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Congresso de História e Desporto 2012 OLIMPISMO Olympics Congress of History and Sport

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Congressode Históriae Desporto

2012

OLIMPISMO

Olympics

Congressof Historyand Sport

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2012

Congressode Históriae Desporto

Congressode Históriae Desporto

Congressof Historyand Sport

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Apoios

>> ORGANIZAÇÃO Grupo História e DesportoInstituto de História Contemporânea (IHC) da Universidade Nova de Lisboa e Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra - CEIS20

>> COORdeNAÇÃO GeRAL dA OBRAFrancisco PinheiroCEIS20 da Universidade de Coimbra

>> COmIssÃO ORGANIZAdORA dO CONGRessOFrancisco PinheiroCEIS20 da Universidade de Coimbra

João Tiago Pedroso de LimaNICPRI da Universidade de Évora

Manuela HasseFMH da Universidade Técnica de Lisboa

Maria Fernanda RolloIHC/FCSH da Universidade Nova de Lisboa

Nuno Miguel LimaIHC/FCSH da Universidade Nova de Lisboa

Rita NunesAcademia Olímpica de Portugal/Conf. Desporto de Portugal

>> Para mais informaçõeshttp://congressodehistoriaedesporto.blogspot.comEmail: [email protected]

>> Ficha técnicaDesign: Isaque Correia

>> IsBN978-972-8627-45-4

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Em ano de Jogos Olímpicos (Londres-2012) e em que se comemorou também o cente-nário da primeira participação de Portugal nos Jogos Olimpícos (Estocolmo-1912), o I Congresso de História e Desporto foi dedicado ao Olimpismo, nas suas múltiplas facetas.

Universidade Nova de LisboaFaculdade de Ciências Sociais e Humanas

2012

31 de maio1 de junho

Congressode Históriae Desporto

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INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

I. Madrid 1972: Unos Juegos Olímpicos para FrancoJuan Antonio Simón . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

II. O Estado Novo e o desporto em Portugal na década de 1960: Futebol versus OlimpismoAlcino Pedrosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

III. First Mediterranean Games and Turkey with It’s Reflections on the NewspapersSelami Özsoy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

IV. A Lex Olympica: reflexos de uma ilusão de independênciaArtur Flamínio da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

V. O rugby e o espírito olímpico: à volta da história de um regressoJoão Tiago Lima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

VI. OS HERÓIS DE AMESTERDÃO A PRIMEIRA PARTICIPAÇÃO INTERNACIONAL DA SELECÇÃO NACIONAL DE FUTEBOLJoão Nuno Coelho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

VII. Da primeira regata à prata olímpica: Vela e velejadores em Cascais (1871-1948)João Miguel Henriques . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

VIII. História do atletismo e olimpismo - a evolução das técnicas, dos equipamentos e dos regulamentosVítor Milheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

IX. CONHECENDO OS JOGOS OLIMPICOS A PARTIR DA HISTÓRIA DAS CORRIDAS DE VELOCIDADEGuy Ginciene e Sara Quenzer Matthiesen . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

Índice

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X. Os piratas da corrida – elementos para a democratização da prática desportiva em PortugalRahul Kumar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

XI. Considerações históricas sobre a desportivização e o reconhecimento olímpico da CapoeiraAna Rosa Jaqueira e Paulo Coêlho Araújo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

XII. Educar a Cultura OlímpicaCláudia Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

XIII. THE OLYMPIC TOURNAMENTS IN THE POLISH, CZECH & SLOVAKIAN SOCCER TRADITIONS – A COMPARATIVE ANALYSISAdam Fryc . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

XIV. El movimiento deportivo y olímpico en la Cataluña de los años veinte y treinta del s. XXJordi Badia Perea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

XV. Francisco Lázaro e a Data da Fundação do Comité Olímpico de PortugalGustavo Pires . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145

XVI. A participação de Portugal nos Jogos Olímpicos: de 1912 às perspetivas para 2012Rita Nunes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157

XVII. O COMITÉ OLÍMPICO INTERNACIONAL E O MEIO AMBIENTE: DE 1896 A 2008Alcides Vieira Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165

XVIII. Um Espírito Olímpico Renovado para PortugalAbel Santos, Fernando Tenreiro e João Boaventura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175

XIX. PARTICIPAÇÃO DAS ATLETAS PORTUGUESAS NOS JOGOS OLÍMPICOSCaroline Ferraz Simões e Paula Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187

XX. Das Férras ao Pódio - um Percurso Histórico em Direção ao Olimpismo, nas Ilhas da Madeira e do Porto SantoFrancisco J . V . Fernandes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191

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introduçãocomissão organizadora

O Grupo História e Desporto, desde a sua criação, em dezembro de 2011, definiu como prioritária a organização de um encontro científico na-cional que promovesse a investigação e a troca de conhecimentos entre os investigadores portugueses e estrangeiros dedicados ao campo da história e do desporto . Assim, realizou-se, nos dias 31 de Maio e 1 de Junho de 2012, o I Congresso de História e Desporto, cujos contributos científicos agora se pu-blicam em forma de livro e que permitem ao leitor avaliar o conjunto de tra-balhos apresentados e, ao mesmo tempo, conhecer um conjunto de estudos e investigações versando o Olimpismo, no contexto nacional e internacional .

Com efeito, tratando-se 2012 de um ano olímpico (Jogos de Londres) e simultaneamente o momento comemorativo do centenário da primeira participação portuguesa nos Jogos Olímpicos (Estocolmo-1912) tornou-se quase óbvia a escolha do olimpismo como tema do congresso que, juntamen-te com outras iniciativas, marcou decisivamente o primeiro ano de atividades do Grupo História e Desporto . Recorde-se que a participação olímpica portu-guesa na Suécia ficara marcada pela morte do maratonista Francisco Lázaro, vítima de uma forte insolação durante a prova da maratona, corrida debaixo

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de um calor tórrido em 14 de julho de 1912 . Ora, esse acontecimento foi devi-damente assinalado neste I Congresso de História e Desporto com a exibição, até então inédita em Portugal, de um filme dessa prova que constituiu, sem dúvida, um dos momentos mais dramáticos e simbólicos de toda a história do olimpismo português .

O I Congresso de História e Desporto contou com a participação de um alargado conjunto de atletas, jornalistas e dirigentes desportivos de re-levo nacional . Merece especial destaque a intervenção do Professor Mário Moniz Pereira, treinador durante largas décadas da secção de atletismo do Sporting Clube de Portugal e treinador do primeiro atleta português que ven-ceu uma medalha de ouro, o maratonista Carlos Lopes . O Professor Moniz Pe-reira deliciou os participantes no Congresso com uma palestra que foi, acima de tudo, um testemunho vivo de um dos maiores protagonistas da história do desporto português .

A uma significativa presença internacional, envolvendo investiga-dores da Roménia, Espanha, Inglaterra, França, Brasil e Polónia, associou-se uma importante presença de investigadores portugueses, pertencentes a 18 instituições diferentes, promovendo-se assim uma colaboração mais estreita entre a universidade e a sociedade em geral .

As temáticas abordadas foram muito diversificadas, embora todas elas incidissem no olimpismo e na história do movimento olímpico . Políti-ca, sociedade, media, legislação, pensamento, cultura, educação, ideologia, género, memória – foi a partir de todos estes ângulos e perspetivas que se revisitou um século português de Jogos Olímpicos, nas suas plurifacetadas dimensões .

Reúnem-se neste livro duas dezenas de estudos suscitados pela or-ganização do I Congresso de História e Desporto, versando sobre o tema do Olimpismo, no contexto nacional e internacional . Os 20 capítulos foram ela-borados por uma grande diversidade de autores, cuja inestimável colabora-ção agradecemos .

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madrid 1972:unos Juegos olÍmpicos

para FrancoJuan Antonio Simón

Centro de Estudios Olímpicos. Universidad Autónoma de Barcelona (CEO-UAB)

Los trabajos que en los últimos años han tratado de profundizar en el estudio del papel que representó el deporte durante el franquismo, han pasado por alto el análisis de uno de los acontecimientos que muestran con mayor claridad las contradicciones que tendrá el régimen de Franco respecto a esta actividad . La candidatura de Madrid a los Juegos Olímpicos de 1972 y, en especial, la utilización de la diplomacia española como medio para conseguir asegurar el éxito del proyecto olímpico, son los elementos que han centrado esta investigación . Después de exponer brevemente las fases por las que transitó la política deportiva durante este periodo, se examinarán de forma específica los principales factores que definieron a la candidatura española. A continuación, se analizará detalladamente el desarrollo de la asamblea general del Comité Olímpico Internacional (COI) celebrada en Roma en abril de 1966, y los múltiples problemas que rodearán al proyecto del Comité Olímpico Español (COE) durante los días previos a dicha designación . Por último, se examinará la implicación del Ministerio de Asuntos Exteriores en su intención de influir en la decisión de los miembros del COI a través de los representantes diplomáticos españoles .

Un recorrido por la historia del deporte durante el franquismo

Como todos los ámbitos y aspectos de la sociedad española, el deporte estará durante el franquismo bajo el control directo del Estado a través de Falange Española Tradicionalista y de las JONS (FET y de las JONS),

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como partido único y uno de los principales pilares del Movimiento, y la Delegación Nacional de Deportes (DND), la principal institución deportiva del país . El deporte vivirá una fase inicial de aislamiento y autarquía que abarcará desde el final de la guerra civil hasta 1950, y en la que se reducirán sus relaciones deportivas al entorno de los países ideológicamente cercanos como Alemania, Italia y Portugal (Fernández, 1990: 77-83) .

En una segunda fase, encuadrada a lo largo de los años cincuenta y dentro de un periodo de clara consolidación de la dictadura, se subrayará en pleno contexto de Guerra Fría su radical anticomunismo, quedando patente a nivel deportivo en la taxativa prohibición de mantener cualquier tipo contacto con los países del Este y sobre todo con la Unión Soviética . Por último, a partir de 1960 se puede constatar una nueva estrategia en la política deportiva, definida por el interés del régimen en intentar transformar a través del deporte su devaluada imagen exterior . Por este motivo, se intensificará la utilización propagandística de esta actividad a nivel internacional, tratando de este modo de mostrar una nueva imagen más abierta y moderna del país (Bahamonde, 2002; Bielsa, 2003; González, 2005; Santacana, 2011; Shaw, 1987) .

De la negativa a enfrentarse contra la Unión Soviética en el Campeonato Europeo de Naciones de 1960 - actual Eurocopa -, se pasará en 1963 a permitir al Real Madrid de baloncesto disputar la final de la Copa de Europa frente al CSKA de Moscú . Pero los gestos de apertura deportiva se multiplicarán a partir de 1964, cuando España acoja la fase final del Campeonato Europeo de Naciones, presente en diciembre de 1965 la candidatura de Madrid a los Juegos Olímpicos y consiga que la FIFA en 1966 les conceda la organización del Mundial de 1982 (Simón, 2012) .

El proyecto olímpico de Madrid-72

Para entender las verdaderas motivaciones que subyacen en el origen del proyecto olímpico de Madrid, es necesario partir de la celebración de la asamblea del COI en octubre de 1965 en Madrid ante la presencia del propio dictador . En su discurso de presentación, José Antonio Elola-Olaso, como delegado nacional de la DND y presidente del COE, mencionará que anhelaban “que esta reunión sea un signo que nos permita en un futuro

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próximo tener aquí otra vez una `Fiesta de la Juventud´, con otros Juegos Olímpicos por los que España se está preparando para contribuir en su mayor medida al movimiento olímpico” . Las autoridades franquistas y los miembros del COE recibieron del presidente del COI Avery Brundage una primera respuesta positiva en relación a una posible futura candidatura olímpica, lo que convencerá al régimen respecto a los beneficios que podría suponer su apoyo a dicho proyecto (Comité International Olympique, 1965:63)

El 26 de diciembre de 1965 se hará pública la decisión del COE de proponer la candidatura de Madrid para la celebración de la vigésima edición de los Juegos Olímpicos, dejando sorprendentemente a Barcelona como subsede de las pruebas de vela, pese a que esta ciudad también había presentado su propia candidatura (Meléndez, 1965:6) . En la próxima asamblea general del COI que se celebraría en abril de 1966 en Roma, los miembros con derecho a voto de esta organización elegirían a la ciudad que acogería las olimpiadas de 1972 . La prensa destacó que dicha noticia suponía “una formidable revalorización del deporte español, que llevaría parejo una serie de instalaciones de primer orden y una mejora estimable en muchos de los problemas de transporte y urbanización, que actualmente acomete el Municipio madrileño” (Habrá candidatura española, 1965: 103) .

El proyecto olímpico de Madrid incluiría los 21 deportes oficiales, añadiendo la pelota vasca como nueva especialidad deportiva . Uno de los principales hándicaps con los que contaba la candidatura española era la poca experiencia que existía en este país en albergar eventos deportivos de nivel internacional . La celebración en Barcelona de los Juegos del Mediterráneo en 1955, el mencionado Campeonato Europeo de Naciones en 1964 o los Campeonatos Mundiales de Ciclismo disputados un año más tarde en San Sebastián, eran las únicas experiencias previas de un nivel similar .

Respecto a las instalaciones deportivas, Madrid dependía en gran medida de los clubes privados. Este factor era el reflejo de un sistema dictatorial que no había apostado por una verdadera socialización de la actividad deportiva, negando las inversiones en instalaciones públicas que permitieran la expansión del deporte entre los grupos sociales menos favorecidos (González Aja, 2002: 182-201) . Madrid contaba en su proyecto olímpico con 19 instalaciones deportivas construidas a mediados de los años sesenta, de las que diez de ellas eran propiedad de clubes

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deportivos privados-el complejo deportivo de la Ciudad Universitaria, las instalaciones del Instituto Nacional de Educación Física (INEF), el estadio Vallehermoso, Parque Sindical Deportivo, la ciudad deportiva del Real Madrid CF, las instalaciones de la Marina, los estadios Santiago Bernabéu y Vicente Calderón, el Palacio de Deportes, Gimnasio Moscardó, la Piscina Municipal, el Club Canoe, la Real Sociedad Hípica Española Club de Campo, el Tiro de Somontes y el Tiro de Canto Blanco, el Hipódromo de la Zarzuela, Club de Polo de Puerta de Hierro, Club Náutico de Madrid y la Plaza de Toros de las Ventas- . Por otro lado, Barcelona se encargaría de acoger las diferentes pruebas de vela, con los inconvenientes que esto supondría por la considerable lejanía entre las dos sedes (Madrid solicita los Juegos de la XX olimpiada, 1966: 40-41) .

El COE era consciente que la infraestructura deportiva con la que contaba Madrid estaba muy lejos de ser suficiente y de contar con la mínima calidad exigida . En el proyecto inicial se incluía la construcción de un estadio olímpico para 100 .000 espectadores, un velódromo descubierto con capacidad para 6 .000 personas que se podría ampliar a 20 .000, una piscina olímpica con 12 .000 asientos, junto con un pabellón polideportivo, un gimnasio para las competiciones gimnásticas, un polígono de tiro, campo de regatas y un puerto deportivo . En la documentación presentada al COI se aseguraba que todas estas obras estarían concluidas un año antes de iniciarse los Juegos Olímpicos . En el informe de la delegación española también se mencionaba la construcción de una villa olímpica, con capacidad para 15 .000 personas que se ubicaría en la zona norte de la ciudad, dejando de lado el plan inicial de crear dos villas olímpicas separadas por sexos . Una vez concluidas las competiciones, y siguiendo el ejemplo de la anterior olimpiada de Roma, la villa olímpica se adaptaría para viviendas (Madrid solicita, 1966: 54, Martin, 2011:151) .

En cuanto a la capacidad de alojamientos existentes en la ciudad, se calculó que la presencia diaria en las diferentes competiciones alcanzaría las 200 .000 personas, siendo la mitad residentes en Madrid, por lo que únicamente se tendría que absorber una cantidad variable entorno a las 100 .000 personas . Dejando a un lado las dudas razonables sobre la validez de dichos cálculos, se estimaba que 40 .000 personas se hospedarían en hoteles, mientras que diferentes instituciones como residencias de estudiantes,

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alojamientos de particulares, campings y el Burgo de las Naciones-albergue con una capacidad máxima para 4 .000 personas-, acogerían a los restantes 60 .000 visitantes . Cifra, esta última, que era imposible de alcanzar en aquellos momentos y que obligaba a tener que aumentar considerablemente las plazas hoteleras disponibles .

La decisión final: la asamblea general del COI en Roma

El 17 de abril de 1966, pocos días antes de que diera inicio la asamblea del COI en la que se decidiría la ciudad que albergaría las olimpiadas de 1972, la prensa española informaba sobre algunos rumores que apuntaban a que dentro del Gobierno la candidatura de Madrid no había encontrado la unanimidad de todos los ministros, dado “lo muy elevado del presupuesto que tal organización lleva consigo y, en consecuencia, los cuantiosos gastos que supondría para nuestro país” (Madrid retirará su candidatura,1966: 63; Pina, 1966:2) . Sorprendentemente, hasta el 22 de abril, cuatro días antes de la votación final, no se despejarán oficialmente las dudas sobre la posible retirada de Madrid . El Gobierno hará pública una nota en la que informaba que se había reconsiderado el estudio previo, decidiendo mantener la candidatura española para competir con Múnich, Montreal y Detroit . Pese a todo, las vacilaciones y la falta de seguridad que había transmitido el régimen en los últimos días, provocarán el cambio de opinión de gran parte de los miembros del COI . Esta falta de unidad a la hora de respaldar la candidatura, nos obliga a preguntarnos cuál era la prioridad que realmente tuvo la olimpiada para el franquismo .

En sus memorias, Manuel Fraga, ministro de Información y Turismo entre 1962 y 1969, menciona que en el Consejo de Ministros del 25 de marzo se produjo un “amplio debate sobre la propuesta de presentar a España como candidato para la próxima Olimpíada”, y que dicho proyecto encontró una “fuerte resistencia de los ministros económicos, que pensaban en el elevado gasto público; otros argumentábamos en la conveniencia de dejar a Madrid, con este motivo, organizado y ordenado para un siglo” . En las sucesivas reuniones que se mantendrán volverá a discutirse este aspecto, reconociendo que “naufraga definitivamente el tema de la Olimpiada”, o que la respuesta era un “nuevo no a la Olimpiada” . Finalmente, el 21 de abril

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Fraga recoge en su diario que “los ministros económicos aceptan que nos ofrezcamos para la Olimpiada de 1972” . Estos testimonios demuestran que la información previa que se había publicado no eran “rumores”, y que verdaderamente llegó a peligrar la presencia de la candidatura de Madrid (Fraga, 1980:164,167) .

El problema fundamental residía en la viabilidad económica del proyecto . Los diferentes informes que realizará la Comisión Interministe-rial, creada por orden del Consejo de Ministros para el estudio de las inversiones relacionadas con la futura olimpiada, se verán obligados a reducir repetidamente los costes del proyecto inicial. A finales de marzo de 1966, un primer documento disminuía el montante de las inversiones a 29 .335 millones de pesetas . Pero la negativa de los ministros, obligará a tener que realizar una nueva revisión que se plasmará en el documento del 13 de abril, en el que se ajustaba nuevamente el total de las inversiones a 20 .827 millones de pesetas . Partidas concretas como las destinadas a infraestructuras (carreteras, obras hidráulicas, transportes, etc .) y alojamientos hoteleros, pasarán de 23 .765 millones de pesetas en el primer informe, a 15.705 millones de pesetas en el estudio final. El dinero destinado a las instalaciones deportivas se recortará de 2 .000 a 1 .897 millones de pesetas. Pese a todo, y fiándonos del propio testimonio de Manuel Fraga, las autoridades franquistas seguirían manteniendo considerables dudas respecto al futuro del sueño olímpico español (Archivo del Ministerio de Asuntos Exteriores (AMAE), R 8612, EXT 12) .

Juegos Olímpicos y diplomacia unidos por un objetivo común

El 25 de marzo de 1966 el Director General del Ministerio de Asuntos Exteriores, Ramón Sedo, enviará una circular reservada a los representantes diplomáticos españoles de 38 países, para ordenarles que inicien los contactos con los diferentes delegados del COI para asegurar su voto favorable a Madrid:

“Considerando el gran interés que para España tendría la aceptación de su candidatura frente a las de Alemania Occidental, Canadá y EE.UU, convendría que V.E., con el mayor tacto y discreción pues el

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reglamento olímpico prohíbe todo tipo de gestiones oficiales, se pusiera en contacto privadamente con: [nombre del delegado] Miembro del Comité Olímpico Internacional en ese país y tratase de conseguir su apoyo a la candidatura española” (AMAE, R 8410, EXT 24).

Algunos de los despachos más significativos hacen referencia a la comunicación entre el Ministerio y el embajador de España en Pretoria, Rafael Morales . Este último escribe el 13 de abril de 1966 informando que había almorzado con Reginald Honey, y que el representante del COI pensaba que “por el emplazamiento de España y por la cordialidad y corrección de los españoles podría resultar ideal que los Juegos Olímpicos se celebrasen allí . Aclaró que no podía prometer nada pero que miraba con simpatía la propuesta española” . Finalmente Honey no votaría a favor de España (AMAE, R 8410, EXT 24) . El encargado de negocios en El Cairo, también se dirigirá el 6 de abril al Ministerio comunicando que “he visitado discretamente al ingeniero Touny al que he expuesto deseo comité olímpico español…”, habiendo manifestando “su especial cariño y admiración por España que ha visitado en varias ocasiones y me aseguró podíamos contar con máximo apoyo” . El diplomático subrayaba que su “impresión sobre la entrevista con señor Touny no puede ser más optimista”, confirmándose posteriormente con el voto favorable a Madrid (AMAE, R 8410, EXT 24) .

En los informes posteriores a las votaciones se conocerá que los países del Este de Europa, a excepción de Rumanía, habían votado por Montreal . Los 16 miembros que supuestamente habían apoyado a Madrid fueron: Avery Brundage, el barón de Güell como representante español, los dos miembros italianos, François Piétri por Francia, junto con los votos de Colombia, Venezuela, Filipinas, Líbano, los dos representantes de México, Rumanía, Chile, Perú, Túnez y la República Árabe Unida . Mientras tanto, el embajador de España en Roma, Alfredo Sánchez Bella, no mostraba ninguna duda respecto a cuáles habían sido los verdaderos motivos que habían provocado la derrota:

“Como podrá comprobar V.E. la falta de asistencia a Roma de cuatro delegados, cuyo voto se daba por seguro a nuestro favor – es decir, Portugal, Argentina, Panamá y Cuba- nos ha perjudicado mucho en

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la primera votación, ya que en la misma hubiéramos podido quedar prácticamente empatados con Múnich y nuestra posición hubiese sido mucho mejor al pasar a la segunda votación.

Pero quizá lo que nos ha perjudicado fundamentalmente ha sido la inseguridad creada en torno a la presentación de la candidatura española. Bastantes días antes de la reunión del Comité Olímpico Internacional, la prensa italiana, y la de casi todos los países, según parece, dio por segura la retirada de la candidatura española. Como esta información no fue desmentida, muchos delegados la dieron por cierta y comprometieron su voto a favor de Múnich. La decisión final tomada por nuestro país en el último momento no fue suficiente a desvirtuar el equívoco y éste ha actuado en contra nuestra”(AMAE, R 8410, EXT 24).

Ramón Sedó enviará el 14 de mayo de 1966 una carta a varios embajadores, con la intención de descubrir “a título de simple información, la postura de los diferentes delegados durante esta reunión” . Era consciente que las votaciones eran secretas, lo que dificultaba el poder armar “un panorama total y completo de lo acontecido”, pero no le impedirá transmitir el interés del Ministerio en “esclarecer ciertas zonas oscuras con objeto de poder percibir el matiz político de las actuaciones de cada cual” . Les solicitará que averiguasen “en forma discreta la actitud adoptada” por el delegado de su país, “con objeto de poder completar las informaciones que nos han llegado de otras representaciones y de la Delegación Nacional de Deportes . Ello nos ayudaría mucho para gestiones futuras y tener la visión de conjunto adecuada” (AMAE, R 8410, EXT 24) .

Un último ejemplo sirve para corroborar la línea argumental de esta investigación, en relación con el despacho que se enviará a José Ibáñez Martín, embajador en Lisboa, para que descubra “por qué no asistió a la reunión de Roma” el general Raoul Pereira de Castro, miembro del Comité Olímpico Portugués, debido a que “todo permite creer, dado el desarrollo de las votaciones, que dicha ausencia influyó de manera importante en el resultado final” (AMAE, R 8410, EXT 24).

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Conclusiones

Las dudas existentes días antes del inicio de la asamblea de Roma, dejaban muy claro que el interés del COE y de la DND en conseguir que Madrid pudiera albergar una olimpiada chocaban radicalmente con la opinión de algunos ministros, poniendo en duda si realmente el deporte era una actividad prioritaria para el franquismo y, al mismo tiempo, mostrando una clara falta de consenso respecto a la política deportiva iniciada en los años sesenta .

Por otro lado, la documentación utilizada ha permitido demostrar la implicación directa del Ministerio de Asuntos Exteriores en el intento de asegurar la elección de Madrid . La diplomacia se pondrá al servicio del proyecto olímpico del franquismo, mientras que algunos sectores dudaban de los beneficios que podría aportar al país este acontecimiento. Los problemas económicos y la falta de convencimiento en una verdadera política deportiva global, reducirá al deporte a poco más que una herramienta de propaganda interna y a un medio con el que poder favorecer las relaciones internacionales .

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o estado novo e o desportoem portugal na década de 1960:

Futebol versus olimpismoAlcino Pedrosa

Professor do Ensino Secundário Membro da APHES e da Associação Ibérica de História do Pensamento Económico

A minha comunicação focaliza-se na década de 1960, marcada por sucessivos êxitos do futebol nacional, que, no entanto, vieram sublinhar, no plano desportivo, as assimetrias de uma sociedade marcada pelas vicissitu-des de um quotidiano de precariedade e contingência . O terceiro lugar no Campeonato Mundial de Futebol de 1966, a despeito da sua enorme reper-cussão na vida nacional, deixou, no entanto, perceber uma mobilização que estava longe de ser reduzida à simples reunificação de uma comunidade sob a mesma paixão . Com efeito, a um ano dos Jogos Olímpicos, num momento em que o país se vê confrontado com a Guerra Colonial, a participação por-tuguesa na prova vai abrir a porta a discussões e confrontos ideológicos, que começando por se situar nas opções políticas relativamente ao movimento olímpico, acabam por questionar a ordem vigente, dominada pelas marcas de um regime ditatorial .

O isolamento diplomático

O ano 1960 abriu com um momento alto no desporto português: a medalha de prata, obtida nos Jogos Olímpicos de Roma, na classe de stars, pelos velejadores Mário e José Quina . Este feito, assinalado com alguma pom-pa e circunstância pela imprensa desportiva, rapidamente se veria relegado para segundo plano, ultrapassado pelos sucessos do futebol, que arrancava para uma década gloriosa . À vitória de Portugal, em 1961, no Campeonato Europeu de Juniores, juntar-se-iam os triunfos do Sport Lisboa e Benfica, na

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Taça dos Campeões Europeus (1961 e 1962), do Sporting Clube de Portugal, na Taça dos Vencedores das Taças (1964) e o terceiro lugar obtido pela sele-ção, no Campeonato do Mundo de 1966 . Pelo meio e coroando o final deste período, contabilizam-se três presenças do clube da Luz na final da Taça dos Campeões Europeus, em 1963, 1965 e 1968 .

Este ciclo de vitórias ocorreu num contexto político externo adverso para o país . Longe iam os tempos da Exposição do Mundo Português, em 1940, símbolo de um regime que, procurando refletir a imagem de uma nação “una e multirracial”, se pretendia internacionalmente orgulhoso do seu Império . A entrada dos novos países africanos recém-independentes na ONU, provocando alterações nas relações de forças existentes no seio da or-ganização, viria a criar um clima propício à adoção de princípios genéricos sobre a questão colonial, que estabeleceriam a rutura total com as teses em que se fundamentava a posição do Governo português .

Neste novo quadro internacional, as Nações Unidas colocariam de parte a abordagem técnica que tinha caracterizado até à data o relaciona-mento com o Estado português . O colonialismo português passaria a ser encarado à luz das premissas adotadas na Conferência de Bandung, que ultrapassaram as disposições da Carta das Nações Unidas em matéria de territórios não autónomos . Não admirou, assim, que no dia 14 de dezem-bro de 1960, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovasse, no segui-mento de um relatório apresentado pela Comissão dos Seis ao Conselho de Segurança da ONU, a resolução 1514 – “Declaração sobre a concessão de independência dos países e povos coloniais” –, que sancionava o direito à autodeterminação e estabelecia a descolonização como um dever jurídico que se materializava no direito à independência1 .

Salazar, resguardando-se no escudo protetor que a condição de membro da NATO concedia ao Estado português, insistia em manter-se à margem, e até mesmo contra, o processo histórico então desencadeado, rejeitando toda e qualquer transição gradual e pacífica dos territórios ul-tramarinos para a independência, desprezando iniciativas quer, das Nações Unidas quer dos países aliados para encontrar a tempo soluções para os

1. As disposições e incidências desta resolução seriam reforçadas, no dia seguinte, por duas novas resoluções – 1541 e 1542 –, que, em conjunto, consubstanciaram uma rutura no olhar decisivo da ONU relativamente ao colonialismo, ao assumir claramente a maior efi-cácia das pressões políticas sobre as abordagens técnicas e jurídicas.

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problemas cuja gravidade se ia adensando no horizonte . Em 21 de abril de 1961, um mês depois do embaixador norte-americano ter comunicado for-malmente a Salazar a alteração da posição da administração Kennedy rela-tivamente à política colonial portuguesa, a ONU votava uma resolução, que sustentava a transferência da totalidade dos poderes para a população an-golana, a fim de a habilitar à independência . Por ironia dos factos, a rígida estratégia colonial seguida pelo Estado Novo, não só isolava o regime, como potenciava a construção, pela negativa, de uma das mais importantes fontes para o desenvolvimento do direito internacional, no que reportava à ques-tão colonial .

Ainda mal refeito do “terramoto Delgado”, o Estado Novo conhece-ria, então, um dos momentos mais críticos e de maior gravidade da sua his-tória . O isolamento diplomático a que o regime estava votado viria a abalar as estruturas do poder, emergindo da aparente homogeneidade que parecia caracteriza-las, importantes linhas de fratura entre os seus representantes . Neste contexto de adversidade, as relações entre o poder político e o futebol viriam a adquirir um novo impulso, muito por força dos sucessos atingidos pelo desporto-rei, a que o Governo se iria colar, procurando passar a imagem de um país moderno e competitivo, com uma política desportiva que, não só justificava as opções tomadas, como promovia a integração multirracial

O desporto ao serviço da integraçãoou uma outra forma de abordar a questão colonial

Francisco Vieira Machado não era propriamente uma figura anóni-ma do regime salazarista, quando, em 1963, proferiu nos Estudos Gerais Universitários de Moçambique2 uma conferência, intitulada Portugal e o Ultramar . Com duas licenciaturas (uma em direito, outra em ciências eco-nómicas), tinha um vasto currículo político, onde avultavam os cargos de ministro das Colónias, entre 1936 e 1944, e de deputado à Assembleia Na-cional, durante várias legislaturas3 . Foi, de resto, enquanto deputado, um dos responsáveis pela Revisão do Ato Colonial e da reorganização das ati-vidades gimnodesportivas nas províncias ultramarinas, da qual pretendeu

2. Estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 44530 3. Da III à X legislatura.

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fazer, sem o conseguir, no entanto, antecâmara de um projeto mais ambi-cioso, que, mais do que enquadrar, visava modelar uma nova imagem de praticante . Na época em que realizou esta conferência, Vieira Machado era governador do Banco de Fomento Ultramarino, tendo sido nesta qualida-de que discursou naquela instituição universitária . O discurso apresenta-do, marcadamente federalista (o que não será de admirar, dado que era um defensor inequívoco da tese dos “Estados Unidos Portugueses4), defendia a implementação de um programa de ação, que, se em última instância, deixa-va campo aberto a um sistema político de autogoverno, no quadro de uma sociedade verdadeiramente multirracial, a um nível mais imediato, propu-nha a adoção de medidas, que possibilitassem quebrar o isolamento a que internacionalmente o país estava sendo votado, ajudando a passar para o estrangeiro uma imagem de integração . Vieira Machado elegia três campos privilegiados de intervenção deste programa de ação; a cultura africana, a obra portuguesa e o desporto, dedicando a este último particular atenção:

“Se existe área onde é possível agirmos em conformidade a este fim – afirmava –, essa área é, sem dúvida, o desporto . Temos o exemplo recente das vitórias do Sport Lisboa e Benfica, na Europa . Mostramos que podemos ser tão bons como os melhores, mas também demonstramos que sabemos integrar os naturais das nossas províncias ultramarinas, provando à sacie-dade que não existe qualquer manifestação de racismo no nosso país .”5

Num momento em que a guerra colonial ainda estava no seu iní-cio, em que o isolamento internacional do país se tornava uma realidade, Vieira Machado refutava as acusações de racismo, que recaíam sobre Portu-gal, desvalorizando, em simultâneo, o impacto das pressões da comunidade internacional, no sentido da independência das colónias . O governador do Banco de Fomento Ultramarino ia, contudo, mais longe, procurando asso-ciar o sucesso da integração desportiva ao perfil do “atleta africano portu-guês, que, sujeito a uma educação adequada, imbuída dos valores nacionais, moldava a sua personalidade, garantindo uma adaptação bem-sucedida .”6 . E dava como exemplo Mário Coluna, trazendo à colação, como fundamento

4. Sustentada por Marcello Caetano no parecer da reunião extraordinária do Conselho Ultramarino, em setembro de 1962.5. Machado (1963: 3). 6. Machado (1963: 3).

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da sua argumentação, a opinião do jornalista francês Georges Briquet, que catalogara o capitão da equipa do SLB como “un exemple pour les jouers portugais”7 .

A conferência de Vieira Machado teve pouca ressonância na me-trópole, o que se compreende tendo em conta a fratura existente entre in-tegracionistas e federalistas, que ameaçava quebrar a unidade do regime, ainda no rescaldo da tentativa de golpe de estado, levada a cabo por Botelho Moniz . Importa, no entanto, sublinhar que o governador do Banco de Fo-mento Ultramarino não estava só nas suas propostas . Eram várias as perso-nalidades do Estado Novo que defendiam uma ligação mais íntima entre o poder político e o desporto, algumas mesmo, como Lopes Alves8, sustentan-do uma relação que não fosse meramente conjuntural . Por outras palavras, havia quem pretendesse que este ciclo vitorioso não fosse só utilizado para demonstrar a validade de uma política desportiva, integradora e capaz de tornar o país competitivo internacionalmente, mas deveria ser o ponto de partida de uma programa de ação mais vasto, que aproveitasse prestígio e a posição de relevo alcançada pelos atletas africanos nos clubes e nas sele-ções, para construir um modelo e um conceito de praticante, que demons-trasse a ausência de qualquer descriminação racial nas colónias e constitu-ísse uma marca nacional9 . O futebol acabaria por ser o campo privilegiado para esta intervenção, não só pelos êxitos que, então vivia, mas, sobretudo, pelo tipo de enquadramento proporcionado pelos clubes, “que impunha cla-ramente aos atletas objetivos de vitória, inserindo-os numa organização a que tinham de se submeter e da qual dificilmente sairiam, se queriam ser bem-sucedidos, o que não sucedia com outras modalidades, como o atle-tismo, em que a maior parte dos atletas corria por puro amadorismo, sem grandes ambições e disciplina .”10

As vicissitudes do regime, ditando o afastamento dos seus críticos internos (Lopes Alves e Vieira Machado estavam conotados com o golpe de Botelho Moniz) e, sobretudo, a desconfiança do Estado Novo relativamente

7. Cf. Machado (1963: 3). Georges Briquet, repórter e jornalista francês, autor de várias obras sobre o desporto, entre as quais se destaca Football aujourd’hui, que conheceu várias edições.8. Ministro das Colónias, entre 1958 e 19619. Alves (1963: 2).10. Alves (1963: 4).

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ao desporto, em particular ao futebol, que, aos olhos de uma parte da eli-te dirigente continuava a ser um “entretenimento condenável, imoral e re-preensível11”, acabaram por inviabilizar a concretização deste projeto, que, contudo, voltaria a ser relembrado na década de 1970, numa carta do então ministro do Interior, Moreira Batista a Noronha Feio, datada de 11 de julho de 1972: “na época em que estas ideias foram apresentadas, colheram pou-co apoio; na nossa ideia o futebol era uma prática perigosa, que não deve-ríamos promover; hoje penso que desprezámos por de mais este desporto; poderíamos ter aproveitado melhor os sucessos para demonstrar a validade e justeza das nossas posições . Pergunto-me se ainda vamos a tempo de re-verter esta tendência?”12

A evolução posterior dos acontecimentos impediria qualquer tipo de reversão . O regime estava já em estertor e menos de dois anos depois cairia, remetendo estas propostas para o esquecimento . Para além demais, o futebol vivia, então, uma época de insucessos internacionais, que fariam esmorecer o interesse da Política por ele, resumindo-se a intervenção do poder político à participação em meros eventos competitivos ou solenes .

Os anos 60: a instrumentalização do futebol

Apesar destas propostas nunca terem sido concretizados, uma ver-dade é incontornável: o Estado Novo não deixou passar a oportunidade, pro-porcionadas pelas vitórias dos clubes e da seleção, na década de 1960, para promover a sua política de integração e a coesão nacional, e isso, de alguma forma, contribuiu para alterar as relações do regime com o desporto-rei . Quanto mais não fosse, porque o futebol passou a desempenhar um papel importante na retórica propagandística13, que afirmava a “unidade da Na-ção”, uma vez que os maiores ídolos dos adeptos eram oriundos das nossas colónias .

As equipas de futebol passam, assim, a ter um estatuto especial, que as eleva quase à categoria de embaixadores, representantes oficiais de um regime, que aproveita a sua imagem para defender a especificidade” do caso

11. Serrado (2009: 81)12. Batista (1972).13. Pinheiro (2012: 76)

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português14 e promover a “ideia de uma Nação una e multirracial” . Por via disso, as digressões das principais equipas por terras de África são acompa-nhadas pelos jornais e televisão, como se de autênticas delegações oficiais se tratassem, constituindo denominador comum das notícias a pompa e as manifestações de júbilo com que eram recebidas pelas autoridades e comu-nidades locais15 .

O futebol ver-se-ia, assim, usado pelo Estado para manter a coesão nacional em torno dos ideais de manutenção do Império colonial . Aspeto que adquiriria particular significado em termos de seleção, a quem seria colada, simbolicamente e como expressão de um colonialismo ideal, a ima-gem de um grupo unido e coerente na sua ação a lutar em torno de objetivos comuns partilhados por todos . A alegoria à nação, no discurso oficial, não era difícil de realizar: ambas comunidades eram multirraciais e multicon-tinentais: tanto a equipa como a nação se consideravam um corpo só, uma entidade única, espaço de consenso de ideais . Não era inocentemente, que, em nota oficial à imprensa, emanada do Secretariado Nacional de Informa-ção, por ocasião das comemorações do 10 de Junho, se afirmava:

“Os êxitos recentes do futebol nacional projetaram a imagem do nosso país no mundo . Hoje, os nossos principais jogadores são objeto de res-peito e veneração internacional . Não poderíamos desejar melhores embai-xadores que estes verdadeiros heróis nacionais, que, encarnando a valia e a raça dos portugueses, entraram definitivamente na aristocracia mundial .”16

E, se no plano da linguagem oficial, os propósitos poderiam ser enunciados sob a capa de uma certa ganga ideológica, o discurso interno era mais pragmático, não se coibindo o diretor do SNI – Moreira Batista – de chamar a atenção para a importância de, também, ao nível dos quadros diri-

14. Tese, de resto, fundamentada na formulação de Gilberto Freire, apropriada pelo regi-me, que “Portugal, o Brasil, a África e a Índia portuguesas, a Madeira, os Açores e Cabo Verde […] constituem uma unidade de sentimentos e de cultura.” [Gilberto Freire, cit. por Cláudia Castelo (1999: 33-34), ‘O modo português de estar no mundo’. O luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa]15. A título de exemplo, veja-se este excerto da Bola, sobre a chegada do SLB ao aeroporto Craveiro Lopes, em Luanda, dois meses após a conquista da Taça dos Clubes Campeões Europeus: “foi assim, com centenas de carros e o povoléu em desvario, aclamando os seus ídolos, que o Benfica desfilou, do aeroporto «Craveiro Lopes» até ao centro de Luanda, depois da sua chegada a Angola. Sob indescritíveis manifestações de entusiasmo popular, foi assim - apoteoticamente! - que a embaixada do Benfica atravessou as ruas de Luanda, a caminho do hotel. Centenas de pessoas, de todas as raças, aclamaram vibrantemente os campeões europeus “ [Bola (1962: 5-6)].16. SNI (1967a).

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gentes se poder aproveitar o filão colonial, defendendo assim os interesses do Estado . Escrevia ele:

“É de todo o interesse para o Estado, que as nossas províncias ultra-marinas estejam representadas de forma significativa na nossa seleção . Só assim, poderemos dar uma resposta mais eficaz à propaganda estrangeira, que maldiz do nosso país, alimentando forças obscuras que procuram minar internamente a nossa ordem . É de lamentar, no entanto, que, nos corpos dirigentes, não exista pessoal natural dos nossos territórios ultramarinos . Assunto que, a meu ver, deverá ser objeto de revisão .”17

Em suma, o facto das principais equipas nacionais, como o Benfica e o Sporting, terem negros nas suas equipas não perturbava o discurso nacio-nalista, que considerava Eusébio, Coluna ou Hilário, pela sua garra e fibra, lusitanos, capazes, pelos seus efeitos, de engrandecer a Nação . O discurso oficial do ‘«Grande Portugal»18 unido’ encontrava, assim, uma poderosa for-ça agregadora no futebol e, em simultâneo, tinha na televisão e na rádio, que efetuavam um acompanhamento constante e em direto dos eventos, um poderoso instrumento para mobilizar a população .

Mas, apesar disto tudo, o regime continuava a olhar com desconfian-ça o futebol e, sobretudo, temeroso das manifestações populares que à sua volta se verificavam . E, como acontecia relativamente a outras dimensões da vida nacional, a modalidade acabava por se subordinar aos interesses da Política, que tanto elogiava as suas virtualidades, em momentos de sucesso, como a controlava rigidamente, impedindo a saída de Eusébio para a Juven-tus, em nome do interesse nacional ou a transmissão da final da taça de Por-tugal, em 1969, receoso das manifestações estudantis ou, ainda, proibia os adeptos da CUF de se manifestarem contra o patronato e a ditadura, durante os jogos, impondo a lei do silêncio .

Futebol versus Movimento Olímpico

A política de instrumentalização do futebol seguida pelo Estado Novo não mereceria, contudo, a aprovação de alguns setores do desporto nacional . Em 10 de Junho de 1967, realizar-se-ia, no Porto, por iniciativa do

17. Batista (1967: 4).18. Coelho (2001: 64).

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jornalista Alves Teixeira, um encontro entre “gente do desporto, dos clubes e associações”19, com o propósito de debater o futuro do desporto associati-vo . Da reunião sairia uma proclamação em defesa do desporto nacional, que contaria com o apoio posterior de nomes como Carlos Arsénio, Vítor Santos, Manuel Faria e Noronha Feio, que consubstanciaria três exigências que os subscritores consideravam essenciais: maior apoio estatal aos atletas olím-picos, a construção de infraestruturas e a reorganização/dinamização do desporto escolar, no sentido de o aproveitar como base de recrutamento .

O documento aprovado seria, de seguida, enviado às associações, federações, comité olímpico e direção geral dos desportos, com o propósito de iniciar um grande debate nacional . Inerente às suas reivindicações, es-tava uma crítica à política desportiva do Governo, acusado de desprezar o desporto amador e, subsequente, o ideal olímpico e favorecer o futebol, que recebia “apoios que nenhuma outra modalidade recebia .”20

Independentemente das críticas apontadas, o que importa referir é a carga política subjacente a esta manifestação, aliás visível num evento desportivo organizado pela Sociedade Filarmónica União Artística Pieden-se, que terminaria com uma sessão debate, contando com a presença de Vítor Santos e Pereira de Moura, cujas intervenções se pautariam por crí-ticas diretas à instrumentalização e controle que o poder político sujeitava o desporto . A sessão, de resto, ver-se-ia interrompida abruptamente pela intervenção da GNR, que dispersaria os participantes . Na sequência desta reunião, o poder político viria a impedir qualquer outra pretensão dos pro-motores do movimento, justificando a sua decisão com facto de não permitir “manifestações com um caráter demagógico, que sob a capa do Olimpismo, acobertam intenções desestabilizadoras, ligadas a interesses obscuros .”21

Condenado à nascença pelo poder político, ignorado pela imprensa, devido ao controle da censura, este movimento não passaria de um projeto, acabando, talvez por ironia do destino, por ter uma simples referência no jornal espanhol “El Mundo Deportivo”, que se referia a ele com a simples frase, “los pobres se levantan”, numa inequívoca alusão as assimetrias exis-tentes no deporto português .

19. Proclamação em defesa do desporto português (1967: 1)20. Proclamação em defesa do desporto português (1967: 2)21. SNI (1967b: 1)

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First mediterranean gamesand turkey with it’s reFlections

on the newspapersSelami Özsoy

University of Abant Izzet Baysal, Turquia

The Mediterranean Games first of which was held in Egypt between 5-20 October 1951 was a considerable step in consolidating friendship, in forming cultural ties, and in building peace among countries which have a border on the Mediterranean, after the II World War .

During the 1948 London Olympics, President of Egyptian National Olympics Committee Muhammed Tahir’s idea of creating a regional Olympics was supported by the representatives of the Olympics committees of Mediterranean countries and it was decided that the first Mediterranean Games be held in Egypt .

Egypt, France, Italy, Spain, Lebanon, Malta, Syria, Turkey and Greece sent sportsmen to the Mediterranean Games which were held between 5-20 October . Turkey participated in the games in athletism, basketball and free-style wrestling branches with 34 sportsmen . The arrival of Turkish sportsmen in Egypt was carefully followed by the Turkish public . Newspapers allocated space for the developments in the Mediterranean Games through specially designed sports pages . The Turkish Public who was distressed due to the political and economic troubles caused by the events of period after the II World War showed particular attention to the Games and the successes gained by the Turkish sportsmen became a great source of pride . Turkey won 10 gold, 3 silver and 6 bronze; 19 medals in total and the Mediterranean Games found its place in the Turkish sports history as a significant success.

The study reviewed the news and comments published in newspapers Cumhuriyet, and Milliyet in the period of the first Mediterranean

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Games . The changes were given chronologically through citations from the news and comments .

Introduction

Sports in the world are seen as an important tool in the introduction of countries to each other and in the protection of peace . Countries establish close relations and promote dialogue through sports . It is obvious that sports contributed to peace among countries in history . The Modern Olympics, the greatest sports organization in the world, have been organized since 1896 . The Modern Olympic Games, launched by the French sportsman Baron Pierre De Coubertin, inspired other regional games . One of the most important organizations held based on the philosophy of Olympic Games is the Mediterranean Games . The Mediterranean Games are a multi-sport games held every four years, mainly for nations bordering the Mediterranean Sea .

The Mediterranean Games, insofar as they are intended as a relevant international sporting event on the world scene, have belonged, since their inception in 1951, to a diffuse context . On the one hand, they are supposed to facilitate international understanding and cooperation; on the other, they must face a world of political ambitions, grievances and claims, regional conflict and social and economic differences within participating states (Medina F .X, 2006) .

General Information on the Mediterranean Games

The Mediterranean Games, the first of which was held in Egypt between 5-20 October 1951 was a considerable step in consolidating friendship, in forming cultural ties, and in building peace among countries which have a border on the Mediterranean, after the II World War .

These games offer the opportunity to young people from three Continents (Europe, Africa, and Asia), different origins, cultures and religions, yet bound together by the Olympic Ideal, to come together in the same place . Despite all the problems, mainly political, arisen in the region, the Mediterranean Games have always been held in the scheduled dates and in the place chosen for this purpose .

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The issue of organizing the games was first put on the agenda with a proposal by the Deputy Chairman of the International Olympics Committee and Chairman of Egypt Olympics Committee Muhammet Tahir Pasha to the representatives of Turkey, Greece, Yugoslavia, Italy, France, Spain, Lebanon and Syria during the 1948 Olympics Games in London . Kont de Beamont, F . Pietri, and A . Messard from France, A . Bolanachi and J . Ketsess from Greece, P .I Mac Mahon from Spain, Kont P .T . Revel iel G . de Stefani from Italy, Gabriel Gemael from Lebanon, Burhan Felek from Turkey, and chiefs of delegations of Monaco, Syria, Malta and Yugoslavia, among ICO members, attended the meeting held to discuss the proposal (Atabeyoğlu, 2000:7). During the 1948 Olympic Games in London, in a period spoiled by the tensions between big powers, Mohammed Tahir Pasha presents the project to the members of the IOC, supporting the idea of sport as a pacifying, unifying factor . International Committee of Mediterranean Games (CIJM) was founded to carry out the organization based on a status consisting of 23 articles . The committee, of which headquarter is located in Athens, set the rules to be applied for the games . Accordingly, the games are held every four years, among amateur sportsmen of the Mediterranean countries in a city bordering the Mediterranean and the games are finalized in maximum 15 days (Ana Britannica, 277) .

Muhammed Tahir Pasha

Muhammed Tahir Pasha (1897–1970) was an Egyptian doctor of Turkish origin in political sciences and the founder of the Mediterranean Games. Tahir Pasha was the grandson of Arifi Pasha, one of the Grand viziers of the Ottomans, and the son of Mustafa Şekip Bey, Stockholm Ambassador of that period . His mother was Princess Emine Azizi, the daughter of Egypt Khedive İsmail Pasha whose mother was of Turkish origin. Tahir Pasa was born in İstanbul in 1897; after completing his primary, secondary and high school education in İstanbul, he studied at Berlin and Lausanne Universities and completed his doctoral education in the field of political sciences in Switzerland . During the collapse of the Ottoman Empire, he moved to live with his uncle the King Fuat I and settled in Egypt . After the death of his uncle King Fuat I, his cousin King Faruk was enthroned and Tahir Pasha

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became a senator in the Egyptian Parliament . During the foundation of the Mediterranean Games, he was still serving as a senator . Tahir Pasha was both a member of International Olympics Committee and the chairman of the Egyptian Olympics National Olympics Committee since 1934 . He had no difficulties in convincing the representatives of the countries to participate the Mediterranean Games since he spoke English, French, German, Arabic and Turkish very well. He died in İstanbul in 1970 after a traffic accident he had in Geneva in 1967 (Atabeyoglu, 2000: 12) .

Egypt, France, Italy, Spain, Lebanon, Malta, Syria, Turkey and Greece sent sportsmen to the Mediterranean Games which were held in Alexandria between 5-20 October . The Games were inaugurated on October 1951, in Alexandria, Egypt, in honor of Muhammed Tahir Pasha, the man to whom their inspiration is owed, with contests being held in 13 sports along with the participation of 734 athletes from 10 countries .

The Mediterranean Games, in which the Olympic rules are applied, have been as the preparatory organization for the Olympics for 40 years . The first 10 games took place always one year preceding the Olympics. However, from 1993 on, they were held the year following the Olympic Games . Ever since, they take place every 4 years without any interruption . In 1955, in Barcelona, during the II Games, the set up was decided of a Supervisory and Controlling Body for the Games, a kind of Executive Committee . The decisions were finally materialized on June 16, 1961, and the said Body was named, upon a Greek notion, ICMG (International Committee for the Mediterranean Games) .

The Mediterranean Games have regularly been held for 16 times until today: 1951 Alexandria (Egypt), 1955 Barcelona (Spain), 1959 Beirut (Lebanon), 1963 Naples (Italy), 1967 Tunis (Tunisia), 1971 İzmir (Turkey), 1975 Algiers (Algeria), 1979 Split (Yugoslavia), 1983 Casablanca (Morocco), 1987 Latakia (Syria), 1991 Athens (Greece), 1993 Languedoc - Roussillon (France), 1997 Bari (Italy), 2001 Tunis (Tunisia), 2005 Almeria (Spain), 2009 Pescara (Italy) .

This study reviewed the news and comments published in the newspapers Cumhuriyet and Milliyet in the period of the first Mediterranean Games . The changes were given chronologically through citations from the news and comments .

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Turkey in the First Mediterranean Games

The political newspapers started to allocate full page for sports events in Turkey since 1950s . The newspapers in Turkey attached great importance to the Mediterranean Games held after the 1948 Olympic Games in London where the Turkish wrestlers won 6 gold medals . The newspapers sending private reporters to Egypt announced the news and comments about the games not only in sports pages but also in the cover pages . The sportsmen going to Egypt was reported as follows in Milliyet Newspaper:

“Before the Olympic games to be held in Helsinki in 1952, the importances of the Mediterranean Games, which are a kind of preparation to the Olympic Games, are also considerably important in terms of the number of the participating countries. Our delegation in two teams is going to Alexandria today. Our delegation consists of 4 directors, 4 trainers, 15 athletes, 7 wrestlers and 11 basketball players (Milliyet, 3 October 1951).

The comments on newspapers also included warnings to the Turkish sportsmen who are going to represent their country:

“The young who are going to compete in a foreign country for fifteen days must be careful not only during competitions but also in hotels, restaurants and tours; and must protect the dignity of being Turk.” (Nuri Bosut, Cumhuriyet, 1951)

The importance of the games is emphasized in a comment in Milliyet Newspaper as follows:

“The results of the Turkish wrestlers, athletes and basketball players in the first Mediterranean Games will play an important role in showing the value of our sports in Europe. This is the first opportunity for us since the 1948 Olympic Games in London in that it will give us chance to show the value of our basketball in Europe” (Halit Talayer, Milliyet, 4 October 1951).

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The opening ceremony of the Mediterranean Games was reported as follows on the first page of Milliyet Newspaper:

“The Mediterranean Games started following the ceremony held in King Fuad Stadium in Alexandria. Turkey, France, Italy, Yugoslavia, Egypt, Spain, Lebanon, Syria, Malta and Greece attended the opening ceremony with their teams. The Mediterranean Games including various sports competitions will last for 15 days. The King, Egyptian governmental members, and diplomatic representatives of the participating countries attended the ceremony on the VIP stand. The King greeted the flags of each national team. According to the Olympics tradition, the Greek team was the first to march, followed by Spain, Italy, Turkey, Syria, France, Lebanon, Malta and Yugoslavia respectively as for the Arabic alphabet. The Egyptian team was the last as being the host country”. (Milliyet, 6 October 1951).

Turkey got 8 over 8 in wrestling

Turkey won 20 medals in the First Mediterranean Games, of which 10 were gold, 3 were silver and 7 were bronze .

That the Turkish national team going to Egypt with B team consisting of 8 young wrestlers won 8 gold medals received an enthusiastic welcome in the country. Hasan Gemici, Cemil Sarıbacak, Bayram Şit, Tevfik Yüce, Bekir Büke, İsmet Atlı, Bektaş Can, Kemal Dişiçürük won the gold medal by pinning their competitors . Turkish newspapers reported the success of the team in wrestling, the ancestors’ sport of the Turks as follows:

“Our wrestlers who have won the championship in freestyle wrestling in eight weights got their awards today. Our national anthem was played eight times successively and our flag waved on the honor stand during the Olympic ceremonies in the games”. (Cumhuriyet, 9 October 1951) “The success of our sportsmen in the Mediterranean Games was really awesome. Our wrestlers winning the championship in all eight weights, athletes winning two first places and basketball players, even though they lost the games, showed the Olympics participants

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the greatest models of politeness of being a sportsman. Beside all, we must be proud of this” (Milliyet, 17 October 1951),“Today was a great victory day for us in the Mediterranean Games. In freestyle wrestling competitions, our wrestlers won the championship at all eight weights by pinning their competitors in a short time. More than 5 thousand people watched the final competitions.” (Cumhuriyet, 9 October 1951).

Burhan Felek, who followed the games as the invited person of the Egyptian Olympics Committee, wrote about the success of the young Turkish wrestlers as:

“It is a very good decision that we took part in the games. We won the championship in wrestling and now this team is the national team of Turkey. Here, all Turks are crying as the Turkish wrestlers win. The feeling of nationalism is an incredible potion” (Cumhuriyet, Burhan Felek 8 October 1951).

Burhan Felek also praised the organization of the games:

“All the Mediterranean countries, except for Israel, Monaco and Albania, participated at the competitions. Egypt made a great effort for these games and hosted the first Mediterranean games deservedly. The old stadium in Alexandria was almost rebuilt and a basketball hall with a capacity of five thousand people, a small hall and a great swimming pool were built.”“Egyptian Olympics Committee undertook a very big burden to provide food and accommodation for all directors, sportsmen and reporters participating at the games. The participants were also provided free tram tickets.” (Cumhuriyet, Burhan Felek 16 October 1951).

The Turkish newspapers also reported early return of Nuri Baytorun to Turkey, the coach of the national Turkish wrestling team, due to a dog bite . (Milliyet, 17 Ekim 1951) . Turkish Basketball Team could not succeed in the Mediterranean Games and lost the games 48-39 against Spain and 38-36

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against Italy and 43-37 against Greece . The listing of the countries as for the medals won in the First Mediterranean Games was as follows respectively: Italy, France, Egypt, Turkey, Greece, Yugoslavia, Spain, Lebanon and Syria .

The Turkish athletes took the first place on the grandstand in 11 of 16 branches in the first Mediterranean Games held in Alexandria. 15 Turkish athletes won 2 gold, 3 silver and 6 bronze medals . Ahmet Aytar became the champion in the marathon and Akın Altıok in the triple jump.

2013 Mediterranean Games to be held in Mersin

The games, of which the last was held in Pescara city of Italy in 2009, have been organized in 12 different countries until today . Athleticism, basketball, cycling, boxing, gymnastics, fencing, football, wrestling, weightlifting, handball, judo, table tennis, tennis, sailing, swimming and volleyball are compulsory sport branches partaking in all Mediterranean Games program . The most successful country of the Mediterranean Games held up to now is Italy regarding number of medals . Turkey, having participated in all the games, hosted the sixth Mediterranean Games in İzmir in 1971. Mersin had already announced its candidacy to host the 2013 Mediterranean Games; however, Volos, Greece had been selected as the host city in the General Assembly and candidate selection that were held in 2007 in Pescara, Italy .

Following this decision, Mersin applied for Mediterranean Games, 2017 . However, with the decision of the ICMG on January 28th, 2011, the host of Mediterranean Games was withdrawn from Volos, Greece . In response, the ICMG nominated three cities: Tarragona, Tripoli and Mersin . As a result of voting, on February 23rd, 2011, Mersin has been announced as the host of the Mediterranean Games, 2013 . The games in 2013 will be held in Mersin, located on the southern coast of Turkey .

ReferencesMedina, FX (2006) . The Mediterranean Games: dialogue, international politics and socioeconomic promotion, Revısta de Dialectologia Y Tradiciones Populares, (61): 2 225-238 Atabeyoğlu, Cem (2000). Akdeniz Oyunları ve Türkiye, İstanbul: Türkiye Milli Olimpiyat Komitesi Yayınları: 2. Scanlon, Thomas (2009) Contesting Ancient Mediterranean Sport, The International Journal of the History of Sport 26(2): 149–160 .Cumhuriyet Gazetesi Arşivi, 1951.Milliyet Gazetesi Arşivi, 1951.http://www .mersin2013 .org .tr/en/pages/oyunlar_tarihcesi

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a lex olympica: reFlexos de uma ilusão de independência

Artur Flamínio da Silva

Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa*

«Com efeito, nem a ONU, nem o COI, nem o Tribunal de Haia, nem o Papa têm força e competência jurídica para apreciar a matéria e fazer com que a FIFA deixe de aplicar punições da espécie e dobre-se às exigências de outras autoridades ou órgãos internacionais»

Álvaro Melo Filho, Nova Lei do Desporto, Rio de Janeiro, 1994

Considerações introdutórias

O mundo jurídico interessa-se cada vez mais pela norma desportiva . Esta atracção deve-se, em especial, ao fascínio que o carácter transversal da normatividade desportiva suscita (Vieweg, 2010: 3) .

É, porém, curioso constatarmos que as organizações desportivas de cúpula que integram o movimento desportivo (isto é, Comité Olímpico Internacional e federações desportivas) viveram, durante muito tempo, sob a égide utópica de que se situam num cosmos normativo imune às normas que regem o determinado espaço físico de um Estado.

Cumpre-nos, em primeiro lugar, assinalar que, carentes de uma legitimação formal por parte da esfera estadual, as associações desportivas desenvolveram a sua actividade, até perto do final da primeira metade do século XX, em zonas de normação próprias e livres de qualquer intervenção estadual .

* Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mestre em Direito e Doutorando da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Este texto, corresponde, no essencial e salvo alterações pontuais, à comunicação efetuada no I Congresso de História e Desporto, realizado em 2012. Os sítios da internet citados foram consultados a 2 de Julho de 2012.

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Em Portugal, por exemplo, a intervenção do Estado na estrutura federativa dá-se em 1942 . Realce-se que, antes deste período, «o desporto nasce e desenvolve-se com base num forte espírito de iniciativa privada que se concretiza num ideal associativo» (Meirim, 2002: 215 e ss .) .

Neste sentido, o universo federativo tem uma aversão natural a tudo o que a normas estaduais diga respeito. Não obstante, é curioso verificar que, com a aceitação do Tribunal Arbitral du Sport (TAS) enquanto instância de resolução de litígios desportivos, há uma paradoxal viragem neste ímpeto de isolamento federativo . Por um lado, permite-se a justa composição privada do litígio desportivo, assegurando-se a existência uma sentença arbitral de valor jurídico igual ao de uma sentença estadual . Por outro lado, há nesse reconhecimento da entidade jurisdicional privada a possibilidade de um tribunal estadual efectuar um certo controlo indirecto sobre a própria normatividade federativa quando exista um litígio desportivo sobre a mesma norma desportiva .

Tendo em conta o exposto, o que pretendemos é – num tom claramente provocatório – desmistificar a ideia de que a normatividade do movimento olímpico vive isolada e imune à normatividade estadual . Para o efeito, iremos recorrer a dois acórdãos: um do TAS e outro do Tribunal federal suíço . Antes disso, partiremos para uma breve enunciação da problemática da sustentação teórica da norma olímpica .

A Lex Olympica

A primeira pergunta é a seguinte: o que é se deve entender por Lex Olympica? Estamos, a nosso ver, perante toda a normatividade emanada pelo Comité Olímpico Internacional (COI)1 e forçosamente aplicável a todos os intervenientes do Movimento Desportivo Olímpico . Neste contexto, o exercício científico de busca do arquétipo da norma olímpica desportiva e da norma desportiva não é, em geral, isento de dificuldades2 . De uma forma sintética, poderíamos encontrar quatro modelos teóricos3 possíveis:

1. Sobre o papel do COI no ordenamento jurídico desportivo, cfr. (AAVV,1998: 27 e ss.)2. Por vezes, a expressão usada para exprimir esta realidade é Lex Sportiva. V., por todos, (LAtty, 2007: 31 e ss.).3. Num sentido próximo, embora identificando apenas três modelos téoricos, (NAfziger e ross, 2011: 45).

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I) Um conjunto de normas de direito privado cuja origem se reporta à relação contratual estabelecida entre atletas, Comité Olímpico Internacional, Comités Olímpicos Nacionais, federações internacionais e nacionais e a Agência Mundial de Antidopagem;

II) Um sistema de regras criadas pelos organismos desportivos auto-suficientes, independentes da normatividade estadual e imunes à jurisdição estadual;

III) O agregado de princípios que emergem do precedente persuasivo e da jurisprudência do TAS e que possam influenciar as suas futuras sentenças;

IV) Além destes três modelos, podemos apresentar um quarto e que corresponde ao conjunto de regras emanadas pelos órgãos das entidades responsáveis pela organização e disciplina do desporto num âmbito puramente nacional e sujeitas a um regime jurídico híbrido que se situa entre o domínio do Direito Público e do Direito Privado . Este é, por exemplo, o caso das federações desportivas que exercem poderes públicos em Portugal, França, Espanha e Itália .

Em primeiro lugar, a concepção contratualista tem o seu exponente máximo em países como Alemanha, Suíça, Inglaterra ou Estados Unidos da América . Todavia, se na dimensão internacional é possível – pelo menos em teoria – encaixar a essência desta normatividade num contrato, o mesmo já não sucede quando estamos perante um sistema jurídico onde o Estado intervém no Desporto e o assume como uma missão de serviço público; o que acontece, por exemplo, Portugal .

Por outro lado, embora apelativa, a configuração da normatividade desportiva como um forte hermeticamente selado em relação às normas estaduais é incompreensível num Estado de Direito4 .

Em terceiro lugar, conceber a norma desportiva como uma mera compilação de princípios extraídos da contabilização estatístico-sociológica da fundamentação das sentenças proferidas pelo TAS tem uma aplicação muito mais forte em países de Common Law do que nos de Civil Law, onde o

4. Esta era uma posição propugnada, num momento inicial, por alguns autores. Por exem-plo, ( Pfister e steiNer 1995:18 e ss.) realçam as especificidades desportivas como funda-mento de um afastamento das normas jurídicas estaduais.

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precedente não vincula as futuras decisões jurisprudenciais5 .Por último, o regime híbrido do exercício de poderes públicos por

federações desportivas reporta-se à delegação de poderes públicos e assume a virtualidade de complexificar a relação que se possa estabelecer entre o poder privado (contratual típico da hierarquia desportiva) e as vinculações decorrentes do exercício de poderes públicos (que deriva do actividade materialmente administrativa)6. A constatação de tais dificuldades reivin-dica alguma prudência numa análise deste tipo . No entanto, devemos deixar uma pequena nota do que, a este respeito, nos diz a Teoria do Direito .

Com efeito, em todos estes possíveis padrões teóricos encontramos a necessidade de superar a concepção de uma norma enquanto produto único e exclusivo do Estado . Ora, isto remete-nos, automaticamente, para a temática do pluralismo jurídico7 . A ideia de que existe um monopólio normativo do Estado é, no nosso ordenamento, profundamente influenciada pelo monismo jurídico teorizado na Teoria Pura de Hans Kelsen .

Segundo este autor, assumindo a origem da norma desportiva um cariz “extra-estadual” teríamos que falar num facto externo ao sistema, ou seja, como que haveria que falar num “não direito” (8) . Realcemos que a Grundnorm de Kelsen é a chave para conferir validade aos factos. Como bem afirma o autor: «[é] a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa» (Hans Kelsen, 2008: 217) .

Desta forma, o que leva a que um facto se torne jurídico não é a sua facticidade, mas, sim, o sentido objectivo conferido pela norma fundamental (Grundnorm). Ora, não sendo originária e objectivamente fixada pela norma

5. Recordem-se, neste contexto, as palavras proferidas na sentença 02/O/372 do TAS e citadas por (KeN foster, 2006: 420), demonstrando a importância do precedente jurispru-dencial do TAS afirmando-se que: «CAS jurisprudence has notably refined and developed a number of principles of sports law, such as the concept of strict liability (in doping cases) and fairness, which might be deemed as part of an emerging lex sportive. Since CAS ju-risprudence is largely based on variety of sports regulations, the parties’ reliance on CAS precedents in their pleadings amounts to the choice of that specific body of case law en-compassing certain general principles derived from and applicable to sports regulations». 6. Em geral, sobre o exercício de poderes públicos por entidades privadas e, em especial, quanto às federações desportivas, cfr. (goNçALVes, 2005: 855 e ss.).7. Assumindo que esta temática deve ser lida sob a perspectiva do pluralismo jurídico, cfr. (NoLAsco, 2001: 151 e ss.).8. Cfr. (KeLseN, 2008: 217).

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fundamental, também não seria possível sustentar a juridicidade da norma desportiva. Nestes termos, uma norma eficaz (v. g. uma norma desportiva) só pode ser qualificada como jurídica se válida à luz da Grundnorm.

Outro autor que marca profundamente a nossa doutrina – e por isso merece a nossa menção – é Santi Romano9 .

Entende este autor que a normatividade não pressupõe um acto de vontade estadual . Neste sentido, a juridicidade da norma desportiva derivaria do cariz institucional da organização desportiva, isto é, da eficácia dos seus fins, dos seus meios, das suas normas e das sanções que esta pudesse dispor. Chega-se, em princípio, à constatação de que existem normas eficazes que se assumem como válidas perante determinados grupos sociais .

Neste contexto, autores como Alexandra Pessanha10, Gomes Canotilho11 e Paulo Otero12 optam por fundamentar as suas posições numa visão pluralista da norma desportiva .

Todavia, se é verdade que Alexandra Pessanha, Gomes Canotilho e Paulo Otero apelam ao carácter espontâneo do movimento desportivo para fundamentar a existência de uma pluralidade ordenamental, também não é o menos que assumindo a independência originária da norma desportiva, não parecem admitir a possibilidade de revestir uma natureza antagónica às normas do Estado13 .

Por outro lado, Alexandra Pessanha14 e Gomes Canotilho15 defendem, precisamente, que o carácter jurídico se retira da eficácia da normatividade desportiva . Neste contexto, entendemos que as normas federativas podem,

9. O autor enuncia que o conceito de Instituição se divide em três aspectos: um conjunto de pessoas singulares adstrito à observância de um corpo de normas (pluri-subjectividade); uma organização dotada de funções normativas e de poderes auto-organizativos (organiza-ção); Um complexo de normas que regula e disciplina a actividade desportiva (Regulação normativa). cfr. (romANo, 1945). Sobre a aplicação desta teoria ao fenómeno desportivo. Cfr. (giANNiNi, 1996: 671 e ss.).10. Cfr. (2001: 171 e 172).11. Cfr. (2003: 1144 e ss.) e ainda, (2010: 151 e ss.)12. Cfr. (2003: 604)13. Nestes termos (PessANhA, 2001: 174), concebendo o ordenamento desportivo como um ordenamento subordinado ao ordenamento estatal. Num sentido próximo, concluindo por uma ordem jurídico desportiva não soberana, (cANotiLho, 2010: 156). Assumindo a existência de ordenamentos jurídicos particulares sem ligação ao Estado, cfr. (otero, 1999: 30).14. (PessANhA, 2001: 174).15. (PessANhA, 2001: 153).

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por certo, revestir um carácter de eficácia factual muito próximo à imposição pela via coactiva do complexo de normas jurídicas com origem estadual .

No entanto, temos a convicção de que a questão da legitimidade dessa normatividade é fulcral para compreender que a existência da mesma tem, como condição de validade, um crivo axiológico estadual a que a sustentação de uma norma desportiva com carácter plural não pode escapar .

Esta alteração radical da compreensão da norma desportiva surge num claro contexto de articulação entre a arbitragem desportiva e as regras estaduais suíças . Se, num primeiro momento, se podia pensar que uma norma desportiva de uma federação internacional não apresenta qualquer tipo de ligação a uma esfera estadual, tendo uma aplicação universal e transcendendo a esfera de vários Estados, acaba por, num segundo momento, esbarrar no facto da maioria das federações desportivas internacionais estarem sediadas no Estado suíço e, consequentemente, sujeitas às regras deste Estado16 . Olhemos, assim, para a relação deste tribunal arbitral com o Movimento Olímpico .

TAS como instância arbitral de resolução de conflitos desportivos

A resolução alternativa de conflitos desportivos assume a maior importância mesmo no que toca à Lex Olympica . A relevância do TAS pode facilmente ser retirada das normas existentes na Carta Olímpica .

Por exemplo, o artigo n .º 61 (1) estatui que: “[t]he decisions of the IOC are final. Any dispute relating to their application or interpretation may be resolved solely by the IOC Executive Board and, in certain cases, by arbitration before the Court of Arbitration for Sport (CAS)” .

Por outro lado, a norma do artigo 61 .º (2) dispõe que: “[a]ny dispute arising on the occasion of, or in connection with, the Olympic Games shall be submitted exclusively to the Court of Arbitration for Sport (CAS), in accordance with the Code of Sports-Related Arbitration”17 .

O TAS enquanto instância privada de resolução de conflitos desportivos permite, desde logo, uma solução salomónica: trata-se de um

16. Num sentido próximo (meirim, 2010: 645).17. Para mais desenvolvimentos, em geral, sobre a temática da resolução de conflitos des-portivos na esfera internacional, cfr. (meirim, 2010: 645 e ss). Sobre a arbitragem nos jogos olímpicos, cfr. (KAufmANN-KohLer, 2006: 105 e ss.).

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tribunal constituído por privados e reconhecido pelo Estado suíço e, por outro lado, estamos perante uma entidade jurisdicional que ganhou crédito junto do Movimento Olímpico que o concebe como a última instância de resolução dos seus conflitos.

Em termos históricos é facilmente verificável que a criação do TAS surge como resposta a um apelo movido por um sentimento geral existente no Movimento Olímpico que reclamava a criação de uma instância de resolução de conflitos desportivos no seio do associativismo desportivo.

Em consequência, relembremos que o COI assume um papel muito importante neste trilho rumo à institucionalização de um tribunal arbitral de resolução de conflitos desportivos de vocação genérica, na medida em que as origens do TAS se reconduzem a uma iniciativa do Movimento Olímpico .

Ora, foi precisamente o COI que – através do seu Presidente Juan Antonio Saramach – contribuiu com um forte impulso para o instituir deste tribunal arbitral . Registe-se, neste contexto, que, em 1983, os Estatutos do TAS foram ratificados pelo COI em Nova Deli e, em 1984, entraram em vigor. No entanto, o TAS exercia, num período inicial, a sua actividade debaixo do controlo organizacional e financeiro do COI18 .

Tendo em conta o exposto, deixemos aqui claro que – embora se verifique que as sentenças do TAS são quase sempre definitivas e insusceptíveis de impugnação – o Tribunal Federal Suíço (TFS) tem sido competente para analisar, em especial, da conformidade das sentenças do TAS com a ordem pública .

Na primeira sentença em que teve oportunidade de se pronunciar sobre estruturação do TAS – ocupando-se do recurso de um cavaleiro de seu nome Gundel –, o TFS foi revelando a suas dúvidas em relação à independência deste tribunal . Todavia, reconheceu que se tratava de um verdadeiro tribunal19 . Posteriormente, em 1994, após as recomendações efectuadas pelo TFS no acórdão Gundel, a orgânica do TAS foi alterada e foram introduzidas algumas alterações à sua ligação com o COI20 . Por outro lado, no litígio de Larissa Lazutina e Olga Danilova, o TFS voltou a ocupar-se da questão da independência do TAS

18. Sobre o contexto histórico do TAS veja-se, por todos, (mAtthieu reeb, 2006: 31 e ss.)19. Cfr. Sentença 119 II 271 do TFS.20. Estas alterações deram-se com o denominado «Acordo de Paris». O texto deste «acor-do» pode ser consultado em (http://www.tas-cas.org/en/infogenerales.asp/4-3-237-1011-4-1-1/5-0-1011-3-0-0/).

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em relação ao COI . No entanto, o TFS entendeu que a nova estrutura do TAS não levantava dúvidas em relação ao COI21 .

4 . Duas sentenças que corroboram a nossa tese: o acórdão do TAS 2011/0/2422 USOC v . OIC sobre a «Regra de Osaka» e o acórdão de 27 de Março de 2012 do Tribunal Federal Suíço .

Vejamos duas sentenças (uma do TAS e outra do TFS) que dão o leitmotiv quanto a esta temática .

1) Acórdão do TAS sobre a Regra de Osaka

O COI aprovou uma regra que excluía da participação da edição dos Jogos Olímpicos seguintes à suspensão de que pudesse ter sido alvo, quem tivesse sido suspenso por uma entidade de antidopagem em virtude da violação de uma regra de antidopagem e cuja duração da sanção fosse igual ou superior a seis meses . A entrada em vigor desta norma reportava-se às suspensões ocorridas antes de 1 de Julho de 2008 . Existiam alguns atletas a quem se aplicava esta norma e que aguardavam com ansiedade o desfecho desta questão, entre eles, Lashawn Merrit . Invocando a ilegalidade daquela norma, recorreu este atleta para um tribunal arbitral americano, dando-lhe este razão considerando que estávamos perante uma norma que representava uma dupla sanção (proibida pelo Direito) .

Neste contexto, o Comité Olímpico dos Estados Unidos encontrava-se perante uma situação difícil: estavam obrigados a cumprir a sentença arbitral estado-unidense, mas o COI não reconhecia este atleta como elegível para participar nos Jogos Olímpicos . Assim sendo, a solução que o Comité Olímpico dos Estados Unidos e o COI encontraram para resolver esta questão foi a submissão deste litígio ao TAS . A principal dúvida subsistia em saber se a regra de Osaka era, porventura, uma condição de eligibilidade ou uma sanção . O TAS decidiu perentoriamente: a regra de Osaka não é uma condição de elegibilidade . Adoptou, para o efeito, dois tipos de argumentos:

Em primeiro lugar, reconhece que a relação contratualmente estabelecida entre atletas e COI não resolve a questão objecto de litígio .

Em segundo lugar, reconhece que a regra de Osaka não é compatível com as normas do Código Mundial de Antidopagem (CMA) e com as

21. Publicado em (reeb, 2004: 674-695).

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próprias regras do COI (em especial, com a Carta Olímpica, pois o CMA é parte integrante desta) . Aliás, o que fundamenta esta argumentação é, pois, o vínculo contratual existente no tocante ao reconhecimento das normas do CMA enquanto parte integrante da Carta Olímpica . Ora, nos termos do artigo 60 .º do Código Civil Suíço a Carta Olímpica é considerada como integrando os Estatutos do COI e, como tal, vinculativa também para esta entidade .

Olhando para a argumentação do TAS podemos verificar que há uma tentativa em deixar claro que a normatividade desportiva do COI não pode continuar a auto-legitimar-se de uma forma hermeticamente fechada e apartada do sistema de normas estaduais . Ou seja, de acordo com todos estes argumentos, o TAS apresenta sempre uma lógica interessante e que define uma mensagem forte: o movimento olímpico não vive normativamente isolado das regras jurídicas estaduais .

2) Acórdão «Matuzalém»

Um jogador de futebol impugnou uma sentença arbitral do TAS alegando que a sanção imposta pela FIFA e cujo objectivo era assegurar a efectividade da sentença do TAS era claramente violadora da ordem pública internacional suíça22 .

A questão em causa não é, porém, nova para o próprio TFS . No entanto, sendo colocado, no acórdão de 10 de Junho de 2010

(sentença 4ª_458/2009), perante a questão de saber se uma sanção disciplinar adoptada por um órgão da FIFA pelo não pagamento de uma indemnização de origem contratual violava a ordem pública, o tribunal não se pronunciou . No caso em apreço, o TFS entendeu, de forma inédita, que a suspensão de um jogador de futebol temporalmente indeterminada e num âmbito espacial mundial na sequência do não pagamento de uma indemnização de 11 .854 .934 milhões de Euros acrescidos de 5% de juros

22. Recorde-se que, não é a primeira vez que o TFS anula uma sentença do TAS com base na violação da ordem pública internacional. Num caso em que o Atlético de Madrid litigou contra o Sport Lisboa e Benfica, o TFS, na sentença de 13 de Abril de 2010, reconheceu que a sentença do TAS violava a figura do caso julgado e que este constituía parte integrante da ordem pública internacional. Não é, pois, essa a novidade do acórdão objecto de análise. A presente decisão assume particular interesse, na exacta medida em que toma em consi-deração a falta de legitimidade de uma norma da FIFA para fundamentar a argumentação na presente sentença e anular a sentença do TAS.

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anuais a contar a partir de 5 de Julho de 2007 decorrentes de uma quebra contratual ilícita viola a ordem pública23 .

Nestes termos, a legitimidade da normatividade desportiva depende sempre da sua conformação com os valores – em especial, do livre desenvolvimento da personalidade – que regem a normatividade do Estado suíço24 . Ora, recorde-se que, a maioria das federações desportivas internacionais estão sediadas num território, isto é, na Suíça . Tratam-se, pois, de associações de direito privado constituídas ao abrigo dos artigos 60 .º e ss . do Código Civil Suíço . Deste modo, toda a normatividade por estas criada está sujeita aos ditames da normatividade estadual suíça (25) .

Não obstante existir no sistema jurídico suíço a consagração legal de uma ampla autonomia federativa, não deixa o TFS, no entanto, de reconhecer que há limites que se aplicam até no caso de uma arbitragem internacional desenvolvida no Estado suíço (26) .

Conclusão

O presente trabalho teve como objectivo primordial lançar o debate sobre o estudo da norma desportiva . Trata-se de uma temática que está, entre nós, ainda por explorar . Partindo do comummente estabelecido preconceito federativo de que existe uma impenetrabilidade das normas desportivas em relação às normas estaduais, apontámos alguns argumentos que procuraram esbater este dogma ilusoriamente estabelecido .

A pergunta que se deve, assim, colocar após este humilde percurso é a seguinte: Afinal nesta disputa de “forças” antagónicas quem pode ganhar? Neste momento, e a nosso ver, é claramente a força estadual .

23. Esta decisão tem por base sentença do TAS CAS 2008/A/1519 – FC Shakhtar Do-netsk (Ukraine) v/ Mr. Matuzalem Francelino da Silva (Brazil) & Real Zaragoza SAD (Spain) & FIFA e CAS 2008/A/1520 – Mr. Matuzalem Francelino da Silva (Brazil) & Real Zaragoza SAD (Spain) v/ FC Shakhtar Donetsk (Ukraine) & FIFA (http://www.tas-cas.org/d2wfiles/docu-ment/3229/5048/0/Award201519-152020_internet_.pdf).24. É através do recurso ao bem jurídico do livre desenvolvimento da personalidade que o TFS entende que a liberdade contratual assume limites que se aplicam mesmo em processos arbitrais internacionais sobre pena de violação da ordem pública.25. Alertando para a possibilidade de se poder discutir se a legitimidade da norma desportiva internacional se reporta a uma autonomia federativa ou a um reconhecimento estadual dessa autonomia e da consequente submissão dos desportistas à normatividade desportiva. Cfr. (KAdeLbAch e güNther, 2011: 22).26. Cf. ponto 4.3.3. da sentença de 27 de Março de 2012 do TFS.

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v

o rugby e o espÍrito olÍmpico: à volta da história

de um regressoJoão Tiago Lima

Universidade de Évora /NICPRI

Os Jogos de 2016, a realizar no Rio de Janeiro, marcam uma data importante nas relações entre o movimento olímpico e o rugby, com a inclusão de uma prova oficial na variante de sevens. Com efeito, embora o rugby tenha desempenhado um papel extraordinariamente relevante na concepção de desporto defendida por Pierre de Coubertin, desde logo em virtude do seu enorme potencial educativo, a verdade é que desde o dia 18 de Maio de 1924, data da final da competição de rugby dos Jogos de Paris, que o desporto da bola oval não é modalidade olímpica .

A presente comunicação visa sobretudo evocar esse percurso comum que o rugby e o olimpismo moderno fizeram e, ao mesmo tempo, ajudar a explicar o aparente paradoxo que consiste no facto de uma modalidade, que tem uma filosofia muito própria e cujos valores que promove parecem estar bastante próximos do chamado espírito olímpico, ter permanecido durante quase um século afastada dos Jogos . Nesse sentido, iremos responder a cinco questões muito precisas, a saber:

1) Quem é o campeão olímpico em título na modalidade de rugby?2) Qual o país que conquistou maior número de medalhas de ouro

nos Jogos na modalidade de rugby?3) Será Daniel Carroll o melhor jogador olímpico de rugby de todos

os tempos?4) Por que motivo tem o rugby vivido, desde 1924, à margem do

movimento olímpico internacional?5) Será a variante de rugby de sevens a modalidade perfeita para

os Jogos?

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Como se sabe, o rugby nasceu no Colégio da localidade inglesa com o mesmo nome, constituindo uma variante do futebol da época e que foi supostamente criada por Wiliam Webb Ellis, entre os anos Trinta e Quarenta do século XIX . Segundo rezam as crónicas, Ellis terá, em plena partida, pegado na bola com as mãos, lançando-se numa corrida desenfreada pelo território adversário . Pouco importa neste contexto averiguar a exactidão histórica (Garcia, 2004: 83) deste acontecimento original que adquiriu, para os habitantes do «planeta oval» (Dhermain, 2007: 15), um estatuto que se diria mítico e que representa a separação definitiva com o futebol, que, de resto, nem sempre é visto com bons olhos pela comunidade rugbística, onde muitas se ouve dizer o seguinte: «o rugby é um desporto de brutos jogado por cavalheiros, ao passo que futebol é um desporto de cavalheiros jogado por… brutos!» .

Do que não parece haver dúvidas é que Pierre Coubertin visitou a Inglaterra e teve em Thomas Arnold, director do Colégio de Rugby entre 1828 e 1841, uma das suas principais fontes de inspiração pedagógica e desportiva . «O que é admirável, no rugby, é a harmonia permanente entre o indivíduo e a disciplina, a necessidade de cada jogador pensar, antecipar, tomar uma decisão e, ao mesmo tempo, subordinar cada raciocínio, cada pensamento e cada decisão à vontade do capitão . E mesmo o facto de o apito do árbitro parar a acção de um jogador, por causa de uma falta que um companheiro de equipa fez e que ele não viu, testa seu carácter e paciência . Por tudo isso, o futebol é realmente o reflexo da vida, uma experiência vivida do mundo real, uma ferramenta educativa da maior importância» (Coubertin, 1896)

Não espanta, por isso, que Coubertin tenha sido um dos principais impulsionadores da prática do football rugby em França, tendo sido mesmo o árbitro da primeira final do Campeonato francês, num jogo disputado em 20 de Março de 1892 em pleno Bois de Boulogne em Paris, opondo as equipas do Racing Club de France e o Stade Français. Num dia magnífico, «os jogadores do Stade Français deslocaram-se para o jogo individualmente enquanto o Racing chegou em transporte especialmente preparado para o efeito» (Garcia, 2004: 140) . Perante numerosos fotógrafos e cerca de dois mil espectadores, o Racing vence a final por 4 pontos a 3, resultado que hoje seria impossível, mas que, de acordo com as regras da época usadas

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em França, corresponde a um ensaio e respectiva transformação para cada uma das equipas e a um “tenu” feito por Frantz Reichel, médio da equipa vencedora (Garcia, 2004: 142) . Em que consiste esse “tenu”? Um jogador transporta a bola (neste caso o médio do Stade Français que dava pelo nome de Amand) e é placado pelo adversário, que o impede quer de passar essa mesma bola, quer de tocar com ela no solo . Se, no actual rugby de XV, essa situação se verificar, o árbitro assinala uma penalidade a favor da equipa do jogador que placou e portanto contra a equipa do jogador que ficou agarrado à bola . De acordo com as regras seguidas naquele tempo em França, o “tenu” assinalado pelo árbitro Mr. Coubertin significava um ponto para a equipa do jogador placador, ponto, esse, que foi decisivo para a vitória do Racing, que assim se tornou o primeiro clube campeão de França em rugby .

Pierre de Coubertin terá sido assim um dos principais entusiastas do desenvolvimento do rugby em França e, por conseguinte, da sua inclusão no calendário dos Jogos de Paris, realizados em 1900 . Nessa edição, a França conquistou a medalha de ouro, vencendo uma sui generis competição triangular com a Alemanha (prata) e a Grã-Bretanha…, ou melhor, a equipa dos Moseley Wanderers (bronze), derrotados no jogo decisivo pelos anfitriões por 27-8! Na equipa francesa destacava-se um jogador de que atrás já se falou: Frantz Reichel, o médio do Racing autor da placagem decisiva da final do Campeonato francês de 1892 e que, entretanto, venceria as edições dessa prova de 1893 e nesse mesmo ano de 1900 .

Não se tendo realizado prova de rugby nos Jogos Olímpicos de St . Louis, em Londres (1908), um misto de jogadores da Austrália e da Nova Zelândia, na altura a fazer uma digressão pelo Reino Unido, defrontou num único jogo uma selecção britânica, vencendo por 32-3 . Em rigor, não se pode dizer que se tratou de uma competição, mas a verdade é que os jogadores desta selecção do Hemisfério Sul acabaram por receber as respectivas medalhas de ouro . Entre esses destacou-se o ponta australiano Daniel Carroll que, só à sua conta, obteve dois ensaios .

Nova ausência do rugby se verifica nos Jogos de Estocolmo (1912) e quando, após a Primeira Guerra Mundial, regressam as Olimpíadas em Antuérpia (1920), o rugby faz também o seu reaparecimento, através de um processo que hoje poderíamos considerar no mínimo estranho, mas que, por outro lado, dá conta do modo como funcionavam as actividades

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olímpicas naquele período . Se não, vejamos . «Com o regresso dos Jogos em Antuérpia, [os Americanos], convencidos que um desporto que apaixona tanto os Britânicos como os Franceses teria de figurar no calendário olímpico, desembarcam aparentemente sem avisar ninguém em Antuérpia . Os organizadores belgas ficam perplexos e, não tendo adversário para defrontar os EUA, convidam os Franceses a fazer um único jogo, para que a travessia do Atlântico pelos yankees não tenha sido em vão» (Garcia, 2004: 255) . É natural que a versão dos acontecimentos mude em função dos intervenientes e, claro, dos resultados obtidos pelas respectivas selecções . Ora, Frantz Reichel (sim, o mesmo Reichel que venceu o primeiro Campeonato francês e a primeira competição de rugby dos Jogos), que era, em 1922, o secretário-geral do Comité Olímpico Francês, descreve nestes termos a sua perspectiva sobre o sucedido: «A verdade é que, em rigor, não se tratou de um torneio olímpico, pois não havia equipas que quisessem competir . Apenas a equipa dos EUA pensou que o rugby estaria presente em Antuérpia e, por isso, tinha enviado à Europa a sua melhor selecção, tendo de resto gasto uma quantia considerável . (…) Por cortesia, a França aceitou resolver esta situação delicada e defrontou os Californianos, apesar de, na época, não ser nada fácil arranjar uma equipa de modo quase instantâneo» (Garcia, 2004: 255-256) .

Os americanos vêem esses Jogos de uma forma algo diversa . «Nos últimos dois Jogos Olímpicos em que houve rugby, os Estados Unidos conquistaram medalhas de ouro . Em 1920, os Estados Unidos e a França foram os únicos países que participaram . Numa competição de um só jogo, os EUA chocaram a Europa, ao derrotar os franceses por 8-0 . Nos Jogos Olímpicos de 1924, França esperavam a desforra frente aos EUA que conquistaram de novo a sua medalha de ouro . A história da equipa americana de rugby em França merece ser recordada e mostra a perseverança dos atletas olímpicos» (Read: 1999) .

Independentemente das interpretações que se possam fazer desta peculiar competição, a verdade é que ninguém contesta o facto de que, aos cinco dias de Setembro, no Stadium de Antuérpia, perante vinte mil espectadores, se jogou a final de rugby dos Jogos de 1920, com a vitória dos Estados Unidos por 8-0 . Ora, entre os americanos, destacava-se um jogador com o nome de… Daniel Carroll! Quem?! Daniel Carroll, o veloz

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ponta australiano dos Jogos de Londres (1908)? Sim, esse mesmo . Eis-nos perante aquele que é, sem dúvida, o melhor jogador rugby olímpico de todos os tempos (pelo menos até aos Jogos de 2016…) . Com efeito, «Em 1912, Carroll partiu em digressão pela Califórnia com os Wallabies... e ficou a estudar Geologia em Standford, onde se formou em 1920, aos 32 anos dado que serviu no Exército dos EUA durante a 1 ª Guerra Mundial… Em Stanford, ele jogou e treinou rugby . Por causa do seu excelente passado no rugby, foi escolhido como jogador e treinador da selecção olímpica de rugby para os Jogos de 1920 em Antuérpia, tendo ganho uma segunda medalha de ouro, representando os EUA» (Humbert: 2009) .

Quatro anos depois, nos Jogos de Paris, organiza-se a última competição olímpica de rugby na qual participam apenas três países: França, Estados Unidos e Roménia! A França começou por derrotar a Roménia 61-3 . Embora haja documentos que digam que o resultado exacto foi 59-3 (Quinn: 1991, 211), a verdade é que a superioridade gaulesa não esteve em questão . Dias depois os romenos foram vencidos pelos E .U .A . por 37-0 e ficaram assim em último lugar na competição. No entanto, como só participaram três países, a Roménia ganhou através da sua selecção de rugby a sua primeira medalha olímpica . Quase cinquenta anos antes de Nadia Comaneci, os jogadores de rugby foram sem dúvida os heróis olímpicos da Roménia. A final entre franceses e americanos (uma desforra muito ansiada pelos europeus, quatro anos depois de Antuérpia) realizou-se a 18 de Maio de 1924 no Stade de Colombes, perante 20 000 espectadores (Scott Read fala em perto do dobro dos assistentes) e sob arbitragem do senhor Freethy, do País de Gales . Foi o último match de rugby dos Jogos e os Estados Unidos revelaram uma supremacia tão surpreendente quanto indiscutível, marcando quatro ensaios (na época um ensaio valia três pontos) por Farrish (dois), Patrick, Roger e Manelli . O defesa Doe transformou um dos ensaios (cada transformação valia, como ainda hoje sucede, dois pontos) . Por sua vez a França apenas conseguiu um ensaio pelo médio de formação Gallau . Como esse ensaio não foi transformado, o resultado final foi 17-3 para os americanos .

Durante a cerimónia de entrega das medalhas, o Hino norte-americano foi assobiado. Não era este o fim desejado certamente por Pierre de Coubertin . E não espantou muito que em 1928 o COI tenha decidido

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retirar o rugby do calendário olímpico até Outubro de … 2009, quando o Comité Olímpico Internacional decidiu aceitar a candidatura do rugby de sevens (masculinos e femininos) para integrar os Jogos do Rio em 2016 . Por isso, talvez valha a pena concluir esta comunicação centrando a nossa atenção nas duas últimas questões enunciadas no início .

a) Por que motivo tem o rugby vivido, desde 1924 até hoje, à margem do movimento olímpico internacional?

b) Será a variante de rugby de sevens a modalidade perfeita para os Jogos?

Em relação a a), julgamos que os valores do rugby encarnam de uma forma especialmente feliz o ideário olímpico . Mais: este bebeu muito da sua inspiração filosófica no rugby, como o próprio Coubertin escreveu e, sobretudo, pôde testemunhar e aplicar em França . Na verdade, o rugby é um extraordinário meio educativo. No dizer do filósofo Thierry Tahon, «A força é o resultado obtido pelo rugby . Muitos jogadores têm esta dívida em relação ao rugby: tinham uma tendência para a violência e o rugby tornou-os mais fortes» (Tahon: 2011, 91) . Mas rugbistas há que sublinham também a riqueza por assim dizer espiritual do seu jogo . É o caso do antigo ponta francês Christophe Dominici para quem «o rugby é um desporto paradoxal: é preciso avançar fazendo passes para trás; é apresentado como muito viril, mas, ao mesmo tempo, tocamo-nos, agarramo-nos» (Kintzler e Dominici, 2007: 36) .

Se assim é, então a pergunta impõe-se: por que motivo esteve, durante estes anos todos, o rugby afastado dos Jogos? Antes de mais, porque o rugby assim o quis, pelo menos quase sempre… já que em 1980, por intermédio da então União Soviética (Jogos de Moscovo) e em 1998 (Jogos de Seul), houve tentativas de fazer regressar o rugby ao calendário olímpico . Esses esforços não resultaram, contudo . Porquê? Também porque, é preciso dizê-lo, o rugby não é (ainda?!) um desporto planetário ou universal . No entanto, as coisas parecem estar a mudar, sobretudo através da popularização de novas variantes do clássico rugby union, como o beach rugby, o rugby feminino ou os sevens .

Na verdade a variante de rugby sevens tem um conjunto de especificidades que a tornam mais adaptável aos Jogos Olímpicos dos nossos dias . Assim, importa realçar o seguinte:

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1) O facto dos jogos e das competições terem uma duração bastante mais curta permite integrá-los com mais facilidade nas escassas semanas em que decorrem os Jogos .

2) A maior simplicidade das regras e a menor complexidade do jogo se, por um lado, não agradam aos puristas do planeta oval, por outro, tornam as competições um espectáculo mais atractivo para os não-iniciados .

3) As competições de sevens têm uma componente eminentemente festiva e que é sem dúvida mais adequada para o Verão . No Rio a competição realiza-se no Estádio de São Januário, propriedade do popular Clube de Regatas Vasco da Gama e a festa promete!

4) Há uma maior imprevisibilidade dos resultados que resulta também de um menor fosso entre as grandes potências e os países emergentes: se, no clássico rugby de quinze, é impensável que, por exemplo, Portugal vença a Inglaterra, a verdade é que, em sevens, isso já sucedeu na etapa do Dubai do Circuito Mundial de 2010 e por diversas outras ocasiões depois disso .

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os heróis de amesterdãoa primeira participação

internacional da selecção nacional de Futebol

João Nuno Coelho

Sociólogo

A poucos dias do início de mais uma participação portuguesa numa grande prova futebolística internacional (o Campeonato da Europa da Ucrânia-Polónia), abordamos aqui a estreia da selecção nacional da modalidade numa competição internacional: a prova de futebol dos Jogos Olimpicos (JO) de Amesterdão em 1928 .

Três outras razões tornam relevante a análise desta estreia . Primeira: no panorama da história do futebol mundial esta foi a

última vez que a prova de futebol dos JO teve o estututo de única competição à escala mundial: uma espécie de campeonato do mundo avant la lettre, já que dois anos passados surgiu a primeira Taça do Mundo organizada pela FIFA – Uruguai 1930 .

Segunda: a importância atribuída em Portugal a esta participação, por ser a primeira, mas acima de tudo porque o futebol crescia de uma forma impressionante em popularidade no país, conseguindo durante os anos de 1920 tornar-se um espectáculo de massas – e a selecção nacional passara a ser o grande representante do país .

Finalmente: o carácter quase mítico que ganharia esta participação nas décadas seguintes: convém não esquecer que depois desta participação Portugal apenas voltaria a uma grande competição em 1966 (quase 40 anos depois) dado que passaram a jogar-se partidas de apuramento a partir de 1933 . E tendo em conta uma prestação positiva, ainda mais se desenvolveu toda uma mitificação à volta desta equipa

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As expectativas portuguesas

Até 1928, o torneio de futebol Olímpica constituiu-se como substituto funcional de um campeonato mundial de futebol . E na realidade, o número de equipas envolvidas nos JO de 1920 (14), 1924 (22) e 1928 (17) foi sempre superior ao da primeira Copa do Mundo, em 1930 . Um dia antes do torneio começar, em 26 de Maio de 1928, o congresso da FIFA (Federação Internacional de Football Association) em Amsterdão presidido por Jules Rimet, deliberou que a edição inaugural do Campeonato do Mundo seria organizada em 1930, no Uruguai, estando aberta a todas as nações-membro da instituição e a todos os jogadores, profissionais ou amadores.

Na sua história, a selecção portuguesa havia realizado até esta altura 15 encontros – todos amigáveis – desde 18 de Maio de 1921 . Seis destes encontros foram com a Espanha (incluindo os quatro primeiros), com sete derrotas (incluindo quatro nos primeiros quatro jogos, os tais com a Espanha), cinco empates e três vitórias (duas contra a Italia e uma com a França) . Desta forma, o entusiasmo existente à volta da equipa nacional de futebol tivera desde 1925 (ano da primeira vitória, sobre a Itália, por 1-0 em Lisboa), um incremento notável, resultante das claras melhorias técnicas e competitivas da equipa .

Antes da sua participação nas Olimpíadas, a selecção conseguiu uma inédita série de quatro jogos sem perder (um ano), algo que pareceria impossível alguns anos antes . Inclusive, Portugal conseguira pela primeira vez evitar a derrota com a Espanha, em Janeiro de 1928 . Desde aí, dois empates (Argentina e França) e uma vitória (Itália, por 4-1) nos jogos de preparação para os JO levantaram muito o moral dos portugueses .

Com base nestes dados a imprensa portuguesa tudo fizera para que a FPF (Federação Portuguesa de Futebol) inscrevesse a equipa nesta prova organizada pela FIFA, e exultava com a “nova” selecção nacional, garantindo que valeria a pena suportar as elevadas despesas envolvidas na participação olímpica da equipa de futebol .

Na prova de futebol dos JO de Amesterdão inscreveram-se 18 nações, menos quatro que nas Olimpíadas anteriores . Portugal era uma das equipas estreantes, juntamente com o Chile, Argentina e Alemanha .

A 17 de Maio realizou-se o sorteio da prova, cabendo à Selecção

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Nacional disputar o jogo da única pré-eliminatória, enfrentando o Chile . Assim que se conheceu o adversário da estreia, muitos recordaram nas páginas dos jornais a fraca prestação e imagem que duas épocas antes tinham dado os jogadores chilenos do Colo-Colo durante uma digressão pelo nosso país . Mas outras vozes, mais sensatas, lembraram que um “onze” nacional é bem diferente de uma equipa de clube . . .

Antes do primeiro jogo

A Selecção Portuguesa de Futebol partiu para Amesterdão a 21 de Maio . A viagem até à capital da Holanda demorou dois dias e a comitiva nacional contou com uma companhia especial, a da actriz Laura Costa, que encantava tudo e todos com a sua bela voz, entoando diversas cançonetas populares . Acompanhavam a Selecção vários jornalistas dos principais jornais portugueses, com realce para António Ferro, ao serviço do Diário de Notícias .

Em Amesterdão a comitiva portuguesa ficou alojada no Hotel Holanda, uma unidade de pouca qualidade, com os jogadores a terem de ficar nos quartos como “sardinha em lata” (expressão usada a propósito pelo Os Sports de 28 de Maio), chegando mesmo quatro jogadores a terem de se alojar noutro hotel por falta de espaço . E para além de não terem ficado todos juntos, os atletas tinham que fazer as refeições num outro hotel, pois o “Holanda” não servia refeições . Os dirigentes da Federação tentaram compensar a sua falha organizativa ficando com os quartos mais pequenos e de pior aspecto . . .

Nos dias seguintes, os jogadores portugueses fizeram a necessária adaptação ao terreno relvado que iam encontrar no Estádio Olímpico – treinaram no recinto também relvado do Campo da Polícia . Lembre-se que em Portugal praticamente todos os campos eram pelados .

A estreia oficial

A selecção nacional foi a primeira equipa a entrar em campo no jogo de abertura do Torneio Olímpico de Futebol, disputado a 27 de Maio . Os portugueses trajavam camisola vermelha e calção azul e demonstraram

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algum nervosismo no início da partida, perante maior tranquilidade aparente dos chilenos .

Aos 14 minutos Portugal perdia já por 2-0 na sequência de dois erros defensivos, mas reagiu de imediato, passando o jogo a disputar-se mais no meio-campo dos sul-americanos . Com o ascendente português, a equipa chilena retraiu-se, rareando as incursões no ataque . Mas num desses escassos ataques esteve muito perto de ampliar o marcador, não fosse o guarda-redes Roquete fazer um extraordinário voo, arrancando aplausos da numerosa assistência .

Portugal iria reduzir a desvantagem no marcador à passagem do minuto 38, quando Vítor Silva, até ai muito desastrado na frente de ataque, conclui de cabeça um magnífico centro da esquerda de José Manuel Martins, fazendo o primeiro golo português em provas oficiais.

O tento serviu de tónico à Selecção Nacional, intensificando-se a pressão sobre a defesa chilena . Dois minutos depois do golo, o entendimento de dois jogadores “belenenses” dá origem ao empate: o médio esquerdo César de Matos faz um centro comprido, a que o avançado «Pepe» corresponde com um fulminante remate para as redes chilenas . Pouco depois, o apito para intervalo, com Portugal, que começou muito mal o encontro, a ser já apontado nas bancadas como o favorito .

Após 15 minutos de descanso, a segunda parte iniciou-se sob novo domínio português, com o guarda-redes Ibacache a entrar em acção amiúde . Ao quarto de hora do segundo tempo, José Manuel Martins marca um canto, que a defesa chilena afasta, mas bola é recuperada pela linha média portuguesa, voltando a colocá-la nos pés de José Manuel, que centra novamente, mas desta feita com melhor sorte: «Pepe», apesar da sua reduzida estatura, entra de rompante na área chilena e remata de cabeça para o fundo da baliza adversária, pondo Portugal na condição de vencedor .

Com o terceiro tento português, os chilenos quebraram animicamente, denotando igualmente alguma falta de frescura física. Os dois golos de vantagem e um Chile algo apático, permitiram ao “onze” português abrandar o ritmo de jogo e controlar o mesmo até ao seu final.

Em Portugal, milhares de pessoas aglomeraram-se junto das diversas sucursais dos principais jornais, com realce para O Século e Diário de Notícias, os quais iam actualizando, através de altifalantes, placardes ou

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quadros eléctricos, o desenvolvimento do resultado, com um diferencial de cerca de meia hora em relação ao que sucedia em Amesterdão . O telégrafo era a via mais comum para receber as informações dos correspondentes . A notícia do terceiro golo, que colocou Portugal em vantagem, gerou uma reacção de euforia em todas as capitais de distrito .

Nova vitória

Portugal ultrapassava assim brilhantemente a primeira fase na sua estreia numa prova oficial, rebatendo as opiniões mais negativas, que davam como certa a derrota da Selecção Nacional .

Dois dias depois, Portugal conseguiu ultrapassar nos oitavos-de-final a difícil Selecção da Jugoslávia, vencendo por 2-1, isto depois de ter estado novamente a perder, tal como sucedera contra os chilenos . O tento da vitória surgiu no último minuto, por intermédio do médio-centro Augusto Silva, feliz numa recarga . O jogador do Belenenses foi considerado o melhor jogador da partida, sendo mesmo levado em ombros pelos colegas para o balneário . A bravura dos portugueses superou a técnica jugoslava, criando enormes expectativas acerca do que Portugal poderia fazer contra a, teoricamente, mais fraca equipa egípcia, que os portugueses iriam defrontar nos quartos-de-final.

Perante a Jugoslávia, Portugal fez alinhar os mesmos onze jogadores que tinham defrontado o Chile e que se apresentariam também frente ao Egipto . Nesta época não eram permitidas substituições durante as partidas e tendo em conta o bom período que a equipa nacional atravessava acaba por se compreender tal opção do Seleccionador Nacional Cândido de Oliveira . Eis o onze escolhido: António Roquete (Casa Pia AC);Carlos Alves (Carcavelinhos) e Jorge Vieira (Sporting), «cap.»; Raul Figueiredo (Benfica), Augusto Silva (Belenenses) e César de Matos (Belenenses); Valdemar Mota (FC Porto), José Manuel Soares «Pepe» (Belenenses), Vítor Silva (Benfica), Armando Martins (V . Setúbal) e José Manuel Martins (Sporting) . Um conjunto de grandes jogadores, que constituiu provavelmente a melhor geração de futebolistas nacionais até à data .

A imprensa portuguesa ficou eufórica com as duas vitórias lusas em Amesterdão, enveredando por um optimismo desmedido, dando quase

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como certa a passagem de Portugal às meias-finais, como fez O Século a 30 de Maio. Dias antes do encontro com o Egipto, a confiança na passagem reinava também entre jogadores e dirigentes, que começavam até a fazer especulações sobre o adversário da meia-final, que sairia do Argentina-Bélgica .

A eliminação quando menos se esperava

Em Portugal, a expectativa em relação ao jogo contra o Egipto era enorme, com os diversos jornais, em especial O Século e o Diário de Notícias . Durante a partida, o Diário de Notícias conseguiu agregar milhares de pessoas nas suas três principais delegações – Lisboa, Porto e Coimbra –, seguindo atentamente as incidências do Portugal-Egipto através de um quadro eléctrico, onde eram descritas as jogadas mais importantes da partida . De Amesterdão encontrava-se um correspondente ao telefone, que ia descrevendo as jogadas . Via rádio, através da Marconi, era também possível recolher informações do jogo, chegando a emissão de Londres . O Rossio e a Praça do Comércio, em Lisboa, acolheram largos milhares de pessoas, que acompanharam atentamente os 90 minutos do embate em amplos quadros eléctricos, nos quais as luzes se iam iluminando de forma a simular os movimentos da bola no terreno de jogo .

A partida arrancou às 19h00, com os primeiros minutos a serem jogados a um ritmo elevado . Os egípcios, com o vento a favor, dominaram os primeiros instantes de jogo, embora sem criarem oportunidades de golo. As dificuldades impostas pela forte ventania obrigaram as duas equipas a praticarem um futebol com a bola junto à relva, de passe curto, que favoreceu as combinações rápidas . Mas o bom posicionamento táctico das duas defesas fez com que os ataques fossem infrutíferos, apesar da perseverança dos atacantes .

A meio do primeiro tempo Portugal detinha o domínio do jogo tendo já Vítor Silva enviado um remate à barra da baliza do Egipto, que estava fechado no seu meio-campo . O jogo desenrolava-se todo no campo dos africanos, procurando o ataque português encontrar uma fórmula para desfeitear a bem organizada defesa contrária . O Egipto só em esporádicos, mas muito perigosos, contra-ataques conseguia assustar a baliza portuguesa .

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Mas seria numa jogada de ataque continuado que a equipa africana se adiantou no marcador: numa arrancada pela esquerda, o interior Mamaduh Mokltar finta Carlos Alves, conseguindo algum espaço na área. Roquete, perante a iminência de golo, sai de forma destemida aos pés do avançado, mergulhando para a bola, mas não a conseguindo bloquear . Do choque entre ambos, o esférico ressalta na direcção da linha de fundo, parando um pouco antes da linha . Mokltar, mais rápido que Roquete, chega à bola e empurra-a lentamente para as redes desertas .

Os egípcios, até então algo retraídos, ganham confiança e sobem no terreno, obrigando a defesa e o meio-campo português a recuarem . A primeira parte terminaria sob domínio africano, com Portugal a denotar dificuldades na articulação entre o meio-campo e o ataque.

A partida foi retomada às 19h55, continuando a manter-se a toada ofensiva do Egipto com que tinha encerrado o primeiro tempo . Poucos minutos depois do reinício, o médio-centro Augusto Silva não consegue interceptar a bola conduzida pelo avançado-centro do Egipto, que de forma brilhante dribla o defesa Carlos Alves, isolando-se perante Roquete . O guarda-redes português sai da baliza, mas o atacante egípcio supera-o com um “chapéu” magnífico.

O golo afectou muito o moral dos jogadores lusos, que só quando faltava um quarto de hora para terminar o jogo conseguiram retomar o domínio territorial, obrigando o adversário a recuar em bloco e a defender com todos os homens . Vítor Silva (que estivera desinspirado na primeira parte), fez então uma arrancada pujante de 30 metros, fintando três contrários e rematando raso, sem hipótese, para o canto esquerdo da baliza de Hamdi .

Faltavam dez minutos para o fim da partida e os portugueses pareciam agora mais confiantes na possibilidade de recuperação no marcador . Só que esta era a tarde dos defesas do Egipto, capazes de suster o caudal ofensivo português, não sucumbindo à pressão e empregando todo o tipo de estratégias – passaram a despachar sucessivamente bolas para fora, obrigando a várias paragens de jogo . Mesmo ao cair do pano, Portugal dispôs de uma oportunidade flagrante, que o guarda-redes Hamdi defendeu com um voo espectacular. Pouco depois, o apito final. O bilhete para a meia-final foi parar às mãos dos egípcios, que seriam goleados (6-0) pelos argentinos,

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enquanto na outra meia-final o Uruguai bateu a Itália. Na final, os uruguaios superiorizaram-se aos argentinos, repetindo o triunfo dos JO de 1924 e anunciando o seu (depois confirmado) favoritismo para a conquista do primeiro Campeonato do Mundo (1930), a disputar em Montevideu .

Os portugueses, sentindo-se prejudicados pela arbitragem de um juiz “demasiado pesado”, que a duras penas conseguiu acompanhar as jogadas, decidiu apresentar um protesto formal, tendo como principal argumento um golo não validado no início da segunda . Os portugueses acusavam também o árbitro italiano G . Mauro de se ter vingado de Portugal por a nossa Selecção ter vencido recentemente a Itália, colocando também algumas dúvidas sobre a imparcialidade de quem o escolheu, uma vez que nos bastidores se ambicionava uma final entre Argentina e Uruguai, possuidoras de jogadores mais famosos . O pedido de repetição da partida não seria aceite, acabando a equipa portuguesa por regressar a casa no dia 6 de Junho .

O regresso

A chegada do “Sud Express” a Coimbra foi apoteótica, com os jogadores a serem aclamados por uma multidão compacta, que se acotovelava para ver os «heróis de Amesterdão», como foram aclamados . Viveu-se um ambiente de loucura, retratada em todos os jornais, com os foguetes a ressoar e a iluminar os céus, ouvindo-se sucessivos «hurras» e vivas à Selecção Nacional por parte de muitos «capas negras» na gare coimbrã, onde os jogadores oriundos do Porto se despediram, rumando a Norte . A festa prolongou-se depois a Lisboa e ao Porto, com uma enorme mole humana a receber, em cada uma destas cidades, de forma efusiva, os jogadores portugueses .

Na Capital, a Avenida da República encheu-se de milhares de adeptos, que saudaram os jogadores da Selecção, acompanhando-os até à Câmara Municipal de Lisboa, onde foram recebido . Nos dias seguintes sucederam-se também as homenagens aos jogadores e ao seleccionador nacional, com realce para a que dedicou o Diário de Lisboa a Cândido de Oliveira . No Porto, uma multidão em festa aclamou os jogadores Valdemar Mota e Óscar Carvalho, únicos internacionais oriundos da Invicta .

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Depois dos JO, a equipa de Amesterdão nunca mais jogou toda junta e voltaram os resultados pobres para a Selecção, que culminaram na goleada de 9-0 com a Espanha (1933), no primeiro apuramento para um Mundial . O que obrigaria finalmente à reorganização dos quadros competitivos do futebol em Portugal – incluindo a criação de um verdadeiro campeonato nacional – indispensável para o desenvolvimento da modalidade .

FontesCoelho, João Nuno, Pinheiro, Francisco; A Paixão do Povo: a história do futebol em Portugal (1888-2002), Afrontamento, Porto, 2002 Coelho, João Nuno, Pinheiro, Francisco; A Nossa Selecção em 50 jogos: a história da Selecção Nacional de Futebol (1921-2004), Edições Afrontamento, Porto, 2004Os Sports, 28 maio 1928Diário de Lisboa, 28 maio 1928Diário de Notícias, 28 maio 1928O Século, 30 de maio 1928Diário de Lisboa, 5 jun . 1928Diário de Lisboa, 8 jun . 1928Diário de Lisboa, 8 jun . 1928O Século, 5 jun . 1928Os Sports, 8 jun . 1928Diário de Notícias, 5 jun . 1928

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da primeira regataà prata olÍmpica: vela

e veleJadores em cascais (1871-1948)João Miguel Henriques1

Investigador

A regeneração política e económica que, a partir de 1851, se pre-tendeu implementar em Portugal também se refletiu no domínio desporti-vo, por se acreditar que a atividade física voluntária, surgida do desejo de entretenimento ao ar livre, poderia promover uma vida nova, de vigor físico e mental .2 Todavia, poucos puderam abraçar, de facto, este ideal, visto que o sport exigia disponibilidade de tempo e desafogo económico . Desta forma, o sportsman transformar-se-ia, sobretudo, num símbolo de prestígio e de su-premacia social, resultante da importação deste novo hábito, divulgado pela ativa colónia inglesa residente em Lisboa e no Porto . Assim se assistiria ao desenvolvimento de modalidades como o rowing, o yachting, o lawn-tennis e o football, depois apelidados de remo, vela, ténis e futebol, respetivamente . Já o rugby, o cricket e o water polo não alcançaram tanto sucesso entre os portugueses, que, para além da equitação, do tiro, da esgrima e da natação, que há muito os cativavam, se lançariam, depois, na prática do atletismo, do ciclismo ou do automobilismo .

Foi nas águas abrigadas da foz do Tejo que, em 1850, se disputou aquela que é considerada a primeira regata de vela em Portugal, por

1. Doutor em História Contemporânea, Investigador integrado do Grupo de Economia, Sociedade, Inovação e Património do Intituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa e Responsável pelo Arquivo Histórico Municipal de Cascais.2. Cf. Hasse, Manuela (2000). O divertimento do corpo: Corpo, lazer e desporto, na transição do séc[ulo] XIX para o séc[ulo] XX, em Portugal. [Lisboa]: Editora Temática; e Pontes, José [1924]. Quase um século de desporto: Apontamentos para a história da educação física em Portugal. Lisboa: Sociedade Nacional de Tipografia.

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iniciativa de Abel Power Dagge, Alex Hudson, Edward Shirley, G . A . Hancock e do comandante da Vixen, escuna da marinha de guerra inglesa que então se encontrava em Lisboa . A disputa entre as cinco embarcações inglesas saldar-se-ia na vitória do Staw & Disty, de G . A . Hancock, que conquistou a bandeira bordada em competição, galvanizando definitivamente os portugueses para a prática da vela desportiva . Cinco anos depois, um grupo de entusiastas, encabeçado pelo Conde das Alcáçovas, constituiria a Comissão Promotora do Real Yacht Club, à qual se sucedeu, em 1856, a Real Associação Naval, destinada a «animar a construção e navegação de yachts ou barcos de recreio e promover o divertimento das regatas em Portugal», que ainda nesse ano conseguiu organizar, em Paço de Arcos, a sua primeira competição .3

Cascais, que desde 1870 se impusera como capital do ócio em Portu-gal no período do ano consagrado aos banhos de mar, na sequência da trans-formação da antiga residência do governador da Cidadela num despreten-sioso Paço Real, cedo se destacaria como pioneira na divulgação de diversas modalidades, nomeadamente da vela, do remo, da natação, do pólo aquático, do ténis ou do futebol .4 Por ocasião da estada de D . Luís e de D . Maria Pia na vila, de finais de setembro a meados de outubro, a baía de Cascais transfor-mava-se no campo de regatas favorito da Corte, onde os príncipes D . Carlos e D . Afonso se iniciaram na vida desportiva . Desta forma, já a 31 de agosto de 1871 o Diário de Notícias se referiria à promoção de «uma grande regata a capricho, para quando ali estiverem suas majestades», noticiando, a 27 de setembro do ano seguinte, os trabalhos em curso, «para realizar domingo próximo [29] em Cascais uma brilhante regata . Foram iniciadores desta ideia os srs . Condes de Vila Real e de Sabugal […] . Aos vencedores serão concedi-dos prémios oferecidos por algumas das famílias mais distintas, que ali se acham a banhos . […] O árbitro da regata é o sr . duque de Palmela . Espera-se

3. O Arquivo da Associação Naval de Lisboa foi depositado no Arquivo Histórico Municipal de Cascais (AHMC). Face ao limite de páginas imposto ao resumo desta comunicação, optámos por não citar os documentos utilizados. Não obstante, o inventário deste arquivo encontra-se disponível para consulta no Arquivo Histórico Digital de Cascais, em http://www.cm-cascais.pt/arquivohistoricodigital e no Guia Digital do Arquivo Histórico Municipal de Cascais, em http://www.cm-cascais.pt/sites/default/files/anexos/gerais/guia_arqui-vo_historico.pdf. Para mais informações, cf., ainda, Henriques, João Miguel e Betten-court, Olga (2008). História da Vela em Cascais: Da primeira regata à internacionalização. [sl.]: Câmara Municipal de Cascais/Edições Inapa.4. Cf. Henriques, João Miguel (2011). Da Riviera Portuguesa à Costa do Sol: Cascais, 1850-1930: Fundação, desenvolvimento e afirmação de uma estância turística. Lisboa: Edições Colibri/Câmara Municipal de Cascais.

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grande concorrência» . A modalidade tornara-se, pois, muitíssimo popular entre a colónia balnear .

A vila manteve esta preferência, por ocasião das regatas promovidas em setembro de 1873 e de 1876, num período marcado pela construção de algumas das mais emblemáticas embarcações da história da vela nacional, como o Sirius, que, mandado fabricar por D . Luís em 1876, se sagraria vencedor da competição organizada em Cascais, pela Real Associação Naval, a 15 de setembro de 1878 . Nesse ano o monarca ofereceu, ainda, a D . Carlos o seu primeiro veleiro5, estimulando a «paixão pelo mar» à qual se deveriam as primeiras campanhas oceanográficas, que veio a promover, entre 1896 e 1907, a partir de Cascais, onde montou o primeiro laboratório para o efeito em Portugal .6 Este interesse era, ainda, extensível a D . Amélia – com cujo nome crismou todos os seus barcos de exploração marítima – assim como ao seu filho D . Luís Filipe, que também se revelou adepto incondicional da vela desportiva .

O período de hegemonia da Real Associação Naval terminaria em 1891, quando, na sequência da cisão de alguns dos seus sócios, se fundou

5. O palhabote Nautilus foi oferecido a D. Carlos, quando completou quinze anos, a 28 de setembro de 1878. Cf. Diário de Notícias, 5 de outubro de 1878, p. 2. No decurso da festa de aniversário foi, ainda, promovida na Cidadela de Cascais a primeira experiência de iluminação eléctrica em Portugal, que atesta o pioneirismo inusitado da vila em diversos domínios. Cf. Henriques, João Miguel (2008). D. Carlos de Bragança: 1863-1908: Instantes da vida de um rei em Cascais. Cascais: Câmara Municipal.6. Cf. Ramalho, Margarida de Magalhães (2003). Uma corte à beira-mar: 1870-1910. [s.l.]: Quetzal Editores/Câmara Municipal de Cascais.

Cascais, c. 1900 [AHMC/AFTG/CAM/B/5146]

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o Club Naval de Lisboa, cujos estatutos foram definitivamente aprovados no ano seguinte .7 Em 1903, D . Carlos conceder-lhe-ia o título de Real, designação que manteve até à implantação da República, à semelhança da sua congénere, pelo que a vila de Cascais beneficiou, desde então, da salutar competição ou concurso de duas agremiações protegidas pelos monarcas, com vista à realização de competições de vela na sua baía .

Foi, por exemplo, em Cascais que se promoveu, a 8 de outubro de 1893, a primeira corinthian race no nosso país, regata em que as embarcações correm tripuladas apenas por amadores . Competiram, então, o Lia, timonado por D . Carlos; o Vega, governado por José Ribeiro da Cunha; o Helena, que o seu proprietário, Guilherme de Moura Lane, pilotou; e, ainda, o Mina, dirigido por Carlos Chelmicki . A prova desenvolveu-se num triângulo cujos vértices tocavam Cascais, Cai-Água (atual S . Pedro do Estoril) e a Cabeça do Pato . Já a regata organizada pela Real Associação Naval, a 4 de outubro de 1896, contou com seis provas de vela e nove de remo, que trouxeram até à vila cerca de 6 000 visitantes, segundo nos informa a edição do Diário de Notícias do dia seguinte .

As competições que então se promoviam em Nice no mês de março atraíam vários iates ingleses à região, por ocasião do regresso ao seu país, durante a primavera ou no início do verão . De modo a beneficiar da passagem anual destas embarcações pela costa portuguesa, em 1898, ano em que se comemorava o centenário da descoberta do caminho marítimo para a Índia, a Real Associação Naval, com o apoio da Sociedade de Geografia de Lisboa, instituiu a Taça Vasco da Gama . De acordo com o regulamento, a primeira regata internacional disputada no nosso país decorreria obrigatoriamente na baía de Cascais, num percurso definido por quatro balizas colocadas em Cascais, Ponta de Rana, Cabeça do Pato e Oitavos . A vitória dos ingleses com o ketch Cariad, de Lord Dunraven, que competiu com o Lia, inscrito por D . Carlos apenas para que o evento se pudesse realizar, repetir-se-ia em maio de 1901, quando o yawl Leander, de Rupert Guiness, voltou a derrotar o Lia .

A 29 de setembro de 1901, a tradicional regata de Cascais, até então

7. O Arquivo do Club Naval de Lisboa também foi depositado no AHMC. Equacionando o limitado número de páginas do resumo também não citaremos quaisquer documentos des-te fundo, cujo inventário está acessível no Arquivo Histórico Digital de Cascais e no Guia Digital do Arquivo Histórico Municipal de Cascais. Para mais informações, cf. Henriques, João Miguel e Bettencourt, Olga (2008).

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organizada pela Real Associação Naval, foi planeada pelo Real Club Naval de Lisboa, sob a direção de Jaime de Vasconcelos Thompson, Joaquim Leotte, Carlos Duff e Alberto Miranda . O sucesso deste evento repetiu-se a 22 de setembro do ano seguinte, já com a participação do mítico Dinorah, palhabote que Manuel de Castro Guimarães, futuro Conde de Castro Guimarães, havia adquirido em Inglaterra . Nesta ocasião, por iniciativa de Charles Bleck e de outros entusiastas da vela formou-se, ainda, uma classe de bulb-keels, composta pelo Geisha, de Manuel de Castro Guimarães; pelo Náiade, de Charles Bleck e pelo Laura, de José Libânio Ribeiro da Silva, aos quais se associou o Nadejda, fine-keel da mesma classe, adquirido por D . Carlos, que se apuraria como vencedor final .

Em 1902, o Lia venceu a primeira regata oceânica portuguesa, entre Leixões e Cascais, feito que repetiu nos dois anos seguintes, num período em que o entusiasmo em torno da vela e do remo se ampliaram, facto a que não deve ter sido alheio a inauguração, em 1901, de uma secção em Cascais do Real Club Naval de Lisboa, que cedo registou inscrições de vulto . Desta forma, em 1904, a Taça Vasco da Gama seria conquistada pelo Dinorah, a que se sucederia, três anos depois, a vitória do palhabote Maris Stella, oferecido por D . Carlos a D . Amélia, num evento em que também se disputou pela primeira vez em Portugal uma prova entre barcos automóveis, que correram em cinco classes .

O assassinato de D . Carlos e do Príncipe Real D . Luís Filipe, a 1 de fevereiro de 1908, conduziu ao encerramento de um ciclo na história da vela desportiva portuguesa, particularmente sentido em Cascais . Na verdade, o

Aspetos de regata de bulb-keels, em Cascais, 1902 [AHMC/AFTG/CAM/A/944 e 1198]

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fascínio do monarca pelo oceano não encontrou efetiva continuidade no seu sucessor, ainda que saibamos que o futuro D . Manuel II praticou remo na Real Associação Naval . A crise política, o aumento da rivalidade entre clubes e a progressiva ascensão dos barcos a motor também prejudicariam a divulgação da modalidade, razão pela qual as regatas promovidas a 10 de outubro de 1909, pelo Sporting Club de Cascais, bastião dos elegantes da vila, sob a direção do Real Club Naval de Lisboa, já não se revestiram do interesse habitual .

O exílio da Família Real, aquando da implantação da República, em 1910, privaria definitivamente a região dos mais mediáticos cultores da modalidade, pelo que as embarcações à vela cederam o protagonismo aos barcos a motor, a remo e até mesmo à prática da natação . Desta forma, apenas voltamos a encontrar notícias acerca da realização de regatas em Cascais a 22 de setembro de 1912, sendo de notar que só em 1916, quando, no decurso da I Guerra Mundial, se decidiu mobilizar embarcações de recreio particulares para a defesa marítima, muitas das quais tripuladas por velejadores, o meio náutico pareceu animar-se . Nesse ano decorreu, assim, a última grande regata da década em Cascais, evento que apenas voltaria a realizar-se em 1927 .

A prática da vela apenas iniciou a sua recuperação em 1923, na sequência da organização, pela Associação Naval de Lisboa, da Taça Wintermantel, regata de barcos de cruzeiro, entre Paço de Arcos e Setúbal . No ano seguinte, nos Jogos Olímpicos de Paris, Portugal far-se-ia, mesmo, representar pela primeira vez na modalidade, por intermédio de Frederico Guilherme Burnay, que concorreu na regata de monotipos, classificando-se em oitavo lugar entre dezassete concorrentes .8

Em 1927, dissidentes de vários clubes fundaram o Grupo Náutico de Portugal, agremiação que veio depois a apelidar-se de Grupo Náutico Português, Club Náutico Português e, já no ano seguinte, Clube Náutico de Portugal .9 A esta associação se deveu o renascimento da vela desportiva em

8. Cf. Fialho, Gabriel Lobo (1991). Vela olímpica portuguesa: 75 anos. Lisboa: Federação Portuguesa de vela/SOCTIP.9. Quando o Clube Náutico de Portugal cessou funções, em 1969, o seu arquivo foi in-tegrado no arquivo da Associação Naval de Lisboa, razão pela qual também se encontra depositado no AHMC. Por razões de espaço não citaremos os documentos deste subfundo, cujo inventário está disponível no Arquivo Histórico Digital de Cascais e no Guia Digital do Arquivo Histórico Municipal de Cascais. Para mais informações, cf. Henriques, João Miguel e Bettencourt, Olga (2008).

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Cascais, por meio da organização de uma grande festa náutica na baía, a 18 de setembro de 1927, considerada pela imprensa como a mais importante que nos últimos anos se havia realizado em Portugal . O sucesso da iniciativa propiciaria o estabelecimento de uma delegação da nova associação na vila, por iniciativa de José Eduardo de Abreu Loureiro, num ano que ficou, ainda, marcado pela fundação da Federação Portuguesa de Vela, que apesar de apenas ter sido reconhecida oficialmente a 5 de dezembro de 1938, se filiou, então, na International Yacht Racing Union .

A 9 de setembro de 1928, quando o Clube Náutico de Portugal voltou a organizar regatas em Cascais, assistiu-se à primeira competição da classe de monotipos CNP, idealizada por Charles Bleck, com manifestações entusiásticas do público . A modalidade começava, pois, a aproximar-se dos novos padrões exigidos em competições estrangeiras . O 6 metros internacional Camélia com que Portugal se fez representar nos Jogos Olímpicos de Amesterdão, em 1928, foi, assim, cedido por Charles Bleck, Comodoro do Clube Náutico de Portugal, que igualmente se fez inscrever na tripulação, à semelhança de

Monotipos CNP, junto à Praia do Monte Estoril, 1929 [AHMC/AFTG/CAM/A/111]

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Frederico Burnay, Ernesto Mendonça, António Herédia e João Penha Lopes . Em Zuidersse, a equipa ficou, contudo, modestamente classificada no décimo segundo posto, entre treze concorrentes .

No ano seguinte, o Clube Náutico de Portugal voltaria a organizar em Cascais novo festival náutico, ao qual se sucedeu, uma semana depois, a disputa da primeira regata oceânica Cascais-Setúbal, dirigida pela Associação Naval de Lisboa, em que o Bebé, de José Ricardo Domingues, venceu a Taça Wintermantel . Por esta altura, o novo Estoril, idealizado por Fausto de Figueiredo e Augusto Carreira de Sousa, transformar-se-ia no fulcro da atividade turística do concelho, na sequência da inauguração do novo estabelecimento termal, dos hotéis do Parque e Palácio e do Casino, assim como da sua ascensão à condição de terminus do Sud Express, que ligava Paris a Lisboa . O desporto também seria utilizado para a captação de novos públicos, pelo que a vela beneficiou desta evolução, recuperando o protagonismo perdido no trecho de litoral que então se impôs enquanto Costa do Sol .

Ainda que em 1936 Portugal se fizesse representar nos Jogos Olímpicos de Berlim por três veleja-dores – Joaquim Fiúza, António Herédia e Ernesto Mendonça – sem os resultados desejados, a prática da modalidade continuou a conquistar novos adeptos, promovendo-se na baía de Cascais, em agosto desse ano, a I Semana Náutica Internacional do Estoril, o maior certame do género até então realizado no concelho, que contou com provas de remo, vela, natação e motor e equipas de França, Bélgica, Inglaterra e, ainda, do Porto e da Figueira da Foz, para a disputa, entre outras, das taças Portugal e Presidente da República Francesa . Star, em Cascais,

c. 1940 [AHMC/AFTG/CAM/A/156]

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Em 1937 publicar-se-ia o Código Oficial de Regatas, que, abrangendo toda a costa portuguesa, impôs aos desportos náuticos uma calendarização anual por épocas . Em estreita colaboração com a Mocidade Portuguesa, a Associação Naval de Lisboa impulsionou, também, a construção de um novo monótipo, pequeno e veloz, superior ao CNP, cujas dimensões foram adaptadas a um único velejador, para o destinar à instrução da juventude: o Lusito, que formaria uma nova geração de atletas portugueses .

Em novembro desse ano, a Sociedade de Propaganda de Cascais fundou a Secção Náutica Afonso Sanches, que já com a designação de Clube Náutico Afonso Sanches, a que se sucederia a de Clube Naval de Cascais, inau-gurou, a 16 de julho de 1938, um Posto Náutico na Praia da Ribeira . Nesse mesmo ano, a Mocidade Portuguesa promoveria na baía a I Regata Interna-cional, entre a sua equipa e a da Juventude Hitleriana, que venceu a compe-tição . Já em 1941, quando, por ocasião da comemoração do terceiro aniver-sário do Clube Naval de Cascais, se promoveram novas competições de vela na baía, Joaquim Fiúza, Ernesto Mendonça e Duarte Bello, que em breve se afirmariam como expoentes da modalidade em Portugal, destacaram-se na classe de stars . O Troféu Salazar foi disputado pela primeira vez dois anos depois, numa ida e volta às Berlengas que, em 1944, partiria de Cascais e se-ria vencido pelo Ribamar, tripulado pelo Marquês da Foz, Francisco Ribeiro Ferreira, António Guedes de Herédia, António Penafiel, Jorge Arnoso, Henri-que Sallatty e Harry Rugerony, outros nomes incontornáveis da história da modalidade em Portugal .

Ainda que a III Semana de Vela de Cascais, promovida de 21 a 27 de agosto de 1944 tenha contado com uma representação espanhola, traduzir-se-ia numa estrondosa vitória para os velejadores portugueses, que arreba-taram os três primeiros lugares, em todas as classes concorrentes . Em junho de 1946, já com o Clube Naval de Cascais instalado na Esplanada D . Luís Fi-lipe, o Campeonato da Frota Star de Cascais saldou-se em nova vitória de Duarte e Fernando Bello, sendo o Troféu Salazar conquistado pelo Sunday, tripulado por José Gonçalves, Henrique de Noronha, Manuel Viegas Júnior e Jorge Monte Real, numa prova que, contou, também, com a participação do Saltillo, a bordo do qual seguia o Conde de Barcelona, exilado no Estoril . De 6 a 10 de setembro desse ano decorreu, ainda, a V Semana de Vela de Cascais, que voltou a contar com a participação de muitos estrangeiros . Os irmãos

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Bello alcançaram, de novo, a vitória em stars, no Faneca, remetendo para o terceiro lugar os seus amigos e rivais na competição, Joaquim Fiúza e Júlio Gorinho, a bordo do Viking . O campo de regata de Cascais afirmava-se, mais do que nunca, como área de teste para os grandes valores da vela nacional .

Nos Jogos Olímpicos realizados em Londres, no ano de 1948, a mo-dalidade atingiu, então, a sua primeira medalha . Duarte e Fernando Bello conquistariam a prata para Portugal a bordo do swallow Simphony, em que nunca haviam corrido e que apenas conheciam por fotografia . Ao trazerem para Portugal aquele que continua a ser o melhor resultado nacional de to-dos os tempos na modalidade, cativaram para a vela novos e entusiastas des-portistas que ainda hoje continuam a encontrar em Cascais um dos melhores campos de regatas do país .

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história do atletismo e olimpismo- a evolução das técnicas, dos

equipamentos e dos regulamentosVítor Milheiro

Escola Superior de Desporto de Rio Maior

Introdução

A evolução dos resultados do atletismo, considerada por muitos a modalidade rainha dos Jogos Olímpicos, tem sido uma constante desde os primeiros Jogos da Era Moderna . Esta evolução resultou da melhoria dos equipamentos e dos métodos de treino, assim como da evolução técnica assente em princípios biomecânicos . Todavia, em diversos momentos aconteceram alguns conflitos entre as técnicas, os equipamentos e os regulamentos . Houve casos em que algumas regras foram abolidas e permitiram o aparecimento de novas técnicas . Noutras situações, por questões de normalização e segurança foram criadas novas alíneas nos regulamentos . Com este trabalho vamos fazer uma viagem pela história do atletismo, identificando episódios e momentos em que aconteceram evoluções nos equipamentos, nas pistas, nos regulamentos e nas técnicas .

As pistas de atletismo

Durante os primeiros 68 anos da história do atletismo moderno (de Atenas’1896 a Tóquio’1964), as competições de atletismo desenrolavam-se em pistas de cinza . Foi nos Jogos Olímpicos do México (1968) que os atletas competiram pela primeira vez em pistas de piso sintético, o que permitiu a melhoria de vários recordes mundiais . Jim Hines (USA) foi campeão olímpico dos 100m com novo record mundial (9’95), tornando-se o primeiro atleta a

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quebrar a barreira dos 10 segundos . Este record durou 15 anos . Nos 400m, Lee Evans (USA) venceu o ouro olímpico com 43,86, tornando-se o primeiro atleta a quebrar a barreira dos 44 segundos . Esta marca manteve-se imbatível durante 24 anos. Tommy Smith (USA), que ficou célebre por ter subido ao pódio descalço e com meias e luvas pretas, como forma de protesto contra o racismo nos Estados Unidos, foi campeão olímpico dos 200m, igualando o record mundial (19,80) . O saltador em comprimento Bob Beamon (USA), venceu o título olímpico com um novo record mundial de 8,90m, marca que só foi superada 23 anos depois e que ainda é record olímpico!

Corridas de Velocidade

Nos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna (Atenas ’1896), as corridas de velocidade pura foram o acontecimento desportivo de maior destaque . Surgiram novas técnicas de partida . Apareceu pela primeira vez a partida agachada, que nos jogos seguintes, viria a ser adotada por todos os corredores de velocidade . Mas os blocos de partida só apareceram nos jogos de Londres ’1948, para facilitar o ajuizamento das falsas partidas . Até aos Jogos de Berlim ‘1936, os atletas das corridas de velocidade escavavam buracos para apoiar os pés durante a partida .

As estafetas foram incluídas pela primeira vez no programa olímpico nos Jogos de Londres ‘1908, com distâncias mistas: os dois primeiros percursos de 200m, o terceiro de 400m e o quarto de 800m . Só a partir dos Jogos de Estocolmo ‘1912, passaram a disputar-se as estafetas de 4x100m e 4x400m . A delimitação de uma zona de transmissão de 20m, foi introduzida em 1926 . E a última alteração ao regulamento, ocorreu em 1963 com a introdução da zona de balanço nas estafetas de 4x100m, o que proporcionou uma clara melhoria dos resultados .

Sapatos de corrida para velocidade

Para os Jogos Olímpicos do México em 1968 os atletas da equipa dos Estados Unidos pensaram usar um novo tipo de sapatos de corrida . Estes apresentavam 60 pitons de titânio que ofereciam a mesma aderência dos pitons tradicionais, mas com uma menor fricção (enterravam-se na

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pista a uma profundidade menor), permitindo assim uma velocidade maior . Infelizmente para os americanos, estes “super sapatos” foram imediatamente proibidos .

Corridas com barreiras

Foi no Colégio de Eton (Inglaterra), que em 1837 se realizaram pela primeira vez provas com obstáculos . A distância percorrida foi de 100 jardas e os 10 obstáculos encontravam-se fixos no solo. Mais tarde, em 1860, na Inglaterra, há a intenção de estabelecer alturas fixas, assim como estandardizar o número de barreiras e a distância . Até esta altura, as barreiras eram um obstáculo comum para todos os corredores, construídas com troncos de madeira fixos ao solo e de altura variável, o que justificava as grandes diferenças entre os tempos realizadas sobre a mesma distância . Em 1893 começaram a utilizar-se obstáculos parecidos com cavaletes . Foi no ano de 1896 que se utilizaram pela primeira vez as barreiras em “T invertido” . As barreiras em “L”, de altura variável, contrapeso ajustável e facilmente derrubáveis, foram inventadas em 1935, pelo treinador americano Harry Hilman. Foi também neste ano que se aboliu a regra da desqualificação, no caso do atleta derrubar mais de três barreiras .

Salto com vara

Até ao congresso da IAFF de Berlim 1936, o regulamento estipulava que as varas só podiam ser de madeira ou bambu . Só em 1964, no Congresso da IAAF de Tóquio, ficou definido que as varas poderiam ser construídas com qualquer material, ou combinação de materiais, com o que se oficializou as varas em fibra de vidro. Cornelius Warmerdam, com vara de bambu e a cair para uma caixa de areia, saltou 4,77m em 1942, marca que só foi batida 15 anos depois . Bob Gutowski (USA) foi quem 15 anos depois, em 1957 e já com vara metálica, bateu o record de Warmerdam, com 4,82m, marca que ficaria para a história como o último record mundial com vara metálica. Nesse ano, Gutowski ainda saltaria 4,83m, que seria record mundial, mas essa marca não foi homologada, porque a vara passou por baixo da fasquia, o que na altura não era permitido .

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Foi em 1956, nos jogos de Melbourne, que o grego Roubanis, saltando pela primeira vez com uma vara em fibra de vidro, ganhou uma medalha de bronze (4,50m). O primeiro record do mundo com vara em fibra de vidro foi batido em 1961 pelo americano George Davies, com 4,83m .

A partir desta altura, deu-se o “boom” definitivo dos saltadores com varas de fibra de vidro. A principal alteração técnica foi o maior afastamento das mãos durante a chamada, para permitir uma maior flexão da vara. John Pennel (USA), que bateu vários recordes do mundo do salto com vara, foi protagonista de um episódio dramático nos Jogos Olímpicos do México ‘1968 . Tendo sido o único finalista a transpor a fasquia a 5,40m, viu este salto ser anulado, por a vara ter passado por debaixo da fasquia . Teve que se contentar com o 5º lugar . A ironia foi que no congresso da IAAF, que terminara horas antes, ficou decidido suprimir esta causa de anulação do salto.

Dardo

Nos Jogos Olímpicos da Grécia Antiga, praticava-se o lançamento do dardo em três modalidades distintas: em precisão, a cavalo e em distância . Nos jogos da Era Moderna, apenas foi adotado o lançamento em distância . No início os dardos eram de madeira e levavam uma ponta metálica . Só após a 2ª Guerra Mundial apareceram os primeiros dardos metálicos . Em 1953, Dick Held (USA), construiu um dardo com excelentes qualidades planadoras, mas que exigia um modelo específico para cada lançador. Com este dardo, o seu irmão Frank Held tornar-se-ia o primeiro atleta a superar a barreira dos 80 metros, com 81,75m . Depois de terem surgido vários protestos em relação aos dardos “Held”, em 1954 a IAAF resolve precisar com mais detalhe as condições de construção dos dardos . Deveriam ter um aspeto fusiforme e o centro de gravidade a 1,10m da ponta . Resolvido este problema, logo dois anos depois a IAAF é confrontada com outro . Em 1956, algumas semanas antes dos Jogos Olímpicos de Melbourne, o espanhol Miguel Salcedo, usando uma técnica rotacional que ficou conhecida por “técnica espanhola”, lançou o dardo a 83,46m, a poucos centímetros do record mundial . Por razões de segurança, esta nova técnica teve vida curta, pois foi proibida pela IAAF poucas semanas antes dos Jogos Olímpicos de Melbourne ‘1956, o que deixou os espanhóis sem hipóteses de lutarem pelo título olímpico . Uns anos

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mais tarde, Miklos Németh, campeão olímpico em Montreal ‘1976, esteve associado ao aparecimento de dardos tão sofisticados quanto polémicos. Em 1991 introduziu um dardo cuja superfície apresentava estrias, o que facilitava a rotação diminuindo a vibração do engenho e aumentando as propriedades aerodinâmicas deste . Este dardo foi proibido pela IAAF por não estar de acordo com as regras atuais e não foram homologados os records mundiais realizadas com estes dardos pelos atletas Zelezny (89,66m), Backley (91,98m) e Raty (96,96m) . Em 1992 surgiu nova polémica com os dardos “Németh”, desta vez por estarem a ser construídos com diferentes tipos de materiais . Mas a mudança mais radical no lançamento do dardo surgiu na sequência do lançamento de 104,80m que o alemão Uwe Hohn realizou em 1984 . Perante lançamentos desta magnitude, o risco para juízes e atletas tornou-se muito real, pelo que em 1986 a IAAF tomou a decisão insólita de promover alterações ao regulamento que provocaram um retrocesso das marcas, movendo o centro de gravidade do dardo 10 centímetros para a frente . Esta medida veio facilitar o ajuizamento do local de queda dos dardos, que planavam menos e caíam sempre com a ponta .

Peso

Nos Jogos Olímpicos de Atenas ‘1896, a prova do lançamento do peso foi realizada primeiro com a mão direita e depois com a mão esquerda, com os atletas a lançarem o peso em cima de uma plataforma de madeira (0,80m x 0,70m e 0,05m de altura) . O vencedor foi o americano Robert Garrett, com 11,22m . A partir dos jogos de Paris ‘1900 e até aos Jogos Olímpicos de Berlim ‘1936, o lançamento do peso foi realizado em círculos de terra, cinza ou relva, com os atletas a usarem sapatos com pregos!

Nos Jogos de Paris ‘1900, o lançamento do peso passou a ser realizado no interior de um quadrado de 7 pés (2,135m) . A partir dos Jogos Olímpicos de St . Louis ‘1904, o lançamento do peso passou a ser realizado num círculo com 2,135m de diâmetro traçado com cal no chão . Em 1909, foi introduzido o uso da antepara, com a finalidade de ajudar o lançador a equilibrar-se dentro do círculo depois do lançamento .

Nos primeiros Jogos da Era Moderna, a técnica era muito rudimentar . Os atletas partiam duma posição de parado, com o peso do corpo sobre

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a perna direita, seguravam o engenho com as duas mãos e terminavam o lançamento apoiados sobre a perna esquerda . Esta técnica sofreu uma ligeira evolução, passando para a deslocação lateral, com o avanço prévio do pé esquerdo .

Na década de 60, o americano Parry O’Brien revolucionou esta disciplina, criando um novo estilo, iniciando o lançamento de costas para o local do arremesso . Esta técnica tinha a vantagem de aumentar o percurso de aceleração do peso, provocando uma maior velocidade de saída e uma consequente maior distância . Com esta técnica e num curto espaço de tempo, Parry O’Brien fez evoluir o recorde mundial de 17,95m para 19,30m e venceu os Jogos Olímpicos de Helsínquia ‘1952 e Melbourne ‘1956 e ganhou a prata em Roma ‘1960 e ainda se classificou em 4º lugar em Tóquio ‘1964 . Bateu por 16 vezes o recorde do mundo e manteve-se invicto em 116 provas consecutivas!

Disco

O lançamento do disco faz parte do programa olímpico desde a 1ª Olimpíada e o peso e as dimensões do engenho têm-se mantido inalterados desde então .

Nos Jogos Olímpicos de Atenas ‘1896, os gregos impuseram que o lançamento do disco se fizesse de acordo com o estilo clássico ou Helénico, com o lançamento a ser executado em cima de uma plataforma retangular (80x70cm) e elevada em relação ao solo . Nos Jogos de Paris ‘1900 o lançamento foi em estilo livre e executado num retângulo de 2,135m de lado . Em Estocolmo ‘1912, também se realizou a variante de lançamento do disco com a mão esquerda e com a mão direita .

Em Londres ‘1908, o lançamento do disco passou a ser executado num círculo com 2,50m de diâmetro . Martin Sheridan (USA), bicampeão olímpico no disco nos Jogos de St . Louis ‘1904 e Londres ‘1908, foi um dos primeiros atletas a utilizar a técnica de “uma volta e um quarto” . Nos Jogos de Paris ‘1924, o americano Tom Lieb teve a ideia de colocar o pé direito mais à direita, ganhando assim mais um quarto de volta e batendo o record do mundo com 47,61m. Esta técnica ficou conhecida como a técnica de “volta e meia” e manteve-se até aos dias de hoje . O atleta americano Alfred

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“Al” Oerter conseguiu a extraordinária proeza de vencer esta disciplina em quatro olimpíadas consecutivas, de 1956 a 1968 .

Martelo

O lançamento do martelo faz parte do programa olímpico desde 1900 . Desde então, sofreu pequenas evoluções . Por razões de segurança, ao longo dos anos o ângulo do setor de lançamento foi diminuindo . Em 1958 passou de 90° para 60°, em 1965 de 60° para 45° e em 1970 de 45° para 40° . Em 2002 este ângulo foi fixado em 34.92°. Relativamente ao engenho e para evitar o aparecimento de engenhos fraudulentos, os martelos passaram a ser sujeitos a uma rigorosa inspeção para serem certificados para competição, de modo a garantir que o centro de gravidade do martelo não esteja a mais de 6 mm do centro da esfera .

Salto em altura

Os primeiros saltadores em altura saltavam praticamente de frente, cruzando a fasquia em tesoura . Com esta técnica o saltador americano Sweeney saltou 1 .97m em 1895 . Entre 1900 e 1912, também se realizava a variante de salto em altura sem balanço . Em Paris ‘1900, Raymond Ewry (USA) ganhou os dois eventos e também o salto triplo sem balanço . Os saltos sem balanço deixariam de fazer parte do programa olímpico em 1912 . Nos anos 30 do século XX, apareceu a técnica de rolamento californiano, com o saltador a aproximar-se da fasquia em diagonal e fazendo a chamada com a perna exterior, enquanto a outra perna era elevada para cima para ajudar o corpo a passar a fasquia . Usando esta técnica, Cornelius Johnson saltou 2 .03m ganhando a medalha de ouro nos Jogos de Berlim ´1936 . Uns anos mais tarde apareceu a técnica de rolamento ventral, com os atletas a fazerem a chamada com a perna interior e rodando de ventre para a fasquia, obtendo assim uma transposição mais económica . Com esta técnica, o russo Valery Brumel ganhou a medalha de ouro nos Jogos de Tóquio ‘1964, com 2,28m . Entre 1940 e 1950 o rolamento ventral foi ocupando o lugar do rolamento californiano . Em 1957, o saltador em altura russo Yuri Stepanov estabeleceu um novo recorde mundial (2,16m), usando no pé de chamada um sapato

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com uma altura de 5 centímetros na parte anterior . Com este sapato, o atleta obtinha vantagem biomecânica, aumentando o tempo de chamada e a altura de saída . Em resultado dos protestos apresentados, a IAAF decretou que a partir daquela data, a sola da sapatilha não poderia ter uma espessura superior a 13 mm . Mas como esta regra não teve efeitos retroativos, o record de Stepanov foi homologado . Nos Jogos do México ‘1968, Dick Fosbury (USA) surpreendeu o mundo com uma nova técnica de salto em altura e ganhou a medalha de ouro olímpica . A enorme popularidade que a técnica “Fosbury flop” sofreu desde então, ficou a dever-se à maior facilidade de aprendizagem e à menor exigência física e técnica.

Salto em comprimento e triplo salto

O triplo salto já era praticado na Antiga Grécia na variante “3 jump’s” e sempre fez parte do programa olímpico . Nos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna e até 1912, os saltos horizontais eram realizados nas variantes com e sem balanço . Nos jogos de Atenas ‘1896, foi adotada a variante “hop-hop-jump” com e sem balanço, mas nos Jogos Olímpicos seguintes foi introduzida a sequência “hop-step-jump”, que permanece até à atualidade .

No salto em comprimento, no início dos anos 70, o biomecânico americano Tom Ecker, idealizou uma técnica com mortal á frente durante a fase aérea . Bruce Tener (USA) foi o atleta que melhores resultados conseguiu, ultrapassando os 7,60m . A vantagem desta técnica era não contrariar a tendência do tronco em rodar para a frente, aproveitando e acentuando esta rotação . Mas devido à sua perigosidade para o atleta, foi proibida pela IAAF em 1975 .

Conclusão

O atletismo é um dos desportos onde o lema olímpico proposto pelo Barão Pierre de Coubertin “Citius, Altius, Fortius” (o mais rápido, o mais alto, o mais forte) melhor se aplica . Sendo a superação o principal objetivo e a maior motivação dos praticantes de atletismo, a evolução dos resultados nesta modalidade tem sido uma constante ao longo da história . Esta evolução tem sido o resultado da melhoria dos locais e dos equipamentos (pistas

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sintéticas, colchões de queda, engenhos de lançamento, barreiras, varas, colchões de queda, etc .), mas também se deveu à implementação de métodos de treino mais eficazes e aperfeiçoamento e otimização das técnicas.

Houve momentos em que, por razões de normalização ou de segurança, a evolução das técnicas e dos equipamentos foi travada pelos regulamentos .

A história do atletismo confunde-se com a história do olimpismo e está repleta de episódios emocionantes . Conhecer a história e a evolução das técnicas do atletismo, acrescenta dimensão cultural a este desporto, enriquecendo a intervenção dos treinadores com ferramentas que permitem compreender melhor as técnicas atuais, os seus fundamentos biomecânicos e os seus condicionamentos regulamentares .

BibliografiaBravo, J . (1986) . História de las técnicas - manual técnico de la escuela nacional de entrenadores de la RFEA . Madrid: RFEA .Coote, J . (1975) . O livro das Olimpíadas - história das olimpíadas através dos tempos . Lisboa: Agência Portuguesa de Revistas .Quercetani, R .L . (2000) . A History of Modern Track and Field Athletics - Men and Women 1860-2000 . London: Sep Editrice .Quercetani, R .L . (1964) . A World History of Track and Field Athletics 1864-1964 . London: Oxford University Press .

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IX

CONHECENDO OS JOGOS OLÍMPICOSA PARTIR DA HISTÓRIA DAS CORRIDAS

DE VELOCIDADEGuy Ginciene & Sara Quenzer Matthiesen

Grupo de Estudos Pedagógicos e Pesquisa em Atletismo (GEPPA) UNESP, Rio Claro, Brasil

Introdução

Apesar de ser considerado como um dos conteúdos clássicos da Edu-cação Física (Matthiesen, 2005), pouco se sabe sobre a história do atletismo, sendo que a maior parte dos trabalhos da modalidade dirige seus objetivos à área de treinamento. Os poucos registros históricos existentes aparecem, na maioria das vezes, como introdução desses trabalhos, ainda que de forma bastante sucinta, dificultando um aprofundamento na história desse esporte (Matthiesen, 2009).

A maioria dos autores considera, por exemplo, que o nascimento da corrida ocorreu na pré-história. Não à toa consideram-na como um movi-mento natural do ser humano, onde o objetivo é se locomover de uma forma mais rápida do que o andar. Isso não deixa de ser uma verdade. Porém não podemos comparar as corridas de 100, 200, 400 metros e, até mesmo, o stá-dion1 com o simples movimento de correr do homem pré-histórico. Ainda que a comparação entre esses movimentos possa ser feita, é preciso destacar que seus objetivos são totalmente diferentes. Na pré-história, por exemplo, o objetivo era simplesmente se locomover de uma forma mais rápida que o andar, seja para fugir ou para ir atrás de alguma coisa, como um animal que iria servir como alimento.

1. O stádion era uma corrida de velocidade com a distância de 192,27 metros disputada, por homens, nos Jogos Olímpicos da Grécia Antiga.

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Seguindo em frente na história observamos que a corrida passou a ser disputada em forma de competição. Na Grécia Antiga, de onde provém os primeiros registros de competições de atletismo, a corrida mais conhecida era o stádion, a qual integrava os jogos mais populares da época, os Jogos Olímpicos. Somente os homens participavam dessa competição, enquanto que as mulheres participavam dos Jogos em homenagem a deusa Hera, cor-rendo uma prova de aproximadamente 160 metros, hoje, inexistente na pro-gramação oficial do atletismo (Ginciene, 2009).

Embora, desde aquela época, fosse dada grande importância às cor-ridas de velocidade, de lá para cá muita coisa mudou, a exemplo das regras, dos implementos, do vestuário, do tipo físico dos atletas e, até mesmo, da participação das mulheres. Entretanto, tais modificações, que ocorreram ao longo da história das corridas de velocidade, não são conhecidas pelos atle-tas e profissionais de Educação Física. Ou seja, na maioria das vezes, os atle-tas conhecem apenas a prova tal qual a competem, enquanto os professores de Educação Física se restringem a ensiná-la em seus aspectos puramente procedimentais. Por que será que isso acontece? Não teriam os professores subsídios para trabalharem com este conteúdo? Nesse sentido o objetivo dessa pesquisa foi identificar as modificações que ocorreram nas corridas de velocidade dos Jogos Olímpicos da Grécia Antiga aos da Era Moderna, vi-sando subsidiar os professores de Educação Física das escolas brasileiras no ensino da história do atletismo e, consequentemente, dos Jogos Olímpicos.

Por meio de uma pesquisa teórica, caracterizada como uma pesquisa bibliográfica, nos concentramos na coleta de dados provenientes de livros, artigos, imagens e websites relacionados às corridas de velocidade, tanto dos Jogos Olímpicos da Grécia Antiga como dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, reunindo-os em um único material didático.

A história dos jogos olímpicos e o ensino do atletismo

O conhecimento da história do esporte é de grande importância para os educadores físicos por diversos motivos. Por exemplo, no atletismo, a téc-nica utilizada na atualidade pode ser conhecida e explicada por meio de sua evolução histórica, já que do simples e natural movimento da corrida foram inseridos movimentos técnicos visando à melhora da performance do atleta.

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Em suma, é possível dizer que tudo o que acontece no mundo do atletismo tem uma explicação histórica. Por meio da história dessa modali-dade esportiva é possível entender o porquê de cada mudança nas regras, na técnica, nos implementos, no vestuário, na estrutura da competição, entre outras mudanças ocorridas ao longo do tempo e que fazem do atletismo o que é atualmente.

Resgatando sua história é possível identificarmos as circunstâncias de sua origem; seus objetivos; onde e por quem foi praticado até aos dias atuais, entre outras coisas, sobre as quais podemos encontrar respostas na sua trajetória histórica para, por exemplo, auxiliar na solução de problemas atuais e presentes em aulas de Educação Física, como é o caso da falta de material e de espaço físico para a sua prática.

Observando, portanto, a trajetória histórica das corridas de velocida-de, nos certificamos que a saída baixa começou a ser realizada antes mesmo da invenção do bloco de partida. Naquela época, o apoio para os pés eram buracos feitos na própria pista possibilitando o encaixe dos pés. Nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, é possível observar, por exemplo, o americano Jessé Owens2 largando sem o bloco de partida, ao apoiar seus pés em buracos cavados na própria pista (Ginciene, Matthiesen, 2012). Tal informação pode ser muito útil aos professores de Educação Física interessados no ensino do atletismo no campo escolar. Ou seja, com base nesse episódio histórico o pro-fessor pode buscar alternativas para ensinar a saída baixa, utilizando, por exemplo, pequenos buracos no chão em substituição aos blocos de partida.

Com isso, pretendemos ampliar os conhecimentos dos alunos, contri-buindo para que aprendam mais do que a simples execução de movimentos técnicos, tão comuns a dimensão procedimental dos conteúdos. Assim, para além do saber fazer tão valorizado ao longo das aulas de Educação Física,3 es-peramos contribuir, com essa pesquisa, para o saber sobre a cultura corporal a que se remete Darido (2003).

2. Esse atleta americano e negro, venceu e disputou as provas de: 100 metros rasos, 200 metros rasos, salto em distância e revezamento 4x100 metros, mostrando a Hitler e ao mundo não haver superioridade de nenhuma raça.3. Em pesquisa realizada por Darido (2003), a partir da observação de aulas de sete profes-sores com pós-graduação fica evidente a falta de tradição no desenvolvimento de conteú-dos na dimensão conceitual, já que apesar dos professores considerarem os conhecimentos acadêmicos importantes de serem desenvolvidos nas aulas, isso não aconteceu efetivamente em suas práticas pedagógicas.

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Por meio de projeto piloto realizado em uma escola pública de Rio Claro em 2006, observamos, por exemplo, que é possível aplicar esse con-teúdo em aulas de Educação Física, aumentando, inclusive, a motivação por parte dos alunos (Ginciene; Matthiesen, 2009) .

Além disso, observamos a necessidade de aprofundamento e regis-tro da história das corridas de velocidade, em especial, dos 100 metros ra-sos, considerando a relevância do tema, a escassez de material acerca de sua história, a falta de confiabilidade de alguns dados, além das grandes lacunas entre os episódios concernentes a essa prova do atletismo.

Conforme apontou Matthiesen, Ginciene e Freitas (2012) a história do atletismo acaba se limitando a pequenas introduções em livros voltados aos ensinamentos técnicos, normativos ou de treinamento, sem haver con-textualização histórica que propicie o conhecimento da prova tal qual ela é. Assim, de tão sucintas, as informações históricas presentes nos livros de atletismo não ajudam os professores a inserí-las em suas aulas.

Com isso, o ensino do atletismo, desde sua iniciação até o treinamen-to mais avançado, ocorre sem que se conheça a evolução histórica de suas provas. Em outras palavras, diríamos que a técnica da corrida nem sempre foi a mesma, ainda que um atleta se limite a executar, com tanto rigor, um mesmo movimento repetidas vezes, sem saber como e porquê isso ocorre ou como se chegou a esse resultado. Assim, na maioria das vezes, técnicos, atletas e professores de Educação Física não conhecem a história e evolução das provas que ensinam ou praticam. Mas, esse não é – ou deveria ser – um dos conteúdos a serem trabalhados pelos profissionais de Educação Física?

Talvez, o que falte seja uma boa fonte bibliográfica capaz de levar ao conhecimento e ao trabalho com a história do atletismo, já que as que existem não trazem muitas informações sobre o assunto. Para se obter in-formações mais específicas é preciso recorrer a diversos livros de atletismo, muitos dos quais estrangeiros, ou a livros sobre outro assunto que juntos nos dêem uma pequena idéia dessa evolução, ou seja, de como as coisas aconteceram.

Nesse sentido, o GEPPA produziu uma série de trabalhos a esse res-peito como os artigos de Ginciene e Matthiesen (2009; 2012), os capítulos de livro de Freitas e Matthiesen (2011) e Matthiesen et al (2009), a disser-tação de mestrado de Freitas (2009), os trabalhos de conclusão de curso de

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Sibilia (2011), Gomes (2010), Ginciene (2009), Oliveira (2006), Madalena (2006), Silva (2006) e os inúmeros trabalhos apresentados em congressos pelo próprio grupo.

Considerações finais

Os resultados dessa pesquisa evidenciaram serem muitas as dife-renças entre os Jogos Olímpicos da Grécia Antiga e os Jogos Olímpicos da Era Moderna, as quais podem ser compartilhadas em aulas de Educação Física. Mais do que a mudança em relação ao sentido religioso observado na Grécia Antiga, identificamos outras mudanças pontuais relacionadas às corridas de velocidade, a começar pelo nome e pela metragem. Nos Jogos Olímpicos da Grécia Antiga, aproximadamente em 776 a. C., a corrida de velocidade mais rápida possuía 192,27 metros e era conhecida como stá-dion ou dromo. Já nos Jogos Olímpicos da Era Moderna, que começam a ser disputados em 1896, a corrida mais rápida que prevalece até hoje, é a prova dos 100 metros rasos.

Outra particularidade dessas mudanças diz respeito à largada das provas. Enquanto os gregos utilizavam um complexo sistema chamado hys-plex, na Era Moderna a saída das corridas de velocidade tem início com um tiro de revolver. Em relação à técnica da corrida, encontramos, primeiramen-te, atletas realizando a saída em pé, a qual foi substituída, posteriormente, pela saída baixa, sem o bloco de partida (Ginciene e Matthiesen, 2012). Mais tarde, observamos atletas fazendo buracos na pista para apoiarem seus pés e, por último, observamos a utilização do bloco de partida, que sofreu algu-mas modificações até chegar ao seu formato atual.

Outros acontecimentos históricos importantes como a participação feminina, a vestimenta, a definição da chegada, o doping, os recordes, en-tre outros, parecem ser temas importantes para serem discutidos com os alunos em aulas de Educação Física. Por esse motivo, esperamos que esse resgate histórico auxilie os professores na elaboração de suas aulas, de for-ma que essas informações ajudem o professor a ensinar o atletismo para além da prática propriamente dita. Por meio desse processo, o aluno ainda poderá conhecer não só a história que envolve o atletismo, mas, também, a dos Jogos Olímpicos. Esperamos que esse conhecimento histórico possa

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contribuir para que o aluno tenha melhores condições de avaliar, apreciar e, até, criticar este espetáculo esportivo que acontece de quatro em quatro anos e atrai a atenção de boa parte da população mundial.

Referências Darido, S.C. (2003). Educação física na escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.Freitas, F. P. R.; Matthiesen, S. Q. (2011). O salto com vara: do processo histórico ao ensino esco-lar. In: Dagmar Hunger; Samuel Souza Neto; Alexandre Drigo (Org.). (Org.). A educação física e seus desafios: formação, intervenção e docência (pp. 255-263). Curitiba: Editora CRV.Freitas, F. P. R. (2009). O salto com vara: uma proposta para o ensino escolar à partir de uma perspectiva histórica. (Dissertação de Mestrado em Ciências da Motricidade). Rio Claro: Uni-versidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências. Ginciene, G. (2009). A evolução histórica da corrida de velocidade: um aprofundamento na prova dos 100 metros rasos (Trabalho de conclusão de curso, Bacharelado em Educação Físi-ca). Rio Claro: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências.Ginciene, G., & Matthiesen, S. Q. (2009). Fragmentos da história dos 100 metros rasos: teoria e prática. Coleção Pesquisa em Educação Física , 8, pp. 181-186. Ginciene, G., & Matthiesen, S. Q. (2012). O sistema de partida em corridas de velocidade do atletismo. Revista Motriz.Gomes, A. O. (2010). A história do lançamento do dardo (Trabalho de conclusão de curso, Licenciatura em Educação Física). Rio Claro: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Institu-to de Biociências.Madalena, R. N. (2006). Um resgate histórico do salto em distância: subsídios para o ensino do atletismo em aulas de Educação Física (Trabalho de conclusão de curso, Licenciatura em Educação Física). Rio Claro: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências. Matthiesen, S. Q. (2007). Atletismo: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.Matthiesen, S. Q, org. (2005). Atletismo: se aprende na escola. Jundiaí: Editoura Fontoura.Matthiesen, S. Q. ; Ginciene, G.; Freitas, F. P. R. (2012). Registros da maratona em jogos olímpi-cos para a difusão em aulas de Educação Física. Revista Brasileira de Educação Física e Espor-te (Impresso), v. 26, p. 467-476.Matthiesen, S. Q. ; Prado, V.M.; Ginciene, G.; Freitas, F. R.; Garuffi, M.; Gomes, A.; Fioravanti, C. A. A. (2009). A história do esporte em aulas de Educação Física: sobre o projeto Atletismo se aprende na escola V. In: Núcleo de Ensino/Prograd/Unesp (pp. 1-20). (Org.). Núcleo de Ensino da Unesp São Paulo. São Paulo: Editora Unesp - Forma Eletrônica. Oliveira, E. A. (2006). O resgate histórico do salto em altura: contribuições para o ensino do atletismo na Educação Física escolar (Trabalho de conclusão de curso, Licenciatura em Educa-ção Física). Rio Claro: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências.Sibilia, C. B. (2011). A história do salto triplo como subsídio para o seu ensino na escola. (Tra-balho de conclusão de curso, Licenciatura em Educação Física). Rio Claro: Universidade Esta-dual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências. Silva, M. F. G. (2006). Evolução da prova do lançamento do disco ao longo dos tempos: con-tribuições para a Educação Física escolar (Trabalho de conclusão de curso, Licenciatura em Educação Física). Rio Claro: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências.

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OS PIRATAS DA CORRIDA– ELEMENTOS PARA A DEMOCRATIzAçãO DA PRáTICA DESPORTIVA EM PORTuGAL1

Rahul Kumar

Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa

As origens aristocráticas do movimento olímpico moderno manifes-taram-se na composição dos diferentes organismos que tutelavam o des-porto olímpico mas também no perfil social dos primeiros atletas olímpicos portugueses. Entre 1912 e 1924, em três olimpíadas, Portugal participou nas provas de atletismo, esgrima, luta, tiro e hipismo mas também de nata-ção, vela, ténis e halterofilismo. Contudo, para se ter uma noção mais clara do equilíbrio entre as diferentes modalidades, 22 dos 28 membros da co-mitiva portuguesa para os jogos de 1924, realizados em Paris, competiram nas provas de esgrima, tiro e hipismo. Para resumir, os atletas portugueses eram genericamente recrutados entre membros da aristocracia (Sebastião de Herédia ou Paulo D’Eça Leal), altos funcionários de estado (Armando Cortesão) ou militares, como os cavaleiros José Mouzinho de Albuquerque ou Hélder de Sousa Martins, dois dos membros da equipa de hipismo que conquistou a primeira medalha olímpica portuguesa.

Se Francisco Lázaro representou, à época, a excepção desta regra, uma parte importante da história das participações portuguesas nos jogos olímpicos é, no entanto, uma história de heróis desportivos de origens po-pulares, dedicados, primeiro às provas de longa distância em atletismo e

1. Esta comunicação é baseada num texto intitulado “Os piratas da corrida: fragmentos para a popularização do atletismo em Portugal”, in José Neves e Nuno Domingos (Coord.), (2011), Uma História do Desporto em Portugal, Vol. 3, Classes, Associativismo e Estado, Vila do Conde, Quid Novi.

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mais recentemente em disciplinas técnicas como o salto em comprimento. Desde Manuel Dias e mais tarde Manuel Faria até Rosa Mota e Carlos Lopes, foram os feitos nas longas distâncias que marcaram parte substancial do imaginário olímpico português. Esta comunicação propõe-se, precisamente, discutir e aprofundar as condições políticas e sociais para a democratização do atletismo e a sua relação com o movimento olímpico português.

As diferentes formas de popularização da corrida e o modo como os diferentes poderes se relacionaram com a modalidade são duas das li-nhas condutoras desta narrativa. Num primeiro momento essa popula-rização manifestou-se na mudança da origem social dos praticantes e na transformação da importância das diferentes disciplinas da modalidade. Verificou-se, por exemplo, uma maior preponderância das provas de meio-fundo e fundo no atletismo português. Por outro lado, a incapacidade do estado português em massificar a educação física e as práticas desportivas, conjugada com a hegemonia de uma cultura física desportivizada, onde o recorde e os triunfos constituem elementos dominantes, são indispensáveis para situar o desenvolvimento do atletismo em Portugal ao longo do século XX. Com a revolução de Abril a popularização da corrida associa-se a um processo de democratização e massificação da prática desportiva, em que a articulação entre um conjunto de técnicos progressistas, poder autárquico e associativismo popular gerou as condições para divulgação da “corrida aberta a todos” e a emergência dos “piratas da corrida”.

Em finais do século XIX, o projecto de generalização da prática des-portiva pela população passava por instituições ligadas ao exército e à esco-la (Colégio Militar, Escola Normal de Lisboa, Escola Académica, Associação Naval de Lisboa, Real Ginásio Clube Português ou a Casa Pia, por exemplo). Contudo, perante a fragilidade das políticas públicas de massificação da prá-tica desportiva com finalidades higiénicas e o que então se designava como “regeneração da raça”, o desporto e o atletismo desenvolveram-se no país no quadro das actividades de lazer das classes ociosas, enquadradas pela ideia de um certo mundanismo. O crescimento inicial do atletismo verificou-se no contexto da comunidade anglo-saxónica e da alta burguesia e aristocracia portuguesa. Mesmo que já se fizesse notar a presença de cronómetros e ins-trumentos de medida, indicativos de uma preocupação com a competição, a busca de recordes e o ordenamento hierárquicos dos participantes, caracte-

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rísticas das modernas formas desportivas, indicativas do processo de des-portivização os primeiros meetings de atletismo serviram, essencialmente, nas palavras de Carlos Paula Cardoso, para “arejar toilletes” (Cardoso, 2000: 14), em festas “reservadas a convidados”, para utilizar os termos de uma outra descrição de Salazar Carreira (1945: 23).

A constituição do Comité Olímpico Português foi fundamental, ape-sar da persistência de uma concepção do atletismo enquanto prática social-mente distintiva e idealmente amadora, no avanço do processo de desporti-vização. Precisamente porque constituía um instrumento de ordenação do lugar das nações numa hierarquia civilizacional, a competição internacional e a busca do record e da vitória permitiram integrar um conjunto de ele-mentos das classes populares num meio elitista. É no âmbito deste processo que homens como Lázaro ou Serafim Martins, o peixeiro Serafim, se torna-ram os primeiros heróis desportivos verdadeiramente populares da história do atletismo português.

O aumento das provas de meio-fundo em Portugal, a partir da pri-meira década do século XX, num contexto de inexistência de infra-estruturas para a prática da modalidade, será em parte responsável pela popularização da sua prática e pela emergência dos primeiros heróis desportivos, mais próximos de corporizar uma ética de esforço e sacrifício do que representar a graça e elegância nos gestos, atributos estimados pelos grupos que inicia-ram a prática do atletismo em Portugal, mais inclinados para as distâncias curtas e para as provas onde a velocidade e a técnica se sobrepunham à re-sistência e à força. Provenientes da boa sociedade, homens como Armando Cortesão, Prata da Lima e Salazar Carreira, recordistas nacionais de diver-sas especialidades até aos 800 metros, foram alguns dos mais importantes sprinters na história inicial do atletismo português. Pelo contrário, entre os fundistas encontram-se quase sempre atletas de origem popular. Esta dico-tomia reproduz no terreno do atletismo as diferenciações sociais e as lutas pela imposição da definição legítima dos usos do corpo e, em particular, dos usos desportivos. A oposição entre amadorismo e profissionalismo, despor-to prática e desporto-espectáculo, desporto distintivo e desporto de massa são outras dicotomias que, como poderemos verificar, atravessam a história do atletismo português, e estruturam a relação de diferentes grupos sociais com a modalidade.

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Mesmo que importantes figuras do Estado Novo se manifestassem reticentes face ao avanço processo de desportivização e ao valor educativo dessa forma de enquadramento da prática desportiva, não deixavam de ser absorvidas por esta questão. Os argumentos empregues por ministros e ou-tros dirigentes políticos sobre a necessidade de divulgar a prática despor-tiva e as suas virtudes, quando desenvolvida sob determinadas condições, tanto para a educação do indivíduo como para a disciplina social, não pare-ciam encontrar eco imediato nos escritos de Salazar Carreira e nos artigos sobre atletismo publicados no Boletim da Direcção Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, entre 1944 e 1964, abordam, essencialmente, a evolução dos recordes e dedicam-se ao relato dos grandes eventos do atle-tismo nacional competitivo e à participação de equipas e atletas nacionais em competições internacionais.

De facto, e até aos anos sessenta, a evolução do atletismo português, seja qual for o critério que se utilize para a medir – evolução dos tempos e dos recordes, fundação de associação regionais de atletismo, infra-estruturas e especialização funcional, condições de treino e financiamentos ou o sim-ples volume de atletas federados – foi muitíssimo limitada. Os argumentos retóricos do regime sobre a importância da prática desportiva, por oposição ao consumo do espectáculo desportivo, não encontraram correspondência no desenvolvimento de uma política desportiva minimamente estruturada. Mesmo com a criação, a partir dos anos sessenta, dos planos de fomento gim-nodesportivo, financiados por receitas provenientes do totobola, criado em 1961, não foi possível, até ao final daquela década, equipar todas as capitais de distrito do país com um pavilhão gimnodesportivo e uma piscina.

Em suma, entre meados dos anos sessenta e a revolução de 25 de Abril de 1974 não só o regime não contribuiu para o desenvolvimento do atletismo como reprimiu – através de exigências como a obrigatoriedade de autorização das provas por parte das associações regionais e de exame médico dos participantes – todas as tentativas de organização autónoma de uma prática desportiva, mesmo que se tenha observado uma maior raciona-lização do campo desportivo e um crescimento do número de atletas fede-rados. Estava-se longe, porém, quer de uma prática desportiva de massas, quer da hipótese de contemplar o sucesso internacional dos atletas portu-gueses de elite.

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Se muitas vezes é difícil imputar uma causalidade política ao de-senvolvimento do desporto em Portugal dificilmente se pode subestimar os efeitos da transformação política operada com a Revolução de Abril. Melo de Carvalho, Director-Geral dos Desportos, entre 1974 e 1976, sistematiza na obra Desporto e Revolução as opções em causa e o corte com a anterior polí-tica desportiva: “Na verdade duas grandes vias se abrem, actualmente para o desenvolvimento desportivo português: aquela que defende que o problema básico é de natureza económica (na medida em que ele assenta, antes de tudo, na existência de estruturas materiais a construir pelo Estado, e no pa-gamento daqueles que tornam possível a prática do desporto) e uma outra via que se lhe opõe, defendendo que a exigência de meios económicos como a única via de solucionar os problemas desportivos é anti-democrática no mo-mento presente.” (Carvalho, 1976: 31) O corolário político desta leitura foi a procura de uma nova forma de articulação entre o poder político e os clubes populares como estratégia de solução para o eternamente debatido proble-ma da massificação da prática desportiva, arquitectada neste período não so-mente como meio de regeneração da saúde da nação, mas também enquanto prática lúdica e recreativa – um aspecto até então secundário nos discursos políticos sobre a massificação da prática desportiva – e instrumento de po-litização da população, através do envolvimento das classes populares e do respectivo movimento associativo num projecto democrático e participativo.

O atletismo teve neste novo projecto desportivo uma importância crucial, também pelos reduzidos recursos que eram necessários à instituição da sua prática. Sobretudo a “corrida, pelo seu carácter intuitivo e pela rápida capacidade de mobilização, é encarada como a actividade primordial em prol da massificação desportiva de um povo para quem o «desporto» eram sobre-tudo os incómodos assentos das bancadas dos estádios” (Cardoso, 2000: 56). À margem das federações e dos grandes clubes, mitigando fronteiras entre profissionais e amadores, a “corrida aberta a todos” transformava as regras que estruturavam o atletismo português e a relação que diferentes grupos sociais estabeleciam com a prática e o consumo do espectáculo desportivo. A ideia das provas populares e da sua auto-organização eram duas das compo-nentes essenciais do movimento desportivo emergente.

O movimento da “corrida aberta a todos”, não só colocou em causa a ideologia do recorde e a centralidade da luta pelas medalhas no imaginário

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da modalidade, como contribuiu para mitigar as fronteiras entre amadores e profissionais, ao mesmo tempo que retirou às estruturas federativas o mo-nopólio da organização das provas e da definição das suas características. Da distância e trajecto das corridas passando pelos participantes, onde se contavam em grande número as crianças e os jovens, as mulheres e os ve-teranos – categoriais habitualmente secundarizadas nas provas federadas e nos grandes clubes – os modelos estabelecidos, racionalizados e standar-tizados (Bale, 2004) de gestão da prática do atletismo eram colocados em causa pelos “piratas da corrida”. As provas tanto podiam ser na praia ou na montanha, em circuitos urbanos ou em corta-mato. Eram distribuídos prémios de participação e medalhas por todos os participantes. Nas páginas da Spiridon, revista dirigida por Mário Machado, era possível observar, mes-mo perante a oposição dos dirigentes federativos, a difusão destas provas um pouco por todo o território português. Da clássica meia maratona da Nazaré , cuja primeira edição remonta a 1975, ao grande prémio especial de Alcobaça (8km), organizado pelo NASA (Núcleo dos Amigos de Spiridon de Alcobaça) passando pela corrida “Manteigas-Penhas Douradas”, ou pelas três léguas do Nabão, prova edificada pelo CALMA (Clube de Actividades de Lazer e Manutenção, sediado em Tomar) a prática do atletismo cresceu de forma impressionante em toda a parte, mas em especial nas periferias dos grandes centros urbanos, algumas regiões do interior e em zonas escassa-mente dotadas de infra-estruturas e equipamentos desportivos, que nunca até aí haviam tido a possibilidade do acesso à prática desportiva estrutura-da e recreativa.

Curiosamente, e contra boa parte dos discursos que ocupavam o hi-perpolitizado espaço público português, foi também a partir de 1975 que se iniciou o financiamento do atletismo de alta competição, que até então apresentava um carácter pontual e errático, assim como o apoio à actividade federativa e associativa. O apoio de 500 contos concedido à preparação dos 4 atletas, orientados por Moniz Pereira, que participaram nos Jogos Olím-picos de Montreal, acabou por dar frutos, contra as opiniões e expectativas de alguns comentadores. Luís Alves publicou n’O Século um artigo intitula-do “Presença Olímpica” onde defendeu, alinhado com as posições que con-sideravam toda a prática desportiva de elite um obstáculo à revolução e à massificação da actividade desportiva, que a participação olímpica fosse “a

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verdadeira imagem do País, isto é, uma presença modesta e sem ambições. Digamos, mesmo, uma presença pobre, que pode ser pobre e não perder dignidade.” Em oposição a este “desperdício”, que servia para que os atletas portugueses, entre os quais se encontravam Carlos Lopes e Fernando Ma-mede, pudessem realizar um estágio no Algarve e dessa forma efectuar trei-nos bi-diários, o comentador defendeu que essas verbas fossem canalizadas para as escolas, “onde se prepara o futuro do desporto e onde se começa a defender a saúde pública”.2

O resultado dessa participação olímpica, apoiada pela imprensa desportiva, seria a primeira medalha da história do atletismo português, consequência do segundo lugar obtido por Carlos Lopes na prova dos 10 mil metros. Os atletas portugueses de alta competição continuaram depois desta estreia a destacar-se no atletismo mundial. Este percurso de vitórias incluiu um número significativo de atletas femininas que assim conquista-ram, de forma inédita, as páginas de imprensa e os ecrãs de televisão, ainda que este estatuto de heroínas nacionais tenha sido tão precário quanto a importância que os meios de comunicação iam concedendo às “outras mo-dalidades”.

A jusante deste universo do desporto espectacular, mas impulsiona-do pelas façanhas dos atletas portugueses que ocupavam o seu lugar entre os maiores do atletismo mundial, fruto do trabalho de fundo realizado, por técnicos como Moniz Pereira, Sameiro Araújo ou Pompílio Ferreira, entre muitos outros, fervilhava o movimento de atletismo popular, que levava to-dos os fins-de-semana milhares de atletas para as estradas de Portugal. O fim do período revolucionário não representou para o emergente campo do atletismo popular uma normalização das suas características nem sequer a sua pacífica integração nos moldes do desporto federado, apesar de boa parte dos atletas portugueses que de notabilizaram internacionalmente te-rem iniciado a prática do atletismo neste tipo de provas. Os piratas, porém, continuaram a ocupar as estradas do país e a reformular o sentido da corri-da e a democratizar o acesso prática desportiva.

2. O Século, 21/10/1975, p.11.

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BibliografiaBale, John (2004). Running Cultures. London and New York: Routledge.Cardoso, Carlos Paula (2000). História do Atletismo em Portugal. Lisboa: Clube do Colecciona-dor dos Correios.Carreira, Salazar (1945). Evolução dos recordes nacionais, apontamentos para a história do atletismo português. Boletim da Direcção-Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, I, II, III e IV, ano II, 23-52.Carvalho, Melo (1976). Desporto e Revolução. Lisboa: Direcção-Geral dos Desportos.Kumar, Rahul (2011). Os piratas da corrida: fragmentos para a popularização do atletismo em Portugal. In José Neves e Nuno Domingos (Coords.). Uma História do Desporto em Portugal, Vol. 3, Classes, Associativismo e Estado. Vila do Conde: Quid Novi.

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XI

CONSIDERAçõES HISTÓRICASSObRE A DESPORTIVIzAçãO

E O RECONHECIMENTO OLÍMPICO DA CAPOEIRA

Ana Rosa Jaqueira e Paulo Coêlho Araújo

FCDEF da Universidade de Coimbra

A Capoeira, enquanto modalidade de luta, vem sofrendo transformações ao longo da sua história que a tornaram multifacetada. A esse continuum Araújo (2007, p. 199) chamou de “múltiplas transformações”, considerando o seu aparecimento enquanto luta, e as suas metamorfoses, concomitantes ou não, em defesa pessoal, jogo e desporto.

O processo de transformação da Capoeira em desporto, ou a sua desportivização, é um fenômeno recente e contextualiza a temática desse trabalho: o reconhecimento olímpico da luta brasileira. Dentre o que Elias (1992, p. 224) considerou como sintoma da configuração desportiva, estão a criação de espaços especializados para a sua prática, o desenvolvimento de uma temporalidade ou formas de organização, a anulação das diferenças sociais em favor da igualdade de oportunidades, a imposição de uma ética de lealdade e a estandardização das regras.

Assim sendo, podemos considerar o regulamento desportivo um dos sustentáculos mais representativos dos sintomas da configuração desportiva, por incorporar os aspectos da lógica interna (Lagardera & Lavega, 2003, p. 62) da modalidade, ou seja, por retratá-la conforme as relações de comunicação entre os seus protagonistas, deles com o espaço, com o tempo, e com os materiais (quando existirem). Aspectos relativos à história, ao gênero, a idade, à localização geográfica, dentre muitos outros, são considerados como pertencentes à lógica externa da modalidade.

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Bem como, consideramos que o regulamento determina a estrutura do desporto, sendo que para tal as regras poderão ser classificadas em seus aspectos formais, conforme Moreno (2004, p. 42): características e dimensões do espaço de jogo; descrição dos materiais complementares que se usam em jogo; número de jogadores que interagem na atividade e forma como eles podem intervir no mesmo; forma de pontuar e como ganhar ou perder; tempo total de jogo, divisão e controle do mesmo; ritos e protocolos. E aspectos da ação de jogo: formas de utilizar os implementos, quando existirem; formas de participação de cada jogador e relação com seus companheiros, quando existirem; formas de relacionar-se com os adversários, quando existirem; formas de utilizar o espaço de jogo; penalizações às infrações da regra.

Portanto, consideraremos marcos teóricos dessa abordagem as “múltiplas transformações” em sua fase terminal, a desportiva, e a Praxiologia Motriz (Parlebas, 2001, p. 354), enquanto instrumento de análise dos quatro regulamentos da Capoeira, anteriores à sua autonomização desportiva (1992), a fim de destacar elementos da sua índole desportiva e as suas principais influências no movimento olímpico da luta brasileira.

Objetivos

Evidenciar o quadro geral da organização desportiva da Capoeira a nível nacional e internacional, suas fragilidades, conflitos e deficiências estruturais enquanto modalidade agonística de luta, os quais influenciariam e influenciam a sua consagração enquanto desporto de competição e enquanto modalidade olímpica, reconhecida pelo Comité Olímpico Brasileiro (COB).

Metodologia

Optamos por utilizar um processo multimétodos, considerando o método etnográfico e o método histórico. A opção pelo método etnográfico no contexto desse estudo, deve-se ao seu caráter inicial descritivo (Baztán, 1995, p. 4), e à possibilidade da utilização de múltiplas fontes de informação que essa metodologia de investigação permite (Hammersley & Atkinson,

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1994, p. 39). Para responder a essa demanda foi realizada a análise bibliográfica pertinente ao assunto da regulamentação desportiva do desporto e a sua influência na sua pretensão olímpica; a análise documental de fontes primárias e secundárias em que se destacam os convites institucionais, cartas pessoais, ofícios, relatórios, e notícias de jornais; e o estudo de campo, por meio de entrevista semiestruturada a distintos personagens envolvidos direta e indiretamente na consecução do primeiro regulamento da Capoeira.

Com objetivos etnológicos, procedemos à análise de conteúdo de materiais volumosos (Albarello, L. Digneffe, F., Hiernaux, J-P., Maroy, C., Ruquoy, D., Saint-Jorges, P., 1997, p. 180) por meio da condensação descritiva e consequente indexação das fontes primárias (regulamentos, leis, decretos, jornais, convite, pareceres, cartas entre outros), via categorias estabelecidas a priori e a posteriori (Franco, 2003, p. 52) e posterior análise comparativa entre os documentos pilares dessa abordagem, os quatro regulamentos da Capoeira até antes da sua autonomização desportiva (1992).

Sobre esses documentos, especificamente, foi realizada a análise praxiológica de seus conteúdos (Lagardera & Lavega, 2003, p. 37), de forma a identificar elementos representativos da lógica interna (LI) e da lógica externa (LE) da luta brasileira, e posteriormente, consagrá-los coerentemente às formas de expressão referidas no material em causa, consoante às múltiplas transformações da Capoeira (Araújo, 2007, p. 199): arte, jogo e desporto.

A opção pela utilização do método histórico demanda da sua qualidade essencial (Lalande, 1926/1993) – seu espírito crítico –, o que permeou toda a realização das análises nesse estudo, a iniciar por sua fase heurística, conforme a investigação dos acontecimentos e processos do passado, influenciados pelo contexto cultural particular da época (Lakatos & Marconi, 1992, p. 83). Aqui considera-se o fenômeno no ambiente social em que nasceu, o seu desenvolvimento e alterações, de forma a preencher o vazio dos fatos históricos sobre o processo da regulamentação desportiva da Capoeira, apoiando-se em um tempo mesmo que construído artificialmente, de modo a promover a compreensão do seu continuum e o entrelaçamento dos fenômenos, conforme seu âmbito de investigação (Cohen & Manion, 2002, p. 78): um indivíduo, um grupo, um movimento, uma ideia ou uma instituição, os quais não poderão ser considerados isoladamente.

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Aspectos da transformação em desporto

A desportivização da Capoeira foi influenciada por alterações nos cenários político, social, jurídico e desportivo brasileiro, dos quais ressaltamos, respectivamente: a ideologia da identidade nacional vigente no governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945), continuada no período do governo militar, o que facilitou a difusão da Capoeira pela coletividade brasileira, e coincidiu com a sua descriminalização através da sua não-inclusão ou não-citação na nova redação do Código Penal Brasileiro em 1941, a influência da criação do Conselho Nacional de Desporto (CND) via Decreto-Lei nº 3.199 de 1941 (Lardies, 1964, p. 27), e a instalação da Capoeira no seio da Confederação Brasileira de Pugilismo (CBP) em 1941, fato que confirmava o desiderato da cristalização da sua faceta original de luta.

Especificamente no cenário desportivo brasileiro encontramos referência à Capoeira na Lei Federal 3199/41, designada como “Luta Brasileira (capoeiragem)”, seguindo-se a publicação da Deliberação nº 71/53 do Ministério da Educação e Saúde (Lardies, 1964, p. 155), que permitiu a título de experiência o funcionamento de centros de instrução pugilística. A elaboração do Estatuto da CBP em 1962, que reconhece o Jiu-Jitsu e a Capoeiragem como atividades pró-desporto, ou seja, em vias de regulamentação até se enquadrarem no modelo desportivo especializado concebido, “admitindo-se lutas dessas especialidades” no contexto da organização interna dessa federação através dos seus Departamentos Especiais.

No âmbito da própria modalidade, acontecimentos como a autorização e registro para o funcionamento do Curso de Educação Physica do Mestre Bimba (1937) em sua escola ou academia (Rego, 1968, p. 287), e a criação do Centro Esportivo de Capoeira Angola (1941) do Mestre Pastinha (Idem, p. 283), influenciaram sobejamente a sua afirmação enquanto desporto. Todavia, os discursos dos principais protagonistas do meio desportivo capoeirístico considerava fundamental, desde a data da oficialização da sua faceta desportiva, a consecução da sua afirmação olímpica no contexto internacional.

A Capoeira pró-desporto, institucionalizada, mas não regulamentada, necessitava preencher essa lacuna para se catapultar no cenário desportivo nacional e internacional. Para tanto, foram empreendidas iniciativas

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para a consecução de um regulamento desportivo que atendesse às expectativas dos envolvidos no processo, capoeiristas ou não, praticantes de outras modalidades de lutas já notoriamente desenvolvidas no Brasil e representantes de entidades afins dos desportos de luta.

Contudo, os esforços empreendidos foram contaminados pela idiossincrasia dos envolvidos no processo, marcado pela personalização dos debates entre representantes dos principais ícones da época, de territorialização da expressão (Jaqueira, 2010), enquanto signo de qualidade ou de aceitação social em função de uma característica estilística (Regional, Angola, Sinhozinho), ou geográfica (Bahia, Rio de Janeiro), ou personalística (Bimba, Pastinha, Sinhozinho), o que afastou as discussões sobre a realidade motora e agonística da luta da Capoeira e as centralizou nas suas lideranças.

Somente em finais de 1972, foi aprovado em plenário do CND o parecer do General Jayr Jordão Ramos, que dizia respeito ao reconhecimento da Capoeira como Desporto e a aguardar que a CBP apresentasse as normas que iriam orientar as competições da modalidade em todo o território nacional, normas essas, efetivamente aprovadas, oficializadas e divulgadas no ano de 1973 como Regulamento Técnico de Capoeira (RTC).

Apesar da consecução desse intento, o RTC foi constituído com o intuito de atender e de cooptar todas as mentalidades que reivindicavam ver contemplado o ponto de vista das distintas correntes do pensamento capoeirístico do período, seja pela preservação ou mesmo expansão de um poder e controle dos desenvolvimentos impingidos sobre a Capoeira e de acordo com a vontade de seus principais mentores, em detrimento da objetividade presumível para um documento regulamentar de luta.

O sentimento de propriedade dos capoeristas sobre a modalidade e a possibilidade de ascensão social que a sua transformação em desporto possibilitava, fez do primeiro regulamento da Capoeira uma miscelânea de ordens dirigidas a todos os âmbitos dessa expressão. Contudo, talvez numa tentativa de domesticação da expressão com vista a um maior impacto social, a face agonística dessa luta tenha sido suprimida do RTC, passando a ser mimetizada nos encontros competitivos de Capoeira num misto jogo-luta.

Compreende-se, que o pouco conhecimento sobre os principais elementos legais, estruturais, conceituais e mesmo desportivos no período, para uma modalidade que se pretendia afirmar enquanto um desporto de

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luta, a idiossincrasia existente entre os capoeiristas das principais escolas dessa modalidade tenham marcado indelevelmente toda a sua história regulamentar e a sua perspectiva olímpica.

O problema do regulamento

Considerando as distintas facetas apresentadas pela Capoeira ao longo dos séculos XIX e XX, procedemos uma classificação dos capítulos do RTC, nele identificando aspectos de cunho lúdico, ritual, desportivo e artístico. Em seus 42 capítulos, evidencia-se uma diferença significativa entre os que pertencem à LI (10) e à LE (32) do desporto Capoeira, destacando-se claramente as dificuldades encontradas pelos mentores desse regulamento para restringirem-se ao conteúdo da luta propriamente dita.

Esse reconhecimento torna explícita a visão dos mentores desse regulamento, que mais não fizeram do que focar os conteúdos do regulamento nos indivíduos e não na expressão corporal, negligenciando a função principal de uma modalidade do ramo pugilístico - a luta -, para basear-se em argumentos personalistas, tradicionalistas, estilísticos, do senso comum e da oralidade, muito presentes no ambiente da Capoeira naquele tempo, e assim conceberem o extenso e nada objetivo RTC.

Dessa tentativa de normatização desportiva da Capoeira, surgiram conceitos ambíguos de jogo e de desporto, da componente artística enquanto espetáculo folclórico e de dança, do ritual com a exploração do seu cunho africanista, compreensões que até os dias de hoje influenciam o conceito sobre a Capoeira em quaisquer das suas formas de expressão.

As demonstrações de performances ritualísticas nas formas competitivas representadas no RTC, são decorrentes de discursos recorrentes dos seus praticantes, os quais, apresentavam uma forte presunção mística e um pseudo-revivalismo de práticas ancestrais africanistas de cunho religioso, que apenas objetivava o inculcar de certos gestos, valores, normas de comportamento e cerimônias de manifessações religiosas africanas, através da repetição de um conjunto de práticas.

As formas recorrentes dessas manifessações ritualísticas, apenas se evidenciaram a partir das primeiras décadas do século XX e somente para o Estado da Bahia, em decorrência da adaptação de rituais do Candomblé por

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parte de alguns praticantes dessa luta, incorporados para esse novo contexto de expressividade, se considerarmos que elas nunca foram documentadas para o contexto da Capoeira no decurso do século XIX e, para quaisquer dos Estados brasileiros onde se praticou a luta brasileira qualquer tipo de expressão ritual.

Sobre o conteúdo artístico observado no RTC, é preciso situar algum conceito acerca do desporto artístico, que entendemos como um ramo do desporto referente ao conteúdo (significado) artístico que possui. Além da estrutura geral da modalidade em si – lógica interna e técnica –, pressupõe um potencial artístico/temático (estilo) para a produção de certa reação no espectador (Kuntz, 1985 apud Lagoa, 2009), no que concerne aos seus princípios plásticos e de desempenho e da sua subjetividade criativa observada através da expressão física, diferindo-se do significado fatual da técnica (forma), por pressupor certa “empatia”, e demandar sensibilidade para a mais completa apreensão de seu conteúdo.

Pelo exposto, entendemos que a índole artística manifessa no RTC, também pode ser constatada quando observada pela lente do conteúdo secundário artístico dessa expressão, o qual relaciona temas e conceitos expressos por objetos e ações – a orquestra, o mestre de ritmo, responsáveis por enfatizar o caráter subjetivo e anímico ritualizado da Capoeira, mas supérfluo para uma expressão de luta propriamente dita.

Essa tendência se refletiu nos regulamentos subsequentes ao de 1973, que apesar de se mostrarem mais curtos em número de capítulos, ainda tratavam mais efetivamente da LE da luta da Capoeira, apresentando-se assim: Regulamento de 1981, com 40 capítulos, 06 consagrados à LI e 34 à LE; Regulamento de 1987, com 39 capítulos, 04 de LI e 35 de LE; e Regulamento de 1989, com 36 capítulos, 04 de LI e 32 de LE.

Concluímos portanto, que o estado das regras da Capoeira não reflete o perfil de uma luta desportiva, dada a miscelânea de ideias que afastam a expressão do seu carácter original, por não premiar o contato físico essencial ao desporto de combate. A luta propriamente dita deve ser entendida como oposição ou duelo, por sua forma de contato direto, por contracomunicação, realizada por assaltos à distância reduzida, classificado por Palebas (2001) das seguintes maneiras: duelos de distância quase nula (Luta Canária, Greco-Romana, Livre Olímpica e Judô), duelos de distância média (Florete,

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Espada, Kendo, Bastão), os enfrentamentos a grandes distâncias (Ténis, Ténis de Mesa, Badminton) e os assaltos à distância reduzida (Boxe, Karaté, Taekwondo) contexto no qual enquadramos a Capoeira.

O idílio olímpico

No intuito de poder ser considerada modalidade olímpica, a Capoeira realizou em 1996 modificações estatutárias, relativas à admissão de membros na Assembleia Geral, da desfiliação das entidades universitárias, da criação da Federação Mundial de Capoeira (1997/1998), da criação da Federação Internacional de Capoeira (1999). Apesar desses esforços, o atendimento das exigências do Comitê Olímpico Internacional para o reconhecimento como modalidade olímpica, continuam insuficientes para esse desiderato, fundamentalmente, por não se expressar como um desporto de luta efectivo, assim condicionando a evidência das principais características inerentes ao desporto moderno. Mesmo no contexto institucional da luta brasileira, quase quarenta anos depois do primeiro regulamento, é possível observar que os erros do passado se repetem no que respeita à consecução de um regulamento de combate, sustentáculo para a justificativa desportiva e olímpica da Capoeira. A problemática do regulamento ainda encontra-se presente nas discussões dessa modalidade, apresentando-se pouco profícuas e centradas nas questões estilísticas, destacadas por discursos que exigem um “regulamento mais amplo para se avaliar a competição de Capoeira Regional, Angola e Contemporânea” (Guimarães, 2012), aspectos nada adequados para o contexto olímpico.

Essa citação anterior é bastante elucidativa do estado das coisas da Capoeira no que respeita à sua aceitação olímpica, complementada por uma série de aspectos ainda não resolvidos ao longo desse tempo, dos quais destacamos: a falta de harmonização nominal e funcional dos golpes, a incorporação rítmico-melódica no contexto da luta, a insuficiente e ineficaz formação de pessoal para distintas funções (árbitros, mesários), a falta de solidez interna da organização da modalidade a nível nacional e internacional, o escasso número de “atletas” de Capoeira nos distintos continentes, e a exígua constituição de entidades federativas internacionais nos países e continentes em que se pratica a Capoeira. Esses aspectos,

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aliados à falta de objetividade para a luta propriamente dita, patente nos regulamentos dessa expressão, são por certo, impeditivos para o atingir do desiderato olímpico da Capoeira, apesar do seu reconhecimento pelo COB.

Não diferentemente dos tempos em que os regulamentos aqui apresentados foram idealizados, a Capoeira dos dias de hoje se caracteriza por uma forma de expressividade gímnica em detrimento da expressividade agonística de luta, podendo ser essa sua faceta ginástica o seu pendor olímpico, em oposição à expressividade de luta.

Conclusões

A análise praxiológica dos quatro regulamentos da Capoeira nos leva a concluir que o seu desenvolvimento desportivo como como prática agonística de luta, encontra-se desfasado, estagnado e cristalizado num modelo anacrônico que em nada contribuiu para a consideração da possibilidade do seu reconhecimento como desporto olímpico pelo COI.

Compreende-se que muito dos conflitos surgidos no processo de regulação da Capoeira não surgiram da negação consciente do objeto desporto, mas sim, da necessidade da afirmação individual das lideranças de certos grupos, e da necessidade efetiva da manutenção do poder adquirido ao longo dos tempos, e que num contexto de subordinação à uma outra entidade se veria suprimida, e por isto, não transigindo na aceitação de um poder central, obviamente decorrente das disputas pessoais entre seus mandatários.

Pelo exposto, concluímos não estarem reunidas naquele momento, as condições para a regulamentação desportiva da luta brasileira, dada a maneira de ver dos intervenientes nessa discussão, por apenas entenderem aquela Capoeira desenvolvida a partir da sua óptica, do seu estilo e do seu território, o que os impossibilitava de perceber as suas possibilidades de expressividade por meio de características regulamentares inerentes a outras modalidades de luta já desenvolvidas nesse aspecto.

Essa postura se propagou por toda a história atual da Capoeira, fator que somado ao incumprimento das exigências do COI para a consagração olímpica da expressão, diferentemente dos discursos dos capoeiristas, a distancia consideravelmente do idílio olímpico, mesmo porque e,

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basicamente, e apesar dos regulamentos criados através dos tempos, a sua índole agonística foi dizimada tanto a nível das mentalidades quanto a níveis práticos e técnicos da expressão motora.

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XII

EDuCAR A CuLTuRA OLÍMPICACláudia Santos

Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa1

Este projeto propõe-se conhecer o estado da situação da Cultu-ra Olímpica e Desportiva em alunos do 1º ciclo (4º ano) do Ensino Básico através da exploração empírica, numa amostra representativa, na região metropolitana de Lisboa. Foram realizados questionários aos alunos com o objetivo de perceber qual o seu grau de conhecimentos relativamente aos Princípios e Valores defendidos pelo “Movimento Olímpico”, e o quadro con-cetual de desporto em que estão inseridos.

Dos principais objectivos do estudo destacam-se: a perceção do nível de conhecimentos dos alunos numa fase de escolaridade de grande relevância para a aquisição e compreensão do quadro concetual da reali-dade social que os rodeia: cultura, padrões de ação e aquisição de valores essenciais para a vida; o levantamento de necessidades para a criação de um programa específico dedicado ao Olimpismo e seus princípios, aplicável nas escolas, com o objectivo de difundir de forma coesa, consistente e igua-litária a cultura defendida pelo Movimento Olímpico; o conhecimento do estado da situação da difusão da cultura olímpica e desportiva na realidade educativa portuguesa; a construção de uma fonte de investigação fidedigna e consistente que justifique a criação de medidas para a educação da cultura olímpica no sistema educativo português; a sensibilização dos Organismos competentes para o estado da situação da Cultura Olímpica observada atra-vés dos dados recolhidos da investigação (quadro concetual de Desporto,

1. Este artigo é fruto dos resultados obtidos pela realização de dissertação de mestrado, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa, sob a orientação do Professor Doutor Gustavo Pires.

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Olimpismo e Jogos Olímpicos, predominante nos alunos representativos da amostra). Pretende-se com a presente investigação responder à pergunta de partida:

- Qual a Realidade Cultural: Desportiva e Olímpica, partilhada pelas crianças de 4ºano do 1º Ciclo do Ensino Básico: Público e Privado?

Esta é a pergunta de partida de base da investigação, a qual gera por si algumas subperguntas associadas:

- Quais os principais agentes difusores da mesma? - Existe influência dos media na escolha da criança em matéria de

Desporto? - Existe uma reprodução cultural, dos princípios e valores defendi-

dos pelo “Movimento Olímpico”, através da Escola (importante agente de socialização primária)?

Sendo que o objeto de estudo consiste na cultura desportiva e olím-pica em alunos de 4º ano do 1º ciclo, é fundamental encará-los não como seres individuais, mas sim como seres sociais, no sentido em que a cultura é um fenómeno social, consiste numa construção social que se vai reprodu-zindo através de agentes sociais, neste caso: a família, a escola e os media.

A família, a escola e os media constituem o “corpo de realização” do filme cultural em que atuam as crianças. Aquilo que se pretende sondar com este estudo é o tipo de filme que se está a construir no backstage, será que existe homogeneidade cultural e desportiva? Qual a noção de desporto partilhada pelas crianças? O que é que cada ator social transmitiu? Como? O conhecimento olímpico é adquirido pelos agentes difusores culturais? Se não, então de que forma se reproduzirão? A cultura é uma construção social, homogeneizada e partilhada pelos agentes difusores, só esta garantirá a re-ceção por parte das crianças.

Para a concetualização do objeto de estudo, foi feita a sua descons-trução concetual, com o objetivo de o tornar mais percetível e clarificar a sua essência.

A operacionalização foi feita em torno dos conceitos de:• Cultura;• Desporto;• Olimpismo e Jogos Olímpicos;• Educação e Pedagogia.

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Neste estudo foi dada muita atenção às dimensões ética e valorativa do Desporto, como complemento e sustentação teórica do mesmo, consti-tuindo tópicos de base na construção das perguntas do questionário.

A ética é a forma como cada um vive a atividade desportiva, de acor-do com um caráter assente em determinados valores: respeito, tolerância, igualdade ou equidade, justiça.

A dimensão valorativa no desporto consiste no conjunto de valores que deverão ser compreendidos e vividos na prática desportiva e em tudo o que a rodeia: fair play ou “jogo limpo”, o respeito pelas regras do jogo, o respeito pelo outro, a responsabilidade, a amizade, a relação e a interajuda, o respeito pelo corpo, o crescimento harmónico da pessoa, o voluntariado, a educação.

Muitos destes valores são apreendidos através da socialização e o desporto é uma atividade única e privilegiada no campo da socialização, ao permitir o desenvolvimento de competências, quer pessoais quer sociais, como a interação e a relação com o outro, saber lidar com as regras, saber competir.

A Escola, como instituição social, representa um espaço de trans-missão de valores, valores estes que as sociedades consideram dever ser veiculados às gerações mais novas.

O contributo da Educação Olímpica para a Educação, para a Pedago-gia, consiste no esforço do compromisso da educação com o desenvolvimen-to, com a promoção de valores.

Para António Roseta,

(…) Aliando o desporto com a cultura e a educação, o Olimpismo pro-põe-se criar um estilo de vida baseado na alegria do esforço, no valor educativo do bom exemplo e no respeito por princípios éticos funda-mentais e universais. (Coubertin, 1918).

A Educação Olímpica é um projeto de educação social, cívica, de educação intercultural, alicerçada nos valores da camaradagem, da frater-nidade, da convivência social, na compreensão, no respeito, na cooperação mútua, na amizade internacional, no combate à descriminação (nacionali-dade, etnia, género).

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Exige a participação contributiva ativa da família, escola, meios de comunicação social (media) e de outras organizações sociais. Constitui um projeto social, uma construção social em que todos os agentes difusores en-volvidos devem assumir um papel primordial, pois constituem os vetores de maior influência para as crianças, contribuindo para a aculturação em massa.

Torna-se primordial a criação de condições para a concretização dos ideais olímpicos, a partir da formação de professores, treinadores e ou-tros agentes desportivos, envolvendo o desenvolvimento de competências de educação moral.

Praticar desporto é uma experiência moral que resulta na coopera-ção, amizade, generosidade, compaixão, sentido de justiça, autenticidade, humanidade.

É na responsabilização social que reside a génese da problemática sociológica: no mapa sociológico, de relações e interações sociais em que ocorre este fenómeno da cultura olímpica e desportiva, observando concre-tamente crianças entre os 9 e os 11 anos de idade. A reprodução da cultura olímpica e desportiva verifica-se nesta faixa etária?

A problemática está subjacente na construção social da cultura olímpica e desportiva nestas crianças, na forma como estas a recebem e as-similam para o futuro. Os agentes de socialização (escola, família, meios de comunicação social) responsáveis pela sua difusão cumprem o seu papel social? Estão conscientes desse fenómeno? Qual a génese dos valores olím-picos nestas crianças?

As hipóteses que se levantam são:- Conceção de desporto: desinteresse/interesse, conotação positi-

va/ negativa?;- Grau de conhecimentos da cultura olímpica e olimpismo: elevado/

reduzido?- Principais agentes difusores: Escola, Família, Media?- Hábito e prática de exercício físico: regular/irregular?- Questões de Género: equidade/ dominação masculina?- Identificação com os valores olímpicos (comportamento): forte/

fraca?- Interesse pelo tema do Desporto e dos Jogos Olímpicos: pouco/

muito?

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Parafraseando a Carta Olímpica, no capítulo 4, referente aos Comi-tés Nacionais Olímpicos (CONS), Missão e Papel dos CON’s:

A missão dos CON’s é desenvolver, promover e proteger o Movimento Olímpico nos seus respectivos países.

O papel dos CON’s é o de:

Promover os princípios e valores fundamentais do Olimpismo nos seus Países, em particular, nos domínios do desporto e da educação, através da promoção de programas de educação Olímpica a todos os níveis nas escolas, instituições de educação desportiva e física e uni-versidades, bem como encorajar a criação de instituições dedicadas à educação Olímpica, tais como as academias Olímpicas Nacionais, os Museus Olímpicos e outros programas, nomeadamente culturais rela-cionados com o Movimento Olímpico.

A metodologia usada para a investigação foi o inquérito por ques-tionário. Foi realizado um estudo-piloto através de dois questionários, reali-zados “à priori”, com o objetivo de ensaiar o método de investigação e obter maior validade e fidedignidade nos resultados.

O inquérito por questionário consiste numa ferramenta que permi-te realizar a investigação a um grande número de inquiridos, a populações em número elevado. Neste caso, é o mais pertinente, visto que, para uma futura investigação a larga escala, várias escolas portuguesas, torna-se im-prescindível uma metodologia que permita fazer perguntas a muitos alunos e que seja de rápida realização.

A aplicação à priori do estudo-piloto, através da aplicação de um questionário inicial a duas turmas do 4º Ano do Ensino Básico, e de um questionário secundário a uma turma de Ensino Privado, constituiu um es-boço ensaístico através do qual foi construído o questionário final aplicado para conclusões da dissertação de mestrado.

Os dados recolhidos revelam uma realidade cultural desportiva e olímpica semelhante em ambos os Sistemas de Ensino. Tanto no Público como no Privado, verificam-se fenómenos semelhantes, apresentando ape-

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nas algumas diferenças no que diz respeito a questões de género. No Priva-do existe maior consciência e respeito pela igualdade do que no Público. De resto, os dados falam por si, e a realidade partilhada pelos alunos de 4º ano do Ensino Básico, nas escolas observadas na zona metropolitana de Lisboa, é a mesma.

Existe uma regularidade na prática desportiva. Os alunos dão uma conotação positiva ao desporto, baseada na diversão, prazer pelo esforço e saúde. O seu desporto de eleição é o futebol. As raparigas apresentam mais tendência para desportos individuais e os rapazes para desportos colectivos.

Em matéria de difusão da cultura desportiva, verificou-se a influ-ência dos pais e dos meios de comunicação, ambos com um papel ativo na construção da conceção de desporto adquirida pelas crianças. A escola não apresentou uma presença ativa neste sentido, sendo que os alunos não men-cionaram os professores como difusores de conhecimento ou influência nas suas escolhas.

Não se verifica uma reprodução cultural dos princípios e valores olímpicos através da escola ou de qualquer outro agente difusor. Os alunos demonstraram ignorância e desconhecimento em perguntas que abordam esta temática, transparecendo um grau de conhecimentos da cultura olím-pica muito reduzido.

Os Valores Olímpicos praticados pelos alunos são adquiridos por in-tuição e não através da transmissão educativa (escola, pais, media), daí a he-terogeneidade na sua Cultura Olímpica, dado o desconhecimento da mesma. Os alunos em geral, demonstram valorizar a responsabilidade, ter respeito pelas regras, valorizar a amizade, alguns respeitam o outro, mas não sabem o que é o fair play, não têm um conhecimento consistente e homogéneo dos Valores Olímpicos e Desportivos, apenas uma vaga ideia, adquirida por in-tuição. O que prova que os agentes de socialização (Escola, família, meios de comunicação social), responsáveis pela sua difusão, não cumprem o seu papel social.

Alguns alunos comportam-se de acordo com os Valores Olímpicos, outros só em parte e outros não. Quando deveria ser um comportamento homogéneo e partilhado por todas as crianças, garantindo o seu desenvolvi-mento harmónico e a construção do homo social do futuro, integrado numa cultura desportiva para o olimpismo.

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Este fenómeno exige a participação contributiva ativa da família, es-cola, meios de comunicação social (media) e de outras organizações sociais. Constitui um projeto social, uma construção social em que todos os agentes difusores envolvidos devem assumir um papel primordial, pois constituem os vetores de maior influência para as crianças, contribuindo para a acultu-ração em massa.

Torna-se primordial a criação de condições para a concretização dos Ideais Olímpicos, a partir da formação de professores, treinadores e ou-tros agentes desportivos, envolvendo o desenvolvimento de competências de educação moral.

É essencial implementar um programa educativo nas escolas, pri-vadas e públicas, que garanta o conhecimento do movimento olímpico. A implementação dos Valores Olímpicos nos programas escolares seria uma garantia de que estes seriam do conhecimento dos professores e dos alunos. Seria a forma de garantir o propósito do Olimpismo: colocar o desporto ao serviço do desenvolvimento harmonioso do homem com vista a promover uma sociedade pacífica e empenhada na preservação da dignidade humana.

A inexistência de exploração empírica nesta temática explica, em parte, o défice de conhecimento da cultura olímpica na nossa população. Investigação gera planos de acção para a divulgação dos princípios do mo-vimento olímpico. O principal objectivo desta investigação é dar a conhecer aos organismos competentes o quadro concetual de Desporto, Olimpismo e Jogos Olímpicos, predominante nos alunos representativos da amostra.

O objetivo deste estudo é ampliá-lo a uma dimensão populacional de crianças mais alargada, incluindo outros graus de ensino, em importan-tes fases de escolhas para o futuro.

Consiste no ponto de partida para a criação de uma esfera de inves-tigação de grande interesse para o desenvolvimento e difusão da Cultura Olímpica em Portugal. Contribui para despertar o interesse de investigado-res, alunos e professores para futuras investigações académicas dentro da temática da Educação da Cultura Olímpica e Desportiva.

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XIII

THE OLYMPIC TOuRNAMENTSIN THE POLISH, CzECH & SLOVAKIAN

SOCCER TRADITIONS – A COMPARATIVE ANALYSIS

Adam Fryc

Piekary Slaskie, Upper Silesia, Poland

Introduction

For several soccer nations the Olympic rivalry of footballers has never been of special value as considered to be marginal in comparison with the World Cups, continental championships or the major international club tournaments. However, the remark does not refer to Poland, the Czech Republic and Slovakia. On the contrary, the Olympic performances of the Polish representative team and of the Czechoslovakian one seem to occupy special places in the sports traditions of the above mentioned Central European countries. Apart from spectacular achievements that used to be sources of the nations’ prides, also extraordinary reasons of some of the disappointments and political interferences preventing the national sides from entering the Olympic competitions are particularly well remembered by the sports fans.

The paper follows the Polish, Czech and Slovakian participations in the men’s Olympic soccer tournaments from the very beginnings considering the historical, political and biographical contexts. The similarities and differences between the countries’ cases are emphasized by the author, who referred to different kinds of sources, including monographs, articles as well as memories of soccer personalities. To prepare the study the methods of deduction, induction, source analysis and description were used.

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Bohemia and Poland and the Olympic footballprior to the First World War

The game of soccer started to put down roots in Bohemia, Slovakia and Poland in the late 19th century when the countries remained under the foreign rules. Bohemia, Slovakia and Southern Poland were parts of the multinational Austro-Hungarian monarchy then, while the remaining Polish territories belonged to the Russian and German empires. Social, political and national circumstances prevailing in the states determined directions of development of sports, including soccer, among the discussed nations.

According to the historical sources the first to be playing soccer in the Bohemian soil were members of different sports societies of German students in the 1880s. Soon after the first soccer matches were played by native Czechs as well. In the two following decades soccer life in Bohemia developed faster and faster. The oldest clubs were founded as was the Czech Football Federation in 1901. Soon the level of top Czech teams grew significantly so they were desired rivals even for British sides predominating in European football in the period exclusively. Subsequently, in 1907 Bohemia obtained full membership in the International Football Federation – FIFA.

The Czech participation in the Olympic movement grew simulta-neously. The national Olympic Committee was established in 1900 and the athletes participated in the Summer Olympiads (formally as members of the Austrian team, but using their own national symbols).

The facts encouraged Czech soccer administrators to apply for participation in the first ever official soccer Olympic tournament (under auspices of FIFA) that was to be held in London in October of 1908.

However, the Habsburg authorities showed little understanding towards the Czech national aspirations and disliked the Czech relative independence in the field of physical culture. The Austrian sports officials were the followers of the rule ‘one state – one sports governing body’ and Bohemia was just a crown land of the Habsburg Empire. So at the 1908 FIFA Congress in Vienna, on the strength of principle restricting membership in the organization for representative football bodies of states exclusively, the Austrians led to expulsion of the Czech Football Federation out of FIFA. It

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resulted in preventing the Czech team from travelling to the British capital. (Bonini, 2002: 337-338)

While the Czechs unsuccessfully attempted to take part in the then world’s most prestigious international tournament, Slovaks and Poles remained on the very margin of continental soccer – on different reasons. In Slovakia physical culture societies were dominated by Hungarian inhabitants and the best of them even represented Hungary at the Olympic Games. Native Slovaks were left little space for their sports development. Poles living under German and Russian rules were in a quite similar situation. Only in the Austrian part of Polish territories, called Galicia, they could organize their sports societies freely. In these circumstances one can be very surprised finding a Polish footballer – Rymsza to participate in the 1912 Olympic Games in Stockholm. He was a member of the team of Tsarist Russia.

Anyway, it clearly appears that before the outbreak of the Great War Poles made their presence in the soccer Olympic competitions felt only symbolically, while Czechs and Slovaks did not manage to make it at all.

Czechoslovakia and Poland in the Olympic soccerrivalry of the interwar period

The end of the First World War as well as falls of the Austro-Hungarian, Russian and German empires created new geopolitical situation in Central Europe. In 1918 Poland regained its independence after 123 years of foreign domination and the state of Czechoslovakia was also formed. The elites of the countries considered sport as one of key factors of national developments and intended to send representative teams for major events. National Olympic Committees of Poland and of Czechoslovakia were founded as was the Polish Football Federation.

Both Poland and Czechoslovakia prepared for the 1920 Olympic Games in order to take part in different competitions, including the football tournament. Ridiculously, Polish footballers were to experience the same fate as their Czech counterparts had done in 1908. Their Olympic debut at first attempt did not come off, either. The reborn Poland came into bloody territorial conflicts with the majority of its neighbours, including Germany, Lithuania, Czechoslovakia and Ukraine. Nevertheless, it was the 1919-1920 war against

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the Soviet Russia that threatened the freedom of Polish nation again. When in the Belgian city of Antwerp sportsmen of different nations were gathering for the Summer Olympic Games, the Red Army forces were marching towards Warsaw. Instead of competing for Olympic laurels, in August 1920 Polish athletes had to defend the independence of their motherland. (Wryk, 2012: 104-108) On the outskirts of the Polish capital the Bolsheviks were defeated and the danger of Sovietization of Europe was obviated for a time.

On the contrary, nothing encountered an obstacle for the Czechoslovakian participation in the 1920 Olympic soccer tournament. Despite the fact the team was entering the competition for the first time in their history, they seemed to have realistic victory prospects. Just before the Olympiad, in 1919, they had evidenced their power winning silver of the Military Games in Rome and capturing gold at the Pershing Games in Paris. Having such stars as Karel Pešek and Václav Pilát in their side, Czechoslovakia actually reached the Olympic final. Nevertheless, they came back home with empty hands. Playing their decisive game against Belgians they lost two goals in the first 31 minutes and soon left the pitch to manifest their discontents on the English referee John Lewis’ verdicts. The hosts were awarded gold medals and after Czechoslovakia had been disqualified Spain played against Holland to share the remaining trophies.

The story remains one of the most famous espisodes in the history of Czechoslovakian football. A feeling of injustice caused be the referee has dominated the narration. Obviously, some works trying to make the story more balanced have appeared as well (Houška, 1966: 50-54).

Both Poland and Czechoslovakia participated in the 1924 soccer Olympic tournament, but were eliminated promptly. Poland lost to Hungary in the first round, while Czechoslovakia was beaten by Switzerland in the second. As four years earlier, in the Czechoslovakian team there were not any Slovakian footballers on the occasion. It was a result of divergence of levels of football in the two main parts of the republic. They were mainly Czech players who represented the country at the 1920 and 1924 Games, apart of few Germans and Jews.

In the interwar period the team of Czechoslovakia did not return to the Olympic rivalry again. Their failures were overshadowed by winning silver medals of the 1934 World Cup in Italy. On the contrary, Poland took

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part in the Games once more – in 1936. Then Poles finished fourth losing to Norway in the bronze final. For many decades it wo uld remain the greatest international success of Polish footballers. Still even today the result is commonly considered as a disappointment by the experts. They believe Poland could have reached gold in Berlin providing their best striker Ernest Wilimowski, undeservedly accused of breaking rules of amateurism, had not been eliminated out of the team. (Gowarzewski et al., 1991: 120-121 and 127-128)

During the Second World War some of the former Polish and Czechoslovakian participants of the Olympic soccer tournaments shared tragic fates of their contemporaries. Poles: Stefan Fryc and Leon Sperling were victims of the Nazi totalitarian system, while Marian Spojda and Adam Obrubański – of the Soviet one. On the other hand, Pavel Mahrer – a Czechoslovakian representative of Jewish origin – was arrested by the Germans and sent to the Terezín ghetto, where he played for the team of butchers in the ghetto league and cup competitions. (Steiner, 2009: 73-79)

In the interwar period both Czechoslovakia and Poland took part in the Olympic soccer competitions twice. On different reasons they were not classified on the medal-winning positions, still some of their performances gained recognition of experts and fans.

Olympic achievements of soccer teams of Czechoslovakiaand Poland in the period of the Cold War

After the Second World War the political situation of Poland and Czechoslovakia changed radically once again. The communists took over and were in power for more than forty years onwards. The two countries remained in the Soviet area of influence. The political, social and economical processes occurring from the late 1940s set their stamps on the directions of developments of physical culture shaped according to the Soviet model.

At the beginning of the postwar period Polish footballers were much more active in comparison to their Czechoslovakian counterparts as far as the Olympic tournaments were concerned. Actually in 1948 Poland intended to take part in the rivalry, but the national team was withdrawn after it had been announced they would have played against the side of the

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USA (leader of the hostile Western bloc) in the first round of the Olympic tournament. (Gowarzewski et al., 1995: 30) In 1952 and in 1960 Poles did participate in the events achieving no impressive results.

Nevertheless, in the 1960s and 1970s Czechoslovakian and Polish footballers made use of a privilege to represent communist states in the Olympic rivalry. Officially, there was no professional sport in the states of the Soviet block. So when the Western countries entered sides composed of amateurs exclusively for the Olympiads, their Eastern counterparts sent teams of false non-professionals selected from the top players. ‘Top players’ did not always mean ‘the best players’ as on several occasions footballers who had participated in the World Cup campaigns were not entitled to play for the Olympic teams. Anyway, the European communist countries had much more chances to win the Olympic laurels in football than the capitalist ones. It resulted in their winning 22 of 25 medals in soccer between 1952 and 1980. Two of them were captured by Poland and two by Czechoslovakia. In 1964 in Tokyo in their first after war start in the Olympic tournament the Czechoslovakian team reached the final game but finally ended as runners-up to Hungary. On the contrary to the interwar period, Slovakian footballers (with Anton Urban, Vladimiír Weis and Vojtech Masný among them) contributed crucially to the achievement that time. (Grexa et al., 1996: 107) The side was coached by Rudolf Vytlačil, under whom the representative side of the republic had won silver medals of the 1962 World Cup. Czechoslovakia reappeared for the 1968 Olympiad but experienced a heavy disappointment primarily due to extravagant criteria of players’ selection. The Mexico City Games were held in October in the course of the league season, so each club permitted only one of their footballers to go. (Mráz et al., 1980: 232)

Czechoslovakia must probably be considered the most successful East-European soccer nation of the 1960s, but in the following decade their position was challenged by Poland. In 1972 the Polish team, beating Hungary 2:1 in the final, won gold at the Munich Summer Olympic Games. The first ever major international trophy of Polish footballers awoke an enormous enthusiasm among the nation. For many years the 10th of September – the anniversary of the victorious final game was celebrated as the Footballers’ Day (the festivities included matches of league clubs against the low ranked opposition). The 1972 achievement consolidated the team of Kazimierz

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Górski (commonly considered the best manager Poland have ever had) and the Olympic medal was overshadowed by the third place at the 1974 World Cup. In 1976, however, Poland failed to retain the Olympic title losing the final to East Germany 1:3. The silver gained in Montreal did not satisfy the Polish fans so the players experienced hostile reception in their motherland. (Tomaszewski, 1991: 85-90) Subsequently Górski decided to hand in his resignation. Notwithstanding, the 1972-1976 national team was without any doubts the best in the entire history of Polish football and its members have enjoyed statutes of icons of the game so far. Two of the Polish Olympic medalists in soccer: Grzegorz Lato and Jan Tomaszewski were later elected Members of Parliament.

On the other hand, year 1976 opened another glorious era of Czechoslovakian football with two gold medals (of the 1976 European Championship and of the 1980 Olympic Games) as jewels in their crown. In the final of the soccer tournament of the Moscow Olympiad, the Czechoslovakian team (coached by František Havránek) defeated East Germany 1:0. Two of the Olympic champions were Slovakian, including the first-choice goalkeeper Stanislav Seman. In 1984 the Olympic team of Czechoslovakia was expected to defend the championship title in Los Angeles, but it transpired to be impossible due to political reasons. The sportsmen’s plans were thwarted as all the European communist countries, but Romania, decided not to send their representatives to America in reprisal for the 1980 Olympiad boycott by the Western bloc.

For several years after the Second World War Czechoslovakia and Poland did not play major parts in international soccer. However, in the seventh and eighth decades of the 20th century they belonged to the world powers. The Olympic medals won were indicators of the countries’ prominent positions in the soccer rankings.

Polish, Czech and Slovak participation in the Olympicsoccer rivalry at the turn of the 20th and 21st centuries

In 1989 the demise of communist system occurred in the countries of Soviet bloc (including Poland and Czechoslovakia). A result of the breakthrough was a turn towards free-economy principles and as far as

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sport was concerned – towards legal professionalism. Crucial political, economical and social processes coincided with the changes of rules of participation in the Olympic soccer tournaments implemented by the International Olympic Committee from the 1980s. Their aim was to make the Olympic rivalry of footballers more fair than it had been before. From the 1992 Games the youth teams were to take part in the contests.

As it turned out Poles succeeded in adapting to the new situation very quickly. In February of 1989 Janusz Wójcik was appointed manager of the Polish Olympic soccer team preparing for the Barcelona Olympiad. To raise necessary funds the Polish Olympic Soccer Team Foundation was established, supported financially by Polish and foreign firms. (Wójcik, 1999: 32-36)

The Janusz Wójcik’s squad qualified for the final game of the 1992 Olympic tournament. Playing in front of 95 000 spectators with King Juan Carlos among them, Poles were defeated by the hosts Spain 2-3 and went home runners up.

The achievement seemed to herald bright future. Janusz Wójcik became a great favorite of the public and expected to take the national team over immediately after the Olympiad. Still his notoriously manifested independence was not to the Polish Football Federation officials’ likings. That is why he had to wait for the nomination as long as five years. Wójcik’s position in the history of Polish football is ambiguous, however. Indeed, the second place in the Barcelona tournament has remained the last major international success of Polish football so far. On the other hand, Wójcik was involved in the match-fixing scandals that shocked the Polish League in 2000s. Nevertheless, he remained popular enough to be elected Member of Parliament in 2005.

Year 1992 was important on one more reason as the history of the Czechoslovakian state came to an end then. Eight years later among the participants of the Olympic soccer competition in Sydney teams of separate states of the Czech Republic and of Slovakia appeared, but both failed to qualify to the quarter final stage.

At the turn of the 20th and 21st century’s teams of Poland, the Czech Republic and Slovakia saw their influence on the Olympic soccer rivalry decline. Among the reasons there was a continuous growth of level of football

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around the world that resulted in increasing number of candidates for honors. Only Poles succeeded in climbing the Olympic podium once in the period. The Czechs, however, compensated the disappointments by gaining silver and bronze of the European Championships (in 1996 and in 2004 respectively).

Conclusion

The Olympic soccer traditions of the Czech Republic, Slovakia and Poland are very rich. A lot of similarities between the three nations can be pointed out as far as their 20th century history and processes shaping the development of soccer are concerned (still some differences used to occur as well). Their representatives took part in the Olympic soccer rivalry in different epochs and the political, economical and social circumstances were often key factors influencing both participation as well as achieved results. The Olympic triumphs of the teams of Poland and of Czechoslovakia constitute important parts of sports legacies of the three societies and still remain in vivid memories of Polish, Czech and Slovakian fans.

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XIV

EL MOVIMIENTO DEPORTIVO YOLÍMPICO EN LA CATALuñA DE LOS AñOS VEINTE Y TREINTA DEL S. XXJOSEP SuñOL I GARRIGA: uN PERSONAJE CLAVE

Jordi Badia Perea

Universitat de Vic (Barcelona)

El objetivo de esta comunicación es describir el movimiento deportivo y olímpico de la Cataluña de los años veinte y treinta a través de la figura de Josep Suñol y Garriga, quien fue empresario, político, periodista y editor, y dirigente deportivo. Y ello a pesar de que Josep Suñol y Garriga no estuvo relacionado de manera directa con el movimiento olímpico catalán que optó a la organización de los Juegos Olímpicos de 1924 y 1936.

Josep Suñol fue un burgués de izquierdas, rico empresario industrial del sector azucarero y de comercio de productos coloniales, periodista i propietario-fundador del semanario popular La Rambla, diputado por Esquerra Republicana de Catalunya en las Cortes españolas en 1931, 1933 i 1936, y hombre del deporte y del fútbol: fue directivo y presidente de la Federación Catalana de Futbol, del Automóvil Club de Cataluña y del FC Barcelona. Por su popularidad y capacidad de influencia social, fue un personaje que hoy calificaríamos de “mediático”.

Nació en Barcelona el 21 de julio de 1898. Murió el 6 de agosto de 1936, en un punto indeterminado de la carretera de Madrid a la Coruña, quizás fuese en el quilómetro 52, en pleno ascenso al Alto del León, en la sierra de Guadarrama. Suñol fue asesinado por un comando de las tropas franquistas al inicio de la Guerra Civil española, en el frente de Madrid. Las circunstancias exactas de su muerte no han llegado a esclarecerse nunca. Los testimonios son escasos y poco fiables. La primera confirmación de su

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muerte llegó cinco días después de producirse, en una noticia publicada por el periódico El Adelantado de Segovia que recogía el testimonio de un teniente del ejército sublevado el cual afirmaba haber estado presente en el lugar del fusilamiento y haber presenciado los hechos que relataba con sumo detalle.

Suñol había viajado a Madrid en misión oficial, en calidad de emisario del Gobierno catalán para el Gobierno de la República. Le acompañaba un periodista de su semanario La Rambla. Esto ha dado pie a suponer que se acercaron a visitar el frente con el objetivo de realizar un reportaje periodístico. Iba acompañado de dos personas más, un chofer y un militar republicano. Sus restos no han sido nunca encontrados, a pesar de algunos intentos de rastrear la zona con sofisticados aparatos de detección.

A su muerte, le siguieron 60 años de silencio oficial. Ninguna institución a las que estuvo vinculado se preocupó de mantener vivo su recuerdo, a tal extremo, que su memoria estuvo a punto de desaparecer. Durante muchos años, Josep Suñol fue un nombre en medio de una lista de presidentes del FC Barcelona o una nota erudita a pie de página en una obra de historia del periodismo deportivo, del deporte catalán o el FC Barcelona, y poco más.

El ideario de Suñol se resume en el lema que popularizó y que formaba parte de la cabecera de su periódico La Rambla: “Deporte y ciudadanía”. La idea fuerza contenida en este lema es educar a los ciudadanos a través de los valores del deporte. Surgía del debate que hubo en Cataluña, heredado de los movimientos democráticos europeos de las primeras décadas del siglo XX, sobre la necesidad de fomentar la práctica deportiva entre las clases populares, y como instrumento para la regeneración democrática. España estuvo sometida a la Dictadura de Miguel Primo de Rivera desde 1923 a 1930.

Contexto

Antes de seguir avanzando en la figura de Suñol, conviene dar algunas notas para situar al personaje en el contexto periodístico y deportivo de la Cataluña de los años veinte y treinta. Nos servirá para entender su propuesta y su importancia.

Suñol se inició en el deporte a mediados de los años veinte, como directivo del FC Barcelona en la Federación Catalana de Futbol y, casi

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simultáneamente, también como comentarista deportivo de prensa. Durante sus diez años de vida pública, compaginó el periodismo – en calidad de columnista y propietario de un periódico – con la de dirigente deportivo y diputado en las Cortes españolas. Para él, el deporte, la política y el periodismo tenían un valor instrumental: su objetivo era la democracia, la república y la justicia social.

En los años veinte, España estaba sometida a la dictadura de Miguel Primo de Rivera. Impuso un régimen de censura en prensa muy severo, aunque no tanto como el que sucedió durante la dictadura del general Francisco Franco (1936–1975). La censura afectó, en mayor medida, al periodismo político. Ello provocó que las mejores plumas y los mayores esfuerzos se desplazaran a las informaciones deportivas y culturales.

El periodismo deportivo catalán, como han demostrado los historia-dores Carles Santacana y Xavier Pujadas, experimentó un proceso de crecimiento y modernización singulares. Cuatro características identifican la prensa deportiva catalana y en catalán en la década de los años veinte del siglo XX:

• La aparición del periodista especializado en alguna disciplina deportiva y de un periodismo con ambición literaria.

• La prensa satírica. El producto más elaborado y de más éxito fue El Xut! Contribuyó a crear un complejo deportivo y mediático y un imaginario colectivo, que en algunos casos todavía perdura: la imagen de l’Avi como figura representativa del socio del FC Barcelona nació en las viñetas de El Xut!, al igual que muchos giros lingüísticos en uso actualmente se gestaron en sus crónicas deportivas.

• El fotoperiodismo.• Y la prensa de carácter patriótico, genuinamente catalana que

impulso un discurso reivindicativo del deporte amateur, democratizado, popular y nacional. Desde 1922 hasta 1936, se publicaron cabeceras como La Raça, L’Esport català, La nau dels esports y La Rambla; Josep Suñol i Garriga estuvo directamente vinculado a estas dos últimas.

De la misma manera que la dictadura primoriverista fue un acicate para el periodismo deportivo catalán, también el florecimiento de esta prensa de carácter patriótico se explica, al menos en una parte, por el contexto político español. De hecho, el movimiento deportivo y olímpico

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catalán no puede entenderse sin referirse a la situación política española y al encaje de Cataluña en el Estado español.

El deporte de raíces anglosajonas entró en Cataluña a finales del siglo XIX. Como en toda España, los puertos de entrada fueron:

• Las colonias de trabajadores ingleses y centroeuropeos,• El personal diplomático destinado a las capitales del Estado,

embajadores y cónsules• Y los comerciantes y los estudiantes autóctonos que volvían de

sus viajes fascinados por la nueva moda de entretenimiento de la burguesía europea y, en muchos casos, con todos los utensilios necesarios para practicarlo; un ejemplo de este último caso explica por qué el Palamós es el club de futbol más antiguo de Cataluña.

Geográficamente, también fueron tres los focos de penetración, y siempre en poblaciones cercanas a la costa:

• El triángulo industrial Barcelona – Sabadell / Terrassa – Mataró,• El polo comercial Tarragona – Reus• Y el triángulo, muy ligado a la industria del corcho, Figueres –

Girona – Palamós.Las vías de penetración y expansión del deporte son similares en

toda España y no difieren, salvo matices, del proceso que se vivió en toda Europa a partir de la segunda mitad del siglo XIX.

Si embargo, en Cataluña actuó un factor multiplicador propio. Para la burguesía industrial catalana y los partidos catalanistas, el deporte fue adoptado, en primer lugar, como señal de modernización social; practicar deporte era una actitud moderna. Y, en segundo lugar, como elemento que servía, a la vez, para reafirmar la vocación europea de Cataluña y para distinguirse de una España que venía de perder sus últimas colonias en América y que había entrado en proceso de decadencia moral y económica; el deporte se observaba como un factor regenerador.

Con todo este bagaje se llegó a los años veinte. Durante la segunda década del siglo XX, el deporte se consolidó en Cataluña. Y, durante la tercera década, el deporte se masificó y se democratizó, en el sentido que dejó de ser una actividad reservada a las élites burguesas. Las clases populares y las mujeres accedieron a la práctica deportiva. Las instalaciones deportivas se multiplicaron; de esos años datan la construcción de las primeras piscinas,

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pistas de atletismo, velódromos y estadios de futbol con capacidades superiores a los veinte mil espectadores. Y el gobierno catalán elaboró una ponencia para incorporar la educación física en el currículum académico.

Cataluña y los Juegos Olímpicos

La vinculación de Cataluña con el deporte y el olimpismo tiene raíces profundas. Los primeros Juegos Olímpicos de la era moderna se celebraron en Atenas en 1896. En Cataluña, aquellos juegos pasaron desapercibidos completamente, aunque algunos medios de comunicación sí que informaron de la cita, aunque fuese brevemente. En los siguientes, en París 1900, un equipo de remeros catalanes participó con poco éxito. No se puede decir que el olimpismo existiese en Cataluña en aquellos años.

Para poder hablar propiamente de movimiento olímpico catalán, debemos esperar a principios de la segunda década del siglo XX y, ahora sí, el movimiento arranca con fuerza y muy ligado al empeño de dos prototipos del sportman de aquellos tiempos, personajes que aunaban la práctica deportiva en distintas disciplinas y el apostolado del deporte a través de su trabajo como periodistas. Estos dos personajes son Josep Elías Juncosa y Narcís Masferrer.

Ellos dos empezaron, a partir de 1911, una campaña para organizar un olimpismo catalán que debía concluir con la celebración de unos Juegos Olímpicos en Barcelona, que sirviese para demostrar que Cataluña era un país moderno conectado con el resto de Europa, con una población sana y físicamente fuerte.

El primer obstáculo con el que se encontraron fue de índole política. Se articuló un Comité Olímpico Catalán que pretendía ser reconocido de la misma manera que lo habían sido naciones sin estado de aquella época como Finlandia, Bohemia o Hungría. El COC no fue aprobado por el Comité Olímpico Español y, en consecuencia, no fue reconocido por el Comité Olímpico Internacional, aunque no por ello resultó menos activo y menos determinado a obtener para Barcelona la organización de unos Juegos.

Los primeros Juegos Olímpicos celebrados después de la Primera Guerra Mundial, fueron los de Amberes en 1920. En aquellos Juegos, 18 deportistas catalanes formaron parte de la delegación española, con un total

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de 64 representantes. Los resultados fueron muy discretos, a excepción de las medallas de plata conseguidas por las selecciones de futbol y polo.

Sin embargo, lo más destacado de aquellos juegos es que el Comité Olímpico Catalán presentó oficialmente la candidatura de Barcelona para los Juegos de 1924, con el consiguiente enfado del Comité Olímpico Español y su presidente el marqués de Villamejor. El COC había ido a Amberes con una delegación muy potente, encabezada por el presidente del FC Barcelona, el suizo Joan Gamper, y con el periodista Elias i Juncosa, con buena relación personal con el barón Pierre de Coubertain, en sus filas, y con el apoyo tanto del gobierno regional catalán como del gobierno español. El presidente del Comité Olímpico Español desconocía este apoyo y mostró su disconformidad.

No obstante, no fue esta la razón por la cual les Juegos Olímpicos de 1924 no se celebraron en Barcelona. Hubo dos factores que influyeron negativamente:

• Barcelona vinculó su celebración a la Exposición Universal, dedicada a las industrias eléctricas. Esta fórmula no había funcionado en las ediciones anteriores y, por ello, el COI pretendía separar ambos acontecimientos con el objetivo de dar autonomía a la competición deportiva y singularizarla.

• Y porque el barón de Coubertain quiso que en el treinta aniversario de la constitución del movimiento olímpico internacional, en el Congreso de la Sorbona del año 1894, los Juegos se celebrasen en París.

Aunque menos importante, el enfrentamiento con el COE no jugó, evidentemente a favor de la candidatura catalana.

Los siguientes Juegos se celebraron en Ámsterdam, los de 1928, y en Los Ángeles los de 1932. Ambas ciudades habían competido con Barcelona en 1924.

La dictadura de Primo de Rivera

La instauración de la dictadura del general Primo de Rivera en 1923, rompió la dinámica olímpica catalana. Sin embargo, reforzó el espíritu deportivo de la sociedad catalana en el sentido primigenio, como hecho diferencial respecto del resto de España. El deporte remachaba la identidad

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nacional de Cataluña, la convertía en un país moderno y de vocación europea.Durante los años veinte del siglo pasado, tuvo lugar en Cataluña un

debate apasionado sobre el valor social del deporte como factor educativo de la ciudadanía. El punto de arranque se inició con el advenimiento de la dictadura y sus medidas en contra de la lengua y los símbolos catalanes y la supresión de una incipiente autonomía administrativa. Para las fuerzas catalanistas, aquella hostilidad de quien había sido capitán general de Cataluña y, por lo tanto, conocedor de los sentimientos particulares de los catalanes, certificaba el error y el fracaso de la vía de colaboración impulsada por la burguesía industrial catalana y las fuerzas políticas conservadoras.

El catalanismo buscó referentes en el extranjero. El Sinn Fein irlandés fue uno de ellos. Se creó un movimiento de lucha armada que intentó una insurrección militar abortada casi sin empezar y con su cabecilla, Francesc Macià, militar de profesión, condenado y exiliado. Otro movimiento con gran repercusión entre las fuerzas catalanis-tas fue el de los sokoles checoslovacos, fundados en 1862. Se dirigían a la juventud checoslovaca. En un primer momento, se trataba de centros de gimnasia, aunque muy pronto se tornaron en ateneos en donde además del culto al cuerpo se realizaban lecturas y discusiones de carácter patriótico. El objetivo era educar a la juventud físicamente, moralmente e intelectualmente.

Este movimiento checo fue estudiado y analizado profusamente por las fuerzas catalanistas. Se consideraba que aquellos sokoles habían sido la base social para conseguir la independencia en 1918. En un libro publicado en catalán en 1932, con el título L’exemple de Txecoslovàquia. Els Sòkols. La lluita per la independencia (“El ejemplo de Checoslovaquia. Los Sokoles. La lucha por la independencia”, Josep María Batista i Roca, una de las personalidades más activas del catalanismo político de aquellos años, dijo:

De esta manera la educación física juega un doble papel importante. Por un lado se trata de adquirir cualidades morales que vienen a ser el fruto directo de los ejercicios físicos, como el dominio de si mismo, el endurecimiento, el coraje, el amor por el trabajo, la tenacidad y la regularidad en el esfuerzo. Por otro lado, se trata de cumplir ciertas obligaciones morales estrechamente ligadas con los ejercicios físicos; de las cuales, la gimnasia bien practicada puede asegurar la plena

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realización. Son, per ejemplo, la sobriedad, la modestia, el desinterés, la disciplina de uno mismo, la puntualidad, el buen humor constante, el deseo de mejora, el espíritu de disciplina, el amor al prójimo.

Y es en este momento cuando entra en acción Josep Suñol y Garriga. El lema de su semanario La Rambla de “Esport i ciutadania” (Deporte y ciudadanía), encunado a principios de los años treinta, resume perfectamente su ideario social.

En un artículo publicado en La Rambla el 23 de junio de 1930 con el título [traduzco del catalán] “El deporte, propaganda nacional”, el periodista Xavier Regàs se preguntava:

¿Cuantas veces no se ha pedido en artículos o se ha exigido en conferencias que nuestra juventud, si quiere que la patria vaya bien, debe de abandonar los estadios y llenar las salas desiertas de las bibliotecas? Este tópico ha hecho fortuna, a juzgar por las veces que lo hemos visto reproducido, pero nadie no se ha percatado de su ineficacia. Si las juventudes se obstinan en ir a los estadios, no sacaremos nada de desgañitarnos diciéndoles desde otros lugares que no deben ir allí. Lo que hemos de hacer, si queremos hacer un trabajo positivo, es ir a predicar en el mismo estadio y hablar un lenguaje deportivo y hacerles comprender que el deporte puede y debe servir ampliamente para construir la Patria.

No era una visión unánimemente defendida por la intelectualidad catalana, al contrario. A finales de los años veinte, se generó una fuerte polémica desarrollada a través de la prensa y en conferencias y debates públicos. La discusión se polarizó entre educar el carácter o cultivar la inteligencia, como si fuesen antagonistas. De aquel debate surgieron iniciativas como la asociación Palestra y el programa de la Obra de Educación Física Popular. Figuras destacadas del mundo de la cultura y la política catalanas formaron parte de ellas.

Y también Josep Suñol. Él creía en todas las iniciativas que fuesen en la dirección que estimaba como correcta, todas eran bienvenidas y debían apoyarlas. Firmó el manifiesto fundacional de Palestra y saludó el embrión

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de instituto de educación física desde su semanario. Suñol era un hombre de consenso. Aunó deporte y ciudadanía, de la misma manera que unió las dos vías ensayadas por el catalanismo político: la de Francesc Macià y la checoslovaca.

No fue el único dirigente en creer en la capacidad de Macià, pero casi. Después del intento frustrado de insurrección militar desde territorio francés, Macià vivió exiliado en Bruselas. Era un hombre mayor: había nacido en 1859, su partido político Estat Català carecía de base social y su prestigio entre la clase política y la intelectualidad catalana era más bien escaso: lo tenían por un viejo loco, el caudillo del ridículo alzamiento de Prats de Molló, al que popularmente se llamaba como l’Avi (el Abuelo).

Sin embargo, Suñol creyó en él casi desde el primer día. Veía en él, al Tomás Masaryk catalán, el filósofo y político checo que en una edad parecida lideró su país hacia la independencia. Suñol no se cansó de pedir su indulto y puso su periódico al servicio de Macià para que este se dirigiera a los catalanes desde el exilio. Cuando al final fue indultado, fue a buscarlo a la frontera, a pesar de que su partido lo había descartado. En las elecciones municipales de 1931, las que desembocaron en la proclamación de la República española, Francesc Macià se erigió en el vencedor absoluto y ello lo condujo a ser proclamado Presidente de la Generalitat de Catalunya, el gobierno autónomo catalán.

La Olimpíada Popular

Todo ese movimiento, el espíritu olímpico y la voluntad de educar a través de los valores deportivos, se mantuvo vivo durante los años veinte a pesar de la decepción por la no concesión de los Juegos de 1924 y la ruptura y el paréntesis a que obligó la dictadura de Primo de Rivera. Y a principios de los años treinta, rebrotó con fuerza y entusiasmo.

En el año 1931, Barcelona volvió a pedir la organización de unos Juegos Olímpicos, concretamente, los de 1936. Tampoco los obtuvo. Esa vez, le fueron concedidos a Berlín. A diferencia de 1924, el movimiento olímpico catalán tuvo esta vez el apoyo del COE. Por una parte, fue un acercamiento buscado a través de la Confederación Deportiva de Catalunya, un organismo fundado en 1922 para coordinar el trabajo de las distintas federaciones, del cual fue nombrado vicepresidente el barón de Güell, personaje catalán muy influente,

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que en esa época era el delegado de España en el COI. Pero, por otra parte, porque con el advenimiento de la dictadura el movimiento olímpico catalán quedó diluido dentro del COE el cual tomó la iniciativa olímpica en España. Con su beneplácito, en el año 1927 el Ayuntamiento de Barcelona presentó oficialmente la candidatura de la ciudad a los Juegos Olímpicos de 1936. Una vez más, Barcelona vinculó el proyecto con la Exposición Internacional de 1929, aunque separando uno y otro acontecimiento. En el recinto ferial de la montaña de Montjuïc se construyó el Estadio, olímpico desde 1992, y el día de su inauguración, el 20 de mayo de 1929, contó con la presencia del Rey Alfonso XII y del conde Baillet-Latour, que havia sucedido a Coubertain en el COI.

Entre el 24 i el 27 de abril de 1931, se celebró en Barcelona la sesión del COI que escogió Berlín como sede de los Juegos de 1936. Esta vez, en contra de la candidatura barcelonesa influyó que diez días antes, el 14 de abril de 1931, se proclamase en España la Segunda República. Como señalan los historiadores Santacana y Pujadas, los rumores de inestabilidad política que siguieron al cambio de régimen y las pocas simpatías republicanas de los aristocráticos miembros de los organismos olímpicos fueron decisivos; el propio barón de Güell, uno de los principales valedores de Barcelona, no podía seguir apoyando la ciudad catalana en el nuevo escenario político que había obligado al Rey Alfonso XIII a exiliarse fuera de España. Sin embargo, Barcelona tuvo aún una nueva oportunidad. En 1933, Adolf Hitler llegó al gobierno de Alemania. La deriva nazi y el boicot internacional en contra de los Juegos Olímpicos de la Alemania nazi hizo que el COI se plantease revocar la concesión. Barcelona restó a la expectativa y albergó nuevas esperanzas.

Finalmente, el COI decidió mantener los Juegos en Berlín.Entonces, Barcelona recogió el espíritu contrario a los Juegos en la

Alemania de Hitler y con el apoyo de la Generalitat de Cataluña y diversas entidades deportivas internacionales, programó una Olimpíada Popular, como alternativa a la cita berlinesa. Tenía que empezar el 19 de julio de 1936 y terminar el 26 de julio. Se inscribieron en ella unos 6.000 atletas de 23 delegaciones distintas, de Estados Unidos, Francia, Suiza e Inglaterra entre ellas. Sin embargo, no llegaron a celebrar-se porque el día antes, el 18 de julio, estalló la Guerra Civil española.

El movimiento olímpico y deportivo catalán de regeneración democrática tuvieron un final tan trágico como el de Josep Suñol i Garriga,

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asesinado el 6 de agosto de 1936. Barcelona tuvo que esperar casi 60 años para poder albergar unos Juegos Olímpicos. Fue en 1992. Cuatro años más tarde, en 1996, la memoria de Josep Suñol i Garriga empezó a recuperarse con la publicación de un primer libro y con distintos actos de homenaje y reconocimiento organizados por el FC Barcelona.

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XV

FRANCISCO LázARO E A DATA DA FuNDAçãO DO COMITé OLÍMPICO

DE PORTuGALGustavo Pires

Faculdade de Motricidade Humana / Fórum Olímpico de Portugal

O presente ensaio tem por objetivo associar a primeira participação portuguesa nos Jogos Olímpicos (JO) da era moderna à fundação do Comité Olímpico Português (COP) patrocinada por um grupo de dirigentes amantes do desporto que, em 30 de abril de 1912, provocou uma rutura com a Socie-dade Promotora da Educação Physica Nacional (SPEPN)1 a fim de que seis jovens atletas, entre eles Francisco Lázaro, pudessem participar nos JO da Vª Olimpíada da era moderna.

A questão olímpica há muito que era tema de interesse entre os apa-niguados das atividades físicas e do desporto. A 15 de novembro de 1878 ti-nha sido editado em Lisboa o primeiro número da revista O Gymnasta, onde, num artigo intitulado “ Noticia Sobre a Historia da Gymnastica desde os Tem-pos Antigos até aos Nossos Dias”, assinado por C M Pereira, o autor escrevia escrevia:

Foi Hercules que, de volta da expedição a Argos reunindo os argonau-tas nas planicies da Elida, instituiu os jogos olympicos. Faziam-se estes jogos em um circo, em um estadio ou em outros logares destinados a este uso. Estes espectaculos (que assim lhes podemos chamar) foram consagrados a divindades, e nunca se principiavam sem previamente se offerecerem os sacrificios.2

Muito provavelmente, foi a primeira vez que, nos tempos modernos, entre nós, um jornal se referiu aos JO. A descrição continuou nos números

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seguintes. Contudo, ao contrário daquilo que acontecia noutros países, não foi feita qualquer alusão e ainda menos proposta para uma eventual edição nacional e moderna dos JO.

Em Portugal, os designados Jogos Olímpicos Nacionais (JON) só vie-ram a acontecer em 1910, sob os auspícios de D. Manuel II, com o objetivo de se apurar a equipa nacional que viria a participar nos JO de Estocolmo (1912). A este propósito, em 23 de junho de 1910, o Conde de Penha Garcia (1872-1940)3 escrevia a D. Manuel II:

Amanha e no domingo realizam-se os Jogos Olympicos no Velodromo. Há 77 concorrentes inscriptos e esperamos que alguns se mostrem ca-pazes de com o treino no ano próximo poderem ir representar em 1912 aos Jogos Olímpicos Internacionais a Stocolmo (…)4

Este é o primeiro indício de que as elites começavam a tomar consci-ência do que estava a acontecer fora de portas. E em boa hora, na medida em que toda a lógica da institucionalização do desporto moderno a partir do ar-ranque do Comité Olímpico Internacional (COI) em 1894 aconteceu no sen-tido de se promover a competição formal entre atletas de diferentes países. Na realidade, este foi um dos objetivos principais senão o objetivo principal idealizado por Pierre de Coubertin quando naquela data institucionalizou os JO da era moderna.

Em Portugal, o processo de institucionalização do COP tinha come-çado quando, a 20 de novembro de 1905, D. Carlos, Rei de Portugal, iniciou uma visita oficial a Paris. O Monarca acabou por ficar por Paris mais umas semanas, até 20 de dezembro, data em que regressou a Portugal.

Como D. Carlos era um assumido desportista, na sua estada em Paris, participou em diversas competições de tiro. Muito provavelmente, foi duran-te uma daquelas provas que D. Carlos foi contactado por Pierre de Coubertin, o qual, certamente, lhe solicitou que nomeasse alguém da sua confiança, a fim de, em Portugal, representar os interesses do COI. Esta era a forma ha-bitual de Coubertin atuar. Em conformidade, D. Carlos acabou por indicar a Pierre de Coubertin o nome do médico António Lancastre, certamente por este estar ligado à Assistência Nacional aos Tuberculosos.

À época, a generalidade das pessoas entendia que a educação física e

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o desporto, que para elas significavam praticamente a mesma coisa, eram ins-trumentos de promoção da saúde pela regeneração da raça, concretamente no combate ao flagelo da tuberculose. Assim sendo, D. Carlos indicou a Coubertin a pessoa que julgava mais competente para integrar o COI. O problema é que, muito embora as intenções do Rei fossem boas, ele estava completamente en-ganado. António Lancastre nunca tinha tido nem viria a ter quaisquer relações com o mundo da educação física e, menos ainda, com o do desporto. Contudo, António Lancastre, a 9 de junho de 1906, escreveu a Coubertin:

le Comité Olympique International dû á votre obligeance, tiendrait á m’élire representant au sein de votre honorable compagnie. Touché de votre bienveillance je m’emprèsse de porter á votre connaissence que j’acépte votre indication avec le plus grand plaisir, soucieux de appor-ter mon concour à votre oeuvre.5

Estava assim lançada pela mão de D. Carlos a semente daquilo que viria a ser a fundação do COP.

Em Portugal, o desejo de fazer renascer os JO através de uma edição nacional dos mesmos, ficou associado a alguns elementos da SPEFN única en-tidade que, em princípios do século XX, tinha por vocação coordenar a organi-zação da educação física no País, uma vez que o Estado, para além da Casa Real, estava completamente alheado das questões desportivas. Contudo, os Estatu-tos da SPEFN não expressavam, nem na letra nem no espírito, qualquer tipo de preocupação relativa ao Olimpismo e até mesmo ao desporto! O que se verifica é que a vocação da SPEFN estava fundamentalmente no domínio da saúde pelo que eram higienistas, tais como médicos, militares e professores de ginástica, os seus principais militantes. E eles tinham aversão ao desporto que, enquanto atividade popular que era, lhes destabilizava a ordem, a regra, a disciplina, a hierarquia e os procedimentos que advogavam através de métodos provenien-tes da Europa. A este respeito, em 1909, Duarte Rodrigues, diretor técnico da revista Tiro e Sport, manifestou-se contra um prestigiado higienista o Dr. G. Ennes que, no Diário de Notícias de 8 de setembro de 1909, escreveu um artigo com o elucidativo título: “Deve Proibir-se o Foot-ball?”6

Mas o desinteresse da SPEFN pelo desporto e a participação de uma equipa nacional nos JO de Estocolmo (2012) também se ficou a dever ao re-

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gime republicano instituído em 1910. O que aconteceu foi que, a 18-04-1911, a SPEFN foi convidada pelo Governo para elaborar um projeto de reforma do ensino ginástico.7 E a SPEFN, a 02-05-1911, entregou o projeto pedido na Di-reção-Geral de Instrução Secundária, Superior e Especial que, transformado em diploma legal, acabou por ser publicado no Diário da República a 29-05-1911. O diploma legal institucionalizava um curso de docentes de ginástica a ministrar em três anos. Quer dizer, em vésperas dos JO de Estocolmo, a SPEFN estava envolvida na organização da educação física em Portugal que, do ponto de vista dos médicos e dos professores de ginástica, tinha muito mais interesse do que a participação de meia dúzia de desportistas nos JO de Estocolmo.

Como, por um lado, aquilo que os professores de ginástica mais dese-javam era um estatuto profissional que lhes permitisse o ensino da ginástica e, por outro lado, aquilo que os apaniguados do desporto mais ambiciona-vam era a participação de uma equipa portuguesa nos JO de Estocolmo, a 30 de abril de 1912, a fim de organizar a Missão Olímpica portuguesa que have-ria de representar Portugal na Vª edição dos JO da era moderna, um grupo de amantes do desporto fundou o COP provocando no movimento desportivo uma mudança organizacional de paradigma que ainda hoje se repercute no sistema desportivo nacional.

Apesar de estas questões estarem há muito clarificadas, os dirigen-tes do COP têm insistido em comemorar o aniversário da instituição no dia 26 de outubro de 19098 – que é a data da fundação da SPEFN – sem que, alguma vez, tenham realizado um esforço minimamente sério para compre-enderem os factos e a dinâmica das ideias que configuraram os mundos da educação física e do desporto em Portugal em finais do século XIX princípios do século XX.

Esta posição dos dirigentes do COP é incompreensível e inaceitável. A verdadeira data da fundação do COP é uma data mítica e sagrada para o Olimpismo em Portugal pelo que devia ser respeitada. Não pode nem deve ser ignorada ou substituída por uma outra qualquer que, por mera conveni-ência de circunstância, possa ser considerada mais oportuna. As datas estão ligadas a pessoas e acontecimentos, à vida e à morte, são elas que dão sentido àquilo que os homens e, através deles, as organizações, vão fazendo ao lon-go dos tempos. Como referiu Duarte Rodrigues, a data da fundação do COP

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está intimamente ligada a uma odisseia portuguesa vivida por um grupo de jovens que, por vontade própria e da população portuguesa que o apoiou, ganhou o direito de, pela primeira vez na história de Portugal, representar o País nuns JO internacionais, um certame que, ao tempo, já era considerado como um dos mais espetaculares acontecimentos realizados à escala do Pla-neta. E Duarte Rodrigues escreveu:

A razão porque a realisação dos Jogos Olympicos Internacionaes que se veem de realisar na capital da Suecia fez despertar um movimento de attenção e curiosidade em todo o mundo culto onde a nobreza de caracter se engrandece com a capacidade physica, foi a mesma porque todo o mundo desportivo se emocionou quando o telegrapho transmit-tiu a dura noticia da morte de Lazaro.(…) foi a demonstração mais pura de que fazia desporto, essa que com-metteu deixando a Patria para ir ao Stadium de Stokolmo dizer que tambem havia em Portugal quem corresse a Marathona. E para não renegar o glorioso nome que justificadamente obteve na Marathona portugueza, para não dar uma pallida sombra de covardia, deixou-se morrer emballado nas ancias da victoria! (…) Isto basta para mais nos animarmos com os resultados da sympathi-ca obra do Comité Olympico Portuguez, e de preciosa lição servirá, cer-tamente, para aquelles que, sendo maldizentes ou ineptos, corruptos ou ignorantes, não entravem tanto a marcha da propaganda portugueza.9

A fundação do COP está perfeitamente identificada. Conforme cons-ta na edição do Os Sport Ilustrados de 4 de maio de 1912, aconteceu numa assembleia conjunta de elementos da Direção da SPEFN e dos delegados das coletividades desportivas. Depois, a 12 de maio de 1912, Mauperrin Santos na qualidade de presidente do COP escreveu uma carta em papel timbrado da SPEPN a Pierre de Coubertin onde informa da fundação do COP. Ao fazê-lo, em papel timbrado da SPEPN, Mauperrin Santos, na inexistência de qualquer organismo do Estado, conferia credibilidade institucional à fundação do COP perante o Comité Olímpico Internacional (COI).10

Entretanto, devido à 1ª Grande Guerra e aos conflitos políticos da Pri-meira República que se fizeram sentir fortemente no desporto, o COP, a par

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de outras organizações desportivas entre elas a própria SPEFN, deixou de ter condições de funcionamento. Consequentemente, entrou em hibernação até 1919 ano em que, segundo José Pontes, o Comandante Prestes Salgueiro, Go-vernador Civil de Lisboa e antigo atleta do Clube Internacional de Futebol, to-mou a iniciativa de organizar o Comité Olímpico para os Jogos Olímpicos de Anvers (1920). Entre os membros do COP renascido encontrava-se Francisco Nobre Guedes (1893-1969) que, a partir de 1924, viria a ser secretário-geral do COP e, a partir de 1957, seu presidente. Nobre Guedes, a 8 de fevereiro de 1963, portanto já na qualidade de presidente do COP, enviou um ofício dirigido a Otto Mayer chanceler do COI informando-o de que o COP havia comemorado o quinquagésimo aniversário em 1962. Para o efeito o COP tinha mandado fa-zer uma placa comemorativa (1912-1962) que lhe enviava. Diz o ofício:

En 1962 le Comité completera son cinquième anniversaire, et nous avons fait frapper une plaque comemorative que nous avons oferte aux Comités Olympique existant en 1912, de même qu’à plusieurs person-nes et entités, les quelles le Comité Olympique Portugais a en très haute considération. 11

Foi necessário chegar a 1979 para que a data da fundação do COP fosse posta em causa quando os dirigentes do COP pretenderam comemorar as bodas de diamante em 1984 considerando a data da fundação da SPEFN (1909+75=1984) como sendo a da fundação do COP. Ao tempo, Orlando Azi-nhais, funcionário superior da Direção-geral dos Desportos, alertou para o facto da verdadeira data da constituição do COP ter sido a de 30 de abril de 1912, como tinha sido noticiado pel’ Os Sports Ilustrados.12 Assim sendo, as bodas de diamante do COP só deviam ser realizadas em 1987 (1912+75= 1987) e não em 1984. Perante tamanho imbróglio, Fernando Machado, mem-bro da Comissão Executiva do COP (tesoureiro), em 2/12/1979 escreveu uma carta a Monique Berlioux diretora do COI onde, sem quaisquer expli-cações, solicitava a confirmação da data da fundação do COP. Dizia Fernando Machado que o registo do COP indicava o ano de 1909 mas não indicava o mês. A troca de correspondência entre Fernando Machado e Monique Ber-lioux não deixa dúvidas quanto à forma pouco séria com que a questão estava a ser tratada.13

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Entretanto, o jornalista Sequeira Andrade, conta ele próprio, ao re-alizar um trabalho sobre a morte de Francisco Lázaro, publicado no Diário de Notícias na edição de 14 de julho de 1984, intitulado “Aconteceu em Es-tocolmo há 72 Anos – A Tragédia de Francisco Lázaro na Estreia Olímpica de Portugal”, começou a perceber que as datas não batiam certo pelo que, acerca do tema, publicou na Revista Atletismo vários artigos onde escalpe-lizou a situação. Já nos anos noventa Carlos Cardoso14, dirigente desportivo, na edição de 3/4/1994 do jornal A Bola, publicou em grandes parangonas: “COP Festeja Aniversário em Data Errada”. Apesar de tudo indicar que havia um erro de datação, os dirigentes do COP mantiveram a posição e na mais profunda sobranceria e ignorância, felizmente na ausência do Presidente da República, comemoraram o centésimo aniversário do COP em 2009 quando só o deviam fazer em 2012.

Os JO de Estocolmo (1912) eram, aos olhos do mundo, o maior acon-tecimento dos últimos tempos onde as nações, de uma forma pacífica, iam medir forças. Eram vistos como um processo de rejuvenescimento das raças pelo qual todo o homem moderno se devia interessar. Na perspetiva de Duarte Rodrigues não eram um mero certame desportivo mas um pretexto poderoso para cada povo, cada raça, poder mostrar o quilate physico e moral de que se deve exortar perante a civilisação e o progresso.15 E a 31 de julho de 1912, portanto, depois da tragédia que foi a morte de Francisco Lázaro, Duarte Ro-drigues, fez o balanço da situação no que diz respeito ao MO no País e disse:

O nosso Comité Olympico, de recente constituição, contra o que seria de esperar, encontrou fartas difficuldades a vencer para levar a cabo a sua espinhosa e algo ingrata missão que a assembleia magna de clubs lhe confiou. Vieram do proprio meio desportivo os maiores embargos ao trabalho produzido carinhosamente por um grupo de dedicados, não obstante a auctoridade e o prestigio de todos os seus membros. (…)Foi o Comité Olympico quem, a despeito de tudo que se lhe fez, con-seguiu, pela sua auctoridade moral e pelo seu saber technico, indis-cutivelmente acima de tudo, levar além das fronteiras, aos confins da Europa, uma équipe nacional a testemunhar a sympathia de Portugal

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pelos grandes movimentos desportivos, que o mesmo é dizer positiva-mente que somos europeus.16

Mas Duarte Rodrigues também responsabilizava o Governo:

… os nossos governos se não interessassem por este importante as-sumpto, mesmo depois de se ver a approvação de creditos especiaes em paizes cujos usos e costumes tanto pretendemos imitar, não é para estranhar, se bem que não deva ser essa a orientação governativa.17

De facto, o Governo não se interessou ou sequer avançou com um pequeno subsídio para suportar os custos da Missão Olímpica. Em conformi-dade, no dia 26 de junho, a jovem equipa acabou por partir para Estocolmo no paquete Astúrias exclusivamente com os apoios de algumas pessoas e os esforços do recém-criado COP. E o povo de Lisboa acorreu ao Cais das Colu-nas a despedir-se daqueles que já eram heróis. Eram eles: António Pereira topógrafo-desenhador; António Stromp, estudante de medicina; Armando Cortesão, finalista do Instituto Superior de Agronomia; Fernando Correia, funcionário superior do Montepio Geral; Francisco Lázaro, operário de car-pintaria; Joaquim Vital, empregado do comércio. Fernando Correia era o che-fe de Missão e Joaquim Vital o massagista.

Depois de passar por Londres e Copenhaga, a equipa chegou extenu-ada ao destino, eram dez horas da manhã do dia 2 de julho.18

Os resultados desportivos conseguidos pela equipa portuguesa em Estocolmo foram de qualidade e a mostrarem que, com apoios, treino e pre-paração, os portugueses podiam ombrear ao lado dos melhores do mundo. Como refere Duarte Rodrigues29 perante o contingente de atletas inscritos em Estocolmo, só por egoísmo tolo os portugueses poderiam almejar grandes vi-tórias para o País quando se sabia que os atletas portugueses iam competir com atletas provenientes de países como os EUA ou Inglaterra habituados a torneios internacionais, preparados com tempo e método, quer dizer, países essencialmente desportivos. Contudo, para Duarte Rodrigues, a participação portuguesa foi merecedora de uma parcela de glória tributada aos vencedores, porque vencedores são todos aqueles que conseguem uma classificação por pequena que seja num certame como os JO. Para além do mais, dizemos nós,

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a máxima de Coubertin, mais importante do que vencer é competir, se hoje ainda tem razão de ser, ao tempo, muito mais razão tinha. E Duarte Rodrigues conclui fazendo o balanço da participação portuguesa: Armando Cortesão teve uma atuação brilhante, honrou Portugal porque se soube bater com denodo ao lado dos maiores campeões tendo obtido uma boa classificação nas meias-finais dos 800 metros. António Pereira também teve uma atuação excelente. Só foi posto fora de combate por uma decisão a todos títulos facciosa por parte do juiz. Fernando Correia na esgrima também obteve uma classificação honrosa. Infelizmente, concluiu Duarte Rodrigues, a fatalidade entrou connosco levan-do a vida do desditoso e valente Francisco Lázaro.

A corrida da Maratona estava aprazada para o dia 14 de julho de 1912. A partida foi dada às onze e meia da manhã debaixo de um calor su-focante. Trinta e dois graus à sombra. Reza a história que, antes da parti-da, Lázaro afirmou solenemente a Fernando Correia: Ou ganho ou morro. Depois, em plena prova da Maratona, abateu-se a tragédia sobre a equipa nacional presente em Estocolmo. Francisco Lázaro, que todos esperavam que pudesse conseguir um lugar de honra entre os primeiros, ao quilómetro 30 desfaleceu, cambaleou, caiu, levantou-se e voltou a cair, para não mais se levantar. E, enquanto os colegas da equipa nacional olímpica, que acompa-nhavam a corrida a fim de o apoiarem, viviam o desespero de não o verem chegar ao estádio, já Lázaro, na maior das agonias, era conduzido ao Hospital Serafina. Acabou por falecer no dia seguinte, às 6 horas da manhã de 15 de julho de 1912, com apenas 23 anos de idade. Com a sua morte, consumou-se a maior tragédia até então vivida numa edição dos JO da era moderna. O desporto nacional e o País estavam de luto.

O corpo de Lázaro chegou a Portugal no dia 23 de setembro a bordo do navio Vendsysset. O ambiente em Lisboa estava ao rubro na emotividade da frustração dos portugueses. Ao morrer jovem em pleno combate, Francis-co Lázaro, no regresso à pátria amada, já morto, interpretou o papel trágico do grande herói grego. Como referiu Romeu Correia, Lázaro era visto como o soldado grego que, há vinte cinco séculos, correu de Maratona a Atenas a fim de anunciar a vitória sobre os persas.20 No dia seguinte, uma enorme multi-dão de lisboetas e entidades do desporto e da política nacional, acompanhou em procissão o funeral até à última morada que Francisco Lázaro havia de ocupar no cemitério de Benfica.

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Perante os acontecimentos e os factos que marcaram os anos glo-riosos do arranque do desporto em Portugal, o que se espera é que os fu-turos dirigentes desportivos nacionais saibam honrar a memória de Penha Garcia, Jayme Mauperrin Santos, Antonio Lancastre, Carlos Bleck, Manuel Egreja, José Pontes, Armando Machado, Duarte Rodrigues, Anibal Pinheiro, Antonio Osorio, Alvaro de Lacerda, Fernando Correia, Sá e Oliveira, Guilher-me Pinto Bastos, Pinto de Miranda, Daniel Queiroz dos Santos, José Manuel da Cunha e Meneses, Pedro Del Negro que, a 30 de abril de 1912, fundaram o Comité Olímpico Português que se encarregou de criar as condições para que um grupo de seis jovens portugueses, António Pereira, António Stromp, Armando Cortesão, Fernando Correia, Francisco Lázaro e Joaquim Vital, pela primeira vez, representassem Portugal numa edição dos JO da era moderna.

A eles se ficou a dever a fundação do Comité Olímpico Português em 30 de abril de 1912.

Fontes manuscritas Correspondência entre o Conde de Penha Garcia e o Rei D. Manuel II, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa.

Principais fontes impressas, publicações periódicasO Gymnasta, Lisboa.Os Sports Ilustrados, Lisboa, (suplemento de O Século).Review Olympique.Swedish Olympic Committee. The official Report of the Olympic Games of Stockolm. Stockholm: Edited by Erik Bergvall, vol.1, vol. 2Tiro Civil, Lisboa.Tiro e Sport, Lisboa.

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Notas de fim de texto1. A partir de agora passaremos a utiliza o acrónimo atualizado: SPEFN (Sociedade Promo-tora de Educação Física Nacional)2. O Gymnasta, 15/11/1878.3. Penha Garcia foi certamente o primeiro dirigente desportivo português com um verda-deiro sentido estratégico acerca do desenvolvimento do desporto em Portugal. Foi um dos fundadores União Velocipédica Portuguesa bem como do Centro Nacional de Esgrima, da Federação Portuguesa de Esgrima e da Sociedade Promotora de Educação Física Nacional Portugal da qual foi o seu primeiro presidente.4. Direcção-Geral de Arquivos / Torre do Tombo (Lisboa), Cartório da Casa Real, Caixa 7431

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5. Centro de Estudos Olímpicos do COI em Lausanne. Ou, em alternativa, em: www.forumolimpico.org.6. Tiro e Sport, 30/09/1909.7. A Educação Physica em Portugal - Parecer collectivo da Sociedade Promotora da Edu-cação Physica Nacional – Relatório que precede um projeto de offerecido ao Governo Provisório da República pela SPEPN”. In: Tiro e Sport, 31/5/1911. 8. Esta data está indicada a páginas 225 do livro de José Pontes intitulado “Quase um Século de Desporto” editado em 1934. Está também indicada a páginas 131 no livro do Comité Olímpico Português intitulado “ O Comité Internacional Olímpico, O Comité Olímpico Português e os Jogos Olímpicos Modernos” editado em 1942 pelo próprio Comité Olímpi-co Português. Este livro como se pode perceber pelo seu estilo foi escrito por José Pontes. Se quaisquer dúvidas existissem elas seriam desfeitas pela correspondência trocada entre José Pontes e o Presidente interino do Comité Olímpico Internacional Sigfried Edstorm durante a Grande Guerra de 1939-45 em que José Pontes, com a vaidade que lhe era habi-tual, informou o sucessor de Baillet-Latour ser o autor do livro. A referida correspondência pode ser consultada no Centre d’Etudes Olympiques de Lausanne.9. Tiro e Sport, 31/7/1912.10. A edição d’ Os Sport Ilustrados de 4 de maio de 1912, bem como a carta de Mauperrin Santos dirigida a Pierre de Coubertin podem ser consultadas respetivamente na Biblioteca Nacional e no Centro de Estudos Olímpicos do COI em Lausanne. Ou, em alternativa, em: www.forumolimpico.org.11. Este ofício pode ser consultado no Centro de Estudos Olímpicos do COI em Lausanne. Ou, em alternativa, em: www.forumolimpico.org.12. Relatório da IIIª sessão Anual da Academia Olímpica, 1990. Orlando Azinhais foi atleta olímpico (Roma, esgrima), funcionário Superior da Direção-geral dos Desportos e respon-sável pela institucionalização do Museu do Desporto.13. Os ofícios trocados entre Fernando Machado e Monique Berlioux podem ser consulta-dos no Centro de Estudos Olímpicos do COI em Lausanne. Ou, em alternativa, em: www.forumolimpico.org.14. Carlos Cardoso tem sido um dos investigadores que mais se tem dedicado ao estudo do MO em Portugal. No seu Livro “100 Anos de Olimpismo em Portugal” explica a páginas 15 que “teve o pássaro na mão e deixou-o voar”, porque em 1976 teve o Sport Ilustrado de 4 de maio na mão e não deu pelo problema da fundação do COP. Nem podia dar porque em 1976 o pro-blema não existia. Em 1976 a verdadeira data de 30 de abril de 1912 como a data da fundação do COP era respeitada. A data só deixou de ser respeitada a partir de 1979 quando se come-çaram os preparativos para a comemoração do septuagésimo quinto aniversário da instituição.15. Tiro e Sport, 31/7/1912.16. Tiro e Sport, 31/7/1912.17. Tiro e Sport, 31/7/1912.18. A revista Tiro e Sport de 31 de julho de 1912 tem uma extensa entrevista com o chefe de Missão, Fernando Correia que relata com todos os pormenores da odisseia portuguesa.19. Tiro e Sport, 31/7/1912.20. Correia, 1988, p. 105.

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XVI

A pArtIcIpAção de portugAlnos Jogos olímpIcos:

de 1912 às perspetIVAs pArA 2012Rita Nunes

Instituto de História Contemporânea – Universidade Nova de Lisboa

O presente trabalho visa evocar a participação e os êxitos alcança-dos pelos atletas portugueses nas diversas edições dos Jogos Olímpicos, Jo-gos Olímpicos da Juventude e Jogos Paralímpicos, assim como perspectivar a participação de Portugal nos Jogos da XXX Olimpíada e da XIV Paralimpíada.

Jogos Olímpicos

A criação dos Jogos Olímpicos da Era Moderna ocorreu em 1896, na cidade grega de Atenas, no entanto Portugal apenas inicia a sua participação na V edição dos Jogos Olímpicos, ou seja, há precisamente 100 anos.

Foi em 1912 que Portugal se fez representar pela primeira vez nos Jogos Olímpicos (de verão). A delegação portuguesa foi constituída por seis atletas nas modalidades de Atletismo, Esgrima e Luta Greco-Romana. Esta foi uma participação modesta e tragicamente marcada pela morte de Fran-cisco Lázaro que colapsou no decorrer da prova de Maratona.

Desde essa data Portugal participou em todas as vinte e duas edi-ções realizadas, tendo alcançado até aos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, um total de vinte e duas medalhas: quatro de Ouro, sete de Prata e onze de Bronze.

Pode dizer-se que a participação de Portugal no que diz respeito ao número de atletas não tem tido uma evolução gradual ou com uma tendên-cia de crescimento. O número de atletas tem variado muito consoante as

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datas e vários são os factores que têm influenciado essa situação: questões políticas, financeiras e até mesmo boicotes podem ser dadas como exemplo.

Sabe-se no entanto que nas últimas edições, com um planeamen-to mais estruturado, todos os atletas que têm conseguido obter os apura-mentos estabelecidos pelas respectivas federações internacionais têm sido apoiados e integrados nas delegações portuguesas.

Relativamente ao número de modalidades em que Portugal tem par-ticipado, verifica-se que a maior participação ocorreu nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996, com dezoito modalidades presentes, seguida dos Jogos de Barcelona 1992 e Pequim 2008 com dezasseis.

As maiores participações nacionais ocorreram nos Jogos Olímpicos de Barcelona 1992 e Atlanta 1996, onde Portugal se fez representar por 100 e 106 atletas respectivamente. Estas foram as únicas edições em que Portugal se deslocou com uma comitiva com número igual ou superior a 100 atletas.

Apesar de terem sido as participações mais numerosas, as mesmas não corresponderam a uma melhor prestação desportiva, no que concerne ao número de medalhas alcançadas.

De referir ainda que apesar das espectativas extremamente eleva-das para a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992 (destaca-se entre outros aspectos a conquista de duas medalhas de ouro nas últimas duas edições, o facto da comitiva ser a maior de sempre até então, os Jogos realizarem-se no país vizinho, permitindo um bom apoio de espectadores portugueses e a presença do Hóquei em Patins como mo-dalidade de demonstração no programa dos Jogos), Portugal regressou de Barcelona sem medalhas.

Relativamente ao número máximo de medalhas conquistadas, Por-tugal conseguiu nos Jogos Olímpicos de Los Angeles 1984 e, precisamente vinte anos depois, nos Jogos de Atenas 2004, regressar a casa com três me-dalhas. Estas são assim consideradas como as melhores prestações do país quanto analisado este indicador.

Nos Jogos Olímpicos de Inverno, e apesar dos mesmos terem sido criados em 1924 em Chamonix (França), Portugal só iniciou a sua participa-ção na edição de Oslo, em 1952. No total Portugal fez-se representar em ape-nas seis edições, mas tendo em consideração as características geográficas e meteorológicas de Portugal facilmente se compreende o porquê.

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Na maioria das vezes esta participação nacional faz-se com atletas que tendo nacionalidade portuguesa residiam noutros países onde a prática dos desportos de inverno é muito mais enraizada e desenvolvida.

Em média Portugal foi representado nestas edições por um atleta. Excepção a este dado foram as edições dos XV Jogos Olímpicos de Calga-ry 1988, onde Portugal esteve representado por duas equipas de Bobsleigh com um total de cinco atletas, assim como na edição dos XVII Jogos Olímpi-cos de Nagano 1998, onde Portugal se fez representar com dois atletas em duas modalidades.

Relativamente aos resultados obtidos verificamos que o melhor re-sultado foi alcançado nos Jogos Olímpicos de Nagano, onde Mafalda Pereira, a única representante feminina portuguesa até à data, alcançou o 21º Lugar na prova de Esqui Acrobático.

Jogos Olímpicos da Juventude

Os Jogos Olímpicos da Juventude são um evento que ao longo dos anos vinha a ser idealizado pelo actual presidente do Comité Olímpico In-ternacional (COI). Este foi oficialmente apresentado por Jacques Rogue à Comissão Executiva do COI a 25 de Abril de 2007. A 5 de Julho do mesmo ano, no decorrer da 119ª Sessão do Comité Olímpico Internacional na Gua-temala, foi anunciado, após votação unanime por parte dos membros do COI a sua criação e as datas para as primeiras edições de verão e inverno para 2010 e 2012, respectivamente.

Este evento está direccionado para os jovens atletas de idades com-preendidas entre os 14 e 18 anos e são constituídos não só por um pro-grama competitivo desportivo, onde só conseguem apuramento directo os melhores atletas de cada continente, mas também por um programa de educação olímpica, composto por inúmeras actividades, como por exemplo, actividades culturais e musicais, actividades de descoberta e aventura, de-bates e conversas com Campeões Olímpicos, entre outras.

Portugal participou na 1ª edição dos Jogos Olímpicos da Juventude (de verão) realizados em Singapura, de 14 a 26 de Agosto de 2010 com uma delegação composta por dezanove atletas que competiram em dez modali-dades.

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Ao nível dos resultados desportivos obtidos os atletas lusos trou-xeram para Portugal três medalhas: uma medalha de ouro alcançada na prova de triatlo equipa (cada equipa era constituída por atletas de 4 países diferentes, em que Portugal participou juntamente com a Áustria, Hungria e Israel), uma medalha de prata na modalidade de taekwondo (na prova de – 63kg masculina) e uma medalha de bronze na prova dos 50m bruços de natação feminina. Em Innsbruck, nos Jogos Olímpicos da Juventude de Inverno 2012, Portugal não se fez representar.

Os Jogos Paralímpicos

Analisando agora os Jogos Paralímpicos verificamos que os mesmos tiveram a sua primeira edição em 1960, no entanto Portugal apenas veio a participar doze anos mais tarde, em Heidelberg (Alemanha Ocidental), no ano de 1972.

A estreia de Portugal aconteceu com a participação de uma equipa masculina de basquetebol em cadeiras de rodas. Apenas doze anos mais tar-de Portugal voltou a participar, sendo que a partir desse ano esteve presente em todas as edições realizadas até esta data.

No total Portugal fez-se representar em oito edições dos Jogos Pa-ralímpicos: Heidelberg 1972, Stoke Mandeville/ Nova York 1984, Seul 1988, Barcelona 1992, Atlanta 1996, Sydney 2000, Atenas 2004 e Pequim 2008, tendo alcançado no total 85 medalhas, 25 medalhas de ouro, 29 de prata e 31 de bronze.

Relativamente à participação portuguesa nos Jogos Paralímpicos verifica-se uma evolução gradual até à edição de Sydney 2000, onde alcan-çou o número máximo de 53 atletas. Depois desta edição tem-se verificado um decréscimo no número de atletas presentes.

Ao nível das modalidades Portugal tem conseguido estar representa-do em sete modalidades, sendo o atletismo e o boccia as modalidades onde Portugal tem sido mais consistente, quer ao nível da participação, quer na ob-tenção de bons resultados. Até 2008, das 85 medalhas conquistadas, 51 foram ganhas em provas de atletismo e 24 no boccia. Verifica-se no entanto que a conquista de medalhas tem sofrido grandes oscilações, não estando directa-mente relacionadas com o número de atletas presentes. Das quinze medalhas

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alcançadas em 1984 baixou-se para as nove obtidas em Barcelona 1992 para novamente chegar às quinze nos Jogos Paralímpicos de Sidney em 2000. Após este ano tem-se vindo a verificar a diminuição do número de medalhas para as doze nos Jogos Paralímpicos de Atenas 2004 e as sete em Pequim 2008.

É possível encontrar análises e explicações para o decréscimo da obtenção de medalhas através de alguns trabalhos que têm sido realizados e publicados quer pela Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência, quer pelo Comité Paralímpico de Portugal. Os factos que con-tribuem para justificar que, ano após ano, a dificuldade para os atletas por-tugueses conquistarem medalhas ser maior, estão relacionados com o au-mento do número de países nos Jogos Paralímpicos (por exemplo nos Jogos Paralímpicos de Nova Iorque/ Stoke Mandeville 1984 estiveram presentes 54 países enquanto nos Jogos Paralímpicos de Pequim 2008 estiveram em competição 146 países). Este aumento proporciona também a existência de novos patamares de exigência competitiva com um crescente investimento na preparação desportiva dos atletas paralímpicos de elite, facto que Portu-gal não tem conseguido acompanhar.

À semelhança dos Jogos Olímpicos da Juventude de Inverno, Por-tugal também nunca se fez representar nos Jogos Paralímpicos de Inverno.

Expectativas para os Jogos Olímpicose Paralímpicos – Londres 2012

Relativamente às expectativas para os Jogos Olímpicos e Paralímpi-cos de Londres 2012, em data em que as qualificações ainda estavam a de-correr1, foram contactados o Comité Olímpico de Portugal e o Comité Para-límpico de Portugal no sentido da recolha necessária de dados e informações.

Numa primeira fase foram ainda consultados os contratos-programa celebrados entre os respectivos Comités e o Instituto do Desporto de Portugal, I. P. (IDP)2 no sentido de se verificar os objectivos definidos para Londres 2012.

Analisando o contrato-programa n.º 287/2009 celebrado, a 3 de Junho, entre o COP e o IDP verifica-se que os objectivos definidos para Lon-

1. O presente trabalho foi apresentado no Congresso de História e Desporto que se reali-zou nos dias 31 de maio e 1 de junho de 2012.2. Designação do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) à data da celebra-ção dos Contratos-Programa

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dres 2012 passavam pela melhoria qualitativa dos resultados, o aumento do número de praticantes nacionais, com especial incidência no sexo feminino e a renovação e redução do nível etário dos praticantes.

Consultado o COP foi-nos informado que as previsões para a parti-cipação olímpica em Londres estavam traçadas, de forma mais precisa, para a participação de cerca os 75 a 80 atletas, e que à data, estavam apurados 67 atletas em 12 modalidades contando o COP chegar aos números previs-tos. Quanto ao aumento da taxa de participação feminina, os apuramentos já conseguidos faziam prever uma concretização daquela meta traçada.

Quanto à previsão de medalhas para os Jogos da XXX Olimpíada o Comité Olímpico de Portugal não quis traçar objectivos neste ambito, dada a situação que tinha acontecido no ciclo olímpico anterior e que acabou por gerar alguma confusão e conflitualidade com os media ao serem assumidos objectivos quantitativos.

Passando agora a análise para o projecto Paralímpico verifica-se que da mesma forma foi celebrado a 3 de Junho o contrato-programa n.º 433/2009, entre o CPP, o IDP e o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR). Nesse contrato foram definidos objectivos semelhantes aos dos Jogos Olímpicos, ou seja, a melhoria qualitativa dos resultados, o aumento do nú-mero de praticantes nacionais, com especial incidência no sexo feminino e a renovação e redução do nível etário dos praticantes.

Com o pedido de informações efectuado ao Comité Paralímpico de Portugal foi possível quantificar os objectivos entretanto definidos, ou seja, levar uma missão a Londres constituída por cerca de 40 atletas em pelo me-nos 4 modalidades: Atletismo, Boccia, Natação e Remo.

À data da realização do Congresso de História e Desporto, estavam apurados cerca de 30 atletas, em cinco modalidades, nas quatro acima des-critas e na Equitação.

Também ao nível da conquista de medalhas não foi traçada nenhu-ma meta em concreto, sabendo-se desde logo que, a cada edição dos Jogos Paralímpicos, com o interesse cada vez maior dos países em estarem pre-sentes e a apostarem na obtenção de resultados de excelência com um in-vestimento financeiro elevado, Portugal cada vez mais tem sentido dificul-dades em competir de igual para igual. Aguardemos então pela chegada dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Londres 2012.

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o comItÉ olímpIco InternAcIonAle o meIo AmBIente: de 1896 A 2008

Alcides Vieira Costa

Faculdade de Ciências de Economia e da Empresa Universidade Lusíada de Lisboa1

Introdução

O desporto, desde a sua institucionalização pelo Comité Olímpico In-ternacional (COI), está envolvido na dinâmica económica, política, social e am-biental de qualquer país ou região, pelo que obriga a escolhas em matéria de política desportiva que não são neutras, pois decorrem e determinam o tipo de sociedade em que se vive. Não sendo o desporto do ponto de vista político neu-tro, também não o são as organizações desportivas nacionais e internacionais, quando interagem com as mais diversas realidades sociais e humanas. Assim sendo, o Movimento Olímpico (MO), desde finais do século XIX, ao longo do século XX e atualmente no século XXI, interrelacionou-se com os mais diver-sos problemas sociais, políticos, económicos e ambientais. Pierre de Couber-tin (1863-1937), ao institucionalizar o COI, pretendeu promover os valores da competição fundamentando a sua ideia em três grandes pilares: o desporto, a educação e a cultura. Atualmente, a partir das grandes ideias da defesa do meio ambiente, surgidas em meados do século passado, acrescentou-se à ideia do Olimpismo um quarto grande pilar: o meio ambiente.

Neste sentido, o presente ensaio tem por objetivo sistematizar as grandes problemáticas relativas às questões do meio ambiente que se colo-caram aos protagonistas do MO ao longo dos últimos 120 anos. Trata-se de

1. Doutor em Motricidade Humana. Especialidade: Ciências do Desporto. Faculdade de Motricidade Humana. Universidade Técnica de Lisboa.

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uma análise documental qualitativa sócio-histórica. Os documentos analisa-dos foram Atas das Sessões do COI realizadas entre 1896 e 2008, iniciando na presidência de Demetrius Vikelas (1835-1908) até à de Jacques Rogge (1942), totalizando 9.111 páginas de 119 atas2.

Desporto e Meio Ambiente

O tema meio ambiente3 vem sendo discutido cada vez mais nos diferentes setores da sociedade atual. A degradação ambiental gerada em consequência da insustentabilidade de diversas atividades tem levado en-tidades governamentais, não governamentais e a sociedade em geral a bus-carem alternativas para o desenvolvimento sustentável. O caso específico do desporto não é diferente, existindo uma necessidade cada vez maior de disseminação da consciência ambiental de todas as formas possíveis.

Nos Jogos Olímpicos, por exemplo, devido aos impactos ambientais negativos gerados em Albertville (1992), as cidades eleitas como sede foca-ram-se na sustentabilidade ambiental em concordância com o estabelecido em recomendações específicas do COI. Os casos mais bem sucedidos, nes-ta nova perspectiva, foram os Jogos Olímpicos de Inverno de Lillehammer (1994) e da Olimpíada de Sidney (2000), que mostraram a viabilidade de realização dos Jogos Olímpicos seguindo os padrões ambientais estabele-cidos, associando os conceitos de tecnologia e sustentabilidade ambiental (DaCosta, 2002¹).

Os Jogos Olímpicos de Inverno de Lillehammer (1994) foram os pri-meiros a serem chamados de “Jogos Amigos da Natureza” (DaCosta, 2002¹). O seu Comitê Organizador iniciou um novo processo de desenvolvimento e gestão ambiental trazendo um novo conceito para o mega evento. Em Sidney (2000), além de se manter os princípios ambientais seguidos em Lillehammer, inovou-se com o desenvolvimento de tecnologias ambiental-mente corretas, como o aproveitamento das águas acumuladas em cisternas

2. Resultados parciais de: Costa, A. V. (2012). Estratégias das Organizações Desportivas. As Grandes Linhas Ideológicas de Orientação Estratégica do Comité Olímpico Internacional: de Atenas (1896) a Pequim (2008). Tese de doutoramento não publicada. Universidade Técnica de Lisboa.3. O termo “meio ambiente” tem uma ampla aceitação nos países de língua portuguesa. Entretanto, alguns países como Portugal utilizam o termo “ambiente” como sinónimo.

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gigantes e a produção de energia a partir de placas fotovoltaicas instaladas no Estádio Olímpico (Atkinson, 1997).

Segundo DaCosta (2002²), o desenvolvimento sustentável ocorre quando a instrumentalização das atividades físicas, jogos e competições respeita os valores intrínsecos da natureza e do desporto, neste sentido sur-ge à necessidade de busca por atividades desportivas sustentáveis ou ain-da mais apropriadamente um Olimpismo sustentável. Na posição de Pires (2003: 115), “a transcendência humana inerente ao próprio Olimpismo, não pode ser separada do desenvolvimento sustentável”.

Naturalmente, o COI, como líder de um movimento humanístico mundial, está interessado na integração das atividades do MO com o equi-líbrio entre as necessidades do presente e as do futuro (Pound, 1993 apud DaCosta, 2002²). Atualmente, o COI além de divulgar o esporte e a cultura “empenha-se em colocar o próprio desporto a serviço da humanidade, fa-zendo parcerias e trazendo apoio a todos aqueles que pretendem proteger o meio ambiente” (Miranda, 1999: 334).

É importante salientar que, segundo Costa (2012), o MO, desenca-deado por Pierre de Coubertin em 1892, é uma superestrutura ideológica que, à escala mundial, gere a dinâmica da competição desportiva. O COI, por sua vez, é o agente principal desta superestrutura desportiva que tem por vocação defender os valores éticos relacionados com a dialética da competi-ção naquilo que ela tem de melhor e de pior para o processo do desenvolvi-mento humano. Neste sentido, considera-se que o COI, pelo seu património histórico e o seu atual posicionamento no quadro da ONU, é a instituição mais capaz de promover junto a população mundial uma estratégia de edu-cação e cultura tendo por objetivo promover os valores de uma competição nobre e leal que se projete de forma justa e positiva nas sociedades em bus-ca do desenvolvimento sustentável.

No que tange ao meio ambiente, o COI oferece informações sobre desporto e a proteção do meio ambiente através de cursos, seminários, con-gressos e publicações, ainda populariza estas informações através da tele-visão, jornal, revistas e rádio. Outra estratégia tem sido a de estimular os Comités Olímpicos Nacionais (CONs) e as Federações Internacionais (FIs) a criarem comissões de meio ambiente ou indicarem um representante oficial para acompanhar a questão ao nível nacional. Além disso, a cada dois anos é

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organizada uma Conferência Mundial sobre Desporto e Meio Ambiente para avaliar o progresso na área, as contribuições da comunidade desportiva para a proteção ambiental e as providências que devem ser tomadas para promover a correta relação entre o desporto e o meio ambiente.

Desta forma, o COI pretende que os Jogos Olímpicos sejam realiza-dos em condições que demonstrem preocupação com as questões ambien-tais e que o MO reflita sobre estas questões, educando todas as pessoas en-volvidas quanto à importância do desenvolvimento sustentável (Behnam, 1998 apud Miranda, 1999).

Para DaCosta (2002¹) a participação em massa de pessoas e de al-guns atletas no desenvolvimento de desportos ambientalmente corretos está se tornando cada vez mais importante. Entretanto, segundo Meinberg (1997) o desporto perdeu a sua inocência ecológica e hoje é visto como po-luente, sendo difícil estabelecer um equilíbrio entre as práticas saudáveis e a geração de impactos ambientais negativos, já que a crescente expansão das atividades desportivas pode, muitas vezes, resultar em malefícios à so-ciedade e à natureza (DaCosta, 1997; Rittner, 1997; Faria, 1997).

Ciente disso, o COI tem divulgado os problemas ambientais, porém, “o desejável conteúdo educativo destas intervenções ainda necessita de jul-gamentos de valor” (DaCosta, 2002¹: 72), o que avaliaria o processo educa-cional e as questões éticas envolvidas. Quando a educação fica em segundo plano, devido a outras ênfases, ocorre a redução do conhecimento acumu-lado e, consequentemente, a diminuição das atitudes geradas pelo processo educacional. DaCosta (2002¹: 73) acredita que “os valores morais e peda-gógicos são pouco supridos contrastando com o sempre em expansão MO na escala mundial”. Para este autor, o conhecimento científico incluindo as ciências do desporto tem o desafio de procurar a adequada compatibilidade das necessidades ambientais em teoria e prática, “sem prática os valores ambientais têm sua aplicabilidade limitada em qualquer cultura” (DaCosta, 2002¹: 72).

Tanto o COI como os Comitês Organizadores dos Jogos Olímpicos tem inserido em seus discursos a importância da adequação de novos valo-res ambientais através de diversas intervenções. Para Douglas (1997), o COI é um agente essencial e legítimo para a construção de uma ética relacionada à compreensão do desporto contemporâneo, tendo isto revelado a expansão

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de ideias que estão penetrando no discurso geral e contemporâneo do des-porto. Entretanto, na perspectiva de Pires (2003: 115) o Olimpismo “pode até enfatizar o desenvolvimento sustentável em relação a uma concepção limitada que o relaciona exclusivamente com a dimensão ambiental do des-porto”. Só que isto não é o suficiente, pois as políticas desportivas geridas em uma perspectiva insustentável, “significam que a promoção do desporto não está a ser realizada de acordo com os interesses atuais e das futuras gerações” (Pires, 2003: 115).

Desporto, Meio Ambiente e o COI

De uma maneira geral, as pessoas entendem que o desporto, em quaisquer circunstâncias, é uma atividade íntegra, pelo que as diversas mo-dalidades, bem como os eventos desportivos estão isentos dos inúmeros malefícios que podem impactar negativamente o meio ambiente e a socie-dade. Entretanto, o que se pode evidenciar é que nem as modalidades são assépticas, nem os eventos estão isentos de provocarem enormes danos am-bientais e sociais. Por exemplo, de acordo com Philipp Von Schoeller, Mem-bro Austríaco do COI, o “mountain bike” estava a causar muitos problemas políticos na Áustria, tanto em questões ambientais como sociopolíticas. Os problemas relacionados com os impactos ambientais negativos e o desres-peito pela propriedade privada eram enormes e a responsabilização dos donos das propriedades, em caso de acidente, estavam a colocar a situação fora de controlo das autoridades desportivas. Então, Schoeller pediu que o COI interviesse junto da União Ciclista Internacional (UCI) para que colocas-sem os seus membros sob controlo.

Mountain bikers caused damage to the environment, and game ke-eping had become impossible in some parts of the country where it was widely practiced. Mountain bikers would not accept the concept of private property, and had formed political lobbies. The problem had been discussed in the Austrian parliament, since the grotesque situation existed that if a mountain biker had an accident on private property, the landowner was legally responsible4.

4. In: Ata da 101ª Sessão do COI - Mónaco, 21 a 24 de setembro de 1993, p.22.

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Samaranch, que em 1992, tinha estado intimamente ligado ao pro-jeto “Earth Pledge”5, considerou a questão como sendo importante e, de imediato, pediu a Schoeller que enviasse ao COI a decisão do Parlamento Austríaco antes do COI contatar a UCI uma vez que, se a decisão do Parla-mento Austríaco fosse seguida por outros países, a modalidade ficaria em dificuldades6.

O que se evidencia é que o que se passa em relação às modalidades desportivas a uma escala simples passa-se, também, a outra escala muito mais complexa se considerarmos eventos desportivos como, por exemplo, o Euro (2004) em Portugal, ou os Jogos Olímpicos em Atenas (2004) na Gré-cia, que, de um momento para o outro, se transformaram em agressores do meio ambiente, da sociedade e das próprias populações que, enquanto con-tribuintes, ficaram com as dívidas para pagar. Samaranch parece ter tido a perceção de que estava a começar um tipo de reivindicação que o obrigaria a ter para com os Jogos Olímpicos uma estratégia de comunicação externa cuja imagem devia ser a de que o COI estava empenhado em organizar “Gre-en Games”. Aliás, crê-se que Samaranch sabia que os primeiros protestos relativos à questão dos malefícios sobre o meio ambiente, provocados pelos grandes eventos desportivos, aconteceram nos Jogos Olímpicos de Inverno em Lake Placid (1932) (Hopsicker, 2009), pelo que não seria de admirar que as preocupações ecologistas voltassem ao domínio das preocupações da generalidade dos cidadãos.

Neste contexto, as notícias que anunciavam problemas, cada vez mais complicados, começaram a surgir a respeito de agressões ao meio am-biente, por parte das mais variadas modalidades e organizações desporti-vas, como foi o caso dos Jogos Olímpicos de Inverno de Albertville, França (1992) (Meinberg, 1997 e DaCosta, 1997). Esta situação levou Samaranch, em 1995, após recomendações da Comissão de Estudos da 1ª Conferência Mundial de Desporto e Meio Ambiente7, a avançar com a ideia da constitui-ção de uma Comissão para o Meio Ambiente cujo objetivo era, não só au-

5. O “Earth Pledge” é um documento com diretrizes a serem seguidas para tornarem o Planeta um local seguro e adequado para as presentes e futuras gerações. Seguindo recomendações da Rio 92, as FIs e CONs assinaram o “Earth Pledge” durante os Jogos Olímpicos de Barcelona (1992). Com isto o MO se comprometeu a fazer o seu melhor para seguir estas recomendações. 6. In: Ata da 101ª Sessão do COI - Mónaco, 21 a 24 de setembro de 1993, p.24.7. In: Ata da 105ª Sessão do COI - Atlanta, 15 a 18 de julho de 1996, p.165.

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mentar o padrão de exigência ambiental relativamente aos Jogos Olímpicos, mas, também, de outros eventos desportivos, usando para isto os apoios dos CONs e das FIs8. Tal atitude estratégica, ainda segundo Samaranch, levaria o COI a dar o exemplo em matéria de “cultura ambiental” através da adoção, pelo MO, de um conjunto de opções políticas em matéria de desenvolvimen-to sustentável que não comprometeriam o futuro das gerações vindouras por decisões políticas erradas das gerações atuais.

Assim, o meio ambiente foi a terceira grande linha estratégica de Samaranch, ao lado do profissionalismo e do comercialismo. Esta afirma-ção ficou expressa no relatório da Comissão de Desporto e Meio Ambiente (CDMA) de 2001, em que o seu presidente Pál Schmitt, no que diz respei-to à liderança de Samaranch, afirmou que a adesão do COI à Agenda 21 da ONU foi uma das decisões mais importantes do Presidente do COI9, tendo este fato levado à adoção do conceito de desenvolvimento sustentável por Samaranch durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU de 1992 - Rio 92 (Costa, 2010) e ao início da elaboração da própria Agenda 21 do MO10.

Como consequência dos casos cada vez mais frequentes de insus-tentabilidade ambiental, entre eles aqueles que decorriam das notícias provenientes da organização dos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996), foram elaboradas pela CDMA algumas diretrizes, tais como: a ampliação dos re-querimentos ambientais para as cidades candidatas; a produção de medi-das para outros eventos desportivos de grande porte; o estabelecimento, em cooperação com as FIs, dos requisitos ambientais mínimos para os eventos de cada modalidade desportiva; e a produção de diretrizes para o planea-mento e construção de infraestruturas desportivas. Além disto, e talvez o mais importante, foi a decisão e seguir as recomendações da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Rio 92, e estabelecer uma Agenda 21 do MO que poderia e deveria incluir os aspetos

8. In: Ata da 105ª Sessão do COI - Atlanta, 15 a 18 de julho de 1996, p.166.9. In: Ata da 112ª Sessão do COI - Moscovo, 13 a 15 de julho de 2001, p.17,18.10. The Olympic Movement’s Agenda 21 should serve as a useful reference tool for the sports community at all levels in the protection of the environment and enhancement of sustainable development. This document, prepared by the IOC Sport and Environment Commission, in close consultation with UNEP, lays out significant provisions for the active involvement of the global sports community in the protection and safeguarding of the environment (COI, 1999).

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ligados à relação entre desporto e meio ambiente11.E o sucesso do COI foi de tal ordem que, em 2007, o Programa das

Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) agraciou Jacques Rogge com o prémio “Champion of the Earth”:

As he (Schmitt) and Mr. Ng had received the “Champion of the Earth” award on behalf of the President, they wished to present it to him now. On receiving the award, the President pointed out that it was not his prize; it was in fact that of the Sport and Environment Commission - its Chairman and members - the competent IOC administration and the Coordination Commission chairmen12.

E Rogge agradeceu remetendo os elogios para trabalho da Comissão:

The president thanked the Sport and Environment Commission, which had many enthusiastic members. The environment was a major so-cial responsibility for the IOC. The Turin Games were now seen by the NGOs as a benchmark in terms of the environment, just as Lilleham-mer had been in 1994. The IOC had good relations with the UN and could be proud of what had been achieved13.

Como Pál Schmitt referiu, em 2006, o tema do desenvolvimento sus-tentável passou a fazer parte dos discursos de Jacques Rogge que o assumiu como uma das linhas estratégicas da sua liderança14. Contudo, o grande êxi-to de Rogge foi o de ter conseguido, a partir das questões da Agenda 21 e do meio ambiente, colocar o COI como membro observador na ONU.

Considerações Finais

A partir do exposto, conclui-se que o COI envolveu-se, efetivamente, com o meio ambiente a partir do 12º Congresso Olímpico (1994) e da 1ª

11. In: Ata da 105ª Sessão do COI - Atlanta, 15 a 18 de julho de 1996, p.167.12. In: Ata da 119ª Sessão do COI - Guatemala, 4 a 7 de julho de 2007, p.12.13. In: Ata da 118ª Sessão do COI - Turim, 8 a 10 e 26 de fevereiro de 2006, p.19.14. In: Ata da 118ª Sessão do COI - Turim, 8 a 10 e 26 de fevereiro de 2006, p.19.

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Conferência Mundial de Desporto e Meio Ambiente (1995), ano em que o meio ambiente foi considerado a 3ª Dimensão do MO, ao lado da cultura e do desporto. Como resultado, o meio ambiente e o conceito de desenvol-vimento sustentável foram inclusos na Carta Olímpica, em 1996, influen-ciando importantes ações como: a criação da Comissão de Meio Ambiente e Desporto (1995); a criação da Agenda 21 do MO (1999); o envolvimento dos CONs e FIs; a aproximação de entidades como a ONU, o Greenpeace e a WWF; e a consideração da educação como prioridade, com ações realizadas via Solidariedade Olímpica.

Em uma breve síntese, os resultados indicam que, entre os anos de 1952 e 1988, o tema meio ambiente foi levantado nas Sessões Plenárias do COI unicamente pelos Comités Organizadores dos Jogos Olímpicos de Inver-no que apresentaram preocupações com os impactos ambientais negativos gerados. A partir dos Jogos Olímpicos de Inverno de Albertville (1992) a questão começou a ter uma evidência cada vez maior, sendo que os Jogos Olímpicos de Inverno de Lillehammer (1994) e os Jogos da Olimpíada de Sidney (2000) foram os marcos do envolvimento do MO com o meio am-biente. Por fim, conclui-se que o COI assumiu de forma efetiva a respon-sabilidade pelas questões ambientais. Contudo, mais estudos devem ser realizados para avaliar a efetividade de cada uma das ações adotadas para o desenvolvimento sustentável do desporto e, consequentemente, para o desenvolvimento humano.

Fontes

Atas das Sessões do Comité Olímpico Internacional, realizadas entre 1894 e 2008. Cedidas pelo Centro de Estudos Olímpicos do Comité Olímpico Internacional, Lausanne, Suíça.

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um espírIto olímpIco renoVAdo pArA portugAl

Abel Santos, Fernando Tenreiro e João Boaventura

Escola Superior de Desporto de Rio Maior/IPS

O objeto do trabalho é o de contribuir para o debate sobre o conceito de Olimpismo, a aplicação dos seus princípios, e o desenvolvimento desporti-vo necessário para o século XXI em Portugal. Tomando o conceito de Olimpis-mo clássico são construídas séries atuais de resultados, das nações europeias de dimensão demográfica e económica semelhante a Portugal, através das quais se constata que o país “perdeu o pé” do nível de conquista de medalhas há cem anos, ainda na primeira década do século XX. Conclui-se que, a partir de um conceito de desporto composto por três funções de produção, do in-formal, da recreação e do alto rendimento, Portugal está muito atrasado em quase todos os indicadores de médias europeias de desenvolvimento des-portivo. Os resultados do trabalho sugerem um comportamento inferior de Portugal face ao comportamento de todos os outros países na interpretação do Espírito Olímpico (concretização dos Princípios Fundamentais do Olim-pismo). Surge, assim, a oportunidade de Portugal, agora no início do século XXI, assumir um conceito de Espírito Olímpico distinto daquele que seguiu nos últimos cem anos, que se equivalha aos dos restantes países europeus e seja capaz de maximizar as expectativas não só dos atletas portugueses quanto à participação e à conquista de medalhas olímpicas como também as aspirações de autoestima da população portuguesa.

Introdução

O Espírito Olímpico tem um significado profundo pelo impacto que os Jogos Olímpicos têm na Europa e no Mundo. Os Jogos Olímpicos, cria-dos na antiguidade grega, renasceram com Pierre de Coubertin (a partir do

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Congresso Atlético Internacional em Paris. O Comité Olímpico Internacional foi constituído em 23 de Junho de 1894), atravessaram décadas de grandes convulsões como duas guerras mundiais e uma guerra-fria, para alcançar o seu máximo esplendor na atualidade e perspetivarem-se como espaço orien-tador da humanidade no século XXI. O nacionalismo e a guerra-fria foram acontecimentos que influenciaram sobremaneira os Jogos Olímpicos até que a partir da década de 80 com a aceitação do profissionalismo o Espírito Olím-pico tomou a feição transparente que hoje possui.

O presente trabalho, a fim de compreender os elementos que hoje continuam a congregar a população de todo o mundo, é dividido em sete partes, da seguinte forma: identificam-se os objetivos do trabalho; apresen-tam-se algumas das características do Olimpismo da antiguidade clássica; sustenta-se uma estrutura do produto desportivo subdividida em prática in-formal e formal (subdividida, por sua vez, em dois níveis de intensidade de prática: o primeiro, relacionado com a prática recreativa e o segundo, com a prática de alto rendimento1), descrevem-se os procedimentos metodoló-gicos; apresentam-se os dados da competitividade olímpica dos países com a dimensão de Portugal e, por último, uma discussão e apreciação conclu-siva dos resultados, propondo-se a adoção por Portugal de um conceito de Espírito Olímpico que, servindo os diferentes níveis de prática desportiva, potenciará o produto desportivo nacional e o aproxima do que se pratica nos países mais desenvolvidos da Europa.

ObjetivosAs intenções que conduziram a realização do presente trabalho são

materializadas pelas seguintes questões de orientação da pesquisa: i) Por-que ganhou Portugal apenas 22 medalhas, quando todos os outros países eu-ropeus ganharam um mínimo de 90 medalhas?; ii) O que podemos aprender com o olimpismo da antiguidade?; iii) Tecnicamente, o desporto moderno

1. Ao longo do texto a prática informal corresponde ao conjunto de atividades mais simples e identificados com o amadorismo no seu sentido mais lato e que o conceito de desporto para todos deu corpo nos anos sessenta na Europa. A prática recreativa corresponde à for-malidade da prática daqueles que se inscrevem nas atividades regulares federadas através dos clubes desportivos ou que consomem atividades relacionadas com os serviços ofere-cidos pelas empresas como os ginásios e academias. Quanto à prática de alto rendimento inclui as seleções e o desporto profissional correspondendo ao topo da sofisticação tecno-lógica e de intensidade de aplicação de recursos técnicos variados, económicos e sociais.

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é distinto?; iv) Caso haja, onde está o atraso de Portugal?; v) Com um novo conceito de Olimpismo será possível a Portugal outra performance de desen-volvimento desportivo?

Dos Festivais Atléticos da Grécia Antiga aos Jogos Olímpicos

Neste ponto sugere-se que, na perspetiva helénica de estar no centro do mundo, os eventos e os jogos atléticos são uma variável instrumental para maximizar o bem-estar físico da população e celebrar o que de civilizacional Portugal poderá ter para dar a um mundo globalizado, como os gregos anti-gos faziam e os atuais realizam e celebram.

Os trabalhos da BBC e do New York Times são eloquentes, em duas perspetivas complementares, acerca da proximidade organizativa e filosófica dos jogos atuais aos festivais atléticos gregos. Há 3.000 anos os Jogos Olím-picos envolviam a afirmação política e religiosa e a dimensão económica que permitia aos vencedores absolutos ficarem ricos para toda a vida2 porque, di-ziam os gregos, quem tem campeões não precisam de muralhas, porque eles serão os melhores defensores da cidade. Havia igualmente outros benefícios económicos e sociais equivalentes aos atuais quer para as cidades organiza-doras quer para as participantes. Os festivais atléticos eram democráticos e abertos a todas as classes: cozinheiros, agricultores, ferreiros ou aristocratas. Os atletas tinham uma dedicação exclusiva para criarem um corpo perfeito e capacidades desportivas superiores aos adversários. De realçar que na Gré-cia Antiga não havia profissionais. Quando começaram a aparecer todos os condenavam, exatamente como no início dos Jogos atuais.

Para alcançar níveis de excelência os atletas dedicavam-se em exclu-sivo desde jovens à prática atlética, possuindo treinadores e mentores de-dicados e ganhavam prémios monetários da ordem dos 75.000 euros pagos em dezenas de ânforas cheias de azeite. No domínio disciplinar os atletas juravam aos deuses não fazer batota, havia medidas que impediam a fraude, todas as competições possuíam juízes e a penalização era uma humilhação pública. Havia a exceção das corridas de quadrigas propriedade dos aristo-cratas que punham os seus escravos a competir.

2. Programas da BBC, passados na RTP1, 8 Ago. 2004, sobre “O Primeiro Atleta Olímpi-co”, o superatleta de Taranto e a 9 e 10 de Agosto de 2004, sobre “As olimpíadas gregas antigas”.

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A comparação científica, da performance desportiva possível, de um superatleta de há 2.500 anos, do qual foi encontrado o esqueleto bem preser-vado, e a de um campeão de hoje, indicou que a competitividade de ambos seria equivalente. O pancrácio, o boxe e a corrida de quadrigas eram parti-cularmente violentos levando ao estrangulamento, à mutilação, como partir os dedos aos adversários para que não voltassem a lutar, e à morte. Não era permitido tirar olhos mas existem registos dessa situação.

Vecsey (2004), no artigo “Where It All Began” no New York Times3, refere as palavras de Christine Kolliniati, da igreja ortodoxa de Monastiraki: “Nós não eramos os mesmos; quando os navios chegavam a Atenas viam estátuas em ouro no Pireu”. Quanto aos festivais, Bernard Knox4 acentua as ideias da BBC quando refere5 que o conceito de ganhar por ganhar não estava incluído nos princípios gregos mas antes o de ganhar um prémio.

No calendário das competições, destacavam-se cinco festivais atléti-cos com a designação de Jogos: os Olímpicos, em Olímpia (na península do Peloponeso), os Ístmicos em Corinto, os Nemeus, no vale de Nemeia, os Pana-tenaicos (Panathenaea) em Atenas, e os Píticos, em Delphos.

Em Olímpia os vencedores recebiam um ramo de oliveira selvagem; nos jogos ístmicos, aclamados com coroa de rama de pinheiro; nos Nemeus, com aipo selvagem; nos Panatenaicos, os quatro primeiros eram premiados e aos prémios nos jogos juntavam-se, quando chegavam à sua terra natal, riquezas que lhes permitia receber refeições grátis até ao fim da vida e eram feitas estátuas pela cidade e pela família para colocar em Olímpia, segundo Knox, em Flages (1990)6; e nos Píticos, coroa de aipo seco.

Convém referir os jogos iniciáticos, designados de Hermaia ou Her-meia, por dedicado a Hermes, realizados na cidade de Pheneos, provável lo-cal do seu nascimento, e destinados apenas às crianças e aos jovens, e cujo prémio consistia na aquisição da honra (timé).

No caso dos jogos refere Knox, tratava-se de “ganhar a glória para a

3. http://www.nytimes.com/learning/teachers/featured_articles/20040811wednesday.html 4. Dois textos são referidos por Bernard Knox, o ‘’The Ancient Olympics,’’ de Nigel Spi-vey, e o ‘’Ancient Greek Athletics,’’ de Stephen G. Miller.5. “The Ancient Greeks” e “How They Played the Games”, Bernard Knox.6. Flages, R., 1990, The Illiad Homer, Viking Penguim, Introdução de Robert Knox.

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sua cidade e também a popularidade e prestígio para si próprio”. Cahill, T.7, citado por Knox, tem uma visão mais filosófica da posição dos gregos perante os seus jogos: “Os gregos gostavam de jogos de todo o tipo” os quais se reali-zavam em locais “ágones” sem limite de tempo até que um dos contendores era afastado. Refere Knox, que para Cahill, T., as agonias eram as competições ou uma ‘performance de poder’. Apesar desta posição, em guerra os gregos preservavam a vida e, por vezes, resolviam as suas batalhas pela luta entre dois campeões, um de cada um dos exércitos.

Face às ideias expressas, Portugal deverá repensar o seu modelo de alta competição para o centrar no modelo grego antigo, que provou ser capaz de se manter ao longo de milénios. Tendo como principal característica a vi-tória e a completa interação económica e social, remunerar o atleta vencedor pelos amplos benefícios gerais obtidos pela população e as organizações.

A necessidade de um novo conceitode desenvolvimento desportivo

A descrição das características do bem desportivo sugere que o des-porto tem funções de produção distintas e integradas. As sucessivas análises de Gratton e Taylor (2000), Kesenne (2007), Downward, Dawson e Dejongue (2009) e Downward e Rasciute (2010) contribuíram para a identificação de três funções de produção desportiva. Gratton e Taylor (2000) identificaram a participação desportiva de massa e a prática de alto rendimento conceitos que Kesenne (2007) distingue alternativamente como recreação e desporto profissional dando um passo na definição de funções de produção do des-porto distintas entre a produção recreativa e a profissional. Para Kesenne (2007) na indústria profissional o “consumidor é o espectador”, “o produtor é o clube” e “o fator principal da produção é o jogador”. Na produção recrea-tiva “o consumidor é o jogador”, “jogar é consumo” e “o output da produção é o serviço oferecido pelo clube desportivo aos participantes”. A definição dis-tingue duas funções de produção que de acordo com o modelo são funções de produção interligadas e interdependentes.

No modelo económico proposto, expresso na figura 1, consideram-se

7. “When the Games Were Everything”, Thomas Cahill, New York Times 9, agosto, 2004 Thomas Cahill é o autor de “How the Irish Saved Civilization’’ e, mais recentemente, “Sai-ling the Wine-Dark Sea: Why the Greeks Matter.”

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3 níveis fundamentais de produção desportiva. O nível informal corresponde à base da pirâmide em que as atividades desportivas são praticadas sem o rigor dos dois níveis superiores e onde a frequência de prática pode ser irre-gular. A informalidade é mais comum no exterior da estrutura de produção federada. O segundo nível considera a produção de atividades desportivas no seio da estrutura de produção federada, correspondendo à plenitude das regras de produção e de prática da atividade de acordo com os princípios e as regras da estrutura federada. A estrutura de produção formal tem dois níveis fundamentais de produção desportiva: o primeiro é a recreação e a prática amadora, ocupando o nível intermédio da pirâmide, e o segundo nível formal é o alto rendimento, ocupando o topo da pirâmide federada.

Por simplicidade de expressão chama-se de informal (participação de massa). Porém, na figura, este nível tem o total dos praticantes da pirâ-mide como exemplificação da estrutura piramidal. Nos países do centro e norte da Europa a produção total de desporto alcança uma média de 65% da população, enquanto em Portugal a produção total apenas serve 45% da população, valores que são obtidos através de análises à procura desportiva geral da população Eurobarometer (2009).

Recreação informal Várias vezes a prática formal:

recreativa e profissional. Europa 2,8X;

Norte 1,6X; Sul 5,6X; Leste 7,8X; Portugal 9,5X

AR 0,5%

Recreação formal Exemplo do futebol

Portugal 99,5% dos praticantes

Federações desportivas – Regulação privada

Estado (Europeu e nacional) Regulação

pública pela administração europeia,

central e local

Produção, subsídio, legislação

Famílias consumo, actuação benévola

Empresas consumo, produção, patrocínio

Procura privada Procura pública

Figura 1 – Economia das federações Fonte: Tenreiro (2011)

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Na figura 1, as três funções de produção consideradas são: A) função de produção do desporto de massas, corresponde ao nível informal à base da pirâmide de produção desportiva. O informal é o nível básico da atividade desportiva onde se encontram quer aqueles que ainda não fazem parte dos quadros competitivos regulares quer os que por lá já passaram e atualmente deixaram de competir e praticam a atividade sem preocupações de progres-são e de maior intensidade; B) função de produção do desporto formal, O nível recreativo inclui as atividades que em geral são executadas com regula-ridade e de aumento das capacidades técnicas dos praticantes. Nas socieda-des mais desenvolvidas correspondem a níveis de bem-estar pessoal onde a literacia de prática desportiva é elevado preferindo os seus consumidores a prática desportiva regular para elevar das competências desportivas e o seu consumo qualificado em clubes e empresas que competem num quadro fe-derado; e C) função de produção do desporto de alto rendimento, situado no topo da pirâmide inclui genericamente os atletas que competem em campe-onatos continentais e mundiais e nos Jogos Olímpicos, assim como, os atletas que competem nas atividades profissionais. A produção de alto rendimento é o produto mais sofisticado e de maior intensidade de capital desportivo de uma modalidade exigindo os melhores fatores de desenvolvimento muitas vezes de origem internacional.

Procedimentos Metodológicos

Para comparação das medalhas obtidas, utilizou-se a informação disponibilizada pelo Comité Olímpico Internacional de 1896 a 20088. Identi-ficou-se, por dimensão demográfica e produto interno bruto (PIB), os países similares a Portugal. Dos dados nacionais, constituíram-se duas séries: com o número de federações desportivas constituídas, pelos dados do IDP, e pelo número de clubes fundados de 1850 a 1999, a partir do estudo de Santos (2001). Por último, constitui-se uma série com o número de praticantes fe-derados, de 1944 a 2008, a partir da recolha de Tenreiro (2008). Utilizou-se o tratamento dos dados de forma descritiva para interpretação das distribui-ções, a partir das bases de dados constituídas.

8.http://www.olympic.org/national-olympic-committees, acedido em 6 Maio de 2012

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Evolução do desporto no século XX, resultados na comparação internacional

Nesta parte, analisa-se, por país, o número de medalhas e a eficiência com a sua obtenção. Posteriormente o surgimento das federações e clubes, e o número de atletas inscritos nas respetivas federações, como indicadores de produtividade do sistema federado nacional.

Formam-se três grupos de países: o primeiro grupo com a Hungria, Finlândia e Holanda com mais de 250 medalhas olímpicas conquistadas; o segundo grupo variando de 90 medalhas a menos de 200 incluindo a Suíça, Dinamarca, República Checa, Noruega, Grécia, Bélgica, Jugoslávia e Áustria; o terceiro com 22 e 24 medalhas incluindo Irlanda e Portugal, ver figura 2.

Nota-se que a maior parte dos países do segundo grupo descola na pri-meira década do século XX, coisa que Portugal acompanhado pela Irlanda não conseguiu, em 100 anos de participação olímpica, enquanto a Jugoslávia come-çando igualmente perto dos anos 30 o fez. A igual performance de Portugal e da Irlanda encontra características na cultura católica e na periferia europeia.

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Jogos Olímpicos

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portugal

Figura 2 – Medalhas desde Atenas 1896 a Pequim 2008, valores acumulados Fonte: COI (2008)

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Claramente Portugal perdeu a performance olímpica há cerca de cem anos e nunca conseguiu recuperar desse fracasso nacional. Neste momento a tendên-cia é de aprofundamento do afastamento de Portugal da média dos países que apresentam um nível demográfico e económico equivalente.

Na produção interna

Na figura 3, observa-se a evolução da constituição do número de fe-derações e clubes, a partir do século XIX, conforme se analisa com a criação do primeiro clube.

A criação da primeira federação dá-se em 1900. Da evolução, desta-ca-se o seguinte:

• Há um crescimento acentuado na constituição de federações e clu-bes até aos anos quarenta, do século passado, culminando com a criação da Direcção-Geral da Educação Física, do Desporto e da Saúde Escolar em 19429;

• Surge um segundo crescimento nos anos setenta que se mantém até ao início dos anos noventa, do século passado.

9. http://www.olympic.org/national-olympic-committees, acedido em 6 Maio de 2012

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Figura 3 – Evolução das federações e clubes no século XXFonte: Documentos das federações sobre a sua fundação e Santos (2001)

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Atendendo à intervenção dos clubes e federações, para um melhor detalhe do consumo desportivo dos portugueses, observa-se que a evolução do número de praticantes federados tem uma dimensão inferior à média eu-ropeia, figura 4.

A evolução do número de praticantes federados sugere uma variação entre os 4% e os 6% com uma quebra em meados da década de noventa ou alternativamente devido a erros de contabilização estatística. De qualquer forma, justifica-se que Portugal assuma uma taxa de crescimento dos prati-cantes federados de 7% para conseguir alcançar no médio prazo, durante a segunda década do século XXI, uma taxa de praticantes federados equivalen-te à média europeia.

Um conceito de Olimpismo para o século XXI,apreciação conclusiva

No caso nacional, o que se poderá dizer do Espírito Olímpico, espe-lhado na morte de Francisco Lázaro, nos Jogos Olímpicos de1912, em Es-tocolmo, é que ele continua insuficientemente compreendido pelo desporto português ao fim de cem anos. A realidade olímpica portuguesa distingue-se, na Europa, pelos resultados abaixo dos obtidos pelos países com uma dimen-são demográfica e económica equivalente. O campeão português Francisco Lázaro morreu na sua principal prestação internacional devido a fatores que não dominava, comparativamente aos adversários de outros países com que então competiam. O experimentalismo e a atuação sobre os seus limites

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crescimento praticantes a 7% por ano crescimento praticantes a 6% por ano

crescimento praticantes a 4% por ano crescimento praticantes a 2% por ano

crescimento real

Figura 4 – Evolução dos praticantes federados no século XX Fonte: Tenreiro (2008)

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exigiam equipas de especialistas e acumulação de fatores desportivos que Portugal nessa altura não teria e que ao longo do século XX não conseguiu organizar como fizeram outros países que eram seus iguais. A distância entre Portugal e outros países europeus cresceu no século XX e apenas nos anos noventa do século passado começaram a atenuar-se, se bem que, muito len-tamente. Hoje começam a surgir fatores de cansaço e rotura acentuando o crescendo de divergência entre Portugal e a Europa do desporto. O atual mo-delo português não permite a devida exigência ao atleta, técnicos, dirigentes e clube e aponta como objetivo principal a participação nos Jogos Olímpicos, em detrimento da conquista da medalha.

Possivelmente, por estes motivos, a alta competição também não ob-tém da sociedade os meios materiais e monetários capazes de fazer o atleta português ombrear com os melhores da sua modalidades e disciplina.

A capacidade de Coubertin, no final do século XIX, de se inspirar no passado e na realidade mundial do seu tempo, choca com a realidade nacio-nal. Coubertin terá cometido alguns erros de apreciação como quando proi-biu as mulheres de participarem, distinguiu os amadores e os profissionais e cooptou membros o que a história corrigiu. Quando observado o desporto nacional os exemplos dos erros de apreciação e das dificuldades também aparecem mas a evolução de aproximação à praxis olímpica europeia é lenta a ponto da necessidade de compreender os erros como parte das limitações nacionais.

Os dados da conquista de medalhas olímpicas demonstram como a Europa aderiu aos princípios olímpicos interiorizando resultados desporti-vos amplos culturalmente enquanto os frágeis resultados da prática despor-tiva nacional são elementos estatísticos simples e intuitivos que explicam a realidade material que do ponto de vista desportivo e cultural colocam Por-tugal nos dois últimos lugares entre todos os países europeus.

Face à (des)conformidade nacional está por criar um conceito de Olimpismo para Portugal que se abra ao detalhe e à complexidade da reali-dade olímpica, enriquecida ao longo de mais de cem anos.

Referências bibliográficasDownward, P. & Rasciute, S. (2010) Health or happiness? What is the impact of physical activity on the individual. Kyklos 63(2):256–270

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Downward, P., Dawson, A., Dejonghe, T., (2009). Sports Economics: Theory, Evidence and Policy, Elsevier. Eurobarometer. (2009). Eurobarometer - Sport and physical activity. Brussel: European Com-mission.Flages, R., (1990). The Illiad Homer. Viking Penguim.Gratton, C., & Taylor, P (2000) Economics of Sport and Recreation: Taylor & Francis.Kesenne, S. (2007), The Economic Theory of Professional Team Sports: An Analytical Treatment, Edward Elgar.Santos, A. (2002). A Estratégia dos Clubes - Estudo Comparativo dos Clubes de Pequena, Média e Grande Dimensão. Ed. Centro de Estudos e Formação Desportiva/Secretaria de Estado da Juven-tude e Desporto. ISBN: 972-8460-60-0Tenreiro, F. J. S. (2010). Economia do desporto: a competitividade de Portugal na União Euro-peia, tese doutoramento, Universidade do Porto, Porto.Vecsey, G. (2004). Where It All Began. The New York Times. Retrieved from http://www.nytimes.com/learning/teachers/featured_articles/20040811wednesday.html, acedido em 6 Maio 2012

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XIX

pArtIcIpAção dAs AtletAs portuguesAs nos Jogos olímpIcos

Caroline Ferraz Simões & Paula Silva

CIAFEL/Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Neste ano de 2012, comemora-se o centenário da participação de Portugal nos Jogos Olímpicos, porém não podemos comemorar o centenário da participação das atletas portuguesas, que só integraram a delegação 40 anos mais tarde, nos Jogos Olímpicos de Helsíquia, com a participação de três atletas (todas da ginástica artística) numa comitiva composta por 71 atletas. O retardamento da participação das mulheres nos jogos olímpicos não aconteceu somente com as portuguesas, as mulheres foram proibidas de participar desde a primeira edição dos jogos Olímpicos da era Moderna, que realizou-se em Atenas. Vieram a ter participação a partir da II Olimpía-da, em 1900 na França.

No principio, nos Jogos Olímpicos da Era Antiga, as mulheres ca-sadas, solteiras e as jovens não podiam participar nem sequer assistir as provas. Essa exclusão acontecia não só nos jogos olímpicos, como também em inúmeras outras ocasiões da vida pública, “interdição” por motivos reli-giosos, e a violação das regras era punida com a morte.

Uma evidência da exclusão das mulheres nos Jogos Olímpicos da an-tiguidade é uma frase inscrita na base de um monumento de Olímpia:

“Eu, Cyniska, descendente dos reis de Esparta, coloco esta pedra para recordar a corrida que ganhei com rápidos pés do meus corcéis, sendo a única mulher de toda Grécia a ganhar”.

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Cyniska venceu a corrida de quadrigas dos Jogos Olímpicos da anti-guidade (396 e 392 a. C.). As mulheres “podiam” participar de provas eques-tres, dado que a prova era ganha pelo/a dono/a do animal e não por quem o montava ou conduzia o carro. Esta participação muito peculiar fazia-se por um interposto animal (um cavalo seu) e por uma interposta personagem, o homem que montava!

Porém, fora os Jogos Olímpicos, também de quatro em quatro anos, ocorria os Jogos de Hera. Desses jogos participavam mulheres solteiras e as raparigas, e era organizado por um comité constituído de 16 mulheres, celebrado em honra a deusa Hera, mulher e irmã de Zeus.

Nota-se que assim como os jogos masculinos, os femininos tinham um fundamento mítico e religioso. Tinha como única prova uma corrida de 160 metros no estágio, dividida em três categorias: crianças, adolescentes e jovens. A vencedora recebia uma coroa de oliveira, uma parte da vaca que era sacrificada em honra a Hera e romãs que simbolizam a fertilidade.

Não sabe-se ao certo mais informações quanto aos jogos de Hera, porém sabe-se que é tão antigo quanto aos Jogos dos homens. Há participa-ção de mulheres em outros jogos, como em Esparta, dividido em duas so-ciedades femininas: as Leucípedes e as Dionísias). O exercício físico estava presente na educação das espartanas. Ocorria corrida na montanha, e ainda praticavam luta, e não só entre elas como também lutavam com rapazes.

Kallipateira (440 a.C.) deve ter sido a primeira treinadora na histó-ria do desporto. Devido a morte de seu marido, Kallipateria disfarçada de homem treinou seu filho Peisirodos, porém deixou perceber o disfarce de-vido ao seu contentamento perante os resultados. Por ser filha, irmã, prima e mãe de vencedores olímpicos, ela foi poupada de ser lançada do rochedo de Tipaion.

A participação de Portugal nas Olimpíadas parece ter dado início em 1909, onde nessa altura fundou-se o Comité Olímpico Português sem qualquer apoio estatal.

Em 1912 em Estocolmo, dezasseis anos após o inicio dos Jogos da era moderna, Portugal teve participação de seis atletas masculinos para competir em três modalidades: atletismo, luta e esgrima. Esta olimpíada foi de grande marco para Portugal, devido a morte por insolação do maratonis-ta Francisco Lázaro.

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Em 1952, nos jogos em Helsínquia ocorreu a participação de três atletas portuguesas (todas da ginástica) numa comitiva composta por 71 atletas, sendo as portuguesas: Dália Vieirinho Cunha, Maria Laura Silva Amorim e Natália Cunha e Silva.

Em 1956 (Melbourne e Estocolmo), e os dois Jogos Olímpicos se-guintes, em 1972 em Munique e em 1976 em Montreal, não tiveram a pre-sença de atletas portuguesas. Voltaram a participar em 1996, nos Jogos Olímpicos de Atlanta, compondo 22,5% da delegação portuguesa, e desde então só registra-se uma evolução na participação das atletas portuguesas.

A maior representação de atletas portuguesas numa delegação foi composta por 24 atletas em duas olimpíadas consecutivas; em Barcelona (1992) e Atlanta (1996).

Se consideramos o número total de atletas das delegações, o valor percentual mais elevado de mulheres atletas foi de 23,1% nos Jogos de Los Angeles (1984) e nos de Barcelona com uma participação de 39 e 104 atle-tas, respectivamente.

Nos jogos de Sidney (2000), comemorou-se os 100 anos da primeira participação olímpica das mulheres e, em termos do total de participantes, registou-se a maior percentagem de mulheres. Portugal não contribuiu para esse recorde, na medida em que, dos 61 atletas nacionais, apenas 21.3% eram mulheres.

Portugal entre os anos de 1926 e 1974 viveu sob uma ditadura que limitou os direitos políticos e sociais de todos e, muito particularmente das mulheres que representavam um papel social inferior e sem direitos de ci-dadania, o que reflectia de forma acentuada no acesso ao desporto e, nome-adamente, à prática de determinados desportos que não fossem conformes à ordem social estabelecida: uma mulher forte e saudável apta para a pro-criação de gerações futuras e remetida ao papel de dona de casa exemplar.

Os limites impostos “ao modernismo e desenvoltura” das jovens ti-nham como objectivo condicionar-lhes a liberdade de modo a que a mulher portuguesa mantivesse “virtudes cristãs e caseiras”.

Apesar da evolução da participação feminina nos Jogos Olímpicos, a participação das atletas portuguesas nunca ultrapassou os 24%. É de grande importância destacar a participação das atletas femininas nos Jogos Olímpicos, pois a história revela que o desporto foi, e ainda é, um espaço

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conotado com o masculino e no qual as mulheres foram gradualmente mar-cando presença, vencendo contestações e derrubando mitos.

A história revela que o desporto foi e ainda é, um espaço de homens, associado a uma determinada identidade masculina. Este desporto depara-se com um corpo feminino que, para além de ser diferente do “padrão” mas-culino, é sujeito aos poderes legislativos, religiosos, médicos e filosóficos, tecidos por homens, poderes que aprisionam à maternidade, e que lhe di-tam regras de graciosidade e de submissão. E neste sentido, as mulheres ao reivindicarem iguais direitos e oportunidades no desporto, ao transporem fronteiras que lhes foram impostas, tornam-se guerreiras. À medida que vão conquistando espaço no território masculino, e que se lhes reconhece va-lor, são modelos importantes no mundo do desporto, acedem ao mundo das deusas, junto a Rhea, a mãe de todos os deuses.

Nota BibliográficaCrus, Isabel & Silva, Paula. Deusas e Guerreiras dos Jogos Olímpicos. Ed. Comissão para a igual-dade e para os direitos das mulheres.

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XX

dAs FÉrrAs Ao pódIo - um percurso hIstórIco em dIreção Ao

olImpIsmo, nAs IlhAs dA mAdeIrAe do porto sAnto

Francisco J. V. Fernandes

Economista1

Onde começa verdadeiramente o Desporto e acabam os atos huma-nos e naturais que impliquem esforço, superação, concentração, técnica, seja para correr, saltar, trepar, içar, arremessar, pontapear, atirar, combater ou, até, morrer?

Tal como no estudo do evolucionismo biológico os espaços insulares se constituíram como autênticos laboratórios vivos – consequência do seu isolamento, da insularidade e da resistência às influências externas – tam-bém no estudo do nascimento e evolução do Desporto, as ilhas podem consti-tuir um espaço de observação privilegiado, na medida em que, desde sempre, foram palco de práticas singulares associadas seja à defesa do território e dos bens contra cobiças geográficas e económicas externas, seja pela resis-tência às invasões dos corsários, seja, ainda, por força da prática da guerra, ou do treino para esta, em tempo de paz.

Estas atividades, largamente influenciadas por uma forçada misci-genação cultural, originada pelas raízes dos primeiros povoadores que aí fi-zeram implantar e perdurar hábitos e práticas que, não sendo inicialmente do estrito foro desportivo, antes bélico, religioso ou meramente recreativo, ficaram associadas à cultura física e ao uso e desenvolvimento do corpo e da

1. Francisco Fernandes, (Funchal, 1952), economista, PhD Motricidade Humana, Mestre em Gestão do Desporto, Lic. Finanças. Foi docente de Matemática, Ciências Naturais e Estatística, Chefiou os Serviços Administrativos dos Aeroportos da Madeira, Presidente do IDRAM e membro do G. R. da Madeira, com o cargo de S. R. Educação e Cultura. É assessor do C. A. da ANAM e professor convidado da Universidade da Madeira. Tem uma vasta obra publicada.

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mente de forma marcadamente agonística, protagonizadas por rotinas sin-gulares, designadamente as férras, as camisadas ou encamisadas e as cava-lhadas, cujas origens radicam nos dos séculos XV e XVI.

Imaginemo-nos, pois, numa recém-descoberta ilha atlântica e em pleno no século XV.

Na escuridão da noite grupos de homens abandonam as casas junto ao um dos fortes que protegem a costa e dirige-se para a zona do calhau. A escuridão é completa, para além dos reflexos do luar que tornam quase fan-tasmagóricas as vestes claras envergadas pelo grupo para estas atividades que tinham tanto de recreativas como de treinamento bélico, e que ficaram conhecidas como camisadas ou encamisadas.

Estas práticas, tal como as cavalhadas (exercícios equestres muito ao gosto da época, que mais parecia exército de guerra, que folgar de festa2) são também um condimento indispensável para as celebrações, seja do que for. Em 1761, pelo nascimento de D. José, herdeiro do trono, o historiador insular Sarmento (1952) transcreve um acórdão da Câmara Municipal do Funchal, nestes termos:

«Este faustíçimo nascim.to, que se faça com a brevid. e pocível vista a demora q. tem avido p. a pronta execução deste festejo (trez dias de luminarias publicas com todas as enuençois (invenções) de fogos conduçente e percizos ao mesmo festejo) e nas tardes dos trez dias q. se ande asignar na pr.a: haverá huas cavalladas3 preparandose o curro com aquele aceio percizo e competente p.a a mesma função4».

Quer as camisadas (ou encamisadas) quer as cavalhadas não são ca-racterísticas únicas da população insular.

De facto, em 1861, Camilo Castelo Branco, em Amor de Perdição5, põe na boca do Mestre João da Cruz, referindo-se este às andanças de Si-mão Botelho, perdido de amores pela filha de Tadeu de Albuquerque: «Mas

2. SILVA, F e MENESES, C., (1921), Elucidário Madeirense, 4.ª Edição SREC, 1978.3. A Argolinha é uma variante das cavalhadas, consistindo em o cavaleiro enfiar, a correr, uma argola dependurada a certa altura na sua passagem.4. SARMENTO, A. (1952), Ensaios históricos da Minha Terra, vol. III, Funchal, CEHA-Biblio-teca Digital, pp. 82/83.5. CASTELO-BRANCO, C. (1862), Amor de Perdição, BASE.

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se vossa senhoria dá licença que eu lhe diga a minha opinião, o melhor é não andar nessas encamisadas».

Já as cavalhadas são celebrações portuguesas tradicionais com ori-gem nos torneios medievais, onde os aristocratas exibiam em espetáculos públicos a sua destreza e valentia. Eram essencialmente torneios que ser-viam como exercício militar nos intervalos das guerras e onde nobres e guer-reiros cultivavam a praxe da galantaria. «Em tempo de paz para que, pelo ócio, os homens não se tornem moles e efeminados6».

No dizer do historiador Alberto Artur Sarmento, «Já os romanos diziam que era necessário dar ao povo pão e divertimentos. Ninguém pode estar alegre, tendo o estômago vazio, e é preciso distrair o espírito da plebe, para não pensar em coisas tristes7».

O capitão donatário, o 3.º da linhagem de Zargo, Simão Gonçalves da Câmara, O Magnífico, conforme refere um cronista da primeira metade do século XX, porque era…

«[…] dado a brincos e folgares, em frente da habitação mandou apla-nar o Largo da Péla e no caminho da Carreira, havia corridas de ca-valos. Touros e “férras” divertiam o povo, com prémios para a audácia dos lutadores.8 O capitão donatário “(…) era inclinado a ter sua casa em que morava sempre acompanhada, para o que mandou fazer dos muros a dentro um jogo de péla, em que gastou mais de quinhentos cruzados, onde hiam folgar muitos da cidade e de toda a ilha9».

Manuel Constantino, historiador do Século XVI, na versão em latim da História da Madeira (traduzida em 1939 pelo Pde. João Baptista da Afon-

6. ARAGÃO, A. (1981), A Madeira vista por Estrangeiros (1455-1700), p. 94, Funchal, SREC/DRAC.7. SARMENTO, A. (1953), Ensaios históricos da Minha Terra, vol. II, p. 34, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdi-gital/madeira-geral/1947-AASarmento-Ensaios-2.pdf, data da visita: 25/05/20128. SARMENTO, A. (1946), Ensaios históricos da Minha Terra, vol. I, Funchal, CEHA-Biblio-teca Digital, p. 57, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdi-gital/madeira-geral/ 1946-ensaios-1.pdf, data da visita: 25/05/20129. FRUTUOSO, G. (1873), Saudades da Terra. História das ilhas do Porto Sancto , Madeira, De-sertas e Selvagens, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/madeira-geral/1873-SAUDADES DA TERRA E NO-TAS ARA.pdf. Data da visita: 25/05/2012.

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seca) refere que «Entre a plebe, porém, nenhum desporto é mais querido do que a “Férra”».

E prossegue:

«(…) para a qual se treinam com paixão e sacrifício os homens, principal-mente os campónios, já em mira no louvor, já com a esperança nos pré-mios, pois que nos dias festivos são muitos os que vêm a combate, sendo-lhes concedidos prémios. Despidos das roupas exteriores, e até nús salvo as partes, preparam-se para a luta, não sendo mais de dois os que entram no campo da “férra”. Dêles o vencedor, se lhe apraz, uma vez e outras, entra na liça; aliás outros dois depois vêm á baila e lutam, mas o que é vencido não póde lutar mais, sendo, porém, altamente pindarizado aquele que ferrou, singularmente, com vários na arena e que os venceu, pois lhe é outorgada a palma e o premio. Tais atletas, porém, observam duas cousas: a primeira é que agarrem o adversário a geito, e a segunda que o “trompiquem” com os pés, em cujo movimento e jogo dos ditos, há um certo “truc” de enganar, para que o adversário caia direito ao chão, de cabeça obliquamente ou de costas, e como na feira ha muitos modos de enganar e são varias as quedas e deslises, assim tambem tem vários nomes o jogo de pés. Toda a arte da “férra” resume-se no agarrar a geito com as mãos e num certo giro dos pes e em ciladas, mais do que em força e músculos10».

No mesmo sentido vem Aragão (1981), em A Madeira vista por es-trangeiros:

«À plebe pede-se que tenha conhecimento da marinharia, que se entre-gue ao comércio, olhe pela agricultura, venere os nobres e, com o servi-los, lhes conquiste a graça e favor, aprenda a manejar as armas para servir na guerra, saiba música para animar os amores, dance, lute e toureie. Nestes dois últimos exercícios (…), superam de longe todas as outras nações11».

10. CONSTANTINO, M. (1939), História da Ilha da Madeira (Versão Portuguesa do Padre João Batista de Afonseca), pp. 39 e 40, Funchal, Tip. Diário da Madeira.11. ARAGÃO, A. (1981), A Madeira vista por Estrangeiros (1455-1700), pp.97, Funchal, SREC/DRAC.

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E, referindo-se concretamente às “férras”:

«(…) não há todavia para a plebe nenhum jogo mais célebre que a luta na qual os homens põem todo o seu empenho sobretudo os campone-ses, o que fazem não tanto para conquistarem louvores mas pela espe-rança de prémio.(…) Então os lutadores inteiramente nús, com excep-ção das partes pudibundas, se prepara para a luta12».

Pouco antes de 1750, sabe-se que o desporto favorito dos estudantes era uma espécie de tennis ou basketball em que procuravam bater uma bola de modo a que passasse entre um círculo metálico, aberto fixado no chão13. Chamavam-lhe ‘tocambocco’14, sendo também praticado outro jogo, parecido com o nosso jogo das damas e chamavam-lhe “Dammer”15.

«Muito mais tarde (1838) John Driver fala das corridas de cavalos (…) o principal exercício seria o pedestrianismo (…) e a natação prática corrente. (…) O futebol foi pela primeira vez introduzido em Portugal, no [Largo da Achada]16 Camacha, por um homem nascido na Madeira, Harry Hinton, filho de ingleses, em 1875, e não como a tradição lisboe-ta reivindica, em 1876 pelos irmãos Pinto Basto17».

O cricket, jogo tipicamente inglês foi introduzido na ilha em 1888 (…) [e] o lawn tennis nos anos 70 ou 80 do século XIX (…) [sendo] o bilhar um dos mais antigos desportos praticados na Madeira.

12. Idem, p. 9813. PAYNE, J. (1740), An historical Account of the Discovery of Madeira.14. MARQUES DA SILVA, A. (1994), O quotidiano Madeirense – 1750/1900, Lisboa, Caminho.15. Idem, p. 191.16. Cf. SILVA, F. e MENESES, C. (1921), Elucidário Madeirense, 4.ª Edição SREC, 1978. Achada: Pequeno planalto da freguesia da Camacha, nas proximidades da igreja paroquial, em cujo perímetro se encontram uma torre isolada com seu relógio e uma pequena capela dedicada a S. José e construída no ano de 1924. É lugar pitoresco e bastante frequentado pelas pessoas que visitam aquela freguesia. Em outro tempo, era muito conhecido, entre os estrangeiros residentes na Madeira, pelo nome de Jogo da Bola e servia para diversos jogos desportivos. Dá acesso à antiga e aprazível quinta Grabham, em que se acha instalado o hotel da localidade.17. MARQUES DA SILVA, A. obra citada.

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Numa singularidade, única no Mundo, temos por volta de 1880, e perdurando até ao início da I Guerra, as extravagantes Esquadras Submari-nas de Navegação Terrestre, que não sendo propriamente uma organização desportiva, eram antes reminiscências das antigas organizações militares. Os elementos que as integravam mais não pretendiam do que divertir-se, e efetuar caminhadas que culminavam geralmente em festejos gastronómicos. Usavam fardamentos da marinha, armas em desuso, praticavam desfiles e exercícios militares. As suas fragatas e corvetas mais não eram do que, con-soante a categoria, as quintas pertencentes aos mais ricos membros da es-quadra18.

«Estes postos eram as bases de ataque da “Esquadra” que tinha o seu “almirante” e “comodoro”. Cada domingo o chefe determinava onde se concentraria a frota e qual o objectivo do ataque: em regra uma boa adega nos arredores do Funchal. À hora marcada para o “raid”, esses pândegos – os “submarinos” – dirigiam-se, fora de caminhos, através de terras de cultura, agachados e a coberto de canaviais e bananeiras, até ao barco inimigo, isto é, a adega que deviam atacar. O comandante, quer dizer, o proprietário, surpreendido ou não, rendia-se sem abrir fogo, e as pipas ficavam, com o que havia nas despensas, à disposição dos agressores. A ofensiva terminava em lauta festa19».

Desta fase pré-desportiva o estudo mais exaustivo é da autoria de Santos, a História Lúdico-Desportiva da Madeira, no qual vem referido:

«Assim, os homens livres de então e sob formas que hoje quase sem relutância apelidaríamos de desportivas, dedicavam-se à caça, às ca-valhadas, aos jogos com bola (…) ao passeio a pé e/ou equestre (…)20».

No entanto…

«Nenhuma pessoa jogará à bola aos Domingos e Dias Santos antes

18. PESTANA, C. (1968), As Esquadras de Navegação Terrestre, Jornal da Madeira, prefácio19. PESTANA, C. (1968), As Esquadras de Navegação Terrestre, Jornal da Madeira, p. 16.20. SANTOS, F. (1989), História Lúdico-Desportiva da Madeira, Funchal, SREJE.

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da missa do Dia, sob pena de 200 reis e sob a dita pena, nenhum ofi-cial mecânico, nem homens trabalhadores, nem pessoas vadias, nem nenhum homem peão será achado, nos outros dias, a jogar, quando forem dias de trabalho (…) e sob a dita pena não consentirão jogar nenhum moço ou escravo21».

Encurtando a viagem e passando o início da fase desportiva, não dei-xa de ser curioso mencionar algumas singularidades do desporto ilhéu. O isolamento a tal obrigava. Em finais de Maio de 1913 o Jornal O Athenista, órgão dos Empregados de Comércio que se associavam numa das mais anti-gas (hoje extinta) agremiações desportivas, o Atheneu Comercial do Funchal, lançava a ideia de uns jogos, através de uma crónica:

«(…) Ao encetarmos estas despretensiosas apreciações desportivas do nosso meio, tivemos em mira somente pretender colaborar, dentro dos nossos limitadíssimos préstimos, com os bem intencionados pela divul-gação dos jogos ao ar livre, incutindo na ideia dos novos o gosto pelo desenvolvimento phisico, que tão depauperado se encontra, e arreigar-lhes no espírito a perseverança nas vissicitudes da vida.O sport como muitos julgam não é só o desenjuativo da ‘infore niente’, ou um capricho dos momentos de ócio, phrase esta obrigada nos ‘five o’clock teas’ e dita por aquelles que em requintes de snobismo tentam cultiva-lo.Os jogos de desporto, perante a geração actual, veem realizar uma missão muito mais elevada, não só como principal factor de cultura corpórea, como também, sob a sua guarda, o rejuvenescimento d’uma raça de rachíticos e estropiados22».

Lançada a ideia, a mesma recebeu logo reação de um dos sportsmen mais conceituado da época, Humberto dos Passos Freitas, que veio defender que a falta de ‘certamens desportivos’ se deve à falta de elementos, pois que iniciadores os há [ele próprio] dando como exemplo a organização do 1.º Team de Football, em 1909, as Festas Sportivas por ocasião da extinção da

21. In Revista das Artes e da História, n.º 36, 1996.22. In O Athenista, 29/05/1913, crónica assinada por ‘TOY’

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Cholera em 1911, a Marathon Race e as provas para o Campeonato dos Jogos Olympicos.

A ideia pega. Os jogos são aprazados para Outubro de 1913 e do programa constam: Regatas, corridas de natação, mergulhos elegantes e de altura, tempo debaixo de água, corrida de automóveis, corrida de bicycletas (velocidade e slow), corrida terrestre, saltos em altura, saltos de trampolim, jogar o laço a cavalo, jogo da rosa, corrida de trot, velocidade e obstáculos a cavalo, tiro aos pombos, tennis, badmington, boxing, fencing, wrestling e, como provas de consolação, os saltos em extensão, os mergulhos longos e o copo de água a cavalo…

O impacto juntos dos desportistas e da população foi enorme. Ao programa inicial juntaram-se ainda outras modalidades, algumas conside-radas ‘cómicas’: Corrida negativa de bicicletas, saltos em altura com corrida, saltos em extensão sem corrida, corrida de costas (cómica), corrida de velo-cidade, lançamento de peso, salto à vara, corrida de secos (cómica), corrida de barreiras, corrida de pés atados e tracção à corda. A tal ponto que as cró-nicas do mesmo jornal já titulavam pomposamente este s jogos como Jogos Olympicos Madeirenses!

E tudo isto há 100 anos! São desta época e dos anos seguintes as primeiras referências aos Jogos Olímpicos e à participação dos Madeirenses que, diga-se em abono da verdade, passou por uma fase de ‘quase participa-ção’ e de algumas imprecisões históricas, até que a mesma se concretizou de facto em 1988.

Efetivamente existem registos de uma possibilidade de participação nos Jogos de 1900, 1908 e 1912, sempre na modalidade de Esgrima, e por parte do desportista D. Sebastião Sancho Gil de Borja de Macedo e Menezes Correia Herédia (Porto, 1876; Lisboa, 1958), filho de D. Francisco Correia Herédia (Ribeira Brava, 1852; Lisboa, 1918), que foi o primeiro (e único) Visconde da Ribeira Brava, ele próprio também esgrimista de renome. No entanto a primeira participação portuguesa só se veio a concretizar em 1912.

«Foi (…) [na] edição [de Estocolmo 1912] que Portugal se estreou nos Jogos Olímpicos, representado por seis atletas. Antes dos Jogos, a cam-panha lançada pela imprensa gerou um clima de euforia entre a popu-lação, que em 1910 assistiu à instauração da república em Portugal.

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Foi já com a bandeira verde e vermelha que Portugal se fez representar na Suécia. A comitiva portuguesa debateu-se com a falta de meios fi-nanceiros para se deslocar até Estocolmo, uma vez que o Comité Olím-pico português não atribuiu nenhum subsídio. Por força disso mesmo, tiveram de ser excluídos quatro atletas do grupo inicial de dez que es-tavam selecionados para os Jogos. Correia Leal e Matias de Carvalho, no atletismo, Sebastião Herédia (1876-1958), na esgrima, e César de Melo, na luta, foram os excluídos. (…). A estreia de Portugal nos Jogos olímpicos ficou marcada pela morte do atleta Francisco Lázaro, vítima de uma insolação, em quem os portugueses depositavam grandes espe-ranças para a vitória na prova da maratona23».

É somente nos jogos de 1928 que se verifica a primeira participa-ção de um Herédia nos Jogos Olímpicos, neste caso D. Sebastião de Freitas Branco Herédia (Lisboa, 1903; Carcavelos, 1983), o qual vem erradamente referenciado em alguma literatura como sendo o primeiro madeirense a par-ticipar nos Jogos Olímpicos. De facto era neto de um Madeirense, o já aludido Visconde da Ribeira Brava, mas nasceu em Lisboa em Lisboa, em 1903. Toda-via, e como curiosidade, registe-se que são ainda hoje conservadas algumas armas e vestes de esgrimista numa vitrina/museu existente no antigo Liceu do Funchal, hoje Escola Secundária de Jaime Moniz, mas não foi possível apu-rar a que geração desta família de esgrimistas terá pertencido, supondo-se que tivesse pertencido ao Olímpico com ascendência madeirense D. Sebas-tião de Freitas Branco Herédia.

Merece aqui referência especial outro desportista de eleição, aluno do Colégio militar, Francisco João de Vasconcelos do Couto Cardoso (1914-1993), natural da Madeira, conhecido entre os seus contemporâneos como O Príncipe da Camacha, que se sagrou campeão ibérico de natação, nos 100 metros, e que, alguma literatura, erradamente, o refere como tendo integra-do a equipa olímpica portuguesa aos Jogos de Berlim (1936), o que não se confirma pelos registos do Comité Olímpico.

«Entre o final da I República e o advento da Democracia e da Autono-

23. In http://www.infopedia.pt/$jogos-olimpicos-de-estocolmo-1912, data da visita 25/05/2012.

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mia, o desporto madeirense ficou praticamente confinado às amarras da insularidade e do isolamento. Enquanto a parte continental do país foi assistindo à organização sistemática das práticas desportivas, a Madeira e o Porto Santo ficaram arredados dessa marcha progressiva. Elucidam bem estas circunstâncias os factos de só em 1957 ter mereci-do a construção de um Estádio de Futebol e só em 1972 ter visto nascer o primeiro pavilhão gimnodesportivo.A construção do aeroporto e consequente alargamento das possibili-dades de ligação mais rápida e regular com o resto do país veio atiçar a vontade dos madeirenses em marcar presença nas provas desporti-vas nacionais. Era uma vontade tão forte que, praticamente dez anos depois da inauguração do aeroporto, o Club Sport Marítimo aceita condições humilhantes (mas à data incontornáveis) para aceder ao campeonato nacional da II divisão em futebol. Estávamos em 1973. Um ano depois, com a Revolução de Abril, será iniciado o processo de afirmação desportiva madeirense que se consolidou até aos nossos dias24».

Processo que conduziu muitos madeirenses aos Jogos Olímpicos, sendo por isso merecedores de pertencer a um Hall of Fame Olímpico e de que aqui damos conta, mantendo, por um lado, D. Sebastião Herédia, pela sua ascendência madeirense e, por outro, referindo não apenas os atletas, mas também outros agentes desportivos que, acompanhando-os diretamente ou não, marcaram presença nos jogos Olímpicos e Paralímpicos.

Amesterdão 1928Sebastião Herédia, Esgrima (Florete).

Los Angeles 1932Sebastião Herédia, Pentatlo Moderno.

Seul 1988Paulo Camacho (Clube Naval do Funchal), Natação (Mariposa).

24. In http://ama-lingua.com/index.php?mod=desp1, data da visita 25/05/2012

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Barcelona 1992 Ricardo Fernandes (Clube Desportivo Nacional), Badminton;Ricardo Portela (Associação Hípica da Madeira), Equestre;Paula Saldanha (Sporting Clube da Madeira), Judo (52 kgs);Paulo Jorge Martins (S. L. e Benfica), Luta Greco-Romana (74 kgs);João Rodrigues (Centro de Treino de Mar), Vela (Lechner);José António Gouveia (Técnico), Vela (Lechner);José Miguel Freitas (Árbitro), Basquetebol (P).

Atlanta 1996Catarina Fagundes (Clube Naval do Funchal), Vela (Mistral);João Rodrigues (Centro de Treino de Mar), Vela (Mistral);José António Gouveia (Técnico), Vela (Mistral).

Sidney 2000Marco Vasconcelos (Grupo Desportivo do Estreito), Badminton;João Rodrigues (Centro de Treino de Mar), Vela (Mistral);José António Gouveia (Técnico), Vela (Mistral).João Carvalho (Fisioterapeuta), Vela (Mistral);Rudolfo Alves (Assoc. de Amblíopes Portugal), Atletismo (P)/Cegos:Alcides Fernandes (DREER), Basquetebol (P).

Atenas 2004Maribel Gonçalves (Club Sport Marítimo), Atletismo (Marcha);Marco Vasconcelos (Grupo Desportivo do Estreito), Badminton;David Freitas (Técnico), Badminton;Danny Gomes (Club Sport Marítimo), Futebol;Cristiano Ronaldo (Manchester United), Futebol;Filipe Bezugo (Clube Desportivo Nacional), Ginástica Artística;João Rodrigues (Centro de Treino de Mar), Vela (Mistral);José António Gouveia (Técnico), Vela (Mistral);João Carvalho (Fisioterapeuta), Vela (Mistral);Rudolfo Alves (Clube Sport Marítimo), Atletismo (P)/Cegos:Alcides Fernandes (Clube Desp. ‘Os Especiais’), Basquetebol (P);Lino Rodrigues (Clube Desp. ‘Os Especiais’), Basquetebol (P);Duarte Sousa (Técnico), Basquetebol (P);

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Pequim 2008Marco Vasconcelos (Grupo Desportivo do Estreito), Badminton;David Freitas (Técnico), Badminton;Ana Moura (Club Sports Madeira), Badminton;Ricardo Fernandes (Técnico), Badminton; João Rodrigues (Centro de Treino de Mar), Vela (RS:X);José António Gouveia (Técnico), Vela (RS:X);João Carvalho (Fisioterapeuta), Vela (RS:X);Alberto Paulo (Club Sport Marítimo), Atletismo (3000 m, obstáculos)Helena Rodrigues (Clube Naval do Funchal), Canoagem (K2 500);Marcos Freitas, (TTC Indeland Julich),Ténis de Mesa;Ricardo Faria (Técnico), Ténis de Mesa;Adriano Gonçalves (Técnico), Atletismo (P).

Uma simples análise estatística, que pode ser constatada no Gráfico 1, revela que a quota de atletas oriundos da Madeira excede em quase todas as participações os 2,5% que correspondem à sua quota populacional.

Se em Seul’88 e Atlanta’96 estivemos abaixo da quota de 2,5% e em Sidney a atingimos, já em Barcelona’92 duplicámos e em Atenas’2004 e Pe-quim’2008, triplicámos!

Como explicar?

Gráfico 1 - Participação Olímpica de Portugal e Peso Relativo dos Participantes Oriundos da Região Autónoma da Madeira:

1988-2008

Fonte: Registos estatísticos doComité Olímpico dePortugal e doIDRAM-IPRAM.

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As condições proporcionadas, as distâncias mais curtas, os investi-mentos públicos, as infraestruturas, o associativismo, o dirigismo desporti-vo, os técnicos, a investigação, a Universidade da Madeira, o Desporto Esco-lar, o destacamento de técnicos para os Clubes e Associações, a competição nacional e internacional, o apoio à alta competição, a deteção de talentos, a formação desportiva, explicam uma parte. Mas não explicam tudo, nem sabe-mos se, um dia, seremos capazes de dar esta resposta.

Atrevemo-nos apenas a fazer perguntas, remetendo parte da respos-ta para os genes que estes atletas herdaram dos seus pais e avós ilhéus…

Será por serem descendentes dos homens e mulheres que domina-ram a natureza agreste?

Dos que construíram as levadas e as estradas cortadas nas rochasDo esforço das mulheres?Das cargas desumanas?Das crianças da mergulhança que apanhavam as moedas atiradas ao

mar pelos turistas que nos visitam nos transatlânticos?Dos homens do mar?De alguns deles ou de todos juntos, e da sua vontade de vencer?Não saberemos responder…Sabemos apenas que muitos de nós já estão com os olhos postos em

Londres’2012, na expectativa de nos revermos nos novos heróis desportivos: No Alberto Paulo (Atletismo), no Marcos Freitas (Ténis de Mesa), na Helena Rodrigues (Canoagem) e no Português mais ‘Olímpico’ de sempre, João Ro-drigues (Vela, RS:X), este último a caminho da sua 6.ª participação olímpica.

Principal bibliografia e consultas efetuadasARAGÃO, A. (1981), A Madeira vista por Estrangeiros (1455-1700), Funchal, SREC/DRAC.CASTELO-BRANCO, C. (1862), Amor de Perdição, BASE.CONSTANTINO, M. (1939), História da Ilha da Madeira (Versão Portuguesa do Padre João Batista de Afonseca), Funchal, Tip. Diário da Madeira.FRUTUOSO, G. (1873), Saudades da Terra. História das ilhas do Porto Sancto, Madeira, Desertas e Selvagens, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Por-tals/31/CEHA/bdigital/madeira-geral/1873-SAUDADES DA TERRA E NOTAS ARA.pdf. Data da visita: 25/05/2012.

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MARQUES DA SILVA, A. (1994), O quotidiano Madeirense – 1750/1900, Lisboa, Caminho.O Athenista, 29/05/1913, crónica assinada por ‘TOY’PAYNE, J. (1740), An historical Account of the Discovery of Madeira.PESTANA, C. (1968), As Esquadras de Navegação Terrestre, Jornal da Madeira, prefácioRevista das Artes e da História, n.º 36, 1996.SANTOS, F. (1989), História Lúdico-Desportiva da Madeira, Funchal, SREJE.SARMENTO, A. (1946), Ensaios históricos da Minha Terra, vol. I, Funchal, CEHA-Biblioteca Di-gital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/madeira-geral/ 1946-ensaios-1.pdf, data da visita: 25/05/2012SARMENTO, A. (1953), Ensaios históricos da Minha Terra, vol. II, p. 34, Funchal, CEHA-Biblio-teca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/madeira-geral/1947-AASarmento-Ensaios-2.pdf, data da visita:25/05/2012SILVA, F. e MENESES, C. (1921), Elucidário Madeirense, 4.ª Edição SREC, 1978.In http://www.infopedia.pt/$jogos-olimpicos-de-estocolmo-1912, data da visita 25/05/2012.In http://ama-lingua.com/index.php?mod=desp1, data da visita 25/05/2012.