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A SITUAÇÃO DO ATENDIMENTO AOS ALUNOS COM DIFICULDADES E TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS A PARTIR DAS ORIENTAÇÕES EDUCACIONAIS ESPECIAIS INCLUSIVAS HONNEF, Cláucia – UFSM [email protected] TAMBARA, Katiusce Giacomelli – UFSM [email protected] Eixo temático: Diversidade e Inclusão Agência financiadora: não contou com financiamento. Resumo Este artigo aborda a situação do atendimento aos alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem nas escolas a partir das orientações educacionais especiais inclusivas. Tais reflexões surgiram a partir de relatos docentes colhidos em uma pesquisa realizada para monografia do curso de Especialização em Gestão Educacional. Neste estudo pretendeu-se verificar como acontecia a gestão do pedagógico, produto do trabalho docente, diante de uma realidade educacional especial inclusiva. Para tal foram entrevistados seis professores. A percepção docente sobre alunos com necessidades educacionais especiais e sobre o atendimento proporcionado aos alunos com transtornos e dificuldades de aprendizagem não foi pensada como objetivo do estudo, mas a evidência desses aspectos nos relatos suscitou algumas reflexões acerca disso. Nos depoimentos docentes verificou-se que os alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem são ainda considerados alunado da educação especial. Entretanto, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), não traz mais esses alunos como público dessa modalidade de ensino. Os alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem devem ser atendidos nas escolas pelos professores da sala de aula comum, o que na realidade estudada não acontece. Esses alunos recebem atendimento do/a professor/a de educação especial, mas isso só acontece quando possível, e muitas vezes, esses alunos ficam desassistidos. Desse modo, pensa-se que é preciso repensar as orientações propostas aos profissionais de educação especial ou ter-se nas escolas os serviços de um psicopedagogo, para que, assim, os alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem tenham a atenção e atendimento que necessitam para que não venham a repetir constantemente de série e até mesmo evadir. Palavras chaves: Educação Especial. Educação Inclusiva. Dificuldades/ e Transtornos de Aprendizagem

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A SITUAÇÃO DO ATENDIMENTO AOS ALUNOS COM

DIFICULDADES E TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM NAS

ESCOLAS A PARTIR DAS ORIENTAÇÕES EDUCACIONAIS

ESPECIAIS INCLUSIVAS

HONNEF, Cláucia – UFSM

[email protected]

TAMBARA, Katiusce Giacomelli – UFSM [email protected]

Eixo temático: Diversidade e Inclusão

Agência financiadora: não contou com financiamento.

Resumo Este artigo aborda a situação do atendimento aos alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem nas escolas a partir das orientações educacionais especiais inclusivas. Tais reflexões surgiram a partir de relatos docentes colhidos em uma pesquisa realizada para monografia do curso de Especialização em Gestão Educacional. Neste estudo pretendeu-se verificar como acontecia a gestão do pedagógico, produto do trabalho docente, diante de uma realidade educacional especial inclusiva. Para tal foram entrevistados seis professores. A percepção docente sobre alunos com necessidades educacionais especiais e sobre o atendimento proporcionado aos alunos com transtornos e dificuldades de aprendizagem não foi pensada como objetivo do estudo, mas a evidência desses aspectos nos relatos suscitou algumas reflexões acerca disso. Nos depoimentos docentes verificou-se que os alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem são ainda considerados alunado da educação especial. Entretanto, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), não traz mais esses alunos como público dessa modalidade de ensino. Os alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem devem ser atendidos nas escolas pelos professores da sala de aula comum, o que na realidade estudada não acontece. Esses alunos recebem atendimento do/a professor/a de educação especial, mas isso só acontece quando possível, e muitas vezes, esses alunos ficam desassistidos. Desse modo, pensa-se que é preciso repensar as orientações propostas aos profissionais de educação especial ou ter-se nas escolas os serviços de um psicopedagogo, para que, assim, os alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem tenham a atenção e atendimento que necessitam para que não venham a repetir constantemente de série e até mesmo evadir.

Palavras chaves: Educação Especial. Educação Inclusiva. Dificuldades/ e Transtornos de Aprendizagem

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Introdução

Este artigo traz um aspecto abordado em uma pesquisa realizada para o curso de

Especialização em Gestão Educacional, da Universidade Federal de Santa Maria. O estudo

teve como objetivo verificar como acontecia a gestão do pedagógico frente à realidade da

educação especial na perspectiva inclusiva, sendo que como gestão do pedagógico entende-se

essencialmente o trabalho docente (FERREIRA, 2008).

Na pesquisa foram entrevistados seis professores das séries iniciais de uma escola do

município de Agudo, a cerca de 60 km de Santa Maria, região central do estado, com

economia voltada para a agricultura, com o cultivo do fumo. A escola fica localizada na

periferia do município e atende crianças oriundas de famílias de baixa renda. O estudo foi

realizado com docentes desta instituição em virtude desta ser a primeira e única nesta cidade,

até 2010, a receber alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) em sala regular e

proporcionar a eles o atendimento educacional especializado em sala de recursos.

Na coleta de dados observou-se que os professores tinham uma percepção sobre os

alunos com NEE diferenciada da que apresenta a Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008. Observar tal aspecto não estava definido como

um dos objetivos da pesquisa realizada, mas ele foi pontuado no trabalho, visto que no

decorrer das entrevistas pode-se perceber que quase todos/as os/as professores/as, em algum

momento de sua fala, faziam referência aos alunos com dificuldades e transtornos de

aprendizagem, como se esses também fossem alunos incluídos e necessitassem dos serviços

de atendimento educacional especializado.

Sendo assim, este artigo traz as percepções docentes acerca de quem eles consideram

como sendo os alunos com NEE, ou alunos incluídos, como a maioria dos docentes menciona

nos relatos. A partir disso, esse texto apresenta e convida os leitores a uma reflexão1 sobre o

atendimento às dificuldades e transtornos de aprendizagem a partir das novas orientações da

Política de 2008 e de documentos que a seguem, pensando que conseqüências podem trazer a

esses alunos.

Desenvolvimento

1 Esta reflexão aqui brevemente apresentada também suscitou e é parte de um estudo que está sendo desenvolvido em nível de Mestrado em Educação pela co-autora deste trabalho, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria.

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Para a apresentação dos relatos colhidos acerca do subscrito, não serão divulgados o

nome dos/as professores/as, nem serão apontados os gêneros destes/as, portanto os/as

participantes do estudo receberão nomes de algumas “belezas naturais” existentes no

município de Agudo.

Sendo assim, inicia-se a apresentação dos relatos docentes pelo pontuado por Serra,

professor/a de educação especial. Este/a professor/a afirma que:

E trabalho também com as dificuldades de aprendizagens, apesar de com a nova política de 2008 ela ter caído fora do aluno de educação especial que reza a política, eu continuo atendendo porque a gente não tem outro tipo de atendimento aqui no município e eu acho que os alunos ficam sem apoio, o professor fica sem apoio e se eu estou aqui e tenho tempo eu atendo.(SERRA)

Este depoimento traz uma colocação muito importante acerca do atendimento

realizado a alunos com dificuldade de aprendizagem, pois se verifica que, na medida do

possível, ele ainda é realizado pela educação especial, mesmo não estando previsto na Política

Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008).

Em documentos anteriores a esta Política, como nas Diretrizes da Educação Especial

na Educação Básica, de 2001, as dificuldades de aprendizagem fazem parte do conjunto de

alunos da educação especial. Esse documento assinala que a adoção do conceito necessidades

educacionais especiais aponta um compromisso com os processos de inclusão e,

Dentro dessa visão, a ação da educação especial amplia-se, passando a abranger não apenas dificuldades de aprendizagem relacionadas a condições, disfunções, limitações e deficiências, mas também aquelas vinculadas a uma causa orgânica especifica [...] O quadro das dificuldades de aprendizagem absorve uma diversidade de necessidades educacionais, destacadamente aquelas associadas a: dificuldades especificas de aprendizagem, como a dislexia e disfunções correlatas; problemas de atenção, perceptivos, emocionais, de memória, cognitivos, psicolingüísticos, psicomotores, motores, de comportamento; e ainda a fatores ecológicos e socioeconômicos, como as privações de caráter sociocultural e nutricional.(BRASIL, 2001, p 43-44)

Porém, na Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva (PNEEPEI), de 2008, e nos documentos que a seguem, os alunos com dificuldade

de aprendizagem não se encontram mais como alunado da educação especial, somente os

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alunos com deficiências, transtorno global do desenvolvimento e altas

habilidades/superdotação.

Nessa perspectiva, os alunos com dificuldade de aprendizagem devem ter suas

dificuldades sanadas pelo professor da sala de aula comum, contando com o suporte do

professor de educação especial para orientá-lo neste sentido. Porém, pensa-se que os

professores da sala de aula comum não conseguem e levarão muito tempo para conseguir

atender essa demanda e todas as demais que a educação especial na perspectiva inclusiva

exige, pois é preciso os professores estarem dispostos a realizar esse trabalho e terem

formação para isso, ambos processos que acontecem lentamente.

Aqui cabe refletir sobre quem são esses sujeitos com dificuldades de aprendizagem a

que se referem os professores, pois muitas são as teorias na literatura especializada que

discorrem sobre dificuldades de aprendizagem e muitos são os termos utilizados para nomear

estes grupos de alunos que não aprendem na escola. Os termos dificuldades, transtornos,

distúrbios, problemas, dificuldades específicas de aprendizagem são alguns dos utilizados.

Algumas teorias colocam todos os termos subscritos como sinônimos, outras buscam

diferenciá-los. Paim (1985) Fernández (1991) utilizam o termo problemas de aprendizagem.

Nicassio e Sanchez (2004), Dockrell e Mcshane (2000), Coll(1996) usam a designação

dificuldades de aprendizagem. Já Correia (2008) fala das dificuldades aprendizagem

específicas. Desse modo, não julga-se que existe uma teoria única e que esta deve ser seguida,

mas acredita-se que é preciso optar por uma linha teórica para aprofundar os estudos e, com

base nela, começar a compreender de que aluno se está falando.

Toma-se por base neste artigo os termos dificuldades e transtornos, este último

presente nos manuais diagnósticos CID102 e DSM IV3.

Desse modo, Moojen (2006) propõe uma classificação em duas categorias, sendo elas

as dificuldades de aprendizagem e os transtornos de aprendizagem. As dificuldades de

aprendizagem, segundo a autora, podem ser naturais ou de percurso e dificuldades

secundárias de aprendizagem.

2 Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. 3 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSMIV

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As dificuldades de aprendizagem naturais ou de percurso se referem àquelas

dificuldades experimentadas por todos os indivíduos em algum conteúdo didático ou em

algum momento de sua vida escolar. Essas dificuldades, muitas vezes, podem estar

relacionadas a problemas de adaptação a metodologia da escola, conflitos familiares, com

colegas e professores, falta de assiduidade, entre outras coisas. Em geral, são transitórias e

tendem a desaparecer a partir de um esforço maior do aluno com ajuda do professor.

As dificuldades secundárias de aprendizagem são oriundas de quadros como

deficiência mental, visual, surdez, quadros neurológicos mais graves. Assim estes problemas

decorrem de transtornos que atuam primariamente sobre o desenvolvimento humano normal e

secundariamente sobre as aprendizagens específicas.

Já os transtornos de aprendizagem, descritos nos dois principais manuais de

diagnóstico, o CID10, de 1993, e o DSMIV, de 2003, apresentam um grau clinicamente

significativo de comprometimento no desenvolvimento de uma habilidade escolar

especificada. Esse comprometimento não é entendido como conseqüência de uma falta de

oportunidade de aprender, de descontinuidades educacionais resultantes de mudanças de

escola ou de qualquer forma de traumatismo, doença cerebral com comprometimento na

inteligência global. Os comprometimentos ou transtornos são específicos de escrita,

matemática e leitura, sendo que se manifestam em três níveis de gravidade: leve, moderado e

severo, sendo persistentes e acompanhando o indivíduo por toda vida.

Contudo, a maior incidência nas escolas, a priori, parece ser de crianças que

apresentam dificuldades de aprendizagem naturais ou de percurso, porque, segundo Ohlweiler

(2006, p.127) “[...] a prevalência de crianças com transtornos de aprendizagem de acordo com

pesquisas realizadas varia de 2 a 10%, dependendo do tipo de testagem utilizada”.

Rotta, Ohlweiler e Riesgo (2006, p. 128) destaca em relação aos transtornos que:

Os dois manuais se referem às dificuldades de classificação, iniciando-se pela necessidade de diferenciar transtornos das variações normais nas realizações escolares. Também deve-se levar em consideração o curso de desenvolvimento, uma vez que o retardo de um ano em leitura aos oito anos é diferente do retardo de um ano aos 15 anos de idade. Outro aspecto se refere a mudança de padrão – uma criança com atraso na aquisição da fala pode seguir com retardo específico de leitura. As habilidades escolares precisam ser ensinadas e aprendidas, e muitas vezes os métodos pedagógicos não são os mais adequados ou as circunstâncias familiares ou mesmo individuais são prejudiciais. Nos transtornos de aprendizagem, os padrões normais de aquisição de habilidades estão perturbados desde os estágios iniciais do desenvolvimento, ou seja, não são adquiridos, decorrentes de falta de estimulação adequada ou de qualquer forma de traumatismo ou doença cerebral. Também se faz

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necessário diferenciar os transtornos das variações normais nas realizações escolares. Os transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares compreendem grupos de transtornos manifestados por comprometimentos específicos e significativos no aprendizado de aprendizagens escolares....o transtorno deve ter estado presente desde os primeiros anos de vida, o que pode ser evidenciado por um atraso no desenvolvimento da habilidade em questão.

Ter esta compreensão é fundamental ao analisar os relatos docentes, pois ao ouvi-los

relatar casos e situações vivenciadas em sala de aula, podemos tentar compreender de se o

professor esta falando de alunos com dificuldades ou transtornos de aprendizagem e, a partir

disso, refletir acerca das possibilidades dos professores da classe comum em auxiliar

adequadamente alunos com tais especificidades.

Sabe-se que no Brasil existe uma profissão, ainda não regulamentada por lei, mas já

legitimada pela sociedade, que é a de psicopedagogo, um profissional que estuda questões

relacionadas à aprendizagem e tudo que advém dela. Mas sendo ainda uma profissão não

regulamentada, não existem concursos públicos para que este profissional possa estar nas

escolas realizando um trabalho de intervenção psicopedagógica com estes alunos.

Dessa forma, antes da PNEEPEI, de 2008, os alunos com dificuldades e transtornos de

aprendizagem eram atendidos, nas escolas das redes municipais e estaduais do Rio Grande do

Sul, pelo professor de educação especial, na sala de atendimento educacional especializado.

Entretanto, com a Política de 2008 esses não são apresentados como alunos desta modalidade

de ensino, sendo que fica relegado ao professor da classe comum a atendimento aos alunos

com dificuldades e transtornos de aprendizagem.

Os relatos docentes colhidos na pesquisa denotam que os próprios professores/as da

sala de aula comum consideram importante que os alunos com dificuldades e transtornos de

aprendizagem recebam atendimento do/a profissional da educação especial. Nesse sentido,

como os professores da sala comum não conseguem efetivar o atendimento aos alunos com

dificuldades de aprendizagem, na escola estudada, quando possível, ele ainda é realizado

pelo/a professor/a de educação especial.

As afirmações do todos os docentes, referentes aos alunos com NEE, retrataram que os

alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem são considerados como alunos

incluídos que possuem NEE, como pode ser observado nos depoimentos que seguem: “Pra

mim todo o aluno que, por exemplo, tenha muita dificuldade em determinada área ele é um

aluno incluído.” (RIO)

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Eu acho que a inclusão não é só quando ele (aluno) tem algum problema mais gritante que uma deficiência, que seria a mental, digamos assim, ou alguma síndrome, mas também aqueles alunos que não conseguem associar os conteúdos que se dá a esses outros que a gente chama dos ditos normais. Eles não conseguem, eles têm dificuldades pra fazer associação, eles não conseguem progredir acompanhar os demais. Eu acho que eles também são alunos incluídos. (GRUTA)

Eu acho que incluído é todo aquele aluno que tem uma necessidade educacional especial mesmo sendo de dificuldade de aprendizagem porque tu tens que de alguma maneira atender esse aluno diferente. A gente coloca muito aquela questão de eu ver alguma deficiência digamos assim e esse é o aluno incluído, mas a gente tem bem mais [...] Então, não é só aquele que tu vê uma deficiência ou um atraso mental, eu acho que vai bem além disso, e tu tem que entender, tu tem que compreender tu tem que trabalhar de uma maneira que a turma aceite essa criança mesmo ela sendo violenta, por exemplo, então de certa forma, é um tipo diferente talvez de inclusão, mas acredito que também seria aluno incluído,com necessidades educacionais especiais, acredito eu, do meu ponto de vista.(CASCATA)

Eu entendo por aluno incluído é aquele aluno, não que seja diferente, mas que ele mostra claramente as suas dificuldades. A gente tem outros também, não eu aqui na minha sala, mas tem aqueles com problemas de audição, isso é uma criança com necessidades educacionais especiais. (MORRO)

Os com deficiência e eu considero, se eles têm qualquer dificuldade, qualquer distúrbio de aprendizagem, acho que são também inclusos, merecem um tratamento diferenciado [...] eles não são considerados por lei incluídos[...]nós aqui na escola tratamos eles como inclusos também.(ARROIO)

Hoje os alunos incluídos que eu vejo aqui na escola são aqueles que a política trás, os deficientes, transtornos globais de desenvolvimento, surdez e muitas dificuldades bem acentuadas de aprendizagens. Eu considero alunos incluídos, além de tudo que a política reza, ainda as dificuldades de aprendizagens. Acho que eles ainda fazem parte, assim como os transtornos específicos de aprendizagens, apesar de eles serem da área da psicopedagogia, eles dentro da escola vão continuar sendo da educação especial enquanto não tiver o profissional [...] pra mim eles são alunos que tem que ter um olhar especial, qualquer aluno tem que ter um olhar especial, mas eles são alunos que mais ainda, principalmente no momento da avaliação.(SERRA)

Verifica-se em todos os relatos que não só os alunos com deficiência, transtorno global

do desenvolvimento, ou com altas habilidades/superdotação, como propõe a PNEEPEI

(2008), são considerados incluídos, com NEE e necessitando de atendimento educacional

especializado, mas sim, qualquer aluno que possua uma dificuldade ou transtorno de

aprendizagem que comprometa seu desempenho na produção de conhecimento.

Esta questão vem ao encontro do que foi proposto ainda em 1994, na Declaração de

Salamanca, a qual tinha como princípio de ação que:

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Todas as escolas deveriam acomodar todas as crianças, independente de suas condições físicas, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Deveriam incluir crianças deficientes ou superdotadas, crianças de rua, que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade [...] o termo necessidades educacionais especiais refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades se originam em função de deficiência ou dificuldades de aprendizagem [...] As escolas têm de encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças [...] (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p.17 e 18)

Então, já em 1994 surge um princípio norteador para uma educação inclusiva, no qual

as dificuldades e transtornos de aprendizagem já são citadas como sendo NEE e, portanto,

necessitando de atendimento especializado.

Voltando-se a análise das afirmações docentes, verifica-se que o/a professor/a de

educação especial entrevistado/a ainda atende os alunos que apresentam dificuldades ou

transtornos de aprendizagem, isso acontece devido a não ter outro profissional na escola que

realize este trabalho e nem os professores da classe comum conseguem desenvolve-lo, o que

denota o despreparo dos docentes diante desta realidade.

Dessa forma, se na situação relatada não houvesse um mínimo de atendimento por

parte do/da professor/a de educação especial aos alunos com dificuldades ou transtornos de

aprendizagem, eles quem sairiam prejudicados.

Nesse sentido, pensa-se que cabe uma maior reflexão acerca da situação dos alunos

com dificuldades e transtornos de aprendizagem, pois em muitas escolas hoje os professores

não conseguem, por uma série de motivos, disponibilizar um atendimento especifico a esses

alunos e, se não há psicopedagogo nas escolas, como ficam esses alunos? Provavelmente,

quando possível ainda sendo atendidos de forma, as vezes até voluntária, pelo professor de

educação especial, para não terem seu desenvolvimento escolar mais prejudicado.

Serra ainda pontua que:

Porque às vezes tu pode literalmente matar um aluno na alma colocando um zero bem grande na sua prova sem olhar pra ele e perceber o quanto ele sabe, será realmente que é só escrevendo que eu consigo mostrar o que eu sei? As vezes não é, a grande maioria não é, e esse aluno vai precisar de um olhar especial e se não tiver o apoio, alguém que diga pra o professor, isso não vai acontecer, isso vai indo e esse aluno vai acabar se evadindo, vai acabar se frustrando. Esse aluno se torna aquele aluno problema que só incomoda na sala de aula porque não foi valorizado, porque não foi olhado de uma maneira ampla e geral no que ele sabe, o seu desenvolvimento, o que ele está me mostrando? Que ele foi olhado só da maneira tradicional.

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Percebe-se que aos alunos com dificuldade ou transtornos de aprendizagem é

necessária uma atenção especifica as suas condições de ensino-aprendizagem, de

desenvolvimento, para não acontecer esse “matar um aluno na alma”, como pontua Serra.

Essa responsabilidade, a partir da PNEEPEI (2008), está basicamente a cargo do

professor da sala de aula comum e, com isso, pensa-se, se está sobrecarregando esse

profissional que, com a educação especial na perspectiva inclusiva, já precisa realizar

mudanças em seu trabalho para atender aos alunos com NEE incluídos.

Sabe-se que os processos de transformações são lentos, precisam ser processados,

assimilados, acreditados, para serem postos em prática. Com a educação especial na

perspectiva inclusiva, somente a presença dos alunos com NEE apontados pela Politica

(2008) por si só já é uma mudança no ambiente escolar, os professores da sala de aula comum

proporcionar ensino-aprendizagem a esses sujeitos é outra, sendo que terem que se

responsabilizar, sem muito auxilio do professor de educação especial, pelo desenvolvimento

dos alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem é mais uma mudança e um

encargo a esses professores.

Então, frente a isso, acredita-se que em muitos casos é, e será por muito tempo ainda,

necessário o atendimento do professor de educação especial a alunos com dificuldades e

transtornos de aprendizagem, para auxiliar o professor da sala de aula comum a “dar conta do

recado”. Caso isso não aconteça, até os professores de sala de aula comum conseguirem

sozinho atender as especificidades de aprendizagem desses alunos, muitos deles podem, como

disse Serra, tornar-se os alunos repetentes e evadidos da escola.

Considerações Finais

A partir do exposto pode-se pontuar que na realidade educacional especial vivenciada

pelos professores entrevistados e, acredita-se, em muitas outras destas realidades, prevalece

ainda nas práticas docentes o apresentado pela Decaração de Salamanca (1994) e pelas

Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica (2001), ou seja, os alunos

com dificuldades e transtornos de aprendizagem são atendidos pelo professor de educação

especial.

A PNEEPEI (2008), que não traz mais os alunos com dificuldades e transtornos de

aprendizagem como alunado da educação especial, é uma proposta recente, bem como as

orientações ao trabalho do professor dessa modalidade, a partir desta Política, também são.

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Dessa forma, pensa-se que para muitos docentes e até para muitas equipes diretivas de escolas

ainda não está assimilada a idéia de que o atendimento aos transtornos e dificuldades de

aprendizagem não é mais tarefa do professor de educador especial, sendo que ele o continua

realizando.

Além disso, como pode-se verificar na pesquisa realizada, em algumas situações o

professor de educação especial atende os alunos com transtornos e dificuldades de

aprendizagem porque não há outro profissional que o faça.

Tais situações denotam que diante das novas orientações da Política de 2008 e dos

documentos que a seguem, como a Resolução nº4, de 2009, os alunos com transtornos ou

dificuldades de aprendizagem encontram-se no momento, de certa forma, desamparados, pois

seu atendimento não é mais de responsabilidade da educação especial, mas os professores do

ensino comum não estão conseguindo o realizar.

Desse modo, o que se pode inferir da situação em que se realizou o estudo é que, se

não houvesse a “boa vontade” por parte do professor de educação especial em atender os

alunos com transtornos e dificuldades de aprendizagem, estes ficariam desassistidos. Isso os

prejudicaria no seu desenvolvimento, pois como pontuado nas definições sobre transtornos e

dificuldades de aprendizagem, estas de alguma forma influenciam no desenvolvimento do

aluno por algum período ou por toda a sua vida, sendo que este necessita de métodos de

ensino e avaliação específicos por parte do docente, além de, muitas vezes, um apoio

especializado para alcançar uma alternativa que o faça driblar as limitações da dificuldade ou

do transtorno de aprendizagem que apresenta.

Assim, pensa-se essencial que as orientações ao trabalho do educador especial sejam

repensadas, a fim de que a este seja orientado pelos documentos legais o atendimento aos

alunos, se não com dificuldades de aprendizagem primárias, mas sim, pelo menos aos que

apresentam transtornos de aprendizagem, como dislexia, discalculia, dislalia, por exemplo.

Outra alternativa para que os alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem

tenham suas especificidades no desenvolvimento plenamente atendidas, é disponibilizar nos

contextos escolares do trabalho do psicopedagogo, pois este profissional é habilitado a

trabalhar com tal alunado.

As proposições acima, devem ser consideradas pelos órgãos governamentais o quanto

antes possível, pois, caso contrário, sem um profissional especifico nas escolas que disponha

de atendimento aos alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem, estes correm o

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risco de, aos poucos, acabarem não tendo o a atenção e atendimento que necessitam e

evadirem desta ou tornarem-se alunos problema, como referido nos relatos docentes.

REFERÊNCIAS

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