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Afirmativa 32

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Outubro / Novembro ! Revista Afirmativa Plural 3

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4 Revista Afirmativa Plural ! Outubro / Novembro

Entrevista EspecialNelson Narciso .........................................................................8

CapaA nova face da TV brasileira ..................................................12

Consciência NegraOs desiguais em pauta.............................................................22O primeiro passo na construção da igualdade racial............26Igualdade entre as raças...........................................................28Racismo como enfrentá-lo......................................................32Valeu Zumbi..............................................................................36Nabuco errou............................................................................40Paradigma da democracia........................................................42Reflexão e ação.........................................................................44Igualdade, objetivo comum.....................................................46Um Brasil cada vez mais negro...............................................48Ainda a ação afirmativa............................................................50Troféu Raça Negra 2009..........................................................52

EducaçãoUniversidade do Magistério...................................58

Cotas: uma nova consciência acadêmica.................60

EsporteOlimpíada e desenvolvimento ......................................62

Responsabilidade SocialA força do bem...............................................................64

EconomiaO Brasil que o mundo vê...............................................66O Pré-sal e a previdência................................................70

Indústria de defesa e o Pré-sal ...............................................72

Mercado de TrabalhoNovo petróleo gera empregos................................................74

EmpreendedorismoApostar na diversidade é garantia de sucesso.........................76

ComportamentoBarbie, aos 50 e negra...............................................................78

LivrosEscravidão nunca mais!............................................................79

PerfilSidney Santiago: arte e consciência.........................................80

OpiniãoUm bom conselho....................................................................82

TurismoPalmares: rota de turismo.........................................................84

VeículoStilo em novas versões..............................................................88

ReflexõesLauro Monteiro: brasilidade em sons, cores e sabores.........90

AfirmativoViver a vida comemorando a diversidade...............................92

Preto e BrancoBarack Obama...........................................................................94

Afirmativa Plural é uma publicação da Afrobras - Sociedade AfroBrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural, Centro de Documen-tação, através da: Editora Unipalmares Ltda., CNPJ nº 08.634.988/0001-52. Com periodicidade bimestral. Ano 6, Número 32, Outu-bro/Novembro 2009 - Av. Santos Dumont, 843 - Bairro Ponte Pe-quena - São Paulo/SP - Brasil - CEP 01101-080 - Tel. (55 - 11) 32294590. www.afrobras.org.br

CONSELHO EDITORIAL: José Vicente, Francisca Rodrigues, RuthLopes, Raquel Lopes, Cristina Jorge, Nanci Valadares de Carvalho,Humberto Adami e Sônia Guimarães.

DIREÇÃO EDITORIAL E EXECUTIVA: Jornalista FranciscaRodrigues (Mtb.14485 - [email protected])

EDITORA: Carla Nascimento (Mtb. 064703/064/AM [email protected])

ndiceREDAÇÃO: Eliane Almeida (Mtb. 39832 - [email protected])

FOTOGRAFIA: J. C. Santos, George Magaraia e Divulgação.

COLABORADORES: Rosenildo Gomes Ferreira ([email protected]).

SECRETÁRIA DA REDAÇÃO E ASSINATURA: Taíse Oliveira([email protected])

PUBLICIDADE: Maximagem Mídia Assessoria em ComunicaçãoTel.(11) 3392 4590.

CAPA: Búzios RJ 07/08/2009 - TV Exclusiva - Atriz Taís Araújo -Foto de Berg Silva / Agência O Globo.

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: Alvo Propaganda e Marketing([email protected]).

IMPRESSÃO E ACABAMENTO: Laborgraf.

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Outubro / Novembro ! Revista Afirmativa Plural 5

editorial

Estamos novamente no mêsde novembro, com toda a movi-

mentação que este mês traz para acomunidade negra brasileira: Dia da

Consciência Negra, morte de Zumbi dosPalmares, Herói Nacional por lei, reflexão

sobre lutas, perdas e conquistas, avaliação so-bre o que ainda falta para que nós, negros, faça-

mos realmente parte da sociedade brasileira. Nodia 20 de Novembro de 2009, comemoramos o 31º

Dia Nacional da Consciência Negra e, mais uma vez,retomamos a pergunta: temos algo para comemorar?

Temos muito, mas ainda é pouco e continua forte odesejo de que as exceções que acontecem em nossa soci-

edade passem a ser “regras”, como é o caso das novelasda TV Globo, o maior canal de televisão brasileiro e quetraz atualmente três atrizes negras como protagonistas emsuas novelas: Tais Araújo, Camila Pitanga e Élida Muniz.

em uma sociedade desigual.Mas não podemos deixar de comemo-rar estes fatos como conquistas e aponta-mos outra: a aprovação do Estatuto da Igual-dade Racial em setembro último após dez anosde tramitação. Aprovado com muitas ressalvas,mas não deixa de ser uma sinalização por lei parareduzir as desigualdades entre os brasileiros.Para consolidar o sucesso do negro, não só o bra-sileiro, temos a sétima edição do Troféu Raça Ne-gra, realizado pela ONG Afrobras e pela FaculdadeZumbi dos Palmares, com o objetivo de homenageare exaltar o trabalho do negro e de agradecer aos nãonegros que trabalham pela igualdade racial através dainclusão do negro em papéis de relevância em nossasociedade.A sétima edição do Troféu Raça Negra premiará tam-bém profissionais de sucesso em diversas áreas da eco-

“A nossa expectativa de ver atores negros representandopessoas comuns, com as dores e os prazeres de qualquerser humano é tão grande que no momento em que cons-tatamos a existência de atrizes negras em papéis chavesde três novelas da rede campeã de audiência do Brasil,esquecemos que o conjunto da programação da TVbrasileira continua insistindo na ideologia do branque-amento. Os atores negros ainda não estão livres deserem escalados para representar e reforçar os este-reótipos da subalternidade, do atraso e das misériassociais do País”, observa o cineasta Joel Zito emseu artigo na seção “Afirmativo”, desta edição.

O fato é inédito, mas acompanha um processoque nos últimos anos, parece ter se acelerado.

Na verdade nosso desejo é que este fato pas-se a ser normal, corriqueiro e não que gere

uma verdadeira polêmica como a queestá acontecendo em cima do prota-

gonismo de atrizes negras nasnovelas, o que significa que

ainda estamos vivendo

nomia, mostrando que nós podemos, basta termos opor-tunidade para estudar e trabalhar e deixarem mostrar-mos nossos talentos, que alcançaremos os melhores pos-tos de trabalho como qualquer outro profissional deetnia diferente da nossa.E como não poderia deixar de ser, essa premiação ésempre em grande estilo, com negros de todas as co-res em trajes blacktie, aplaudindo uns aos outros emuma das maiores e melhores salas de espetáculos daAmérica Latina, a Sala São Paulo, na capital paulista.Nesta edição trazemos um pouco da históriado Troféu, mas prepare-se, pois a próximaAfirmativa Plural será especial e trará tudoque aconteceu no maior evento da comuni-dade negra brasileira, considerado aliás, onosso “Oscar”.

Aguardem e boa leitura.

Francisca RodriguesEditora Executiva

Consciência negra!Consciência negra!Consciência negra!Consciência negra!Consciência negra!

ditorial

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entrevista especial

cuidando do

tido, nas palestras que faz pelo Paísafora, ele busca incentivar meninose meninas ao estudo e os encorajaa buscar uma vida melhor.

Durante o almoço de lançamen-to do Troféu Raça Negra 2009, nodia 13 de outubro, no Rio de Janeiro,ele concedeu a seguinte entrevistapara a revista Afirmativa Plural.

Afirmativa: Atualmente muitosnegros estão assumindo postos de coman-do. Como exemplo podermos citar o se-

Nelson Narciso Filho, diretorda Agência Nacional de Petróleo,Gás e Biocombustíveis (ANP), é oZumbi com as mãos na riqueza lí-quida. Engenheiro, 30 anos de ex-periência no desenvolvimento deatividades operacionais, fabricaçãoe instalação no setor de exploraçãoe produção de petróleo, atuou naindústria petrolífera de Angola.Aluno aplicado, sempre acreditouque o caminho da mudança vempor meio da educação. Nesse sen-

nhor na diretoria da Agência Nacionaldo Petróleo. Como foi seu caminho até aconquista do cargo?

Nelson Narciso: Eu diria queestá tudo muito associado ao proces-so de educação. Quando eu olho todoo início de carreira, início de vida, deonde vim, das dificuldades, sendonegro e pobre, eu diria que está mes-mo tudo muito ligado à educação.Sempre acreditei muito no processode educação, além disso, tive a sortede ter em minha vida pessoas que

Por Eliane Almeida, da redação

negrouro

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Nelson Narciso

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acreditaram em mim e que de algu-ma forma me ajudaram a encontraro caminho que eu devia trilhar.

Afirmativa: O senhor acredita en-tão que o segredo é saber aproveitar as opor-tunidades?

Nelson Narciso: Ter a opor-tunidade é importante, mas saberaproveitá-la é fundamental. Nãobasta só saber, há de se ter a opor-tunidade de mostrar o que se sabe.E é nesse contexto que acredito queas oportunidades oferecidas pelascotas tem um grande valor. Acre-dito que são as cotas que darão ajovens, como eu fui,oportunidadesreais de transformação.

Afirmativa: Ao longo de sua carrei-ra, o senhor esbarrou em alguma situaçãode preconceito? Qual foi o posicionamentodiante do problema?

Nelson Narciso: O preconcei-to é uma coisa que está sempre es-condida. Às vezes falar de precon-ceito é um tanto difícil. Como ascoisas são implícitas, você tem quecontar uma história para tentarpinçar o argumento discriminató-rio. Agora, o que eu sempre procu-rei fazer foi me posicionar de ma-neira muito clara, de maneira quenão deixasse espaço nenhum nessasituação. Todas as dificuldades quese apresentaram nessa questão fo-ram transpostas e, como diria meupai, “com o chapéu na cabeça”. Ouseja, minha postura sempre fez comque as coisas se apresentassem deuma maneira tranqüila.

Afirmativa: Nós estamos vivendo ummundo novo. Este século tem apresentadograndes mudanças. Um exemplo disso foi aeleição de Barack Obama para a Presidên-cia dos EUA. O que o senhor espera queaconteça nesse novo século?

Nelson Narciso: Eu espero queo processo que começou com osnossos antepassados quilombolasconsiga nos alcançar. As circunstân-cias colocadas para nossos antepas-sados, que foram escravos, erambastante ruins. Hoje vemos nossosfilhos com uma formação interna-cional. Vemos uma sociedade maisaberta, não necessariamente porqueassim quer ser, mas porque estamosnos colocando e entrando pela por-ta que está entreaberta. O que euespero de fato é que nós tenhamosespaço para fazer valer a igualdade.

dos precisam acreditar que é possí-vel se chegar aonde se quer.

Afirmativa: E como o senhor se sen-te ocupando o cargo em que está hoje?

Nelson Narciso: Eu não achoque cheguei lá, ainda. Estou cami-nhando. A ANP é uma instituiçãomuito grande e minha vontade émuito grande também. É bom olharpra trás e poder perceber o quantoas coisas estão evoluindo. O que eusinto é que, como negro, tenho su-perado barreiras. Sinto o dever éti-co e étnico de passar aos jovens ne-gros o valor do trabalho, da perse-verança, da educação, da luta e datomada de decisão em mudar depostura diante do mundo.

Afirmativa: O senhor diz que aindanão chegou lá. Quais são as suas expectati-vas dentro da ANP e quais suas ambiçõesna vida profissional?

Nelson Narciso: Isso é umaquestão de cargo somente. Quan-do fui convidado para ser diretorda ANP eu estava morando em An-gola, era diretor presidente de umaempresa lá. Eu aceitei vir porque,juntamente com minha esposa,acreditamos que depois de 30 anoscomo engenheiro, era uma belaoportunidade de entender comofunciona o outro lado da cerca, queé o lado regulador. Isso trouxe paramim, certamente, uma exposiçãomuito grande e, principalmente,uma visão dessa indústria em queeu já vivo há 30 anos. Meu manda-to vai até junho do próximo ano,depois disso vou buscar novos ca-minhos. Acredito ter ainda uns 20anos de vida profissional ativa e euquero continuar contribuindo.

entrevista especial

Afirmativa: A questão da identida-de é sempre recorrente quando se fala dequestão racial e negros no Brasil. O que,na sua opinião, é ter identidade?

Nelson Narciso: É ter a cons-ciência perfeita da sua capacidade.Perceber que as oportunidades es-tão lá e que elas vão fazer você cres-cer. Saber que dificuldades existeme que temos de assumir os desafiosque se apresentam. E acredito emoutra coisa: temos que ter orgulho,vibrar e partilhar a conquista. To-

O que euespero de fatoé que nóstenhamosespaço parafazer valer aigualdade.

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Taís Araujo

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Por Carla Nascimento, da redação

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Para interpretar o protagonista de“A Cabana do Pai Tomás”, SérgioCardoso teve que pintar o rosto e ocorpo de preto, usar perucas e inse-rir rolhas no nariz. A escalação doator para o papel de um negro (PaiTomás) na adaptação que a TV Glo-bo fez do romance de Harriet Bee-cher Stowe (1852) gerou protestos deintelectuais e artistas que não aprova-vam um ator branco para o papel. Osprotestos não surtiram o efeito espe-rado na época, mas já sinalizavam queo cenário deveria começar a mudarpara o ator negro na TV brasileira.

A mudança demorou e veio a con-ta-gotas. Hoje, 40 anos depois, a Glo-bo, que ao longo dessas décadas seconsolidou como a maior emissora doPaís, está com três atrizes negras comoprotagonistas de suas novelas. TaísAraujo vive a Helena na trama deManoel Carlos, “Viver a Vida”; CamilaPitanga interpreta a faxineira Rose em“Cama de Gato”; e Élida Muniz tempapel de destaque na novela teen “Ma-lhação”. O fato é inédito, mas acom-panha um processo que nos últimosanos, parece ter se acelerado.

Em 2004, Taís viveu a primeiraprotagonista negra de uma novela daGlobo, fazendo o papel de Preta em“Da Cor do Pecado”, de João Ema-nuel Carneiro. Dez anos antes ela jáhavia sido protagonista em “Xica daSilva”, da extinta Manchete. Em2006, duas produções da Globo ti-veram grande destaque: a minissérie“Antônia”, produzida pela O2 a par-tir do filme homônimo de TataAmaral, cujas protagonistas eram qua-

tro atrizes-cantoras negras; e a tele-novela “Cobras & Lagartos”, naqual o ator Lázaro Ramos repre-

sentou o impagável Foguinho eque também tinha Taís Araújo

Camila Pitanga

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Zezé Motta

no elenco. Em 2008, mais de 40 per-sonagens interpretados por atoresnegros estiveram no ar ao longo doano em programas da Globo, daRecord e da Bandeirantes.

Sinal de que o País está menosracista ou de que os atores negros fi-nalmente conseguiram se livrar dospapéis estereotipados aos quais esta-vam confinados? Ainda não pode-mos afirmar. Mas o certo é que essesnúmeros são extremamente impor-tantes e merecem ser analisados.

No livro “A Negação do Brasil”(Editora Senac), o cineasta e pesqui-sador Joel Zito Araújo diz que emnosso País “a ideologia do branque-amento e o mito da democracia ra-cial foram desejos e metas sociaisconstruídos historicamente para apa-gar a herança africana, a `manchanegra da escravidão´, sendo respon-sáveis pela dificuldade de grande par-cela dos afro-brasileiros em cultivara sua auto-estima”.

Considerando o que nos apontao pesquisador e o fato de sabermosser a televisão a vitrine dessa ideolo-gia, fica explícita a relevância de ter-mos a presença de tantos atores ne-gros na TV ao mesmo tempo, afinal,95% dos lares brasileiros possuempelo menos um aparelho de TV e amaioria deles está sintonizada em al-guma novela. No dia 20 de Novem-bro de 2009, comemoramos o 31ºDia Nacional da Consciência Negrae, mais uma vez, retomamos a per-gunta: temos algo para comemorar?Certamente que sim.

O cenário ainda não é o ideal, afi-nal, enquanto o fato de termos prota-gonistas negros for considerado his-tórico ou fazer parte do nosso rol deexceções, significa que ainda estamos

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vivendo em uma sociedade desigual.Mas aos poucos as coisas começama mudar concretamente. A represen-tação de heroínas negras em uma vi-trine tão grande e influente como adas novelas da Globo parece suge-rir uma outra coisa: a constataçãode que a televisão, hoje, como falapara uma gente cada vez mais diver-sa, em todos os sentidos, tem de seabrir para essa diversidade. Mais: adiversidade está sendo cobrada poresse público que quer se ver na TV.

RevezamentoSe, de uma forma geral, ainda te-

mos dúvidas com relação à represen-tação do negro de forma positiva naTV, o número de novos rostos emcena mostra que há uma abertura domercado e sinaliza que não voltare-mos mais à época em que os poucosatores negros se revezavam em papéissecundários, nos quais não tinhamhistória, família, nome e nem voz.

Em 1984 a atriz Zezé Motta fun-dou o CIDAN (Centro de Documen-tação do Artista Negro), que tinhacomo objetivo a formação de atores.Dez anos depois de sua criação o cen-tro passou a ter como objetivo a in-serção desses profissionais no merca-do de trabalho. Para ela, que atualmen-te é superintendente de Igualdade Ra-cial da Secretaria de Assistência Soci-al e Direitos Humanos do Estado doRio de Janeiro, o cenário melhorou ea discussão sobre o racismo deixou deser tabu. “O brasileiro que tem pre-conceito é obrigado a refletir. Temosalgumas conquistas”, avalia. Contudo,ela avalia que ainda falta muito paraque o ator negro ocupe o espaço quemerece. Ao responder o que ainda fal-ta a atriz aponta que é necessário ha-ver uma mudança de mentalidade em

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Patrícia de Jesus

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Ruth de Souza

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toda a cadeia de produção da TV.Na opinião de Ruth de Souza, pri-

meira atriz negra do teatro e da TVbrasileira, “o negro está na moda”.Ela relembra que há apenas três anosfez uma participação especial noremake da novela “Sinhá Moça”, naqual seu personagem inicial não ti-nha sequer nome. Ao longo da tra-ma, depois de sua reclamação, foichamada de “mãe Maria”. “Em 2006ainda somos pai João e mãe Maria”,critica. Vale lembrar que a atriz foiindicada ao prêmio de melhor atrizno Festival de Veneza de 1953 porsua atuação no filme homônimo e noqual concorreu com as atrizesKatharine Hepburn e Lilli Palmer.

Ao apontar o que ainda falta parachegarmos a uma TV ideal quandose trata de representação do negro, aatriz, que coleciona atuações memo-ráveis no teatro, cinema e TV, nãopoupa críticas. “O que falta é educa-ção e estudo e não ficar pensando emser celebridade e ganhar dinheiro. Aprofissão é sagrada e é muito séria.”

Contudo, Ruth também acreditaque é fundamental termos “bons au-tores que escrevam histórias huma-nas”, diz citando Janete Clair e DiasGomes como exemplos. “O sonhode todo ator é ter oportunidade defazer um bom trabalho”.

Para Milton Gonçalves, o grandesonho dos atores é ver desaparecer arubrica. “ator negro” nas sinopses.“Para isso é preciso haver demanda,não só no que se refere aos atores,mas em todas as áreas”, diz o ator.

“Papel de negro”Segundo o autor Manoel Carlos,

na escolha de Taís para o papel pe-sou mais o fato de ela ser jovem.“Para mim, na verdade, não impor-

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Ildi Silva

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tava a cor da pele da atriz. Eu preci-sava de alguém que fosse talentosa,jovem, por volta dos 30 anos, e comuma beleza internacional. Escolhi aTaís porque admiro muito seu tra-balho e sempre quis escrever um pa-pel para ela”, disse.

Se a presença de um maior nú-mero de atores negros nas telinhasé ou não um sinal da mudança quequeremos, ainda não sabemos. Ofato é que a Globo não está sozinhanisso. Nas duas novelas da Recordatualmente no ar, “Bela , A Feia” e“Poder Paralelo”, há pelo menossete atores negros no elenco, entreeles Sérgio Menezes, que faz o pa-pel de Diogo Marques, um homemsofisticado e que é diretor de artede uma agência, e Ildi Silva, que viveo personagem Dinorá Melo, uma se-cretária fofoqueira. Ambos com-põem o elenco da novela “Bela, aFeia”. Na temporada anterior, a atrize modelo Patrícia de Jesus se desta-cou em outra produção da emisso-ra, a novela “Os Mutantes.

Com esse número de produções,temos hoje uma geração de novostalentos despontando na TV. Mes-mo assim, alguns acreditam que asmudanças só serão concretas e defi-nitivas no dia em que tivermos au-tores, diretores, cenógrafos e toda acadeia de produção composta porum número expressivo de profissi-onais que compreendam a importân-cia de mostrar a verdadeira face dopovo brasileiro. Sim, esse é um as-pecto que a euforia causada por nos-sas heroínas negras não pode nosimpedir de enxergar e refletir se qui-sermos que a Helena, de Taís, e aRose, de Camila, não sejam maisduas exceções em nossa história.

Sérgio Menezes

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20 Revista Afirmativa Plural ! Outubro / Novembro

Aos 76 anos, Manoel Carlos, ouManeco, como é carinhosamentechamado pelos amigos, é remanes-cente de uma geração de autores queparticipou da construção da televi-são brasileira. Nos anos 50, escreveumais de 100 peças para o GrandeTeatro Tupi e, nas duas décadas se-guintes, criou e dirigiu programas quemarcaram época, como O Fino daBossa, Jovem Guarda, Essa Noite SeImprovisa e Família Trapo, todos daRede Record. Foi o primeiro diretordo Fantástico, da Rede Globo. Já es-creveu para as TVs mexicana, argen-tina, colombiana e americana. Comessa trajetória, seu domínio sobretodas as etapas da produção da TV éinquestionável. Em 2009 ele conse-guiu aumentar sua coleção de feitosna TV ao escalar, pela primeira vez,uma atriz negra para viver o papel deprotagonista no horário nobre da TVGlobo. Taís Araújo foi escolhida paraser a sua Helena de “Viver a Vida”.Segundo o autor, a cor da pele da atriznão pesou em sua decisão. Leia a se-guir a entrevista que ele concedeu àrevista Afirmativa Plural.

Afirmativa: O senhor é da geraçãode autores que participou da construção datelevisão brasileira. O que elege como umamudança fundamental na concepção de sefazer TV e, especificamente, novelas?

Manoel Carlos: Sem dúvida, osrecursos técnicos que temos hoje, enão tínhamos antes, mudaram signi-ficativamente a forma de se fazer te-levisão. Também acho que as nove-las ficaram mais críticas. As pessoasestão mais preocupadas em fazer ob-servações pertinentes à realidade so-cial do País. Com isso, a novela ficoumais responsável. Mas, mesmo comtodas essas mudanças, o que conti-nua garantindo a audiência, na mi-nha opinião, é uma boa história.

Afirmativa: Taís Araújo é a suaprimeira Helena negra. Por que só agorauma atriz negra como uma de suas Helenas?

Manoel Carlos: Não escolhi aTaís Araújo para viver a minha He-lena mais jovem porque ela é negra.Para mim, na verdade, não importa-va a cor da pele da atriz. Eu precisa-va de alguém que fosse talentosa, jo-vem, por volta dos 30 anos, e com

uma beleza internacional, a ponto depoder trabalhar em todo mundo,como é o caso das top models. Ela po-deria ser branca, negra ou nissei. Es-colhi a Taís porque admiro muitoseu trabalho e sempre quis escreverum papel para ela. Quando resolvifazer uma Helena mais jovem e desucesso em uma profissão, imedia-tamente me ocorreu que ela pode-ria ser modelo.

Afirmativa: Como está sendo o re-torno do público sobre a personagem?

Manoel Carlos: Apesar de nãoter sido uma escolha fundamentadana cor da pele, fico muito satisfeitocom o retorno que tem acontecido ecom a discussão que foi levantada. ATaís está impecável na defesa dessapersonagem.

Afirmativa: O senhor já disse váriasvezes que tem uma preocupação com a verossi-milhança ao criar suas histórias. No Brasil, amaioria da população negra ainda vive a ex-periência do racismo. Esse tema será aborda-do de uma forma mais contundente?

Manoel Carlos: Na sinopse deViver a Vida não estava indicado que

capa

Da redação

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Helena era negra, mas a partir domomento que ficou definido que opapel era de Taís, fiz questão de mos-trar o universo da personagem, decontar também a história de sua fa-mília. E com isso temos um núcleogrande, e importante na trama, depersonagens negros.

Afirmativa: O número de negros napopulação e a participação na construçãoda identidade do País é marcante e funda-mental. Contudo, o número de espaços, devisibilidade ocupados pelos negros está muitoaquém do que deveria.Qual sua análisesobre isso?

Manoel Carlos: Concordo quan-do diz que o espaço ocupado pelosnegros na TV – e em outras áreas –está muito aquém do que eles repre-sentam em um país como o Brasil. Averdade é que o preconceito existemesmo. Não é à toa que chamou aatenção da mídia o fato de a TV Glo-bo estar com três novelas no ar cujas

protagonistas são negras. O que de-veria ser natural em um País onde boaparte da população é formada pornegros acabou virando notícia. É im-portante ressaltar que temos excelen-tes atores negros que podem, e de-vem, ocupar papéis de destaque emnossas produções culturais, seja naTV, no cinema ou no teatro.

Manoel Carlos

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A verdade é que

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protagonistas

são negras.

”Manoel Carlos

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consciência negra

Há quem diga que os númerosguardam segredos cabalísticos. Enão deve ser por acaso que o núme-ro nove foi marcante para a votaçãodo Estatuto da Igualdade Racial.Como em quase todas as crenças, eleestá associado ao término de um ci-clo e início de outro superior. O al-garismo vem marcar o bom pressá-gio para o Estatuto.

No dia nove, do nono mês do ano(setembro), de 2009, depois de noveanos, foi dado o passo decisivo para atransformação do destino da popula-ção negra brasileira. Aprovado na Câ-mara dos Deputados, na Capital Fe-deral, o documento promete transfor-mar a vida da sociedade no Brasil,como o número nove bem determi-na. Em discussão desde 2000, o do-cumento foi criado a partir de reivin-dicações do movimento negro brasi-leiro e traz em seu conteúdo todos os

Por Eliane Almeida, da redação

desiguaisos

pautaem

desejos e propostas de igualdade decondições para os afrodescendentes.Na época, o então deputado federalPaulo Paim (PT/RS) encampou a ba-talha e partiu para a ação com as exi-gências como bandeira de luta. Em2004, o Estatuto foi para a CâmaraFederal onde não foi aprovado.

Atualmente, o mesmo PauloPaim, só que agora senador, não de-siste da luta. Chama a sociedade àconsciência. Em videoconferênciarealizada na primeira quinzena deoutubro nas sedes do Serviço Fede-ral de Processamento de Dados(SERPRO) em todo o Brasil, o sena-dor fez o chamado. “A participaçãoda sociedade civil organizada é impor-tantíssima para a aprovação do Esta-tuto no senado”, disse o senador.

O Ministro Edson Santos, da Se-cretaria Especial de Políticas Públicaspara Igualdade Racial (SEPPIR), fa-

lou, na mesma conferência, sobre opapel da SEPPIR. “Nosso papel é dearticulação política e não de mobili-zação social. Portanto, a participaçãoda sociedade é fundamental nestemomento para sensibilizar Senado eopinião pública na aprovação defini-tiva do Estatuto da Igualdade Racial”.

De acordo com José Vicente, rei-tor da Faculdade Zumbi dos Palma-res e presidente da ONG Afrobras,a proposta original do Estatuto daIgualdade Racial trazia medidas prá-ticas e determinava ações objetivas.

Com a nova redação o documen-to passa a privilegiar as medidas pro-gramáticas, o que é um aspecto ne-gativo, na medida em que não há umaregulamentação ou determinação decomo essas normas programáticasserão operacionalizadas.

Entretanto, a aprovação do Es-tatuto também tem um aspecto po-

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sitivo, pois dá um suporte legal paraa questão da desigualdade a partir daperspectiva racial. A partir de agoraas organizações sociais terão um su-porte legal para exigir políticas pú-blicas sob o prisma racial e os gover-nos terão uma segurança jurídica mai-or para amparar a adoção de açõesvoltadas para a população negra”, ar-gumenta ele.

O EstatutoCom quase dez anos de existên-

cia, a discussão sobre a igualdadedos desiguais vai chegando a umconsenso. O Projeto de Lei 6264/2005, do Senado Federal e aprova-do, com alterações consideráveis,pela Câmara de Deputados institui

um conjunto de mecanismos legaispara organizar e articular ações vol-tadas à implementação das políticase serviços destinados a superar asdesigualdades étnico-raciais existen-tes no País, o Sistema Nacional dePromoção da Igualdade Racial(SINAPIR).

O Estatuto prevê fontes de fi-nanciamento, dos orçamentos anu-ais da União, para a implementaçãode ações afirmativas para o enfren-tamento das desigualdades raciais eétnicas nas áreas de educação, cul-tura, esporte, lazer e saúde, traba-lho, meios de comunicação de mas-sa, moradia, acesso à terra, seguran-ça, acesso à justiça, financiamentospúblicos, entre outras coisas.

Discussões Políticas

O Estatuto da Igualdade Racialpassou por muitas alterações paraque fosse aceito pela Câmara deDeputados Federais. Os embatesmais rigorosos giravam em tornodas discussões sobre o sistema decotas nas universidades públicas esobre a questão da titulação de ter-ras para as comunidades remanes-centes de quilombos.

O Movimento Negro criticou anova formatação e alteração das pro-postas originais do documento, mas,de qualquer maneira, acredita-se queapesar dos pesares, a votação do Es-tatuto representa um avanço. Deacordo com o ministro Edson San-

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tos, o Estatuto ressalta a tese de quenão há igualdade racial no Brasil. Se-gundo ele, no caso das cotas nas uni-versidades, o tema ficou de fora por-que está sendo analisado em projetoseparado que tramita no Senado.

“O Estatuto é o reconhecimen-to do Estado brasileiro em relação àsdesigualdades raciais e é a criação deum instrumento que garante inclu-são. É uma vitória daqueles que de-fendem a tese de que nem todos sãoiguais e que há obrigação do Estadobrasileiro com aqueles que estão ex-cluídos de oportunidades no nossoPaís”, afirma o ministro.

Autor da proposta que cria o es-tatuto, o senador Paulo Paim (PT-RS)diz que o ideal teria sido aprovar oprojeto “do jeito que saiu do Sena-do”, com cotas para negro na mídiae definições sobre a população qui-lombola. “Temos que entender quena correlação de forças da Câmara,foi o possível. (...) Tem muitas ques-tões importantes. Vamos dando pas-sos, foi uma vitória parcial.”

Ele afirmou que a expectativa éque o texto seja aprovado com facili-dade no Senado. “O estatuto saiu doSenado muito mais contundente evolta em linha de mais consenso. Porisso, não vejo muita dificuldade.”, dizo senador.

A questão latifundiária foi um dosgrandes entraves para a aprovação doestatuto. Somente após um acordocom a bancada ruralista é que o do-cumento pode ser encaminhado. Oargumento utilizado para a supressãodo artigo foi o de que já está previs-to na Constituição o direito à terraaos quilombolas, por isso não serianecessária uma nova proposta.

O deputado federal Vicente Pau-

lo da Silva – Vicentinho (PT/SP) dizque o estatuto não é o desejado, masque o importante foi o salto dado nadiscussão. “O estatuto delineia os ca-minhos que queremos seguir e a ma-neira como desejamos que sejam tra-tados em todas as circunstâncias. Aquestão do preconceito é tão forteque não deixa de contaminar o Con-gresso. Este é o debate que fazemosna comissão” desabafa o deputado.

Vicentinho alerta que após aaprovação no Senado temos que fi-car vigilantes para que o estatuto sejacolocado em prática. “Agora só de-pende de nós. Vamos buscar de fatoa vitória. Já temos o compromissodo Estado com o combate ao racis-mo e estabelecimento de políticaspúblicas. Temos, agora, que exigir aimplementação”, conclui.

A também deputada federalJanete Pietá (PT/SP) lamenta as al-terações, mas destaca que houveavanço na discussão. “Temos que re-ver nossa história. Negros sempreforam vistos de forma negativa. É umprocesso em construção. A grandeconquista foi transformar a políticado movimento social em política deEstado. Só depende do empenho,persistência e tenacidade dos parla-mentares negros. A lei em si nãoconstitui em nada se não for implan-tada. A participação da população éfundamental”, diz Janete.

Principais pontos doEstatuto

O ministro Edson Santos apontaas principais mudanças feitas no do-cumento original:

!Educação e inclusão social

De acordo com o ministro, a edu-cação é o principal instrumento de

inclusão e mobilidade social. A me-lhoria da educação pública vai propi-ciar que jovens negros e pobres pos-sam se qualificar para ingressar nomercado de trabalho. “Temos tambémo objetivo de oferecer oportunidadespara aqueles que, hoje já almejam che-gar à universidade, fazer um curso téc-nico no Brasil. Daí a instituição depolíticas afirmativas nas universidadespúblicas e nas escolas técnicas fede-rais. O Brasil só se transformará emuma grande nação na medida em quetenhamos um sistema de educaçãopública eficiente”, afirma.

! Regulamentação depolíticas públicas“O Estatuto cria diretrizes para

o Estado atuar no âmbito da promo-ção da igualdade racial e consolidatoda uma legislação voltada para essefim. Então, ele trata da área de saú-de, educação, trabalho, moradia, ju-ventude, participação política e aces-so à terra. São vários temas da nossavida que o estatuto aponta diretrizespara atuarmos em prol da populaçãonegra brasileira”. Ele diz ainda que oPlano Nacional de Promoção daIgualdade Racial, decretado pelo pre-sidente da República em julho desseano, é um plano pactuado por váriosórgãos do nosso governo e estabele-ce políticas públicas voltadas à po-pulação negra. “Tem a questão dasaúde, que contempla principalmen-te as mulheres negras. O estatuto nãoé a solução para todos os problemas.Ele aponta um caminho para que su-peremos as desigualdades raciais noBrasil. Ele transforma essas políticasde promoção da igualdade racial empolíticas de Estado. Na medida emque se transforma em lei, ele terá queser observado por essa e por futuras

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administrações no Brasil. Então, eudiria que é um ponto de partida paraque possamos desenvolver políticasvoltadas à promoção da igualdade ra-cial. Seria muita pretensão da nossaparte dizer que, votado e sancionadoo estatuto, todos os problemas dasrelações raciais no Brasil estariamresolvidos”, diz Edson Santos.

!Comunidades quilombolasUm dos temas mais controverso foi

a discussão em torno do direito à terrados quilombolas. “O governo vaipriorizar o atendimento às comunida-des remanescentes de quilombo, prin-cipalmente no que se refere o acesso àregularização fundiária e à educação,com escolas. Há um planejamento de,até 2011, construir cerca de 110 esco-las em comunidades quilombolas. “Ascomunidades de quilombo fazem jus auma série de políticas públicas, que vaida regularização fundiária, do acesso àenergia elétrica, ao saneamento básico,à moradia, à educação e à saúde. O go-verno federal tem o recurso, mas é fun-damental que o estado ou o municípioentre com o projeto, até como formade contrapartida desses entes na açãojunto com o governo federal”.

!Comunidades religiosas

Sobre as religiões de matriz afri-cana o ministro diz que estão sendodesenvolvidos censos para saberquantos são, como vivem e quais sãoas expectativas deste segmento da po-pulação para que se possa construircom políticas públicas específicas.Mas, em função da perseguição eagressão que historicamente as reli-giões de matrizes africanas - o Can-domblé e a Umbanda - sofreram noBrasil, temos desenvolvido tambémtodo um plano de apoio e proteção.

!Cotas“A população negra, que será mai-

oria no Brasil a partir do próximo cen-so, segundo indicadores do próprioIBGE, encontra-se na base da pirâ-mide social brasileira. Isso é umadistorção que é ruim para nosso País,que tem a segunda maior populaçãonegra no mundo que não tem repre-sentação diplomática, à frente de em-presas e até de governos negros. Seriaincorreto termos apenas políticas quecombatam as desigualdades raciais,assim como seria incorreto enxergar-

mos que o problema do Brasil é ape-nas social. São as duas coisas. Temosque dar um recorte racial nessas polí-ticas, mostrando que o Brasil não éessa democracia racial que foi afirma-da durante grande parte da nossa Re-pública. Esse é um fato que o Estadotem que resgatar. Foram 350 anos detrabalho escravo. Estamos há 121 anosda abolição da escravidão e esse trau-ma ainda permanece com a popula-ção negra colocada em uma situaçãoainda marginal no processo econômi-co de nosso País”.

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A lei que decretou a extinção daescravidão no Brasil foi importante,mas ficou faltando à abolição a for-mulação de políticas públicas que re-vertessem os efeitos deletérios doregime escravista. Não se ofereceueducação, acesso a terra ou condiçõesde inserção no mercado de trabalho.

Assim, construíram-se as desi-gualdades raciais por um lado e poroutro todo um conjunto de imagensnegativas e estereótipos que afetaramprofundamente a vida dos afro-bra-sileiros. Por isso, acumulou-se umaenorme dívida com os afro-brasilei-ros que é um dos grupos historica-mente excluído de nossa sociedade.

A maneira de corrigir esse qua-dro é a adoção de políticas públicasde promoção da igualdade que criemuma sociedade na qual a igualdade deoportunidade seja uma realidade.Sem dúvida, essa foi uma das princi-pais motivações das pessoas e orga-nizações da sociedade civil que se

mobilizaram para aprovar, 121 anosdepois da abolição incompleta, oEstatuto da Igualdade Racial (Proje-to de Lei 6264 de 2005) de autoriado senador Paulo Paim (PT-RS).

É importante destacar que o Ar-tigo 1º do Estatuto deixa claro queele destina-se a garantir à populaçãonegra a efetivação da igualdade deoportunidades e a defesa dos direi-tos étnico-raciais individuais, coleti-vos e difusos, além de combater adiscriminação e as demais formas deintolerância étnico-racial.

O Estatuto também define o queé a população negra no seu parágra-fo único – inciso IV. “População ne-gra: o conjunto de pessoas que seautodeclaram pretas e pardas, confor-me o quesito cor ou raça usado peloIBGE”. Já no seu Artigo 2º, estabe-lece que: “É dever do Estado e dasociedade garantir a igualdade deoportunidade, reconhecendo a todocidadão brasileiro, independentemen-

te de etnia, raça ou cor da pele, o di-reito a participação na comunidade,especialmente nas atividades políti-cas, econômicas, empresariais, edu-cacionais, culturais e desportivas, de-fendendo sua dignidade e seus valo-res religiosos e culturais”.

A lei aprovada ainda tem uma dí-vida com os quilombolas. Essa dívi-da também se estende aos artistasnegros (as) por não exigir cotas de-finidas nos meios de comunicaçãobrasileiros.

Obviamente, não há unanimida-de na sociedade brasileira quanto atodas as possíveis medidas de açãoafirmativa. Essas divergências esti-veram presentes todo o tempo noprocesso de discussão do Estatuto.Assim, nem tudo foi obtido no Es-tatuto que temos hoje, de fato, mui-to há a ser conquistado. Entretan-to, um primeiro e importante pas-so foi dado.*deputada Federal (PT/SP)

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na construção da igualdade racial

Por Janete Pietá

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Janete Pietá

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Na constituição de 1988 adotou-se pela primeira vez, um preâmbulo– o que é sintomático, sinalizandouma nova direção, uma mudança depostura -, após o que a Lei Maior éaberta com o artigo que lhe eviden-cia o alcance: constam como funda-mentos da República Brasileira a ci-dadania e a dignidade da pessoa hu-mana. Do artigo 3º vem-nos luz su-ficiente ao agasalho de uma ação afir-mativa, à percepção de que o únicomodo de se corrigir desigualdades ácolocar o peso da lei, com a impera-tividade que ela deve ter em um mer-cado desequilibrado, a favor daqueleque é discriminado, que é tratado deforma desigual. Nesse preceito sãoconsiderados como objetivos funda-mentais de nossa República: primei-

ro, construir – preste-se atenção aesse verbo – uma ansiedade livre, jus-ta e solidária, segundo, garantir o de-senvolvimento nacional – novamen-te temos aqui o verbo a conduzir nãoa uma atitude simplesmente estática,mas a uma posição ativa; erradicar apobreza, a marginalização e reduziras desigualdades sociais e regionais;e, por ultimo, no que nos interessa,promover o bem de todos, sem pre-conceitos de origem, raça, sexo, cor,idade e quaisquer outras formas dediscriminação. Pode-se afirmar semreceio de equivoco, que se passou deuma igualização estática, meramentenegativa, no que se proibia a discri-minação, para uma igualização eficaz,dinâmica, já que os verbos, “cons-truir”, “garantir”, “erradicar” e “pro-

mover” implica, em si, mudança deóptica, ao denotar “ação”. Não bas-ta não discriminar. É preciso viabili-zar – e encontramos na Carta da Re-pública, base para fazê-lo – as mes-mas oportunidades. Há de ter-secomo página virada o sistema sim-plesmente principiológico. A postu-ra deve ser, acima de tudo, afirmati-va. E é necessário que seja a posiçãoadotada pelos nossos legisladores. Ofim almejado por esses dois artigosda Carta Federal é a transformaçãosocial, com o objetivo de erradicar apobreza, que é uma das maneiras dediscriminação, visando-se, acima detudo, ao bem de todos, e não apenasdaqueles nascidos em berço de ouro.

No campo dos direitos e garanti-as fundamentais, deu-se ênfase maior

PorMarco Aurélio Mendes de Farias Mello*

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Marco Aurélio Mendes de Farias Mello

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Cidadania nãocombina comdesigualdade.República nãocombina compreconceito.Democracia nãocombina comdiscriminação.

a igualização ao prever-se, na cabeçado artigo 5º, que todos são iguais pe-rante a lei, sem distinção de qualquernatureza, assegurando-se aos brasi-leiros e estrangeiros residentes nopaís a inviolabilidade do direito à vida,à liberdade, à igualdade, à segurançae à propriedade. Seguem-se setenta esete incisos, cabendo destacar o XLI,segundo o qual “a lei punirá qualquerdiscriminação atentatória dos direi-tos e liberdades fundamentais”; oinciso XLII, a prever que “a práticado racismo constitui crime inafian-çável e imprescritível, sujeito a penade reclusão, nos termos da lei”. Veja-se que nem a passagem do tempo,nem o valor “segurança jurídica”,estabilidade nas relações jurídicas,suplantam a ênfase dada pelo nossolegislador constituinte de 1988 a essecrime odioso, que é o crime racial.Mais ainda: de acordo com o § 1º doartigo 5º, “as normas definidoras dosdireitos e garantias fundamentais têmaplicação imediata”. Em relação aosdireitos e às garantias individuais, aCarta de 1988, tornou-se desde quepromulgada, auto-aplicável, cabendoaos responsáveis pela supremacia doDiploma Máximo do País buscar mei-os para torná-lo efetivo. Consoante o§ 2º desse mesmo artigo, os direitos egarantias expressos na Constituiçãonão excluem outros decorrentes do re-gime e dos princípios por ela adota-dos, e aqui passou-se a contar com osdenominados direitos e garantias im-plícitos ou insertos nos tratados in-ternacionais em que a República Fe-derativa do Brasil seja parte.

A Lei nº 7.716/89, de autoria doDeputado Carlos Alberto Caó, veiocapitular determinados procedimen-tos, à margem da Carta Federal, comocrime. Deveriam ter sido previstas,além da pena de prisão, também pe-nas de multa em valores elevados. Éo caso de perguntarmos: o que falta,

então, para afastarmos do cenário asdiscriminações, as exclusões hojenotadas? Urge uma mudança cultu-ral, uma conscientização maior porparte dos brasileiros; falta a percep-ção de que não se pode falar emConstituição federal sem levar emconta, acima de tudo, a igualdade.

Todas as estatísticas comprovamo desequilíbrio social existente noBrasil, recaindo sobre a populaçãonegra grande parte dos ônus

advindos da péssima distribuição derenda que tanto nos envergonha. Ospiores indicadores alusivos ao anal-fabetismo, ao desemprego, renda,expectativa de vida, habitação, mor-talidade, violência urbana retratammuito bem o que e como vem a ser adiscriminação racial no Brasil.

Tudo acontece de forma muitosutil. A prática comprova que, dian-te de currículos idênticos, prefere-se a arregimentação do branco e que,sendo discutida uma relação locatí-cia, dá-se preferência – em que peseà igualdade de situações, a não serpela cor – aos brancos. Nas lojas deprodutos sofisticados, raros são osnegros que se colocam como ven-dedores, o que se diria como geren-tes. Em restaurantes, serviços que

impliquem contato direto com o clien-te geralmente não são feitos por ne-gros. Mais ainda, existem locais emque há a presença maior de negros, aatuarem, no entanto, como: manobris-ta, leão-de-chácara, etc. Há exceçõesno Brasil. Já contamos, felizmente,com algumas grandes empresas queprocuram equilibrar essa equação;uma delas começou com a políticaem 1970, mas mesmo assim, atéaqui, só conseguiu compor o qua-dro funcional com 10% de negros.Iniciativas semelhantes servem paraescancarar o problema, para abrirnossos olhos a esse impiedoso tra-tamento que resulta, passo a passo,em uma discriminação inaceitável.

Cidadania não combina com de-sigualdade. República não combinacom preconceito. Democracia nãocombina com discriminação. E, noentanto, no Brasil que se diz que-rer republicanos e democráticos, ocidadão ainda é uma elite, pela mul-tiplicidade de preconceitos que sub-sistem, mesmo sob o manto fácildo silêncio branco com os negros,da palavra gentil com as mulheres,da esmola superior com os pobres,da frase lida para os analfabetos...

Nesse cenário sócio-político eeconômico, não seria verdadeira-mente democrática a leitura super-ficial e preconceituosa da Constitui-ção, nem seria verdadeiramente ci-dadão o leitor que não lhe rebuscas-se a alma, apregoando o discursofácil dos igualados superiormenteem nossa história feita pelas mãoscalejadas dos discriminados. É pre-ciso ter sempre presentes essas pa-lavras. A correção das desigualdadesé possível, mas é preciso que faça-mos o que está ao nosso alcance, oque está previsto na ConstituiçãoFederal. Mãos à obra. Todos. Quemganha é o Brasil.

*ministro do Supremo Tribunal Federal

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Infelizmente, neste limiar do sé-culo XXI, ouvem-se ainda vozescorrentes, no País, a dizer que bra-sileiros brancos, pardos, mulatos enegros nascem desiguais e desiguaisserão para sempre, considerando-segrau de inteligência, capacitação pro-fissional e condição de saúde, entreoutros itens.

Vozes desprezíveis e que trazem,entre seus muitos conceitos, a idéiaesdrúxula de que os Estados Unidos,

por exemplo, são mais avançados doque o Brasil porque, a bordo doMayflower, marco de sua história, via-javam imigrantes anglo-saxões, deraça superior.

Quanta pobreza de interpretação,imaginada apenas para amesquinharo papel do negro na formação da raçabrasileira, e, sobretudo, quanto pri-marismo supostamente científico ouantropológico para explicar eventualsuperioridade ou inferioridade de

uma sociedade sobre outra!Pior é que esse pauperismo – para

dizer o mínimo – vem de muito lon-ge. Veja-se que, já em 1897, o entãoministro da Indústria – e depois daFazenda - Joaquim Murtinho, em cé-lebre documento, advertia o gover-no que o Brasil não se industrializa-ria como os Estados Unidos por lhefaltar as “aptidões superiores da raçaamericana”!

O mais incompreensível nesse

Por Miguel Jorge*

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Miguel Jorge

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Numa sociedadejusta, porexemplo, as leistêm que seraplicáveis aosbrancos e aosnegros, assimcomo aos ricos eaos pobres.

*ministro de Desenvolvimento, Indústria eComércio Exterior

tipo de colocação racista e vergonho-sa, que ainda alimenta nossos precon-ceitos, é o fechar de olhos para umarealidade que nos mostra, diariamen-te, em todo o mundo, que povos detodas as raças – independentementedo meio físico, das condições climá-ticas, da situação geográfica etc. –podem criar desenvolvimento comjustiça social.

Para isso, basta que descubramseus próprios caminhos, o que nãoaconteceu aqui (exceto esporadica-mente), porque o Estado brasileiro eparte da sociedade civil, especialmen-te as chamadas elites – mas num pro-cesso que também permeia boa par-te de nossa classe média – tentam nosinstilar o conceito de que temos umademocracia racial, enquanto negamao negro crescimento e bem-estar.

Grosso modo, talvez isso decor-ra de nossa maneira de ser sempreanti-qualquer coisa, e no mínimo,anti-alguma coisa – ou, dizia o velhohumorista e jornalista carioca DomJosé Cavaca, de sermos “um povosem preconceitos, exceto contra ne-gros, judeus, divorciados, estrangei-ros e muçulmanos”.

Nesse contexto, teremos que rea-prender dia após dia, não apenas comcarnaval e futebol, mas principalmen-te no nosso emocional, que aos brasi-leiros de todas as raças – e não só aosnegros, pardos, mulatos, cafuzos emamelucos – devemos a “culpa” denossos avanços e fracassos.

É o que a sociedade brasileira vemprocurando fazer – inclusive os res-ponsáveis pela revista Afirmativa – aonos obrigarmos a reconhecer que,apesar de os preconceitos raciais te-rem sido bastante atenuados no País,e de admitirmos que, um dia, possamvir a desaparecer, ainda há um longo

caminho a percorrer para o resgatedesse passivo social e psicológico.

Em relação às instituições do Es-tado brasileiro, e a um governo que sediz popular sem ser populista, o mo-mento é oportuno para se ordenarações e programas que contribuampara a inserção dos negros marginali-zados na cidadania. Numa sociedadejusta, por exemplo, as leis têm que seraplicáveis aos brancos e aos negros,assim como aos ricos e aos pobres. Isso,infelizmente para toda nossa socieda-de, e na imensa maioria dos casos, ain-da não ocorre neste País. Basta ver oschoques de classe social que se esprai-am pelos tribunais de todos os tipos,favorecendo os brancos, especialmen-te se tiverem recursos para pagar ad-vogados, em detrimento desses últimos.

Da mesma forma, para que uma

sociedade digna reduza a desigualda-de social, é necessário que seu merca-do de trabalho, de bens de produção,de serviços etc., seja aberto a todos oscidadãos, brancos, negros, mulatos oude qualquer outra cor, raça, procedên-cia e crenças religiosas e políticas.

Contudo, o que ocorre entre nósé que os negros, mesmo os mais ins-

truídos, precisam fazer verdadeirosmalabarismos para burlar as portasque lhes são vedadas por preconcei-tos culturais e sociais – em capitaisde população de esmagadora maio-ria negra, parda e mulata, como Sal-vador, de 81,8% dessas cores de pele,apenas 10,3% deles ocupam cargosde chefia em empresas. No caso dosnão negros, esse número é de 29,6%,mais de três vezes maior.

Chame-se isso do que quiser – dediscriminação, de preconceito ou deracismo. Mas o fato é que salta à men-te de qualquer um que esse tipo deproblema ainda desafia o Brasil mis-cigenado e pluralista, cuja sociedadejá deveria estar totalmente madurapara se libertar dos seus conflitos ese orgulhar da própria identidade.

É inegável que se compreendaainda existirem grandes diferenças declasse e de condições entre os gru-pos sociais, entre muitos outros pro-blemas oriundos de nossa formaçãohistórica. Mas o que não podemos écontinuar aceitando, especialmentecom a passividade que temos de-monstrado – que eles continuemessa tendência de se eternizar.

E é isso, exatamente, o que acon-tecerá – ou se aprofundará – se cadabrasileiro não se dispuser a enfrentaressa questão cada vez mais canden-te, nos seus aspectos emocionais epráticos. Mesmo num mundo de de-sigualdades sociais e econômicas, noqual sempre haverá pessoas mais ap-tas e pessoas menos aptas, não háqualquer desculpa para que cada umde nós e todos os brasileiros não lu-tem contra essas desigualdades, so-bretudo quando a ela se associamfatores raciais.

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Zumbi. Há quem diga que Zum-bi quer dizer morto vivo. Há quemdiga que significa Deus da Guerra.Existem historiadores que acreditamna origem da palavra do angolanoN’Zambiapongo, N’Zambi e N’Zumbi, todas significando Deus.

Mas no Brasil, Zumbi é nome deguerreiro, de lutador, sinônimo de li-berdade. Dia 20 de novembro, dia doassassinato de Zumbi, foi transforma-do em Dia Nacional da ConsciênciaNegra pelo Movimento Negro Uni-ficado, em 1978.

Zumbi foi o mais importante lí-der do Quilombo de Palmares. Fun-dado em 1597 por cerca de 40 escra-vos revoltos vindos de engenhos per-nambucanos, localizava-se na Serrada Barriga entre os estados de Ala-goas e Pernambuco. Nos seus tem-pos áureos chegou a ser formado porvários mocambos e povoado por ne-gros escravos, índios, brancos degre-dados, excluídos da sociedade.

consciência negra

Da redação

Zumbi nasceu em Palmares e foraraptado ainda bebê. Entregue ao pa-dre Antônio Melo como presente, foicriado como filho e batizado Fran-cisco. O menino cresceu forte e inte-ligente aprendeu a ler e escrever. Es-tudou latim e fez estudos bíblicos tor-nando-se coroinha. Aos 15 anos, re-voltado com a situação dos seus ir-mãos de cor, resolveu voltar a Pal-mares. Lançou-se na aventura de umacaminhada de cerca de 100 km. Láchegando, foi recebido por uma fa-mília que o chamou Zumbi.

A República Palmarina era coman-dada por Ganga Zumba, tio de Zum-bi. Com a invasão holandesa, em 1630,os senhores de engenho ficaram teme-rosos e vários abandonaram suas ter-ras deixando para trás seus escravos.Estes, vendo-se livres, refugiavam-seno quilombo. Em pouco tempo, Pal-mares era mais populoso que a vila.Estima-se que a população de Palma-res tenha chegado a 30 mil pessoas.

Palmares passou a incomodarmuito os invasores holandeses. Inco-modavam também os senhores e omedo crescia. Para se livrarem do qui-lombo uniram-se habitantes, holande-ses e senhores e resolveram contratarDomingos Jorge Velho, o Bandeiran-te, para acabar com a fortaleza.

Durante cinco anos Jorge Velhoatacou Palmares sem sucesso. Até queem 20 de novembro de 1695, Zumbié assassinado. O rei dos quilombolasteve sua cabeça cortada e exposta empraça pública até se decompor total-mente. A luta de Zumbi não se per-deu no tempo. Sua morte serviu, e ain-da serve como exemplo de luta. A in-dignação pela situação do negro emterras brasileiras se reflete nas açõesde entidades do Movimento Negroque vêm de há muito tempo reivindi-cando melhores condições de vida aopovo negro. Em 1995, para homena-gear o líder negro, acontece, emBrasília a primeira Marcha Zumbi, que

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reuniu cerca de 30 mil pessoas de todoo Brasil. Foi o chamamento do povonegro para uma ação efetiva.

Construindo o “Dia daConsciência Negra”

Tal qual Zumbi ao deixar o abri-go do padre para voltar às suas ori-gens em Palmares, fez o negro brasi-leiro organizando-se em busca de umauto-reconhecimento em sua cultu-ra. Mirando-se no exemplo do negronorte-americano que partia do prin-cípio que a cor da pele era motivo deorgulho e sabedores de suas origensafricanas, o negro brasileiro só tinhaem sua memória a vergonha da es-cravidão e as manifestações culturaispor ele cultivadas.

De acordo com Ivair Santos, emsua obra “O Movimento Negro e oEstado” (2006), “é preciso reconhe-cer que, mesmo na ausência forçadade uma comunidade negra organiza-da, existia um sentimento [...] de iden-

tidade negra”. Ele diz ainda que essesentimento criou algumas alternativascomo a expansão das organizaçõesque se mantiveram apesar da abolição,como as irmandades religiosas negras,como a Irmandade de Nossa Senho-ra do Rosário dos Homens Pretos queoferecia aos seus membros tratamen-to de saúde, empréstimos e pensões.Outras, formadas por negros muitopobres, reuniam-se para ouvir músi-ca, dançar e conversar.

A década de 1920 foi decisivapara o posicionamento do povo ne-gro. Mantidos à força fora das dis-cussões políticas do país, resolveu-secriar muitas associações recreativas euma imprensa negra ativa, que pro-duzia jornais que circulavam em SãoPaulo e interior.

Essa imprensa foi diversas vezesreprimida e perseguida. Mas a vonta-de de mudança era maior. No EstadoNovo, período entre 1945 e 1963, oMovimento Negro foi desarticulado,

mas não morto. Alguns intelectuaisnegros organizaram um manifesto,em 11 de novembro de 1945, para aConvenção Nacional do Negro exi-gindo a efetivação dos direitos donegro como cidadãos brasileiros.

Buscando os exemplos do passa-do, o Movimento Negro muda de es-tratégia e usa o direito à educaçãocomo mote. Em 1950, Abdias doNascimento, na Convenção Nacionaldo Negro, onde atuou como presi-dente reivindicou, entre outras coi-sas, uma legislação antidiscriminató-ria. Após rejeição sem argumentosem 1950, em 1951, o congresso apro-vou a lei reapresentada pelo deputa-do Afonso Arinos.

Ainda na década de 1950, a reali-dade do negro passa a ser observadapor pesquisadores e sociólogos. Foigraças a uma iniciativa da UNESCOque figuras como Roger Bastide,Florestan Fernandes, Oracy Noguei-ra, Virgínia Leone, Octávio Ianni e

Vista do Parque Memorial Quilombo dos Palmares

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Fernando Henrique Cardoso, entreoutros, realizam trabalhos que setornam referências para a sociolo-gia brasileira. Resultado da pesqui-sa: brasileiro tem preconceito de terpreconceito. Não se nega a existên-cia do racismo, mas não se assume apostura racista.

As décadas de 1960 e 1970 sãomarcadas pela ideologia do embran-quecimento que se fortalece com achegada cada vez maior de imigran-tes europeus.

Tanto 13 de maio, data da Aboli-ção da Escravatura, quanto o dia 20de novembro, dia do assassinato deZumbi dos Palmares, passaram a cons-tar na agenda do movimento negrocomo datas de reflexão e protesto.Diferente do 20 de novembro, o 13de maio perdeu força em nossa so-ciedade devido a memória históricavencedora: a que atribuiu a aboliçãoà atitude exclusiva da princesa Isa-bel, aparentemente paternalista e ge-

texto “Ações afirmativas e políticas deafirmação do negro no Brasil”, a trans-formação da democracia social deideário político em mito e em ideolo-gia e, portanto, em expediente deilusionismo social vai se dar, de manei-ra consistente, a partir dos anos 1970e, talvez, um dos fatos mais importan-tes dessa nova tendência e postura sejaa fundação em 1978, em São Paulo, doMovimento Negro Unificado.

Em 1988, no ano do centenárioda Abolição da Escravatura, foi pro-mulgada a nova Constituição da Re-pública Federativa do Brasil. Nela, porconta das lutas pelos direitos civis dosnegros, ficou consagrado, no TítuloII - Dos direitos e garantias fundamen-tais -, Capítulo I - Dos direitos e de-veres individuais e coletivos -, Artigo5º - Todos são iguais perante a lei, semdistinção de qualquer natureza, garan-tindo-se aos brasileiros e aos estran-geiros residentes no País a inviolabili-dade do direito à vida, à liberdade, à

nerosa. Pesquisas recentes têm re-cuperado a atuação de escravos, liber-tos, intelectuais e jornalistas negros emestiços para o 13 de maio, mostran-do como este não se resumiu a umdecreto, uma lei ou uma dádiva.

Há 37 anos, o poeta gaúcho Oli-veira Silveira sugeria ao seu grupo queo 20 de novembro fosse comemora-do como o “Dia Nacional da Cons-ciência Negra”, pois era mais signifi-cativo para a comunidade negra bra-sileira do que o 13 de maio. Em 1971,o 20 de novembro foi celebrado pelaprimeira vez.

O ano de 1978 foi decisivo para oMovimento Negro. Na busca pelo re-conhecimento e pela valorização desua negritude, de sua cultura e de suasorigens, o negro brasileiro parte paraum auto-reconhecimento. Estimula-do pelo movimento negro norte ame-ricano, passa a vislumbrar um mun-do de uma maneira mais otimista.

De acordo com Carlos Vogt em seu

Palacio Zumbi

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igualdade, à segurança e à proprieda-de, nos termos seguintes:

Artigo XLII - a prática do racis-mo constitui crime inafiançável eimprescritível, sujeito à pena de re-clusão, nos termos da lei.

O passo seguinte seria o das açõesafirmativas, cujo modelo podia serbuscado nos EUA dos anos 1960, e,mais recentemente, no governo deNelson Mandela, na África do Sul.

Ações afirmativas napauta nacional:Quilombos no Brasil

A nova Constituição deu visibili-dades às comunidades remanescen-tes de quilombo que muitos acredi-tavam estar extintas após a abolição.Atualmente, estima-se a existência demais de 2 mil comunidades remanes-centes de quilombo. Mas, o númerogira em torno de 1 mil comunidades,em dados oficiais.

Em 1988, o então senador da Re-

pública Abdias do Nascimento colo-ca a discussão na pauta do Congres-so Nacional e institui: Art. 68. Aosremanescentes das comunidades dosquilombos que estejam ocupandosuas terras é reconhecida a proprie-dade definitiva, devendo o Estadoemitir-lhes os títulos respectivos.

Mas, para conseguirem titularsuas terras era preciso que laudos an-tropológicos fossem feitos e que a as-cendência escrava fosse confirmada.

Antropólogos iniciaram um tra-balho no Vale do Ribeira. A primeiraprovidência foi dar um novo sentidoao termo quilombo. Em 1740, repor-tando-se ao rei de Portugal, o Con-selho Ultramarino valeu-se da seguin-te definição de quilombo: “toda ha-bitação de negros fugidos, que pas-sem de cinco, em parte despovoada,ainda que não tenham ranchos levan-tados e nem se achem pilões nele”.

De acordo com as antropólogasAlessandra Schmitt, Maria Cecília

Manzoli Turatti, Maria Celina Perei-ra de Carvalho em relatório para oITESP entitulado “A atualização doconceito de quilombo: identidade eterritório nas definições teóricas”esta caracterização descritiva perpe-tuou-se como definição clássica doconceito em questão e influenciouuma geração de estudiosos da temá-tica quilombola até meados dos anos1970, como Artur Ramos (1953) eEdson Carneiro (1957).

De acordo com Associação Bra-sileira de Antropologia, hoje o sig-nificado de comunidade quilombo-la é explicado como “a situação pre-sente dos segmentos negros em di-ferentes regiões e contextos e é uti-lizado para designar um legado, umaherança cultural e material que lheconfere uma referência presencialno sentimento de ser e pertencer aum lugar específico”.

Vista da Serra da Barriga

Fotos: Maíra Villela

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Em 1888, quando a Lei Áurea ba-niu legalmente do país a vergonha dosistema escravocrata, Joaquim Nabu-co, um dos abolicionistas mais enga-jados, profetizou que o Brasil levariaum século para livrar-se da desigual-dade entre os ex-escravos e os demaiscidadãos. Embora tenha acertado nodiagnóstico, Nabuco errou no prazo.Hoje, 121 anos após a Abolição, ne-gros e negras continuam sub-repre-sentados nos espaços de poder e noambiente acadêmico, ocupando asfunções menos qualificadas no mer-cado de trabalho, sem acesso às ter-ras ancestralmente ocupadas no cam-po, e na condição de maiores agentese vítimas da violência nas periferias dasgrandes cidades.

São muitas as razões que impos-sibilitaram a ascensão social dos ne-gros, e sobre elas já discorri inúme-ras vezes: a falta de mecanismos le-gais que garantissem o acesso dosnegros à terra, ao trabalho e à educa-ção no período imediatamente pos-terior à abolição; o incentivo à imi-gração europeia e asiática para subs-tituir a mão-de-obra recém liberta; asteorias racistas de “embranquecimen-to” da população; o mito da demo-

cracia racial brasileira, que conduziua uma quase total invisibilidade daquestão negra; e toda uma herançadiscriminatória forjada em mais de350 anos de escravidão.

Embora alguns setores tentemapresentar na mídia esta realidadecom os sinais trocados, hoje sabemosque a democracia racial é em verda-de um objetivo a ser alcançado, poissomos uma nação desigual, com osnegros na base e os brancos ocupan-do o ápice da pirâmide econômica.Felizmente, no atual estágio de suasinstituições democráticas, nossa so-ciedade está suficientemente madurapara discutir a transformação destarealidade sem incitar o ódio racial ouocasionar maiores traumas. Basta nãoperder de vista que objetivo não é di-vidir, mas integrar. Fazer com quenegros, brancos, indígenas, ciganos eoutros segmentos tenham não apenasa igualdade formal dos direitos, masa igualdade real das oportunidades.

O Estatuto da Igualdade Racial,projeto de lei que há mais de uma dé-cada tramita no Congresso Nacional,é a mais importante ferramenta paraalcançar este objetivo. Surge para darconsequência e aplicabilidade ao tex-

to da Constituição Cidadã de 1988,que, desde o seu preâmbulo e em di-versos de seus artigos, confere aoEstado a responsabilidade pela pro-moção da igualdade e o combate aospreconceitos. A Carta registra em seuArtigo 3º, por exemplo, que é objeti-vo fundamental do Estado “promo-ver o bem de todos, sem preconcei-tos de origem, raça, sexo, cor, idadee quaisquer outras formas de discri-minação”. Assinala ainda, em seuArtigo 4º, o repúdio ao racismo, de-terminando, no inciso XLII do Arti-go 5º, que sua prática se constitui em“crime inafiançável e imprescritível”.

Os primeiros efeitos da discussãoem torno do Estatuto começam a sersentidos antes mesmo de sua apro-vação pelo Legislativo. De forma es-pontânea e sem registros de inciden-tes, mais de 60 instituições públicasde ensino superior já colocaram emprática políticas com o objetivo deampliar o acesso de estudantes negrosaos seus cursos de graduação; as es-colas de nível fundamental e médioassumem seu papel para a superaçãodo racismo com a gradual adoção dalei do ensino de História da África eda Cultura Negra; e diversos bancos

NabucoerrouPor Edson Santos*

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e empresas começam a adotar medi-das para reduzir as disparidades en-tre negros e brancos em seu corpode funcionários. Paulatinamente, oracismo é desconstruído.

A recente aprovação do projetode lei em comissão especial formada

para analisá-lo na Câmara, de formaunânime, graças a um acordo costu-rado entre todos os partidos presen-tes, foi um importante passo nestesentido. Considerando a solidez dosacordos firmados entre o governo, ospartidos e a sociedade civil, estou

convicto de que, muito em breve, te-remos condições de aproximar o Bra-sil do ideal de Nabuco: “Acabar coma escravidão não nos basta; é precisodestruir a obra da escravidão”.

*ministro da Igualdade Racial

Edson Santos

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ônio

Cruz

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Bertold Brecht, grande dramatur-go alemão, escreveu um dos diálogosmais instigantes da história do teatro.Um personagem diz ao outro: “Infe-liz do país que não tem heróis”. Ointerlocutor responde: “Não, infelizdo país que precisa de heróis”. Refle-xões sobre esta polêmica questão sãooportunas num Brasil que ainda nãofoi capaz de suprir todos os seus fi-lhos, ou pelo menos a maioria da po-pulação, com a essência sagrada doexercício pleno da cidadania. A reali-dade mostra que somos nação quecontinua precisando de heróis, inclu-sive os trabalhadores e empresáriosanônimos, que, numa conjuntura depolítica adversa de juros, câmbio, cré-dito, impostos, burocracia e legislação,mantêm viva e razoavelmente compe-titiva a nossa economia.

Desconhecidos ou proeminen-tes, são muitos os brasileiros que semobilizaram ao longo de nossa his-tória em prol da paz, da justiça soci-al, da igualdade de direitos e do de-senvolvimento. São pessoas que evi-denciam nossa capacidade, comopovo e Nação, de superar obstácu-los, vencer dificuldades e avançar nasolução de nossos problemas. Umdesses personagens maiúsculos éZumbi dos Palmares, cuja morte, em

Por Paulo Skaf*

*presidente da Federação das Indústrias do Esta-do de São Paulo (Fiesp)

20 de novembro de 1695, marca,com muita pertinência, o Dia Nacio-nal da Consciência Negra, justamen-te integrado ao calendário oficial doPaís, inclusive no escolar. O seuexemplo de coragem cívica, deter-minação e estoicismo é consentâneocom os anseios de desenvolvimen-to socioeconômico, distribuição derenda e plena igualdade de direitosentre todos os brasileiros.

Nesse sentido, os desafios aindasão muitos. Um deles remete demodo direto à luta de Zumbi, pois éinegável que a população negraemergiu da Lei Áurea, há 118 anos,em condições de profunda desigual-dade. Vítima do flagelo abominávelda escravidão, excluída de todos osdireitos civis, da educação formal edo respeito moral à sua cidadania,inseriu-se no quotidiano e no mer-cado de trabalho com nítida desvan-tagem em relação aos habitantes nãoprivados da liberdade. Avanços im-portantes ocorreram, mas ainda hámuito a ser feito.

O aspecto mais positivo na bus-ca da igualdade plena de direitos edeveres em termos práticos — con-siderando que, no tocante à legisla-ção, essa conquista já foi consagradapela Constituição de 88 — refere-se

à sólida base de relacionamento har-monioso entre as etnias que com-põem a população de 190 milhões depessoas de nosso país. A convivên-cia pacífica e a interação ampla deraças, religiões e ideologias no âmbi-to de nossa sociedade são um trunfona luta pelo desenvolvimento e uminegável diferencial competitivo nomundo contemporâneo.

O Brasil precisa, com urgência,promover fabuloso processo de inclu-são social, principalmente por meio damultiplicação de empregos, pois sa-lário e renda são os mais eficazes edignos meios de acesso aos benefíci-os da economia e às prerrogativas dacidadania. As lições de casa do desen-volvimento passam pela democratiza-ção de oportunidades no ensino, me-lhor e mais amplo atendimento na áreada saúde, aguda redução do déficithabitacional e, sobretudo, o ingressodo Brasil num duradouro círculo vir-tuoso de crescimento. O Dia Nacio-nal da Consciência Negra suscitaoportunidade para que a Nação mo-bilize-se em torno dessas metas, con-vertendo justiça, na mais amplaacepção, em um visível e respeitadoparadigma de sua democracia.

a r a d i g m aPdaemocraciad

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Paulo Skaf

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O massacre de Shaperville, em 21de março de 1969, deixou como lega-do histórico o reconhecimento pelasociedade moderna de uma de suasmais graves feridas: o racismo. Infe-lizmente, 69 pessoas tiveram que mor-rer em uma manifestação pacífica con-tra o regime racista na África do Sul,para que o mundo assumisse essaquestão como um tema global e real.

No Brasil, o tema ainda é tratadode maneira velada. A sociedade sem-pre negou a existência da discrimi-nação racial e somente em 1994 ogoverno federal reconheceu formal-mente a existência do racismo. Alémdisso, também há os que concordamcom o sociólogo Gilberto Freyre, quena década de 30 defendia que o pre-conceito na sociedade brasileira es-tava ligado à questão social; ou seja,a discriminação era motivada pelapobreza e não pela cor da pele.

Seja qual for a razão, o fato é queprecisamos sempre avaliar nossa re-alidade e nos debruçar sobre ela atéque qualquer tipo de preconceito sejaeliminado. E quando falamos em eli-minar o preconceito, não podemosentendê-lo apenas no sentido das

ações individuais ou do comporta-mento de determinado grupo de pes-soas com relação a outras. Extinguiro preconceito é garantir a todo cida-dão, independentemente de cor dapele ou condição social, uma situa-ção de igualdade de oportunidades.

E é exatamente aí que está o mai-or simbolismo da discriminação exis-tente no país. De acordo com dadosdo Instituto de Pesquisas Econômi-cas Aplicadas, enquanto que 32,8%dos brancos empregados na RegiãoMetropolitana de São Paulo estuda-ram somente até o primeiro grau doensino fundamental, entre a popula-ção negra esse índice é de 54%. Jáquando o assunto é o ensino médioe o ensino superior, a proporção debrancos que freqüentaram as aulas écinco vezes superior ao de negros.

Podemos dizer, inclusive, que essecenário se reflete diretamente no ren-dimento de cada grupo: apenas 5,3%dos negros recebem mais de 10 salá-rios mínimos. Esse é um retrato quesó poderá ser mudado com políticaspúblicas específicas. A cidade de SãoPaulo possui, desde dezembro de1992, a Coordenadoria dos Assuntos

da População Negra – Cone. A fun-ção dela é formular, coordenar,acompanhar, sugerir e implementarpolíticas públicas para suprir as ne-cessidades específicas da populaçãonegra, com o objetivo de combater oracismo e promover a integração des-sa população no município.

Se considerarmos os númerosapontados anteriormente, podemosconcluir que a maior parte da popula-ção negra paulistana está na periferiada cidade. E é exatamente essa popu-lação, que depende do poder públicopara ter educação e atendimento à saú-de, que tem a prioridade da gestão.

Além das políticas de conscien-tização e de combate à discrimina-ção, precisamos garantir a essa par-cela da população o acesso à educa-ção e ao emprego. Os investimen-tos em saúde e educação são o prin-cípio e o fundamento dessa mudan-ça que precisa ocorrer na socieda-de. Tenho confiança de que dessamaneira poderemos ter pesquisasque apontem níveis similares de es-colaridade e de rendimento entrenegros e brancos brasileiros.

consciência negra

Por Gilberto Kassab* açãoe

*prefeito de São Paulo

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Gilberto Kassab

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É claro que há muito ainda porfazer e a igualdade racial e a com-pleta integração dos negros na soci-edade brasileira ainda são metas aserem perseguidas. Mas, é precisotambém reconhecer, a cada ano hánovas e importantes conquistas a co-memorar no Dia Nacional da Cons-ciência Negra.

Por justiça, é preciso registrar quegrande parte dessas conquistas se deveà própria comunidade negra, assumin-do suas raízes e buscando espaços emtodos os setores da vida social.

A criação do “Dia Nacional daConsciência Negra”, evocando omartírio de Zumbi dos Palmares ebuscando preservar a identidade e acultura afro-descendente, é uma des-sas iniciativas. Outras, igualmenteimportantes, são a ONG SociedadeAfrobrasileira de DesenvolvimentoSócio Cultural (Afrobras), a Univer-sidade Zumbi dos Palmares, esta re-vista Afirmativa, que realizam umintenso trabalho de inclusão cultural,social e econômica.

O Governo do Estado de SãoPaulo desde há muito tempo estátambém engajado nessa luta, com

consciência negra

*secretário de Desenvolvimento do Estado de SãoPaulo

várias medidas concretas com vistasà integração racial.

Em 2003, instituiu a Política deAções Afirmativas para Afro-descen-dentes, criando o Programa Estadu-al de Inclusão Social e Ação Afirma-tiva no Ensino Superior. O Progra-ma “São Paulo: Educando pela dife-rença para a Igualdade” foi incluídono currículo da rede publica estadu-al, para capacitar docentes para a in-clusão do ensino da História e Cul-tura Afro-Brasileira.

Como reflexo dessas medidas, aparticipação de afro-descendentes naUSP Leste atingiu 21% das primei-ras matrículas e na Unicamp houveum aumento de 55% deles em rela-ção ao ano passado. Ainda como par-te do programa Ação Afirmativa, ogoverno autorizou que, a partir dedezembro deste ano, no vestibulardas FATECs, alunos afro-descenden-tes terão um acréscimo de 2% e osoriundos de escola pública terão mais10% a mais na nota conquistada.

A relação de ações do governonessa área inclui ainda, entre muitasoutras, a contratação de 32% de ne-gros entre os monitores universitá-

rios, bolsistas do Estado, do Progra-ma Escola da Família; a implanta-ção do estudo da diversidade racialpor policiais militares e civis e alu-nos das academias e a criação doSOS Cidadão para atendimento devítimas de racismo nos Centros deIntegração à Comunidade e nas uni-dades do Poupatempo. Em 2003 e2004, foram realizados Semináriossobre a Saúde da População Negrae estendido o Programa Saúde daFamília às comunidades quilombo-las. Em 2000, a Procuradoria Geraldo Estado implantou o ProgramaSS Racismo, para assistência judi-ciária gratuita a vitimas de discri-minação racial.

Mas, como disse no início, semuito já foi feito, muito ainda há porfazer. Por isso, neste “Dia Nacionalda Consciência Negra”, envio minhasaudação a toda a comunidade afro-descendente, na certeza de que con-tinuaremos sempre juntos, na buscado objetivo comum, que é uma socie-dade brasileira complemente livre dediferenças e preconceitos.

Igualdade,Por Geraldo Alckmin*

objetivo comum

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Geraldo Alckmin

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um

Brasilcada vez mais negro

consciência negra

Da redação

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O Brasil “ficou” mais negro. Foiisso o que constatou o último levan-tamento da Pnad (Pesquisa Nacionalpor Amostra de Domicílios), realiza-da pelo Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE). Os resul-tados foram divulgados em setembrodeste ano.

Os dados, coletados em 2008,apontam que, pela primeira vez,mais da metade da população brasi-leira - 50,6% dos habitantes, ante50% em 2007 - se declarou pardaou negra. Mas com uma peculiari-dade: na pesquisa, a participação dosautodeclarados pretos e brancos nototal de brasileiros recuou, enquan-to o número de mestiços e de ou-tras etnias cresceu.

Em 2007, o número de negrostinha aumentado em comparaçãocom 2006, em movimento atribuídopor especialistas às políticas de açõesafirmativas. Neste ano, contudo, acurva se inverteu, embora o cresci-mento dos pardos tenha persistido.Vale ressaltar que esse grupo é con-siderado negro e beneficiado pelaspolíticas de ações afirmativas.

A sondagem apontou que, em2007, 42,5% dos brasileiros se di-ziam pardos, percentual que subiupara 43,8% em 2008. Os pretos, con-tudo, reduziram sua participação napopulação nacional de 7,5% para6,8%. Houve ainda crescimento dosentrevistados que classificaram suacondição étnica como “outra” - quepassaram de 0,8% para 0,9% dos ha-bitantes do Brasil. Já os que se di-zem brancos reduziram sua presen-ça na população - em tendência jáobservada em pesquisas anteriores- de 49,2% para 48,4%.

Somente a Região Centro-Oes-te registrou queda na proporção depessoas que se dizem pardas, de2007 para 2008, de 50,9% para50,2% (0,7 ponto percentual a me-nos). Nas demais, houve crescimen-to. Na região Norte a expansão foimaior, de 68,3% para 71%, salto de2,7 pontos percentuais. Em segui-da, veio o Sudeste, com aumento de2 pontos percentuais, de 32,4% para34,4%. Mesmo o Sul, onde predo-minam descendentes de imigrantesde origem européia, sobretudo ale-mã e italiana, registrou aumento depardos, de 16,4% para 17%, 0,6 pon-to porcentual.

Mudança de raçaEm 70 anos o Brasil “mudou” de

raça. Em 1940, mais de 60% diziam-

se brancos, hoje a maioria prefere seautodeclarar pardo (48,8%).

Os especialistas apontam diver-sos fatores para explicar a diminui-ção do número dos autodeclaradospretos e brancos e o aumento da po-pulação de pardos.

Alguns atribuem ao racismo ofato de muitos pretos se definiremcomo pardos. Outros vêem esse fa-tor como resultado de uma miscige-nação cada dia maior no país. Con-tudo, a maioria concorda que os efei-tos das políticas afirmativas vêm sen-do determinantes na composiçãodesse novo perfil da população bra-sileira, principalmente a discussão emtorno das cotas nas universidades.

As diferenças regionaisA Pnad 2009 confirma a históri-

ca distribuição desigual das raças noterritório nacional. Enquanto noNorte e no Nordeste as pessoas sedeclaram predominantemente par-das ou pretas (índice superior a 70%),na região Sul, 78,7% dos entrevista-dos se classificaram como brancos.

No Sudeste, 56,8% da populaçãose declara branca, 34,4% parda e7,7% preta. O Centro-Oeste se man-teve com cerca de metade da popu-lação autodeclarada parda. Os bran-cos somam 42,2% e os pretos 6,5%.

A participação das etnias nos cen-tros urbanos e no campo também édiferenciada. Enquanto no ambienterural a população há uma predomi-nância da população preta e parda(60,4%, ante os 38,7% da participa-ção dos brancos), nas cidades a ba-lança pende ligeiramente para o ou-tro lado. Os brancos somam 50,3%,e os pretos e pardos, 48,7%.

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50 Revista Afirmativa Plural ! Outubro / Novembro

Em 1999, apresentei o primeiroprojeto de lei que trata da utilizaçãoda política de cotas para garantir oacesso da população afrodescenden-te à universidade e aos empregos pú-blicos, passo fundamental para come-çarmos o resgate da dívida do Brasilcom o seu passado. A reação da mídiae de parte da elite, preconceituosa,continua num debate que ignora atémesmo as experiências muito bemsucedidas em várias universidades.

Em 2006, um empresário susten-tou a tese de que toda a violênciasocial no Rio de Janeiro era conse-qüência de se ter acabado a escravi-dão muito cedo e sem a indeniza-ção aos proprietários. É espantosoque uma tese tão absurda ainda pos-sa ser levantada. Quando se lançoua campanha pelo abolicionismo,Nabuco mostrou que àquele tempo,na década de 1870, as pessoas tidascomo escravas estavam sob um es-tatuto de ilegalidade explícita, poisa lei de 7 de novembro de 1831 tor-nava livres todos os escravos chega-dos ao Brasil. Esta ilegalidade explí-cita não dispensava o conhecimen-to de que, desde o descobrimento,nenhuma lei autorizava a escravidãono Brasil. A importância do ato de

consciência negra

13 de maio de 1888 é de ter formali-zado, de maneira simples, a ilegalida-de a que eram submetidos os africa-nos e seus descendentes que haviamconstruído o Brasil.

Nabuco, em “O Abolicionismo”,respondia diretamente à questão deporque não esperar mais para fazer aabolição. “Vinte anos mais de escra-vidão, é a morte do país.” Sobre oefeito na lavoura, demonstrava que aexperiência americana provava o con-trário, e é disto mesmo que se con-vencerá Antonio Prado ao tomar ainiciativa da emancipação entre osgrandes proprietários de São Paulo.O movimento abolicionista consegui-ra convencer todas as camadas dapopulação e, com todas as classes,avançava município a município,quarteirão a quarteirão.

O problema do negro brasileirosempre esteve no sentimento da mi-nha alma. Presidente da República,instituí, no centenário da Abolição, aFundação Palmares, destinada a darum suporte institucional às reivindi-cações e tomar a iniciativa da mobili-zação da sociedade. Em 1989, sanci-onei a lei 7.716, que define os crimesde racismo. O projeto de cotas queapresentei foi aprovado no Senado

Federal e amplamente debatido, edele partiu a implantação de cotas nasuniversidades federais.

O problema da discriminação ra-cial é histórico e suas raízes estão naescravidão e no preconceito. Acredi-to ser o Brasil uma democracia racialque convive com enormes preconcei-tos. E se não temos a segregação ra-cial explícita, existe a discriminaçãoencoberta, mascarada, escondida, atémesmo inconsciente. Se é verdadeque a exclusão dos negros e da co-munidade negra coincide em grandeparte com a dos pobres, elas nãopodem ser confundidas. Os negros,entre os pobres, são os mais pobres;entre os que não conseguem o aces-so à educação, a maioria; entre osdoentes, os mais graves.

A luta pela reparação da injustiçasecular ainda levará muito tempo parase concluir. A ação afirmativa é umpasso de um longo caminho. Alcan-çar a liberdade é alcançar a igualda-de, é realizar e viver a plenitude dafraternidade. A ascensão social donegro é um dos grandes desafios des-te país. Enquanto o negro não tivero espaço que merece, o Brasil nãoserá um país justo.*presidente do Senado

AfirmativaAçãoPor José Sarney*

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José Sarney

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Troféu Raça Negra

200952 Revista Afirmativa Plural ! Outubro / Novembro

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É no dia 15 de novembro de2009 a data da entrega da 7a edi-ção do Troféu Raça Negra, mas afesta do Oscar da comunidade ne-gra começou em 13 de outubro,com um almoço na sede da Coca-Cola Brasil, no Rio de Janeiro. Coma presença de artistas renomados,executivos e políticos, o evento delançamento foi marcado pela des-contração e sentimento de congra-çamento que já é uma das suas ca-racterísticas.

A mesa principal foi compostapelo presidente da Afrobras, JoséVicente, pelo ministro da SEPPIR,Edson Santos, Secretária de Esta-do de Assistência Social e Direi-tos Humanos do Rio de Janeiro,Benedita da Silva, pelo vice-presi-dente de Comunicação da Coca-Cola, Marcos Simões, pelos atoresMilton Gonçalves e IsabelFillardis, pela vice-presidente daAfrobras, Ruth Lopes, e pelo dire-tor artístico desta edição do tro-féu, Herbert Mota.

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Durante os discursos, os atoresMilton Gonçalves e Isabel Fillardisse mostraram emocionados e reafir-maram a importância das realizaçõesda Afrobras e conclamaram a parti-cipação mais efetiva de artistas ne-gros nessa jornada, a união de to-dos no mesmo objetivo.

O presidente da Afrobras, JoséVicente, informou os resultados dotrabalho da instituição, como os 368alunos formados nas duas turmas docurso de Administração da Faculda-de Zumbi dos Palmares e dos qua-se 600 alunos que já estão estagi-ando ou mesmo efetivados emgrandes empresas parceiras do pro-jeto. Marcos Simões observou aimportância da empresa apoiar otroféu e abrir suas portas para osnegros, citando como exemplo oalmoço de lançamento do troféuoferecido pela Coca-Cola.

Na oportunidade, o ministroEdson Santos falou da importân-

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cia de ações afirmativas como as cotasnas universidades.

Entre os convidados presentes esti-veram Elisa Lucinda, Zezé Motta, AltayVeloso, Da Gama, Déo Garcez, DouglasSilva, Ivan de Almeida, Luciano Quirino,Maria Ceiça, Mussunzinho, Nill Marcon-des, Robson Caetano, Romeu Evaristo,Sandra de Sá, Tony Garrido, ToniGordon, Vanessa Jackson e WilsonSimoninha, entre outras personalidades.

O Troféu Raça Negra foi realizadopela ONG Afrobras (Sociedade Afrobra-sileira de Desenvolvimento Sócio Cultu-ral) pela primeira vez em 2000, por oca-sião das festividades dos 500 anos do Des-cobrimento.

Pela primeira vez na história do País,personalidades negras que contribuíramem diversas atividades, proporcionando àsfuturas gerações o registro da determina-ção, trabalho, perseverança e exemplo naconstrução de uma sociedade melhor fo-ram reconhecidas e homenageadas emuma noite de gala no Teatro Municipal deSão Paulo.

O sucesso da premiação levou aAfrobras a realizar uma segunda edição em2004, ano das comemorações dos 450 anosda cidade São Paulo. Desde então a insti-tuição entendeu ser justo premiar eenaltecer anualmente as iniciativas, ações,

trajetórias e realizações daqueles que con-tribuem para a valorização da populaçãonegra. Com esse objetivo, realizou em 2005a terceira edição, que aconteceu no dia 20de novembro, Dia da Consciência Negra.

No ano seguinte, em 2006, a novidadefoi a implantação da categoria Ação Soci-al. Mais uma vez o evento contou com opatrocínio de grandes empresas e institui-ções financeiras.

Em 2007, já considerado “Oscar” dacomunidade negra, o evento dedicou umahomenagem ao mestre Cartola. Esta foiuma edição comemorativa, pois o troféuchegava a sua quinta edição.

No ano de 2008 o Troféu entrou ofi-cialmente para o calendário da cidadede São Paulo e, diferentemente dos anosanteriores, a escolha dos indicados nãofoi por meio do voto popular. Em co-memoração aos 120 anos de aboliçãoda escravatura foram premiadas perso-nalidades e autoridades que se destaca-ram pela luta em favor da diversidade eda inclusão dos negros na sociedade.Além disso, uma homenagem ao can-tor e compositor Wilson Simonal e aorecém-eleito presidente dos EUA,Barack Obama, foram os momentosmarcantes do evento. Nesta sétima edi-ção a homenagem será ao rei do popMichael Jackson.

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Os dados do último censo escolarmostram a tragédia de uma hemorra-gia no organismo do Brasil: a reduçãono número de jovens que buscam acarreira do magistério nas nossas uni-versidades. A continuar nesse rumo,o Brasil terá o agravamento da ane-mia intelectual que nos caracteriza.Em um mundo competitivo, isso sig-nifica a anemia na economia, na cul-tura, na vida social. Sem uma boa edu-cação de base, não teremos uma boauniversidade, porque desperdiçaremosos cérebros excluídos por falta de boaqualidade nos primeiros anos de edu-cação. Mas sem uma boa universida-de, não teremos boa educação de base,por falta de bons professores; esse é

o círculo vicioso da hemorragia inte-lectual do Brasil.

A culpa está na falta de prestí-gio da carreira do magistério, porcausa dos baixos salários, das ver-gonhosas condições de trabalho, daviolência a que são submetidos osprofessores e da falta de adaptaçãoda escola atual às necessidades egostos das novas gerações. Mas aculpa está também na estrutura uni-versitária, que não produz os pro-fissionais de que o país precisa, nemcom a qualificação necessária.

A universidade deve formar umaelite intelectual que se ponha a ser-viço do país, da população e da Hu-manidade. A formação de professo-

res é uma prioridade fundamental.Mas não é só isso. Nossa elite é po-bre intelectualmente, minúscula nu-mericamente e alienada socialmentee formamos uma elite muito aquémdo potencial de nossa população; esem profissionais nas especialidadesde que precisamos, em quantidade equalidade, especialmente professores.

Entretanto, a criação de mais uni-versidades não aumentará o númerode professores, nem melhorará a qua-lidade na formação deles. Os alunosdessas universidades continuarão pre-ferindo outras carreiras e as univer-sidades continuarão mantendo umaestrutura sem vínculos com a educa-ção de base.

educação

Por Cristovam Buarque*

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Em vez de mais universidades si-milares às atuais, o círculo vicioso dahemorragia intelectual pode ser que-brado pela criação de uma “universi-dade” diferente das atuais.

Uma Universidade do Magistérioque consistiria simplesmente de umaestrutura administrativa, com as fun-ções de definir o número de estudan-tes necessários para preencher a ane-mia de professores; selecionar os es-tudantes especificamente para as car-reiras de magistério, no número ne-cessário a cada especialidade para ospróximos anos; selecionar universida-des e faculdades com qualidade, se-jam estatais ou particulares; e financi-ar os estudos desses jovens, incluindosalários durante a formação.

A Universidade para o Magisté-rio definiria o número de alunos con-

forme a necessidade do sistema edu-cacional, teria uma pequena estruturapara selecionar os alunos e as facul-dades com qualidade onde eles estu-dariam; financiaria os cursos; e paga-ria um salário para os alunos. O di-ploma de cada formando seria assi-nado pela universidade onde estudoue pela Universidade do Magistério,ambas controlariam a qualificação.

Com uma pequena estrutura ba-sicamente administrativa, a Univer-sidade do Magistério começaria deimediato, ajustada às necessidades deprofissionais deste momento, apro-veitando o imenso potencial já exis-tente na universidade brasileira, ajus-tando-a às exigências atuais.

Uma proposta parecida foi ofe-recida pelo Ministério da Educação,em 2003, à Presidência da Repúbli-

ca, para formar professores e outrosprofissionais. Essa foi a sugestãodada também para a nova universi-dade orientada a estudantes vindosde países pobres. Os alunos seriamselecionados e distribuídos nas uni-versidades já existentes, e com estru-turas consolidadas.

A Universidade do Magistério te-ria a flexibilidade de aumentar ou re-duzir o número de alunos de cada es-pecialidade, conforme a demanda;aproveitar o potencial universitário dequalidade já disponível; evitar o custode novas estruturas; permitir a dinâ-mica estrutural que o mundo moder-no exige e, sobretudo, começar ime-diatamente, com a urgência de trata-mento que as hemorragias exigem.

*senador peloPDT/DF.Artigo publicado em 14/02/2009 no jornal “O Globo”

Cristovam Buarque

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A África do Sul, ainda nos diasdo apartheid, já tinha mais profes-sores universitários negros do quenós temos hoje. Enquanto cresce onúmero de universidades que apro-vam autonomamente as cotas, a re-ação a esse movimento de dimen-são nacional pela inclusão de ne-

gros e indígenas vai se tornandocada vez mais ideológica, exaspe-rada e descolada da realidade con-creta do ensino superior brasileiro.

Em um artigo recente (“O domde iludir”, “Tendências/Debates”, 9/9), Demétrio Magnoli citou fragmen-to de um parágrafo de conferência

que proferi na Universidade Federalde Goiás em 2001. Mas ele suprimiua frase seguinte às que citou -justa-mente o que daria sentido ao meuargumento, que, da forma como foiutilizado, pareceu absurdo.

Sua transcrição truncada fez de-saparecer a crítica irônica que eu fazia

educação

ao tipo de ação afirmativa de umafaculdade do Estado de Maine, nosEUA. O tema da conferência eraacusar a carência, naquele ano de2001, de políticas de inclusão noensino superior brasileiro, fossemde corte liberal ou socialista.

Magnoli ocultou dos leitores oque eu disse em seguida: “Querocontrastar isso com o que aconte-ce no Brasil.

Como estamos nós? A Universi-dade de Brasília tem 1.400 professo-res e apenas 14 são negros”. É 1%de professores negros na UnB.

E quantos são os docentes ne-gros da USP? Dados recentes indi-cam que, de 5.434 docentes, os ne-gros não passam de 40. Pelo censode identificação que fiz em 2005, aporcentagem média de docentesnegros no conjunto das seis mais

poderosas universidades públicasbrasileiras (USP, Unicamp, UFRJ,UFRGS, UFMG, UnB) é 0,6%.

Essa porcentagem pode ser con-siderada insignificante do ponto devista estatístico e não deverá mudarmuito, pois é crônica e menor que aflutuação probabilística da compo-sição racial dos que entram e saemno interior do contingente de 18 mildocentes dessas instituições.

Por José Jorge de Carvalho*

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*é professor da UnB (Universidade de Brasília) ecoordenador do INCT - Instituto de Inclusão noEnsino Superior e na Pesquisa do CNPq. É autorde “Inclusão Étnica e Racial no Brasil” (AttarEditorial). Artigo publicado na Agência UNB eno jornal Folha de S.Paulo, 17/09/2009.

Para contrastar, a África do Sul,ainda nos dias do apartheid, já tinhamais professores universitários ne-gros do que nós temos hoje.

Se não interviermos nos meca-nismos de ingresso, nossas univer-sidades mais importantes poderãoatravessar todo o século 21 pratican-do um apartheid racial na docênciapraticamente irreversível.

É esta a questão central das cotasno ensino superior: a desigualdaderacial existente na graduação, na pós-graduação, na docência e na pesquisa.

Pensar na docência descortina umhorizonte para a luta atual pelas co-tas na graduação.

Enquanto lutamos para mudar essarealidade, um grupo de acadêmicos ejornalistas brancos, concentrado noeixo Rio-São Paulo, reage contra essemovimento apontando para cenárioscatastróficos, como se, por causa dascotas, as universidades brasileiras pu-dessem ser palco de genocídios comoo do nazismo e o de Ruanda!

Como não podem negar a neces-

sidade de alguma política de inclusãoracial, passam a repetir tediosamenteaquilo que todos sabem e do que nin-guém discorda: não existem raças nosentido biológico do termo.

E, contrariando inclusive todosos dados oficiais sobre a desigualda-de racial produzidos pelo IBGE epelo Ipea, começam a negar a pró-pria existência de racismo no Brasil.

Fugindo do debate substantivo,os anticotas optam pela desinforma-ção e pelo negacionismo: raça nãoexiste, logo, não há negros no Brasil;se existem por causa das cotas, nãohá como identificá-los; logo, nãopode haver cotas.

Raças não existem, mas os negrosexistem, sofrem racismo e a maioriadeles está excluída do ensino superi-or. Felizmente, a consciência de queé preciso incluir, ainda que emergen-cialmente, só vem crescendo -porisso, a presente década pode ser des-crita como a década das cotas noensino superior no Brasil. Começan-do com três universidades em 2002,

em 2009 já são 94 universidades comações afirmativas, em 68 das quaiscom recorte étnico-racial.

Vivemos um rico e criativo pro-cesso histórico, resultado de grandemobilização nacional de negros, indí-genas e brancos, gerando juntos in-tensos debates, dentro e fora de uni-versidades. Os modelos aprovados sãoinúmeros, cada um deles tentando re-fletir realidades regionais e dinâmicasespecíficas de cada universidade.

Essa nova consciência acadêmi-ca refletiu positivamente no CNPq,que acaba de reservar 600 bolsas deiniciação científica para cotistas. Se oséculo 20 no Brasil foi o século da de-sigualdade racial, surge uma novaconsciência de que o século 21 será oséculo da igualdade étnica e racial noensino superior e na pesquisa.

José Jorge de Carvalho

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O Rio de Janeiro será a sede dosJogos Olímpicos e Paraolímpicos de2016. As três esferas de governo(municipal, estadual e federal) estãounidas ao Comitê Olímpico Brasi-leiro e ao setor privado nesta em-preitada. Demos todas as garantiasfinanceiras, institucionais e operaci-onais necessárias à realização doevento. E essas garantias se situamem um cenário de estabilidade eco-nômica, política e democrática.Nossa economia adquiriu credibili-dade internacional e saiu da criseainda mais fortalecida.

Pela primeira vez, os Jogos se-rão realizados na América do Sul. Aproposta brasileira desenvolve umamplo programa de legados que in-duzirá a uma grande transformaçãosocial, esportiva, urbana e econômi-ca na cidade do Rio de Janeiro, comimpactos positivos em todo o país.

O Programa de Aceleração doCrescimento (PAC), que até o final de2010 investirá R$ 500 bilhões em in-fraestrutura por todo o Brasil, já prevêrecursos para obras fundamentais aoprojeto olímpico do Rio bem comopara projetos das cidades que vão sediarjogos da Copa do Mundo da Fifa em2014. É um estímulo aos setores pro-dutivos e um benefício à população.Este investimento maciço possibilita-rá a realização de Jogos Olímpicos eParaolímpicos de alto nível. E, acimade tudo, são investimentos que vão fi-car, para a cidade do Rio de Janeiro epara o país. Um evento como estemovimenta toda a economia. O Brasilinteiro vai entrar no jogo.

E é um jogo que vai nos trazerdesenvolvimento, emprego e renda.Estudos da FIA – Fundação Institu-to de Administração – demonstramque a cada dólar investido no proje-

to, a iniciativa privada injetará outrosU$ 3,26 nas cadeias produtivas asso-ciadas aos jogos. Isto vai gerar umimpacto de R$ 90 bilhões na econo-mia brasileira. Os setores mais bene-ficiados serão a construção civil, ser-viços imobiliários e aluguel, presta-ção de serviços, petróleo e gás, ser-viço de informação e transporte.

Estes investimentos vão gerarmais de 120 mil empregos diretos eindiretos durante os jogos e cerca de130 mil adicionais no período depoisdos jogos. Mais da metade destes pos-tos de trabalho, cerca de 66%, serãogerados fora do Rio de Janeiro, o quecomprova mais uma vez que os Jogosativarão a economia de todo o País.

Olimpíadas e Paraolimpíadas2016. Estamos prontos para reali-zar este sonho.

* ministro do Esporte

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Por Orlando Silva Jr.*

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Orlando Silva Jr.

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“Cada um tem seu tempo dematuração e metamorfose. Quandoentendemos o recado nos transfor-mamos”. É assim que a atriz IsabelFillardis resume todo o processo peloqual passou após o nascimento de seusegundo filho, Jamal Anuar, que nas-ceu com a síndrome de West, umadoença rara, que desencadeia crisesepiléticas afetando diretamente o de-senvolvimento psicomotor. Aos doisanos de idade as crises de Jamal pa-raram. Hoje, aos seis, “ele está óti-mo, se comunica e interage muitobem”, comemora a atriz.

Para compartilhar essa vitóriacom as famílias que vivem a mesmarealidade, Isabel criou, em 2005, aONG A Força do Bem. “Quando agente conseguiu com que o Jamal ti-vesse uma qualidade de vida melhore nos organizamos eu vi que tínha-mos que dividir nossas experiênciascom a sociedade. Quando eu falei aminha história, as pessoas começa-

ram a me procurar para contar assuas e pedir ajuda”.

O projeto consiste em um cadas-tro feito através do site da organiza-ção (www.aforcadobem.org.br) quepossibilita a identificação e classifi-cação da doença, bem como orienta-ção para o procedimento e tipo deatendimento a ser prestado. Por meiodo cadastro também é possível a di-vulgação imediata sobre os benefíciosde amparo legal já existentes aos ca-dastrados e a aproximação com asdiversas entidades que oferecem aten-dimento, apoio e ajuda para estas en-fermidades. Além disso, o cadastroauxilia órgãos do Estado e empresasprivadas a identificar e inserir por-tadores de deficiência no mercadode trabalho.

“Com a doença do Jamal, vi quehá muitos outros deficientes quenão têm acesso não só aos trata-mentos, mas também à informação.Nos primeiros dois anos nós sofre-

mos muito com a falta de informa-ção. O trabalho da ONG tambémtem o objetivo de proporcionar atroca de informações”.

Para a atriz outro papel impor-tante que A Força do Bem cumpreé fazer com que as famílias perce-bam a importância de não excluir ascrianças portadoras de deficiênciado convívio social.

“Existe um preconceito da pró-pria família com relação a essas cri-anças. O que tem que prevalecer é oamor e não o preconceito. Um dosmotivos pelo qual eu quis falar sobrea minha história foi esse. A gentedeve olhar nossos filhos com osolhos do coração. É profundo e me-tafórico, mas é por aí que as coisascomeçam a funcionar”.

Além de A Força do Bem IsabelFillardis também fundou, em 2001,a ONG Doe Seu Lixo, que tem comobase a coleta seletiva de lixo.

Da redação

responsabilidade social

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Isabel Fillardis e família

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Contribuem em muito para a ima-gem do Brasil os resultados alcança-dos na produção de biocombustíveis.À frente do Ministério de Minas eEnergia desde janeiro de 2008, tenhome dedicado desde então a atenderàs demandas internas, imensas e nu-merosas, na proporção do tamanhodo Brasil, que a ele chegam a todahora. Igualmente, tenho cumpridoatividades no exterior, as quais só têmcrescido em número e importâncianesses 15 meses.

Há pouco regressei da Espanha,onde cumpri rica agenda de conta-tos com instituições e empresas vin-culadas à produção de energia eólica,segmento que aquele país lidera mun-dialmente. É evidente o interesse es-panhol em participar cada vez maisdo esforço de implantação desse tipode energia renovável no Brasil.

A Espanha é o segundo maiorinvestidor estrangeiro em nossopaís, tendo aqui aplicado o equiva-lente a 3% do seu PIB, ou mais de U$35 bilhões. Pelo que pude perceber, o

economia

Por Edison Lobão*

Ao lidarmos com

nossa dura

realidade diária,

frequentemente

não percebemos

que o país vem

mudando para

melhor e que isso

tem reflexo, em

escala 2 global,

no modo como é

visto por seus

parceiros.

ânimo é o de aumentar essa participa-ção, tanto na área energética, quantonos setores hoteleiro, financeiro, detelefonia etc.

Em 18 e 19 de março deste ano,visitei Viena, como convidado do IVSeminário Internacional da Organiza-ção dos Países Exportadores de Pe-tróleo. Na mesma condição, fora aJeddah, na Arábia Saudita, em junhode 2008; e a Londres, em dezembrodo mesmo ano, quando de reuniõesde ministros de Petróleo e Energia dosprincipais países produtores e consu-midores daquele combustível fóssil.

Em Viena, após minha inter-venção, o presidente da mesa, mi-nistro de Energia do Qatar, defen-deu publicamente o ingresso doBrasil na Opep, embora o país nãoseja ainda exportador.

Quero com isso ressaltar o aspec-to extremamente positivo da imagemdo Brasil no exterior, atualmente. Aolidarmos com nossa dura realidadediária, frequentemente não percebe-mos que o país vem mudando para

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Edison Lobão

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*ministro de Minas e Energia.* Valor Econômico

economia

melhor e que isso tem reflexo, emescala 2 global, no modo como é vis-to por seus parceiros. Sinto-me felizde poder contribuir em prol do es-forço pela inserção do Brasil de modomais protagônico e justo no mundo.

Os convites para as reuniões emJeddah e Londres levaram em contaa expressiva produção de petróleoque alcançamos, atualmente em tor-no de 2 milhões de barris/dia, e asperspectivas que se abrem para oBrasil com as recentes descobertas naárea do pré-sal. Aos olhos do mun-do, o Brasil desponta como impor-tante produtor e consumidor.

Nossas posições são considera-das. Somos hoje um país que, nãopertencendo ao grupo dos mais de-senvolvidos, influencia, com suasdecisões, expressiva parte do globo.

Na Espanha, reuni-me com o mi-nistro da Indústria, Turismo e Comér-cio, Miguel Sebástian, quando repas-samos temas de interesse da agendabilateral na área energética. Meu in-terlocutor queixou-se da profundida-de com que a atual crise financeirainternacional vem atingindo seu paíse disse torcer para que isso não acon-teça com o Brasil, que chamou de “umdos esteios da economia mundial”.

Dele soube que, no passado mêsde março, o consumo de energia naEspanha havia decrescido 10%, en-quanto o do Brasil vem se mantendorelativamente estável. Não pude dei-xar de refletir sobre as possíveis con-sequências dessa crise e sobre os es-forços do Brasil para não ser por elatragado. Também comentei com o mi-nistro espanhol a preocupação do Bra-sil com seus vizinhos quanto à ener-gia. Na data de meu embarque haviafirmado com meu homólogo argenti-no memorando de entendimento so-

bre intercâmbio elétrico, pelo qual oBrasil, a exemplo do que já fez no anopassado, abastecerá aquele país comaté dois mil MW/dia de energia, en-tre maio e agosto, quando, devido aoinverno, a energia gerada no país vizi-nho é insuficiente para atender aoelevado consumo provocado pelas bai-xas temperaturas. Com o mesmo espí-rito de cooperação, estamos abastecen-

do o Uruguai com 400 MW/dia deenergia elétrica. Ou seja, não apenas odesenvolvimento do país, mas tambémsua atuação junto a outros países, temcontribuído para consolidar uma ima-gem respeitável do Brasil lá fora.

Há outros exemplos que poderiaaqui mencionar para reforçar essa im-pressão. Um deles, a Conferência In-ternacional de Biocombustíveis, rea-lizada entre 17 a 23 de novembro de2008, em São Paulo, com a participa-ção de mais de 80 delegações de paí-ses estrangeiros. Contribuem em mui-to para a imagem do Brasil os resulta-

dos alcançados na produção de bio-combustíveis, a que o país dedicou-sea partir da primeira crise do petróleo,nos primórdios dos anos 70. O fatode produzirmos 25 bilhões de litros 3anuais de etanol, de sermos o maiorexportador do produto e de hoje uti-lizarmos mais álcool que gasolina emnossa frota de veículos ressalta a po-sição do Brasil no contexto interna-cional e, creio, incomoda também.

Não é fácil para o mundo mais de-senvolvido aceitar que o Brasil domineuma tecnologia muito mais limpa quea do petróleo, e verificar que foi a par-tir do seu domínio que conseguimosalcançar a autossuficiência nesse cam-po. É difícil explicar que o crescimen-to da produção de etanol não se fezem detrimento do cultivo de alimen-tos, área na qual o Brasil também avan-çou significativamente nas últimas trêsdécadas. Não é simples tentar conven-cer que o etanol pode ter uso comple-mentar ao do petróleo, sem necessa-riamente concorrer com ele.

Hoje em dia, o Brasil desfruta desituação singular no mundo. É o se-gundo principal produtor de biocom-bustíveis e, graças às descobertas naárea do pré-sal, entre outras conquis-tas, prepara-se para entrar no merca-do exportador de petróleo. Sem dúvi-da alguma, essas circunstâncias cons-tituirão forte catalisador de novos in-vestimentos externos diretos no país.Nosso desafio é fazer com que tra-gam, também, melhores condições devida para a população brasileira.

Em suma, nem sempre o quadroque pintamos de nosso país corres-ponde ao que dele se tem lá fora. Peloque percebo, a imagem externa éfrancamente favorável.

Somos hojeum país que,nãopertencendoao grupo dosmaisdesenvolvidos,influencia, comsuas decisões,expressivaparte do globo.

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70 Revista Afirmativa Plural ! Outubro / Novembro

Há um assunto que atinge cercade 35 milhões de pessoas e que ne-cessita ser incluído com urgência nosdebates sobre o pré-sal. Falo da pre-vidência social pública.

Mesmo que o tema seja apaixo-nante, é importante abdicarmos dasemoções e dos ufanismos que emcertos períodos da República atéforam necessários e faziam parte docontexto. É fundamental a nossacondição de homens públicos parafazermos um bom combate comimparcialidade e responsabilidadepara que não sejamos cobrados pe-las gerações futuras.

Desde a década de 1930, a Pre-vidência foi alvo de manipulaçõesde governos que utilizaram os seusrecursos para investimentos em se-tores da economia.

O dinheiro dos trabalhadores foiaplicado na Companhia Vale do RioDoce, Transamazônica, Ponte RioNiterói, Itaipu, Companhia Siderúr-gica Nacional, entre outros.

Já o custeio da construção deBrasília talvez tenha sido a maior in-jeção de recursos. Embora para opaís a construção de sua capital te-nha sido um avanço, até hoje há crí-ticas relativas ao uso de recursos pre-videnciários nessa tarefa. Na reali-dade, havia uma forte ligação entreprevidência e política econômica. Osrecursos eram frequentemente soli-citados para investimentos em seto-res de rentabilidade duvidosa, den-tro de um leque que ia desde o cli-entelismo até a corrupção.

Não questionamos as obrasconstruídas. Mas é importante des-tacar que um lado dessa “parceriapara o bem do Brasil” foi penalizadoe isso se deu através do achatamentodos benefícios previdenciários.

A história mostra com clareza quea Previdência Social sempre foi alvode desmonte por parte de governos,à custa dos direitos, das conquistas edo suor de todos os trabalhadores.

O país atravessa um dos mais

belos períodos de desenvolvimen-to. Cabe a nós montarmos no “ca-valo encilhado” que ora se avizinhae fazermos justiça destinando par-te do orçamento previsto de US$15 trilhões do pré-sal para a previ-dência social pública.

A proposta não é uma “botasalvadora” e tampouco está isolada,uma vez que “no passado existiuuma cota de previdência cobradasobre a venda de derivados de pe-tróleo para o custeio da PrevidênciaSocial e urbana”.

O pleito é viável, justo e peça-chave para uma melhor distribuiçãode renda. Chegou o momento de oEstado brasileiro retribuir o sacrifí-cio dos trabalhadores, aposentados epensionistas. Por isso, queremos queessa discussão não seja um porto dechegada. Mas um porto de saída e deesperança para os brasileiros.

*senador pelo PT do Rio Grande do Suljornal Zero Hora

economia

Por Paulo Paim*

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Paulo Paim

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A questão de soberania de umanação está constantemente no cen-tro de debates em todas as classes.Não se trata somente de um discur-so ufano, mas reporta às implicaçõese consequências de investimentos ounão investimentos na chamada In-dústria de Defesa.

Faz parte da natureza humanadisputas, lutas e imposições de opi-niões, sejam entre pessoas, empresase governos. Aliás, vemos que em al-gum lugar no mundo sempre há al-gum grave conflito. Esses confron-tos têm atuação entre fronteiras etambém internamente, com todo umgrau de dramaticidade possível.

Historicamente, o Brasil contacom as melhores indústrias de defe-sa no mundo: a Imbel, do Exército, ea Emgepron, da Marinha. Esses cen-tros de excelência tecnológica possu-

economia

Por Antonio Carlos Porto Araujo *

em extraordinário poder de pronti-dão. Ao mesmo tempo desenvolvetecnologias avançadas de logística,um dos principais aspectos de suces-so na defesa de ataques hostis.

Para o setor industrial, a área mi-litar representa impressionantesavanços tecnológicos, aplicados ma-ciçamente no segmento civil, comganhos de competitividade entreempresas e países. Para o Estado, aquestão assume primordial importân-cia, já que investimentos importan-tes em tecnologia na indústria bélicae treinamentos em operações milita-res podem dar uma clara mensagemde desestímulo a outros Estados nodesejo de ataques ou ameaças.

Atualmente, o Brasil vive umapromessa de ressurgimento da capa-cidade de geração da sua indústria dedefesa. Entre os vários argumentos

possíveis para essa mobilização estãoaspectos geopolíticos, como a mobi-lização da Venezuela em comprasintensivas de artefatos bélicos e, ain-da, as recentes manobras militaresdos Estados Unidos no novo acordocom a Colômbia.

Ao mesmo tempo, há razões eco-nômicas e empresariais muito impor-tantes para esse reaparelhamento.Não é coincidência o fato de que oBrasil retoma em passos largos a in-tenção forte de aquisição de equipa-mentos militares em uma bilionáriaconcorrência internacional. Vemosque, prioritariamente, o país iniciaráa construção de submarinos — umcom propulsão nuclear — e, ainda,anunciadas compras de helicópterose jatos de guerra.

Prever que além de possibilitarum melhor monitoramento nas fron-

indústria dedefesae opré-sal

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*consultor de sustentabilidade e de energiarenovável da Trevisan

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Antonio Carlos Porto Araujo

teiras com nossos vizinhos, permiti-rá autonomia de defesa e ataque noextenso mar territorial brasileiro, im-portante mecanismo de proteção àsnovas jazidas de petróleo e gás nachamada área do pré-sal.

Significa dizer que nossa extensãoterritorial continental exige posiciona-mento firme e com capacidade dedesestimular ingerências e ameaças aonosso território, e também a nossainfraestrutura produtiva de vital im-portância, como a exploração e pro-dução de energia, nesse caso represen-tada pelo potencial do petróleo e gás.

Não se trata de manter posturade manobras ofensivas, mas ao con-trário, ostensiva. Evidentemente queisso repercutirá em diversos discur-sos contrários de outras nações, masque não deverão abalar as relaçõesdiplomáticas. Ao mesmo tempo, su-põe que servirão para justificar in-ternamente que outros países saiamàs compras.

Para que não haja possibilidadede temer eventuais ataques é que oBrasil apresenta seu Plano Estraté-gico de Defesa, Decreto nº 6703/08, que em um dos seus três eixos

principais fortalece a re-estruturaçãoda indústria brasileira de material dedefesa. Vive-se em um mundo emque a intimidação tripudia sobre aboa fé. A adequada formação damobilização nacional é um dos fa-tores impeditivos de qualquer inti-midação. O Brasil é uma Nação pa-cífica, que tem obrigações de manu-tenção da ordem e da soberania, ins-trumentos estruturantes do seu de-senvolvimento.

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74 Revista Afirmativa Plural ! Outubro / Novembro

“O pré-sal é uma dádiva deDeus”. A declaração foi feita pelopresidente Luiz Inácio Lula da Sil-va, referindo-se a área do litoralbrasileiro onde foram achadas gran-des reservas de petróleo. Mas essadádiva, segundo ele, pode se trans-formar “em uma verdadeira maldi-ção”, se o Brasil não tomar “a de-cisão acertada” sobre como usar opetróleo. A afirmação foi feita du-rante o lançamento do marco

regulatório para a exploração dopré-sal, em agosto deste ano.

De fato, a discussão em torno doque fazer com os recursos que virãoa partir dessa exploração tomou con-ta da mídia, do Congresso, de toda acadeia produtiva do País e de setoresorganizados da sociedade civil.

Nas estimativas mais otimistas acamada pré-sal, com seus 800 quilô-metros de extensão, pode guardar oequivalente a 100 bilhões de barris, o

que tornaria o Brasil dono da sextamaior reserva de petróleo do mundo.

Para além das discussões sobrea destinação dos recursos uma coi-sa é certa: a exploração da camadado pré-sal vai gerar milhares de em-pregos para o País nos próximosanos e abrirá mercado para profis-sionais de diversas áreas, de todosos níveis de escolaridade: soldado-res, engenheiros, geólogos, quími-cos, especialistas em logística, saú-

de e ambiente, só para falar das áre-as diretamente envolvidas.

Só os investimentos aprovadospela Petrobrás até 2013, dos quais opré-sal é um dos carros-chefes, vãoexigir a qualificação de 207 mil pes-soas em 185 categorias diferentes.

Em todo o Brasil, a estimativada Federação Única dos Petroleiros(FUP) é que seja criado um milhãode empregos no setor de produção,exploração e refino de petróleo nospróximos dez anos.

mercado de trabalho

Para atender à demanda porpessoal qualificado, o governo fe-deral criou o Programa de Mobili-zação da Indústria Nacional de Pe-tróleo e Gás (Prominp). Nos últi-mos três anos, 43 mil pessoas fo-ram treinadas pelo programa. Amaioria delas é de nível técnico ebásico, mas quem vai comandar oprocesso de exploração do pré-salsão os profissionais de nível supe-rior, dos quais depende a geraçãode conhecimento e tecnologia.

Cabe ao Centro de Pesquisas(Cenpes) da Petrobrás, que fica nocampus da UFRJ, na Ilha do Fundão,no Rio, a missão de desenvolver so-luções tecnológicas. Os profissionaisbuscados pelo centro devem ter per-fil inovador e vocação para pesquisa.Segundo os especialistas, as áreas deGeologia, Geofísica e Engenharia se-rão de extrema importância para osucesso dos projetos do pré-sal, poisas carreiras ligadas à Engenharia sãofundamentais para toda a cadeia pro-

Da redação

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Outubro / Novembro ! Revista Afirmativa Plural 75

mercado de trabalho

dutiva do petróleo. No entanto, ha-verá demanda para outras áreas.

Outras áreasPara Márcio Juliano, mestre em

Análise do Comportamento e coor-denador do curso de Administraçãoda Faculdade Zumbi dos Palmares,com o incremento da economia a ter-ceirização vai ganhar força e a ges-tão de contratos abrirá mais ainda ocampo de trabalho para os profissio-

nais que têm formação em Adminis-tração. De acordo com Juliano, as fer-ramentas de outsourcing serão cadavez mais utilizados. “Cada empresaaberta, seja ela na área de serviços ouna indústria, vai precisar de um siste-ma de gestão e de pessoas para parti-ciparem dela enquanto organização”,analisa. Juliano cita como exemplo,além dos administradores, os advo-gados, profissionais que formulam eanalisam os contratos comerciais.

O que é o pré-salA chamada camada pré-sal é

uma faixa que se estende ao longode 800 quilômetros entre os Esta-dos do Espírito Santo e Santa Ca-tarina, abaixo do leito do mar, eengloba três bacias sedimentares(Espírito Santo, Campos e Santos).O petróleo encontrado nesta áreaestá a profundidades que superamos 7 mil metros, abaixo de uma ex-tensa camada de sal que, segundo

geólogos, conservam a qualidadedo petróleo.

Vários campos e poços de pe-tróleo já foram descobertos no pré-sal, entre eles o de Tupi, o princi-pal . Há também os nomeadosGuará, Bem-Te-Vi, Carioca, Júpitere Iara, entre outros.

Um comunicado, em novembro

do ano passado, de que Tupi temreservas gigantes, fez com que osolhos do mundo se voltassem parao Brasil e ampliassem o debate acer-ca da camada pré-sal.

Tupi tem uma reserva estima-da pela Petrobrás entre 5 bilhõese 8 bilhões de barris de petróleo,sendo considerado uma das maio-

res descobertas do mundo dos úl-timos sete anos. Estimativas apon-tam que a camada, no total, podeabrigar algo próximo de 100 bi-lhões de boe (barris de óleo equi-valente) em reservas, o que colo-caria o Brasil entre os dez maioresprodutores do mundo.

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empreendedorismo

apostar na

é garantiaPor Carla Nascimento, da redação

diversidadediversidadede sucesso

Levar uma boneca para brincarna escola. Um desejo ingênuo e co-mum entre as meninas foi a origemde um negócio de sucesso: a loja PretaPretinha Bonecas.

Tudo começou quando a empre-sária paulistana Joyce Venâncio eracriança e pediu para a avó maternalhe fazer uma boneca negra. “Euqueria levar a extensão da minha fa-mília para a escola. Queria levar umaboneca negra para brincar com asminhas colegas. Como essas bonecasnão existiam para vender, minha avóresolveu a questão fazendo bonecasde pano para mim e minhas irmãs.Mas ela sempre teve cuidado para nãofazer as bonecas com traços estereo-tipados”, relembra.

O amor pelas bone-cas e a arte de costurá-las foi uma das heran-ças que a avó deixoupara ela e as irmãs. A“herança” tambémmotivou o cultivo de um so-nho: montar uma loja de bonecas.

Já adulta e após vários empre-gos – o último em uma produtorade vídeo – Joyce resolveu que erahora de transformar o sonho emrealidade. Após conversas comas irmãs e de traduzir ano-tações aleatórias em umplano de negócios, ela e asirmãs arregaçaram as man-gas e foram à luta com idéi-as inovadoras. O nome da loja

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Outubro / Novembro ! Revista Afirmativa Plural 77

empreendedorismo

Não vendo

apenas bonecas,

vendo um

conceito. Uma

boneca é uma

extensão da

família. É carinho,

é afeto. Você

aprende muito

com elas.

“Empresária Joyce Venâncio durante palestra na Faculdade Zumbi dos Palmares

foi escolhido pelo público e o retor-no de mídia, esperado para após 2anos de funcionamento, aconteceuem seis meses.

Antes de inaugurar a loja ela foi acampo em busca de informações so-bre o universo infantil em bairros declasse média alta e na periferia de SãoPaulo. Hoje, nove anos após a inau-guração, a Preta Pretinha Bonecasocupa um endereço no eclético bair-ro da Vila Madalena, na zona oestede São Paulo, e é visitada por crian-ças, adultos, pesquisadores de diver-sas áreas e educadores.

Nas prateleiras as opções são va-riadas: bonecas obesas, anoréxicas,deficientes, idosos, orientais, ruivase...negras. Joyce explica que o suces-

so da loja se deve justamente a essaaposta na diversidade. “Por meio dasbonecas você faz uma construção deidentidade. A criança tem que se verno produto. Ela precisa de referên-cia”, diz.

Atualmente Joyce divide seu tem-po entre as atividades como diretoracomercial da loja e as palestras paraas quais é convidada a proferir emuniversidades, associações e empre-sas. “Não vendo apenas bonecas,vendo um conceito. Uma boneca éuma extensão da família. É carinho,é afeto. Você aprende muito comelas”, ensina.

Bonecas vendidas na loja Preta Pretinha Bonecas.Saiba mais: www.pretapretinha.com.br

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Barbie, a boneca mais famosa domundo, completa 50 anos e finalmen-te ganha uma versão com traços ne-gros. Até agora, as bonecas negras co-mercializadas pela Mattel eram ape-nas uma cópia pintada da boneca loi-ra criada em 1959 por Ruth Handler.

Segundo uma pesquisa realizadacom meninas de 3 a 10 anos, 100%das americanas, 98% das italianas e93% das francesas possuem uma bo-neca em casa. Quanto às brasileiras,não há dados específicos sobre ven-da, mas segundo a Mattel, o Brasilpossui o maior mercado de Barbiescolecionáveis do mundo.

Cabelos loiros, alta e corpo extre-mamente magro, Barbie mudou o jei-to de brincar. Se antes as meninas fa-ziam de conta que eram mães das bo-necas, com Barbie elas querem ser aprópria boneca, apontam os especia-

listas no assunto. Sendoassim, não é de se es-tranhar que um brin-quedo com tal podertenha também setornado alvo decríticas. Ela é acu-sada de provocar

Da redação

78

Barbie,comportamento

aos 50

vaidade excessiva nas meninas, incen-tivar padrões anoréxicos, de erotizaçãoprecoce e de racismo, por exaltar, namaioria de suas versões, o padrão ari-ano. A chegada ao mercado de umaBarbie com lábios mais cheios, narizmais grosso e bochechas mais pronun-ciadas vem a responder às demandasde um público cada vez mais diversoe exigente, que cobra mudanças de pa-drões e modelos.

Criadas pela designer negraStacey McBride-Irby, Grace, Kara eTrichelle cada uma têm um estilo di-ferente e inspiram suas irmãs meno-res: Courtney, Janessa e Kianna. Asbonecas farão parte da linha So InStyle e terão como motivação temasde formação acadêmica e carreira.

Segundo Ana Furtado, gerenteda marca Barbie no Brasil,

a linha chegará ao país em maio de2010 e serão importadas inicialmen-te 20 mil unidades das bonecas compreço sugerido de R$49,99 a R$79,99, dependendo do modelo. NosEUA as bonecas chegam às lojas emdezembro deste ano.

“Esperamos que o público bra-sileiro receba a novidade de uma for-ma muito positiva. As bonecas So InStyle não chegam apenas como maisuma opção de brincadeira das meni-nas, mas também traz um conceito devalorização da cultura negra, ligada aosmundos artístico e intelectual”.

Em declaração ao jornal britâni-co “Daily Mail”, Stacey McBride, mãede duas meninas disse: “Eu quero queelas se vejam nas bonecas e que sai-bam que ser negra é bonito.”

negra e

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Outubro / Novembro ! Revista Afirmativa Plural 79

A história da escravidão no Brasil, oabolicionismo, a trajetória de Luiz Gama (1830 -1882) e as atuais propostas de ações afirmativas.Esses são os temas abordados no livro “Escravi-dão Nunca Mais! Luiz Gama - o paladino da abo-lição”, que chega ao mercado com o selo da edi-tora Lettera.DOC. A obra tem o objetivo de ana-lisar o processo escravagista brasileiro, procuran-do extrair elementos históricos e sociais queapontem as razões, raízes e efeitos posteriores àescravidão em nosso País e fazer uma reflexão ediscussão sobre as políticas de ações afirmativaspara a inclusão social de negros e indígenas.

O eixo da narrativa é a vida do abolicionistaLuiz Gama. Patrono da cadeira nº 15 da Aca-demia Paulista de Letras, poeta, advogado, jor-nalista e um dos mais combativos abolicionistasde nossa história. Gama era filho da africanalivre Luiza Mahin, uma das principais figurasda Revolta dos Malês (levante que aconteceuem Salvador (BA), em 1835), com um fidalgobranco de origem portuguesa.

Com apenas 10 anos Luiz Gama foi vendi-do como escravo pelo próprio pai, sendo leva-do para São Paulo, onde se tornou um símbolonacional de resistência, de liderança, de luta po-lítica, intelectual, jornalística e jurídica e umgrande tribuno do júri na defesa gratuita dosescravos.

Na obra o autor relata ainda a importância do projetode lei que considera a grande revolução social e econômi-ca para a efetiva inclusão dos afro-descendentes na vidanacional de um modo geral e não somente no campo edu-cacional: O Estatuto da Igualdade Racial. O prefácio é as-sinado pelo senador Paulo Paim, autor do projeto do esta-tuto. Nelson Câmara é formado pela Universidade Macken-zie onde cursou Direito e Macroeconomia. Pós-graduadopela Universidade de São Paulo, é professor de Direito doTrabalho e Previdência Social e é Juiz do Tribunal do Tra-balho de São Paulo.

Escravidão Nunca Mais! Luiz Gama - o paladinoda abolição

livros

ServiçoTítulo: Escravidão Nunca Mais! Luiz Gama - opaladino da aboliçãoAutor: Nelson CâmaraEditora: Lettera.Doc516 páginasPreço: R$ 39,90

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80 Revista Afirmativa Plural ! Outubro / Novembro

perfil

Como descrever um jovem quecom apenas 25 anos carrega uma ba-gagem considerável de informação econhecimento? Este é Sidney Santia-go, ator paulistano que com dez anosde carreira não se deixa impressionarpela fama. Muito pelo contrário, elese incomoda com o assédio da im-prensa e não gosta nem um pouco,como ele mesmo relata, da “futilida-de” do mundo das celebridades.

Em uma conversa de aproxima-damente uma hora, Sidney fala compropriedade sobre os mais diversostemas, sempre pontuando suas im-pressões de uma análise política.Apesar da desenvoltura de seu dis-curso politicamente engajado, traçarum perfil de Sidney recheado de de-talhes sobre sua vida pessoal é prati-camente impossível. O ator apresen-ta uma postura tímida ao falar de simesmo. Procura constantemente re-tirar-se do foco da conversa.

Premiado como melhor ator noFestival Internacional do Rio de2007 -tendo dividido o prêmio como ator Selton Melo- e melhor ator noFestival Internacional de Recife nomesmo ano com o filme “Os 12 tra-balhos”, de Ricardo Elias, Sidney co-leciona diversos trabalhos no cinema.Com “O signo da cidade”, de LuisAlberto Riccelli e roteiro de Bruna

Lombardi, recebeu indicações de me-lhor ator no Festival de Goiânia. Nocurrículo estão ainda filmes como “OsInquilinos”, de Ségio Biachi, “Refle-xões de um liquidificador”, de AndréKlotzel, e “Graffiti”, curta da cineas-ta Lilian Solá Santiago. Na TV fez,além de “Caminho das Índias”, a asminisséries “Queridos Amigos”, deMaria Adelaide Amaral, e “Carandiru- Outras Histórias”, na Globo, e o se-riado “Turma do Gueto”, na Record.

Apesar de toda essa bagagem oator fica encabulado ao falar de simesmo, mas vai ao extremo da em-polgação quando o assunto é ética,princípios, valores, ideais e a situa-ção da população negra na socieda-de brasileira.

Só quem percebe o brilho nosolhos do ator ao falar desses temasconsegue compreender porque, mes-mo após o sucesso alcançado em seumais recente trabalho, a novela glo-bal “Caminho das Índias”, onde in-terpretou lindamente o esquizofrêni-co Ademir, o ator decidiu dar umtempo da televisão e dedicar-se aocinema e ao teatro, onde está em car-taz com a peça “Ensaio sobre Caro-lina”, com a Cia. Teatral Os Crespos.

Para ele, através do teatro e docinema a mensagem que tem porconvicção transmitir é recebida de

forma mais eficaz pelo público quedeseja atingir. Que mensagem seriaesta? Militante do movimento negro,Sidney anseia, através do seu traba-lho e da sua arte, articular um pensa-mento que impulsione a transforma-ção da sociedade.

Ao analisar a trajetória do atornegro na TV, no teatro e no cinemano Brasil, Sidney mantém a coerênciade seu discurso e com um apuradosenso crítico visualiza mudanças nasociedade, mas acredita que ainda es-tamos num período de transição e quesó teremos dimensão se este saldo serápositivo ou não futuramente.

“Temos que ficar atentos à im-posição de modelos. Não há apenasum modelo negro a ser seguido. Nãopode existir apenas um padrão. Asociedade ainda é preconceituosa eas emissoras de televisão refletem oinconsciente coletivo”, analisa.

Indicado ao Troféu Raça Negra2009 na categoria Ator do Ano, elefica novamente sem jeito ao falar doreconhecimento de seu trabalho,mas deixa transparecer um sorrisode satisfação e declara que se sentefeliz. “É a primeira vez que sou in-dicado a um prêmio negro, onde sin-to que estou representando o meupovo”, afirmou.

antiago:SidneySPor Rejane Romano, da redação

arte e consciência

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Sidney Santiago em cena do filme “Grafitti”

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82 Revista Afirmativa Plural ! Outubro / Novembro

De acordo com o consagra-do dito popular, “Se conselhofosse bom ninguém dava. Ven-dia”. Não deixa de ser verdade. Eisso fica evidente quando anali-samos as listas dos livros maisvendidos. Nada menos que seteentre 10 de melhor desempenhocomercial são classificados comode auto-ajuda. A força desses au-tores é tamanha que a revista Vejacriou até mesmo uma categoria àparte, batizada de Auto-ajuda eEsoterismo, para agrupá-los. Lon-ge do mundo do vil metal, tam-bém se pode notar que o conse-lho, bom ou mau, também se tor-nou uma espécie de desculpa per-feita para coroar acertos e, prin-cipalmente, justificar fracassos.Afinal, quem nunca ouviu um in-terlocutor dizer que fulano de talcometeu tal ato tresloucado porculpa das “más companhias” ouporque foi dar atenção a “pesso-as que não prestam”. Mas o bomconselho, reunido em obras deauto-ajuda ou coletada direta-mente em nossas experiênci-

as no dia-a-dia, pode conter

Por Rosenildo Gomes Ferreira*

uma força transformadora. Emrecente reportagem, a revistaÉpoca reuniu um time heterogê-neo de personalidades dispostasa dividir com o leitor as palavrasque as ajudaram a moldar seumodo de encarar a vida. No mun-do dos negócios, da política, dasartes e também na arena esporti-va. A lista, como não poderia dei-xar de ser, inclui alguns dos inú-meros presidenciáveis.

Confesso que entre os 21 con-selhos, todos úteis, aliás, o quemais despertou minha atenção foio recebido pela senadora MarinaSilva (PV-AC). Menina pobre cri-ada na zona rural de Mecejana(CE), ela aprendeu a importânciada educação e da cultura graças àpregação da avó Júlia. Apesar deanalfabeta, dona Júlia sempre ten-tou mostrar, às vezes de formalúdica, a importância dos livros.Como a pequena Marina cis-mou que seria freira quandocrescesse dona Júlia vivia-lhealertando da necessidade deaprender a ler e escrever.Isso só começou a virar

opinião

realidade quando Marina completou16 anos. Doente, ela foi internada emum convento e lá tratou da doençado corpo e também da chaga do anal-fabetismo. A senadora encerra seu de-poimento à Época com uma doceprovocação: “A alfabetização é umprocesso contínuo; é dar outra signi-ficação à vida”.

Concordo em gênero, número egrau. Em plena era da Tecnologia daInformação ainda nos deparamoscom uma quantidade impressionan-temente grande de analfabetos, anal-fabetos funcionais e pessoas que sim-plesmente estão perdendo a habilida-de de colocar no papel suas idéias. Sefor verdade que a educação libertatambém é correto dizer que uma edu-cação de qualidade nos faz, não ape-nas seguir em frente, mas encurtanosso caminho em direção à realiza-ção profissional e até pessoal. E éexatamente aí que reside o grandedesafio brasileiro. Nos últimos 12anos, conseguimos universalizar o

conselhobom

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Outubro / Novembro ! Revista Afirmativa Plural 83

*repórter da revista Isto É Dinheiro e membrodo Conselho Curador da Faculdade Zumbi dosPalmares ([email protected])

opinião

ensino fundamental. Colocamos maisjovens nas universidades. Tambémincrementamos o ensino médio comcarreiras técnicas prestigiadas. Masbasta uma rápida análise nas estatís-ticas de empregabilidade e nos testesde qualidade de ensino para ver que,em boa medida, estamos diante deuma geração de analfabetos funcio-nais ou de profissionais desconecta-dos da realidade de mercado.

Há cerca de três anos foi lançadauma cruzada pela qualidade na edu-cação. O evento, festivo como nãopoderia deixar de sê-lo, hoje, em boamedida, se resume a uma foto na pa-rede. O movimento Todos pela Edu-cação caminha a passos largos para seconverter em mais uma idéia simpáti-ca, capaz de mobilizar as pessoas, masincapaz de se traduzir em uma políti-ca efetiva. Continuamos, o governo ea sociedade, concentrados nos desafi-os de curto prazo, no daqui a pouco.Sem nos preocuparmos em prepararo país e as pessoas que nele vivem paraum salto rumo ao futuro. A chaga doanalfabetismo, que impedia a peque-na e sonhadora menina Marina Silvade voar alto, segue ceifando futurosno agreste, na rica periferia de SãoPaulo, nos morros cariocas e nos pam-pas gaúchos. Em 2010 teremos maisuma rodada eleitoral. Será a hora derenovar o Congresso Nacional, esco-lher governadores e até o novo Presi-dente da República. Que tal apostar-mos em brasileiros e brasileiras éti-cos, honestos e verdadeiramentecomprometidos com a causa da liber-tação do povo, por meio da educa-ção? Esse conselho/sugestão comtom interrogativo é grátis.

Rosenildo Gomes Ferreira

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Entrada do Parque MemorialQuilombo dos Palmares

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Por Eliane Almeida, da redação

turismo

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morações, principalmente no Diada Consciência Negra, 20 de no-vembro, para relembrar a luta deZumbi dos Palmares.

Desde sua criação, a preserva-ção do sítio faz parte das atribui-ções institucionais da FundaçãoCultural Palmares, órgão vinculadoao Ministério da Cultura.

O quilomboLocalizada na Zona da Mata

alagoana, na atual cidade de Uniãodos Palmares, a 92 km de Maceió,às margens do rio Mundaú, a Serrada Barriga fica 500 metros acimado nível do mar, no Planalto daBorborema.

Em agosto de 1980, militantes domovimento negro local e nacional su-biram à serra pela primeira vez. Tal

símbolo de luta e liberdade. Hoje, olocal onde nasceu a República dePalmares faz parte de um projeto deturismo nacional que resguarda seuvalor histórico.

Palmares durou até 1695 e che-gou a ter uma população de cercade 20 mil pessoas. Situado em umavasta área da Capitania de Pernam-buco, principalmente na comarca deAlagoas, o quilombo ficava em umaregião serrana coberta por florestase de difícil acesso.

Hoje a Serra da Barriga recebeturistas que buscam conhecer umpouco mais da história do quilom-bo dos Palmares. No local foramconstruídos dois mirantes de ondese pode admirar toda a beleza dolocal e um posto de observação. Naserra também são realizadas come-

86 Revista Afirmativa Plural

O grito da liberdade ecoou. Daterra a esperança se fez. No colo damata, a segurança e a felicidade deser parte dela. Era com essa pers-pectiva que nascia, em 1597, a pri-meira república negra da AméricaLatina: o quilombo de Palmares.

Maior referênciada resistência àescravidão negrano Brasil, Palma-res foi e ainda é

Rio Mundaú,Beira Serra da Barriga

Vista da Serra da Barriga

Praça Central de União dos Palmares

turismo

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iniciativa levou à criação do Memo-rial Zumbi, que tem como objetivoprimordial recuperar a história doQuilombo dos Palmares e transformá-la em marco de luta no seio da comu-nidade negra brasileira.

Em novembro de 1985, a Serrada Barriga foi tombada pelo Insti-tuto do Patrimônio Histórico Ar-tístico Nacional (IPHAN) e carac-terizada como Conjunto HistóricoPaisagístico.

Parque MemorialQuilombo dos Palmares

Inspirado nas referências histó-ricas conhecidas, o parque home-nageia a história palmarina a partirdas interpretações feitas por estu-diosos e as expressões culturaisafro-brasileira e indígena presentesna população local.

A riqueza do patrimônio imaterialafro-brasileiro tem sido preservadaatravés da tradição oral e das práti-

cas religiosas, culturais e artesanais,encontradas nas casas religiosas dematriz africana e nas comunidades re-manescentes de quilombo.

O parque apresenta, em sua es-trutura, construções inspiradas naarquitetura de matriz africana e indí-gena que representam fielmente as daépoca do quilombo.

Roteiro turísticoA Serra da Barriga tem lugar de

destaque no projeto Rotas Culturaisde Turismo, uma iniciativa do Sebrae,Ministério do Turismo, Instituto Mar-ca Brasil e Secretaria de Estado deTurismo de Alagoas, Pernambuco eParaíba. O roteiro, chamado de “Ci-vilização do Açúcar”, agrupa e trans-forma em atrativos turísticos a influ-ência social, política e econômica dasociedade de senhores de escravos.

Em novembro, mês em que secomemora o dia da Consciência Ne-gra e aniversário de morte do líder

Zumbi dos Palmares, o município deUnião dos Palmares recebe uma mé-dia de cem mil visitantes.

Durante todo o mês de novembrohá programação especial de eventos eshows além da “Caminhada pelas Di-ferenças”, oficinas, palestras, atraçõesculturais e manifestações religiosas. OParque memorial Quilombo dos Pal-mares está aberto para visitação todosos dias das 8h às 17h.Fontes: www.quilombodospalmares.or.brwww.turismo.al.gov.brwww.agenciasebrae.com.brFotos: Maíra Villela

Casa Museu Maria Maria

Casa do Poeta Jorge de Lima

Artesanato Muquem

Casa de Farinha

Ocas no Parque Memorial

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turismo

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veículos

Da redação

88 Revista Afirmativa Plural ! Outubro / Novembro

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Para completar ainda mais a gamado Stilo e torná-lo ainda mais compe-titivo no mercado, a Fiat acaba de lan-çar duas novas versões para o mode-lo: Fiat Stilo Attractive 1.8 Flex e FiatStilo Attractive 1.8 Flex Dualogic.

Como já faz parte do DNA domodelo, essas novas versões trazemum excelente nível de conteúdos desérie que dão prazer ao dirigir umFiat Stilo. Entre eles, os consumi-dores encontram equipamentos que

o valorizam muito (conforme mos-trado em pesquisas) — como dire-ção elétrica Dual Drive, My Car Fiatque personaliza algumas funções docarro, ar condicionado, vidros dian-teiros, travas e retrovisores elétricos,volante com regulagem em altura eprofundidade, banco do motoristacom regulagem em altura, compu-tador de bordo e faróis de neblina.A versão Attractive 1.8 Flex Dualogicchega ainda com o câmbio Dualogicautomático, que atualmente repre-senta 60% das vendas do modelo.Além disso, oferece, como opcional,os comandos tipo borboleta no vo-lante para a troca de marchas, item

que agrega ainda mais tecnologia eesportividade ao modelo.

Com tudo isso, o grande atrativodas novas versões de entrada domodelo está no conjunto da comple-ta lista de equipamentos de série so-mada ao preço atraente e competiti-vo, o que resulta em economia parao bolso do consumidor. O Fiat StiloAttractive 1.8 Flex sai por apenas R$46.290 e o Fiat Stilo Attractive 1.8Flex Dualogic por R$ 48.770.

Mas as vantagens não param poraí. A lista de opcionais do StiloAttractive traz equipamentos que va-lorizam ainda mais o conforto e asegurança, como o reconhecidoHSD (High Safety Drive) compos-to por air bag duplo + ABS, vidroselétricos traseiros, piloto automá-tico e volante em couro com co-mandos do rádio e câmbio - estesdois últimos somente para a ver-são Dualogic.

Outubro / Novembro ! Revista Afirmativa Plural 89

Foto: Divulgação

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90 Revista Afirmativa Plural ! Outubro / Novembro

Na Estrada Paraty-Cunha, berçoda memória do antigo Caminho doOuro, lá no meio da Serra da Bocaina,o artista plástico Lauro Monteiro re-cria um Brasil mestiço. Baianas decurvas sedutoras, quitutes de dar águana boca, pimentas, canelas, uma Ga-briela de Jorge Amado ou uma ou-tra, Janaína, Iracema, Aurélia, Maria...A brasilidade expressa-se na obra deMonteiro, inspirado por essa nossaterra tupiniquim: à africana, à portu-guesa, à indígena. Foi com esse ce-nário como pano de fundo que elenos falou sobre sua arte, sua históriae suas inspirações.

Filho de uma família de comer-ciantes (o pai era português e a mãeera filha de imigrantes sirios-libane-ses), Monteiro nasceu em Araraqua-ra, em 1956 e foi criado naquele queera, em suas palavras, um importan-te “point dos anos dourados”: o res-taurante Monteiro, que pertencia asua família. O lugar reunia intelectu-ais, admiradores de boa gastronomiae boa música. Ignácio de Loyola Bran-dão, Zé Celso Martinez Corrêa, JeanPaul Sartre e Simone de Beauvoir

foram algumas das grandes persona-lidades que passaram por lá. Cedo apintura e o desenho se fizeram pre-sentes em sua vida.

Artista plástico, designer, diretorde teatro e produtor cultural, já fezinúmeras exposições coletivas e in-dividuais no Brasil e no exterior.

Com um trabalho ora figurativo,ora abstrato, mas sempre contempo-

râneo, sua obra é, invariavelmente,fruto de muito estudo e pesquisa, eem vários momentos esbarra na artepopular e nas “coisas” do Brasil.“Folclore, culinária, musicalidade,enfim... Tudo no Brasil me interessa,seja social, político.... Isso tudo eutraduzo em cores e formas em meustrabalhos”, conta.

Em 2006 o artista transferiu seu

reflexões

Cozinheiras

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Por Luana Antunes Costa*

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Outubro / Novembro ! Revista Afirmativa Plural 91

reflexões

* é tradutora e mestre em Literatura Portuguesa eLiteraturas Africanas de Língua Portuguesa pelaUniversidade Federal Fluminense. Atualmente éeditora da Campanha Fotográfica África emNós – Assesssoria de Cultura para Gêneros eEtnias da Secretária de Estado da Cultura deSão Paulo.

Dona Conceição

Moça com copos-de-leite

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estúdio, aberto 10 anos antes, paraParaty (RJ), realizando então um so-nho que acalentava há 11 anos, quan-do conheceu a cidade. A mudança temuma explicação que envolve a Áfricae sua arte. “O que nos separa é exata-mente essa muralha que é formadapela Serra do Mar – que se despren-deu em um momento histórico qual-quer, separando os continentes. Cor-dão umbilical. O ponto de separação(ou de união, seja geográfico ou fisio-lógico) é Paraty. Que reúne os maisimportantes aspectos culturais (afros,folclóricos, indígenas, caiçaras etc.)”.

O artista diz que as formas que ofazem criar são a figura feminina, emsuas linhas arredondadas, e as formasdos peixes, frutos do mar, as frutas eflores brasileiras. A recorrência dasimagens femininas e da culinária afro-brasileira é uma das linhas de força desuas obras. Sobre isso ele diz: “As for-mas femininas sempre me interessa-ram para um traço preciso e impecá-

vel... A figura da mãe ou da mãe terra,provedora de tudo, é uma representa-ção que, pra mim, é muito intensa”.

Inspirado pelos “temperos” vindosda África e outros “sabores”, Monteiropesquisou receitas de família e na lite-ratura específica. Nesse universo eleencontrou uma série de textos, que tra-duziu em formas, expressões do coti-diano e cores, desenvolvendo assim asérie “Temperos do Brasil”.

A cozinha brasileira e, sobretudo,a culinária da Bahia – um dos seusfocos – uma das mais conhecidas etípicas, receberam muitas influênci-as de pratos de origem africana, di-ferenciados pelo tempero mais forteà base de azeite de dendê, leite de

coco, gengibre e pimenta de váriasqualidades.

Há ainda temperos e comidas uti-lizadas nas oferendas – as comidasde santo – que são feitas nos terrei-ros de candomblé para serem ofere-cidas aos orixás. Outras são impreg-nadas de afrodisíacos, seja nas coresseja nos fortes sabores. E a arte deLauro Monteiro, vai se fazendo as-sim, com pitadas generosas de sons,cores e sabores do Brasil.

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afirmativo

Vivemos um momento de come-moração. Temos a sensação que a te-lenovela acabou oferecendo para opúblico a primeira Xuxa negra da TVbrasileira. O peso simbólico de umamulher negra como protagonista da“novela das oito”, interpretando umamodelo de beleza, rica, famosa, ad-mirada internacionalmente, além deser uma mulher segura e inteligente,é fator de auto-estima para milhõesde crianças, jovens e adultas brasilei-ras, latino-americanas e africanas,considerando a penetração interna-cional das novelas brasileiras. É fa-tor de admiração, desejo e respeitopara homens de todas as raças. E,considerando também que o grandeícone de beleza para crianças e ado-lescentes de várias gerações foi XuxaMeneghel, que reinou no imagináriobrasileiro e latino-americano comoum reforço da estética ariana comoo padrão ideal desejado para nossocontinente, Taís Araújo, ao ocupar o

posto principal da novela mais im-portante do horário nobre, vem fi-nalmente contrabalançar e democra-tizar referências.

Mas, a nossa expectativa de veratores negros representando pesso-as comuns, com as dores e os praze-res de qualquer ser humano é tãogrande que no momento em queconstatamos a existência de atrizesnegras em papéis chaves de três no-velas da rede campeã de audiência doBrasil, esquecemos que o conjuntoda programação da TV brasileiracontinua insistindo na ideologia dobranqueamento. Os atores negrosainda não estão livres de serem esca-lados para representar e reforçar osestereótipos da subalternidade, doatraso e das misérias sociais do País.

A escalação de Taís Araújo, pararepresentar a clássica personagem deHelena, foi justificada pelo autor, epela emissora, como decorrente dotalento da atriz, e não de suas carac-

terísticas raciais. Entretanto, concor-dando de antemão com o talento,beleza e carisma da atriz para ocupartal posto, esse aparente discurso anti-racista entra em contradição com aconstrução dos personagens e dosdramas da família de Helena. A mãeda personagem, Edite (Lica Olivei-ra), apesar de ser uma mulher fina,elegante e bem educada, tem umapousada quatro estrelas em Búziosque é um presente da filha. Em umaevidente diferença das outras perso-nagens brancas de meia idade de clas-se média da telenovela, Edite nãoconsquistou o seu lugar na socieda-de em decorrência do seu trabalho,talento e posição social. Sandrinha(Aparecida Petrowky), a irmã proble-ma da personagem é obcecada pelojovem favelado e criminoso Benê(Marcelo Mello). A família de Hele-na é o único núcleo envolvido com aviolência da juventude negra dosmorros, nesse caso representada pelo

vivera

comemorando

diversidadevidaa

Por Joel Zito Araújo*

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personagem Bené, que reforça oimaginário de ameaça social que aclasse média tem da nova geraçaoque vive nas favelas. E é exatamen-te através de uma família negra, masque podia ser de qualquer cor con-forme os porta-vozes da emissora,que constatamos as conexões danovela com os estereótipos dosmorros perigosos e da violência dospobres do Rio de Janeiro.

O personagem de Onofre (Cláu-dio Jaborandy), caseiro do galã Mar-cos (José Mayer), um mulato, portan-to, pretensamente ideal para caracte-rizar os argumentos de que não so-mos racistas porque somos o País damiscigenação, é o que mais reiteraestereótipos antigos e batidos.

O mulato trágico já foi analisa-do em meu livro A Negação do Bra-sil, como exatamente aquele que foimais retratado como um ser ressen-tido e infeliz, em decorrência dasangústias por sua situação em que-rer ser a passagem da “raça inferior”para a “superior”. Onofre é o perso-nagem “bundão”, um serviçal semcaráter, interesseiro, duas caras, re-cuperando mitos antigos, e quaseesquecidos, sobre como misturarraças produz sub-espécies.

Esse exame rápido da novela domomento põe por terra o discursoda neutralidade dos realizadores detelenovela diante das característicasraciais dos atores na escalação deelencos. Não é demasiado insistir queo número de atores afro-descenden-tes escalados para cada novela noconjunto das emissoras continua ri-gorosamente dentro de uma espéciede cota negativa para negros, quenunca foi ultrapassada. Nenhumanovela teve mais de dez por cento de

personagens negros no conjunto doseu elenco. Uma “cota” que mesmosendo mínima nem sempre foi asse-gurada. Se formos além, e examinar-mos a programação diária constituí-da por apresentadores de telejornais,de programas de auditório e de es-porte, de programas infantis, e poratores e modelos em comerciais, apouca presença de negros é gritante.

Como podemos perceber, negaro problema tira os méritos da emis-sora líder de audiência, que poderiatambém assumir a liderança nadesconstrução de séculos de estere-ótipos negativos contra a populaçãonegra, no Brasil e no restante do

mundo. E faz da escalação de trêsexcelentes atrizes negras apenas umacaso racial. Quando deveria ser co-memorado, do lado de cá e de lá datelinha, com muitas taças dechampagne, como o marco de umnovo tempo para um segmento po-pulacional sempre excluído do me-lhor da festa.

* Joel Zito Araújo criador e diretor dos filmesCinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado,(03 prêmios de melhor filme e diretor), ANegação do Brasil vencedor do Festival É TudoVerdade (2001) e Filhas do Vento (ganhadorde 8 kikitos no Festival de Gramado de 2005).Autor do livro A Negação do Brasil – o negrona telenovela brasileira e de vários artigos sobremídia e identidade negra.

Joel Zito Araújo

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preto e branco

O primeiro presidente negro dos Estados Unidos ganha o Prêmio Nobel da Paz 2009.

Barack Hussein Obama, aos 48 anos, ultrapassa todas as barreiras. Depois de um

processo eleitoral histórico que chamou a atenção do mundo inteiro, Obama tem seus

esforços recompensados. Em poucos meses de trabalho, seu foco foi a busca pela paz

mundial, pelo desarmamento nuclear e iniciou o processo de paz no Oriente Médio.

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