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Políticas de Ciência & Tecnologia e Desigualdades Territoriais: Interrelações entre
políticas públicas federais e estaduais na Amazônia Brasileira, o caso do estado do
Pará.
Autor(es):
Rodrigues, Diana Cruz (Universidade da Amazônia – UNAMA)Email: [email protected]
Vasconcellos Sobrinho, Mário (Universidade da Amazônia – UNAMA)Email: [email protected]
Resumen/abstract:
O artigo analisa o processo de descentralização e a distribuição territorial do fomento à Ciência e Tecnologia (C&T) de duas esferas de governo (estadual e federal) na Amazônia brasileira. Examina-se especificamente as políticas de C&T federal e estadual (descentralizada) no estado do Pará e suas interrelações em termos de desigualdades territoriais.O estudo foi realizado a partir da compreensão histórica do processo de descentralização e levantamento exploratório de dados.As análises demonstraram intensa assimetria intraestadual em C&T no Pará, e que a descentralização de políticas de C&T no Pará, ao emular estrutura e racionalidade da esfera federal, não tem proporcionado uma governança mais inclusiva e direcionada a construção de processos de desenvolvimento em seus diversos recortes territoriais.
Palabras clave:Política de Ciência e Tecnologia. Descentralização. Desigualdade. Amazônia.
Nota biográfica:
Mário Vasconcellos Sobrinho: PhD em Estudos do Desenvolvimento (Swansea University), Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade da Amazônia (UNAMA), e do Programa de Pós-graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazôniada Universidade Federal do Pará (UFPA).Membro da Rede de Pesquisadores em Gestão Social.
Diana Cruz Rodrigues: Doutoranda em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade da Amazônia (UNAMA), na linha de pesquisa em Gestão do Desenvolvimento.
1. Introdução.
O artigo analisa o processo de descentralização e a distribuição territorial
dofomento à Ciência e Tecnologia (C&T) de duas esferas de governo (estadual e
federal) na Amazônia brasileira. Examina-se especificamente as políticas de C&T
federal e estadual (descentralizada) no estado do Pará e suas interrelações em termos de
dinâmicas distribucionais e desigualdades territoriais.
As políticas de C&T vêm ganhando centralidade ao serem articuladas a
estratégias de desenvolvimento (Cozzens e Pereira, 2008), enquanto a aceleração de
mudanças tecnológicas originam novos processos de exclusão social em nível global
(Cozzens, 2012). No contexto brasileiro, as políticas de C&T na Amazônica são
ressaltadas como estratégicas para gerar modelos de desenvolvimento baseados no
aproveitamento sustentável da biodiversidade e inclusão social de populações
tradicionais (Becker, 2010). Contudo, a região ainda apresenta escassa infraestrutura de
CT.
A escolha do Pará deveu-se a ser o estado com maior volume de investimentos e
recursos regionais em C&T, embora seus indicadores mantenham-se abaixo da média
nacional, posicionando-o em uma situação periférica na federação. O estudo foi
realizado a partir da compreensão histórica do processo de descentralização e
levantamento exploratório de dados e documentos oficiais sobre investimentos e
recursos de C&T de agências de fomento federal e estadual.
A descentralização de políticas de C&T no estado do Pará seguiu o processo de
indução do governo federal a partir da década de 1980 (CGEE, 2010), concomitante a
outros setores políticos no Brasil e na América Latina com a abertura democrática.
Contudo, a elevada disparidade entre governos subnacionais no Brasil é reconhecida
como uma dificuldade para que processos de descentralização alcance objetivos
redistributivos.
Assim, apesar da indução federal ser considerada bem sucedida na formação de
bases institucionais e crescimento dos investimentos para política de C&T no governo
estadual, o constrangimento de capacidades e a forte emulação das estruturas
institucionais e racionalidades de financiamentos federais para a esfera estadual são
elementos de análise para compreender o processo de descentralização e sua interação
com políticas federais na perspectiva da dinâmica de desigualdades.
Além desta seção introdutória, o artigo está dividido em outras cinco (5) seções.
A próxima corresponde a uma revisão de literatura sobre a temática de descentralização
de políticas públicas e a questão das desigualdades. Em seguida, sintetizamos
informações sobre o percurso metodológico e delineamento do caso de pesquisa.
Posteriormente, fazemos um breve panorama das trajetórias de políticas públicas de
ciência e tecnologia e o processo de descentralização no Brasil. A seção sobre “a
política de C&T no Pará: fomento e a questão das desigualdades”, expomos nossas
considerações finais.
2. Descentralização de políticas públicas e a questão dasdesigualdades.
No cerne deste artigo iremos discutir o imbrincamento de duas características
marcantes na sociedade brasileira, por um lado, as fortes desigualdades territoriais e
sociais que a perpassam desde sua constituição aos dias atuais; e, por outro lado, os
extensos processos de descentralização em políticas públicas que decorreram a partir da
década de 1980, tornando-osatributos relevantesà compreensão da ação do Estado nos
territórios e da dinâmica de interação deste com demais atores sociais.
A acentuada heterogeneidade social e econômica entre pessoas e regiões (inter e
intra regional) do Brasil tem sido apontada como elemento distintivo da federação
brasileira (Affonso, 2000: 131; Arretche, 2010: 589). De modo que, Arretche (2010:
589) situa tal componente como clivagem social significativa para a escolha de um
desenho federativo de instituições do Estado, com vistas a permitir mecanismos de
poder de veto às jurisdições e grupos em condições minoritárias, proporcionando algum
nível de equilíbrio de representação das e nas jurisdições do país (Arretche, 2010: 589).
Outro atributo do desenho federativo do Brasil que veio a constituir-se foi seu
elevado grau de descentralizaçãopolítica, em comparação com outros países federativos,
inaugurado pela Constituição Federal de 1988 (Souza, 2002: 431). Entendida aqui
descentralização de forma ampla, com base em Affonso (2000: 130), enquanto alguma
forma de redistribuição de recursos políticos, econômicos e administrativos, de
competências e atribuições de responsabilidades e, ainda, de espaços de decisãoem
determinado contexto histórico, que ocorra entre instâncias governamentais mais
centrais e instâncias governamentais menos centrais ou para outros atores da sociedade
civil ou mercado.
Contudo, os movimentos a favor da descentralização nos anos 1980 tiveram um
predomínio de abordagens normativas em relação aos benefícios esperados deste
processo, sublinhados por termos como eficiência, efetividade e controle democrático
(Arretche, 1996; Souza, 2002; 434-435). Com o prosseguimento de reformas no Estado
e as experiências advindas das mudanças em relações intergovernamentais e de poderes
relativos exercidos pelos governos subnacionais e das sociedades locais, abordagens
com teor mais analítico puderam emergir, e dentre estas algumas com foco nos
processos de descentralização e suas dinâmicas (re)distributivas em contextos de
elevadas desigualdades, como Souza (2002), Arretche (1996; 2010), Affonso (2000),
Finot (2005).
Aspreocupaçõesdesses estudos vinculam-se ao alerta de Affonso (2000: 149) no
que tange a “descentralização sem a incorporação de conteúdos sociais condizentes
com uma trajetória de longo prazo de inclusão social tende a reproduzir, como estamos
assistindo atualmente, outras formas de desigualdade (tanto interpessoais, quanto
interregionais)”.
Neste sentido, buscaremos nesta seção fazer uma breve revisão sobre como o
processo de descentralização foi introduzido e desenvolvido em instituições de políticas
públicas no Brasil, e quais as estratégias e limitações de sua operacionalização em meio
a contextos de elevada heterogeneidade.
O processo de descentralização no Brasilna década de 1980 foi simultâneo à
redemocratização, e, uma vez que as primeiras eleições no início da década foram para
os governos subnacionais (governadores e prefeitos), adveio um fortalecimento das
elites políticas regionais e, assim, um reequilíbrio das suas condições de negociação
com as elites federais (Arretche, 1996: 2). Estes governadores e prefeitos foram atores
decisivos no processo de defesa da descentralização junto com os constituintes de 1988,
e a agenda da descentralização associada com a reabertura política resultou no que
Affonso (2000, p. 131) denominou de descentralização “pela demanda”.
Por um lado, essa descentralização por demanda pode reforçar a visão de
descentralização como um processo político, e não somente administrativo, como
destaca Souza (2002: 436). Por outro lado, o início deste processo de descentralização
ocorreu sem uma coordenação estratégica por parte do governo federal, o qual já
enfrentava a crise fiscal e problemas de governabilidade (Affonso, 2000: 128-131).
Entretanto, embora o governo federal estivesse enfraquecido neste primeiro
momento, cabe mencionar a observação de Arretche (2008: 12) que a Constituição
Federal (CF) de 1988 reservou à União a responsabilidade exclusiva de normatização
futura sobre diretrizes e as regras em diversos domínios de políticas públicas, como, por
exemplo, instituir as diretrizes e bases da educação nacional, e legislar sobre as normas
de trânsito e transporte, entre outros.Esta previsão é interpretada por Arretche (2008:
12) como o reconhecimento da necessidade de preservação de um equilíbrio federativo
entre a autonomia dos governos subnacionais que opera na direção da heterogeneidade
de políticas, e uma função regulatória pelo governo central na direção da uniformidade
embutida em um sentido de nação1.
Feita tal ressalva, a lembrar que o processo político de descentralização envolvia
forças políticas variadas, nesta primeira fase prevalecia um certo “consenso”pela
promoção da descentralização, que era defendida tanto por formações ideológicas
progressistas ou de esquerda, como por conservadores (Arretche, 1996; Nunes, 1996).
Alinhados a visões mais progressistas estavam visões que a descentralização estimula
uma democracia de base territorial, com o fortalecimento da democracia participativa
por meio de fóruns e outros espaços de participação aos cidadãos (Arretche, 1996;
Nunes, 1996). Affonso (2000: 129) realça que em âmbitos como a CEPAL
adescentralização do aparelho de Estado era atribuída como um requisito político
necessário para superar o atraso econômico na América Latina, de forma a ser o elo de
vinculação entre a promoção do desenvolvimento econômico aliado ao
desenvolvimento social (Affonso, 2000).
Ao mesmo tempo, a ascensão do ideário neoliberal, apoiado por organismos de
financiamento internacional, prescrevia a descentralização como condição necessária
para dotar o Estado de maior eficiência na prestação de serviços públicos,
proporcionando meios de conduzir a um Estado mínimo, capaz de gerar
comportamentos políticos e econômicos caracterizados por maior capacidade de
iniciativa e controle democrático (ARRETCHE, 1996; NUNES, 1996; AFFONSO,
2000).
Assim, os dois principais argumentos em torno da promoção da descentralização
vinculavam-se à melhoria de eficiência alocativa e consolidação da democracia,
particularmente da democracia participativa,associadas a ideia de alcance de maior
equidade entre cidadãos (ARRETCHE, 1996; NUNES, 1996; CAVALCANTE, 2011:
1784).1Entendemos que esta necessidade de equilibrio também se establece na relação entre estratégias de desenvolvimento local e a construção de propostas de meso e macro alcannce para desenvolvimento regional e nacional.
Nesta perspectiva, Finot (2005: 29) expõe que a descentralização política
articulada para um modelo de desenvolvimento local, associa-se à eficiência e à
equidade por meio da concertação de atores políticos (públicos e privados) no âmbito
local e pelo aprofundamento de um sistema de distribuição de transferências de receitas
públicas. Para o autor a geração de novos espaços de participação cidadã é a base para
organizar territorialmente o aparelho estatal paraimplementação de políticas em resposta
às dívidas sociais, bem como fazer face aos problemas de desequilíbrios fiscais nas
jurisdições pela compreensão, deliberação e controle dos cidadãos sobre a gestão
pública local (Finot, 2005: 30).
Contudo, a associação positiva entre descentralização e os resultados esperados
de eficiência e fortalecimento democrático não deve ser tomada como necessária e
automática, uma vez que as experiências de políticas públicas descentralizadas tendem a
apresentar resultados contraditórios (ARRETCHE, 1996: 2; CAVALCANTE, 2011:
1785).O contraponto fundamental pondera que a consolidação de ideais democráticos (e
podemos também considerar o compromisso com a eficiência pública)
correspondemmenos a uma determinada escala ou nível de governo responsável pela
gestão das políticas, e mais com a natureza das instituições e cultura política
predominante emdado nível de governo (Arretche, 1996). Portanto, Arretche (1996)
argumenta que, apesar de instituições de âmbito local, ao serem dotadas de
poderefetivo, poderemincentivar à participação política e controle de ações de governo
por parte dos cidadãos ao estarem “mais próximas” deste, tal associação somente se
realiza uma vez que se construam e desenvolvam instituições cuja natureza e formas de
funcionamento sejam compatíveis com estes princípios democráticos.
Em sentido similar, Nunes (1996: 34) evidencia que a proximidade do cidadão
do poder local é ambígua, pois reconhece-se que é factível que o poder local se torne
democratizadoe sirva de palco a uma maior participação popular. Porém, tal poder local
também é identificado como possível lugar da reprodução depoder político de
oligarquias tradicionais, que ao procurar afirmarseus privilégios, perpetuamum
desenvolvimento desiguale assimétrico (Nunes, 1996).
Cabe notar que tais críticas não são direcionadas propriamente ao processo de
descentralização, mas questionam resultados normativamente pressupostos desta, e
visam problematizar a forma como esta vem sendo desenvolvida, especificamente em
países com elevada heterogeneidade.Do ponto de vista dos aprendizados práticos,
Affonso (2000: 129) sintetiza uma série de dificuldades constatadas referentes à
inadequação de estratégiasou de desenhos de implementação de descentralizações em
políticas públicas no Brasil:
- Falta de capacidade administrativa ou financeira de governos subnacionais para
assumir novos encargos, e a heterogeneidade destas capacidades entre unidades
subnacionais;
- Excesso ou insuficiência de controle ou supervisão em políticas
descentralizadas;
- Obstáculos em estruturar ou manter coalizões pró-descentralizaçãoatravés de
diferentes setores de políticas públicas;
- Divergênciasentre o pressuposto da descentralização, no que tange aesperada
ampliação de poder dos governos subnacionais sobre seus gastos públicos, e políticasde
estabilização macroeconômica e controle fiscal pelo governo federal;
- Adversidades para coordenar a descentralização de políticas com objetivos
redistributivos interpessoais e inter-regionais.
Embora seja a última dificuldade que mais interessa ao escopo da discussão
realizada neste artigo, é necessário observar que há substancial encadeamento entre as
dificuldades listadas. Por exemplo, capacidades de gasto ou de execução administrativa
desiguais entre unidades subnacionais para implementação de determinada política de
prestação de serviço público, apresenta como implicação a disparidade na prestação de
tal serviço aos cidadãos de jurisdiçõesdistintas (Souza e Carvalho, 1999: 209).
Além da assimetria de capacidades entre unidades subnacionais, outro
efeitoperverso relacionadoao processo de descentralização associado adesigualdades
refere-se as chamadas guerras fiscais em disputa de investimentos de empresas do
mercado (Nunes,1996: 36; Affonso, 2000: 141). Neste tipo de disputa sobressai um
incentivo à competição predatória entre governos subnacionais, e enfatiza uma
consequente de fragmentação do poder estatal entre as unidades subnacionais. Para
Nunes (1996: 36) este exemplo demonstra uma limitação da descentralização de
substituir com vantagem o governo central(em si já enfraquecido, porém menos) em
relação ànova correlação de forças entre agentes públicos e privados em um contexto de
globalização e desregulamentação de mercados financeiros.
Constatações de dificuldades nos processos de descentralização, combinadas
com o aprofundamento de reformas neoliberais do Estado e ajustes fiscais na década de
1990, conduziram a um segundo momento desse processo de descentralização no Brasil,
que Affonso (2000: 146)chamou de descentralização “por oferta”. Esta etapa diz
respeito a iniciativas do governo federal de regular às ações dos governos subnacionais,
seja em termos fiscais, destacando-se a renegociação de dívidas de governos estaduais e
aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (Affonso, 2000: 148); seja na
regulamentação de algumas políticas públicas específicas, ressalta-se a reforma
constitucional para o ensino fundamental (criação do FUNDEF), e a edição de Normas
Operacionais Básicas para o Sistema Único de Saúde (SUS) para regulamentar o
processo de transferência de atribuições e recursos a estados e municípios mediante
regras de adesão(Arretche, 2002).
Passa-se a reconhecer a relevância da coordenação federativa para os processos
de descentralização, entendida esta coordenação como o estabelecimento de regras que
rejam a atuação dos atores governamentais nos níveis centrais e subnacionais, com
vistas à organização e compartilhamento de decisões e tarefas, inclusive a definição de
competências nos domínios de políticas públicas e criação de fóruns federativos com
que os entes possam acionar a defesa de seus direitos (Abrucio, 2005: 45).
Assim, Arretche (1996: 2;12) ressalta que, ao contrário de pressupostos que
relacionam à descentralização a uma redução ou esvaziamento de funções dos níveisde
governo centrais, o êxito de processos de descentralização supõe uma “expansão
seletiva” para novas atividades a serem exercidas pelos governos centrais. Este
movimento conduz a uma redefinição do papel estratégico do governo federal, que
tende a se fortalecer,e implica em um novo arranjo federativo em busca a difícil síntese
entre regulação, responsabilidade e autonomia (Arretche, 1996: 12; Arretche, 2003:
340; Almeida, 2005: 30).
Neste sentido, Arretche (2010: 589) esclarece que a regulação de governos
subnacionais se fundamenta tanto em função da ideia de nação, ou seja, noção de
pertencimento a uma comunidade nacional única que deve permanecer de alguma forma
integrada; quanto pela desconfiança em relação a possíveis práticas predatórias de elites
políticas locais (Arretche, 2010: 589). Do ponto de vista específico do enfrentamento de
desigualdades, a autora defende que uma redistribuição territorial significativa somente
pode ser realizada por um nível de governo nacional, em virtude da extensão de
recursos demandada pela redistribuição e sua correspondência com bases estruturais da
sociedade em relação a noções de cidadania social e pluralidade regional.Nesta
perspectiva, a combinação de regulação centrada no governo nacional e autonomia
política nos governos subnacionais para execução de políticas no âmbito de suas
particularidades tende a limitar o intervalo e as condições de desigualdades territoriais
entre jurisdições em políticas descentralizadas em contextos de elevada heterogeneidade
(Arretche, 2010: 591).
No entanto, Arretche (2008: 20-21) aponta que a ação reguladora e a construção
de instrumentos de coordenação intergovernamental são específicas de cada domínio de
política pública (policy-specific), pois dependem de características dos problemas
enfrentados em políticas setoriais particulares e dos arranjos institucionais do legado
destas políticas. Deste modo, a autora recorda que a concepção e mobilização
deestratégias de coordenação para uma determinada política não ocorre em um vazio
institucional, isto é, longe de compor um amplo campo de alternativas de ação, são
marcadas por constrangimentos derivados de trajetórias anteriores (Arretche, 2008)
Ao considerar tal diversidade, recorremos a abordagens analíticas que iluminem
características do processo de descentralização e suas implicações à dinâmica de
desigualdades. Veremos duas discussões que auxiliam a distinguir trajetórias de
processos de descentralização: uma que se refere ao exame do desenho de competências
e funções entre níveis de governos, e outra sobre as dimensões da descentralização.
Em relação a aspectos do desenho de competências e funções da
descentralização, um traço marcante de variadas políticas públicas no Brasil
corresponde a definição de competências comuns entre os diferentes níveis de governo.
Todavia, esta superposição de competências não decorre de nenhuma distorção, como
defende Almeida (2005)corresponde a sinalização da CF de 1988 na direção de uma
modalidade de federalismo cooperativo, caracterizado pela existência de funções
compartilhadas entre as diferentes esferas de governo, que asseguraflexibilidade para
concepções de arranjos intergovernamentais sensíveis à heterogeneidade de setores de
políticas e de capacidades (financeiras, administrativas e técnicas) dos níveis
subnacionais no Brasil.
Para análise de desenho de competências e funções em processos de
descentralizações de políticas, torna-se útil identificar as funções exercidas por cada
nível de governo, em particular àquelas de financiamento, normatização e execução de
políticas, e buscar verificar seus efeitos em um contexto de coordenação da política
(Arretche, 2008: 10).Além deste mapeamento de funções intergovernamental,discernir
as dimensões conceituais do processo de descentralização e as condições de regulação
decorrentes do domínio da política, o que complementa a visualização do sistema de
relações entre níveis de governo da política específica.
Arretche (2004; 2010) propõe duas dimensões deabrangência conceitual da
descentralização, uma dimensão corresponde a atribuição de responsabilidade pela
execução de políticas públicas ao nível local de governo, baseada em formulações
concebidas em nível federal. Esta dimensão, mais restrita, é inclusive compatível com a
atuação de governos nacionais mais centralizados. Outra dimensão é concernente
àoutorga de autoridadeàs unidades subnacionais para tomar decisões sobre as políticas,
com a prerrogativa de decidir o conteúdo e o formato dos programas governamentais
(Arretche, 2010: 589; 596).
Tais dimensões se relacionam ao estudo de condições de regulação em políticas
que ilumina as relações central-local. Arretche (2010: 603) define as políticas reguladas
como aquelas em que há legislação e supervisão do governo federal que limitam a
autonomia decisória dos governos subnacionais, seja ao estabelecer patamares de
gastos, seja ao normatizar modalidades de execução das políticas. Enquanto que as
políticas não reguladas são aquelas em que não há o emprego dos recursos institucionais
significativos por parte da União para regular a execução descentralizada de uma
determinada política. Nestas políticas, os governos subnacionais apresentam parcela
substantiva de autonomia de implementação, ocorrendo, por consequência, menor
mediação em relação a redistribuição de recursos (Arretche, 2010).
Com vistas a considerar nuances nos movimentos de descentralização,
compreendemos a caracterização de conjunturas reguladas e não-reguladas como um
contínuo. E, embora reconheça-se que as regulações contenham viés de preferências e
valores a constrangerem autonomias de governos subnacionais, ao qual é necessária
atenção quanto a sua direção, retomamos a ideia do exercício de funções regulatórias e
redistributivas do governo central como mecanismos para incentivar a cooperação entre
jurisdições(Arretche, 2010: 593), com a indução à construção de capacidades e o
estabelecimento de espaços e condições à interação política para adesão a determinadas
agendas nacionais.
Entendemos que a construção de um modelo de descentralização associado ao
enfrentamento de desigualdades em determinada política pública perpassa aprendizados
de longo prazo, com a formação (por vezes descontínuas) de capacidades e acordos
dialogados sobre redistribuição no conjunto de atores de governossubnacionais e
governo central (federal). É um caminho em que modelos, enquanto representações de
padrões de relações, são articulados e rearticulados em uma visão processual
dadescentralização e da coordenação.
3. Percurso metodológico e delineamento do caso de pesquisa.
A presente pesquisa visa analisar a distribuição territorial do fomento à Ciência e
Tecnologia (C&T) associados a duas esferas de governo, uma subnacional (estadual) e a
outra central (federal) e suas interrelações em termos de dinâmicas de desigualdades
territoriais na Amazônia brasileira. Para tanto, adotamos um enfoque exploratório
baseado em análise documental e no levantamento de séries de dados sobre
investimentos em C&Trealizados tanto pela estrutura de fomento estadual, quanto pelas
duas principais agências de fomento federais, o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes).
O caso em estudo empírico refere-se à unidade federativa do Pará, localizado na
região Amazônica brasileira. Compreendemos que a escolha do Pará se justifica por
dois atributos de potencial contribuiçãoparaestudos da associação descentralização e
enfrentamento de desigualdades:
- O primeiro atributo corresponde a caracterização periférica da região
Amazônica, particularmente da região Norte que compõe a maior parte de sua extensão.
Em geral, a região Norte em conjunto com a região Nordeste tem apresentado os
menores indicadores de ofertas de serviços públicos no país associada a maiores taxas
de concentração de pobreza, conforme análise do período de 1970 a 2010
(ARRETCHE, 2015). Especificamente em relação à política de C&T, a Região Norte
vincula-se aos menores coeficientes de indicadores regionais convencionalmente
monitorados por CAPES e CNPq; e,
- O segundo atributo refere-se especificamente ao estado do Pará por constituir-
se uma posição potencialmente dual na comparação de seus indicadores de C&T no
âmbito nacional e regional. O estado pode ser caracterizado enquanto assumindo uma
posição periférica em geralnoâmbito nacional, contudo, no âmbito da região Norte, o
estado tende a situar-se de forma central, ao possuir os indicadores científicos regionais
mais elevados. Esta alternância de posições pode gerar uma variabilidade de atuação de
atores políticosem contextos de arranjos nacionais e regionais frutífera para reflexões
sobre desigualdades nas relações intergovernamentais.
Os dados da pesquisa foram baseados em análise documental, com vistas a
contemplaruma compreensão da trajetória de descentralização no domínio da política de
C&T e, em levantamento de dados e documentos oficiais sobre investimentos e recursos
de C&T de agências de fomentofederal e estadual.
4. Trajetórias de políticaspúblicas de ciência e tecnologia e o processo de
descentralização no Brasil.
As preocupações e investigações em torno da descentralização e seus efeitos na
dinâmica redistributiva revelam os constrangimentos e complexidade das experiências
de processos em políticas descentralizadas e resultados contraditórias alcançados.
Analisar “se” e “em que medida” a descentralização ampliou o poder de segmentos da
sociedade antes excluídos (territorialmente e socialmente) do processo decisório da
política e a direção distributiva desta passa a ser focal.
No intuito de informar a trajetória política no Brasil do domínio da C&T,
retratamos um breve panorama da constituição do fomento à C&T e os papeis
articulados pelos governos subnacionais. Suzigan e Albuquerque (2008) defendem que
o Brasil apresentou um processo histórico de formação de instituições de CT&I tardio,
limitado, e problemático, conforme segue:
- Tardio: Uma vez que Portugal mantinha restrições a instalações de
universidades ou instituições de pesquisa no território do colonial brasileiro, somente
com a mudança da corte portuguesa ao Brasil em 1808 que as primeiras faculdades para
ensino superior puderam ser criadas, e os institutos de pesquisa começam a ser
estabelecidos, tendo um impulso maior no final do século XIX.
- Limitado: Devido tais faculdades de ensino superior e as instituições de
pesquisa em geral atuarem de forma isoladas, sem articulação entre um embrionário
desenvolvimento científico e a educação superior, permanecendo como tal até o início
do século XX.
- Problemático: Por ser marcado por desigualdades, tanto na distribuição das
instituições de ensino e pesquisa no território nacional, quanto à dificuldade de acesso
da maior parte da população a estes ambientes. Suzigan e Albuquerque (2008) ressaltam
condições adversas relacionadas ao extenso período de escravidão e, posteriormente, a
forte marginalização pela pobreza da população, aprofundadapela dinâmica de
crescimento econômico com reprodução de exclusões sociais.
Deste cenário histórico inicial até a década de 1950, a atuação do governos
nacional e subnacionais em relação ao fomento à C&T foi compreendida por ações
dispersas e desarticuladas, sendo o período denominado de uma descentralização difusa
na Política de C&T pelo CGEE (2010).
No período pós-guerra, a institucionalização de políticas de C&T ocorreu no
contexto internacional (Velho, 2011), e, a partir da década de 1950, o governo federal
no Brasil tomou um conjunto de iniciativas que visavam constituir uma estruturação
institucional, resultando em um maior grau de centralização, principalmente no decorrer
da ditatura militar. Contudo, como Arretche (1996) menciona, esta fase de centralização
que caracteriza o Estado desenvolvimentista no país, também representou uma
ampliação de bases institucionais em territórios subnacionais, neste caso por meio de
desconcentração de instâncias federais, especialmente por investimentos da implantação
e expansão de universidades federais e institutos de pesquisas.
Este período representou um avanço importante na formação de cientistas e
crescimento da produção científica e tecnológica no país, promovido pelo
estabelecimento de instituições de fomento e científicas chaves. Contudo, a natureza da
concepção ofertista da C&T e a emulação de instrumentos baseados em países centrais
conduziram a um descolamento da produção acadêmica às necessidades locais2,
particularmente da população mais marginalizada (Dagnino et al, 1996). Deste modo,
embora a política centralizada tenha expandido a implantação de organizações de
pesquisa territorialmente no país, tal ampliação tendeu a reproduzir as desigualdades
territoriais e sociais existentes.
Na década de 1980, a política de C&T também recebeu influência dos processos
mais amplos de descentralização política. Apesar da ênfase do processo geral de
descentralização política nesta etapa no país caracterizar-se “pela demanda”, na política
de C&T verificou-se iniciativas de coordenação federal, principalmente lideradas pelo
CNPq, pela promoção de constituição e fortalecimento de instituições de C&T estaduais
2 A produção acadêmica em países periféricos devido a processos de legitimação entre pares, regras de financiamento e regulações ou mesmo de dependência de trajetórias de formação acadêmica no exterior tende a ser autocentrada em sua comunidade de pesquisa e dar ênfase a integração com uma agenda de pesquisa internacional, atendendo a critérios de qualidade e relevância vinculados a orientações editoriais de países avançados, respondendo, assim, preponderantemente as demandas localizadas nestes países (Thomas et al, 2012).
(secretarias de governo e fundos de fomento estaduais de C&T), que comporiam os
chamados sistemas estaduais de C&T (CGEE, 2010). No entanto, tais iniciativas foram
substancialmente restringidas pela crise fiscal epolíticas macroeconômicas de controle
de gastos, que provocou uma grande flutuação, com momentos de fortes reduções, de
gastos federais na área.
Ponderadas às limitações mencionadas, a indução do governo federal estimulou
a criação e consolidação de bases instituições na esfera dos governos estaduais. Ao
seguir a padrão da Constituição Federal (1988), as constituições estaduais elaboradas a
partir de 1989 previram a criação de fundos estaduais de fomento à C&T, que se
tornaram importantes fontes de recursos a área(CGEE, 2010). Além disso, houve
substancial emulação da base institucional federal para a esfera estadual com adoção de
formatos de secretarias de governo e fundações de fomento no executivo estadual.
Esta estrutura institucional de financiamento e/ou gestão de políticas de C&T
iniciadas na esfera estadual, fez com que este nível de governo fosse o mais apto à
descentralização de políticas de C&T3, por meio da implementação de programas de
fomento compartilhados com o governo federal instituídos ao final da década de 1990 e
no decorrer de 2000, quando houve a regularização do financiamento federal para a área
pela aprovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FNDCT) (CGEE, 2010).
Entretanto, problema comum identificado na seção anterior ao processo de
descentralização de políticas de C&T e também encontrado na política de C&T refere-
se à disparidade de capacidades orçamentárias e institucionais entre estado brasileiros e
a forte dependência para a maioria destes estados do financiamento federal (CGEE,
2010). Diante de tal situaçãode heterogeneidade, a CF 1988 (artigo 23º) também
contempla a área de políticas de C&T como de competência comum aos três níveis de
governo).
O Centro Gestor de Estudos Estratégicos (CGEE, 2010) do ministério federal
responsável pela pasta de C&T elencou entre os fatores estruturais determinantes de
desigualdades no fomento por governos subnacionais: (I) disparidade do legado
histórico da distribuição de ativos tecnológicos e institucionais; (II) graves diferenças 3 Estudo do CGEE (2010) registra iniciativas de políticas descentralizadas no nível de governos municipais, porém estes foram menos frequentes. Além disso, considera-se que nesta esfera municipal ocorra também maior disparidade de capacidade para políticas em C&T, visto que maioria dos municipios apresentam fortes restrições de investimentos, e as receitas disponíveis são, em geral, direcionadas à políticas sociais básicas, onde há intensa regulação federal, como saúde e educação.
orçamentárias e, portanto, de potencial de gasto; (III) distintos graus de organização
política local e comprometimento das bases parlamentares.
Conforme levantamento do CGEE (2010), no período de 2000 a 2008 o Governo
Federal foi responsável pela maior parte dos recursos públicos aportados nestas
políticas, representando 70% do total em 2008, enquanto os governos estaduais em
conjunto aplicaram 30%. Desta forma, a capacidade de investimentos (função
financiamento) do Governo Federal apresenta-se como um importante fator de indução
das políticas da área, principalmente junto aos governos subnacionais com menor
disponibilidade orçamentária, que tendem a terem suas autonomias restringidas quanto à
possibilidade de adoção de programas governamentais próprios.
Outro aspecto que tem implicações em termos distributivos corresponde as
ênfases da agenda de C&T. A partir dos anos 1990, Viotti (2008) ressalta a ascensão da
agenda de políticas de inovação tecnológica na área, por meio da proposição de
estratégias de desenvolvimento pela inovação. Esta agenda alcançou ao longo da década
de 2000 uma maior disponibilidade de investimentos e a criação de uma variedade de
programas governamentais. O foco do seu discurso tende a ser a promoção da
valorizaçãodas cadeias de valor do país pelo incentivo à incorporação de conhecimentos
e tecnologias produzidos nas, ou em parcerias com, universidades e institutos de
pesquisa em setores industriais nacionais e lançamento de novos modelos de negócios.
Esta temática tem mobilizado a função regulatória do governo federal, desde da
década de 2000 foram várias as legislações aprovadas vinculadas à agenda, entre elas
podemos citar a criação da lei de incentivo à inovação (10.973/2004), a Lei do Bem
referente a concessões de incentivos fiscais (11.196/2005), e a ementa constitucional n°
85.
Contudo, dois questionamentos podem ser levantados frente a esta agenda e o
enfrentamento de desigualdades. O primeiro é a extensão e a direção territorial que esta
agenda (e seus benefícios econômicos) se concretizará dada a histórica falta de interação
entre atores da C&T e empresárias no país (Suzigan e Albuquerque, 2008), associada a
desarticulação de políticas pró-inovação com as direções de políticas macroeconômicas,
por exemplo pela manutenção de juros elevados e estímulo à produção de
commoditiescom foco em exportação para evitar maiores desequilíbrios na balança de
pagamentos nacional (Pacheco, 2007), particularmente em territórios menos
industrializados.A outra questão é um viés neovinculacionista, dando ênfase ao
direcionamento do esforço científico e tecnológico às demandas filiadas a economias de
capitalismo avançado, inclusive com capacidade de cofinanciamento, em detrimento às
necessidades de populações locais em situações de privação.
Por fim, em uma síntese do breve panorama do processo de descentralização da
política de C&T, entendemos que há considerável sobreposição na distribuição
intergovernamental de funções entre os governos estaduais e o governo federal, este
assumindo papeis preponderantes. O governo federal lidera as funções de normatização
e de financiamento, além de manter o exercício da função de execução, por meio de
agências federais de fomento (CNPq, FINEP e CAPES) e por organizações de pesquisa
e educação superior desconcentradas.
A maioria dos governos estaduais, embora gozem de prerrogativas legaispara
tomar decisões sobre o conteúdo e o formato dos programas governamentais, têm
capacidades orçamentárias e institucionais-administrativas limitadas, e tendem a não
priorizar em termos de gastos a área de C&T no conjunto de suas políticas.
5. A política de C&T no Pará: o fomento e a questão das desigualdades.
A descentralização de políticas de C&T no estado do Pará recebeu substancial
influência do processo de indução federal. A estruturação institucional de C&T no
âmbito do governo estadual inicia-se no final da década de 1980, com a previsão na
constituição estadual de criação de fundo específico para C&T, regulamentado pela Lei
Estadual 29/1995, sendo gerido até 2007 por uma Secretaria Estadual conjunta referente
à Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (SECTAM). Ainda na década de 1990, foi
criada a Universidade do Estado do Pará (Lei estadual 5.747/1993).
Após essa estruturação inicial, mudanças significativas somente voltaram a
ocorrer em 2007, quando é criada a Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e
Tecnologia (SEDECT), com a desvinculação da área de C&T da antiga SECTAM,
passando a ter uma secretaria estadual específica dedicada ao tema (Lei Estadual
7.017/2007), e com a implantação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do
Pará (FAPESPA) (Lei complementar 061/2007).Neste período também há um reforço
de investimentos em instituições federais no Estado, com a criação de duas novas
universidades federais (Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA e
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - UNIFESSPA).Assim, compreende-se
que a formação de base institucional do Estado do Pará em CT&I foi tardia em
comparação com a trajetória da maioria dos estados da federação.
Ao considerar este breve cenário, apresentamos um levantamento exploratório
de dados sobre o fomento de C&Tem municípios do estado do Pará.Ao tentar analisar a
dinâmica distributiva relacionada ao fomento de C&T no estado do Pará, por parte do
governo federal e estadual buscamos por informações a nível municipal nas principais
bases de dados abertas disponibilizadas pelo CNPq e CAPES, agências de fomento do
Governo Federal, e na Secretaria Estadual responsável pela pasta de C&T (atualmente
Sec. Estadual de Ciência, Tecnologia e Educação Tecnológica - SECTET) e na
FAPESPA.
Em relação a base de dados da Capes (Geocapes:
https://geocapes.capes.gov.br/), encontramos disponíveis para a escala de municípios
somente a existência de dados sobre pós-graduação. Nestas, podemos verificar que
houve expansão de oferta de PPG stricto sensu para municípios no interior do estadodo
Pará (principalmente a partir de 2010),no entanto, em 2014, ainda havia elevada
concentração desta oferta na região metropolitana de Belém (capital do estado), que
alcançava 93% da oferta de cursos de mestrado profissional, 78% de mestrado
acadêmico, 75% de doutorado, e 97% de mestrado e doutorado (M&D) em um contexto
de um total de 144 municípios no estado.
Tabela 1: Oferta de Programas de Pós-Graduação por Municípios do Estado do Pará
MUNICÍPIO*Mestrado Profissional Mestrado Acadêmico Doutorado M&D
2010 2012 2014 2010 2012 2014 2010 2012 2014 2010 2012 2014
ALTAMIRA 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
ANANINDEUA** 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1
BELÉM** 1 8 14 33 37 28 3 3 3 20 25 35
BRAGANÇA 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1
CAMETÁ 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
CASTANHAL 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
MARABÁ 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0
SANTARÉM 0 0 0 0 2 3 0 0 1 0 0 0
TOTAL 1 8 15 33 39 36 3 3 4 20 26 37% de aumento de
2010 a 2014 1.400 % 9,1 % 33,3 % 85%
*Listados somente municípios com números distintos de zero.
**Municípios da Região Metropolitana de Belém.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da GeoCapes (2016).
Ainda examinando-se a oferta de PPG no estado do Pará, na tabela 2, é possível
observar a distribuição desta por natureza jurídica e esfera governamental da
organização sede no ano de 2014. Nesta, verifica-se que há uma forte preponderância de
oferta de PPG nas organizações públicas federais, principalmente nos cursos com maior
nível de exigência: Doutorado (100%), e Mestrado & Doutorado (94,6%).
Tabela 2: Oferta de PPG no estado do Pará pela natureza jurídica e esfera governamental da organização sede, em 2014.
Natureza jurídica/Esfera
Mestrado Profissional
Mestrado Acadêmico
Doutorado Mestrado & Doutorado
Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %
Privada 1 6,7% 4 11,1% 0 0% 1 2,7%Pública Estadual 3 20,0% 4 11,1% 0 0% 1 2,7%Pública Federal 11 73,3% 28 77,8% 4 100% 35 94,6%
Total 15 100% 36 100% 4 100% 37 100%Fonte: Elaboração própriacom base nos dados de CAPES - Distribuição de Programas de Pós-graduação no Brasil por Estado. Disponível em: http://geocapes.capes.gov.br/geocapes2/. Acesso em 26/08/16.
A outra base de dados federal pesquisada corresponde ao CNPq, sendo somente
encontramos dados na escala municipal no chamado “Mapa de Investimentos”
(http://cnpq.br/web/guest/mapa-de-investimentos-novo). Contudo, a base não oferece
registro de números históricos (por exemplo por ano ou mês), somente os quantitativos
correntes no sistema. A tabela 3 traz uma síntese das informações disponíveis no Mapa
de Investimentos (CNPq) para o estado do Pará, referente a novembro de 2016, em que
também verificamos elevada concentração de investimentos e recursos na capital do
estado.
Tabela 3: Síntese de investimentos correspondentes a instituições do estado do Pará, organizados por municípios informados, em 02/11/2016.
Município* Bolsas % Projetos % Eventos % Visitante %
Ananindeua 104 5,7% 9 3,0% - 0,0% - 0,0%
Belém 1.585 87,2% 265 89,2% 2 100,0% 1 100,0%
Bragança 3 0,2% - 0,0% - 0,0% - 0,0%
Castanhal 3 0,2% 1 0,3% - 0,0% - 0,0%
Santarém 77 4,2% 13 4,4% - 0,0% - 0,0%
Marabá 38 2,1% 5 1,7% - 0,0% - 0,0%
Igarapé-Miri 8 0,4% 3 1,0% - 0,0% - 0,0%
Itaituba - 0,0% 1 0,3% - 0,0% - 0,0%*Listados somente municípios com números distintos de zero.
Fonte: Elaboração própria a partir de CNPq - Mapa de Investimentos do CNPq – Seleção UF: Pará. Disponível em: http://cnpq.br/web/guest/mapa-de-investimentos-novo. Acesso em: 02/11/2016.
No que tange a possíveis bases estaduais de informações sobre C&T, foram
pesquisadasa disponibilidade de bases de indicadores sistematizados referentes aos
municípios do estado nos sites da Fundação de Amparo à Pesquisa (FAP) estadual
(FAPESPA) ou da Secretaria de C&T (SECTET), mas não foram encontradas, então
procurou-se examinar informações relacionadas em documentos institucionais,
principalmente em relatórios institucionais da FAPESPA, fundação estadual de fomento
à C&T.
De acordo com os relatórios institucionais da FAPESPA, no decorrer de 2011 a
2015, para todos os programas em que foram informadas as distribuições por
municípios, houve predominância de investimentos no município de Belém (que, em
geral, obteve 50% ou mais de investimentos ou projetos aprovados na maioria dos
editais).
Também, verificou-se pouca capacidade de difusão de investimentos entre
municípios, visto que os dois programas que alcançaram o maior número de municípios
atendidos foram: o Programa de Infocentros do Navegapará, com 26 municípios em
2011, e o Programa Pará Faz Ciência na Escola (PPFCE), com 12 municípios em 2012,
frente a um total de 144 municípios no estado.Deste modo, para os programas
informados, entende-se ter havido concentração em investimentos em torno de uma
quantidade pequena de municípios frente ao total (144), com preponderância na capital
do estado, onde há também maior concentração de organizações de C&T, como
universidades e institutos de pesquisa.
Outro documento analisado foi o Plano Plurianualestadual referente ao período
2012-2015, no qual dois (2) programas estavam relacionados a FAPESPA e SECTI
(nome da secretaria estadual de C&T naquele período): o programa “Inclusão digital
para o desenvolvimento – Navegapará”, de responsabilidade da Empresa de Tecnologia
da Informação e Comunicação do Estado do Pará (PRODEPA), estando-se FAPESPA e
SECTI como coexecutores; e o programa “Ciência, Tecnologia e Inovação para o
Desenvolvimento Sustentável” que agregava as ações diretamente relacionadas ao
núcleo da política de CT&I cujos órgãos responsáveis eram FAPESPA e SECTI
(secretaria estadual de CT&I), no qual a análise desta seção se concentrou.
O programa “Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento
Sustentável” continha 16 ações previstas, cuja amplitude do número de municípios
previstos a serem atendidos em cada ação em 2015 variou de 1 a 20. Somente três (3)
ações apresentaram previsão de difusão entre municípios acima de 10% do total de
municípios do estado, foram elas: Concessão de Bolsas para Pesquisa em Ciência e
Tecnologia (18 municípios), Disseminação de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I)
(15 municípios), e Incentivo a Projetos de Pesquisa em Ciência e Tecnologia (20
municípios), de modo que se compreende que a previsão de ações entre municípios
apresentou uma tendência de baixa difusão.
A execução das ações seguiu bases similares, nenhuma ação alcançou
disseminação acima de 20% dos municípios no estado. As ações com maiores difusões
previstas e executadas corresponderam a atividades de estímulo à base científica
(concessão de bolsas, projetos de pesquisa, e apoio a pesquisadores), onde também
verificou-se concentração de execução no município de Belém.
Cabe ressaltar que, ao considerar os dados anteriores de relatórios institucionais
da FAPESPA, programas com escopo focado em inclusão social e popularização da
ciência poderiam ter melhores condições de difusão entre municípios, particularmente
naqueles que não possuem estrutura ou base científica já desenvolvida. Ações com este
escopo foram previstas no Programa em análise de CT&I do estado como as ações de
“Transferência de Tecnologias Sociais para o Desenvolvimento” e “Realização de
Eventos para Popularização de CT&I”, mas a previsão de difusão no planejamento foi
pequena (4 e 10 municípios respectivamente), e a execução alcançou resultados ainda
menores e concentrados, sendo relatado o desenvolvimento de duas atividades em cada
ação, todas em Belém.
Portanto, apesar de dificuldades em relação à disponibilidade de dados sobre
C&T na escala municipal, com base tanto nos indicadores encontrados é possível
observar que há evidências de existência de elevados níveis de desigualdades
intraestaduais no Pará. A execução da agenda de fomento estadual tendeu a reproduzir
desigualdades de investimentos e ações físicas no sentido das assimetrias estruturais em
C&Tpreexistentes (investimentos e atividades com grau de concentração em Belém).
Cabe destacar que, a constatação do baixo grau de disponibilidade de
informações para a escala municipal para análises intraestaduais prejudica exames mais
detalhados de condições de desigualdades, e pode representar um indício que a
formulação e avaliação de políticas de CT&I na área tem sido exercido em um modelo
top-down, conforme sentido apresentado por Dagnino (2007), nas esferas de governo,
de modo que pouca informação de CT&I de escalas mais locais são consideradas em
avaliações ou entendidas como necessárias para formulação de políticas.
6. Considerações finais.
O processo de descentralização da política de C&T no governo estadual do Pará
teve fortes componentes descentralização “por oferta”, seguindo trajetória induzida pelo
governo federal. Embora esta indução federal tenha promovido a formação de bases
institucionais e crescimento dos investimentos estaduais para política de C&T,
permanecem constrangimentos de capacidades e a forte emulação das estruturas
institucionais e racionalidades de financiamentos federais para a esfera estadual.
As análises demonstraram intensa assimetria no fomento e infraestrutura
intraestadual em C&T no Pará. Os recursos e investimentos federais e estaduais
apresentaram elevada concentração na região metropolitana de Belém (capital do
estado), negligenciando diversos outros recortes territoriais com dinâmicas ambientais,
econômicas e sociais distintas. Porém, verificou-se uma tendência a expansão de
recursos de C&T para territórios menos assistidos do estado, sendo os investimentos
federais aqueles que atuaram como gatilhos dessa ampliação, principalmente por
desconcentração de entidades federais.
Conclui-se que a descentralização de políticas de C&T no Pará, ao emular
estrutura e racionalidade da esfera federal, não tem proporcionado uma governança mais
inclusiva e direcionada a construção de processos de desenvolvimento em seus diversos
recortes territoriais. Um dos desafios é transformar do modelo “top-down" de
formulação de políticas para atender uma pluralidade maior de atores sociais e recortes
territoriais.
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