revista visão jurídica - n108

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  • 8/18/2019 Revista Visão Jurídica - N108

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    Assédio deprofissionais peloconcorrentes viracaso de justiça

    Neutralidade da internet

    O novo perfil familiar

    Audiência de custódia

    Questões sobre súmula 

    Contribuição sindical

    Testamenteiro

    ARA ES TUDAR

    O julgamentoda Reclamaçãonº 4335/ACpelo STF

    O “fair play  trabalhista”propostopela CBF

    Eternização das execuçõesfiscais e tributárias

    Bom momentopara fusões eaquisições

    A P O L Ê M I C A S O B R E O A B O R T O E O S I G I L O M É D I C O

    Entenda a diferença entre impeachment ,

    ação de impugnação e cassação de mandato

    DEMOCRACIAJUSTIÇA&

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    Um livro de

    FERRAN SORIANO

    CEO do Manchester City e ex-vice-presidente do Barcelona

    NOVA CAPA,NOVA EDIÇÃO!Mais de 25.000

    exemplares vendidos

    no Brasil!

    A Bola não entra por acaso

    é um livro sobre gestão que utilizaestratégias inovadoras inspiradas

    no mundo do futebol para transformar

    carreiras e conduzir pessoas ao sucesso profissional.

    Nas livrarias!

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    VISÃO JURÍDICA | 3

    Imagens | legaisREDAÇÃO | FOTOS: SHUTTERSTOCK.COM

    FATOS, CONTEXTOS E MOMENTOS DO BRASIL

    Síria: secretário-geralda ONU faz alertasobre “crise humanitária”

    VISÃO JURÍDICA | 3

    “Grande parte da populaçãosíria vive em situação de

    pobreza e miséria”, disseo secretário-geral da Or-

    ganização das Nações Unidas (ONU), BanKi-moon, acrescentando que esta é a maisgrave crise humanitária da atualidade.

    “Quatro em cada cinco sírios vivem em si-tuação de pobreza, miséria e privações. O paísperdeu quase quatro décadas de desenvolvi-mento humano”, disse Ban Ki-moon, na aber-tura da 3a Conferência Anual de Doadores paraa Síria, que ocorreu no Kuwait. “Quase metade

    dos homens, mulheres e crianças nesse país foiobrigada a fugir de suas casas”, lamentou. 

    PREJUÍZOS E VIDASO conflito na Síria já custou mais de 215

    mil vidas desde março de 2011 e provocoumais de 10 milhões de refugiados e desloca-dos, quase a metade dos 23 milhões de ha-bitantes do país. De acordo com a ONU, es-ses números são recorde, sendo os maioresdos últimos 20 anos. O secretário-geral daONU quer obter doações no valor recorde de

    US$ 8,4 bilhões em um ano.Na abertura do encontro, o emir do

    Kuwait, Sabah Al Ahmad Al Sabah, prometeudoar US$ 500 milhões para a Síria. “Estamosaqui para responder ao maior desastre huma-nitário da história moderna”, disse o emir.

    O porta-voz do secretário-geral da ONU,Stéphane Dujarric, disse à agência espanholade notícias EFE  que Ban Ki-moon espera quea contribuição generosa do emir do Kuwaitseja um “caminho aberto” para as respostasde outros países presentes à conferência.   D   O

       N   A   B   O   Z   Z   I

       P   A   S   K   E   E

       D   O   N   A   B   O   Z   Z   I

       C   H   R   I   S   T   I   A   A   N

       T   R   I   E   B   E   R   T

       D   O   N   A   B   O   Z   Z   I

    Jovens e crianças sofrem com o conflito

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    Minuta

    Imagens legais

    Visão do cliente

    Nosso mundo

    Brasil

    Investidores

    Em foco

    Direito

    OAB-SP

    Para lembrar

    Carreira

    Criminal

    Foro

    Direito&Arte

    Debate

    Conceito

    Justiça

    Negócios

    Advocacia em ação

    Artigo

    BiblioJuris

    CAASP

    64PARECERO Judiciário e seupoder para reveratos administrativoscom base narazoabilidade

    38

    ESPECIAL

    48SOCIEDADEO Direito Médicoe a tendência aoreconhecimento davulnerabilidade dopaciente

    76OUTROS TEMASA Legislaçãotrabalhista eo dia a dia dautilização dasredes sociais

    72QUESTÃOVenda casada éalvo da justiça, ealgumas ações dovarejo vão para obanco dos réus

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    6263

    68

    78

    82

    SEÇÕES

    EM PAUTA: Notícias, decisões, propostas, eventos e mercado

    DEFESA PESSOAL:  Ataques de ciberespionagem patrocinados por governos

    Entenda em que sebaseia um processode impeachment ourecall político

    CAPA

    28

    18OLHAR JURÍDICOO novo conceito de famíliae a polêmica sobre achamada barriga de aluguel

    O julgamento daReclamação nº 4335/ACpelo Supremo TribunalFederal

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    Destaque

    Dados divulgados nestasegunda (30) pela Se-rasa Experian indicamque 144.501 novas em-

    presas foram criadasno Brasil em fevereiro deste ano, umaqueda de 4,3% em relação ao mês dejaneiro, quando 150.958 novos empre-endimentos foram constituídos. O nú-mero representa uma redução de 8,6%,se comparado ao volume de negócios

    surgido em fevereiro de 2014 (158.023).De acordo com a advogada especia-

    lizada em Direito Empresarial Ana Ca-rolina Consulin, associada do EscritórioZancaner Costa, Bastos e Spiewak Ad-vogados, o momento é de insegurançapor parte dos empreendedores e inves-tidores estrangeiros. “Esta situação éagravada pela burocracia na obtenção

    de documentos e os altos custos paraque uma empresa possa operar suas ati-vidades”, acredita.

    A participação do setor comercial deempresas que surgem no País tem re-cuado nos últimos anos, segundo a pes-quisa da Serasa. De janeiro a fevereirode 2010, o comércio representou 34,9%das aberturas de empresas, enquanto,no mesmo período de 2015, este núme-ro passou para 30,1%.

    Ana Carolina Consulin afirma queo processo para abertura de empresasse complica ainda mais quando se tratade comércio ou indústria. “Nestes ca-sos, a empresa deve obter inscrição es-

    tadual perante a Secretaria da Fazenda,e geralmente, a lista dos documentos einformações a serem apresentados é ex-tensa”, diz.

    Para que os empresários resguardemseus direitos e sobrevivam nesse perío-do de dificuldade, a advogada orienta aelaboração de um Plano de Negóciosque tenha a previsão de custos a serem

    desembolsados pela empresa e uma es-

    timativa de faturamento. “Essa medidapode evitar a necessidade de a empresabuscar recursos junto aos bancos, oumesmo administrar de uma maneiramais eficiente os juros cobrados pelasinstituições financeiras, quando os em-préstimos forem inevitáveis”, ressalta.

    SUA VISÃO JURÍDICAColabore com artigos, notas, indicações e

    sugestões. Diga-nos o que gostaria de ler na

    Visão Jurídica, proponha temas e desafie nos-

    sos articulistas e repórteres a desenvolver textos

    que impactem de forma definitiva o dia a dia

    de advogados, promotores, juízes e de todos

    os profissionais envolvidos com o universo da

    Justiça brasileira e internacional.

    FALE COM A NOSSA EQUIPEE ENVIE COMENTÁRIOS E SUGESTÕES:

    [email protected]

    VISITE O SITE DAREVISTA VISÃO JURÍDICA:

    http://revistavisaojuridica.uol.com.br/

    NOTA DE FECHAMENTO!

    A economia estagnada, com a redução daoferta de crédito e a inflação em alta, somadaàs denúncias de corrupção e a burocracia sãoos principais motivos que vêm afastando osinvestidores estrangeiros na hora de decidirpor investimentos no Brasil. O diagnóstico é doEscritório Zaroni Advogados, especializado emassessoria a empresas estrangeiras que dese-

     jam expandir seus negócios no País.Atualmente, o escritório atende a grupos

    empresariais de 11 países, incluindo Holanda,

    Estados Unidos, Alemanha, França, Argentina eChina. “Nossa impressão é de que 2015 será umano de observação para o investidor interna-cional”, afirma o advogado Raphael Zaroni, queaposta que em um novo ciclo atrativo de inves-timentos no País a visão dos empresários serádiferente. “Certamente, eles não olharão paranós da mesma forma quase romântica. Acre-dito que a próxima leva de investimentos serámenos intensa, no entanto, mais sólida”, apon-ta, acreditando em um panorama positivo.

     

    PROBLEMASUma das principais dificuldades dos es-

    trangeiros ao conhecer o mercado brasileiro é

    EM PAUTAConfira na próxima edição:

    Criminalidade

    da Redação

    encarar o sistema tributário, com regras extre-mamente complexas e normatizações muitasdas vezes espalhadas por diferentes leis, de-cretos e instruções normativas. “Em nosso tra-balho de assessoramento às empresas estran-geiras, enfrentamos muitas vezes dificuldadesem convencê-los de que, a despeito da formade funcionamento, complexidade extrema edinâmica do sistema tributário brasileiro, aindaassim há interesse por parte das autoridadestributárias e alfandegárias no ingresso maciçode capital estrangeiro”, explica Bruno Zaroni,sócio do escritório.

    da Redação

    INVESTIDORESESTRANGEIROS

    Momento de insegurança paraempreendedores brasileiros

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    Visão do cliente

    Um dos maiores desafios para a gestão de pessoasno setor de terceirização é o cuidado com a saú-de, o bem-estar, a autoestima e o foco de seuscolaboradores, o chamado “capital intelectual”.

    Apesar de ser um tema antigo, não é difícil encontrar,no setor de terceirização, a ausência de investimentos e

    interesse em discutir o tema, o que leva à desvalorização,à desmotivação, à dissolução de boas equipes e, principal-

    mente, a denúncias sérias perante os órgãos de proteção aotrabalhador, sobretudo o Ministério do Trabalho e Empregoe o Ministério Público do Trabalho.

    Em que pese tais denúncias, em sua maioria anônimasante o medo do colaborador em ser perseguido e até mesmoperder seu trabalho, poucas são as que avançam de maneiraefetiva a afastar por completo e extinguir tais comportamen-tos.

    CASO

    Recentemente, uma grande empresa dosetor de call center   em Recife, Pernambuco,teve as portas fechadas após diligência realiza-da pelo Ministério do Trabalho, deixando maisde 14 mil colaboradores parados. A diligênciaatestou o descuido e a omissão ao dever legalde proteção e saúde ao trabalhador esculpidosnos Artigos 6o e 7o da Constituição Federal,bem como o direito do colaborador a um am-biente de trabalho saudável, em condições dig-nas, humanizadas e harmônicas, que possamatender os anseios deles e dos empresários.

    Os prejuízos desse comportamento são inúmeros. A res-saltar, entre eles, o desestímulo e a descrença do capital inte-lectual na visão e no objetivo da empresa, o rompimento dosnegócios formalizados e o entrave e resistência à formaliza-ção de novos negócios, além do desprestígio e da desvaloriza-ção da marca no mercado.

    Tais danos, causados pela ausência de práticas voltadas àproteção do capital intelectual, desencadeiam sérios e irrepa-ráveis prejuízos ao empresário. A constatação dessas denún-cias gera repúdio e clamor na sociedade como um todo e, so-madas à forte atuação da imprensa, faz com que não apenaso empregador fique manchado, como também todos aquelesque mantêm relação com este. Por essa razão, vários negóciossão rompidos e outros travados ao mínimo soar desse tipo denotícia, pondo em xeque sua marca.

    LUCIANO SANTANA*

    O capital intelectual

    de uma terceirizada

    TAIS DANOS, CAUSADOS PELA AUSÊNCIADE PRÁTICAS VOLTADAS À PROTEÇÃO DOCAPITAL INTELECTUAL, DESENCADEIAMSÉRIOS E IRREPARÁVEIS PREJUÍZOS AOEMPRESÁRIO.

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    *LUCIANO SANTANA é assessor juríd ico da Se cretar ia de Imprensado Estado de Pernambuco,advogado associado do EscritórioTerçariol, Yamazaki, Calazans eVieira Dias Advogados, professoruniversitário e doutorando emCiências Jurídicas.

    CONSIDERAÇÕESA terceirização é um seguimento querequer cuidados especiais e investimentoincansável no seu maior patrimônio, emseu capital intelectual, seus colaboradores,não apenas com retribuição financeira, mas,principalmente, com qualificação, ambientesaudável, proteção à saúde e condições

    adequadas para a prestação dos serviçoscom excelência. É preciso que empresáriosentendam que não se trata de gastos, masde investimento. Afinal, custa menos do quese imagina e o retornoé maior do que se possa mensurar.

    MARCAVale ressaltar que a marca é a identidade do sujeito (empre-

    sário ou sociedade), seu bem intangível de valor inestimável. Elaidentifica seus produtos e serviços. Pode, inclusive, atestar a qua-lidade dentro de padrões internacionalmente reconhecidos. Umavez manchada, desvaloriza-se refletindo abruptamente no patri-mônio social. A proteção da marca requer uma luta constante,diária e incansável. Desvalorizá-la, desprestigiando-a, não custa

    muito e é bem mais rápido do que construí-la.Por tudo isso, é fundamental cuidar muito bem do capi-

    tal intelectual, formado pelo corpo de colaboradores que atu-am nos interesses do empresário, executando o objeto social.Quanto mais estimulados, assistidos, trabalhando em ambientesaudável e protegido, mais produzem, com orgulho de vestir acamisa da empresa.

    Uma recente pesquisa revelou que esse capital intelectual bus-ca desafios, estabilidade (ausência de ameaças, gritos, mecanis-mos de repressão), motivação e boa remuneração, não sendo esteo item mais importante. A nova geração de colaboradores priorizaa qualidade de vida.

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    Nosso mundo

    E

    m que pese haver uma considerávelrazão de profissionais pretendendosua primeira colocação, ou sua reco-locação em um mercado de trabalho

    significativamente competitivo, não se podedeixar de considerar a escassez de profissionaisrealmente capacitados, cujas competênciaslhes permitam a assunção imediata de deter-minadas atividades:

    Considerar esse panorama é relevante, namedida em que, não raras vezes, empresasbuscam assediar profissionais que trabalhamem empresas – concorrentes ou não –, pois re-

    conhecem sua aptidão e prontidão, superandoa necessidade de capacitá-los, condição que de-

    mandaria tempo e investimento.Com certa frequência, observa-se esse assé-dio por parte de empresas tomadoras de servi-ços em relação aos trabalhadores que prestamserviços terceirizados e também na hipótese deprofissional de determinado escalão assumircargo em uma nova empresa, sendo comumque busque trazer pessoas conhecidas e de con-fiança para integrar a sua nova equipe.

    Esse aliciamento pode ser considerado comoverdadeiro assédio profissional e é convenientesaber se há algum impedimento, se há algum

    limite e se há como evitar a migração de empre-gados estratégicos.

    CONCEITODe início, cumpre esclarecer que não há, em

    nosso ordenamento jurídico, nenhuma proibi-ção quanto à contratação de empregados porempresa diversa daquela em que trabalha, mes-mo se tratando de empresa concorrente.

    Esta não proibição tem origem nas regras delivre mercado, por força das quais as empresastêm a liberdade de promover propostas a profis-

    FERNANDO BORGES VIERA*

    Assédio de profissionais por

    empresas concorrentesDifícil situação

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    PARA EVITARESSA MIGRAÇÃO,A EMPRESA PODE

    CONTRATAR –POR ESCRITO– COM SEUS

    EMPREGADOS AVEDAÇÃO DE QUEESTES VENHAM

    A INTEGRAREMPRESAS

    CONCORRENTES...

    VISÃO JURÍDICA | 9

    sionais e oferecer a eles os bônus que julgar conve-niente, competindo a estes profissionais optar por

    aceitar ou não as propostas, considerando as quelhes forem mais atrativas.

    Contudo, é preciso atentar à regra do Artigo 608do Código Civil, a qual determina que: “Aquele quealiciar pessoas obrigadas em contrato escrito a pres-tar serviço a outrem pagará a este a importância queao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houves-se de caber durante dois anos”.

    Não há um posicionamento jurisprudencial pa-cífico sobre o tema, sendo que, em alguns julgados,não entendem devida indenização pleiteada, justa-mente em virtude das regras da concorrência e da

    livre iniciativa de mercado.Entretanto, é juridicamente possível que a em-

    presa – cujo profissional foi aliciado e acabou poraceitar proposta de empresa diversa – pretenda judi-cialmente a indenização em tela, ainda não havendoposicionamento sólido da jurisprudência.

    *FERNANDO BORGES VIEIRA é sócio titular da BancaFernando Borges Vieira –Sociedade de Advogados.

    CONSIDERAÇÕESPor fim, reiteramosnão ser possívelimpedir a migração deprofissionais, mas asempresas podem sesalvaguardar – no limiteda lei – contratandocom seus empregadoso que o mercadochama informalmentede “período de

    quarentena” epactuando obrigaçõesquanto à mantença dosigilo profissional. Taismedidas não oferecemproteção absoluta, masminoram o risco deforma considerável.

    Para evitar essa migração, a empresa podecontratar – por escrito – com seus emprega-

    dos a vedação de que estes venham a integrarempresas concorrentes por período que podevariar de 30 dias a 2 anos, período no qual aempresa há de remunerar o ex-empregado con-forme ajuste estabelecido.

    PROTEÇÃOOutra relevante questão concerne aos se-

    gredos profissionais e, mais do que o ajuste nosentido de obrigar o profissional recém-egres-so ao período de impedimento acima referido,é preciso proteger as informações, e é neste

    sentido que recomendamos às empresas quepactuem com seus empregados – sobretudocom os que ocupam posições estratégicas – otermo de confidencialidade.

    Se o ex-empregado romper com a obrigaçãode sigilo, poderá responder criminalmente emrazão da conduta tipificada no Artigo 154 do Có-digo Penal e sofrer responsabilização civil pelosdanos porventura deflagrados – não se olvidan-

    do o fato de os sócios e diretores da empresacontratante poderem ser responsabilizados pela

    prática de concorrência desleal.Diante do que se apresenta, sempre reco-mendamos às empresas que se preocupem comessas hipóteses já na fase prévia de contrataçãode profissionais que venham a ser selecionadospara cargos de confiança, em razão dos quais co-nhecerão todo o planejamento empresarial e aestratégia de mercado – sempre é melhor pecarpor excesso de cautela.

    Não sendo objetivo de enfrentamento pornossas breves considerações, não podemos dei-xar de lado a ética profissional. Até que ponto

    infringe a ética quem promove a proposta detrabalho e quem a aceita? – essa é uma questãomuito delicada. Se, de um lado, espera-se umcomportamento probo entre as corporações, deoutro lado, vige a livre concorrência; se, de um

    lado, não se espera haja aliciamento, de outrolado, nada obsta seja promovida proposta de tra-balho e exercida a prerrogativa de o profissionaloptar pelas condições que melhor lhe aprouver.Assim, não se pode compreender exatamentepor uma infração ética propriamente dita, semembargos de outros posicionamentos.

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    Brasil BRÁULIO LUNA FILHO*

    10 | VISÃO JURÍDICA

    Considerado crime pelo Código Penal, oaborto só é permitido no Brasil em ca-sos muito específicos: se não houver ou-tra forma de salvar a vida da gestante;

    em gravidez decorrente de estupro e em situaçõesde diagnóstico de anencefalia. Nessa última janelalegal, aberta após posicionamento do Supremo Tri-bunal Federal em 2012, fala-se em antecipação tera-

    pêutica do parto.De acordo com o Ministério da Saúde, em 2012,o número de óbitos de mulheres em consequênciade aborto era a quinta maior causa de mortalidadematerna. A despeito de ser um gravíssimo proble-ma de saúde pública e de conhecimento amplo debrasileiros de norte a sul, até hoje, não travamosum debate sério e consequente, tanto nas esferaspolíticas quanto no meio da sociedade sobre a des-criminalização, nem sobre políticas de Estado parareverter esse quadro trágico.

    INSEGURANÇA Do ponto de vista do profissional de Medicina,

    ainda hoje, há insegurança sobre como agir diante deuma solicitação de aborto, já que, se o fizer fora dasexceções previstas em lei, em primeira vista estariavulnerável a ser criminalizado. O médico, então, deveou não manter sigilo em uma situação dessas?

    Registro que o Código de Ética Médica (CEM)dedica seu nono capítulo exclusivamente à questãodo sigilo. Ademais, o capítulo 1, base para todo oCEM e para o exercício ético da Medicina, estabe-lece o seguinte em seus Artigos 1o e 2o: “medicina

    Médicos,abortoe sigilo

    profissional

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    VISÃO JURÍDICA | 11

    ::: NOTA DA REDAÇÃO

    ANISTIA INTERNACIONALDuas décadas após a

    aprovação de um acordo

    global de referência sobre a

    igualdade de gênero, existe

    a ameaça de um retrocesso

    nos direitos das mulheres,

    segundo alertou a Anistia

    Internacional em Nova York.

    A organização não

    governamental de defesa

    dos direitos humanos apelou

    para que os governantes

    continuem a construir sobreos progressos já feitos

    no âmbito dos direitos

    das mulheres e ajam

    urgentemente, de forma a

    honrar esses compromissos.

    Essas posições estão em

    um relatório que será

    apresentado nas Nações

    Unidas (ONU).

    “Há 20 anos, os líderes

    mundiais reuniram-se

    em Pequim e fizeram

    promessas de proteger epromover os direitos das

    mulheres e jovens. Hoje,

    no Dia Internacional da

    Mulher, estamos assistindo

    a um retrocesso em muitos

    países, no que se refere

    aos avanços feitos nos

    direitos das mulheres”, disse

    Lucy Freeman, diretora

    do Programa de Gênero,

    Sexualidade e Identidade da

    Anistia Internacional.

    “Embora os resultados

    alcançados desde a adoção

    da Declaração de Pequim

    tenham sido significativos, a

    plena igualdade de gênero

    não foi alcançada em

    nenhum país do planeta, e

    os direitos das mulheres e

     jovens estão sob ameaça”,

    destacou a diretora.

    Fonte: Agência Brasil 

    DO PONTO DE VISTADO PROFISSIONAL DE

    MEDICINA, AINDA HOJE,HÁ INSEGURANÇA SOBRE

    COMO AGIR DIANTE DE UMASOLICITAÇÃO DE ABORTO...

    *BRÁULIO LUNA FILHOé presidente do ConselhoRegional de Medicina deSão Paulo.

    é uma profissão a serviço da saúde do ser humanoe da coletividade e será exercida sem discriminaçãode nenhuma natureza; o alvo de toda a atenção domédico é a saúde do ser humano, em benefício daqual deverá agir com o máximo de zelo e o melhorde sua capacidade profissional”.

    O Código Penal também dá amparo ao médi-

    co na questão do sigilo. O Artigo 154 compreendecomo crime “revelar alguém, sem justa causa, se-

    gredo, de que tem ciência em razão de função, mi-nistério, ofício ou profissão, e cuja revelação possaproduzir dano a outrem”.

    A lacuna deixada pela expressão “justa causa”possibilita ao profissional de Medicina contatar apolícia ao receber uma paciente vítima de arma defogo, por exemplo, até por não saber se o crime ain-da está acontecendo, ou se o ferido é o responsávelpelo crime.

    Entretanto, o mesmo princípio não dá guarida

    legal em situação de aborto. Inclusive porque, se-gundo o Artigo 2o da Lei no 10.241/1999, é direitodos usuários dos serviços de saúde no Estado de SãoPaulo “ter resguardado o segredo sobre seus dadospessoais, através da manutenção do sigilo profissio-nal, desde que não acarrete riscos a terceiros ou àsaúde pública”.

    Fato é que uma denúncia criminal de pacienteque fez aborto apresenta complicador fora da esfe-ra legal. Cria-se apreensão no gênero feminino, am-pliando a chance de a mulher recorrer a clínicas clan-destinas e de a mortalidade aumentar ainda mais.

    CONSIDERAÇÕESEstimativas daFederação Brasileiradas Associaçõesde Ginecologia e

    Obstetrícia (Febrasgo)dá conta de que 900mil abortos são feitosno Brasil anualmente.Em 2013, o SUSregistrou somente1.523 procedimentoslegais. Não restadúvida de que o sigilomédico é consagradoe respaldadolegalmente. Portanto,ao profissional, cabe

    honrar o Código deÉtica, sob o risco decometer infraçãograve. Quanto àquestão social doaborto, já passa dahora de nos despirmosde preconceitos edebater a questãoà luz do bem-estardas mulheres eda cidadania.

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    Investidores

    12 | VISÃO JURÍDICA

    Bônus de atração

    de executivosT

    rata-se de prática corporativa o oferecimento aempregados de vantagens como bônus por receita(gain sharing), bônus por equipe (team bonus), bô-nus por lucros em transações (spot bonus), opções

    de ações (stock options), opções de ações fantasmas (phantomstock), uma variedade de prêmios, participação nos lucros e/ou resultados e até crédito em cartões (cash cards), dentre ou-tros tantos.

    Contudo, muitas empresas, no afã de incentivar seus em-pregados em favor de uma maior produtividade, não atentampara possibilidade de que seja reconhecida a natureza salarialde tais pagamentos e seus respectivos encargos trabalhistas,tributários, fundiários e previdenciários, o que poderá trazerimplicações e futuros passivos administrativos e judiciais.

    O hiring bonus, ou sign-on bonus, também é um desses in-centivos e pode ser compreendido como os valores pagos a al-guns executivos a título de luvas, ou bônus de atração, sendocerto que a legislação trabalhista brasileira – exceção feita àLei no 6.354/76, a qual versa sobre atletas profissionais – nãoprevê ou disciplina diretamente tal instituto.

    QUESTÃOTampouco a doutrina e a jurisprudência trabalhista cui-

    dam frequentemente da questão, haja vista tratar-se de umtema relativamente isolado e também em razão do fato denão ser tão comum o fato de profissional de nível singularpostular diante da Justiça Especializada do Trabalho.

    Entretanto, mesmo não havendo larga frequência, háquem ingresse com demanda trabalhista pleiteando que se-

    jam estes valores reconhecidos como verbas de natureza sala-rial, bem como sejam incorporados à remuneração.

    A compreensão de que esse bônus de atração possa inte-grar a remuneração do profissional poderá ser ou não correta,dependendo da forma que a empresa proceder.

    Em homenagem à melhor compreensão, tratemos de am-bas as hipóteses em apartado:

    a) Suponhamos que a empresa ajuste com o profissionalo pagamento de determinado valor, com o intuito de oferecerum “pacote” mais atraente, compensando algum aspecto, porexemplo, um salário aquém do que ele deseja. Se a empresa

    FERNANDO BORGES VIERA*

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    CONSIDERAÇÕESEm síntese, o maior

    cuidado da empresa

    deve ser o de nãopermitir que esse

    bônus seja incorporado

    à remuneração do

    empregado, por alcançar

    características de verbas

    de natureza salarial e, para

    que o risco seja minorado,

    compreendemos que esse

    bônus deve ser previsto

    em contrato expresso e

    escrito, ressaltando-se

    sua especificidade e a

    ausência de caráter salarial;se houver negociação

    prévia, a empresa deve ter

    muito cuidado ao prever

    esse incentivo, pois a carta

    de oferta a vinculará; o

    pagamento deste incentivo

    há de ser realizado,

    preferencialmente, no

    ato da efetivação da

    contratação e em um único

    momento (no máximo,

    em duas vezes), de forma

    distinta e diversa dopagamento de salário e,

    por fim, recomendamos

    seja prevista cláusula

    condicional no contrato,

    obrigando o empregado

    a devolver total ou

    parcialmente os valores

    recebidos, se não

    permanecer na empresa

    por determinado

    período mínimo.

    *FERNANDO BORGES VIEIRAé sócio titular da BancaFernando Borges Vieira –Sociedade de Advogados.

    fraciona o pagamento desse valor em algumasvezes e quita essa obrigação simultaneamenteao pagamento dos salários – de sorte a permitirque haja confusão sobre a natureza dos paga-mentos – haverá real risco de que o bônus sejaconsiderado incorporado ao salário.

    b) Suponhamos, nesta segunda hipótese, queesse bônus seja pago a um único tempo, antes daprestação efetiva dos serviços, no ato da contrata-ção e mediante contrato escrito. Neste caso, difi-cilmente o bônus será considerado salário.

    Assim, desde já, recomendamos com extre-mada cautela que:

    1. Haja contrato expresso e escrito entre empre-sa e profissional, em cujo bojo há de ser esta-belecida a importância a ser paga, a sua natu-reza e a forma de pagamento, restando muitobem caracterizado que se trata de bônus de

    atração, e não de verba de natureza salarial.

    2. Seja o hiring bonus, ou sign-on bonus, pago emum único ato e, se não possível, seja o paga-mento fracionado em até três vezes e realizado

    em datas distintas do pagamento do salário.

    3. Seja o incentivo pago antes do início efetivoda prestação de serviços. Ainda, se o sentidoé atrair e manter o profissional na empresa,nada obsta que esses valores sejam condicio-nados, pelo que recomendamos:

    4. Seja prevista em contrato a obrigação do profis-sional de devolver, integral ou parcialmente, obônus recebido na hipótese de deixar a empre-sa antes de completar determinado período.

    PROCESSOSe não bastantes tais cautelas, é também

    preciso ter muita atenção com a forma por meioda qual se ajustará com o profissional o hiringbônus, ou sign-on bonus, na fase de negociação.Convocamos atenção ao risco de que as ofertasrealizadas por intermédio de cartas (offer letters) – consideradas as mensagens eletrônicas comotais – possam obrigar as empresas, pois taisdocumentos, não importando a denominação,caracterizam um negócio jurídico capaz de pro-duzir efeitos entre as partes.

    Na carta-oferta, podem as partes determinar

    com maior ou menor amplitude as cláusulas que

    vão constar do contrato de trabalho definitivo.Contudo, embora tenha caráter preliminar oupreparatório, na maioria das vezes, tal negócioapresenta todas as características de um verdadei-ro contrato de trabalho, podendo ensejar respon-sabilidade pré-contratual em casos de dano, inde-nizáveis conforme o Artigo 186 do Código Civil.

    Outro aspecto de risco é que, no momentoem que o executivo aceita por escrito os termosda carta-oferta, o documento pode ser considera-do um contrato definitivo; sendo assim, as con-dições de trabalho preliminarmente oferecidas

    pela empresa acabam não podendo ser reduzi-das, mesmo com o consentimento por escrito doexecutivo, segundo o Artigo 468 consolidado.

    Com efeito, segue nossa quinta recomendação:5.Se a empresa desejar estabelecer consi-

    derações sobre hiring bonus, ou sign-on bonus,na carta de oferta, deverá fazê-lo de sorte a

    restar muito bem caracterizada a ausênciade natureza salarial deste bônus, seu valore forma de pagamento, bem como a devolu-ção, em caso de pedido de demissão antes decumprido determinado período.

    A COMPREENSÃODE QUE ESSEBÔNUS DE ATRAÇÃOPOSSA INTEGRAR AREMUNERAÇÃO DOPROFISSIONAL PODERÁSER OU NÃO CORRETA,DEPENDENDO DAFORMA QUE AEMPRESA PROCEDER.

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    14 | VISÃO JURÍDICA

    Em foco DANE AVANZI*

    NeutralidadeComo Brasil e EUA

    regulamentam o

    assunto?

    Após meses de debates e batalhasjudiciais entre operadoras detelecomunicações norte-ameri-canas, o Federal Communications

    Commission  (FCC), autoridade americanaequivalente à Anatel, decidiu semana passa-da que não irá alterar as regras de acesso e

    cobrança pelo serviço de internet. Mais queisso, num verdadeiro Dia D da internet, o

    FCC reclassificou o serviço de internet à ca-tegoria equivalente ao serviço de telefonia,tendo, doravante, competência indiscutívelpara gestão sobre o tema, fato que vinhasendo questionado até então.

    Se, de um lado, o tema foi promessa decampanha assumida por Barack Obama,Hillary Clinton e outros democratas, estan-do o FCC, por meio de seu chairman  TomWheeler, honrando um compromisso com o

    eleitor, de outro, as operadoras alegam que,sem cobrar os conteúdos de modo diferen-ciado, não tem como investir em inovaçõese melhorias.

    O cerne da questão da neutralidade dainternet é financeiro e promete ainda muitaceleuma. Afinal de contas, como a neutrali-dade da internet pode impactar o consumi-dor? Hoje, o acesso à internet é livre para

    qualquer tipo de conteúdo, independente-mente do espaço de banda que ocupa parasua transferência.

    SE O FCC NÃOACOLHESSE O PRINCÍPIO

    DA NEUTRALIDADE,ABRIRIA BRECHA

    PARA AS OPERADORASCRIAREM REGRAS DE

    LIMITAÇÃO...

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    VISÃO JURÍDICA | 15

    da internet

    *DANE AVANZI é empresário,advogado e vice-presidenteda Associação das Empresasde Radiocomunicação doBrasil (Aerbras).

    CONSIDERAÇÕESPode até parecerque os EUA tenhamcomeçado pelo fim,mas, efetivamente,eles começaram bem,dando investidura ecompetência para oFCC gerir o assunto.Do contrário, de queadianta ter uma lei semantes definir quem é aautoridade competente

    para fiscalizá-la?

    BASESÉ assim por causa de um princípio bási-

    co denominado neutralidade. Se o FCC nãoacolhesse o princípio da neutralidade, abri-

    ria brecha para as operadoras criarem regrasde limitação, ou até mesmo bloqueio, dedeterminados conteúdos que ocupam maisbanda para transferência.

    Considerando que banda é custo e, porisso, quem usa mais deve pagar pela priori-dade na transferência, ano passado foi ques-tionado na Justiça um contrato entre AT&Te Netflix, no qual a última pagava à operado-

    ra em questão valor maior que o de mercadopara oferecer a seus clientes maior rapidez

    e qualidade no acesso aos seus filmes. Naépoca, o FCC declarou que o contrato era vá-lido, desde que os consumidores não tives-sem que pagar mais pelo serviço.

    Aqui no Brasil, o governo também aco-lheu o princípio da neutralidade. Temos umalei federal que regulamenta o assunto. Esta-mos preparando uma norma complementarpara disciplinar pontos importantes, como oarmazenamento de registros de acessos, sónão temos uma autoridade constituída comcompetência definida em lei para gerir e fis-

    calizar a internet com força coercitiva. Há oComitê Gestor da Internet (CGI), um órgãoacadêmico e paraestatal.

    A questão da guarda dos registros deinternet dos usuários brasileiros, por exem-plo, demandará acompanhamento e fiscali-

    zação de um órgão do Estado, para que nãohaja uso indevido dessas informações. Essese outros temas relevantes deverão ser defini-dos na lei complementar do Marco Civil daInternet, para que haja, de fato, eficácia eefetividade no cumprimento da lei.

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    16 | VISÃO JURÍDICA16 | VISÃO JURÍDICA

    Direito

    As fibras do Direito

    AMADEU GARRIDO*

    Amaioria dos seres humanos temuma visão controvertida do Direi-

    to. Amiúde, apresenta-se a per-plexidade ante a atuação de advo-

    gados criminalistas, sobretudo nos casos mi-diáticos. Como defender alguém, indaga-se,exposto na telinha, nas dependências de umadelegacia, depois de confessar um crime? Pou-cos têm olhos clínicos para observar as carac-terísticas físicas e o comportamento psicológi-co dos acusados. Há um bom número dessesrebotalhos humanos que são absolvidos. Semnotícias de sua inocência, sem lenço nem do-cumento, a perambular pelas ruas cruentas às

    quais foram devolvidos a título de “reinserçãosocial”, após terem frequentado os cursos do

    crime, cujas vítimas seremos nós, cidadãosvirtuosos, mas omissos.

    O exemplo visa a animar uma ligeira refle-xão sobre o Direito. Uma antiga tribo chinesaacalentava a crença de que a primeira inclina-ção do homem bom era o Direito. Depois, vi-nha a música. Narra-a Jorge Luis Borges, sem,contudo, ter penetrado no âmago das razõesdaqueles primevos orientais.

    Dois seres humanos em sociedade já re-clamam parâmetros de lógica jurídica que os

    auxiliem na obtenção do consenso ou na pre-

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    VISÃO JURÍDICA | 17VISÃO JURÍDICA | 17

    CONSIDERAÇÕESA metáfora éprecisamente essa:uma terra arrasada.Acabo crendo na

    lenda dos primitivosaldeões chineses.

    *AMADEU GARRIDO DE PAULAé advogado especialista emDireito Constitucional, Civil,

    Tributário e Coletivo do Trabalho.

    DOIS SERES HUMANOS

    EM SOCIEDADEJÁ RECLAMAM

    PARÂMETROS DE LÓGICAJURÍDICA QUE OS

    AUXILIEM NA OBTENÇÃODO CONSENSO OUNA PREVENÇÃO OU

    REPRESSÃO DE LÍTÍGIOSINAFASTÁVEIS DE NOSSA

    LUTA INTERMINÁVELPELA SOCIABILIDADE

    AMOROSA.

    venção ou repressão de lítígios inafastáveisde nossa luta interminável pela sociabilidadeamorosa. Talvez conscientes disso se movia

    aquela tribo chinesa primordial: só depois deconciliados, podemos fazer ecoar uma belamelodia. A orquestra é harmonia de sons, deespíritos e vontades.

    LEISA textura do Direito já ensejou textos alen-

    tados. Aqui, segue apenas um exemplo, parapromover o interesse. É o da “competência”.Sentido jurídico e não usual. Para aplicar oDireito, o Estado vale-se de sua jurisdição. Nomundo moderno, é impossível um único ór-

    gão “dar a cada um aquilo que é seu”, comoo faziam os reis, sem grandes preocupaçõescom o justo. O Judiciário dos povos civiliza-dos está desenhado em competências jurisdi-

    cionais. Um conflito entre vizinhos, em regra,será resolvido pelo juiz do distrito; uma açãoque envolva o presidente da República, pelo

    Supremo Tribunal Federal. A Constituiçãoe as leis definem previamente essas compe-tências. Incompetente, o juiz só poderá agirminimamente em casos de urgência. Quantoao pano de fundo, se insistir, proferirá umadecisão nula, inócua.

     Sobre os romanos, incríveis criadores doDireito, pesa o crime da crucificação. Poucossabem que, pelas leis romanas, Pôncio Pila-tos não tinha competência para impor a penade morte. Esta cabia ao povo (como ao nossoTribunal do Júri, em certos casos); ao povo ir-

    mão de Cristo da Judeia, que, havia uma se-mana antes, com ele desfilara por Jerusalém

    numa festa de ramos verdes. Em uma sema-na, o grupo mudou de opinião, provavelmentechantageado pela ira dos vendilhões expulsosdo templo. Os soldados romanos cuidaram deexecutar o sacrifício imposto ao filho de Deus.Sem dó nem piedade; até hoje, assim agemos “agentes da lei”, em qualquer parte domundo. Entretanto, regras eram regras nummundo essencialmente jurídico, cujo descum-

    primento importava em sérias consequências.Uma delas obrigava os soldados a oferecer aocrucificado um copo de vinho tinto misturadocom suco de papoula, para mitigar a dor damorte. O Pai não afastou o cálice, e o Filhodeve ter sofrido menos na hora derradeira.

     NORMAS

    Mal ou bem, era o império da lei. O Brasilvive problemas imensos. Em nosso modo dever, o mais importante está no desfibramentoda textura do Direito, antes mesmo da Educa-

    ção e da Saúde. Estas são utópicas, à falta denormas jurídicas efetivas e rigorosamente ob-servadas. Os descalabros da Saúde e da Edu-cação, que presenciamos diariamente, têmcomo raiz a síncope do Direito e a propensãopopular a não lhe dar importância. Resultado:terra de ninguém, chamada de país da impu-nidade, sob o paradoxo de tribunais enfarta-dos de trabalho, sempre voltados ao passado equase nunca tendo seus componentes no pa-pel de agentes proativos do presente. Os olhossempre fixos no retrovisor.

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    18 | VISÃO JURÍDICA

    Olhar jurídico ROY ROSENBLATT-NIR*

    SempadrõesAs novas famílias e a

    barriga de aluguel

    Oconceito de família está em cons-tante mutação nos últimos anos.Estudos e pesquisas revelamque a formação tradicional –

    pai, mãe e filhos – começou a dividir espaço nasociedade com outros tipos de família.

    De acordo com o censo realizado peloInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) em 2010, a formação clássica “casalcom filhos’’ representa 49,9% dos domicílios,

    enquanto outros tipos de famílias já somam50,1%. O estudo revelou que são 10,197 mi-lhões de famílias em que só há mãe ou pai.

    Já em 37% dos lares, as mães são as princi-pais responsáveis pelo sustento de todos. Outrodado relevante é que existiam na época do le-vantamento pelo menos 60 mil famílias homo-afetivas brasileiras, das quais 53,8% são forma-das por mulheres.

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    VISÃO JURÍDICA | 19

    *ROY ROSENBLATT-NIRé diretor da AgênciaTammuz e ex-cônsul paraassuntos econômicos deIsrael no Brasil.

    CONSIDERAÇÕESO importante é

    respeitar o direito

    que cada um tem de

    formar uma família,

    independentemente da

    orientação sexual ou

    da fisiologia. E, hoje em

    dia, esta opção é mais

    acessível pela barriga

    de aluguel.

    A família, segundo os acadêmicos, é uma ins-tituição em constante movimento e sujeita a deter-minações econômicas que forçam reorganizaçõese, consequentemente, novas formas de relaciona-mento com parentes, novas organizações familia-res, para dar respostas às necessidades e mudan-ças causadas.

    Entretanto, os estudos e a realidade refletemque a família está cada vez mais plural e diversa.

    Nesse novo cenário, as novas composições rece-bem nomenclaturas, com as quais passamos anos familiarizar. Entre elas, estão: “família mar-garina”, “família mosaico”, “família monoparen-tal”, “família estendida”, “família homoafetiva”.

    FILHOSEstá inserido também neste processo de trans-

    formação os casais, principalmente homossexu-ais, que sonham em ter filhos e constituir uma fa-mília, mas que não podem conceber uma criançapelas vias naturais – e que estão transformando o

    sonho em realidade pelo processo de fertilização,mais conhecido como “barriga de aluguel”, parapessoas que não conseguem engravidar.

    Milhares de casais de diversas partes do mun-do, inclusive do Brasil, adotaram a barriga dealuguel para alcançar esse desejo. Ainda restritaa casos especiais no Brasil, a barriga de aluguel éum procedimento seguro e legal em diversas partedo mundo, principalmente nos Estados Unidos eno Canadá, mas também nos países do ExtremoOriente, como no Nepal e na Índia.

    E não existe nenhum motivo para o Brasil não

    passar por uma revolução semelhante às experi-mentadas por muitos países no mundo. Os proce-dimentos de barriga de aluguel no Nepal vêm pas-

    sando por uma contínua aceleração, como conse-quência da aprovação pelo governo nepalês de ummarco regulatório sobre a prestação de serviços debarriga de aluguel para estrangeiros no país.

    ESTRANGEIROS

    Assim, o Nepal tornou-se um dos primeirospaíses do mundo a regulamentar formalmente oprocesso de barriga de aluguel para estrangeirosno seu território. Os procedimentos de barriga

    de aluguel são realizados em modernas clínicasde fertilização, e os casais e as mulheres têm umacompanhamento de médicos e psicólogos duran-te todo o processo.

    O processo é global e, às vezes, incorporaprocedimentos em quatro continentes, graçasao desenvolvimento tecnológico das práticas dereprodução humana. Existem casos, por exem-

    plo, em que as crianças foram concebidas noNepal, usando um óvulo de uma doadora sul--africana e espermatozoides de um brasileiro,coletados nos EUA.

    Israel é um líder mundial na proporção de fa-mílias homoafetivas com filhos, com um núme-ro estimado de 50 mil famílias, quase o mesmonúmero do Brasil, mas num país com uma popu-lação 25 vezes menor do que a brasileira. O pro-cesso de barriga de aluguel é um dos meios maiscomuns para ter filhos em Israel àqueles que não

    podem concebê-los pelas vias naturais.

    O PROCESSO É GLOBAL E, ÀS VEZES,INCORPORA PROCEDIMENTOS EM

    QUATRO CONTINENTES, GRAÇAS AODESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO DASPRÁTICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA.

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    20 | VISÃO JURÍDICA

    OAB-SP MARCOS DA COSTA*

    Um grande mal para o País

    Os valores movimentados emcontas no exterior, em decorrên-cia da máquina da corrupção eque foram apresentados em de-

    poimentos dados à CPI na Câmara Federal,demonstram os prejuízos causados à naçãobrasileira. Na lista do procurador-geral da re-pública, Rodrigo Janot, entregue ao ministro

    do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki,constavam 49 nomes suspeitos de participa-ção no esquema de corrupção da Petrobras,com a aprovação de 21 pedidos de aberturade inquéritos.

    Dá para dizer que o preço do aliciamentoé incalculável e atinge vários setores da socie-dade. As denúncias feitas em escala por meiode delações premiadas – benefício concedidoaos envolvidos por colaborar com a Justiça –surpreendem até os padrões mais conhecidos.

    A OAB-SP mantém-se em vigília constan-

    te contra a corrupção e se preocupa em reunirelementos que ajudem a extirpar esse mal as-solador. Em janeiro, promovemos o Seminário“Reforma Política Já!”, em que nossa entidadeassume seu compromisso com a sociedadebrasileira em prol da revisão do processo elei-toral. O evento reuniu autoridades no assuntopara elaborar propostas de mudanças na or-dem política, que serão encaminhadas ao Con-

    gresso Nacional. Campanhas como essa sãofundamentais. Lembro ser fundamental queas denúncias devem ser apuradas com isen-

    ção, verificando os desvios e identificando seusautores, para condenar, nos termos da lei, osinfratores. É preciso reiterar sempre que nãose combate a corrupção passando por cima darégua do Direito.

    REFLEXÃOPor mais que a opinião pública esteja pre-

    ocupada com denúncias em série e acusaçõesque se acumulam todos os dias envolvendoatores políticos, empresários, gestores e exe-cutivos, na esteira das investigações que se

    realizam no entorno da Petrobras, urge vivifi-car o Estado Democrático de Direito, que sofreameaças todos os dias.

    Fiz proposta durante o Colégio de Presi-dentes das Seccionais da Ordem dos Advoga-dos do Brasil, que aconteceu nos dias 5 e 6 demarço, em Florianópolis (SC), no sentido deapoiar a transparência nas apurações decor-

    rentes das denúncias de corrupção que foramapresentadas ao Supremo Tribunal Federal.

    Na nota, deixo claro que a sociedade bra-sileira espera que o inquérito se processe emum ambiente de transparência, como se re-quer em uma República Democrática. É in-concebível o sigilo que discrimine e privilegie.Os brasileiros em geral, quando investigados,não se beneficiam do privilégio do sigilo. Osgovernantes que sempre devem agir a luz dodia, com mais razão, não podem ser protegi-

    dos por investigações secretas.*MARCOS DA COSTA é advogadoe presidente da OAB-SP.

    CONSIDERAÇÕESTudo isso tendocom base que aOAB-SP reitera adefesa dos princí-pios constitucio-nais da presunçãoda inocência e dodevido processolegal. E melhorque seja feita à luzde uma RepúblicaDemocrática.Lembro que a Car-ta de Florianópolis,editada durante oColégio, relata queos recursos drena-dos pela corrup-ção são subtraídosdos investimentosnecessários à ple-na garantia dos

    direitos fundamen-tais. A eliminaçãoda corrupção éelemento essencialpara o progressoeconômico e socialdo País.

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    VISÃO JURÍDICA | 21

    Para lembrar DENISE SIMONAKA*

    CONSIDERAÇÕESDessa forma, a finalidadeda estabilidade provisóriaé a proteção do emprego,sendo devida a garantia

    de emprego pelo prazode 12 meses após a ces-sação do auxílio-doençaacidentário, conforme dis-põe o Artigo 118 da Leinº 8.213/91, não podendoser dispensado o empre-gado neste período.

    *DENISE SIMONAKA éadvogada associada doEscritório Mendes & Paim.

    Preliminarmente, é fundamental concei-tuar o que é o acidente do trabalho: “Aci-dente do trabalho é aquele que decorredo exercício profissional e que causa le-

    são corporal ou perturbação funcional que provocaa perda ou redução, permanente ou temporária, dacapacidade para o trabalho”, nos termos do Artigo19 da Lei no 8.213/91.

    O horário de almoço faz parte da jornada de tra-balho do empregado. Assim, o acidente ocorrido nahora do almoço é considerado acidente do trabalho.

    Dispõe a alínea, inciso IV, e § 1o, do Artigo 21da Lei no 8.213/91, que se equipara a acidente dotrabalho aquele sofrido pelo segurado em horáriodestinado à refeição e descanso, visto este períodoser considerado parte do exercício do trabalho.

     OCORRÊNCIAA empresa deverá comunicar o acidente do

    trabalho ocorrido com seu empregado ao INSS,transmitindo a Guia de Comunicação de Acidentedo Trabalho (CAT), havendo ou não afastamento

    do trabalho, até o primeiro dia útil seguinte ao daocorrência e, em caso de morte, de imediato à au-toridade competente.

    Muitas companhias, equivocadamente, dei-

    xam de emitir a Guia de Comunicação de Aciden-te do Trabalho (CAT), quando se verifica que nãohaverá necessidade de o empregado se afastar dotrabalho por mais de 15 dias.

    Ocorrendo o acidente do trabalho, indepen-dentemente de afastamento ou não, ainda que pormeio período, é obrigatória a emissão da Guia deComunicação de Acidente do Trabalho (CAT) porparte do empregador, sob pena de multa pelo Mi-nistério do Trabalho e Emprego (MTE).

    Na falta de comunicação por parte da empresa,ou quando se tratar de segurado especial, pode for-malizá-la o próprio acidentado, seus dependentes,a entidade sindical competente, o médico que oassistiu ou qualquer autoridade pública, não pre-

    valecendo, nestes casos, o prazo de entrega.

     EXEMPLONa hipótese de dano decorrente de acidente

    do trabalho, é devida indenização pelo emprega-dor quando este incorrer em dolo ou culpa, nosexatos termos do Artigo 7o, XXVIII, da Constitui-ção Federal.

    Quando houver registro policial da ocorrênciado acidente, será exigida a apresentação do respec-tivo boletim.

    Acidente ocorridoem horário de almoço

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    22 | VISÃO JURÍDICA

    Carreira CAMILA BERNI*

    10 características doadvogado corporativoempreendedor

    A

    postura empreendedora está associada à ca-pacidade de gerar valor para a organização.Os empreendedores corporativos inspiramas empresas e ajudam-nas a sobreviver em

    um mercado competitivo – e essa sobrevivência requerum pouco de ousadia. A motivação desses intraempre-endedores vem do desafio de concretizar novos negó-cios dentro da organização com o mesmo entusiasmodaqueles que empreendem por conta própria fora daempresa. E essas coisas estão muito acima da busca porsalário ou da estabilidade no emprego.

    A atuação empreendedora torna-se valorizada den-tro das empresas. Empreendedor é o indivíduo que

    detém uma forma especial, inovadora, de se dedicar àsatividades de organização, administração, execução, na

    geração de riqueza, na transformação de conhecimen-tos e bens em novos produtos ou serviços. Os empreen-dedores são pessoas que não se contentam em ser maisum na multidão, querem ser reconhecidas e admiradas,querem construir um legado. Têm motivação singular,identificam-se com o que fazem, querem ser os melho-res naquilo que realizam, querem fazer a diferença.

    A vantagem competitiva das organizações passapela capacidade de inovação, que se dá por meio daspessoas que nela trabalham. Ter boas ideias não é oponto mais difícil no processo de inovação. O verda-deiro desafio é transformar essas ideias em realidades

    rentáveis, tarefa que exige que empregados se compor-tem como empreendedores.

    O empreendedorismo, então, sai da esfera dos “in-ventores” e empresários e torna-se imprescindível paraa obtenção de bons empregos e para o progresso nacarreira de qualquer profissional. Para carreiras jurí-

    dicas, o empreendedorismo corporativo exige paixão,inovação, proatividade, capacidade de assumir riscos,engajamento, perseverança, paciência e empenho nabusca por soluções.

    Para auxiliar nessa missão, veja, a seguir, dez carac-terísticas do advogado corporativo empreendedor.

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    VISÃO JURÍDICA | 23

    OS EMPREENDEDORES

    SÃO PESSOAS QUE NÃO SECONTENTAM EM SER MAIS UM NAMULTIDÃO, QUEREM SER RECONHECIDASE ADMIRADAS, QUEREMCONSTRUIR UM LEGADO.

    *CAMILA BERNI é advogada,especialista em GestãoLegal e Planejamento

    Estratégico para sociedadesde advogados. Além disso,é professora e articulista naárea de Gestão Legal.

    CONSIDERAÇÕESA capacidade

    empreendedora está

    em todos nós. O

    seu grande desafio

    é transformar ideias

    e sonhos em novas

    realizações, inserindo oprocesso empreendedor

    como uma ferramenta

    de transformação

    corporativa para criar

    e desenvolver novos

    negócios, otimizando

    recursos, processos

    e resultados.

    1) Age como se fosse o dono da empresa.Tem iniciativa, autonomia, autoconfiançae otimismo, além de grande energia e forte intui-ção. Assume responsabilidade pessoal e é altamen-te comprometido. É empático e expressa confiançana própria capacidade de realização. O dinheironão é o incentivo ao esforço para o verdadeiro em-preendedor, mas sim a medição do seu sucesso.

    2) Tem capacidade de execução. Faz o quefor necessário para a concretização doplano. É realizador focado em resultados palpáveis,que sabe administrar os recursos, está sempre emmobilidade, é dinâmico e ativo. Traduz pensa-mentos em ações. Age com foco em expansão e

    aproveita oportunidades fora do comum. Decidecom base em dados e fatos. Conhece muito bem onegócio da sua empresa. Os intraempreendedoressão executores, as pessoas que entendem a ideia,constroem a visão, aliciam pessoas em torno daideia e tornam-na realidade. Sem os intraempreen-dedores, ideias não passam de utopias.

    3) Conta com visão sistêmica. Tem ca-pacidade de compreender toda a em-presa, tem a visão geral – alinha seus objetivos àvisão e à missão da organização. Conhece muito

    bem o segmento do negócio em que atua. Com-preende que qualquer organização é um orga-

    nismo complexo, envolve pessoas, equipamen-tos, tecnologias, produção e outros fatores.

    4) É focado em oportunidades de inova-ção. O empreendedor está associado àação inovadora ou criativa. O papel do empreende-dor não se limita à criação de negócios, compreen-de também a criação de um método de produção,a abertura de um novo mercado, a busca por al-ternativas de materiais e a promoção de mudançasestruturais na organização. Busca oportunidades

    coerentes com a estratégia da organização, especí-ficas e voltadas para a sua aplicação prática.

    5) Não tem medo de errar. Assume ris-cos calculados. O fracasso é conside-rado um resultado como outro qualquer. Coloca--se em situações que implicam desafios. Avaliaalternativas e aprende com os erros. Reforça osacertos e evita a punição dos erros, pois enten-de que as pessoas tendem a correr mais riscosquando sentem segurança e são apoiadas. Alia anecessidade de a empresa correr certo risco paraatender às demandas do mercado.

    6) Tem visão de médio e de longo pra-zos. Estabelece metas e objetivos de-safiantes e com significado pessoal. Tem visão de

    longo prazo clara e específica. É verdadeiro comsuas metas e realista sobre as formas de atingi--las – gerenciamento do projeto, planejamentodas atividades a serem implementadas, estraté-gias criativas. Monitora e avalia resultados.

    7) Lidera. Constrói um time compostopelos melhores. Tem a capacidade decomunicar à equipe uma visão clara de aondedevem chegar e apresenta atitudes necessáriaspara seguirem adiante, mesmo em condiçõesdesfavoráveis. Engaja as pessoas, conseguindo

    delas o comprometimento de tornar real a mis-são da empresa. Comunica, dirige e motiva as

    pessoas. Obtém cooperação, conduz mudanças,soluciona conflitos e compartilha os créditospelo sucesso. Além disso, possibilita altos níveisde empowerment  e acesso à informação.

    8) É bem relacionado. Sabe construiruma rede de contatos que o auxiliamnos ambientes interno e externo da empresa, juntoa clientes, fornecedores e entidades de classe. Agepara desenvolver e manter relações comerciais.

    9) É organizado. Sabe obter e alocar re-

    cursos materiais, humanos, tecnoló-gicos e financeiros de forma racional, procuran-do o melhor desempenho para o negócio.

    10) Cria valor para a organização. Fazcombinações de novos recursospara ampliar a ação da empresa a outras áreas,ou mesmo às suas áreas de atuação, correspon-dendo ao conjunto de oportunidades que a em-presa está buscando. Usa seu capital intelectualpara criar valor para a empresa e para a socieda-de, empregando a criatividade na busca de solu-ções de melhoria.

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    Criminal EURO BENTO MACIEL FILHO*

    OPacto de San Jose da Costa Rica

    (Convenção Americana de Direi-tos Humanos), seguramente, é umdos tratados internacionais mais

    importantes, no que diz respeito à proteção dosdireitos humanos e das garantias individuais. Odocumento foi elaborado em 1969 e celebradopelos integrantes da Organização dos EstadosAmericanos (OEA), com o objetivo de consoli-dar entre os países um regime de liberdade pes-soal e de justiça social.

    Após ter sido ratificado pelo Brasil em 1992,era de se esperar que o país passasse a colocarem prática os direitos e as garantias nele estabe-lecidas, muitas das quais já previstas, expressa-mente, na nossa Constituição Federal de 1988.Entretanto, algumas das previsões deixaramde ser adotadas, tanto por questões de políticainterna como por dificuldades financeiras e es-truturais para a efetiva implantação de todos ositens do pacto.

    DISPOSITIVO

    Como exemplo de descaso, podemos citar oArtigo 7o, item 5 do tratado, que tinha por obje-tivo instituir, nos países signatários, a chamada“audiência de custódia”. Basicamente, esse dis-positivo permite que o cidadão, uma vez presoem flagrante, seja conduzido à autoridade judi-cial em, no máximo, 24 horas, para assim per-mitir que o juiz analise a legalidade e a necessi-dade da prisão.

    Trata-se, positivamente, de medida salutar,já que permite que o magistrado, em poucotempo após a prisão, tenha contato pessoal com

    A “audiênciade custódia”e o direito àliberdade

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    *EURO BENTO MACIEL FILHOé advogado criminalista,

    mestre em Direto Penal pelaPUC-SP e sócio do escritórioEuro Filho AdvogadosAssociados.

    CONSIDERAÇÕESPor todos os ângulos em

    que for analisada, fica

    claro, portanto, que a

    “audiência de custódia”

    confere ao cidadão uma

    oportunidade ímpar

    para tentar recuperar

    a sua liberdade

    (sobretudo nos casos

    em que existir algum

    tipo de abuso). Trata-se,

    pois, de uma medida

    extremamente positiva

    que, na prática, pode

    ser muito útil para

    evitar injustiças.

    o preso, de modo a verificar se a manutençãoda custódia é necessária e ainda se houve algumtipo de abuso por parte da autoridade pública.

    Dependendo das circunstâncias, o juiz pode,prontamente, relaxar a prisão ou colocar o cida-dão em liberdade, mediante condições. Ou seja,a Convenção Americana de Direitos Humanosconfere ao cidadão o direito de ter a legalidadeda sua prisão em flagrante analisada por ummagistrado, em tempo excessivamente curto.

    Entretanto, apesar de o Brasil ter aderido àConvenção em 1992, somente agora, com maisde 20 anos de atraso, é que, finalmente, apósrecomendação feita pelo Conselho Nacional deJustiça (CNJ), foram adotadas medidas efetivas

    para colocar em prática a chamada “audiênciade custódia”.

    Ao menos por enquanto, o processo vemsendo adotado, unicamente, no Estado de SãoPaulo, e a sua implantação está regulamentada

    pelo Provimento do TJ/SP no 03/2015, elaboradopelo poder Judiciário paulista em parceria com opoder Executivo.

     JUIZ

    De acordo com o referido provimento, toda e

    qualquer pessoa detida em flagrante delito tem odireito de ser apresentada ao juiz, em até 24 horasapós a sua prisão, “para participar de audiência decustódia”. Em razão das óbvias dificuldades práti-cas, como a notória falta de estrutura, problemaspara escoltar o preso, ausência de recursos finan-ceiros, entre outras, é certo que a medida, por ora,está sendo implantada apenas na capital paulista,mas, gradativamente, passará a ser aplicada a to-das as unidades judiciais do Estado.

    É importante ressaltar que, considerandoas regras recentemente estabelecidas para a“audiência de custódia”, ao preso em flagran-

    te também será garantido o direito de defesa.Além disso, por se tratar de procedimento rea-lizado antes mesmo do oferecimento da denún-cia, o juiz não pode elaborar perguntas ao au-tuado que importem em antecipação do mérito.

    O provimento prevê ainda que, durante a au-diência, tanto o Ministério Público quanto a de-fesa poderão se manifestar a respeito da necessi-dade e da pertinência da prisão. Ou seja, mesmocarecendo de uma regulamentação mais clara eespecífica a respeito, certo é que o sistema ado-tado no Estado de São Paulo permite um “debate

    oral” entre as partes durante a audiência. E tudoisso é necessário para que, no fim, o juiz possadecidir, fundamentadamente, se relaxa a prisão,aplica alguma das medidas cautelares alternati-vas à segregação cautelar, ou, por fim, se conver-

    te o flagrante em preventiva.

    ESCLARECIMENTOIndependentemente do teor do referido pro-

    vimento, convém esclarecer que o Código de Pro-cesso Penal já determina, em seu Artigo 306, que

    a prisão de um cidadão seja prontamente comu-nicada ao juiz, o que se dá, na prática atual, com oenvio do auto de prisão em flagrante ao juiz com-

    petente. Assim, se, atualmente, a comunicaçãoda prisão em flagrante já é feita ao magistrado ematé 24 horas, seria mesmo necessária a realizaçãoda “audiência de custódia”?

    É evidente que sim, afinal, uma situaçãoé encaminhar um calhamaço de papel ao juiz,para que ele o analise e conclua se a manuten-ção da prisão é necessária, ou não, outra, bemdiferente, é apresentar o próprio preso ao magis-

    trado, assim lhe permitindo narrar, sem receios,os abusos e as arbitrariedades eventualmentecometidas no momento da prisão. Até porque,como normalmente acontece na prática, even-tuais abusos ou desvios de conduta praticadospor ocasião da prisão em flagrante dificilmentesão detalhados no corpo do auto de flagrante.Dentro desse contexto, a “audiência de custódia”assume especial relevância, já que será o meiomais eficaz para se comunicar ao magistrado,

    rapidamente, os excessos porventura cometidosno momento da prisão.

    O PROVIMENTOPREVÊ AINDA QUE,

    DURANTE A AUDIÊNCIA,TANTO O MINISTÉRIO PÚBLICOQUANTO A DEFESA PODERÃOSE MANIFESTAR A RESPEITO DANECESSIDADE E DA PERTINÊNCIA

    DA PRISÃO.

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    Foro

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    MAURÍCIO DANTAS GÓES E GÓES*

    Adiscussão sobre como a importação de um sistemade precedentes se relaciona com os enunciados dasúmula da jurisprudência dominante dos tribu-nais, essa forma tipicamente brasileira de apresen-

    tar a visão da jurisprudência, é polêmica e precisa ser compre-endida dentro deste cenário jurídico atual e com novas regras

    que serão emanadas em breve, com o novo Código de ProcessoCivil (CPC).

    Não se pretende negar a importante mutação pela qual onosso sistema jurídico vem passando, de forma a sobrelevar aimportância da jurisprudência como “fonte do direito”. Muitomenos se pretende negar a importância da sistematização da ju-risprudência dos tribunais, mas é preciso entender que súmulanão é e nunca poderá ser vista como um precedente judicial.

    É claro que a discussão sobre precedente judicial precisa sermais profunda, mas podemos enumerar, como elementos geraisdo precedente judicial, em qualquer das tradições (Civil Law ou

    Common Law):- ser uma decisão judicial com (algum grau) de vínculo;- apresentar, nos seus fundamentos, a regra de direito que

    transcende o caso concreto (ratio decidendi);- ser reconhecida como tal por órgão distinto daquele que

    a proferiu.

    JUSTIÇANão há como falar de precedente judicial sem ter a noção

    de que este é uma decisão proferida no âmbito de um processojurisdicional, julgando um caso concreto submetido ao crivo ju-dicial pelas partes. Outrossim, não é qualquer decisão conside-

    rada como precedente, é preciso que ele tenha, pelo menos emtese, capacidade de vincular (binding authority) ou, ao menos, depersuadir outros julgadores.

    Se é verdade que nós estamos engatinhando em termos deprecedente judicial, também na Inglaterra a noção de precedentenão é tão antiga quanto o Common Law, remonta apenas ao sé-culo 19 a regra de precedente (rule of precedent) que impõe aosjuízes, em dadas condições, seguirem as regras de direito decor-rentes de julgamentos precedentes de outros juízes.

    Nos Estados Unidos da América, há uma regra semelhante(stare decisis), mas que não funciona nas mesmas condições e nãoapresenta o mesmo rigor que o da regra inglesa do precedente.

    Súmula não éprecedente

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    O precedente é uma regra de Direito ex-traída da fundamentação da decisão e passa a

    constituir como regra de solução de todos oscasos que lhes forem análogos. Essa regra deDireito é conhecida nos sistemas da tradiçãodo Common Law como ratio decidendi, e comeste mesmo nome tem sido internalizada emnossa cultura e praxe jurídica.

    Obviamente, a descoberta da razão dedecidir, da regra jurídica extraída do pro-cedente, deverá levar em conta a descriçãodos fatos (relatório) e a conclusão a que sechegou (dispositivo), mas certamente é nafundamentação da decisão paradigma que se

    irá extrair o precedente capaz de vincular osdemais julgadores em casos análogos a se-rem julgados no futuro. Inexiste autoprece-dente exclusivo. Ainda que uma decisão sirvade precedente para o mesmo órgão judicial,como as decisões do STF, que são citadas e

    reconhecidas como tal pelo próprio STF, oprecedente é como regra o reconhecimentoda força vinculante de uma decisão anterior,por outro juiz que posteriormente a reconhe-ce como tal, interpretando e extraindo a re-

    gra de direito (ratio decidendi) e lhe aplicandopara o caso em julgamento (caso futuro emrelação à decisão tida como precedente).

    ORIGEMA súmula surge no Brasil na década de

    1960, num STF sufocado pelo acúmulo deprocessos pendentes de julgamento, com asua maioria versando sobre questões idênti-cas, por meio de uma alteração regimentalocorrida na sessão de 30/8/1963, fruto deum enorme trabalho da Comissão de Juris-

    prudência de então, composta pelos minis-tros Gonçalves de Oliveira, Pedro Chaves eVictor Nunes Leal, este último relator da ma-téria e grande mentor da ideia de se criar asúmula da jurisprudência do STF.

    A edição da súmula da jurisprudênciado STF, sob relatoria do ministro Victor Nu-nes Leal, dá-se formalmente na sessão de13/12/1963, com a edição de muitos enuncia-dos, mais precisamente os 370 primeiros enun-ciados. É, pois, a súmula um rebento das reso-luções e dos regimentos internos dos tribunais.

    Ocorre que boa parte da doutrina, e mes-mo o novo Código de Processo Civil (CPC),trata o enunciado da súmula como um pre-cedente, algo que ele não é. O capítulo queo novo CPC reservou aos precedentes fala

    muito mais dos enunciados da súmula da ju-risprudência dominante do que propriamen-

    te de precedentes judiciais.

    ANÁLISEÉ preciso desmistificar a noção de que

    enunciado de súmula é um precedente.Enunciado de súmula não é precedente, por-que não é decisão judicial, não tem funda-mentação, apresenta-se como texto geral eabstrato criado para o futuro, desconectadocom os fatos e os casos concretos dos prece-

    dentes que lhe são subjacentes.Existe um enorme déficit qualitativo

    em termos de cognição e compreensão ju-dicial entre o enunciado da súmula e umverdadeiro precedente judicial, e pautarum sistema de precedentes principalmenteem enunciados é um equívoco crasso, jus-tamente pela precária estrutura e operacio-nalidade dos enunciados e o seu completodescompromisso com os fatos, com o casoconcreto e com as razões de decidir dessesmesmos casos concretos.

    EXISTE UM ENORME DÉFICITQUALITATIVO EM TERMOS DECOGNIÇÃO E COMPREENSÃO

    JUDICIAL ENTRE O ENUNCIADODA SÚMULA E UM VERDADEIRO

    PRECEDENTE JUDICIAL...

    CONSIDERAÇÕESÉ preciso repensar asquestões e defenderum sistema de efetivosprecedentes distinto doque está se formando

    no Brasil, que tem,no seu epicentro,um “precedente”que, assim como ajabuticaba, só existee só é consideradoprecedente no Brasil.

    *MAURÍCIO DANTAS GÓESE GÓES é sócio-fundadordo Escritório Lapa & Góes eGóes Advogados Associados,

    professor de Direito ProcessualCivil da Faculdade de Direitoda UFBA e mestre em Di reitoPúblico pela mesma instituição.

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    MICHELLE RAEDER*

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    Capa

    Luta democráticaUm processo de impeachment é longo, complexoe doloroso para um país, pois gera instabilidade

    e incertezas à população. Contudo, ele ainda é a

    melhor forma de punir um representante que comete

    crimes de responsabilidade contra uma nação

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    VISÃO JURÍDICA | 29

    Apesar de muito jovem, a nossa demo-cracia já passou por momentos contur-

    bados ao longo de sua história. Sofreuvários ataques que a instituiu e a for-

    taleceu, tornando-a madura o suficiente para seadaptar às diversas mudanças ocorridas no cenáriopolítico nacionale.

    Após uma longa e dura ditadura militar e umprocesso de redemocratização que mobilizou todaa sociedade, essa jovem democracia passou por omomento crucial em 1992: o impeachment  sofridopelo primeiro presidente eleito por voto direito apósa redemocratização, Fernando Collor de Melo, fatoque marcou para sempre a nossa história.

    Naquele momento, as lembranças da ditaduracivil-militar ainda eram muito recentes e havia o te-mor de que a crise política envolvendo o governopoderia desencadear uma crise institucional. “Fe-lizmente, a democracia brasileira sobreviveu à sua

    primeira prova de fogo. Hoje, é possível afirmar queexiste um Estado Democrático de Direito, com osPoderes da República funcionando de forma autô-noma e relativamente bem. Encerramos o processode redemocratização. Agora, precisamos avançarpara um sistema político mais responsável, no sen-

    tido de alcançar um Executivo mais transparente eum Parlamento mais aberto às reivindicações so-ciais”, afirma o jurista Lênio Streck.

    “Quem apostaria que uma nação, recém-regres-sa de uma ditadura, em meio a uma crise econômi-ca e com uma jovem Constituição, enfrentaria umprocesso de impeachment  a transcorrer na mais ab-soluta legalidade? Tivemos algumas intromissões, ameu ver, absolutamente descabidas, mas o balançogeral foi positivo”, afirma o doutor em Direito pelaUniversidade de Frankfurt, procurador do Municí-pio de Fortaleza e professor titular da Universidade

    de Fortaleza, Martonio Mont’Alverne Barreto Lima.Para o professor da Faculdade de Direito da

    Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rubens Glezer, oimpeachment  do ex-presidente Fernando Collor teverepercussões imediatas naquele momento, com aascensão do vice-presidente Itamar Franco e a for-mação de um novo governo que, posteriormente,viria a lançar o Plano Real. “Além disso, [isso] serviude exemplo para os próximos governantes, já quedemonstrou a importância de o Executivo ter apoiono Congresso para a governabilidade, basta verificaras coalizões formadas pelos presidentes seguintes”.

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    MICHELLE RAEDER*

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    Capa

    PASSO A PASSOO advogado do Escritório Silveira,Andrade, Neisser, Costa FilhoAdvogados, e membrodas comissões de DireitoPenal e Eleitoral da OAB-SP,Fernando Gaspar Neisser,explica como ocorre um processode impeachment :

    O impeachment  é um processocomplexo, que envolve a Câmarados Deputados, o Senado Federal

    e o presidente do SupremoTribunal Federal. Os prazos e asregras estão nos Artigos 85 e 86da Constituição Federal e na Leinº 1.079/1950. Resumidamente, oprocesso tem início por denúnciaformulada por qualquer cidadãoà Câmara dos Deputados, que,recebendo-a, deve nomearcomissão própria para análisede seu cabimento. Após ouviros argumentos de defesa,essa comissão encaminha

    à Mesa da Câmara dosDeputados sua conclusãopelo cabimento da acusação,ou por seu arquivamento.O Plenário, então, decide sehá pertinência para instauraro processo, decisão que exigeo voto de, ao menos, doisterços dos deputados federais.Instaurado o processo, no casode crime de responsabilidade,encaminha-se a acusação ao

    Senado Federal, e o presidente daRepública fica automaticamenteafastado do cargo enquantoaguarda o desfecho.Já o julgamento se dá peloPlenário do Senado Federal,também sendo garantido plenodireito de defesa ao acusado,em sessão que é conduzidapelo presidente do SupremoTribunal Federal. Para que seconclua pela cassação, tambémé exigido o voto positivo de

    ao menos dois terços dosSenadores da República.

    No caso de  impeachment  de

    um presidente, quem assume

    o seu lugar?

    De acordo com o Artigo 79 daConstituição Federal, em casode cassação do presidente daRepública, assume a sua posiçãoo vice-presidente.

    Em qual situação o vice-

    -presidente também podesofrer  impeachment ?

    O vice-presidente pode sofrerimpeachment  se, após assumiro cargo de presidente daRepública, cometer crimede responsabilidade. Valesalientar que não se pode puniro vice-presidente, ou mesmoo presidente da República,por acusações alheias àquelemandato que está sendo

    exercido. Assim, não existepropriamente impeachment  device-presidente. O que há é oimpeachment  do presidente daRepública, que pode, no caso,ser um vice-presidente queassumiu o mandato.

    No caso da saída do vice-

    presidente, qual executivo

    assume o posto de presidente?

    A linha sucessória prevista noArtigo 80 da Constituição Federal

    prevê a assunção da Presidência,por ordem, pelo presidente daCâmara dos Deputados, pelopresidente do Senado Federale pelo presidente do SupremoTribunal Federal.

    Em qual circunstância seria

    necessária a realização de novas

    eleições presidenciais?

    Há novas eleições na hipótesede ficarem vagos os cargos dopresidente e do vice-presidente,

    por cassação, morte ou renúncia.Aqui, há um tratamentodiferenciado, previsto no Artigo81 da Constituição Federal e emseu parágrafo primeiro. Se essadupla vacância ocorrer nos doisprimeiros anos de mandato,convocam-se novas eleiçõesdiretas. Caso a vacância aconteçadurante os dois últimos anos domandato, há eleição, mas indireta,pelo Congresso Nacional.

    No entanto, Glazer observa que atribuir apenas aoimpeachment   de Collor as várias mudanças pelas quais o País

    passou na política depois de 1992, como o fortalecimento de umpresidencialismo de coalizão, a consolidação de instituições comoo Ministério Público e o Tribunal de Contas, o aperfeiçoamentodas imunidades parlamentares e até mesmo a Lei da Ficha Lim-pa, ignoraria vários outros fatores que contribuem de forma atémais intensa para o amadurecimento da democracia brasileira,como o papel desempenhado pela população, especialmente osmovimentos sociais organizados, a estabilização econômica e amaior inserção do Brasil no cenário global, por exemplo.

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    ...QUEM ACEITA A DENÚNCIACONTRA O PRESIDENTE SÃO OSDEPUTADOS FEDERAIS E QUEMO JULGA SÃO OS SENADORES,

    O QUE TRAZ QUESTÕES

    POLÍTICAS DE FORMA MUITOMAIS DIRETA PARA DENTRO DO

    PRÓPRIO JULGAMENTO.RUBENS GLEZER

    EM QUE SE BASEIAUM PROCESSO DE IMPEACHMENT? 

    É preciso entender o que realmente pode gerar a aber-tura de um processo de impeachment , algo complexo e queenvolve, acima de tudo, bases legais – não é possível iniciá-lobaseando-se apenas em bases políticas.

    O procurador de Fortaleza ressalta que, apesar de o pro-cesso de impeachment  ter uma forte questão política, é precisoque ele seja submetido à Constituição e às leis, pois são ne-cessárias provas concretas de ocorrência do crime, sua mate-rialidade e autoria. “A legislação é clara nesse sentido, alémdos princípios constitucionais expressos pelo sistema demo-crático que devem ser observados, juntamente com a Lei no1079/50 e os regimentos internos da Câmara dos Deputados

    e do Senado Federal, que não podem fazer o que lhe julga aconveniência política”.

    Para o professor da FGV, definir um limite entre o que é po-lítico e o que é jurídico não é fácil. “O impeachment  é um instru-

    mento jurídico, tem a forma de um processo e produz efeitosjurídicos. Tanto é assim, que o responsável por conduzir o julga-mento no Senado Federal é o presidente do Supremo TribunalFederal (STF), porque é considerado uma autoridade imparcial egarantidora dos direitos de defesa do acusado. Não se trata, por-tanto, de um procedimento puramente político, como uma depo-sição armada de um presidente, sua responsabilização é jurídica,por cometimento de um crime tipificado em lei, não é uma res-ponsabilização política causada por um mau governo. Contudo,o impeachment  pode ter causas e certamente tem repercussõespolíticas importantes. Além disso, quem aceita a denúncia contrao presidente são os deputados federais e quem o julga são os se-

    nadores, o que traz questões políticas de forma muito mais diretapara dentro do próprio julgamento”, avalia Glezer.

    Rubens Glezer

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    MICHELLE RAEDER*

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    Capa

    REVOGAÇÃO DOMANDATO POLÍTICOREPRESENTATIVO,OU RECALL

    Existe uma forma de tirar omandato de um governantechamada de “revogação domandato político”, que é uminstrumento popular de controledos representantes políticos.Em termos jurídicos, essaferramenta consiste no direitopolítico exercido por meio deuma consulta popular direta decaráter vinculatório e convocadapelos próprios eleitores, quelhes permite revogar, antes doprazo normal, o mandato de umou mais representantes políticoseleitos. “Em outras palavras, éo direito de demitir um políticosem dar explicações. A revogaçãode mandato é mais conhecidapelo termo recall ”, explica oprocurador-federal da Advocacia--Geral da União em Laguna (SC),

    Alexander Santana.Santana é autor da monografia“O direito de revogação domandato político-representativo”e, durante suas pesquisas, levantouinformações de que, no Brasil, aindanão há a possibilidade da aplicaçãodessa ferramenta; porém, o assuntonão é novidade por aqui. Segundo oprocurador, o assunto já foi tratadopor Nelson de Sousa Sampaio ePaulo Bonavides. “Além disso, naConstituinte de 1988, o deputado

    Lysâneas Maciel tentou incluir orecall  no texto constitucional, sobo nome de voto destituinte, massua ideia acabou substituída pelado deputado Samir Achôa, que naaparência era idêntica, mas acaboupor se transformar em algo bemdiferente: a ação de impugnação demandato eletivo, que visa a cassaro mandato de um parlamentarem casos de abuso de podereconômico, corrupção ou fraude

    e transgressões eleitorais. Essa

    nova ação judicial, contudo, nãopreservou a ideia principal do recall ,que é o direito do eleitor de mudarde ideia e revogar o mandato deum político sem dar explicações ourazões, mesmo do político que foieleito legitimamente”, detalha.“Ao contrário do que ocorre numprocesso de impeachment, norecall , a decisão é do povo. É umaeleição às avessas. É o povo quemdecide, pelo voto, se o políticofica ou sai do cargo. Com essaferramenta, não há golpe. Se umaparcela da população quer tiraralguém do cargo, deve reunir umnúmero mínimo de assinaturas paraconvocar uma votação na qualtodos os demais eleitores poderãodar sua opinião. Se a maioria votarpela saída do político, o mandato seencerra imediatamente, assumindoo vice ou suplente. E, é claro,uma nova eleição tem que serconvocada”, explica.

    Proposta de Emenda

    à Constituição no 73/2005No Brasil, essa aplicação não épossível, já que nossas leis nãocontemplam esse direito popular.Entretanto, o procurador informaque há uma proposta de EmendaConstitucional (PEC no 73/2005)que visa a criar esse direito.“No entanto, não acredito queessa PEC seja realmente eficaz,primeiro, porque ela foi propostacomo um referendo, o que significaaprovar, confirmar, e penso que a

    palavra mais adequada seria eleiçãorevocatória”, avalia.Outro ponto que ele destaca équanto à proposta tratar apenasda revogação individual dosmandatos, o que será insuficiente,

     já que, segundo Santana, a açãodeveria contemplar também arevogação coletiva dos mandatosdo Congresso e do presidente daRepública (o equivalente a convocareleições gerais). “Além disso, a

    proposta dá aos deputados e

    senadores o poder de convocar orecall  do presidente da República,poder que deveria ser reservadoapenas aos eleitores”, aponta.Santana também acrescenta quea proposta trata somente dorecall  em âmbito federal, sendoque deveria, desde já, regular oinstituto também nos Estados emunicípios, sob pena de ofensa àsimetria constitucional federativa,e deveria prever um período deinelegibilidade do político cujomandato fosse revogado.“Por fim, a proposta pecanum ponto essencial: não hápossibilidade de revogaçãoindividual do mandato parlamentarsem que antes se institua ovoto distrital. Com o sistemaatual, de eleições pelo sistemaproporcional, não há fórmula justapara a revogação individual demandatos desses políticos. Logo,a instituição do voto distrital é umpressuposto lógico da adoção darevogação individual de mandatos

    de deputados. Já com relação aossenadores, que são eleitos pelosistema majoritário, as distorçõessão menores. O ideal seria aredução de três para um senadorpor Estado. Todos saberiam quem éseu senador e ficaria fácil controlarsua atuação e decidir se ele fica ousai do cargo”, explica.

    Como o  recall  ocorre

    em outros países?

    Segundo Santana, durante sua

    investigação, ele descobriu quea revogação de mandato existianos seguintes países: Suíça,Venezuela, Estados Unidos,Federação Russa, Colômbia,Argentina, Equador, Panamá, Perue Bolívia. Três merecem destaque:Suíça, EUA e Venezuela.Na Suíça, a revogação de mandatotrata-se de uma revogação coletiva,uma dissolução do Parlamentofeita não pelo Chefe de Estado,

  • 8/18/2019 Revista Visão Jurídica - N108

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    VISÃO JURÍDICA | 33

    O PRESIDENTENÃO PODE SER

    AFASTADO DEVIDO AOCRESCIMENTO DE SUA

    REJEIÇÃO. POR ISSO,O IMPEACHMENT É

    PRINCIPALMENTE UMAQUESTÃO JURÍDICA.LÊNIO STRECK

    mas diretamente pelo povo. É

    um instituto aplicável no âmbitocantonal, sendo que os cantões(Estados) de Berne, Lucerne, Uri,Soleure, Schaffhouse, Thurgoviee Tessin são normalmenteapontados como detentoresdeste mecanismo.Entretanto, por estaremmuito próximos do Brasil epor terem efetivamente feitouso do recall  recentemente,Santana destaca os EstadosUnidos e a Venezuela. “NosEstados Unidos, o recall  existeem seu formato atual pelomenos desde 1911 e, depoisde inserido na Constituiçãoda Califórnia, a nova arma foirapidamente testada contratitulares de cargos públicos,com três senadores estaduaisenfrentando uma eleiçãorevocatória durante os trêsprimeiros anos depois desua adoção. Em 1994, quatromembros do poder Legislativoenfrentaram novamente

    a eleição revocatória, oque também ocorreu comgovernador Gray Davis em2003, no episódio em que elefoi substituído pelo ator ArnoldSchwarzenegger”, lembra.Na Venezuela, a revogaçãode mandato é conhecida porreferendo revocatório e, desdea Constituição Bolivariana de1999, é aplicável a todos oscargos eletivos, mesmo em nívelnacional. Entretanto, o presidente

    Hugo Chávez foi o responsávelpela introdução do referendorevocatório somente no âmbitonacional, pois, segundo Edgard J.Gutiérrez, esse instituto já existianaquele país em âmbito estaduale municipal desde 1989. “Em 15de agosto de 2004, o mandatodo próprio Chavez foi submetidoao referendo, e a decisão popularfoi a de mantê-lo no cargo”,comenta Santana.

    O jurista Lênio Streck reforça queesse processo pode ser aberto somen-

    te em casos de crime de responsabili-dade. Não é uma questão meramentepolítica, que depende da queda da po-

    pularidade do presidente ou do esfa-celamento da base governista no Con-gresso Nacional. Ele explica que, emregimes parlamentaristas, o primeiro--ministro é obrigado a desfazer o gabi-nete e convocar novas eleições,