uma cidade portuária - a horta entre 1880 e 1926: sociedade e

593
Universidade dos Açores UMA CIDADE PORTUÁRIA A HORTA ENTRE 1880-1926 SOCIEDADE E CULTURA COM A POLÍTICA EM FUNDO CARLOS MANUEL GOMES LOBÃO Tese apresentada à Universidade dos Açores para obtenção do Grau de Doutor em História Contemporânea, sob a orientação dos Professores Doutores Carlos Alberto da Costa Cordeiro & Susana Serpa Silva Ponta Delgada 2013

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  • Universidade dos Aores

    UMA CIDADE PORTURIA A HORTA ENTRE 1880-1926

    SOCIEDADE E CULTURA COM A POLTICA EM FUNDO

    CARLOS MANUEL GOMES LOBO

    Tese apresentada Universidade dos Aores para obteno do

    Grau de Doutor em Histria Contempornea, sob a orientao dos

    Professores Doutores Carlos Alberto da Costa Cordeiro & Susana

    Serpa Silva

    Ponta Delgada

    2013

  • A minha mulher

    Ao meu filho

    memria de Ftima Sequeira Dias

  • NDICE Tbua de Siglas e de Abreviaturas..

    Agradecimentos..

    Resumo..

    Abstract..

    .INTRODUO..1

    1.Objeto de estudo. Razes da sua escolha..3

    2. Limites cronolgicos..14

    3. Cidade-porturia..17

    4. Organizao temtica..22

    5. Fontes e Bibliografia e Webgrafia..23

    CAPTULO I

    HORTA CIDADE PORTURIA E CAPITAL DE DISTRITO: CRISES E SINAIS DE

    PROGRESSO (1880-1926)

    1. A Horta no contexto arquipelgico e internacional: geografia e populao..29

    1.1. A cidade da Horta como ponto de confluncia de processos globalizantes..32

    1.2. Populao..41

    1.3. Sade Pblica..44

    1.3.1. A influenza espanhola..48

    2. Urbanismo e insularidade atlntica..52

    2.1. A cidade e urbanismo enquadramento..54

    2.2. Insularidade atlntica..62

    3. A Horta dos Cabos Submarinos..68

    3.2. Um intervalo de tempo a I Guerra Mundial..77

    4. Conjunturas de crise e de progresso..84

    4.1. A luta contra as adversidades (catstrofes naturais) ..86

    4.1.1. O ciclone de 28 de agosto de 1893..87

    4.1.2. Sismos devastadores..89

    4.2. O confronto face aos atrasos estruturais..93

    4.2.1. Das crises de subsistncia emigrao..94

    4.2.1.1. Emigrao..100

    4.2.1.2. Um fenmeno incontornvel: a emigrao clandestina ou a p enxuto..107

    4.2.1.3. Emigrao do concelho da Horta entre 1880 e 1926..112

    4.3. Sinais de progresso: doca, estradas e caminhos, iluminao pblica, gua potvel..117

    4.3.1. Uma grande obra o porto artificial..117

    4.3.2. Estradas e caminhos..126

    4.3.3. Aparece[u] a luz em todo o seu brilho..133

    4.3.4. Abastecimento de gua potvel..135

    5. A Horta: olhares de fora ..138

    Concluso..146

    VII

  • VIII

    CAPTULO II

    O FERVILHAR DA POLTICA LOCAL: DO FIM DA REGENERAO QUEDA DA I

    REPBLICA

    1. Os partidos monrquicos tradicionais: a lenta desagregao e as dissidncias. Os protagonistas

    locais..152

    2. O debate poltico-ideolgico: o surgimento e divulgao de novas correntes republicanismo..1160

    3. 3. Jornais e jornalistas..164

    3.1. Imprensa militante na cidade da Horta..169

    3.1.1. Imprensa Regeneradora..171

    3.1.2. Imprensa Progressista..172

    3.1.3. Imprensa Republicana..173

    3.1.4. Imprensa Regionalista..175

    4. As lutas eleitorais..176

    4.1. As eleies..181

    5. A Horta anti-autonomista?..187

    5.1. A passividade perante o primeiro movimento autonomista e a recusa de adeso ao Decreto de 2 de

    maro de 1895..190

    .A falta de capacidade financeira do distrito da Horta..191

    .As convulses da poltica local..193

    .A inexistncia da comisso autonmica da Horta..193

    .O separatismo..195

    5.2. A rejeio da ideia de autonomia integral no segundo movimento autonomista..197

    5.2.1. organizado o regionalismo n[o distrito d]a Horta..202

    5.3. A visita dos intelectuais: entre a adeso e a crtica..208

    6. Ecos da vida poltica nacional na cidade faialense..214

    6.1. O Ultimato e a ecloso do fervor nacionalista: manifestaes locais..214

    6.1.1.A Horta adere subscrio nacional..216

    6.2. O significado poltico e social da visita Rgia de 1901..220

    6.2.1. Os reis de Portugal nesta ilha..221

    6.3. Gravssimo atentado contra a famlia real: o Regicdio..227

    6.4. A Horta e a proclamao de Repblica: o adesivismo..230

    6.5. Um faialense na Presidncia da Repblica: reaes locais..239

    6.5. A eleio de Manuel de Arriaga, o grande caudilho republicano..240 7. A consagrao do novo poder: a Horta e as atribulaes da I Repblica..243

    7.1. A Horta e administrao distrital entre 1910-1926..246 7.2. A Horta e os atos eleitorais entre 1911 e 1925..249

    .A eleio de 1911..251

    .A eleio de 1915..252

    .A eleio de 1918..253

    .A eleio de 1919..254

  • IX

    .A eleio de 1921..255

    .A eleio de 1922..256

    .A eleio de 1925..256

    8. O golpe de 28 de maio de 1926 e a instaurao da Ditadura Militar..260

    Concluso..263

    CAPTULO III

    INVESTIMENTO NO FUTURO E NO PROGRESSO: A EDUCAO E O ENSINO

    1. O Ensino Primrio..276

    1.1. Escolas pblicas e particulares..282

    1.1.1. Escola pblica..283

    1.1.2. Escolas mveis..287

    1.1.3. Boas iniciativas que no passaram disso..289

    .Escola de Artes e Ofcios e Aula Comercial..289

    .Escola Industrial e Comercial da Horta..291

    1.2. Escolas particulares..293

    1.2.1. Colgios..295

    1.2.2. Escolas de instituies de beneficncia..301

    1.2.3. Escolas, aulas ou explicaes por iniciativa individual de professores..304

    1.2.4. Escolas noturnas e diurnas de associaes locais..305

    1.3. O parque escolar e as suas deficincias..312

    1.4. O absentismo escolar: hipteses de compreenso do fenmeno..319

    1.5. O balano das Conferncias Pedaggicas..331

    2. O Ensino Liceal339

    2.1. A elevao da categoria do Liceu da Horta ..340

    2.2. A tumulturia transferncia do Liceu da Horta..346

    2.2.1. O edifcio do largo do Bispo..347

    2.3. Mobilizao pblica mediante a hiptese de extino do Liceu da Horta..353

    2.3.1. A confirmao de boatos alarmantes..358

    2.4. A evoluo do nmero de alunos matriculados: o incio da presena feminina..361

    3. O professorado do ensino secundrio: recrutamento, formao e categorias profissionais..369

    4.Uma iniciativa efmera: a Escola Distrital de Habilitao ao Magistrio Primrio..374

    Concluso382

    CAPTULO IV

    VIDA SOCIAL: FORMAS DE ASSOCIATIVISMO E ESPAOS MUNDANOS

    1. O associativismo e a sociabilidade reflexos de um esprito de cidadania..387

    2. A questo social e o associativismo beneficente e mutualista..391

    2.1. A proteo aos desvalidos os Asilos de Mendicidade e de Infncia Desvalida..397

    2.1.1. Asilo de Mendicidade da Horta..401

    2.1.2. Asilo de Infncia Desvalida [do Infante D.Lus]..407

  • X

    .A precariedade financeira..410

    2.2. A sociabilidade caritativa e o protagonismo feminino..414

    2.2.1. O exemplo de Cristina Arriaga - um verdadeiro anjo da caridade..416

    2.3. As Caixas Econmicas..420

    3. O associativismo recreativo, cultural e desportivo..426

    3.1. Sociedades e Grmios..429

    3.2. As novas e velhas filarmnicas..433

    3.2.1. O papel da msica na vida social e cultural..442

    3.3. O Teatro Unio Faialense: o simbolismo do monumento e a arte dramtica profissional e

    amadora..446

    3.4. Uma alternativa: o Salo-Teatro den..455

    3.5. Os clubes desportivos: a nova atrao das massas..458

    3.6. Festividades. Os convvios interinsulares e a Fraternidade Aoriana..477

    3.6.1. Festividades religiosas..478

    .As festas do Esprito Santo..479

    .As festas da Igreja Catlica..483

    3.6.2. Festividades profanas: o Carnaval..486

    3.6.3. Festividades cvicas e patriticas..488

    .A celebrao de figuras simblicas ou heris ptrios..488

    .A festa da rvore..491

    3.6.4. Os convvios interinsulares e a Fraternidade Aoriana..493

    Concluso..497

    CONSIDERAES FINAIS..499

    FONTES, BIBLIOGRAFIA e WEBGRAFIA..513

    .Fontes Manuscritas..515

    .Fontes Datilografadas..524

    .Fontes Impressas..524

    .Bibliografia..535

    .Webgrafia..575

    .NDICE DE FIGURAS..579

    .NDICE DE GRFICOS..579

    .NDICE DE GRAVURAS..579

    .NDICE DE MAPAS..579

    NDICE DE QUADROS..579

  • XI

    Tbua de Siglas e de Abreviaturas

    .AA: Arquivo dos Aores.

    .AAC: Angstias Atltico Clube.

    .AAR: Arquivo da Assembleia da Repblica.

    .AAVV: Autores vrios.

    .Ab.: Abril.

    .ACISA: Arquivo da Casa de Infncia de Santo Antnio.

    .ACMSCF: Arquivo da Cmara Municipal de Santa Cruz das Flores.

    .AEBIAJA: Arquivo da Escola Bsica e Integrada Antnio Jos de vila.

    .AESMA: Arquivo da Escola Secundria Manuel de Arriaga.

    .AFGBS: Arquivo da famlia do Dr. Gabriel Batista de Simas.

    .Ago.: Agosto.

    .AMG: Arquivo do Museu da Graciosa.

    .AMH: Arquivo do Museu da Horta.

    .Ang.: Angstias.

    .ANTT: Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

    AOPDH: Arquivo das Obras Pblicas do distrito da Horta.

    .Ap.: Apud.

    .APA: Arquivo da Parquia das Angstias.

    .APF: Arquivo da Parquia dos Flamengos.

    .APINSA: Arquivo Paroquial da Igreja de Nossa Senhora das Angstias.

    .Apres.: Apresentao.

    .Art.: Artigo.

    .ASCH: Arquivo do Sporting Club da Horta.

    .ASFUP: Arquivo da Sociedade Filarmnica Unnime Praiense.

    .ASFUP: Arquivo da Sociedade Filarmnica Unnime Praiense.

    .ASLAF: Arquivo da Sociedade Literria Artista Faialense.

    .BFC: Brithis Footbal Club.

    .BN: Biblioteca Nacional.

    .BPARAH: Biblioteca Pblica e Arquivo Regional de Angra do Herosmo.

    .BPARJJG: Biblioteca Pblica e Arquivo Regional Joo Jos da Graa.

    .BPARPD: Biblioteca Pblica e Arquivo Regional de Ponta Delgada.

    .Cf.: Conferir.

    .CMH: Cmara Municipal da Horta.

    .Coord.: Coordenao.

    .Dez.: Dezembro.

    .Dir.: Direo.

    .DRAC: Direo Regional da Cultura.

  • XII

    .Cap.: Capelo.

    .C.B.: Castelo Branco.

    .Ced.: Cedros.

    .Comp:. Companhia.

    .Con.: Conceio.

    .D.a.: Documentao avulsa.

    .Dir.: Direo.

    .DREPA: Direo Regional de Estudos e Planeamento dos Aores.

    .Ed.: Edio.

    .Emp.: Empresa.

    .EUA: Estados Unidos da Amrica.

    .Et al.: Et alli.

    .Fem.: Feminino.

    .Fet.: Feteira.

    .Fev.: Fevereiro.

    .Fla.: Flamengos.

    .Fnn.: Folha (s) no numerada (s).

    .FSC: Fayal Sport Club.

    .H.: hora (as).

    .Ibid.: Ibidem.

    .Id.: Idem.

    .ICS: Instituto de Cincias Sociais.

    .INIC: Instituto Nacional de Investigao Cientfica.

    .Introd.: Introduo.

    .J cit.: J citado.

    .Jan.: Janeiro.

    .Jul.: Julho.

    .Jun.: Junho.

    .Lda.: Limitada.

    .Liv.: Livro.

    .Km.: quilmetro (s).

    .M.: metro (s).

    .Mai.: Maio.

    .Mar.: Maro.

    .Masc.: Masculino.

    .Mat.: Matriz.

    .Nov. Novembro.

    .Ob. cit.: Obra citada.

    .Org.: Organizao.

    .Out.: Outubro.

  • XIII

    .P. Al.: Praia do Almoxarife.

    .P.M.: Pedro Miguel.

    .P. N.: Praia do Norte.

    .Pnn.: Pgina (s) no numerada (s).

    .Pres.: Presidente.

    .Rib.: Ribeirinha.

    .SAP: Sociedade Amor da Ptria.

    .SCH: Sporting Club da Horta.

    .Sec.: Secretrio.

    .Scs.: Sculos.

    .S. d.: Sem data.

    .S. l.: Sem local.

    .S/R: Sem referncia.

    .SREC: Secretaria Regional da Educao e Cultura.

    .Set.: Setembro.

    .Tes.: Tesoureiro.

    .Trans.: Transcrio.

    .V.: Verso.

    .Vol.: Volume.

  • XIV

    Agradecimentos

    Qualquer trabalho cientfico depende do entendimento e da pertincia do seu autor,

    mas resulta tambm, em muitos casos, e este no exceo, da participao e da

    colaborao de pessoas e de instituies que no s merecem o devido reconhecimento,

    como tambm a devida referncia.

    Por isso, num elementar dever de assumida gratido, registamos, com elevado

    apreo, o nosso agradecimento:

    Ao Dr. Lus Menezes, coordenador da Direo Regional da Cultura na ilha do Faial,

    pelas facilidades concedidas no acesso aos Arquivos do Governo Civil do distrito da Horta

    e do Museu da Horta.

    Aos funcionrios e ao diretor da Biblioteca Pblica e Arquivo Regional Joo Jos da

    Graa, Dr. Lus San-Bento, pela maneira sempre diligente, carinhosa e disponvel com que

    nos facultaram o acesso aos documentos, tornando assim toda a investigao mais

    agradvel.

    Ao Dr. Francisco Pereira, Dra. Ana Rodrigues e os tcnicos Norberto Vargas,

    Carlos vila e Nelson Oliveira, pela ajuda informtica que nos permitiu minimizar as

    armadilhas do computador.

    Aos que nos ajudaram nas diferentes fases deste trabalho, atravs de pesquisas e

    informaes, da cedncia de documentao variada (incluindo iconografia), de trabalhos e

    de textos inditos, com sugestes e conselhos: Professor Doutor Ricardo Madruga da

    Costa, Professor Doutor Jos Miguel Sardica, Professor Doutor Henrique Melo Barreiros,

    Professora Doutora Irene Vaquinhas, Professora Doutora Ana Paula Silva, Professora

    Doutora Magda Carvalho, Mestre Joana Gaspar de Freitas, Mestre Jos Carlos Morais da

    Cruz, Mestre Srgio Rezendes, Mestre Jorge Cunha, Mestre Lus Filipe Vieira, Mestre

    Leandro vila, Eng. Norberto Oliveira, Eng. Pedro Garcia, Eng. ngelo Andrade, Arq.

    Martins Naia, Monsenhor Antnio Saldanha, Monsenhor Jlio da Rosa, Dr. Urbano

    Bettencourt, Dr. Jorge Costa Pereira, Dr. Fernando Faria Ribeiro, Dra. Ildia Fialho

    Quadrado, Dr. Victor Rui Dores, Dra. Marlia Rodrigues, Dra. Maria Jos Morais, Dra.

    Luna Benars, Dr. Lus Sousa, Dr. Serafim Cunha, Padre Raimundo Bulco, Padre Lus

    Dutra, Antnio Bulco, Tiago Silva, Manuel Jos Lemos, Filipe Garcia, Fernando Silveira,

    Maria da Luz Correia, Manuela e Mrio Dias, Foto Jovial, Fundao Luso-Americana para

    o Desenvolvimento, Portos dos Aores e Junta Autnoma do Porto de Aveiro.

  • XV

    Agradecimentos

    Qualquer trabalho cientfico depende do entendimento e da pertincia do seu autor,

    mas resulta tambm, em muitos casos, e este no exceo, da participao e da

    colaborao de pessoas e de instituies que no s merecem o devido reconhecimento,

    como tambm a devida referncia.

    Por isso, num elementar dever de assumida gratido, registamos, com elevado

    apreo, o nosso agradecimento:

    Ao Dr. Lus Menezes, coordenador da Direo Regional da Cultura na ilha do Faial,

    pelas facilidades concedidas no acesso aos Arquivos do Governo Civil do distrito da Horta

    e do Museu da Horta.

    Aos funcionrios e ao diretor da Biblioteca Pblica e Arquivo Regional Joo Jos da

    Graa, Dr. Lus San-Bento, pela maneira sempre diligente, carinhosa e disponvel com que

    nos facultaram o acesso aos documentos, tornando assim toda a investigao mais

    agradvel.

    Ao Dr. Francisco Pereira, Dra. Ana Rodrigues e os tcnicos Norberto Vargas,

    Carlos vila e Nelson Oliveira, pela ajuda informtica que nos permitiu minimizar as

    armadilhas do computador.

    Aos que nos ajudaram nas diferentes fases deste trabalho, atravs de pesquisas e

    informaes, da cedncia de documentao variada (incluindo iconografia), de trabalhos e

    de textos inditos, com sugestes e conselhos: Professor Doutor Ricardo Madruga da

    Costa, Professor Doutor Jos Miguel Sardica, Professor Doutor Henrique Melo Barreiros,

    Professora Doutora Irene Vaquinhas, Professora Doutora Ana Paula Silva, Professora

    Doutora Magda Carvalho, Mestre Joana Gaspar de Freitas, Mestre Jos Carlos Morais da

    Cruz, Mestre Srgio Rezendes, Mestre Jorge Cunha, Mestre Lus Filipe Vieira, Mestre

    Leandro vila, Eng. Norberto Oliveira, Eng. Pedro Garcia, Eng. ngelo Andrade, Arq.

    Martins Naia, Monsenhor Antnio Saldanha, Monsenhor Jlio da Rosa, Dr. Urbano

    Bettencourt, Dr. Jorge Costa Pereira, Dr. Fernando Faria Ribeiro, Dra. Ildia Fialho

    Quadrado, Dr. Victor Rui Dores, Dra. Marlia Rodrigues, Dra. Maria Jos Morais, Dra.

    Luna Benars, Dr. Lus Sousa, Dr. Serafim Cunha, Padre Raimundo Bulco, Padre Lus

    Dutra, Antnio Bulco, Tiago Silva, Manuel Jos Lemos, Filipe Garcia, Fernando Silveira,

    Maria da Luz Correia, Manuela e Mrio Dias, Foto Jovial, Fundao Luso-Americana para

    o Desenvolvimento, Portos dos Aores e Junta Autnoma do Porto de Aveiro.

  • XVI

    Ao Dr. Eugnio Leal, presidente do Conselho Executivo da Escola Secundria

    Manuel de Arriaga, pelas facilidades de horrio concedidas no ano letivo de 2012-2013.

    Dra. Eduarda Torres, pela resoluo e esclarecimento dos problemas

    burocrticos.

    Professora Doutora Susana Serpa Silva, a quem apresentamos a nossa

    admirao e simpatia pela sua disponibilidade em ter aceite ser nossa co-orientadora

    cientfica, contribuindo com as suas pertinentes sugestes e crticas.

    Ao Prof. Doutor Carlos Cordeiro, pela sua imediata anuncia em ter aceitado ser

    nosso orientador cientfico e por ter criado as condies necessrias ao desenvolvimento

    da investigao, contribuindo para a sua melhoria com as suas sugestes e com a

    experincia conjunta de reflexo crtica, ao longo das fases do trabalho. A sua

    orientao esclarecida, atenta, sabedora, criteriosa e disponvel constituiu para ns uma

    experincia significativa e enriquecedora

    Em suma, agradecemos aos dois uma orientao que em muito contribuiu para

    nos fazer crescer, com o que com ambos descobrimos e aprendemos. Apesar de uma

    orientao esclarecedora, as omisses e as incorrees ainda existentes so da nossa

    responsabilidade.

    Por ltimo, mas no menos importante, minha famlia, com quem sempre

    partilhmos esta investigao.

    Bem hajam pela ajuda!

  • XVII

    Resumo

    Os Aores, graas sua localizao, desempenharam um papel fulcral na

    histria do Atlntico. Seria neste contexto que a cidade da Horta se tornou, merc do

    seu abrigado ancoradouro e de ser geralmente a primeira terra a que tanto navios como

    tripulaes arribavam depois de uma viagem por mar, num dos principais portos de

    articulao das comunicaes martimas que ligavam entre si as ilhas dos Aores e os

    dois lados do Atlntico. Por outro lado, na sequncia da atividade comercial e da

    curiosidade pelas ilhas, ganharia um ar cosmopolita, que chegou at ao presente. Dito de

    outra maneira, a situao geogrfica e a excelncia da sua baa em contacto com os

    ventos da histria universalizaram o Faial, porque foi a partir da baa / porto,

    transformada (o), pela sua importncia, no pulmo e no estmago da ilha e das suas

    gentes, que se teceria de forma prioritria a Histria do Faial, se afirmaria o seu feitio

    hospitaleiro e a feio cosmopolita da sua cidade. No quadro deste estudo trazer a

    cidade da Horta a debate destacar o seu contributo para a histria do Atlntico, como

    espao cultural, econmico, social, poltico e cientfico.

    Palavras-chave: Horta; cidade-porturia; poltica; associativismo; cultura.

    Abstract

    The Azores played a central role in the History of the Atlantic, due to its

    geographical location. Since the city of Horta was like a sheltered harbor, so it was a

    mandatory stop for the many passing ships, used as a rest place for the ships crews before

    bearing off and continuing its voyages. Hortas harbor was considered the main link of

    maritime communications between all the islands of the Azores on both sides of the

    Atlantic Ocean. Moreover, due to the existing commercial activity and the increase of

    curiosity of the other islands, Horta earned the status of a cosmopolitan city with a

    cosmopolitan atmosphere, which still exists today. In other words, its geographical

    location, its excellent bay, linked to the winds of history universalized this island.

    Because of the transformed harbor / port, its great importance revealed from the lungs and

    heart of its people, the history of Faial would weave itself in such a priority form that made

    possible to confirm the hospitable temperament and the cosmopolitan affection of the city

    of Horta. The fact of bringing the city of Horta into debate in this study highlights its

    contribution to the history of the Atlantic, as a cultural, economical, social, political and

    scientific venue.

    Key-words: Horta; seaport city; politics; associativism; culture.

    Ao Dr. Eugnio Leal, presidente do Conselho Executivo da Escola Secundria

    Manuel de Arriaga, pelas facilidades de horrio concedidas no ano letivo de 2012-2013.

    Dra. Eduarda Torres, pela resoluo e esclarecimento dos problemas

    burocrticos.

    Professora Doutora Susana Serpa Silva, a quem apresentamos a nossa

    admirao e simpatia pela sua disponibilidade em ter aceite ser nossa co-orientadora

    cientfica, contribuindo com as suas pertinentes sugestes e crticas.

    Ao Prof. Doutor Carlos Cordeiro, pela sua imediata anuncia em ter aceitado ser

    nosso orientador cientfico e por ter criado as condies necessrias ao desenvolvimento

    da investigao, contribuindo para a sua melhoria com as suas sugestes e com a

    experincia conjunta de reflexo crtica, ao longo das fases do trabalho. A sua

    orientao esclarecida, atenta, sabedora, criteriosa e disponvel constituiu para ns uma

    experincia significativa e enriquecedora

    Em suma, agradecemos aos dois uma orientao que em muito contribuiu para

    nos fazer crescer, com o que com ambos descobrimos e aprendemos. Apesar de uma

    orientao esclarecedora, as omisses e as incorrees ainda existentes so da nossa

    responsabilidade.

    Por ltimo, mas no menos importante, minha famlia, com quem sempre

    partilhmos esta investigao.

    Bem hajam pela ajuda!

  • 1

    Introduo

    O que se diz, o que se pensa e o que se faz na Horta, no se diz, no se pensa nem se faz em parte alguma do mundo, Joo Jos da Graa1.

    Uma gerao passa, outra lhe sucede: mas a terra subsiste2, Livro do Eclesiastes.

    Um continente uma coisa muito grande e incerta para mim. A ilha mais curta. Sai melhor das guas. De longe parece um po. Ao perto o que : uma rocha com casas; gente dentro. [...]. Pode-se morrer descansado numa ilha. A cova nem por isso mais curta3, Vitorino Nemsio.

    1 O Telgrafo, 1934, abril 26 (10 445), p.1. 2 Livro do Eclesiastes, in Bblia Sagrada, 9. ed., Lisboa, Difusora Bblica, 1981, p.846. 3 Vitorino Nemsio, Corsrio das Ilhas, Amadora, Livraria Bertrand, 1983, p.90.

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  • 3

    1. Objeto de estudo. Razes da sua escolha

    Eric Hobsbawn considera que a desvalorizao do passado constituiu um dos

    fenmenos mais caratersticos e lgubres do final do sculo XX, por se ter instalado o que

    apelida de presente contnuo, pela simples razo de que os jovens crescem sem qualquer

    espcie de relao com o passado da poca em que vivem4.

    Para os humanistas que tendem a ser, cada vez mais, em menor nmero o

    estudo do passado assume enorme relevncia, dado que, tal como a pessoa que no conhe-

    ce a sua identidade, as sociedades hodiernas, que desconhecem o seu passado, tornam-se

    grupos de indivduos desenquadrados e desenraizados que ignoram as suas origens e os

    antecedentes do seu tempo e que, por isso, no dispem dos elementos necessrios perce-

    o da prpria atualidade e das suas circunstncias. Assim, urge voltar a recuperar o lugar

    da Histria e, em particular, da Histria Local.

    Se a Histria visa estudar o Homem no tempo5 e no espao isto quer dizer que a

    sua vida inevitavelmente se desenrola em pequenos espaos famlia e comunidade que

    se convertem na base da sua vida social. Em nosso entender estes dois espaos so conco-

    mitantemente resultado e fautores do Mundo6.

    Deste modo, ao defini-la como o estudo (a cincia) do homem no tempo e no

    espao deu-se um passo decisivo para a expanso dos domnios historiogrficos7. Neste

    mbito, assume particular relevo a Histria Local, que cada vez mais se encontra na ordem

    do dia, por ter passado a constituir uma das novas possibilidades de investigao e inter-

    pretao histricas: Ao focalizar o peculiar, redimensionaria a anlise do nacional, que ressalta as identidades e

    semelhanas, enquanto o conhecimento [] do local insistira na diferena e diversidade, foca-lizando o indivduo no seu meio sociocultural, poltico e geoambiental, na interao com os

    4 Eric Hobsbawn, A Era dos Extremos. Histria Breve do Sculo XX-1914-1991, Lisboa, Editorial Presena, 1996, p.15. 5 Veja-se Marc Bloch, Introduo Histria, 2. ed., Mem-Martins, Publicaes Europa-Amrica, 1974. 6 Cf. Francisco Ribeiro da Siva, Histria Local: objetivos, mtodos e fontes, in http.//ler.letras.up. pt/uploads/ficheiros/3226.pdf (consultado em 23-09-2009). Sobre o assunto, veja-se Lus Carlos Borges da Silva, A Importncia do estudo da Histria Regional e Local no Ensino Fundamental, in http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuhIII/luiscarlos.pdf (consultado em 23-09-2009); Jos Amado Men-des, Histria local e memrias: do Estado-nao poca da globalizao, in https://estudogeral.sib.uc. pt/bitstream/10316/12801/1/Jos%20M.Amado%20Mendes% 2034.pdf (consultado em 20-11-2009); Lus Reis Torgal, Histria que histria? Algumas reflexes introdutrias temtica da histria local e regio-nal, Revista de Histria das Ideias, Coimbra, Instituto de Histria e Teoria das Ideias/ Universidade de Coimbra, vol. 11, 1989, pp.843-867; Jorge Borges de Macedo, Unidade de Poder e diversidade de Situao nas reas regionais em Portugal consequncias metodolgicas, in lvaro Matos & Raul Rasga [coord.], Primeiras Jornadas de Histria Regional e Local, Lisboa, Edies Colibri, 1993, pp.11-33. 7 Jos d Assuno Barros, Histria, Espao e Tempo: interaces necessrias, Varia Histria, vol. 22, Belo Horizonte, 2006, jul/dez (36), pp.460-476 [462].

  • 4

    grupos sociais e todas as extenses, alcanando vencidos e vencedores, dominados, conectando o individual com o social8.

    Em suma, a Histria Local pode contribuir para enriquecer e at corrigir a histria

    nacional, alm de se tornar num poderoso suporte da identidade (amor terra, o espao

    vivido e no um espao imaginrio ou simblico 9). De antdoto face aos efeitos nefas-

    tos da globalizao.

    Tomando em ateno a ilha do Faial (Aores) e o espao da cidade da Horta, que

    funcionou como ponto de partida para as pginas que se apresentam, a opo resulta do

    fraco desenvolvimento historiogrfico verificado na matria um panorama desolador.

    Esta situao levaria Maria Olmpia da Rocha Gil, em 1979, a reconhecer a indispensabili-

    dade do desenvolvimento da investigao histrica aoriana em duas linhas dissemelhantes

    e convergentes: Em primeiro aquela que nos leva a considerar que a histria do arquipla-

    go se integra no longo processo da histria do atlntico. Em segundo lugar, a que se orienta

    para o estudo da evoluo histrica local tendo em conta as caratersticas que lhe so pr-

    prias10.

    Por isso, apesar das falhas e dos silncios que esta dissertao possa evidenciar,

    resultantes tanto do prprio autor como da documentao consultada, ela representa um

    esforo no sentido de oferecer um contributo para a Histria Local e tambm para a Hist-

    ria do arquiplago aoriano, enquanto parte integrante do Atlntico. Ainda assim apresen-

    ta-se como uma obra inacabada e lacunar que no tem a pretenso de ser nem definitiva

    nem perfeita, pela simples razo de que a Histria campo infindvel 11. Percorremos um

    caminho imbudos da ideia de que tnhamos algo de novo a dizer. Todavia, temos que

    admitir que este novo no esquece a sua provisoriedade, porque como refere Mattoso num

    futuro mais ou menos prximo ficar velho, tal como toda a Histria. Bastar que seja til

    para o nosso tempo [], porque para ser usado. At haver outro que o substitua12.

    8 Erivaldo Fagundes Neves, Histria Regional e Local no Brasil: fontes e mtodos da pesquisa histrica regional e local, Salvador, UEFS/Ed. Arcdia, 2002, p.89. 9 Durval Muniz de Albuquerque Jnior, Receita Regionais: a noo de regio como um ingrediente da histo-riografia brasileira ou o regionalismo como modo preparo historiogrfico, in http://encontro2008.rj.anpuh. org/resources/contente/anais/durval.pdf (consultado em 11-12-2008). 10 Maria Olmpia da Rocha Gil, O Arquiplago dos Aores no Sculo XVII: Aspetos Socioeconmicos (1575-1675), Castelo Branco, Edio do Autor, 1979, p.5. Veja-se Avelino de Freitas de Meneses, As Ilhas, os Arquivos e a Histria o caso dos Aores, Revista Arquiplago. Histria, 2. Srie, vol. 5, Ponta Delgada, Universidade dos Aores 2001, pp.723-732 [723-724]. 11 Lus Reis Torgal & Jos Amado Mendes & Fernando Catroga [coord.], Histria da Histria em Portugal. Scs. XIX-XX, Lisboa, Crculo de Leitores, 1996, pp.672-673 [672]. 12 Jos Mattoso [dir.], Histria de Portugal, vol. I, Lisboa, Crculo de Leitores, 1992, p.17.

  • 5

    Apesar deste reconhecimento, esta dissertao aspira, por um lado, ao conheci-

    mento de um mundo diferente bafejado pela ideia de que valeu a pena passar alguns anos a

    procurar pontas para ajudar a construir algo de novo: indagar as origens; procurar a

    identidade; fundamentar a diferena; aceitar o Outro face ao Mesmo; conservar o

    Patrimnio cultural13. Seguimos o caminho trilhado por Silveira de Macedo que, em 1871,

    escrevia a respeito da sua Histria das Quatro Ilhas que Formam o distrito da Horta: Reconhecendo o direito que a ptria tem a exigir de seus filhos todos os servios compat-veis com as suas foras e desejando de alguma sorte satisfazer este imperioso dever, empreendi h vrios anos organizar a histria das ilhas que formam o distrito da Horta de que a minha ptria a capital, a fim de remediar a extrema falta, de que nela neste ponto se ressente14.

    Por outro lado, pretende-se tambm que possa constituir um ponto de partida para

    novas perspetivas e interpretaes que permitam formular ideias que ainda no foram

    pensadas15.

    Sentimos esta dissertao como uma aventura necessria. Temos plena cons-

    cincia de que s poderemos conhecer verdadeiramente a histria tentando fazer a sua

    histria16. Por isso, esta nossa procura do passado faialense no foi uma tarefa que percor-

    remos ss. Acompanhou-nos o presente. Foram as preocupaes do presente que nos leva-

    ram a interrogar o seu passado, devido ao desconhecimento que dele se tem, mas tambm a

    riqueza da documentao, dos vestgios que nos disponibilizou. Nesta linha de discurso,

    Antnio de Oliveira no deixa de salientar que o homem separado do passado no tem pre-

    sente, nem futuro, esse projeto do presente17. Isto , assegurar o futuro, combatendo o pre-

    sente contnuo atrs referido, implica assumir, ter a conscincia de que as coisas do Mun-

    do se resolvem em trs momentos: no passado, no presente e no vindouro.

    13 Antnio Oliveira, Problemtica da Histria Local, in O Faial e a Periferia Aoriana nos Sculos XV a XX, Horta, Ncleo Cultural da Horta,1995, pp.11-29. 14 Antnio Loureno da Silveira Macedo, Histria das Quatro Ilhas Que Formam o Distrito da Horta, I vol., edio fac-similada da edio de 1871, Angra do Herosmo, Secretaria Regional da Educao e Cultura, 1981, pnn. Antnio Loureno da Silveira Macedo (Horta, 1818; Idem, 1891). Comissrio dos Estudos, pro-fessor e reitor do Liceu da Horta (1871, 1879 e 1890-1891). Fez parte do primeiro corpo docente do Liceu da Horta, regendo as seguintes cadeiras: Aritmtica, Geometria e lgebra e Filosofia Racional e Moral e Princ-pios do Direito Natural. Da sua atividade literria, pedaggica e historiogrfica destacamos as seguintes obras: Elementos de Aritmtica, 1871; Histria das Quatro Ilhas que Formam o Distrito da Horta,1871; Noes Sumrias de Geografia e Corografia de Portugal para as escolas primrias, 1871; Noes de Hist-ria Geral e especialmente do Reino de Portugal para as escolas primrias, 1877. Em 1884 foi nomeado presidente da Comisso para elaborao dos Anais do Municpio da Horta. Por Em 1883, foi agraciado com a Comenda da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em 1897, por determinao da Cmara da Horta, a antiga rua de Santo Elias passou a denominar-se rua do Comendador Macedo. 15 Antnio Nvoa, Prefcio, in Jorge Ramos do , O Governo de si mesmo modernidade pedaggica e encenaes disciplinares do aluno liceal (ltimo quartel do sculo XIX meados do sculo XX), Lisboa, Educa, 2002, pp.XIX-XXIV. 16 Lus Reis Torgal & Jos Amado Mendes & Fernando Catroga [coord.], Histria da [], j cit., p.14. 17 Cf. Antnio Oliveira, Problemtica da [], j cit., in O Faial e [], p.29.

  • 6

    O tempo em estudo, no deixa de coincidir com um perodo da Histria que tem

    vrias analogias com o nosso tempo e ficou conhecido por Belle poque, circunscrito nos

    limites cronolgicos, evidentemente imprecisos, entre 1871 e o eclodir da I Guerra Mun-

    dial (1914-1918).

    Perodo marcado pela consagrao dos mitos do progresso cientfico e tecnolgi-

    co, em que se acreditava como capazes de dar resposta a todos os problemas humanos. Em

    simultneo, por uma vida mundana marcada pela frivolidade e cosmopolitismo. Disfruta-

    vam os mundos europeu e americano desta mundividncia quando a I Guerra Mundial sur-

    giu. Iniciava-se o sculo XX o to debatido pequeno sculo XX, nos seus limites crono-

    lgicos fludos de acordo com as perspetivas de anlise.

    A afirmao e o despontar dos Estados Unidos, em que o prestgio de Nova Iorque

    se viria a impor ao anterior e incontestado prestgio de Londres, de Paris e de Viena, reve-

    la-se num tempo que no deixa de ser marcado, por um lado, pelas fragilidades da demo-

    cracia liberal e pela ascenso dos autoritarismos e, por outro, pela prosperidade (frgil) dos

    anos 20 e que termina com a crise de 1929. neste contexto que se afirma outro aspeto

    caracterstico do ps-guerra americano: os roaring twenties18 (os loucos anos vinte) em

    que o movimento e a mquina, a nsia, a pressa de viver e esquecer e o jazz-band se afir-

    mam com smbolos de uma nova era (o tempo dos excessos19).

    No seu reduzido espao insular, a Horta, dentro da sua pequenez, pobreza e

    modstia, descobre de sbito que est alinhada com a civilizao, ao viver e sentir o desa-

    brochar dessa modernidade, mesmo que de forma diluda e mitigada, o que naturalmente

    no deixaria de arrastar consigo alteraes de costumes e mentalidades entre a populao

    faialense. Ao lado de formas tradicionais de cultura popular (o profano e o sagrado geral-

    mente envolvidos ao domingo) surgem alguns fenmenos que evidenciam os primeiros

    traos da cultura de massas: o gosto pelo futebol e pelo cinema20.

    Este tempo no deixou de constituir para a cidade do canal uma poca a vrios

    nveis pioneira atravs de um conjunto de iniciativas e empreendimentos que no s mar-

    cariam a vida faialense como distrital, aoriana, nacional e internacional. Se a Horta nunca

    conheceu o caminho-de-ferro (exceo feita pequena linha frrea construda e utilizada

    18 Georges Dupeux, Guerra e Crises (1914-1947), in Pierre Lon [dir.], Histria Econmica e Social do Mundo, vol. V, Tomo I, Lisboa S da Costa Editora, 1982, p.178. 19 Joaquim Vieira, Portugal Sculo XX. Crnica em Imagens (1920-1930), Lisboa Crculo de Leitores, 1999, p.23. 20 Cf. Nuno Severiano Teixeira, Da belle poque era do jazz-band, in Antnio Reis, Portugal Contempo-rneo, vol. II, Lisboa, Publicaes Alfa, 1990, pp.313-328 [313].

  • 7

    para a construo da doca) um mito do progresso , conheceu outros mitos desse mesmo

    progresso: as comunicaes telegrficas por cabo submarino e as experincias de navega-

    o area.

    Cidade pequena que nunca ultrapassou, no tempo em estudo, os 7 700 habitantes,

    no entanto orgulhosa de ser a mais alfabetizada do Pas (embora com nveis de analfabe-

    tismo altos), no deixaria de acompanhar essa modernidade que lhe entrava pela porta den-

    tro diariamente atravs do telgrafo, graas ao facto de se ter transformado no centro

    nevrlgico das comunicaes por cabo submarino. Neste particular, necessrio que se

    reafirme que esta importncia estratgica da Horta resultou de um evento histrico e polti-

    co exterior, e que muitas vezes escapa avaliao dos seus habitantes. Deste modo, a

    grandeza daquele que em muito ultrapassa a realidade insular fez com que os Aores no

    fossem sujeitos del[e], mas antes objeto usado por outros21.

    Dentro desta linha de discurso, era vulgar, na Horta, ouvir falar ingls, francs e

    alemo pelas ruas, situao resultante da estrangeiridade que passava por ela como pela

    presena contnua de ingleses, irlandeses, americanos, canadianos, escoceses e alemes que

    trabalhavam nas diferentes companhias de cabo (uma espcie de cidade estrangeira den-

    tro da cidade). Esta presena reforava o contacto dos faialenses com a diversidade cultural

    que forma o globo. Acabou mesmo por conferir Horta um certo modo cosmopolita22,

    que aliava uma nota de matizes europeias e americanas com um viver semi-rural23, como o

    testemunharam, entre outros, os americanos Alice Baker (1882)24 e Lyman H. Weeks

    (1882)25, o italiano Enrico DAlbertis (1886) e o terceirense Vitorino Nemsio (1918). O

    oficial italiano chegou mesmo a escrever a este propsito que a Horta se pod[ia] conside-

    rar uma pequena cidade europeia ou norte-americana, viva, e alegre26.

    Ao mesmo tempo, acentua-se a maneira hospitaleira, cordial e o trato delicado e

    atencioso com que os faialenses sempre souberam receber quem os visitava, atitude con-

    21 Jos Medeiros Ferreira, Os Aores na Poltica Internacional, Lisboa, Tinta-da-China, 2011, p.10. Ainda sobre o assunto, adianta: A importncia internacional dos Aores foi-lhe sempre atribuda pelo jogo das potncias, pela configurao das estradas comerciais e areas, pelo desenvolvimento tcnico das artes da navegao, pelas invenes tecnolgicas, em suma, pelo contexto da poltica internacional. 22 Marcelino Lima, Anais do Municpio da Horta. Histria da Ilha do Faial, Famalico, Grandes Oficinas Grfica Minerva, 1943, p.451. Reeditado em edies fac-similadas em 1976 e 2005. 23 Cf. Vitorino Nemsio, Corsrio [...], j cit., p.54. 24 Cf. Alice Baker, Um Vero nos Aores e a Madeira de relance, Boletim do Instituto Histrico da Ilha Terceira, vols. 16 & 17, Angra do Herosmo, 1958-1960, pp.142-181 [149-156] e 107-151. 25 Veja-se Joo Emanuel Cabral Leite, Estrangeiros nos Aores no sculo XIX. Antologia, Ponta Delgada, Signo, 1991, pp.115-116. 26 Id., pp.117-118.

  • 8

    siderada por Ricardo Madruga da Costa como um patrimnio da gente aoriana27. Situa-

    o corroborada pelo navegador solitrio Joshua Slocum, quando releva a sua estadia na

    Horta em 1895: Era a poca da fruta quando cheguei aos Aores e, em breve, havia mais quantidade dela a

    bordo do que eu sabia o que fazer com ela. As pessoas destas ilhas so as mais simpticas do Mundo e eu no encontrei ningum mais amvel do que os bons coraes deste lugar. Fiquei quatro dias no Faial, mais dois do que tinha planeado. Foi a simpatia dos ilhus e a sua como-vente simplicidade que me retiveram28.

    Tambm Marcelino Lima destaca a capacidade do faialense em se adaptar s

    ideias, aos costumes e s pessoas vindas de fora o que explica essa maneira que faz com

    que os estranhos se sintam bem logo de entrada29.

    Naturalmente que um marinheiro ou um viajante, depois de dias e dias sem qual-

    quer contacto com terra e sofrendo as intempries do oceano, ficaria fascinado com a not-

    cia de terra vista, o tal ponto minsculo que emergia desta grande toalha lquida e

    no deixaria de experimentar um dos grandes momentos da sua vida30. A Horta, merc

    do seu abrigado ancoradouro, era geralmente a primeira terra a que tanto navios, como

    tripulaes, arribavam depois de uma viagem por mar, nas ligaes entre o novo e o velho

    mundo e vice-versa. Graas a essa heterogeneidades de gentes, a Horta tornou-se tam-

    bm no cenrio para o encontro de viajantes, de movimentaes de um lado para o outro e

    de experincias so os homens da cincia (naturalistas) procura de novas descobertas e

    espcies; os jornalistas de reportagens; os doentes em busca de cura; os visitantes da fam-

    lia Dabney31; os turistas de paisagens exticas; os aventureiros, marinheiros e baleeiros,

    enfim, gente que acabaria por se prender ao Faial e aos Aores, no s pela beleza e pelo

    pitoresco das suas paisagens como pela maneira de ser dos seus habitantes, o que estaria na

    origem do que Ftima Sequeira Dias chama a redescoberta das ilhas: a construo de um

    27 Ricardo Madruga da Costa, Western Islands. Um contributo para o estudo do turismo nos Aores, Horta, Secretaria Regional do Turismo e Ambiente, 1989, p.26-27. Veja-se Marcelino Lima, op.cit., pp.447-451. 28 Joshua Slocum, Sailing Alone Around the World, Nova Iorque, Blue Ribbon Books, 1899-1900, pp.31-37. Depois de ter estado na ilha do Faial entre 20 de novembro de 1852 e 15 de abril de 1853, Jonh Pierpont Morgan voltaria novamente em 1906 ao Faial. A maneira como foi tratado levou a que afirmasse: Foram todos to bons para mim, Ap. Joseph C. Abdo, No Limiar da Histria, Lisboa, Tenht Island Editions, 2006, p.289. Sobre o assunto, veja-se Recordaes da Ilha do Faial, O Recreio, 1882, setembro 3 (9), pp.2-3. 29 Cf. Marcelino Lima, Anais [...], j cit., p.451. 30 George Monteiro, O Faial de Thomas Wentworth Higginson (1855-1856), in Conhecimento dos Aores atravs da Literatura, Angra do Herosmo, Instituto Aoriano de Cultura, 1988, pp.149-165 [162]. 31 Veja-se Ftima Sequeira Dias, A redescoberta das ilhas: a construo de um imaginrio (a viso nem sempre politicamente correcta do viajante das ilhas), Boletim do Instituto Histrico da Ilha Terceira, vol. LVII, 1999, pp.171-203 [171-179]

  • 9

    imaginrio insular (a viso nem sempre politicamente correta do viajante das ilhas32

    Ocidentais ou Western Islands).

    Se a Histria dos Aores, apesar das muitas obras que a tm enriquecido nos lti-

    mos anos, tanto por acadmicos como por curiosos empenhados, ainda apresenta graves

    lacunas nos aspetos econmico, social, poltico, religioso, desportivo e cultural, ento essa

    obscuridade ainda mais evidente quando se toma por opo investigar uma parcela dessa

    realidade como o caso da cidade da Horta.

    Trs razes podem, em nosso entender, ser avanadas para explicar ou justificar a

    lacuna assinalada.

    Desde logo a tirania da Histria de Portugal, dando a impresso que os Aores

    seriam algo sem vida prpria, ou, se a tinham, no era de tal modo significativa que mere-

    cesse ateno, escapando assim ao acolhimento dos historiadores, num claro caso de cen-

    tro e um caso de periferia33. Melhor dizendo, se os Aores eram um particular que podia

    ser representativo, o problema residiu sempre em precisar, em esclarecer o que representa-

    vam, como se deduz das palavras de Armelim Jnior, escritas nos incios da centria de

    XX: O estranho e incrvel afastamento em que o continente Portugal tem vivido, e vive,

    das formosas ilhas adjacentes inteiramente alheado do seu convvio, do seu estudo tem

    determinado esta cerebrina e delituosa indiferena, esta supina ignorncia geral do que eles

    so, e do que eles valem!...34

    Depois, a maior relevncia poltica, econmica e social de algumas ilhas em rela-

    o a outras deu azo a um maior tratamento historiogrfico daquelas, contribuindo para

    um seu melhor conhecimento35 em detrimento das ilhas pequenas. A conscincia desta

    realidade, por parte de muitos estudiosos aorianos, esteve na origem de mltiplas iniciati-

    vas de que destacamos, entre outras, a realizao, a partir de 1993, de quatro em quatro

    anos, do colquio O Faial e a Periferia Aoriana nos Sculos XV a XIX36 organizado pelo

    32 Id., p.171. Sobre este assunto, Rui Sousa Martins escreve: A realidade social e cultural observada com curiosidade, comparada e julgada com simpatia ou reprovao, de acordo com os gostos, as ideias e os valores dos visitantes que realam as diferenas consideradas mais significativas e pitorescas, Rui Sousa Martins, Os costumes populares e a construo oitocentista de identidades no arquiplago dos Aores, Patrimonia (Identidade, Cincias Sociais e Fruio Cultural), 1999, novembro (5), pp.35. 33 A. H. de Oliveira Marques, Periferia e Histria, in O Faial e a Periferia Aoriana nos Sculos XV a XX, Horta, Ncleo Cultural da Horta,1998, pp.641-645 [641]. 34 M. V. Armelim Jnior, Os Aores, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, vol. XI, 1922 (1-6), pp.233-270. 35 Artur Teodoro de Matos & Avelino de Freitas de Meneses & Jos Guilherme Reis Leite [dir.], Histria dos Aores. Do descobrimento ao sculo XX, Angra do Herosmo, Instituto Aoriano de Cultura, 2008, vol. I. p.11. 36 A partir do 2. encontro, 1997, o sculo XIX foi substitudo por XX.

  • 10

    Ncleo Cultural da Horta (fundado em 1955)37. Tem como objetivo o aprofundamento da

    histria e cultura local da periferia aoriana como tema de debate cientfico, proporcionan-

    do, por isso, o fortalecimento da nossa identidade38.

    E, por fim, no caso estrito do Faial, tem-se feito sentir uma espcie de marceli-

    nomania volta dos Anais do Municpio da Horta. Histria da Ilha do Faial, de Marceli-

    no Lima39 monografia que se imporia como uma obra de referncia da historiografia faia-

    lense e aoriana dando a sensao de que tudo estava escrito sobre o percurso do homem

    faialense, at 1943, como se mais nada de substancial ou significativo houvesse a registar.

    Isto quer dizer que a bibliografia sobre a cidade da Horta, entre 1880 e 1926, se carateriza

    pela relativa escassez de estudos cientficos, pela existncia de algumas monografias e pela

    relativa abundncia de trabalhos memorialistas e de divulgao cultural.

    Todavia, o esforo feito nos Aores em geral, e na ilha do Faial em particular,

    representa uma tentativa por parte da periferia, mesmo que modesta, de correo desse

    estado de coisas. Ou seja, se o centro no se preocupa muito em conhecer a sua periferia,

    isto quer dizer que h que faz-lo compreender to-somente que um todo composto por

    vrias partes interligadas e que, neste caso concreto, o Faial no pode ser arredado deste

    todo, at pela importncia que, em diversas conjunturas, assumiu na histria de Portugal e

    do Atlntico.

    Portanto, face a esta omisso, s resta periferia dar-se a conhecer ao centro, este

    poder centralizado na capital do reino ou da repblica que no s esquecia aquela como

    no precisava dela para funcionar.

    E o caminho contar-lhe a sua histria, lembrando-lhe que a histria da inde-

    pendncia [de Portugal], a histria da conquista da liberdade esto imarcescivelmente liga-

    37 Cf. Jorge Costa Pereira, No Cinquentenrio do Ncleo Cultural da Horta, Boletim do Ncleo Cultural da Horta, Horta, Ncleo Cultural, 2005 (14), pp.57-73. 38 Ricardo Madruga da Costa, Discurso Inaugural, in O Faial e a Periferia Aoriana nos Scs. XV a XIX, Horta, Ncleo Cultural da Horta, 1995, p.9. Na mesma obra, veja-se Voto de Louvor, p.570. 39 Marcelino de Almeida Lima (Horta, 1868; Lisboa, 1961). Um dos fundadores do Ginsio Club em 1891. Jornalista (dirigiu O Biblifilo, 1885; Revista Faialense, 1893; O Faialense, 2. srie, 1899-1902, este con-juntamente com Florncio Terra e Rodrigo Guerra. Deixou uma vasta colaborao em jornais como O Tel-grafo, A Democracia, Correio da Horta). Romancista (Loucura de um Ideal: Miguelistas e liberais na ilha do Faial, 1930; Uma Freira que Pecou, 1931; A Discpula, 1933). Investigador, Historigrafo e Genealogista (Francisco DUtra Quadros, 1920: Famlias Faialenses: Subsdios para a Histria da ilha do Faial, 1922; Anais do Municpio da Horta: Histria da Ilha do Faial, 1943; Judeus na ilha do Faial, 1956; A Histria do Teatro na Ilha do Faial, 1957; Vocabulrio Regional das ilhas do Faial e Pico, 1957, entre outros. Funcion-rio dos CTT.

  • 11

    das histria dos Aores40. Que as suas particularidades resultantes da descontinuidade

    territorial, do desencanto contestao de um centralismo que inviabilizou o desenvolvi-

    mento das ilhas que, dizia-se, at pagavam mais do que recebiam nunca levaram ao

    corte do cordo umbilical que as ligavam a Portugal. Que, os Aores nunca deixaram de

    contribuir com os seus impostos e de angariar votos, legitimando assim o prprio sistema

    de poder, que recrutava e fazia circular as suas elites41.

    A (con)vivncia, durante cinco sculos, na realidade do insulamento criou e

    acentuou ao longo dos tempos um sentimento de pertena ilha que se foi tornando mais

    abrangente at atingir a globalidade do arquiplago como regio solidria. No fundo, da

    identidade do faialense, do corvino, do micaelensepassa-se identidade aoriana, uma

    identidade que no se afirma como exclusivista, pelo contrrio, acolhe-se na identidade

    nacional, respalda-se na identificao com a ilha.

    Considerando-se que as ilhas so periferia relativamente ao centro, capital, mais

    concretamente, o Terreiro do Pao, isto no significa que a sua evoluo histrica seja

    irrelevante, quer em termos locais e regionais, quer ao nvel nacional e mesmo na histria

    do Atlntico. Assim, toda a participao ou contributo para o conhecimento da periferia,

    neste caso a faialense, refora-se naquilo que Oliveira Marques chama fazer uma expe-

    rincia revolucionria [] escrever a histria ao contrrio, partindo da periferia para o

    centro. Citando o referido autor: A periferia pode converter-se em til ferramenta de

    trabalho, capaz de trazer Histria e, eventualmente, a outras cincias, [...] elementos

    renovadores notveis, revolucionrios at. [...]. Oxal a boa semente tenha sido lanada e,

    do solo frtil, germine uma rvore frondosa e acolhedora42.

    No sculo XIX, esta preocupao quanto obscuridade da histria da ilha do Faial

    levou o padre Vitorino Jos Ribeiro, em 1861, a publicar no jornal O Faialense as Breves

    Linhas Histricas sobre as Quatro Ilhas de que se compe o Distrito da Horta43. Dez anos

    depois, com um ttulo deveras semelhante, seria dado estampa, a Histria das Quatro

    40 Joo da Cmara, lbum Aoriano, in Antnio Batista [Plano e dir.], lbum Aoriano, Lisboa, Oliveira & Batista, 1903, pnn. 41 Cf. Paulo Silveira e Sousa, Os Aores e as Elites da Monarquia Constitucional: ministros e altos funcionrios pblicos naturais do Arquiplago (1834-1910), Boletim do Ncleo Cultural da Horta, Horta, Ncleo Cultural da Horta, 2008 (17), pp.99-145 [100]. 42 Cf. A. H. de Oliveira Marques, Periferia e Histria, j cit. in O Faial e a Periferia [...], pp.643-645. 43 A sua publicao iniciou-se na edio de 3 de fevereiro de 1861 d O Faialense e terminou na edio do dia 11 de janeiro de 1862. Neste ano, seriam publicadas, na Horta, pela Tipografia Hortense.

  • 12

    Ilhas que Formam o Distrito da Horta44, da autoria de Antnio Loureno da Silveira

    Macedo. Na dcada seguinte, surgem Notas Aorianas, de Ernesto Rebelo, publicadas no

    Arquivo dos Aores entre 1885-188745. No segundo quartel do sculo XX, em 1943, Anais

    do Municpio da Horta (Histria do Faial)46, de Marcelino de Almeida Lima.

    Os Anais tornaram-se no best-seller da Histria faialense, no pelo nmero de

    exemplares editados, mas sim por passarem a constituir, tanto no passado como no presen-

    te, apesar dos seus assinalveis silncios, uma autntica marcelinomania, como j foi

    referido , pela simples razo de, e no tirando mrito ao seu incansvel labor, por todos

    reconhecido, continuarem a ser citados acriticamente em trabalhos acadmicos ou no, o

    44 Antnio Loureno da Silveira Macedo, Histria das Quatro [], j cit., 3 vols; Marcelino Lima, Anais do [...], j cit., pp.214-215, 3 vols., edio fac-similada da edio de 1871, Angra do Herosmo, Secretaria Regional da Educao e Cultura, 1981. 45 Ernesto Rebelo, Notas Aorianas, AA, vol. VII, edio fac-similada da edio de 1885, Ponta Delgada, Universidade dos Aores, 1982, pp.60-245; vol. VIII, ed. fac-similada da ed. de 1886, pp.6-96 e 281-376; vol. IX, ed. fac-similada da ed. de 1887, pp.19-97. Ernesto de Lacerda de Lavallire Rebelo (Lisboa, 1842-Horta, 1890). Funcionrio da repartio da Fazenda distrital da Horta, desde 1860 e, a partir de 1862, amanuense extraordinrio. Deixou uma vasta obra disseminada por jornais e revistas dos Aores e Continen-te. No teatro, os dramas Amor Filial, Um Padre (pea premiada pelo Conservatrio do Rio de Janeiro) e Noites de El-Rei e a comdia Dlias do Convento; no romance, Soror Maria (publicado n O Faialense, 1880), Cenas dos Aores (Idem, 1880), Aves de Arribao (Idem, 1880, publicado em 1989 pela Cmara Municipal da Horta), Urzes e Silvados e Matilde (n O Aoriano, 1885-1886). No conto, Excntricos Faia-lenses n O Grmio Literrio (1880-1882). Nesta revista deixou a maior parte da sua produo potica. De toda a sua obra, Notas Aorianas a mais conhecida. No jornalismo, fundador dos jornais O Amigo do Povo (1870) e O Civilizador (1878-1879). Redator d A Luz (1870-1874) e d O Grmio Literrio (1880-1884). Deixou tambm a sua colaborao tanto em prosa como em verso em muitos outros jornais faialenses, nomeadamente n O Faialense, n O Atlntico e n O Aoriano. Em Lisboa colaborou no Ramalhete do Cris-to, na Revista Ilustrada e n A Civilizao Crist. Cavaleiro da Ordem de Cristo, Comendador de Nossa Senhora da Conceio de Vila Viosa. Membro de vrias sociedades cientficas e literrias. Em 1890, o seu nome seria atribudo parte da rua D. Pedro IV, entre o largo Duque de vila e Bolama e a travessa da Mise-ricrdia. 46 Pelo Diploma de 8 de novembro de 1847, estipulava-se que, em cada uma das Cmara Municipais dos Concelhos do Reino e das Ilhas Adjacentes, haja um livro com a denominao de Anais do Municpio, no qual anualmente se consignem os acontecimentos e os factos importantes que ocorrerem e cuja memria seja digna de conservar-se, Ap. Jos Amado Mendes, Histria Local e Memrias. Do Estado-Nao poca da Globalizao, in Ernesto do Canto retratos do homem e do tempo, Ponta Delgada, Centro de Estudos Gaspar Frutuoso/Universidade dos Aores/Cmara Municipal de Ponta Delgada, 2003, pp.187-203 [191-192]. Sobre a histria dos Anais do Municpio da Horta, veja-se Comisso do Anais do Municpio da Horta, O Telgrafo, 1907, janeiro 24 (3 911), p.2: A Cmara em sesso de hoje, 24 de janeiro, sob proposta da presidncia, nomeou uma nova comisso composta por Jos Maria da Rosa, Pe. Jos Osrio Goulart, Pe. Manuel Jos de vila, Manuel Emlio Toms da Silveira, Manuel Machado da Con-ceio e Florncio Jos Terra. Dever a comisso publicar anualmente, por conta da Cmara, o resultado dos trabalhos; ficaro assim coligidos, de forma a terem a necessria utilidade, muitos documentos interessantes para a histria desta ilha; Um Faialense, Correio da Horta, 1936, abril 28 (1 239), p.1; Marcelino Lima, Anais do [...], j cit., pp.[5-8]; Fernando Faria Ribeiro, Em dias passados. Figuras, Instituies e Aconteci-mentos da Histria Faialense, Horta, Ncleo Cultural da Horta, 2007, p.111. De Lima ainda Famlias Faia-lenses (Subsdios para a Histria da Ilha do Faial), Horta, Tipografia Minerva Insulana, 1922; Histria do Teatro no Faial, Lisboa, Edio do Autor, 1957.

  • 13

    que comprova, em muitos casos, o desconhecimento do que se tem produzido no Faial

    ps-Marcelino Lima.

    De facto, e como se pode verificar pela bibliografia, a investigao sobre a hist-

    ria contempornea dos Aores tem assistido, nas ltimas dcadas, a um significativo

    desenvolvimento. Neste contexto, assume especial relevncia a criao da Universidade

    dos Aores e o seu escol de jovens professores de Histria que, no decurso do seu labor de

    investigao, se afirmam como historiadores de nvel superior. H, porm, que no esque-

    cer o papel das instituies culturais aorianas criadas sobretudo a partir da dcada de 40

    do sculo XX e que durante dcadas foram essenciais enquanto congregadoras do trabalho

    aturado de investigao histrica desenvolvido por intelectuais que, no sendo investigado-

    res profissionais, dedicaram o seu tempo e os seus conhecimentos a estudos, muitos ainda

    hoje de consulta obrigatria.

    O Faial teve e tem tambm cultores importantes em termos de investigao

    histrica. Referimos j Antnio Loureno da Silveira Macedo e Marcelino de Lima; outros,

    porm, podiam ser aqui citados, como se confirmar pela bibliografia. Note-se, todavia,

    que os trabalhos no tm os mesmos objetivos, metodologia e qualidade. Entre as simples

    obras de curiosidades histricas e as memorialistas ou de exaltao comemorativa de per-

    sonalidades e acontecimentos encontra-se tambm a investigao de carcter cientfico,

    sobretudo a partir da dcada de 80 do sculo XX, como anteriormente se referiu. Todas,

    porm, tm interesse para o investigador, na medida em que fornecem informaes teis,

    perspetivas de anlise diversificadas, factos desconhecidos. Mas a realidade que, para o

    mbito cronolgico da nossa investigao, pouco pudemos encontrar quanto a investigao

    de carcter cientfico ou mesmo, no o sendo, que fornecesse informao relativamente

    sistematizada e aprofundada. Esta foi, alis, uma das razes que nos levaram a optar pela

    temtica e limites cronolgicos definidos e transpostos para o ttulo do fruto da nossa

    investigao: Uma cidade porturia A Horta entre 1880-1926: sociedade e cultura com

    a poltica em campo de fundo.

    De facto, como se deduz da bibliografia utilizada, notrio que, a partir dcada de

    1980, um conjunto de iniciativas levadas a efeito por diversas entidades, de que no se

    deve descurar a iniciativa de autor, em muito tem contribudo para um melhor conhecimen-

    to da histria da ilha do Faial e da sua cidade. Destaque-se, sem se ser exaustivo, a Cmara

    da Horta, Juntas de Freguesia, instituies culturais e desportivas, o Ncleo Cultural da

    Horta quer atravs do seu boletim, quer das suas edies e das atas do Colquio O Faial

  • 14

    e a Periferia Aoriana , a Associao dos Antigos Alunos do Liceu da Horta (com o seu

    empenhamento para um melhor conhecimento do Liceu da Horta, de Manuel de Arriaga e

    da importncia da rede de cabos-submarinos instalada na Horta), o Clube de Filatelia da

    Escola Secundria Manuel de Arriaga, departamentos governamentais e o Observatrio do

    Mar dos Aores. Algumas dessas iniciativas so realizadas em colaborao com a Univer-

    sidade dos Aores.

    2. Limites cronolgicos

    Relativamente ao arco cronolgico do nosso estudo, partimos da comemorao do

    tricentenrio de Cames levado a cabo pelo Grmio Literrio Faialense e pela Sociedade

    Humanitria de Literatura e Agricultura, numa perfeita sintonia com o que ao mesmo

    tempo se passava em Lisboa. Tambm na Horta a comemorao era animada pelo recurso

    memria de um passado glorioso para o opor decadncia que caracterizava a sociedade

    contempornea, como se deduz do discurso de Miguel Street de Arriaga, proferido na ses-

    so solene nos Paos do Concelho, quando referia a necessidade de se pagar o tributo

    quele que no era apenas um sublime poeta mas a maior das glrias do Pas47. No fundo,

    o passado de feitos gloriosos devia constituir exemplo a seguir pelas novas geraes visan-

    do uma regenerao da ptria diferente da que se iniciara em 1851.

    As comemoraes de tricentenrio no surgem por acaso, ou melhor dizendo,

    constituem um dos vrios momentos de afirmao da intelligentsia local que, ao ocupar

    uma zona adjacente ao centro continental, se havia imposto graas ao seu perfil social e

    cultural. Com efeito, essa elite culta afirmou a sua capacidade de interveno cvica e cul-

    tural em suficientes publicaes, porque era portadora de dois vcios: o do livro e o da

    letra redonda (jornalismo). Ora isto resultava de uma ambincia determinada tanto pelo

    Liceu como pela imprensa, passando pelas sociedades literrias, recreativas e musicais

    entretanto criadas. Impusera-se tambm devido s suas atividades profissionais e carreira

    poltica, s suas conexes interpessoais, s suas posies ideolgicas, ao seu mrito indivi-

    dual e sua procura incessante de solues para os males humanos traduzida em iniciativas

    filantrpicas e de apoio social de largo alcance.

    Por outro lado, o conhecimento do que se passava na Europa e nos Estados Uni-

    dos leva-a a constatar, com angstia, o atraso insular e arquipelgico, em ntido contraste 47 O Grmio Literrio, 1880, julho 1 (4), pp.25-27. Sobre as comemoraes na Horta, veja-se Carlos Lobo, A Horta e O Tricentenrio de Cames, in O Faial e a Periferia Aoriana nos sculos XV a XX, Horta, Ncleo Cultural da Horta, 2011, pp.91-110.

  • 15

    com o desenvolvimento civilizacional por que passavam aquelas duas zonas do Mundo.

    Mas essa angstia ia mais longe, perante a maneira como as ilhas eram tratadas pelos

    senhores do Terreiro do Pao independentemente de usarem coroa ou chapu.

    No caso das comemoraes faialenses, verificamos, pela leitura da imprensa local

    e demais documentao consultada, que no se quis ficar por uma simples comemorao

    literria. Foi-se mais longe. Esta iniciativa assumiu uma dupla ao:

    1. - A promoo dos festejos que incluram uma manifestao literria e artstica

    (conferncias, espetculos de teatro alguns para coadjuvar os festejos pblicos , folha

    completa para comemorar o tricentenrio; uma manifestao popular: cortejo cvico e ilu-

    minao nocturna) e uma manifestao de solidariedade e de benemerncia (adoo de

    exposto e almoo aos asilados do Asilo de Mendicidade).

    2. - A conscincia, no campo estritamente poltico, sobretudo das elites, de um

    renascimento ou de uma regenerao, indcio de uma nova era na vida da Nao face

    negatividade de um passado mais ou menos prximo.

    Ao mesmo tempo, e para uma maior solenidade dos eventos, foi-se capaz de dar,

    de acordo com os respetivos programas, esse lugar de atores aos participantes de todas as

    classes sociais.

    Por fim, quanto ao tema central das comemoraes Cames, alm das notrias

    expresses referenciadas na imprensa e na demais documentao o grande pico portu-

    gus, o grande poeta portugus, o imortal poeta, uma das maiores glrias do Pas,

    que apontam no sentido do grande homem merecedor de culto no se deixava de salien-

    tar aquele que viveu e morreu na misria ou que cantando as glrias do seu Pas, apenas

    soube conviver com a ingratido dos seus contemporneos.

    Quanto ao ano de 1926, apesar de o golpe de 28 de maio do mesmo ano vir encer-

    rar o agitado perodo aberto pela implantao da Repblica, a 5 de outubro de 1910, aquela

    data passaria algo despercebida da maior parte dos faialenses, uma vez que os sismos de 5

    de abril e depois o terramoto de 31 de agosto do mesmo ano fizeram com que as priorida-

    des locais estivessem viradas para a resoluo de um duplo problema: os sinistrados e a

    reconstruo do parque habitacional gravemente destrudo.

    Estes, sim, eram problemas que atingiam direta e duramente a vida dos aorianos

    e, do povo faialense, em particular. De resto, se a Repblica e o 28 de maio de 1926 consti-

    turam novos paradigmas polticos e ideolgicos, isso no constituiu para os faialenses

    grande problema ou novidade. Em ambos os casos manteve-se discrio, isto , no se foi

  • 16

    capaz de pegar em armas para defender tanto a Monarquia como a Repblica. Mudar de

    regime ou de governo pouca diferena faria na vida quotidiana dos faialenses. Por isto

    mesmo, no se vislumbra significativo entusiasmo popular quer na implantao da Rep-

    blica, quer na sua queda. O que se queria, no fundo, era que quem governasse a partir do

    Terreiro do Pao olhasse com olhos de ver para o sofrimento das populaes e, mais do

    que isso, fosse capaz de dar respostas objetivas s grandes questes que embotavam o

    desenvolvimento local e a qualidade de vida dos seus cidados.

    A imprensa faialense a par das pequenas notcias locais, vida desportiva, palcos

    e salas, cartaz cinematogrfico e teatral, movimento martimo, artigos sobre interesses do

    Faial e outras informaes de utilidade pblica iniciava o ano de 1926 destacando a tene-

    brosa falsificao das notas de 500 escudos, com a efgie de Vasco da Gama, levada a cabo

    por Alves dos Reis48. O que levaria a que se perguntasse: Quanto que o comrcio faia-

    lense havia perdido com essa situao?49. Mas, de repente, a partir de abril, concentra a

    sua ateno, a sua prioridade noticiosa e informativa, nas sequelas provocadas pelo sismo

    de 5 do mesmo ms. Deste modo, abria uma frente prioritria: a defesa dos sinistrados faia-

    lenses.

    Foi, pois, de forma comedida e sem alarmismos que, em finais do ms de maio, a

    imprensa destacou a vitria da revoluo militar, adiantando, com f e com confiana,

    que as Juntas militares salvaro o Pas. Por isso, no havia qualquer problema em escre-

    ver: Viva a Repblica50.

    Entre notcias locais, ecos da revoluo extrados da imprensa nacional, e a

    defesa dos sinistrados foi assim vivendo a imprensa faialense, at que chegaria a grande

    catstrofe: o cataclismo de 31 de agosto. A partir de ento, a ordem do dia seria tudo fazer

    em benefcio dos sinistrados e dar incio ao processo de reconstruo ou de reedificao da

    Horta e das freguesias rurais atingidas, tarefa incumbida pelo Governo do Terreiro do

    Pao, ao Alto-Comissrio da Repblica do distrito da Horta, o coronel de cavalaria Mouzi-

    nho de Albuquerque, que chegou Horta na manh de 23 de setembro, a bordo do navio

    Lima, aguardado com grande ansiedade, por ser a nica esperana para melhorar da des-

    graada situao que os povos do Faial h vinte dias vm atravessando51.

    48 O escndalo do banco de Angola, O Telgrafo, 1926, janeiro 5 (8 718), p.1. 49 500 000$000 [sic] escudos, O Telgrafo, 1926, fevereiro 8 (8 730), p.1. 50 A revoluo militar venceu!, O Telgrafo, 1926, maio 31 (8 778), p.1. 51 Alto-Comissrio, O Telgrafo, 1923, setembro 23 (8 828), p.1; outubro 4 (8 830), p.1.

  • 17

    Considera-se, pois, que, no caso especfico da Horta, estas quatro dcadas e meia,

    apesar da sua aparente falta de unidade, resultante sobretudo da evoluo da vida poltica

    nacional, no deixam, porm, de constituir uma conjuntura com alguns traos que, de

    algum modo, lhe conferem unidade interna.

    Em primeiro lugar, a importncia do porto, mesmo que as suas funes se tenham

    alterado e o seu movimento regredido, devido a fatores externos. Depois, e ainda no mbi-

    to das comunicaes, os anseios locais pela instalao do telgrafo por cabo submarino e

    sua concretizao, o que, como se referiu anteriormente, contribuiu para acentuar um certo

    carcter cosmopolita da cidade. Finalmente, o papel das elites que renovando-se e refa-

    zendo-se ao longo das dcadas referidas constituram esteio fundamental de ao em prol

    dos mais desfavorecidos e desprotegidos e liderana fundamental no respeitante ao asso-

    ciativismo cultural. Para alm disso, contriburam de um modo significativo, por exemplo

    com a sua interveno na imprensa, para a formao de uma mais esclarecida opinio

    pblica. Mesmo assim, a nvel poltico podemos encontrar uma constante: o alheamento da

    Horta relativamente s lutas autonomistas.

    Contudo, em relao ao perodo em estudo, fazemos, sempre que necessrio,

    alguns retrocessos, buscando a origem ou a informao necessria sobre o que se afirma,

    ou, ento, ousamos avanar para l do tempo considerado, buscando a sua admissibilidade

    e reconhecimento52.

    3. Cidade-porturia

    Numa observao elementar da cidade da Horta, verificamos que esta tem o seu

    mar e parte do que foi e se deveu e deve a ele. Deste modo, a relao entre porto e cida-

    de mais do que uma simples localizao, proximidade e convivncia constitui sobretudo

    uma valorizao (econmica, social, cultural, poltica, estratgica) de uma circunstncia

    geogrfica.

    A edificao da estrutura porturia faialense, uma nova rua da cidade da Horta

    , como noutros locais, esteve ligada ou associada a estratgias de incentivo ao desenvol-

    vimento econmico e mercantil53 e cientfico, o que nos permite afirmar, neste caso, que o

    52 Maria de Lourdes Lima dos Santos, Sociabilidade, comunicao e aprendizagem, in Antnio Reis [dir.], Portugal Contemporneo, vol. I, Lisboa, Publicaes Alfa, 1996, pp.365-388 [366]. 53 Um dos objetos de maior importncia e urgncia sem dvida a construo de um porto de abrigo (ou doca) na baa da Horta. As vantagens [...], que hoje [1857] se do com maior fora, pelo grande desenvolvi-mento do comrcio geral, j desgraadamente pelas tristes e peculiares circunstncias que afetam o distrito [agricultura que se vai definhando com as molstias das batatas, pomares, e principalmente das vinhas], e

  • 18

    Faial tem, por exemplo, um lugar cativo na telegrafia submarina, independentemente da

    complexidade dos fatores que envolvem a histria das comunicaes ao tornar-se num dos

    mais importantes espaos geogrficos e sociais desse novo fluxo comunicacional que

    mudou o Mundo.

    Assim, ento do que falamos quando nos referimos a cidade porturia?

    O conceito, amplamente aceite, diz respeito ou pressupe uma relao biunvoca

    entre o ncleo citadino e a estrutura porturia54. assim que dever ser entendido ao longo

    desta dissertao. Entretanto, no deixa de ser um conceito que pode inclinar-se para qual-

    quer um dos lados. E no caso faialense isso notrio. Ora, verificamos que a estrutura por-

    turia ou esquecida ou considerada. Da cidade vista como a porta por onde entram e

    saem mercadorias, homens e informaes. Do ponto de vista do porto, a cidade no mais

    do que um local de abrigo e de refgio de marinheiros, de viajantes e de barcos, um espao

    de vivncias mltiplas, um lugar de cargas e descargas.

    A baa, depois porto, foi um espao conhecido e reconhecido durante cinco

    sculos no s por acontecimentos da mais variada referncia histrica, como tambm

    alimentou uma cidade, muitas vidas, em particular os ratos da doca: gente pobre da

    freguesia das Angstias. Gente que fez do porto o palco para conseguir, face escassez de

    trabalho ou s dificuldades em obt-lo, a soluo para as necessidades dos seus agregados

    familiares. No se lhes exigia qualquer diploma ou outra qualquer qualificao, apenas a

    aptido e a disponibilidade para trabalharem, independentemente da hora a que fossem

    chamados em especial para as descargas de carvo. Da que o seu lema fosse: Sempre

    prontos!55. Depois da soldada ganha, havia que encontrar outras coisas que se metiam no

    saco da comida, debaixo do casaco, do bon ou ento devidamente escondidas de forma

    que se pudessem ir buscar quando casse a noite. Mas esta situao tambm tinha a

    conivncia das autoridades martimas, porque quem vigiava tambm tinha o seu quinho.

    Da se ter vulgarizado a expresso comida apanhada56: tudo servia desde que o trabalho

    extra fosse compensado com uns tostes para fazer face s dificuldades das famlias.

    urgem no mais curto espao aquela construo [...], um remdio herico, que nos acuda e salve da inteira aniquilao, Consultas da Junta Geral [1857], O Faialense, 1857, dezembro 16 (38), p. 297. 54 Cf. Ins Amorim, Urbanismo e cidades porturias: Aveiro na segunda metade do sculo XVIII, Anlise Social, vol. XXXV, 2000 (156), pp.605-650; Toms de Albuquerque Lapa & Jenniffer dos Santos Borges, A Cidade Porturia: integrando espaos, estruturas e interesses numa perspetiva de desenvolvimento urbano sustentvel, Centro de Estudos Avanados da Conservao Integrada Textos para a Discusso n.4, Srie Gesto da Conservao Urbana, s.d. 55 Eduardo Bettencourt, Os Ratos da Doca, Horta, Edio do Autor, 2003, pp.9-10. 56 Esta expresso juntou-se vulgarmente famosa terra da coisa rara, da autoria de Joo Jos da Graa (1858), e que ainda acompanham o presente faialense. A nossa terra com efeito o Pas da coisa rara !,

    capaz de pegar em armas para defender tanto a Monarquia como a Repblica. Mudar de

    regime ou de governo pouca diferena faria na vida quotidiana dos faialenses. Por isto

    mesmo, no se vislumbra significativo entusiasmo popular quer na implantao da Rep-

    blica, quer na sua queda. O que se queria, no fundo, era que quem governasse a partir do

    Terreiro do Pao olhasse com olhos de ver para o sofrimento das populaes e, mais do

    que isso, fosse capaz de dar respostas objetivas s grandes questes que embotavam o

    desenvolvimento local e a qualidade de vida dos seus cidados.

    A imprensa faialense a par das pequenas notcias locais, vida desportiva, palcos

    e salas, cartaz cinematogrfico e teatral, movimento martimo, artigos sobre interesses do

    Faial e outras informaes de utilidade pblica iniciava o ano de 1926 destacando a tene-

    brosa falsificao das notas de 500 escudos, com a efgie de Vasco da Gama, levada a cabo

    por Alves dos Reis48. O que levaria a que se perguntasse: Quanto que o comrcio faia-

    lense havia perdido com essa situao?49. Mas, de repente, a partir de abril, concentra a

    sua ateno, a sua prioridade noticiosa e informativa, nas sequelas provocadas pelo sismo

    de 5 do mesmo ms. Deste modo, abria uma frente prioritria: a defesa dos sinistrados faia-

    lenses.

    Foi, pois, de forma comedida e sem alarmismos que, em finais do ms de maio, a

    imprensa destacou a vitria da revoluo militar, adiantando, com f e com confiana,

    que as Juntas militares salvaro o Pas. Por isso, no havia qualquer problema em escre-

    ver: Viva a Repblica50.

    Entre notcias locais, ecos da revoluo extrados da imprensa nacional, e a

    defesa dos sinistrados foi assim vivendo a imprensa faialense, at que chegaria a grande

    catstrofe: o cataclismo de 31 de agosto. A partir de ento, a ordem do dia seria tudo fazer

    em benefcio dos sinistrados e dar incio ao processo de reconstruo ou de reedificao da

    Horta e das freguesias rurais atingidas, tarefa incumbida pelo Governo do Terreiro do

    Pao, ao Alto-Comissrio da Repblica do distrito da Horta, o coronel de cavalaria Mouzi-

    nho de Albuquerque, que chegou Horta na manh de 23 de setembro, a bordo do navio

    Lima, aguardado com grande ansiedade, por ser a nica esperana para melhorar da des-

    graada situao que os povos do Faial h vinte dias vm atravessando51.

    48 O escndalo do banco de Angola, O Telgrafo, 1926, janeiro 5 (8 718), p.1. 49 500 000$000 [sic] escudos, O Telgrafo, 1926, fevereiro 8 (8 730), p.1. 50 A revoluo militar venceu!, O Telgrafo, 1926, maio 31 (8 778), p.1. 51 Alto-Comissrio, O Telgrafo, 1923, setembro 23 (8 828), p.1; outubro 4 (8 830), p.1.

  • 19

    Por outro lado, esta relao cidade-porto resulta de uma configurao espacial que

    articula, devido sua disposio em declive, a parte alta e a parte baixa ou ribeirinha.

    Ao mesmo tempo, considerando a Horta como cidade-porturia e, por conseguin-

    te, tendo em conta todo o enquadramento econmico que se ramifica e reflete nas preocu-

    paes polticas e na vida social, cultural e quotidiana da cidade, a anlise e reflexo inci-

    diro, pois, no pensamento poltico e na atuao dos poderes, nas dinmicas sociais asso-

    ciadas ao movimento cultural. Em ambos os perodos, Monarquia e Repblica, o faialense,

    quando no se sentia amparado, no hesitava em emigrar com o objetivo de um dia regres-

    sar com o peclio necessrio para se poder emancipar da pobreza em que nascera e que a

    sua ousadia evitava que assim continuasse nela mergulhado.

    No sculo XIX, manifesta-se uma notria contestao ao centralismo de Lisboa

    ou do Terreiro do Pao, graas ao da elite micaelense, mais numerosa, mais rica e mais

    organizada, que numa primeira instncia se ope anterior tutela angrense (Capitania

    Geral dos Aores), depois a Lisboa57. Mas no ltimo quartel do sculo, em particular na

    ltima dcada, que se conquista a primeira autonomia com o celebrado decreto de 2 de

    maro de 189558 (o conhecido decreto autonmico), sendo, por isso, o primeiro movi-

    mento autonomista considerado como um dos factos polticos maiores da histria aoriana

    finissecular.

    Na ilha do Faial, o certo que esse movimento no conseguiu arrebatar, galvani-

    zar a elite faialense, mesmo descontente com o tratamento desigual relativo aos interesses

    faialenses (aorianos) e continentais, nunca protagonizando um discurso autonomista59, de

    descentralizao entendida com uma forma de impedir a concentrao do poder num nico

    centro de deciso e de autoridade, permitindo assim que os poderes e as iniciativas locais

    pudessem dispor de autoridade e autonomia em algumas matrias, no caso administrativa e

    financeira, relativamente ao poder central tendentes satisfao quotidiana de necessida- como tambm aludia Manuel Zerbone, Crnicas Alegres, 1. vol., Horta, Centro de Estudos e Cultura da Cmara Municipal da Horta, 1989, p.30. 57 Cf. Jos Guilherme Reis Leite, Os acertos da governao, a iluso da autonomia e a continuidade do divisionismo, in Artur Teodoro de Matos & Avelino de Freitas de Meneses & Jos Guilherme Reis Leite [coord.], Histria dos Aores. Do Descobrimento ao sculo XX, vol. II, Angra do Herosmo, Instituto Aoriano de Cultura, 2008, pp.159-184. 58 Avelino de Freitas de Meneses, O Governo dos Aores das autonomias do passsado autonomia do presente, in Id. [coord.], Das Autonomias Autonomia e Independncia. O Atntico Poltico entre os Sculos XV e XXI, Lisboa, Letras Lavadas edies, 2012, pp.15-31. 59 Sobre o conceito de Autonomia, veja-se Carlos Pacheco Amaral, Autonomia e Estado Autonmico A Autonomia como Princpio de Organizao Poltica do Estado, in Autonomia no Plano Poltico. I Centen-rio da Autonomia dos Aores, vol. 5, Ponta Delgada, Jornal de Cultura, 1995; Jos Reis Leite, Autonomia, Enciclopdia Aoriana, in http://pg.azores.gov.pt/drac/cca/enciclopedia/index.aspx (consultado em 23-09-2009).

    capaz de pegar em armas para defender tanto a Monarquia como a Repblica. Mudar de

    regime ou de governo pouca diferena faria na vida quotidiana dos faialenses. Por isto

    mesmo, no se vislumbra significativo entusiasmo popular quer na implantao da Rep-

    blica, quer na sua queda. O que se queria, no fundo, era que quem governasse a partir do

    Terreiro do Pao olhasse com olhos de ver para o sofrimento das populaes e, mais do

    que isso, fosse capaz de dar respostas objetivas s grandes questes que embotavam o

    desenvolvimento local e a qualidade de vida dos seus cidados.

    A imprensa faialense a par das pequenas notcias locais, vida desportiva, palcos

    e salas, cartaz cinematogrfico e teatral, movimento martimo, artigos sobre interesses do

    Faial e outras informaes de utilidade pblica iniciava o ano de 1926 destacando a tene-

    brosa falsificao das notas de 500 escudos, com a efgie de Vasco da Gama, levada a cabo

    por Alves dos Reis48. O que levaria a que se perguntasse: Quanto que o comrcio faia-

    lense havia perdido com essa situao?49. Mas, de repente, a partir de abril, concentra a

    sua ateno, a sua prioridade noticiosa e informativa, nas sequelas provocadas pelo sismo

    de 5 do mesmo ms. Deste modo, abria uma frente prioritria: a defesa dos sinistrados faia-

    lenses.

    Foi, pois, de forma comedida e sem alarmismos que, em finais do ms de maio, a

    imprensa destacou a vitria da revoluo militar, adiantando, com f e com confiana,

    que as Juntas militares salvaro o Pas. Por isso, no havia qualquer problema em escre-

    ver: Viva a Repblica50.

    Entre notcias locais, ecos da revoluo extrados da imprensa nacional, e a

    defesa dos sinistrados foi assim vivendo a imprensa faialense, at que chegaria a grande

    catstrofe: o cataclismo de 31 de agosto. A partir de ento, a ordem do dia seria tudo fazer

    em benefcio dos sinistrados e dar incio ao processo de reconstruo ou de reedificao da

    Horta e das freguesias rurais atingidas, tarefa incumbida pelo Governo do Terreiro do

    Pao, ao Alto-Comissrio da Repblica do distrito da Horta, o coronel de cavalaria Mouzi-

    nho de Albuquerque, que chegou Horta na manh de 23 de setembro, a bordo do navio

    Lima, aguardado com grande ansiedade, por ser a nica esperana para melhorar da des-

    graada situao que os povos do Faial h vinte dias vm atravessando51.

    48 O escndalo do banco de Angola, O Telgrafo, 1926, janeiro 5 (8 718), p.1. 49 500 000$000 [sic] escudos, O Telgrafo, 1926, fevereiro 8 (8 730), p.1. 50 A revoluo militar venceu!, O Telgrafo, 1926, maio 31 (8 778), p.1. 51 Alto-Comissrio, O Telgrafo, 1923, setembro 23 (8 828), p.1; outubro 4 (8 830), p.1.

  • 20

    des coletivas. Isto, naturalmente, sem, pr em causa a coeso nacional. Nunca os ideais

    micaelenses foram perfilhados, nem mesmo houve a capacidade de criar um rumo prprio.

    O movimento autonomista simplesmente no existiu, no sentido da defesa de uma identi-

    dade dinmica ou que se traduzisse na defesa de um sistema autnomo e descentralizado

    consubstanciado na palavra de ordem livre administrao dos Aores pelos aorianos.

    Ou seja, se a vida poltica local era uma reproduo fiel da frmula do rotativismo monr-

    quico e das suas incidncias, depois, com a instabilidade da Repblica, o que verificamos

    que as incidncias e o estigma do centralismo no deixaram de persistir.

    Quais as razes? Exiguidade de receitas prprias? Bairrismo ilhu? Receio da

    mudana? Falta de uma elite capaz de liderar o processo? Incapacidade de perceber que a

    autonomia era uma condio essencial para conviver com as incertezas que fazem parte da

    sociedade? Manuteno das benesses concedidas pelo Terreiro do Pao que no s recruta-

    va as elites locais como as fazia circular nos cargos, particularmente, de deputados e de

    governadores, alm de, por vezes, conceder ttulos de conselheiro, de comendador, de

    baro? Pretensa inclinao para uma aproximao poltica ao vizinho e amigo americano

    (Estados Unidos) da outra margem do Atlntico?

    Em suma, na Horta esse desinteresse quase total60, manifestou-se, desde logo,

    aquando da publicao do decreto ditatorial de 2 de maro de 1895 que institucionaliza o

    regime autonmico, uma vez que nunca requereu a sua aplicao. Mais tarde, o segundo

    movimento tambm no vingou na ilha do Faial, verificando-se apenas a publicao de

    uma srie de artigos intitulados Autonomia. No queremos, no jornal O Telgrafo, ao

    mesmo tempo que o Partido Republicano Nacionalista local se metamorfoseava em Par-

    tido Regionalista do distrito da Horta, pela ao de Manuel Francisco Neves Jr., notvel e

    controverso politico cedrense, conhecido pelos seus detratores como o rato bubnico,

    60 Sobre a forma de ser dos faialenses, escrevia-se no artigo Pro Ptria, O Aoriano, 1890, fevereiro 9 (48), pp.1-2: Cremos que pouco disto entra como fator na vasta moleza geral que nos invade a todos, porque, ainda raciocinando assim, razes de justia haveria em defender uma pequena parte da humanidade, fraca e desarmada, contra uma outra parcialidade tirnica desptica, desprezadora de todos os direitos []; quanto a ns porm o que determina e acentua aquela feio deste povo que assinalmos a constante sequestrao do mundo em que vivemos, isolados no meio do Grande Mar, sem as notcias vivas e palpitantes de todos os instantes, sem a vibrao de esprito que do os meios de forte atividade e intelectual, no tendo trabalho nem indstria, com a formosa baa despovoada e quase morta, sem arte, sem emoo e sem a orientao sentimen-tal e artstica que desperta a Msica, que no ouvimos nunca, o quadro que nunca vemos, a escultura que nos desconhecida, enfim toda e qualquer manifestao de arte, que torna o esprito mais fino, mais delicada a sensibilidade, mais fresca a alma assim banhada na onda dos sons, das cores, da harmonia das linhas e da forma. Depois h a acrescentar a influncia de um clima, clima hmido solo montanhoso, horizontes curtos, o mar sempre ante os olhos, o que nos d uma certa tristeza e taciturnidade de carcter, o que explicar talvez a razo por que so to montonas e apagadas as nossas festas populares, onde como se sabe, no h vida, no h movimento, no h alegria.

  • 21

    o caa-milho, que passou pela Monarquia e pela Repblica, acabando por aderir Dita-

    dura e ao Estado Novo. Viria a ser presidente da Unio Nacional no distrito da Horta. Nem

    mesmo a aproximao interinsular sob a designao de confraternizao aoriana foi capaz

    de despertar nos faialenses essa inteno.

    Por isso, esta desunio aoriana est bem patente no prembulo do decreto de 2

    de maro, quando se alude que se dava resposta s vivas e instantes reclamaes dos

    povos de um dos distritos aorianos (Ponta Delgada), no sentido do restabelecimento das

    Juntas Gerais, com largas atribuies e faculdades61. Sendo assim, caa por terra a argu-

    mentao dos autonomistas que gostavam de falar nos Aores como um todo. Perante esta

    fragilidade, o Governo justificava que a ttulo de ensaio ou experincia havia elaborado um

    diploma de carter excecional (apenas podia ser executado nos distritos aorianos) que

    tinha como fundamentos para a descentralizao a descontinuidade territorial (distncia

    entre o Continente e as Ilhas) e a sempre decantada dificuldade de comunicaes, que

    obstavam a ao eficiente do poder central62.

    Continuando a olhar para a histria da cidade, mais especificamente para os seus

    diferentes espaos de lazer e convvio (passeio pblico, jardins, casas de teatro, sales das

    diferentes associaes recreativas, culturais e desportivas, litoral onde se desenvolvem as

    provas nuticas e se faz vilegiatura e campo de futebol e de tnis), notrio que se afir-

    mam como territrios de sociabilidades, de novas elaboraes sociais, reveladores de uma

    dinmica urbana que se reflete no lazer e na diverso. A vida em sociedade foi um mote

    constante das colunas da imprensa faialense.

    Ora, o ttulo da presente tese parece pressupor uma separao ntida entre socie-

    dade, cultura e poltica, com esta ltima a surgir em fundo. Trata-se somente de um

    modo de organizao do trabalho, pois reconhecemos que cada uma dessas realidades est

    imbricada nas outras. No h sociedade sem cultura, nem cultura sem sociedade e a polti-

    ca est presente nos prprios modelos de organizao e atividades das duas. E, naturalmen-

    te, a economia que, no constando do ttulo, est,