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1 INTRODUÇÃO A recusa do tratamento médico, em especial, a transfusão de sangue, por parte das Testemunhas de Jeová, vem sendo objeto de polêmicas e discussões no campo médico e jurídico. É absolutamente necessário analisar minuciosamente os aspectos jurídicos, os princípios fundamentais constitucionais (a vida, a liberdade e a convicção religiosa e filosófica), uma vez que tais princípios se colidem com o assunto que iremos abordar como também é imprescindível levar em consideração o posicionamento das Testemunhas de Jeová. O presente tema tem o objetivo de buscar a conciliação e ponderar os valores envolvidos acerca dos direitos de personalidade para que atinja uma solução pacífica no caso concreto.

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Page 1: Trabalho tgd

1 INTRODUÇÃO

A recusa do tratamento médico, em especial, a transfusão de sangue, por parte das

Testemunhas de Jeová, vem sendo objeto de polêmicas e discussões no campo médico e

jurídico.

É absolutamente necessário analisar minuciosamente os aspectos jurídicos, os princípios

fundamentais constitucionais (a vida, a liberdade e a convicção religiosa e filosófica), uma

vez que tais princípios se colidem com o assunto que iremos abordar como também é

imprescindível levar em consideração o posicionamento das Testemunhas de Jeová.

O presente tema tem o objetivo de buscar a conciliação e ponderar os valores envolvidos

acerca dos direitos de personalidade para que atinja uma solução pacífica no caso concreto.

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2 AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

A história das Testemunhas de Jeová começou há mais de um século. No começo da década

de 1870, iniciou-se com um grupo relativamente pequeno de estudo bíblico em Allegheny,

Pensilvânia, EUA, agora parte de Pittsburgh. Charles Taze Russell foi seu principal fundador.

Em julho de 1879, foi publicado o primeiro número da revista A Torre de Vigia de Sião e

Arauto da Presença de Cristo (em inglês), agora conhecida em português como A Sentinela.

Por volta de 1880, já se haviam formado inúmeras congregações, nos estados vizinhos, a

partir daquele pequeno grupo de estudo bíblico.

Em 1881, formou-se nos Estados Unidos a Sociedade de Tratados da Torre de Vigia de Sião,

instituída em 1884, com Russell como presidente. O nome desta Sociedade foi depois mudado

para Watch Tower Bible and Tract Society (Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados).

Naquela época cerca de 50 mil pessoas iam de casa em casa, muitos davam testemunhos e

ofereciam publicações bíblicas. Hoje a média mundial é de cerca de 7,5 milhões de

seguidores.

Os seguidores de Russell chamavam-se inicialmente estudantes da Bíblia, tendo adquirido o

nome Testemunhas de Jeová apenas a partir de 1931

2.1 Em que as Testemunhas de Jeová creem

Para elas, é de importância vital que suas crenças se baseiem na Bíblia, e não em meras

especulações humanas ou em credos religiosos. Pensam assim como o apóstolo Paulo, que se

expressou sob inspiração: “Seja Deus achado verdadeiro, embora todo homem seja achado

mentiroso.” (Romanos 3:4, Tradução do Novo Mundo)

As Testemunhas de Jeová crêem que a Bíblia é a Palavra de Deus. Consideram seus 66 livros

como inspirados e historicamente corretos. O que comumente se conhece por Novo

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Testamento, elas chamam de Escrituras Gregas Cristãs e, o Velho Testamento, de Escrituras

Hebraicas.

EM QUE AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ CRÊEM

Crença Base bíblica

A Bíblia é a Palavra de Deus e é a verdade 2 Tim. 3:16, 17 ; 2 Ped.1:20, 21 ; João 17:17

A Bíblia é mais confiável do que a tradição Mat. 15:3; Col. 2:8

O nome de Deus é Jeová Sal. 83:18; Isa. 26:4; 42:8, Êxo. 6:3

Cristo é o Filho de Deus e é inferior a ele Mat. 3:17; João 8:42; 14:28; 20:17; 1 Cor. 11:3; 15:28

Cristo foi a primeira criação de Deus Col. 1:15; Rev. (Apo.) 3:14

Cristo morreu numa estaca, não numa cruz Gál. 3:13; Atos 5:30

A vida humana de Cristo foi paga como resgate pelos humanos obedientes

Mat. 20:28; 1 Tim. 2:5, 6 ; 1 Ped. 2:24

O sacrifício único de Cristo foi suficiente Rom. 6:10; Heb. 9:25-28

Cristo foi levantado dos mortos como pessoa espiritual, imortal

1 Ped. 3:18 ; Rom. 6:9; Rev.1:17, 18

A presença de Cristo é em espírito João 14:19; Mat. 24:3;2 Cor.5:16 ; Sal. 110:1, 2

Estamos agora no ‘tempo do fim’ Mat. 24:3-14; 2 Tim. 3:1-5 ; Luc. 17:26-30

O Reino sob Cristo governará a Terra em justiça e paz

Isa.9:6, 7; 11:1-5; Dan. 7:13, 14; Mat. 6:10

O Reino trará condições de vida ideais à Terra Sal. 72:1-4; Rev. 7:9, 10, 13-17; 21:3, 4

A Terra nunca será destruída, nem ficará despovoada

Ecl. 1:4; Isa. 45:18; Sal. 78:69

Deus eliminará o atual sistema de coisas na batalha do Har-Magedon

Rev. 16:14, 16; Sof. 3:8; Dan. 2:44; Isa. 34:2; 55:10,11

Os iníquos serão destruídos para sempre Mat. 25:41-46; 2 Tes. 1:6-9

Os que Deus aprova receberão vida eterna João 3:16; 10:27, 28; 17:3; Mar. 10:29, 30

Só há um caminho para a vida Mat. 7:13, 14; Efé. 4:4, 5

A morte humana deve-se ao pecado de Adão Rom. 5:12; 6:23

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A alma humana deixa de existir na morte Eze. 18:4; Ecl. 9:10; Sal. 6:5; 146:4; João 11:11-14

O inferno é a sepultura comum da humanidade

Sal. 16:10, Al,(15:10) So; Rev. 20:13, 14, Fi, So

A esperança para os mortos é a ressurreição 1 Cor. 15:20-22 ; João 5:28, 29; 11:25, 26

A morte adâmica cessará 1 Cor. 15:26 , 54; Rev. 21:4; Isa. 25:8

Apenas um pequeno rebanho de 144.000 vai para o céu e governará com Cristo

Luc. 12:32; Rev. 14:1, 3; 1 Cor. 15:40-53 ; Rev. 5:9, 10

Os 144.000 nascem de novo como filhos espirituais de Deus

1 Ped. 1:23 ; João 3:3; Rev. 7:3, 4

O novo pacto foi feito com o Israel espiritual Jer. 31:31; Heb. 8:10-13

A congregação de Cristo é edificada sobre ele Efé. 2:20; Isa. 28:16; Mat. 21:42

Orações devem ser dirigidas só a Jeová, mediante Cristo

João 14:6, 13, 14; 1 Tim. 2:5

Não se devem usar imagens na adoração Êxo. 20:4, 5; Lev. 26:1; 1 Cor. 10:14 ; Sal. 115:4-8

O espiritismo deve ser evitado Deut. 18:10-12; Gál. 5:19-21; Lev. 19:31

Satanás é o governante invisível do mundo 1 João 5:19 ; 2 Cor. 4:4 ; João 12:31

O cristão não deve participar em movimentos ecumênicos

2 Cor. 6:14-17 ; 11:13-15; Gál. 5:9; Deut. 7:1-5

O cristão deve manter-se separado do mundo Tia. 4:4; 1 João 2:15 ; João 15:19; 17:16

Obedecem às leis humanas que não entram em conflito com as leis de Deus

Mat. 22:20, 21; 1 Ped. 2:12 ; 4:15

Introduzir sangue no corpo pela boca ou pelas veias viola as leis de Deus

Gên. 9:3, 4; Lev. 17:14; Atos 15:28, 29

É preciso obedecer às leis bíblicas sobre a moral

1 Cor. 6:9, 10 ; Heb. 13:4; 1 Tim. 3:2 ; Pro. 5:1-23

A observância do sábado foi dada só a Israel e terminou com a Lei mosaica

Deut. 5:15; Êxo. 31:13; Rom. 10:4; Gál. 4:9, 10; Col. 2:16, 17

Uma classe clerical e títulos especiais são impróprios

Mat. 23:8-12; 20:25-27; Jó 32:21, 22

O homem não evoluiu mas foi criado Isa. 45:12; Gên. 1:27; Mat. 19:4

Cristo deu exemplo que precisa ser seguido em servir a Deus

1 Ped. 2:21 ; Heb. 10:7; João 4:34; 6:38

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O batismo por imersão completa simboliza a dedicação

Mar. 1:9, 10; João 3:23; Atos 19:4, 5

Os cristãos de bom grado dão testemunho público da verdade bíblica

Rom. 10:10; Heb. 13:15; Isa. 43:10-12

2.2 As Testemunhas de Jeová no Brasil

A religião foi introduzida no Brasil em 1923 por um grupo de marinheiros norte-americanos,

e, hoje conta com cerca de 750.000 adeptos, em 10.800 congregações em todo o país. A sede

nacional está localizada na cidade de Cesário Lange, SP.

Segundo a hierarquia da religião, cada congregação tem seus anciãos, ou superintendentes,

voluntários que conduzem o ensino auxiliado por servos ministeriais. Nas assembléias anuais

as várias congregações se reúnem e procedem ao batismo de novos membros.

2.3 A Posição das Testemunhas de Jeová sobre a transfusão de sangue

"Portanto, quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa faça todas as

coisas para a glória de Deus." (1 Coríntios 10:31)

As Testemunhas de Jeová como toda religião tem suas crenças e normas. Algumas são mais

comuns do que as outras, dentre estas crenças e normas, como exemplo temos: não comemora

datas festivas como aniversários, não presta serviço militar, e talvez a mais conhecida, a

recusa da transfusão de sanguínea.

Entendem que esta proibição foi dada à humanidade em geral visto que foi transmitida por

Deus a um homem que a Bíblia apresenta como ancestral de todos os homens, Noé. Além

disso, reforçando esta aplicação geral, a ordem teria sido dada na ocasião em que Noé, tal

como o primeiro homem Adão, iria dar um novo início à sociedade humana. Esta mais antiga

referência bíblica ao uso de sangue diz o seguinte:

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"Tudo o que se move e vive vos servirá de alimento; eu vos dou tudo isto, como vos dei a

erva verde. Somente não comereis carne com a sua alma, com seu sangue. Eu pedirei

conta de vosso sangue, por causa de vossas almas, a todo animal; e ao homem que matar

o seu irmão, pedirei conta da alma do homem." (Génesis 9:3-5)

As Testemunhas entendem que esta ordem não era uma mera restrição alimentar ou dietética

visto que se associa o sangue não só com o alimento mas também com o assassínio. Mais

tarde, após a formação da nação de Israel, a própria constituição ou Lei nacional incluía as

seguintes ordens:

"E não deveis comer nenhum sangue em qualquer dos lugares em que morardes, quer

seja de ave quer de animal. Toda alma que comer qualquer sangue, esta alma terá de ser

decepada do seu povo." (Levítico 7:26, 27)

"Se alguém da casa de Israel, ou dos estrangeiros que residirem entre eles, tomar

qualquer sangue, eu porei a Minha face contra a pessoa que toma o sangue, e a cortarei

de entre seus parentes. Pois a vida da carne está no sangue." (Levítico 17:10, 11)

A Lei mencionava o que um caçador devia fazer com um animal morto:

"Ele deve derramar o seu sangue e cobri-lo de terra. Não deveis tomar o sangue de

carne alguma, pois a vida de toda carne é o seu sangue. Qualquer pessoa que tomar dele

será cortada." (Levítico 17:13, 14)

As Testemunhas mencionam ainda que esta lei de Deus sobre o sangue não deveria ser

desconsiderada nem mesmo numa emergência. Lembram que alguns soldados israelitas, em

certa crise em tempo de guerra, mataram animais e ‘foram comê-los junto com o sangue’.

Apesar de parecer uma questão de emergência, ainda assim considerou-se esse acto como

pecado contra Deus. (1 Samuel 14:31-35)

Após a morte de Jesus, os apóstolos reuniram-se para decidir que aspectos da antiga Lei de

Israel deveriam ser adoptados pelos cristãos. A sua decisão foi a seguinte:

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"O Espírito Santo e nós próprios resolvemos não vos impor outras obrigações além

destas, que são indispensáveis: abster-vos de carnes imoladas a ídolos, do sangue, de

carnes sufocadas e da imoralidade. Procederei bem, abstendo-vos destas coisas." (Actos

dos Apóstolos 15:28, 29)

Segundo o entendimento das Testemunhas, os apóstolos não estavam a apresentar um mero

ritual ou um regulamento dietético. O decreto estabelecia normas éticas fundamentais, que os

cristãos primitivos deveriam acatar. Cerca de uma década depois, eles reforçaram:

"Quanto aos crentes dentre as nações, já avisamos, dando a nossa decisão, de que se

guardem do que é sacrificado a ídolos, bem como do sangue e do estrangulado, e da

fornicação." (Atos 21:25)

Assim, segundo o entendimento das Testemunhas, qualquer pessoa que se afirme cristã

deverá obedecer à ordem bíblica de 'abster-se de sangue.'

Acreditam também que a personalidade e os impulsos de cometer homicídios e roubos são

transmitidos por sangue, porém a sociedade Torre de vigia determinou que as testemunhas de

Jeová possam tomar certos componentes de sangue.

Como pode ser observada, a aversão das testemunhas de Jeová à terapêutica transfusional

apóia-se fundamentalmente na Bíblia, tornando-se um forte e poderoso alicerce para suas

crenças, que devem ser seguidas rigorosamente.

2.4 O sangue ao longo da história do cristianismo

Visto que, segundo a carta apostólica, a proibição de consumir sangue mantinha-se para os

cristãos, estes recusavam-se a utilizá-lo. As Testemunhas argumentam que, ao longo da

história, existem muitas evidências de que os que se consideravam cristãos também entendiam

de igual forma a proibição bíblica.

Page 8: Trabalho tgd

Eusébio, escritor do Século III, que é considerado o “pai da história da Igreja”, relata o que

ocorria em Lião (agora em França) no ano 177 EC. Os inimigos religiosos acusaram

falsamente os cristãos de comer crianças. Durante a tortura e execução de alguns deles, uma

jovem chamada Bíblias respondeu à falsa acusação, dizendo:"Como podemos comer crianças

— nós, a quem não é nem lícito comer o sangue de animais?”

Martinho Lutero também reconheceu as implicações do decreto mencionado nos Atos. Ao

protestar contra as práticas e crenças católicas, inclinava-se a agrupar o concílio apostólico

com concílios eclesiásticos posteriores, cujos decretos não faziam parte da Bíblia. Lutero

escreveu o seguinte a respeito de Atos 15:28, 29:

“Daí, se quisermos ter uma igreja que se ajuste a este concílio (visto ser correcto, uma vez que é o primeiro e o principal concílio, e foi realizado pelos próprios apóstolos), temos de ensinar e insistir que doravante, nenhum príncipe, senhor, burguês, ou campónio, coma gansos, corça, veado, ou leitão cozinhado em sangue, (...) E os burgueses e campónios têm de abster-se especialmente da morcela e do chouriço com sangue.”

Durante o Século XVIII, o cientista e estudioso da Bíblia, Sir Isaac Newton, expressou o seu

interesse na santidade do sangue. Ele declarou:

“Esta lei era mais antiga do que os dias de Moisés, sendo dada a Noé e a seus filhos, muito antes dos dias de Abraão: e, assim, quando os Apóstolos e Anciãos no Concílio de Jerusalém declararam que os gentios não eram obrigados a ser circuncidados e a guardar a lei de Moisés, eles exceptuaram esta lei de abster-se do sangue, e de coisas estranguladas, como sendo uma lei anterior de Deus, imposta, não apenas aos filhos de Abraão, mas a todas as nações.”

O perito bíblico católico, Giuseppe Ricciotti (1890-1964) referiu-se ao incidente de Lião

(acima descrito) como evidência de que os primitivos “cristãos não podiam comer sangue”.

E acrescentou: “Até mesmo nos séculos que se seguiram, até à Idade Média, encontramos

ecos inesperados desta primitiva ‘abominação’, devida inquestionavelmente ao decreto”.

Assim, as Testemunhas de Jeová consideram que se apegam ao modelo apostólico cristão ao

rejeitarem utilizar o sangue humano ou animal, tanto na alimentação como na medicina.

Argumentam ainda que, durante muitos séculos, esta era a posição de muitos eruditos e

teólogos das várias denominações ditas cristãs.

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2.5 A Liberdade Religiosa dos Seguidores da Testemunha de Jeová

A religião esta presente na vida das pessoas e das comunidades políticas desde o inicio dos

tempos.

John Locke (1632-1704), um dos principais precursores e teóricos do liberalismo, defendeu a

liberdade religiosa como um componente essencial da liberdade individual. Suas idéias

influenciaram a declaração de independência dos Estados Unidos de 1776 sendo a primeira

emenda a Constituição Americana de 1877, previu a separação da religião e do Estado e

assegurou seu livre exercício.

A partir daí o direito de professar uma crença e seguir seus ritos, foi incorporada a

documentos constitucionais, declaração de direitos e diplomas internacionais como a

Declaração dos Direitos do Homem e o Cidadão (1789), a Declaração Universal dos Direitos

do Homem (1966), a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969).A Convenção

Européia de Direitos Humanos (1953).

3 PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS ASSEGURADOS

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3.1 O Direito à vida e a liberdade

O Direito à vida é tido como direito fundamental inviolável:

Art. 5º CF/88 – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes.”

Assim, a vida constitui um bem inviolável que pertence não só ao indivíduo (titular da

personalidade jurídica), mas também ao Estado que tem o dever de proteger e assegurar as

condições básicas para a sua preservação.

O doutrinador Alexandre de Morais diz: “o direito à vida é o mais fundamental de todos os

direitos, já que se constitui um pré-requisito a existência e exercício de todos os demais

direitos.”

O Brasil é ainda parte na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de San José

de Costa Rica”), de 1969, cujo art.4º menciona o direito à vida como um direito fundamental

e inderrogável:

Art. 4º Direito à Vida

Toda pessoa tem o direito de que respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei é, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

Para o jurista Celso Ribeiro Bastos, todos os seguidores da Testemunha de Jeová aceitam a

maioria dos tratamentos médicos existentes, sendo que a única ressalva consiste no

transfundir sangue. Pretendem, como todas as pessoas, continuar vivos, porém objetivam

também uma vida em paz sem que a sua posição religiosa seja maculada.

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O direito de escolher um tratamento médico sem a utilização do sangue esbarra em outro

principio fundamental protegido pela Constituição Federal de 1988: o direito a liberdade.

Em sua concepção gramatical a palavra liberdade significa a faculdade de cada um se decidir

ou agir segundo a própria determinação1, ou a faculdade que tem cada um de agir em

obediência apenas a sua vontade2.

A liberdade de agir, porém, não pode ser interpretada de forma extrema. Análise das relações

entre direitos fundamentais demonstra que o direito à liberdade encontra a sua justa medida de

contenção na esfera jurídica do outro.

É certo que a liberdade é algo inerente à condição humana. E como dito anteriormente a vida

é pré-requisito de todos os direitos protegidos constitucionalmente, já que sua supressão

implica necessariamente, assim como diz o Promotor de Justiça, Enéias Xavier Gomes, numa

recente matéria publicada no Jornal Estado de Minas do dia 21/03/2011: “os supostos

atentados à liberdade individual e de crença não se sobrepõem à vida, pois ela é pressuposto

do exercício dos demais”. E ainda defende: “sem vida não há pessoa e muito menos liberdade

religiosa.”

No entanto, para as Testemunhas de Jeová, as práticas religiosas não transgridem as normas

jurídicas. A liberdade consiste na livre escolha que não se esgota na fé ou na crença, mas de

práticas dessas orientações que engloba valores ético-morais.

Para Celso Ribeiro Bastos, a recusa da transfusão de sangue pode ser vista de outro modo:

“como um direito de escolher um tratamento isento de sangue, devendo o profissional de a

medicina levá-lo em consideração.”

3.2 O Direito á dignidade da Pessoa Humana

A dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito é o equilíbrio

da relação entre Estado e Indivíduo.

1 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2.ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.1028.

2 Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Dicionário Jurídico, 3.ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p.465.

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O direito à vida, situado a frente de todos os direitos fundamentais tem como alicerce o direito

a vida digna.

Reconhecer a supremacia da dignidade humana é entender a vida como pressuposto básico

para que se manifestem outros direitos fundamentais decorrentes como a integridade física,

psíquica e intelectual do individuo. Através da dignidade humana surgem deveres do Estado

no sentido de propiciar o bem de todos sem qualquer forma de discriminação (Constituição

Federal, art. 1º, inciso III).

Em contra partida, essa religião entende que realizar a transfusão de sangue contra a vontade

do indivíduo afeta seu valores morais, religiosos, violando, portanto, a dignidade da pessoa

humana. E mais, o Estado deve disponibilizar recursos alternativos que dispense o tratamento

das transfusões de sangue.

Enfim, não restando outra forma, o Estado quando impõe a transfusão de sangue com o

intuito de garantir o direito à vida aos Seguidores da Testemunha de Jeová transgride a

liberdade de crença e a dignidade da pessoa humana?

A preferência por um dos direitos fundamentais (a vida ou a liberdade religiosa) não é tão

simples. Diante desse conflito teríamos que refletir se a decisão cabe ao titular dos direitos ou

considerar a possibilidade da transfusão nos casos de iminente risco de vida em que não haja

alternativa médica.

Como dito anteriormente, é da dignidade humana que se extrai o direito fundamental ao livre

desenvolvimento da personalidade garantindo à pessoa a conformação de seu projeto

espiritual.

3.3 O Direito a liberdade religiosa e a convicção filosófica

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A liberdade religiosa está contida nos direitos fundamentais, pois constitui a manifestação do

pensamento.

A nossa Carta Magna em seu artigo 5º, inciso VI proclama:

“é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.”

O princípio citado envolve a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de

organização religiosa.

Na lição de José Afonso da Silva (2009):

“A liberdade de crença é a liberdade de escolha da religião, liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade ( ou o direito) de mudar de religião , mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma. Na liberdade de culto, a religião não é apenas sentimento sagrado puro,sua característica básica se exterioriza na prática de ritos, no culto, com suas cerimônias , manifestações, reuniões,fidelidades ao hábitos, às traduções na forma indicada pela religião. Já a liberdade de organização religiosa, diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização das igrejas e suas relações com o Estado.”

De acordo com o artigo 19, I da Constituição Federal:

“é vedado á União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o exercício ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”

O artigo mencionado faz o uso de uma expressão “embaraçar-lhes o exercício”, que significa

vedar, dificultar, limitar ou restringir a prática psíquica ou material de atos religiosos ou

manifestações de pensamento religioso.

A crença religiosa tem sido o impedimento para o recebimento, pelo paciente, da transfusão

de sangue. Instaura-se um conflito entre liberdade religiosa e o direito à vida: de um lado a

religião deve existir para preservar a vida e não para exterminá-la, o dogma religioso não

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pode ir ao ponto de produzir a morte por proibição de tratamento médico. E se a transfusão de

sangue for tida como imprescindível, deve ser concretizada.

Por outro lado, os seguidores da Testemunha de Jeová acreditam que a liberdade religiosa

deve estar protegida contra todo o tipo de coação e que o Estado e os particulares não podem

impedir o exercício da religião. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se a um

tratamento terapêutico específico contra sua vontade livre e consciente manifestada.

O direito a liberdade de crença é um dos direitos reconhecidos pela Declaração Universal dos

Direitos Humanos, de 10/12/1948 determina:

“Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.”

É inegável que a religião faz parte de toda e qualquer sociedade, e que tem estado impregnada

pelas grandes transformações sociais.

Portanto, em face dos direitos fundamentais, a vida e a liberdade religiosa devem estar em

consonância com o art.5º, II que reza: “ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer

alguma coisa senão em virtude de lei.”

3.4 O Direito à integridade física

O Direito tutelado é a higidez do ser humano no sentido mais amplo da expressão, mantendo-

se a incolumidade corpórea e intelectual, repelindo-se as lesões causadas ao funcionamento

normal do corpo humano.

O conflito sobre o tema diz respeito aos limites do poder da vontade individual em confronto

com as necessidades de intervenções médicas.

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De acordo com o Código Civil de 2002 em seu artigo 15: “ninguém pode ser constrangido a

submeter-se com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.” Dessa forma,

o paciente tem a prerrogativa de recusar determinado tratamento médico em função do seu

direito à integridade física, em caso de impedimento da sua manifestação, incumbe ao seu

responsável legal.

Mas como compatibilizar o direito indisponível à vida e à integridade física com a convicção

da fé que sustenta a espiritualidade do ser humano?

A fé religiosa é um direito fundamental e um direito de personalidade inserida na esfera de

proteção da integridade física e moral do indivíduo. Assim, o paciente que se recusa o

tratamento médico, como a transfusão de sangue deve ter plena consciência de seus riscos

cabendo ao profissional expressamente informá-la para prevenir responsabilidades.

Não se pode ignorar que há uma tendência de preponderância dos direitos relativos à

integridade física, psíquica e moral dos indivíduos.

Nenhum posicionamento que se adotar agradará a todos. As circunstâncias deverão ser

analisadas no caso concreto pelo juiz com observância nos critérios da proporcionalidade e da

razoabilidade para que não seja exterminado um direito em detrimento de outros.

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4 O DIREITO INDISPONÍVEL DA PERSONALIDADE

A carta constitucional de 1988 inovou ao regulamentar as matérias que outrora eram

confinadas nos limites do direito privado. Trata-se de uma nova tendência no

constitucionalismo contemporâneo que, mediante a submissão da ordem civil à ordem

constitucional, intenta uma efetiva aplicabilidade dos preceitos que asseguram os direitos

fundamentais e, conseqüentemente, estruturam o Estado Social constitucionalmente erigido

sob a forma democrática.

A atual jurisdição constitucional estabelece parâmetros de tutela que se irradiam

sistematicamente, tanto nas relações privadas quanto nas econômicas.

Tais relações se tornaram aptas a uma profunda reformulação de seus pressupostos

tradicionais. O texto constitucional, amparado pelos conceitos de cidadania e dignidade

humana como valores supremos, confere novo conteúdo à legislação infraconstitucional, de

modo a afirmar a primazia da pessoa humana, integralizando-a em todas as suas

manifestações.

4.1 Conceito de Personalidade:

Na tentativa de buscar um conceito para Personalidade percebemos que há inúmeras

divergências entre os doutrinadores e estudiosos, persistindo as incertezas e obscuridades .

Essas divergências se referem à sua própria existência, à sua natureza, à sua extensão e à sua

especificação; do caráter relativamente novo de sua construção teórica; da ausência de uma

conceituação global e definitiva; de seu enfoque, sob ângulos diferentes, pelo direito positivo

(público, de um lado, como liberdades públicas; privado, de outro, como direitos da

personalidade), o que lhe imprime feições e disciplinações distintas (BITTAR, 1995).

Page 17: Trabalho tgd

No entanto, podemos afirmar que o conceito de personalidade está totalmente relacionado ao

conceito de pessoa, pois àquele que nasce com vida, torna-se uma pessoa, ou seja, adquire

personalidade. Ser pessoa e conseqüentemente adquirir personalidade, é pressuposto básico

para inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica.

O Código Civil de 2002 reconhece a personalidade para toda pessoa natural (ser humano),

bem como para certas entidades morais, denominadas pessoas jurídicas (agrupamentos

humanos), que se subordinam aos preceitos legais para melhor atingir seus objetivos, sejam

de ordem econômica e social, como associações e sociedades, ou através de fundações,

constituídas de um patrimônio destinado a um fim determinado.

Conceito de pessoa: pela doutrina tradicional “pessoa é o ente físico ou coletivo suscetível de

direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito”, segundo entendimento de Maria

Helena Diniz.

Sujeito de direito: é aquele que é “sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou

titularidade jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento do

dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na produção da decisão judicial” (Clóvis

Beviláqua).

Personalidade jurídica: “toda pessoa é dotada de personalidade, conceito básico da ordem

jurídica que a estende a todos os homens indistintamente, consagrando-a na legislação civil e

nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade. É a qualidade jurídica que se

revela como condição preliminar de todos os direitos e deveres” (Haroldo Valladão in Maria

Helena Diniz).

Vários autores se ocuparam em definir o que seja personalidade. No entanto, citaremos apenas

alguns dos conceitos emitidos.

Na compreensão de Cristiano Farias e Nelson Rosenvald a personalidade jurídica “é o atributo

reconhecido a uma pessoa (natural ou jurídica) para que se possa atuar no plano jurídico

(titularizando as mais diversas relações) e reclamar uma proteção jurídica mínima, básica,

reconhecida pelos direitos da personalidade”.

Page 18: Trabalho tgd

Segundo Maria Helena Diniz “a personalidade consiste no conjunto de caracteres da própria

pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser

humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que

dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira

utilidade, para que ela possa ser o que é”.

“A personalidade, mais do que qualificação formal, é um valor jurídico que se reconhece nos

indivíduos e, por extensão, em grupos legalmente constituídos, materializando-se na

capacidade jurídica ou de direito” (Francisco Amaral in Cristiano de Farias e Nelson

Rosenvald).

4.2 Direitos da Personalidade:

Os direitos da personalidade são aquelas situações jurídicas reconhecidas à pessoa, tomadas

em si mesma e em suas necessárias projeções sociais. Esses direitos constituem construção

jurídica relativamente recente, após a II Guerra Mundial, quando houve a necessidade de

proteção de uma categoria básica de direitos reconhecidos à pessoa humana para salvaguardar

a própria raça.

“Dentre os direitos subjetivos de que o homem é titular, pode-se facilmente distinguir duas

espécies diferentes, a saber: uns que são destacáveis da pessoa de seu titular e outros que não

o são.” (RODRIGUES, 2007, p.61).

Estes direitos, que não são destacáveis da pessoa, são os chamados direitos personalíssimos

ou direitos de personalidade. Direitos inerentes ao ser humano que lhe serão atribuídos, em

momento definido por lei, e que não podem dele ser apartados. São espécies do gênero

direitos humanos, sendo previsto pela nossa Constituição Federal como direitos fundamentais,

recebendo, portanto, em regra, a mesma classificação conferida a eles e possuindo as mesmas

características. Assim, com a personalidade, a pessoa adquire todos os direitos necessários à

sua dignidade.

Page 19: Trabalho tgd

Os direitos provenientes da personalidade são regulados em sua extensão pela capacidade. A

capacidade deriva da personalidade e assim como a personalidade não é um direito, a

capacidade apenas regula e limita estes direitos considerando a condição e as características

do ente personalizado. “[...] a capacidade é a medida da personalidade. Diz-se que a

personalidade é um quid (substancia, essência) e a capacidade, um quantum. (MORATO “ET

AL” 2008, p. 7).

Sob a ótica de José Carlos Moreira Alves “a personalidade jurídica é a potencialidade de

adquirir direitos e contrair obrigações e a capacidade jurídica é o limite dessa potencialidade”.

Ainda, segundo Farias e Rosenvald, fazendo uma síntese sobre a capacidade e a personalidade

“enquanto a personalidade tende ao exercício das relações existenciais, a capacidade diz

respeito ao exercício de relações existenciais”.

A relevância em estudar os direitos da personalidade e a capacidade das pessoas, consiste no

fato de, estudando tanto as limitações referentes à capacidade e os limites da autonomia

privada, ponderar a respeito da possibilidade de um paciente dispor de seu direito a vida.

Reportamo-nos à Maria Helena Diniz, quando conceitua direito de personalidade como sendo

“o direito da pessoa de defender o que lhe é próprio como a vida, a identidade, a liberdade, a

imagem, a privacidade, a honra, etc. É o direito subjetivo de exigir um comportamento

negativo de todos, protegendo um bem próprio, valendo-se de ação judicial. Como todos os

direitos de personalidade são tutelados em cláusula pétrea constitucional não se extinguem

pelo seu não-uso, nem seria possível impor prazos para sua aquisição ou defesa.

4.3Características dos direitos da personalidade:

Os direitos da personalidade são indisponíveis e inalienáveis.

Em observância ao art. 11 do Código Civil de 2002, ao dispor que “com exceção dos casos

previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis”,

podemos antever o seu caráter indisponível de maneira relativa.

Page 20: Trabalho tgd

Em casos específicos, é permitido ao titular ceder o exercício (e não a titularidade) de alguns

dos seus direitos da personalidade, desde que o ato de disposição não viole a sua dignidade.

Há, pois uma indisponibilidade relativa, reconhecida pelo Código Civil em seu art. 11.

Segundo Rosenvald e Farias, “a compreensão dos direitos da personalidade deve ocorrer em

perspectiva de relativa indisponibilidade, impedindo que o titular possa deles dispor em

caráter permanente ou total, preservando assim, a sua própria estrutura física, psíquica e

intelectual”.

Há também outras características dos direitos da personalidade propostas por outros

doutrinadores, apesar de haver várias divergências entre eles, principalmente ao se referirem

ao caráter absoluto. No entendimento dos autores, os direitos da personalidade são

essencialmente indisponíveis, mas esta característica não é absoluta, já que o titular do direito

pode, em maior ou menor medida, dispor voluntariamente sobre os bens protegidos por tais

direitos num exercício de liberdade e autonomia que constitui também expressão da própria

personalidade e da dignidade.

Complementando as características dos direitos da personalidade, ressaltamos estas:

• imprescritíveis, extra-patrimoniais, vitalícios, originários e impenhoráveis.

Ainda, segundo Borba, as características são as seguintes:

a) São inatos ou originários porque se adquirem ao nascer, independendo de qualquer

vontade;

b) são vitalícios, perenes ou perpétuos, porque perduram por toda a vida. Alguns se refletem

até mesmo após a morte da pessoa. Pela mesma razão são imprescindíveis porque perduram

enquanto perdurar a personalidade, isto é, a vida humana. Na verdade, transcendem a própria

vida, pois são protegidos também após o falecimento; são imprescritíveis;

c) são inalienáveis, ou mais propriamente, relativamente indisponíveis, porque em princípio,

estão fora do comércio e não possuem valor econômico imediato;

Page 21: Trabalho tgd

d) são absolutos, no sentido de que podem ser opostos erga omne .

Os direitos da personalidade são divididos em três categorias: Direito à integridade física

(direito à vida, direito ao corpo, direito à saúde ou inteireza corporal, etc), a integridade

intelectual (direito à autoria científica ou literária, à liberdade religiosa e de expressão, dentre

outras,) e a integridade moral (honra, educação, emprego, habilitação, etc)

No Enunciado 274 da Jornada de Direito Civil há o seguinte entendimento: “os direitos da

personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da

cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da

dignidade da pessoa humana)”.

4.4 O direito indisponível da Personalidade:

Conforme ensina Rodrigues Bastos, “um direito deve considerar-se indisponível quando o seu

titular não pode privar-se dele por simples acto de sua vontade”.

Ana Prata ensina que “Indisponível é o bem ou direito de que o respectivo titular não pode

dispor, ou porque a lei determina que esse seja, temporária ou definitivamente, o seu regime,

ou porque, por sua natureza, não é alienável”.

São indisponíveis os direitos que as partes não podem constituir ou extinguir por acto de

vontade e os que não são renunciáveis. (Luís de Lima Pinheiro in dgsi.pt).

Mas, no enunciado 4, da Jornada de Direito Civil consta que “o exercício dos direitos da

personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.

A disponibilidade aos direitos da personalidade deve ser prevista em lei, apenas a lei pode

autorizar e regulamentar a disponibilidade de tais direitos, devendo inclusive fazê-lo da forma

apropriada, por serem espécie do gênero direitos humanos e serem previstos como direitos

fundamentais pela Constituição Federal.

Page 22: Trabalho tgd

Segundo Fernanda B. Cantali é na perspectiva protetiva que emergem os limites da atuação

dos particulares, já que os atos de disposição sobre os direitos fundamentais da personalidade

devem respeitar a ordem pública, na qual, na mais alta hierarquia, desponta o fundamento da

República que é a dignidade humana, bem como atender ao chamado limite dos limites, que

se traduz na preservação do núcleo essencial e irrenunciável da dignidade humana, já que o

homem jamais poderá ser tratado como instrumento mercadológico, haja vista que a

objetificação da pessoa é antagônica à noção de dignidade.

A questão é que se deve tratar a pessoa humana como homem-sujeito e não como homem-

objeto. Desse modo, o ato de disposição há que ser transitório e específico.

A característica de indisponibilidade dos direitos da personalidade mereceu ser relativizada

para considerar a disponibilidade relativa destes direitos, já que a tutela não se restringe ao

âmbito protetivo, alcançando também o âmbito do exercício positivo desses direitos. A

análise fenomenológica dá conta de que os titulares de direitos da personalidade podem dispor

dos bens ligados à personalidade, renunciando ou limitando-os, desde que voluntariamente e

dentro de certos limites.

Sendo assim, a indisponibilidade essencial e a disponibilidade relativa, calcada no livre

desenvolvimento da personalidade, são posições que convivem em uma teoria que admite

relativizações sempre primando pela unidade do sistema centrado na dignidade humana.

Constatando-se que a disponibilidade relativa implica na possibilidade de restrição de direitos,

legitima-se o ato dispositivo somente após a ponderação no caso concreto.

Isso porque a esfera de disponibilidade origina casos que envolvem colisões de direitos

fundamentais - autonomia de um lado e direito da personalidade que se pretende restringir de

outro - e a ponderação é procedimento, por excelência, para a solução dos chamados casos

difíceis.

As soluções não são dadas, mas construídas à luz da unidade sistemática do ordenamento

jurídico calcado na promoção e proteção da dignidade humana” ( Fernanda B. Cantali).

Page 23: Trabalho tgd

5 RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL

5.1 Do médico

Os médicos enfrentam um desafio incomum ao tratarem as Testemunhas de Jeová. Os

membros desta crença têm profundas convicções religiosas contra aceitarem sangue total,

papas de hemácias [glóbulos vermelhos], concentrados de leucócitos [glóbulos brancos], ou

de plaquetas. Sob o aspecto jurídico-penal, o fato de omitir-se de aplicar uma transfusão de

sangue a uma pessoa enferma ou acidentada, que esteja correndo perigo de vida ou saúde, é

crime, independentemente da crença de tal pessoa.

O delito de omissão de socorro vem assim descrito no art. 135 do Código Penal (CAPÍTULO

III - DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE): “Deixar de prestar assistência, quando

possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida

ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro

da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de

natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

Nesse caso, o sujeito ativo de tal delito é aquele que tem o dever de prestar assistência (no

caso de transfusão de sangue). Ou seja, o médico.

Portanto, se uma pessoa pertencente à tal religiaõ entrar em um hospital, estando em grave e

iminente perigo de vida ou saúde, e o médico deixar de prestar-lhe assistência (no caso, de

aplicar-lhe transfusão de sangue), responderá pelo crime de omissão de socorro, simples ou

qualificado pela lesão corporal grave ou morte (conforme for o caso concreto), ainda que a

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pessoa ou seus parentes não queiram tal tratamento. Nesse caso, apesar de tal paciente ter

direito à Liberdade Religiosa, esta não pode ferir o direito à vida, que é de ordem pública.

Mas como solucionar o problema, face à lei penal? Seria o caso de se efetuar a transfusão de

sangue no paciente, mesmo contra sua vontade ou de seu representante legal (se se tratar de

criança)?

Se o médico ministrar a transfusão de sangue ao paciente contra sua vontade, estaria

cometendo outro crime, o de constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do Código Penal

(CAPÍTULO VI - DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL - SEÇÃO I -

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL), “Constranger alguém, mediante

violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a

capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda’

Entretanto, o § 3º, inciso I do art. 146 diz o seguinte: § 3º - Não se compreendem na

disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do

paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

Por outro lado, se não houver iminente perigo de vida ou saúde para a pessoa, então deve o

médico respeitar o pensamento religioso de seu paciente.

Diante da recusa por convicções religiosas, o médico enfrenta dramática situação: sua

formação direciona-o para salvar vidas, porém, se realiza a transfusão contra a vontade do

paciente, sujeitar-se-ia às consequências de natureza civil e penal, pela intervenção não

consentida no corpo do paciente.

Já no que diz respeito ao aspecto civil, o art.15 do Código Civil (CAPÍTULO II - DOS

DIREITOS DA PERSONALIDADE) determina: “Ninguém pode ser constrangido a

submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Esse artigo

reforça o direito fundamental à liberdade de escolha e privilegia a autonomia individual do

paciente.

Esse dispositivo tem o objetivo de coibir a intervenção médica que ponha em risco a

integridade física e, no caso das Testemunhas de Jeová, a integridade moral de pacientes, sem

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que haja o prévio consentimento. Dessa forma, pode-se entender que este dispositivo abarca a

hipótese de transfusão sanguínea, quando esta implique em risco de vida.

Em relação ao consentimento, não podemos deixar de citar a validade da vontade antecipada

do paciente, por escrito, recusando-se a determinado tratamento médico, para a hipótese de

estado de inconsciência. Mas isso será tratado mais adiante no item 5.4 (PREOCUPAÇÕES

LEGAIS DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ).

Diante disso, em conjunto, os princípios constitucionais da legalidade, da liberdade de crença

e consciência, da dignidade da pessoa humana, da proteção da intimidade, bem como alguns

dispositivos, do Código Civil e do Estatuto do Idoso devem sobrepor-se ao direito à vida,

devendo o médico respeitar a vontade do paciente de não receber transfusão de sangue,

mesmo que disso venha a decorrer o óbito.

Desta forma, se o médico informar devidamente ao paciente os riscos da recusa à transfusão

de sangue, e mesmo assim o paciente se opor a esse tratamento, estará o profissional agindo

conforme o ordenamento jurídico, não podendo ser responsabilizado civil ou criminalmente

pelo resultado morte.

Em parecer, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1994) afirmou:

Com efeito, no ângulo penal, inexiste crime sem culpa. Ora, na hipótese de recusa de tratamento, não haverá culpa por parte do médico em não ser este prestado. Não terá havido omissão de responsabilidade do médico, mas recusa a tratamento específico por parte do paciente.

E acerca da responsabilidade ética em não ministrar o médico o tratamento indispensável em

respeito à vontade do paciente, o mesmo autor refere:

Igualmente, não haverá nesse caso responsabilidade do médico por falta ética. Falta que ele, aliás, não cometeu, porque se o tratamento, ou transfusão, não foram ministrados, isto se deu pela recusa por parte do paciente.

Evidentemente, se um paciente, de forma livre e consciente, recusa transfusão de sangue

mesmo ciente dos riscos iminentes a sua vida decorrentes dessa conduta, aplicar-se-á o

disposto no artigo 24 do Código de Ética Médica (2010):

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Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua

pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo..

Mas mesmo nos casos em que o médico fizer a transfusão de sangue contra a vontade do

paciente (somente nos casos de iminente risco de vida) não poderá resultar em

responsabilidade civil ou criminal, pois estará atendendo o que determina o seu Código de

Ética Médica (2010), especialmente os artigos 22 e 31:

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após

esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

"Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente

sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo

de vida."

Em suma, o caso das Testemunhas de Jeová é um dos, senão o mais controverso. Coloca em

conflito, de um lado, o direito à vida e, de outro, o direito à liberdade religiosa.

Em nossa Constituição Federal no caput do art. 5º, e nos incisos II, VI, VIII, X, além de

constar expressamente que não podemos discriminá-los quanto à posição religiosa, também

há a garantia de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei.

Porém, não podemos nos esquecer de que a responsabilidade do médico é para com a

coletividade e a medicina não pode ser comparada a nenhuma outra profissão, pois ninguém

tem nas mãos, ao mesmo tempo, a vida e a honra das pessoas.

Numa tentativa de dar uma resposta à essa polêmica o Conselho Federal de Medicina editou a

Resolução CFM 1.021/80 orientando o médico sobre como proceder no caso de pacientes

que, por motivos diversos, inclusive de ordem religiosa, recusam a transfusão de sangue (Veja

item 5.1.1)

Mas no geral, mesmo com divergência de algumas decisões e opiniões doutrinárias, a

jurisprudência tem decidido que o direito à vida se sobrepõe à liberdade de crenças, baseada

Page 27: Trabalho tgd

no entendimento de que as convicções religiosas não podem prevalecer perante o bem maior

que é a vida.

Embora a questão seja delicada e complexa, o exame das manifestações doutrinárias e da

jurisprudência dominantes leva a estas conclusões: (I) não sendo possível substituir a

transfusão sanguínea por tratamento alternativo em razão do iminente perigo de morte, a

decisão da transfusão de sangue cabe soberanamente ao médico, independentemente de

consentimento de quem quer que seja; (II) se ausente o perigo, prevalece a vontade do

paciente, familiares ou representante legal.

5.1.1 – Parecer do Conselho Federal de Medicina sobre a transfusão de sangue

RESOLUÇÃO CFM nº 1.021/80

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, usando da atribuição que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, eCONSIDERANDO o disposto no artigo 153, parágrafo 2º da Constituição Federal; no artigo 146 e seu parágrafo 3º, inciso I e II do Código Penal; e nos artigos 1º, 30 e 49 do Código de Ética Médica;CONSIDERANDO o caso de paciente que, por motivos diversos, inclusive os de ordem religiosa, recusam a transfusão de sangue;CONSIDERANDO finalmente o decidido em sessão plenária deste Conselho realizada no dia 26 de setembro de 1980,

RESOLVE:

Adotar os fundamentos do anexo PARECER, como interpretação autêntica dos dispositivos deontológicos referentes a recusa em permitir a transfusão de sangue, em casos de iminente perigo de vida.

Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1980.

GUARACIABA QUARESMA GAMAPresidente em Exercício

JOSÉ LUIZ GUIMARÃES SANTOS

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Secretário-Geral

Publicada no D.O.U.(Seção I - Parte II) de 22/10/80

PARECER PROC. CFM nº 21/80

O problema criado, para o médico, pela recusa dos adeptos da Testemunha de Jeová em permitir a transfusão sangüínea, deverá ser encarada sob duas circunstâncias:1 - A transfusão de sangue teria precisa indicação e seria a terapêutica mais rápida e segura para a melhora ou cura do paciente.Não haveria, contudo, qualquer perigo imediato para a vida do paciente se ela deixasse de ser praticada.Nessas condições, deveria o médico atender o pedido de seu paciente, abstendo-se de realizar a transfusão de sangue.Não poderá o médico proceder de modo contrário, pois tal lhe é vedado pelo disposto no artigo 32, letra "f" do Código de Ética Médica:"Não é permitido ao médico:f) exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente resolver sobre sua pessoa e seu bem-estar".2 - O paciente se encontra em iminente perigo de vida e a transfusão de sangue é a terapêutica indispensável para salvá-lo.Em tais condições, não deverá o médico deixar de praticá-la apesar da oposição do paciente ou de seus responsáveis em permiti-la.O médico deverá sempre orientar sua conduta profissional pelas determinações de seu Código.No caso, o Código de Ética Médica assim prescreve:"Artigo 1º - A medicina é uma profissão que tem por fim cuidar da saúde do homem, sem preocupações de ordem religiosa...""Artigo 30 - O alvo de toda a atenção do médico é o doente, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zêlo e melhor de sua capacidade profissional"."Artigo 19 - O médico, salvo o caso de "iminente perigo de vida", não praticará intervenção cirúrgica sem o prévio consentimento tácito ou explícito do paciente e, tratando-se de menor incapaz, de seu representante legal".Por outro lado, ao praticar a transfusão de sangue, na circunstância em causa, não estará o médico violando o direito do paciente.Realmente, a Constituição Federal determina em seu artigo 153, Parágrafo 2º que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei".Aquele que violar esse direito cairá nas sanções do Código Penal quando este trata dos crimes contra a liberdade pessoal e em seu artigo 146 preconiza:"Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda".Contudo, o próprio Código Penal no parágrafo 3º desse mesmo artigo 146, declara:"Não se compreendem na disposição deste artigo:I - a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida".A recusa do paciente em receber a transfusão sangüínea, salvadora de sua vida, poderia, ainda, ser encarada como suicídio. Nesse caso, o médico, ao aplicar a transfusão, não estaria violando a liberdade pessoal, pois o mesmo parágrafo 3º do artigo 146, agora no inciso II,

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dispõe que não se compreende, também, nas determinações deste artigo: "a coação exercida para impedir o suicídio".

CONCLUSÃO

Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta:1º - Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis.2º - Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

Dr. TELMO REIS FERREIRARelator

5.2 Dos pais em relação a filhos menores de idade

Outra questão bastante conflituosa é a relativa ao direito dos pais se recusarem à realização de

transfusão sanguínea em seus filhos menores.

É sabido que aos pais, detentores do poder familiar, competem o dever de realizar todo o

possível para manter a saúde e a vida de seus filhos. Pertence a eles também,

indiscutivelmente, a iniciativa de formação religiosa até que seus filhos, chegados à idade

adulta, possam decidir pela religião a ser por eles seguida e assumir pessoalmente as

consequências desta opção.

Todavia, existem aqueles para os quais o poder familiar não é absoluto. Uma recusa de

tratamento ao filho menor por razões de crença religiosa constituir-se-ia em exercício abusivo

do pátrio poder, uma vez que o Estado transfere para os pais o dever de garantir a vida de seus

filhos. Porém, se atuarem em sentido diverso, não se pode permitir que a vontade dos pais se

sobreponha ao direito de viver de seus filhos, impondo-se, portanto, a intervenção do Estado.

Nesse caso, é dever do médico proceder à transfusão, defendendo a vida de seu paciente e,

caso venha o hospital a pedir autorização judicial, é dever do magistrado a concessão da tutela

em nome da vida deste menor, fundamentada na premissa que o direito à vida pertence ao ser

humano, ao indivíduo, e não aos seus pais.

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Já o jurista Celso Ribeiro Bastos utiliza-se da tese de que o pátrio poder é absoluto e entende

que a decisão de não submeter o menor de idade a determinado tratamento médico pertence

ao parente responsável por ele.

O artigo 12 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, adotada em

20.11.1989 corrobora a visão do referido jurista:

Art.12 - Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus

próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos

relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em

função da idade e da maturidade da criança”.

Mas, inevitavelmente, surgem perguntas acerca do assunto: Podem os pais negar autorização

para transfusões de sangue em seus filhos menores? Com que idade o menor poderá recusar

tratamentos médicos por objeção de consciência?

Muitos doutrinadores, quando tal assunto é colocado em discussão fazem referência à

doutrina do menor amadurecido (mature minor doctrine), que considera menor amadurecido

aquele paciente que, embora não tendo atingido a idade da maioridade civil, é dotado da

capacidade de tomar decisões independentes, compreendendo a natureza e as consequências

do tratamento médico proposto, podendo aceitá-lo ou recusá-lo. Na teoria do menor

amadurecido, o importante a considerar é a capacidade decisória, e não algum limite

prefixado de idade.

No Direito Brasileiro, não se deve esquecer que a criança e o adolescente têm direito à

liberdade de opinião e de expressão, crença e culto religioso, conforme dispõem os artigos 15

art. 16, incisos II e III do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90 -

CAPÍTULO II - DO DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE), a saber:

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como

pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos

e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Page 31: Trabalho tgd

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

II - opinião e expressão;

III - crença e culto religioso;

Mais do que questionar o direito dos pais tomarem decisões pelos filhos, o que se deve levar

em conta é se o menor tem condições de expressar sua vontade consciente, caso em que

deverá ser ouvido. O mesmo ocorrendo para aqueles considerados relativamente incapazes.

Por fim, com base no que determina o Estatuto da criança e do Adolescente (ECA) não há

dúvida de que em matéria de tratamento médico, deve-se, sempre que possível, ouvir o menor

na medida de sua maturidade.

5.3 Legislação

O médico deverá sempre orientar sua conduta profissional pelas determinações as legislações

em vigor. A seguir listamos alguns códigos, bem como seus artigos em que são feitas

referências ao assunto tratado nesse trabalho.

1. Constituição da República Federativa do Brasil (1988)

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos:

[...]

III - a dignidade da pessoa humana; [...]

Page 32: Trabalho tgd

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

[...]

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício

dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas

liturgias;

[...]

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção

filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e

recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; [...]

2. Código Penal

Artigo 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe

haver reduzido, por qualquer meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei

permite, ou a fazer o que ela não manda.

[...]

§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:

I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu

representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

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3. Código Civil (2002)

Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento

médico ou a intervenção cirúrgica.

4. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e

moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da

autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

5. Estatuto do Idoso (2003)

Art. 17. Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de

optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável.

Parágrafo único. Não estando o idoso em condições de proceder à opção, esta será feita:

I – pelo curador, quando o idoso for interditado;

II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não puder ser contactado em

tempo hábil;

III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil para

consulta a curador ou familiar;

IV – pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido, caso em que

deverá comunicar o fato ao Ministério Público.

6. Código de Ética Médica

Capítulo I

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PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

I - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será

exercida sem discriminação de nenhuma natureza.

II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual

deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

[...]

VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício.

Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio

do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.

Capítulo II

DIREITOS DOS MÉDICOS

É direito do médico:

IX - Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos

ditames de sua consciência.

Capítulo III

RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL

É vedado ao médico:

Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia,

imprudência ou negligência.

Capítulo IV

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DIREITOS HUMANOS

É vedado ao médico:

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após

esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

[...]

Art. 30. Usar da profissão para corromper costumes, cometer ou favorecer crime.

5.4. Preocupações legais das Testemunhas de Jeová

O receio da responsabilidade civil é um dos motivos mais comuns para que alguns médicos e

hospitais mostram-se tão prontos a obter um mandado judicial para ministrar transfusão de

sangue em Testemunhas de Jeová.

Diante dessa polêmica, as Testemunhas de Jeová, com o objetivo de verem preservados seus

princípios religiosos e garantirem que médicos ou hospitais não serão responsabilizados civil

ou criminalmente ao proverem o solicitado tratamento isento de sangue quanto à utilização de

alternativas às transfusões, portam um cartão de identificação ou uma declaração onde

afirmam não admitir procedimentos terapêuticos que incluam transfusão sanguínea, isentando,

ao mesmo tempo, o profissional da responsabilidade por qualquer resultado adverso

proveniente da recusa. Sempre apresentam o documento ou assim declaram ao serem

internadas em hospitais.

O Documento intitulado “Documento Para Uso Médico” é renovado anualmente e é assinado

pela pessoa e por testemunhas, normalmente, parentes próximos, e registrado em cartório.

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Além disso, a fim de orientar equipes médicas sobre alternativas para evitar a hemotransfusão

ou ajudar pacientes que desejam ser transferidos a hospitais que usam alternativas, as

Testemunhas de Jeová criaram uma rede mundial de Comissões de Ligações com Hospitais

(COLIHS).

Quando um membro da religião vai se submeter a uma cirurgia que demandará transfusão de

sangue, este comunica ao ancião (espécie de chefe espiritual) de sua congregação que, por sua

vez, entra em contato com a COLIH mais próxima a fim de que esta acompanhe todo o

procedimento cirúrgico desse membro e garanta que seu desejo (não receber transfusão de

sangue) seja respeitado pelo médico e hospital.

5.5 Princípios Bioéticos

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6 VISÃO DOS TRIBUNAIS

Apesar da posição das Testemunhas de Jeová ser cada vez mais conhecida e compreendida,

ainda surgem desafios éticos e legais que as Testemunhas enfrentam e tentam vencer. Outras

vezes são as instituições hospitalares que recorrem a vias judiciais para forçar um

determinado tratamento recusado.

Após ser devidamente esclarecido sobre os riscos ou benefícios de um tratamento médico, um

paciente adulto capaz tem o direito de aceitá-lo ou não. É uma expressão da sua liberdade,

declarada e garantida pela Constituição de vários países.

Na grande maioria dos casos, quando uma Testemunha é posta perante a necessidade de uma

transfusão de sangue, recusá-la não é uma manifestação do desejo de morrer, mas sim ter

acesso a tratamentos alternativos que não violem as suas consciências. Naturalmente, alguns

médicos ou membros de equipes médicas poderão, em consciência, rejeitar tratar um paciente

que não aceita os tratamentos que estes lhe apresentam, caso considerem que não possuem

meios de recorrer a alternativas viáveis.

Mesmo com as normas constitucionais que tutelam a liberdade de crença e de consciência, o

direito à intimidade e à privacidade, os princípios da legalidade e da dignidade da pessoa

humana ainda que havendo renúncia do paciente de receber transfusão de sangue em situações

de iminente risco de morte não se configura a conflito de direitos fundamentais, mas sim,

concorrência de direitos fundamentais, pois a conduta se sujeita ao regime de dois direitos

fundamentais de um só e mesmo titular.

Primeiro que a Constituição art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

coloca o direito à vida acima do direito à liberdade religiosa.

E a segunda quando afirma na CF no art. 5º inciso VIII; ninguém será privada de direitos por

motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para

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eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa,

fixada em lei. Neste termos acima citado coloca o direito à vida acima do direito à liberdade

religiosa.

Quando se considera todo o procedente, os Juízes têm concluído haver base para se negar a

autorização para transfundir sangue, visto que, quando não existe uma emergência a

necessidade de sangue continua sendo algo especulativo. Quando eles se sentem compelidos

pelas circunstâncias e pela lei a expedir um mandado judicial que permite ou não o uso do

sangue, são examinadas as seguintes questões: risco de morte, a vontade do paciente e

tratamentos alternativos.

6.1 As jurisprudências no Brasil e no exterior

Atualmente no Brasil e no exterior, o ponto de vista estritamente legal, é pacífico na doutrina

e na jurisprudência que, em caso de morte iminente, o médico tem o dever ético-profissional e

legal de ministrar sangue ao paciente, caso, obviamente, não haja a menor possibilidade de

aplicação dos métodos alternativos.

6.1.1 BRASIL (Belo Horizonte)

A paciente, por motivos religiosos, não aceitava a transfusão, mesmo ciente do risco de morte.

Depois de fazer uma cirurgia o paciente apresentou queda progressiva dos níveis de

hemoglobina.

O juiz Renato Luís Dresch, da 4ª Vara da Fazenda Pública Municipal de Belo Horizonte/MG,

nos autos do processo 024.08.997938-9, indeferiu um pedido de alvará feito pelo Hospital

Odilon Behrens, que pediu autorização para fazer uma transfusão de sangue em uma paciente

que pertencia à religião Testemunhas de Jeová. Essa decisão foi tomada em base de que a

paciente estava consciente e apresentando de forma lúcida sua vontade.

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O juiz Renato Luis Dresch citou que:

Não pode o Estado impor-lhe obediência, já que isso poderia violar o seu estado de consciência e a própria dignidade da pessoa humana. Porque os seguidores da Testemunha de Jeová não se recusam a submeter a todo e qualquer tratamento clínico. A restrição diz respeito a qualquer tratamento que envolva a transfusão de sangue.

(...)

Que o recebimento do sangue pelo seguidor da corrente religiosa o torna excluído do grupo social de seus pares e gera conflito de natureza familiar, que acaba por tornar inaceitável a convivência entre seus integrantes.

(...)

Desta forma, tratando-se de pessoa que tem condições de discernir os efeitos da sua conduta, não se lhe pode obrigar a receber a transfusão.

Em uma das decisões do TJMG ficou decidido que é “possível que aquele que professa a

religião denominada Testemunhas de Jeová não seja judicialmente compelido pelo Estado a

realizar transfusão de sangue em tratamento quimioterápico, especialmente quando existem

outras técnicas alternativas a serem exauridas para a preservação do sistema imunológico.

6.1.2 BRASIL (Mato Grosso)

Tratava-se do caso de cidadão de mais de 60 anos de idade que ajuizou na 3ª Vara da Fazenda

Pública da Comarca de Cuiabá (MT) ação cominatória para cumprimento de ação de fazer

contra o Estado do Mato Grosso, visando compelir o ente estatal a lhe custear cirurgia

cardíaca (sem uso de transfusão de sangue) no Hospital Beneficência Portuguesa, na cidade

de São Paulo/SP. Tal procedimento poderia ser realizado no Estado do Mato Grosso, mas

somente mediante transfusão de sangue, o que ia de encontro às convicções religiosas do

paciente.

Nesse aspecto a decisão favorável ao direito de o paciente ter custeado pelo SUS tratamento

alternativa à transfusão de sangue em Estado diverso da Federação foi tomada, por maioria,

pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso no julgamento do Agravo de

Instrumento n.º 22.395/2006, cuja ementa é a seguinte:

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“TESTEMUNHA DE JEOVÁ – PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE DE

TRASFUSÃO DE SANGUE – EXISTÃSNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA –

TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO – RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA –

DIREITO À SAÚDE – DEVER DO ESTADO – RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA –

PRINCÍPIO DA ISONOMIA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – LIMINAR CONCEDIDA –

RECURSO PROVIDO. Havendo alternativa ao procedimento cirúrgico tradicional, não pode

o Estado recusar o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) quando ele se apresenta como a

única via que vai ao encontro da crença religiosa do paciente. A liberdade de crença,

consagrada no texto constitucional, não se resume à liberdade de culto, à manifestação

exterior da fé do homem, mas também de orientar-se e seguir os princípios dela. Não cabe à

administração pública avaliar e julgar valores religiosos, mas respeitá-los. A inclinação de

religiosidade é direito de cada um, que deve ser precatado de todas as formas de

discriminação. Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como

obstáculo intransponível à submissão do recorrente à cirurgia tradicional, deve o Estado

disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por meio de técnica que dispense-a,

quando na unidade territorial não haja profissional credenciado a fazê-la. O princípio da

isonomia não se opõe a uma diversa proteção das desigualdades naturais de cada um. Se o

Sistema Único de Saúde do Mato Grosso não dispõe de profissional com domínio da técnica

que afaste o risco de transfusão de sangue em cirurgia cardíaca, deve propiciar meios para

que o procedimento se verifique fora do domicílio (TFD), preservando, tanto quanto possível,

a crença religiosa do paciente.”

6.1.3 Estados Unidos

Devido a uma úlcera, paciente Testemunha de Jeová solicitou atendimento médico. Ele

alertou ao médico do seu desejo de não receber transfusão de sangue caso necessitasse,

inclusive mostrando um documento de que o medico estaria isento das responsabilidades

jurídicas e éticas. O médico, sem avisar antecipadamente à paciente, transfundiu sangue.

Levado o caso à via judicial.

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O Tribunal de Apelação do Estado de Illinois afirmou que a Primeira Emenda da Constituição

dos Estados Unidos protege o direito de cada indivíduo à liberdade de sua crença religiosa e

seu respectivo exercício. Aduziu-se que a ação governamental só poderia embaraçar tal direito

quando estivesse em perigo, clara e atualmente, a saúde, o bem-estar ou a moral pública. Essa

decisão foi avaliada porque não corria risco de morte, por isso, o Tribunal resolveu pela a

primeira vez a favor desta paciente Testemunha de Jeová.

6.1.4 Canadá

Aconteceu no Canadá no ano de 1989, onde aconteceu um acidente de automóvel, uma

Testemunha de Jeová sofreu muitos ferimentos. Chegando ao hospital ela informou que não

aceitaria a transfusão de sangue, mesmo na situação de emergência. O medico sem hesitar

ignorou a vontade da mesma, e transfundiu o sangue. Quando a paciente recuperou advertiu o

medico por administrar a transfusão sem seu conhecimento.

Neste caso o Tribunal resolveu em favor ao medico, que naquela situação havia um iminente

risco de morte e como um profissional que fez um juramento de que salvaria vidas

independentes de crenças religiosas e raças. A paciente apelou da decisão, mas o Tribunal de

Apelação de Ontário resistiu seus argumentos, reafirmando que quando se trata de uma

emergência a vida tem que prevalecer.

6.1.5 Chile

No começo de 2001, a Corte de Apelações de Valparaíso concluiu o caso contra um médico e

a esposa de um doente. O paciente, que não era Testemunha de Jeová, sofria de uma

hemorragia digestiva e se recusou a uma transfusão de sangue. O médico e a esposa do

paciente que era Testemunha de Jeová respeitaram a sua vontade, porém, o paciente morreu.

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Os familiares ajuizaram ação contra o médico e a esposa do paciente. Dois anos após o

Tribunal absolveu os dois porque eles respeitaram a vontade do paciente. Mas eles só foram

absolvidos visto que a enfermeira havia escrito na ficha clínica que o paciente não havia

consentido com a transfusão de sangue e foi feito a vontade dele.

6.1.6 Argentina

Um adepto da Religião Testemunha de Jeová, foi internado em um hospital em razão de

hemorragia digestiva. Negando-se a receber transfusão de sangue, as autoridades do hospital

pediram aos juízes autorização para fazer a transfusão de maneira compulsória, alegando que

isso era fundamental para manter o paciente com vida. O Tribunal de 1ª Instância e a Câmara

Federal de Comodoro Rivadávia concederam a autorização (CFed. Com. Riv. 15.106.89 ED

134-297), entendendo que o direito à vida não é disponível e que a atitude do paciente

equivalia a um suicídio lento.

Perante a Corte Suprema, o advogado do paciente alegou que seu cliente queria viver, e não

suicidar-se, mas, consciente dos riscos de vida que corria, preferia privilegiar sua fé e

convicções religiosas em detrimento das indicações médicas.

A Corte, por maioria, declarou que essa questão já havia sido julgada, ou seja, o tempo que o

expediente chegou à Corte, o paciente já havia obtido alta médica. Mesmo assim cinco juízes

desenvolveram importantes discordâncias em dois grupos, fixando a posição do tribunal para

casos similares, levando em conta sua função de garante supremo dos direitos humanos.

Portanto, nessa situação o hospital foi condenado em segunda instancia por não levar em

conta a opinião do paciente já que existem outros métodos para transfusão de sangue.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Num Estado Democrático de Direito, a liberdade religiosa é muito mais complexa do que

participar de um culto religioso: significa a possibilidade de autodeterminação, de poder se

comportar com os seus próprios valores espirituais e morais.

A autonomia individual dever ser respeitada, assim como o direito de consciência e de crença,

pois constitui a expressão da personalidade da pessoa que se concretiza no direito a dignidade

da pessoa humana.

Acredita-se então que as comunidades médicas e jurídicas têm caminhado no sentido de levar

em consideração os valores mais íntimos, sejam éticos, morais, filosóficos ou religiosos para

optarem pelo direito que melhor assegure à vida.

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8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1- Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. - 12 ed.- São Paulo: Atlas, 2002.

2- Gagliano, Pablo Stolze. Filho, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil,

volume I: parte geral. – 10.d.rev. e atual. – São Paulo: Saraiva 2008.

3- Silva, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. - 33ed. -São Paulo:

Malheiros Editores, 2009.

4- Carvalho, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. – 14. ed .rev. atual.e ampl.- Belo

Horizonte: Del Rey, 2008.