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AVM
A VEZ DO MESTRE
Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Planejamento e Educação Ambiental
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
UCAM
Marcos Antônio de Souza Cunha
TRANSAMAZÔNICA: A FRONTEIRA ENTRE O SONHO E A REALIDADE DO
"MILAGRE BRASILEIRO" NOS ANOS 70
Monografia apresentada ao
Curso de Planejamento e Educação
Ambiental da
Universidade Candido Mendes
como requisito para obtenção da Pós-
Graduação
Orientadora: Prof'. Maria Esther de Araujo
NITERÓI -2004
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, aos meus tios
Geraído de Souza e Irene da Cunha
Souza, a minha madrinha Edna de
Souza, a mestre Maria Esther que de
uma forma ou outra me ajudaram neste
trabalho.
RESUMO
Este trabalho envolve uma discussão dos anos de
ditadura militar no Brasil, com especial atenção para o período de
1970-1974. Este foi o momento de preocupação do governo do
General Emilio Garrastazu Médici em direcionar a movimentação
populacional para o Norte do país, tendo como estratégia a construção
da Rodovia Transamazônica.
4 SUMÁRIO
INTRODUÇÁO 5 1 - 1964 - OS MILITARES E O PROJETO POLITICO 8 ECONÕMICO
1.1 - PANORAMA POLiTICO-ECONÔMICO 9
1.2-OS MILITARES NO COMANDO DA NAÇÀO 13
2 - O PODER DOS MILITARES: 1970-1974 19
3-... E A TRANSAMAZÓNICA SE TORNOU PRIORIDADE 26
3.1 - A EXPANSÁO CAPITALISTA E TERRITORIAL 27
3.2-O PLANO DE INTEGRAÇÁO NACIONAL (PIN) 32
3.3-O NASCIMENTO DO "SONHO" 38
CONSIDERAÇÕES FINAIS 41
FONTES 46
BIBLIOGRAFIA 47
ANEXOS 49
INTRODUÇÃO O presente trabalho constitui uma monografia, requisito necessário
para obtenção do titulo de pós-graduação "Lato sensu" em Planejamento e
Educação Ambiental da Universidade Cândido Mendes pela AVM - A Vez do
Mestre.
A escolha do tema se deve ao esforço de tentar responder a uma antiga
indagação: Por que o Projeto Transamazônica não foi viabilizado e qual a
justificativa e a legitimação para a construção da rodovia?
Mas a busca dessa história tem também uma motivação especial: a
importância do momento em que vivemos em 2004, quando
ucomemoramos~~ quarenta anos do golpe militar, que mudou a históna
política desse País, rompendo com um modelo populista1 de governo e
inaugurando o regime militar, que trouxe uma nova modalidade de relação
entre Estado e sociedade.
Nesse sentido a pesquisa envolve a análise de uma das medidas tomadas
durante os anos de ditadura militar no Brasil, passando pela caracterização
das forças armadas, na medida em que são uma organização que sobrevive
ao longo dos anos, chegando a exigir na própria constituição2 o status de
instituição permanente, aliás única no cenário brasileiro.
Assim, ter-se-á uma amostra do comportamento desse importante segmento
da sociedade brasileira, cuja caracteristica mais marcante, nos anos de
ditadura militar, foi o discurso da defesa dos interesses do Estado,
identificados como os interesses nacionais da sociedade como um todo. 1 - Política baseada no aliciamento das classes populares pela barganha de interesses trabalhistas, mas com vistas a obter o apoio as estruturas de poder de estado. 2 - Cap. I - Das Forças. Armadas I Art. 142.
O objetivo deste trabalho é, portanto, discutir o papel dos
militares, principalmente do exército, no destino da Amazônia e seu poder de
decisão em relação ao Projeto Transamazônica, sem dúvida um dos
maiores, senão o maior empreendimento rodoviário já projetado no Brasil.
Parece que tal projeto só foi possível pela existência desse regime autoritário
que, apoiado em sua doutrina de segurança nacional, levou áfrente a
construção da rodovia.
As fontes bibliográficas foram utilizadas como aporte teórico
ádiscussão do golpe de 64 e ao poder dos militares, no intuito de elucidar a
conjuntura político-econômica de 1964, além do próprio regime militar
brasileiro e sua crise nos anos 70. A pesquisa traçou um perfil da política
nacional pré 64, procurou elementos que pudessem servir á análise da
passagem da democracia de tipo populista para um regime autoritário,
buscando sua base nas características do capitalismo brasileiro, bem como
nas declaradas políticas de desenvolvimento para a Amazônia e para a
região Nordeste.
Além das fontes bibliográficas, também foram usados
documentos oficiais, na busca de caminhos que oferecessem legitimação
aos argumentos utilizados no transcurso do trabalho. Assim, lançou-se mão
dos pronunciamentos do Presidente Médici, presentes em uma coleção de
discursos do presidente, composta pelo Departamento de Imprensa Nacional
(DIN). Além de trechos dos editoriais de alguns exemplares do Jornal do
Brasil de 1971.
Para a elucidação da Proposta do Plano de Integração
Nacional foi utilizado o próprio decreto (n0 1106 de 16/06/1970) de criação do
plano, como também o decreto (n0 835 de setembro de 1969) que tratava da
criação de fundos de participação dos estados e municípios e das reservas
de recursos destinados aos estados do Norte e do Nordeste Os fundos de
participação e a reserva especial foram importantes para a percepção do
jogo de concessões entre militares e oligarquias regionais, 7
ligação importante para se entender a questão agrária do Norte e do Nordeste do país.
A inclusão do filme Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues se deu
pela busca de um tipo de fonte que pudesse dar conta do nascimento do
sonho da construção da Transamazônica. O filme também desvenda outros
aspectos da realidade brasileira, como a pobreza dos estados do Norte e do
Nordeste, a diversidade cultural do Brasil e o problema do início brasileiro. A
introdução desses aspectos do filme enriquecerem a discussão dos
principais pontos desse trabalho, uma vez que foi contrastada a escassez de
estudos sobre o período em questão, principalmente de historiadores que
estivessem preocupados com o empreendimento da Transamazônica. O
mesmo não ocorre, por exemplo, com outros períodos como o da ~Era
Passos" e das obras de remodelação do Rio de Janeiro no início do século.
Os anos 70 parecem não ter despertado o mesmo interesse nos
historiadores, por isso, a base dessa monografia compõe-se de análises
feitas a partir de estudos de antropólogos, cientistas sociais e jornalistas,
priorizando categorias econômicas de análise.
1-1964: OS MILITARES E O PROJETO POLITICO E
ECONÔMICO
"Façamos a revolução antes que o povo a faça".
(Antônio Carlos Magalhães)
1.1- Panorama PoIítico-Econômico
Para uma abordagem do Estado Brasileiro na década de 70,
faz-se necessário antes, reportar-se aos idos de 64. Afim de entender-se
como configuram as forças políticas e econômicas que determinaram, nas
duas décadas seguintes, as características do Estado Brasileiro enquanto
Estado autoritário.
O Golpe de 1964 não foi estritamente um acontecimento
político-militar, ele teve "raízes" econômicas importantes, como afirma lanni
(1975, p. 153). Tanto assim, que foi facilitado pelos processos econômicos
que estavam forçando a liquidação da democracia populista.
Em "O Populismo na Política Brasileira" (1980), Francisco
Weffort afirma que depois de 1930 estabeleceu-se uma solução de
compromisso de novo tipo na política brasileira, onde nenhum dos grupos
partidários3 participante do poder, direta ou indiretamente, pode oferecer as
bases de legitimidade ao Estado. Em nenhum dos casos, os interesses
particulares, tanto sociais quanto econômicos de cada grupo social, serviu
de base para a expressão política dos interesses gerais.
aNestas condições~ aparece na história brasileira um novo personagem: as
massas populares urba nas. É a única fonte de
legitimidade possível ao novo estado autoritário¾
(Weffort, 1980, p. 50).
A partir da década de 50, o desenvolvimento industrial passou
a depender crescentemente de capitais estrangeiros, não se criando uma
camada empresarial capaz de formular uma política autônoma em relação a
estes interesses. Cria-se assim uma situação singular onde todos os grupos,
inclusive as massas populares urbanas, participam de alguma forma 3 - A revolução destruíra a Velha República, reduzindo as ruínas o seu sustentáculo político. Os partidos republicanos, nascidos na propaganda, tinham se tornado, ao longo de quatro
décadas, o sustentáculo do poder. ' o
do poder. Mas como nenhum dos grupos possuía hegemonia dentro da
sociedade, o que ocorreu foi a dependência de todos em relação ao Estado.
Nesse sentido, estas massas só poderiam servir de base para
a legitimidade do Estado enquanto ainda permanecesse possível o
compromisso entre os grupos dominantes.
Com a renúncia de Jânio Quadros em 1961, revela-se todo a
fragilidade da estrutura de compromisso existente até então, e, como afirma
F. Weffort: ~m conseqúência diminui (...) a
possibilidade que o populismo> através da
manipulação, continue atuando como agente
dinamizador da estrutura poh'tica" (Weffort, 1980, p.
50).
Embora os aspectos econômicos devam ser considerados, sob
o ponto de vista do golpe de 64, os acontecimentos desse ano não
representaram nenhuma mudança radical mas sim, um aprimoramento e
consolidação do modelo populista implantado desde 1955. Recriou-se para
tanto as bases do financiamento das inversões necessárias à retomada da
expansão e institucionalizou-se o processo de concentração oligopolítica,
que não era novo mas vinha acontecendo de forma desordenada.
Para compreendermos em que medida os acontecimentos de
1964 foram o fecho de uma sucessão de acontecimentos, orientados no
sentido de acelerar a reintegração do Brasil na esfera da "civilização
ocidental", como sistema econômico e político, recorremos ao diagnóstico da
crise política que foi aceito pela Cepal e por amplos círculos, inclusive a
esquerda. Os economistas da linha oficial procuravam explicar o problema
da concentração de renda, como conseqúência do crescimento da
economia, ao contrário de seus opositores que a identificam como causa.
Entre os primeiros destacou-se a teoria do "Crescimento do Bolo", ou seja, a tese de
que era necessário assegurar o aumento da riqueza nacional antes de repartir os benefícios
do desenvolvimento. 1
Para estes setores da sociedade, o fato do crescimento industrial brasileiro
ter conhecido uma queda considerável desde 1961, era explicada pelo esgotamento do
processo de substituição de importação. Conseqúentemente, qualquer novo crescimento
dependeria de um alargamento do mercado consumidor, que serviria de base para a
substituição de importações.
Ainda no governo de Juscelino Kubitschek havia sido posto em prática o
padrão de associação de capitais nacionais e estrangeiros. Nota-se a preocupação com a
associação de capitais desde a segunda guerra mundial quando já se reconhecia nos
Estados Unidos que o nacionalismo precisava ser contornado nas nações sulamericanas.
Assim, a forma pela qual a industrialização se encaminhava no Brasil e nos
outros países da América Latina em geral, poderia contrariar interesses econômicos e
políticos externos, particularmente dos Estados Unidos. No caso brasileiro especificamente,
a forma pela qual estava ocorrendo a ruptura poIitíco~conômica que fundamentava a
transição da sociedade brasileira para uma civilização" urbana-industrial, não era
"compatível" com os interesses externos. Em outros termos, tornava-se "necessário"
corrigir-se o modo pelo qual o Brasil estava ingressando na era industrial. Portanto, o golpe
de 64 destinou-se conferir uma nova direção ao processo histórico nacional.
Além disso, entre 1962 e 1967, o Brasil conheceu um período de recessão
na sua economia. O golpe veio empreender uma ação no sentido de conter as mobilizações
sociais e restabelecer a "ordem". A primeira missão do governo militar, que se implantou,
foi~" saneamento" da economia que se encontrava assolada por altas taxas de inflação.
Nesse estágio da história do país, como afirma Sónia Mendonça (1991), o
desenvolvimento compreendido no contexto dos oligopólios multinacionais coloca
problemas á interpretação das novas 12
condições do processo econômico. Pouco será negado o modelo de desenvolvimento
econômico autônomo e o da política externa independente, com as empresas multinacionais
assumindo um papel cada vez mais importante nas decisões sobre a política econômica,
modificando-se assim, substancialmente, as condições de organização e desenvolvimento
da economia brasileira.
O que se pode apontar como fator que singulariza a política econômica
inaugurada em 1964 é que esta substitui a ideologia do desenvolvimento, pela ideologia da
modernização, que denota um esforço destinado a refinar o status quo e a facilitar o
funcionamento dos processos de concentração de capital.
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***********************************jetou-se na órbita do político e do cultural: por isso o golpe
de Estado de 1964 representou uma alteração importante no desenvolvimento político brasileiro.
O governo do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco iniciou-se um programa completo e
reformulação das instituições vigentes, tentando ajustar as expectativas e ideologias das diferentes
classes sociais. Foi nesse contexto que se assistiu a um encadeamento bastante complexo entre o
político, o econômico e o militar. Impôs-se formular nesse momento uma nova estrutura de poder,
pois as exigências da nova politica econômica, de uma reversão do sentido do desenvolvimento
político e cultural do país, conduziam a outros estilos de liderança na política nacional.
Nesse quadro, "O poder civil e o poder militar confundem-se num só pode~
(lanni, 1975, p. 189> será pela importância que se pode atribuir ao papel expressivo dos
militares nos novos rumos da política
a
brasileira, principalmente pós 64, que este trabalho destinará uma parte especial á
discussão sobre a participação desse segmento da sociedade nas decisões relativas ao
destino da Amazônia, que foi um dos pontos principais e de fundamental importância na
política de desenvolvimento, nos anos 70, para o Brasil.
1.2 - Os Militares no Comando da Naçao
Ao falar-se em militares e ditadura militar no Brasil éimportante ressaltar-se a
carreira de Emilio Garrastazu Médici, presidente do Brasil no período de construção da
Rodovia Transamazônica. O general foi eleito pelo congresso nacional, em 25 de outubro de
1969, logo após toda movimentação em torno de uma candidatura que pudesse vir a
substituir o então presidente Costa e Silva. Ainda em agosto de 69, os ministros militares
Aurélio de Lima Tavares, do exército, Augusto Rademaker, da marinha, e Márcio de Souza
e MeIo, da aeronáutica, reuniram-se e editaram o AI-12 que oficializou a investidura na
presidência da república de uma junta constituída pelas três, marginalizando o vice-
presidente Pedro Aleixo, substituto constitucional do presidente Costa e Silva; Médici,
naquele momento, era o elemento que reunia o maior número de tendências no exército e
adquirira grande prestígio no meio militar por sua atuação a frente do SNI.
Assim através do AI-16, de 14 de outubro de 1969, foram declarados vagos os
cargos de presidente e vice-presidente da república e estabeleceu-se logo a data para a
eleição do presidente.
Médici nasceu no Rio Grande do Sul, filho de um comerciante e fazendeiro
de origem italiana e de uma descendente de estrangeiros de origem basca espanhola. Seu
avô materno foi um antigo maragatu", denominação dada aos federalistas opositores dos
republicanos que dominaram a política gaúcha a partir do advento da república. Médici 14
ingressou em 1918 no Colégio Militar em Porto Alegre, depois passou pela Escola Militar do
Realengo, no Rio de Janeiro.
Em 1930 foi comissionado por Getúlio Vargas chefe do "supremo dos
revolucionários" no posto de capitão. Em 1957, a convite do então comandante do Terceiro
RM, general Artur da Costa e Silva, assumiu a chefia do seu estado-maior. Foi nomeado
comandante da AMAM em janeiro de 1963, ocupava seu posto quando em março de 64
eclodiu o movimento politico-militar que depôs João Goulart. Após a vitória militar em 64,
Médici foi nomeado, pelo Ministro da Guerra, Costa e Silva, Adido Militar em Washington.
Em 1966 aceitou o convite de Costa e Silva para ocupar a chefia do Serviço
Nacional de Informações (SNI). O cago, na época, era equiparado em importância ao de
ministro, e garantindo a participação de seu titular no Conselho de Segurança Nacional
(CSN>.
Com as agitações e manifestações anti-governo como os movimentos de 68 -
liderados por estudantes e com apoio de setores intelectuais, como a passeata dos 100 mil,
Médici, como chefe do SNI. aconselhou ao presidente que editasse um Ato Institucional
para fazer frente a "subvenção". Assim o AI-5 foi editado e pelo Ato Complementar número
38, foi decretado ainda o recesso do congresso por tempo indeterminado.
Em geral, as forças militares ingressam na política com suas ações
guardando certa correspondência com as polarizações dos interesses dos grupos políticos
civis. Desta forma, se subdividem em correntes.
No Brasil desta época, militares, enquanto segmento específico e com
interesses particulares dentro da sociedade, se propõe alvos próprios e imaginam uma
atuação política independente em face dos políticos civis. Entretanto, como afirma Sônia
Mendonça (1991), a atuação 15
política somente adquire sentido no quadro da estrutura de dominação e de apropriação
vigente no país.
Os golpes de estado são formas correntes de sucessão no poder, em uma
sociedade em que a política de massas e as oligarquias preponderam sobre os partidos. Foi
pelo golpe militar que se revelou toda a fraqueza do modelo liberal adotado no Brasil.
A especificidade de regime militar brasileiro se liga ao quadro de profundas
mudanças econômicas e sociais por que passou o país nas últimas décadas e seus reflexos
no interior do segmento dominante da sociedade. E nesse sentido, com a ruptura do pacto
populista, o regime militar instalou-se como solução "inevitável" para uma crise nacional que
não era apenas conjuntural ou momentânea.
No período de 1940-1964, alguns setores militares sentiram, devido a
evolução do salário mínimo, o rebaixamento das suas condições de vida, com a inflação e a
redução das diferenças entre os soldos, os salários e os vencimentos dos membros da
classe operária e da classe média. Esta última sentia-se cada vez mais próxima da
proletarização. Essa situação alimentou o crescimento das inquietações políticas de setores
civis e militares.
Porém, não se pode tomar apenas esse plano para explicar-se o crescimento da
participação dos militares na política.
"O papel de destaque que se consolidou para os
milltares no estado e na sociedade também se
deveu a um processo interno de transformação
por que passou a própria corporação militar antes
mesmo de 1964, resultado numa certa visão do
Brasil e do papel que nele deviam desempenhar
as forças armadas". (Mendonça & Fontes, 1980, p. 36)
Todo esse destaque dado aos militares foi articulado pela
Escola Superior de Guerra (ESG) e a sua Doutrina de Segurança Nacional.
A origem da ESG está na conjuntura internacional marcada
pela guerra fria e sua preocupação com o enfrentamento dos blocos
ocidental e oriental.
A ESG foi o organismo que operou a redefinição do conceito de
segurança, que passou a ser o da internalização. Dessa forma o comunismo
será transformado em um "inimigo interno", utilizando-se, para combatê-lo,
da Doutrina de Segurança Nacional que de~+in}u~~á prioridade do binômio
segurança-desenvolvimento, com ênfase na autonomia para as forças
armadas e no fortalecimento do Estado.
Foi a partir de uma visão globalizante e organicista da
sociedade que a Escola Superior de Guerra procurou soluções para a crise
brasileira, antes mesmo do Golpe de 64, treinando oficiais e buscando
aliados na sociedade civil, principalmente os empresários. A ESG tornou-se
grande difusora da ideologia de que, os com uma visão dos problemas
relativos ao desenvolvimento brasileiro, fundamentava-se na crença da
segurança como pré-condição dele e da necessidade de um controle da
sociedade. Também defendia a prioridade das questões econômicas sobre
as políticas. Segundo Sônia Mendonça (1991>, delineava-se assim uma
nova função para os militares, reforçando na prática a predominância do
grande capital, principalmente o estrangeiro, como meio indispensável ao
desenvolvimento.
A partir da Emenda Constitucional número 1, a chamada
Constituição de 1969, que incorporou o AI-5 á carta de 1967, será
institucionalizada a inobservância à própria Constituição, que já possuía
exatamente o sentido de negação da ordem legal.
Como decorrência dessa inobservância, consagra-se o arbítrio
a várias operações de detenção como a institucionalização da tortura no
país, diretamente a alguns setores das forças armadas. Destacamento de
operações e informações foram criados, como a Operação Bandeirantes,
com a finalidade exclusiva de prender "terroristas" e "subversivos". Eram
órgãos especializados e acoplados aos centros de informação e defesa
interna, que foram posteriormente denominados e D014 E CODI5. Assim
como Centro de Informação da Amazônia (CENIMAR) e o Centro de
Informação da Aeronáutica (CISA>. Sônia Mendonça (1991> coloca que
todo esse movimento viria a representar uma séria ameaça institucional
áimagem das corporações armadas, até então associada a seu papel de
defesa externa.
Ainda em 1969, quando o clima era de "guerra revolucionária"
e a imprensa, fortemente censurada, desencadeava uma verdadeira
ofensiva contra a "subversão", os órgãos policiais, preparando-se para a luta
aberta, tiveram seus equipamentos modernizados e seus efetivos
aumentados.
Por perpetuarem a coesão que reforça toda a organização do
comando militar, entre as forças armadas prevalecem determinados tipos de
comportamento, como a valorização da honra e do caráter corporativo da
instituição, que garantem sempre uma resposta satisfatória a qualquer
ameaça de desagregação da corporação.
Foi com esse pensamento que os militares elaboraram projetos
imaginando-os significativos para toda a nação. Isto porque, principalmente
nos tempos de ditadura militar, as Forças Armadas tinham autonomia
suficiente para formularem os mais variados tipos de planos, no momento
em que entendessem como conveniente. Tal atitude se apoiava em
determinados conceitos de poder nacional, entre os quais se deu
4 - DO - Destacamento de Operações Internas
5 - CODI - Comando Operacional de Defesa Interna
demasiada importância ao projeto de defesa do território, nele incluíram
preocupações relativas á expansão populacional, recursos naturais e
investimento em ciência e tecnologia, apoiados na euforia de frases como.
"Ninguém segura esse país".
As intenções apontadas fizeram com que a fronteira brasileira
fosse percebida dentro de uma concepção orgânica; esta poderia ser
estendida ora um lado, ora para outro. E assim, de acordo com as políticas
governamentais do período, a fronteira, naquele momento deveria ser
empurrada em direção ao Norte do país. E quando fala-se em políticas
governamentais entende-se políticas das forças armadas.
Como o assunto fronteiras sempre preocupou os governos
nacionais, os militares, nos aos 70, a partir de uma preocupação com a
defesa geo-política do território, voltaram-se para a Amazônia com projetos
que previam, entre outros empeendimentos, a colonização abrindo caminhos
para uma espécie de "reconquista" do interior ocupando espaços "vazios" do
país.
Nesse momento assistiu-se ao início da industrialização do
complexo industrial-militar no Brasil. A nova concepção de segurança
nacional refinando e ampliando a noção de defesa nacional exigia a
reformulação das relações entre as forças armadas e a indústria. Assim,
segundo Octávio lanni (1975), a eficácia do poder militar iria depender da
forma pela qual ele se relacionaria com o setor industrial, e por esse motivo,
procurou-se estabelecer um parque industrial-militar, adequado ás
perspectivas que se abririam ao país.
2 - O PODER DOS MILITARES 1970-1974
"Inimigos de Médici que estavam antes do lado
de cá do que do lado de lá no movimento de 64,
espalhavam que ele não governava, que delegava
excessivamente.
Ele delegava dentro de ilmites mufto bem
traçados, e quando esses limites eram
ultrapassados sabia pôr as
coisas em seu devido lugar". (Passarinho, Apud. Scartezini, 1985, p.
9)
O governo do General Médici, que havia iniciado com
promessas de democratização, logo viria a decepcionar aqueles que
esperavam a revogação dos Atos Institucionais, estabelecendo uma política
voltada para o "desenvolvimento". Médici manteria um estilo de governo forte
e extremamente centralizado, escolhendo homens de confiança do sistema
"revolucionário" e preferindo o "apolítico", o "técnico", dentro de uma linha
denominada pelo jornalista Carlos Castelo Branco da revista Veja de
"militarismo tecnocrático" (Branco, 1984, p. 2163). Assim, após sua eleição,
logo de imediato definiu o seu estilo político "centralista" intervindo
diretamente nas sucessões estaduais. Tomava as decisões relativas ao
governo dos estados e, nas eleições para governador em 1970, escolheu 11
governadores à revelia do próprio partido do governo que era a Firena. O
partido beneficiava-se com a estratégia política governamental, que
concentrava a ação nacional nos "grandes" projetos de desenvolvimento no
estilo de Juscelino Kubitschek e nos grandes planos de reforma social de
estilo Getulista, procurava aliar-se aos êxitos e evitar o debate,
principalmente com o partido de oposição, o MDB.
Com parte da política de censura implementada em seu
governo, em abril de 1973, o Departamento de Polícia Federal determinou
que as revistas nacionais e estrangeiras em circulação no país seriam
obrigadas, a partir de então, a requererem registro junto à Divisão de
Diversões Públicas.
Entre 1968 e 1974, a economia brasileira sofreria uma notável
expansão refletida no crescimento acelerado do PIB. O período que ficou
conhecido como "milagre brasileiro", em alusão aos "milagres" alemão e
japonês das décadas de 50 e 60, seria marcado por taxas de crescimento
excepcionalmente elevadas, que foram mantidas enquanto a inflação
declinava, estabilizando-se em torno de 20 a 25 ao ano.
Contudo, segundo Beloch & Abreu (1984), o aumento
progressivo da desigualdade na distribuição de renda tornou-se o ponto 2
1
central da crítica à política nacional de desenvolvimento seguida pelo
governo Médici e amplamente justificada pelos adeptos do modelo. A
"eficiência" do modelo econômico adotado era elogiado por observadores
internacionais, que apontavam como pontos positivos a neutralização da
inflação, o estímulo às exportações, sobretudo de artigos manufaturados, e
os investimentos privados nas áreas menos desenvolvidas do país, através
de incentivos fiscais. Com as relações diplomáticas cada vez mais
favorecidas, o Brasil obteve nesse momento os maiores empréstimos de
bancos estrangeiros, como o BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento).
Ainda segundo Beloch & Abreu (1984) o processo de expansão
da economia brasileira entre 1968 e 1974 foi fomentado por um lado, pela
abundância de recursos no mercado financeiro internacional e, por outro,
pelo favorecimento da empresa multinacional na estrutura industrial do país,
que pela grandeza de sua estrutura técnica e de capital, propiciou o
implemento da escala de acumulação, representando um salto "qualitativo"
na dinâmica do capitalismo brasileiro. Além das multinacionais que se
tornaram as empresas líderes da estrutura do mercado, assistiu-se a
diversas combinações entre empresas estrangeiras e nacionais.
Mas passado o período de auge dessas inversões de capital,
1968 - 1973, tudo indicava que o país entraria em recessão. E, como nos diz
Beloch & Abreu (1984), a própria conjuntura recessiva internacional foi um
fator que influiu na crise brasileira.
O "milagre econômico" começado em 1968 dava os primeiros
sinais de esgotamento, em decorrência das inúmeras contradições internas,
que estavam presentes já na sua construção. Por outro lado, observou-se a
queda nas taxas do crescimento econômico que retirava do regime político a
precária legitimidade popular que buscara mobilizar. 2
2
Em 1973 a chamada crise do petróleo passava a ocupar lugar
de destaque na imprensa e até mesmo nos pronunciamentos oficiais. Era o
sinal de uma importante inversão da conjuntura internacional. Porém,
segundo Sônia Mendonça (1991): "veio a funcionar como 'álibi' perfeito para
uma situação de duplo impasse que o país atravessava
Apesar da recessão ser visível, não se cogitava uma saída do
tipo "tradicional" para a crise, como o arrocho salarial ou aumento do capital
externo, pois isto contribuiria para o aumento da dívida externa do país. A
saída encontrada foi atuar no sentido de compensar a queda dos
investimentos privados através da sustentação das gastos públicos, na
tentativa de diminuir o déficit na balança de pagamentos.
Nesse momento, como afirmam Beíoch & Abreu, nasce o II
PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), que objetivava substituir o que
fora até então o "carro-chefe" da economia, o setor de bens de consumo
duráveis, pelo de bens de produção. Os agentes de tal transformação foram
as empresas estatais.
O II PND trazia, portanto, uma proposta de reorientação do
padrão de acumulação vigente até então na economia nacional, causando a
reação política de grupos econômicos radicais no Sudeste, visto que o
plano definiu novos pólos industriais, como o Trombeta e o Carajás.
Portanto, a grande tarefa do governo naquele momento era
resgatar o fôlego dos investimentos e da própria acumulação sem que o
regime fosse abalado ou sofresse reordenações. Por esta razão a conjuntura
após 74 inaugurou-se sob o signo da busca de uma nova forma de novas
alternativas para a economia, como afirma Sónia Mendonça.
Quanto às sociedades, de um modo geral, a legitimação do
sistema de dominação da instituição militar no governo, seria construída em
torno do desenvolvimento com duas linhas de atuação: uma especialmente 2
3
voltada para o fomento da popularidade do presidente e outra ligada a ampla
divulgação dos êxitos e econômicos do regime.
Como parte dessa preocupação em criar uma imagem positiva
do chefe do executivo, foi elaborada uma coleção de publicações que
reúnem discursos, saudações a outros governos e pronunciamentos do
presidente, composta no Departamento de Imprensa Nacional para a
Secretaria de Imprensa da Presidência da República. Com títulos nada
originais, mas de forte impacto como "o povo não está só" ou "nosso
caminho" ou ainda "o jogo da verdade", o conteúdo de cada um dos volumes
tentou estabelecer uma ligação entre o executivo e a sociedade com
mensagens de forte apelo emocional.
Em um desses volumes, por exemplo, encontramos
informações a respeito da Rodovia Transamazônica, com uma mensagem
dirigida diretamente aos jovens.
"A dlfusao do ensino em todos os ramos nessa regia~o
terá que contar Porém, com o concurso de
atividades extracurriculares nos moldes das que se
desdobram com êxito notável, por intermédio do
Projeto Rondom, em cujos campos avançados,
distribuidos pelas margens da Transamazônica e
da Rodovia Cuiabá-Santarém, a nossa juventude
revela que a gera çào de hoje é digna do imenso
património que seus antepassados lhe
transmitiram". (Médici, 1972, p. 87)
Este trecho é um exemplo da preocupação com a repercussão das medidas
tomadas pelo governo que tentava criar uma auto-imagem, expressa tanto em matérias
pagas a agências de propaganda, como penódicos e jornais de circulação diária. O Jornal
do Brasil, por exemplo, publicou uma pequena nota, destacando-a na página como certo
deboche.
24
"Revolução plano de integração nacional incorporar a comunidade
nacional áreas e populações secularmente marginalizadas". (Jornal do
Brasil
01/0111971).
A mesma mensagem se repete outras vezes no mesmo exemplar, pode-se
perceber tal preocupação na própria forma como será dinamizada a Acessoria Especial de
Relações Públicas da presidência (AERP>, que será encarregada de produzir a imagem do
governo. Até mesmo os êxitos da Seleção Brasileira de Futebol serviram a propaganda do
governo:
"A vitória da seleção brasileira que conquistou o
tricampeonato mundial de futebol em junho de
1970, no México, seria utilizado pelas autoridades
oficiais como propaganda do governo. Assim, no
início de julho, o presidente da ARENA
recomendou aos candidatos do partido que
usassem como base de suas campanhas eleitorais
os êxitos obtidos pelo Brasil na copa do mundo".
(Beloch & Abreu, 1984, p. 2163).
Nessa mesma linha de dinamizações se destacam projetos como o Plano
de Integração Social (PIS), o PROTERRA, além do objeto específico desde estudo a
Rodovia Transamazônica. A partir de meados de abril de 1970, a imprensa passou a noticiar
a situação desesperadora provocada pela seca que associava a região Nordeste do país
(Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Bahia). Saques de
composições ferroviárias, caminhões, feiras livres e casas comerciais, invasões de cidades
pelos flagelados que se contavam aos milhares, sem trabalho e sem qualquer perspectiva
de vida, o comércio fechava as portas e o policiamento era reforçado, fazia parte do
panorama daquela região.
Sobre este quadro, assim expressa-se o apelo presidencial: 2
5
"Aqui vim para vei; com os olhos da minha sensibilidade,
a seca deste ano, e vi todo o drama do Nordeste,
vim ver a seca de 70, e vi O sofrimento e a miséria
de sempre. Não, não me conformo Isso não pode
continuar Só digo é que tudo isso tem que
começara mudar" (Médici, 1971, p. 4).
Quando Médici visitou a região em junho, o governo federal decidiu decretar
estado de calamidade pública nos municípios atingidos, abrindo um crédito de 60 milhões
de cruzeiros para atender as necessidades iniciais. A SUDENE anunciou então a abertura
de trabalho e o governo autorizou, em agosto, novos créditos destinados ás vítimas da seca.
Em junho de 1970 Médici decretou a extinção do Instituto Nacional de
Desenvolvimento Agrário (INDA), do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e do
Grupo Executivo de Reforma Agrária (GERA), cujas atribuições passavam ao Instituto
Nacional de Colonização e Reforrna Agrária (INCRA), criado pelo mesmo decreto. O novo
órgão significaria de certa forma um retrocesso nos antigos esforços do IBRA e distinguir
colonização de reforma agrária. "Uma vez que a tendência dai por diante seria
a de colocar a grande prioridade na expansão da fronteira agrícola".
(Beloch & Abreu, 1984, p. 2169). 2
7
3- .~. E A TRANSAMAZÔNICA SE TORNOU
PRIORIDADE
"Por isso, nem bem entregues ao tráfego em rrns de setembro, os primeiros
mil e duzentos quilómetros da Rodovia Transamazôníca, não vacilamos em
tomar. Aqui e agora, outra decisão histónca, qual seja a de se inicia,; em
breve, a construção, também na região Amazônica, de outra grande rodovia,
a Perimetral Norte" (Médici, 1972, p. 113>.
3.1- A Expansão Capitalista e Territorial
No Brasil, expansão capitalista está associada à expansão territorial. É
nesse sentido que a política de integração nacional, dentro do período de ditadura militar,
constitui-se de uma política de construção de estradas, visando o escoamento de
mercadorias.
Mais do que isso, pode-se dizer que expansão capitalista associa-se ao capitalismo
autoritário, cuja característica principal é, como assegura Otávio Velho (1976), em
comparação com o capitalismo burguês, a dominação, particularmente intensa, da instância
política. Isto significa dizer que a determinação do político pelo econômico diz respeito,
sobretudo, ao desenvolvimento das forças produtivas na esfera internacional, e no
âmbito da formação nacional, o político mantém um alto grau de autonomia em relação ao
econômico e uma grande capacidade de agir sobre ele.
A autonomia da instância política e sua capacidade de agir sobre o
econômico, pode explicar como a construção da Transamazônica foi viabilizada e mobilizou
uma enorme soma de recursos. Cálculos aproximados estimam que para o programa de
construção da rodovia foram destinados 30% das deduções do imposto de renda, que
consistiram em incentivos fiscais e representavam transferências de aplicações de projetos
privados para aplicação de investimentos públicos. Esses 30% passaram a compor o Fundo
de Integração Nacional, do qual 2/3 se destinavam exclusivamente à construção da Rodovia
Cuiabá-Santarém. Todo este investimento foi justificado pela chamada "prioridade do
governo" e a estrada foi até comparada a outras empreitadas ousadas de governos
passados.
"Foi assim no Rio de Janeiro, com a abertura das
Avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, com o
Maracaná, o desmonte do Santo Antônio e os
aterros 2
8
das praias do Flamengo e de Copacabana; foi assim
com Brasílla e a Belém-Brasília, com a SUDENE,
com indústria automobilística e com Volta
Redonda" (MeIo Filho, 1971, p. 63)
As vozes contrárias ao empreendimento, que ponderavam sobre a viabilidade da obra,
só encontraram "eco" no Congresso Nacional, pois o conjunto da sociedade, mal participava
dos acontecimentos políticos e das decisões do executivo, uma vez que havia um controle
cerrado aos órgãos de comunicação por parte da censura. Além disso, um slogan nessa
ocasião que facilitou muito a preparação nacional de um estado de espírito favorável à
construção da estrada. Slogan este "cantado" desde o Projeto Rondom: "integrar para não
entregar". Mais tarde, pelos efeitos que este produziu, surgiram vozes no Congresso para
inverter por completo o sentido do refrão: "essa integração será a entrega". (MeIo Filho,
1971, p. 63).
A dominação do político-sócio-econômico, também pode ser percebida em época
anterior quando da decisão de construir Brasília e da Rodovia Belém-Brasília. Durante
muitos anos falava-se da transferência da capital para o centro do país, o que era vista
como um elemento necessário na ocupação efetiva do território e motivo do deslocamento
do principal eixo populacional da costa brasileira para o seu interior. Esta opção solucionava
ou adiava soluções mais radicais relativas às tensões e lutas pela posse da terra no
Nordeste. Ou seja, uma decisão "artificial" como esta, era percebida como sendo capaz de
produzir os resultados desejados, tanto a nível econômico quanto político.
Tal como no caso da Transamazônica da capital, a ocupação da Amazônia era falada há
muitos anos mas somente na década de 60, após a abertura da Belém-Brasília, é que
parece ter surgido condições reais para que essa ocupação definitiva e em grande escala
começasse a se materializar. No caso da Amazônia e do Nordeste foi estipulado, na
Constituição de 1964, que 3% da renda tributária da união deveria ser 2
9
alocada em cada região, para projetos de desenvolvimento. Embora os
resultados na ocasião fossem "timidos" demonstravam uma tendência, e
foram os precursores de programas e agências posteriores
No entanto, de um ponto de vista "liberal", tanto a capital
quanto a estrada, eram totalmente injustificáveis, pois não eram
"economicamente" viáveis. As duas obras foram criticadas principalmente
porque os recursos investidos em ambas, na opinião de seus opositores,
deveriam ter sido utilizados, de acordo com a nacionalidade liberal, nas
partes já ocupadas do país.
Porém, como se pode observar com a própria construção da
Transamazônica, a lógica dos militares nada tem de liberal Tal discurso,
principalmente com relação ao desenvolvimento do pais, envolve um outro
tipo de racionalidade, que é a tecnicista, com a preocupação sobretudo de
uma geopolítica para controlar os movimentos de população e ocupar
espaços "vazios" do território.
Com relação ao desenvolvimento da Amazônia, onde se insere como um
dos pontos principais a construção da Rodovia que leva o seu nome, caberá
ao Estado decidir sobre os seus rumos. E, a partir da década de 70, a
Amazônia será vista como a alternativa de fronteira do Brasil por excelência,
quando este Estado quer "plantar" a necessidade de dirigir os movimentos
migratórios para o interior do Brasil. Segundo Otávio MeIo.
"Uma das principais diferenças em ênfase, perspectiva nos últimos
anos é que a expansão da fronteira tem vindo de mãos dadas com o
desapontamento acerca das possibílldades de transformações
regionais por 5, só serem capazes de solucionar os 'problemas sociais'
do Nordeste, ainda considerado uma região politicamente sensível
e, segundo o Pólo Noroeste de 1974, no maior e mais resistente
bolsão de pobreza e 3
0
atraso relativo do país, talvez mesmo de toda América Latina" (Velho,
1976, p. 185).
A iniciativa de construir a Transamazónica, uma verdadeira "operação cirúrgica" na
floresta, de proporções apenas conhecidas com o passar dos anos, foi justificada ou
desculpada pelo governo, pela necessidade de integrar a estratégia de ocupação
econômica da Amazônia com a estratégia de desenvolvimento do Nordeste.
A obsessão com o deslocamento de população para permitir a utilização ordenada e
racional da mão-de-obra excedente na região semi-árida mediante um vigoroso plano de
colonização, repetia-se sempre nas falas oficiais.
Embora com destaque mais modesto ao lado das exigências de integração nacional e
solução de problemas sociais, segundo Fernando Henrique Cardoso (1998), aparecia
também a necessidade de promover o aproveitamento das áreas de solo mais favoráveis
para colonização e o estabelecimento de atividades agropecuárias.
Com relação à colonização, a grande maioria dos trabalhadores eram empregados
no sistema de trabalho conhecido como peonagem. Nele, muitas vezes, o investimento
inicial do empresário para permitir que o empregado pudesse chegar às frentes de trabalho
e começar a trabalhar, terminava por levar o trabalhador a contrair dívidas que não
conseguia saldar. Geralmente, além dos abonos, os investimentos de trabalho e as próprias
despesas com viagem, constituíam-se em formas de dívidas que deixavam o trabalhador
em condições de total subordinação
Outra característica deste tipo de trabalho era a remuneração por produção e a vigilância
armada que as empresas agropecuárias exerciam sobre seus "peões". 3
1
Esta forma de trabalho foi característica das frentes de trabalho que foram
abertas e mantidas pelo exército, juntamente com o Ministério do Interior e o
DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem).
'Dado que a metade da população brasileira vive no
campo, compreendemos que os propósitos de
integração nacional não haverão de prosperar sem
o desenvolvimento acelerado da agricultura e da
pecuária, como as atividades de reforma agrária e
colonização". (Médici, 1972, p. 80).
A proposta de integrar estratégias era veementemente defendida como onda regional ou
limitada, pois tal projeto promoveria a comunicação dos estados nordestinos com o centro-
sul do país.
Para solução dos problemas da Amazônia foram elaborados dois projetos, além da
construção da rodovia. O primeiro foi a construção de um lago, defendido pelo Instituto
Hudson, para represar o Rio Amazonas com barragens que garantiriam, segundo os
técnicos responsáveis, mais de 30 quiíowatts e afastariam definitivamente o perigo de
inundações, além de regularizar o curso e a navegação do Amazonas.
O projeto previa que o lago se transformaria no centro de um sistema de transporte e
energia elétrica, integrado aos Rio Paraguai e Orinoco. Mas tal projeto recebe muitas
criticas na época e a sugestão foi afastada como impatriótica e entreguista.
O outro projeto previa a construção de uma hidrovia do contorno, tornando navegáveis
os Rios Guaporé e o Madeira-Mamoré, ao mesmo tempo que abriria canais unindo a Bacia
Amazônica a do Paraná-Paraguai, uma união que poderia também ser efetivada pelo Rio
Tocantins ou pelo Xingu. 3
2
Os partidários desta sugestão argumentavam que os rios eram as
entradas mais baratas que existiam, pois já estavam praticamente
construídas e não precisavam de muita conservação, embora
reconhecessem que estes ofereciam um tipo de transporte mais lento e
rígido, devido aos seus traçados já estarem definidos.
Os dois projetos não conseguiram agradar nem aos técnicos do Ministério
dos Transportes nem aos do DNER, que além da Transamazônica estavam
planejando a Rodovia Perimetral Norte, que ligaria a cidade de Macapá, no
Amapá, a cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre. O objetivo era que a
Perimetral Norte realizasse pelo extremo norte o que a Transamazônica faria
no sul.
3.2 - O Plano de Integração Nacional (PIN)
Para viabilizar a construção da Transamazônica, além de outros projetos entendidos
como necessários, urgentes e até indispensáveis ao desenvolvimento do país, é que foi
criado em junho de 1970 o PIN (Programa de Integração Nacional). O Decreto-lei n0 1106
tem no seu primeiro artigo:
"Art. 1~ - É criado o Programa de Integração Nacional,
com dotação de recursos no valor de Cr$
2.000.000,00 (dois bilhões de cruzeiros), a serem
constituídos nos exercícios financeiros de 1971 a
1974, inclusive com a finalidade específica de
financiar o plano de obras de infra-estrutura, nas
regiões compreendidas nas áreas de atuação do
SUDENE e da SUDAM, e promover sua mais
rápida integração à economia nacional". (Vade-
Mecum, 1972, p. 86).
33
Percebe-se assim como a palavra integração era recorrente nos discursos
oficiais e legitimou a iniciativa das obras de maior impacto, que mobilizaram
para sua construção custos vultuosos. Portanto, o PIN foi assim justificado.
'Inspecionei o processo pelo qual se implanta o plano de
assentamento de agricultores nas margens da
grande rodovia, tendo visto como se desdobram os
serviços de apoio ao trabalhador agrícola e sua
família (...)Do que vi, ouvi e senti durante quase
uma semana de viagem, trago em suma a
convicção tão bem expressa, aliás, por um dos
correspondentes estrangeiros, cujas opiniões
todas entusiásticas, tive a oportunidade e ali
pessoalmente recolher de que, o Programa de
Integração Nacional mudará na realidade, a face
do Brasil" (Médici, 1972, p. 86>. O Plano de Integração Nacional caracterizou-se
fundamentalmente pela abertura da Transamazônica.
A primeira etapa do plano constituiu-se na imediata construção da Rodovia e da Cuiabá-
Santarém, numa extensão de 2000 Km2, bem como a implantação de um sistema de
irrigação das regiões áridas do Nordeste outra medida foi a reserva de uma faixa de 20 Km2
de largura ao longo das duas Rodovias, para os projetos de colonização e 'reforma agrária".
"A integração social que o governo está
firmemente disposto a promover em relação às
populações do terrítóno Amazônico, não é, porém,
encargo de que ele desincumbír-se sozinho,
exclusivamente através de investimentos públicos.
A iniciativa privada, mediante os estímulos que lhe
estão sendo oferecidos, toca 34
igualmente papel decisivo no cumprimento desse
programa" (Mêdici, 1971, p. 61/62).
O objetivo de governo era que o exército se incumbisse da
Transamazônica, com recursos da USAID (Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional), uma empresa norte-americana. No entanto, tal empresa na
época, não investia em empreendimentos onde não participasse a iniciativa privada. Assim,
a solução encontrada foi abrir mão dos dólares do exército e pelas empreiteiras nacionais.
A estrada foi financiada com dinheiro dos incentivos fiscais, que significam dispensa aos
contribuintes de pagarem tributos, desde que estes fossem canalizados para empresários
que estivessem dispostos a montar fábricas e outras atividades econômicas nas regiões
atrasadas" do país.
A Amazônia corresponde a 59% do território nacional, abrangendo os Estados do Acre,
Amazonas, Pará, Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins, além das partes norte de Goiás e
Mato Grosso do Sul. A região contava no final dos anos 60 com apenas 4% da população
distribuída numa densidade que não atingia a média de 1 habitante por Km2.
Por essa razão, a Amazônia constitui-se durante séculos em um desafio, ao mesmo
tempo que era uma espécie de outro Brasil, algo lendário, misterioso e impenetrável.
Com uma área de 5 milhões de km2, maior do que toda Europa Ocidental, equivalente a
metade dos Estados Unidos, muitos dos defensores do Projeto Transamazônica
questionavam o porque da não ocupação da Amazônia de uma forma mais sistemática,
lembrando que a ocupação humana no Brasil concentra-se nas terras ao longo da costa,
como na irônica imagem de Frei Vicente Salvador, "andar arranhando (as terras)
ao longo do mar como carangueio'~ (Salvador, Apud. MeIo Filho,
35
1971, p. 16). E a imaginação não tinha limites: chegou-se a pensar na
ocupação da região, já que os brasileiros não a ocupavam, abrindo espaço
para uma possível invasão.
Outra motivação para a ocupação da região se acentuava devido aos
sucessivos fracassos de projetos econômicos, como o "delírio" da borracha,
a colonização japonesa e a promovida por paizanaenses ainda neste século.
No entanto, no estudo "Amazônia: expansão do capitalismo", o autor
Fernando Henrique Cardoso nos relata que a Amazônia, entre as décadas
de 50 e 70, conheceu uma considerável evolução quantitativa da sua
população, os mais de 3,5 milhões de Km2 contavam, em 1940, com uma
população de 140 mil, dez anos depois aumentava para 450 mil, entre 1950 e 1960 passou
de pouco mais de 1,8 milhões para 2,6 milhões. Este crescimento indicava que a Amazônia
chegaria a década de 70 como uma área de imigração
O autor coloca ainda que em 1920, com o fim do ciclo da borracha,
contando como urbanos os núcleos de Manaus e Belém, 28% da população amazônica
residia nos municípios destas cidades e mais de 1 milhão no meio rural. Essa divisão refletia
as exigências sociais de obtenção do látex nos seringais e de comercialização e
financiamento nas cidades, mas, segundo Fernando Henrique Cardoso, foi entre 1950 e
1960 que esse surto populacional foi maior.
e~Com a penetração das frentes pioneiras (...)
começam a surgir pequenos núcleos que repetiam
sua organização de base agropecuária ou
mineradora, a medida que, contando com
disponibilidades de terras e veios míneradores
aumentava o número de seus habitantes" (Cardoso,
1978, p. 58).
36
Quanto a região Norte propriamente dita, Cardoso apresenta, uma evolução
da divisão social do trabalho indicada pela distribuição setorial do emprego.
Com esses dados é possível se perceber que a região Norte estava se
constituindo ao longo das décadas de 50 e 70 em pólo de atração de população. Para toda
a região em 1970, cerca de 18,7% de todo o contingente populacional era constituído de
pessoas nascidas fora da região. Pode-se perceber esse aumento percentual na Amazónia,
de pessoas que vieram de outros locais, pela tábela do censo do IBGE de 1970, que mostra
o número de homens e mulheres que residiam no Amazonas, mas não eram naturais do
estado. Mesmo com todos os cuidados que se deve tomar em relação aos números
apresentados, pode-se perceber que os dados mostram um crescimento bastante
significativo de pessoas não nascidas no Amazonas e que lá residiam há menos de um ano.
A projeção dos dados pode significar um aumento da oferta de empregos, tanto nos
setores agrícolas, com os incentivos á colonizaçãó, quanto na indústria (tabela em anexo).
Em geral, no âmbito dos estados daquela região, a maior parte dos imigrantes das zonas
rurais provinham dessas mesmas zonas (quase 314) e as migrações das zonas urbanas
provinham igualmente dessas mesmas zonas (cerca de 2/3).
Além da política de colonização que constitui-se em um ensaio de reforma agrária, dos
incentivos fiscais e dos projetos industriais (especialmente de exploração mineral), o outro
instrumento de que o governo dispôs na Amazônia foi a política rodoviária. Esta baseou-se
no esforço às rodovias já existentes e no aprimoramento da ligação entre as chamadas
áreas de fronteiras, bem como entre os núcleos povoados. Mas destacou-se sobretudo pelo
traçados de rodovias de penetração na floresta
37
A Transamazônica não estava prevista no plano nacional de
viação em 1967, e elaborado pelo governo Castelo Branco. Foi decidida
depois de viagens do General Mêdici ao Nordeste para visitar zonas
assoladas pela seca.
A estrada compõe-se de dois eixos: a Cuiabá-Santarém (entregue para
sua abertura principalmente aos batalhões de engenharia militar) e a estrada
que acabou sendo chamada exclusivamente de Transamazônica, que faz a
ligação entre o Nordeste (saindo de Picos, no Piauí) e os estados do
Maranhão (onde encontra a Belém-Brasília na cidade de Estreito), Pará,
Amazonas, Acre, na fronteira com o Peru. A estrada penetra no trecho
selvático quando passa por Marabá, Altamira, Itaituba, no Pará, e Rumaitá,
no Amazonas, onde encontra a estrada porto VelhoManaus. O seu traçado
une povoados localizados nas bacias dos afluentes do Rio Amazonas e que,
embora relativamente próximos, estavam separados pela selva e precisavam
para sua intercomunicação, de viagens de dias ou mesmo semanas, por
ligações fluviais. Por unir povoados, facilitando ou mesmo criando redes de
comunicação e ainda promover o aproveitamento das áreas de solos mais
favoráveis para a colonização estabelecendo atitudes agropecuárias e
garantindo o acesso às regiões de ocorrências minerais, com a exploração
econômica, a rodovia será aproveitada como meio propagandístico pelo
governo Médici. Assim:
"Há que se destacar o caráter de impacto da obra,
no duplo sentido de que, por um lado, aguçou a
imaginação e significou uma espécie de choque
nacional pela conscientização de uma série de
problemas pouco advertidos (problema do índio,
da colonização, da exploração do trabalho, da
ecologia Amazônica, das alternativas econômicas,
etc~) e, por outro lado, de propaganda de um
governo". (Cardoso, 1978, p. 168>.
3.3 - o Nascimento do Sonho
A possibilidade de aceso às regiões de ocorrências minerais aguçou a imaginação das
pessoas e fez nascer a esperança de enriquecimento com essa atividade. E foi para a
Amazônia que essas esperanças se voltaram. É o sonho com o "eldourado" no Brasil do
século XX que leva individuos e até famílias inteiras e se aventurarem pelos caminhos da
Transamazônica.
Esse sonho com o eldorado é, no entanto, diferente do sonho dos colonizadores
europeus do século XVI, XVII. Estes se arriscaram pelos mares em busca do ouro por
iniciativa particular. Suas técnicas de extração mineral eram precárias e rudimentares.
Os brasileiros sonhadores do século XX buscaram, inicialmente, terras
acreditando em encontrar terras ainda sem donos, um interior despovoado. Esse movimento
partiu de uma iniciativa do governo, que como já foi dito quis incentivar as migrações em
direção ao Norte e ao Centro-Oeste do país. A busca pelo ouro será uma atividade paralela,
quase que complementar à agricultura. No entanto, diferentemente do tempo dos
colonizadores, essa atividade será monopolizada por grandes empresas especializadas,
com o domínio das técnicas mais aperfeiçoadas, além de capitais para investimentos nos
processos de mineração.
O interior do Brasil, nos anos 70, não se encontrava despovoado e sem dono, como aliás
nunca esteve. Nesse sentido, a escolha de se utilizar o filme Bye Bye Brasil como uma das
fontes para esse estudo deve-se ao fato de considerar-se tal objeto não apenas pela sua
estética ou como obra de arte pura e simples. O filme escolhido de Cacá Diegues, é
entendido aqui como um produto, uma imagem~bjeto, cujas significações são mais do que
cinematográficas. Elas valem não só pelo que testemunham como também pela abordagem
sócio-histórica que autorizam.
39
Assim, a opção pelo filme tem o propósito de mostrar, por um lado, como
a construção da rodovia é acompanhada do nascimento de um sonho, as
possibilidades de um paraíso na Amazônia, assim pessoas acreditando na
conquista de um trabalho melhor, ou mesmo um pedaço de terra. Por outro
lado, mostra como as expectativas se chocam no grande e diversificado
universo cultural do Brasil, entre os que chegam e os que já se encontram na
região.
O filme tem como personagens principais um grupo de artistas
mambembes que viajam com a "Caravana Rolidei" para o interior do Brasil
Em uma das cenas, um caminhoneiro conta para o "Lorde Cigano",
personagem vivido por José Wilker, que Altamira, cidade atravessada pela
Transamazônica, às margens do Rio Xingu, era uma cidade que estava
crescendo e oferecendo ótimas oportunidades, como a exploração de
minérios.
Da mesma forma, o casal de nordestinos, o sanfoneiro Ciço (Fábio Jr.) e
sua mulher Dasdô (Zaira Zambelli) abandonam a sua cidade e se aventuram
com a caravana. Ciço diz para seus pais que não vai mais tentar "tirar água
de pedra", se referindo à seca, e se oferece para fazer qualquer coisa,
quando os artistas lhe dizem que não precisam de um sanfoneiro.
Em Altamira oferecem a Lorde Cigano uma oportunidade de emprego em
uma fábrica de papel. Mostram também vários jogos de cena alternando
estrada empoeirada com tratores e homens trabalhando pelo asfaltamento
desta.
Um exemplo do choque de expectativas entre os que se
encontram na região e os que chegam a esta é a cena em que os índios
reclamam da usurpação de suas terras pelo ~homem branco". 40
O filme também mostra que o sonho com a Transamazônica não tem
fronteiras. O personagem Lorde Cigano, mesmo enfrentando dificuldades,
não desiste de levar o show da Rolidei para o interior. Depois de se
decepcionar com o crescimento de Altamira, eles partem para Belém e no
final do filme sonham com Rondônia. Percebe-se que a intenção de Cacá
Diegues é mesmo mostrar o quanto o sonho com uma fronteira brasileira é
real para a sociedade. O personagem Lorde Cigano é um exemplo dos
sonhadores quando diz: ~sonhar só pode ofender aos que não
sonham~.
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos perceber como a estratégia de povoar o interior
do Brasil, expandindo sua fronteira de colonização, passou a ser uma
das prioridades do governo a partir da década de 70, pela própria
legislação do final dos anos 60. Esta ação foi parte integrante de um
projeto maior consagrado pelos planos nacionais de desenvolvimento.
O Decreto-lei n0 835 de setembro de 1969, que regularizava a
aplicação dos fundos de participação dos Estados, Distrito Federal e
Municípios, definiu que os recursos teriam que ser obrigatoriamente
aplicados em conformidade com as diretrizes e priondades dos planos
e programas do governo e, em especial, a partir de 1972, dos planos
de desenvolvimento.
Mas a Lei n0 1434 de setembro de 1975, em atenção
especial aos Estados do Norte e do Nordeste, expôs sobre a criação
de uma reserva constituída com recursos do fundo de participação,
especialmente destinados a esses Estados.
Pode-se relacionar a criação de reserva especial de
recursos para o Norte e o Nordeste com os planos dos militares de
incentivar as migrações em direção a essas regiões que são
atravessadas pela Transamazônica.
Isto tornou-se ainda mais evidente pela forma como foram
aplicadas as verbas e operações de crédito nos estados e municípios.
Previstas para o exercício de 1975: a resolução n0 62 do Senado, em
seu artigo segundo dizia que a divida dos estados e municípios deveria
conter-se em alguns limites máximos.
No entanto, logo abaixo, em seu artigo terceiro, tem-se
como uma ressalva, que os estados e municípios poderiam pleitear
uma elevação 42
dos limites impostos no artigo segundo, a fim de realizarem operações
de crédito que estivessem especificamente vi ncu ladas a
empreendimentos financeiros, compatíveis com os objetivos e planos
nacionais de desenvolvimento. Entre estes planos estava o PIN.
A constatação de que o Norte e o Nordeste mereceram
uma atenção especial por parte do governo, pode ser ainda mais
reforçada quando vemos que, pelo artigo sexto da citado resolução, a
proibição aos estados e municípios de assumirem compromissos com
fornecedores e prestadores de serviço ou empreiteiros de obras, não
se estendia às operações de crédito que objetivassem financiar a
aquisição de máquinas, equipamentos e implementos agrícolas ou de
máquinas e equipamentos rodoviários.
Sabemos que uma lei é criada a partir de sua
necessidade. ~laro está que a proibição de assumir-se compromissos
com fornecedores não poderia evidentemente se aplicar àqueles
estados e municípios que eram o "berço» dos grandes projetos de
desenvolvimento do país. Por isso a exceção para os Estados do
Norte e Nordeste.
A forma como o governo federal destinou grande parte
dos recursos e verbas do orçamento nacional e especialmente para
esses estados, dando-lhes um tratamento excepcional dentro dos
projetos de desenvolvimento nacional em relação ao restante do país,
pode ser estendida como típica dos governos autoritários que
imprimiam um carater de grande autonomia a instância política em
relação à econômica.
Dessa forma é possível entender como a região
amazônica, a partir dos anos 70, recebeu tantos recursos e foi
"batizada" como a fronteira do Brasil por excelência. O planejamento
que definiu e executou os rumos de seu desenvolvimento era um
agente do estado autoritário. Um estado que, como já foi dito, tem a
tradição de ser desenvolvimentalista e modernizador na economia e
conservador na política.
Este planejador atuou, em relação à Amazônia, no sentido
de reorientar a economia do estado em favor do grande capital
"moderno" e industrial. Neste sentido, a política de integração nacional
no período da ditadura militar foi a de criação de colônias internas para
o grande capital financeiro e industrial radicado no Sudeste.
Nesse processo o grande capital financeiro contou com
uma política de incentivos fiscais, com empresas do Sudeste e do Sul
fazendo investimentos subsidiados na região amazônica.
Portanto, seria simplista acreditar que a Transamazônica
foi projetada apenas para atender as necessidades de segurança
nacional.
Os tecnoburocratas, preocupados profissionalmente com
este problema, tinham uma visão mais complexa que aquela expressa
pelos propagandistas da estrada. Para os militares encarregados da
segurança territorial, a estrada era uma parte - e assim mesmo
modesta - do conjunto de medidas necessárias para povoar o interior
do Brasil.
Tudo indica que a estrada não foi produto de nenhuma
planificação, estudo, nem mesmo de reivindicações dos habitantes
daquela região.
Não foram lembrados os custos sociais da obra e os seus
problemas de saúde pública; com a chegada do "homem branco", os
índios ficariam ainda mais expostos às doenças, pois já desnutridos,
não tinham defesas contra as moléstias que poderiam contagiá-los.
Nem mesmo houve, como poderia se esperar, uma
separação entre o planejamento econômico4inanceiro do projeto de
engenharia da própria tarefa de executar a obra, visto que os próprios
empreiteiros fizeram os levantamentos topográficos e os estudos de
geotécnica. O que provavelmente levou a soluções mais dispendiosas
e menos fiscalizáveis.
Há fatores políticos a se considerar além e acima das
questões econômicas. E necessário, passados todos esses anos de
construção da estrada, analisar a dramática resposta à seca,
primeiramente como idéia geo-política, depois como solução do
problema nordestino e, finalmente, como prioridade econômica
nacional.
O próprio Plano de Integração Nacional despertou mais
entusiasmo no Sul do país do que no Nordeste e na Amazônia, que
seriam supostamente as regiões beneficiadas. Isto porque a
divulgação do plano, a se por um lado foi suficiente em análise de
custos foi, ao contrário "fecunda" em apelos patrióticos, o que indica
que se atribuiu tanto ou mais importância ao seu valor simbólico que a
sua produtividade econômica.
O PIN contou, é claro, com opções econômicas concretas
e com a atribuição de recursos financeiros. Mas é preciso pensar no
desenvolvimento emocional do símbolo, a palavra integração, tão cara
ao regime militar, contou com o entusiasmo dos aspectos pioneiros e
até românticos da penetração nos ministérios da Amazônia.
Respaídados por este entusiasmo, os tecnoburocratas
não priorizaram a integração entre os polos de desenvolvimento com
as regiões chamadas "periféricas", em um período em que o Sul, o
Sudeste e o Centro-Oeste concentravam mais da metade de toda a
renda nacional, e quase toda a capacidade de investir, pelo tráfego da
Belém-Brasília. Segundo os opositores da Transamazônica, havia
quantidade razoável de manufaturas e alimentos a serem
transportados do Sul para a Amazônia e matérias-primas amazônicas
para os mercados do Sul. Não existia ao contrário fluxo de veículos
que justificasse economicamente a construção da rodovia, uma vez
que conectaria duas regiões que, do ponto de vista da economia eram
fracas em mercados.
Finalmente transferiram-se recursos fiscais e prometeram-se verbas antes
da elaboração dos projetos, o que contrariou a disciplina 5
financeira prevista na reforma administrativa e nos artigos 61 e 62 da Constituição Federal
então vigente, que como estava, já beneficiava os empreendimentos financeiros que
obedeciam as normas dos planos nacionais de desenvolvimento.
Assim, podemos pensar a título de conclusão, que o projeto beneficiou principalmente as
empresas que contaram com os subsídios governamentais, especialmente as empreiteiras
do Sul e do Sudeste. Estas atuaram na construção da Transamazônica e tiveram interesse,
somando-se aos esforços pela "integração nacional" de construir uma estrada de custos
desconhecidos e praticamente sem limites de financiamento, e obtiveram os privilégios da
politica de incentivos fiscais do governo do presidente Médici um governo que nos
proporcionou um ótimo exemplo do que nos foi poder dos militares nos anos de ditadura na
Brasil.
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