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A PROBLEMÁTICA DO LIXO: UM TRABALHO TRANSDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL BASTOS, Mariana Perez 1 - IBILCE/UNESP Grupo de Trabalho - Educação e Meio Ambiente Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Atualmente, o desafio com o trabalho das questões ambientais em toda a sua complexidade se apresenta a muitos educadores, uma vez que, independentemente de sua área de formação, estes são orientados a desenvolver a temática ambiental de maneira integrada com as disciplinas convencionais, permeando todas elas e relacionando-a às questões da atualidade. Diante de tantas concepções pedagógicas e posições político-filosóficas presentes nos discursos da Educação Ambiental, o professor precisa escolher um dos diversos caminhos para fazer um trabalho transdisciplinar, que alcance maior profundidade na compreensão das questões ambientais, que não envolvem apenas o meio ambiente, mas também os aspectos culturais, políticos, sociais, econômicos, éticos e estéticos que perpassam tais questões. Frente a essas dificuldades, admite-se que a mediação dialética corresponde a um pressuposto capaz de satisfazer a necessidade de se trabalhar a Educação Ambiental de maneira transdisciplinar, com a devida preocupação de articular teoria e prática, promovendo uma práxis condizente com as intenções teorizadas. Assim, este trabalho tem por objetivo apresentar a operacionalização da Metodologia da Mediação Dialética (ARNONI, 2003, 2008) utilizada no desenvolvimento de uma abordagem transdisciplinar sobre a problemática socioambiental do lixo, a partir da elaboração de um conceito mediato de lixo com alunos de 9º ano do ensino fundamental de uma escola municipal de São José do Rio Preto (SP). Pelos resultados desta experiência, averiguou-se que o encaminhamento do trabalho pedagógico, tendo como pressuposto a transdisciplinaridade e executado pela Metodologia da Mediação Dialética, permitiu aos educandos integrar conhecimentos disciplinares e, ainda, seus saberes com os conhecimentos científicos, possibilitando a formação de significados, na medida em que se aproximaram os conceitos trabalhados pelo educador daqueles de seu cotidiano. Com isso, considera-se que foi possível ultrapassar a fragmentação do conteúdo que tanto se pretende superar nas atividades escolares, atingindo uma aprendizagem significativa. 1 Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e graduanda na modalidade Bacharelado pelo Departamento de Educação do mesmo Instituto. Técnica de Nível Superior da Educação Básica na Secretaria Municipal de Educação de São José do Rio Preto (até 01/2013). E-mail: [email protected].

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A PROBLEMÁTICA DO LIXO: UM TRABALHO TRANSDISCIPLINAR

EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

BASTOS, Mariana Perez1 - IBILCE/UNESP

Grupo de Trabalho - Educação e Meio Ambiente Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo Atualmente, o desafio com o trabalho das questões ambientais em toda a sua complexidade se apresenta a muitos educadores, uma vez que, independentemente de sua área de formação, estes são orientados a desenvolver a temática ambiental de maneira integrada com as disciplinas convencionais, permeando todas elas e relacionando-a às questões da atualidade. Diante de tantas concepções pedagógicas e posições político-filosóficas presentes nos discursos da Educação Ambiental, o professor precisa escolher um dos diversos caminhos para fazer um trabalho transdisciplinar, que alcance maior profundidade na compreensão das questões ambientais, que não envolvem apenas o meio ambiente, mas também os aspectos culturais, políticos, sociais, econômicos, éticos e estéticos que perpassam tais questões. Frente a essas dificuldades, admite-se que a mediação dialética corresponde a um pressuposto capaz de satisfazer a necessidade de se trabalhar a Educação Ambiental de maneira transdisciplinar, com a devida preocupação de articular teoria e prática, promovendo uma práxis condizente com as intenções teorizadas. Assim, este trabalho tem por objetivo apresentar a operacionalização da Metodologia da Mediação Dialética (ARNONI, 2003, 2008) utilizada no desenvolvimento de uma abordagem transdisciplinar sobre a problemática socioambiental do lixo, a partir da elaboração de um conceito mediato de lixo com alunos de 9º ano do ensino fundamental de uma escola municipal de São José do Rio Preto (SP). Pelos resultados desta experiência, averiguou-se que o encaminhamento do trabalho pedagógico, tendo como pressuposto a transdisciplinaridade e executado pela Metodologia da Mediação Dialética, permitiu aos educandos integrar conhecimentos disciplinares e, ainda, seus saberes com os conhecimentos científicos, possibilitando a formação de significados, na medida em que se aproximaram os conceitos trabalhados pelo educador daqueles de seu cotidiano. Com isso, considera-se que foi possível ultrapassar a fragmentação do conteúdo que tanto se pretende superar nas atividades escolares, atingindo uma aprendizagem significativa.

1 Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e graduanda na modalidade Bacharelado pelo Departamento de Educação do mesmo Instituto. Técnica de Nível Superior da Educação Básica na Secretaria Municipal de Educação de São José do Rio Preto (até 01/2013). E-mail: [email protected].

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Palavras-chave: Educação ambiental. Transdisciplinaridade. Lixo. Metodologia da Mediação Dialética.

Introdução

Atualmente, o desafio em se trabalhar as questões ambientais em toda a sua

complexidade se apresenta a muitos educadores, uma vez que, independente de sua área de

formação, estes são orientados pelos PCN a desenvolver a temática ambiental de maneira

transversal, ou seja, integrada com as áreas das disciplinas convencionais, estando presente

em todas elas, e ainda relacionando-a às questões da atualidade (BRASIL, 1997a).

Essas orientações vêm ao encontro dos resultados das discussões mundiais sobre o

assunto, sendo que a Conferência Intergovernamental da Educação Ambiental de Tbilisi

(1977) apresentou, como um dos princípios básicos da Educação Ambiental, a aplicação de

um enfoque interdisciplinar, a partir do conteúdo específico de cada disciplina, objetivando a

elaboração de uma perspectiva global e equilibrada, pois, como afirma Dias (2004), “pela

própria natureza do ambiente, dadas as suas múltiplas interações de fundo ecológico, político,

social, econômico, ético, cultural, científico e tecnológico, não se poderia tratar o assunto em

uma única disciplina.”

Na legislação brasileira, em consonância com as recomendações da Conferência de

Tbilisi, encontra-se a Lei nº 9.795/99 (BRASIL, 1999), que instituiu a Política Nacional de

Educação Ambiental, tendo como um de seus princípios “o pluralismo de ideias e concepções

pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade”.

Considerando-se, portanto, que o trabalho em Educação Ambiental envolve muito

mais do que apenas os estudos relacionados ao meio ambiente, observa-se a necessidade de se

avançar principalmente rumo à perspectiva da transdisciplinaridade, ou seja, buscar o que está

ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer

disciplina (NICOLESCU, 1999), a fim de garantir, com o processo educativo, uma maior

compreensão da complexidade da temática ambiental.

Diante de tantas concepções pedagógicas e posições político-filosóficas presentes nos

discursos da Educação Ambiental, o professor precisa escolher um dos diversos caminhos

para fazer um trabalho transdisciplinar, e ainda se preocupar em articular teoria e prática,

promovendo uma práxis condizente com as intenções teorizadas. Frente a tais dificuldades,

admite-se que a mediação dialética pode contribuir nessa direção, uma vez que, como exposto

por Oliveira, Almeida e Arnoni (2007), ela tem como pressuposto a ideia de que os fatos

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naturais e sociais são históricos e gerados na interação de múltiplos fatores – econômicos,

políticos, sociais, ideológicos, biológicos, químicos, físicos, etc. – e de que todo sujeito em

situação age e pensa como ser social que cria suas próprias representações do contexto e

elabora seu pensamento, pode-se inferir que o pensar (ação teórica) e o agir (na prática)

constituem a práxis, unidade desses processos distintos.

O diferencial da mediação dialética, um pressuposto teórico-filosófico, é seu

entendimento a partir de uma relação de tensão (dialética) que considera a diferença, a

heterogeneidade, a repulsão e o desequilíbrio entre o plano do imediato, do saber cotidiano, e

plano do mediato, aquele que precisa de mediação para ser alcançado, correspondente ao

saber científico que se pretende ensinar. Quando se evidencia a contradição entre ambos, se

estabelece a superação do imediato no mediato, levando à elaboração de sínteses cognitivas

(aprendizagem) (ARNONI, 2003).

Assim, a mediação permite que o imediato seja superado no mediato, sem, no entanto,

suprimir ou anular o primeiro; ao contrário, estando o imediato presente no mediato

(ARNONI, 2003). Nesse sentido, a Metodologia da Mediação Dialética preconizada por

Arnoni (2003, 2008) é uma proposição metodológica que operacionaliza o método dialético e

a concepção de mundo que este informa: a totalidade, permitindo a compreensão da

complexidade que expressa o movimento real da realidade.

Portanto, este trabalho tem por objetivo apresentar a sequência de procedimentos que

levaram à operacionalização da Metodologia da Mediação Dialética (ARNONI, 2003, 2008)

como possibilidade para desenvolver um trabalho transdisciplinar, a partir da mediação como

criadora de condições para a elaboração de um conceito mediato de lixo, com alunos de 9º

ano do ensino fundamental de uma escola municipal de São José do Rio Preto.

Desenvolvimento das Etapas da Metodologia da Mediação Dialética

A proposição teórico-metodológica da "Metodologia da Mediação Dialética" envolve

a operacionalização e aplicação do método dialético, que permite a transformação do conceito

científico em conceito para o ensino (conteúdo de ensino) em uma aula. Tal metodologia

corresponde a um todo, a uma totalidade mais abrangente, constituída por quatro etapas,

consideradas totalidades menos abrangentes, partes que se articulam entre si e com o todo

(ARNONI, 2003,2008). As etapas Resgatando, Problematizando, Sistematizando e

Produzindo serão apresentadas a seguir.

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Resgatando

Segundo Arnoni (2008), “resgatar é buscar, “momentaneamente e provisoriamente”,

um ponto de partida para o início do processo de ensino e de aprendizagem”, o que, em uma

aula, corresponde ao plano do imediato, ou seja, do saber do aluno. Por meio de diferentes

linguagens, os alunos podem expressar suas ideias iniciais sobre o conceito a ser trabalhado,

correspondente a representação do todo que, ainda de forma confusa, o aluno elaborou em sua

vida cotidiana (ARNONI, 2008).

Essa etapa consistiu em solicitar aos alunos que, em grupos, respondessem, em uma

folha de sulfite, o que eles entendiam pela palavra “lixo”, porém de modo diferente da

resposta dissertativa convencional a que estão habituados, e sim com a elaboração de um

mapa conceitual cujo termo central fosse “lixo”. Para isso, foi explicada a elaboração e a

finalidade de um mapa conceitual, que pode ser definido como uma estrutura esquemática,

um esquema elaborado para representar um conjunto de conceitos que se relacionam entre si,

formando uma rede de proposições (TAVARES, 2007).

Para melhor compreensão do exposto, foi construído com os alunos um exemplo de

mapa conceitual com a palavra-chave “água”, presente na Figura 1, cujo tema já havia sido

trabalhado com eles. Alguns conceitos desse esquema foram citados a título de

exemplificação, como a ideia de que, a partir da disciplina de Química, a água poderia ser

definida pela sua fórmula química (H2O); na Física aprendem-se os três estados físicos em

que a água pode ser encontrada, e a Biologia ressalta a importância da água para a vida, as

doenças transmitidas por esse meio e outros problemas gerados pela sua contaminação, tanto

para o ambiente quanto para a sociedade. O objetivo principal foi demonstrar que, no mapa

conceitual, podemos expor e relacionar diversos conhecimentos oriundos do termo água, que

se desenvolvem tanto a partir das ciências de referências, estudadas nas disciplinas, quanto a

partir da experiência da realidade de cada um, ou seja, social e historicamente.

Com essa atividade, pôde-se depreender as concepções de lixo dos alunos e as relações

que estes estabelecem com as questões socioambientais que permeiam tal temática. Assim, o

professor que estudou o conceito científico como totalidade, investigando seus nexos internos

e os externos, em relação ao contexto (plano do mediato), pode comparar os dois planos e

depreender a contradição que se estabelece entre eles, podendo, então, transformá-la em

problematização, ou seja, uma situação de ensino (ARNONI, 2008).

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Figura 1 – Esquema que exemplifica a construção de um mapa conceitual, a partir das concepções e conceitos relacionados à água.

Problematizando

“Problematizar é colocar o aluno em uma situação de ensino desafiadora capaz de

levá-lo a compreender as diferenças entre o seu conhecimento (plano do imediato) e o

conhecimento trabalhado pelo professor (plano do mediato)” (ARNONI, 2008), suscitando a

consciência de que precisa aprender. A problematização é o momento de colocar em

evidência as diferenças entre estes planos, tensionando-os pela contradição, levando o aluno a

perceber que seus conhecimentos iniciais não são suficientes para elaborar a resposta para o

problema proposto, gerando motivações e criando possibilidades de investigação e busca de

novas relações cognitivas. A atividade problematizadora deve ser elaborada pelo professor,

ao comparar o conteúdo de ensino preparado com as representações dos alunos,

depreendendo, então, a contradição entre ambos e transformando-a em uma questão-problema

(ARNONI, 2003, 2008). Segundo Arnoni (2008), “a referida atividade, para ser percebida e

compreendida pelo aluno, precisa não facilitar e nem dificultar o seu entendimento”.

A problematização ocorreu em duas partes: na mesma aula em que foi realizada a

etapa Resgatando, subsequente à atividade do mapa conceitual, foi apresentado o curta-

metragem “Ilha das Flores”, que trata da problemática do lixo, desde a compra e consumo de

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um produto alimentício, até o seu descarte e transporte a um lixão, onde esse resíduo ainda

servirá de alimento para porcos e pessoas carentes.

Em outro dia, agendado previamente pela escola, a sistematização consistiu em uma

excursão didática realizada na unidade de beneficiamento de resíduos coletados em São José

do Rio Preto (SP). A empresa visitada é responsável pela coleta dos resíduos domiciliares,

comerciais, industriais e de serviços de saúde (hospitalares, farmacêuticos, ambulatoriais),

bem como pelo transporte, tratamento, destinação e disposição final destes resíduos.

É formada por uma usina de triagem e compostagem, uma unidade regional de tratamento de

resíduos dos serviços de saúde e um aterro sanitário em Onda Verde (SP), para onde são

destinados os resíduos que não foram enviados para reciclagem ou compostagem.

A visitação faz parte de uma ação de responsabilidade socioambiental da empresa, que

possui um Centro de Educação Ambiental para receber alunos das escolas públicas e

particulares de ensino fundamental, médio e superior, e apresentar os processos de descarte e

reciclagem do lixo, abordando também as questões relacionadas ao impacto da quantidade de

resíduos produzida pelos seres humanos.

Sistematizando

Sistematizar é compreender os nexos e as relações do conceito, como totalidade. Para o aluno elaborar as ideias no plano do mediato, o professor precisa desenvolver situações de ensino que possibilitem ao aluno compreender as relações de sentido entre aspectos do seu conhecimento imediato e elementos do conhecimento mediato pretendido. Essa comunicação, promovida pelo professor, favorece a explicitação dos aspectos da problematização, a discussão do conhecimento científico a eles relacionado, potencializando a superação do imediato no mediato e a elaboração de sínteses (ARNONI, 2008).

Essa etapa consistiu em uma aula, dada pelo professor após a excursão didática, que

expunha os principais conceitos trabalhados na visita, tais como resíduos sólidos, triagem dos

resíduos, reciclagem, compostagem, composto orgânico, tratamento da água (efluentes), risco

de contaminação e esterilização de resíduos de saúde. Além disso, houve a discussão de

alguns itens presentes nos mapas mentais da etapa Resgatando, evidenciando as contradições

existentes nas concepções ali presentes, e o debate de temas que surgiram durante a excursão,

como a importância da cobertura do pátio que recebia o lixo, feita para evitar urubus (cuja

população estava crescendo e havia se tornado parte do desequilíbrio ecológico causado pelo

lixo), além da falta de coleta seletiva na cidade e da existência de cooperativas dos catadores

de lixo reciclável, dentre outras questões que surgiram durante a aula.

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Produzindo

Por fim, produzir é o momento em que o aluno deve expressar as sínteses cognitivas

elaboradas durante o desenvolvimento da “Metodologia da Mediação Dialética”. É o ponto de

chegada do processo de ensino e aprendizagem, gerando um conhecimento provisório que se

torna novamente um ponto de partida para o trabalho docente, a partir do qual é possível

avaliar o referido processo (ARNONI, 2003, 2008).

Essa etapa envolveu a elaboração de novos mapas conceituais, cujo objetivo foi

comparar a produção inicial à produção final dos educandos. Dessa vez, a construção foi

solicitada como trabalho a ser feito em cartolinas, que seriam posteriormente apresentadas aos

outros grupos e expostas nos murais da escola. Os alunos tiveram acesso aos mapas

conceituais da etapa Resgatando para relembrar e reavaliar suas concepções prévias.

O estabelecimento de contradições e a construção de sínteses

Pela análise dos mapas conceituais inicialmente elaborados pelos alunos, percebe-se

que a ideia inicial da maioria foi a de que lixo corresponde a “tudo o que não serve mais”,

“que é jogado fora” e “não tem utilidade”. Alguns grupos associaram o conceito de

reciclagem ao do lixo, estabelecendo a contradição entre o que não tem mais serventia, mas

pode ainda servir após ser reciclado, esquecendo-se ainda da possibilidade de reutilização. A

natureza dos fatores que levam à construção de uma concepção de lixo foi retomada pelo

filme “História das Flores”, que possibilitou aos alunos estabelecer relações entre o lixo e as

questões sociais apresentadas ali, promovendo a reformulação ou correção de algumas ideias

iniciais estabelecidas nos mapas conceituais. A discussão girou em torno da questão: “o que

faz com que algo seja considerado lixo?” e, por meio do filme, puderam perceber a

relatividade dessa questão. A conclusão foi de que, o que pode ser considerado como lixo

para alguns, para outros ainda é fonte de alimentação, ou ainda de recursos econômicos, como

no caso da reciclagem.

Na excursão, puderam ver ainda que, mesmo com a reciclagem de certa fração do lixo,

uma quantidade expressiva ainda foi destinada ao aterro sanitário, sendo possível notar que

apenas a prática da reciclagem não é suficiente para eliminar a problemática da produção de

resíduos. Com isso, introduziu-se a temática dos 3R’s (reduzir, reutilizar e reciclar), na qual

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ainda se propôs acrescentar outro R, anterior a esses: o de repensar as atitudes na relação com

o ambiente.

A análise comparativa dos mapas conceituais iniciais e posteriores ao

desenvolvimento do conteúdo de ensino mostrou um enriquecimento significativo, tanto da

quantidade de conceitos presentes no esquema, quanto das inter-relações estabelecidas entre

eles. A esse respeito, Tavares (2007) afirma que um bom mapa conceitual começa com uma

boa seleção de conceitos relacionados ao tema principal e que a existência de grande número

de conexões entre os conceitos revela a familiaridade do autor com o tema considerado.

Assim, considera-se que os mapas conceituais sobre o lixo, antes restritos às definições do

termo e aos exemplos dados pelos alunos, passou a apresentar conceitos que antes não haviam

aparecido, como compostagem, reduzir e reutilizar, renda/dinheiro/economia, aterro sanitário

e lixão, lixo hospitalar e risco de contaminação, lixo orgânico e inorgânico, chorume, dentre

outros. A Figura 2 e a Figura 3 são representativas desse processo, mostrando,

respectivamente, o mapa conceitual elaborado por um grupo de estudantes durante a etapa

Resgatando, e o mapa conceitual feito por esse mesmo grupo, na etapa Produzindo.

Figura 2 – Mapa conceitual elaborado por um grupo de alunos (grupo 1) sobre o conceito “lixo”, durante a etapa Resgatando da Metodologia da Mediação Dialética.

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Figura 3 – Mapa conceitual elaborado por um grupo de alunos (grupo 1) sobre o conceito “lixo”, durante a etapa Produzindo da Metodologia da Mediação Dialética.

Considerações Finais

A problemática do lixo se torna um interessante tema gerador de debates quando

utilizada no âmbito escolar de forma transdisciplinar, ao envolver questões não somente

relacionadas ao meio ambiente, mas à cultura, à saúde pública, à política, à economia e à

sociedade de maneira geral.

Ao trabalhar com a Metodologia da Mediação Dialética, o educador pode viabilizar as

etapas que a constituem a partir das possibilidades e recursos da localidade em que se

encontra, buscando desde recursos tecnológicos até contribuições de outras áreas do

conhecimento, como a produção de textos e trabalhos artísticos, passando também pelas

possibilidades de se realizarem visitas ou excursões didáticas que permitam aos alunos

experienciar os temas tratados dentro da escola. Os PCN afirmam que a realização de

excursões, dentre outras atividades, “possibilitam um trabalho mais integrado, com maior

envolvimento dos alunos, e a participação no espaço social mais amplo, no que se refere à

solução dos problemas ambientais” (BRASIL, 1997b).

Segundo Arnoni (2008), o aspecto inovador desta proposição metodológica encontra-

se no fato de que a relação pedagógica da prática educativa, que se expressa em uma aula, tem

por base a Ontologia do Ser Social e a Dialética, pressupostos que não ignoram a lógica

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Formal que estruturou as disciplinas, mas a incorpora e avança além de sua compreensão,

quando ela se tornar insuficiente para tratar as questões complexas da realidade, fazendo-se,

então, uso da lógica dialética.

Assim, o encaminhamento do trabalho pedagógico, tendo como pressuposto a

transdisciplinaridade e executado pela Metodologia da Mediação Dialética, permitiu aos

educandos integrar conhecimentos disciplinares e, ainda, seus saberes com os conhecimentos

científicos, possibilitando a formação de significados sobre a temática ambiental relacionada à

produção de resíduos, na medida em que se aproximaram os conceitos trabalhados pelo

educador daqueles de seu cotidiano. Pelo exposto, considera-se que este trabalho oportunizou

ultrapassar a fragmentação do conteúdo que tanto se pretende superar nas atividades

escolares, atingindo uma aprendizagem significativa.

REFERÊNCIAS

ARNONI, M. E. B. Metodologia da mediação dialética e a operacionalização do método dialético: fundamentos da dialética e da ontologia do ser social como base para discussão da questão metodológica na educação escolar. In: Reunião Anual da ANPEd, 31, 2008, Caxambu. Anais... Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/31ra/1trabalho/GT04-4971--Int.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2013.

ARNONI, M.E.B. Trabalho educativo e mediação dialética: fundamento teórico-filosófico e sua implicação metodológica para a prática. In: Seminário Internacional de Educação – Teorias e políticas, 2003, UNINOVE, São Paulo, SP. CD-ROM, Anais... Disponível em: <http://www.uninove.br/PublishingImages/Mestrados%20e%20Doutorados/edu/I%20seminario/MFE%209.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2013.

BRASIL, SEF. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais e ética,v.8. Brasília: MEC/SEF, 1997a. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro081.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2013.

BRASIL, SEF. Parâmetros curriculares nacionais. Meio ambiente, saúde: Ensino de primeira à quarta série. Brasília: MEC/SEF, 1997b.

DIAS, F. G. Educação Ambiental: princípios e práticas. 9° ed. São Paulo: editora Gaia Ltda., 2004.

BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Brasília, 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm>. Acesso em: 30 jan. 2013.

NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999.

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OLIVEIRA, E. M. ALMEIDA, J. L. V.; ARNONI, M. E. B.; Mediação dialética na educação escolar: teoria e prática. São Paulo: Loyola, 2007.

TAVARES, R. Construindo mapas conceituais. Ciências & Cognição, vol. 12, , p. 72-85, 2007. Disponível em <http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v12/m347187.pdf>. Acesso em: 07 jan. 2013.