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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
Relaes de Trabalho em Call Centers: Flexibilidade laboral e perfis scio-ocupacionais
em novo cenrio de emprego
Lus Fernando Santos Corra da Silva
Orientadora Profa. Dra. Snia Guimares
Porto Alegre, setembro de 2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
Relaes de Trabalho em Call Centers: Flexibilidade laboral e perfis scio-ocupacionais
em novo cenrio de emprego
Lus Fernando Santos Corra da Silva
Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Sociologia
Profa. Orientadora Dra. Snia Guimares
Porto Alegre, setembro de 2006
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Dedicatria
Para Roselaine e Lucas, que compartilham
comigo o verdadeiro significado da palavra
famlia, tornando meus dias repletos de amor,
ternura e companheirismo.
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No sou escravo de ningum Ningum senhor do meu domnio Sei o que devo defender E por valor e tenho E temo o que agora se desfaz. Viajamos Sete lguas Por entre abismos e florestas Por Deus nunca me vi to s a prpria f o que destri Estes so dias desleais. Sou metal - raio, relmpago e trovo Sou metal, eu sou o ouro em seu braso Sou metal: me sabe o sopro do drago.
Msica: Metal Contra as Nuvens Composio: Renato Russo
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AGRADECIMENTOS
Sou profundamente grato a diversas pessoas e entidades, que colaboraram comigo
das mais diversas formas, pois sem o auxlio das mesmas a realizao do curso de mestrado
e a elaborao da presente dissertao no seriam possveis.
Agradeo ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia da UFRGS - PPGS, aos
seus professores e funcionrios, que disponibilizaram toda a estrutura necessria para a
realizao do curso de mestrado. Agradeo especialmente Regiane e Denise, da
secretaria do programa, pelo apoio operacional.
Agradeo Comisso de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES,
pelo apoio financeiro, sem o qual a realizao do curso de mestrado no teria sido possvel.
Sou grato s trs empresas investigadas e aos seus empregados, que participaram da
pesquisa de campo, seja fornecendo entrevistas, seja respondendo aos questionrios.
Sou especialmente grato a minha orientadora, Profa. Dra. Snia Maria Karan
Guimares, que me acompanha desde os tempos de iniciao cientfica. Suas crticas,
sugestes e comentrios, sempre pertinentes, auxiliaram sobremaneira minha formao
profissional e sua dedicao pesquisa sociolgica tornou-se exemplo para mim. Muito
obrigado por tudo!
Devo gratido Profa. Dra. Naira Lima Laps, a qual sempre foi uma das minhas
principais incentivadoras. Fui seu aluno no curso de graduao por duas oportunidades e,
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durante a realizao do curso de mestrado, tive a oportunidade de estagiar na disciplina
Sociologia do Trabalho, ministrada por ela no curso de graduao.
Agradeo aos meus colegas de mestrado pela companhia agradvel, bem como
pelos instigantes debates que marcaram a realizao das disciplinas, seja durante as aulas,
seja no bar, ou no RU: Carlos, Clvis, Marco Antnio, Fabiano, Fernando, Jandir, Jos
Ernesto, Marcos, Marina, Milton, Richardson e Tnia, sou grato a todos vocs.
Sou grato ao colega e amigo Daniel Gustavo Mocelin, futuro mestre em Sociologia.
Nossa amizade vem dos tempos de iniciao cientfica e perdura at hoje. Obrigado pelos
comentrios e discusses, sempre pertinentes.
Devo gratido aos meus familiares, sobretudo meus pais Fernando e Valdeci, minha
irm Patrcia e meus avs Nacy e Irene. Amo muito todos vocs e muito bom ter vocs
por perto. Como sempre, vocs tiveram um grande participao na minha conquista.
Obrigado por terem tomado conta do Lucas, nas diversas oportunidades em que eu me
encontrei ausente.
Por fim, sou infinitamente grato a minha esposa Roselaine e meu filho Lucas. Rose,
poucas pessoas tem tantas qualidades quanto voc (e dizer que eu tive a sorte de te
encontrar e dividir minha vida contigo). Te amo! Lucas, filho desejado e amado, agora
teremos mais tempo para o videogame e o futebol.
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SUMRIO
Lista de Tabelas
Lista de Quadros
Lista de Grficos
Resumo
Abstract
INTRODUO ..................................................................................................................15
Procedimentos Metodolgicos ..........................................................................................18
CAPTULO I RELAES DE TRABALHO NO CONTEXTO DA REESTRUTURAO ECONMICA: FLEXIBILIDADE LABORAL E NOVOS PERFIS OCUPACIONAIS.
1.1. Consideraes sobre o conceito de relaes de trabalho ..............................24
1.2. Transformaes sociais e laborais nas sociedades contemporneas ............31
1.3. Mudanas no perfil do trabalhador ...............................................................43
CAPTULO II OS CALL CENTERS EM FOCO: SETOR DE SERVIOS, CONTEXTO E EXPANSO DO MERCADO.
2.1. Questes preliminares: o setor de servios e suas subdivises ....................49
2.2. A reestruturao das telecomunicaes no Brasil ........................................56
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2.3. Call centers: conceituao e dinmica do mercado de trabalho no Brasil ..61
2.4. O trabalho nos call centers: o debate recente ..............................................65
CAPTULO III RELAES DE TRABALHO NOS CALL CENTERS: AS TRS EMPRESAS INVESTIGADAS.
3.1. Caractersticas gerais das empresas investigadas, recrutamento e treinamento ..........................................................................................................79 3.2. Perfis scio-ocupacionais: quem trabalha? .................................................. 90
3.3. Condies de emprego: sob quais condies trabalha? ............................. 111
3.4. Organizao do trabalho: como se trabalha? ............................................. 118
3.5. Estratgias de flexibilidade laboral ............................................................ 134
CONSIDERAES FINAIS ......................................................................................... 140
Bibliografia .......................................................................................................................143
Anexos
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Evoluo da distribuio dos empregos por setor econmico no Brasil (em %) Tabela 2 Evoluo da distribuio dos empregos no setor de servios por classe de servio (em %) Tabela 3 - Indicadores de abrangncia dos servios de telecomunicaes, no Brasil (2004)
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Evoluo do faturamento bruto do mercado de call centers, no Brasil (em bilhes de dlares) Grfico 2 Evoluo do nmero de postos de trabalho no mercado de call centers, no Brasil (em nmeros absolutos) Grfico 3 Distribuio dos empregados entrevistados por sexo (em %) Grfico 4 Idade mdia dos empregados entrevistados (em anos) Grfico 5 Distribuio dos empregados entrevistados por escolaridade ( em %) Grfico 6 Atualmente voc est estudando? (em %) Grfico 7 O que estuda? (em %) Grfico 8 Voc realizou curso de capacitao antes de ingressar no emprego? (em %) Grfico 9 Voc realizou treinamento quando contratado? (em %) Grfico 10 Voc realiza treinamentos peridicos? (em %) Grfico 11 Este seu primeiro emprego? (em %) Grfico 12 Em relao ao nvel salarial das atividades anteriores, como avalia omparando com a atividade atual? (em %) Grfico 13 Pretende seguir carreira na empresa? (em %) Grfico 14 Tempo mdio de trabalho na empresa (em meses) Grfico 15 Voc sindicalizado? (em %) Grfico 16 Tem acesso s informaes sindicais? (em %)
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Grfico 17 Voc participa do sindicato? (em %) Grfico 18 Voc tem conhecimento do "Acordo Coletivo de Trabalho" firmado entre a empresa e o Sinttel-RS? (em %) Grfico 19 Em relao ao script utilizado, voc: (em %) Grfico 20 Aps consultar a base de dados, caso permaneam dvidas durante a realizao de um atendimento, voc recorre: (em %) Grfico 21 Em relao ao script utilizado, voc: (em %) Grfico 22 Aps consultar a base de dados, caso permaneam dvidas durante a realizao do atendimento, voc recorre: (em %)
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Segmento de mercado atendido e natureza das operaes, por empresa Quadro 2 Populao, amostra e nmero de retornos, por empresa Quadro 3 Tarefas bsicas e seus realizadores no processo de trabalho informacional Quadro 4 Situaes face ao emprego e as perspectivas de empregabilidade Quadro 5 Estratgias de flexibilidade laboral em relao ao emprego, segundo a posio no processo de trabalho informacional. Quadro 6 - Tipos de telemarketing Quadro 7 Atributos quantitativos e qualitativos no atendimento Quadro 8 Atribuies dos coordenadores Quadro 9 Caractersticas gerais das empresas investigadas, recrutamento e treinamento Quadro 10 Entre as palavras abaixo, qual melhor define seu trabalho? (em %) Quadro 11 Alternativas que melhor representam as dificuldades em seu trabalho (em %) Quadro 12 Grau de satisfao em relao ao emprego (em %) Quadro 13 Condies de emprego nas empresas investigadas Quadro 14 Indicadores relativos organizao do trabalho
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RESUMO
Este estudo aborda aspectos relacionados s relaes de trabalho presentes nas empresas prestadoras de servios de call center, sobretudo no que se refere utilizao de estratgias de flexibilidade laboral e aos perfis scio-ocupacionais dos teleoperadores. Nos ltimos anos, sobretudo aps a privatizao das telecomunicaes, no Brasil, observa-se significativa expanso do mercado de call centers, sendo o mesmo principal responsvel pelo crescimento da quantidade de empregos no setor de servios. Realizou-se pesquisa emprica em trs empresas de call centers, situadas na regio metropolitana de Porto Alegre, que operam em diferentes segmentos da atividade econmica. No que se refere aos call centers estudados, a anlise dos dados relativos ao perfil scio-ocupacional dos teleoperadores indica o predomnio de jovens e mulheres, com escolaridade equivalente ao ensino mdio completo. A realizao de treinamento para o exerccio da funo uma norma. Atributos socialmente construdos, como habilidades pessoais e aspectos comportamentais so fundamentais tanto para a contratao, quanto para o desempenho da funo de teleoperador. Constatou-se que as relaes de trabalho nas empresas investigadas orientam-se, em alguma medida, por estratgias de flexibilidade laboral. Contudo, a efetivao de tais estratgias configura-se de maneira singular em cada uma das empresas investigadas. Na Empresa Y, que atua no ramo financeiro, a estratgia de flexibilidade laboral utilizada efetiva-se a partir de polivalncia dos teleoperadores no interior de uma mesmo cliente Na Empresa X, que presta servios para uma empresa distribuidora de energia eltrica, a estratgia de flexibilidade laboral utilizada seguiria a lgica da qualidade do atendimento prestado ao cliente. J a Empresa Z, especializada em recuperao de crdito, seguiria a lgica da reduo dos custos laborais para as atividades que necessitam de menor especializao. Em relao posio do teleoperador no processo de trabalho informacional, constatou-se que somente na Empresa X seria possvel afirmar que os teleoperadores estariam em posio de operadores, executando as tarefas sob iniciativa prpria. Na Empresa Z, que possuiria o mercado de trabalho interno segmentado em dois nveis, sequer os trabalhadores centrais estariam em posio de operadores. Por fim, observou-se que as relaes de trabalho presentes nas empresas investigadas seriam condicionadas sobretudo pelo perfil das empresas, no que se refere s peculiaridades do gerenciamento da fora de trabalho, sobrepondo-se a fatores como natureza das operaes (se ativas ou receptivas) e segmento de mercado atendido.
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ABSTRACT
This study is centered upon the work relations in call-center companies, specially those concerning the strategies of work flexibility and the operators occupational and social profiles. Along the past few years, mainly following the privatizing of telecommunications in Brazil, a significant expansion of the call center market can be observed, which is also responsible for the growing number of job vacancies in the service sector. An empirical research was carried out in three different call-center companies located within the urban area of the city of Porto Alegre, all of them operating in different economic realms. As far as the call-center companies researched are concerned, the analysis of the occupational and social profiles of the operators points to a predominance in the number of young people and women, most of whom have coursed secondary education. As a rule, all of them undergo training courses. Other socially constructed features, such as personal skills and behavioral attitudes, are of central importance both for a successful job interview and for a good performance at work. It was confirmed that work flexibility strategies are basic in work relations within the researched companies. However, each company configures such strategies in a particular manner. In company "Y", which works within the financial realm, the work flexibility strategy is configured on the basis of the operators polyvalence within one same client. For the "X" company, which operates for an electric energy supplier, the quality of the assistance offered to the client rules the flexibility strategy. For company "Z", on the other hand, which is a specialist in credit recovery, reducing work costs for the activities demanding less specialization is the norm. As to the position of the operators in the process of the informational work, only those working for company "X" can be proved to be in operating positions, that is, developing their activities on the basis of self-motivation. In company "Z", whose internal work market is divided into two levels, not even the main workers can be said to occupy operational positions. Finally, the work relations observed in the three researched companies are conditioned mainly by the profile of the company, as far as the peculiarities of the work force management are concerned, which seems to be more relevant than the nature of the operations performed (whether active or passive) and the target market segment.
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Introduo
Esta dissertao aborda as relaes de trabalho presentes em um novo cenrio de
emprego - as empresas prestadoras de servios de call center - ou seja, empresas
responsveis pela gesto do relacionamento entre empresas de diversos segmentos
(industrial, comercial, prestao servios, setor pblico) e seus respectivos clientes.
As transformaes histricas que as sociedades contemporneas experimentam,
h aproximadamente trs dcadas, tm alterado profundamente as estruturas sociais
vigentes. Um novo cenrio tem se apresentado como a realidade desse incio de novo
milnio: interdependncia global, mudana no papel dos Estados, introduo de novas
tecnologias que por sua vez estimulam a reestruturao dos padres de produo e de
consumo, assim como a alterao nas prticas culturais e na forma como experimenta-se
o tempo e o espao. Em conseqncia, observa-se a alterao na composio da
estrutura ocupacional das sociedades. O emprego industrial, fortemente afetado pela
reestruturao econmica das dcadas de 1980 e 1990, tem recuado, em detrimento da
participao crescente do emprego no setor de servios (Pochmann, 2001:58-59). As
interpretaes correntes argumentam que estaramos presenciando a passagem para um
novo tipo de sociedade: a Sociedade Informacional, de Castells (2000); a sociedade
orientada pela Acumulao Flexvel, de Harvey (1989); a Sociedade de Servios, de
Offe (1991); e a Sociedade Ps-Industrial, de Bell (1977), seriam exemplos nesse
sentido.
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Cabe tambm ressaltar que apesar do considervel crescimento do emprego no
setor de servios, a Sociologia do Trabalho tem prioritariamente concentrado seus
esforos no estudo do emprego industrial. Em grande medida, tal fato decorre da
influncia terica do marxismo sobre as reflexes dos intelectuais brasileiros, que
consideravam o emprego industrial como o locus do antagonismo de classes e da
emergncia do sujeito coletivo emancipador, o proletariado.
No obstante, as sociedades industrializadas contemporneas tm assistido ao
desaparecimento de antigas ocupaes, principalmente as relacionadas ao antigo
paradigma tecnolgico1. Concomitantemente, o surgimento de novas ocupaes uma
realidade, sobretudo as intensivas na utilizao de tecnologias informacionais. Apesar
da grande quantidade de novas ocupaes surgidas no mercado de trabalho brasileiro,
um nmero pouco expressivo delas tm sido objeto de investigao acadmica. Este
estudo pretende, mesmo que parcialmente, preencher essa lacuna, tendo em vista que,
entre as novas ocupaes, as relacionadas ao trabalho nos call centers so as que mais
empregam atualmente. A realizao de estudos sobre as novas ocupaes justificam-se
devido relevncia social e econmica que as mesmas assumem na atualidade.
No que concerne s relaes de trabalho, a introduo de estratgias de
flexibilidade laboral nos processos produtivos trata-se de pressuposto largamente
utilizado pelas empresas, na atualidade, bem como tem orientado um abrangente
conjunto de estudos, inseridos em diversas reas do conhecimento, como a
1. Segundo Conceio (2002), os paradigmas tecnolgicos, assim como os paradigmas cientficos, incorporam um tipo de resultado, uma definio de problemas relevantes, um padro de investigao, que se compatibilizam, definindo as necessidades a serem preenchidas, os princpios cientficos utilizados para a tarefa e a tecnologia material a ser empregada (Conceio, 2002:235). As alteraes no paradigma tecnolgico envolveriam elementos como as formas de organizao das empresas e do processo de trabalho, formas de contratao, inovao em produtos e alterao nos padres de competitividade. Para Castells (2000), na dcada de 1970 ocorreu a transio para um novo paradigma tecnolgico, com base nas tecnologias da informao.
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Administrao de Empresas, a Economia e a Sociologia. A introduo de tais
estratgias de flexibilidade laboral estaria articulada necessidade de formao de uma
fora de trabalho possuidora de novas qualificaes e competncias frente ao trabalho,
originando novos perfis scio-ocupacionais (Kvacs, 2001; Melo e Silva, 2002;
Pochmann, 2001).
Em relao aos estudos sobre o mercado dos call centers, cabe ressaltar que os
mesmos tm sido realizados de maneira sistemtica, no exterior, h alguns anos. Tal
fato ocorre em virtude da importncia empregatcia dos call centers na atualidade. No
Reino Unido, por exemplo, no ano de 2002 estimava-se que 2% da fora de trabalho
estaria empregada em atividades ligadas de forma direta ou indireta a esse mercado
(Taylor, Muluey, Hyman, E Bain, 2002). No caso brasileiro, a Associao Brasileira de
Telesservios - ABT2 estimava que, ao final do ano de 2005, aproximadamente 616 mil
pessoas exerciam atividades profissionais em call centers.
Cabe observar que, nas pesquisas acadmicas sobre o mercado brasileiro de call
centers, a compreenso das relaes de trabalho tem sido obscurecida pelo que
denominar-se- de abordagem generalista3, visto que a mesma desconsidera a
variedade de elementos que condicionam as relaes de trabalho nos call centers. Um
estudo que abarque as supostas diferenas entre call centers situados em diferentes
ramos de atividade econmica e contextos organizacionais possibilitaria um
alargamento da compreenso das relaes de trabalho presentes nesse ramo de
atividade. No que se refere ao mercado brasileiro de call centers, relevante investigar
2 Retirado de: http://www.abt.org.br/ 3. Consideraes sobre tal abordagem e a apresentao dos estudos que se inserem nesse contexto encontram-se no Captulo II, na seo 2.4.
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aspectos relacionados ao como se trabalha , sob que condies trabalha e quem
trabalha, questes centrais para a Sociologia do Trabalho.
A partir dos desdobramentos do conceito de relaes de trabalho e da sua
articulao com a teoria sociolgica sobre trabalho, sobretudo no que se refere
flexibilidade laboral e aos perfis scio-ocupacionais, chegou-se aos seguintes
questionamentos centrais que orientam a presente dissertao: Seria possvel afirmar
que as relaes de trabalho presentes nos call centers orientam-se por estratgias de
flexibilidade laboral? Se sim, como configurar-se-iam tais estratgias? Call centers
ligados a diferentes reas da atividade econmica apresentam relaes de trabalho
semelhantes? Qual o perfil scio-ocupacional dos empregados em call centers?
O objetivo geral deste estudo seria apreender a dinmica das relaes de trabalho
presentes nas trs empresas de call center investigadas, abarcando dimenses relativas:
a) ao nvel de estruturao das empresas, como as condies de emprego, as formas de
organizao do trabalho, a utilizao de estratgias de flexibilidade laboral e a presena
de segmentao do mercado de trabalho interno empresa; b) ao perfil scio-
ocupacional dos empregados.
Procedimentos Metodolgicos
Para que o estudo alcanasse os objetivos propostos, decidiu-se que a escolha
das empresas que seriam objeto de investigao seguiria os seguintes critrios: I)
natureza das operaes: telemarketing ativo ou receptivo; II) segmento de mercado
atendido: cada empresa deveria atender um diferente segmento de mercado. A adoo
de tais critrios sustenta-se na reviso da literatura sobre o tema. Segundo parte da
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literatura especializada, as relaes de trabalho nos call centers seriam condicionadas
tanto pela natureza das operaes realizadas, como pelo segmento de mercado atendido.
A partir de ento, foram selecionadas cinco empresas de call center: uma do
ramo financeiro, especializado em operaes ativas; uma que presta servios de
cobrana e help desk, especializada tanto em operaes ativas quanto receptivas; uma
do ramo de telecomunicaes, que realiza operaes ativas e receptivas; uma que presta
servios para uma distribuidora de energia eltrica, especializado em operaes
receptivas; e um call center de uma empresa jornalstica, que realiza operaes ativas e
receptivas.
Nos primeiros contatos, realizados atravs de telefone e por e-mails, as
dificuldades tornaram-se evidentes. Grande parte dos diretores e dos gerentes de
recursos humanos alegavam pouca disponibilidade de tempo para entrevistas. Por esse
motivo, a pesquisa no pde ser realizada em duas empresas, entre as cinco inicialmente
selecionadas. Os responsveis pela operao do call center da empresa jornalstica
impuseram exigncias que inviabilizaram a realizao da coleta de dados, em funo do
tempo exguo. J a gerncia de recursos humanos da empresa do ramo de
telecomunicaes sequer respondeu aos contatos estabelecidos. A pesquisa ento
limitou-se s trs empresas restantes.
Quadro 1 - Segmento de mercado atendido e natureza das operaes, por empresa
Empresas Segmento de mercado atendido Natureza das operaes
Empresa Y Financeiro Ativas Empresa X Distribuio de Energia Eltrica Receptivas
Empresa Z Especializada em Cobrana e Help Desk Ativas e Receptivas
Fonte: Elaborado pelo autor.
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Para a realizao da pesquisa, combinou-se procedimentos metodolgicos
quantitativos e qualitativos, com o propsito de aprimorar a compreenso do universo
estudado. Cabe ressaltar que os procedimentos metodolgicos qualitativos e
quantitativos foram utilizados de forma combinada, sem preponderncia de um em
detrimento do outro (Cortes, 1998: 16-18).
No que se refere aos mtodos quantitativos, foi realizado survey com amostras
de teleoperadores oriundos das trs empresas investigadas. A escolha pelo emprego de
survey, como instrumento de coleta de dados, deveu-se abrangncia que o mesmo
possibilita. Assim, buscou-se conhecer as condies de emprego, as formas de
organizao do trabalho e as prticas de recursos humanos adotadas nas empresas, bem
como identificar os perfis scio-ocupacionais predominantes. Escolheu-se o
questionrio padronizado como instrumento de coleta de dados, visto que o mesmo
possibilita a padronizao das respostas, com vistas comparao entre teleoperadores
inseridos em diferentes segmentos da atividade econmica (Babbie, 1999:101).
No primeiro contato realizado com diretores ou gerentes das empresas, indagou-
se sobre a possibilidade de aplicao de questionrios junto a uma amostra da fora de
trabalho, mais especificamente os teleoperadores. Surgiria um novo problema, visto que
as empresas estruturam as operaes dos call centers por turnos. Ao final de um turno
de trabalho, os teleoperadores saem das dependncias da empresas simultaneamente,
dificultando a abordagem de uma quantidade razovel num mesmo dia. Foi ento
solicitado s empresas que a aplicao dos questionrios fosse realizada no interior dos
locais de trabalho. As empresas no concordaram, sob a alegao comum de que esse
procedimento demandaria uma quantidade excessiva de tempo dos teleoperadores.
Segundo o gerente de recursos humanos da Empresa Y , parar 120 operadores por
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10 minutos, para a aplicao do questionrio, representaria 20 horas de trabalho
desperdiadas.
Pensou-se, ento, em realizar um censo nas empresas investigadas. Logo nos
convencemos da inviabilidade de tal empreendimento, tanto em relao ao tempo
quanto aos custos financeiros que demandaria. Decidiu-se utilizar questionrios auto-
administrados, que foram entregues aos coordenadores dos call centers para que
realizassem a distribuio para uma amostra no probabilstica dos teleoperadores. Cabe
ressaltar que no fomos permitidos a realizar a entrega dos questionrios pessoalmente,
sob a alegao de que tal procedimento poderia interferir no andamento da operao dos
call centers.
Foram distribudos, entre os meses de maio e agosto de 2005, nas trs empresas
investigadas, 240 questionrios, dos quais 212 retornaram4. Os questionrios foram
armazenados em programa informacional especfico SPSS para posterior anlise dos
dados coletados.
Quadro 2 Populao, amostra e nmero de retornos, por empresa
Populao Amostra Nmero de Retornos Empresa Y 1200 120 108 Empresa X 207 60 51 Empresa Z 392 60 53
Total 1799 240 212
4 Antes da distribuio dos questionrios foi realizado pr-teste do instrumento de coleta de dados. No total, foram aplicados dezoito questionrio entre os empregados das empresas investigadas. Cabe ressaltar que tais questionrios no foram includos no estudo, visto que a realizao do pr-teste tinha por objetivo o aperfeioamento do instrumento de coleta de dados.
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Cabe ressaltar que optou-se por realizar uma anlise descritiva dos dados
quantitativos coletados, sem objetivo de estabelecer relaes de causalidade entre as
variveis em questo.
Em relao aos procedimentos metodolgicos qualitativos, optou-se por utilizar
a entrevista, tendo como propsito identificar elementos como dados relativos gesto
das empresas, estrutura organizacional, critrios de seleo, prticas de recursos
humanos e remunerao adotadas pelas empresas. Optou-se por realizar entrevistas no
formato semi-diretivo com os seguintes informantes: diretores, coordenadores, e
gerentes das empresas investigadas. Os diretores, coordenadores e gerentes
entrevistados foram escolhidos de maneira no-estatstica, segundo critrios como:
tempo de servio superior seis meses e disponibilidade para a realizao da entrevista.
A escolha pela entrevista do tipo semi-diretiva deveu-se possibilidade de maior
objetividade, quanto comparada entrevista aberta, aliada possibilidade de flexibilizar
o roteiro durante a entrevista (Colognese e Mlo, 1998:144-145). Foram realizadas
quatro entrevistas entre os meses de abril e junho de 2005, nas dependncias das
respectivas empresas. Aps a realizao das entrevistas, foram tambm realizados
diversos contatos telefnicos com os informantes, visando complementar eventuais
lacunas. As quatro entrevistas semi-estruturadas foram gravadas em meio magntico.
Foi tambm realizada uma entrevista contendo perguntas abertas, com o gerente de
recursos humanos de uma das empresas, visto que o mesmo exerce suas atividades em
outro Estado. Neste caso, o envio e o retorno do questionrio ocorreram atravs de
correio eletrnico.
Foi tambm realizado levantamento de estatsticas e de depoimentos em revistas
impressas e sites da Internet especializados na temtica, tendo como propsito a
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obteno de informaes sobre as condies do mercado de call centers no Brasil e no
Exterior.
A dissertao est dividida em trs captulos. O primeiro captulo dedica-se ao
exame da literatura sobre o tema das novas ocupaes, das novas formas de relaes de
trabalho e perfis scio-ocupacionais no debate sociolgico contempornea. No primeiro
captulo, busca-se tambm elaborar uma tipologia de estratgias de flexibilidade, tendo
por objetivo analisar as empresas que fazem parte do estudo. O segundo captulo
destina-se apresentao e caracterizao dos call centers, bem como visa a inserir os
mesmos no entorno scio-econmico mais amplo, representado pelo setor de servios.
Por fim, apresentam-se os resultados de pesquisas realizadas no Brasil e no exterior
sobre o tema. O terceiro e ltimo captulo apresenta a realidade emprica estudada,
evidenciando-se as caractersticas gerais das empresas investigadas, as condies de
emprego, as particularidades do trabalho realizado, os perfis scio-ocupacionais e as
estratgias de flexibilidade laboral presentes nos call centers investigados. Nas
consideraes finais, resumem-se os principais resultados encontrados.
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Captulo 1
Relaes de Trabalho no Contexto da Reestruturao Econmica: flexibilidade laboral e novos perfis scio-ocupacionais
Este captulo visa a articular o conceito de relaes de trabalho com a teoria
sociolgica sobre o trabalho no contexto da reestruturao econmica, bem como visa a
apresentar os pressupostos tericos que orientaram o estudo. Busca-se desenvolver, a
partir do referencial terico proposto, uma tipologia relativa s situaes de
flexibilidade que, presume-se, possam ser observadas nas empresas investigadas. Ser
tambm apresentado o debate sobre os novos perfis scio-ocupacionais, sobretudo no
que se refere ao contedo da qualificao profissional.
1.1 Consideraes sobre o conceito de relaes de trabalho
Considerado chave da Sociologia do Trabalho, o conceito de relaes de
trabalho tem orientado um amplo conjunto de pesquisas nessa rea do conhecimento.
Em artigo publicado na dcada de 1980, Fischer (1987) analisou o conceito de
relaes de trabalho, realizando um balano crtico das pesquisas acadmicas que
haviam abordado a temtica das relaes de trabalho no Brasil.
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Segundo Fischer, as relaes de trabalho permeiam os papis que desempenham,
de maneira oposta mas complementar, os dois atores fundamentais da sociedade
capitalista: empregados e empregadores. Seja qual for a forma particular adotada nas
situaes concretas de trabalho, as relaes de trabalho assumiriam as caractersticas
gerais da sociedade em questo, como as de natureza econmica, poltica e cultural. As
relaes de trabalho possuiriam relao intrnseca com a estrutura socioeconmica
vigente, visto que no se limitariam s relaes interpessoais nos locais de trabalho,
tampouco teriam carter meramente psicossocial, que tende a ocultar o conflito
implcito ao conceito. No obstante, as relaes de trabalho no se reduziriam ao
conflito aberto entre classes sociais antagnicas, pois, segundo Fischer:
(...) tomar o conceito de relaes de trabalho como mera reproduo do antagonismo estrutural entre as classes sociais diferenciadas pela propriedade do capital no passa de um raciocnio simplista, que perde o detalhe e a profundidade com que as caractersticas dessa relao se apresentam concretamente (Fischer, 1987: 20).
Conforme ressalta Fischer, as relaes de trabalho emergem como um tipo
peculiar de relacionamento social, assumindo caractersticas da sociedade como um
todo. Dessa maneira, o desvendamento das suas caractersticas deveria contemplar
aspectos sociais e polticos em que as relaes de trabalho se inserem, tais como a
organizao do processo de trabalho, a elaborao de polticas administrativo-
organizacionais e a prtica cotidiana dos agentes sociais em relao. Segundo Fischer,
decorreria disso a necessidade de se repensar as relaes de trabalho em alguns de seus
aspectos fundamentais, cabendo identificar as especificidades do conceito a partir das
suas trs variaes: em seus aspectos polticos, organizacionais-administrativos e das
formas de organizao do processo de trabalho (Fischer, 1987: 20).
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No que se refere aos aspectos polticos concernentes s relaes de trabalho,
Fischer destaca que a produo intelectual brasileira deteve-se na avaliao de
elementos como: os determinantes histricos e estruturais da formao da classe
trabalhadora, levando em considerao suas possibilidades e instabilidades; o
protagonismo do Estado brasileiro como mediador dos conflitos sociais; e as
caractersticas assumidas pela ao coletiva dos trabalhadores.
Neste contexto, Fischer ressalta que os primeiros estudos sobre as relaes de
trabalho no Brasil tiveram uma forte influncia da historiografia, que buscou
principalmente retratar o papel do Estado como controlador dos mecanismos jurdicos e
legais e como aparelho repressor e controlador da ao coletiva dos trabalhadores. A
autora ressalta os equvocos da anlise das relaes de trabalho centrada no papel do
Estado, visto que o mesmo no pode ser concebido como agente social absoluto e
desvinculado das presses que emergem de grupos sociais distintos.
Num segundo momento, questes relacionadas ao comportamento dos
trabalhadores, tais como suas atitudes, orientaes e motivaes, mas tambm estudos
sobre greves e conflitos sociais, receberam maior ateno por parte dos estudiosos das
relaes de trabalho. Fischer argumenta que os estudos inseridos nesse contexto
tenderam a privilegiar a orientao ideolgica dos pesquisadores, fator que limitaria as
possibilidades de compreenso das realidades investigadas. A autora relaciona tal fato
ao precrio desenvolvimento terico-metodolgico do instrumental de pesquisa
necessrio para esse tipo de abordagem, bem como aos modismos que permeiam
tambm a produo intelectual (Fischer, 1987: 23).
No que concerne s polticas de administrao de recursos humanos, Fischer
destaca a pouca importncia atribuda s mesmas nas pesquisas sobre as relaes de
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27
trabalho no Brasil. Tal fato decorre, segundo a autora, de fatores como: a) o menosprezo
dos pesquisadores pela rea da administrao como campo de conhecimento cientfico;
b) a relao que se estabelece entre a administrao de recursos humanos e as prticas
de controle da fora de trabalho; e c) a tentativa, por parte dos administradores, em
reduzir as questes pertinentes administrao de recursos humanos ao seu carter
unicamente tcnico, desprezando seus aspectos polticos e contedos ideolgicos.
Mesmo considerada como uma questo menor, as polticas de administrao de
recursos humanos assumem, segundo a autora, relevncia na conformao das prticas
organizacionais, visto que:
(...) so elas que efetivamente definem os parmetros nos quais os padres de relaes de trabalho so construdos, e atendem aos objetivos de crescimento e acumulao de capital e s necessidades de manuteno e reproduo da fora de trabalho alocada (...) no processo produtivo (Fischer, 1987: 29).
As tcnicas utilizadas pela administrao de recursos humanos expressariam o
modus operandi das organizaes em relao ao gerenciamento da fora de trabalho,
orientando as decises acerca de como realizar o trabalho. Neste sentido, Fischer afirma
que as polticas de administrao de recursos humanos reedita, no contexto das
organizaes, as distines e peculiaridades das instituies sociais da sociedade em
questo (Fischer 1987: 33).
Fischer ressalta que, no Brasil, as polticas de administrao de recursos
humanos normalmente tem sido implementadas de maneira unilateral, desconsiderando
a participao efetiva dos trabalhadores nas suas formulaes e, dessa forma, garantindo
o controle da fora de trabalho atravs da coao. Fatores relacionados reduzida
probabilidade de resistncia dos trabalhadores, necessidade de atingir as metas de
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28
acumulao de capital em dada circunstncia e inoperncia estatal no que se refere ao
controle dos marcos legais que modelam as relaes de trabalho, colaboram para a
efetivao dessa realidade. Todavia, as escassas experincias de emprego de prticas
participativas nas organizaes ficaram restritas aos aspectos tcnicos do processo
produtivo, tendo em vista possibilitar o aumento da produtividade do trabalho, bem
como sublimar aspectos comportamentais dos trabalhadores no ambiente de trabalho
(Fischer, 1987: 36-37).
Em relao organizao do processo de trabalho, Fischer prope que, para fins
de anlise, a mesma seja desvinculada do seu corolrio tcnico, cabendo evidenciar as
influncias do sistema social sobre as relaes estabelecidas nas situaes reais de
trabalho. Segundo a autora, um determinado arranjo laboral pode condicionar um
padro de relaes de trabalho, visto que a organizao do processo de trabalho:
(...) nada mais do que um instrumento do processo de valorizao do capital, composto por trs elementos bsicos: o objeto sobre o qual se aplica o trabalho; os meios e instrumentos utilizados para realiz-lo; e a atividade humana, que o prprio trabalho (Fischer, 1987: 41).
Fischer destaca que, no Brasil, durante um determinado perodo, a pesquisa
sociolgica tendeu a desconsiderar a organizao do trabalho como objeto de anlise,
visto que nesta fase de desenvolvimento da disciplina, questes macroestruturais, como
as relacionadas ao processo de industrializao e a conseqente formaes da classe
trabalhadora brasileira, ocuparam de maneira significativa a cena intelectual.
Segundo a autora, para que alcance seus objetivos, o processo de trabalho deve
estar voltado para a acumulao de capital, atravs da elevao das taxas de
produtividade, baseadas na intensificao do trabalho. Nesse contexto, o trabalho
encontrar-se-ia dependente dos modelos organizacionais vigentes, quase sempre
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29
baseados em aes repressivas. Tal fato decorreria da disseminao de modelos
organizacionais restritivos e coercitivos, no que concerne participao dos
trabalhadores nas instncias decisrias das empresas, em detrimentos aos ditos modelos
participativos de gesto (Fischer, 1987: 42-44).
Apesar de apresentar uma viso crtica sobre a maneira como os sistemas
participativos tem sido implementados no Brasil, Fischer no exclui a possibilidade de
que os mesmos possam significar avanos nas relaes de trabalho. A autora tambm
reage a determinadas posies crticas aos sistemas participativos de organizao do
trabalho, sobretudo as que consideram ter o processo de realizao do capital uma
natureza imanente, que se apropria da criatividade do trabalhador, desprezando a j
provada capacidade de reao e resistncia do homem sua degradao (Fischer,
1987: 49).
Passados quase vinte anos de sua publicao, o artigo de Fischer manteve-se
atual, visto que trata da problematizao e visa a sistematizao de um conceito muitas
vezes utilizado de maneira imprecisa. Observou-se, atravs do exame de trabalhos
acadmicos, que o conceito de relaes de trabalho comumente utilizado de forma
genrica, sem o rigor conceitual necessrio, para expressar um vasto conjunto de
caractersticas inerentes s relaes capital/trabalho e/ou s caractersticas do processo
de trabalho em uma determinada empresa (Oliveira, 2004; Kops, 2002).
Uma definio mais concisa do conceito de relaes de trabalho foi apresentada
por Liedke (2002) no final da dcada de 1990. Segundo Liedke, as relaes de trabalho
ultrapassam as situaes concretas de trabalho, tendo em vista que abarcam o conjunto
de arranjos institucionais e informais que modelam e transformam as relaes sociais de
produo nos locais de trabalho. Nas sociedades capitalistas, em que as relaes de
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30
trabalho se estruturam como relaes de assalariamento e subordinao, atravs dos
acordos institucionais e informais que so tomadas as decises que envolvem o como
fazer e o que fazer; quem far e para quem far. Por conseguinte, a autora
ressalta que as relaes de produo capitalistas combinariam equilbrio e instabilidade,
visto que so constitudas a partir de interesses contraditrios e estruturadas
concomitantemente como relaes de cooperao e de conflito (Liedke, 2002:271).
Na atualidade, as pesquisas sobre relaes de trabalho no Brasil incorporaram
questes como: efeitos da reestruturao produtiva e gerencial sobre a organizao do
trabalho e sobre a ao coletiva dos trabalhadores; cadeias produtivas e padres de
relacionamento interfirmas, externalizao e subcontratao de servios, flexibilizao
da legislao trabalhista e precarizao do trabalho (Pochmann, Vale e Almeida, 1999;
Mourthe, 1999; Singer, 1999; Oliveira, 2004; Toni, 2004).
No que concerne presente investigao, entende-se por relaes de trabalho
a teia de relaes sociais presentes nos locais de trabalho, que envolve: aquele que
realiza o trabalho (empregado), aquele que designa o que ser realizado
(empregador/gerncia), as condies em que ser realizado o trabalho (condies de
emprego e estratgias de gesto da fora de trabalho) e como ser realizado o trabalho
(organizao do trabalho e contedo das tarefas). atravs do conceito de relaes de
trabalho e da sua articulao com a teoria sociolgica sobre trabalho que buscar-se-
apreender quem so, sob quais condies trabalham e como trabalham os
empregados em Call Centers, mais especificamente aqueles inseridos nas trs empresas
investigadas. Tais itens orientaro a anlise do universo emprico investigado, tendo em
vista identificar os perfis scio-ocupacionais predominantes e as supostas estratgias de
flexibilidade laboral utilizadas pelas empresas. Para tanto, as polticas de recursos
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31
humanos adotadas pelas empresas, bem como as formas de organizao do trabalho,
tornam-se indicadores privilegiados, tendo em vista o fato de que expressam as
estratgias gerencias e de recrutamento de mo de obra das empresas, bem como o
modus operandi dos empregados nas situaes concretas de trabalho.
1.2 Transformaes Sociais e Laborais nas Sociedades Contemporneas
Nos ltimos vinte anos, observam-se mudanas significativas na natureza das
relaes de trabalho. O surgimento e a difuso das tecnologias informacionais nas
empresas assumem papel importante no processo de reestruturao econmica iniciada
na dcada de 1980, no Brasil. Neste contexto de mudanas, em que a competitividade
entre empresas torna-se elemento crucial do negcio, o atendimento ao cliente, atravs
do acesso aos servios de telecomunicaes, constitui-se em fator de qualidade no
contato entre as empresas e seus clientes. Neste contexto, os Call Centers surgem como
ferramenta para gerenciar o relacionamento empresa/cliente, gerando um novo cenrio
de emprego.
No que concerne Sociologia do Trabalho, discute-se as implicaes das
tecnologias informacionais sobre a estrutura ocupacional das sociedades
contemporneas. As interpretaes correntes abordam as mudanas sob diferentes
aspectos, ressaltando-se o debate acerca de sua natureza e suas influncias sobre as
relaes de trabalho.
Castells identifica o surgimento de uma nova estrutura social, associada a um
novo modo de desenvolvimento, por ele denominado Informacionalismo. Este,
apresentar-se-ia como produto da reestruturao capitalista observada a partir do final
do sculo XX, possuindo como fonte de produtividade a combinao entre a gerao de
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32
conhecimento, os processos de informao e a comunicao por smbolos (Castells,
2000:50-54).
Segundo Castells, a difuso das tecnologias de informao no processo produtivo
levaria adoo de novas prticas organizacionais, com o objetivo de reestruturar os
processos de trabalho e as prticas de emprego. Tais transformaes atingiriam as
estruturas organizacionais vigentes, fundadas nos princpios da integrao vertical e da
diviso tcnica do trabalho, possibilitando obter maior integrao entre todas as
atividades desempenhadas pela empresa e oferecendo supostamente ao trabalhador
maior capacidade de intervir nos processos decisrios (Castells, 2000:210 214).
No que se refere ao processo de trabalho, Castells argumenta que a automao
tenderia a realizar o trabalho rotineiro e repetitivo, ficando a cargo do trabalhador as
tarefas mais complexas, que dependem de habilidades humanas, tais como capacidades
de anlise e de deciso. Neste sentido, observar-se-ia uma ruptura com a organizao do
trabalho taylorista, sobretudo nos pases do centro capitalista, visto que nos pases
perifricos e de industrializao recente os mtodos tayloristas tenderiam a permanecer
vigentes. Para Castells, o processo de trabalho informacional possuiria as seguintes
peculiaridades: o valor agregado passaria a ser gerado predominantemente pela
inovao, nos produtos e nos processos; a inovao dependeria da gerao de novos
conhecimentos e de sua aplicabilidade; a tecnologia de informao tornar-se-ia o
principal fator do processo de trabalho informacional, visto que possibilitaria grandes
nveis de inovao, correo de erros e ainda forneceria a infra-estrutura para
flexibilidade e adaptabilidade ao longo do gerenciamento do processo produtivo
(Castells, 2000:305 - 308).
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33
O quadro a seguir apresenta uma tipologia desenvolvida por Castells, relativa ao
processo produtivo organizado com base na tecnologia. Tal tipologia visa a articular as
tarefas bsicas do processo de trabalho informacional e seus respectivos realizadores:
Quadro 3 Tarefas bsicas e seus realizadores no processo de trabalho informacional
Tarefa Realizador
Tomada de deciso estratgica e planejamento ......................................................... Inovao em produtos e processo .............................................................................. Adaptao e definio dos objetivos da inovao...................................................... Gerenciamento das relaes entre a deciso, a inovao, o projeto e a execuo ..... Execuo das tarefas sob a prpria iniciativa e entendimento................................... Execuo de tarefas auxiliares, que no foram ou no podem ser automatizadas ....
Dirigentes Pesquisadores Projetistas Integradores Operadores Dirigidos
Fonte: Adaptado de Castells (2000:308).
A tipologia apresentada acima, relativa s funes, estaria articulada com outras
duas tipologias: a primeira, relativa aos cargos, seria representada pelos a)
trabalhadores ativos na rede, que esto conectados rede e possuem autonomia para
navegar pelas rotas da empresa em rede, b) trabalhadores passivos na rede, que esto
conectados rede, mas no possuem autonomia de deciso, e c) trabalhadores
desconectados, que exercem suas atividades fora da rede e permanecem presos s suas
tarefas, definidas pelos nveis hierrquicos superiores; e a segunda, relativa a
capacidade de atuar nos processos decisrios, que seriam: a) os que do a ltima
palavra, que decidem em ltima instncia b) os participantes, que esto includos nos
processos decisrios, e c) os executores, que colocam em prtica as decises (Castells,
idem).
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34
Castells argumenta que as tipologias de tarefas e realizadores, de cargos e de
atuao nos processos decisrios no seria um tipo ideal, tampouco uma paisagem
futurstica (Castells, 2000:309). Tais tipologias teriam sido criadas de acordo com os
resultados de estudos empricos sobre a influncia das tecnologias informacionais nas
organizaes e nas relaes de trabalho. Entretanto, mesmo que tais tipologias sejam
adequada para evidenciar as transformaes do trabalho na sociedade informacional,
no seria possvel reduzir a heterogeneidade dos processos de trabalho s suas
definies, pois:
Formas arcaicas de organizao sociotcnica ainda sobrevivem e sobrevivero por um longo tempo em muitos pases, do mesmo modo que formas artesanais da produo pr-industrial subsistiram combinadas com a mecanizao da produo industrial por um longo perodo histrico (Castells, 2000 : 309).
A utilizao do potencial das tecnologias dependeria, segundo o autor, de
requisitos particulares ao processo de trabalho informacional, tais como: cooperao,
trabalho em equipe, autonomia e responsabilidade dos trabalhadores. A produo
informacional, por estar articulada em rede, necessitaria de profunda interao entre
trabalhadores, entre trabalhadores e gerncia e entre pessoas e ambiente tecnolgico
(Castells, 2000:313-315).
Em outra perspectiva, Harvey assinala a passagem para um novo regime de
acumulao5, diferente do fordista-keynesiano6, hegemnico no perodo que
5 Harvey utiliza o conceito de regime de acumulao, proveniente de autores da chamada Escola da Regulao. Para o autor, um regime de acumulao: ... descreve a estabilizao, por um longo perodo, da alocao do produto lquido entre consumo e acumulao; ele implica alguma correspondncia entre a transformao tanto das condies de produo como das condies de reproduo de assalariados (Lipietz apub Harvey, 1996: 117). 6 O regime de acumulao fordista-keynesiano definido por Harvey como a combinao de prticas de controle do trabalho, tecnologias, hbitos de consumo e configuraes do poder poltico-econmico (Harvey, 1996: 119).
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35
compreende o ps guerra e os primeiros anos da dcada de 1970. O regime de
acumulao emergente, a acumulao flexvel, possuiria como caracterstica primordial
a possibilidade de ruptura com a rigidez do fordismo, que seria substituda pela
flexibilidade nos mercados de trabalho, nos processos de trabalho, nos produtos e
padres de consumo (Harvey, 1996: 140). Segundo Harvey, o fordismo e o
keynesianismo teriam entrado em colapso entre meados da dcada de 1960 e o incio da
dcada de 1970:
Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo em larga escala e de longo prazo em sistemas de produo em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estvel em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocao e nos contratos de trabalho (Harvey, 1996: 135).
Neste contexto, as empresas teriam passado a conviver com parte de suas
capacidades produtivas ociosas, num ambiente de crescente concorrncia. Iniciou-se,
ento, um amplo processo de reestruturao e racionalizao dos processos produtivos.
A introduo da automao nas linhas de montagem; a definio de novos produtos,
destinados a novos nichos de mercado; a reorganizao geogrfica das unidades
produtivas; as fuses e a acelerao do tempo de giro do capital tornaram-se um
imperativo entre as corporaes (Harvey, 1996: 137-140).
No que concerne s relaes de trabalho, Harvey destaca que a acumulao
flexvel teria afetado negativamente o trabalho organizado, sobretudo nos pases
desenvolvidos. As condies de emprego restritivas implementadas nas reas de
industrializao recente teriam refletido sobre as reas com tradio industrial
estabelecida. Para Harvey:
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36
A acumulao flexvel parece implicar nveis relativamente altos de desemprego estrutural (em oposio a friccional), rpida destruio e reconstruo de habilidades, ganhos modestos de salrios reais e o retrocesso do poder sindical (Harvey, 1996: 141)
Harvey argumenta que seria possvel observar dois grupos distintos de
trabalhadores no mercado de trabalho em tempos de acumulao flexvel: o centro, que
seria constitudo por empregados em tempo integral, que possuiriam maior grau de
estabilidade no emprego e desfrutariam de benefcios sociais e outras vantagens
indiretas; e a periferia, que se segmentaria em dois subgrupos, o primeiro composto por
trabalhadores em tempo integral, mas que possuiriam qualificaes encontrados com
facilidade no mercado de trabalho e assim seriam facilmente substitudos, e o segundo,
que incluiria trabalhadores em tempo parcial, trabalhadores com contrato de trabalho
por tempo determinado, trabalhadores em empresas subcontratadas e em atividades de
trabalho temporrio, possuidores de pouca ou nenhuma segurana no emprego. Seria
tambm possvel identificar dois tipos distintos de flexibilidade no mercado de trabalho:
uma de natureza numrica, que caracterizar-se-ia pela utilizao por parte das empresas
de trabalho temporrio, contratos de trabalho por tempo determinado, trabalho em
tempo parcial e subcontratao; e outra, de natureza funcional, normalmente relacionada
s atividades que requerem maior qualificao, caracterizar-se-ia pelo trabalho
qualificado, polivalente e em equipe (Harvey, 1996: 143-144).
Paralelamente s interpretaes de Castells e Harvey, uma terceira abordagem
sobre as transformaes atuais nas relaes de trabalho foi apresentada por Kovcs em
dois artigos de sua autoria (Kovcs, 2001; 2004). A autora considera que trs enfoques
analticos procuram apreender a natureza do processo de reestruturao por que passam
as empresas e a economia capitalista como um todo: a primeira perspectiva incluiria os
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37
estudiosos que crem no surgimento de uma era ps-taylorista, guiada pela lgica da
flexibilidade. Nesse caso, a empresa tenderia a reduzir seu tamanho, orientando-se para
a produo diversificada em um ambiente que requer nveis mais elevados de
conhecimento e utilizao de tecnologias avanadas. A segunda perspectiva situa-se em
oposio primeira, sob o argumento de que no teria havido ruptura com os princpios
tayloristas no que concerne organizao do trabalho, mas sim uma readequao do
taylorismo como conseqncia das mudanas nos padres de competitividade
internacional. Por fim, a terceira perspectiva afirma haver uma grande diversidade de
situaes possveis no que se refere organizao das empresas e do trabalho. Para os
estudiosos que se vinculam a tal perspectiva, os modelos produtivos variam de acordo
com o ambiente social, comportando formas hbridas de organizao da empresa e do
trabalho, em mbito nacional, regional, setorial ou mesmo no interior de uma empresa.
(Kovcs, 2001 : 43-44)
Kovcs tambm argumenta sobre as limitaes da tese que afirma haver uma
dualizao do mercado de trabalho. Segundo a autora, a multiplicidade de novas formas
de emprego e situaes de trabalho implicaria na incapacidade de compreender as
mudanas no mercado de trabalho a partir do binmio centro/periferia, como proposto
por Harvey (1996). Para Kovcs, a flexibilidade seria a principal caracterstica das
relaes de trabalho na atualidade, podendo assumir diferentes formatos (Kovcs,
2004: 32-35). Para Kovcs, as formas flexveis de emprego:
(...) so ambguas: tanto implicam riscos, como comportam oportunidades; tanto podem trazer vantagens como desvantagens para os indivduos nelas envolvidos e para a sociedade em geral (Kovcs. 2004: 35).
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38
Neste sentido, Kovcs desenvolveu uma tipologia que visa a abarcar as variadas
situaes de flexibilidade em relao ao emprego. Tal tipologia articula as noes de
flexibilidade e estabilidade, bem como as suas variaes internas:
Quadro 4 Situaes face ao emprego e as perspectivas de empregabilidade
+ Situao 3: Flexibilidade qualificante Situao 4: Estabilidade Profissional - Situao por opo;
- Trabalho altamente qualificado; - Aprendizagem contnua; - Capacidade de negociao com o
empregador; - Forte mobilidade profissional no
mercado de trabalho entre empresas; - Atividade profissional intensa e
qualificante, ligada a uma srie de empresas sem vnculos estveis.
- Trabalho variado e interessante; - Possibilidades de aprendizagem
no trabalho; - Forte interesse das empresas em
investir na formao; - Capacidade de negociao com o
empregador sobre salrio e condies de trabalho;
- Forte possibilidade de mobilidade horizontal e/ou ascendente no mercado de trabalho interno e externo.
Qualificao Situao 1: Flexibilidade precarizante Situao 2: Estabilidade ameaada A) Flexibilidade precria transitria
- Jovens com nveis educacionais mdios/elevados;
- Trabalho pobre em contedo, limitando a aprendizagem no trabalho;
- Falta de capacidade de negociao com o empregador;
- Procura por uma situao profissional melhor.
B) Flexibilidade precria estvel - Forte mobilidade lateral sobre o
mercado de trabalho externo; - Forte probabilidade de um percurso
profissional marcado pela precariedade e pela ameaa de desemprego.
- Trabalho pobre em contedo, limitando a aprendizagem no trabalho;
- Posio de negociao individual frgil, com eventual capacidade de negociao sindical com o empregador;
- Mobilidade lateral no mercado de trabalho interno, mobilidade ascendente limitada;
- Melhoria da qualificao para um segmento pequeno. Para a maioria, falta de perspectivas e ameaa de precariedade e de desemprego.
- Estabilidade de emprego + Fonte: Kovcs, (2004: 49)
Observa-se que a noo de flexibilidade desenvolvida por Kovcs encontra-se
em oposio noo de estabilidade. Tal fato implica numa concepo negativa da
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39
flexibilidade, visto que, no seu interior, as possibilidades de relaes de trabalho
precrias ou virtuosas dependeriam necessariamente do tipo de vnculo empregatcio,
bem como do tempo de durao do contrato (contrato de trabalho por tempo
indeterminado, por tempo determinado, trabalho informal, jornada integral, jornada
parcial).
Para fins de anlise, buscou-se formular uma tipologia que contemplasse as trs
abordagens tericas apresentadas. Tal empreendimento articula a tipologia dos
realizadores das tarefas no processo de trabalho informacional, desenvolvida por
Castells, a posio do empregado no mercado de trabalho (centro/periferia), utilizada
por Harvey, e as situaes de flexibilidade laboral elaboradas por Kovcs.
Antes da apresentao da tipologia propriamente dita, cabe ressaltar as
diferenas em relao ao que foi exposto pelos autores. Na tipologia que ora prope-se,
a noo de centro e periferia, utilizada por Harvey para descrever o mercado de trabalho
externo s empresas, foi transportada para o mercado de trabalho interno s empresas,
pois considera-se que as empresas recriam, internamente, as condies estruturais do
mercado de trabalho. A noo de flexibilidade no possui conotao negativa, tampouco
encontra-se em oposio noo de estabilidade, como na tipologia apresentada por
Kovcs. Como j foi referido anteriormente, a subcontratao considerada pela
literatura como uma das principais, seno a principal, estratgia de flexibilidade laboral.
Cabe indagar se as empresas de call center investigadas, que encontram-se inseridas em
um contexto de subcontratao, tambm utilizam, internamente, estratgias de
flexibilidade laboral, e, em caso afirmativo, como se configuram tais estratgias.
Ainda no que se refere tipologia de Kovcs, tendo em vista as proximidades
entre a flexibilidade qualificante e a estabilidade profissional, decidiu-se por agrupar
-
40
ambas as situaes em uma mesma categoria: flexibilidade funcional qualificante. J as
variaes de flexibilidade precarizante, situada na mesma coluna, na tipologia de
Kovcs, foram separadas em colunas diferentes. Por fim, no que concerne aos
realizadores das tarefas bsicas do processo de trabalho informacional, decidiu-se
utilizar somente as categorias de operadores e dirigidos, visto que o estudo analisa
unicamente a ocupao hierarquicamente inferior nos call centers os teleoperadores,
dispensando a elaborao de uma tipologia que abrangesse dirigentes, pesquisadores,
projetistas e integradores, conforme proposto por Castells.
O quadro a seguir apresenta os tipos de estratgias de flexibilidade laboral em
relao ao emprego, segundo a posio no processo de trabalho informacional e no
mercado de trabalho interno empresa:
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41
Quadro 5 Estratgias de flexibilidade laboral em relao ao emprego, segundo a posio no processo de trabalho informacional e no mercado de trabalho interno empresa
- Centro + + Periferia Flexibilidade numrica precarizante permanente - Todas as faixas etrias; - Vnculo informal de trabalho; - Forte mobilidade lateral no
mercado de trabalho externo; - Atividades auxiliares, que no
foram ou no podem ser automatizadas;
- Alta rotatividade e ameaa de desemprego;
- Trabalho pobre em contedo, repetitivo e/ou rotineio;
- Fraca capacidade de negociao com o empregador;
- Inexistncia de benefcios sociais; - Baixa qualificao e poucas
oportunidades de formao profissional;
- Baixa remunerao.
Flexibilidade numrica precarizante transitria - Jovens, sobretudo os que buscam
a primeira insero profissional; - Contrato de trabalho por tempo
determinado ou contrato de estgio;
- Contedo do trabalho varivel; - Atividades auxiliares; - Alta rotatividade, mas tambm
busca por uma situao profissional mais vantajosa;
- Fraca capacidade de negociao com o empregador;
- Benefcios sociais variveis; - Baixa remunerao.
Flexibilidade hbrida intermediria - Contrato de trabalho por tempo
indeterminado; - Atividades auxiliares, mas
tambm sob iniciativa prpria; - Mobilidade lateral no mercado de
trabalho interno empresa e possibilidade de ascenso profissional para uma minoria;
- Rotatividade varivel; - Contedo do trabalho varivel; - Eventual capacidade de
negociao coletiva com o empregador;
- Profissionais qualificados e semi-qualificados, com possibilidades de formao contnua;
- Benefcios sociais variveis; - Remunerao varivel.
Flexibilidade funcional qualificante - Contrato de trabalho por tempo
indeterminado ou trabalho independente por opo;
- Execuo do trabalho sob iniciativa e entendimento prprio;
- Trabalho rico em contedo, variado e interessante;
- Rotatividade varivel, segundo os interesses da empresa e/ou do empregado;
- Alta capacidade de negociao com o empregador;
- Benefcios sociais abrangentes; - Alta remunerao.
- Operadores + + Dirigidos
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42
A flexibilidade numrica precarizante permanente atinge trabalhadores de todas
as faixas etrias, que encontram-se em situao de informalidade e exercem atividades
acessrias aos processos produtivos das empresas. Normalmente, o trabalho pobre em
contedo, as taxas de rotatitividade tendem a ser altas e o desemprego uma
possibilidade sempre presente. Tendo em vista o vnculo de trabalho informal, a
capacidade de negociao com o empregador, tanto coletiva quanto individual fraca.
Os nveis de qualificao profissional tendem a ser baixos, assim como inexistem
benefcios sociais e a remunerao tambm tende a ser baixa; a flexibilidade numrica
precarizante transitria abrange sobretudo os jovens que buscam a primeira insero no
mercado de trabalho. Possuem contrato de trabalho por tempo determinado ou contrato
de estgio e exercem atividades auxiliares aos processos produtivos das empresas. O
contedo do trabalho varivel, oscilando entre ocupaes de contedo pobre, que
requerem uma fora de trabalho pouco especializada, e de contedo complexo, que
necessitam de uma fora de trabalho qualificada ou semi-qualificada, encontrada
sobretudo entre estudantes. Em funo do tipo de contrato de trabalho estabelecido, as
taxas de rotatitividade tendem a ser altas, ao mesmo tempo em que a busca por uma
ocupao de melhor qualidade tende a ser uma aspirao. A capacidade de negociao
com o empregador tende a ser fraca, a remunerao tende a ser baixa e os benefcios
sociais esto vinculados ao tipo de contrato de trabalho estabelecido; na flexibilidade
hbrida intermediria prevalecem os contratos de trabalho por tempo indeterminado e
os trabalhadores tendem a desenvolver atividades auxiliares ao processo produtivo da
empresa, mas tambm podem vir a executar tais atividades sob iniciativa prpria. H
mobilidade lateral no mercado de trabalho interno s empresas, entretanto, as
possibilidades de ascenso profissional tendem a ser limitadas. O contedo do trabalho,
-
43
a taxa de rotatividade da fora de trabalho, os benefcios sociais e a remunerao
tendem a ser variveis, concorrendo para tanto o segmento da atividade econmica em
que a empresa est inserida, as condies gerais de mercado num determinado perodo e
as prticas de recursos humanos adotadas pelas empresas. H eventual capacidade de
negociao coletiva com o empregador, atravs de sindicato ou entidade de classe, a
fora de trabalho tende a ser qualificada ou semi-qualificada e a formao contnua
uma possibilidade; a flexibilidade funcional qualificante estrutura-se a partir de contrato
de trabalho por tempo indeterminado ou trabalho independente por opo. O trabalho,
rico em contedo, tende a ser realizado sob a iniciativa e entendimento do empregado.
A rotatividade da fora de trabalho varivel, concorrendo para tanto as aspiraes
pessoais do empregado e as estratgias administrativas da empresa. H alta capacidade
de negociao com o empregador, os benefcios sociais tendem a ser abrangentes e a
remunerao elevada.
Cabe destacar que a tipologia acima referida foi construda tendo por objetivo
analisar as trs empresas que fazem parte da presente investigao, sem pretenso de
abarcar as inmeras situaes observadas no mercado de trabalho, no Brasil.
1.3 Mudanas no Perfil do Trabalhador
As transformaes do trabalho, em mbito global, suscitam discusses sobre a
necessidade da formao de um novo trabalhador, condizente com as alteraes
tecnolgicas e organizacionais vivenciadas nas ltimas trs dcadas. Neste contexto,
seria necessria articulao entre as novas exigncias do mercado de trabalho, por
-
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elevao da qualificao e das habilidades laborais, e o perfil ocupacional do
trabalhador, no mais condizente com aquele predominante no taylorismo-fordismo.
A introduo de uma nova lgica organizacional, no processo produtivo, teria
provocado a necessidade de uma fora de trabalho dotada de novas competncias e
novos comportamentos, tendo em vista a eficaz utilizao das tecnologias
informacionais. Segundo Kovcs (2001):
Os indivduos so cada vez mais escolarizados, com competncias cognitivas mais elevadas e tm novos valores e aspiraes dificilmente compatveis com o modelo taylorista, tais como autonomia, responsabilidade, desenvolvimento pessoal e profissional e participao (Kovcs, 2001 : 46).
Neste contexto, a qualificao7 torna-se pressuposto indispensvel para o
ingresso no mercado de trabalho. Seus reflexos tambm surtiriam efeito sobre a
estabilidade no emprego, bem como possibilitariam a insero do trabalhador em
atividades que contemplem maior autonomia de deciso.
Mello e Silva (2002) afirma que dois modelos heursticos apresentar-se-iam para
explicar as relaes que se estabelecem entre os novos pressupostos de flexibilidade
empregados no processo de trabalho e as novas exigncias de qualificao do
trabalhador. O primeiro sugere uma anlise em termos do Novo Modelo Produtivo,
formado a partir das contribuies da Escola da Regulao. Para seus adeptos, estariam
em jogo mudanas relativas ao contexto macro, representado pelo conceito de
regulao, bem como mudanas no mbito micro, expresso pelo ambiente empresarial
7 O debate sobre os critrios para a definio do conceito de qualificao pode ser encontrado em: Larangeira, 2001b; Manfredi, 1998 e Castro, 1993, entre outros.
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e pelas formas de organizao do trabalho. O conceito de relao salarial
estabeleceria a mediao entre os nveis macro e micro. O segundo, por sua vez, se
referiria ao modelo da competncia, que tambm contemplaria as mudanas no modelo
produtivo, porm, nesse caso, a articulao entre os mbitos macro e micro estaria
presente de maneira diferente quando comparada ao primeiro. Para Mello e Silva:
Enquanto a anlise baseada no novo modelo produtivo se mostra bastante crtica, pondo o acento sobretudo no aspecto desorganizador das solidariedades coletivas consagradas, o modelo da competncia v a uma oportunidade em sentido progressista, uma vez que o acento recai na superao da lgica do posto de trabalho, caracterstica do taylorismo. (Mello e Silva, 2002:104)
Do ponto de vista do modelo da competncia, as qualidades incorporadas pelo
trabalhador em outras esferas da vida, que no no trabalho, so atributos privilegiados
para efeito de insero e permanncia no emprego, bem como de avaliao profissional.
Os grupos sociais assimilariam caractersticas diferenciais pertinentes ao processo de
socializao a que estiveram submetidos. Entretanto, haveria a necessidade de articular
tais formas de socializao com a competncia profissional stricto senso. Segundo
Mello e Silva:
A relao entre as competncias exercidas em situaes tipo, no trabalho, e aquelas que so originrias de outras fontes de socializao, sua articulao e dosagem mais ou menos desagregada de suas influncias recprocas resta, por isso, como ponto sensvel do modelo. (Mello e Silva, 2002:106)
Dentre as crticas ao modelo da competncia, destaca-se o argumento que
sustenta a pretensa individualizao dos sistemas de avaliao, ocasionando em
aumento no poder das gerncias e relegando a negociao coletiva a um plano
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secundrio. Nesse ponto residiria o dissenso entre os autores que sustentam uma
perspectiva de avaliao voltada para a qualificao profissional, e os defensores do
modelo da competncia, para quem a ruptura com a lgica do posto de trabalho
proporcionaria nveis mais elevados de autonomia, tanto ao indivduo, quanto aos
coletivos de trabalho. Neste sentido, a diferenciao individual contemplaria as
reivindicaes histricas do movimento operrio, pois traria consigo um potencial
emancipador ausente no taylorismo. Mello e Silva ressalta que h uma certa resistncia
por parte das empresas em aplicar o modelo da competncia plenamente, o que, em
ltima anlise, ocasionaria uma fuso da lgica do posto de trabalho com a lgica-
competncia (Mello e Silva, 2002:108-112).
Segundo Zarifian, as grandes corporaes apresentam mudanas nas formas de
organizao e controle do trabalho, que, por sua vez, acabariam refletindo na
qualificao do trabalhador. Haveria um deslocamento, no mbito das prticas
organizacionais, da prescrio direta de tarefas para a prescrio de procedimentos,
visto que o procedimento se situa em um nvel superior tarefa, sendo (...) a maneira
pela qual deve ser organizada a realizao de um conjunto de operaes de trabalho
(Zarifian, 1998 : 22).
Neste sentido, o controle do trabalho deixaria de estar ligado realizao das
atividades prescritas, passando a prevalecer o controle por objetivos e resultados a
serem atingidos. Se, por um lado, a mudana de foco no controle do trabalho
favoreceria a utilizao das capacidades intelectuais dos trabalhadores, por outro, a
nfase nos objetivos e nos resultados tenderia a intensificar o ritmo do trabalho e a
presso sobre o trabalhador, muitas vezes por iniciativa do prprio trabalhador
(Zarifian, 1998 : 22-23). Tais objetivos, quando empregados por imposio unilateral, e,
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dessa forma, desvinculando o trabalhador do seu processo de formulao, apresentariam
carter restritivo no que concerne autonomia dos assalariados. Todavia, o poder de
imposio das gerncias seria limitado, visto que somente os trabalhadores que
vivenciam as situaes concretas de trabalho diariamente possuiriam a compreenso, a
experincia e a competncia necessrias interveno nas situaes de trabalho
especficas. Assim, poder-se-ia afirmar, segundo Zarifian, que os trabalhadores possuem
um relativo poder de barganha, passvel de ser utilizado para limitar as presses
exercidas pela gerncia (Zarifian, 1998 : 26-27).
As transformaes organizacionais e de controle em curso refletiriam em uma
reviso crtica do conceito de qualificao, tendo em vista que esse segmenta-se em
duas vertentes explicativas: ou relacionada aos requisitos do posto de trabalho ou s
habilidades do trabalhador. Tal reviso conceitual implicaria no uso da noo de
competncias, que englobaria tanto capacidades relativas ao comportamento do
trabalhador, tidas como sociais (por exemplo, autonomia e comunicao), quanto as
relativas s necessidades da funo. Entretanto, Zarifian afirma que apesar de
coexistirem simultaneamente, a competncia exigida pelo cargo continua a
determinar a competncia adquirida pelo indivduo (Zarifian, 1998 : 23).
Aps o exame da literatura, pode-se concluir que novas ocupaes tm surgido
no contexto das mudanas apresentadas acima. As ocupaes surgidas em decorrncia
da difuso das tecnologias informacionais, como no caso das presentes nos call centers,
estariam subordinadas s mudanas no trabalho e no perfil dos trabalhadores,
incorporando os preceitos gerenciais em vigor. O debate sobre a qualificao e sobre as
novas competncias solicitadas ao trabalhador, que constitui-se em um dos temas
centrais da Sociologia do Trabalho, tem incorporado aspectos relacionados s mudanas
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que encontram-se em curso, visto que a introduo de novas tecnologias no processo de
trabalho tende a conformar novos perfis scio-ocupacionais, diferentes daqueles
caractersticos do taylorismo-fordismo.
Considera-se, assim como Kvacs (2004), que a flexibilidade seria a principal
caracterstica das relaes de trabalho, na atualidade. Neste sentido, entende-se a
flexibilidade como fenmeno complexo e muitas vezes contraditrio, tendo em vista
que, como argumenta Kvacs (2004), tanto implica riscos como comporta
possibilidades. Em ltima anlise, assume-se que os fundamentos da flexibilidade
dependem das estratgias gerenciais adotadas pelas empresas, que por sua vez, se
expressam nas situaes concretas de trabalho, vivenciadas diariamente pelos
empregados.
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Captulo 2
Os Call Centers em Foco: Setor de Servios, Contexto e Expanso do Mercado
O presente captulo trata da caracterizao do objeto investigado, os call centers.
Ao longo do captulo, abordar-se- os seguintes temas: breve histrico e conceituao
dos call centers; apresentao dos indicadores financeiros e de emprego do mercado e
resultados de investigaes realizadas em call centers, tanto no Brasil como no exterior.
Tal esforo visa a contextualizar o objeto que se pretende analisar. Entretanto, cabe
primeiramente estabelecer a relao entre o mercado de call centers e o entorno scio-
econmico mais amplo, representado aqui pelo setor de servios.
2.1 Questes Preliminares: o setor de servios e suas subdivises
O crescimento da participao do setor de servios nas economias ocidentais tem
suscitado o debate acerca das suas caractersticas e especificidades. Entretanto, as
definies conceituais sobre a composio e as caractersticas desse setor tm orientado-
se por explicaes residuais, que definem como servios tudo aquilo que no pertence
aos setores primrio e secundrio da economia, bem como a partir do carter tcnico-
material dos servios, ou seja, sua intransferibilidade no espao e no tempo, assim
como a reduzida possibilidade de aumento na produtividade do trabalho. Tais
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abordagens tm se mostrado insuficientes, devido complexificao e abrangncia do
setor de servios na atualidade (Berger & Offe, 1991; Castells, 2000).
Nesse sentido, Berger & Offe desenvolvem uma definio macrossociolgica e
funcional para o setor de servios, tendo por objetivo orientar as pesquisas empricas
sobre a estrutura e o funcionamento do mesmo nas sociedades contemporneas.
Segundo os autores, o setor de servios teria por funo satisfazer determinadas
condies essenciais existncia humana, assim como possuiria uma funo
certificadora da identidade de uma sociedade, pois o setor de servios:
(...) abrange a totalidade daquelas funes no processo de reproduo social, voltadas para a reproduo das estruturas formais, das formas de circulao e das condies culturais paramtricas, dentro das quais se realiza a reproduo material da sociedade (Berger & Offe, 1991: 15).
Por reproduo das estruturas formais, Berger & Offe compreendem a
conservao das condies fsicas da vida social, abrangendo os sistemas culturais e
legais, a propagao e os desdobramentos dos conhecimentos socialmente produzidos,
seus sistemas de informao e circulao. Ademais, tal reproduo no possuiria uma
natureza imanente, visto que comportaria inovao e adaptao s estruturas sociais
vigentes. Portanto, a caracterstica distintiva do setor de servios em relao aos outros
setores da economia seria a manuteno de algo, seja de natureza material, ligado
produo, seja de natureza imaterial, como o processamento de informaes e smbolos
(Berger & Offe, 1991: 15-16).
Berger & Offe propem o desmembramento conceitual, para fins de anlise, do
setor de servios em trs nveis distintos, configurados a partir do grau de
distanciamento do trabalho produtivo. Portanto, o setor de servios poderia ser dividido
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em: servios comerciais; servios internos organizao e servios pblicos e estatais.
Os servios comerciais englobariam as empresas que criam e comercializam servios,
que passam a possuir valor no momento em que h consumo. Os autores argumentam
que uma das principais caractersticas dos servios comerciais seria a limitada
possibilidade de aumento da produtividade atravs da racionalizao do trabalho. Os
servios internos organizao seriam os que se situam como parte das empresas
produtivas e teriam por funo subsidiar o processo de produo. Segundo os autores, as
atividades desenvolvidas internamente s organizaes no estariam voltadas para a
comercializao, pois desempenham um papel fiscalizador e regulador em relao
produo de bens de consumo, visando a assessorar o processo de valorizao do
capital. Por fim, os servios pblicos e estatais seriam aqueles que apresentariam
menores condies para emprego de critrios de racionalidade do mercado, visto que, ao
contrrio dos servios comerciais e internos organizao, as decises acerca da
alocao dos recursos seguiriam critrios polticos, orientados pela necessidade e pela
utilidade de um determinado tipo de servio ao conjunto da sociedade (Berger & Offe,
1991: 26-32).
Conforme argumentam Berger & Offe, a racionalizao dos custos no setor de
servios poderia ser atingida atravs de trs estratgias distintas: estratgia de
mecanizao, de racionalizao organizacional e de externalizao. Em relao
estratgia de mecanizao, trata-se de substituir o trabalho vivo por equipamentos
mecnicos, dispensando total ou parcialmente servios antes essenciais. J a
racionalizao organizacional visa introduo de estratgias com vistas reduo dos
custos operacionais, em conjunto com o aproveitamento absoluto das capacidades da
fora de trabalho. Por conseguinte, a estratgia de externalizao consiste no
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deslocamento do trabalho perifrico aos objetivos centrais da organizao para
empresas especializadas na prestao de servios diversos (Berger & Offe, 1991: 34-
37).
Em outro artigo, Offe identifica quatro explicaes para o crescimento da fora
de trabalho alocada nos servios. A primeira diria respeito crescente exigncia de
gerenciamento do trabalho, decorrente do processo de complexificao das sociedades
capitalistas e do aprofundamento da diviso do trabalho ao longo do sculo XX.
Portanto, as ocupaes relacionadas prestao de servios tenderiam a crescer
concomitantemente ao desenvolvimento da produo industrial e em alguns casos
poderiam at preced-las, configurando-se como condio prvia. A segunda explicao
para o crescimento do trabalho nos servios estaria relacionada ao excedente de oferta
de mo-de-obra nos mercados de trabalho, que tenderia a se deslocar progressivamente
para o setor de servios. Tal fato decorreria da incapacidade do setor secundrio em
absorver a crescente quantidade de trabalhadores excludos do processo produtivo.
Haveria necessidade sistmica de incluir tais trabalhadores no mercado consumidor de
bens, a fim de que fosse mantida a estabilidade da circulao de mercadorias (Offe,
1991: 87-99).
Uma terceira explicao argumenta que a mudana nos padres de consumo dos
oramentos familiares influenciaria sobremaneira o crescimento do trabalho em
servios. Nesse sentido, o aumento da produtividade na indstria teria ocasionado o
crescimento da renda mdia domstica, que, por fim, produziria efeitos positivos no
consumo, proporcionando o aumento da demanda por servios. Apesar desse crculo
virtuoso tambm se estender ao emprego no setor secundrio, caractersticas inerentes
ao trabalho em servios, como a suposta menor possibilidade de racionalizao,
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garantiriam o crescimento da participao da prestao de servios no emprego geral. A
quarta e ltima explicao para o crescimento do trabalho nos servios remeteria s
escolhas e mudanas de profisso ao nvel individual, partindo do pressuposto que o
trabalho em servios contemplaria aspectos positivos ausentes no emprego industrial,
como uma vantagem geral de uma poltica humanizadora, possibilitada pela relao
direta estabelecida com o usurio final do servio (Offe, 1991: 100-105).
Offe conclui a exposio sobre as explicaes para o crescimento do trabalho
nos servios discorrendo sobre as dificuldades de comprovao emprica das quatro
abordagens em questo. Segundo o autor, cada abordagem, se tomada isoladamente,
possui reduzido poder explicativo, cabendo tambm questionar se:
(...) o crescimento do trabalho em servios pode realmente ser relacionado com a demanda objetiva ou a necessidade subjetiva dos servios (e em que grau) ou se (pelo menos) adicionalmente a demanda e as necessidades de trabalho e suas remuneraes extrnsecas e intrnsecas so decisivas para tais tendncias de crescimento (Offe, 1991: 109).
No que concerne s argumentaes de Berger & Offe, principalmente sobre a
definio conceitual e a subdiviso do setor de servios, conclui-se que as mesmas
representam avano terico, por superar as definies e divises residuais at ento
vigentes. Entretanto, tal esforo mostra-se limitado para efeito de anlise das
configuraes do setor de servios na atualidade, visto que o mesmo tem passado por
transformaes constantes e sofre um processo de complexificao crescente. Nesse
sentido, cabe observar que tal diviso no contemplaria as novas reas de prestao de
servios, surgidas em conformidade com o desenvolvimento tecnolgico. Por
conseguinte, a utilizao do setor produtivo como referncia para a realizao da
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subdiviso do setor de servios em trs nveis distintos mostra-se questionvel, na
medida em que qualquer tentativa de desmembramento conceitual do setor deve
observar a relao de dependncia mtua entre os servios e o setor produtivo.
Um desmembramento conceitual mais condizente com as configuraes atuais
do setor de servios foi desenvolvido por Castells (2000) em meados da dcada de
1990, tendo como objetivo analisar as tendncias do emprego nos pases que compe o
G-78. A tipologia em questo, segundo o autor, foi adaptada daquela desenvolvida por
Singelmann (1978) no final da dcada de 1970, ao analisar as mudanas na estrutura