jornal sbhci

20
Ano XVII | n o 2 | #54 Abril, Maio e Junho de 2014 Publicação trimestral da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista Polímeros e stents bioabsorvíveis em debate O que pensam os especialistas sobre a denervação renal SBHCI em defesa da oferta de stents farmacológicos na rede pública

Upload: sbhci

Post on 02-Apr-2016

259 views

Category:

Documents


23 download

DESCRIPTION

Ano XVII | no 2 | #54 Abril, Maio e Junho de 2014

TRANSCRIPT

Page 1: Jornal SBHCI

SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014 – 1

Ano XVII | no 2 | #54Abril, Maio e Junho de 2014

Publicação trimestral da Sociedade Brasileirade Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista

Polímeros e stents bioabsorvíveis em debate

O que pensam os especialistas sobre a denervação renal

SBHCI em defesa da oferta de stents farmacológicos na rede pública

Page 2: Jornal SBHCI

2 – SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014

Palavra do Presidente

Hoje nossos olhares se voltamao Congresso 2014. Queremos torná-lo um dos mais completosencontros científicos dosúltimos tempos

Associado: o coração da SBHCI

Caro colega, já ultrapassamos os

primeiros seis meses à frente da

Diretoria da nossa SBHCI. Estamos

iniciando a atualização de nossas Diretri-

zes em Intervenção Coronariana Percutâ-

nea, progresso importante que acarretará

uma série de benefícios para a prática diá-

ria e para os pacientes.

Neste momento, nossos olhares se vol-

tam ao Congresso 2014, em Porto Alegre

(RS), que está próximo. Trabalhamos com a

meta de torná-lo um dos mais completos

encontros científicos na área de cardiolo-

gia intervencionista e hemodinâmica dos

últimos tempos.

Vocês são a parte maior de nosso Con-

gresso. Para satisfazê-los, construímos uma

grade de palestras de altíssima relevância e

teremos renomados professores nacionais

e internacionais como palestrantes, além

da transmissão de casos ao vivo de Porto

Alegre, Itália e Estados Unidos. A infraestru-

tura também será das melhores, para pro-

porcionar conforto e funcionalidade para

a atualização e revisão de conhecimentos.

Aproveito para convidá-los a participar

da Assembleia Geral Extraordinária, que

acontecerá em 31 de julho, na sala Pôr-

-do-Sol, no Centro de Exposição da Fede-

ração das Indústrias do Rio Grande do Sul

(FIERGS). À oportunidade, discutiremos as

propostas para alteração do Estatuto.

Durante a Assembleia, teremos nova ses-

são de lançamento do livro “O papel da SBHCI

na incorporação do TAVI no Brasil”, de autoria

de nossos amigos Marcelo Antônio Cartaxo

Queiroga Lopes, Pedro Alves Lemos Neto e

Fábio Sândoli de Brito Júnior. Distribuiremos

exemplares aos presentes e enviaremos tam-

bém aos demais sócios via correio.

Convidamos também a todos para parti-

cipar, no dia 10 de agosto, da cerimônia de

premiação dos sete melhores trabalhos pu-

blicados na Revista Brasileira de Cardiolo-gia Invasiva em conjunto com os melhores

temas livres apresentados no Congresso.

Destaco ainda a colaboração e partici-

pação de todos os sócios em nosso Censo

SBHCI 2014. Além de fornecer dados es-

tatísticos de suma relevância, poderemos

desenhar o cenário da profissão em nosso

País, retratando a realidade e as dificulda-

des encontradas em todos os cantos do

território nacional. Dessa forma, trabalha-

remos com mais efetividade em prol da

especialidade e da saúde.

Serão apresentados os resultados parciais

ao término do Congresso, e, para tanto, con-

tamos com sua colaboração. O prazo é curto,

e nos falta receber 40% dos questionários (o

questionário está localizado no site da SBHCI,

com acesso exclusivo e protegido). Faça par-

te desse quadro e colabore com suas infor-

mações, fundamentais para o crescimento e

o desenvolvimento da nossa SBHCI.

Obrigado e até o Congresso.

Hélio Roque Figueira

Presidente da SBHCI

Page 3: Jornal SBHCI

ÍndiCe

SBHCI – JAn/Fev/MAr de 2014 – 3

Conselho editorial: SBHCI – www.sbhci.org.brHélio Roque Figueira (RJ): PresidenteSalvador André Bavaresco Cristovão (SP): Diretor-administrativoAndré Gasparini Spadaro (SP): Diretor de Comunicação Luciana Constant Daher (AL): Editora Fábio Augusto Pinton (SP) e Breno Oliveira (SP): Coeditores

Equipe técnica: Acontece Comunicação e NotíciasJornalista responsável: Chico Damaso – MTB 17.358/SPDireção de arte: Giselle de Aguiar PiresImpressão: Colorsystem Gráfi ca Digital e OffsetTiragem: 2.000 exemplares Circulação: Em todo o território nacional

AconteceAconteceFone: (11) 3871-0894 | [email protected]

Jornal da SBHCI é uma publicação trimestral da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista – SBHCI. Os textos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores ou fontes consultadas e não refl etem necessariamente a opinião da SBHCI.

#5402/2014

4

9

5

14

6

16

8

20

SAÚDE SUPLEMENTAR

AUDIÊNCIA COM MINISTRO

SBHCI pede inclusão do TAVI no SUS

SISTEMA PÚBLICO

STENTS FARMACOLÓGICOS NO SUS

Restrição da CONITEC é repudiada

REGULAMENTAÇÃO

FÓRUM CFM

Incorporação do TAVI no Brasil em debate

ARTIGO

TAVI OU TROCA VALVAR CIRÚRGICA?

Estudo compara técnicas em

pacientes de alto risco

ENTREVISTA

POLÍMEROS E STENTS

Comparação entre materiais revela tendência

INTERNACIONAL

CARLOS CAMPOS

A nova rotina do pesquisador na Holanda

DEBATE

CENÁRIOS CLÍNICOS

O que pensam os especialistas sobre a

denervação renal

HOMENAGEM

ORDEM DO IPIRANGA

Cardiologista intervencionista recebe medalha

FSC - P3

51

Page 4: Jornal SBHCI

4 – SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014

saÚde sUPleMentar

SBHCI leva ao ministro da Saúde pleito pela inclusão do TAVI no rol do SUSEncontro com Arthur Chioro reabre canal de comunicação com entidades médicas

Em meados de abril, a SBHCI marcou presença em audi-ência com o ministro da Saúde Arthur Chioro, agendada pelo deputado federal Hugo Mota. Ao lado de Hélio Ro-

que Figueira, presidente, estavam Marcelo Queiroga, diretor de Avaliação de Tecnologia em Saúde e André Spadaro, diretor de Comunicação, além de Claudia Rodrigues Alves, representante da Universidade Federal de São Paulo.

A primeira impressão dos representantes da SBHCI é de que o ministro pretende restabelecer canais de diálogo com os profis-sionais de medicina, já que as partes estão estremecidas desde a implantação do Programa Mais Médicos. Aliás, o próprio mi-nistro Chioro reconheceu que a relação sofreu grande desgaste.

Segundo o presidente da SBHCI, a audiência ocorreu funda-mentalmente em função da necessidade de implantação de um novo registro de intervenções coronárias percutâneas no Brasil, o ICP-Br, que deixaria de ser realizado em papel, passando a ser feito em formulário eletrônico via internet. “O modelo inteiramen-te financiado pela SBHCI já está pronto, mas precisa ser testado. Para isso, desenvolvemos um projeto piloto no qual a plataforma será testada em seis hospitais de diferentes perfis no Brasil por um prazo de três a seis meses. Com o preenchimento deste banco de dados (ICP-Br), geraremos um código que deverá ser obrigato-riamente colocado na Autorização de Internação Hospitalar (AIH), caso contrário o procedimento não seria faturado.”

Já na pauta de suas prioridades há cerca de dois anos, a SBHCI aguardava para o segundo semestre de 2013 um estudo piloto envolvendo sete centros no Brasil, em parceria com o Ministério da Saúde; no entanto, não houve avanços nessa etapa preliminar.

“Apresentamos o projeto ao novo ministro, que demonstrou bastante interesse em retomar as medidas para efetiva imple-mentação do registro. A mais recente informação que tivemos de assessores do ministro a esse respeito é de que a Agência Na-cional de Vigilância Sanitária (ANVISA) iniciou registro piloto com órteses e próteses na área de Ortopedia e que, assim que con-cluído, o mesmo modelo deve ser aplicado na área de implante de stents para a Cardiologia Intervencionista”, avalia Spadaro.

Outro ponto destacado por Claudia é a necessidade de en-curtar a distância no Sistema Único de Saúde (SUS) entre o que

seriam tratamentos ideais e o que efetivamente é possível fazer na rede do SUS. “Fui agradavelmente surpreendida pela aten-ção e tempo dedicados a nossa visita, tanto do deputado Hugo Mota quanto do ministro Chioro, que expressaram compreen-são da justeza de nossas reivindicações”, afirmou Claudia.

Para reforçar ainda mais a gravidade do problema, Claudia exemplifica que gostaria de deixar de ensinar aos seus alunos como se trata na Cleveland Clinic e o que dá para fazer pelo SUS. “Tanto no aspecto assistencial quanto no aspecto educacional, sa-lientei nossa expectativa de aproximar a medicina praticada em pacientes com maiores recursos econômicos daquela atualmente disponível aos pacientes do sistema SUS, nos quais o benefício pode ser ainda maior considerando-se a disponibilidade e as taxas de mortalidade da cirurgia aberta em hospitais públicos.”

dossiêOutro ponto de destaque do encontro foi a entrega ao minis-

tro, por Queiroga, de um dossiê sobre o implante por cateter de bioprótese valvar aórtica (TAVI). A extensa documentação revela a atuação da SBHCI na tentativa de incluir o procedimento no rol do SUS. “O ministro nos recebeu bem, ouviu com atenção o que falamos sobre a estenose aórtica e sobre o TAVI e revelou que não havia ainda tomado conhecimento sobre o problema. Cien-te de tudo, se prontificou a se inteirar da situação para chegar à melhor saída”, explica Queiroga.

Ainda de acordo com Queiroga, o encontro representou uma reabertura do canal de negociação com o Ministério da Saúde. “Diante da possibilidade de expor o problema e também a nossa posição, saímos com expectativa positiva. O ministro é um pro-fissional da área, professor universitário; esperamos que aja de acordo com as nossas expectativas.” ”“Ministro mostrou

empenho em restabelecer o diálogo com os profissionais da medicina

Ministro Arthur Chioro (terceiro da direita para a esquerda) recebe presidente e diretores da SBHCI em audiência

Page 5: Jornal SBHCI

SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014 – 5

A SBHCI reagiu prontamente ao recente parecer da Comis-são Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC), condicionando a liberação de stents farmacológicos no

Sistema Único de Saúde (SUS) somente a intervenções endo-vasculares cardíacas e extracardíacas em pacientes diabéticos e com lesões em vasos finos. Protocolou parecer oficial em defesa da universalização do uso do dispositivo, requerendo a amplia-ção da oferta, independentemente de diferença de valor com relação ao stent convencional.

“A despeito do uso de stent não alterar a mortalidade global, salvo exceção no infarto agudo do miocárdio, ele pode propiciar melhora na qualidade de vida de pacientes com doença coro-nariana aguda e/ou crônicos sintomáticos e que apresentam anatomia coronariana favorável ao seu implante”, explica Hélio Roque Figueira, presidente da SBHCI.

O parecer da CONITEC se baseou no fato de os stents farmacoló-gicos não demonstrarem superioridade no tratamento de doença arterial coronariana (DAC) em comparação aos convencionais, e que sua utilização só é vantajosa em custo-efetivo em casos mui-to específicos. Segundo a CONITEC, a incorporação também deve ser restrita a quadros de calibre < 2,5 mm e extensão > 18 mm, condicionada ao mesmo valor de tabela do stent convencional, que é de R$ 2.034,50.

A SBHCI pleiteia a inclusão dessa tecnologia no Sistema Único de Saúde (SUS) há cerca de dez anos, porém o suposto valor elevado desses dispositivos é empecilho à incorporação.

“Há mais de uma década os pacientes da rede pública estão segregados de recorrer a uma tecnologia que comprovadamente é benéfica, pois reduz significativamente a necessidade de repe-tição de novos procedimentos de revascularização do miocárdio em todos os cenários clínicos e angiográficos”, afirma Marcelo Queiroga, diretor de Avaliação de Tecnologia em Saúde da SBHCI.

Desde 2002 até a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para a produção nacional dos stents farma-cológicos, o mercado brasileiro só contava com dispositivos im-

Em defesa da ampliação da oferta de stents farmacológicos na rede públicaRestrição da CONITEC impedindo incorporação do dispositivo no SUS é repudiada pela SBHCI

portados. Com a entrada do equipamento nacional em fevereiro de 2012, o preço caiu 10%, fazendo com que médicos acreditas-sem que isso facilitaria a sua oferta no SUS.

Hoje, após mais de uma década, não existem mais questões significativas relativas ao custo que impeçam a inclusão dos stents farmacológicos no SUS.

A indicação da SBHCI (disponível no portal www.sbhci.org.br) é a de que o valor economizado com a queda dos preços dos stents convencionais seja revertido para o financiamento das interven-ções coronárias percutâneas, enquanto não for modificada a re-muneração às instituições de saúde, abrangendo procedimento hospitalar, honorários médicos e demais materiais necessários.

No momento, a SBHCI aguarda uma posição da CONITEC, a ser deliberada pelo secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos Estra-tégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha. Entretanto, antes da definição, já há uma certeza: essa luta só chegará ao fim quando 100% dos pacientes forem beneficiados pela incorporação.

sisteMa PÚBliCo

Page 6: Jornal SBHCI

6 – SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014

reGUlaMentaÇÃo

O Conselho Federal de Medicina (CFM) debateu, no fim de maio, a incorporação do implante por cateter de bioprótese valvar aórtica (TAVI) pelo sistema de saúde brasi-leiro público e suplementar. O assunto foi tema do “Fórum sobre Racionamento de

Novos Procedimentos em Idosos como Política Pública de Saúde”, promovido pela SBHCI. Embora o TAVI beneficie, principalmente, as pessoas com mais de 70 anos que sofrem de

estenose aórtica grave e que não podem fazer a cirurgia tradicional, o Ministério da Saúde, por meio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC), tem negado sua inclusão no rol de procedimentos.

O absurdo vem exaltando ânimos. Durante o encontro no CFM, o padre e médico Aníbal Gil Lopes comparou a exclusão do TAVI a uma atitude segregacionista.

novas teraPias O presidente do CFM, Roberto Luiz d’Ávila, prestigiou o Fórum, apresentando o painel

“Papel do CFM no reconhecimento de novas terapias após a lei do Ato Médico”. “Resoluções internas já davam a nossa instituição esse poder, mas a lei deu certeza abso-

Fórum debate incorporação do

TAVI no Brasil

CFM promove discussão sobre

a oferta do dispositivo na

saúde pública e complementar

SBHCI defendeu, no evento, a incorporação do TAVI no SUS

Page 7: Jornal SBHCI

SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014 – 7

luta de que é prerrogativa nossa autorizar novos procedimentos,” afirma d’Ávila. O CFM esclarece que o TAVI foi autorizado pelo CFM pelo Parecer 03/12, depois que o plenário de conselheiros se con-venceu de que o procedimento garante possibilidade de sobrevi-da com qualidade aos idosos. “Esperávamos que, com isso, fosse dada a autorização. Como ela não aconteceu, a luta continua.”

UtilitarisMoAníbal Gil Lopes, membro da Comissão para Reconhecimento

Científico de Novos Procedimentos em Medicina do CFM, pales-trou sobre o tema “Utilitarismo e o racionamento de novas tera-pias em idosos – há respaldo bioético para a prática no Brasil”. De acordo com a concepção utilitarista, só é bom o que atende um maior número de cidadãos. Esse entendimento é usado como base quando se nega a inclusão do TAVI no Sistema Único de Saúde (SUS), já que ele beneficiaria quantidade reduzida de pes-soas, quase todas com mais de 70 anos.

“A justiça da maioria é cruel, pois penaliza a minoria. Neste caso, os mais idosos”, afirma o padre, que defende mais diálogo para que seja encontrada uma solução para a questão.

ContestaÇÃo“Desafios para incorporação do TAVI no Sistema de Saúde do

Brasil” foi o tema da explanação do cardiologista Marcelo Quei-roga, diretor de Avaliação de Tecnologias em Saúde da SBHCI e um dos autores do livro “Atuação da SBHCI na Incorporação do Implante por Cateter de Bioprótese Valvar Aórtica no Brasil”, lançado durante o Fórum.

Queiroga explica que os números usados pela CONITEC para negar a inclusão do TAVI no SUS estão superdimensionados. “Nas contas deles, o TAVI geraria uma despesa anual de R$ 1 bilhão. Para chegar a esses valores, o governo diz que seriam realizados 12.571 procedimentos de TAVI por ano. Impossível alcançarmos este número”, argumenta. “Nos Estados Unidos, com população maior que a brasileira, são feitos cerca de 9 mil por ano.”

Queiroga lembra, ainda, que o SUS efetivou, em 2012, pouco mais de 12 mil cirurgias cardíacas para tratamento de todas as doenças valvares. “Ora, se o TAVI é indicado apenas para uma par-cela dos doentes cardíacos (portadores de valvopatias aórticas), estamos bem longe de alcançar o número previsto pelo governo.”

LançamentoImportante destaque do Fórum foi o lançamento do

livro “Atuação da SBHCI na Incorporação do Implante por Cateter de Bioprótese Valvar Aórtica no Brasil”, de autoria de Marcelo Queiroga, Pedro Alves Lemos Neto e Fábio Sândoli de Brito Júnior.

A obra faz inclusive uma homenagem ao procurador da República Kelston Pinheiro Lages, por ter ingressado, em outubro de 2013, com uma Ação Civil Pública para que a Agência Nacional de Saúde (ANS) incluísse o implante por cateter de bioprótese valvar aórtica (TAVI) em seu rol de procedimentos e eventos em saúde. No entanto, a liminar concedida pela Justiça Federal no Piauí, com efeito nacio-nal, obrigando a Agência Nacional de Saúde (ANS) a incluir o procedimento no prazo máximo de 30 dias, foi cassada.

JUstiÇa A negativa da CONITEC é usada pela Agência Nacional de

Saúde Suplementar (ANS) para negar a cobertura do TAVI pe-los planos de saúde. Para ter acesso, usuários têm procurado a Justiça. Desde 2008, após a aprovação do procedimento pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), cerca de 800 pessoas já conseguiram, via judicial, que o governo pagasse o tratamento. Uma delas é a freira Nora Ellen Stenger, que levou sua história ao Fórum. “O CFM está de parabéns por encampar essa luta. Eu só permaneço viva graças ao TAVI e vou lutar para que mais pessoas sejam beneficiadas.”

soBrevidaO jurista e professor titular do Departamento de Filosofia de Di-

reito da Universidade de São Paulo, Tércio Sampaio Ferraz, abordou o mote “Opção pela morte – abordagem jusfilosófica”. Para ilustrar seu pensamento, ele contou a história do sogro, médico, que após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) continuou clinicando até a morte, dez anos depois. “Ele maldizia a doença, mas em nenhum momento pensava em desistir da vida. A CONITEC, ao negar o TAVI, afirma que muitos idosos preferem a morte a permanecer acama-dos e dependentes. Asseguro que se uma pessoa tem a possibilida-de de ter uma sobrevida, ela prosseguirá lutando.”

O Fórum terminou com um debate, tendo à frente o primeiro vice-presidente do CFM, Carlos Vital, o subprocurador-geral da República na Paraíba, Eitel Santiago de Brito Pereira, e o presi-dente da SBHCI, Hélio Roque Figueira.

Em sua intervenção, Vital sugeriu que a sociedade se mobili-ze pelo TAVI. Já o presidente da SBHCI agradeceu ao CFM por apoiar essa batalha de médicos e pacientes. Por fim, criticou o argumento da CONITEC de que o idoso prefere morrer a sofrer um AVC. “Trata-se de uma declaração infeliz, inoportuna e cruel.”

Page 8: Jornal SBHCI

8 – SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014

artiGo

Implante Percutâneo Valvar AórticoEstudo confirma superioridade do TAVI em relação à troca valvar cirúrgica em pacientes com estenose aórtica grave de alto risco cirúrgico

O implante por cateter de bioprótese valvar aórtica (TAVI) com o dispositivo autoexpansível CoreValve® (Medtronic, Inc.) mostrou redução de mortalidade ao

final de um ano de seguimento, quando comparado ao tra-tamento cirúrgico convencional em pacientes com estenose aórtica sintomática e de alto risco cirúrgico, de acordo com o CoreValve US High Risk Trial, apresentado por David H. Adams, chefe do Departamento de Cirurgia Cardiotorácica do Hospi-tal Mount Sinai, em Nova Iorque, no congresso do American College of Cardiology em março de 2014 e publicado simul-taneamente no New England Journal of Medicine.

O CoreValve US High Risk Trial é um dos “braços” do Core-Valve US Pivotal Trial. O outro “braço”, o CoreValve US Extreme Risk Trial, foi apresentado no Transcatheter Cardiovascular Therapeutics (TCT) em 2013 e noticiado na edição anterior do Jornal da SBHCI.

O objetivo do CoreValve US High Risk Trial foi comparar a segu-rança e a eficácia da prótese autoexpansível CoreValve® com a cirurgia convencional de troca valvar aórtica em pacientes sin-tomáticos com estenose aórtica grave e de alto risco cirúrgico.

A bioprótese autoexpansível CoreValve® é composta por uma estrutura de nitinol e três folhetos de pericárdio suíno. Possui quatro tamanhos disponíveis nos diâmetros 23, 26, 29 e 31 mm, podendo ser implantada em anéis valvares que va-riam de 18 a 29 mm de diâmetro. Utiliza um sistema de en-trega de 18 F e pode ser implantada pelas vias transfemoral, trans-subclávia ou transaórtica.

O estudo randomizou 795 pacientes em 45 centros americanos, sendo 394 pacientes para o tratamento percutâneo (grupo TAVI) e 401 para o tratamento cirúrgico. Foram incluídos pacientes com sin-tomas de insuficiência cardíaca (NYHA ≥ 2), estenose aórtica grave e de alto risco cirúrgico. Os pacientes eram considerados de alto risco cirúrgico se dois cirurgiões cardíacos e um hemodinamicista estimassem mortalidade superior a 15% ou mortalidade e compli-cações irreversíveis inferiores a 50% em 30 dias, utilizando o escore STS e outros fatores de risco considerados importantes e não con-templados no escore, como fragilidade. Foram excluídos pacientes com fração de ejeção inferior a 20%, doença coronariana significa-tiva não tratada, clearance de creatinina inferior a 20 mL/min, san-gramento gastrointestinal nos últimos três meses, acidente vascular cerebral (AVC) nos últimos seis meses, infarto agudo do miocárdio (IAM) no último mês, implante de stent convencional no último mês ou farmacológico nos últimos seis meses.

O desfecho primário do estudo foi mortalidade por todas as

causas em um ano. Foram realizadas análises de não-inferiori-dade e de superioridade, assim como análise por intenção de tratamento (intention to treat) e de acordo com a terapia efetiva-mente recebida (as treated).

A média de idade da população foi de aproximadamente 83 anos, sendo 53% do sexo masculino. Cerca de 30% dos pacientes tinham cirurgia cardíaca prévia e 13%, AVC prévio. O escore STS e o EuroSCORE logístico médio foram de 7,5% e 18%, respectivamente.

Ao final de um ano de seguimento, a mortalidade por todas as causas foi significativamente menor no grupo TAVI compara-do ao cirúrgico (14,2% x 19,1%; p<0,001 para não-inferioridade e p=0,04 para superioridade).

As taxas de complicações cardiovasculares e cerebrovasculares maiores em um ano também foram significativamente menores no grupo TAVI (20,4% x 27,3%, p=0,03). A incidência de AVC foi de 8,8% no grupo TAVI e 12,6% no grupo cirurgia (p=0,10). Complica-ções vasculares maiores e necessidade de marca-passo definitivo foram maiores no grupo TAVI quando comparado ao grupo cirúr-gico (6,2% x 2,0%, p=0,004 e 22,3% x 11,3%, p<0,001, respectiva-mente). Sangramento com risco de morte, insuficiência renal agu-da e fibrilação atrial foram significativamente mais frequentes no grupo cirúrgico (16,6% x 38,4%, p<0,001; 6,0% x 15,1%, p<0,001; e 15,9% x 32,7%, p<0,001, respectivamente).

Este foi o primeiro estudo prospectivo a mostrar que o implan-te percutâneo valvar aórtico foi superior ao tratamento cirúrgico convencional em pacientes com estenose aórtica de alto risco cirúrgico. A prótese CoreValve® vem sendo utilizada em pacien-tes com estenose aórtica grave de extremo risco cirúrgico des-de janeiro de 2014 nos Estados Unidos, e, após a publicação do CoreValve US High Risk Trial, o Food and Drug Administration (FDA) aprovou, em junho de 2014, sua utilização também para pacien-tes de alto risco cirúrgico.

”“As taxas de complicações

cardiovasculares e cerebrovascularesmaiores em um ano também foram significativamente menores no grupo TAVI

Page 9: Jornal SBHCI

SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014 – 9

entrevista

É inegável a forte tendência à utilização de materiais bio-absorvíveis na intervenção coronária, desde a forma de polímero em stents metálicos até os stents totalmente

bioabsorvíveis, que reafirmam a ideia de que quanto menos material restar dentro da coronária mais segurança é confe-rida ao procedimento. Para debater o assunto, o Jornal da SBHCI entrevistou José Ribamar Costa Junior e Alexandre Abizaid, ambos da Comissão Científica da SBHCI, que afirmam que os materiais vieram para ficar.

Qual o papel atual e perspectivas futuras desses mate-riais bioabsorvíveis na Cardiologia Intervencionista?

Existem hoje diversos programas de stents metálicos farmaco-lógicos com polímeros bioabsorvíveis. A Tabela 1 (veja na pág. 10) resume as principais características desses dispositivos (todos já aprovados para uso clínico no Brasil). Até o momento não existem grandes estudos mostrando superioridade entre os polímeros du-ráveis dos stents farmacológicos de segunda geração e os de polí-mero bioabsorvível. Isso requer duas coisas básicas: tempo maior de seguimento, pois caso haja vantagem de um sobre o outro isso ocorrerá a longo prazo, após a absorção do polímero, que em ge-ral ocorre no primeiro ano após o implante; e grande número de pacientes complexos incluídos no estudo, pois só assim teremos número de eventos suficiente para procurar diferenças. Quando fa-lamos em número grande de pacientes são estudos com mais de cinco mil indivíduos, já que felizmente as tromboses tardia e muito tardia são eventos cada vez mais raros. E, claro, não podemos es-quecer que essa nova geração de stents com polímeros duráveis é também excelente. Portanto, o embate é bastante difícil.

Há evidências de superioridade de polímeros biodegra-dáveis em relação aos DES atuais com polímeros duráveis?

A resposta a esta pergunta de certa forma remete à questão anterior. Para tentar ultrapassar a barreira dos megaestudos, com milhares de pacientes, temos tentado utilizar desfechos substitu-tos (função endotelial, USIC, OCT, etc.) para demonstrar em po-pulações menores a existência de diferenças entre essas tecno-logias. Até agora, os resultados não são definitivos em favor de nenhum dos dois lados. Nosso grupo, em conjunto com a equipe do Santa Marcelina, recentemente realizou um estudo randomi-zado comparando dois dos expoentes dessas classes de stents farmacológicos: o Xience V (com polímero durável) e o BioMatrix (com polímero bioabsorvível). Ao todo, 40 pacientes foram trata-dos de forma randomizada (1:1), submetidos a avaliação da fun-

Polímeros e stents

bioabsorvíveis

José Ribamar Costa Junior Alexandre Abizaid

Page 10: Jornal SBHCI

10 – SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014

entrevista

ção endotelial e avaliação com angiografi a quantitativa, ultrassom e tomografi a de coerência óptica aos seis meses. Os resultados desse estudo foram apresentados no congresso do EuroPCR em Paris, em 2013. Poderíamos resumir dizendo que os eventos foram muito raros em ambos os grupos, com praticamente nenhuma alteração da função endotelial e quase total cobertura das hastes aos seis meses, sem diferenças marcantes entre os stents.

Em que situações clínicas e/ou tipos de lesão os DES com PB podem eventualmente ser mais vantajosos do que com PD?

A meu ver, a segurança em descontinuar prematuramente a terapia antiplaquetária dupla é o maior benefício que essa tec-nologia pode trazer. Encontra-se em fase fi nal de recrutamento um grande estudo chamado Global LEADERS, no qual aproxima-damente 12 mil pacientes com todos os tipos de apresentação clínica e angiográfi ca ( “all comers”) serão tratados com o stent BioMatrix. Depois, receberão terapia dupla (aspirina + ticagrelor)

por apenas um mês e seguirão em uso apenas de ticagrelor. Confi rmando a factibilidade desse esquema terapêutico anti-trombótico, poderemos prevenir uma quantidade razoável de eventos hemorrágicos, não infrequentes em nossos pacientes, que podem ameaçar sua sobrevida.

A descontinuação prematura da terapia antiplaque-tária dupla é mais segura com os PB em relação aos PD? Quais as evidências mais atuais?

Teremos que aguardar os resultados do estudo Global LEADERS para confi rmar essa expectativa. Hoje existem alguns stents com polímeros duráveis de segunda geração que já reco-mendam o uso de terapia dupla curta (três meses e até mesmo um mês), entretanto com base em análise retrospectiva de ban-cos de dados de estudos não desenhados para esse fi m. Seguin-do os postulados da boa prática científi ca, prefi ro aguardar os resultados desse grande estudo planejado especifi camente para responder a esta questão.

Poderiam comentar o papel e as perspectivas de DES sem polímeros?

Em teoria, melhor que qualquer polímero (durável ou bio-absorvível) seria não ter polímero, pois assim não teríamos de aguardar sua absorção e evitaríamos as possíveis reações infl a-matórias que ocorrem durante (e para) a reabsorção. Ocorre, po-rém, que além de carregar o fármaco, cabe também ao políme-ro a função de proteger a medicação durante o trajeto ao sítio da lesão. Também é dele a função de controlar a liberação da medicação após o implante. Assim sendo, quando retiramos o polímero do stent farmacológico, em geral perdemos um pouco da sua efi cácia (a perda tardia com esses dispositivos se situa em torno de 0,4-0,6 mm, ao passo que com os stents de polímero durável ou bioabsorvível o valor em geral é < 0,2 mm). Entre-tanto, por maior segurança, em algumas situações podemos abrir mão de uma mínima perda luminal e aceitar uma perda

Tabela 1. Principais stents farmacológicos com polímeros absorvíveis

Stent farmacológico Plataforma Fármaco antiproliferativo Polímero

BioMatrix® Flex (Biosensors Inc.)/Nobori® (Terumo Inc.)

Stent de aço inoxidável (316L) - com espessura de haste de 137 µm

- Biolimus A9 (~15,6 μg/mm de stent)

Ácido polilático (PLLA) aplicado à superfície abluminal (externa). Absorção do polímero entre 6 e 9 meses

BioMime® (Meril LifeScience Pvt. Ltd.)

Stent de cromo-cobalto (L605) com espessura de haste de 65 µm

- Sirolimus (1,25 μg /mm2) PLLA e PLGA que degradam em 2 meses

ELIXIR BD® (Elixir Medical Corporation)

Stent de cromo-cobalto (L605) com espessura de haste de 81 µm

- Novolimus (~5 μg /mm de stent)- Myolimus (~2 – 3 μg /mm de stent)

PLLA e poliéster. Absorção em 3 meses

Inspiron® (Scitech)Stent de cromo-cobalto (L605) com espessura de haste de 80 µm

Sirolimus (1,4 μg/mm2)[poli(ácido láctico) e poli(ácido láctico-co-ácido glicólico)]. Absorção completa entre 6 e 9 meses

Orsiro® (Biotronik AG)Stent de cromo-cobalto (L605) com espessura de haste de 60 µm

- Sirolimus (1,4 μg /mm2)

Revestimento híbrido formado de duas camadas: 1) camada amorfa de carbeto silício altamente rico em hidrogênio, que reveste o stent e busca eliminar qualquer interação entre o metal e os tecidos adjacentes; 2) componente ativo, contendo matriz de PLLA impregnada de sirolimus, a qual faz a liberação da droga nas primeiras 12-14 semanas e degrada-se após 24 meses

Synergy® (Boston Scientifi c Corporation)

Plataforma de platina-cromo com espessura de haste de 75 µm

- Everolimus (dose e cinética de liberação similar ao Promus element)

PLGA na superfície abluminal. Absorção aos 4 meses

Supralimus-Core® (Sahajanand Medical Technologies Pvt. Ltd.)

Plataforma de cromo-cobalto (L605) com espessura de haste de 60 µm

- Sirolimus (~ 4,7 mg/mm de stent)

PLLA / PLGA 50/50 e polivinil pirrolidona. Absorção entre 6 e 9 meses

”“Em teoria, melhor

que qualquer polímero seria não ter polímero, pois evitaríamos possíveis reações infl amatórias

Page 11: Jornal SBHCI

luminal um pouco maior, mas ainda bem abaixo da que ocorre com os stents não medicados. Esse conceito está em avaliação em um outro grande estudo chamado LEADERS Free, no qual pacientes de alto risco para sangramento (idosos, em uso de anticoagulantes, etc.) estão sendo randomizados para receber stents não medicados ou o stent farmacológico sem polímero BIOFREEDOM, com uso de terapia dupla por um mês apenas. Após esse período, apenas a aspirina é mantida. Em se demons-trando os benefícios dessa tecnologia, teremos uma porta aber-ta para esses graves pacientes, que, em geral, são excluídos dos estudos com stents randomizados, privados dessa tecnologia em virtude do risco de hemorragia que oferecem.

Qual o cenário atual dos SB, principais programas/estu-

dos e resultados mais relevantes?Hoje os stents bioabsorvíveis são uma realidade em vários ser-

viços da Europa, Oriente Médio e mesmo em alguns países da América do Sul. Em termos de programas clínicos, existem mais de dez tipos diferentes de SB em fase clínica ou pré-clínica de ava-liação. A Tabela 2 (veja na pág. 12) sintetiza os principais progra-mas. Porém, sem dúvida, a Abbott Vascular, com o stent ABSORB, detém a liderança nesse setor por ter sido o primeiro programa de sucesso no cenário clínico e já possuir mais de três milhões de indivíduos tratados com esses stents ao redor do mundo. Com o maior tempo de seguimento, sua primeira geração já atingiu cinco anos de seguimento, completando todas as etapas da bioabsorção, finalmente demonstrada in vivo. Felizmente, o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia tem a primasia de ser o único centro no mundo com quatro programas distintos de SB, com diferentes tipos de polímero e até com metal bioabsorvível, no caso o magnésio.

Quais as principais vantagens e potenciais benefícios dos SB em relação aos stents metálicos?

Na última década, a ideia de um suporte vascular transitório que por um determinado período impeça a excessiva hiper-plasia intimal reparativa e, ao mesmo tempo, evite o remodela-mento negativo da artéria coronária tratada, sendo então reab-sorvido e fazendo com que o endotélio retorne a sua condição funcional normal, tem ganhado destaque dentro da abordagem percutânea da doença coronária. Os stents bioabsorvíveis são os dispositivos que preenchem esses requisitos, mantendo as van-tagens potenciais óbvias sobre a tecnologia atual dos stents farmacológicos, quais sejam:

a. Possível redução da trombose tardia e muito tardia do stent. Como a liberação dos fármacos e a presença de estrutu-ras estranhas são temporárias, permanecendo somente até a cicatrização do vaso (seis meses a dois anos), nenhum material (potencialmente causador de trombose) persistiria em longo prazo. Este seria um potencial impacto positivo a se esperar de tal tecnologia.

b. Possível remoção, através da bioabsorção, de componentes rígidos da parede vascular (fibrose, cálcio, etc.), juntamente com o stent. Isso poderia facilitar a restauração da vasomotricidade da artéria, com tensão de cisalhamento adaptativa, ampliação luminal tardia e remodelamento positivo tardio. Além disso, também pode reduzir os problemas de aprisionamento do ós-tio dos ramos laterais, como observado nas estruturas metálicas permanentes dos stents atuais.

c. Possível melhoria nas opções futuras de tratamento global da aterosclerose. O tratamento da doença multiarterial comple-

xa, por exemplo, frequentemente resulta no uso de múltiplos stents farmacológicos longos. Em tais casos, um novo procedi-mento de revascularização, quer por método de revasculariza-ção percutânea ou cirúrgica, é potencialmente desafiador em razão dos arcabouços metálicos formados pelos stents metáli-cos permanentes implantados previamente. O uso de um stent bioabsorvível significaria que, potencialmente, não haveria res-trição a qualquer procedimento futuro de revascularização nos locais tratados, caso isso venha a se tornar necessário.

d. Potencial para ampla utilização na intervenção em cardio-pediatria, para tratamento de estenoses das artérias pulmonares, coarctação de aorta, etc. Uma vez que o dispositivo implantado será absorvido, em nada atrapalhará o crescimento da criança, que poderá receber vários dispositivos durante sua vida, de acordo com as dimensões do vaso tratado.

e. Possibilidade de uso de técnicas de diagnóstico por ima-gem, como a angiografia por tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética, durante o acompanhamento evolutivo desses casos. Atualmente, os stents metálicos podem causar artefatos nessas técnicas de diagnóstico por imagem, di-ficultando a interpretação dos resultados obtidos.

Destaque os aspectos técnicos do implante, como este se diferencia do implante de stents metálicos e qual a importância do IVUS/OCT relativa à aposição do suporte vascular para um implante adequado?

Como toda tecnologia em fase inicial de desenvolvimento, ainda há algum caminho para trilhar com os SB até chegar-mos ao estágio em que nos encontramos, por exemplo, com os stents metálicos de última geração. Na fase atual de desen-volvimento, os principais SB têm espessura (150-200 μm vs. 70-80 μm) e perfil de cruzamento (1,4-1,8 mm do SB vs. 1 mm dos stents metálicos) relativamente altos e significativamente supe-riores aos atuais stents metálicos. Também, pela constituição em geral polimérica, a fixação desses dispositivos no sistema de en-trega (“crimping”) não é igual à dos stents metálicos. Portanto, seu implante necessita melhor “preparação” da lesão, com pré- dilatação em geral na ordem de 1:1 (relação balão/artéria) e, em casos mais complexos, com tortuosidade, cálcio, etc., faz-se ne-cessário utilizar cateteres de maior apoio (7 ou 8 F) e dispositivos

SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014 – 11 ”“Ainda há algum

caminho para trilhar com os SB até chegarmos ao estágio em que nos encontramos com os stents metálicos de última geração

Page 12: Jornal SBHCI

de ablação da placa, como a aterectomia rotacional ou mesmo balões especiais, como “cutting balloon” ou AngioSculpt. Outra importante diferença diz respeito à liberação do stent, que deve ser gradual (2 atm a cada 3 ou 4 segundos) para permitir melhor expansão do polímero e minimizar a ocorrência de fraturas. Por fi m, é fundamental determinar com precisão as dimensões do segmento a ser tratado, uma vez que, em geral, não se recomen-da hiperinsufl ação dos SB durante a pós-dilatação, devendo-se restringir o uso de balões de pós-dilatação até diâmetros de 0,5 mm acima do SB implantado. A partir daí, o risco de ruptura/fratura do SB é progressivamente maior.

Quais as principais limitações da tecnologia atual e qual o paciente, contexto clínico e tipos de lesão mais apro-priados? Há contraindicações?

A ideia é que essa não seja uma terapia de nicho. Com o progresso que veremos nos próximos anos, com o surgimento das novas gerações de SB, espera-se que seja uma tecnologia cada vez mais abrangente. Não acreditamos, no entanto, que os stents metálicos deixarão de existir em um futuro próximo. Dito isto, o benefício será tanto maior quanto maior for a limi-tação do stent metálico. Assim sendo, pacientes jovens com doença aterosclerótica difusa, que necessitarão de vários mm de stents para tratamento percutâneo, representam o pacien-te ideal e passível de maior benefício. O cenário da síndrome coronária aguda também é bastante atrativo, pois os estudos anatomopatológicos sempre questionam a segurança de se implantar metal mais polímero durável sobre uma placa alta-mente infl amada. O SB poderia resolver esse problema, inclu-sive como já demonstrado em alguns casos, com estabilização do ateroma pela formação de uma capa fi brosa espessa.

12 – SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014

entrevista

Tabela 2. Principais programas de pesquisa com suportes vasculares bioabsorvíveis em coronária

Companhia Produto Descrição Farmacológico? Situação atual Principais estudos em humanos

Abbott ABSORBSVA feito a partir de ácido polilático (PLLA), encontra-se na sua 2a geração, com desenho de células mais fechadas e maior força radial. Elui everolimus na mesma formulação do stent metálico Xience V. Absorção entre o 2o e 3o anos.

Sim (everolimus)Já obteve CE Mark e encontra-se em avaliação nos EUA para aprovação pelo FDA

ABSORB coorte A (n= 0)24 e B (n=102), ABSORB Extend (n=800). Perda tardia em torno de 0,19 mm (2a geração)

Amaranth Medical SVA feito a partir de PLLA. Não Avaliação pré-clínica __

ART ART BRS SVA feito a partir de polímero amorfo com base de PLLA, programado para ser absorvido com 18 meses. Não First-in-man em

andamento __

Biotronik DREAMS

SVA feito a partir de magnésio com absorção entre 12 -18 meses. Na sua 1a versão não continha fármaco anti-proliferativo e apresentou excessivo recolhimento (recoil), resultando em perda luminal tardia exacerbada. A segunda versão, com paclitaxel e novo desenho, minimizou o recoil e reduziu a perda luminal no interior do SVA.

Sim (inicialmente paclitaxel e na próxima versão sirolimus)

First-in-man concluído

Estudo Biosolve I (n=46), testando sua atual versão, com paclitaxel (DREAMS). Perda tardia de 0,64 mm

Elixir DESolve SVA feito a partir de PLLA, recoberto com novolimus. Programado para ser absorvido entre 12 e 24 meses. Novolimus Estudo para obtenção

do CE Mark terminadoEstudo DESolve FIM (n=15). Perda tardia de 0,20 mm

Huaan Xinsorb SVA feito a partir de PLLA, PCL (ácido policaprólico) e PGA (ácido poliglicólico). Sim (sirolimus) First-in-man

concluído __

LIFETECH Lifetech Iron Stent SVA feito a partir de ferro. Não Avaliação pré-clínica __

Orbusneich On-ABSSVA com mistura de ácido polilático (PLLA) com cobertura de sirolimus e anticorpo +CD34 para captura de células progenitoras de endotélio.

Sim (sirolimus) Avaliação pré-clínica __

REVA Medical ReSolve 2

SVA feito a partir de policarbonato de desaminotirosina (radiopaco à angiografi a), com mecanismo de “trava” (slide & lock) para minimizar retração (recoil).

Sim (sirolimus (80 μg/18 mm)

First-in-man concluído Iniciado estudo para obtenção de CE Mark

__

Xenogenics Ideal BioStent SVA feito a partir de salicilato e recoberto com sirolimus. Sim (sirolimus) First-in-man

concluído __

Zorion Medical FADES SVA feito a partir da combinação de liga de magnésio e PLGA. Avaliação pré-clínica __

Há dados nas SCA? Existem hoje pequenos estudos positivos com o ABSORB em

SCA, como os estudos PRAGUE 19 e POLAR ACS.

Em que estágio está a liberação dos SB (Absorb e ou-tros) no Brasil, Europa e Estados Unidos?

Na Europa, temos dois SB aprovados, com CE mark (ABSORB e DESolve); no Brasil, o ABSORB deve ser aprovado até o meio deste ano. Nos Estados Unidos, está em andamento o estudo ABSORB 3, com mais de mil pacientes randomizados para Xience vs. ABSORB. Com esse estudo, a Abbott pretende pleitear a aprova-ção do Food and Drug Administration (FDA).

Como as novas gerações de SB pretendem contornar as limitações técnicas atuais?

De certa forma, todas as companhias estão caminhando ra-pidamente para desenvolver as segundas e mesmo terceiras gerações de seus dispositivos, com menor espessura e perfi l de cruzamento. Nos próximos anos veremos vários desses novos dispostos em avaliação clínica. A própria Abbott está em fase fi nal de desenvolvimento de uma nova geração do ABSORB, com espessura de hastes ao redor de 100 micros. Quanto aos SB metálicos, de magnésio, ferro ou outros metais passíveis de re-absorção, a questão limitante é controlar o tempo de absorção, já que as primeiras gerações perdiam massa molecular e, conse-quentemente, força radial muito precocemente, resultando em “negative recoil”. Do ponto de vista técnico de implante, esses dispositivos levam vantagem, uma vez que, em teoria, podem ser liberados como qualquer outro stent metálico disponível, com uso, por exemplo, de alta pressão, já que o metal é mais resistente ao estresse de expansão.

Page 13: Jornal SBHCI
Page 14: Jornal SBHCI

14 – SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014

internaCional

O convite para um PhD na Universidade de Erasmus, em Roterdã, na Holanda, foi prontamente aceito por Carlos Augusto H. M. Campos. Ao lado da esposa e das filhas, o

cardiologista intervencionista já vislumbrava a excelente opor-tunidade que teria, não apenas profissionalmente, mas também para toda a família. E o palpite estava certo. Vivendo na Europa desde março de 2013, eles ainda têm cerca de seis meses até o término do estágio. Veja na entrevista a seguir como foi a adap-tação e como tem sido a rotina desde então.

Que atividades está desenvolvendo? As oportunidades aqui são inúmeras. Por se tratar de uma ins-

tituição com grande volume de ensaios clínicos inovadores, as minhas áreas de pesquisa são bastante diversas e sou exposto a vários métodos de imagem e dados clínicos. O meu primeiro tópico de interesse é estratificação de risco e tenho trabalhado na validação de escores de risco, com foco principalmente no SYNTAX score II. Com relação a scaffolds biodegradáveis, de-senvolvi um software em colaboração com os engenheiros da Universidade de Leiden capaz de identificar a degradação do Absorb BVS com uso de ultrassom intracoronário. Também te-nho trabalhado com implante por cateter de bioprótese valvar aórtica (TAVI) na validação clínica de um software que avalia a insuficiência aórtica após TAVI por videodensitometria.

Tem contato direto com pacientes? Vim para Roterdã já com considerável experiência clínica, pois

terminei minha residência em cardiologia intervencionista em 2006 e desde então trabalhei em centros de grande volume. Desta forma, meu objetivo principal não era realizar procedi-mentos em pacientes. Além disso, embora exista a oportuni-dade de acompanhar os procedimentos aqui, para lidar direta-mente com os pacientes, um dos pré-requisitos é ser fluente em holandês. Para a parte pré-clínica não existe tal limitação.

Relate publicações e apresentações em congressos fru-to desse período no exterior.

Tive a oportunidade de participar efetivamente do London Valves 2013 e do EuroPCR 2014. Em abril de 2014, no Academic Research Consortium (ARC) para scaffolds biodegradáveis, fiquei responsável pelo tópico de métodos derivados do ultrassom in-tracoronário (escala de cinza, histologia virtual e ecogenicidade),

bem como fatores bioquímicos relacionados à degradação dos scaffolds. Minhas mais recentes publicações foram: Predicting 3-year mortality after percutaneous coronary

intervention: updated logistic clinical SYNTAX score based on patient-level data from 7 contemporary stent trials. JACC Cardio-vasc Interv. 2014 May;7(5):464-70. First-in-man randomised comparison of a novel sirolimus-

-eluting stent with abluminal biodegradable polymer and thin--strut cobalt-chromium alloy: INSPIRON-I trial. EuroIntervention. 2014 Apr 23;9(12):1380-4. The impact of everolimus versus other rapamycin derivative-

-eluting stents on clinical outcomes in patients with coronary artery disease: A meta-analysis of 16 randomized trials. J Cardiol. 2014 Feb 20 doi: 10.1016/j.jjcc.2014.01.007. [Epub ahead of print] Bioresorbable drug-eluting magnesium-alloy scaffold for

treatment of coronary artery disease. Int J Mol Sci. 2013 Dec 16;14(12):24492-500. Comparison of acute gain and late lumen loss after PCI

with bioresorbable vascular scaffolds versus everolimus-eluting stents: an exploratory observational study prior to a randomised trial. EuroIntervention. 2014 Jan 30. pii: 20130822-06. [Epub ahe-ad of print] Implications of a bioresorbable vascular scaffold implanta-

tion on vessel wall strain of the treated and the adjacent seg-ments. Int J Cardiovasc Imaging. 2014 Mar;30(3):477-84. Transcatheter aortic valve update 2013. EuroIntervention.

2013 Sep 10;9 Suppl:S84-90. Temporal evolution of strut light intensity after implantation

of bioresorbable polymeric intracoronary scaffolds in the AB-SORB Cohort B Trial. Circulation Journal (in press) Prognostic value and clinical implication of the ‘Site’ SYNTAX

Score: 5-Year Follow-Up of the SYNTAX Trial. Journal of American

Intervencionista brasileiro revela sua rotina na HolandaVivendo com a família em Roterdã, Carlos Campos tem tirado proveito das oportunidades no campo da pesquisa

Page 15: Jornal SBHCI

SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014 – 15 SBHCI – JAn/Fev/MAr de 2014 – 15

College of Cardiology (in press) Computed tomography angiography for the interventional

cardiologist. European Heart Journal – Cardiovascular Imaging doi:10.1093/ehjci/jeu053. [Epub ahead of print] Long-term consequences of a lipid core plaque. J Invasive

Cardiol. 2013;25 (Suppl A):25A–27A. Residual SYNTAX score for left main intervention: are we re-

ally ready to predict the future? Catheter Cardiovasc Interv. 2013 Sep 1;82(3):341-2. Bioresorbable scaffolds: novel devices, novel interpretations,

and novel interventions strategies. Catheter Cardiovasc Interv. (in press) Predictive performance of SYNTAX Score II in patients with

left main and multivessel coronary artery disease: analysis of CREDO-Kyoto Registry. Circulation Journal (in press)

Que aspectos diferenciam a forma de trabalho no exte-rior e a que estava habituado no Brasil?

No Brasil eu trabalhava em centros de grande volume de procedi-mentos em São Paulo, como o InCor, a Santa Casa ou o Sancta Mag- giore. Dessa forma, eu tinha uma rotina intensa de plantões à distân-cia e atendimentos de emergência. Ainda assim, sempre procurei exercer algum tipo de atividade científica. Aqui na Holanda minha rotina é principalmente voltada para pesquisa. Trabalho normalmen-te das 8h00 às 19h00 no Corelab, mas com frequência estendo meu trabalho para casa, e com alguma frequência por toda a madrugada.

Fale de sua adaptação pessoal e da família.A adaptação foi a melhor possível. Roterdã é uma cidade multi-

cultural. Minhas filhas, por exemplo, estudam em uma escola inter-nacional com crianças de 30 nacionalidades diferentes. O mesmo vale para o meu ambiente de trabalho. Uma grande diferença em relação ao Brasil é o clima frio. Mas como a infraestrutura é muito boa, esse fator acaba não atrapalhando nosso dia a dia.

E as opções culturais e de lazer? Acredito que um dos benefícios de se morar na Europa é a

conveniência de se fazer turismo. A Holanda é um país lindo e de extensão territorial pequena se comparada ao Brasil. Por esse motivo, todos os trajetos podem ser feitos facilmente de trem. Como destaque, Amsterdã é uma cidade com vida cultural inten-sa, com bons restaurantes, grande variedade de museus, e fica a pouco mais de 30 minutos de trem de Roterdã. Mais ao sul fica Maastricht, uma linda cidade com arquitetura antiga e que está relacionada à origem da Holanda. Keukenhof é outro lugar que recomendo. É considerado o mais belo jardim de primavera do mundo, ficando a pouco mais de uma hora de Roterdã. Para quem tem filhos, a Holanda foi considerada pela UNICEF como o país com as crianças mais felizes do mundo. Um dos motivos para isso está na grande variedade de áreas verdes, parques de diversão, se-gurança e padrão de educação. Para conhecer outros países, Ro-terdã é bem localizada. Está a 30 minutos de trem da Bélgica, duas horas e meia de Paris e uma hora de voo de Londres.

Page 16: Jornal SBHCI

16 – SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014

deBate

Cenários clínicos da denervação renal

Diversos são os estudos acerca da denervação renal, em bus-ca de embasamento para a aplicação em seres humanos. O debate ainda ocorre em diferentes cenários clínicos. Para co-

mentar as evidências já encontradas e os mecanismos que fazem da técnica um possível mecanismo para o tratamento da hipertensão arterial, Luiz Bortolotto, diretor da Unidade de Hipertensão do InCor e coordenador do Centro de Hipertensão do Hospital Alemão Oswal-do Cruz, e Rodolfo Staico, cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, re-velam suas visões sobre o tema na atualidade e as perspectivas para o futuro próximo. Na próxima edição do Jornal da SBHCI, contaremos ainda com as opiniões de Marco Vugman Wainstein, coordenador do Laboratório de Cateterismo Cardiovascular do Hospital Moinhos de Vento, e de Pedro Lemos, diretor do Serviço de Hemodinâmica e Car-diologia Intervencionista do InCor, sobre o assunto.

Na sua opinião, o conceito de denervação renal tem em-basamentos teórico e experimental adequados e suficien-tes para ser aplicado em seres humanos?

Bortolotto: Existem várias evidências tanto experimentais quan-to clínicas de que o sistema nervoso simpático é um importante mecanismo na hipertensão arterial, sobretudo as formas mais resis-tentes, e também em outras situações clínicas como a insuficiência cardíaca. Por outro lado, a denervação renal experimental mostrou redução da pressão arterial importante e diminuição da excreção de sódio. Tratamentos cirúrgicos radicais, como a simpatectomia, mostraram resultados dramáticos na redução da pressão arterial, mas com efeitos colaterais muito indesejáveis. Assim, a denervação renal por ablação tem embasamento para aplicação em humanos.

Staico: Há várias evidências demonstrando a correlação entre hiperatividade simpática e pior prognóstico em hipertensos, nefro-patas crônicos e portadores de insuficiência cardíaca, incluindo risco maior de mortalidade cardiovascular. Compreendidos os mecanis-mos fisiopatológicos, é plausível esperar-se diversos efeitos benéficos da denervação simpática renal (DSR). Recentes publicações demons-traram pequenas reduções da resistência vascular renal associadas

à melhora da hemodinâmica central em pa-cientes hipertensos submetidos a DSR. Dados preliminares sugerem também redução da atividade de renina, sabidamente envolvida na fisiopatologia da insuficiência cardíaca e da hipertensão arterial sistêmica (HAS). Entre-tanto, ressalto que são estudos pequenos, em sua maioria realizados de maneira não-rando-mizada e não-cega, com resultados baseados na aferição da pressão arterial em consultório. Nenhum desses estudos envolveu grupo controle utilizando procedimento simulado.

Qual o impacto dos resultados do Es-tudo Symplicity HTN-3, no qual a técnica não se mostrou eficaz em reduzir os ní-veis pressóricos de hipertensos resisten-tes? A que potencialmente se deveu esse resultado inesperado? Qual sua opinião

sobre o “sham-procedure“ e potencial papel nos resultados?Bortolotto: O Simplicity HTN-3, exigido pelo Food and Drug Ad-

ministration (FDA) para liberar o procedimento nos Estados Unidos, não mostrou os benefícios demonstrados pelos primeiros estudos com a técnica em hipertensos resistentes, e isso gerou dúvidas quan-to à eficácia real da denervação nesses pacientes. Em minha opinião, o impacto maior serve para frear a indicação indiscriminada do pro-cedimento que se anunciava, sem a seleção adequada dos pacientes. Um dos principais motivos possíveis para o insucesso da denervação se deve à inclusão de pacientes possivelmente não verdadeiramen-te resistentes, pois à medida que incluímos esses pacientes em pro-tocolos clínicos, eles seguem mais adequadamente a medicação e controlam melhor a pressão. Outro motivo é que, pela técnica utili-zada, não temos a certeza de quanto de inervação atingimos com o procedimento, e isso pode ter efeitos diferentes nos pacientes. O “sham-procedure” pode ter um papel, visto que esse efeito placebo é observado em outras situações similares, como quando pacientes com dor precordial melhoram após cateterismo, sem ter nenhum procedimento feito e com coronárias sem lesões.

Staico: No Symplicity HTN-3, houve redução significativa da pres-são arterial sistólica (PAS) de 14,13±23,93 mmHg (P<0,001) nos pa-cientes submetidos a DSR. Porém, a redução quando comparada ao grupo procedimento simulado (controle) foi de apenas 2,4 mmHg (P=0,26). Essa diminuição na PAS observada tanto no grupo DSR como no grupo controle constitui um achado divergente aos estu-dos prévios e pode ser devida ao procedimento simulado; ademais, o decréscimo foi aproximadamente a metade daquele observado no Symplicity HTN-2, não obstante o fato de as pressões arteriais iniciais serem semelhantes nos dois estudos. Isso é intrigante, porque o grau de redução da pressão arterial está relacionado aos níveis tensionais pré-tratamento. Comparação entre os grupos controles dos estudos Symplicity HTN-3 e HTN-2 demonstra uma redução maior da pres-são arterial no primeiro. É concebível que uma maior exposição à espironolactona (28,7% vs. 17% dos pacientes) no Symplicity HTN-3 facilitou essa diminuição. A grande variabilidade na resposta à DSR levanta a questão do quanto esse procedimento poderia ser mais

Luiz Bortolotto Rodolfo Staico

Page 17: Jornal SBHCI

SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014 – 17

Cenários clínicos da denervação renaleficaz em pacientes selecionados, sobretudo naqueles com hipera-tividade simpática. A taxa de não respondedores ao tratamento com DSR (definido como redução de PAS inferior a 10 mmHg, seis me-ses após o procedimento) varia de 8% a 37% nos principais estudos clínicos. Os desvios padrão das mudanças na PAS inicial aferida em consultório, em ambos os grupos, DSR e controle, nos estudos Sym-plicity HTN-1, HTN-2 e HTN-3, foram amplos e muito semelhantes, indicando grande variação na resposta. As causas de resultados dís-pares encontrados na literatura ainda não são completamente com-preendidas; entretanto, algumas hipóteses podem ser formuladas com base no conhecimento da fisiopatologia da HAS e do procedi-mento de DSR. Dentre elas, enfatizamos: (1) a significativa variabilida-de de dispositivos e técnicas, incluindo energia utilizada, número de eletrodos/aplicações de radiofrequência (RF) e duração da ablação; (2) a real relevância da hiperatividade simpática na fisiopatologia da HAS resistente, visto que esta é uma doença multifatorial e que, em alguns casos, a contribuição do sistema nervoso simpático pode não ser tão importante para a expressão da doença; (3) a seleção inapro-priada de pacientes, incluindo os portadores de pseudorresistência e HAS secundária; e (4) condições relacionadas ao paciente, como aderência inadequada ao tratamento farmacológico e falha na mu-dança de estilo de vida. Particularmente no Symplicity HTN-3: (1) o sistema empregado para DSR foi o Symplicity, o mesmo dos estudos prévios (Symplicity HTN-1 e HTN-2), com cateter de eletrodo único não-irrigado. Sabemos que cateteres de ponta irrigada geram lesões mais profundas, fato útil para ablacionar nervos situados além de 4 mm da camada íntima arterial, que podem compor até 40% do to-tal de nervos nas artérias renais. Além disso, a média de aplicações de RF foi de 3,9 por artéria renal, número aquém das 4 aplicações determinadas pelo protocolo do estudo; (2) não foi quantificada a atividade simpática pré/pós-DSR para constatação da eficácia do tra-tamento; (3) o paciente era incluído/randomizado no estudo após apenas duas semanas da visita inicial, o que pode ter contribuído para seleção/inclusão inadequada de pacientes; (4) por protoco-lo, não era permitida mudança dos fármacos durante seguimento, porém grande parte dos pacientes do estudo teve suas prescrições alteradas; e também não foi confirmada a aderência terapêutica. Ain-da podemos citar como possíveis causas para o resultado inesperado do Symplicity HTN-3: (1) efeito Hawthorne, ou seja, maiores cuidados/estímulo/aderência ao tratamento naqueles pacientes submetidos ao procedimento, mesmo que simulado, colaborando para redução significativa da pressão arterial no grupo controle, diferentemente dos estudos prévios; (2) grande número de centros participantes e consequentemente pequeno número de casos/centros, embora a análise não mostrou diferença de resultados entre operadores mais/menos experientes e nem diferença de resultados do primeiro caso em relação aos subsequentes do mesmo operador.

Quais as perspectivas/futuro da técnica de agora em diante?Bortolotto: Ainda temos muito o que aprender com a técnica

e sua eficácia nos mecanismos fisiopatológicos da hipertensão. É preciso também uma melhor seleção dos pacientes, identifican-do aqueles que poderiam se beneficiar mais do procedimento, e aqueles que têm maior atividade simpática ou mesmo hipervole-mia como principal componente da hipertensão resistente. ”

“Ainda temos muito o que aprender com a denervação renal e sua eficácia nos mecanismos fisiopatológicos da hipertensão

Page 18: Jornal SBHCI

18 – SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014

deBate

Rua Beira Rio, 45 – cjs. 71 e 74 – Vila OlímpiaCEP 04548-050 – São Paulo – SP

Fone: (11) 3849-5034

www.sbhci.com.br

Equipe AdministrativaGerência: Norma CabralSecretaria: Layla CaitanoCientífi co: Aline RodriguesEventos: Roberta Fonseca e Jessica RodriguesFinanceiro: Kelly PeruziSócios: Miriam Santos

Gestão 2014-2015Presidente: Hélio Roque Figueira (RJ) Diretor Administrativo: Salvador André Bavaresco Cristovão (SP)Diretor Financeiro: Cyro Vargues Rodrigues (RJ)Diretor Científi co: Alexandre Antonio Cunha Abizaid (SP)Diretor de Comunicação: André Gasparini Spadaro (SP)Diretor de Qualidade Profi ssional: Edgar Freitas de Quintella (RJ)Diretor de Educação Médica Continuada: Marcos Antônio Marino (MG) Diretor de Intervenções Extracardíacas: Itamar Ribeiro de Oliveira (RN)Diretor de Intervenções em Cardiopatias Congênitas: Raul Rossi Ivo Filho (RS)

Departamento de EnfermagemPresidente: Gustavo Cortez Sacramento (SP)Vice-presidente: Luciana Lima (RJ)Primeira-secretária: Ana Flavia Finalli Balbo (SP)Segunda-secretária: Adriana Correa Lima (MS)Primeira-tesoureira: Erika Gondim (CE)Segunda-tesoureira: Maria Aparecida Carvalho Campos (SP)Coordenadora Científi ca: Jackeline Wachleski (RS)Coordenadora de Educação Continuada: Roberta Corvino (SP)Coordenadora de Titulação: Ivanise Gomes (SP)

Staico: O crescente interesse pela DSR resultou no empenho de mais de 60 companhias para o desenvolvimento de novas tecnolo-gias. Múltiplas modalidades de tratamento têm sido testadas, utili-zando-se diferentes fontes de energia, liberação de medicamentos e até mesmo métodos não-invasivos, com a fi nalidade de reduzir o tempo de procedimento e minimizar a necessidade de manipula-ção do dispositivo. Seis dispositivos são aprovados para uso clínico na Europa: Symplicity (Medtronic), EnligHTN (St Jude Medical), Vessix (Boston Scientifi c), Iberis (Terumo), Paradise (ReCor Medical) e Spyral (Medtronic). No Brasil, o EnligHTN e o Symplicity são aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e estão disponí-veis. A companhia Covidien descontinuou a produção do dispositi-vo OneShot em janeiro de 2014, logo após a Medtronic anunciar a ausência de efi cácia da DSR no Symplicity HTN-3. Embora a efi cácia da DSR em hipertensos resistentes não tenha sido demonstrada no Symplicity HTN-3, o número de publicações relativas ao tema conti-nua crescendo exponencialmente; hoje são quase três mil referên-cias no website da PubMed (www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed) e 128 estudos (desenhos, em recrutamento ou completos) no website www.clinicaltrials.gov realizando a pesquisa com “renal denervation”. Importante destacar que a DSR é um tratamento adjunto, sendo ne-cessária a manutenção de tratamento farmacológico/mudanças no estilo de vida, e isso deve ser muito bem informado ao candidato à DSR.

Em que cenários potencialmente haverá indicação e be-nefícios clínicos?

Bortolotto: Reforçando o que mencionei anteriormente, os pacientes com hipertensão verdadeiramente resistente e aque-les com insufi ciência cardíaca mais refratária podem ser os prin-cipais benefi ciados pelo procedimento.

Staico: Teoricamente, todas aquelas condições clínicas nas quais a hiperatividade simpática esteja envolvida na fi siopatogenia. Na prática, a maior experiência/número de publicações relaciona-se à hipertensão arterial resistente. Constituem outras circunstâncias insufi ciência cardíaca, diabetes melito, doença renal crônica, síndro-me da apneia/hipopneia obstrutiva do sono e arritmias cardíacas.

Qual a sua experiência pessoal ou do serviço que repre-senta com a técnica? Que resultados obtiveram até então?

Bortolotto: Em nosso serviço, realizamos alguns procedi-mentos em pacientes com hipertensão verdadeiramente resis-tente, utilizando cateteres de ablação de arritmias adaptados ao procedimento e seguindo o mesmo protocolo do Simplicity. Na maioria dos indivíduos, obtivemos controle mais adequado da pressão, com melhora da qualidade de vida.

Staico: O grupo de DSR do Instituto Dante Pazzanese de Cardio-logia é composto por especialistas na área de hipertensão arterial, insufi ciência cardíaca, arritmias cardíacas e cardiologia interven-cionista. O procedimento é realizado por pelo menos um eletrofi -siologista e um cardiologista intervencionista, ambos apropriada-mente treinados com a técnica. Iniciamos o programa de DRS há dois anos e tivemos a oportunidade de concretizar algumas publi-cações: (1) Unilateral renal artery sympathetic denervation may re-duce blood pressure in patients with resistant hypertension. J Clin Hypertens (Greenwich). 2013;15:606. (2) Denervação simpática re-nal e qualidade de vida. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2013;21:13-7. (3) Ablação da atividade simpática renal com cateter de ponta irriga-da: uma opção atraente? Rev Bras Cardiol Invasiva. 2013;21:7-12. (4) Renal sympathetic denervation and ventricular arrhythmias: a case of electrical storm with multiple renal arteries. EuroInterven-tion. 2014;10:166. (5) Renal denervation using an irrigated catheter in patients with resistant hypertension: a promising strategy? Arq Bras Cardiol. 2014;102:355-63. (6) Denervação renal com cateter de ablação por radiofrequência de ponta irrigada em hipertensos resistentes. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2014;22:73-80. (7) Efeitos da denervação simpática renal no diâmetro da artéria renal avaliados pela angiografi a quantitativa. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2014;22 (in press). (8) Initial experience of renal sympathetic denervation for treatment of refractory ventricular arrhythmias (in press). Nossa experiência/resultados iniciais com a DSR nos cenários de hiper-tensão arterial resistente e arritmias ventriculares refratárias são promissores e podem ser contemplados nas referências citadas. Começaremos, em breve, estudos randomizados nesses con-textos e também em pacientes com insufi ciência cardíaca. Ava-liações adicionais em ensaios clínicos rigorosamente delineados serão necessárias para confi rmar os benefícios previamente rela-tados da DSR em pacientes com hipertensão resistente e que não foram corroborados no Symplicity HTN-3.

Page 19: Jornal SBHCI

SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014 – 19

VALORES Ética Competência técnica e cientí� ca Capacidade resolutiva Valorização pro� ssional Responsabilidade socioambiental Comprometimento Sustentabilidade Inovação tecnológica

MISSÃODesenvolver a cardiologia intervencionista, certi� car a atuação pro� ssional e representar os associados com qualidade, e� ciência e alto valor agregado em prol da comunidade

VISÃOSer reconhecida internacionalmente como referência no âmbito de Sociedade de Intervenções Cardiovasculares

Page 20: Jornal SBHCI

20 – SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014

HoMenaGeM

A cardiologia nacional recebeu homenagem especialíssi-ma em 26 de maio. Desta vez, por meio da entrega da medalha Ordem do Ipiranga a J. Eduardo Sousa. A honra-

ria foi concedida em solenidade pelo governador paulista Geral-do Alckmin, no Palácio dos Bandeirantes.

Em breve discurso, Alckmin destacou que a comenda “é re-servada aos cidadãos nacionais e estrangeiros que merecem a gratidão dos paulistas por seus méritos pessoais e pelos serviços de excepcional relevância prestados a São Paulo”.

No caso de J. Eduardo Sousa, trata-se de reconhecimento aos importantes serviços prestados não apenas aos paulistas, mas a milhares de brasileiros.

aGradeCiMentosDiretor do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de

1983 a 2004, membro da Academia Brasileira de Medicina, livre-docente da Escola Paulista de Medicina e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, J. Edu-ardo Sousa recebeu a Ordem do Ipiranga bastante emocio-nado. Depois de dividir a honraria com sua esposa, a também cardiologista intervencionista Amanda G. M. R. Sousa, desta-cou seu amor pela cardiologia e pela medicina. “Não poderia me despedir do serviço público de maneira mais honrosa e feliz, com tão alta distinção para minha família e para mim em espe-cial. Este é um dos momentos com mais elevada significação e gratificação pessoal e profissional. Tive a oportunidade de co-nhecer várias dezenas de milhares de corações ao longo de mi-nha carreira de cardiologista intervencionista, sempre buscando oferecer inúmeras melhorias, permitindo-lhes uma vida mais saudável, mais feliz e mais produtiva para a nossa sociedade. Esta

Alckmin concede principal honraria de São Paulo a J. Eduardo Sousa

é a razão da minha realização profissional.”J. Eduardo Sousa ainda agradeceu à Diretoria do Instituto Dan-

te Pazzanese de Cardiologia, reconhecendo o apoio constante da Secretaria de Estado da Saúde. E ainda lembrou de citar o Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio e impor-tantes colegas que fizeram parte de sua trajetória.

Na mesma solenidade, também recebeu a Ordem do Ipiranga o rabino Henry Sobel, radicado no Brasil há mais de 40 anos. A homenagem foi concedida por sua atuação na defesa dos direi-tos humanos durante a ditadura militar e por seu desempenho à frente do rabinato da Congregação Israelita Paulista, sendo con-siderado uma das maiores lideranças religiosas do País.

Cardiologista intervencionista e rabino Sobel receberam homenagens do governador Geraldo Alkmin

”“Não poderia me despedir

do serviço público de maneira mais honrosa e feliz, com tão alta distinção para minha família e para mim em especial