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CURSO DE DIREITO DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA AGOSTINHO GENTIL JUNIOR R.A n.º 464506 / 1 TURMA: 3209R nº 01 FONE: 5543-7281 E-mail: [email protected] São Paulo 2006

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CURSO DE DIREITO

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

AGOSTINHO GENTIL JUNIOR R.A n.º 464506 / 1

TURMA: 3209R nº 01 FONE: 5543-7281

E-mail: [email protected]

São Paulo 2006

AGOSTINHO GENTIL JUNIOR

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito sob a orientação do Professor: Fabrizzio Matteucci Vicente.

São Paulo 2006

2

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 1

1. PERSONALIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.................................... 3

1.1 Surgimento da pessoa jurídica...................................................... 3

1.2 Conceito de pessoa jurídica.......................................................... 7

1.3 Conseqüência da personalização................................................. 9

1.4 Evolução do conceito.................................................................... 11

2. ORIGENS DA DESCONSIDERAÇÃO E DE SUA TEORIA............... 13

2.1 O problema da pessoa jurídica.................................................... 13

2.2 A origem da desconsideração...................................................... 15

2.3 A origem da teoria........................................................................ 17

2.4 Introdução da teoria no Brasil....................................................... 19

2.5 Positivação da desconsideração no direito brasileiro................... 22

3. A DESCONSIDERAÇÃO E SUAS TEORIAS.................................... 25

3.1 Dificuldades conceituais.............................................................. 25

3.2 Teoria subjetiva........................................................................... 27

3.3 Teoria objetiva............................................................................. 29

3.4 Teoria maior da desconsideração............................................... 31

3.5 Teoria menor da desconsideração.............................................. 32

3.6 Outras considerações................................................................. 35

4. DESCONSIDERAÇÃO – ASPECTOS GERAIS................................ 37

4.1 Classificação................................................................................ 37

4.2 Intensidade da desconsideração................................................. 39

4.3 Extensão da desconsideração..................................................... 40

4.4 Natureza jurídica.......................................................................... 41

3

4.5 Aspecto processual...................................................................... 43

4.6 Provas........................................................................................... 45

5. A DESCONSIDERAÇÃO E SUAS APLICAÇÕES.............................. 47

5.1 Desnecessidade de regulamentação............................................ 47

5.2 Direito de família........................................................................... 47

5.3 Direito falimentar........................................................................... 48

5.4 Direito tributário............................................................................. 48

5.5 Direito do trabalho......................................................................... 51

5.6 Meio ambiente............................................................................... 53

5.7 Direito do consumidor.................................................................... 54

5.8 Lei Antitruste.................................................................................. 57

5.9 Código Civil – artigo 50.................................................................. 58

6. CRÍTICAS E CONSIDERAÇÕES........................................................ 61

CONCLUSÃO.......................................................................................... 64

BIBLIOGRAFIAS..................................................................................... 66

4

INTRODUÇÃO

Trata-se de uma monografia de caráter acadêmico, em que se propõe

conhecer e identificar os diversos componentes da chamada teoria da

desconsideração da personalidade jurídica.

A grande dificuldade na busca desses componentes é a sua pulverização

nos mais diversos ramos do direito. Esse obstáculo, a princípio, leva a uma

expansão dos limites na exposição de um tema dessa dimensão, todavia optou-se

em se identificar elementos em comum ao direito, como um todo, e a partir desta

formulação básica, estabeleceu-se um sentido de direção no qual o trabalho foi

pautado. As divagações teóricas, práticas e legais são sempre observadas à luz de

uma teoria proposta originalmente.

Sendo um trabalho focado à introdução ao tema, pretendeu-se

inicialmente investigar a própria formulação da pessoa jurídica, bem como do

escopo histórico do surgimento de sua desconsideração. Esses temas, apesar de

correlatos, deverão ser entendidos apenas como preâmbulo à investigação

realizada.

Este estudo foi desenvolvido, essencialmente, através de pesquisas

bibliográficas e de alguma pesquisa jurisprudencial. Longe de abordar todas suas

nuances, não poderia ser realizado de outra forma, pois ainda não se trata de uma

teoria aceita e interpretada de forma universal. Cada autor estudado apresenta um

ponto de vista, uma característica ainda não explorada ou debatida. Como não se

tem uma doutrina unitária, seu estudo fica diluído. Se doutrinariamente é assim, na

jurisprudência essa divergência de pensamentos tende a se multiplicar. Portanto,

optou-se em trazer aspectos que, de certa forma, podem representar uma

formulação doutrinária abrangente, e no seu prosseguimento, não deixa de se

observar as peculiaridades de cada ramo do direito.

5

A abordagem desse tema é fruto da semente plantada nas primeiras

aulas de Direito Civil, quando se falava de pessoa. Tendo o direito como finalidade a

solução de conflitos, como esses poderiam ser resolvidos sobre direitos inerentes à

pessoa, no caso, de direitos da pessoa jurídica?

Não é por acaso que esse é um tema atual, campo de atuação

diversificada e de conseqüências importantes no dia-a-dia. Vislumbra-se uma área

aberta a novas interpretações, tanto no direito público como no privado, bem como

ocorrência de novas disposições legais, derivadas da preocupação de se coibir

abusos e elisões de responsabilidade.

Diante de novas realidades, num mundo imerso em tecnologias e

mudanças, destaca-se a importância do domínio de temas atuais, que possam

capacitar o profissional do direito na correta e precisa avaliação do que é essencial e

do que é supérfluo.

6

1. PERSONALIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

1. 1 Surgimento da pessoa jurídica

Não se tem a pretensão de desenvolver a fundo a questão da pessoa

jurídica ou das conseqüências de sua personificação, porém é de fundamental

importância tratar desse tópico de forma introdutória, seguindo a lição do professor

Marçal Justen Filho de que indagar sobre a desconsideração de personalidade

jurídica exige estudar, preliminarmente, o que é uma pessoa jurídica – ou mesmo o

que é desconsideração de uma pessoa jurídica.1

Determinados conceitos puramente abstratos estão hoje tão alocados em

nosso cotidiano, que deixamos de questioná-los ou tampouco entendemos como e

por que se chegou a tal realidade. A noção de pessoa jurídica como um ser dotado

de vida própria, incrustado não só nas mentes como também nos próprios sistemas

jurídicos, é um desses fenômenos sociais.

O direito é, de certa forma, um reflexo das necessidades humanas no

ordenamento de suas relações. Quando a atividade mercantil saiu do campo

individual, em que uma única pessoa negociava com terceiros e era responsável

pela transação, e passando pelas necessidades da era moderna, a se utilizar de um

agrupamento de esforços e capitais, houve então o surgimento dessa nova figura.

A noção de pessoa jurídica se modifica com o decorrer do tempo. A idéia

que vigorou até o início do século XIX abrangia exclusivamente as entidades que

transcendessem a individualidade, tanto no tocante à duração como aos objetivos.

Eram desconhecidos agrupamentos personificados com fins egoísticos. Podiam-se

reconhecer a personificação e assimilação ao ser humano daquelas entidades que

se mantinham de forma duradoura – e assim se mantinham porque eram

inconfundíveis com os homens que as integravam. A Igreja, a Comuna, a

1 Marçal Justen Filho, Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, p.12.

7

Corporação e a Fundação acabavam por ser reconhecidas como pessoas por não

serem fenômenos circunstanciais.

Na esteira do nascimento do Estado de Direito, em que o próprio Estado,

com a separação de poderes, se sujeita ao direito, há na França a edição do Código

Civil (1804) e do Código Comercial (1808), visando a disciplinar todas as atividades

dos cidadãos. Não ocorre ainda o salto da noção de pessoa jurídica, mas nesse

período a evolução das relações comerciais se dá de forma cada vez mais dinâmica.

Com o advento da Revolução Industrial e sua expansão para a Europa

continental, há a necessidade de grandes capitais para o êxito empresarial. O

feudalismo agrário e o corporativismo medieval na vida urbana já tinham sido

superados. A classe burguesa firma-se como classe dominante, porém o capital

individual torna-se insuficiente para essa nova empreitada. A junção de esforços

entre esses capitalistas acarreta em um novo e inesperado obstáculo; de um lado, o

receio de intervenção estatal na neo-economia; de outro, o medo de investir somas

elevadas no negócio e ainda assim permanecer com o risco de comprometer o

restante do patrimônio privado, pela responsabilidade subsidiária ilimitada.

Assim, seguindo a filosofia liberal, que encoraja a iniciativa individual ao

atribuir ao Estado a função de realizar a segurança jurídica, bem como a idéia de se

preservar e promover a produção, gerando novas riquezas e postos de trabalho,

desaguamos na noção de pessoa jurídica atual e sua personificação. Esse novo

regime jurídico corresponde à noção de sanção positiva proposta por Norberto

Bobbio, isto é, uma forma de estimular a realização de associações, promovendo um

maior desenvolvimento da atividade econômica.

Historicamente, observa-se a positivação do direito, consistente na

dissociação entre fontes materiais e formais. É a substituição do costume como

elemento produtor de normas jurídicas, institucionalizando o Estado como tal.

Enfim, o fundamento da validade da norma jurídica deixa de ser a força do passado

para tornar-se localizável na vontade humana, adaptável às novas realidades

8

sociais.2 O entendimento de que a necessidade da generalização da

personificação societária era muito mais afeita aos interesses de uma burguesia

preocupada com o intervencionismo estatal do que ao ideal de preservação e

expansão de entes coletivos é conseqüência dessa nova ordem.

A consagração da personalização se dá no ambiente das sociedades

anônimas, utilizadas como instrumento primordial e fundamental para o exercício da

atividade econômica privada no século XIX.

Na escala evolutiva das sociedades, tinha-se que os atos de comércio

seriam realizados ou por empresas (as sociedades anônimas) ou por pessoas, ou

seja, ou eram realizados em grande escala ou em pequeníssima escala. Com a

maior integração da sociedade nas atividades comerciais, na fabricação e

distribuição dos bens, surgiu, ocupando uma posição intermediária entre as

sociedades anônimas e a de pessoas, a sociedade limitada, na qual a

responsabilidade do sócio era, como diz o nome, limitada. Esse instituto surgiu na

Inglaterra em 1862 e na Alemanha em 1892, tendo sido introduzido no Brasil

somente em 1918; ele traz a vantagem, além da limitação da responsabilidade, da

simplificação de sua constituição relativamente aos rigores formais da constituição

de uma sociedade anônima, sendo bem mais simples e maleável.3

É interessante verificar como a matéria foi debatida no Brasil. O

imperador, por meio da Resolução de 24 de abril de 1867, rejeitou o projeto então

apresentado para criação das sociedades com responsabilidade limitada, acolhendo

Parecer do Conselho de Estado, de 9 de junho do mesmo ano. Segundo o parecer,

a criação dessa forma societária romperia a tradição, perturbaria o sistema e não

traria vantagens mais positivas além das que já ofereciam as sociedades anônimas

e as comanditárias. Posteriormente, as sociedades limitadas foram incluídas no

Projeto de Código Comercial de Inglez de Sousa, que terminou por não ser

aprovado. Em 1918, foi encaminhado o Projeto de Lei Especial nº 287, que resultou

no Decreto nº 3.708/1919, introduzindo finalmente o instituto da sociedade por

2 Ibid., p.21-23. 3 Itamar Gaino, Responsabilidade dos Sócios na Sociedade Limitada, p.8-11.

9

quotas de responsabilidade limitada no direito brasileiro.4 Hoje, é o modelo mais

disseminado em nosso meio, porém devemos ressaltar que na Itália e na Alemanha,

influências marcantes em nosso direito, não se reconhece personalidade às

sociedades civis, mas somente às de capital.

Retornando ao século XIX e à busca do conceito de pessoa jurídica, o

aporte de capital dos sócios especificamente para compor o patrimônio de uma

sociedade dá origem, ao que se pode chamar de “corporificação empresarial”. As

sociedades de pessoas até então existentes não tinham produzido esse fenômeno.

Aí surgiu o cerne para que o conceito de pessoa jurídica ganhasse corpo: uma

instituição que possui patrimônio próprio, desvinculado do patrimônio das pessoas

que a compõem.

Como também veremos adiante, as questões aqui tratadas são, em boa

parte, oriundas do direito anglo-saxão, estranho à nossa orientação. Não poderia

ser diferente, por se tratar de relações decorrentes da época moderna. A tradição

romanista não alcança a essência da pessoa jurídica, entidade contemporânea e

fundamentalmente prática. Assim, o próprio direito europeu buscou inspiração nas

criações e aplicações da common-law, não sem antes dar uma roupagem dogmática

ao fenômeno.

Na tentativa de explicar a pessoa jurídica, inicialmente houve a

elaboração e polarização de duas teorias clássicas: a da ficção (Savigny) e a da

realidade (Gierke). A teoria da ficção defende que, se o núcleo do direito subjetivo

residia na vontade, o único resultado cabível seria o de a pessoa jurídica não ser um

sujeito de direitos, e isso pela impossibilidade de se localizar vontade senão no ser

humano. Atribuir a condição de pessoa a quem não possa ter vontade significaria

um falseamento da realidade. Assim a teoria da ficção é uma resposta coerente

para o problema da pessoa jurídica. Já Gierke afirmou não ser a pessoa jurídica

uma ficção, porque teria vontade e existência própria, identificável ao homem, e

assim idêntica à vontade humana. A partir destas, surgiram outras mais.

4 Eduardo Secchi Munhoz, “Desconsideração da personalidade jurídica e grupos de sociedades” em Revista de Direito Mercantil, nº 134, São Paulo, abr./jun. 2004, p.39.

10

Como já dizia Teixeira da Silva, a personalidade da pessoa jurídica é “o

que há de mais metafísico na jurisprudência”. O que podemos observar atualmente

é o afastamento destas definições absolutas. Marçal Justen Filho ressalta com

propriedade que pessoa jurídica é, antes de tudo, uma expressão vocabular

lingüística, uma categoria aberta, em evolução constante, permanente e indetível5.

Rubens Requião vai no mesmo sentido ao considerar que o problema sobre a

realidade ou ficção é de menor importância, satisfazendo-se com a circunstância de

as pessoas jurídicas possuírem uma realidade no e para o mundo jurídico.6

Lamartine Corrêa ensina que a pessoa jurídica se constitui para viabilizar

a soma de esforços e recursos econômicos para a realização de atividades

produtivas que seriam impossíveis apenas com os recursos dos indivíduos

isoladamente considerados. A pessoa jurídica encerra as funções principais de

agrupar pessoas, limitar os riscos empresariais e de vincular determinados bens ao

serviço de certas finalidades socialmente relevantes.7

1. 2 Conceito de pessoa jurídica

Como visto, a figura da pessoa jurídica, também chamada de “pessoa

moral”, surge da necessidade social. É necessário convir que as pessoas jurídicas

constituem uma criação da lei, refletindo uma realidade no mundo jurídico. Assim,

não se pode conceituar pessoa jurídica sem lembrar a finalidade do direito, e, se

todo direito deve ser juridicamente protegido, também são dignos de proteção legal

os da pessoa jurídica.

Em nosso Código Civil, as pessoas jurídicas têm seus dispositivos nos

artigos 40 a 69, porém deixa definições e conceituações para a esfera doutrinária.

Adquirem personalidade jurídica por meio de atos formais de constituição, conforme

artigo 985 do citado Código.

5 Marçal Justen Filho, op. cit., p. 30-34. 6 Rubens Requião, Curso de Direito Comercial. 1º. vol., p.373. 7 Apud Luiza Rangel de Moraes, “Considerações sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica” em Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, nº. 25, São Paulo, jul./set 2004, p.32.

11

A verve da constituição da pessoa jurídica, sem sombra de dúvidas, é o

princípio da separação entre pessoa jurídica e seus sócios, consagrada em nosso

ordenamento pelo artigo 20 do antigo Código Civil: “As pessoas jurídicas têm

existência distinta de seus membros”. Cabe registrar que a regra desse artigo não

foi repetida no novo Código Civil, mas seu comando persiste em decorrência de

interpretação sistemática.8

Retomando o cuidado ministrado anteriormente, o conceito de pessoa

jurídica é dinâmico e variável, porém não se deve prender a uma interpretação

genérica e abrangente para não incorrer no risco de se desviar do objeto deste

estudo. Quando se falar em pessoa jurídica, deve-se ter como foco a chamada

sociedade empresária com responsabilidade limitada ou mesmo a sociedade

anônima, por ações. Não interessa a pessoa jurídica de direito público nem a

empresa estatal, ou ainda a com responsabilidade ilimitada, pois estas, além de

retomarem antigos conceitos, não têm aplicação prática da Teoria da

Desconsideração. Nesse sentido, temos de Fábio Ulhoa que “a sociedade

empresária pode ser conceituada como a pessoa jurídica de direito privado não-

estatal, que explora empresarialmente seu objeto social ou a forma de sociedade por

ações”.9

Para Fábio Konder Comparato, a personalização é uma técnica jurídica

utilizada para se atingir determinados objetivos práticos, tais como autonomia

patrimonial, limitação ou supressão de responsabilidades individuais.

Apesar de todos esses alertas, pode-se traçar um conceito prático

segundo o qual a pessoa jurídica é a junção dos esforços combinados de indivíduos,

em uma instituição formada para a realização de um fim e reconhecida pela ordem

jurídica como sujeito de direitos, submetida assim a um regime jurídico próprio das

pessoas.

8 João Batista Lopes, “Desconsideração da personalidade jurídica no novo código civil” em Revista dos Tribunais, vol. 818, São Paulo, dez. 2003, p.38. 9 Fábio Ulhoa Coelho, Manual de direito comercial, p.111.

12

Ainda, não se afastando das ponderações já feitas, há a interpretação de

Rubens Requião, em que formada a sociedade comercial pelo concurso de vontades

individuais, ela se transforma em um novo ser, estranho à individualidade das

pessoas que participam de sua constituição, dotada de um patrimônio próprio,

possuidor de órgãos de deliberação e execução que ditam e fazem cumprir sua

vontade. Seu patrimônio, no terreno obrigacional, assegura sua responsabilidade

direta em relação a terceiros. Os bens sociais, como objetos de sua propriedade,

constituem a garantia dos credores, como ocorre com os de qualquer pessoa

natural.10

1. 3 Conseqüências da personalização

A sociedade adquire personalidade jurídica por concessão de lei, e assim

decorrem algumas conseqüências. Ela passa a ser considerada como uma pessoa,

isto é, um sujeito “capaz de direitos e obrigações”, tendo as seguintes

características:

Titularidade negocial

Quando a sociedade empresarial realiza negócios jurídicos (compra

matéria-prima, celebra contrato de trabalho, aceita uma duplicata, etc.), embora ela

o faça necessariamente pelas mãos de seu representante legal, é ela, pessoa

jurídica, como sujeito de direito autônomo, personalizado, que assume um dos pólos

da relação negocial. O eventual sócio que a representou não é parte do negócio

jurídico, mas sim da sociedade.

Titularidade processual

A pessoa jurídica pode demandar e ser demandada em juízo; tem

capacidade para ser parte processual. A ação referente a negócio da sociedade

deve ser endereçada contra a pessoa jurídica e não os seus sócios ou seu

10 Rubens Requião, op. cit., p.373.

13

representante legal. Quem outorga o mandato judicial, recebe citação, recorre, é ela,

como sujeito de direito autônomo;

Responsabilidade patrimonial

A sociedade terá patrimônio próprio, seu, inconfundível e incomunicável

com o patrimônio individual de cada um de seus sócios. Sujeito de direito

personalizado, autônomo, a pessoa jurídica responderá pelo seu patrimônio pelas

obrigações que assumir. Os sócios, em regra, não responderão pelas obrigações da

sociedade, e somente em hipóteses excepcionais poderão ser responsabilizados

pelas obrigações da sociedade.11

Essas conseqüências são decorrentes do disposto pelo artigo 1022 do

Código Civil, que prevê que a sociedade adquire direitos, assume obrigações e

procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não

os havendo, por intermédio de qualquer administrador.

Como pessoas independentes, as sociedades também têm a

possibilidade de modificar sua estrutura, quer jurídica -- com a modificação do

contrato, adotando outro tipo de sociedade -- , quer econômica -- com a retirada ou o

ingresso de novos sócios, ou simples substituição de pessoas, pela cessão ou

transferência de parte do capital.

Retomando o curso histórico da criação da pessoa jurídica, essas

conseqüências legais nada mais são que os frutos da necessidade capitalista da

sociedade. Procurou-se proteger a origem do capital, e evitar que as oscilações de

um mercado instável contaminassem a fonte de recursos, ou seja, a empresa

responderia por si só eventuais prejuízos decorrentes dos mais diversos fatores, que

podem variar cada vez mais pela sofisticação dos mercados. O investidor,

capitalista, burguês, não expõe a totalidade de seu patrimônio a essas intempéries,

mas somente o capital que se dispôs a investir. Esses conceitos devem estar

sempre bem vivos, pois as sociedades não se apresentam como realidades físicas

11 Fábio Ulhoa Coelho, op. cit., p.113-114.

14

existentes por si mesmas, mas só se justificam como instrumentalidade; existem

para e em função do homem.

1. 4 Evolução do conceito

Tanto na aplicação prática cotidiana como até em dispositivos legais,

pode-se observar não ser incomum a subversão a algumas dessas colocações, de

parte a parte. Chega-se a tratar a pessoa jurídica como uma pessoa natural, como,

em contra-partida, desconsidera-se sua existência apontando os sócios como

responsáveis, em casos em que somente a sociedade deveria responder. Não está

se falando em desvios de conduta, fundamento para a desconsideração da

personalidade jurídica, mas em disposições legais que funcionam não como

exceção à regra, mas como evolução dos conceitos.

Há a previsão legal de proteção dos direitos da personalidade estendida

às pessoas jurídicas no 52 do Código Civil, reconhecido pela Súmula 227 do

Superior Tribunal de Justiça, que transcorrendo as veredas dos direitos da

personalidade, enaltece: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.12

Nesse mesmo sentido, o legislador reconhece a pessoa jurídica como

sujeito ativo de delito penal no artigo 3º. da Lei nº 9.605/98, que tutela o meio

ambiente, ao estabelecer que: [...] as pessoas jurídicas serão responsáveis administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade.

As penas a que estão sujeitas as pessoas jurídicas são as restritivas de

direito. Quanto a ser sujeito passivo de imputação penal, sobretudo em delitos

contra a honra, previsto pela Lei de Imprensa, não há um posicionamento

dominante, inclusive jurisprudencialmente, porém vem-se aceitando a tese de a

pessoa jurídica ser sujeito passivo no crime de difamação.

12 Glauber Moreno Talavera, em C.E.N. Camillo et al, Comentários ao Código Civil, p.138.

15

Voltando ao fenômeno da reorganização sócio-político-econômica

ocorrida no curso do século XIX, houve alteração também no enfoque do direito. A

primazia deslocou-se do individual para o coletivo; da vontade para a norma jurídica;

da liberdade para a cooperação. A sociedade humana socializou-se, a acepção de

que se adquiriu consciência não somente da relevância da convivência humana

social, mas, especialmente, da necessidade de promover a evolução das condições

em que tal convivência se processa. O direito passou a deter uma função ativa.

Trata-se de um instrumento fundamental de intervenção sobre a realidade a fim de

realizar os fins do Estado, não se contentando em assegurar a manutenção da

ordem.13

Essa funcionalização e socialização do direito produziu o

desaparecimento dos direitos subjetivos absolutos, inclusive no maior deles, o direito

da propriedade. Enquanto absolutos, não há como se referir a abuso de direito.

Esses direitos foram se tornando relativos, pois deveriam observar um bem maior a

ser tutelado, a sua função social.

Os reflexos desse fenômeno não podiam deixar de incidir também sobre a

pessoa jurídica. Inexistindo a pessoa jurídica, concentram-se sobre a mesma pessoa

a propriedade e o controle. Com o surgimento da pessoa jurídica, a propriedade e o

controle tornam-se distinguíveis, devendo incidir sobre o titular do poder de controle

de todos os deveres que foram visualizados relativamente à propriedade. Assim,

pavimentou-se o caminho para o surgimento de uma teoria que “relativizasse” o

conceito de pessoa jurídica: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Apesar dessas evoluções, deve-se sempre entendê-las dentro de um

conceito maior e não esquecendo de que a pessoa jurídica não é uma imitação do

ser humano; sua pessoalidade não decorre de partilhar com o homem idênticos

atributos e qualidades. Trata-se de atender o interesse social e humano quando se

acata a figura da pessoa jurídica, instituto cuja consagração se faz em atenção ao

homem, e, como todo instrumento, está a se fazer e refazer pelos próprios homens.

13 Marçal Justen Filho, op. cit., p. 39.

16

2. ORIGENS DA DESCONSIDERAÇÃO E DE SUA TEORIA

2. 1 O problema da pessoa jurídica

Dentro do arcabouço técnico-doutrinário criado para a instituição da

pessoa jurídica, onde esta não se confunde com as pessoas físicas que a compõem,

pois são personalidades radicalmente distintas e seus patrimônios são

inconfundíveis, surgem várias possibilidades para a realização de fraudes utilizando-

se desse escudo legal.

Essa inquietação criou, nas palavras de Rubens Requião, um problema

de consciência.14 Se, por um lado, desejando um comportamento ético, repugnava-

se que o instituto da personalidade jurídica fosse utilizado para fins condenáveis, por

outro não se deslumbrava como superar o princípio da separação da pessoa jurídica

e seus sócios sem macular o direito e a autonomia patrimonial. Dentro dos ditames

da lógica não se poderia compreender que fatos da sociedade pudessem envolver a

pessoa física do sócio, ou ao contrário, vicissitudes dos sócios comprometer a vida

societária.15

Verificando-se a ocorrência de abusos, gerando prejuízos de um lado e

impunidade de outro, em situações de flagrante injustiça apesar da aparente

legalidade dos atos, foi-se construindo, na jurisprudência americana, reações a esta

completa separação das pessoas jurídicas e seus sócios. Pouco a pouco, em

evolução, foi tomando corpo a idéia de que, em determinadas situações, não seria

possível manter-se a distinção clássica entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas

que dela fazem parte.

A doutrina desenvolvida pelos tribunais norte-americanos visa a impedir a

fraude ou o abuso por meio da utilização personalidade jurídica e é conhecida pelas

14 Rubens Requião, “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica” em Revista dos Tribunais, nº 410, São Paulo, 1969, p.12. 15 Idem, Curso de Direito Comercial 1º vol., p.376.

17

designações disregard doctrine, disregard of legal entity ou lifting the corporate veil,

utilizando ainda as expressões to pierce the veil e to lift the courtain.

Esse movimento foi se alastrando, sendo tratado em vários países e

destinado a entrar e ficar nos próprios textos legais. Na Alemanha, a posição

doutrinária é conhecida como Durchgriff der juristischen Personem, ou ainda

Missachtung der Rechtform der Juristischen Personen. No direito italiano,

superamento della personalità giuridica. No direito argentino, teoria de la

penetración. Na França, mise à l’écart de la personalité morale ou mesmo abus de

la notion de personalité sociale. No direito brasileiro, teoria da desconsideração da

pessoa jurídica, teoria da superação da personalidade jurídica ou ainda teoria da

desestimação da pessoa jurídica.16

Importa, no entanto, distinguir entre despersonalização e

desconsideração da personalidade jurídica. Na primeira, a pessoa coletiva

desaparece como sujeito autônomo, em razão de falta original ou superveniente de

suas condições de existência, como, por exemplo, a invalidade do contrato social ou

a dissolução da sociedade. Na segunda, subsiste o princípio da autonomia subjetiva

da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, mas essa

distinção é afastada, provisoriamente e tão-só para o caso concreto.17

Essa distinção é de suma importância, pois a disregard doctrine não visa

a anular a personalidade jurídica, mas somente desconsiderá-la no caso específico,

dentro de seus limites, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem.

No dizer de Fábio Ulhoa, a teoria da desconsideração não é contra a separação

subjetiva entre a sociedade empresária e seus sócios. Muito ao contrário, ela visa a

preservar o instituto em seus contornos fundamentais, diante da possibilidade de o

desvirtuamento vir a comprometê-lo, contribuindo assim para o aprimoramento da

pessoa jurídica.18

16 João Casillo, “Desconsideração da pessoa jurídica” em Revista dos Tribunais, n. 528, São Paulo, 1979, p.24. 17 Fábio Konder Comparato, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, p.283. 18 Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial vol. 2, p.37.

18

2. 2 A origem da desconsideração

Como já foi dito, a teoria da desconsideração tem origem jurisprudencial,

pautando-se por soluções casuísticas, sob a preocupação da justiça para o caso

concreto. Vale dizer: a teoria da desconsideração não foi produzida pela ciência do

direito, mas a partir da jurisprudência, ou seja, da atividade judiciária de aplicação do

direito ao caso real.

O mais antigo caso de disregard de que se tem notícia, provavelmente,

se passou no longínquo ano de 1809 na Suprema Corte dos Estados Unidos,

quando se julgava o caso Bank of the United States vs. Deveneaux, sendo relator o

juiz Marshall. Discutiu-se, nessa ocasião, sobre a incidência de um dispositivo da

Constituição norte-americana que diz que o Poder Judiciário Federal terá jurisdição,

entre outros casos, naqueles onde esteja em discussão uma questão pendente entre

cidadãos de estados diferentes. Colocada a questão para saber se o banco deveria

ser visto como “cidadão” do estado em que havia sido criado, Marshall recusou-se a

reconhecer a “cidadania” do banco, mas disse que, para os efeitos de fixação de

competência, o elemento de conexão seria a cidadania estadual dos indivíduos que

compusessem a sociedade, no caso diferente da do réu, fixando-se a competência

federal.19

Em sua monografia Il Superamento della Personalità Giuridica delle

Società di Capitali, de 1964, o professor Piero Verrucoli, da Universidade de Pisa,

nos oferece a origem dessa doutrina, que teria surgido na jurisprudência inglesa. Em

1897, a Justiça inglesa ocupou-se com um famoso caso – Salomon vs. Salomon &

Co. – que envolvia o comerciante Aaron Salomon. Esse empresário havia

constituído uma company, em conjunto com outros seis componentes de sua família,

e cedido seu fundo de comércio à sociedade que fundara, recebendo em

conseqüência vinte mil ações representativas de sua contribuição, enquanto para

cada um dos outros membros coube apenas uma ação para integração do valor da

incorporação do fundo de comércio na nova sociedade. Salomon recebeu

19 João Casillo, op. cit., p.24.

19

obrigações garantidas no valor de dez mil libras esterlinas. A sociedade, logo em

seguida, se revelou insolvável, sendo seu ativo insuficiente para satisfazer as

obrigações garantidas, nada restando para os credores quirografários. O liquidante,

no interesse desses credores, sustentou que a atividade da company era a atividade

de Salomon, que usou de artifício para limitar sua responsabilidade e, em

conseqüência, deveria ser condenado ao pagamento dos débitos da company,

devendo a soma investida na liquidação de seu crédito privilegiado ser destinado à

satisfação dos credores da sociedade. O Juízo de primeira instância e depois a

Corte acolheram a pretensão, julgando que a company era exatamente uma

entidade fiduciária de Salomon, ou melhor, um seu agent ou trustee, e que ele, na

verdade, permanecera como o efetivo proprietário do fundo de comércio. Era a

aplicação de um novo entendimento, desconsiderando a personalidade jurídica de

que se revestia Salomon & Co.

A Casa dos Lordes reformou, unanimemente, esse entendimento,

julgando que a company havia sido validamente constituída, no momento em que a

lei simplesmente requeria a participação de sete pessoas, que haviam criado uma

pessoa diversa de si mesmas. Não existia, enfim, responsabilidade pessoal de

Aaron Salomon para com os credores de Salomon & Co., e era válido seu crédito

privilegiado.20

A despeito da reforma da decisão que desconsiderava a personalidade

jurídica da company, para alcançar os bens nela acobertados, essa técnica

jurisprudencial teve sucesso acentuado nos Estados Unidos, o que tornou a

disregard doctrine mais uma construção jurisprudencial norte-americana do que

britânica.

Outros julgados seguiram a mesma esteira. No processo contra a

Standart Oil Co., o tribunal norte-americano entendeu que um acordo celebrado por

acionistas de sociedades petrolíferas era, na verdade, um acordo entre sociedades

destinado a monopolizar determinado setor e, como tal, vedado pela lei antitruste.

20 Rubens Requião, Curso de Direito Comercial. 1º. vol, p. 378.

20

No caso First National Bank Of Chicago vs. F.C.Trenbein, este, devedor

insolvente, constituiu uma sociedade com pessoas de sua família, sendo o

patrimônio formado pela transferência de seus bens particulares. Em processo

judicial intentado, procurou eximir-se de responsabilidade invocando a distinção

entre a pessoa física e a jurídica, mas, com base na teoria da penetração, a defesa

não foi acolhida.21

Em todos esses casos foi aceita a tese de que o princípio da separação

entre a pessoa jurídica e a pessoa física não é um dogma, não tem caráter absoluto

e deve ceder passo em casos particulares. Em suma, pode-se afirmar que a teoria

do disregard of legal entity permite ao Juiz desconsiderar a autonomia de uma

pessoa jurídica quando sua forma é utilizada abusivamente para manipulações

desonestas. Rubens Requião adverte que o levantamento do véu da personalidade

jurídica é feito com extrema cautela e em casos excepcionais, e os juízes norte-

americanos não perdem o ensejo de invocar essa excepcionalidade, após acentuar

a regra de que a pessoa jurídica normalmente se distingue da pessoa dos sócios

que a compõem e que respeitam essa autonomia.

2. 3 A origem da teoria

Como mencionado anteriormente, sendo de origem jurisprudencial do

direito anglo-americano, não havia uma elaboração doutrinária e científica, tradição

no direito romanista. Conseqüentemente, duas situações indesejáveis se repetiam:

a) alguns julgadores deixavam de coibir o mau uso da pessoa jurídica com

receio de desrespeitar o princípio da autonomia patrimonial, à falta de um

critério que compatibilizasse com a necessidade de se evitarem as fraudes

e os abusos de direito;

b) outros julgadores passaram a questionar o próprio instituto da pessoa

jurídica e não o mau uso que dele se fazia, pondo em risco uma criação do

21 João Batista Lopes, “Desconsideração da personalidade jurídica no novo código civil” em Revista dos Tribunais, v. 818, São Paulo, p 37.

21

direito que tem se revelado satisfatória para a solução de certos conflitos,

malgrado a sua indevida utilização por alguns.22

No anseio de contornar essa situação, uma sistematização foi

desenvolvida academicamente em 1953, pelo professor Rolf Serick, em sua tese de

doutorado, Rechsform um realität Juristicher Personen, defendida perante a

Universidade de Tübigen. O resultado da pesquisa conduziu-o à formulação de

quatro princípios:

1. O juiz, para impedir a consumação do ilícito, diante de abuso da forma da pessoa

jurídica, pode desconsiderar o princípio da separação entre sócio e pessoa

jurídica. Serick entende por abuso da forma qualquer ato que, por meio do

instrumento da pessoa jurídica, vise intencionalmente a frustrar a aplicação da lei

ou o cumprimento da obrigação contratual, ou ainda prejudicar terceiros de modo

fraudulento. Ressalta também que não se admite a desconsideração sem a

presença desse abuso, mesmo que para proteção da boa-fé.

2. Não é possível desconsiderar a autonomia subjetiva da pessoa jurídica apenas

porque o objetivo de uma norma ou a causa de um negócio não foram atendidos.

Em outros termos, não basta a simples prova da insatisfação de direito de credor

da sociedade para justificar a desconsideração.

3. Aplicam-se à pessoa jurídica as normas sobre a capacidade ou valor humano, se

não houver contradição entre os objetivos destas e a função daquela. Em tal

hipótese, para atendimento dos pressupostos da norma, levam-se em conta as

pessoas físicas que agiram pela pessoa jurídica, podendo, assim, definir-se

nacionalidade, por exemplo.

4. Em se verificando que em determinado negócio, as partes envolvidas são, na

realidade, o mesmo sujeito, é possível desconhecer a autonomia subjetiva da

pessoa jurídica quando se tiver de aplicar uma norma baseada na efetiva e não

meramente formal diferenciação.

Esse trabalho causou profunda impressão nos meios jurídicos europeus,

sendo largamente debatido, recebendo aplausos gerais, não só pelo seu fôlego,

22 Fábio Ulhoa Coelho, Desconsideração da personalidade jurídica, tese de doutorado, p. 12-13.

22

como pelo conteúdo, mas nem por isso ficou imune a algumas oposições

doutrinárias, como foi o caso de Ascarelli e Verrucoli, na Itália, Müller-Freienfels,

Reinhardt e Ereinghagen na própria Alemanha.

Ao contrário de Serick, que procura uma solução unitária, Müller-

Freienfels diz que o interesse da lei deve ser estudado caso por caso, segundo,

principalmente, cada tipo de pessoa jurídica, pois, dependendo da variação de tipo

de uma para outra, as soluções também deverão variar. Discordando, Reinhardt e

Ereinghagen dizem que a pessoa jurídica tem uma regulamentação própria e

unitária, não sendo necessário doutrinariamente distinguir, caso por caso, segundo

as várias espécies de pessoa jurídica. Discordam também do critério subjetivo de

Serick, afirmando que, para a aplicação da teoria do durchgriff deve-se utilizar o

critério objetivo: toda vez que houver um conflito entre a pessoa jurídica e a

finalidade dela, a desconsideração deve ser aplicada. Sempre que houver abuso do

instituto, e esse abuso é verificado pelo critério objetivo (contradição entre a forma

do ato e a finalidade do instituto), aplica-se a teoria da desconsideração. Esta última

posição – a objetiva – é que tem sido da jurisprudência do tribunal federal alemão

(Bundesgerichtshof).23

2. 4 Introdução da teoria no Brasil

Quem primeiro tratou dessa teoria no Brasil foi Rubens Requião,

catedrático de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade Federal do

Paraná. Em conferência proferida naquela universidade, em 1969, por ocasião das

comemorações do primeiro centenário de nascimento de seu fundador, discorreu

sobre o tema “Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica,

introduzindo a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, do qual

extraímos: “Se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas que a compõem, pois são personalidades radicalmente distintas; se o patrimônio da sociedade personalizada é autônomo, não se identificando com o dos sócios, tanto que a cota social de cada um deles não pode ser penhorada em execução por dívidas

23 João Casillo, op. cit., p.31. 1979.

23

pessoais, seria então fácil burlar o direito de credores, transferindo para a sociedade comercial todos os seus bens. Desde que a sociedade permanecesse sob o controle desse sócio, não haveria inconveniente ou prejuízo para ele que o seu patrimônio fosse administrado pela sociedade, que assim estaria imune às investidas judiciais de seus credores” “A jurisprudência há de enfrentar-se continuamente com os casos extremos em que resulta necessário averiguar quando pode prescindir-se da estrutura formal da pessoa jurídica para que a decisão penetre até o seu próprio substrato e afete especialmente a seus membros”.24

O ilustre professor paranaense buscou demonstrar a compatibilidade da

teoria da desconsideração com o direito nacional, pregando sua aplicação mesmo

diante do quase “silêncio absoluto” sobre o tema (à época). Essa inquietação tinha

seu porquê, pois, tendo origem anglo-saxônica, haveriam questionamentos sobre

sua adequação ao nosso sistema jurídico. Hoje essa questão parece superada,

porém Requião a rebateu com muita propriedade, alegando que, em qualquer país

em que se apresente a separação incisiva entre pessoa física e os membros que a

compõem, se coloca o problema de verificar como se há de enfrentar aqueles casos

em que essa radical separação conduz a resultados completamente injustos e

contrários ao direito.

Complementa ainda afirmando que o juiz está autorizado a ignorar a

autonomia patrimonial da pessoa jurídica em relação às pessoas que a compõem,

quando aquela servir como mero instrumento ou anteparo para a realização da

fraude ou abuso de direito. Alerta que a utilização da teoria da desconsideração não

se presta a anular a pessoa jurídica de forma definitiva, mas busca apenas um

afastamento episódico do princípio da separação entre o patrimônio social e

particular dos sócios. Aqui vemos insculpido um outro princípio: o da preservação

da pessoa jurídica.

É relevante o posicionamento de que ao jurista deve caber uma função

verdadeiramente criadora, procurando os motivos profundos e o sentido real do

mundo em que se vive, buscando significado último das normas com vista à sua

adaptação a uma realidade em permanente evoluir; o jurista não pode nem deve

24 Rubens Requião, “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica” cit. p.12-13.

24

limitar-se à mera exegese de um direito objetivo que aspira à perfeição e à

infalibilidade, mas deve assumir uma função propulsiva, capaz de tornar o direito

positivo sempre mais conforme às necessidades concretas da sociedade.25

Assim, no Brasil, não havia que se falar em “desconsideração” no âmbito

legal, porém havia uma ou outra identificação em dispositivos esparsos, tais como o

artigo 2º, § 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT); artigos 134, inciso VII, e

135, inciso III, do Código Tributário Nacional (CTN), no campo tributário; artigos 121

e 122 da antiga Lei das Sociedades por Ações; artigo 6º da antiga Lei de Falências.

Do mesmo modo que a monografia de Rolf Serick, esse trabalho do

professor Requião teve grande influência em nosso meio, gerando uma série de

estudos dos mais diversos, surgindo, como no exemplo alemão, novas

interpretações e direcionamentos ao tema. Após novas dissertações, dos

dispositivos acima citados somente o artigo 2º, § 2º, da CLT pareceu encaixar-se à

teoria. Nas palavras de João Casillo, “aqui não temos dúvida: é a teoria da

desconsideração que pode ser aplicada francamente”.

Esses dispositivos, assim como outros que abordaremos à frente,

vinculam os sócios a determinadas responsabilidades de forma pessoal. Qual,

então, a diferença entre o espírito dos textos legais invocados e a teoria da

desconsideração?

Quando a lei impõe ao sócio gerente ou administrador a responsabilidade

por dívidas da sociedade, o faz porque uma dessas pessoas agiu de maneira

contrária à lei ou ao contrato, mas como integrante da pessoa jurídica. Não foi a

pessoa jurídica que teve sua finalidade desvirtuada, não foi a pessoa jurídica, como

ser, que foi manipulada, mas o diretor, gerente ou o sócio que, na sua atividade

ligada à empresa, agiu mal. Quando se fala, por outro lado, em desconsideração da

pessoa jurídica, é porque a própria entidade é que foi desviada da rota traçada pela

25 Ibid., p 16. 1969.

25

lei e pelo contrato. A sociedade foi utilizada em seu todo para mascarar uma

situação, servindo como véu, para encobrir uma realidade.26

Essa é uma posição doutrinária assentada e estabelecida. Importa

ressaltar que as hipóteses legais de responsabilidade dos sócios por atos ilícitos ou

contrários ao contrato social não devem ser qualificadas como desconsideração.

Admite-se a desconsideração para coibir atos aparentemente lícitos. Cabe aplicar a

teoria da desconsideração apenas se a personalidade jurídica autônoma da

sociedade empresária se antepõe como obstáculo à justa composição dos

interesses. Se a autonomia patrimonial da sociedade não impede a imputação de

responsabilidade ao sócio ou administrador, não existe nenhuma desconsideração.

O pressuposto de ilicitude serve, em decorrência, para distinguir a

desconsideração de outras hipóteses de responsabilização de sócios ou

administradores de sociedade empresária, hipóteses que não guardam relação com

o uso fraudulento da autonomia patrimonial27. Em outros termos, cabe invocar a

teoria quando a consideração da sociedade empresária implica a licitude dos atos

praticados, ressurgindo a ilicitude apenas em seguida à desconsideração de sua

personalidade jurídica.

2. 5 Positivação da desconsideração no direito brasileiro

Na seqüência dos estudos procedidos desde que Rubens Requião

introduziu a desconsideração na doutrina, várias leis adotaram a Teoria da

Superação da Personalidade Jurídica. O primeiro dispositivo legal a se referir à

desconsideração de forma explícita é o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº

8.078/90), em seu artigo 28, sendo que consta também no artigo 18 da Lei Antitruste

(Lei nº 8.884/94), no artigo 4º da legislação de proteção ao meio-ambiente (Lei nº

9.605/98) e no artigo 50 do Código Civil de 2002.

26 João Casillo, op.cit., p.35. 27 Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial vol. 2, p.42-43.

26

Mesmo esses dispositivos, erigidos sob uma nova ótica, sofrem restrições

à sua aplicação prática, tanto por aqueles que vêem distorções em sua concepção à

luz da doutrina como por aqueles que observam excesso nas decisões

jurisprudenciais. Voltar-se-á a esse tema mais à frente, mas apesar da rigidez

doutrinária, há de se admitir que é tênue a linha que separa a responsabilização dos

sócios da desconsideração. Vários autores defendem a aplicação da teoria no

campo tributário, por exemplo, lastreados nas exposições iniciais de Rolf Serick e de

Rubens Requião, porém outros grandes mestres nem mesmo admitem a

possibilidade da “desconsideração”, como José Lamartine Corrêa de Oliveira, por

exemplo, na aplicação do artigo 134, VII, do CTN.28

No final das contas, os problemas ditos de “desconsideração” envolvem

freqüentemente um problema de imputação. O que importa basicamente é a

verificação da resposta adequada à seguinte pergunta: no caso em exame, foi

realmente a pessoa jurídica que agiu, ou foi ela mero instrumento nas mãos de

outras pessoas, físicas ou jurídicas? Se é em verdade uma outra pessoa que está a

agir, utilizando a pessoa jurídica como escudo, e se essa utilização da pessoa

jurídica fora de sua função é que está tornando possível o resultado contrário à lei,

ao contrato ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem jurídica (bons

costumes, ordem pública), é necessário que a imputação se faça com predomínio da

realidade sobre a aparência.29

Não podem ser entendidos como verdadeiros casos de desconsideração

todos aqueles de mera responsabilização do ato. Quando se aplicar a noção de

imputação, a responsabilidade não será dominada pelo princípio da subsidiariedade,

essencial nos autênticos casos de desconsideração, em que se supõe a prévia

demonstração da insolvência do primeiramente responsável.30

A dificuldade da teoria aqui estudada é que ela não constitui uma

construção técnica, mas sim uma “desconstrução”. É a dificuldade de se perceber

28 Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro vol.1, p. 259. 29 Lamartine Corrêa de Oliveira, A dupla crise da pessoa jurídica, p.613. 30 Ibid., p.610-611.

27

em que ponto ou de que modo a autonomia da pessoa jurídica foi utilizada de forma

contrária aos objetivos sociais. Há muitas divergências quanto aos parâmetros,

como veremos no próximo capítulo, porém as metas estão bem delineadas.

A finalidade da teoria é permitir ao juiz a coibição de abuso ou de fraude

praticados pelos sócios por meio da pessoa jurídica. Levanta-se o véu protetor de

sua autonomia patrimonial, apreendendo os bens que compõem o seu acervo, com

a finalidade de satisfazer o crédito ostentado por terceiro perante o sócio; ou, em

situação inversa, afasta-se a pessoa jurídica, que figura como responsável pelo

cumprimento da obrigação, imputando a responsabilidade ao sócio, em caráter

subsidiário.

28

3. A DESCONSIDERAÇÃO E SUAS TEORIAS

3. 1 Dificuldades conceituais

Deve-se estudar os vários entendimentos doutrinários sobre a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica, mas questiona-se porque existem

divergências quando o objetivo está bem definido. Já se falou que a

desconsideração visa ao combate a fraudes e abusos de direito praticados sob o

escudo da autonomia patrimonial da pessoa jurídica; que é uma proteção ao bom

uso desse instituto e não um combate a ele; que não se confunde com a

responsabilização de sócios ou administradores por seus atos ilícitos. Então, onde

está a dificuldade?

No entender de Marçal Justen Filho, o exame da teoria da

desconsideração da pessoa jurídica evidencia sua filiação a uma forma de raciocínio

problematizada. Vale dizer, tratou-se de aplicar, em casos concretos, um certo

procedimento de raciocínio, que afastava a incidência de regras gerais. Aí se

comportam duas exceções ao mesmo tempo; não há apenas uma exceção à

incidência da regra geral que reconhece a personificação societária, mas também a

exceção se manifesta porque se trata de um procedimento essencialmente

jurisprudencial, que não está colado à tradição do pensamento tradicional

romanista.31

Ora, se a pessoa jurídica é uma ficção, uma criação do direito, sua

desconsideração também o é, ou seja, uma abstração para afastar um mau uso de

outra abstração. De um outro ponto de vista, se a pessoa jurídica é uma realidade

jurídica, sua desconsideração significa uma correção de conduta desse instituto, em

suma, a correção dos desvios do direito. Podemos citar várias outras considerações

“filosóficas” a respeito do tema, mas, assim colocado, pode parecer que nada mais é

do que tecnicismo diante de problemas concretos, porém a estruturação de nosso

31 Marçal Justen Filho, Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro, p.53.

29

direito urge posições doutrinárias sólidas, que sustentem a aplicação da justiça na

tutela jurisdicional.

Visando a buscar um verdadeiro entendimento dessas dificuldades,

Justen Filho apresenta considerações bem interessantes. Afirma que há que se ter

em vista que pessoa jurídica nem é conceito absoluto nem é conceito unitário.

Igualmente, desconsideração da personalidade jurídica não pode ser conceito

absoluto nem unitário. O passo indispensável para a construção da teoria da

desconsideração é a admissão da relatividade e da multiplicidade. Assim, não existe

o pressuposto da desconsideração, mas há pressupostos para desconsideração,

variáveis na medida em que variam as pessoas jurídicas de que se cogita, os ramos

do direito, os interesses tutelados, etc.32

Reconheçamos que apesar de instigante, vista deste ângulo e de maneira

superficial, a tarefa dos aplicadores do direito não é facilitada em nada, muito ao

contrário. Abre-se um leque de opções, o mais diversas possível. Como se filiar a

esta ou aquela corrente? Quais parâmetros adotar?

Nesse mesmo sentido, cabe a observação de que a regulamentação

normativa acerca da pessoa jurídica é essencialmente técnica. O direito é silente

acerca dos fins a serem consagrados na utilização da pessoa jurídica. O direito

define, basicamente, a forma de constituição e de funcionamento da pessoa jurídica,

estatuindo regras sobre sua existência e de sua validade, mas não se emitem regras

a propósito da função da sociedade personificada.

O fundamental problema de construção da teoria da desconsideração

reside justamente nesse ponto. A inexistência no ordenamento jurídico de

parâmetros expressos delimitadores da função da pessoa jurídica importa em

dificuldades, cuja resolução é indispensável para admissão da teoria da

desconsideração. Já que não há previsão expressa nos textos legais, pergunta-se:

há limites para a utilização da pessoa jurídica? Quais seriam esses limites? De

32 Ibid., p.95.

30

nada servirá reprovar o abuso, se não for possível definir quando e como ocorrerá

tal abuso.

Não compete ao presente trabalho fornecer respostas prontas, mas de

expor as situações vislumbradas. Caberá ao interessado a formação de sua

convicção dentro das “teorias” apresentadas, mas observando sempre que o

aspecto funcional e social do direito é a mola mestra desta convicção.

Em linhas gerais, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica

proclama que, nas ocasiões em que ela é utilizada com o intuito de fugir às

finalidades impostas pelo direito, na decisão do caso apresentado não deve ser

levada em conta sua existência para que o julgador possa decidir como se a pessoa

jurídica não existisse, imputando a responsabilidade a seus sócios ou a outra

pessoa jurídica de que se tenha utilizado, ou mesmo que se tenha escondido sob a

forma daquela primeira.

3. 2 Teoria subjetiva

A teoria subjetiva tem como pressuposto para o afastamento da

autonomia patrimonial da sociedade empresária o uso fraudulento ou abusivo do

instituto. Dá destaque ao intuito do sócio ou administrador, voltado à frustração de

legítimo interesse do credor. Somente um comportamento doloso justificaria a

desconsideração, sob pena de se colocarem em risco os pilares fundamentais do

direito societário (princípio da separação entre a pessoa jurídica e seus membros e

princípio da responsabilidade limitada).

Essa é a teoria apresentada por Rolf Serick e introduzida entre nós pelo

professor Requião. Está sistematizada, de forma clássica, nos quatro princípios já

destacados anteriormente. Traz a marca da excepcionalidade, de tal modo que

somente se justificaria sua aplicação se caracterizada a fraude ou o abuso do direito

individual, sempre com a presença do elemento culpa.

31

Foi nominada como subjetiva justamente pela necessidade de

caracterização do elemento volitivo do autor. Nas palavras de Serick, quem faz uso

da pessoa jurídica para fins ilícitos não merece a tutela que resulta do instituto,

perdendo a razão de ser a autonomia entre a pessoa jurídica e seus membros,

quando estes ou aquela ultrapassa os limites traçados pelo ordenamento jurídico.

Por ter sido a primeira abordagem doutrinária sobre o tema, recebeu

algumas críticas em estudos posteriores, às vezes pela indefinição de critérios ou

mesmo pela falta de uma maior abordagem teórica, parecendo mais uma declaração

de princípios ou regras do que resultado de um desenvolvimento científico. Por mais

que reconheçamos justas essas críticas, deve-se notar também que seus ditames

não foram superados, e que suas conclusões continuam válidas e disponíveis ao

bom uso pelo jurista.

A grande contribuição dessa doutrina, da forma como tratada pelo

professor Requião, foi a argumentação de seu uso pelo judiciário sem a necessidade

de criação de leis para tal, observando que há a preservação da pessoa jurídica,

significando apenas a suspensão episódica de sua eficácia. Teve o mérito de

fornecer base para que decisões justas pudessem ser prolatadas sem ferir o direito.

Essa idéia, parece, sempre esteve presente no espírito dos juristas,

mesmo antes da formulação da teoria, tanto assim que, sempre que o Poder

Judiciário se deparou com um caso, no qual a pessoa jurídica teria sido utilizada

como instrumento para a realização de fraudes ou abusos de direito, acabou

coibindo a utilização de uma forma ou de outra, valendo-se dos mais variados

fundamentos.33

Antes de outras proposições, deve-se pontuar os dois elementos

principais na caracterização da desconsideração, dentro da formulação subjetivista:

a fraude e o abuso do direito.

33 Fábio Ulhoa Coelho, Desconsideração da personalidade jurídica, tese de doutorado, p. 11.

32

A fraude seria o artifício malicioso, trama ou manobra engendrada com o

fito de prejudicar terceiro. A ilegalidade se apresenta desde o nascedouro da

situação. Já a teoria do abuso de direito busca o seu fundamento na necessidade de

impor limites éticos ao exercício do direito, direito este, à princípio, legítimo. Assim,

pode-se dizer que ocorre abuso de direito quando o agente exerce seu direito não

visando a um benefício próprio, mas apenas para evitar o direito inconteste de

terceiros. O titular do direito não cria uma situação, pois essa se apresenta a ele,

porém dela se aproveita prejudicando outrem. Nessa formulação subjetiva, só se

admite o abuso de direito quando exercido intencionalmente.

3. 3 Teoria objetiva

A corrente da teoria objetiva sustenta que a desconsideração deve

assumir contornos diversos, em conformidade com as espécies de pessoa jurídica e

as respectivas funções atribuídas pelo ordenamento jurídico. Implica uma constante

revisão ou correção do princípio da personalização jurídica. Abandona-se a idéia de

abuso de direito individual, encarado subjetivamente, em favor da figura do abuso do

instituto, que se caracteriza pela utilização da pessoa jurídica de forma contrária à

função que lhe é atribuída pelo ordenamento.

A teoria objetiva adota, portanto, uma perspectiva funcional do instituto da

pessoa jurídica, reconhecendo a viabilidade da desconsideração não apenas nas

hipóteses de fraude ou de abuso de direito individual, mas também no caso de

desvio de função. Cada categoria de pessoa jurídica detém função específica,

definida pelo ordenamento jurídico, cabendo a desconsideração sempre que

determinado ato se desviar dessa função, independentemente da aferição de

culpa.34

Na análise da formulação subjetiva, não se podem deixar de reconhecer

as dificuldades que surgem no campo das provas. Quando ao demandante se impõe

34 Eduardo Secchi Munhoz, “Desconsideração da personalidade jurídica e grupos de sociedades” em Revista de Direito Mercantil, n. 134, São Paulo, abr./jun. 2004, p.28-29.

33

o ônus de provar intenções subjetivas do demandado, isso muitas vezes implica a

inacessibilidade ao próprio direito, em razão da complexidade de provas dessa

natureza. A teoria objetiva vem a esse propósito, trazendo elementos bem

delineados para a sua aplicação.

A teoria objetiva da desconsideração foi proposta por Fábio Konder

Comparato em sua obra “O Poder de Controle na Sociedade Anônima”. O autor

destaca inicialmente que o efeito jurídico fundamental da personalização é a

separação de patrimônios, e esse efeito não se opera em algumas situações, a

saber:

- na ausência do pressuposto formal estabelecido em lei;

- no desaparecimento do objeto social específico (exploração de uma

empresa determinada) ou do objetivo social (produção e distribuição de

lucro);

- na confusão do objeto social ou objetivo social e da atividade ou

interesse individuais de um sócio.

Não se trata de nulidade absoluta ou relativa do ato, negócio ou relação,

mas de sua ineficácia.35 Segundo essa formulação objetiva, está nos pressupostos

da separação patrimonial, e não no uso que dela se faça, o verdadeiro critério para a

aplicação da teoria da desconsideração ou, mais exatamente, para a suspensão da

eficácia de determinado ato jurídico.

A confusão patrimonial é, portanto, o critério fundamental para a

desconsideração externa corporis. Se, a partir da escrituração contábil ou da

movimentação de contas de depósito bancário, percebe-se que a sociedade paga

dívidas do sócio, ou que este recebe créditos dela, ou o inverso, então não existe

suficiente distinção, no plano patrimonial, entre estas pessoas. Outro indicativo

contundente de confusão a ensejar a desconsideração da personalidade jurídica da

sociedade é a existência de bens de sócio registrados em nome da sociedade, e

vice-versa. Ao eleger a confusão patrimonial como pressuposto da desconsideração,

35 Fábio Konder Comparato, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, p.271-272.

34

a formulação objetiva facilita a tutela dos interesses de credores ou terceiros lesados

pelo uso fraudulento do princípio da autonomia.36

Segundo essa linha de pensamento, as pessoas jurídicas possuem

funções gerais e específicas. A função geral da personificação é a criação de um

centro de interesses autônomo, permitindo a mobilização de recursos e esforços de

uma coletividade em torno de um objetivo comum, a despeito das vicissitudes da

vida de cada membro. Assim, ante a ausência de separação patrimonial e de um

centro de interesses autônomo, caracteriza-se um desvio de função, ou seja, a

utilização da pessoa coletiva de forma incompatível com as funções atribuídas a

esse instituto pelo ordenamento jurídico – criação de um centro de interesses

autônomo, separação patrimonial e limitação da responsabilidade,

independentemente da apuração do elemento subjetivo.

A maior crítica à teoria objetiva é que ela não exaure as hipóteses em que

cabe a desconsideração, à medida que nem todas as fraudes se traduzem em

confusão patrimonial.

3. 4 Teoria maior da desconsideração

Fábio Ulhoa Coelho apresentou sua proposta da teoria da

despersonalização, em que não descarta os pontos positivos e lógicos das

anteriores e procura contornar seus pontos mais combalidos, sendo assim resultante

de estudos e críticas das teorias clássicas apresentadas.

Denominou “teoria maior” o que entende como a teoria da

desconsideração em sua essência, indicando existir em nosso ordenamento uma

teoria de menor sofisticação, criada de maneira prática e empírica, que denominou,

pejorativamente, “teoria menor” da desconsideração da personalidade jurídica.

36 Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial vol. 2, p.43-44.

35

Entende que a formulação subjetiva da teoria da desconsideração deve

ser adotada como o critério para circunscrever a moldura de situações em que cabe

aplicá-la, ou seja, ela é mais ajustada à teoria da desconsideração. A formulação

objetiva, por sua vez, deve auxiliar na facilitação da prova pelo demandante. Quer

dizer, deve-se presumir a fraude na manipulação da autonomia patrimonial da

pessoa jurídica se demonstrada a confusão dos patrimônios dela e de um ou mais

de seus integrantes, mas não se deve deixar de desconsiderar a personalidade

jurídica da sociedade somente porque o demandado demonstrou ser inexistente

qualquer tipo de confusão patrimonial, se caracterizada, por outro modo, a fraude.37

Sua proposta é assim formulada: o juiz pode decretar a suspensão

episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, se verificar que ela foi

utilizada como instrumento para a realização de fraude ou abuso de direito.38 Crê

que a formulação proposta não dá ênfase exagerada ao elemento subjetivo e que

pode até ser encarada como algo intermediário entre as duas proposições clássicas,

incorporando as teorias dos defeitos dos atos jurídicos e do abuso de direito em sua

plenitude. Ressalta ainda que a desconsideração, salvo disposição contrária em lei,

não pode prescindir da prova da intenção de provocar dano a terceiro, ou da

consciência desse dano por meio ardiloso (fraude) ou do exercício irregular de um

direito (abuso de direito). O simples advento de prejuízo a terceiros, sem essas

características, não autoriza o desconhecimento da autonomia patrimonial.

3. 5 Teoria menor da desconsideração

Antes de ser mesmo efetivamente uma teoria, trata-se mais de uma

constatação feita por alguns doutrinadores de que, no seu entender, vêm-se

cometendo exageros jurisprudenciais e até legislativos.

Essa teoria menor se contenta com a demonstração, pelo credor, da

inexistência de bens sociais e da solvência de qualquer sócio, para atribuir a este a

37 Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial vol. 2, p.44. 38 Idem, Desconsideração da personalidade jurídica. tese de doutorado, p.62.

36

obrigação da pessoa jurídica. Sua tendência é considerar o afastamento do princípio

da autonomia à simples insatisfação de crédito perante a sociedade.

A teoria menor da desconsideração é, por evidente, bem menos

elaborada que a maior. Ela reflete, na verdade, a crise do princípio da autonomia

patrimonial, quando referente a sociedades empresárias. De acordo com essa

teoria, se a sociedade não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta

para responsabilizá-lo por obrigações daquela. A formulação menor não se

preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da utilização regular do instituto, nem

indaga se houve ou não o abuso da forma. Se a formulação maior pode ser

considerada um aprimoramento da pessoa jurídica, a menor deve ser vista como o

questionamento de sua pertinência, enquanto instituto jurídico. Assim, no entender

de Ulhoa, a doutrina ao se debruçar sobre os julgados relativos ao assunto

proferidos pela Justiça nacional, deve concluir que alguns juízes brasileiros se

entendem autorizados a desconsiderar o princípio da autonomia patrimonial da

pessoa jurídica, tendo por pressuposto unicamente a frustração do credor da

sociedade.

Essa mesma indignação pode ser observada em vários pronunciamentos

de jurista e operadores do direito. Recentemente a Associação dos Advogados de

São Paulo publicou uma pesquisa monotemática de jurisprudência sobre a

desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho, que causou uma

certa inquietação, não tanto pela forma e freqüência com que o instituto é aplicado,

mas pelos argumentos utilizados para a justificação desta aplicação.39 Para ilustrar

essas ocorrências, foi transcrito de alguns julgados considerações a respeito:

"A pretensão recursal é incluir na lide, como responsáveis subsidiários, os sócios da empresa reclamada. A irresignação procede. Para o sócio figurar no pólo passivo da relação processual não é necessário que a empresa se encontre em situação de insolvência. Isso porque à pessoa jurídica atribui-se personalidade decorrente do grupo (sócios) que a compõe." (Acórdão nº 11.928/2004 – TJ SP) "RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS Impõe-se, mesmo quando solvente a sociedade, pois o grupo de pessoas naturais integrante da pessoa jurídica com

39 Daniel Schmidt Pitta, Abusos na aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 2.

37

esta se confunde, constituindo-se o seu mentor e tornando tangível a essência dessa ficção do direito, conseqüentemente devendo arcar com os ônus trabalhistas resultantes de sua expressão volitiva." (Ementa referente Acórdão nº 11928/2004 – TJ SP) "[...] a teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem aplicação no Direito do Trabalho sempre que não houver patrimônio da sociedade, quando ocorrer dissolução ou extinção irregular ou quando os bens não forem localizados, respondendo os sócios de forma pessoal e ilimitada, a fim de que não se frustre a aplicação da lei e os efeitos do comando judicial executório" ou que "como o sócio não indicou bens livres e desembaraçados da pessoa jurídica, pode-se dizer que é o caso de aplicação da teoria da desconsideração nos presentes autos", ou ainda, "não possuindo bens a executada de forma a garantir a execução (…) é de se manter a constrição sobre os bens particulares dos agravantes, únicos sócios e ambos gerentes da sociedade ré, porquanto não clama a lei qualquer ato formal para a despersonalização e tampouco a autoriza apenas no desvio ou na fraude, autorizando, ao contrário e igualmente, a desconsideração da personalidade também na contingência do insucesso próprio do mercado, visto não restritiva a legislação de regência." (Respectivamente, TST – 5ª T.; AIRR n.° 22.289/2002-900-09-00.2; TRT – 2° Região – 1° T.; Ag. De Petição em ET n.° 01552200305202004 – SP; TRT – 15ª Região; Ag. de Petição em ET n.° 00121-2003-004-15-00-GAP) “Fácil é a qualquer um montar uma empresa privada, geri-la de forma desconcertante e imprudente, maliciosa, até e, posteriormente convocado para responder por danos que a sociedade causou, aduzir, simplesmente, que, diante da integralidade do capital social, não mais responde por qualquer problema inerente à gestão das atividades empresariais. Assim, uma vez esgotado o patrimônio da sociedade, emerge a responsabilidade do patrimônio dos sócios.” (RT 635/226)

A crítica a esse posicionamento é que se for estabelecida no Brasil, como

regra, a Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica, estará se

tornando ilimitada a responsabilidade dos sócios ou acionistas das sociedades para

com as dívidas destas, já que a simples ausência de patrimônio da sociedade

poderá gerar o alcance do patrimônio dos sócios. Como não poderia deixar de ser,

tornar a responsabilidade dos sócios ilimitada, principalmente em sociedades para

cujos sócios a lei expressamente atribui limitação ao montante investido, acarretará

um custo social imensamente maior do que o prejuízo causado aos credores da

sociedade, ainda que trabalhistas, que não tiverem seus créditos honrados por

ocasião do insucesso desta. Com isso, fica prejudicada a atividade econômica no

país e, certamente, ficam prejudicados os diversos agentes a ela relacionados que,

pela aplicação da teoria menor com a justificativa de terem honrado seus créditos

em detrimento da limitação da responsabilidade de sócios e acionistas, estarão

38

impossibilitados de exercer quaisquer atividades no país, visto restar prejudicada a

própria atividade com a qual se relacionavam. Esse raciocínio também se aplica aos

empregos. Se a Justiça do Trabalho insiste em considerar suficiente para a

responsabilização dos sócios a ausência de patrimônio das sociedades, com o

aumento do custo da atividade econômica esta restará reduzida e, com ela, o

número de postos de trabalho oferecidos pelo mercado.40

3. 6 Outras considerações

Não é tarefa fácil a distinção prática na aplicação de uma ou outra

interpretação, pois, de um lado, reforça-se a preocupação de proteger os direitos da

personalidade jurídica, como forma de que ela efetivamente venha a atender ao fim

para o qual foi criada e cumpra a sua função econômico-social diante da ordem

econômica constitucional em vigor, de outro, está a preocupação de que essa

proteção à personalidade jurídica não venha a ser utilizada como obstáculo ao justo

ressarcimento daquele que foi lesado.

Assim, como teoria aplicada, o delineamento feito por Fábio Ulhoa Coelho

busca atender de forma consistente às necessidades de aplicação da

despersonalização pelos juristas; em relação a eventuais citações da teoria da

desconsideração em casos não tão caracterizados como tal, fica a sensação que

está sendo utilizada como uma espécie de reforço de argumentos, a fim de dar uma

sofisticação doutrinária aos julgados, porém de forma equivocada.

A incorporação do conceito da desconsideração à pessoa jurídica feita

pelo ilustre autor também nos parece significativa, pois trás no seu bojo a noção de

que os “privilégios” de tal instituto só poderão ser gozados se este uso não for

vilipendiado.41

40 Ibid, p.4. 41 Fábio Ulhoa Coelho, Desconsideração da personalidade jurídica, tese de doutorado, p.106. Apresenta a conceituação de pessoa jurídica conjugada com a teoria da desconsideração, em que a pessoa jurídica é o sujeito de direito personalizado, incorpóreo e cujo ato constitutivo pode ser episodicamente ineficaz se servir de instrumento para a realização de fraude ou abuso de direito.

39

Como destacado anteriormente, dentro da exposição dos doutrinadores

há uma clara separação entre responsabilização dos sócios por atos ilícitos,

geralmente expressa em lei, e a desconsideração, como institutos totalmente

distintos. Destaca-se o posicionamento do Desembargador Itamar Gaino, que traz

uma interpretação particular e extremamente acurada. Quando vistos os princípios

da desconsideração, observou-se que entre esta e a responsabilização dos sócios

haveria uma linha tênue, de difícil delimitação prática. Itamar Gaino resolve esse

problema da seguinte maneira: há várias formas de exceção à regra de

irresponsabilidade do sócio na sociedade com capital integralizado ou sociedade

anônima. Essas exceções ou estão previstas no ordenamento jurídico, perante o

fisco e a securidade social, para com o crédito trabalhista, com o crédito oriundo de

acidente do trabalho, em atos e situações previstas pelo Código Civil, ou são

decorrentes de abuso ou fraude – a desconsideração da personalidade jurídica.

Assim colocada, a desconsideração é uma das exceções à

irresponsabilização dos sócios, não sendo qualquer situação, caracterizada pelo

inadimplemento da sociedade ou do sócio, que autoriza a desconsideração. Para

que isso ocorra, há de estar presente o pressuposto previsto na lei, qual seja, o

abuso da personalidade jurídica pelos sócios. Sem prova ou mesmo indício da

presença desse pressuposto, não é possível penetrar na personalidade da

sociedade e afrontar o princípio que protege sua autonomia patrimonial em relação

ao patrimônio dos sócios. A desconsideração não pode ser usada, portanto, como

panacéia para a solução de todos os casos de inadimplência da sociedade ou dos

sócios.42

42 Itamar Gaino, Responsabilidade dos Sócios na Sociedade Limitada, p.118.

40

4. DESCONSIDERAÇÃO – ASPECTOS GERAIS

4. 1 Classificações

Pode-se dizer que não há consagrada uma tabulação sobre a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica. Pelo seu aspecto polêmico, parece não

haver suficiente convergência entre os diversos autores para a dissecação de seus

aspectos; assim busca-se trazer alguns desses tópicos, porém alertando de que se

trata de ponderações individuais dos autores e que, de nenhuma forma,

representam uma visão consolidada e unitária.

Nesta tentativa, pode-se compreender como uma forma de classificação o

posicionamento do professor Fábio Ulhoa Coelho, quando divide a teoria em

subteorias: a maior e a menor. A maior seria o uso adequado e correto dos

ensinamentos doutrinários, enquanto a menor seria seu uso equivocado, objetivando

ao atendimento de terceiros, sem um maior envolvimento técnico.

Uma outra classificação, apresentada por Itamar Gaino, é a identificação

de duas espécies de desconsideração: a própria e a imprópria. Considera que a

desconsideração própria é a originalmente concebida para coibir o uso indevido da

pessoa jurídica pelas pessoas físicas, seus integrantes. Visa ao afastamento do

princípio patrimonial da sociedade, para com isso atingir seu patrimônio, o qual se

faz necessário para a satisfação de crédito que o terceiro ostenta perante o sócio.

Pretendendo livrar-se de responsabilidade por dívidas ou obrigações pessoalmente

contraídas por terceiro, o sócio utiliza-se da sociedade, da qual faz parte como

controlador (sócio majoritário), transferindo seu patrimônio particular para o acervo

social ou adquirindo bens, com recursos particulares, mas em nome da empresa,

assim esvaziando seu patrimônio particular ou mesmo deixando de formá-lo; isso

para frustrar a satisfação do direito de terceiro.43 É a configuração clássica e seus

exemplos são os casos apresentados como paradigmas pela doutrina, citados em

“A origem da desconsideração”. 43 Itamar Gaino, Responsabilidade dos Sócios na Sociedade Limitada, p.121.

41

A desconsideração imprópria ocorre quando a execução, iniciada contra a

sociedade, é redirecionada contra o sócio, com a finalidade de apreensão de seus

bens particulares, bens estes que se fazem necessários para a satisfação de crédito

que o terceiro ostenta perante a sociedade. É o inverso da situação concebida

originalmente pela teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Em vez de

cuidar da preservação do patrimônio social necessário a dar respaldo a essa

responsabilidade, os sócios, abusando de seus direitos, agem no sentido de

locupletar-se, apropriando-se de patrimônio social ou de lucros inexistentes, ou seja,

de resultado de caixa imprescindível à cobertura de despesas, com isso esvaziando

o patrimônio social em proveito do patrimônio particular e, assim, frustrando a

satisfação do direito de terceiro. O autor considera que, nesse caso, não há, a rigor,

a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, naquele sentido original

de levantamento do véu protetor de sua autonomia patrimonial. O que ocorre é o

afastamento da sociedade como responsável pela dívida, atribuindo-se a mesma

responsabilidade, agora em caráter subsidiário, a seus sócios, pela conduta irregular

por eles ostentada na condução da atividade empresarial.44

Novamente, pode-se observar a relativa confusão por ocasião da

investidura de uma roupagem doutrinária à teoria. A classificação feita por Gaino

nada mais é que uma questão de sentido da desconsideração; se a

responsabilização vai da pessoa física para a jurídica (própria) ou vice-versa

(imprópria). O caso Salomon, citado como sendo exemplo de desconsideração

própria, é, dentro desse contexto, imprópria, pelos mesmos critérios de classificação

do autor, já que se pretendeu desconsiderar a sociedade e responsabilizar Salomon.

Assim, nessa classificação, como deveria ser, também não se observam

novidades, pois a teoria, conforme apresentada originariamente, concebia essa

variação de sentidos. Nesse mesmo diapasão, há a classificação, por Ulhoa, de um

tipo de desconsideração: a desconsideração inversa, que nada mais é do que o

afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para

responsabilizar a sociedade por obrigação de sócio. É o que Gaino chama de

44 Ibid. , p.125.

42

desconsideração própria. A fraude que a desconsideração invertida coíbe é,

basicamente, o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa

jurídica sobre a qual detém o absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los,

apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada. Seus

credores, em princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens.45

4. 2 Intensidade da desconsideração

O ilustre jurista paranaense Marçal Justen Filho entende que a

desconsideração pode significar tanto total ignorância da personificação societária

como um simples abrandamento desse regime jurídico. Em vista disso, propõe uma

variação quanto à intensidade do superamento: máxima, média e mínima.

Desconsideração total ou máxima consiste na total ignorância da

existência da pessoa jurídica, imputando-se atos e as relações jurídicas diretamente

à pessoa dos sócios (ou vice-versa). Passa-se por cima da pessoa jurídica para

alcançar-se direta e exclusivamente a pessoa do sócio.

Na desconsideração de intensidade média há identificação entre sócio e

sociedade, não se ignorando a existência da pessoa jurídica, mas se toma como se

houvesse uma única e só pessoa ou, mais precisamente, duas pessoas com

posição jurídica idêntica, compartilhando dos mesmos deveres e responsabilidades.

A intensidade mínima consiste na ignorância de um ângulo do regime

jurídico personificatório, quando não se desconsidera a personificação societária

nem a distinção entre sociedade e sócio — mas se considera que sócio ou

sociedade, conforme o caso, têm responsabilidade subsidiária pelos efeitos dos atos

praticados pela sociedade ou pelo sócio, respectivamente.46

45 Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial vol. 2, p. 45 46 Marçal Justen Filho, Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro, p.61.

43

No primeiro caso, de acordo com o raciocínio acima exposto, ter-se-ia

responsabilização direta e exclusiva do sócio. No segundo, haveria caso de

responsabilidade solidária entre sociedade e sócio. Por fim, na terceira hipótese, a

responsabilidade do sócio seria subsidiária. Quanto aos critérios para aplicação dos

vários graus de intensidade, o professor Marçal Justen Filho expõe que essa

intensidade deve corresponder à solução adequada, evitando o máximo de

sacrifícios, ou seja, o que determina uma desconsideração mais ou menos intensa é

a necessidade de evitar o perecimento de um determinado interesse, e não a

variação do abuso cometido.

4. 3 Extensão da desconsideração

Justen Marçal Filho também reputa ser cabível e necessária a distinção

da desconsideração conforme sua extensão, pois variarão as peculiaridades e os

fundamentos, como também as próprias características da superação. Pode-se

distingui-la conforme incida sobre um específico ato jurídico, sobre uma série de

atos e relações jurídicas entre a sociedade e uma pessoa específica e sobre todos

os atos e relações jurídicas ocorridas dentro de um certo período de tempo.

O primeiro caso envolve uma desconsideração de pequena extensão,

porquanto somente um ato específico ou uma específica relação jurídica se sujeita a

seus efeitos — dentro do universo total das relações jurídicas titularizadas pela

sociedade personificada — e esse ato não se sujeitaria ao regime da

personificação. Este seria o caso de desconsideração restrita ou unitária.

O segundo caso envolve a incidência da superação sobre uma pluralidade

de atos e relações jurídicas, mas não se trata de uma simples soma de casos

isolados (o que recolocaria a questão na classe anterior). Todos esses atos e

relações jurídicas surgem unificados porque titularizados por uma mesma pessoa. É

o relacionamento com essa pessoa que se sujeitará à superação da personalidade

jurídica da sociedade. Todos os atos que a sociedade (ou o sócio) praticar

44

referentemente a essa outra pessoa sujeitar-se-ão à aplicação da teoria da

desconsideração. Essa hipótese é indicada como de desconsideração seriada.

A terceira categoria envolve a desconsideração relativamente a todos os

atos, praticados durante um certo tempo, independentemente de vinculação a

específica pessoa; é a desconsideração genérica.47

4. 4 Natureza jurídica

A desconsideração corresponde à não-aplicação, para casos concretos,

do regime jurídico estabelecido como regra para situações de que participe uma

sociedade personificada. Dentro desse aspecto, há a tentativa de se identificar a

natureza jurídica desse fenômeno.

Primeiro, deve-se afastar a desconsideração da categoria de vício dos

atos jurídicos; guardam semelhança no tocante a situações que envolvem exceção à

regra geral somente. Enquanto o vício está ligado à estrutura e à forma do ato, em

que a conduta não corresponde ao modelo normativo, a desconsideração decorre da

descoincidência entre os fins propostos pelo ordenamento jurídico e o caso

concreto. A desconsideração configura-se como um defeito de funcionalidade na

atuação da pessoa jurídica.48

Para alargar esta análise, observa-se que o vício na constituição da

empresa também não corresponde à hipótese de desconsideração, pois o vício na

constituição societária impede o nascimento de um sujeito de direito distinto dos

sócios e, por decorrência, não incide nunca o regime jurídico previsto para o caso de

pessoa jurídica. A confusão de entendimentos se dá, às vezes, porque a revelação

do vício na constituição societária pode acarretar conseqüências práticas

assemelháveis à desconsideração. A grande diferença é que, no caso da

47 Marçal Justen Filho, op. cit., p. 62-63. 48 Ibid. , p.68.

45

desconsideração, o efeito se dá apenas no caso específico, e no vício de

constituição tem-se o efeito geral.

Sob essa perspectiva, a desconsideração decorre de uma disfunção na

atividade societária. Nesse aspecto, temos também o que alguns doutrinadores

chamam de “vícios sociais” (a simulação e a fraude contra credores), que podem

apresentar validade se o exame se restringir à subsunção do substrato fático ao

modelo normativo. O ponto fulcral da “defeituosidade” dessas duas categorias reside

justamente na disfunção verificada. Há uma aproximação entre simulação e fraude

contra credores e a desconsideração, pelo fato de que todas encontram em raiz um

fundamento de mau funcionamento do instituto jurídico, com resultados

incompatíveis com os valores consagrados pelo ordenamento e desejados pela

sociedade.

Essa proximidade entre os ditos vícios sociais e a figura da

desconsideração da personalidade jurídica não importa em identidade entre eles. Os

vícios acarretam invalidade dos atos; assim, a ocorrência daqueles prevalece sobre

a aplicação da teoria da desconsideração. Só se cogita em desconsideração à

medida que se ultrapassa a barreira da validade.

A desconsideração não cogita de invalidade de atos ou da pessoa

jurídica; parte da premissa de que inexistem causas de invalidade para,

exclusivamente, afastar as regras previstas para a pessoa jurídica. Portanto, se o

ato é inválido, não se pode chegar até a desconsideração.

Conclui-se daí que a desconsideração não é fenômeno jurídico interligado

ao plano da validade jurídica, mas ao da eficácia jurídica. Nesse plano, temos a

figura da fraude à execução como semelhante à desconsideração. Na fraude à

execução, não se discute a validade ou não do ato, mas desconhece-se o ato

praticado, retirando, não sua validade, mas sua eficácia.

Para a desconsideração, os atos praticados são, em si mesmos, válidos.

São, mais ainda, atos eficazes. A decorrência jurídica da aplicação da teoria da

46

desconsideração da pessoa jurídica é a do afastamento dos efeitos da

personificação. O que se altera é o regime jurídico relacionado aos sujeitos

envolvidos na prática do ato. Porque esse ato é válido, dá origem a direitos e

deveres (utilizadas as expressões em termos amplos), modificando a situação de

sujeitos. Então, pode-se afirmar que fraude à execução é caso de ineficácia do ato,

enquanto a desconsideração é caso de ineficácia do sujeito (ou melhor, da

personificação de um certo sujeito).49

4. 5 Aspecto processual

É importante observar que a desconsideração tem sido admitida

independentemente de prévia decisão em ação de conhecimento, de modo que se

reconhece ao juiz a possibilidade de se retirar o véu da personalidade jurídica,

determinando a constrição de bens dos sócios, na própria execução movida pelo

credor contra a sociedade.50

O fundamento para essa desnecessidade de ação própria é que não há

previsão de procedimento especial para a desconsideração da personalidade

jurídica. Nem o Código de Defesa do Consumidor, nem o Código Civil, nem outra lei

esparsa estabelece como se deve agir em tal caso. É bem certo, entretanto, que a

jurisprudência vem sistematicamente afastando a necessidade de ação própria para

a desconsideração. Os tribunais, entre eles o Superior Tribunal de Justiça, vêm

admitindo a desconsideração por decisão incidental no processo de ação de

execução proposta contra a sociedade empresária51. Esse posicionamento

49 Marçal Justen Filho, op.cit., p.89. 50 Eduardo Secchi Munhoz, “Desconsideração da personalidade jurídica e grupos de sociedades” em Revista de Direito Mercantil, n. 134, São Paulo, abr./jun. 2004, p.34-35. 51 O Superior Tribunal de Justiça, em precedente muito significativo salientou: “A exigência de que a empresa atingida pelo ato de constrição tivesse participado da ação de conhecimento seria mesmo inatendível, pois o desvio aconteceu depois, exatamente para burlar os efeitos daquela sentença. As provas da fraude e do abuso seriam — como o foram — temas da ação de embargos. De outra parte e para finalizar cumpre anotar que não procede a tentativa de condicionar a aplicação dos princípios da doutrina em questão à prévia decisão judicial em processo de conhecimento. Como o sistema jurídico, em regra, só reclama pronunciamento judicial prévio nos casos de atos anuláveis (por exemplo, na fraude contra credores, art. 106 do Código Civil) e o dispensa quando se trata de atos ineficazes (por exemplo, na fraude à execução, art. 592, V, do Código de Processo Civil), com ele não se harmonizaria o reclamado processo de conhecimento para aplicação da teoria da desconsideração, que

47

jurisprudencial se assenta nos artigos 591 e 592 do Código de Processo Civil, que

distinguem as figuras do devedor e do responsável.

A matéria apresenta nuances, por isso merece tratamento detalhado. Não

dispondo o interessado de título executivo extrajudicial (ou porque seu interesse se

funda em lesão decorrente de ato ilícito praticado pela empresa, ou porque seu

crédito, decorrente de negócio, não se acha representado por título), a ação que lhe

cabe é a de natureza condenatória. Nesse caso, ele pode pedir a citação, em

litisconsórcio passivo, da pessoa jurídica e de seus sócios, imputando a todos a

responsabilidade pelo pagamento de seu crédito - quanto aos sócios, esclarecendo

a natureza subsidiária de sua responsabilidade, em razão da presença dos

pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. O

litisconsórcio decorre da conveniência de envolvimento, na lide, tanto da pessoa

jurídica como de seus sócios. Eis por que, acolhida finalmente a ação, o autor pode

prosseguir com execução contra a pessoa jurídica, com a apreensão de seus bens;

não sendo estes suficientes, passa, então, à apreensão dos bens dos sócios, não

mais podendo estes, porque atingidos pela força da coisa julgada, discutir o aspecto

da responsabilidade pessoal.52

Na doutrina há quem defenda, como faz Ulhoa, a necessidade de ação

própria para a desconsideração da personalidade jurídica, qualquer que seja seu

fundamento. Pondera esse autor que o interessado deve sempre acionar as pessoas

que quer ver responsabilizadas. Se a personalização da sociedade empresária será

abstraída, desconsiderada, ignorada pelo juiz, sua participação na relação

processual como demandada é uma impropriedade. Se o autor não pretende a

responsabilização da empresa, mas sim a dos sócios, então ela é parte ilegítima,

devendo o processo ser extinto, sem julgamento do mérito.

sabidamente apenas opera no campo da ineficácia. Aliás, condicionar a aplicação da teoria da consideração da pessoa jurídica a prévio pronunciamento judicial importa torná-la inteiramente inoperante pelo retardamento de medidas cuja eficiência e utilidade depende de sua rápida efetivação” (Resp 86.502-SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. j. 21.5.1996, DJU 26.8.1996, RSTJ 90/280). 52 Itamar Gaino, op. cit. , p.163.

48

Ulhoa entende, no caso da teoria maior, ser impossível a desconsideração

operada por simples despacho. Alega que se o credor obtém em juízo a condenação

da sociedade (e só dela) e, ao promover a execução constata o uso fraudulento de

sua personalização, frustrando seu direito reconhecido em juízo, ele ainda não

possui título executivo contra o responsável pela fraude. Deverá então acioná-lo

para a obtenção desse título, não sendo correto o juiz, na execução, determinar a

penhora de bens do sócio, transferindo para embargos de terceiros a discussão

sobre a fraude, porque isso significa a inversão do ônus probatório.

Há também juristas mais pragmáticos, que defendem que a exigência de

ação própria praticamente tornaria inefetiva a regra legal, tendo em vista o quadro

atual de morosidade da Justiça. Diante disso, desde que observado o princípio do

contraditório, a questão pode ser dirimida nos próprios autos, inclusive em processo

falimentar, do mesmo modo que a fraude de execução pode ser decretada nos

próprios autos do processo de execução.53

4. 6 Provas

Ao autor cabe o ônus da prova quanto aos pressupostos da

desconsideração. Descumprido esse ônus, a sentença não desconsiderará a

personalidade da sociedade e assim não imputará a responsabilidade aos sócios.

A prova pode consistir em certidão do oficial de justiça, com informações

relevantes à atividade empresarial da sociedade quanto ao seu acervo patrimonial

(ou ausência, tanto de atividade como de patrimônio). Pode compreender

documentos contábeis, fiscais e quaisquer outros. Elementos informativos como

esses podem não significar provas diretas do abuso da personalidade jurídica, como

é comum acontecer, mas podem consistir em indícios capazes de induzir a

conclusão, ainda que provisória, quanto à prática do abuso. Com base neles, o juiz

forma seu convencimento e procede à desconsideração. A colheita das melhores

53 João Batista Lopes, “Desconsideração da personalidade jurídica no novo código civil” em Revista dos Tribunais, v. 818, São Paulo, dez. 2003, p.44.

49

provas fica relegada ao âmbito dos embargos a ser oferecidos pelos sócios

envolvidos na execução ou que tiverem seus bens arrecadados no processo de

falência.54

Está se considerando o caso de decisão prolatada de forma incidental,

pois em um processo cognitivo caberá a produção de provas. Deve-se relembrar

que há correntes que não aceitam essa possibilidade de decisão incidental como

correta, porém não predominam na jurisprudência pátria.

A prova meramente indiciária se justifica pela circunstância de o processo

de execução não comportar a fase instrutória, nele não sendo possível a produção

de forma pericial (salvo avaliação de bens penhorados) e de provas orais.

Desconsidera-se a personalidade jurídica com base nos elementos informativos

existentes e que indicam a presença dos pressupostos legais. No curso do processo

de embargos à execução, sim, viabiliza-se a produção de todas as provas,

proferindo o juiz, então, um julgamento mais seguro e definitivo. Em caso de

procedência dos embargos, é afastada a desconsideração e excluem-se os sócios

da execução, extinguindo-se o processo em relação a eles.

54 GAINO, Itamar, op. cit., p.171-172.

50

5. A DESCONSIDERAÇÃO E SUAS APLICAÇÕES

5. 1 Desnecessidade de regulamentação

Como já visto, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi

incorporada em alguns dispositivos legais, a saber: artigo 28 do Código de Defesa

do Consumidor; artigo 18 da Lei Antitruste; artigo 4º da legislação de proteção ao

meio ambiente e, mais recentemente, artigo 50 do Código Civil. São vários, porém,

os argumentos que justificam sua aplicação sem a necessidade de texto legal.

De cunho filosófico, argumenta-se que, diante de fraude ou abuso de

direito, o juiz não deve agarrar-se a conceitos tradicionais, tomando por absoluto o

princípio da autonomia patrimonial, e perpetuar uma fraude. Esse posicionamento,

aliás não mais questionado, tem como fundamento os artigos 4º e 5º da Lei de

Introdução ao Código Civil, que suprem, plenamente, a ausência de norma jurídica

específica sobre a teoria da desconsideração, instrumentalizando suficientemente o

juiz para aplicá-la nos casos em que couber.55

5. 2 Direito de família

É comum o uso da desconsideração da personalidade jurídica no

ambiente do direito de família, mormente no caso de disputas matrimoniais, quando

um dos cônjuges ou companheiros, ao adquirir bens de maior valor, registra-os em

nome de pessoa jurídica sob o seu controle, a afim de que eles não integrem, sob o

ponto de vista formal, a massa a partilhar. Ao se desconsiderar a autonomia

patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-

cônjuge ou ex-companheiro do sócio.56 É o que Ulhoa chama de desconsideração

invertida e Gaino de desconsideração própria.

55 Fábio Ulhoa Coelho, Desconsideração da personalidade jurídica, Tese de doutorado, p. 38. 56 Idem, Curso de Direito Comercial vol. 2, p.45

51

5. 3 Direito falimentar

Tanto no direito falimentar como no direito tributário, são constantes as

divagações sobre se se trata de mera imputação, de previsão legal de

responsabilização direta ou de uso da desconsideração da personalidade jurídica.

Itamar Gaino observa que, até o advento da nova Lei de Falências (Lei nº

11101/2005), a desconsideração vinha sendo decidida de modo incidental no

processo de falência. Sua freqüência era oriunda de fraude contábil, consistente na

constituição de uma segunda sociedade empresária, para, com essa aparente

confusão de identidade e patrimônio, permitir que o falido, em nome de outrem

continuasse praticando o comércio, livre da inadimplência anterior. Segundo o artigo

82 da nova lei, porém, será necessária ação de responsabilização dos sócios, de

procedimento ordinário, de competência do juízo universal da falência, podendo se

pleiteada a indisponibilidade de bens no início do processo.57

Aqui se tem um ponto de interseção com o Código de Defesa do

Consumidor, que prevê a desconsideração no caso de falência decorrente de má

administração. Nesse caso, não há necessidade de propositura de ação de

responsabilização, e a desconsideração poderá ser permitida desde que seja dado

ao sócio chance de manifestar-se e o pressuposto da desconsideração persista. Se

esse credor consumidor vier a concorrer com os demais, terá preferência sobre o

patrimônio dos sócios.58

5. 4 Direito tributário

Talvez nesse ponto esteja a maior divergência quanto à aplicação da

disregard doctrine, precipuamente pelo previsto pelo artigo 135, inciso III, do CTN,

que prevê que os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de

direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a

57 Responsabilidade dos Sócios na Sociedade Limitada., p.147. 58 Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro vol.1, p.261.

52

obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou

infração à lei, contrato social ou estatutos. A maioria dos doutrinadores nacionais

clássicos, estudiosos do tema, como João Casillo, Lamartine Correa, Fábio Ulhoa

Coelho e Justen Marçal Filho, considera essa hipótese não como desconsideração,

mas como norma legal de imputação de responsabilidade a terceiros, conforme

ponderações já expostas na parte final de “Origens da desconsideração e de sua

teoria”. Existe, porém, uma parcela significativa de operadores do direito que

abraçaram um entendimento antagônico. Talvez seja o efeito da teoria menor

propalada por Ulhoa.

Sobre esse tema, Justen Marçal Filho levanta outros argumentos aos já

apresentados. Para ele, ao contrário do direito do trabalho, no direito tributário há

um tratamento muito menos extensivo, pois impera o princípio da legalidade estrita

com colorações muito rígidas. Mais do que qualquer outro ramo do direito, no

tributário é a lei que determina estritamente as faculdades do sujeito ativo e os

deveres do sujeito passivo.59

Seguindo esse mesmo raciocínio, Itamar Gaino afirma que a imputação

de responsabilidade, nos termos do artigo 135, III, do CTN não guarda relação com

a teoria da desconsideração, reinando dissensão sobre se seria responsabilidade

por transferência ou por substituição, mas esse é um outro assunto.

Em um estudo sobre “ICMS – Responsabilidade dos Sócios”, a

Procuradoria Fiscal do Estado de São Paulo conjuga esse mesmo pensamento,

porém, ao associar esse dispositivo ao artigo 50 do Código Civil, entende que a

desconsideração pode se dar de forma incidental nos processos de execução fiscal

em que se configuram os pressupostos normativos, alertando, porém, que cada

caso concreto deve ser estudado em um amplo contexto. Assim, visto por esse

prisma, os ensinamentos de Marçal Filho e de Gaino convergem, pois em um caso

em que a ilicitude resulte em crédito tributário e a imputação deste seja elidida pela

59 Marçal Justen Filho, Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro, p 111. Pela sua análise deste artigo 135, conclui que “não incidirá a desconsideração em todo e qualquer caso em que o sócio atuar de modo ilícito ou abusivo – mas somente se tal ilicitude ou abuso forem aptos a provocar a fraude a direito alheio, sanável exclusivamente pela via da desconsideração”.

53

figura da pessoa jurídica, é que deve-se ter aplicada a desconsideração da

personalidade jurídica. Convém salientar que a desconsideração tem caráter

subsidiário, ou seja, sua aplicação apenas se justifica quando não é possível a

solução do problema com base em causa de imputação direta de responsabilidade

ao sócio ou com base em outro instituto jurídico, como a nulidade, a anulabilidade, a

fraude contra credores, etc.60

Ainda dentro do campo tributário, recorremos mais uma vez ao professor

Marçal Filho, que traz o caso em que se considera distribuição disfarçada de lucros,

para efeito de apuração, o negócio realizado com o sócio controlador quando há

uma operação entre a sociedade e outra, em que o controlador tenha direta ou

indiretamente interesse. Assim, desconsidera a personificação dessa sociedade

intermediária, para atribuir os atos praticados formalmente por ela diretamente ao

acionista controlador. Trata-se de caso de desconsideração de intensidade máxima,

em que se ignora a existência da pessoa jurídica, bem como de extensão restrita, a

essa única operação.61

Na mesma linha de raciocínio, em 22 de novembro de 2005 foi editada a

Lei nº 11.196/2005, oriunda da “MP do Bem”, que tem no seu artigo 129 62 matéria

de ordem fiscal e previdenciária, portanto tributária, conjuminada com a

desconsideração. O artigo 129 aplica-se a pessoas jurídicas prestadoras de

serviços intelectuais, às quais é vedado abusar de sua personalidade para fins

fiscais ou previdenciários, ou seja, abre-se a possibilidade da desconsideração de

sua personalidade63. Nesse sentido, pode-se dizer que o artigo 129 não inova,

apenas explicita o que resulta do sistema jurídico como um todo.

60 Itamar Gaino, op. cit., p 59. 61 Marçal Justen Filho, op. cit., p.112-114. 62 “Art.129 – Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art.50 da Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil” 63 Douglas Yamashita, “Desconsideração da personalidade jurídica abusiva em direito tributário e previdenciário à luz do art.129 da Lei 11196/05” em Revista Dialética de Direito Tributário, n. 127, São Paulo, abril 2006.

54

Recentemente, a Fazenda do Estado de São Paulo, no intuito de dificultar

a sonegação estruturada, incluiu a inadimplência fraudulenta entre as hipóteses de

suspensão e de cassação da inscrição estadual do contribuinte64. O que chama a

atenção é a definição dada a esta figura pelo parágrafo 4º do artigo 20 da Lei nº

6374/89, que considera inadimplência fraudulenta a falta de pagamento de débito

tributário vencido, quando o contribuinte detém disponibilidade financeira

comprovada, ainda que por coligadas, controladas ou seus sócios.

Ressalta-se que a positivação da desconsideração, em matéria tributária,

não deve ser enxergada como um remédio de uso geral, com sua interpretação

desvinculada de um caso concreto, sob pena de que se cometam exageros, muitas

vezes insanáveis.

5. 5 Direito do trabalho

Também concernente à discussão anterior, porém agora em sentido

inverso, boa parte dos autores, como João Casillo, Justen Marçal Filho, Flávia

Lefèvre Guimarães e Maria Helena Diniz, entre os pesquisados, reconhecem que o

artigo 2º, § 2º, da CLT corresponde à aplicação da teoria da desconsideração.

Rubens Requião faz esta referência em sua palestra inaugural do tema, silenciando-

se em trabalho posterior. Fábio Ulhoa Coelho não cita em nenhum dos trabalhos

estudados essa norma, porém, pelo sentido geral de sua exposição temos a

sensação de entendimento contrário ao tema, que seria mera responsabilização,

tese sustentada por Itamar Gaino e Glauber Moreno Talavera,65 que a enxergam

como simples insuficiência patrimonial do contratante, autorizando o avanço dos

atos executórios sobre os bens das demais empresas coligadas.

Dispõe o referido artigo, em seu parágrafo 2º que sempre que uma ou

mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria,

estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo

64 Através da Lei nº 12.294/06, que alterou o artigo 20 da Lei nº 6374/89 – do ICMS. 65 Glauber Moreno Talavera, em C.E.N. Camillo et al, Comentários ao Código Civil, p.137.

55

industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os

efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e

cada uma das subordinadas.

Atente-se para a circunstância de que a CLT não exige a prova de fraude

nem de abuso para que outras empresas, que não a empregadora, respondam por

débitos trabalhistas desta; basta que integrem o mesmo conglomerado.66

Tampouco está inserta a confusão patrimonial, e assim não se observam nem os

pressupostos objetivos nem subjetivos da teoria. Então podemos concluir que não

se trata de desconsideração?

Nesse caso a resposta não é tão simples como parece à primeira vista.

Dentro dos parâmetros gerais da doutrina, pode-se responder que não, porém está

claro que o texto legal desconsidera a personalidade de cada uma das empresas e,

pelo elo que as une, a direção ou controle, as considera como uma só pessoa,

episodicamente, apenas para o caso concreto – a relação de emprego. Não há uma

ilicitude caracterizada, como nos casos de responsabilização.

Será que agora pode-se responder afirmativamente à questão? Apesar

de a conseqüência ser sempre a mesma, deve-se buscar o melhor entendimento

novamente nas lições de Marçal Justen Filho. Esse ilustre professor expõe que,

pela diversidade de interesses tutelados, os diversos ramos do direito prestigiam

com mais ou menos intensidade determinados princípios e, assim, não podemos

pretender uma teoria da desconsideração com contornos rigidamente unitários.

Nesse caso, não se trata de consagrar a teoria menor, mas do específico

interesse tutelado, a relação empregatícia. O direito do trabalho, por sua

impostação característica, inadmite obstáculo jurídico ou “formal” para a tutela do

direito do trabalhador. Efetiva uma valoração, reputando a faculdade jurídica

outorgada ao trabalhador como insuscetível de qualquer sacrifício. Como a

66 Flávia Lefèvre Guimarães, Desconsideração da personalidade jurídica no código do consumidor, p. 35-37

56

personificação societária é instrumento de sacrifício de faculdades alheias, o direito

do trabalho ressalva o campo das relações empregatícias.67

Em outro exemplo, se alguém é “empregado” de uma determinada

pessoa jurídica e presta serviços a outra, o direito do trabalho desconsidera a

personalidade jurídica da primeira sociedade. O vínculo empregatício atinge a

segunda pessoa jurídica, em toda sua extensão (desconsideração máxima e

seriada). Temos também o caso de “pessoa jurídica empregada”, em que os efeitos

recaem sobre o empregado e a pessoa jurídica a quem ele presta trabalho, tal como

se inexistisse a pessoa jurídica intermediária (desconsideração máxima e restrita).

5. 6 Meio ambiente

Uma referência expressa à teoria da desconsideração no direito positivo

brasileiro, encontra-se no artigo 4º da Lei nº 9605/98, que dispõe sobre a

responsabilidade por lesões ao meio ambiente. Segundo os termos do dispositivo, a

pessoa jurídica poderá ser desconsiderada sempre que sua personalidade for

obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Fábio Ulhoa Coelho adverte que não se pode interpretar essa norma em

descompasso com os fundamentos da teoria. Quer dizer, na composição dos danos

à qualidade do meio ambiente, a manipulação fraudulenta da autonomia patrimonial

não poderá impedir a responsabilização de seus agentes. Se determinada

sociedade empresária provocar sério dano ambiental, mas, para tentar escapar à

responsabilidade, seus controladores constituírem nova sociedade, com sede,

recursos e pessoal diversos, na qual passem a concentrar seus esforços e

investimentos, deixando a primeira minguar paulatinamente, será possível, por meio

da desconsideração das autonomias patrimoniais, a execução do crédito

ressarcitório no patrimônio das duas sociedades.68

67 Marçal Justen Filho, op.cit., p 103. 68 Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial vol. 2, p 53.

57

Apesar da observação acima, Itamar Gaino, amparado por artigo de

Alvarez Vianna, entende que se trata de uma ampliação da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica, pois não guarda relação com a teoria

clássica. Alega haver a determinação da superação da personalidade jurídica

sempre que houver dano ao meio ambiente, não sendo necessário investigar, para

efeito de imputação de responsabilidade subsidiária aos sócios, se eles agiram ou

não com abuso de direito. A norma presume o abuso de direito por parte dos sócios

ou administradores sempre que a atuação da pessoa jurídica causar o dano. Ainda

assim, essa ampliação mostra-se perfeitamente compatível com a tutela do meio

ambiente, conforme previsão constitucional. A magnitude do bem ambiental e sua

importância à preservação vida justificam o tratamento diferenciado.69

5. 7 Direito do consumidor

O artigo 28 da Lei nº 8078/90, conhecida como Código de Proteção e

Defesa do Consumidor (CDC), constitui o primeiro dispositivo legal a mencionar a

desconsideração da personalidade jurídica:

“Art.28 - O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (...) § 5º - Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.

Mesmo tendo sido recebido com efusivas homenagens, a possibilidade de

desconsideração da personalidade jurídica inserida no CDC também gerou

discussões doutrinárias. Serão expostas as divergências e suas fundamentações,

porém, quando certos autores discordam do sentido da desconsideração adotado

pela lei e de sua interpretação extensiva, não se deve concluir que estão contra os

69 Itamar Gaino, op. cit., p.144-145.

58

consumidores, mas contra uma técnica que entendem não ser a mais apropriada

para buscar tal tutela.

No dizer de Flávia Lefèvre, é notória a forma abusiva de atuar de grande

parte das entidades poderosas economicamente, principalmente nos países de

Terceiro Mundo, como o Brasil, onde reside a desorganização da sociedade civil,

com poucos instrumentos a defender práticas iníquas. A globalização não reverte

essa tendência, muito ao contrário.70

O consumidor é sempre a parte fraca da relação jurídica que se

estabelece entre ele e empresas bem estruturadas, especialmente as de grande

porte, que realizam os chamados “contratos de adesão”, que servem para todos os

negócios indistintamente e cujas cláusulas não podem ser discutidas. Assim, o artigo

28 serve de instrumento para garantir a satisfação de direitos, objetivando uma

proteção especial ao consumidor, e sua defesa efetiva e eficaz.

Primeiro, deve-se discorrer sobre o caput, onde são listadas como

pressupostos para a desconsideração as figuras: abuso de direito, excesso de

poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social,

falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica

provocados por má administração. Ulhoa e Gaino concordam que somente se deve

cogitar a desconsideração no caso de abuso de direito, pois todas as demais figuras

concernem à imputação direta de responsabilidade aos sócios e administradores,

pelo direito societário.71

Flávia Lefèvre, amparada por entendimento da Dra. Thereza Arruda

Alvim, nota que o artigo 28 do CDC prima pela abrangência e generalidade no trato

da questão da desconsideração, enquadrando outros institutos jurídicos, porém

ressalta que, uma vez encampada pelo direito positivo, a teoria deixa de ser uma

70 Flávia Lefèvre Guimarães, op. cit., p. 47. 71 Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial vol. 2, p 50-51. Ulhoa vai mais além, afirmando que “se a imputação pode ser direta, se a existência da pessoa jurídica não é obstáculo à responsabilização de quem quer que seja, não há porque cogitar do superamento de sua autonomia. Não há nenhuma dificuldade em estabelecer essa responsabilização”.

59

teoria, por estar grafada em texto de lei e passa a ter os contornos que a norma

definiu. Pondera também que, nos casos de falência, estado de insolvência,

encerramento ou inatividade da pessoa jurídica causados por má administração, o

artigo 28 trouxe um ônus probatório extremamente pesado para o consumidor.

Mesmo levando-se em conta a possibilidade de inversão do ônus da prova nas

questões do CDC, este, para obter sucesso na tarefa de fazer verossímil aos olhos

do juiz suas alegações, terá de buscar fortes argumentos. Isso porque má

administração é conceito abstrato e de difícil demonstração até para quem está

dentro da empresa, participando de suas atividades.72

Ainda dentro deste artigo 28, a divergência continua na interpretação de

seu parágrafo 5º. Suzy Elizabeth Cavalcante Koury, Rizzatto Nunes e Flávia Lefèvre

fazem uma interpretação literal, em que “também” poderá haver a desconsideração

“sempre” que a personalidade jurídica configurar obstáculo ao ressarcimento do

dano sofrido pelos consumidor, ficando dispensada a presença de qualquer dos

demais requisitos colocados pelo caput. Essa enumeração dos fundamentos legais

para a desconsideração do caput do artigo 28 não seria numerus clausus, tendo

caráter meramente exemplificativo e devendo ser entendida em consonância com os

objetivos visados pelo legislador ao elaborar a norma. Esse posicionamento é

corroborado pelo parágrafo 5° do artigo em exame, no qual se prevê a possibilidade

de aplicação da disregard doctrine sempre que a forma da pessoa jurídica for, de

alguma maneira, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos

consumidores. Suzy Koury vai ainda mais longe, quando comenta que o dispositivo

estaria a consagrar “apropriadamente a teoria da desconsideração.” 73

Lefèvre conclui que nada há de impedir ou mesmo desqualificar

dispositivo legal que adote determinada teoria, incorporando a ela certas

particularidades que levem à sua adequação às necessidades da comunidade à qual

se dirige o ordenamento jurídico, não devendo, nesse caso, deixar de considerar ser

72 Flávia Lefèvre Guimarães, op. cit., p. 51-54. 73 Suzy Elizabeth Cavalcanti Koury, A desconsideração da personalidade jurídica e os grupos de empresas, p.195.

60

sempre indispensável a prova do dano e do nexo de causalidade entre este e o fato

decorrente da relação de consumo.

Em relação ao mesmo parágrafo 5º, novamente Ulhoa, Gaino, entre

outros, têm pensamento mais restritivo, considerando ser seu único pressuposto o

de consistir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica em obstáculo ao

ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Entendem assim, porque

senão haveria conflito entre este parágrafo e o caput, tornando as hipóteses do

caput como letra morta. Gaino cita inclusive o ponto de vista defendido por Ada

Pellegrini Grinover na obra Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado

pelos autores do anteprojeto, em que o parágrafo 5º teria sido vetado, havendo

equívoco de redação na referência à revogação do parágrafo 1º. 74

5. 8 Lei Antitruste

A Lei Antitruste, Lei nº 8884/1994 dispõe, em seu artigo 18, o seguinte: “Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento oi inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.

Esse artigo praticamente reproduz o caput do artigo 28 do CDC, no

tocante à teoria da desconsideração da personalidade jurídica, porém essa

desconsideração pode ser verificada em duas oportunidades: na configuração da

infração da ordem econômica e/ou na aplicação da sanção. A penalidade deve

estender-se às outras sociedades por acaso existentes entre os mesmos sócios, que

tenham objeto idêntico ou semelhante.75

74 Itamar Gaino, op. cit., p.134. 75 Tatiana Lopes Balula, “A teoria da desconsideração sob a égide da lei antitruste” em Revista Derecho Internacional, vol. 6, São Paulo, 2002, p.45.

61

Deve-se lembrar que esse dispositivo tem inspiração no longínquo caso

da Standart Oil Co., comentado anteriormente, e que cabem as mesmas

divergências do item precedente.

5. 9 Código Civil - Artigo 50

“Art. 50 – Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

É consenso entre a maioria dos estudiosos que o legislador consagrou a

teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao trazer à luz da vigência esse

dispositivo legal. Sua redação foi-se aprimorando desde o início da década de 1970,

quando, já insculpida no anteprojeto, recebeu várias críticas e propostas de juristas

consagrados, como José Lamartine Correa de Oliveira, Rubens Requião e Fábio

Konder Comparato. De maneira geral, entende-se que emprestou adequada

elasticidade ao instituto, porquanto se contemplou não apenas a hipótese de abuso

(teoria subjetiva), mas também as situações de desvio de finalidade e de confusão

patrimonial (teoria objetiva).76

Cabe ressaltar ainda que essa previsão legal não é limitativa, permitindo a

utilização do instituto nos diversos ramos do direito, respeitando a diversidade e

especificidade de cada um; afinal, não existem ramos autônomos e o direito é um

só.

O que autoriza a desconsideração é o abuso da personalidade. Luiza

Rangel de Moraes sugere alguns critérios práticos para identificação das figuras do

texto legal. Assim, para o abuso da poder, teríamos: o subjetivo (ou da

intencionalidade), que está ligado à intenção de prejudicar; o técnico (da

culpabilidade); o econômico (ou da falta de interesse legítimo) e o finalista

(caracterizado pelo desvio de finalidade). Para o desvio de finalidade, busca a 76 João Batista Lopes, “Desconsideração da personalidade jurídica no novo código civil” em Revista dos Tribunais, vol. 818, São Paulo, 2003, p.43.

62

conceituação que lhe dá o direito público, quando o titular do ato, embora agindo nos

limites de sua competência, o pratica por motivos ou com fins diversos dos

objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade é a

violação ideológica da lei, ou por outras palavras, a violação material e moral da

lei.77

Aspecto estritamente objetivo, a confusão patrimonial não carece de

fundamentações doutrinárias, bastando seu reconhecimento através de auditorias

contábeis e fiscais. Recebe os seguintes comentários do jurista argentino Daniel E.

Moeremans, numa tradução livre:78 “Os membros de uma pessoa jurídica somente podem alegar a limitação de responsabilidade que têm, baseados no princípio da autonomia patrimonial, quando eles mesmos respeitam esta divisão”.

Apesar de bem aceito, esse dispositivo legal ainda recebeu (leves)

críticas. Ulhoa, que defende que a teoria subjetiva seria a mais adequada, disse que

o Código Civil de 2002 não contempla nenhum dispositivo com referência específica

à desconsideração da personalidade jurídica, contendo, porém, norma destinada a

atender às mesmas preocupações, ou ainda, que o artigo 50 é inspirado na

formulação objetiva de Comparato. Há quem aponte a falta de indicação do termo

“fraude”. Outros acusam a ausência da desconsideração invertida, porém, nada

impede que a jurisprudência, interpretando extensivamente, admita a incidência

nesta hipótese.

A ausência de alusão expressa à desconsideração é irrelevante, como

também o uso do termo “fraude”, já que sua idéia está, de certa forma, implícita na

redação do artigo 50. É inegável a presença de conceitos da teoria subjetiva em sua

formulação, pois há a menção explícita do abuso e a noção de fraude está embutida.

O que transparece, à vista deste estudo, é que esse dispositivo reflete um

pensamento sofisticado, um avanço de conceitos.

77 Luiza Rangel de Moraes, “Considerações sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicação na apuração de responsabilidade dos sócios e administradores” em Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, nº 25, São Paulo, jul./set. 2004, p.36. 78 Apud José Tadeu Neves Xavier, “A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no novo código civil” em Revista de Direito Mercantil, vol. 41, São Paulo, out./dez. 2002, p.144.

63

A despersonalização, como regra geral, não se justifica pela simples

existência de uma dívida, e é mister a presença do pressuposto específico do abuso

da personalidade jurídica praticado pelo sócio com a finalidade de lesão de direito a

terceiro. O ilícito que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica deve

caracterizar-se pelo uso da própria autonomia subjetiva da pessoa jurídica.

64

6. CRÍTICAS E CONSIDERAÇÕES

Após a exposição de um tema polêmico, transparece ser importante que

não se conclua este trabalho sem trazer à tona algumas críticas colhidas sobre a

desconsideração. Não são críticas como as pronunciadas por Pontes de Miranda,

em idos tempos, quando a disregard doctrine era vista apenas como uma invenção

alienígena, somente aplicável na common law.79

Pouco a pouco, a desconsideração passou a ser incorporada ao direito,

como uma solução técnica e moderna. Cabe salientar que essa resistência não

ocorreu somente no direito nacional, mas praticamente em todo direito de tradição

romanista. Para tal, saindo dos estudos iniciais, recebeu novos contornos, com

posicionamentos mais objetivos, elaboraram-se teorias com maior robustez, e

finalmente, a desconsideração positivou-se em leis. É um caminho de cinqüenta

anos apenas.

E a crítica ainda permanece! Apesar desses inegáveis avanços, o

comentário que se faz é de que os dispositivos legais não são suficientes para

eliminar a incerteza sobre a matéria, pois remanescerá aos juízes ampla margem

para interpretar conceitos genéricos (abuso da personalidade jurídica, desvio de

finalidade, confusão patrimonial), segundo critérios que pareçam mais adequados à

justiça do caso concreto.

Até no direito anglo-saxão há corrente doutrinária que chega a defender a

abolição da teoria, pois, baseando-se em casos específicos, não há preocupação

com os efeitos sociais gerais de cada decisão. A multiplicidade de critérios adotados

e a existência de decisões conflitantes diante de quadros fáticos análogos, que

caracterizam a jurisprudência sobre a teoria da desconsideração, impedem a

79 Ponte de Miranda, Tratado de direito privado, vol. L, p.303. Inflamava-se o ilustre mestre, que, no seu dizer, o disregard of Legal Entity nada mais era do que o desprezo das formas de direito das pessoas jurídicas, “provêm de influências, conscientes e inconscientes, do capitalismo cego, chegando a negar, por vezes, a ‘pessoa’ jurídica privada, prepara o caminho para negar a ‘pessoa’ do Estado. Tal internacionalismo voraz e a metafísica da extrema esquerda empregam, de lados opostos, as mesmas picaretas.”

65

formação de precedentes que possam servir de diretrizes para as decisões

posteriores, impossibilitando o normal funcionamento do common law.80

Nesse mesmo sentido, encontram-se também várias críticas a julgados

pátrios que teriam se fundamentado na teoria da desconsideração de forma

equivocada. A própria denominação teoria menor da desconsideração, sugerida por

Ulhoa vai a este encontro. A crítica gera uma ponderação e aperfeiçoamento dos

institutos, mas também é necessário um maior preparo técnico dos operadores do

direito por ocasião da aplicação da desconsideração.

Alega-se que a dificuldade em encontrar uma sistematização teórica

adequada para a doutrina da desconsideração parece decorrer, em grande parte, de

sua ambição de abranger genericamente a Crise da pessoa jurídica (título do mais

completo estudo brasileiro sobre a matéria, de José Lamartine Corrêa de Oliveira). A

crise da pessoa jurídica no direito societário teria aspectos diferentes da verificada

no âmbito do direito do trabalho, tributário, do consumidor, ambiental, entre outros,

tornando hercúlea a tarefa de chegar a um conceito genérico, capaz de abranger

essas diferentes realidades a partir de pressupostos seguros de aplicação.81

Nessa seara ainda há muito que evoluir. Há quem reclame que o texto do

artigo 50 do Código Civil pecou ao omitir-se sobre a limitação de responsabilidades

dos sócios quando ocorre a subcapitalização da empresa82.

Nosso sistema jurídico, na esteira da legislação de outros países, não

estabelece regra genérica sobre a exigência de capital mínimo para a constituição e

funcionamento das sociedades comerciais. As leis e os princípios societários têm

incidência, tanto no caso de constituição de uma pequena sociedade de âmbito

familiar para exploração de atividade mercantil de reduzida monta e de visão

despretensiosa, quanto no caso de união de gigantesco capital para a exploração de

atividade econômica de alta complexidade, de atividade industrial. Os estudiosos do

80 Eduardo Secchi Munhoz, “Desconsideração da personalidade jurídica e grupos de sociedades”, cit., p.36. 81 Ibid, mesma página. 82 José Tadeu Neves Xavier, “A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no novo código civil”, cit., p.146.

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tema vislumbram um princípio, ou seja, o capital social deve ser adequado a que a

sociedade desenvolva sua atividade sem gerar riscos exagerados no mercado

(princípio da adequação do capital social).

Oriunda também das transformações contemporâneas, temos a crítica da

aplicação da teoria a corporações e grupos econômicos. Esses gigantescos seres,

ou conjunto de pessoas jurídicas, merecem um tratamento à parte. Não sabemos se

para o bem ou para o mal. Fábio Konder Comparato já dizia que o processo de

concentração do poder econômico é inelutável e passa, necessariamente, pelo

grupo de empresas.

Essa enorme gama de riquezas e poder afeta a estrutura patrimonial

autônoma, à medida em que, geralmente, transforma os patrimônios das diversas

sociedades em instrumentos para a realização de um interesse global, distinto

daquele que seria ostentado por cada uma delas, se atuassem de forma isolada.

Os ativos e passivos de cada sociedade transformam-se em ativos e passivos de

todo o grupo, sendo transferidos e alocados entre seus diversos integrantes, no

exclusivo interesse desse grupo, segundo a estratégia empresarial globalmente

concebida para enfrentar as exigências econômicas de cada momento. Nos grupos

de sociedades, a interferência na autonomia da pessoa jurídica, seja no aspecto

patrimonial, seja nos aspecto organizativo, é de natureza estrutural.83

Assim, tanto a finalidade dessas pessoas como seu patrimônio se tornam

fluidas, de difícil definição; logo como tratá-las pela disregard doctrine? Para esses

críticos, a questão dos grupos, portanto, não seria solucionada com a teoria da

desconsideração, mas com a revisão dos conceitos sobre a pessoa jurídica,

necessitando uma regulação própria, aderente à realidade empresarial.

83 Eduardo Secchi Munhiz, op. cit., p.39.

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CONCLUSÃO

Dentre as preocupações expostas, a que se deve afastar de plano é

sobre a suposta ambição da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em

abranger o tema de maneira genérica. Deve-se discordar desse posicionamento,

pois, conforme se pretendeu demonstrar, a teoria da desconsideração, como

assentada na doutrina, deve ser vista como um ponto de partida, onde cabem as

considerações posteriores voltadas a cada área de aplicação. A aplicação da

desconsideração é que deve estar ligada a funcionalidade da pessoa jurídica dentro

de cada ramo do direito, porque visa, sempre, a um caso específico e de forma

episódica.

Mesmo em relação às áreas de aplicação, os debates sobre a

desconsideração estão longe de se exaurirem, pois novas situações virão com a

constante evolução comercial, globalização, e-business, comércio virtual, e outros.

Deve-se pontuar também, que a inclusão da desconsideração como uma

das formas de responsabilização traz um tratamento técnico ao assunto, devendo

utilizá-la de maneira residual, apenas quando todos os preceitos legais à respeito já

tiverem sido verificados e não se adequarem ao caso. Assim, pode-se eliminar

muitas das fundamentações equivocadas.

Nascida da necessidade de superar o princípio da autonomia patrimonial,

visando a inibir e coibir fraudes, a desconsideração se cobre de um manto

doutrinário sofisticado. Todavia, pode-se constatar que vem sendo utilizada de

forma atabalhoada, às vezes como um reforço de argumentos, mais difíceis de

serem combatidos porque se desconhece seus fundamentos, mas também sob um

caráter “social”, afinal alguém foi indubitavelmente prejudicado. Em outras ocasiões,

deixa-se de utilizá-la, mesmo tendo argumentos para tal, gerando decisões sem

sustentação.

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Percebe-se que há uma ambição crescente no uso da desconsideração,

tanto legislativa quanto jurisprudencialmente. Já foi dito que sua aplicação não pode

ser vista como panacéia para a solução de todos os casos de inadimplência da

sociedade ou dos sócios. À teoria da desconsideração não compete listar todos os

possíveis casos de fraudes e abusos, tarefa da jurisprudência viva dos tribunais.

Quando se critica, por exemplo, que houve omissão na redação do artigo

50 do Código Civil, em relação aos casos de subcapitalização da empresa, deve-se

entender que se trata de um problema ligado à pessoa jurídica, que não pode ser

imposto à teoria da desconsideração. Esse é um problema específico que pode

ocorrer em um determinado caso concreto, em que se podem observar danos

intencionais e a personalidade jurídica ser um obstáculo para seu ressarcimento. Por

decorrência, então cabe a apreciação pela luz da desconsideração, observando o

tipo de pessoa jurídica e as suas peculiaridades.

Portanto, após toda evolução do tema, ao fechar o ciclo, retorna-se à

dificuldade inicial, sobre o conceito de pessoa jurídica, agora imbuído de muito mais

detalhes e meandros. Parece que vai ser sempre dessa forma, pois não se pode

esquecer de que o direito deve refletir a vida, em todo seu dinamismo e

contradições, senão tornar-se-á peça de museu, apenas para estudos acadêmicos.

As críticas e inquietações devem ser absorvidas para reflexões e, afastados os

melindres, retornar dirimindo dúvidas, expondo novos ângulos ou mesmo resultando

em evoluções teóricas.

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