dryfta-assets.s3-accelerate.amazonaws.com · web viewa seção sobre “a política de c&t no...

39
Políticas de Ciência & Tecnologia e Desigualdades Territoriais: Interrelações entre políticas públicas federais e estaduais na Amazônia Brasileira, o caso do estado do Pará. Autor(es): Rodrigues, Diana Cruz (Universidade da Amazônia – UNAMA) Email: [email protected] Vasconcellos Sobrinho, Mário (Universidade da Amazônia – UNAMA) Email: [email protected] Resumen/abstract: O artigo analisa o processo de descentralização e a distribuição territorial do fomento à Ciência e Tecnologia (C&T) de duas esferas de governo (estadual e federal) na Amazônia brasileira. Examina-se especificamente as políticas de C&T federal e estadual (descentralizada) no estado do Pará e suas interrelações em termos de desigualdades territoriais.O estudo foi realizado a partir da compreensão histórica do processo de descentralização e levantamento exploratório de dados.As análises demonstraram intensa assimetria intraestadual em C&T no Pará, e que a descentralização de políticas de C&T no Pará, ao emular estrutura e racionalidade da esfera federal, não tem proporcionado uma governança mais inclusiva e direcionada a construção de processos de desenvolvimento em seus diversos recortes territoriais. Palabras clave:Política de Ciência e Tecnologia. Descentralização. Desigualdade. Amazônia. Nota biográfica:

Upload: buinguyet

Post on 08-Feb-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Políticas de Ciência & Tecnologia e Desigualdades Territoriais: Interrelações entre

políticas públicas federais e estaduais na Amazônia Brasileira, o caso do estado do

Pará.

Autor(es):

Rodrigues, Diana Cruz (Universidade da Amazônia – UNAMA)Email: [email protected]

Vasconcellos Sobrinho, Mário (Universidade da Amazônia – UNAMA)Email: [email protected]

Resumen/abstract:

O artigo analisa o processo de descentralização e a distribuição territorial do fomento à Ciência e Tecnologia (C&T) de duas esferas de governo (estadual e federal) na Amazônia brasileira. Examina-se especificamente as políticas de C&T federal e estadual (descentralizada) no estado do Pará e suas interrelações em termos de desigualdades territoriais.O estudo foi realizado a partir da compreensão histórica do processo de descentralização e levantamento exploratório de dados.As análises demonstraram intensa assimetria intraestadual em C&T no Pará, e que a descentralização de políticas de C&T no Pará, ao emular estrutura e racionalidade da esfera federal, não tem proporcionado uma governança mais inclusiva e direcionada a construção de processos de desenvolvimento em seus diversos recortes territoriais.

Palabras clave:Política de Ciência e Tecnologia. Descentralização. Desigualdade. Amazônia.

Nota biográfica:

Mário Vasconcellos Sobrinho: PhD em Estudos do Desenvolvimento (Swansea University), Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade da Amazônia (UNAMA), e do Programa de Pós-graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazôniada Universidade Federal do Pará (UFPA).Membro da Rede de Pesquisadores em Gestão Social.

Diana Cruz Rodrigues: Doutoranda em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade da Amazônia (UNAMA), na linha de pesquisa em Gestão do Desenvolvimento.

1. Introdução.

O artigo analisa o processo de descentralização e a distribuição territorial

dofomento à Ciência e Tecnologia (C&T) de duas esferas de governo (estadual e

federal) na Amazônia brasileira. Examina-se especificamente as políticas de C&T

federal e estadual (descentralizada) no estado do Pará e suas interrelações em termos de

dinâmicas distribucionais e desigualdades territoriais.

As políticas de C&T vêm ganhando centralidade ao serem articuladas a

estratégias de desenvolvimento (Cozzens e Pereira, 2008), enquanto a aceleração de

mudanças tecnológicas originam novos processos de exclusão social em nível global

(Cozzens, 2012). No contexto brasileiro, as políticas de C&T na Amazônica são

ressaltadas como estratégicas para gerar modelos de desenvolvimento baseados no

aproveitamento sustentável da biodiversidade e inclusão social de populações

tradicionais (Becker, 2010). Contudo, a região ainda apresenta escassa infraestrutura de

CT.

A escolha do Pará deveu-se a ser o estado com maior volume de investimentos e

recursos regionais em C&T, embora seus indicadores mantenham-se abaixo da média

nacional, posicionando-o em uma situação periférica na federação. O estudo foi

realizado a partir da compreensão histórica do processo de descentralização e

levantamento exploratório de dados e documentos oficiais sobre investimentos e

recursos de C&T de agências de fomento federal e estadual.

A descentralização de políticas de C&T no estado do Pará seguiu o processo de

indução do governo federal a partir da década de 1980 (CGEE, 2010), concomitante a

outros setores políticos no Brasil e na América Latina com a abertura democrática.

Contudo, a elevada disparidade entre governos subnacionais no Brasil é reconhecida

como uma dificuldade para que processos de descentralização alcance objetivos

redistributivos.

Assim, apesar da indução federal ser considerada bem sucedida na formação de

bases institucionais e crescimento dos investimentos para política de C&T no governo

estadual, o constrangimento de capacidades e a forte emulação das estruturas

institucionais e racionalidades de financiamentos federais para a esfera estadual são

elementos de análise para compreender o processo de descentralização e sua interação

com políticas federais na perspectiva da dinâmica de desigualdades.

Além desta seção introdutória, o artigo está dividido em outras cinco (5) seções.

A próxima corresponde a uma revisão de literatura sobre a temática de descentralização

de políticas públicas e a questão das desigualdades. Em seguida, sintetizamos

informações sobre o percurso metodológico e delineamento do caso de pesquisa.

Posteriormente, fazemos um breve panorama das trajetórias de políticas públicas de

ciência e tecnologia e o processo de descentralização no Brasil. A seção sobre “a

política de C&T no Pará: fomento e a questão das desigualdades”, expomos nossas

considerações finais.

2. Descentralização de políticas públicas e a questão dasdesigualdades.

No cerne deste artigo iremos discutir o imbrincamento de duas características

marcantes na sociedade brasileira, por um lado, as fortes desigualdades territoriais e

sociais que a perpassam desde sua constituição aos dias atuais; e, por outro lado, os

extensos processos de descentralização em políticas públicas que decorreram a partir da

década de 1980, tornando-osatributos relevantesà compreensão da ação do Estado nos

territórios e da dinâmica de interação deste com demais atores sociais.

A acentuada heterogeneidade social e econômica entre pessoas e regiões (inter e

intra regional) do Brasil tem sido apontada como elemento distintivo da federação

brasileira (Affonso, 2000: 131; Arretche, 2010: 589). De modo que, Arretche (2010:

589) situa tal componente como clivagem social significativa para a escolha de um

desenho federativo de instituições do Estado, com vistas a permitir mecanismos de

poder de veto às jurisdições e grupos em condições minoritárias, proporcionando algum

nível de equilíbrio de representação das e nas jurisdições do país (Arretche, 2010: 589).

Outro atributo do desenho federativo do Brasil que veio a constituir-se foi seu

elevado grau de descentralizaçãopolítica, em comparação com outros países federativos,

inaugurado pela Constituição Federal de 1988 (Souza, 2002: 431). Entendida aqui

descentralização de forma ampla, com base em Affonso (2000: 130), enquanto alguma

forma de redistribuição de recursos políticos, econômicos e administrativos, de

competências e atribuições de responsabilidades e, ainda, de espaços de decisãoem

determinado contexto histórico, que ocorra entre instâncias governamentais mais

centrais e instâncias governamentais menos centrais ou para outros atores da sociedade

civil ou mercado.

Contudo, os movimentos a favor da descentralização nos anos 1980 tiveram um

predomínio de abordagens normativas em relação aos benefícios esperados deste

processo, sublinhados por termos como eficiência, efetividade e controle democrático

(Arretche, 1996; Souza, 2002; 434-435). Com o prosseguimento de reformas no Estado

e as experiências advindas das mudanças em relações intergovernamentais e de poderes

relativos exercidos pelos governos subnacionais e das sociedades locais, abordagens

com teor mais analítico puderam emergir, e dentre estas algumas com foco nos

processos de descentralização e suas dinâmicas (re)distributivas em contextos de

elevadas desigualdades, como Souza (2002), Arretche (1996; 2010), Affonso (2000),

Finot (2005).

Aspreocupaçõesdesses estudos vinculam-se ao alerta de Affonso (2000: 149) no

que tange a “descentralização sem a incorporação de conteúdos sociais condizentes

com uma trajetória de longo prazo de inclusão social tende a reproduzir, como estamos

assistindo atualmente, outras formas de desigualdade (tanto interpessoais, quanto

interregionais)”.

Neste sentido, buscaremos nesta seção fazer uma breve revisão sobre como o

processo de descentralização foi introduzido e desenvolvido em instituições de políticas

públicas no Brasil, e quais as estratégias e limitações de sua operacionalização em meio

a contextos de elevada heterogeneidade.

O processo de descentralização no Brasilna década de 1980 foi simultâneo à

redemocratização, e, uma vez que as primeiras eleições no início da década foram para

os governos subnacionais (governadores e prefeitos), adveio um fortalecimento das

elites políticas regionais e, assim, um reequilíbrio das suas condições de negociação

com as elites federais (Arretche, 1996: 2). Estes governadores e prefeitos foram atores

decisivos no processo de defesa da descentralização junto com os constituintes de 1988,

e a agenda da descentralização associada com a reabertura política resultou no que

Affonso (2000, p. 131) denominou de descentralização “pela demanda”.

Por um lado, essa descentralização por demanda pode reforçar a visão de

descentralização como um processo político, e não somente administrativo, como

destaca Souza (2002: 436). Por outro lado, o início deste processo de descentralização

ocorreu sem uma coordenação estratégica por parte do governo federal, o qual já

enfrentava a crise fiscal e problemas de governabilidade (Affonso, 2000: 128-131).

Entretanto, embora o governo federal estivesse enfraquecido neste primeiro

momento, cabe mencionar a observação de Arretche (2008: 12) que a Constituição

Federal (CF) de 1988 reservou à União a responsabilidade exclusiva de normatização

futura sobre diretrizes e as regras em diversos domínios de políticas públicas, como, por

exemplo, instituir as diretrizes e bases da educação nacional, e legislar sobre as normas

de trânsito e transporte, entre outros.Esta previsão é interpretada por Arretche (2008:

12) como o reconhecimento da necessidade de preservação de um equilíbrio federativo

entre a autonomia dos governos subnacionais que opera na direção da heterogeneidade

de políticas, e uma função regulatória pelo governo central na direção da uniformidade

embutida em um sentido de nação1.

Feita tal ressalva, a lembrar que o processo político de descentralização envolvia

forças políticas variadas, nesta primeira fase prevalecia um certo “consenso”pela

promoção da descentralização, que era defendida tanto por formações ideológicas

progressistas ou de esquerda, como por conservadores (Arretche, 1996; Nunes, 1996).

Alinhados a visões mais progressistas estavam visões que a descentralização estimula

uma democracia de base territorial, com o fortalecimento da democracia participativa

por meio de fóruns e outros espaços de participação aos cidadãos (Arretche, 1996;

Nunes, 1996). Affonso (2000: 129) realça que em âmbitos como a CEPAL

adescentralização do aparelho de Estado era atribuída como um requisito político

necessário para superar o atraso econômico na América Latina, de forma a ser o elo de

vinculação entre a promoção do desenvolvimento econômico aliado ao

desenvolvimento social (Affonso, 2000).

Ao mesmo tempo, a ascensão do ideário neoliberal, apoiado por organismos de

financiamento internacional, prescrevia a descentralização como condição necessária

para dotar o Estado de maior eficiência na prestação de serviços públicos,

proporcionando meios de conduzir a um Estado mínimo, capaz de gerar

comportamentos políticos e econômicos caracterizados por maior capacidade de

iniciativa e controle democrático (ARRETCHE, 1996; NUNES, 1996; AFFONSO,

2000).

Assim, os dois principais argumentos em torno da promoção da descentralização

vinculavam-se à melhoria de eficiência alocativa e consolidação da democracia,

particularmente da democracia participativa,associadas a ideia de alcance de maior

equidade entre cidadãos (ARRETCHE, 1996; NUNES, 1996; CAVALCANTE, 2011:

1784).1Entendemos que esta necessidade de equilibrio também se establece na relação entre estratégias de desenvolvimento local e a construção de propostas de meso e macro alcannce para desenvolvimento regional e nacional.

Nesta perspectiva, Finot (2005: 29) expõe que a descentralização política

articulada para um modelo de desenvolvimento local, associa-se à eficiência e à

equidade por meio da concertação de atores políticos (públicos e privados) no âmbito

local e pelo aprofundamento de um sistema de distribuição de transferências de receitas

públicas. Para o autor a geração de novos espaços de participação cidadã é a base para

organizar territorialmente o aparelho estatal paraimplementação de políticas em resposta

às dívidas sociais, bem como fazer face aos problemas de desequilíbrios fiscais nas

jurisdições pela compreensão, deliberação e controle dos cidadãos sobre a gestão

pública local (Finot, 2005: 30).

Contudo, a associação positiva entre descentralização e os resultados esperados

de eficiência e fortalecimento democrático não deve ser tomada como necessária e

automática, uma vez que as experiências de políticas públicas descentralizadas tendem a

apresentar resultados contraditórios (ARRETCHE, 1996: 2; CAVALCANTE, 2011:

1785).O contraponto fundamental pondera que a consolidação de ideais democráticos (e

podemos também considerar o compromisso com a eficiência pública)

correspondemmenos a uma determinada escala ou nível de governo responsável pela

gestão das políticas, e mais com a natureza das instituições e cultura política

predominante emdado nível de governo (Arretche, 1996). Portanto, Arretche (1996)

argumenta que, apesar de instituições de âmbito local, ao serem dotadas de

poderefetivo, poderemincentivar à participação política e controle de ações de governo

por parte dos cidadãos ao estarem “mais próximas” deste, tal associação somente se

realiza uma vez que se construam e desenvolvam instituições cuja natureza e formas de

funcionamento sejam compatíveis com estes princípios democráticos.

Em sentido similar, Nunes (1996: 34) evidencia que a proximidade do cidadão

do poder local é ambígua, pois reconhece-se que é factível que o poder local se torne

democratizadoe sirva de palco a uma maior participação popular. Porém, tal poder local

também é identificado como possível lugar da reprodução depoder político de

oligarquias tradicionais, que ao procurar afirmarseus privilégios, perpetuamum

desenvolvimento desiguale assimétrico (Nunes, 1996).

Cabe notar que tais críticas não são direcionadas propriamente ao processo de

descentralização, mas questionam resultados normativamente pressupostos desta, e

visam problematizar a forma como esta vem sendo desenvolvida, especificamente em

países com elevada heterogeneidade.Do ponto de vista dos aprendizados práticos,

Affonso (2000: 129) sintetiza uma série de dificuldades constatadas referentes à

inadequação de estratégiasou de desenhos de implementação de descentralizações em

políticas públicas no Brasil:

- Falta de capacidade administrativa ou financeira de governos subnacionais para

assumir novos encargos, e a heterogeneidade destas capacidades entre unidades

subnacionais;

- Excesso ou insuficiência de controle ou supervisão em políticas

descentralizadas;

- Obstáculos em estruturar ou manter coalizões pró-descentralizaçãoatravés de

diferentes setores de políticas públicas;

- Divergênciasentre o pressuposto da descentralização, no que tange aesperada

ampliação de poder dos governos subnacionais sobre seus gastos públicos, e políticasde

estabilização macroeconômica e controle fiscal pelo governo federal;

- Adversidades para coordenar a descentralização de políticas com objetivos

redistributivos interpessoais e inter-regionais.

Embora seja a última dificuldade que mais interessa ao escopo da discussão

realizada neste artigo, é necessário observar que há substancial encadeamento entre as

dificuldades listadas. Por exemplo, capacidades de gasto ou de execução administrativa

desiguais entre unidades subnacionais para implementação de determinada política de

prestação de serviço público, apresenta como implicação a disparidade na prestação de

tal serviço aos cidadãos de jurisdiçõesdistintas (Souza e Carvalho, 1999: 209).

Além da assimetria de capacidades entre unidades subnacionais, outro

efeitoperverso relacionadoao processo de descentralização associado adesigualdades

refere-se as chamadas guerras fiscais em disputa de investimentos de empresas do

mercado (Nunes,1996: 36; Affonso, 2000: 141). Neste tipo de disputa sobressai um

incentivo à competição predatória entre governos subnacionais, e enfatiza uma

consequente de fragmentação do poder estatal entre as unidades subnacionais. Para

Nunes (1996: 36) este exemplo demonstra uma limitação da descentralização de

substituir com vantagem o governo central(em si já enfraquecido, porém menos) em

relação ànova correlação de forças entre agentes públicos e privados em um contexto de

globalização e desregulamentação de mercados financeiros.

Constatações de dificuldades nos processos de descentralização, combinadas

com o aprofundamento de reformas neoliberais do Estado e ajustes fiscais na década de

1990, conduziram a um segundo momento desse processo de descentralização no Brasil,

que Affonso (2000: 146)chamou de descentralização “por oferta”. Esta etapa diz

respeito a iniciativas do governo federal de regular às ações dos governos subnacionais,

seja em termos fiscais, destacando-se a renegociação de dívidas de governos estaduais e

aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (Affonso, 2000: 148); seja na

regulamentação de algumas políticas públicas específicas, ressalta-se a reforma

constitucional para o ensino fundamental (criação do FUNDEF), e a edição de Normas

Operacionais Básicas para o Sistema Único de Saúde (SUS) para regulamentar o

processo de transferência de atribuições e recursos a estados e municípios mediante

regras de adesão(Arretche, 2002).

Passa-se a reconhecer a relevância da coordenação federativa para os processos

de descentralização, entendida esta coordenação como o estabelecimento de regras que

rejam a atuação dos atores governamentais nos níveis centrais e subnacionais, com

vistas à organização e compartilhamento de decisões e tarefas, inclusive a definição de

competências nos domínios de políticas públicas e criação de fóruns federativos com

que os entes possam acionar a defesa de seus direitos (Abrucio, 2005: 45).

Assim, Arretche (1996: 2;12) ressalta que, ao contrário de pressupostos que

relacionam à descentralização a uma redução ou esvaziamento de funções dos níveisde

governo centrais, o êxito de processos de descentralização supõe uma “expansão

seletiva” para novas atividades a serem exercidas pelos governos centrais. Este

movimento conduz a uma redefinição do papel estratégico do governo federal, que

tende a se fortalecer,e implica em um novo arranjo federativo em busca a difícil síntese

entre regulação, responsabilidade e autonomia (Arretche, 1996: 12; Arretche, 2003:

340; Almeida, 2005: 30).

Neste sentido, Arretche (2010: 589) esclarece que a regulação de governos

subnacionais se fundamenta tanto em função da ideia de nação, ou seja, noção de

pertencimento a uma comunidade nacional única que deve permanecer de alguma forma

integrada; quanto pela desconfiança em relação a possíveis práticas predatórias de elites

políticas locais (Arretche, 2010: 589). Do ponto de vista específico do enfrentamento de

desigualdades, a autora defende que uma redistribuição territorial significativa somente

pode ser realizada por um nível de governo nacional, em virtude da extensão de

recursos demandada pela redistribuição e sua correspondência com bases estruturais da

sociedade em relação a noções de cidadania social e pluralidade regional.Nesta

perspectiva, a combinação de regulação centrada no governo nacional e autonomia

política nos governos subnacionais para execução de políticas no âmbito de suas

particularidades tende a limitar o intervalo e as condições de desigualdades territoriais

entre jurisdições em políticas descentralizadas em contextos de elevada heterogeneidade

(Arretche, 2010: 591).

No entanto, Arretche (2008: 20-21) aponta que a ação reguladora e a construção

de instrumentos de coordenação intergovernamental são específicas de cada domínio de

política pública (policy-specific), pois dependem de características dos problemas

enfrentados em políticas setoriais particulares e dos arranjos institucionais do legado

destas políticas. Deste modo, a autora recorda que a concepção e mobilização

deestratégias de coordenação para uma determinada política não ocorre em um vazio

institucional, isto é, longe de compor um amplo campo de alternativas de ação, são

marcadas por constrangimentos derivados de trajetórias anteriores (Arretche, 2008)

Ao considerar tal diversidade, recorremos a abordagens analíticas que iluminem

características do processo de descentralização e suas implicações à dinâmica de

desigualdades. Veremos duas discussões que auxiliam a distinguir trajetórias de

processos de descentralização: uma que se refere ao exame do desenho de competências

e funções entre níveis de governos, e outra sobre as dimensões da descentralização.

Em relação a aspectos do desenho de competências e funções da

descentralização, um traço marcante de variadas políticas públicas no Brasil

corresponde a definição de competências comuns entre os diferentes níveis de governo.

Todavia, esta superposição de competências não decorre de nenhuma distorção, como

defende Almeida (2005)corresponde a sinalização da CF de 1988 na direção de uma

modalidade de federalismo cooperativo, caracterizado pela existência de funções

compartilhadas entre as diferentes esferas de governo, que asseguraflexibilidade para

concepções de arranjos intergovernamentais sensíveis à heterogeneidade de setores de

políticas e de capacidades (financeiras, administrativas e técnicas) dos níveis

subnacionais no Brasil.

Para análise de desenho de competências e funções em processos de

descentralizações de políticas, torna-se útil identificar as funções exercidas por cada

nível de governo, em particular àquelas de financiamento, normatização e execução de

políticas, e buscar verificar seus efeitos em um contexto de coordenação da política

(Arretche, 2008: 10).Além deste mapeamento de funções intergovernamental,discernir

as dimensões conceituais do processo de descentralização e as condições de regulação

decorrentes do domínio da política, o que complementa a visualização do sistema de

relações entre níveis de governo da política específica.

Arretche (2004; 2010) propõe duas dimensões deabrangência conceitual da

descentralização, uma dimensão corresponde a atribuição de responsabilidade pela

execução de políticas públicas ao nível local de governo, baseada em formulações

concebidas em nível federal. Esta dimensão, mais restrita, é inclusive compatível com a

atuação de governos nacionais mais centralizados. Outra dimensão é concernente

àoutorga de autoridadeàs unidades subnacionais para tomar decisões sobre as políticas,

com a prerrogativa de decidir o conteúdo e o formato dos programas governamentais

(Arretche, 2010: 589; 596).

Tais dimensões se relacionam ao estudo de condições de regulação em políticas

que ilumina as relações central-local. Arretche (2010: 603) define as políticas reguladas

como aquelas em que há legislação e supervisão do governo federal que limitam a

autonomia decisória dos governos subnacionais, seja ao estabelecer patamares de

gastos, seja ao normatizar modalidades de execução das políticas. Enquanto que as

políticas não reguladas são aquelas em que não há o emprego dos recursos institucionais

significativos por parte da União para regular a execução descentralizada de uma

determinada política. Nestas políticas, os governos subnacionais apresentam parcela

substantiva de autonomia de implementação, ocorrendo, por consequência, menor

mediação em relação a redistribuição de recursos (Arretche, 2010).

Com vistas a considerar nuances nos movimentos de descentralização,

compreendemos a caracterização de conjunturas reguladas e não-reguladas como um

contínuo. E, embora reconheça-se que as regulações contenham viés de preferências e

valores a constrangerem autonomias de governos subnacionais, ao qual é necessária

atenção quanto a sua direção, retomamos a ideia do exercício de funções regulatórias e

redistributivas do governo central como mecanismos para incentivar a cooperação entre

jurisdições(Arretche, 2010: 593), com a indução à construção de capacidades e o

estabelecimento de espaços e condições à interação política para adesão a determinadas

agendas nacionais.

Entendemos que a construção de um modelo de descentralização associado ao

enfrentamento de desigualdades em determinada política pública perpassa aprendizados

de longo prazo, com a formação (por vezes descontínuas) de capacidades e acordos

dialogados sobre redistribuição no conjunto de atores de governossubnacionais e

governo central (federal). É um caminho em que modelos, enquanto representações de

padrões de relações, são articulados e rearticulados em uma visão processual

dadescentralização e da coordenação.

3. Percurso metodológico e delineamento do caso de pesquisa.

A presente pesquisa visa analisar a distribuição territorial do fomento à Ciência e

Tecnologia (C&T) associados a duas esferas de governo, uma subnacional (estadual) e a

outra central (federal) e suas interrelações em termos de dinâmicas de desigualdades

territoriais na Amazônia brasileira. Para tanto, adotamos um enfoque exploratório

baseado em análise documental e no levantamento de séries de dados sobre

investimentos em C&Trealizados tanto pela estrutura de fomento estadual, quanto pelas

duas principais agências de fomento federais, o Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior (Capes).

O caso em estudo empírico refere-se à unidade federativa do Pará, localizado na

região Amazônica brasileira. Compreendemos que a escolha do Pará se justifica por

dois atributos de potencial contribuiçãoparaestudos da associação descentralização e

enfrentamento de desigualdades:

- O primeiro atributo corresponde a caracterização periférica da região

Amazônica, particularmente da região Norte que compõe a maior parte de sua extensão.

Em geral, a região Norte em conjunto com a região Nordeste tem apresentado os

menores indicadores de ofertas de serviços públicos no país associada a maiores taxas

de concentração de pobreza, conforme análise do período de 1970 a 2010

(ARRETCHE, 2015). Especificamente em relação à política de C&T, a Região Norte

vincula-se aos menores coeficientes de indicadores regionais convencionalmente

monitorados por CAPES e CNPq; e,

- O segundo atributo refere-se especificamente ao estado do Pará por constituir-

se uma posição potencialmente dual na comparação de seus indicadores de C&T no

âmbito nacional e regional. O estado pode ser caracterizado enquanto assumindo uma

posição periférica em geralnoâmbito nacional, contudo, no âmbito da região Norte, o

estado tende a situar-se de forma central, ao possuir os indicadores científicos regionais

mais elevados. Esta alternância de posições pode gerar uma variabilidade de atuação de

atores políticosem contextos de arranjos nacionais e regionais frutífera para reflexões

sobre desigualdades nas relações intergovernamentais.

Os dados da pesquisa foram baseados em análise documental, com vistas a

contemplaruma compreensão da trajetória de descentralização no domínio da política de

C&T e, em levantamento de dados e documentos oficiais sobre investimentos e recursos

de C&T de agências de fomentofederal e estadual.

4. Trajetórias de políticaspúblicas de ciência e tecnologia e o processo de

descentralização no Brasil.

As preocupações e investigações em torno da descentralização e seus efeitos na

dinâmica redistributiva revelam os constrangimentos e complexidade das experiências

de processos em políticas descentralizadas e resultados contraditórias alcançados.

Analisar “se” e “em que medida” a descentralização ampliou o poder de segmentos da

sociedade antes excluídos (territorialmente e socialmente) do processo decisório da

política e a direção distributiva desta passa a ser focal.

No intuito de informar a trajetória política no Brasil do domínio da C&T,

retratamos um breve panorama da constituição do fomento à C&T e os papeis

articulados pelos governos subnacionais. Suzigan e Albuquerque (2008) defendem que

o Brasil apresentou um processo histórico de formação de instituições de CT&I tardio,

limitado, e problemático, conforme segue:

- Tardio: Uma vez que Portugal mantinha restrições a instalações de

universidades ou instituições de pesquisa no território do colonial brasileiro, somente

com a mudança da corte portuguesa ao Brasil em 1808 que as primeiras faculdades para

ensino superior puderam ser criadas, e os institutos de pesquisa começam a ser

estabelecidos, tendo um impulso maior no final do século XIX.

- Limitado: Devido tais faculdades de ensino superior e as instituições de

pesquisa em geral atuarem de forma isoladas, sem articulação entre um embrionário

desenvolvimento científico e a educação superior, permanecendo como tal até o início

do século XX.

- Problemático: Por ser marcado por desigualdades, tanto na distribuição das

instituições de ensino e pesquisa no território nacional, quanto à dificuldade de acesso

da maior parte da população a estes ambientes. Suzigan e Albuquerque (2008) ressaltam

condições adversas relacionadas ao extenso período de escravidão e, posteriormente, a

forte marginalização pela pobreza da população, aprofundadapela dinâmica de

crescimento econômico com reprodução de exclusões sociais.

Deste cenário histórico inicial até a década de 1950, a atuação do governos

nacional e subnacionais em relação ao fomento à C&T foi compreendida por ações

dispersas e desarticuladas, sendo o período denominado de uma descentralização difusa

na Política de C&T pelo CGEE (2010).

No período pós-guerra, a institucionalização de políticas de C&T ocorreu no

contexto internacional (Velho, 2011), e, a partir da década de 1950, o governo federal

no Brasil tomou um conjunto de iniciativas que visavam constituir uma estruturação

institucional, resultando em um maior grau de centralização, principalmente no decorrer

da ditatura militar. Contudo, como Arretche (1996) menciona, esta fase de centralização

que caracteriza o Estado desenvolvimentista no país, também representou uma

ampliação de bases institucionais em territórios subnacionais, neste caso por meio de

desconcentração de instâncias federais, especialmente por investimentos da implantação

e expansão de universidades federais e institutos de pesquisas.

Este período representou um avanço importante na formação de cientistas e

crescimento da produção científica e tecnológica no país, promovido pelo

estabelecimento de instituições de fomento e científicas chaves. Contudo, a natureza da

concepção ofertista da C&T e a emulação de instrumentos baseados em países centrais

conduziram a um descolamento da produção acadêmica às necessidades locais2,

particularmente da população mais marginalizada (Dagnino et al, 1996). Deste modo,

embora a política centralizada tenha expandido a implantação de organizações de

pesquisa territorialmente no país, tal ampliação tendeu a reproduzir as desigualdades

territoriais e sociais existentes.

Na década de 1980, a política de C&T também recebeu influência dos processos

mais amplos de descentralização política. Apesar da ênfase do processo geral de

descentralização política nesta etapa no país caracterizar-se “pela demanda”, na política

de C&T verificou-se iniciativas de coordenação federal, principalmente lideradas pelo

CNPq, pela promoção de constituição e fortalecimento de instituições de C&T estaduais

2 A produção acadêmica em países periféricos devido a processos de legitimação entre pares, regras de financiamento e regulações ou mesmo de dependência de trajetórias de formação acadêmica no exterior tende a ser autocentrada em sua comunidade de pesquisa e dar ênfase a integração com uma agenda de pesquisa internacional, atendendo a critérios de qualidade e relevância vinculados a orientações editoriais de países avançados, respondendo, assim, preponderantemente as demandas localizadas nestes países (Thomas et al, 2012).

(secretarias de governo e fundos de fomento estaduais de C&T), que comporiam os

chamados sistemas estaduais de C&T (CGEE, 2010). No entanto, tais iniciativas foram

substancialmente restringidas pela crise fiscal epolíticas macroeconômicas de controle

de gastos, que provocou uma grande flutuação, com momentos de fortes reduções, de

gastos federais na área.

Ponderadas às limitações mencionadas, a indução do governo federal estimulou

a criação e consolidação de bases instituições na esfera dos governos estaduais. Ao

seguir a padrão da Constituição Federal (1988), as constituições estaduais elaboradas a

partir de 1989 previram a criação de fundos estaduais de fomento à C&T, que se

tornaram importantes fontes de recursos a área(CGEE, 2010). Além disso, houve

substancial emulação da base institucional federal para a esfera estadual com adoção de

formatos de secretarias de governo e fundações de fomento no executivo estadual.

Esta estrutura institucional de financiamento e/ou gestão de políticas de C&T

iniciadas na esfera estadual, fez com que este nível de governo fosse o mais apto à

descentralização de políticas de C&T3, por meio da implementação de programas de

fomento compartilhados com o governo federal instituídos ao final da década de 1990 e

no decorrer de 2000, quando houve a regularização do financiamento federal para a área

pela aprovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(FNDCT) (CGEE, 2010).

Entretanto, problema comum identificado na seção anterior ao processo de

descentralização de políticas de C&T e também encontrado na política de C&T refere-

se à disparidade de capacidades orçamentárias e institucionais entre estado brasileiros e

a forte dependência para a maioria destes estados do financiamento federal (CGEE,

2010). Diante de tal situaçãode heterogeneidade, a CF 1988 (artigo 23º) também

contempla a área de políticas de C&T como de competência comum aos três níveis de

governo).

O Centro Gestor de Estudos Estratégicos (CGEE, 2010) do ministério federal

responsável pela pasta de C&T elencou entre os fatores estruturais determinantes de

desigualdades no fomento por governos subnacionais: (I) disparidade do legado

histórico da distribuição de ativos tecnológicos e institucionais; (II) graves diferenças 3 Estudo do CGEE (2010) registra iniciativas de políticas descentralizadas no nível de governos municipais, porém estes foram menos frequentes. Além disso, considera-se que nesta esfera municipal ocorra também maior disparidade de capacidade para políticas em C&T, visto que maioria dos municipios apresentam fortes restrições de investimentos, e as receitas disponíveis são, em geral, direcionadas à políticas sociais básicas, onde há intensa regulação federal, como saúde e educação.

orçamentárias e, portanto, de potencial de gasto; (III) distintos graus de organização

política local e comprometimento das bases parlamentares.

Conforme levantamento do CGEE (2010), no período de 2000 a 2008 o Governo

Federal foi responsável pela maior parte dos recursos públicos aportados nestas

políticas, representando 70% do total em 2008, enquanto os governos estaduais em

conjunto aplicaram 30%. Desta forma, a capacidade de investimentos (função

financiamento) do Governo Federal apresenta-se como um importante fator de indução

das políticas da área, principalmente junto aos governos subnacionais com menor

disponibilidade orçamentária, que tendem a terem suas autonomias restringidas quanto à

possibilidade de adoção de programas governamentais próprios.

Outro aspecto que tem implicações em termos distributivos corresponde as

ênfases da agenda de C&T. A partir dos anos 1990, Viotti (2008) ressalta a ascensão da

agenda de políticas de inovação tecnológica na área, por meio da proposição de

estratégias de desenvolvimento pela inovação. Esta agenda alcançou ao longo da década

de 2000 uma maior disponibilidade de investimentos e a criação de uma variedade de

programas governamentais. O foco do seu discurso tende a ser a promoção da

valorizaçãodas cadeias de valor do país pelo incentivo à incorporação de conhecimentos

e tecnologias produzidos nas, ou em parcerias com, universidades e institutos de

pesquisa em setores industriais nacionais e lançamento de novos modelos de negócios.

Esta temática tem mobilizado a função regulatória do governo federal, desde da

década de 2000 foram várias as legislações aprovadas vinculadas à agenda, entre elas

podemos citar a criação da lei de incentivo à inovação (10.973/2004), a Lei do Bem

referente a concessões de incentivos fiscais (11.196/2005), e a ementa constitucional n°

85.

Contudo, dois questionamentos podem ser levantados frente a esta agenda e o

enfrentamento de desigualdades. O primeiro é a extensão e a direção territorial que esta

agenda (e seus benefícios econômicos) se concretizará dada a histórica falta de interação

entre atores da C&T e empresárias no país (Suzigan e Albuquerque, 2008), associada a

desarticulação de políticas pró-inovação com as direções de políticas macroeconômicas,

por exemplo pela manutenção de juros elevados e estímulo à produção de

commoditiescom foco em exportação para evitar maiores desequilíbrios na balança de

pagamentos nacional (Pacheco, 2007), particularmente em territórios menos

industrializados.A outra questão é um viés neovinculacionista, dando ênfase ao

direcionamento do esforço científico e tecnológico às demandas filiadas a economias de

capitalismo avançado, inclusive com capacidade de cofinanciamento, em detrimento às

necessidades de populações locais em situações de privação.

Por fim, em uma síntese do breve panorama do processo de descentralização da

política de C&T, entendemos que há considerável sobreposição na distribuição

intergovernamental de funções entre os governos estaduais e o governo federal, este

assumindo papeis preponderantes. O governo federal lidera as funções de normatização

e de financiamento, além de manter o exercício da função de execução, por meio de

agências federais de fomento (CNPq, FINEP e CAPES) e por organizações de pesquisa

e educação superior desconcentradas.

A maioria dos governos estaduais, embora gozem de prerrogativas legaispara

tomar decisões sobre o conteúdo e o formato dos programas governamentais, têm

capacidades orçamentárias e institucionais-administrativas limitadas, e tendem a não

priorizar em termos de gastos a área de C&T no conjunto de suas políticas.

5. A política de C&T no Pará: o fomento e a questão das desigualdades.

A descentralização de políticas de C&T no estado do Pará recebeu substancial

influência do processo de indução federal. A estruturação institucional de C&T no

âmbito do governo estadual inicia-se no final da década de 1980, com a previsão na

constituição estadual de criação de fundo específico para C&T, regulamentado pela Lei

Estadual 29/1995, sendo gerido até 2007 por uma Secretaria Estadual conjunta referente

à Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (SECTAM). Ainda na década de 1990, foi

criada a Universidade do Estado do Pará (Lei estadual 5.747/1993).

Após essa estruturação inicial, mudanças significativas somente voltaram a

ocorrer em 2007, quando é criada a Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e

Tecnologia (SEDECT), com a desvinculação da área de C&T da antiga SECTAM,

passando a ter uma secretaria estadual específica dedicada ao tema (Lei Estadual

7.017/2007), e com a implantação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do

Pará (FAPESPA) (Lei complementar 061/2007).Neste período também há um reforço

de investimentos em instituições federais no Estado, com a criação de duas novas

universidades federais (Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA e

Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - UNIFESSPA).Assim, compreende-se

que a formação de base institucional do Estado do Pará em CT&I foi tardia em

comparação com a trajetória da maioria dos estados da federação.

Ao considerar este breve cenário, apresentamos um levantamento exploratório

de dados sobre o fomento de C&Tem municípios do estado do Pará.Ao tentar analisar a

dinâmica distributiva relacionada ao fomento de C&T no estado do Pará, por parte do

governo federal e estadual buscamos por informações a nível municipal nas principais

bases de dados abertas disponibilizadas pelo CNPq e CAPES, agências de fomento do

Governo Federal, e na Secretaria Estadual responsável pela pasta de C&T (atualmente

Sec. Estadual de Ciência, Tecnologia e Educação Tecnológica - SECTET) e na

FAPESPA.

Em relação a base de dados da Capes (Geocapes:

https://geocapes.capes.gov.br/), encontramos disponíveis para a escala de municípios

somente a existência de dados sobre pós-graduação. Nestas, podemos verificar que

houve expansão de oferta de PPG stricto sensu para municípios no interior do estadodo

Pará (principalmente a partir de 2010),no entanto, em 2014, ainda havia elevada

concentração desta oferta na região metropolitana de Belém (capital do estado), que

alcançava 93% da oferta de cursos de mestrado profissional, 78% de mestrado

acadêmico, 75% de doutorado, e 97% de mestrado e doutorado (M&D) em um contexto

de um total de 144 municípios no estado.

Tabela 1: Oferta de Programas de Pós-Graduação por Municípios do Estado do Pará

MUNICÍPIO*Mestrado Profissional Mestrado Acadêmico Doutorado M&D

2010 2012 2014 2010 2012 2014 2010 2012 2014 2010 2012 2014

ALTAMIRA 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0

ANANINDEUA** 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1

BELÉM** 1 8 14 33 37 28 3 3 3 20 25 35

BRAGANÇA 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1

CAMETÁ 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0

CASTANHAL 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0

MARABÁ 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0

SANTARÉM 0 0 0 0 2 3 0 0 1 0 0 0

TOTAL 1 8 15 33 39 36 3 3 4 20 26 37% de aumento de

2010 a 2014 1.400 % 9,1 % 33,3 % 85%

*Listados somente municípios com números distintos de zero.

**Municípios da Região Metropolitana de Belém.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da GeoCapes (2016).

Ainda examinando-se a oferta de PPG no estado do Pará, na tabela 2, é possível

observar a distribuição desta por natureza jurídica e esfera governamental da

organização sede no ano de 2014. Nesta, verifica-se que há uma forte preponderância de

oferta de PPG nas organizações públicas federais, principalmente nos cursos com maior

nível de exigência: Doutorado (100%), e Mestrado & Doutorado (94,6%).

Tabela 2: Oferta de PPG no estado do Pará pela natureza jurídica e esfera governamental da organização sede, em 2014.

Natureza jurídica/Esfera

Mestrado Profissional

Mestrado Acadêmico

Doutorado Mestrado & Doutorado

Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %

Privada 1 6,7% 4 11,1% 0 0% 1 2,7%Pública Estadual 3 20,0% 4 11,1% 0 0% 1 2,7%Pública Federal 11 73,3% 28 77,8% 4 100% 35 94,6%

Total 15 100% 36 100% 4 100% 37 100%Fonte: Elaboração própriacom base nos dados de CAPES - Distribuição de Programas de Pós-graduação no Brasil por Estado. Disponível em: http://geocapes.capes.gov.br/geocapes2/. Acesso em 26/08/16.

A outra base de dados federal pesquisada corresponde ao CNPq, sendo somente

encontramos dados na escala municipal no chamado “Mapa de Investimentos”

(http://cnpq.br/web/guest/mapa-de-investimentos-novo). Contudo, a base não oferece

registro de números históricos (por exemplo por ano ou mês), somente os quantitativos

correntes no sistema. A tabela 3 traz uma síntese das informações disponíveis no Mapa

de Investimentos (CNPq) para o estado do Pará, referente a novembro de 2016, em que

também verificamos elevada concentração de investimentos e recursos na capital do

estado.

Tabela 3: Síntese de investimentos correspondentes a instituições do estado do Pará, organizados por municípios informados, em 02/11/2016.

Município* Bolsas % Projetos % Eventos % Visitante %

Ananindeua 104 5,7% 9 3,0% - 0,0% - 0,0%

Belém 1.585 87,2% 265 89,2% 2 100,0% 1 100,0%

Bragança 3 0,2% - 0,0% - 0,0% - 0,0%

Castanhal 3 0,2% 1 0,3% - 0,0% - 0,0%

Santarém 77 4,2% 13 4,4% - 0,0% - 0,0%

Marabá 38 2,1% 5 1,7% - 0,0% - 0,0%

Igarapé-Miri 8 0,4% 3 1,0% - 0,0% - 0,0%

Itaituba - 0,0% 1 0,3% - 0,0% - 0,0%*Listados somente municípios com números distintos de zero.

Fonte: Elaboração própria a partir de CNPq - Mapa de Investimentos do CNPq – Seleção UF: Pará. Disponível em: http://cnpq.br/web/guest/mapa-de-investimentos-novo. Acesso em: 02/11/2016.

No que tange a possíveis bases estaduais de informações sobre C&T, foram

pesquisadasa disponibilidade de bases de indicadores sistematizados referentes aos

municípios do estado nos sites da Fundação de Amparo à Pesquisa (FAP) estadual

(FAPESPA) ou da Secretaria de C&T (SECTET), mas não foram encontradas, então

procurou-se examinar informações relacionadas em documentos institucionais,

principalmente em relatórios institucionais da FAPESPA, fundação estadual de fomento

à C&T.

De acordo com os relatórios institucionais da FAPESPA, no decorrer de 2011 a

2015, para todos os programas em que foram informadas as distribuições por

municípios, houve predominância de investimentos no município de Belém (que, em

geral, obteve 50% ou mais de investimentos ou projetos aprovados na maioria dos

editais).

Também, verificou-se pouca capacidade de difusão de investimentos entre

municípios, visto que os dois programas que alcançaram o maior número de municípios

atendidos foram: o Programa de Infocentros do Navegapará, com 26 municípios em

2011, e o Programa Pará Faz Ciência na Escola (PPFCE), com 12 municípios em 2012,

frente a um total de 144 municípios no estado.Deste modo, para os programas

informados, entende-se ter havido concentração em investimentos em torno de uma

quantidade pequena de municípios frente ao total (144), com preponderância na capital

do estado, onde há também maior concentração de organizações de C&T, como

universidades e institutos de pesquisa.

Outro documento analisado foi o Plano Plurianualestadual referente ao período

2012-2015, no qual dois (2) programas estavam relacionados a FAPESPA e SECTI

(nome da secretaria estadual de C&T naquele período): o programa “Inclusão digital

para o desenvolvimento – Navegapará”, de responsabilidade da Empresa de Tecnologia

da Informação e Comunicação do Estado do Pará (PRODEPA), estando-se FAPESPA e

SECTI como coexecutores; e o programa “Ciência, Tecnologia e Inovação para o

Desenvolvimento Sustentável” que agregava as ações diretamente relacionadas ao

núcleo da política de CT&I cujos órgãos responsáveis eram FAPESPA e SECTI

(secretaria estadual de CT&I), no qual a análise desta seção se concentrou.

O programa “Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento

Sustentável” continha 16 ações previstas, cuja amplitude do número de municípios

previstos a serem atendidos em cada ação em 2015 variou de 1 a 20. Somente três (3)

ações apresentaram previsão de difusão entre municípios acima de 10% do total de

municípios do estado, foram elas: Concessão de Bolsas para Pesquisa em Ciência e

Tecnologia (18 municípios), Disseminação de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I)

(15 municípios), e Incentivo a Projetos de Pesquisa em Ciência e Tecnologia (20

municípios), de modo que se compreende que a previsão de ações entre municípios

apresentou uma tendência de baixa difusão.

A execução das ações seguiu bases similares, nenhuma ação alcançou

disseminação acima de 20% dos municípios no estado. As ações com maiores difusões

previstas e executadas corresponderam a atividades de estímulo à base científica

(concessão de bolsas, projetos de pesquisa, e apoio a pesquisadores), onde também

verificou-se concentração de execução no município de Belém.

Cabe ressaltar que, ao considerar os dados anteriores de relatórios institucionais

da FAPESPA, programas com escopo focado em inclusão social e popularização da

ciência poderiam ter melhores condições de difusão entre municípios, particularmente

naqueles que não possuem estrutura ou base científica já desenvolvida. Ações com este

escopo foram previstas no Programa em análise de CT&I do estado como as ações de

“Transferência de Tecnologias Sociais para o Desenvolvimento” e “Realização de

Eventos para Popularização de CT&I”, mas a previsão de difusão no planejamento foi

pequena (4 e 10 municípios respectivamente), e a execução alcançou resultados ainda

menores e concentrados, sendo relatado o desenvolvimento de duas atividades em cada

ação, todas em Belém.

Portanto, apesar de dificuldades em relação à disponibilidade de dados sobre

C&T na escala municipal, com base tanto nos indicadores encontrados é possível

observar que há evidências de existência de elevados níveis de desigualdades

intraestaduais no Pará. A execução da agenda de fomento estadual tendeu a reproduzir

desigualdades de investimentos e ações físicas no sentido das assimetrias estruturais em

C&Tpreexistentes (investimentos e atividades com grau de concentração em Belém).

Cabe destacar que, a constatação do baixo grau de disponibilidade de

informações para a escala municipal para análises intraestaduais prejudica exames mais

detalhados de condições de desigualdades, e pode representar um indício que a

formulação e avaliação de políticas de CT&I na área tem sido exercido em um modelo

top-down, conforme sentido apresentado por Dagnino (2007), nas esferas de governo,

de modo que pouca informação de CT&I de escalas mais locais são consideradas em

avaliações ou entendidas como necessárias para formulação de políticas.

6. Considerações finais.

O processo de descentralização da política de C&T no governo estadual do Pará

teve fortes componentes descentralização “por oferta”, seguindo trajetória induzida pelo

governo federal. Embora esta indução federal tenha promovido a formação de bases

institucionais e crescimento dos investimentos estaduais para política de C&T,

permanecem constrangimentos de capacidades e a forte emulação das estruturas

institucionais e racionalidades de financiamentos federais para a esfera estadual.

As análises demonstraram intensa assimetria no fomento e infraestrutura

intraestadual em C&T no Pará. Os recursos e investimentos federais e estaduais

apresentaram elevada concentração na região metropolitana de Belém (capital do

estado), negligenciando diversos outros recortes territoriais com dinâmicas ambientais,

econômicas e sociais distintas. Porém, verificou-se uma tendência a expansão de

recursos de C&T para territórios menos assistidos do estado, sendo os investimentos

federais aqueles que atuaram como gatilhos dessa ampliação, principalmente por

desconcentração de entidades federais.

Conclui-se que a descentralização de políticas de C&T no Pará, ao emular

estrutura e racionalidade da esfera federal, não tem proporcionado uma governança mais

inclusiva e direcionada a construção de processos de desenvolvimento em seus diversos

recortes territoriais. Um dos desafios é transformar do modelo “top-down" de

formulação de políticas para atender uma pluralidade maior de atores sociais e recortes

territoriais.

7. Referencias

Abrucio, Fernando Luiz. 2005. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula.Revista de Sociologia e Política, 24, 41-67.

Affonso, Rui de Britto Álvares. 2000. Descentralização e reforma do Estado: a Federação brasileira na encruzilhada. Economia e Sociedade, 9, 127-152.

Almeida, Maria Hermínia Tavares. 2000. Federalismo e proteção social: a experiência brasileira em perspectiva comparada. In: Seminário Pacto Federativo e Guerra Fiscal no Brasil. São Paulo: FGV.

Almeida, Maria Hermínia Tavares de. 2005 Recentralizando a federação?.Revista de Sociologia e Política, 24, 29-40.

Arretche, Marta. 1996. Mitos da descentralização: mais democracia e eficiência nas políticas públicas. Revista brasileira de ciências sociais, 11, 44-66.

Arretche, Marta. 2002. Federalismo e relações intergovernamentais no Brasil: a reforma de programas sociais. DADOS-Revista de Ciências Sociais, 45, 431-458.

Arretche, Marta. 2003. Financiamento federal e gestão local de políticas sociais: o difícil equilíbrio entre regulação, responsabilidade e autonomia. Ciência & Saúde Coletiva, 8, 331-345.

Arretche, Marta. 2008. Descentralização e integração do fomento pública: estratégias de descentralização nas áreas de saúde e educação no Brasil. Nota técnica. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégico (CGEE).

Arretche, Marta. 2010. Federalismo e igualdade territorial: uma contradição em termos?DADOS-Revista de Ciências Sociais, 53, 587-620.

Arretche, Marta. 2015. Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Editora Unesp.

Becker, Bertha K. 2010. Ciência, tecnologia e inovação: condição do desenvolvimento sustentável na Amazônia. Trabalho apresentado ao 4º Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), Brasília.

Cavalcante, Pedro. 2011. Descentralização de políticas públicas sob a ótica neoinstitucional: uma revisão de literatura. Revista de Administração Pública-RAP, 45, 1781-1804.

Centro de Gestão e Estudos Estratégico. 2010. Descentralização do fomento à ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).

Cozzens, Susan. 2012. Social cohesion at the global level: The roles of science and technology. Science and Public Policy, 39, 557–561.

Cozzens, Susan and Pereira, Tiago. 2008. The social cohesion policy paradigm in science and technology policy. prime-Latin America conference. Anais.

Dagnino, Renato; Thomas, Hérnan and Davyt, Amílcar. 1996. El pensamiento en ciencia, tecnología y sociedad en Latinoamérica: una interpretación política de su trayectoria. REDES, 3, 13–51.

Finot, Iván. 2005. Descentralización, transferencias territoriales y desarrollo local. Revista de la CEPAL, 86, 29-46.

Pacheco, Carlos. 2007. As Reformas da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil (1999-2002). Documento preparado para o Programa CEPAL-GTZ Modernização do Estado, Desenvolvimento Produtivo e Uso Sustentável dos Recursos Naturais. Santiago do Chile: CEPAL-GTZ.

Nunes, Edison. 1996. Poder local, descentralização e democratização: um encontro difícil. São Paulo em perspectiva,10, 32-39.

Souza, Celina. 2002. Governos e sociedades locais em contextos de desigualdades e de descentralização. Ciência & Saúde Coletiva, 7, 431-442.

Souza, Celina e Carvalho, Inaiá. 1999. Reforma do Estado, descentralização e desigualdades. Lua Nova, 48, 187-212.

Suzigan, Wilsone Albuquerque, Eduardo. 2008. A interação entre universidades e empresas em perspectiva histórica no Brasil. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar(texto para discussão nº 329).

Thomas, Hérnan; Fressoli, Mariano. and Becerra, Lucas. 2012. Science and technology policy and social ex/inclusion: analyzing opportunities and constraints in Brazil and Argentina. Science and Public Policy, 39, 579–591.

Velho, Léa. 2011. Conceitos de ciência e a política científica, tecnológica e de inovação. Sociologias, 13, 128–153.

Viotti, Eduardo. 2008. Brasil: de política de C&T para política de inovação? evolução e desafios das políticas brasileiras de ciência, tecnologia e inovação. In: Avaliação de Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação: diálogo entre experiências internacionais e brasileiras. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).