revista visão classista nº 4

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Revista da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil ENTREVISTA Eduardo Campos analisa o resultado das eleições 2010 Nº 4 - Dezembro de 2010 C L A S S I S T A COMUNICAÇÃO Monopólio em risco ESTATAIS Defesa do patrimônio público DIILMA PRESIDENTE O QUE ESPERAR DO NOVO GOVERNO?

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Revista Visão Classista é uma publicação da CTB - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

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Page 1: Revista Visão Classista nº 4

Revista da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

ENTREVISTA Eduardo Campos analisa o resultado das eleições 2010

Nº 4 - Dezembro de 2010

C l A S S I S T A

COMUNICAÇÃO Monopólio em riscoESTATAIS Defesa do patrimônio público

Diilma PresiDente

O que esPerarDO nOvO

GOvernO?

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ÍNdICE

ENTREVISTA EdUARdO CAMPOSGovernador analisa eleições 2010 e o crescimento das esquerdasPágINA 10

ESPECIAlDireita ataca criação dos Conselhos de Comunicação SocialPágINA 16

PONTO dE VISTARevista Veja monta capas contra Dilma e faz o jogo sujo do candidato tucanoPágINA 20

O QUE ESPERAR dO NOVO gOVERNO?Sindicalistas se preparam para cobrar de Dilma compromissos assumidos durante campanha eleitoralPágINA 4

Visão Classista é uma revista trimestral, publicada pela CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.

DIREÇÃO EXECUTIVAPresidenteWagner GomesVice-presidentesNivaldo SantanaDavid Wylkerson de SouzaVicente SelistreMárcia Almeida MachadoSecretário-geralPascoal CarneiroSecretário-geral adjuntoSalaciel Fabrício VilelaSecretário de finançasVilson Luiz da SilvaSecretária de finanças adjuntaGilda AlmeidaSecretária de formação e cultura e da mulher trabalhadoraCelina AreasSecretário de política sindical e relações institucionaisJoílson Antonio CardosoSecretário de políticas sociaisCarlos Rogério NunesSecretário de relações internacionaisSeverino AlmeidaSecretário de relações internacionais adjuntoJoão Batista LemosSecretário da juventude trabalhadoraPaulo Vinicius Santos da SilvaSecretária de promoção da igualdade racialValmira Luzia da SilvaSecretário de saúde e segurança do trabalhoElias BernardinoSecretária de política agrícola e agráriaSérgio MirandaSecretários de serviços públicos e do trabalhador públicoFátima dos Reis e João Paulo RibeiroSecretária de meio ambienteMaria do Socorro Nascimento BarbosaSecretária de previdência e aposentadosHildinete Pinheiro Rocha REDAÇÃOSecretário de imprensa e comunicaçãoEduardo NavarroEquipeCinthia Ribas, Fábio Rogério Ramalho, Fernando Damasceno e Láldert Castello Branco.Colaboradores desta ediçãoJoanne Mota, Luana Bonone, Márcia Xavier e Umberto MartinsDiagramação e projeto gráficoCaco BisolIlustraçãoVicente MendonçaImpressãoHR GráficaTiragem10.000 exemplares

Av. Liberdade, 113 – 4º andar. Liberdade, São Paulo (SP)CEP 01503-000Fone (11) 3106-0700E-mail: [email protected]

BRASIlDefesa das empresas estatais foi destaque no 2º TurnoPágINA 30

INTERNACIONAlA crise do capitalismo na Europa agrava-se e põe em risco o status quo do capitalPágINA 34

MOVIMENTOS SOCIAISA conclamação para rebelar-se feita pela UnegroPágINA 38

AgENdA SINdICAlAs principais atividades do mundo sindical entre os meses de dezembro e fevereiroPágINA 42

ARTIgOSCoNJUNTURA SiNDiCALWagner GomesPágINA 9

MUNDo DA CoMUNiCAçãoAltamiro BorgesPágINA 15

DiREiTo Do TRABALHADoRMara LoguercioPágINA 25

SAúDE Do TRABALHADoRJosé BarberinoPágINA 29

MUNDo DA FoRMAçãoAugusto PettaPágINA 33

CULTURAAndré CintraPágINA 41

dIREITO dA MUlhERDebate de campanha eleitoral foi um desserviço à saúde da mulherPágINA 26

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3ViSãoClassista

EdUARdO NAVARRO | Secretário de imprensa e comunicação da CTB

EdITORIAl

stá findando o ano de 2010, o qual se mostrou frutífero para o movimento sindical, a

partir das expectativas traçadas por nossa central. Ao concluir o ano constatamos que nossa orientação de elevar o protagonismo da classe trabalhadora no processo político em curso alcançou grande êxito: participamos da organização e realização – juntamente com as maiores centrais sindicais do país – da 2ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, Conclat, quando 30 mil sindicalistas, oriundos de todo o país, aprovaram a Agenda da Classe Trabalhadora. Esse documento contém as principais reivindicações dos trabalhadores e trabalhadoras para a construção de uma nação com mais desenvolvimento, emprego, democracia e justiça social.

Com essa plataforma em mãos, o movimento sindical atuou no processo eleitoral com firmeza e determinação, se engajando nas campanhas e exigindo dos candidatos ao Legislativo e ao Executivo dos estados e da nação um compromisso de efetivação das propostas nela contidas.

E é justamente sobre esta vitoriosa experiência que refletimos em nossas páginas, com o intuito de ampliar o debate de ideias. Trazemos a análise de fatos ocorridos no final da campanha presidencial, cujas consequências levaram a disputa

para o segundo turno. A saber: a criminalização do aborto e dos Conselhos de Comunicação Social, a condução desavergonhada da mídia a favor do candidato da direita e a proposta de privatização ou fortalecimento das empresas estatais. Ainda referente ao resultado das eleições, procuramos saber quais expectativas a classe trabalhadora pode vir a ter com o governo da presidente Dilma Rousseff. Essa preocupação também está expressa em relação à saúde do trabalhador.

Na esteira da vitória do campo popular e progressista, se encontra a reeleição do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que preside o Partido Socialista Brasileiro, PSB, personagem da entrevista exclusiva desta edição de “Visão Classista”.

Na agenda internacional, fomos nos apropriar da profunda crise do capitalismo na Europa, tendo como pano de fundo a luta de classes nos países centrais do Velho Continente. Abordamos também a experiência vitoriosa da formação sindical na América Latina, atualizamos a discussão sobre o ponto eletrônico nas empresas e analisamos o projeto de lei que possibilitará ao movimento sindical publicizar suas ideias nos canais de radiodifusão, conforme estabelecido pelo Direito de Antena.

Só nos resta desejar parabéns pelas vitórias obtidas e boa leitura a todas e todos.

Um ano de grandes realizações

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O QUE ESPERAR dO NOVO gOVERNO?Com a eleição de Dilma, o que a classe trabalhadora pode esperar e exigir do novo governo?

Fernando Damasceno

CAPA

ula lançou Dilma Rousseff como sua sucessora à Presidência da República.

A classe trabalhadora apoiou a ambos e foi fundamental para a vitória sobre José Serra. Agora, eleita, a primeira mulher a ocupar o cargo político mais importante do país certamente colocará em prática as demandas do povo que a elegeu. Antes assim fosse...

Tal como nos dois mandatos de Lula, o governo Dilma será composto por forças políticas de diferentes vieses: do PCdoB ao PP, do PSB ao PMDB (com todas as suas contradições), sem deixar de lado, obviamente, o PT, partido da presidente, entre outros. A partir dessa linha de raciocínio, é natural que diferentes setores da sociedade também tenham voz no primeiro escalão governamental, na Câmara dos Deputados, no Senado e em diversas esferas da administração federal.

“Os interesses das forças conservadoras não estão mortos. Eles têm espaço, muita força e vão continuar exercendo sua posição na sociedade como um todo. O jogo não está jogado, ele

CONSAGRAÇÃO Apoio popular garantiu a Dilma ampla vantagem nas urnas

está apenas no começo. PMDB e PT têm grande força, mas não vão unificar a posição da luta em prol dos trabalhadores”, opina Assis Melo, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul (RS) e deputado federal recém-eleito pelo PCdoB.

Wagner Gomes, presidente da CTB, pensa de modo semelhante. Ele vê com otimismo as possibilidades de Dilma aprofundar as mudanças iniciadas por Lula, mas não crê que isso se tornará realidade espontaneamente. “O resultado

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O QUE ESPERAR dO NOVO gOVERNO?

“Não podemos apenas apoiar o governo e esperar que a presidente e os ministros resolvam certas situações que perduram há séculos”

Roberto Stuckert Filho

Correlação de forças e risCo de retroCessos

A derrota de José Serra e de vários caciques como Arthur Virgilio, César Maia, Marco Maciel e Tasso Jereissati foi um duro golpe para a direita brasileira, mas seu enfraquecimento está longe de representar uma saída de cena – essa análise é consensual entre as principais lideranças do movimento sindical e da esquerda do país. No

eleitoral foi muito bom, mas nós só teremos novas conquistas com muita mobilização por parte da sociedade organizada. Trabalhadores, estudantes e movimentos sociais em geral precisarão se engajar nas batalhas que surgirão”, disse.

CONSAGRAÇÃO Apoio popular garantiu a Dilma ampla vantagem nas urnas

ASSiS: Oposição segue com muita força

WAGNeR: Sociedade organizada precisa se mobilizar

Mauricio M

oraisArquivo

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CAPA

entanto, os resultados das eleições lançam uma pergunta no ar: qual será a dimensão da influência desses setores no decorrer do governo Dilma?

Para Wagner Gomes, a postura das forças conservadoras ao longo da campanha eleitoral já demonstrou que a disputa política será voraz a partir de 2011. “Basta ver o vale-tudo que setores da mídia colocaram em prática. Basta ver o suporte que alguns partidos políticos deram a boatos e artifícios de desestabilização do país. Cada passo dado por essa direita reacionária terá como objetivo enfraquecer o novo governo, frear as conquistas do povo brasileiro e garantir seu retorno ao comando do país em 2014”, declarou o presidente da CTB.

“Não podemos voltar ao retrocesso de projetos neoliberais. Para isso precisamos de investimentos em setores essenciais, tanto econômicos como sociais. Isso exige articulação de nossa parte. A primeira parte foi feita com a eleição de Dilma. Agora temos que intervir, pois ela não vai fazer tudo enquanto ficarmos de braços cruzados” defende Vilson Luiz da Silva, secretário de Finanças da CTB e presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg).

Assis Melo mostra preocupação com certas indefinições do novo governo em relação a algumas demandas de caráter popular. “Ao longo da campanha, nós não vimos nenhuma sinalização clara de compromisso com várias de nossas bandeiras”, comentou. “Apesar disso, podemos avançar. É preciso mobilização, claro. Mas já partimos de um novo patamar, sem a herança maldita recebida por Lula. Do ponto de vista político, a

unidade de luta terá que acontecer. Não podemos fazer meia política, mas sim o todo”, ponderou.

AgendA dA ConClAt

“Nos momentos difíceis, a corda sempre estoura no lado em que está a classe trabalhadora”, lembra Vilson Luiz. Apesar da recorrência da famosa máxima, o dirigente da Fetaemg entende que há condições para que esse quadro se torne menos desigual nos próximos anos. “Nos momentos de bonança o empresariado nunca colabora para tornar a vida dos trabalhadores mais tranquila. Isso precisa mudar daqui para frente”, argumenta.

“Não podemos apenas apoiar

o governo e esperar que a presidente e os ministros resolvam certas situações que perduram há séculos”, sustenta Assis Melo. Nesse sentido, Wagner Gomes lembra que as centrais sindicais já têm uma posição unitária sobre o caminho necessário para que o país se insira, de forma definitiva, em um novo projeto nacional de desenvolvimento.

“A Agenda da Classe Trabalhadora, aclamada pelas centrais durante a Conclat, no último dia 1º de junho, tem exatamente essa importância”, explicou o presidente da CTB. O documento está dividido em seis grandes eixos, todos fundamentais para que o Brasil evolua e alcance um novo patamar de desenvolvimento nas próximas décadas.

“O conteúdo da Agenda da Conclat é exatamente o que a classe trabalhadora pode esperar do governo Dilma. Enquanto não alcançarmos tais conquistas, é esse documento que deve nortear nossas reivindicações. Será a unidade em torno desse caminho que definirá nosso futuro”, afirmou Wagner Gomes.

PrioridAdes

A Agenda da Conclat foi entregue a Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral. A definição das diretrizes de seu governo (ver Box na próxima página) mostra que seu conteúdo influenciou a então candidata e seu staff, embora determinados temas não tenham alcançado grande repercussão.

“A questão da reforma agrária não foi mencionada no programa de governo”, critica Vilson Luiz. “Precisamos avançar sobre isso, pensando na distribuição

VilSON: Empresariado precisa de nova postura

É preciso fazer com que as teses e propostas levantadas pelo movimento sindical e por outras forças progressistas prevaleçam

Mauricio M

orais

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“Precisamos defender no governo Dilma reformas estruturais, e não somente emergenciais”. A frase de Joílson Cardoso, secretário de Política Sindical e Relações Institucionais da CTB, resume as expectativas da direção da central sobre as prioridades da sucessora de Lula.

Cardoso entende que em alguns momentos, nos últimos anos, foi inevitável recorrer a medidas emergenciais para dar sustentabilidade à economia do país. Ele cita a renúncia fiscal do governo durante a crise financeira mundial como exemplo, quando diversos produtos tiveram o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reduzido. Mas o momento agora é outro.

“O que queremos agora são reformas como a redução da jornada de trabalho para 40 horas, o fim da terceirização, a continuidade da distribuição de renda no Brasil e o fim do fator previdenciário”, afirmou o dirigente da CTB.

Joílson entende que o Brasil precisa aproveitar o atual momento histórico para se desenvolver a passos largos. “O país está caminhando para o pleno emprego, indo na contramão dos Estados Unidos e da União Europeia. Aqui a realidade é diferente: precisamos lutar ainda pelo trabalho decente e combater a alta rotatividade nas empresas. Esse esvaziamento da massa salarial, além de injusto, afeta diretamente as contas da Previdência Social e na arrecadação do Estado”, explicou.

autonomia do movimento sindical – condição essencial para que a classe trabalhadora tenha o protagonismo político necessário – está em xeque. “Temos que nos manter muito atentos no plano organizativo, para que possamos preservar nossa autonomia”, disse.

Joílson se referiu especificamente à Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) número 4.067, de autoria do Democratas, cujo conteúdo questiona o repasse da contribuição sindical às centrais. O partido, que atualmente discute a possibilidade de se unir a outras legendas, em virtude de seus recentes e pífios resultados eleitorais, tenta, via Judiciário, aplicar um golpe na unidade conquistada pela classe trabalhadora nos últimos anos.

Discurso reacionário à parte, Joílson lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve se posicionar a respeito da Adin nos próximos meses. “Precisamos estar alertas contra esse golpe. Nosso protagonismo durante o governo Dilma dependerá de mais essa vitória”, afirmou.

AutonomiA e disPutA

A amplitude de alianças do governo Dilma é algo que, assim como nos oito anos de Lula à frente da Presidência, gerará uma série de disputas no primeiro escalão da máquina federal. A CTB lutará para que predominem as políticas das forças de centro-esquerda, de modo a colocar em prática o desejo demonstrado pela maioria da população nas urnas.

Mesmo nesse cenário de disputa ferrenha, Joílson se diz otimista em relação aos próximos anos por dois motivos: (1) os partidos que representam setores mais progressistas da sociedade saíram fortalecidos das eleições, com importantes vitórias para os governos estaduais, para o Senado e para a Câmara dos Deputados; (2) o fato de a nova presidente ser uma mulher que sempre militou e defendeu causas da esquerda do país, além de possuir uma biografia de lutas bastante rica.

Apesar desse otimismo, o dirigente da CTB ressalta que a

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A necessidade de reformas estruturais no país

Mauricio M

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CAPA

Roberto Stuckert Filho

Poucos dias antes da realização do segundo turno, Dilma Rousseff anunciou quais seriam as 13 diretrizes de seu governo. Apesar de bastante genérica e um tanto quando tímida, a lista dá ênfase à necessidade de o Brasil continuar a apostar em um novo projeto de desenvolvimento, em consonância às propostas contidas na Agenda da Classe Trabalhadora.

Para Wagner Gomes, essa ênfase é fundamental para o novo governo. Mas isso não basta. Ele entende que os trabalhadores, de modo geral, precisam ser ouvidos em todas as questões consideradas fundamentais para o país. “Temos que nos atentar para a macroeconomia, para a questão do Pré-sal, para a geração de empregos, para a questão da democratização da mídia, para a situação dos aposentados, educação, saúde. Somos nós que precisamos definir o rumo dessas política” , afirmou.

Confira abaixo a lista com as diretrizes do governo Dilma:

1. Expandir e fortalecer a democracia política, econômica e socialmente, com garantia irrestrita da liberdade de imprensa e de expressão e da liberdade religiosa. 2. Crescer mais com expansão do emprego e da renda, equilíbrio macroeconômico sem vulnerabilidade externa e desigualdades regionais. 3. Dar prosseguimento ao projeto nacional de desenvolvimento que assegure grande e sustentável transformação produtiva do Brasil. 4. Defender o Meio Ambiente e garantir o desenvolvimento sustentável. 5. Erradicar a pobreza absoluta e prosseguir reduzindo as desigualdades. 6. O governo Dilma será de todos os brasileiros e brasileiras e dará atenção especial aos trabalhadores. 7. Garantir educação para a igualdade social, a cidadania e o desenvolvimento. 8. Transformar o Brasil em potência científica e tecnológica. 9. Universalizar a saúde, garantir a qualidade do atendimento do SUS 10. Prover as cidades de habitação, saneamento, transporte e vida digna e segura para os brasileiros. 11. Valorizar a cultura nacional, dialogar com outras culturas, democratizar os bens culturais e favorecer a democratização da comunicação. 12. Garantir a segurança e combater o crime organizado. 13. Defender a soberania nacional.

diretrizes do governo indicam aprofundamento tímido das mudanças

de renda entre os cidadãos do campo. Estamos vendo atualmente o aumento de preço de vários produtos, e isso é preocupante, pois é resultado da falta de atenção do governo sobre uma bandeira fundamental, mas que infelizmente vem sendo pouco priorizada”, comentou.

Vilson Luiz cita a reforma agrária como exemplo e lembra que existe uma bancada ruralista no Congresso para defender os interesses dos grandes latifundiários. Para essa questão e todas as outras de relevância extrema, ele só vê a mobilização como arma dos trabalhadores. “Temos que nos organizar para conseguir tais mudanças. Não há outra saída”, diz.

Para Wagner Gomes, é preciso fazer com que as teses e propostas levantadas pelo movimento sindical e por outras forças progressistas prevaleçam. Para os primeiros meses de governo Dilma, o dirigente se baseia nos principais eixos da Agenda da Conclat para destacar algumas prioridades de luta: a redução constitucional da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salários, a manutenção da política de valorização do salário mínimo, a ratificação da Convenção 158 da OIT (que coíbe a dispensa imotivada), a valorização dos trabalhadores do serviço público, a regulamentação da Convenção 151 da OIT sobre negociação coletiva no setor público, uma nova política de comunicação social e a utilização dos recursos do Pré-sal para a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais. “São apenas algumas das batalhas que teremos pela frente, entre muitas outras que também consideramos fundamentais para o país e para a classe trabalhadora”, disse.

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CONjUNTURA SINdICAl

uito já foi dito a respeito da vitória de Dilma Rousseff

para a Presidência da República. Não é preciso repetir aqui toda a importância e o simbolismo das mais recentes eleições. Passada essa fase, é hora de a sociedade se dar conta de que os próximos anos serão marcados por duas fundamentais definições: qual o rumo que o país tomará e quem protagonizará esse processo.

O rumo que o Brasil precisa tomar é o do desenvolvimento – isso ficou claro ao longo de todo o governo Lula. É nítido também que a maioria da população está de acordo com essa premissa, ao eleger uma candidata que se comprometeu a aprofundar as mudanças iniciadas em 2003 e a deixar para trás toda a herança neoliberal que ainda impregna o país

Diante disso, é preciso que cada setor da sociedade tenha cada vez mais consciência de seu papel em todo esse processo. O Brasil trilha pelo caminho correto, mas será impossível aprofundar as mudanças iniciadas por Lula se

desenvolvimento, governo dilma e o papel da classe trabalhadora

Iremos às ruas para defender o novo governo sempre que for necessário, mas isso não nos impedirá de exigir, com o mesmo ímpeto, a implantação dos projetos que consideramos fundamentais

a classe trabalhadora não se colocar na linha de frente das transformações. Desde já a palavra de ordem deve ser MOBILIZAÇÃO.

A disputa do segundo turno das eleições já demonstrou esse fato. Dilma teve uma vitória relativamente confortável, mas para isso foi preciso que saíssemos às ruas, enfrentássemos os riscos de retrocesso que o país corria e déssemos a cara a tapa em muitas ocasiões. Os trabalhadores e as trabalhadoras não titubearam nesse momento histórico do país. A partir de 2011 o espírito de luta precisa ser o mesmo, pois do outro lado certamente haverá todo tipo de pressão sobre o novo governo.

Aborto, meio ambiente, fichas limpas e sujas, segurança, saúde e educação foram temas discutidos exaustivamente na campanha eleitoral. No entanto, a eleição de 2010 tinha por trás de todo esse leque de temas a questão do Pré-sal. Definitivamente, a classe trabalhadora não pode estar ausente desse debate. Um

novo projeto nacional de desenvolvimento para o Brasil passa obrigatoriamente pela riqueza que será gerada desde o fundo de nossos oceanos. A soberania do país e a posição que ocuparemos no mapa geopolítico global vão depender das decisões que serão tomadas ao longo do governo Dilma.

A Agenda aprovada na Conclat por mais de 30 mil pessoas deve ser o ponto de partida e também o norte de tais reivindicações. Lá estão as verdadeiras diretrizes que elevarão o Brasil a um novo patamar de desenvolvimento. É preciso, portanto, que daqui por diante todo o movimento sindical organizado represente os interesses populares baseado nesses anseios. Iremos às ruas para defender o novo governo sempre que for necessário, mas isso não nos impedirá de exigir, com o mesmo ímpeto, a implantação dos projetos que consideramos fundamentais para que tenhamos uma nação cada vez mais justa.

A classe trabalhadora não fugirá de suas responsabilidades. Vamos à luta!

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Wagner Gomes é presidente nacional da CTB.

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NORdESTE PASSOU A SER PARTE dA SOlUÇÃO PARA O BRASIl

O final da campanha eleitoral de 2010 foi marcado pelo ressurgimento de uma onda preconceituosa contra o povo nordestino, oriunda de setores retrógrados da sociedade brasileira, especialmente no Sul e no Sudeste do país. Além de deplorável, esse comportamento mostra a ignorância de parte da população em relação a um fato inegável da atual realidade do Brasil: a transformação pela qual o Nordeste vem passando nos últimos anos.“O Nordeste deixou de ser o problema do Brasil para ser parte da solução. Somos hoje a região cuja economia mais cresce”, afirma o governador reeleito de Pernambuco e presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Eduardo Campos.Reeleito logo no primeiro turno, com a aprovação de 82,83% dos votos pernambucanos, Campos se consolidou em 2010 como uma das principais lideranças políticas do país, além de ter colaborado para

Fernando Damasceno

que o PSB ganhasse uma nova musculatura, graças aos bons resultados das urnas. No total, o partido contará com seis governadores a partir de 2011 (Espírito Santo, Ceará, Amapá, Paraíba e Piauí completam a lista), além de 35 deputados federais. Eduardo Campos é presidente do PSB desde 2005. Em 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República pela primeira vez, foi nomeado ministro da Ciência e Tecnologia. Ao longo dos últimos oito anos sempre se manteve como um aliado fundamental para o governo federal. O governador reeleito iniciou a vida política na universidade,

como presidente do diretório acadêmico do curso de Economia, em 1985. Neto de Miguel Arraes, liderança histórica não só do PSB, mas de toda a esquerda brasileira, em 1986 fez parte da campanha do avô ao governo de Pernambuco. Com a vitória, assumiu a chefia de gabinete do novo governador. Sua primeira vitória em um cargo público se deu em 1990, quando foi eleito deputado estadual. Quatro anos depois, se tornaria deputado federal, cargo para o qual se reelegeu em 1998 e 2002.Nesta entrevista, além de destacar as transformações pelas quais a Região Nordeste passa, Eduardo Campos analisa os fatores que o levaram a ser reeleito com tamanha aprovação popular, fala sobre o crescimento do PSB, aposta no sucesso do governo de Dilma Rousseff e na conquista de mais avanços, ao longo dos próximos anos, especialmente para a classe trabalhadora.

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ENTREVISTA EdUARdO CAMPOS

Visão Classista: Quais foram os principais fatores que lhe deram uma vitória tão expressiva, logo no primeiro turno das eleições para o governo de seu estado?

Eduardo Campos: Nossa vitória deveu-se a uma série de fatores, mas com certeza os resultados do nosso governo foram bastante considerados pela população. Nesses quase quatro anos de mandato, fizemos uma administração voltada para a obtenção de resultados, que premiou os melhores funcionários e, sobretudo, sem coloração partidária. Conseguimos avançar em questões que pareciam sem solução, como o combate à violência, a melhoria da rede pública de escolas e a ampliação da rede de saúde. Tiramos do papel investimentos falados em Pernambuco há anos,

Visão Classista: Que tipo de transformações o senhor poderia destacar em relação às mudanças ocorridas na Região Nordeste ao longo dos últimos anos? O que mais lhe tem despertado a atenção?

Eduardo Campos: O Nordeste deixou de ser o problema do Brasil para ser parte da solução. Somos hoje a região cuja economia mais cresce. Milhões de nordestinos migraram de classe social, aumentaram sua renda e passaram a integrar um mercado consumidor ávido principalmente por produtos alimentícios e por bens de consumo. Há grandes projetos estruturadores que geram empregos e oferecem novos e melhores serviços públicos – com destaque para as dezenas de escolas técnicas e para as milhares de vagas em instituições universitárias abertas no interior. A ampliação de qualidade de vida tem como resultado mais autonomia desses cidadãos e mais acesso aos direitos fundamentais, ou seja, no fortalecimento da cidadania. Esse é o fato mais relevante do momento que estamos vivendo.

Visão Classista: Como o senhor

avalia, no cenário nacional, o crescimento de seu partido, o PSB? A que se deveu essa evolução nas urnas?

Eduardo Campos: O PSB é hoje sinônimo de boas gestões. O partido tem dois governadores entre os três melhores avaliados do país. Acho que isso teve um peso fundamental no crescimento da legenda nas urnas. Mudamos de patamar. A partir de 1º de janeiro, o PSB estará à frente de seis governos estaduais e, com eles, os interesses de milhões de brasileiros.

como a Refinaria e o Estaleiro e multiplicamos por quatro a média de investimentos no estado. Também inauguramos uma forma diferente de fazer política no estado. Não escolhemos as cidades beneficiadas pelas nossas obras de acordo com o partido do prefeito. O povo, que nem sempre tem partido político, não pode ser prejudicado pelas divergências políticas dos seus governantes.

O povo, que nem sempre tem partido político, não pode ser prejudicado pelas divergências políticas dos seus governantes

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O Brasil mudou e mudou para melhor. Voltamos a crescer depois de décadas de estagnação graças, principalmente, à redução das desigualdades

Nossa representação no Congresso também cresceu. Isso tudo aumenta também a nossa responsabilidade no governo Dilma. Queremos continuar crescendo e colocando de maneira cada vez mais firme nosso apego aos valores da democracia, da liberdade, da solidariedade com quem mais precisa, ao mesmo tempo em que fazemos governos e temos atuação nos parlamentos focadas na conquista de melhorias reais na vida do povo.

Visão Classista: Em sua avaliação, os partidos de oposição ao governo Lula pagaram nestas eleições por sua postura ao longo dos últimos anos? Que tipo de oposição o senhor imagina que a nova presidente terá que enfrentar?

Eduardo Campos: Não me sinto à vontade para julgar a postura da oposição nos últimos anos. Credito a vitória de Dilma aos profundos avanços obtidos durante o governo Lula. O Brasil mudou e mudou para melhor. Voltamos a crescer depois de décadas de estagnação graças, principalmente, à redução das desigualdades – e o povo brasileiro reconheceu esses avanços.

Quanto à oposição à presidente, creio no amadurecimento da jovem democracia brasileira e, nesse contexto, entendo que caminhamos para um cenário no qual oposição e governo mantenham canais de entendimento permanentes atentos aos interesses da população, aos interesses do Brasil. Nós, do PSB, estaremos sempre prontos a contribuir para o diálogo e o desarmamento de espíritos.

Visão Classista: Em sua

opinião quais deveriam ser as prioridades enfrentadas pela presidente Dilma Rousseff em seu primeiro ano? O senhor entende que a meta de erradicar a miséria no Brasil é factível nos próximos quatro anos? Qual deve ser o caminho para esse objetivo?

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ENTREVISTA EdUARdO CAMPOS

Eduardo Campos: Temos convicção de que a presidente Dilma fará um grande trabalho. É uma brasileira corajosa, amadurecida, experimentada e dedicada à causa do nosso povo. Esteve com o presidente Lula em todas as horas do seu governo e vai saber enfrentar todos os desafios que se apresentam neste momento importante da nossa história. Nosso compromisso é ajudá-la a fazer um governo que alcance os objetivos propostos. Para isso, é fundamental continuar incorporando as modernas práticas de gestão que fazem governo que funcionam, produzem resultados, melhoram a vida dessas pessoas. Creio que é esse o caminho que ela vai seguir.

Visão Classista: Alguns estados

têm discutido a criação de conselhos de comunicação. Qual sua opinião a respeito? Como seu governo deve se posicionar a respeito dessa demanda de alguns movimentos sociais ligados à mídia?

Eduardo Campos: A proposta de criação de Conselho de Comunicação deve ser debatida no foro próprio, que é o Congresso Nacional. A Constituição Brasileira é muito clara quando define esse tema como objeto de regulamentação federal. No bojo desse debate, devemos ter sempre em mente que a liberdade expressão é um dos direitos fundamentais do ser humano, em relação ao qual devemos fechar questão. Toda proposta que contribuir para a ampliação do acesso à informação terá o nosso apoio.

Visão Classista: Que tipo de avanços para a classe trabalhadora o senhor imagina como viáveis no governo Dilma? A redução da

jornada de trabalho para 40 horas e o fim do fator previdenciário têm condições de se tornarem prioridades?

Eduardo Campos: O governo da presidente Dilma vai produzir avanços significativos na vida dos trabalhadores brasileiros, começando pelo mais importante deles, que é a garantia do emprego. Nos oito anos do governo do presidente Lula o Brasil bateu sucessivos recordes na geração de

postos de trabalho. E isso se deu pela via do crescimento econômico, mas principalmente porque esse crescimento foi focado nas pessoas. Vou dar um exemplo: há 40 anos o Brasil não construía navios. A Petrobras importava navios construídos na Coréia ou alugava embarcações de armadores gregos. Na prática, exportava empregos. No governo Lula, a indústria naval brasileira renasceu primeiro em Pernambuco, depois em vários outros lugares, dando oportunidades de trabalho a milhares de brasileiros. É óbvio que é melhor negociar salário e condições de trabalho num regime de pleno emprego do que em contextos de recessão como os que vivemos durante tanto tempo. Por tudo isso, acredito que o governo Dilma será a continuação de uma era de avanços para os trabalhadores brasileiros.

Mudamos de patamar. A partir de 1º de janeiro, o PSB estará à frente de seis governos estaduais e, com eles, os interesses de milhões de brasileiros

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MUNdO dA COMUNICAÇÃO

Comissão de Trabalho da Câmara Federal

aprovou em 17 de novembro um projeto de lei que concede às centrais sindicais dez minutos por semana nas emissoras de TV e rádio do país. O texto substitutivo foi apresentado pelo deputado Roberto Santiago (PV-SP) e resulta da fusão de outros dois projetos. Um de autoria de Vicentinho (PT-SP), que fixava a veiculação semanal em horário nobre, e outro de Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), que propunha que os programas fossem diários.

Entre outros aspectos positivos, o projeto aprovado prevê que: as peças produzidas pelas centrais irão ao ar entre 6h e 22h às terças-feiras; a veiculação poderá ser feita em bloco de dez minutos ou subdividida em inserções de 30 segundos a um minuto; a exibição não será facultativa, mas obrigatória e gratuita; e as emissoras poderão abater os custos de seus tributos. Nos programas, as centrais poderão tratar de três temas: matérias de interesse de seus representados;

Centrais sindicais podem ter horário na TV

Mas possibilidade não significa garantia. Pegos de surpresas, os barões da mídia deverão iniciar de imediato sua gritaria contra o projeto do deputado Roberto Santiago

mensagens sobre a sua atuação sindical; e divulgação de posições políticas das centrais.

“Caráter ConClusivo”

Segundo informa o sítio da Câmara Federal, o substitutivo tramita agora em “caráter conclusivo” pelas comissões da casa. Se aprovado nas duas comissões que ainda restam (Justiça e Ciência/Tecnologia), ele irá direto a votação no Senado, sem passar pelo plenário da Câmara. “O projeto perderá esse caráter em duas situações: se houve parecer divergente entre as comissões; se depois de aprovado pelas comissões, houver recurso contra esse rito assinado por 51 deputados (10% do total)”.

Como se nota, são reais as possibilidades de o sindicalismo brasileiro finalmente conseguir espaço para divulgar suas ideias nos veículos massivos da radiodifusão, que são uma concessão pública – é sempre bom lembrar. Essa conquista, o chamado direito de antena, já existe em vários países. No recente seminário sobre convergências da mídia, promovido pela Secretaria

de Comunicação Social (Secom), o representante de Portugal, por exemplo, falou sobre esse avanço democrático.

reação será violenta

Mas possibilidade não significa garantia. Pegos de surpresas, os barões da mídia deverão iniciar de imediato sua gritaria contra o projeto do deputado Roberto Santiago. A Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert) tem “influência” no Congresso Nacional. A bancada da radiodifusão, dirigida pelo “senador” Evandro Guimarães, o homem da Globo, fará de tudo para barrar a aprovação do projeto.

Cabe agora às centrais sindicais se articularem para que a proposta saia do papel. A batalha será dura e poderá resultar em um grande avanço para a democratização da mídia no Brasil. Durante a campanha eleitoral, diversos veículos da chamada grande mídia já intensificaram a campanha “em defesa da liberdade de imprensa” e certamente esse embate está apenas começando. Fica a pergunta: o sindicalismo já está antenado para fazer a contrapressão?

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Altamiro Borges é jornalista, autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo”, entre outros.

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QUEM CENSURA QUEM?Novo marco regulatório da comunicação social do país expõe os temores da velha mídia e escancara a hipocrisia de seu discurso

Luana Bonone

s trabalhadores são o que mais sofrem com a mídia concentrada e

manipuladora. Quando ocorre uma greve, não são mencionados os motivos dela, as condições dos trabalhadores, mas sim o transtorno causado no trânsito, que é uma forma moderna de dizer que a manifestação é um tumulto”. Com essas palavras o presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges, o Miro, define a importância de os trabalhadores participarem do debate e da luta pela democratização da comunicação no país.

Após oito anos, o governo federal finalmente decidiu pautar a elaboração de um novo marco regulatório para a comunicação no Brasil. O presidente Lula quer que seja finalizado até dezembro o anteprojeto de lei que estabelece nova regulação para as comunicações no país. A intenção é entregar o projeto à presidente eleita Dilma Rousseff, deixando a proposta pronta para que o próximo governo decida o que e como fazer acerca da regulamentação do setor.

Para o Ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, é preciso regular “para ter mais. Mais pluralidade, mais informação, desenvolvimento, geração de empregos, igualdade, mais respeito à diversidade regional, mais respeito às minorias. Olhando para o Brasil como um todo”.

Percebendo o risco de ver regulamentado o setor, o que caminharia para pôr fim aos monopólios e à publicidade desenfreada, os veículos de comunicação de massa de maior circulação no país encontram nos conselhos de comunicação social seu bode expiatório para combater o novo marco regulatório. Assim, acusam as propostas de conselhos de comunicação de serem propostas de criar verdadeiros órgãos de censura.

A polêmica que ganhou maior repercussão foi acerca do Projeto de Indicação nº 72.10, de 19 de outubro, para criação do Conselho Estadual de Comunicação do Ceará, pela proximidade da aprovação pela Assembléia Legislativa do Ceará – em decisão unânime – com o período das eleições presidenciais. A velha mídia tachou o conselho de instrumento de censura e tentou jogar a conta na candidatura de Dilma Rousseff.

A proposta da deputada estadual Rachel Marques (PT), de criação do

ARTiCUlAÇÃO Governo federal expõe necessidade de regularização

Após oito anos, o governo federal finalmente decidiu pautar a elaboração de um novo marco regulatório para a comunicação no Brasil

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QUEM CENSURA QUEM?

conselho estadual de comunicação do Ceará, define os conselhos de comunicação como “mecanismos democráticos, que integram os interesses de determinado setor, a exemplo dos conselhos de educação, saúde e assistência social”. O projeto foi duramente atacado pela velha mídia, que

acusa toda e qualquer proposta de regulamentação da comunicação como censura.

O irônico desse debate é que os mesmos veículos que apoiaram a Ditadura Militar (como a “Folha de S.Paulo”, que sabidamente fornecia veículos para transportar presos políticos), agora acusam aqueles que lutaram pela liberdade e pela democracia de querer instituir a censura no Brasil.

“A impressão que eu tenho é que esses barões da mídia no Brasil são de Marte, pois falam dos conselhos como se eles fossem uma coisa de outro mundo. O Seminário da Secretaria de Comunicação Social foi um golaço justamente porque trouxe representantes dos Estados Unidos, a pátria do liberalismo, de Portugal, da França de Sarkozy – países que os barões da mídia tanto adoram – para dizer que lá existe regulação”, afirmou Miro, satirizando a postura dos donos da mídia.

Para o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce), Claylson Martins, “os conselhos são espaços para pensar e formular políticas públicas, como políticas de distribuição de verbas publicitárias do governo do estado, cujo critério não seja só audiência; exigência de qualidade da programação, de direito de resposta, de demandas da sociedade a serem analisadas pelo conselho”.

Claylson constata que as empresas de comunicação defendem a autorregulação, baseada em interesses empresariais. Entretanto, essa lógica muitas vezes carrega a concepção dos empresários de que eles são donos

do canal, quando, na verdade, este é um bem público, cuja exploração é concedida pelo Estado, e não uma propriedade privada.

A função dos conselhos, explica Miro, não é censurar nada, é pôr fim às barbaridades: monopólio, ausência de produção regional e de produção independente, existência de propriedade cruzada, abusos de propaganda e outros itens já previstos em lei, porém não regulamentados. Para ele, a questão do controle de conteúdo é usada pela velha mídia para confundir, pois falam como se houvesse qualquer possibilidade de censura prévia de conteúdos, quando o papel do conselho na verdade é outro: o de regular normas, como, por exemplo, o limite máximo de 25% de propaganda na programação televisiva, como previsto na Constituição.

Miro explica, ainda, que a própria regulação de conteúdos não é prévia – nem tem como ser –, mas é para combater abusos.

HiPoCrisiA dA mídiA

Embora os conselhos sejam um instrumento de democratização da comunicação e do debate acerca da sua função democrática, a velha

ClAylSON Conselhos irão auxiliar na democratização da mídia

MiRO Trabalhadores são peça fundamental

“Eu acho uma grande hipocrisia! (...) Trabalhadores e sindicatos não podem emitir opinião, mas a grande mídia pode”

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ESPECIAl

mídia os acusa de cerceadores da liberdade e censores. Entretanto, o cenário do país exibe quase o oposto. No mesmo período em que o jornal “O Estado de S. Paulo” declarou seu apoio ao candidato José Serra em editorial, veículos supostamente ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) tiveram sua circulação proibida e o “Jornal da CTB” foi alvo de polêmica por exibir a posição da Central a respeito do segundo turno das eleições.

“Eu acho uma grande hipocrisia! Quando se refere a um movimento sindical, as centrais se posicionarem em relação ao futuro do país – a eleição se refere a isso – é tido como desrespeito à legislação. Quando grandes meios, como a ‘Folha’, o ‘Estadão’ e grandes redes de televisão fazem campanha abertamente, aí não é crime eleitoral. O ‘Estadão’ declarou apoio a Serra e tem feito campanha sistemática. Há uma distorção sobre o que seja o debate acerca do futuro da nação. Trabalhadores e sindicatos não podem emitir opinião, mas a grande mídia pode”, indignou-se o secretário de comunicação da CTB, Eduardo Navarro.

Para Miro, “a mídia, como está hoje, constituindo-se como poder econômico e ideológico, tem duas ações possíveis em relação à luta dos trabalhadores: ou ela é tratada como não-notícia, ou é criminalizada, a exemplo da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora [Conclat], quando as centrais reuniram mais de 30 mil trabalhadores no Pacaembu e o tratamento da mídia foi questionar o imposto sindical”.

Os cinco principais conglomerados de mídia (Globo, Record, SBT, Band e RedeTV)

detêm 82,5% da audiência nacional na TV aberta. Agregue-se que as redes de televisão congregam também emissoras de rádio AM e FM, além de veículos impressos, como jornais, revistas e portais da internet. Essas redes ampliam a concentração na distribuição da informação, constituindo oligopólios, que são proibidos pela Constituição brasileira.

Conforme dados do próprio Ministério, as empresas de radiodifusão faturaram R$ 13 bilhões em 2009, e as de telecomunicações embolsaram R$ 180 bilhões – receita que havia sido de R$ 130 bilhões no ano anterior.

Esse é o tamanho do interesse que está por trás da ausência de regulamentação. Entretanto, como explica Miro, “a comunicação não é exclusiva dos donos da mídia”. exemPlos internACionAis e desdobrAmentos dA ConfeCom

Todos os países da União Europeia e os Estados Unidos têm regulação, inclusive de conteúdo, para garantir direitos, como foi exposto no Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, organizado pelo Ministério da Comunicação Social nos dias 9 e 10 de novembro, em Brasília.

A proposta do seminário era justamente subsidiar o debate para a elaboração do novo marco regulatório para a comunicação brasileira. Para tanto, o Seminário debateu a experiência de diversos países, contando com a participação de representantes dos Estados Unidos e da Europa. Para a secretária de comunicação da CUT, Rosane Berttoti, o seminário

Os cinco principais conglomerados de mídia (Globo, Record, SBT, Band e RedeTV) ampliam a concentração na distribuição da informação, constituindo oligopólios, que são proibidos pela Constituição brasileira

ReproduçãoReprodução

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é fruto do debate da Conferência. “Ele não caiu do céu. Houve todo um processo de debate e construção de alternativas que permitiram que chegássemos até aqui”, defende a sindicalista.

Ao argumento falacioso, defendido inclusive pelo atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcanti, o jornalista Venício de Lima responde que “falta com a verdade quem diz ser inconstitucional o Conselho de Comunicação, pois este está previsto na Constituição, no Artigo 224, que diz ‘Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei’, com direito a criação de órgãos correlatos nos estados, a exemplo dos demais conselhos nacionais”.

Ou seja, os conselhos de comunicação, longe de serem inconstitucionais, atendem a demanda expressa na própria Constituição Federal.

Além disso, a formação de conselhos de comunicação está entre as propostas aprovadas por unanimidade na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Ou seja, os delegados do setor empresarial que não se acovardaram e estiveram presentes à Conferência, incluindo os membros da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) – como Band e RedeTV –, também votaram a favor dessa proposta, que figura entre as 672 que foram democraticamente aprovadas pelos milhares de delegados e delegadas da sociedade civil empresarial, não-empresarial e do poder público, participantes da Confecom.

A necessidade de um novo marco regulatório para a comunicação é fruto desse debate histórico – que ainda não foi vencido – e da demanda pela regulamentação das leis existentes, mas também por conta das novidades tecnológicas, que exigem novos debates acerca do que e como regular. É preciso olhar para o futuro e, como defende o Manifesto em defesa do Conselho de Comunicação Social e da Democracia. “Que venham os Conselhos de Comunicação

A posição da presidente eleita,dilma Rousseff

A presidente eleita, Dilma Rousseff, falou, em entrevista ao “Jornal da Band”, exibido em 2 de novembro, sobre a regulamentação da comunicação, driblando as capciosas perguntas do apresentador Fábio Pannunzio. “Você tem de distinguir duas coisas: o marco regulatório e um controle do conteúdo na mídia”, explicou.

Dilma reforçou a promessa, feita durante a campanha eleitoral, de garantir a liberdade de expressão, mas listou uma série de questões que devem ser regulamentadas na mídia brasileira. “Por exemplo, a participação do capital estrangeiro. Vários países regulamentam a participação do capital estrangeiro nas suas diferentes mídias. Outra questão, que é importantíssima, é o fato de que o mundo está mudando em uma velocidade enorme. Então, você vai ter de regular, de alguma forma, a interação entre as mídias, porque, hoje, quem faz isso não pode fazer aquilo, que não pode fazer aquele outro. O problema do cabo, o problema do sinal aberto, como é

que junta tudo isso com internet; mesmo assim eu acho que a gente tem de ter muito cuidado”.

Pensando o futuro, a presidente eleita falou sobre mídias eletrônicas e a convergência tecnológica. “Você tem de fazer um marco regulatório que permita que haja adaptações ao longo do tempo. Por quê? Porque, eu não sei se você lembra, em 80, nos anos 80 e 90, a telefonia fixa era uma potência. Cada vez mais, com a base da internet, você tem a possibilidade, em cima da internet, de ter TV, telefonia, celular, enfim. O mundo está mudando, então até isso você vai ter de considerar. Você não pode ter, também, um marco regulatório que desconheça a existência da banda larga. E se você vai poder, ou não vai poder, fazer televisão, em que condições você vai fazer televisão. Isso o Brasil vai ter de regular minimamente, até porque tem casos que, se você não fizer isso, você deixa que haja uma concorrência meio desproporcional entre diferentes organismos”, afirmou.

Social, para garantir à sociedade brasileira o direito à informação plural, a liberdade de manifestação de pensamento, criação, e a consolidação da democracia nos meios de comunicação”, diz o texto assinado por mais de 90 entidades.

Afinal, como defendeu o presidente do Sindjorce, Claylson Martins, “há uma luta de classe e é fundamental dar voz aos trabalhadores”.

Em tempos de luta de classe, é preciso conquistar espaço para a disputa de ideias.

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VEjA E SUAS dIVERSAS CAPAS E CARASAnálise da revista durante a campanha eleitoral evidencia sua convicção ideológica cada vez mais reacionária

Joanne Mota e Eduardo Navarro*

PONTO dE VISTA

Brasil ultrapassa mais um estágio democrático de sua história: as eleições 2010.

Por meio do Sufrágio Universal, aproximadamente 56 milhões de brasileiros elegeram pela primeira vez uma mulher para ocupar o cargo de presidente da República. Aos que acompanharam o processo eleitoral, foi possível ver o Brasil vencer mais uma etapa cultural e política; porém, também foi possível perceber que algumas práticas não morreram com o passar dos anos.

Mesmo vencendo ditaduras, crises econômicas e as mordaças censórias, pôde-se notar que a cobertura midiática durante o processo eleitoral 2010 não refletiu o ideal de plataforma pública para realização do debate político e democrático. E o que era para se apresentar como uma ferramenta de mediação do diálogo entre diversos atores sociais, estimulando a resolução de conflitos por meios democráticos, se consolidou como uma arena de disputa de poder, na qual os meios de comunicação, aliados às forças conservadoras, semearam as crises sociais e reforçavam ideologias a partir de interesses particulares.

Desse modo, a grande mídia operou de forma a confundir o debate e atuou politicamente para organizar e liderar o discurso conservador no país, assumindo o papel de “partido do capital”, para citar Antonio Gramsci. Influenciadas por sete famílias, a mídia arma uma verdadeira operação de guerra para impedir a continuidade dos setores progressistas no comando político do país. O reflexo disso pôde ser constatado na enviesada cobertura das eleições presidenciais – o tratamento dispensado aos candidatos foi manipulado de acordo com os interesses políticos dos veículos e sob o manto de uma falsa isenção jornalística.

Nessa disputa, a grande imprensa partidariza-se e inicia uma luta simbólica não só contra o Estado, mas também contra os movimentos sociais. Um exemplo clássico refere-se à postura do semanário “Veja”, que, com suas capas efusivas, construiu a cada edição um pensamento muitas vezes oblíquo dos acontecimentos. Um dado factual para essa declaração pode ser verificado nas capas publicadas pela revista durante o período eleitoral de 2010: uma sequência de disparos para atacar as políticas do governo Luiz Inácio Lula da Silva, e defender, mais uma vez, de forma clara uma convicção ideológica e reacionária de marginalização e criminalização da esquerda e dos movimentos sociais.

Com isso, “Veja” desenvolve um movimento de despolitização

no processo de debate eleitoral. Alegoricamente, o semanário veste o figurino de soldado contra a corrupção, aquele que exporá os estratagemas, delatará os ladrões e publicará a verdade, única, inabalável. Dessa forma, confere centralidade à corrupção no debate político, transformando a política em caso de polícia, levantando uma onda de alienação em relação ao processo.

Os meios de comunicação, aliados às forças conservadoras, semearam as crises sociais e reforçavam ideologias a partir de interesses particulares.

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VEjA E SUAS dIVERSAS CAPAS E CARAS

AtAque Ao PndH3

Em 10 de julho de 2010, essa dominação simbólica mais uma vez foi posta em prática. “Veja”, bem ao seu estilo, trouxe ao público mais um exemplo de como a pretensa cientificidade factual se presta a objetivos escusos. Sua matéria de capa, “O Monstro do Radicalismo – a fera petista que Lula domou agora desafia a candidata Dilma” (edição nº 2.173), e todo o texto da reportagem abrem uma série de golpes não só à candidata Dilma Rousseff, mas também golpeia os movimentos sociais, o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) e deturpa os conceitos de censura e liberdade de expressão.

Em seu editorial, o veículo argumenta que a candidata Dilma Rousseff teria dado publicidade a uma segunda versão do seu programa de governo, este com conteúdo mais ameno que a versão original, considerada pela revista como “furiosamente esquerdista”, por ser, segundo o texto, fruto da falta de controle da candidata sobre os radicais do seu partido. Nesse capítulo da saga de “Veja”, também pode ser lido que o dano maior não é o exercício furioso da esquerda, mas a implantação e “permanência (...) de uma visão de mundo distorcida e perigosa, em especial no que se refere a um dos pilares consagrados da democracia – a liberdade de expressão”.

De forma maliciosa e distorcida, a cúpula de “Veja” ainda acrescenta no mesmo editorial que a segunda versão do programa de governo da candidata Dilma Rousseff aponta os órgãos de imprensa como “pouco afeitos à qualidade, ao pluralismo, ao debate democrático” e que, portanto, seria necessário “compensar o monopólio e a concentração dos meios de produção”. Com essa frase, a revista tenta confundir a proposta de democratização da comunicação com a supressão da liberdade da imprensa, pois esta teria sua origem em países socialistas.

“Nenhum programa de governo pode se arvorar em juiz da imprensa ou quaisquer outras atividades

DeSeSpeRO Editora Abril joga no lixo credibilidade de sua principal revista

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PONTO dE VISTA

que, por serem conquistas civilizatórias, não pertencem ao universo oficial”, diz o Editorial de 10 de julho, justificando seu posicionamento. Para dar veracidade às suas acusações, o texto tenta construir uma suposta ligação entre uma frase proferida pelo líder soviético Vladimir Lênin – “Nosso governo não aceitaria uma oposição de armas letais. Mas ideias são mais letais que armas”, empregada de forma errada –, com uma afirmação do ditador italiano Benito Mussolini. É bom que se frise que Lênin se refere ao poder do debate ideológico; já “Il Duce” credita a decadência à liberdade de imprensa.

Ao dar continuidade ao editorial, os Civita expõem sua verdadeira preocupação: “A liberdade de jornais, revistas, televisão e rádio começa a morrer quando um governo acredita ser seu papel avaliar e aprimorar os meios de comunicação”. Neste momento, “Veja” abre caminho para mais uma agressão, agora para o movimento de criação dos Conselhos de Comunicação Social, bandeira levantada pelos movimentos sociais e ponto de discussão na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em Brasília, no final de 2009.

O posicionamento de “Veja”, bem como de toda grande imprensa, se dá de forma a confundir e esconder o objetivo real dos Conselhos, que já funcionam em áreas vitais, como saúde e educação. Ao contrário do que brada a grande imprensa, os Conselhos visam à ampliação do exercício da liberdade de expressão, e não sua restrição – portanto, nada têm de inconstitucionais. Cabe ao Estado definir novas regras para a radiodifusão,

enquanto dos conselhos se espera o apoio à aplicação dos princípios constitucionais e leis já existentes, muitas vezes ignorados por concessionárias da grande mídia.

CriminAlizAção dAs esquerdAs

É curioso notar que é estrategicamente oportuno o momento em que “Veja” lança essas argumentações e a forma como veladamente insinuou a demonização de segmentos como o PT, o MST, e o movimento sindical. A revista apresenta de forma caricatural e grotesca uma capa

que traz uma hidra monstruosa de cinco cabeças, cada qual com uma nota, a saber: salvo-conduto para o MST, controle da imprensa, revisão da lei de anistia, imposto-riqueza e legalização do aborto. É importante lembrar que todos apontam para a proposta do PNDH3 ou para projetos de lei que buscam desconcentrar uma política simbolicamente ditatorial.

Ao olhar criticamente para esse posicionamento, é possível chegar a dois caminhos: se o intuito de Veja era instituir uma onda de medo, não obteve sucesso; se o objetivo foi jogar o eleitor contra os movimentos de esquerda, escolheu muito mal a forma – foi um objeto de

cabotinismo. De qualquer maneira, é emblemático como esse tipo de imprensa trata a esquerda, pois em seu discurso pretensamente democrático aceita a crítica, desde que restrita a certos padrões e limites. Já aqueles que tentam escapar dessa lógica ganham o troféu de seguidor do mal, ou seja, de demônio radical.

Para tanto, a matéria de capa da edição 2.173 esclarece em sua introdução que a revista, no acompanhamento do processo eleitoral, “publicará reportagens de capa, especiais, entrevistas e até edições especiais, com o objetivo de escancarar o que os candidatos pretendem esconder, iluminar o que querem manter sob as sombras e contextualizar o que eles esperariam ver esquecidos por julgarem tratar-se de fatos isolados e sem significados”. Já nessa edição estariam apresentadas algumas matérias especiais com o intuito de esclarecer a “questão central para o eleitor – o programa de governo do PT, o partido atualmente no poder e que pretende continuar nele”.

Cabe ao Estado definir novas regras para a radiodifusão, enquanto dos conselhos se espera o apoio à aplicação dos princípios constitucionais e leis já existentes

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dos valores plurais existentes na sociedade.

O texto avança em seus ataques, e um dos argumentos é que “o aparelhamento ideológico e sindical do Estado brasileiro torna muito maior a possibilidade de ocorrer quebras de sigilo e outros atropelamentos das regras de conduta do funcionalismo feitos em nome da causa”. Tal fato é justificado pelo alto índice – 45% – de sindicalização do funcionalismo público, percentual que não é encontrado na iniciativa privada. Aqui é possível constatar um problema ao induzir que o trabalhador, ao se associar a seu sindicato, estaria cometendo um

crime. “Exemplos aterradores de um setor público capturado por interesses corporativos e partidários”, descreve o texto.

Na edição 2.183, de 22 de setembro, “Veja” traz mais uma vez a figura alegórica do molusco. “A alegria do polvo: Caraca! Que dinheiro é esse”, dizia a manchete. Nessa publicação, os Civita, pela terceira semana seguida, abordam o mesmo assunto: um suposto esquema de negociação no Palácio do Planalto, sendo que desta vez é feita uma ligação textual com Dilma Rousseff: “O balcão de negócios começou a prosperar no andar acima do ocupado pelo presidente quando a candidata

ainda era ministra e Erenice [Guerra], sua secretária executiva”. O editorial, que trouxe como título “Falta indignação” (com foto de Erenice Guerra), não poupa nem o presidente ao afirmar que a encenação se tornou algo familiar durante o governo Lula.

CombAte à demoCrAtizAção dAs ComuniCAções

Mas o embate ideológico não fica por aí. Nessa edição, mais uma cabeça da hidra mitológica de “Veja” entra em ação e o combate implacável à democratização das comunicações é retomado. A revista escala nada menos que o sociólogo neoconservador Demétrio Magnoli para fundamentar sua tese sobre a liberdade de imprensa, que em seu texto assume que é a liberdade de imprimir sem licença.

Porém, o objetivo não é apenas instrumentalizar as baixarias durante a campanha eleitoral, mas sim conclamar supostos “guardiões da democracia” a entrar em campo para salvar o que resta de moralidade. Desse modo, “Veja”

trilogiA do desesPero

Passadas sete semanas do lançamento da edição 2.173, “Veja” iniciou uma sequência de três capas, cujo primeiro título foi “O partido do polvo: a quebra do sigilo fiscal da filha de José Serra é sintoma de avanço tentacular de interesses partidários e ideológicos sobre o estado brasileiro” (edição nº 2181, de 8 de setembro). Ao que parece, o semanário começa sua investida não mais contra a popularidade do presidente Lula, mas ao Partido dos Trabalhadores. Em seu editorial, “A ruína do aparelhamento”, a cúpula de “Veja” deixa claro qual será sua arma durante o pleito eleitoral, mas para tanto resgata dois títulos publicados em outros momentos pelo veículo “O grande erro: confundir o partido com o governo” e “O assalto ao Estado”, ambas com referência ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.

Todo editorial apóia-se no livro “A Elite Dirigente do Governo Lula” para investigar “o fenômeno do aparelhamento do estado brasileiro por militantes partidários e sindicalistas”. Na opinião do veículo, esse livro “é de alta qualidade e politicamente neutro”, o que permite a apuração jornalística sobre o tema desta edição: “as implicações da criminosa quebra de sigilo fiscal de Verônica Serra, filha do presidenciável da oposição, José Serra”. Durante todas as assertivas da revista, o candidato do PSDB sempre fora colocado na qualidade de vítima, o que não ocorreu com sua principal concorrente, Dilma Rousseff – algo que fere o posicionamento institucional do Grupo Abril, visto que a empresa se considera uma legítima defensora

Ao olhar criticamento, é possível chegar a dois caminhos: se o intuito de Veja era instituir uma onda de medo, não obteve sucesso

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PONTO dE VISTA

vocifera: “Passa da hora de o tecido ainda sadio da sociedade brasileira demonstrar de forma organizada e sustentada maior indignação diante desses descalabros – antes que seja tarde demais. Não se pode aceitar que o calor gerado pelos altos índices de aprovação do presidente seja empecilho para vigiar e punir militantes partidários que, no Palácio do Planalto, se entregam à corrupção”. Contraditoriamente, a revista inverte o seu papel como meio de comunicação, o que de acordo com a Unesco não responde ao conceito de que a mídia deve atuar como garantidor de eleições livres e justas (Caderno de Indicadores de Desenvolvimento da Mídia, 2010, p. 3).

Incansavelmente, os Civita continuam sua peregrinação à terra prometida e, na edição 2.184, de 29 de setembro, véspera das eleições, lançam sua última arma. Com o título “A liberdade sob ataque: A revelação de evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre”, a revista não só resgata fantasmas da repressão como tenta instituir o terror em seus mais de 28 milhões de leitores.

Com o editorial “A semente da resistência”, fertilizado pela foto de Hélio Bicudo em comício realizado em São Paulo, numericamente pequeno na própria avaliação de “Veja”, a revista se vangloria de estar organizando a resistência contra “a intenção [da esquerda] de controlar, cercear, monitorar, constranger e punir jornalistas”. Essa seria uma “tentação autoritária” contra a liberdade de imprensa atiçada por Lula e pelo “vasto contingente de

mercenários [os blogueiros sujos] recrutados a preço de ouro nos porões da internet e pagos com o suado dinheiro dos brasileiros que trabalham e recolhem impostos”.

Enfim, em um intervalo de 20 capas, desde a inauguração da corrida eleitoral até as eleições do segundo turno, sete delas foram dedicadas a enfraquecer partidos políticos, movimentos sociais e o movimento sindical, deturpando os conceitos de censura e liberdade de expressão, valores socialmente construídos no país ao longo das

últimas décadas. É importante dizer que mesmo quando não trazia em suas capas ilustrações efusivas, “Veja” dedicava para sua editoria “Brasil” assuntos que elegia como relevantes para o debate público durante as eleições, os quais respondiam à edição nº 2.173, de 10 de julho, aquela que fechou os olhos para os critérios de pluralidade, diversidade e contraditório, essenciais para a conscientização e o fortalecimento do discurso da sociedade na construção de uma democracia social e de uma comunicação livre.

VejA deturPA os PrinCíPios dA ComuniCAção

Não obstante, é fato que sendo um veículo criado na década de 1960, a revista acompanha a modernidade e se molda aos processos políticos e sócio-culturais pelos quais já passou o Brasil. No entanto, ela apresenta-se como um veículo, essencialmente político e econômico – e como tal obedece a demandas, essencialmente, de mercado.

De fato, a “grande mídia” posiciona-se frente às exigências de venda e de lucro; pressão dos anunciantes, dos editores, situação econômica, necessidade de prestígio etc., ferramentas que garantem sua sobrevivência no mercado. Por outro lado, nada disso justifica os poderes auto-atribuídos por esse “grande partido” em exercer, de forma alegórica, o leme dos pensamentos da sociedade brasileira, algo que na prática resulta em uma forma simbólica de dominação.

* Joanne Mota é graduanda em jornalismo pela UFS e pesquisadora do observatório de Economia e

Comunicação (obscom/UFS).Eduardo Navarro é secretário de imprensa e

Comunicação da CTB e editor da revista Visão Classista.

Em um intervalo de 20 capas, da inauguração da corrida eleitoral até as eleições do segundo turno, sete delas foram dedicadas a enfraquecer partidos políticos, movimentos sociais e o movimento sindical

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dIREITO dO TRABAlhAdOR

Ainda o registro eletrônico de ponto

O que não pode prevalecer nos registros das horas laboradas, que definem o valor dos salários, é a forma atual de (des) controle

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Mara Loguercio é juíza aposentada do Trabalho e autora de “Questões polêmicas sobre a Jornada de Trabalho”, com Altamiro Borges.

ra esperada a reação dos patrões à Portaria 1510/2009

do Ministério do Trabalho, tentando adiar sua entrada em vigor marcada para 21/08/2010. Também se imaginava que tivessem sucesso em seu lobby prorrogativo. O imprevisível era setores ligados ao movimento sindical e mesmo algumas centrais se posicionarem contra a aplicação dessa Portaria.

Os argumentos utilizados não se sustentam: 1º) o sistema criaria dificuldades para o trabalhador que não teria como guardar tanto papel e perderia os comprovantes que recebesse. Trata-se de postura de desconfiança na capacidade e responsabilidade do trabalhador incompatível com um dirigente sindical. Os trabalhadores costumam ser organizados e diligentes quanto aos documentos que afetam sua vida e seu contrato de trabalho. Não é raro um trabalhador com mais de dez anos numa empresa, chegar ao Juízo com TODOS os contracheques rigorosamente em ordem cronológica, enquanto o empregador não dispõe de documentos indispensáveis à prova. O volume de papel não seria tão grande considerando comprovantes pequenos como os expedidos pelos “relógios” dos

estabelecimentos dos centros comerciais. Bastaria que o trabalhador guardasse, em cada folha duma pequena caderneta, os quatro comprovantes diários para facilitar a contraprova; 2º) também insubsistente o outro argumento de que havendo demora no registro, acarretaria prejuízos na contagem das horas. Nada mais falso. O ministro Marco Aurélio Mello, quando no TST, proferiu decisão de que incumbe ao empregador o ônus de dotar a empresa de quantos relógios-ponto sejam necessários para os trabalhadores marcarem o ponto e iniciarem a produção no menor tempo possível. E, se o sistema provocar demora na entrada, provocará, também, retardo na saída, prorrogando a jornada registrada no ponto eletrônico.

O que não pode prevalecer nos registros das horas laboradas, que definem o valor dos salários, é a forma atual de (des) controle, na qual o empregador e o fabricante dos relógios de ponto eletrônico têm toda a liberdade de alterar o registro depois de efetuado, sem que o trabalhador fique com algum comprovante físico para confrontar àquele apresentado pela empresa.

Juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul começaram a se preocupar

com o tema – e a defender um controle como o hoje previsto na Portaria 1510/09 – porque encontraram provas documentais, testemunhais, periciais e mesmo confissões das empresas sobre as fraudes realizadas. Após algumas publicações em revistas especializadas, o auditor fiscal do Trabalho de Juiz de Fora (MG), José Tadeu de Medeiros Lima, passou a inspecionar empresas que utilizavam o registro eletrônico e as fabricantes dos programas respectivos. Espantou-se ao encontrar, no próprio material publicitário das empresas fabricantes, como uma das “virtudes” dos produtos, a possibilidade de subtração fraudulenta de horas já registradas, podendo optar pela retirada em quantidades variáveis ou invariáveis!

Cabe, portanto, aos sindicatos e às centrais – como já defendido nesta coluna – divulgar nas bases o teor dessa Portaria, bem como os benefícios que ela traz aos trabalhadores, orientando-os sobre como guardar os comprovantes a eles destinados, além de fiscalizar sua aplicação e contrapor-se ao movimento patronal que busca alterá-la, revogá-la ou adiar sua entrada em vigor. E não fazer coro com os patrões em matéria fundamental como esta.

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26 ViSãoClassista

discussão sobre o aborto na campanha eleitoral era necessária. A questão está

em aberto no Brasil e precisa de uma definição: a sociedade vai fechar os olhos para esse problema ou irá encará-lo e tratá-lo com a devida importância? O grande erro na discussão, pautada por José Serra, foi o viés religioso que se deu ao tema. Ao tratar desse assunto com o propósito de prejudicar a candidatura de Dilma Rousseff, o tucano fez o desserviço de empobrecer o debate.

Ao invés de tentar se justificar perante os grupos religiosos extremistas, que tentaram impor sua visão a respeito do assunto, a candidata, agora presidente eleita, Dilma Rousseff, teve a oportunidade de conduzir o debate sob o ponto de vista da laicidade do Estado brasileiro, mas optou por agir de outra maneira.

O tema comporta vários aspectos, inclusive o religioso, mas deve ser iniciado com a reflexão sobre a laicidade do Estado brasileiro. O frei Leonardo Boff, em artigo publicado na “Agência Adital”, fala com clareza sobre o que isso significa. “Laico é um Estado que não é confessional, como ocorre ainda em vários países

dIREITO dA MUlhER

O dESSERVIÇO dE SERRADebate sobre o aborto na eleição presidencial ignora importância do tema para a saúde pública do país

Márcia Xavier

que estabelecem uma religião, a majoritária, como oficial. Laico é o Estado que não impõe nenhuma religião, mas que respeita a todas, mantendo-se imparcial diante de cada uma delas”, diz o religioso.

Mais adiante ele explica o que deveria pautar a discussão sobre políticas públicas de saúde da mulher. “Por causa dessa

imparcialidade não é permitido ao Estado laico impor, em matéria controversa de ética, comportamentos derivados de ditames ou dogmas de uma religião, mesmo dominante. Ao entrar no campo político e ao assumir cargos no aparelho de Estado, não se pede aos cidadãos religiosos que renunciem a suas convicções

lUTADORAS Movimento de mulheres mantém discussão na pauta do dia

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Page 27: Revista Visão Classista nº 4

27ViSãoClassista

O dESSERVIÇO dE SERRA“Se apenas uma mulher tivesse morrido por aborto inseguro, isso já valeria uma preocupação governamental para evitar essa morte”.

quem são elAs

Os dados do Ministério da Saúde mostram que as mulheres que fazem aborto têm, predominantemente, entre 20 e 29 anos, estão em uma união estável, têm até oito anos de estudo, são trabalhadoras, católicas, já têm ao menos um filho e são usuárias de métodos contraceptivos.

A fonte de dados para o cálculo da estimativa foram as internações por abortamento registradas no Serviço de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao número total de internações foi aplicado um multiplicador baseado na hipótese de que 20% das mulheres que induzem aborto foram hospitalizadas.

A grande maioria dos abortos induzidos ocorreu no Nordeste e Sudeste do país, com uma estimativa de taxa anual de aborto induzido de 2,07 por cem mulheres entre 15 e 49 anos.

Os números servem para fortalecer a agenda nacional de pesquisas sobre aborto, organizar o conhecimento disperso e, principalmente, subsidiar o debate político sobre quais medidas a serem adotadas para o enfrentamento da questão.

reflexo dAs Condições soCiAis

As mulheres não fazem aborto por opção, mas sim pela ausência de possibilidades. Matérias

religiosas. O único que se cobra deles é que não pretendam impor a sua visão a todos os demais nem traduzir em leis gerais seus próprios pontos de vista particulares”.

São necessários argumentos concretos para que o Estado disponha de um atendimento condizente às suas necessidades. Frei Leonardo Boff explica que “a

laicidade obriga a todos a superar os dogmatismos em favor de uma convivência pacífica e diante dos conflitos buscar pontos de convergência comuns. Nesse sentido, a laicidade é um princípio da organização jurídica e social do Estado moderno.”

A reAlidAde dos números

O aborto, apesar de proibido, é amplamente praticado no Brasil. A despeito de sua criminalização obrigar as pessoas a esconder esse fato, o projeto “Aborto e Saúde Pública – 20 anos de pesquisa no Brasil”, que deu origem ao relatório publicado pelo Ministério da Saúde, indica que, em 2005, 1.054.242 de mulheres no país abortaram usando métodos inseguros.

As pesquisas também mostram um número grande de mortes de mulheres por aborto inseguro. No debate sobre a descriminalização, os contrários tentam minimizar o problema alegando que o número de mortes de mulheres por abortamento inseguro é menor do que apresentado nas pesquisas.

Diante desse argumento, vale destacar a fala da deputada federal eleita Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Ao tratar desse assunto com o propósito de prejudicar a candidatura de Dilma Rousseff, o tucano fez o desserviço de empobrecer o debate

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28 ViSãoClassista

publicadas em “O Estado de São Paulo” dão conta de que “o aborto inseguro – e as complicações à saúde da mulher decorrentes dele – reflete o perfil que a desigualdade social e econômica tem no Brasil: há o dobro de casos nas regiões mais carentes e ocorre com três vezes mais freqüência entre mulheres negras e pobres.”

Pela estimativa, nas regiões Sul e Sudeste (com exceção do Rio de Janeiro), as taxas ficam abaixo de 20 abortos induzidos para cada cem mulheres de até 49 anos. Nos estados do Norte e do Nordeste (exceto Rio Grande do Norte e Paraíba), os índices ficam acima de 21 abortos por cem mulheres. No Acre e no Amapá, chegam a até 40 abortos para cada cem mulheres em idade fértil.

Quando o estudo analisa apenas a faixa de adolescentes entre 15 e 19 anos, as proporções se repetem, sendo maiores nos estados mais pobres. O mesmo acontece quando se analisam as mortes provocadas por complicações do aborto feito em casa ou em clínicas clandestinas.

Os dados apontam que também na questão do aborto existem dois Brasis: o das mulheres brancas e ricas, que têm acesso a clínicas particulares, médicos formados e atendimento condizente para realizar o aborto; enquanto as mulheres pobres e pretas estão sem nenhuma assistência e sujeitas a todo tipo de complicações e, em muitos casos, até mesmo à morte.

legAlizAção não é obrigAção

Outro aspecto que deve ser considerado no debate sobre a descriminalização do aborto é que há uma grande diferença entre legalizar o aborto e ser obrigada

a praticar um aborto. Também é preciso destacar que o fato de o Estado oferecer meios legais para aquelas mulheres que optarem por interromper a gravidez não significa que todas as mulheres serão, a partir de então, obrigadas a abortarem.

Esse item parece absurdo, mas ele pontua os discursos religiosos contrários ao aborto. Há também essa preocupação entre os legisladores quando esse assunto é discutido. Muitas mulheres fazem o aborto quando pressionadas pelos parceiros, pelos pais e até por patrões. Com a legalização, estariam as mulheres mais suscetíveis a essas

pressões?A campanha eleitoral teria

prestado um grande serviço ao público se debatesse o assunto nesses aspectos, ao invés de permitir que grupos religiosos fundamentalistas impusessem o debate do medo, do preconceito e da discriminação às mulheres como têm feito ao longo dos séculos.

Faltou ao debate também esclarecer que não cabe ao Poder Executivo propor leis – essa é uma atribuição do Poder Legislativo. Nada impede que, durante o governo da presidente Dilma, alguma parlamentar, a exemplo do que já fez a deputada Jandira Feghali, apresente um projeto de lei que descriminalize o aborto e ele seja aprovado.

Dessa forma, caso a nova presidente decida vetar uma lei eventualmente aprovada pelo Congresso, ela estaria caindo em contradição sobre o que disse na campanha eleitoral: “Entre prender e cuidar, sou a favor de cuidar”. A conferir.

dIREITO dA MUlhER

“Se apenas uma mulher tivesse morrido por aborto inseguro, isso já valeria uma preocupação governamental para evitar essa morte”

ATRASO: Brasil demora para tratar o aborto como questão de saúde pública

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29ViSãoClassista

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governo Lula deixa muitos avanços nos aspectos

econômicos e sociais, em prol das classes menos favorecidas, principalmente para os trabalhadores e trabalhadoras. Porém, no que se refere à saúde do trabalhador e à Previdência, pouco temos a comemorar. A implementação do NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico e Previdenciário) é uma dessas poucas conquistas, mesmo com grande oposição dentro do próprio INSS, pois com sua adoção diminuiu consideravelmente o poder divinal dos médicos peritos, trazendo avanços importantes, como a inversão do ônus da prova e o caráter coletivo e epidemiológico da abordagem.

O NTEP traz no seu bojo antigas discussões sobre o reconhecimento das patologias ligadas ao mundo do trabalho. Até então, poucas eram reconhecidas pela Previdência, adotando apenas o nexo entre a patologia e trabalho. Avançamos para a protocolização das doenças ocupacionais, principalmente daquelas ligadas ao grupo conhecido com LER DORT, adotando a análise técnica e progredindo do aspecto individual para o coletivo quando se chegou ao resultado de centenas de patologias relacionadas a

A saúde do trabalhador e os desafios de dilma

O movimento sindical, por meio de suas centrais, necessita elaborar uma agenda temática positiva e complementar à já apresentada anteriormente aos candidatos a presidente

determinadas atividades econômicas, estabelecendo a relação entre o CNAE (Classificação Nacional de Atividade Econômica) e o CID (Código Internacional de Doenças), saindo do aspecto individual (doença do trabalho), passando pelo crivo técnico e previdenciário e chegando cumulativamente até o coletivo–epidemiológico.

Embora considerando os avanços no reconhecimento das patologias, isso não significou uma diminuição nos números dos acidentes do trabalho e das doenças ocupacionais, colocando ainda o Brasil entre os campeões mundiais em infortúnios. Portanto, o movimento sindical, por meio de suas centrais, necessita elaborar uma agenda temática positiva e complementar à já apresentada anteriormente aos candidatos a presidente. Dentre as muitas possíveis sugestões, destacamos algumas e reforçamos outras:

1 – Fim do fator previdenciário, para restabelecer o princípio da equidade na Previdência;

2 – Reestruturação e integração das áreas de fiscalização do Estado brasileiro, dos Ministérios da Saúde, Previdência Social e do Trabalho e ações conjuntas com o Ministério Público Federal e do Trabalho, efetivando na atenção básica do SUS ações de atendimento,

José Barberino é diretor de Saúde do Trabalhador do Sindicato dos Bancários da Bahia e membro da Direção Plena da CTB.

controle e notificação dos acidentes do trabalho e doenças ocupacionais;

3 – Estruturar a Escola Nacional de Formação e Capacitação, com parceria das universidades, para os novos e antigos auditores, médicos da área de vigilância e dos médicos peritos, subordinados aos ministérios, no sentido de mudar os paradigmas atuais de classificação;

4 – Ampliar as competências do Conselho Nacional da Previdência Social;

5 – Realizar auditoria nas perícias médicas realizadas pelo INSS;

6 – Estabelecer a data da realização da perícia como definidora para o estabelecimento mínimo da concessão do benefício previdenciário;

7 – Reestruturar a área de reabilitação do INSS;

8 – Restabelecer as superintendências do INSS em todos os estados;

9 – Aumentar o número de CEREST’s (Centro de Referencia em Saúde do Trabalhador), reforçando a área de vigilância em saúde do trabalhador;

10 – Considerar o auxílio-acidente (B-94) para compor o benefício por aposentadoria, limitado ao teto previdenciário;

11 - Convocar a Conferência Nacional da Previdência Social, objetivando debater as políticas públicas para a área.

SAúdE dO TRABAlhAdOR jOSé B

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30 ViSãoClassista

o dia 31 de outubro, data do segundo turno das eleições presidenciais, o Brasil correu

o sério risco de voltar ao passado, à época do desmonte do Estado, a tempos de entrega do patrimônio público nas mãos do capital internacional e à precarização das condições de trabalho.

Durante os meses de disputa eleitoral, os brasileiros presenciaram uma verdadeira guerra pela disputa da Presidência da República. De um lado o candidato do PSDB, José Serra, mesclou o tom dos discursos, ora como defensor das privatizações do governo FHC, ora agressivo em relação à possibilidade de o PT se desfazer de outras estatais. Na direção oposta, a candidata Dilma Rousseff politizou seu discurso no segundo turno, firmou o tom de voz e passou o seu recado para a população: “Essa é a grande diferença entre o nosso projeto e o da turma do contra. Nós acreditamos no fortalecimento das empresas brasileiras”, afirmou, em um de seus programas de TV.

Debates promovidos por emissoras de televisão, entidades sindicais e patronais serviram de palco para a disputa recheada de ataques, boatos e mentiras na tentativa de instaurar o medo e insuflar o ódio. Propostas e programas de governo tiveram pouco espaço na mídia – foram reservadas às entrelinhas. A internet foi infestada com calúnias. Foi necessário mostrar com clareza o que defendia cada uma das candidaturas.

o PAPel de serrA

Temas polêmicos passaram a dar tom às discussões. Aborto, homossexualismo e religiosidade tomaram o lugar de dados e fatos importantes que interferiram nos rumos do país, como o possível retorno da política de Estado Mínimo apregoado nos quatro cantos do Brasil a partir da Era Collor (1990) e fortalecido pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 a 2002.

Vitimado por estas políticas de inspiração neoliberal (e em consonância às regras estabelecidas pelo capital estrangeiro), o Estado brasileiro perdeu participação no PIB. É nesse período que se viu o maior processo de transferência de patrimônio público para a iniciativa privada de que se tem notícia no país.

BRASIl

ESTAdO ROBUSTO, TUCANOS SEM RUMOAo optar por Dilma, população aposta na força das empresas estatais, enfraquecidas durante o governo de FHC e Serra

Cinthia Ribas

pRÉ-SAl Defesa do patrimônio público foi tônica da eleição

JOSÉ SeRRA: Candidatura a serviço das privatizações

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31ViSãoClassista

intenção do tucano de privatizar a estatal.

Cabe lembrar que em 2000 FHC propôs mudar o nome da Petrobras para Petrobrax. O “x”, na avaliação do governo tucano, ajudaria a “captar dinheiro no mercado internacional”. A lógica dessa mudança também estava baseada na ideia de que “não deve existir estatal comprando ou vendendo petróleo”, bandeira histórica daqueles que pretendem privatizar a empresa.

Quando presidiu a Agência Nacional do Petróleo (ANP), David Zylberstajn, ex-genro de Fernando Henrique Cardoso e assessor-técnico para a área de energia da campanha de Serra à Presidência, defendeu a redução do tamanho da empresa na economia brasileira. Ele queria que a Petrobras vendesse parte de suas refinarias para aumentar a participação do capital privado no setor.

O assessor de Serra disse ainda que a obrigatoriedade de que a Petrobras opere ao menos 30% de todos os blocos do Pré-sal “traz um grande risco”. O ex-presidente da ANP criticou o aumento da participação do Estado na empresa, retomando o discurso histórico do PSDB que defende a privatização da Petrobras.

nos ombros do trAbAlHAdor

Para Divanilton Pereira, diretor nacional da CTB e responsável

pelas finanças do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Norte, durante os oito anos de governo FHC a Petrobras viveu seu calvário, inclusive com a tentativa de sua destruição. “A Petrobras já passou por uma experiência que foi o modelo de FHC. Quando Serra se candidatou, o medo de que voltássemos à época das privatizações ressurgiu. Quando houve o acidente da plataforma P-34, que afundou no Oceano Atlântico com 11 funcionários, 90% dos seus trabalhadores foram terceirizados, o que colocou a empresa na lista de recordes por mortes no local de trabalho”, destaca.

O dirigente sindical destaca que tanto para o país como para o trabalhador as conseqüências foram enormes. “A época que compreende o governo de Collor e FHC foi marcada pelos pedidos de demissão voluntária (PDV), medida que reduziu pela metade o quadro de funcionários da empresa e fez parte do processo de desmonte. Entramos o ano de 1990 com 62 mil trabalhadores e chegamos a 32 mil em 2002. Uma redução de 50% do quadro de funcionários, que tiveram que suportar o incremento na produção, que praticamente dobrou nesse período. Daí os acidentes ocorridos”, relembrou.

O valor do que a Petrobras produz e o impacto de seus investimentos e gastos na economia já representam 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, quase o dobro de 2002. Por esse motivo, assegura o dirigente cetebista, será fundamental que o governo se torne o único operador do Pré-sal. “Com a descoberta do Pré-sal a tendência é que o PIB dobre. O impacto sobre atividade econômica e a empregabilidade é muito grande.

Durante o governo FHC, foi José Serra, então ministro do Planejamento, o responsável direto pela entrega de dezenas de estatais nas mãos do capital estrangeiro. Embratel, Light, Eletropaulo, Banespa e Vale do Rio Doce fazem parte de uma imensa lista, todas vendidas a preço de banana.

De acordo com o Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais (Dest) do Ministério do Planejamento, desde 1990, 41 empresas estatais foram privatizadas no país. Ainda segundo o órgão, em 1980 o país tinha 213 empresas estatais; esse número passou para 186 em 1990, caindo para 103 em 2000.

A PetrobrAx de fHC

Ao se referir à sua passagem pelo Ministério da Saúde e para descrever o papel do Estado na economia, Serra negou o caráter privatista do governo tucano. Alegou de forma clara que muitas das privatizações feitas nos governos Collor, Itamar e FHC foram necessárias.

Contrária a esse pensamento e sucessora da política progressista do governo Lula, a presidente eleita Dilma Rousseff mantém a política de defesa de um Estado forte, indutor do investimento, sobretudo na área de infraestrutura e na concessão de crédito, com a preservação da estabilidade macroeconômica, manutenção do equilíbrio fiscal, controle da inflação e câmbio. Contrária às privatizações, durante sua campanha eleitoral ela voltou a alertar a população para a política entreguista do PSDB.

Na mira do capital estrangeiro, a Petrobras era uma das empresas que sofriam sérios riscos de privatização na provável volta do governo tucano ao poder. Dilma apontou a suposta

Div

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ção

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32 ViSãoClassista

Com a descoberta do Pré-sal, sabemos que ele será o financiador para o projeto de desenvolvimento social e econômico brasileiro”, afirmou.

de olHo nA CAixA

Serra até que tentou negar o caráter privatista de seu provável governo e a intenção de privatizar as estatais como a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, a Petrobras e os Correios. No entanto, experiências anteriores mostram que a boa-fé não é uma de suas qualidades.

Candidato a deputado federal em 1990, Serra assinou juntamente com os também candidatos ao governo, Mário Covas, e ao senado Franco Montoro, uma carta se comprometendo a não vender o Banespa. Quatro anos mais tarde, Serra venceria as eleições para senador, Covas passaria a ser governador de São Paulo e Montoro iria para a Câmara dos Deputados. Já na primeira gestão de Covas foi montado o Programa Estadual de Desestatização (PED), que consistiu na venda das empresas públicas paulistas. Em 2000, o Banespa foi vendido para o grupo espanhol Santander por R$ 7 bilhões, valor considerado como um “marco na história do nosso país” pelo governo do PSDB.

Os números ilustram essa informação. Somente em 2009, em meio à crise do mercado financeira internacional, o Santander obteve lucro líquido de R$ 5,508 bilhões em suas operações no Brasil. A arrecadação total foi de R$ 13,2 bilhões.

Já de olho na privatização da Caixa Econômica, o governo FHC apostou em uma descaracterização do papel social da empresa, com

as agências atuando como banco comercial e o atendimento da área social sendo relegado a segundo plano

Esse período é lembrado sem nenhuma saudade por Carlos Lima (Caco), secretário-geral do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. “Segregaram a empresa, como se ela fosse duas: a área comercial e a área social. As agências passaram a se chamar pontos de venda. O atendimento a programas sociais continuou a ser feito, mas com quadro reduzido. Grande parte dos empregados passou para a área de venda de produtos”, revela o dirigente.

Com o objetivo de viabilizar seu projeto de entrega, o governo FHC desferiu pesados ataques aos trabalhadores do setor.”A intenção era enxugar. Demitir os funcionários antigos e contratar novos. As condições de trabalho foram totalmente precarizadas. Houve a criação de uma nova estrutura comercial, os escriturários passaram a se chamar ‘técnicos bancários’. Direitos como anuênio, fundo de pensão, entre outros,

foram retirados. Era um esquema de assédio moral. Eu mesmo fui demitido no governo Collor, retornando com sua queda (impeachment)”, cita, sem se esquecer da temida RH 008. “Foi um instrumento criado para demitir os empregados. Como resultado, instalou-se um clima de medo”.

noVo PAtAmAr

Com a chegada de Lula à Presidência, houve mudanças na orientação política para a CEF e o BB, que resgataram seu papel social – fundamental para ajudar o país a superar a crise mundial de 2008. As empresas voltaram a investir, auxiliando o Brasil a gerar emprego e renda. A gestão das loterias foi internalizada, os investimentos em habitação e saneamento básico passaram a bater recordes e milhões de brasileiros foram incluídos no sistema financeiro. “Os bancos públicos foram essenciais para a recuperação do país após a crise mundial que levou muitos países a banca rota. Eles deram suporte para a população, mantendo a economia aquecida, enquanto os privados se retiraram de cena”, lembra Caco. Com a vitória de Dilma, o povo brasileiro tem a certeza de que o legado de Lula será respeitado e servirá de inspiração para o gerenciamento das empresas estatais. No que diz respeito às relações de trabalho, Caco ressalta que o relacionamento entre o governo e os funcionários também mudou. “Passamos a negociar. Deixamos a luta de resistência para a luta por conquistas, com aumentos reais”, afirma, destacando que a disputa, a partir de 2011, começará a partir de um novo patamar, infinitamente superior ao dos tempos em que os tucanos ditavam os rumos do país.

DiVANilTON Pré-sal financiará o desenvolvimento

BRASIl

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33ViSãoClassista

MUNdO dA FORMAÇÃO

o período de 7 a 10 de novembro, participei

em Havana (Cuba), juntamente com o secretário-adjunto de Relações Internacionais da CTB, João Batista Lemos, de uma reunião de centrais sindicais componentes do Encontro Sindical Nossa América (ESNA) e de centros de formação e investigação, com o objetivo de definir um programa de formação e de investigação. Com relação à formação, tal programa destina-se aos dirigentes das centrais sindicais e de entidades filiadas às centrais dos vários países que se vinculam ao ESNA. A reunião contou com a participação da PIT-CNT (Uruguai), da CTA (Argentina), da CTC (Cuba), da CST (Venezuela), da CTB, da Fundação de Investigações Sociais e Políticas da Argentina e do CES (Brasil).

Na resolução do 3º Encontro Sindical Nossa América, realizado em Caracas, ficou expresso que se trata “de estudar as mudanças na estrutura de classe, especialmente entre os trabalhadores, sua história e prática de luta e de organização” e “resulta necessário se estudar as formas de gestão na diversidade da realidade regional, para apreender, desde as práticas sociais, e tentar sistematizar teoricamente para uma efetiva divulgação da

Formação Política e Sindical na América

Provavelmente, um dos temas fundamentais a serem investigados é o novo perfil da classe trabalhadora, em função das grandes transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho

potência do poder obreiro e popular.”

A reunião a que me refiro acima foi realizada para iniciar o processo de formação e investigação a que o 3º Encontro se refere. Contando com a efetiva participação de professoras da Escola de Formação de Quadros Sindicais “Lazaro Pena” – local onde a reunião foi realizada –, o programa de formação e investigação foi elaborado.

Entre as atividades planejadas estão a realização de cursos internacionais de formação, reunindo dirigentes sindicais de vários países. O primeiro deles, que será de formação de formadores, deverá ser realizado em Havana, em março de 2011. Nas várias regiões da América, outros quatro cursos serão realizados, nos meses de abril e maio de 2011, sendo que um desses deverá ocorrer em nosso país, reunindo dirigentes sindicais da Argentina, do Uruguai, do Paraguai, do Chile e do Brasil.

No que se refere ao processo de investigação, a principal resolução é a de que inicialmente seja constituída uma equipe continental, composta por intelectuais dos vários países da América que se disponham a colaborar na realização de pesquisas que se refiram a temas de interesse da classe trabalhadora.

Provavelmente, um dos temas fundamentais a serem investigados

é o novo perfil da classe trabalhadora, em função das grandes transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho. Um estudo como este tem um valor em si para aumentar nossos conhecimentos, mas tem, sobretudo, uma conseqüência prática para a reorientação das estratégias e táticas do movimento sindical.

Pude constatar visivelmente, nessa viagem a Havana, a importância que os cubanos atribuem à formação, quer seja a formação escolar que consideram fundamental para a vida das crianças e jovens, quer seja a formação política e sindical. Os cubanos são estimulados a estudar, a ter maiores conhecimentos sobre a realidade e fazer dos temas políticos um assunto do seu cotidiano. Falam com facilidade de temas políticos importantes. Ao ser apresentado como brasileiro a vários cubanos, desde dirigentes políticos e sindicais até trabalhadores sem nenhum cargo político ou sindical, invariavelmente ouvi expressões como “país da Dilma e do Lula”, “que bom que Dilma venceu!”, “Lula é amigo dos cubanos”. E em relação a Cuba, as referências são a defesa da Revolução, as críticas ferozes ao imperialismo estadunidense, o reconhecimento da liderança de Fidel e de Raul.

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STO PETTA

Augusto César Petta é professor e coordenador do Centro de Estudos Sindicais (CES).

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34 ViSãoClassista

Crise econômica acentua contradições do capitalismo e favorece a luta de classes no continente europeu

Umberto Martins

STATUS QUO EM RISCO

INTERNACIONAl

o lado dos Estados Unidos e do Japão, as principais potências europeias

(Alemanha, França e Inglaterra) estão vivendo uma crise estrutural do capitalismo e, por extensão, da decadente ordem econômica e política mundial herdada do pós-guerra.

São países de capitalismo mais maduro, que já foram considerados as principais estrelas do drama capitalista.

tendênCiA à estAgnAção

A crise, que pode ser chamada de estrutural para se diferenciar das perturbações cíclicas do capitalismo, não começou em 2008, embora caminhe hoje de mãos dadas com a recessão americana. Teve início ao longo dos anos 1970.

Naquela altura chegou ao fim o período que o historiador inglês Eric Hobsbawm classificou de “anos dourados do capitalismo”, compreendido nas primeiras décadas após a 2ª Guerra Mundial. As taxas de crescimento eram altas e o desemprego desprezível no chamado 1º Mundo.

A partir da década iniciada em 1970, marcada pelo colapso dos

acordos monetários celebrados em Bretton Woods (fim do padrão dólar-ouro e do câmbio fixo), as taxas de crescimento econômico, apuradas anualmente, declinaram progressivamente no antigo G-7 (EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Canadá).

Recuaram de 5% em média nos anos 1960 para 3,5% na década seguinte e continuaram caindo, estando agora (antes da crise) em torno de 2%, configurando uma tendência à estagnação. As taxas de desemprego percorreram uma trajetória inversa. No mesmo período, cresceram de 1,5% na antiga comunidade europeia para cerca de 10% na atualidade.

Contexto HistóriCo

A persistente tendência à redução do ritmo da produção e do emprego, que alguns observadores atribuem ao desenvolvimento natural das economias mais maduras, ganha contornos mais dramáticos com a recessão norte-americana, iniciada no final de 2007. Esta provocou sérias turbulências em todo o mundo e ainda agora faz sentir seus efeitos, com especial ênfase nos EUA e na zona do euro.

O contexto histórico em que transcorre o drama econômico das potências capitalistas é influenciado pelo desenvolvimento desigual das nações, no qual a tendência à

ReSpOSTA Franceses de diversas cidades se rebelam contra medidas “de austeridade”

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35ViSãoClassista

STATUS QUO EM RISCO Diferentemente do que sucedeu em muitos países latino-americanos, na Europa o projeto neoliberal esbarrou numa forte resistência da classe trabalhadora e, na maioria dos casos, ficou pela metade

estagnação econômica verificada nos países capitalistas mais maduros contrasta fortemente com as altas taxas de crescimento obtidas pela China, em primeiro lugar, e por outras nações ditas emergentes, entre elas Índia e Brasil.

Crise e desenVolVimento desiguAl

Diante do colapso do mercado estadunidense, milhares de fábricas fecharam as portas na China, 20 milhões de trabalhadores foram demitidos e forçados a migrar de volta para o campo. O governo de Pequim reagiu destinando mais de US$ 500 bilhõs a obras de infraestrutura física, fundos de emprego e outros investimentos produtivos.

O país superou rapidamente a crise de superprodução. Em

2009, ano em que a economia mundial como um todo caiu pela primeira vez (-0,6%) desde a 2ª Guerra e o comércio recuou 12%, a China cresceu 9,1%. Para este ano, a perspectiva é de um avanço igualmente extraordinário na atual conjuntura: 9,5%.

Os fatos indicam que a tendência do desenvolvimento desigual das nações, cuja principal característica é a decadência dos EUA e a ascensão da China, foi acelerada pela crise econômica.

desequilíbrios

Esta evolução objetiva da história, que ocorre independentemente dos interesses de governos e nações e geralmente na contramão desses, tensiona a ordem mundial imperialista, altera silenciosamente o status quo e a correlação de forças. Com isto, promove desequilíbrios subversivos nas relações comerciais e financeiras e mudanças nos poderios econômicos relativos das nações e, por consequência, na geopolítica, dando curso a um conflituoso processo de transição. O mundo vive um momento desses, com o progressivo deslocamento da liderança industrial do Ocidente para o Oriente.

Entre os impactos do crescimento desigual no interior da ordem capitalista mundial, destacam-se o acirramento da concorrência envolvendo não só as empresas como também as nações e as chamadas deslocalizações. Isto ajuda a explicar o que está ocorrendo por esses dias na Europa em geral e na França em particular.

neoliberAlismo

A resposta das classes dominantes e do Estado capitalista à crise estrutural é o neoliberalismo. Não por acaso, este teve como marco, no final dos anos 1970, os governos de Margareth Thatcher na Inglaterra, e do cowboy republicano Ronald Reagan, nos Estados Unidos.

Mas, diferentemente do que sucedeu em muitos países latino-americanos, o projeto neoliberal não encontrou terreno fértil na Europa. Esbarrou numa forte resistência da classe trabalhadora e, na maioria dos casos, ficou pela metade.

ilusões reformistAs

Foi durante os anos dourados, com a produção e o emprego em alta, que o velho continente construiu e aprimorou o chamado Estado de Bem-Estar Social (Ebes), caracterizado por uma extensa e eficiente rede de seguridade social e crescentes conquistas da classe trabalhadora.

Os lucros colhidos na fase de prosperidade viabilizaram o financiamento do Ebes, que outrora parecia concretizar as ilusões reformistas na colaboração de classes, entre capital e trabalho, e em um capitalismo humanizado, capaz de contemplar as demandas da classe trabalhadora por melhores salários, jornadas menores e “trabalho decente”.

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INTERNACIONAl

O bem-estar social é o resultado concreto da luta da classe trabalhadora ao longo da história contra a exploração e pela humanização das relações sociais.

bem-estAr em xeque

A realidade econômica foi mudando na medida em que as taxas de crescimento caíam, o desemprego subia, os lucros capitalistas e as receitas do Estado encolhiam. Aparentemente, o financiamento do Ebes ficou bem mais difícil, senão impossível sob o capitalismo. A dívida pública aumentou, ampliando as despesas dos governos com juros e o desequilíbrio fiscal.

Aqui cabe um parêntese: a agenda neoliberal foi revigorada após a emergência da crise da dívida externa nos países europeus. Diante da bancarrota do sistema financeiro os governos reagiram derramando centenas de bilhões de euros nas economias para socorrer bancos em apuros.

A intervenção dos Estados capitalistas na economia, em dimensão talvez inédita na história em tempo de paz, chegou a ser percebida e saudada como um atestado de óbito do neoliberalismo. Mas não foi isto.

CAPitAl fiCtíCio

Os governos das potências capitalistas, lideradas pelos EUA, injetam trilhões de dólares nas economias para resgatar grandes monopólios da falência, privilegiando bancos e banqueiros. Socializam os prejuízos da recessão e transformam o Estado capitalista num grande hospital do capital financeiro. Exacerbam o déficit, a dívida, os desequilíbrios fiscais e comerciais. E apresentam a conta à classe trabalhadora.

Não demonstram sensibilidade com o desemprego e o sofrimento das famílias operárias, os despejos, a queda da renda, do consumo e das atividades no mundo real da produção. Nos Estados Unidos, assim como na Europa, o dinheiro público não serviu de estímulo à recuperação do consumo e dos investimentos produtivos. Foi usado em operações de socorro aos bancos e resgate de capital fictício.

A vida está mostrando que este tipo de intervenção, que nada tem a ver com a negação do neoliberalismo, não beneficia o povo nem revela eficácia no objetivo proclamado pelos governos de reverter a crise. Em contrapartida, acentua os desequilíbrios, o déficit e a dívida pública, bem como a centralização do capital e a concentração da renda.

O caráter de classes do Estado capitalista, mascarado pela propaganda burguesa, transparece sem muito disfarce na crise.

efeitos ColAterAis

No caso dos Estados Unidos, é preciso atentar para o fato de que os efeitos colaterais da intervenção do Estado em defesa dos grandes capitalistas e do sistema não se restringem às fronteiras do país.

O dólar ainda exerce as funções de moeda mundial. Não circula só no interior dos EUA. Parte não desprezível dos dólares emitidos pelo Federal Reserve (banco central do país) para socorrer o capital financeiro e sustentar a dívida do Tesouro flui para o exterior na forma de investimentos diretos e indiretos.

guerrA CAmbiAl

Com isto, a política econômica dos EUA está provocando uma

inflação mundial do dólar, semeando instabilidade no comércio internacional e estimulando a chamada guerra cambial. Esta parece ser um novo desdobramento ou um novo capítulo da crise mundial do capitalismo, que acirra a concorrência entre as empresas e os conflitos comerciais e políticos entre as nações.

Os dois principais rivais nesta “guerra” são EUA e China, sendo o primeiro uma potência em franca decadência. Já a ascensão da China, que ainda cresce ao ritmo de 10% ao ano e saiu rapidamente da crise, parece irresistível.

o retorno do fmi

Frente aos problemas fiscais e alegando preocupações com os destinos do euro, a cúpula da União Europeia e o FMI impõem “planos de estabilidade” danosos para a classe trabalhadora. O retorno do FMI, com suas receitas intragáveis, não poderia ter outro efeito senão o acirramento da luta de classes no velho continente.

A verdade é que a crise criou condições e serviu de pretexto à burguesia europeia, liderada pela oligarquia financeira, para redobrar a ofensiva reacionária e antissocial contra as conquistas da classe trabalhadora que há anos consta da agenda neoliberal da “comunidade”.

retroCesso

A rigor, a crise da dívida externa que no momento castiga os primos pobres da velha Europa, não é muito diferente daquela que atormentou a América Latina nos anos 1980. A nossa crise foi provocada pela alta das taxas de juros nos EUA no final dos anos 1970. Custou ao Brasil mais de duas décadas perdidas

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em matéria de desenvolvimento econômico.

A filosofia e as receitas do FMI não mudaram. O objetivo da “ajuda” e dos pacotes impostos pela instituição criada pelos acordos de Bretton Woods é preservar o caduco e corrompido sistema financeiro internacional. É salvar, a qualquer preço e doa a quem doer, os lucros dos bancos, em nome de uma estabilidade econômica que, a esta altura, é uma ficção tão bizarra quanto os lucros auferidos pelos especuladores rentistas com a bolha imobiliária nos EUA.

sACrifíCios

Os sacrifícios impostos aos trabalhadores para assegurar os lucros da oligarquia financeira tendem a agravar a crise da economia real, obstruindo os canais para a recuperação, consolidando a estagnação e ampliando o nível de desemprego.

Em artigo publicado dia 30 de setembro no sítio “New Economic Perspectives”, o economista Michael Hudson, professor da Universidade de Missouri, resumiu o significado dos pacotes ditados pela UE e FMI: “O objetivo é baixar os salários cerca de 30% ou mais, até níveis de

depressão, pretendendo que isso ‘deixará mais excedentes’ disponíveis para pagar o serviço da dívida. (…) Trata-se de um projeto de reversão da era das reformas democrático-sociais que a Europa conheceu no século passado”, ou seja, uma tentativa de desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social.

O sofrimento das camadas mais vulneráveis do povo é maior, com destaque para os imigrantes nos Estados Unidos, Japão e União Europeia. A crise cria um caldo de cultura favorável à intolerância, aos preconceitos, ao racismo, sentimentos explorados de forma perversa pela extrema direita, financiada por grandes grupos, que avançou significativamente nos EUA nas últimas eleições parlamentares e na Europa.

reVoltA

A classe trabalhadora europeia reage com energia e indignação à ofensiva neoliberal capitaneada pela cúpula da UE e o FMI. Não quer pagar pela crise do capital financeiro e reclama justiça e mudança. Um forte sentimento de revolta invade as ruas do velho continente. Mais de uma dezena de greves gerais e inúmeras manifestações foram

realizados durante este ano em defesa dos direitos sociais e contra os pacotes de arrocho. França e Grécia formam a vanguarda deste movimento.

O pano de fundo da luta de classes em curso na Europa e na França, para não dizer no mundo, é a crise do capitalismo. Não se trata apenas da crise econômica, mas da convergência desta com a crise da ordem imperialista mundial, abalada pelo desenvolvimento desigual, e da hegemonia econômica e política dos EUA.

soCiAlismo ou bArbárie

Os Estados Unidos, em decadência, já não estão em condições de liderar o crescimento da economia mundial. Já não são um motor (como foram no passado), mas um freio do desenvolvimento. Por esta razão, a necessidade de transição para uma nova ordem mundial adquire um caráter objetivo, não é mais apenas uma bandeira ideológica da esquerda.

A tendência do imperialismo à reação política e às guerras ganha força na presente conjuntura e recoloca a humanidade diante do dilema entre barbárie e socialismo. É ilusão esperar uma solução positiva para a crise nos marcos do capitalismo, cujas contradições desaguaram nas duas grandes tragédias do século XX, as guerras mundiais de 1914-18 e 1939-45. É de se esperar que, através da luta e da mobilização de massas, a classe trabalhadora e as organizações progressistas abram caminho para transformações sociais mais profundas no rumo de uma nova ordem mundial, de forma a evitar outra catástrofe e permitir que a perspectiva do socialismo prevaleça sobre a barbárie capitalista.

eXeMplO Em Portugal, centrais sindicais deram o tom dos protestos

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onhecida nacionalmente como um símbolo de luta no combate ao racismo no Brasil,

a União de Negros pela Igualdade (Unegro) foi fundada nas ladeiras históricas do Pelourinho, no dia 14 de julho de 1988, em Salvador, Bahia, com o compromisso de conduzir as transformações na política e na sociedade visando ao combate ao racismo, às desigualdades de gênero e pela garantia e ampliação dos direitos da população negra.

Dentre as organizações antirracismo que deram origem à Unegro, destaca-se o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR) que, em 1978, graças ao seu surgimento, iniciou uma onda conhecida como “fase das denúncias de discriminação”. Com o passar dos anos e a comprovação da ineficácia dessa onda de denúncias, surge a necessidade de ampliar a visão das condições globais de racismo, ou seja, iniciar um trabalho minucioso para buscar o conhecimento em relação às razões que motivam e alimentam o preconceito ao longo da história. Graças a esse estudo, passa-se a mapear a origem desse crime e encontram-se diversos

Com pouco mais de duas décadas de existência, Unegro já é um símbolo nacional do combate ao preconceito e à exploração do capitalismo.

Fábio Ramalho

MOVIMENTOS SOCIAIS

REBElE-SE CONTRA O RACISMO

fatores históricos, sociais, políticos e culturais, tanto no Brasil quanto em outros países.

A Unegro nasce nesse contexto, com o desafio de elaborar um projeto político de caráter nacional, pluripartidário, plurirreligioso e plurirracial, não só para o negro brasileiro, mas para todo o segmento dos marginalizados que lutavam – e até hoje lutam – pela transformação da estrutura social visando, num futuro próximo, que a população brasileira viva em uma sociedade mais justa, democrática e igualitária.

“Os dados acumulados pelo movimento negro comprovam que os descendentes dos ex-escravos sofrem, há décadas, com a junção de várias formas de violência, como social, cultural, religiosa, entre outras. A Unegro surge exatamente para combater esse quadro, convergir e dialogar com a sociedade a construção de projetos voltados para os negros e os marginalizados”, explica Roberto

Almeida de Oliveira (Beto), membro da coordenação nacional da Unegro.

o fruto do trabalho

Ao longo dessas duas décadas de existência, a Unegro foi protagonista em muitas conquistas que visaram à ampliação dos direitos da população negra no Brasil, participando ativamente do processo de construção de políticas públicas de combate à discriminação. Muitas batalhas foram travadas principalmente no campo político, como a desmistificação da história da igualdade racial, além do fortalecimento de entidades nacionais e regionais e a consolidação de sua presença em sindicatos, partidos políticos e governo.

No campo institucional, a Unegro criou secretarias, coordenadorias e conselhos de promoção à igualdade racial em todos os âmbitos do Estado. Na área jurídica, trabalhou pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, pela criminalização

UNiÃO Movimentos sociais vão às ruas para celebrar o 20 de novembro

Mau

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constitucional do racismo e da discriminação, assim como lutou pelo direito das comunidades quilombolas à posse de terras.

Obviamente, o movimento encontrou muitas pedras pelo caminho, que, inevitavelmente, ocasionaram em derrotas marcantes, mas que serviram de lição para que continuem lutando. “Lutar contra o racismo é elaborar propostas que vão contra o sistema de exploração, a concentração de renda e o imperialismo neoliberal. As derrotas sofridas pela Unegro ao longo desses anos de militância nos deram a real dimensão de quanto ainda temos que avançar”, ressalta Beto.

estAtuto dA iguAldAde rACiAl

Uma dessas ferrenhas batalhas em que a Unegro teve participação efetiva, enfrentando parlamentares representantes do racismo institucionalizado e do

REBElE-SE CONTRA O RACISMO

conservadorismo político, se deu ao longo do processo que culminou na criação do Estatuto da Igualdade Racial.

O Estatuto, que representa um novo patamar tanto no combate à erradicação da discriminação racial no país quanto na luta pela ampliação de direitos para os povos, tramitou por dez anos no Congresso Nacional e sofreu diversas modificações que desagradaram os militantes dos movimentos de combate ao racismo. Mesmo assim, sua implantação ainda representa um avanço e assegura conquistas importantes

para a população negra em temas como religião de matriz africana, manifestações culturais, educação, saúde, justiça, segurança, cultura e as questões das terras quilombolas, entre outros.

Dessa forma, o Estatuto da igualdade Racial contempla a legislação brasileira que tratava as questões de natureza racial apenas de forma repressiva e que, a partir da sanção do presidente Lula, em 27 de julho, passou a garantir, de forma legal, a promoção da igualdade e definindo uma nova ordem de direitos para a população negra do Brasil.

neoliberalismo versus luta antirraCismo

Mas não foi fácil a população negra conquistar a aprovação de um Estatuto voltado a atender suas necessidades. O caminho percorrido foi longo e árduo, principalmente com a implantação do neoliberalismo, na segunda metade

Mauricio M

orais

Unegro

TRADiÇÃO Antirracismo passa pela manifestação livre da cultura negraATRASO Para Beto, era FHC criou “horta de miseráveis”

“Lutar contra o racismo é elaborar propostas que vão contra o sistema de exploração, a concentração de renda e o imperialismo neoliberal”

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ORGUlHO Feriado é vitória histórica do movimento negro

da década de 80 e durante os anos 90, quando o diálogo com a sociedade passou definitivamente a não existir e os movimentos populares começaram a ser vistos e tratados como inimigos públicos número 1.

Esse período, no qual os direitos sociais se transformaram em privilégios, significou para a Unegro um tempo de fortalecimento da luta dos movimentos sociais e sindicais contra a política de estado mínimo, representada principalmente pela proposta do governo FHC.

“O neoliberalismo foi, na sua essência, a execução física de negras e pobres, criando no Brasil uma população descartável que se encontrava fora do mercado de trabalho e, automaticamente, do mercado consumidor. No período FHC foi criada uma ‘horta de miseráveis’ que se converteu em fator de desequilíbrio social profundo e isso fortaleceu a luta da Unegro e de diversos movimentos sociais, sindicatos e partido progressistas que lutavam e até hoje lutam contra a exploração do imperialismo capitalista”, define Beto.

Governo lula e a luta pela iGualdade raCial

Historicamente, o Brasil só havia sido governado por representantes da elite nacional. Foi preciso, em 2002, a eleição de um retirante nordestino vindo das camadas mais pobres da sociedade para que a elite brasileira

aprendesse como se faz política pública para a população, elaborando um diálogo franco com os movimentos sociais e sindicais.

Os oito anos de governo Lula foram importantes para a criação de uma política pública, mais eficaz, de combate ao racismo e à discriminação. A Unegro, em sua plenária nacional realizada no último mês de junho, apresentou um documento intitulado “Por um novo projeto de desenvolvimento nacional: o negro compartilhando o poder”, no qual foi feita uma avaliação positiva da era Lula em relação à criação de diversos instrumentos que darão base de sustentação para que, no futuro, o preconceito seja erradicado, definitivamente, do Brasil.

Alguns exemplos podem ser vistos graças à implementação de programas de combate à miséria capitaneados, principalmente, pelo Bolsa Família, que reflete positivamente na base da pirâmide social e, consequentemente, beneficia milhões de famílias negras. Além dos avanços conquistados com a instituição da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), do Conselho Nacional de Promoção a Igualdade Racial (CNPIR) e do Fórum Intergovernamental de Igualdade Racial (FIPIR).

Outras importantes medidas adotadas no governo Lula e que influenciaram, diretamente, na vida da população afro-brasileira

MOVIMENTOS SOCIAIS

dizem respeito à regulamentação da titularização das terras quilombolas, à instituição do Programa Universidade para Todos (ProUni) e à implantação do regime de cotas nas universidades públicas, que já permitiram a entrada de milhões de jovens negros ao ensino superior.

a era dilma

O fortalecimento das políticas públicas sociais do governo Lula se refletiu nas eleições de 2010, com mais uma derrota, nas urnas, das forças neoliberais representadas pela candidatura de José Serra.

Para os movimentos sociais, principalmente para a Unegro, “a eleição de Dilma representa mais do que o rompimento da barreira do machismo, com a eleição da primeira mulher presidente e sim, este momento, é o fruto da conjuntura política na qual um projeto governamental de caráter popular rompeu a lógica da exclusão social implantada no país na década de 80 e aprofundada no governo FHC”, afirma Edson França, coordenador geral da entidade.

Diferente da administração entreguista do tucano Fernando Henrique, Lula mostrou o quanto é impossível pensar em desenvolvimento para o Brasil sem garantir a inclusão social da população negra. E a vitória do projeto ao qual Dilma representa é a prova, real e objetiva, de que a Unegro e o movimento negro poderão contribuir para um diálogo franco e aberto com o governo para que, juntos, possam buscar a ampliação dos programas de combate a discriminação.

“O governo Dilma encontrará na Unegro uma parceira fervorosa para aprimorar e dar efetividade política de promoção à igualdade racial. Pois só assim será possível que: ‘ser negro seja, também, ser plenamente brasileiro no Brasil’”, conclui Edson.

Mauricio M

orais

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Chico Buarque, geni e o jabuti

Por trás da ofensiva contra o vencedor do prêmio Jabuti está a corajosa e coerente defesa que Chico faz do governo Lula e da presidente eleita Dilma Rousseff

André Cintra é jornalista e escritor

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riste do país em que um prêmio de nome Jabuti põe em

guerra editoras, autores e jornalistas. Tenham dó. Não há pauta ou debate cultural melhor do que essa bobagem? Por que não refletir, por exemplo, sobre o êxito do cinema brasileiro — que fechará 2010 com o maior público de sua história? Ou sobre a articulação da blogosfera progressista, que arrancou até uma entrevista coletiva com o presidente Lula? Não são conquistas mais importantes que o critério de um concurso literário?

O alvo da “polêmica do Jabuti” é o cantor, compositor e escritor Chico Buarque, a quem a Câmara Brasileira do Livro (CBL) concedeu, em novembro, o prêmio de “Livro do Ano de Ficção” por Leite Derramado. A escolha foi inesperada, já que Chico havia perdido a disputa de melhor romance para um repórter da TV Globo que estreava na literatura. Não é a primeira vez, nem a segunda, nem a terceira em que a CBL adota regras atípicas para definir os vencedores do Jabuti. Nem é, tampouco, uma exclusividade brasileira. Em 1932, Grande Hotel levou “apenas” o Oscar de melhor filme, depois de não ter sequer concorrido nas categorias de diretor, roteiro, ator e atriz. O

Jabuti ofertado a Chico é, portanto, mais do que plausível.

A reação histérica é mais capítulo da velha fixação da mídia em transformar o “esquerdista” Chico Buarque numa espécie de Geni da cultura nacional. Volta e meia, jornais e revistas o atiram na cova dos leões, como se Chico fosse “feito pra apanhar” e “bom de cuspir”. Ele seria um maldito que, tal qual a “formosa dama” Geni, eventualmente pode se transformar em herói — eventualmente, apenas. Se é para aproveitar a beleza e a singularidade de suas músicas na trilha sonora de novelas, seriados e filmes de terceira categoria, tudo bem. O que não se aceita nunca é a atitude progressista de Chico Buarque, ainda mais em meio a uma disputa tão polarizada como foi a eleição presidencial de 2010.

Por trás da ofensiva contra o vencedor do prêmio Jabuti está a corajosa e coerente defesa que Chico faz do governo Lula e da presidente eleita Dilma Rousseff. Na campanha eleitoral, Chico tornou público seu “apoio entusiasmado” a Dilma. Ressaltou também que o governo Lula “não corteja os poderosos de sempre” — “não fala fino

com Washington, nem fala grosso com a Bolívia e o Paraguai”.

Chico tinha 24 anos quando, em 1968, tomou “a maior vaia do mundo”, na decisão do Festival Internacional da Canção. A história é conhecida: o público preferia Geraldo Vandré e os dois acordes da engajada Pra não Dizer que não Falei das Flores. O júri, medroso diante da censura, premiou a melancólica e “alienada” Sabiá, composta por Chico e Tom Jobim. Vandré estava mais sintonizado com o espírito de sua época, mas, com o passar do tempo, transmutou-se num sujeito militarista, cada vez mais avesso à realidade social. Chico, ao contrário, exibe até hoje sensibilidade e clareza políticas de admirar.

Sem dúvida, a “polêmica do Jabuti” é muito mais chata e menos relevante. A Editora Record ameaça deixar para sempre a competição, e um abaixo-assinado repleto de fraudes – e, ainda assim, apoiado calorosamente pela Veja – atreve-se a pedir que Chico devolva o prêmio. Eis algumas notícias estampadas nos cadernos culturais neste final de 2010. Bem que o ano da vitória de Dilma, do cinema nacional, da blogosfera e também de Chico Buarque poderia acabar um tantinho melhor.

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JANeiRO3º Curso Nacional de Formação de Formadores

FeVeReiROI Congresso Internacional dos Sindicatos de Bancários, de Seguros e Finanças

Fórum Social Mundial

da CTB, o curso é importante para que as entidades regionais possam fortalecer e atualizar sua formação sindical, buscando ampliar os trabalhos que já são realizados junto à classe trabalhadora em suas respectivas regiões.

Para mais informações, os interessados podem entrar em contato diretamente com o CES pelo telefone (11) 3106-0700.

FóRUM SOCIAl MUNdIAlDacar, capital do Senegal, na

África continental, será palco da edição 2011 do Fórum Social Mundial (FSM), que acontece entre os dias 06 e 11 de fevereiro e contará com 12 eixos temáticos.

Os eixos dessa edição do FSM foram formulados a partir de três temas centrais: o fortalecimento da capacidade ofensiva contra o capitalismo neoliberal e seus instrumentos; o aprofundamento das lutas e da resistência contra o capitalismo, o imperialismo e a opressão; e a sugestão de alternativas democráticas e populares.

Com o slogan “Um outro mundo é possível”, o Fórum Social Mundial (FSM) é um evento organizado por movimentos sociais de diversos países, que tem como objetivo o debate de alternativas sustentáveis para uma transformação social e de impacto global.

Após dez anos de realização, o FSM se transformou num espaço de fortalecimento e capacitação das forças progressistas que lutam no combate ao capitalismo neoliberal e seus instrumentos, aprofundando a resistência contra o imperialismo e a opressão, lutando por plena democracia, justiça

social e dignidade para os povos marginalizados.

UIS FINANÇASNos dias 24 e 25 de fevereiro

de 2011, a cidade de Nova Déli, capital da Índia, será sede do primeiro Congresso Internacional dos Sindicatos de Bancários, de Seguros e Finanças (BIFU, na sigla em inglês).

O objetivo do encontro é o de acelerar a organização, a nível internacional e regional, dos sindicatos do setor visando à intensificação da luta contra a política neoliberal (favorável aos grandes capitais, responsáveis pela crise econômica mundial de 2008), criando assim a União Internacional dos Sindicatos de Bancários, de Seguros e Finanças.

Na União Europeia, a crise gerada pelo capitalismo ainda não acabou. Diante desse quadro, governos reacionários e entreguistas persistem em implantar, em seus países, políticas de privatização de setores estratégicos, aumentando impostos, reduzindo despesas sociais e impondo reformas trabalhistas e previdenciárias que retiram direitos da classe trabalhadora. Em anos anteriores ficou comprovado que medidas como essas ampliam o desemprego e fomentam o crescimento da pobreza e da miséria.

Buscando organizar uma frente de combate a esse cenário que favorece o imperialismo capitalista, durante o evento serão discutidos os planos de ação, a eleição do conselho administrativo e a aprovação do estatuto da entidade.

3º CURSO NACIONAl dE FORMAÇÃO dE FORMAdORES

Entre os dias 17 e 21 de janeiro, no hotel Santa Monica, em Guarulhos, São Paulo, CTB e o Centro de Estudos Sindicais (CES) realizarão o 3º Curso Nacional de Formação de Formadores. O evento é destinado a militantes que se disponham a ministrar aulas para sindicalistas e ativistas sindicais.

Com o objetivo de fortalecer a socialização dos cursos de formação sindical nas entidades regionais filiadas à CTB, o curso busca formar um núcleo de professores e professoras que multipliquem o conhecimento e o estudo do sindicalismo classista em seus estados.

Como uma das prioridades deliberadas durante o 2º Congresso

AgENdA SINdICAl

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PlANO NACIONAl dE BANdA lARgA A CTB APOIA

O Acesso à Internet Banda Larga é um direito fundamental e deve ser

garantido pelo Estado, que deve instituir uma política de tarifas que torne viável o acesso residencial a toda população, garantindo a gratuidade do serviço sempre que necessário. Resolução da Confecom

Apoiamos o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), de iniciativa

do governo federal, como forma de inclusão digital de expressiva parcela do povo brasileiro extemporaneamente alijada de um meio de comunicação de massas como a internet no limiar da segunda década do século XXI.Carta Final do Encontro Nacional de Blogueiros

www.ctb.org.br