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“Todas as religiões são fundadas sobre
o temor de muitos e a esperteza de
poucos”
Henry B.Stendhal
“A ausência de ciência, em
outras palavras, a ignorância das
causas, predispõe, ou melhor, obriga
os homens a confiar na opinião e
autoridade alheia.”
Thomas Hobbes.
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Sumário
Apresentação 3
I. Estelionato ou inspiração divina e boa vontade? 10
II. Instinto religioso: oportunidade de lucro fácil 26
III. Um pouco de História 44
IV. Abra sua empresa de fé 57
V. Como se tornar um místico de sucesso 73
VI. A ovelha fiel: crente ou cliente? 85
VII. Como encher o bolso com a Bíblia 118
VIII. Plano de marketing celestial 136
IX. Dez mandamentos para um culto de sucesso 149
X. Como eu sei que você ficará rico 183
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Apresentação
Alguma vez, você já ouviu a expressão “profissão de
fé”? E já pensou em passar os seus dias sem precisar fazer
grandes esforços para obter tudo aquilo que necessita e levar
uma vida confortável e luxuosa? Já pensou em ter pessoas que
seguem as suas ideias e obedecem as suas ordens? Já teve o
desejo de possuir o poder necessário para fazer as pessoas
abandonarem suas famílias, seus amigos, seus empregos e
seus sonhos só por sua causa? Você já pensou em se tornar um
grande líder espiritual e levar multidões aos seus cultos? ...e
ainda não havia encontrado meios para isso...
Seus problemas acabaram... Agora tudo isso e muito
mais é possível. Basta despertar o espírito empreendedor que
existe em você e aplicar as diferentes técnicas apresentadas
neste maravilhoso livro.
As informações apresentadas são uteis tanto àquelas
pessoas que querem ganhar dinheiro oferecendo produtos e
serviços que atendam às necessidades espirituais da população
e, principalmente, àquelas pessoas que pretendem se defender
de uma linhagem de picaretas, espertalhões e estelionatários
que, ao longo da história humana, exploram a boa fé das
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pessoas por meio de sofisticadas técnicas de controle mental.
Por mais paradoxal que te possa parecer, este livro tem dois
grandes objetivos:
1º. Oferecer informações atualizadas aos jovens
empreendedores que desejam investir em um ramo de atividade
bastante antigo, mas que somente a partir da segunda metade
do século XX passou a ser objeto de interesse das grandes
corporações e alvo especulativo dos investidores mais arrojados.
2º. Oferecer informações úteis às pessoas que desejam
se defender das milenares estratégias historicamente
empregadas para controlar os comportamentos, os
pensamentos, as preferências, as emoções e as vontades dos
seres humanos com finalidades políticas, ideológicas e,
principalmente, econômicas.
Como você deve ter notado, os dois objetivos deste livro
são diametralmente opostos. Ou seja, enquanto ensino a alguns
como vender seus produtos e serviços místicos, apresento
instruções para que outros não comprem os produtos ou
serviços vendidos pelos primeiros. Ao mesmo tempo ofereço
técnicas para que alguns ganhem dinheiro oferecendo serviços e
produtos que atendem as necessidades místico-religiosas das
outras pessoas, eu também alerto os possíveis consumidores
destes acerca das técnicas usadas por picaretas que desejam
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comprar mansões com o dinheiro doado por pessoas que mal
tem onde morar. Mas, fazer o que? A vida cheia de
contradições.
Busquei escrever o texto em um tom leve, sem o uso de
complicadas terminologias técnicas ou com o pedante estilo
acadêmico-científico de redação e escrevi como se estivesse
conversando com o leitor. Por isso, quando me dirigir aos
leitores que desejam viver bem, não querem suar a camisa e
têm padrões éticos que lhes permite fazer qualquer coisa, pois
ignoram ou fingem ignorar que, em qualquer sociedade humana
conhecida, só vive bem e sem suar a camisa aquele que explora
o trabalho de outras pessoas, eu utilizarei a expressão “Gerson”,
em tributo ao futebolista brasileiro que teve seu nome
imortalizado após dizer a infeliz frase “Gosto de levar vantagem
em tudo” em um ridículo comercial de cigarros veiculado na
década de 70. Para os leitores que desejam viver bem, mas
entendem que uma sociedade justa é aquela na qual a cada um
é assegurado o direito de ter acesso aos benefícios compatíveis
com os esforços oferecidos à coletividade, usarei o termo
“Emerson”, em homenagem ao escritor norte-americano Ralph
Waldo Emerson, que ficou famoso por introduzir a filosofia
transcendentalista nos Estados Unidos, além de enfatizar que
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todo ser humano possui uma “agulha magnética” que aponta o
seu caminho certo e que a divindade é algo interior1.
Para dar ao texto um tom mais humorado, tornar
explicitas algumas das contradições sociais e das ironias
intrínsecas à existência humana, decidi apresentar as
informações como se este livro fosse um manual de
administração direcionado àqueles que desejam investir seu
dinheiro com o objetivo de obter mais dinheiro sem precisar
correr os riscos envolvidos na produção ou na comercialização
de riquezas tangíveis. Por estes motivos, o texto parece ser mais
direcionado aos Gersons do que aos Emersons, o que está
longe de ser a minha intenção. Imagino que uma proporção
significativa dos leitores do grupo Emerson será capaz de
abstrair as informações apresentadas em uma “linguagem
Gerson” e que o mesmo não aconteceria com os leitores do
grupo Gerson se o texto estivesse em “linguagem Emerson”. De
modo geral, os Gersons não são habituados com leituras
teóricas e muitos deles, quando muito, só leem rótulos de
margarina ou trechos de manuais de aparelhos eletroeletrônicos.
Da mesma forma que os Vogons, criados pelo escritor de ficção
científica Douglas Adams, os Gersons tendem a ter uma
mentalidade bastante restrita, ser mal humorados, burocráticos,
1 Parece que outro cara disse coisa semelhante cerca de dois mil anos atrás,
mas seu nome ficou mais famoso do que as ideias atribuídas a ele.
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intrometidos e insensíveis, embora não sejam necessariamente
malévolos2.
Independente de você fazer parte do grupo Gerson ou
do grupo Emerson, a leitura deste livro certamente lhe será
bastante proveitosa. Presas e predadores poderão se beneficiar
com as informações contidas neste livro. Boa leitura.
2 Aos Emerson que desejam saber mais sobre os Vogons sugiro a leitura dos
livros da saga “O guia do Mochileiro das Galáxias”, publicados no Brasil pela editora Sextante. Para os Gersons que têm o mesmo interesse, recomendo que assistam ao filme homônimo, lançado em 2005 e dirigido por Garth Jennings.
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Estelionato ou inspiração
divina e boa vontade?
Antes de apresentar as diferentes estratégias que você
poderá empregar para ganhar a vida a partir da exploração dos
instintos religiosos humanos, acredito que é conveniente
esclarecer um ponto crucial: para você, explorar a boa fé de
outras pessoas é uma forma sofisticada de estelionato ou trata-
se de um ato de boa vontade por parte de alguém especial aos
olhos das entidades metafísicas que controlam os
acontecimentos na Terra?
Como qualquer “Gerson” já deve saber, o Código Penal
brasileiro reza, no famoso artigo 171, que estelionato é “obter,
para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil,
ou qualquer outro meio fraudulento”.
Tomando esta definição como norteador das decisões
ético-morais do futuro investidor no promissor setor da
exploração dos instintos religiosos humanos, podemos concluir
que explorar a fé das pessoas não é, rigorosamente, uma forma
de estelionato. Como demonstra a prática geral, no Brasil e em
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muitos outros países, parece ser lícito uma pessoa viver
luxuosamente a partir do dinheiro que lhe é dado
espontaneamente por outras pessoas. Quando lemos notícias
de que um ou outro autointitulado “representante de deus” está
envolvido com pendengas judiciais, isto ocorre por tráfico de
armas ou drogas, tentativa de desvio tributário e até mesmo por
causa da Lei Maria da Penha, mas nunca por acusação de iludir
pessoas com falsas promessas místico-religiosas3.
Responda rápido:
Qual o prejuízo de alguém que oferece quantias em
dinheiro em troca de conforto espiritual e esperança?
Qual o valor do conforto espiritual oferecido?
Quem pode quantificar o preço de uma esperança?
Conforto espiritual deve ser vendido por quilo ou por
unidade?
Um punhado de ouro vale mais ou menos do que dois
gramas de esperança?
3 Atualmente, magistrados brasileiros estão julgando procedentes algumas
acusações de exploração dos instintos religiosos. No entanto, isso ocorre somente quando o empreendedor não treina adequadamente sua equipe de atendimento, ou é novato no ramo ou não investe em consultoria especializada.
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Em virtude da imaterialidade do que é fornecido pelos
autointitulados representantes divinos, é razoável imaginar a
possibilidade de que o valor oferecido por estes bens intangíveis
foi, na verdade, inferior ao valor real dos bens adquiridos na
transação. Mesmo assim, os especialistas sugerem que o jovem
empreendedor deve consultar um bom profissional de Direito
antes de iniciar suas atividades no ramo da exploração da fé e
lhe perguntar:
“Dizer-se representante de uma divindade e obter
vantagens financeiras a partir disto é uma espécie de fraude?”
Se ele responder “Não”, ótimo! Sinal verde para você
começar a investir neste setor e planejar as suas próximas férias
nos Alpes Suíços ou em Mônaco. Mas, se ele disser que
apresentar-se como enviado divino é algo ilícito, procure outro
bom profissional de Direito até encontrar um que diga aquilo que
você deseja ouvir.
Por força da própria natureza humana, a vítima típica de
um estelionatário é, na maior parte das vezes, uma pessoa que
possui baixa instrução formal e busca obter algo de uma
maneira mais fácil e/ou mais barata do que poderia obter pelos
meios convencionais. No entanto, não são poucas as pessoas
que possuem formação superior, MBA ou doutorado, mas com
pouca disposição para o raciocínio e querem levar vantagem em
diferentes tipos de transação. Por exemplo, se eu acreditar que
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é mais fácil eu ganhar na loteria se comprar um bilhete já
premiado, certamente encontrarei uma doce velhinha para me
vender seu bilhete premiado com o objetivo de obter o dinheiro
necessário para ir visitar a mãe doente no interior. Se eu
acredito que posso me livrar da angustia existencial somente
tendo espasmos e gritando o nome de algum personagem
histórico aos domingos, sem precisar me preocupar com meus
comportamentos e decisões ético-morais, é quase certo que
encontrarei um bem intencionado sacerdote à La Gerson que
dirá exatamente o que desejo ouvir, me deixara entusiasmado,
me entorpecerá a consciência, que levará o meu dinheiro
embora e me deixará com um sorriso idiota no rosto. O mesmo
vai acontecer se eu acreditar que posso obter felicidade, saúde,
beleza, harmonia familiar, sucesso financeiro ou uma eventual
paz celestial sem precisar ter muito trabalho, abnegação e
disciplina pessoal.
Por mais odioso que seja o efeito prático dos golpes e
estelionatos, um fato não pode ser negado: o estelionato é um
dos melhores exemplos que podemos ter sobre o que acontece
quando a necessidade biológica ou desejo psicológico de uma
pessoa se depara com a malícia e eloquência de outra.
Certamente você conhece alguém com estas características:
a) Deseja chegar ao Paraíso descrito pela tradição
judaico-cristã;
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b) Não lhe agrada, ou não lhe convém, a ideia de levar
uma vida rigorosamente cristã;
c) Tem certa preguiça de pensar ou não teve acesso à
educação de qualidade.
Agora, imagine esta pessoa sendo abordada por alguém
com as seguintes características:
a) Possui aquilo que os cientistas comportamentais
chamam de “habilidades sociais”;
b) É eloquente e conhece técnicas para falar em público;
c) Conhece, mesmo que superficialmente, uma ou mais
filosofias místico-religiosas;
d) Tem o típico perfil “Gerson”; e
e) Conhece antigos golpes psicológicos para controle de
comportamento e emoções
Você é capaz de imaginar qual será o resultado deste
encontro?
Em muitas atividades humanas é bastante fácil
identificar quando um picareta está obtendo vantagem ilícita
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sobre outra pessoa. Se alguém me oferece um bilhete de loteria
dizendo que o mesmo é um bilhete premiado, eu posso
facilmente constatar se a informação é verdadeira ou não. No
entanto, se em uma manhã de domingo um camarada toca a
campainha e me diz que teve uma visão na qual o próprio
criador dos céus e da Terra apareceu no meio de um pote de
maionese e, cantando um rap psicografado, lhe escolheu como
fiel depositário dos seus interesses na Terra, e que poderá
interceder por mim junto ao deus do pote de maionese em troca
de doações em dinheiro, eu tenho pelo menos três alternativas
de conduta e nenhuma certeza.
Eu posso:
a) acreditar nas palavras deste legítimo representante
dos Céus;
b) especular que, ao ver deus, ele estava sob o efeito de
alguma droga psicodélica ou em surto psicótico, e perdeu a
critica acerca do que é real e o que é fruto da própria
imaginação; ou
c) correr em busca de um espelho para verificar se
algum engraçadinho escreveu a palavra “trouxa” na minha testa.
Excetuando-se a alternativa ‟c‟, objetivamente eu nunca
terei como verificar se minha decisão é ou não compatível com a
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realidade. Ao não atender à solicitação daquele que se
apresentou como „representante dos céus‟, posso:
a) Ter desprezado a chance de pagar alguma propina
para conseguir vantagens celestiais; ou
b) simplesmente ter deixado mais um maluco ou picareta
falando sozinho.
Se, de fato, os deuses, de tempos em tempos, elegem
representantes na Terra, é muito provável que eu já tenha
rotulado alguns messias com a etiqueta de „doidão‟.
Se você é de fato um dos poucos humanos com os
quais os deuses mantêm relações diretas, ou acredita ser, ou só
quer ganhar a vida dizendo que é, você não precisará ter super-
poderes nem tão pouco qualidades éticas ou virtude imaculada.
Se você convencer outras pessoas de que os deuses
conversaram com você e te escolheram como representante na
Terra, por mais absurdo que tenha sido seu suposto encontro
com o seu suposto deus, ninguém conseguirá contradizer este
fato, exceto aqueles que conversam com os mesmos deuses
que você. Isto é, só alguém que também poderia ser
considerado maluco ou picareta teria a capacidade de
demonstrar que você é um tratante. E, sinceramente, quem iria
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acreditar nos argumentos apresentados contra você por um
doido que diz ouvir vozes do além?
Logo, se alguém oferece alguma quantia em dinheiro
para uma pessoa que se diz representante de alguma entidade
metafísica, este alguém jamais terá maneiras objetivas de provar
que foi ludibriado. Por este motivo, se você faz parte do grupo de
leitores Emersons, uma conduta que lhe protegerá dos “Gersons
do Senhor” é, preventivamente, rotular com a etiqueta “maluco”
todos os messias ou representantes dos céus que lhe pedem
dinheiro. Desta forma, você não vai perder seu sagrado
dinheirinho para algum espertalhão que já conhece os golpes
que são apresentados ao longo deste livro.
No entanto, se você é um Emerson supersticioso, faça
uma relação do custo-benefício antes de sair por ai dizendo que
todo mundo que se diz representante dos deuses é maluco.
Conheço pessoas que, para não enfrentarem ansiedades que
julgam desnecessárias, doam dinheiro para autointitulados
“representantes de deus” numa atitude que comparo à aposta de
Pascal. O famoso matemático e pensador francês dizia que, por
mais improvável que seja a existência de um ser divino, o risco
de punição por não acreditar não compensa o custo de acreditar,
isto é, se eu acreditar em deus e ele não existir, não perco nada;
mas, se eu não acreditar Nele e Ele existir, minha alma vai assar
eternamente em algum dos círculos dantescos do inferno.