento em seus discursos e operações? Esta é a questão-guia deste relatório de pesquisa que apresenta, primeiro, as mudanças na concepção de desenvolvimento do BM de 1944 a 1987. A seguir, aborda a política de empréstimos do banco no mesmo período e avalia em que medida sua prática acompanhou seu discurso. Conclui-se que, apesar de acompanhar as mudanças pelas quais passava a ideia de desenvolvimento, o discurso sobre o desenvolvimento e a política de empréstimos do banco nem sempre combinavam entre si e a razão disso pode ser encontrada na defesa dos interesses de seu maior acionista, os EUA.

2. Concepção de desenvolvimento do Banco Mundial

a. Desenvolvimento como crescimento econômico (1944-1962)

Com a proximidade do fim da 2ª guerra mundial, os Estados Unidos (EUA) se

afirmavam como a maior potência econômica e militar mundial, já que a Europa – palco da guerra – estava devastada pelos efeitos destruidores dos conflitos, que abalaram toda sua estrutura produtiva e social, reduzindo seu poder de influência no mercado internacional.

Os Estados Unidos já eram a maior economia do planeta desde muito antes da 2ª Grande Guerra, durante a qual prosperou, enquanto seus rivais se enfraqueciam enormemente. No fim da guerra, os Estados Unidos detinham a metade da riqueza do planeta e uma posição de poder sem precedentes na história. Os grandes arquitetos de políticas trataram, é claro, de usar esse poder para criar um sistema global que viesse ao encontro de seus interesses (CHOMSKY, 2002:10).

O continente europeu devastado não tinha condição de competir pela influência no

capitalismo global. Sendo assim, os EUA organizaram uma conferência entre 44 países na cidade de Bretton Woods em julho de 1944, a fim de elaborar propostas que

Page 7: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

4

definissem os traços de uma nova arquitetura econômica internacional que lhes colocasse em vantagem. De modo central, o propósito dos idealizadores era

erigir um sistema que promovesse a estabilidade econômica, o pleno emprego, o livre comércio e o investimento internacional, vistos como condições para a conquista e a manutenção da paz e da prosperidade entre as nações (PEREIRA, 2012:392).

Os EUA e a Inglaterra estavam mantendo negociações antes mesmo da realização da conferência por meio da atuação de Harry White (assessor-chefe do Tesouro dos EUA) e John Maynard Keynes (assessor principal do Tesouro britânico). A discussão partia da regulação do sistema financeiro internacional tanto pela criação de órgãos de financiamento multilaterais, quanto pela estabilização monetária, já que o padrão-ouro estava fracassado (ROMMINGER, 2004).

Como resultado dessa conferência, foram criados o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento). E, como a Inglaterra estava abalada pelo pós-guerra e se encontrava endividada e necessitada de “financiamento que só os EUA, naquele momento, tinham condições de prover” (PEREIRA, 2012:393), venceu a proposta de um novo sistema de paridade monetária baseado no dólar norte-americano.

A criação do BIRD se dá em 1944, mas o início das operações ocorre em 1946 e tinham como foco inicial o auxílio em forma de garantias e empréstimos para os países-membros2 que foram afetados pela guerra, ou seja, o

escopo do Banco era a reconstrução e o desenvolvimento dos territórios de países-membros através da facilidade de capital de investimento em fins produtivos, além da restauração das economias destruídas pela guerra, reconversão dos fins produtivos para necessidades de tempos de paz, e o incentivo ao desenvolvimento de estrutura e recursos produtivos em países de baixo desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 1946:4).

Além disso, o relatório expôs outras funções principais do banco:

promover um longo alcance do crescimento balanceado do comércio internacional, e a manutenção do equilíbrio na balança de pagamentos através do investimento internacional em desenvolvimento de recursos produtivos dos membros, assim, auxiliando a elevação da produtividade, os padrões de vida e as condições de trabalho (BANCO MUNDIAL, 1946:4).

Já nos relatórios de 1946 e 1947, o BM relatou os problemas estruturais que o pós-guerra gerou no continente europeu e também nos países menos desenvolvidos. Segundo o BM (1946:5), a “destruição de guerra, mudanças físicas causadas pela devastação” também causam efeitos “nas estruturas econômicas e sociais, bem como nos sistemas administrativos e mecanismos da indústria e comércio”. Com esse diagnóstico geral, o banco reservou os primeiros créditos à assistência desses países, onde havia problemas na estrutura produtiva e, inclusive, preocupação com a falta de alimentos.

A estabilidade econômica mundial pós-guerra requeria, então, “um aumento dos atuais níveis de produção industrial e agrícola, e dos níveis de transações

2 Nos relatórios anuais emitidos pelo BIRD, a referência a países-membros significa os países que fazem parte das operações do Banco.

Page 8: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

5

internacionais”. Por isso, justifica a prioridade de se retomar a produtividade dos países arrasados pela guerra como alavanca dos países subdesenvolvidos. Assim, somente a partir da “retomada dos níveis de alta produção, a tendência é que a nova ênfase das atividades do BM seja os planos de desenvolvimento” (BANCO MUNDIAL, 1947:5).

(...) a economia ainda não se encontra estável, o que necessita muitos feitos para restaurar e aumentar o padrão de vida. A reconstrução e o desenvolvimento caminham juntos, exigem que os esforços de milhões de pessoas sejam orientados para retomar as atividades e a vida normal. Para isso, deve ser feito um bom e detalhado plano econômico para o desenvolvimento de políticas orçamentárias sólidas que assegurem a estabilidade financeira e monetária (BANCO MUNDIAL, 1947:5).

Nesse período, a guerra fria estava tomando corpo e a Europa destruída pela

guerra, com vários problemas sociais, abria espaço para ideias revolucionárias e partidos de esquerda. A disputa pelo poder e a disseminação dessas ideias fizeram os EUA intervirem nos planos do BM, já que detinham a maior quantidade de votos na instituição. Segundo Pereira (2012), a reconstrução consistia no financiamento “gradativo por meio de empréstimos concedidos em termos comerciais pelo BM”. Porém, houve uma guinada nos investimentos em 1947, quando “o assunto se tornou o objetivo mais urgente para os Estados Unidos em matéria de política externa” (PEREIRA, 2012:400).

Os EUA estavam fazendo aportes de capital na Europa por meio do Programa de Recuperação da Europa (ERP) – que passou a se chamar Plano Marshall –, mas o BM ainda realizava no continente suas operações de recuperação e reconstrução de fábricas, minas, estradas de ferro e outras instalações produtivas. As suas atividades de reconstrução não deviam ser distintas dos planos de desenvolvimento, pois, para o BM o mercado europeu teria alcance no mundo todo e, devido à existência de uma estrutura produtiva prévia, o continente já contava com uma maturidade econômica –disponibilidade de desenvolvimento tecnológico e conhecimento – que permitia a demanda de capital na expansão e modernização de instalações produtivas, sem necessidade de investimentos na construção de uma nova estrutura produtiva (BANCO MUNDIAL, 1948:8). Os aportes de dinheiro do BM na reconstrução da Europa estão presentes durante todo o período de análise dos Relatórios Anuais do BM.

Sendo necessário realizar ajustes nas relações sociais tradicionais sem destruir a estabilidade para o desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 1949:9), o BM entendia que o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, juntamente com o pleno emprego e o crescimento econômico das potências mundiais capitalistas, dependia da expansão do comércio internacional, o que, por sua vez, dependia do aumento da produção nos países periféricos em desenvolvimento. A ideia de desenvolvimento em que as operações do BM se baseavam “figurava como fator de amortecimento e estabilização das contradições entre grupos e classes sociais no plano doméstico, o que era visto como condição para conter o contágio do comunismo em escala internacional” (PEREIRA, 2012:411).

Portanto, o contexto político-econômico desse período foi crucial para o direcionamento das atividades do BM. A preocupação geopolítica existente a partir do final da década de 1940, reorientou a ênfase da reconstrução de Europa para o desenvolvimento dos países pobres.

Houve um reconhecimento gradual da necessidade de aumentar o padrão de vida das populações nas regiões mais pobres do mundo. Não necessariamente

Page 9: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

6

por razões altruístas -- o extremo contraste entre os países mais e menos desenvolvidos passou a ser encarado como uma ameaça potencial para a estabilidade política (KRASKE et al. apud BIANCHI, 2010:5-6).

Embora a reconstrução da Europa fosse o foco inicial das atividades do BM, ele

atuava também nos países subdesenvolvidos e considerava seu trabalho assessorar o aumento do nível de riqueza desses países por meio da expansão da produção, principalmente pelo desenvolvimento tecnológico e aumento de capital de investimento. Os países avançados tinham grande interesse na promoção do desenvolvimento das áreas subdesenvolvidas, pois a utilização eficiente dos recursos nessas áreas resultaria diretamente no aumento do comércio entre os países, o que seria bom para todos, de acordo com a avaliação do banco (BANCO MUNDIAL, 1948).

Como resultado dessa pressão externa sobre as atividades do BM, foram criadas duas novas agências de empréstimo, a CFI (Corporação de Financiamento Internacional) e a AID (Associação Internacional de Desenvolvimento). A primeira tinha a função de conceder empréstimos para empresas privadas sem garantias governamentais e fazer investimentos de capital com a participação de investidores privados, trazendo novas oportunidades de investimento, capital doméstico e estrangeiro e experiência administrativa, o que promoveria o desenvolvimento econômico. Já a AID, concedia créditos de longo prazo sob taxa de juros muito baixas ou nula para governos e instituições públicas de países pobres que não tinham condições de acesso aos mercados de capitais e também não se enquadravam para receber financiamento do BM (PEREIRA, 2009:20).

Nesse período, o entendimento do BM sobre o desenvolvimento acompanhou o mainstream e não extrapolava o campo econômico, baseando o processo de desenvolvimento no crescimento do PIB ou do PIB per capita. Dos relatórios anuais por toda sua fase de criação e consolidação, o discurso central do BM sobre o desenvolvimento era a necessidade de expandir a produção e melhorar o padrão de vida em todas as áreas dos países subdesenvolvidos. O BM entendia que a redução da lacuna econômica existente entre os países subdesenvolvidos e desenvolvidos seria um processo longo e algumas dificuldades existiriam nesse processo, como a falta de capital de longo prazo. No Relatório de 1949, foram listados quatro obstáculos principais que deveriam ser superados pelos países em desenvolvimento (PEREIRA, 2012:411):

a) o baixo nível educacional e de saúde pública da população;

b) o baixo nível de qualificação e competência profissional da burocracia pública;

c) em algumas situações, a extrema desigualdade na distribuição de riqueza, ancorada na manutenção de estruturas agrárias “ineficientes e opressivas”;

d) a limitação de capital doméstico para investimento, resultante dos baixos níveis de poupança e de políticas econômicas e setoriais inadequadas.

Quanto ao planejamento3 do desenvolvimento a ser feito nos países subdesenvolvidos, devia-se levar em conta os recursos naturais, a localização, o clima, o tipo da população, e os recursos administrativos e financeiros disponíveis. Por isso, havia grandes variações nos programas de desenvolvimento. Porém, na maioria dos

3 A execução dos projetos desenvolvimento foram alinhadas com as missões especializadas no estudo dos problemas de desenvolvimento dos países-membros. Esse trabalho realizado pelos “money doctors”, consistia em elaborar propostas de trabalho e projetos de empréstimo, prestar conselhos sobre questões técnicas, financeiras e administrativas para o desenvolvimento de cada pais (BIANCHI, 2010).

Page 10: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

7

países subdesenvolvidos, a maior parte dos investimentos necessários devia ser aplicada em estruturas de transporte, comunicação, portos, energia, saneamento básico e outras utilidades públicas que, segundo o BM, eram a base para o desenvolvimento de todos os outros setores da economia. O capital necessário para todos estes fins deveria ser aplicado de modo que se evitasse o desenvolvimento prematuro ou desproporcional de indústrias pesadas (BANCO MUNDIAL, 1948). Essa ênfase na infraestrutura dos países menos desenvolvidos – energia elétrica, transporte (ferrovias, estradas, portos, aeroportos), comunicação, agricultura (mecanização, irrigação, melhora do solo), indústria (máquinas, equipamentos de mineração), desenvolvimento geral (bancos de desenvolvimento e planos de desenvolvimento gerais) – se apoiava nas teorias de desenvolvimento equilibrado conforme a seguinte lógica: os empréstimos destinados para agricultura tinham por objetivo aumentar a produção agrícola dos países. Já na área de transportes havia a necessidade de facilitar a movimentação da produção para o comércio interno e externo, além de promover novos incentivos para a produção de próprio consumo e criar as condições adequadas de estradas e ferrovias para expandir a produção. Os empréstimos feitos pelo BM para o setor de energia elétrica tinham grande peso, já que os setores de crescimento potencial – agricultura, transportes e indústria – dependiam integralmente da energia elétrica para seu funcionamento (BANCO MUNDIAL, 1952:17).

Em suma, a visão de desenvolvimento no início das operações do BM, segundo o Relatório Anual de 1949, era aumentar o padrão de vida de países subdesenvolvidos buscando as possibilidades de se fazer isso por meio do que as economias avançadas fizeram para se tornar países desenvolvidos (BANCO MUNDIAL, 1949:7). Especificamente nesse sentido, o BM criou, em 1955, o IDE (Instituto de Desenvolvimento Econômico), cujo objetivo era servir como uma faculdade para altos funcionários dos países menos desenvolvidos e funcionários do banco. O propósito dos cursos oferecidos era um estudo intensivo sobre a temática do desenvolvimento e, posteriormente, essas pessoas estariam aptas a participar do planejamento do desenvolvimento dos seus países de origem, assumindo ainda cargos de relevância nos governos (BANCO MUNDIAL, 1955).

b. Ampliação do escopo dos projetos (1963-68)

Na década de 1960, os países pobres estavam sofrendo os efeitos da desigualdade

que se agravaram na economia mundial. Como o BM obteve altos rendimentos dos títulos de empréstimo, pôde aumentar suas políticas de financiamento e também reformulá-las, já que os países mais pobres não conseguiam acessar os fundos do BM para alavancar seu progresso. Esse período representou o maior crescimento do BM tanto em número de empréstimos, orçamento administrativo e pessoal, quanto em número de países atendidos (PEREIRA, 2009:98-9).

A educação ganhou espaço no discurso do BM, pois, havia a crença de que o progresso econômico dos países subdesenvolvidos estava condicionado – na ampliação e melhoria das habilidades e nas perspectivas de sua população – em grande parte a um adequado sistema educacional. Assim, em 1963, o BM, em parceria com a UNESCO, criou o Instituto Internacional para o Planejamento Educacional com a finalidade de realizar pesquisas e treinamento nessa área. Para o BM, caberia à educação implantar e capacitar as habilidades necessárias para o crescimento econômico por meio da educação técnica, capacitação vocacional, escolas secundárias e capacitação de professores em todos os níveis de ensino (BANCO MUNDIAL, 1965; 1966).

Page 11: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

8

Nesse período, enfatizou-se o crescimento populacional como causa do problema da pobreza e barreira para o desenvolvimento. Em conformidade com ideias neomalthusianas,4 a justificativa do BM para o aumento da produção de alimentos se baseou no desenfreado crescimento populacional dos países menos desenvolvidos. Esse discurso

tratava a população como uma variável independente, sem relação com o movimento de acumulação de capitais, e sem relacioná-la com as repercussões no estilo de vida e matriz energética que sustentaram o padrão de acumulação que vigorou nas últimas décadas (KRAYCHETE, 2006:418).

Por outro lado, Pereira (2009) atribui o aumento das concessões de empréstimos

para a agricultura à política externa norte-americana que demandou mais fundos para esse setor. Tal política passava pela Revolução Verde, que despontou inovações tecnológicas agrícolas de grandes empresas de fertilizantes e colocou seus produtos para serem utilizados nos países subdesenvolvidos com financiamento do BM; e pela aceitação da ideia ocidental de otimização de produção, a qual “deu racionalidade econômica à elaboração de projetos voltados à modernização técnica da produção de pequenos agricultores” (PEREIRA, 2009:107).

Mesmo como toda a aparelhagem teórica e política a favor da hegemonia conservadora-capitalista, o contexto político-social da guerra fria ainda exercia grande pressão nas políticas do BM. Havia muitos países pobres sofrendo com o aprofundamento das crises sociais e a crescente dívida externa. “Para muitos países o serviço da dívida aumentou muito mais rápido do que receitas de exportação e alguns países assumiram obrigações excessivas no curto prazo” (BANCO MUNDIAL, 1964:8). Assim, o BM foi forçado a fazer alguns ajustes conceituais e o subdesenvolvimento começou a aparecer como um fator político. O desenvolvimento não mais significava o aumento da capacidade produtiva, mas a busca pela redução da desigualdade no mundo (KAPUR et al. apud PEREIRA, 2009).

Nesse caminho, o conceito de pobreza ganhou um pouco de espaço e a renda per capita passou a ser a referência padrão do AID para mensurar os progressos dos países. Os empréstimos para setores como educação, abastecimento de água, saneamento básico e agropecuária, representam o surgimento de alguma mudança do conceito de desenvolvimento trabalhado, embora – pelo menos nesse período – tenham sido utlizados como ferramentas para o aumento da produtividade: a agricultura recebia mais fundos para aumentar a quantidade de alimentos e não para reduzir a desigualdade como, por exemplo, por meio da reforma agrária (PEREIRA, 2009). Segundo Kraychet (2006:418), “só seria bem vista a distribuição de terras que tivesse como objetivo exclusivo o aumento da produtividade e da produção”. No caso da educação, como já mencionado, os direcionamentos das concessões se expressavam em educação técnica e capacitação vocacional, escolas secundárias e superiores, e na capacitação de professores em todos os níveis de ensino (BANCO MUNDIAL, 1966).

A diversificação das ações do BM – reflexo da demanda pelas áreas sociais dos países mais pobres – também estava relacionada com o aumento do número de países-membros.5 A concessão de empréstimos pelo BM se dava pelo recebimento de crédito e de assistência técnica ao país que recebia a ajuda. Nesse sentido, o raio de influência do BM no mundo se ampliou com o aumento de suas operações e países atendidos.

4 Os neomalthusianos, de maneira geral, entendem que o crescimento populacional é um obstáculo ao desenvolvimento econômico. 5 De 1963 a 1968, o número de países-membros foi expandido de 85 para 108.

Page 12: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

9

c. Os anos McNamara e o combate à pobreza (1968-1981)

A gestão McNamara6 trouxe uma nova perspectiva sobre a barreira para o

desenvolvimento: a segurança. Nesse aspecto, a relação causal entre desigualdade social, pobreza e instabilidade foi estabelecida. Havia “o reconhecimento de que o modelo econômico, então dominante, havia falhado; que o famigerado “efeito derrame” não tinha ocorrido” (PEREIRA, 2009:116), ou seja, a afirmativa de que o crescimento econômico leva à redução da pobreza já não era mais válida.

A partir dessas considerações, instaurou-se a proposta de redução direta da pobreza ou “assalto à pobreza” a ser executada num prazo de cinco anos (1968-1973), enfatizando o discurso sobre a importância da agricultura como fator crítico para o desenvolvimento da maioria dos países em desenvolvimento, que precisavam transformar sua agricultura de uma atividade meramente de subsistência em uma produção diversificada para o mercado (PEREIRA, 2009; BANCO MUNDIAL, 1968; 1969).

Foi enfatizado também o discurso relativo às áreas socias como a educação, o planejamento familiar7 e o abastecimento de água e, agora, questões como nutrição,8 saúde e habitação urbana ganharam espaço nas políticas de desenvolvimento do BM.

No campo da educação, inicialmente, o discurso ainda estava vinculado diretamente com o crescimento econômico e os aportes de recursos deveriam ser destinados a projetos que incrementassem a disponibilidade de força de trabalho capacitada: industrial, técnica, administrativa ou agrícola (BANCO MUNDIAL, 1969). Poucos anos depois, esse enfoque passou por uma redefinição em que a seleção de projetos de um sistema educacional deveria estar em conformidade com o desenvolvimento econômico de longo-prazo.

Acompanhando as mudanças no debate sobre o desenvolvimento, o discurso do BM incorpora novos conceitos. No relatório de 1973, o objetivo do BM não está mais explicitado somente pelo aumento da riqueza e padrão de vida. Segundo o BM (1973:5), foram realizados

esforços em contribuir para a melhoria econômica e social dos países em desenvolvimento membros. Grande atenção foi dedicada para a necessidade de melhorar a qualidade de vida pela ampla distribuição dos benefícios do desenvolvimento, com ênfase particular nos países e pessoas mais pobres.

Na seção sobre educação, o BM (1973:17) assume que os financiamentos dos

últimos anos, refletem a grande ênfase em estabelecer a equidade social nos países em desenvolvimento.

6 Robert McNamara foi presidente da Ford Motor Company nos anos 1950, secretário de Defesa dos EUA, de 1961 a 1968, e presidente do Banco Mundial, de 1968 a 1981. Morreu em 2009. 7 Para efetivar as reduções de fertilidade, seria necessário montar um programa de desenvolvimento bem-sucedido que aumente o padrão de vida geral. O BM entende que as variáveis críticas que influenciam o declínio da fertilidade são a baixa mortalidade infantil, melhora da educação, emprego, status da mulher, assim como o aumento da equidade social através da melhora na distribuição da renda (BANCO MUNDIAL, 1977). 8 A compreensão da necessidade de tratar do campo da nutrição, foi motivada pela situações em ocorrem a má nutrição infantil, o que afeta o crescimento físico e desenvolvimento mental, o que compromete a produtividade da população de um país em desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 1974).

Page 13: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

10

Tanto as operações, quanto os estudos e pesquisas realizadas pelo BM, tem refletido uma nova estratégia, que enfatiza as pessoas dos setores tradicionais e de transição da economia que até agora foram deixados fora dos sistemas educativos. O objetivo é achar meios apropriados para os sistemas educacionais promovam o crescimento econômico e a justiça social. Assim, o BM tem dado maior ênfase na qualidade do que na quantidade no desenvolvimento da educação.

Até nas seções de indústria e energia elétrica podemos perceber uma mudança no

enfoque do discurso. A indústria tradicional é reconhecida pelo padrão ótimo de desenvolvimento nacional e internacional, o que gera grandes impactos sobre os objetivos sociais e de geração de empregos. Já pelo campo da energia elétrica, o BM aumentou a atenção nos aspectos de distribuição dos sistemas elétricos, com a intenção de estimular o bem estar dos grupos da população de renda mais baixa. Planejava-se conceder empréstimos para distribuir energia pelas extensões à margem dos centros urbanos, zona rural e pequenos vilarejos.

Ainda, no setor de abastecimento de água, o BM se preocupou com as doenças causadas pelas águas poluídas e as más condições de saneamento em áreas urbanas e rurais. Para isso, o BM entendia que a prestação de um abastecimento de água seguro e a melhoria no saneamento, geralmente tem feito muito para reduzir a incidência dessas doenças, especialmente entre os pobres.

Como o próprio BM reconhece, em 1973, houve uma percepção mais abrangente dos problemas mundiais. A explosão do crescimento urbano dos países em desenvolvimento levou ao desenvolvimento de projetos de urbanização. Outro novo aspecto tratado foi o impacto ambiental que os projetos assistidos pelo BM causaram. Com isso, o banco passou a encarar, nas análises de projetos de concessão de empréstimo, a degradação ambiental como um problema de saúde pública e de bem estar social. Isso não impediu a realização de empréstimos, mas levou a formulação e a avaliação dos projetos a considerar questões do meio ambiente e a sáude como elementos integrados.

Aliado ao novo discurso de desenvolvimento do BM, a criação do setor de Desenvolvimento de Companhias Financeiras seria uma arma para reduzir a pobreza urbana. Através do suporte às empresas de pequena escala9 para geração de emprego, o BM aumentaria a ajuda a outros setores, como a indústria e o turismo. Essas ações para acelerar o crescimento e melhorar a eficiência das operações das empresas poderiam aumentar diretamente a produtividade sobre a camada pobre urbana (BANCO MUNDIAL, 1976).

Em 1977, o BM trouxe em seu relatório o texto: Pobreza em meio ao crescimento (BANCO MUNDIAL, 1977:14). Nessa reflexão, buscou traçar as estratégias de desenvolvimento dos países pobres frente às variáveis que poderiam dificultar a eficiência de seus projetos. A agricultura ainda era encarada como a chave para melhorar o padrão de vida das pessoas pobres dos países em desenvolvimento, ainda que em alguns países, a melhoria na renda rural também requisitasse mudanças na posse da terra e na estrutura social10. A industrialização e o desenvolvimento urbano eram complementares à agricultura na estratégia do desenvolvimento que leva em conta o rápido crescimento populacional. Para o BM, com o aumento da produtividade rural e

9 A partir de 1980, o BM começou a realizar empréstimos diretos para esse setor. 10 Para McNamara, o rápido progresso da agricultura familiar dos países em desenvolvimento, poderia levar ao crescimento econômico de longo prazo estável ou na redução significativa dos níveis de pobreza absoluta (BANCO MUNDIAL, 1977:17).

Page 14: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

11

da renda urbana nos países em desenvolvimento, ocorreria uma rápida migração para os centros urbanos. Essa situação deveria ser alvo de políticas que absorvessem produtivamente os migrantes. Para isso, segundo o BM, a geração de tecnologia deveria ser encorajada para acelerar a criação de empregos e aumentar a renda urbana, particularmente no setor informal. O crescimento populacional urbano demandaria investimentos sociais e de infraestrutura que deveriam ser realizados para fornecer bens públicos com custos e padrões apropriados para o nível de rendimento do país, a fim de atender toda a população (1977:16-17). Portanto, o novo enfoque conceitual do discurso do BM preservaria os empréstimos para projetos tradicionais, porém, estes seriam redirecionados de acordo com a nova estratégia deliberada pelo BM com foco nos segmentos mais pobres da sociedade dos países em desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 1976).

O papel dos países do mundo industrializado era ativo no processo de desenvolvimento dos países pobres. A gestão das economias avançadas seria fundamental para o crescimento da economia internacional, que experimentava um crescente aumento da interdependência mundial. Segundo o BM (1977:17), os países industrializados tinham um forte interesse moral e econômico na aceleração do desenvolvimento dos países pobres.

O crescimento das exportações dos países em desenvolvimento era visto como fruto da expansão do comércio e da economia mundial. Diante da crescente globalização, o BM entendia que as exportações poderiam ser um fator dinâmico para o crescimento global. Prescrevia, assim, que a chave para os países em desenvolvimento exportadores seria a liberalização do comércio internacional, em função dos acordos políticos de apoio aos preços domésticos e a estabilidade de preços (BANCO MUNDIAL, 1978:15).

Junto ao Relatório Anual de 1978, o BM emitiu um Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial (RDM). Segundo Pereira (2009), aquele expôs duas estratégias de desenvolvimento que foram aplicadas pelo banco: uma “orientada para dentro” – ou a política de industrialização para a substituição de importações e outra “orientada para fora” – que se refere ao aumento das exportações

Enquanto a primeira era vista como sinônimo de fracasso, a segunda despontava como altamente promissora. Esse tipo de crítica já prefigurava uma virada político-intelectual de fundo na agenda do Banco, consubstanciada no ataque neoclássico às estratégias econômicas de estilo nacional-desenvolvimentista (PEREIRA, 2009:156).

Os empréstimos para o ajustamento estrutural foram projetados para ajudar os

países a reduzir seu déficit em conta corrente para proporções mais gerenciáveis no médio prazo, apoiando programas de ajuste que abrangem política específica, industrial e outras mudanças destinadas a reforçar o seu balanço de pagamentos, mantendo seu crescimento e impulso do desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 1980:68). Entretanto, esse programa tinha como objetivo implícito o financiamento dos déficits das balanças de pagamentos dos países importadores de petróleo, o que iniciou um redesenho da estratégia do BM que passou a atuar em políticas econômicas, em vez de financiar projetos (PEREIRA, 2009).

d. Dos projetos de desenvolvimento à política econômica e o ajuste

estrutural (1981-1995)

Page 15: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

12

A ascensão das políticas neoliberais na economia mundial se consolida com a chegada de Thatcher (Reino Unido, 1979), Reagan (EUA, 1981) e Kohl (Alemanha, 1982) ao poder. Nesse contexto político, foram investigadas as tendências socialistas dos empréstimos do BM, numa defesa de que o setor privado seria mais eficiente do que o Estado e as instituições internacionais. Assim, o principal financiador do BM reavaliou as políticas e a adoção de novas diretrizes para a concessão de fundos (PEREIRA, 2009).

O discurso do BM de redução de pobreza não foi mais reproduzido nos moldes de McNamara. A causa da pobreza passa a ser associada às políticas que os Estados conduziam para a substituição de importações e a solução era a redução do tamanho e das atribuições do Estado, juntamente com o “aumento do controle privado sobre a economia” (PEREIRA, 2009:166).

Segundo Friedman (apud CHOMSKY, 2002:4), o melhor a fazer é dar aos governos a tarefa de proteger a propriedade privada e executar contratos, além de limitar a discussão política a questões menores. Os problemas reais da produção e distribuição de recursos e da organização social devem ser resolvidos pelas forças do mercado.

No relatório de 1981, podemos perceber outra resposta para a conjuntura

econômica da época, que prescrevia a abertura e liberalização do comércio como um processo em que a dependência sobre o sistema de mercado para definir preços e alocar recursos era boa para os países em desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 1981). Em 1984, o BM admitia que uma nova percepção sobre o desenvolvimento tomava corpo em suas atividades:

Nas duas décadas anteriores, a instituição respondeu rapidamente às oportunidades que estavam abertas para gerenciar o crescimento. Na década de 1980 e para o futuro próximo, no entanto, o Banco enfrenta a necessidade de gestão da mudança - mudança no ambiente econômico externo, nos mercados financeiros do mundo, e nos produtos operacionais e serviços que oferece aos seus países-membros em desenvolvimento. Ao longo do ano fiscal de 1984, foi realizado um exercício intensivo destinado a servir de base para a discussão entre administração do Banco e a Diretoria Executiva durante o ano fiscal de 1985, onde foi discutido como o Banco poderia responder melhor às mudanças. Espera-se que, como resultado de trocas intensas e detalhadas de pontos de vista, um consenso será realizado sobre a forma como o Banco deve adaptar e reforçar os seus esforços de desenvolvimento nos anos restantes nesta década (BANCO MUNDIAL, 1984:15).

Os ajustes feitos pelo BM nos países em desenvolvimento foram caros e dolorosos

em termos econômicos e sociais, e tiveram o efeito de reduzir o crescimento nesses países (BANCO MUNDIAL, 1984). Em busca de amenizar os problemas, segundo Pereira (2009), o BM implementou um programa que desviasse os efeitos negativos sobre a camada social mais desfavorecida que poderia criar uma onda de insatisfação. Por isso, segundo ele, foram criados os fundos sociais. Junto disso, cresceu a participação de ONGs de diversos setores, inclusive ambiental, nas atividades do banco. A falta de atenção com os impactos ambientais de seus projetos na década de 1980 levou ao crescimento da pressão ambiental sobre a instituição. Após a veiculação de denúncias, a publicação de vários artigos e reportagens sobre problemas ambientais causados pelo BM e também a crescente preocupação científica, política e internacional,

Page 16: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

13

a questão ambiental efetivamente entrou na agenda dos projetos do BM (PEREIRA, 2009).

Nesse movimento, a ONU criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), sob a responsabilidade de realizar pesquisas sobre os efeitos do desenvolvimento econômico no meio ambiente. Em 1987 foi publicado “Our Common Future” ou “Relatório Brundtland”, que tentava conciliar desenvolvimento e preservação do meio ambiente sugerindo, pela primeira vez, a concepção de desenvolvimento sustentável e, certamente, servindo “para legitimar a ideia de que valores ambientais deveriam ser internalizados nas políticas de desenvolvimento” (PEREIRA, 2009:187).

Embalados por esse movimento crescente, o BM aumenta o espaço da temática ambiental no seu discurso, demonstrando – em tom de preocupação – que a degradação ambiental ameaçaria a sustentabilidade do desenvolvimento esperado, especialmente nos países pobres. Nesse sentido, promover o crescimento, reduzir a pobreza e proteger o meio ambiente são elementos que passam a ser considerados nos objetivos de longo prazo do BM (BANCO MUNDIAL, 1987).

No mesmo período também foi abordado no discurso do BM, porém com menor visibilidade, o papel da mulher no desenvolvimento. As mulheres, como um grupo, estavam na condição de extrema pobreza do mundo – sendo que representavam dois terços da força de trabalho mundial. Segundo o BM, especialmente na agricultura, emprego, educação, saúde e planejamento familiar, quatro passos estavam sendo enfatizados: a ação das mulheres nos planos dos países em desenvolvimento; programa de iniciativas em extensão agrícola; maternidade segura; e a seleção de projetos em diversos setores para um "melhor esforço" sobre o papel das mulheres no desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 1987:30).

Entre 1944 e 1987, o discurso do BM sobre o desenvolvimento vai da identificação com a ideia de crescimento econômico para a ampliação de seu escopo com a incorporação de novas preocupações, como meio ambiente e gênero. Em síntese, tal discurso muda ao longo do tempo acompanhando as novas formulações da ideia de desenvolvimento que surgem no pós-guerra.

3. Políticas de empréstimos do Banco Mundial

O objetivo desta parte do trabalho é verificar a coerência da mudança do discurso sobre o desenvolvimento do BM com sua política de empréstimos. O banco iniciou suas operações de crédito em 1946 com a reconstrução dos países da Europa afetados pela guerra sendo estes, inicialmente, o principal destino dos empréstimos concedidos pela instituição. Embora os documentos “World Bank/IMF: 50 Years Is Enough”11, “This Week in World Bank History: September 8 – 14”12 e “The World Bank Group - International Bank for Reconstruction and Development” 13 digam que foram concedidos apenas quatro empréstimos de U$497 milhões para a reconstrução da Europa – entre 1947 e 1952 –, os relatórios financeiros do banco apontam que esse

11 RICH, Bruce. World Bank/IMF: 50 Years Is Enough. In: DANAHER, K. 50 Years is Enough: The Case Against the World Bank and the International Monetary Fund: South End Press, 1994. 12 Documento retirado do site oficial do BM: http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/EXTABOUTUS/EXTARCHIVES/0,,print:Y~isCURL:Y~contentMDK:21670169~pagePK:36726~piPK:437378~theSitePK:29506,00.html. 13 Documento retirado do site: http://www.nationsencyclopedia.com/United-Nations-Related-Agencies/The-World-Bank-Group-INTERNATIONAL-BANK-FOR-RECONSTRUCTION-AND-DEVELOPMENT-IBRD.html#ixzz2MO5oiqzi.

Page 17: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

14

mesmo valor continuou sendo destinado à Europa até o último relatório analisado (1987). A diferença é que no primeiro período estava claro o destino do recurso, mas, a partir de 1971, o valor foi realocado para a rubrica "Non-Projects".

Na década de 1950, o BM começou a entrar efetivamente no campo do desenvolvimento, como era a proposta de sua criação. Enquanto em 1953 a Reconstrução representava 32% dos empréstimos concedidos, em 1958 já representava 13% dos empréstimos do banco (Tabela 1). A partir dessa reorientação do BM, a primeira concepção de desenvolvimento centrava as operações na promoção da infraestrutura dos países atendidos para promover o crescimento econômico. Esses fundos eram destinados a criar as condições para a instalação de setores de base, pois a execução das estratégias do BM se traduziam na industrialização dos países pobres (PEREIRA, 2009; AZZI, BOCK e SILVA, 2007; KRAYCHETE, 2006). Nesse sentido, podemos observar que os setores de energia elétrica, transporte e indústria são os três maiores campos receptores de empréstimos (Tabela 1).

Perfil do Empréstimo/Ano

1947- 195214

1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962

Agricultura e Silvicultura

9% 10% 9% 10% 9% 9% 8% 7% 7% 9% 8%

Desenvolvimento geral15

7% 6% 6% 6% 5% 7% 5% 5% 4% 4% 3%

Energia Elétrica 28% 26% 27% 27% 30% 29% 30% 32% 32% 31% 34%

Indústria 5% 10% 9% 10% 12% 15% 15% 16% 16% 16% 16%

Reconstrução 36% 32% 27% 22% 19% 16% 13% 11% 10% 9% 8%

Telecomunicação 2% 2% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 0% 0% 0%

Transporte 13% 16% 21% 23% 25% 24% 28% 29% 30% 32% 32%

Total 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Tabela 1. Setores de Empréstimo 1953-1962 (BANCO MUNDIAL, 1953-1962)

No mesmo período de análise (1947-1962), podemos identificar para que locais foram destinados os empréstimos do BM (Tabela 2). Os números referentes ao continente europeu caíram pela metade no período – certamente pela redução da proporção da reconstrução diante do montante dos créditos16 do BM –, enquanto a participação da Ásia praticamente triplicou. Sendo esse período marcado pela Guerra Fria, esse fato pode ter ligações com o contexto político, pois, a URSS se localizava na Ásia e poderia deter influência sobre países próximos. Por isso, a intensificação das operações na Ásia pode ser considerada uma expressão política do BM.

Ano África Ásia/Centro-

Oeste Austrália Europa Hemisfério Ocidental Total

1947-1952 9% 9% 7% 51% 24% 100%

1953 8% 12% 10% 47% 23% 100%

1954 11% 12% 11% 42% 24% 100%

14 O BM emitiu somente uma tabela financeira que representa o período de 1947-1952. 15 Por Desenvolvimento Geral, o BM explica que esses empréstimos eram concedidos em situações especiais como por exemplo o programa do governo italiano de desenvolvimento do sul da Itália e vários "créditos de importação" industrial para a Índia e Paquistão (BANCO MUNDIAL, 1971:28). 16 De 1953 a 1962, os fundos emprestados pelo BM aumentaram em 3,48 vezes.

Page 18: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

15

1955 10% 12% 11% 41% 25% 100%

1956 16% 13% 10% 36% 24% 100%

1957 19% 12% 10% 36% 22% 100%

1958 25% 13% 9% 32% 21% 100%

1959 13% 29% 7% 29% 21% 100%

1960 15% 31% 6% 27% 21% 100%

1961 14% 34% 6% 25% 21% 100%

1962 14% 33% 6% 22% 25% 100% Tabela 2. Regiões de Empréstimos de 1953-1962 (BANCO MUNDIAL, 1953-1962)

A partir da gestão de George Woods (1963-1968) ocorreu a primeira diversificação nas operações do BM: foram incluídos setores como educação, abastecimento de água e saneamento básico (Tabela 3). Nesse período, o BM passou a conceder seus recursos majoritariamente aos países mais pobres (BANCO MUNDIAL, 1964; 1968) (Tabela 4).

Conforme as informações extraídas do relatório de 1965, o BM teria aumentado em grande proporção os empréstimos para a agricultura – um setor de potencial produtivo que em muitos países em desenvolvimento era a principal atividade econômica – alegando que a produção de alimentos estava abaixo do que o necessário para o crescimento populacional enfrentado e as necessidades da produção da indústria doméstica (BANCO MUNDIAL, 1965). Isso é válido se considerarmos os valores nominais e absolutos: em 1963, foram concedidos $529 milhões enquanto, em 1968, $1.252 milhões. Porém, a participação relativa de empréstimos para agricultura e silvicultura se manteve, entre 1963 e 1968 (Tabela 3). Nesse período, os empréstimos com esse perfil tiveram apenas um aumento de 2% de participação no total de empréstimos concedidos pelo banco. Essa participação só aumentará em meados da década de 1970, ou seja, o discurso demorou aproximadamente dez anos para ser concretizado. O setor de educação apareceu nesse intervalo, porém, de forma ainda muito tímida, não ultrapassando 1% do total das operações. O mesmo caso para o abastecimento de água e saneamento básico (Tabela 3).

Perfil do Empréstimo/Ano 1963 1964 1965 1966 1967 1968

Abastecimento de Água e Saneamento Básico 0% 1% 1% 1% 1% 1%

Agricultura e Silvicultura 8% 8% 9% 9% 9% 10%

Desenvolvimento Geral 3% 2% 2% 2% 2% 2%

Educação 0% 0,27% 0,23% 1% 1% 1%

Energia Elétrica 33% 32% 32% 31% 31% 30%

Indústria 16% 15% 15% 16% 17% 18%

Reconstrução 7% 6% 5% 5% 4% 4%

Telecomunicação 0% 1% 1% 1% 2% 2%

Transporte 32% 34% 35% 35% 33% 33%

Total 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Tabela 3. Setores de Empréstimo 1963-1968 (BANCO MUNDIAL, 1963-1968)

Ano/Região África Ásia/

Centro-Oeste

Austrália Europa Hemisfério Ocidental

Total

Page 19: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

16

1963 13% 34% 6% 22% 25% 100%

1964 12% 38% 5% 20% 24% 100%

1965 12% 39% 5% 21% 23% 100%

1966 13% 39% 5% 20% 24% 100%

1967 13% 40% 4% 18% 25% 100%

1968 13% 39% 4% 18% 26% 100% Tabela 4. Regiões de Empréstimos de 1963-1968 (BANCO MUNDIAL, 1963-1968)

Entre 1969 e 1981,17 a gestão de McNamara aumentou o leque de setores atendidos pelo BM e definiu a estrutura das operações do BM até o último ano analisado por este trabalho (1987). Os setores incorporados às atividades do BM foram: turismo, assistência técnica, urbanização, non-projects, desenvolvimento de companhias financeiras e população e nutrição (planejamento familiar). O relatório de 1948 já citava que o crescimento populacional era um problema mundial a ser trabalhado, mesmo assim as operações de planejamento familiar se iniciaram somente em 1971, 23 anos depois (Tabela 6).

Nesse mesmo ano, o BM criou os non-projects para operarem em algumas situações de cunho emergencial aptas a receber financiamentos de modo flexível e sem a necessidade de formulação de projetos, a fim de restaurar ou reabilitar o funcionamento da economia do país. Por exemplo, em 1971, foram concedidos fundos ao Paquistão após a destruição de um ciclone e os empréstimos realizados na Europa para reconstrução do pós-guerra foram remanejados para essa conta (BANCO MUNDIAL, 1971). Os empréstimos de ajustamento estrutural – citados na segunda parte deste trabalho – foram operacionalizados sob a forma de non-projects a partir de 1980 (BANCO MUNDIAL, 1980).

As operações de empréstimo para os setores de turismo e população também se iniciaram em 1971, mantendo até 1987 taxas de participação de 0,5% a 1% no total de empréstimos do banco. A assistência técnica – atividade de prestação de assessoria sobre o planejamento e gerenciamento de um plano de desenvolvimento – foi convertida em uma conta própria em 1972 e sua participação no volume de empréstimos não passou de 0,5%. Outro setor que começou a receber fundos do BM nesse período foi a urbanização. Em 1972, os empréstimos para esse setor representavam 0,1% do total emprestado e, num movimento crescente, em 1987, representava 3%. O BM começou a realizar investimentos para o Desenvolvimento de Companhia Financeiras em 1976 numa porção inicial de 9,2% de seu volume total de empréstimos (Tabela 6)

Nesse período (1969-1981), a participação da educação aumentou de 1,6% para 4,2% do total das operações realizadas (Tabela 6). Talvez o reconhecimento da importância do campo da educação para o desenvolvimento tenha se concretizado em alguma medida, já que esse crescimento dos recursos emprestados para o setor acompanhou a redefinição dos projetos selecionados, os quais deveriam ter relação com o desenvolvimento econômico de longo-prazo.

17 De 1969 a 1971, o BM concedeu empréstimos para “contas provisórias”: Corporação Financeira Internacional (CFI) e Preparação de Projetos. Ambos tiveram pouca duração e valores pouco representativos. Em 1977, foi realizado um único empréstimo de Importações de Manutenção para a Ásia, no valor de $1475 milhões. Por isso, não inserimos as informações acima na Tabela 5. A conta Desenvolvimento Geral, desaparece dos relatórios financeiros do BM em 1972. Acreditamos que essa conta passou a figurar como Non-Project, assim, pela semelhança das funções, remanejamos seus valores para esta conta na Tabela 5.

Page 20: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

17

Os setores tradicionais, como a indústria, energia e transporte, passam por uma contínua queda. Esse curso negativo dos setores de base está de acordo com diretrizes redefinidas pelo BM, que não mais enxergava a industrialização dos países pobres como o estágio para o desenvolvimento. Em marcha oposta ao declínio desses setores, estava a agricultura, que passou a ser vista como o caminho mais plausível e viável para os países pobres elevarem suas riquezas e atingirem o desenvolvimento. Em 1969, sua participação nos empréstimos do BM era de 10,2% e, em 1981, passou para 25,4% (Tabela 6).

Ano/Região África Ásia Oceania

Europa, Oriente Médio e Norte da África

América Latina e Caribe

Total

1969 14,3% 38,8% 3,5% 16,8% 26,6% 100,0%

1970 15,4% 39,1% 3,1% 15,8% 26,7% 100,0%

1971 15,7% 38,5% 3,1% 15,5% 27,2% 100,0%

1972 13,9% 38,7% 15,8% 31,7% 100,0%

1973 14,1% 35,3% 20,7% 30,0% 100,0%

1974 14,2% 34,5% 22,5% 28,9% 100,0%

1975 15,1% 35,4% 22,6% 27,7% 100,8%

1976 15,4% 33,9% 23,4% 27,4% 100,0%

1977 14,3% 35,9% 24,9% 24,9% 100,0%

1978 14,0% 37,3% 23,7% 24,9% 100,0%

1979 13,7% 38,0% 23,6% 24,6% 100,0%

1980 13,7% 38,6% 23,3% 24,4% 100,0%

1981 13,8% 38,8% 22,8% 24,6% 100,0%

Tabela 5. Regiões de Empréstimos de 1969-1981 (BANCO MUNDIAL, 1963-1968)

Page 21: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

18

Tabela 6. Setores de Empréstimo 1969-1981 (BANCO MUNDIAL, 1969-1981)

Page 22: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

19

No último intervalo de análise, entre os anos de 1982 e 1987, o BM foi gerido por Tom Clausen. Nesse período, a incursão neoliberal estava se consolidando. As taxas de participação dos setores se mantiveram praticamente constantes. Disso, pode ser inferido que não houveram mudanças nos direcionamentos de seus empréstimos (Tabela 7). Também, nesses anos, o crescimento de capital emprestado pelo BM apresentou as menores taxas, movidas por uma queda contínua (Tabela 8).

Perfil do Empréstimo 1982 1983 1984 1985 1986 1987 Abastecimento de Água 4% 5% 5% 5% 5% 5%

Agricultura e Silvicultura 25% 25% 25% 25% 25% 25%

Assistência Técnica 0,3% 0,3% 0,4% 0,4% 0,5% 0,5%

Des. Cias. Financeiras 8% 8% 8% 8% 8% 8%

Educação 4% 4% 4% 4% 4% 4% Empresas de Pequeno Porte

1% 2% 2% 2% 2% 2%

Energia 19% 19% 20% 20% 20% 20%

Indústria 7% 7% 6% 6% 6% 5%

Non-Project 7% 7% 7% 7% 7% 8%

População e Nutrição 1% 1% 1% 1% 1% 1%

Telecomunicação 2% 2% 2% 2% 2% 2%

Transporte 18% 17% 17% 17% 16% 16%

Turismo 0,4% 0,4% 0,3% 0,3% 0,3% 0,2%

Urbanização 2% 2% 3% 3% 3% 3%

Total 100% 100% 100% 100% 100% 100% Tabela 7. Setores de Empréstimo 1982-1987 (BANCO MUNDIAL, 1982-1987)

Ano Capital Emprestado (em

milhões de dólares) % de crescimento nominal em

relação ao ano anterior

1947-1952 1382

1953 1560 12,9%

1954 1874 20,1%

1955 2274 21,3%

1956 2667 17,3%

1957 3025 13,4%

1958 3729 23,3%

1959 4426 18,7%

1960 5068 14,5% 1961 5678 12,0%

1962 6545 15,3%

1963 6984 6,7%

1964 8534 22,2%

1965 9830 15,2%

1966 10948 11,4%

1967 11996 9,6%

Page 23: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

20

1968 12959 8,0%

1969 14998 15,7%

1970 17065 13,8%

1971 19302 13,1%

1972 19694 2,0%

1973 23151 17,6%

1974 27129 17,2%

1975 32791 20,9%

1976 39551 20,6%

1977 49882 26,1%

1978 58426 17,1%

1979 68404 17,1%

1980 79903 16,8%

1981 92216 15,4%

1982 105098 14,0%

1983 119705 13,9%

1984 135224 13,0%

1985 149624 10,6%

1986 165915 10,9%

1987 183600 10,7% Tabela 8. Taxa de Crescimento do Capital Emprestado, por ano. (BANCO MUNDIAL, 1982-1987)

4. Considerações Finais

Ao longo da evolução da história do pensamento econômico, vimos que a ideia de

desenvolvimento esteve intimamente relacionada a de crescimento econômico e era matéria exclusiva da economia. A partir de sua distinção como campo específico e interdisciplinar, cresceram as preocupações sobre os efeitos do desenvolvimento econômico para a sociedade. O BM, como instituição concebida com o compromisso de ajudar o desenvolvimento dos países, foi um importante agente das políticas que moldaram o plano e as políticas efetivas de desenvolvimento de muitos países no mundo.

Desde sua criação até 1958, o controle do banco esteve nas mãos dos EUA, que detinha 32% de seu capital. Esse fato reflete o tamanho e a influência de seus interesses e, segundo o Relatório de 1947, a grande demanda pelas exportações norte-americanas demonstrava que o resto do mundo ainda não produzia bens e serviços suficientes para comercializar internacionalmente, enquanto os EUA mantinham intactos os seus mecanismos de produção (BANCO MUNDIAL, 1947:8). Além de favorecidos pelo aumento das exportações, o dólar era estabelecido nos contratos como a moeda para as transações comerciais.

O início das operações do banco priorizou a retomada da estabilidade econômica dos países que já possuiam uma infraestrutura de produção avançada – o continente europeu. Na sequência, a guerra fria forçou o BM a oferecer empréstimos de

Page 24: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

21

desenvolvimento para os países subdesenvolvidos. A grande disponibilidade de capital para o continente asiático marca esse fato, o que configura uma tentativa de gerar resultados naquela região – muito próxima à URSS – que inibissem as chances de “contágio” comunista.

A ideia inicial era desenvolver os países por meio da industrialização – reproduzir nos países mais pobres, o processo pelo qual as economias avançadas fizeram para se tornar desenvolvidas. Por isso, setores de base eram os que mais recebiam recursos do BM. Posteriormente, reconhecido o crescimento populacional como o obstáculo para o bom andamento do desenvolvimento dos países pobres, o BM passou a orientar seus recursos para a agricultura. Na verdade, Pereira (2009) demonstra que houve nesse período a “Revolução Verde” e outros eventos que impulsionaram a mudança na direção do discurso e das políticas de operações do BM para o setor agrícola. Entretanto, por mais que o discurso tenha mudado, o aumento da participação relativa do setor no total de empréstimos levou dez anos para se efetivar.

No período seguinte (1963-68), novas compreensões foram incorporadas ao discurso do BM sobre o desenvolvimento. Identificamos, junto à preocupação com a pobreza, conceitos como equidade e justiça social, o que acreditamos ser um primeiro passo no caminho para o descolamento entre os conceitos de crescimento econômico e desenvolvimento. Porém, as formas tradicionais de se pensar o desenvolvimento ainda não haviam sido abandonadas:

Pensar no bem-estar em países de extrema pobreza, pode até prejudicar o crescimento. Os benefícios do crescimento, de alguma forma, beneficiam os pobres. O desafio nesses países é combinar o crescimento com equidade, de modo a reforçar e acelerar os resultados nos dois aspectos (BANCO MUNDIAL, 1977:16).

O espaço da educação nas políticas do BM era pequeno e demonstrava a falta de

prioridade e vínculo com o processo de desenvolvimento. No discurso, a educação já era reconhecida como um importante instrumento para o desenvolvimento desde 1948 (BANCO MUNDIAL, 1948:16), mas os empréstimos para o setor foram concretizados pela primeira vez em 1964, ou seja, demorou 16 anos para o BM aplicar o que já utilizava em sua retórica para o desenvolvimento. Outro setor que foi alvo da retórica do BM foi o planejamento familiar, que recebeu seu primeiro recurso em 1971, depois de 23 anos da primeira afirmação sobre sua importância.

Portanto, para o BM, o desenvolvimento funcionava como uma questão direta de investimento físico e, junto disso, segundo Kapur et al. (apud PEREIRA, 2009), os modelos e conceitos econômicos criados pelo mainstream traziam respostas coerentes com as políticas externas dos EUA.

A partir da gestação das ideias e práticas neoliberais nas décadas de 1970 e 1980, em meio aos problemas dos países mais pobres, sobretudo dívidas externas e crises sociais, o BM criou as operações de ajustamento estrutural que significariam a solução para esses problemas. Carregados pela doutrina que tomava corpo na economia mundial, a justificativa para o baixo desenvolvimento dos países pobres recaiu na ineficiência do Estado em gerir o mercado. Com isso, as ideias de privatização,

Page 25: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

22

liberalização do comércio, abertura para o mercado externo e a primarização da economia, deveriam ser aplicadas pelos países para recebessem recursos do banco. Nesse momento, o BM assumiu um papel muito mais político do que financeiro, pois era o intermediário mais capaz para estimular a aplicação das políticas neoliberais pelo mundo.

No período analisado (1946-1987), o BM teve sete presidentes, todos norte-americanos, sendo cinco deles provenientes de instituições financeiras, um ex-secretário de Defesa e um ex-deputado federal. Isso reflete que os EUA sempre puderam colocar em prática as políticas que casassem com seus interesses hegemônicos e conservadores. Por isso, o fator político sempre esteve por trás das decisões sobre as estratégias de desenvolvimento adotadas pelo BM, ainda que o discurso não o evidenciasse.

Contudo, acreditamos que o BM como agência financiadora do desenvolvimento, criada no pós-guerra, acompanhou a evolução das percepções sobre o desenvolvimento mais no discurso do que na prática de suas operações. A preocupação com o meio ambiente, a educação e o planejamento familiar é um retrato disso. A questão do meio ambiente foi citada em 1973 como um novo ponto de análise para a seleção dos projetos a ser financiados pelo BM, mas só ganhou espaço em sua política de empréstimos quando desastres ambientais decorrentes de suas operações se tornaram públicos na década de 1980.

Consideramos que uma das principais barreiras para se efetivar nas operações do banco os elementos incorporados aos seus discursos – que ampliaram o conceito de desenvolvimento para além das questões puramente econômicas – foi a política externa de seu principal acionista. Os EUA regulavam as ações do BM para atender seus interesses econômicos e políticos. Isto é, a mudança no discurso do BM em seus relatórios anuais foi constatada, ainda que de forma limitada, porém, sua transposição para operações concretas foi ainda mais limitada, o que denota a separação entre a prática e o discurso do BM sobre o desenvolvimento

5. Referências

AZZI, Diego; BOCK, Renato; SILVA, Camilla Crosso. (Orgs.) Banco Mundial em foco: um ensaio sobre a sua atuação na educação brasileira e na América Latina. 2007. Disponível em <http://www.bdae.org.br/dspace/bitstream/123456789/2348/1/banco_mundial_em_foco.pdf>

BANCO MUNDIAL. Annual report. Washington DC: The World Bank, 1946-1987.

BIANCHI, A. M. O atribulado percurso de um relatório de pesquisa: as observações de Albert Hirschman sobre onze projetos do BIRD. Apresentação no seminário semanal EAESP-FGV em 12/05/2010.

CHOMSKY, Noam. O Lucro ou as Pessoas? São Paulo: Bertrand, 2002.

FURTADO, Celso. Formação de capital e desenvolvimento econômico. Revista Brasileira de Economia, v. 6, n. 3, p. 7-45, set. 1952.

Page 26: Relatório de Iniciação Científica - unifal-mg.edu.br · de uma sociedade como a expansão de suas atividades produtivas. A perspectiva ... particularmente da América Latina

23

KRAYCHETE, E. S. Desenvolvimento: razões e limites do discurso do Banco Mundial. Caderno CRH, Salvador, v. 19, n. 48, p. 415-430, Set./Dez. 2006.

PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial como ator político, intelectual e financeiro (1944-2008). 2009. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História da UFF. Universidade Federal Fluminense, Niterói.

________________. Banco Mundial: concepção, criação e primeiros anos (1942-60). VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 28, nº 47, p.391-419, jan/jun 2012.

RACHED, Gabriel. As alterações na política de desenvolvimento do Banco Mundial no contexto das transformações internacionais. OIKOS, Rio de Janeiro, Volume 9, n. 1, 2010.

ROMMINGER, A. E. O grupo Banco Mundial: origem, funcionamento e a influência do desenvolvimento sustentável em suas políticas. Universitas, v. 2, n.1, p. 269-288, jan./jun. 2004.

SEN, A. The Concept of Development. In: CHENRY, H. e SRINIVASAN, T. N. Handbook of Development Economics. Elsevier, 1988.

SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2000.

WCED (UN World Commission on Environment and Development). Our Common Future: Report of the World Commission on Environment and Development. Switzerland. 1987