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Espaço Coprodutivo e Incidência da Sociedade Civil: a gestão da Política Nacional de Resíduos Sólidos no municipio de Belém, Pará, Amazônia Brasileira. Documento para su presentación en el VIII Congreso Internacional en Gobierno, Administración y Políticas Públicas GIGAPP. (Madrid, España) del 25 al 28 de septiembre de 2017. Herbert Cristhiano Pinheiro de Andrade Email: [email protected] Ana Maria de Albuquerque Vasconcellos Email: [email protected] Mário Vasconcellos Sobrinho E-mail: [email protected] Resumo: No Brasil, novos espaços de relação entre a sociedade civil, estado e mercado tem emergido no contexto de coprodução de bens e serviços públicos. Na Amazônia brasileira, em especial no estado do Pará, tais espaços tem sido férteis arenas para consecução e implementação de políticas públicas e acompanhamento e monitoramento do uso dos recursos públicos. Este artigo tem como objetivo analisar um desses espaços e a implementação de uma das políticas públicas em coprodução. De forma específica, esta comunicação analisa o Observatório Social de Belém e a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos no município. O trabalho foca-se especificamente em examinar as categorias de dialogicidade e deliberação, categorias essas imbricadas no campo teórico de gestão social e coprodução. Empiricamente, o artigo traz reflexões advindas de uma pesquisa mais ampla sobre coprodução na Amazônia brasileira que se baseia em análises documentais, entrevistas semiestruturadas e observações participantes nas reuniões do Observatório de Belém que se apresenta como o espaço de interação e coprodução entre a sociedade civil e o Estado. O artigo retrata o processo de coprodução que até o momento culminou em: (1) diagnóstico compartilhado do problema público; (2) codesenho do serviço público; (3) coavaliação dos resultados da política pública; e (4) 1

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Espaço Coprodutivo e Incidência da Sociedade Civil: a gestão da Política Nacional de

Resíduos Sólidos no municipio de Belém, Pará, Amazônia Brasileira.

Documento para su presentación en el VIII Congreso Internacional en Gobierno, Administración y Políticas Públicas GIGAPP. (Madrid, España) del 25 al 28 de septiembre

de 2017.

Herbert Cristhiano Pinheiro de Andrade

Email: [email protected]

Ana Maria de Albuquerque Vasconcellos

Email: [email protected]

Mário Vasconcellos Sobrinho

E-mail: [email protected]

Resumo: No Brasil, novos espaços de relação entre a sociedade civil, estado e mercado tem emergido no contexto de coprodução de bens e serviços públicos. Na Amazônia brasileira, em especial no estado do Pará, tais espaços tem sido férteis arenas para consecução e implementação de políticas públicas e acompanhamento e monitoramento do uso dos recursos públicos. Este artigo tem como objetivo analisar um desses espaços e a implementação de uma das políticas públicas em coprodução. De forma específica, esta comunicação analisa o Observatório Social de Belém e a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos no município. O trabalho foca-se especificamente em examinar as categorias de dialogicidade e deliberação, categorias essas imbricadas no campo teórico de gestão social e coprodução. Empiricamente, o artigo traz reflexões advindas de uma pesquisa mais ampla sobre coprodução na Amazônia brasileira que se baseia em análises documentais, entrevistas semiestruturadas e observações participantes nas reuniões do Observatório de Belém que se apresenta como o espaço de interação e coprodução entre a sociedade civil e o Estado. O artigo retrata o processo de coprodução que até o momento culminou em: (1) diagnóstico compartilhado do problema público; (2) codesenho do serviço público; (3) coavaliação dos resultados da política pública; e (4) coacompanhamento da implementação da tomada de decisão coletiva. O trabalho mostra que a dinâmica do espaço coprodutivo compreende pelo menos dois momentos: (a) debates e propostas sobre o problema público clarificado; (b) encaminhamentos em termos de deliberação e formação de grupos de trabalho de controle social dos compromissos assumidos na tomada de decisão. Em termos teóricos, o artigo mostra que a coprodução na gestão de políticas públicas ocorre em um espaço dialógico no qual se clarificam conflitos, dentre eles os socioambientais. Todavia, ao mesmo tempo esse mesmo espaço permite que se deliberem ações públicas e coletivas que significam incidencia da sociedade civil sobre o rumo local da política pública. Em termos empíricos, o artigo demonstra que o espaço coprodutivo articulado pelo Observatório Social é um importante elemento do processo não linear de coprodução.

Palavas-chave: Espaço público, participação social, dialogicidade.

Abstract: In Brazil, new spaces of relationship between civil society, state and market have emerged in the context of the co-production of public goods and services. In the Brazilian Amazon, especially in the state of Pará, such spaces have been fertile arenas for the achievement and implementation of public policies and monitoring and monitoring the use of public resources. This article aims to analyze one of

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these spaces and the implementation of one of the public policies in co-production. Specifically, this communication analyzes the Belém Social Observatory and the implementation of the National Solid Waste Policy in the municipality. The work focuses specifically on examining the categories of dialogue and deliberation, categories that are embedded in the theoretical field of social management and coproduction. Empirically, the article brings reflections from a broader research on coproduction in the Brazilian Amazon, based on documentary analysis, semi - structured interviews and observations at the meetings of the Belém Observatory, which presents itself as the space of interaction and coproduction between civil society and the state. The article portrays the coproduction process that has so far culminated in: (1) shared diagnosis of the public problem; (2) public service codes; (3) co-evaluation of public policy outcomes; and (4) co-monitoring the implementation of collective decision-making. The work shows that the dynamics of co-productive space comprises at least two moments: (a) debates and proposals on the clarified public problem; (b) referrals in terms of deliberation and formation of working groups of social control of the commitments assumed in the decision making. In theoretical terms, the article shows that coproduction in the management of public policies occurs in a dialogical space in which conflicts are clarified, among them socioenvironmental ones. However, at the same time, this same space allows for the deliberation of public and collective actions that signify the incidence of civil society on the local course of public policy. In empirical terms, the article demonstrates that the co-productive space articulated by the Social Observatory is an important element of the non-linear coproduction process.

Key-words: Public space, social participation, dialogue.

Resumen: En Brasil, nuevos espacios de relación entre la sociedad civil, estado y mercado han emergido en el contexto de coproducción de bienes y servicios públicos. En la Amazonia brasileña, especialmente en el estado de Pará, tales espacios han sido fertiles espacios para lograr e implementar políticas públicas y acompañar el monitoreo del uso de los recursos públicos. Esta comunicación tiene como objetivo analizar uno de esos espacios y la implementación de una de las políticas públicas de coproducción. De forma específica, esta comunicación analiza el Observatório Social de Belém y la implementación de la Política Nacional de Residuos Solidos en el município. El trabajo se centra especificamente en examinar las categorías de dialogicidad y deliberación, categorías esas imbricadas en el campo teórico de la gestión social y la coproducción. Empiricamente, la comunicación plantea reflexiones provenientes de una investigación más amplia sobre coproducción en la Amazonia brasileña basada en análisis documentales, entrevistas semiestructuradas y observación participante en las reuniones del Observatório de Belém que se presenta como el espacio de interacción y coproducción entre la sociedad civil y el Estado. La comunicación retrata el proceso de coproducción que hasta el momento culminó en: (1) diagnóstico compartido del problema público; (2) codiseño del servicio público; (3) coevaluación de los resultados de la política pública; y (4) coacompañamiento de la implementación de la toma de decisión colectiva. El trabajo muestra que la dinamica del espacio coproductivo comprende por lo menos dos momentos: (a) debates y propuestas sobre el problema público; (b) compromisos en materia de deliberación y formación de grupos de trabajo de control social de los compromisos asumidos en la toma de decisión. Desde el punto de vista teórico, la omunicación señala que la coproducción en la gestión de políticas públicas ocurre en un espacio dialógico en el cual se aclaran conflictos, entre ellos los socioambientales. Sin embargo, al mismo tiempo ese mismo espacio permite que se deliberen acciones públicas y colectivas que significan incidencia de la sociedad civil en el rumbo local de la política pública. En terminos empíricos, la comunicación demuestra que el espacio coproductivo articulado por el Observatório Social es un elemento importante del proceso no lineal de la coproducción.

Palabras clave: Espacio público, participación social, diálogo.

Nota biográfica:

Herbert Cristhiano Pinheiro de Andrade é profesor da Univesidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). É membro do Grupo de Pesquisa Gestão Social e do Desenvolvimento Local da Universidade da Amazônia (UNAMA) e do GEGOP_CLACSO.

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Mário Vasconcellos Sobrinho é economista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará, PhD em Estudos do Desenvolvimento pelo Centre for Development Studies, University of Wales Swansea (Reino Unido), Pós-doutor em Gestão Pública e Governo pela EAESP da Fundação Getúlio Vargas, economista e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA).

Ana Maria de Albuquerque Vasconcellos é cientista social, mestra em Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará, PhD em Estudos do Desenvolvimento pelo Centre for Development Studies, University of Wales Swansea (Reino Unido), professora da Universidade da Amazônia (UNAMA).

1. Introdução

Esta comunicação tem como objetivo analisar o espaço público de relações entre

sociedade civil, estado e mercado na implementação da Política Nacional de Resíduos

Sólidos (PNRS) na cidade de Belém. Se enfatizou as interações de atores com o

Observatório Social de Belém, entidade que representa a sociedade civil. A análise do

espaço de interação entre atores se deu a partir da categoria teórica dialogicidade.

O estudo do espaço de interação tem focado em espaços públicos estatais, nos quais

o goveno municipal mobiliza e institucionaliza a participação social. Em que pese isso já

demonstrar, de certa forma, um avanço no aspecto democrático da relação entre diversos

atores sociais, estatais e de mercado, se observa também uma carência das investigações

sobre os espaço público não estatal, mirada deste trabalho.

Além disso, os espaços públicos têm sua importância destacada no âmbito da

accountability social, haja visto que a transparência pública tem empoderado a participação

social para o acompanhamento da prestação de contas das ações governamentais e,

consequentemente, contribuido para espaços de controle cidadão. Entretando, alguns

estudos ainda desconsideram as escalas de participação social, assim como a profundidade

dos espaços públicos. Com isso, fazem análises superficiais de controle social de decisões

governamentais tomadas de forma monológica e unilateral.

Esta investigação assume o pressuposto da dialogicidade nos espaços públicos. A

partir deste entendimento, a dialogicidade pode culminar em diferentes tipos de espaços.

Uns mais propensos a coprodução e outros mais distantes desta realidade. Um espaço

público coprodutivo vai além de um espaço informativo e consultivo. Estas duas formas de

espaço público expressam um potencial reduzido de coprodução.

Outra interpretação comum sobre espaço público é que parte-se do entendimento

que ele é linear, ou seja, sua forma de lidar com a participação social na implementação de

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políticas públicas é constante. Se ele for deliberativo sempre será e só será deliberativo.

Todavia, argumenta-se que os espaços públicos são dinâmicos e não lineares, bem como

são dependentes da dialogicidade e do comportamentos dos atores participantes. Diante

disto, esta comunicação questiona: até que ponto a dialogicidade no espaço público

expressa diferentes níveis de participação social e dinâmicas coprodutivas?

2. Marco Teórico

2.1 Níveis de Participação Social

A dialogicidade entre sociedade civil, estado e mercado podem resultar em diversos

níveis de participação social: informativa, consultiva, delegativa, associativa, deliberativa,

decisória e controlatória. Argumenta-se que interações associativas, deliberativas,

decisórias e controlatórias são mais coprodutivas. Isso se dá, pela abertura a incidência da

sociedade civil na implementação e gestão de políticas públicas.

Se por um lado, a abordagem bottom-up de uma política pública nacional remete a

práticas centralizadoras de tomada de decisão em nível territorial. Por outro lado, a gestão

de políticas públicas em nível territorial deve considerar as peculiaridades econômicas,

técnicas, sociais, políticas, ambientais, dentre outras na implementação de políticas

públicas.

No nível territorial municipal, diversos atores buscam influenciar, direcionar,

pressionar, questionar os rumos das decisões e ações governamentais. Isso se faz por meio

de diversas articulações, dentre elas tem-se práticas individuais, cujo interesse nem sempre

é público pela qual se sobressaem relações clientelistas. Além dessa, a busca da incidência

na tomada de decisão pública pode ter como palco espaços públicos estatais e não estatais

no qual atores se encontram para dialogarem sobre a gestão de políticas públicas.

Aliás, análises sobre consulta e deliberação ou até mesmo controle social tem sido

feitas sem considerar o escalonamento da participação já proposto desde 1969 por Sherry

Arnstein. Esta autora afirmou que pode haver (i) não participação originada pela

manipulação e terapia, (ii) participação de fachada marcadas pela informação, consulta e

conciliação e uma (iii) participação mais genuína com maior poder cidadão indo na direção

do trabalho conjunto, delegação de poder e controle cidadão.

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Dada uma realidade de participação “escalar e montanhosa” ainda são feitas

“análises de planície ou de planalto” pela qual se vê o controle cidadão sem delegação de

poder, trabalho conjunto sem deliberação, conciliação de interesses sem consulta, em uma

“lógica democrática” com controle social sem poder deliberativo do cidadão.

A relação entre Estado e Sociedade na implementação de políticas públicas em um

contexto democrático tem sido explicada pela adjetivação participativa e deliberativa a

palavra democracia. Dentre os diversos conceitos de democracia, a democracia

participativa fundamenta um processo democrático por relações de cooperação e

colaboração entre diferentes atores, dentre eles a participação da sociedade nas políticas

públicas (Sousa Santos, 2003; Bier et al., 2010)

A democracia deliberativa contribui com o conhecimento sobre a participação social

por meio de processos dialógicos livres e abertos com tomada de decisões públicas

inclusivas sobre a vida coletiva (Matia e Zappellini, 2014). Nesse sentido, um processo

democrático de coprodução na implementação de políticas públicas envolve a tomada de

decisões públicas pelo diálogo com participação da sociedade.

Em termos de participação governamental, têm-se a gestão participativa como uma

forma de governo a qual se orienta pela prática de transparência pública. Ela reconhece os

espaços de participação popular e abre-se para interações com outros atores na governança

pública. Fundamenta-se organizativamente na adaptabilidade ao ambiente externo

organizacional (Souza, Neto e Salm, 2014).

O governo aberto vai mais além, ele significa um conjunto de mecanismos e

estratégias que contribuem a governança pública e ao bom governo. Ele fundamenta-se na

transparência, participação cidadã, prestação de contas, colaboração e inovação, centrando-

se e incluindo a cidadania no processo de tomada de decisões, assim como na formulação e

implementação de políticas pública, com vistas ao fortalecimento da democracia,

legitimidade da ação pública e o bem estar coletivo (Clad, 2016).

Para coproduzir com o protagonismo da sociedade civil e participação

govenamental deve levar-se em consideração os níveis de participação mais profundos. Em

que pese informação e consulta como uma conquista da democratização na política pública

frente a não participação ou práticas manipulativas e de fachada, os níveis deliberativos e

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associativos de participação se expressam como terrenos mais férteis para a cogestão e

coprodução.

As escalas a seguir são formadas por distintos níveis de participação cidadã. Manoel

Canto (2007) os distingue como: (a) Informação: é o primeiro nível da participação e

refere-se a entrega de conhecimento sobre os elementos fundamentais da política pública

em questão, sem qual não há forma de participação possível; (b) Consulta: esta é o segundo

nível, nele se consulta os cidadãos sobre especificações da política pública; (c) Decisão: a

consulta passa a ser uma decisão quando a opinião emitida deixa de ser uma mera opinião e

transforma-se em algo obrigatório para quem faz a consulta; (d) Delegação: produzir

quando o governo concede a execução de um programa ou projeto a uma organização

social determinada; (e) Associação: as organizações sociais colaboram com o governo por

meio de iniciativas sobre projetos para implementar uma política pública cada um com

trabalho específico, aqui se tem a ocorrência de uma coprodução mais forte; (f) Controle:

este último estágio a cidadania avalia e fiscaliza as ações do governo.

Para Mideplan (2001) os níveis de participação iniciam com a (a) informação. Ele é

o mais básico, pois corresponde ao espaço onde os cidadãos conhecem e se informam sobre

seus direitos e deveres. (b) A consulta não vinculante corresponde a uma forma de

participação que não está condicionada necessariamente as decisões que se adota. (c) A

consulta vinculante é uma forma mais avançada de participação, pois toma em conta a

opinião do parecer dos cidadãos na construção das decisões. (d) A co-gestão e co-execução

se refere a uma implementação conjunta das ações, que necessariamente tenha um processo

de decisão participativa. (e) O controle cidadão é uma forma avançada de participação

cidadã faz alusão a possibilidade de fiscalizar a administração pública.

De acordo com a escala de participação de Sherry Arnstein (1969) podem haver três

formas: (a) Não participação marcada por manipulação e terapia; (b) a participação de

fachada caracterizada por informação, consulta e conciliação; (c) a participação mais

genuína em detrimento do maior poder cidadão podem ser por meio do trabalho conjunto,

delegação de poder e controle cidadão.

Em julho de 2016, por meio da Carta Iberoamericana de Gobierno Abierto o Centro

Latinoamericano de Administração para o desenvolvimento (CLAD) reconheceu a

existência destes distintos níveis de participação, por ele classificados em: informativo,

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consultivo, decisório e de cogestão ou coprodução. Para o CLAD as instituições públicas

devem identificar mecanismos ou meios que garantam uma maior democratização,

eficiência e efetividade das decisões e ações. Elas devem privilegiar formas de participação

colaborativas em detrimento das meramente consultivas.

Para Cançado (2011), a gestão social é baseada na participação, ou seja, é a forma

que o cidadão tem para atuar na organização da sociedade, nas políticas públicas e no

enfrentamento das mazelas do ambiente social. A gestão social pode ser delimitada como

“tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada na inteligibilidade da linguagem, na

dialogicidade e entendimento esclarecido enquanto processo, na transparência como

pressuposto e na emancipação enquanto fim último” (pereira e Peres Jr, 2014).

A gestão participativa, o governo aberto e a gestão social estão mais abertos ao

envolvimento do cidadão na implementação de políticas públicas e com isso são cenários

importantes para processos mais concretos de coprodução. Com esta racionalidade as

relações entre Estado e Sociedade Civil dependem do modo de gestão das organizações

estatais e também da própria organização da sociedade civil. Segundo Souza, Neto e Salm

(2014) a forma com que a sociedade se organiza e participa também molda a forma de

coprodução.

Se por um lado a participação governamental pelo gestão pública pode aproximar a

sociedade do Estado, por outro lado a forma de participação da sociedade civil também se

demonstra como um elemento significativo para esta aproximação.

As formas de organização da sociedade civil podem ser: (a) associativismo local no

qual associações civis, movimentos comunitários e sujeitos sociais se envolvem em causas

sociais e culturais do cotidiano (Scherer-Warren, 2006); (b) organizações formais como

Organizações Não-Governamentais (ONGs) e Organizações sem fins lucrativos (Baião e

Costa, 2012); (c) articulação interorganizacional como fóruns, associações nacionais e as

redes de redes, como as redes de movimento sociais (Scherer-Warren, 2006).

O processo articulatório destes movimentos da sociedade civil com o Estado podem

se expressar com base em sua atuação a partir de pelo menos três formas. Na

contemporaneidade observa-se que as formas apresentadas a seguir não são mutuamente

excludentes. São elas: (a) oposição ao governo na qual a mudança advém por conflitos,

nesta forma a sociedade civil se mantem afastada do governo pela divergência de opinião;

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(b) parceria para o exercício da função estatal, basicamente volta-se à prestação de serviços

públicos, neste sentido representa uma forma de descentralização; (c) construção da opinião

pública pela sociedade civil para incidir pela esfera pública na implementação de políticas

públicas.

Certos movimentos sociais tem um papel restrito de oposição frente às políticas

públicas “governamentais”. Eles lutam por suas causas através da reivindicação e do

protesto. Esses movimentos resistem às decisões governamentais e por vezes não se

reconhecem colaborativos com o governo nas questões de interesse público, mesmo que o

sejam algumas vezes pela influencia advinda da pressão que exercem pelos conflitos.

Determinados movimentos sociais buscam se aproximar do Estado. Eles se

articulam com atores políticos e/ ou governamentais para realizarem atividades estatais.

Nesses casos, a união entre capacidade financeira do Estado e social de organizações

formais resulta em uma parceria para prestação de serviços públicos. Essas organizações

sociais podem também atuar como mediadoras do diálogo entre atores sociais e agentes

públicos.

Em uma forma de articulação mais próxima entre Sociedade Civil e Estado

encontra-se as mobilizações na esfera pública (Scherer-Warren, 2006). Neste nível, as

ações interorganizacionais buscam colocar o problema público na agenda do governo,

construir uma opinião pública perante a sociedade em geral e incidir nos rumos da política

pública.

Para Scherer-Warren (2008) as redes sociais podem ser multiformes e um sólido

caminho por vir de aproximação de atores sociais diversificados, inclusive de diferentes

níveis (local e global) e organizações. Para esta autora, o ativismo em rede social a partir de

relações horizontais permite o diálogo da diversidade de interesses e valores e a

transversalização das lutas sociais.

2.2 Espaços Públicos

O Mapa 1 introduz o debate desta sessão ao diferenciar espaços públicos estatais e

não estatais. A literatura sobre gestão social contribuiu para se avançar da dialogicidade no

espaço público. Um espaço coprodutivo é uma arena de interação entre atores por meio do

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diálogo a qual se delibera, decide, controla e avalia a implementação das políticas públicas.

O mapa também mostra os desafios inerentes ao desenvolvimento dos espaços públicos.

Mapa 1 - Elementos teóricos de análise do espaço público de interação entre atores.

Fonte: Autor da pesquisa.

O espaço público é considerado democrático na medida em que há inserção social à

tomada de decisão pública. Em especial, no processo de implementação e gestão de

políticas públicas. Isso advém inicialmente do entendimento da cidadania deliberativa na

esfera pública (Cançado, Tenório e Pereira, 2011). Ou seja, a cidadania deliberativa

legitima as decisões políticas por meio de um processo participativo e democrático,

fundamentado nos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade de participação, da

autonomia e do bem comum.

Visto de forma mais instrumental, o espaço público possui mecanismos,

dispositivos e ferramentas de participação social na gestão pública. No Brasil, a partir da

década de 1980, a gestão pública tem vivenciado um processo intenso de transformação

como resultado de vários movimentos políticos, dentre os quais o da política de

descentralização e da promulgação da Constituição Federal de 1988. Esta última trouxe em 9

seu bojo, por exemplo, significativos avanços em termos de construção de ambientes

democráticos e compartilhamento de responsabilidades nas decisões político-sociais na

esfera pública.

De certa forma, os espaços de participação social foram estimulados pelo Estado,

cujas evidencias são a criação de fóruns, conselhos, orçamentos participativos,

conferências, dentre outras para ouvir as coletividades sobre os problemas e soluções

territoriais. Nestes espaços públicos estatais a sociedade civil pode acompanhar e controlar

os recursos públicos na área da saúde, educação e merenda escolar, por exemplo e melhorar

a qualidade da política pública. O orçamento participativo em Porto Alegre na década de

noventa foi uma das experiências pioneiras de participação social na gestão pública local,

ele está presente com diversas metodologias em várias cidades mundo a fora.

Contudo, a descentralização e as experiências de participação social nem sempre

conseguiram romper com as tradicionais formas centralizadoras de governo e relações

clientelistas entre sociedade civil e Estado que a tempos marcara a gestão pública brasileira.

Martins (2012) ressalta o progressivo esvaziamento político dos espaços

deliberativos e uma frustação generalizada das expectativas depositadas. Dentre os

obstáculos dos espaços públicos se destacam a assimetria de conhecimento e capacidade

debate, a cooptação político-partidária e a baixa qualidade dos processos deliberativos.

Alguns limites dos espaços públicos foram identificados por Ribeiro, Andion e

Burigo (2015), dentre eles: a homogeneidade na representação, com baixa diversidade

social; tempo para discussões nos espaços públicos, restrito a pautas do governo e informes

gerais; dificuldade da sociedade civil se organizar e apresentar argumentos em defesa de

suas razões.

A sociedade civil demanda à gestão pública, espaços de participação social como os

conselhos (Ronconi, Debetir e Mattia, 2011), reconhecendo a importância da participação

cidadã para a efetividade das políticas públicas. Estado e Sociedade passam a se relacionar

diretamente tendo que realizar ações conjuntas, negociar e compartilhar a gestão e o

controle, no intuito da democratização da gestão das políticas públicas e do controle da

sociedade sobre os governos, a exemplo dos conselhos gestores de políticas públicas.

No âmbito dos conselhos gestores de políticas públicas, se têm outra experiência

brasileira de espaços de coprodução. O conselho tem uma composição paritária e, portanto

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tem potencial para ser espaço de coprodução (Ronconi, Debetir e Mattia, 2011). Contudo,

tem se demonstrado como espaço de cooptação da sociedade pelo poder público local.

O colegiado de desenvolvimento territorial também se apresenta como um exemplo

de espaço público de coprodução. No caso do CODETER (Ribeiro, Andion e Burigo,

2015), o processo de coprodução de baixa intensidade possuiu diversos obstáculos. Dentre

eles está o desafio enfrentado pelos gestores públicos para mobilização de um processo de

coprodução do bem público mais denso. Fato este comprovado pelo baixo empoderamento

de alguns representantes da sociedade civil; pela uniformidade dos segmentos sociais

representados; e pelos diferentes graus de participação existentes entre eles (Ribeiro,

Andion e Burigo, 2015).

Outra experiência focou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Schommer,

Bueno e Kunzler, 2010). Foi dada atenção a coprestação do serviço público de coleta e

destinação de resíduos sólidos. Este caso identificou fragilidades da gestão de resíduos

sólidos e ausência de espaços públicos regulares para que os cidadãos discutam a qualidade

da prestação do serviço.

Brugué e Parés (2012) ao tratarem sobre critérios de qualidade do espaço

deliberativo, eles apontaram para o esclarecimento por parte de quem promove, gerencia e

organiza o funcionamento do espaço em termos de regras, dinâmica, comunicação e

logística. Eles também falam sobre os comportamentos dos atores em escutarem-se

mutuamente, respeitarem as posições dos demais e minimizarem os desacordos morais.

A capacidade de organizar um diálogo construtivo e democrático tem haver com o

inter-relacionamento de razões e argumentos, diversos e inclusivos, no qual a comunicação

e a informação são acessíveis e compreensíveis, o que possibilita a priorização dos pontos

de acordo e cooperação e minimização das diferenças (Brugué e Parés, 2012). Dentre as

tarefas imprescindíveis os atores para evitar o monólogo e a dispersão estão: explicar sobre

os conteúdos e objetivos do debate; escutar a cidadania; e responder de acordo com as

contribuições recebidas e como estas tem se aperfeiçoado a uma decisão concreta.

A base epistemológica da gestão social contempla o envolvimento da cidadania no

espaço público o qual traz consigo o entendimento de arenas políticas de participação

social, diálogo, deliberação e luta por direitos e controle (Tenório, 1998). “O conjunto de

processos sociais no qual a ação gerencial se desenvolve por meio de uma ação negociada

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entre seus atores, perdendo o caráter burocrático em função da relação direta entre o

processo administrativo e a múltipla participação social e política” (Tenório, 1998).

A arena é um espaço potencial à tomada de decisão coletiva (Tenório, 2013).

Observa-se que a gestão social, integra-se ao debate sobre democracia, participação e

deliberação na esfera pública. Esta relação se dá pela busca do interesse público com

protagonismo da sociedade civil organizada através do exercício da cidadania na tomada de

decisão coletiva.

Cançado (2011) e Cabral (2008) abordaram sobre os espaços públicos não estatais

de participação social. Para eles este é o ambiente de discussão dos interesses do bem-estar

coletivo e comum, com autonomia da participação cidadã nas decisões coletivas das

questões sociais, pressupondo a emancipação como fim último se assume um papel

importante para a gestão social. Portanto, para que a gestão social aconteça efetivamente é

necessário um espaço público onde, pessoas se encontrem para deliberarem sobre suas

necessidades e futuro (Cançado, 2011).

Tem surgido enquanto espaços públicos não estatais novas iniciativas de

organizações que atuam como “pontes” entre a população e o poder público ao interligarem

a necessidade ao poder de fazer e proporcionarem participação do cidadão na gestão

pública. As relações sociais neste espaço público se constroem pela dialogicidade, a qual

desperta o interesse da sociedade civil para colocar em prática a cidadania, buscar soluções

que atendam as necessidades e expectativas e acompanhar a aplicação dos recursos

públicos.

A gestão pública local inclui, mas não se limita a prefeitura e a câmara municipal. A

participação social para acompanha-la necessita da transparência pública. Cavalcanti (2006)

ressalta a importância da descentralização do papel do Estado e revela que o governo e seu

aparato buscam novos formatos democratizantes das suas relações e tornam-se mais

susceptíveis ao controle social. Isto envolve o desenvolvimento da publicização para

transparência pública, pois é um dos atributos do espaço público não estatal, que envolve:

democratização, qualidade e efetividade dos serviços, visibilidade social, universalidade,

cultura pública, autonomia e controle social.

O espaço público não estatal decorre do princípio de publicidade, de liberdade de

expressão e de um princípio organizativo, os quais levam os indivíduos a se interessarem e

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a se envolverem em ações associativas para a interpretação da questão social nos seus

aspectos políticos e sociais (Cabral, 2008).

Ao discutir o espaço público não estatal de interação entre atores e a coprodução,

Mattia e Zappellini (2014) fazem alusão à “uma política deliberativa permite incorporar

diferentes discursos, sobretudo, de grupos marginalizados, que vão contra os consensos da

maioria da sociedade, mas que precisam ser compensados de alguma forma” (Mattia e

Zappellini, 2014). Estes discursos resultariam da participação de diferentes agentes sociais

na formação de uma vontade coletiva.

Esta coprodução processada no “mundo da vida” se dá “a partir da comunicação, da

interação e da discussão entre todos os agentes racionais na sociedade para que possa ser

considerada válida pode ser comparada com a perspectiva de coprodução” (Mattia e

Zappellini, 2014).

Mattia e Zappellini (2014) julgam ser um terreno fértil para a coprodução quando

estas interações entre os interlocutores se dão pela discussão sobre como produzir, planejar

e prestar os serviços públicos entre estes sujeitos, embasada por liberdade, inclusão,

reconhecimento da dignidade e da integridade de cada um e respeito mútuo. Este processo

de discussão e interação, é orientado pela inclusão, igualdade participativa, autonomia,

pluralismo e bem comum.

Neste ponto, o espaço de coprodução é “como arena aberta à discussão, em um

processo dialógico, dos diferentes grupos sociais” (Mattia e Zappellini, 2014). Esta

coprodução exige condições sociais e articulação de atores que permitam um diálogo livre e

aberto entre os partícipes.

Entretando, Mattia e Zappellini (2014) remontam a um espaço público estatal com

protagonismo governamental quando indicam como alternativa de efetividade desta lógica

de coprodução quando os governos adotarem políticas públicas com participação ativa do

cidadão no processo de sua elaboração em espaços públicos. “A interação entre Estado e

sociedade civil em um processo de ressignificação da esfera pública está posto, mas muitos

desafios precisam ser vencidos” para consolidação de espaços para a coprodução do bem

público (Ronconi, Debetir e Mattia, 2011).

A coprodução no âmbito da esfera pública considera a agregação e articulação de

diversos interlocutores e não desconsidera diferentes visões quanto ao conteúdo, custos e

13

limitações na produção de serviços públicos (Bier et al., 2010). Se por um lado a

coprodução advém da participação social nas iniciativas do governo, por outro, a ação de

comunidades politicamente articuladas e de cidadãos críticos e conscientes tem assumido a

luta pelo interesse público na busca de se transformarem em protagonistas de sua própria

resistência, libertação e desenvolvimento.

Então, a coprodução na esfera pública é uma “estratégia para que organizações da

sociedade civil, movimentos sociais e lideranças comunitárias compartilhassem a

responsabilidade da solução dos problemas políticos, por meio de um processo de

deliberação coletiva” (Klein Jr, et al., 2012). Ela visa proporcionar “[...] descentralização

do poder e gerar mecanismos para aumentar o envolvimento dos cidadãos na esfera

pública” (Ribeiro, Andion e Burigo, 2015).

Portanto, compreende-se a coprodução como um modelo de grau sobreposto entre

duas ou três esferas de participantes, como por exemplo, atores públicos, mercado e

cidadãos, para promover redes que permitem o compartilhamento de recursos e

conhecimentos para benefícios e promoção de inovação social. Uma característica que

envolve esta compreensão de coprodução é a articulação gerada por essas esferas que

sustentam o vinculo criado e por consequência a qualidade e a eficácia dos serviços gerados

por essa relação (Schommer et al., 2011; Bier et al., 2010).

A sociedade civil, composta de movimentos, organizações e associações não estatais

e não econômicas tem o papel de identificar os problemas sociais e repassa-los para a esfera

pública, tornando as demandas sociais públicas. Portanto, a coprodução com os

movimentos sociais pode ser de grande valia para o desenvolvimento da sociedade.

A coprodução dos serviços públicos ocorre em espaços públicos de participação,

debate e controle. É possível afirmar teoricamente que “nesse espaço, as funções

gerenciais, que se referem ao planejamento, organização, direção e controle seriam

compartilhadas por todos os envolvidos no processo de produção” (Ronconi, Debetir e

Mattia, 2011, p. 56).

No entanto, para que estas relações entre coprodutores na perspectiva da interação

Sociedade e Estado consolide processos de coprodução, além do espaço de discussão,

tornam-se consideráveis aspetos como transparência nas informações públicas,

reconhecimento de interesses divergentes, contradições sociopolíticas históricas,

14

empoderamento da sociedade civil. Estes aspectos direcionam o debate sobre uma gestão

dialógica e compartilhamento do poder que facilite a compreensão do fortalecimento da

cidadania e destas relações democráticas.

Os atores sociais se relacionam para a mudança pelo espaço de encontro entre

sociedade e o Estado. Neste espaço público de interação “se desenvolvem os processos

sociais por meio de uma ação negociada entre os diversos atores” (Ronconi, Debetir e

Mattia, 2011) que trabalham em conjunto e se articulam para o bem público. Neste espaço

ocorre participação, discussão e deliberação para a formulação e implementação de

políticas públicas e avaliação dos impactos na qualidade de vida da população.

O estudo centrado nas interações entre coprodutores tem reconhecido a importância

do diálogo, da deliberação conjunta, da manifestação e reconhecimento de diferentes

interesses e perspectivas, na necessidade do consenso e da opinião pública, da avaliação e

aprendizado coletivo.

O espaço coprodutivo representa a esfera pública de interação dos coprodutores.

Nesta esfera, governo e sociedade civil dialogam e tomam decisões sobre a implementação

da política pública. Neste espaço pode ocorrer a incidência da sociedade civil na tomada de

decisão pública. Nota-se que a crise do Estado e a emergência da sociedade civil sinalizam

para um novo cenário futuro para as políticas públicas. Se por um lado às assimetrias de

poder caracterizam as espaços de decisão estadocentricos ou mercadocentricos, por outro

lado, interações horizontais e igualitárias vislumbram espaços policentricos de governo ou

com assimetria de poder sociocentrica.

3. Metodologia da pesquisa

Em detrimento dos objetivos propostos, decidiu-se por uma abordagem qualitativa

exploratória na compreensão dos espaços públios e descritiva aos eventos públicos.

Primeiramente, foi escolhido o estudo de caso único que é o Projeto de Incidência da

Sociedade Civil na Sustentabilidade Urbana (PISCSU), pois se trata de um projeto de

iniciativa da sociedade civil que visou coproduzir o desenvolvimento de cidades

sustentáveis. Com isso, adota-se o pressuposto da gestão social em detrimento do

protagonismo da sociedade civil.

15

Dentre as cidades integrantes deste projeto estão Belém, Belo Horizonte, Brasília,

Recife e São Luís. Com a utilização de um critério geográfico foi definido que a cidade a

ser escolhida deveria estar totalmente inserida no território amazônico. Então, a Cidade de

Belém foi selecionada.

O município de Belém faz parte do Norte do Brasil. Ele é a capital do estado do

Pará. Esta cidade encontra-se na maior Região Metropolitana da Amazônia Legal em

termos de número de habitantes e extensão territorial. A Região Metropolitana de Belém

inclui 07 municípios em uma área de 3.569,222 km² e população de 2.422.481 habitantes

(IBGE, 2016).

Belém possui 8 distritos administrativos que englobam 71 bairros (Censo, 2010)

com uma população de 1.446.042 em uma área territorial de 1.059,458 km² (Ibge, 2016).

Em seu território existem 39 ilhas, nele chove em média 2.800 mm/ano e essa água alaga

parte da área do município, bem como junto com a maré inundam terrenos. Esta cidade é

entrecortada por 14 bacias hidrográficas e parte dos resíduos sólidos são lançados direto nas

águas dos rios.

Em Belém o PISCSU é um projeto da Rede Social Nossa Belém (RSNB). A RSNB

está conectada com a Rede Latinoamericana por Cidades e Territórios Justos, Democráticos

e Sustentáveis. A RSNB tem como secretaria executiva o Observatório Social de Belém

(OSB).

Após a seleção do estudo de caso, houve coleta de dados primários por meio de

pesquisa documental no Observatório Social de Belém. Consultou-se: Carta de princípios

da Rede Social Nossa Belém (RSNB); Projeto de Incidência da Sociedade Civil na

Sustentabilidade Urbana (PISCSU); Relatório Sintético da Pesquisa sobre o tema Resíduos

Sólidos no município de Belém do Pará (Maio/2015); Relatório da Reunião de Trabalho

para Elaboração do termo de Referência “Ampliação e Operacionalização da Coleta

Seletiva em 03 (três) Bairros no Município de Belém”; e os registros das reuniões e eventos

públicos.

Foram utilizados os seguintes documentos públicos: Edital de Chamamento Público

“Coleta Seletiva para Abastecimento do Centro de Triagem visando Catadores de Materiais

Recicláveis; Projeto Executivo “Contratação Direta de Cooperativa para Serviços de Coleta

Seletiva dos Resíduos Sólidos Urbanos passíveis de Reutilização, Reuso e Reciclagem para

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o Bairro de Nazaré; Contrato de Prestação de Serviços de Coleta e Transporte de Resíduos

Sólidos Recicláveis e Reutilizáveis do Bairro de Nazaré; Termo de Ajuste de Conduta para

Tratamento da Gestão Integrada de Resíduos Sólidos.

O Observatório Social promoveu eventos públicos específicos na temática dos

resíduos sólidos nos anos de 2015 e 2016 nos quais houveram interações entre diversos

atores conforme consta no Quadro 1. Houve nesses eventos observação não participante. Os

conteúdos das falas dos diversos atores participantes destes eventos foram registrados pela

pesquisa e serviram de suporte para a análise dos resultados desta tese. Os conteúdos

selecionados aparecem transcritos ao longo do trabalho.

Outra forma utilizada para coletar os dados foi a entrevista semi-estruturada. Os

sujeitos foram 07 membros-chave da Rede Social Nossa Belém (RSNB) que estavam mais

envolvidos com a temática dos resíduos sólidos. A entrevista visou aprofundar os

desdobramentos da pesquisa documental e dos conteúdos captados nos eventos públicos.

Foi utilizado a observação não participante nos eventos públicos e as entrevistas

semi-estruturadas ao membros da RSNB. A partir destes métodos se buscou clarificar a

compreensão da coprodução na implementação desta polítia pública. Os dados passaram

por análise do conteúdo, sendo determinados trechos inluídos em resultados.

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Quadro 1 - Eventos públicos na área de resíduos sólidos promovidos pela Rede Social Nossa Belém.Título Objetivo Local Participantes

Painel Encerramento do lixão do Aurá e a implantação da Coleta Seletiva em Belém

Contribuir para a construção coletiva de estratégia orientadas ao encerramento do Lixão do Aurá, de forma negociada com pessoas que dele sobrevivem e a implantação da coleta seletiva em Belém, estimulando a inclusão sócio-produtiva dos catadores, já assegurada pela legislação.

Conselho Regional de Engenharia (CREA-PA)

Governo municipal (SESAN), Empresa de Tratamento de Resíduos Sólidos, Catadores, Servidores Públicos, Universitários, Pesquisadores, Jornalistas, Empreendedores Sociais e diversos segmentos da sociedade civil.

Plataforma Monitorando a Cidade

Subsidiar o controle social sobre a gestão pública

Universidade Federal do Pará (UFPA)

UFPA, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Observatório Social de Belém, representantes do governo municipal (SESAN), Catadores de Resíduos Sólidos, Membros da Rede Nossa Belém.

I Painel Cidades Sustentáveis

Contribuir para a divulgação de indicadores de sustentabilidade do Município, relacionados às questões da Mobilidade Urbana e Resíduos Sólidos, dando início aos debates sobre os avanços obtidos e as oportunidades de melhorias da gestão do município de Belém, durante o cumprimento do compromisso governamental com o Programa Cidades Sustentáveis, assinado durante a campanha eleitoral, em todos os seus eixos.

Universidade da Amazônia (UNAMA)

Membros da Rede Nossa Belém, Catadores e governo municipal (SESAN).

Painel Dinheiro no lixo: desafios e oportunidades pós-lixão do Aurá

Demonstrar e debater o cenário ambiental, social e econômico da coleta, transporte e destinação final do lixo de Belém

Ministério Público do Estado do Pará (MPPA)

MPPA, Membros da Rede Nossa Belém, Representante do Governo Municipal, Jornalista, Catadores, Pesquisadores, Estudantes, Gestores Públicos, Cidadãos.

Fonte: Observatório Social de Belém.

4. Resultados

Em Belém foram identificados três espaços públicos voltados a implementação e gestão da

Política Nacional de Resíduos Sólidos. O governo municipal possui um Grupo de Trabalho de

Resíduos Sólidos da região Metropolitana de Belém. O Ministério Público do Estado do Pará realiza

fóruns de debates e reuniões públicas para dialogar sobre esta política pública. Estes dois espaços são

públicos estatais. O Observatorio Social de Belém criou espaço público não estatal o qual denominou

de eventos públicos. Nesses eventos hove diálogo entre entre este observatório com o governo

municipal, catadores, MPPA e demais atores participantes. A considerar a proposição de participação

social feita por Sherry Arnstein (1969), elaborou-se o quadro 01 sobre dialogicidade entre os estes

atores.

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Quadro 1: Dialogicidade no espaço público não estatal de interação entre atores.Participação social Dialogicidade Trecho

Informativa

Plano do governo para implementar a PNRS

“eu acredito que alguns participaram do evento que houve em maio, foi em maio se eu não me engano, maio desse ano, lá no CREA, onde o plano foi apresentado sobre o texto pra alguns, as primeiras ações da prefeitura” (Membro do Observatório Social de Belém).

Medição do indicador do resultado da política

pública

“Então é essa ideia, qual o nosso compromisso porque que a gente acha que um evento desse é importante porque os indicadores são feitos pra gente pensar, tá? (Membro do Governo Municipal).

Cenário ambiental, social e econômico da coleta,

transporte e destinação final do lixo de Belém.

“Hoje a prefeitura de Belém gasta em todos os serviços de resíduos sólidos, lixo domiciliar, entulho, lixo hospitalar, abertura de valas, roçagem, capinação, raspagem de meio fio, pintura de meio fios e postes, manutenção das comportas, aluguel de equipamentos e máquinas para manutenção de aterro sanitário no Aurá, com aterro sanitário lá da revita que é de Marituba há um entorno de doze milhões de reais” (Membro do Governo Municipal).

Consultiva

Estratégias ao encerramento do lixão e implantação da coleta

seletiva

“Eu queria fazer um resgate até desse ano que observatório participou ativamente nas discussões que foi a ocasião do foco do encerramento do lixão do Aurá” (Membro do Observatório Social de Belém).“nós vamos discutir os indicadores e as demandas, especificamente, uma discussão sobre o ponto de vista da questão da coleta seletiva” (Membro do Observatório Social de Belém)..

Delegativa Inclusão dos catadores na coleta seletiva

“A coleta seletiva é algo muito mais complexo, ela requer que nós possamos ter acesso a pessoas que estavam sucessivamente em uma condição de exclusão, sobretudo daqueles que estavam em cima do lixão do Aurá, que eles possam ser tirados daquela condição e adequadamente colocados numa outra situação” (Membro do Governo Municipal).

Deliberativa

Remuneração do trabalho das cooperativas na coleta

seletiva

“Muito engraçado isso, quer dizer que não pode remunerar o catador, não pode ter uma caçamba pra tirar o material reciclado, tá cuidando tá gerando renda, a gente não tá pedindo aqui um favor, nós estamos pedindo nossos direitos” (Catador de resíduo sólido).“A prefeitura de Belém não tem que remunerar a tarefa da coleta seletiva, ela deve subsidiar porque é apoio, porque se nós remunerarmos nós estamos escravizando as pessoas... é esse debate que eu quero fazer com vocês, de termos como parceiros, não para remunerá-los, se nós comprarmos parte da produção de vocês, vocês podem com o resultado desta mesma quantidade de resíduo que vocês vão poder comercializar o resto, o excedente desse material ter o rendimento subsidiados” (Membro do Governo Municipal).“é necessário remunerar o trabalho que está sendo feito nas cooperativas de catadores... a legislação já prevê, a questão da remuneração desse trabalho, então o que que a gente tava querendo propor, um, como organização, hoje já se paga pra se transportar um lixo para o Aurá, hoje já se vê o custo de pegar hoje o lixo e se levar ao Aurá, o que a gente tá propondo é que se remunere as cooperativas na atividade de coleta com a diferença em vez de jogar no Aurá e pagar sessenta reais, esse lixo vai ser vendido gerando renda pros próprios cooperados, então já dá uma solução” (Membro do Observatório Social de Belém)..

Apoio aos catadores e cooperativas

“as cooperativas necessitam de assessoria jurídica, de infraestrutura, de apoio, inclusive a lei diz que é apoio, mas apoio adequado. Nós não conseguiríamos fazer com que as cooperativas desenvolvam-se só oferecendo pra elas somente uma caçamba, isso é muito pouco, somente dando aluguel, isto é insuficiente, é necessário dar conhecimento, é necessário dar muito mais do que um simples abrigo ou simples transporte... não é possível a gente entender que a prefeitura de Belém vai ter grana suficiente pra apoiar completamente a operação, a legislação fala em um apoio e a gente tem que dar condições de subsídios pra que o sistema se realize porque em dois ou três anos a nossa expectativa é que as empresas cooperativas estejam aptas a ter uma coisa que é muito séria, que é a autonomia no sentido de ter liberdade de poder prosperar sozinha” (Membro do Governo Municipal)

19

“se a nossa cooperativa ainda existe foi porque uma comunidade, uma igreja, nos apoiou, a igreja que está cedendo um espaço pra gente, pra gente fazer a coleta do material, ajuda a divulgar, dentro das novenas... a prefeitura dá apoio e nós não tem apoio... a minha pergunta pra você mediante dessa situação, é de que forma o governo tem hoje, de um plano de ação pras cooperativas como você mesmo disse a mais de vinte anos a fio, você conhece” (Catador de Resíduos Sólidos).“A finalidade é que a gente encerre esta reunião de hoje com uma proposta de agenda com um grupo, com um coletivo. E que essa rede possa servir como uma rede de apoio, como tem sido ao longo do tempo em várias áreas” (Membro do Observatório Social de Belém).

Decisória

Compromisso do governo municipal com programas

e projetos da sociedade civil

“Apresentamos à época pros dez candidatos e oito candidatos assinaram a carta compromisso com o Cidades Sustentáveis inclusive os dois candidatos que passaram para o segundo turno, aderiram a esse compromisso... o compromisso que a gente espera colocar aqui é o mesmo compromisso que foi assinado durante a campanha eleitoral. Um, divulgar os indicadores. Dois, realizar esses momentos públicos pra dizer aqui avançamos, aqui não avançamos. Ser sincero nas limitações, mostrar o que o a administração pode fazer. E outro, estimular a participação, estimular a participação não significa pedir uma ajuda vaga, mas especificamente reunir pras discussões (Membro do Observatório Social de Belém).

Contratação de cooperativas para o

serviço de coleta seletiva

“a proposta original da Sesan não era nem contratar cooperativa, era contratar uma empresa que iria fazer coleta seletiva... a primeira vez que ocorreu foi esse ano a contratação de uma cooperativa” (Membro do Observatório Social de Belém).“Hoje nós temos sessenta catadores incluídos contratados na CONCAVES, contratados pela prefeitura para realização de dois serviços: um, de educação ambiental e o outro de coleta de recicláveis no bairro de Nazaré... um edital, o que que a prefeitura fez, ela publicou um edital, colocou na internet, colocava para todas, todas as organizações, e no entanto só uma se habilitou, daí a necessidade de termos nessas ações o apoio jurídico, porque tem cooperativa e tem associações que não tem condições sequer de receber um chamamento da prefeitura... é que na verdade como foi pensado a coleta porta-a-porta, ela não se realiza plenamente como um modelo mais adequado pra coleta de resíduos da coleta seletiva, porque ela requer uma atividade intensiva e complexa. Ela tem que ser diária. As pessoas tem que passar um roteiro diário pra coleta, seja ele no bairro inteiro. E intensiva porque eu tenho duas atividades: uma, é da educação ambiental e a outra é da coleta em si, do recebimento desse resíduo” (Membro do Governo Municipal).“você colocou aqui dentro, nós já temos uma base de conhecimentos da cooperativas que já existem, foi uma cooperativa contratada, apenas, diante de todas as outras no edital que foi lançado, que inclusive foram dois dias apenas, dois a três dias que esse edital ficou e nesses dois dias nós estávamos em reunião com você, porque nós tínhamos uma cooperativa totalmente organizada pra entrar em parceria também nessa contratação do edital, então é difícil pra gente lidar com essa falta muitas das vezes de comunicação com o catador, nós estamos tentando sim nós organizar com todas as atividades” (Catador de resíduos sólidos).

Controlatória

Contratual “hoje nós já temos cópia dos contratos de lixo, a gente tá estruturando um grupo pra estudar pra ver os custos onde pode fazer corte, redução e tudo mais” (Membro do Observatório Social de Belém).

Diagnóstica

“o objetivo da apresentação, e a gente espera do poder público, é a sinceridade. É a sinceridade pra dizer se não está conseguindo, dizer os avanços que foram obtidos, os avanços que ocorreram nós dissemos que há. E também reconhecer as limitações, então o que a gente espera do poder público é exatamente essa sinceridade de dizer os desafios que tem pra enfrentar” (Membro do Observatório Social de Belém).

Outputs “o representante da prefeitura vai comentar em cima dos indicadores, vai mostrar os avanços obtidos, os desafios encontrados, as dificuldades que vai ter” (Membro do Observatório Social de Belém)..

Fonte: Dados da pesquisa

20

Observam-se dentre as diversas formas de participação social, que a participação

social coprodutiva vai além da participação informativa e consultiva. Ela é entendida a

partir disso, como a participação social no processo dialógico em espaços públicos

decisórios e controlativos na gestão de políticas públicas.

Matia e Zappellini (2014) enxergam a democracia deliberativa a partir da

participação social por meio dos processos dialógicos. Se demonstra com os dados da

pesquisa que a dialogicidade entre governo municipal, catadores de resíduos sólidos e

Observatório Social de Belém tem nos seus aspectos deliberativos os principais

conteúdos de dissenso, dentre eles: remuneração do trabalho dos catadores e formas de

apoio da prefeitura as cooperativas. Neste ponto, fica evidente que a divergência de

opinião é uma característica importante do diálogo na deliberação pública.

Em termos de participação do Observatório, constata-se o seu papel de mediador

do debate público. Ela é quem explica a dinâmica do espaço público e equilibra as vozes

dos demais participantes. O Observatório atua conforme estabelece Mattia e Zappellini

(2014) no tocante a uma cidadania deliberativa que retrate interações entre sujeitos em

processos de discussão atenta a inclusão e igualdade participativa

Os catadores de resíduos sólidos buscam esclarecer sobre a sua forma de se

comunicar para participarem do diálogo. Eles argumentam que possuem formas de se

expressar e conversar peculiares e pouco compreendidas por outros atores.

“os catadores que hoje estão tentando ver sua organização dentro de cooperativa, são as pessoas que estavam à margem da sociedade, pessoas que não tem conhecimento, cobrar uma forma madura de postura diante de uma situação como essa, deles é difícil, porque catador que nunca sentou às vezes dentro de uma sala de aula não sabe se expressar exatamente de forma que de uma pessoa que sentou numa escola, fez uma faculdade e que não fez, tá certo que educação tem dentro de casa mas não são todas as famílias que são estruturadas pra passar essa educação pros seus filhos, e isso são conceitos que estão se perdendo, valores que se perderam e que dentro da sociedade que a gente vive é bem difícil” (Catador de Resíduos Sólidos).“o que a gente busca hoje é esse reconhecimento e valorização do nosso povo, mediante a imagem do catador hoje, nós não somos incluídos do governo, muitas vezes pela grosseria, estupidez que nós enquanto catadores chegamos, com os nossos representantes é por não saber conversar por não saber se expressar, mas que não se leve pro lado pessoal, pra que não se leve de uma forma totalmente desfigurada do que a gente tá querendo se apresentar, é a nossa forma de se expressar, é a nossa forma de portar” (Catador de Resíduos Sólidos).

21

Os eventos públicos possibilitaram a realização de um diagnóstico

compartilhado do desafio público a ser enfrentado na implementação da política pública

de resíduos sólidos em Belém. A coleta de dados possibilitou identificar os itens

demonstrados na Quadro 2. Uns vinculam-se a uma perspectiva intraorganizacional

como o sistema de indicadores públicos e a gestão da cooperativa. Outros são desafios

coprodutivos advindos da necessidade de articulação entre atores na reciclagem e coleta

seletiva de resíduos sólidos.

Quadro 2: Panorama diagnóstico compartilhado do desafio público.

Item Diagnóstico CompartilhadoTransparência dos indicadores de avaliação da política pública

“A prefeitura vem avançando neste trabalho de reconstrução de todo sistema de gestão de resíduos sólidos de Belém. A série histórica do indicador é uma série que agente vem, a prefeitura de Belém, trabalhando com enorme dificuldade para reconstruir um sistema de indicadores de gestão” (Membro do Governo Municipal).

Articulação entre atores da cadeia de produção de recicláveis

“Hoje nós estamos trabalhando efetivamente com a dificuldade na operação de fazer com que toda a cadeia se restabeleça. Hoje a nossa cadeia de produção de recicláveis está estraçalhada e é parte do papel da prefeitura recuperar essa cadeia produtiva” (Membro do Governo Municipal).

Articulação entre atores da cadeia da coleta seletiva

“Nós precisamos fazer com que a coleta seletiva tenha passos mais precisos pra que ela se realize, porque não é só pegar esse resíduo da mão do morador, é necessário que toda a cadeia se realize, é necessário que esse resíduo seja transportado, condicionado de forma adequada, dado o destino final de forma adequada que é a comercialização, no caso, quando é resíduo destinado ao aterro sanitário, pra que o resultado dele se realize de novo dentro da cadeia de serviços de coleta seletiva (Membro do Governo Municipal).

Recursos financeiros para participação de catadores

“se hoje eu venho pra cá foi com o dinheiro que eu tirei do material lá atrás, vinte centavos, cinquenta centavos que eu fui acumulando, todos os catadores aqui veem isso, com toda a dificuldade vem pra cá, com o dinheiro da passagem certo, porque nem da comida tem” (Catador de Resíduos Sólidos).

Gestão de cooperativas “Alguns caminhões que foram doados para as cooperativas em governos anteriores, hoje estão sucateados, porque as cooperativas não tem verba suficiente nesse modelo de gestão ruim que eles tem hoje, condições de se manter. As cooperativas tem que ter gestão, uma contabilidade, planejamento, capacitação” (Membro do Governo Municipal).

Plano de gestão de resíduos nas feiras

“As feiras e mercados precisam de um novo plano de gestão de seus resíduos, porque a gente passa pela feira do Guamá, passa pela feira da Batista Campos, passa por qualquer” (Membro do Governo Municipal).

Recuperação do parque produtivo do Aurá

“[...] nós precisamos recuperar o parque produtivo do Aurá. O Aurá ainda tem resíduo, que muitos especialistas dizem que a gente não deve tocar mão neles, outros dizem que a gente deve fazer o aproveitamento daquele material de forma industrial ainda tem uma aptidão pra tratar de materiais recicláveis. A nossa proposta é que naquele lugar nós possamos trazer os investimentos para atrair empresas que possam trabalhar com reciclagem de resíduos” (Membro do Governo Municipal)

Fonte: Dados da pesquisa.

22

No evento público “Painel Encerramento do Lixão do Aurá e a Implantação da

Coleta Seletiva em Belém” foi constituído um arranjo para acompanhar, de forma

apartidária e propositiva, (a) o processo de encerramento do “Lixão do Aurá”, de

maneira negociada com as pessoas que dele sobrevivem, (b) o processo de contratação

de solução alternativa para destinação final dos resíduos sólidos domiciliares de Belém,

e (c) o processo de contratação preferencial das organizações de catadores para coleta

seletiva de Belém, como as demais ações de inclusão sócio-produtiva.

A reunião de trabalho para elaboração do termo de referência “ampliação e

operacionalização da coleta seletiva em 03 (três) bairros do município de Belém” foi o

espaço público de design do serviço público. O codesign de serviços públicos é uma das

tipologias de coprodução trabalhadas por Bovaird e Loeffler (2013). Nestes arranjos a

interação entre agentes públicos e sociedade civil não se restringe a produção, mas

incorpora o planejamento e a prestação de serviços públicos. O Observatório Social

atuou com o propósito de prestar assistência técnica e moderou a realização desta

reunião. Nela houve apresentação da análise do termo de referência, pactuação dos

conteúdos a serem inseridos neste termo e no plano básico do serviço de coleta seletiva.

Neste espaço público ocorreu design de ações, produtos e metas para o programa

de educação ambiental, coleta seletiva porta-a-porta e em estabelecimentos. Estes

serviços serviram de base para o design da licitação e do contrato de prestação de

serviços de coleta e transporte de resíduos sólidos recicláveis e reutilizáveis. Houve a

contratação da Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis (CONCAVES) para

prestar esses serviços públicos.

O evento público “Dinheiro no Lixo: Desafios e Oportunidades Pós Lixão do

Aurá” criou uma espaço público de avaliação para aprofundar o debate sobre a situação

de operação do novo aterro sanitário, propuseram-se caminhos para ampliar a coleta

seletiva em termos de área de abrangência e número de cooperativas contratadas,

questionou-se as ações do governo para educação ambiental de redução da produção de

resíduo gerado pela população.

O “Painel Cidades Sustentável” constituiu um espaço público de avaliação dos

resultados da implementação da PNRS. Ela avaliou indicadores de resultado na

perspectiva de avanços, dificuldades, limitações, desafios e possibilidades. Trata-se de

um espaço aberto à participação, moderada pela sociedade civil, na qual se

23

compartilham informações, sugestões e críticas a implementação da Política de

Resíduos Sólidos.

A dinâmica do espaço coprodutivo envolve pelo menos quatro momentos: (1)

esclarecimento dos objetivos propostos e apresentação do programa e/ou projeto ao qual

a ação da sociedade civil vincula-se; (2) apresentação do governo municipal e de outros

atores sobre a temática específica em questão; (3) Debates e propostas de enfrentamento

do desafio público clarificado; (4) Encaminhamentos em termos de deliberação e

formação de grupos de trabalho de controle social dos compromissos assumidos pelo

governo municipal.

“A apresentação do governo municipal tem o objetivo de dizer em cima dos indicadores os avanços que foram obtidos, se não está conseguindo, reconhecer as limitações e os desafios que tem pra enfrentar, mostrar o que a administração pode fazer, estimular a participação nas discussões. [...] agente quer compartilhar informações e também captar todas as informações, sugestões e críticas que por ventura venha. Agente vai avançar muito mais no debate que eu vou moderar. [...] não adianta o município trabalhar de forma isolada se não souber comunicar com a população e pra parte da rede. [...] se você não souber dialogar é muito difícil você construir uma solução” (Membro da Rede Nossa Belém).

O diálogo entre os atores no espaço público envolveu os seguintes indicadores:

(a) a coleta seletiva refere-se ao percentual de domicílios que dispõem de coleta seletiva

em relação ao total de domicílios; (b) a inclusão de catadores no sistema de coleta

seletiva significa o percentual de catadores incluídos no sistema de coleta seletiva, em

relação ao número total de catadores do município; (c) a quantidade de resíduos sólidos

per capta é calculado pela média anual de resíduo urbano, em quilos, por habitante; (d) a

reciclagem de resíduos sólidos é o percentual de resíduos sólidos que é reciclada, em

relação ao total produzido na cidade por ano; (e) os resíduos depositados em aterro

sanitário condiz ao percentual de lixo da cidade que é depositado em aterros sanitários

por ano, em relação ao total de lixo gerado.

O diálogo avaliativo de um programa governamental demonstrou que o governo

municipal reconhece que não faz a inclusão dos catadores e que precisa de um novo

programa pra apoiá-los. Corroborando com isso, o Observatorio Social avalia que o

atual programa do governo de capacitação dos integrantes de cooperativas não os

qualifica para a atividade do dia-a-dia. Na avaliação dialógica emergem múltiplas

compreensões da política pública, como no caso específico a interpretação de inclusão 24

dos catadores. Incluir faz referência a participação dos catadores nos serviços de coleta

seletiva, no governo local de resíduos sólidos e/ ou na sociedade?

“Nós não estamos fazendo a inclusão de fato. Nós precisamos de um novo programa de apoio aos catadores, para que esses indicadores sejam de fato verdadeiros. [...] este é o debate que agente quer, como a gente pode pensar num novo modelo que possa estabelecer para os catadores, inclusive aqueles que não estão estabelecidos dentro de associações e cooperativas porque o desafio não é trabalhar com associações e cooperativas que querem melhorar, que querem se desenvolver, que querem ter o estatuto, o desafio é trabalhar com aquele que é avulso, que é o catador que está perambulando pelas ruas, doente, viciado, marginalizado, faminto. Ele não tem noção de coletividade” (Membro do go Governo Municipal).“Ao longo do tempo houve capacitação, existe capacitação para você se organizar, pra você se solidário, mas pra atividade do dia-a-dia isso aí não foi implantado, na nossa visão, não, ainda não. É necessário que os programas não só façam os eventos de capacitação do catador, mas que coloque profissionais para dar o suporte” (Membro da Rede Nossa Belém).

As decisões tomadas na espaço público tem que ter seus desdobramentos

continuamente avaliados. O Observatório Social incidiu para contratação de catadores

organizados em cooperativas por parte do governo municipal. A primeira cooperativa já

foi contratada e realiza os serviços de educação ambiental e coleta de recicláveis. Uma

preocupação compartilhada diz respeito a sustentabilidade deste e de outros contratos a

serem celebrados, em especial na capacidade das cooperativas superarem os problemas

e terem autonomia de gestão. Neste sentido, os catadores demandam um plano de ação

para as cooperativas e melhoria na comunicação do governo com o catador. Eles

também relatam a dificuldade financeira para a sua participação na arena coprodutiva.

As decisões na arena coprodutiva resultam na necessidade de criação de arranjos

de sua implementação. O Observatório Social ressalta a preocupação com o

cumprimento da nova legislação da cooperativa. O governo sugere a criação de um

arranjo para legalizar e organizar as cooperativas.

“A nova lei de cooperativas estabelece um vínculo trabalhista entre pessoa, o cooperado, não o cooperado, se a cooperativa não estiver toda ok, existe risco da justiça do trabalho reconhecer o vínculo trabalhista e se a justiça do trabalho reconhecer o vínculo trabalhista e houver um passível trabalhista e a cooperativa não tiver condições de pagar que vai pagar é o município” (Membro da Rede Nossa Belém).“Vamos montar um grupo de trabalho, vamos pensar toda a cooperativa que tiver legalizada, redondinha, e a gente tá construindo isso junto com o pessoal que pode ser inclusive aqui na Unama, pode ser na Federal, não pode ser só na Cesupa, vamos organizá-los, porque desorganizados do jeito que vocês estão é ilegal passar dinheiro pra vocês. É ilegal. Pegar uma caçamba e colocar à disposição de vocês não é a melhor forma de emancipa-los, pelo contrário, é escravizante” (Membro do Governo Municipal).

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O governo sugere que as cooperativas devam funcionar como empresa, inclusive

a sua gestão e que devem ver a coleta seletiva como um negócio. Os catadores

reconhecem que precisam de uma gestão de qualidade e integrar a esta advogado e

contador.“a coleta seletiva tem que ser vista como um negócio e se seu negócio não se realiza não é a prefeitura que vai viabilizar o negócio... [...] “Agente tem total conhecimento enquanto catador que isso é errado, transportar catador em cima de caçamba, coleta de material é um risco, só que tudo isso que tu falou, nós temos noção disso, mas como você disse precisamos de uma gestão de qualidade, precisamos pra ter a gestão de qualidade nós temos que ter advogado, contador. [...] numa elaboração de uma gestão de qualidade pra formação dessa cooperativa pra organização dessa cooperativa, gente por favor, encontrar meios que possam, que em vez de pagar um aluguel por mês que se vai num valor de trinta, quarenta mil, aquele material não tem condições de repor, por que não organizar essa cooperativa na responsabilidade pra que esse dinheiro seja investido em algo próprio pra aquela cooperativa, que eles mesmos possam tá organizados pra manipular seja nisso, seja naquilo” (Catador de Resíduos Sólidos)

Um arranjo de gestão é um caminho para a efetividade da decisão de contratação

de uma cooperativa para prestação de serviço de coleta seletiva. Ele deve aprofundar a

compreensão da gestão em seus múltiplos aspectos sociais, jurídicos e gerenciais. A

empresarização do movimento de catadores para terceirizerem serviços públicos se

apresenta aqui como uma alternativa do governo para desenvolvimento da

independência, autonomia e emancipação dos catadores.

No espaço público são evidenciadas as corresponsabilidades dos atores, com

destaque para a sociedade. No debate da redução da quantidade média anual de resíduos

urbano, em quilos, por habitante elucidou, de acordo com os trechos a seguir, o

consumismo irresponsável, a falta de consciência do desperdício de matéria prima e de

que esses recursos são limitados e não renováveis. De acordo com o governo municipal,

a sociedade não entende o trabalho dos catadores e seu impacto na cidade. “Nós jogamos resíduo pela janela todos os dias, nós jogamos fora matéria prima. A sociedade está numa linha de consumo de tal irresponsabilidade que não tem mais noção do que está fazendo, não só com o papel, não só com o papelão, mas com o vidro também. [...] em Belém temos um índice per capta muito alto e nós temos que entender isso. E mais, ao diminuir essa quantidade de resíduo por capta nós estamos emprego e renda. [...] não temos enquanto sociedade a noção do desperdício, não temos a consciência que nossos recursos são limitados escassos e não renováveis. [...] a sociedade precisa entender o trabalho dos catadores, boa parte da sociedade não sabe. Não estamos trabalhando para que a nossa população esteja entendendo que o trabalho da coleta seletiva e o trabalho dos catadores é justamente para melhorar e fazer com que o índice per capta caia. [...] a sociedade não sabe que não pode misturar o orgânico com o reciclável, ela não sabe que no

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instante que deposita madeira ou resto de construção civil está encarecendo os seus próprios custos, não estamos trabalhando pra que a destinação dos nossos resíduos seja adequada. (Membro do Governo Municipal).

Na arena problemas e desafios são clarificados, inclusive a necessidade de outras

arenas. A discussão sobre o aumento do percentual de resíduos sólidos que é reciclada

demonstra problemas com a cadeia de produção de recicláveis e pouca reciclagem no

município. Contudo, o trecho a seguir demonstra o desafio de informações

sistematizadas e de debate para reaproveitar os resíduos sólidos em diversos territórios. “tudo que agente produz, tudo, imagina uma cidade de quase dois milhões de habitantes, vinte e quatro horas produzindo resíduo, tudo o que agente produz agente só recicla 0,3. [...] o nosso trabalho, da prefeitura de Belém é justamente ampliar esse número de resíduos per capta recicláveis” (Membro do Governo Municipal)

A arena possibilita a participação de pessoas historicamente excluídas dos

processos de planejamento público estatal e serve também para questionar a pertinência

do indicador. O debate do indicador percentual de lixo da cidade que é depositado em

aterros sanitários nos mostra descontinuidades na política pública municipal advindas da

mudança de governo. Ele também realça a importância social do encerramento dos

lixões a céu aberto, previsto pela PNRS. Contudo, aumentar o depósito de resíduos

sólidos no aterro sanitário pode significar maiores custos a sociedade e não inclusão

sócio-produtiva do catador.“Então aterro sanitário do Aurá, ele já foi aterro sanitário. No primeiro, como foi a história, começou o governo Hélio Gueiros, o governo Hélio Gueiros implantou esta estrutura, o governo Edmilson Rodrigues veio e cooperou lá com excelência, não é à toa que os programas e projetos foram premiados mundialmente, justiça seja feita durante os anos do Edmilson Rodrigues o aterro do Aurá funcionou redondinho, ponto, esse é um fato. [...] depois a história não foi a mesma, nós tivemos durante oito anos sucessivas negligências, sucessivas irresponsabilidades com o aterro. Qual o resultado disso? As células se uniram, os leitos de secagem não funcionavam mais, a lagoa de chorume simplesmente transbordou, a invasão, perderam a topografia, perderam os pontos de conexão de gás, uma confusão e isso foi até dia vinte e seis de julho deste ano. [...] o Aurá é um lugar horroroso e que as pessoas se multilavam em busca de restos, de reciclável, quando um caminhão basculhava, ou quando o trator vinha espalhar, as pessoas fazem reuniões lá e as pessoas vão lá participar sem uma perna, sem braço, eram envoltos nas moscas, aos ratos, aos cachorros numa condição degradante, sub-humana, inaceitável, terrível. [...] somente em junho de dois mil e quinze conseguimos cumprir a implantação do aterro sanitário. [...] em dois mil e quinze nós fizemos a abertura do aterro sanitário licenciado. [...] o resíduo depositado em aterro sanitário para nós, além de ser caro, nos tira emprego e renda, porque nós poderíamos estar trabalhando em cadeias produtivas de resíduos” (Membro do Governo Municipal).

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5. Considerações finais

A relação entre sociedade civil, estado e mercado pode ocorrer em um espaço

público não estatal, criado pela sociedade civil. Neste espaço os diversos atores se

mantem informado pelo governo, mesmo que as vezes não se tenha plena transparência

pública. Os atores participantes do espaço público dialogam na busca de uma gestão

social de políticas públicas. Nesta forma de gestão, fundamentada por uma cidadania

deliberativa na esfera pública, os atores buscam a tomada de decisão coletiva. Isso

ocorre em meio a opiniões divergentes, conflitos pela forma de comunicação e

múltiplos entendimentos interpretativos da política pública. O espaço tende a ser

coprodutivo na medida em que a dialogicidade culmina em deliberação, decisão pública

e controle social.

O caso do Observatório Social de Belém criou um espaço de interação público

não estatal. Esse espaço tem em sua dinâmica momentos com participação social

meramente informativa e consultiva sobre o andamento da política pública. Ele também

possui momentos de diálogo, cuja finalidade é a proposição de caminhos à política

pública. O caso também revela que a inclusão social na esfera pública de pessoas

historicamente excluídas do processo de tomada de decisão pública requer a

compreensão de suas formas peculiares de se comunicar.

Com isso, a gestão da Política Nacional de Residuos Sólidos em Belém possui

um espaço intermediário de diálogo o qual procura adequá-la a territorialidade local. Ele

também se apresenta como um espaço de incidencia de catadores e do Observatório

Social na trajetória desta política pública. Somado a isso, ele também serve para que se

cobrem os direitos conquistados com a lei e a transformação para melhor da cidade onde

se vivem.

São recomendadas futuras pesquisas sobre espaços coprodutivos não estatais,

formas de interação entre os diversos espaços públicos territoriais (estatais e não

estatais) e o papel cidadão em espaços públicos. Com isso se vislumbra a contribuição

da gestão social para o avanço do entendimento da dialogicidade na coprodução da

gestão de políticas públicas.

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Referências

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