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PRIMEIROS CONTATOS COM A PESQUISA CIENTÍFICA: UMA REALIDADE COM O ENSINO MÉDIO DO COLÉGIO POLITÉCNICO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA LEAL, Rodrigo Rozado – Colégio Politécnico da UFSM/RS [email protected] GERHARDT, Márcia Lenir – Colégio Politécnico da UFSM/RS [email protected] FONSECA, Miriane Costa – Colégio Politécnico da UFSM/RS [email protected] HAIGERT, Cynthia Gindri – Colégio Politécnico da UFSM/RS [email protected] DALMOLIN, Terezinha Cleoni Tronco – Colégio Politécnico da UFSM/RS [email protected] Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O texto aborda a respeito de uma pesquisa de cunho qualitativo de ensino e extensão, desenvolvida por um grupo de docentes do Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS), com professores e educandos do Ensino Médio. Nessa, desenvolvem-se atividades que objetivam, primeiramente, o contato dos estudantes com a iniciação à pesquisa científica. Busca-se também desenvolver e apresentar a produção intelectual dos educandos e seus professores orientadores à comunidade acadêmica e à sociedade, bem como estimulá-los à produção científica, visando ao diálogo entre as diferentes áreas do saber. A produção dos estudantes culmina com a apresentação de seus resultados em um evento nominado Mostra Interdisciplinar, o qual ocorre anualmente desde 2008. O acompanhamento do processo é feito pelo grupo de pesquisa por meio de observação participante, registro fotográfico do processo em andamento de cada um dos diferentes grupos de iniciação científica, bem como da própria Mostra Interdisciplinar, entrevistas abertas e questionários ao corpo docente e discente. O quadro teórico ampara-se, principalmente em Freire (2002, 2005), quando se discute a construção do conhecimento, a interdisciplinaridade e a dialogicidade. Todo esse processo tem permitido aproximar o Colégio Politécnico da UFSM às demais escolas de Educação Básica do município e região de Santa Maria/RS, por meio da publicação e mostra dos trabalhos desenvolvidos e apresentados pelos educandos e orientadores, na Mostra Interdisciplinar. também a evidência de que a

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PRIMEIROS CONTATOS COM A PESQUISA CIENTÍFICA: UMA

REALIDADE COM O ENSINO MÉDIO DO COLÉGIO POLITÉCNICO

DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

LEAL, Rodrigo Rozado – Colégio Politécnico da UFSM/RS

[email protected]

GERHARDT, Márcia Lenir – Colégio Politécnico da UFSM/RS [email protected]

FONSECA, Miriane Costa – Colégio Politécnico da UFSM/RS

[email protected]

HAIGERT, Cynthia Gindri – Colégio Politécnico da UFSM/RS [email protected]

DALMOLIN, Terezinha Cleoni Tronco – Colégio Politécnico da UFSM/RS

[email protected]

Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo O texto aborda a respeito de uma pesquisa de cunho qualitativo de ensino e extensão, desenvolvida por um grupo de docentes do Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS), com professores e educandos do Ensino Médio. Nessa, desenvolvem-se atividades que objetivam, primeiramente, o contato dos estudantes com a iniciação à pesquisa científica. Busca-se também desenvolver e apresentar a produção intelectual dos educandos e seus professores orientadores à comunidade acadêmica e à sociedade, bem como estimulá-los à produção científica, visando ao diálogo entre as diferentes áreas do saber. A produção dos estudantes culmina com a apresentação de seus resultados em um evento nominado Mostra Interdisciplinar, o qual ocorre anualmente desde 2008. O acompanhamento do processo é feito pelo grupo de pesquisa por meio de observação participante, registro fotográfico do processo em andamento de cada um dos diferentes grupos de iniciação científica, bem como da própria Mostra Interdisciplinar, entrevistas abertas e questionários ao corpo docente e discente. O quadro teórico ampara-se, principalmente em Freire (2002, 2005), quando se discute a construção do conhecimento, a interdisciplinaridade e a dialogicidade. Todo esse processo tem permitido aproximar o Colégio Politécnico da UFSM às demais escolas de Educação Básica do município e região de Santa Maria/RS, por meio da publicação e mostra dos trabalhos desenvolvidos e apresentados pelos educandos e orientadores, na Mostra Interdisciplinar. Há também a evidência de que a

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interdisciplinaridade vem acontecendo com maior frequência dentro da sala de aula, como um reflexo do envolvimento de todos os professores com a construção dos trabalhos para a Mostra, além do envolvimento dos educandos com a investigação científica, buscando contribuir para o desenvolvimento social, intelectual e ético da comunidade. Palavras-chave: Interdisciplinaridade; Ensino Médio; Educação.

Introdução

No presente texto, discutiremos a respeito da iniciação à pesquisa científica no aspecto

da prática de ensino interdisciplinar que se realiza no Colégio Politécnico da UFSM com

educandos do Ensino Médio, nominada na instituição como Mostra Interdisciplinar. A cada

ano, essa se remodela, buscando melhorar e atender às expectativas cognitivas dos estudantes,

dos docentes, da comunidade escolar e da sociedade em geral. O objetivo dessa atividade é

inserir os educandos do Ensino Médio na produção do conhecimento científico, da mesma

forma que apresentar a produção intelectual desses à comunidade acadêmica e à sociedade

estimulando-os, além da produção científica do conhecimento, ao diálogo entre as áreas do

saber, as diferentes turmas e com as escolas que prestigiam a Mostra.

O docente, nesse processo de envolvimento desempenha uma importante função, a de

mediar, orientar e acompanhar os educandos em suas pesquisas. Os temas propostos e eleitos

para serem desenvolvidos estão de acordo com as áreas cognitivas de atuação do corpo

docente além de alguns dos temas se relacionarem com áreas do conhecimento desenvolvidas

por Cursos Técnicos oferecidos pela instituição, pois, assim, outros professores acabam

contribuindo para o desenvolvimento dos projetos de pesquisa, favorecendo um diálogo além

do grupo de estudantes e seus professores orientadores. A interação ocorrida com essas

atividades proporciona ao docente a continuidade, isto é, o seu aperfeiçoamento, esse

ocorrendo com os educandos e colegas, no campo empírico, no cotidiano escolar.

Essa atividade aproxima o Colégio Politécnico da UFSM às demais escolas de

Educação Básica do município de Santa Maria/RS e região através de visitas dessas, à Mostra

Interdisciplinar, das publicações e da apresentação dos trabalhos em diferentes eventos. O

Colégio Politécnico da UFSM oferece para as três séries do Ensino Médio, uma disciplina em

seu currículo escolar, denominada Projeto. Nessa disciplina, os educandos têm o seu primeiro

contato com a Metodologia Científica.

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O envolvimento com os trabalhos realizados para o momento da Mostra

Interdisciplinar promove nos educandos e educadores, o desenvolvimento do pensamento

crítico, ético, criativo, estético, reflexivo e dialógico, permitindo, com uma visão real, crítica e

mais aguçada do seu cotidiano, perceber os fatos que os perturbam e ao mesmo tempo,

promover medidas e atitudes que ajudem a mudar aquela realidade e consequentemente

mudar a si mesmo.

Analisar os diferentes processos de construção do conhecimento interdisciplinar nas

diferentes linguagens intelectuais e tecnológicas é um dos desafios presentes, tanto para

docentes como discentes do Ensino Médio, que não têm, por cultura, a pesquisa científica no

seu currículo, tornando-se, assim, um fator desafiador e ao mesmo tempo motivador nessa

comunidade.

Um diálogo sobre a pesquisa e a interdisciplinaridade

Um dos desafios no campo da pesquisa é trabalhar e se fazer entender que a ética, a

moral e o respeito são elementos fundamentais, de extrema importância para podermos

conviver no mundo em sociedade, enfatizando o respeito com o conhecimento do próximo.

No período de familiarização dos educandos com a atividade de pesquisa, o professor

tem o papel de mediar a interação dos conhecimentos pré-existentes àqueles em construção. O

adolescente tem muita curiosidade nessa etapa de sua formação, característica importante e

fundamental para o desenvolvimento de uma pesquisa, e esse educando buscará diferentes

subsídios para sanar sua curiosidade.

Os diferentes conhecimentos e áreas trabalhadas na escola possibilitam o diálogo, bem

como a interdisciplinaridade. É nesse espaço que se oferecem múltiplas oportunidades para a

construção do conhecimento, da mesma forma que o desenvolvimento educacional dos seus

educandos. Essa construção se dá entre sujeitos e para sujeitos. Bastos (2010, p. 316-317)

contribui dizendo que:

Investigação e pesquisa precisam ser caracterizadas como interação simpática, constituindo-se em comunicação entre sujeitos em permanente vir a ser, interagindo dialogicamente em torno do conjunto das contradições apreendidas processualmente. [...] ensinar dialógica e problematizadoramente, implica investigar e agir simultaneamente com os envolvidos no processo educativo.

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Nesse processo, educador e educando situam-se como sujeitos articulando o

conhecimento com a prática da construção do mesmo. Dessa forma, o educando será um

agente do processo de ensino e aprendizagem e não somente um receptor de

informações/conteúdos compartimentalizados, constituindo-se um cidadão preocupado com o

seu futuro e de seus próximos. Freire (2005, p. 98) diz que “Não podemos existir sem nos

interrogar sobre o amanhã, sobre o que virá, a favor de que, contra que, a favor de quem,

contra quem virá; sem nos interrogar em torno de como fazer concreto o “inédito viável”

demandando de nós a luta por ele”.

A oportunidade oferecida aos educandos, de se familiarizarem com o conhecimento

científico, possibilita-lhes desde já trabalharem na construção de diferentes saberes, esses de

forma organizada e ética. Para Freire (2002), a formação ética e estética acontece na

educação, na sala de aula, no momento em que o educando, o docente, a escola, a sociedade

lutam juntos por uma educação conscientizadora e dialógica. No processo de construção do

conhecimento, o professor e o aluno estão engajados crítica e criativamente.

Nesse processo, ambos percebem suas realidades criticamente e constroem

conhecimentos através do diálogo. Para Freire (1998), o ato de criar, recriar objetos, de

conhecer faz da educação uma arte. A educação, assim, é uma teoria e uma prática, um ato

político, estético e ético.

Referir-se, portanto, à pesquisa, à interdisciplinaridade é referir-se a uma espécie de

interação entre as diferentes disciplinas e/ou áreas do saber. Essa interação torna-se mais

significativa quando compartilhada entre a comunidade escolar e a sociedade em geral sendo

ela utilizada para o bem, como algo positivo, construtivo. Essa educação fundamenta-se na

ética “homem-no-mundo” e na construção de “ser-no-mundo-com-os-outros”, isto é,

relacionando-se com as pessoas e a sociedade (FREIRE, 2001).

Na expectativa de um eficiente processo de ensino e aprendizagem, centrados na visão

de que o ser humano aprende ao longo de toda a vida, o desenvolvimento das pesquisas faz

com que os educandos tenham a oportunidade de tornarem-se sujeitos da ação, através da

dialogicidade entre docentes e discentes, das diferentes disciplinas em um meio no qual o

conhecimento produzido poderá ser compartilhado e ressignificado.

O diálogo é imprescindível na luta por uma educação verdadeira, o compromisso com

o outro implica o reconhecimento dele, é uma relação horizontal em que ambos aprendem e

apreendem. É uma existência que permite a comunicação, e nessa relação o ensinar e aprender

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acontece quando “o pensamento crítico do educador ou educadora se entrega à curiosidade do

educando” (FREIRE, 2002, p. 118).

A construção do conhecimento exige um processo, que faz contato com realidades

desconhecidas ou pouco exploradas, observando critérios específicos e metodológicos. Ela

envolve o educando pesquisador estabelecendo relações com o conhecimento pré-existente e

incorporando-o ao novo.

A partir das relações do homem com a realidade resultantes de estar com ela e de

estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu

mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando. Vai acrescentando a ela algo

de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz

cultura (FREIRE, 2005, p. 51).

A experiência da aprendizagem científica mediada com a interdisciplinaridade

proporciona ao educando e educador o desenvolvimento de competências, tais como, o

aprender a fazer, aprender a conhecer, a ser e conviver, competências discutidas no relatório

apresentado à UNESCO sob a coordenação de Jacques Delors no livro Educação: um

Tesouro a Descobrir1.

O acúmulo de informações, vivida pelos educandos nessa etapa da formação - o

Ensino Médio – em que um número considerável já visa ao ingresso no ensino superior, nem

sempre possibilita a todos o diálogo entre essas diferentes áreas e outras formas de

conhecimento. Esse processo de construção do conhecimento em que o educando é inserido

exige dele maior envolvimento, o que lhe proporcionará autonomia e um aprendizado

significativo. Além do educando estar se familiarizando com a construção científica do

conhecimento, esse estará envolvido na ressignificação de saberes por ele já construídos.

Dessa forma, ele vivenciará todos os processos, desde a escolha do tema a ser pesquisado, a

organização metodológica, a execução, o compartilhamento dos seus resultados com a

comunidade em geral. No olhar de Fazenda (2003),

1 O livro aborda os quatro pilares (aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver; aprender a ser,) de uma

educação para o século XXI, associando-os com o trabalho de pessoas comprometidas a buscar uma educação de qualidade.

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um projeto interdisciplinar não é ensinado mas sim vivenciado; exige a

responsabilidade individual e ao mesmo tempo um envolvimento com o projeto

propriamente dito, com as pessoas e com as instituições que fazem parte desse

projeto. É essa prática do diálogo com outras áreas do conhecimento que nos leva às

relações e às conexões de idéias, fazendo-nos perceber, sentir e pensar de forma

interdisciplinar, exigindo a necessidade de transpor barreiras e a ousadia para inovar,

criar e principalmente passar da subjetividade para a intersubjetividade (apud

MONFARDINI, 2005, p. 65).

Francischett (2010) discute a interdisciplinaridade como um encontro que ocorre entre

seres, isto é, inter, em um determinado fazer, dade a partir da direcionalidade da consciência,

objetivando compreender o objeto, os fatos e com eles relacionar-se, comunicar-se, dialogar.

Thiesen (2008) apresenta-a como resposta a uma necessidade verificada em especial nos

campos das ciências humanas e da educação, isto é, superar a fragmentação e a especialização

do conhecimento, causados por uma epistemologia de tendência positivista.

Isso acontece, ou deveria acontecer diariamente na relação trabalhada entre os

diferentes saberes estudados pelos discentes, na contextualização do que é trabalhado em sala

de aula com o real vivido, diariamente. “[...] o Real, enquanto Real, é uma totalidade

transdisciplinar. Ao processo analítico de cindir o Real através das parcialidades disciplinares,

deve seguir-se a retotalização transdisciplinar, mediante um processo espistemológico

interdisciplinar (ANDREOLA, 2010, p. 230).

O uso da metodologia de pesquisa científica implica em problematizar o conhecimento

já construído e os fatos do cotidiano, o que suscita a organização e a sistematização do que foi

estudado, aprendido e/ou observado. Esse processo exige do aluno/pesquisador uma postura

crítica, sistemática e disciplinar, que se alcançará somente no decorrer das ações práticas.

Somos movidos por questionamentos, dúvidas, assim, é necessário que tenhamos hipóteses

para respondê-las, precisamos de argumentos para sustentar nosso ponto de vista, nossa

posição a respeito de determinado tema. Para Freire (1983), a problematização é um momento

vital no processo de ensino e aprendizagem, pois é a expressão viva de que o ato de conhecer,

de aprender, exige do homem uma postura impaciente, inquieta, indócil.

Nesse sentido, é importante o envolvimento do educando, que elabore seu problema e

formule suas hipóteses da sua realidade, que seu saber, até então construído, viva um

confronto com o desconhecido, o não saber/conhecer, que é uma experiência significativa,

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mas incômoda, que exige dele um confronto com as descobertas. Durante esse processo, serão

necessárias a coleta de dados, a tabulação e a análise desses para sistematização e socialização

dos resultados. Por conseguinte, é uma oportunidade do educando de desenvolver sua

autonomia para alçar seus próprios vôos, a partir da iniciação científica trabalhada na escola,

aos desafios dos conhecimentos produzidos pela Ciência. A autonomia do educando, no

desenvolvimento da pesquisa, trará ao mesmo uma postura de quem pode dizer que sabe e

aprendeu sobre determinado assunto, e que essa aprendizagem foi movida pela curiosidade,

criticidade, criatividade.

As pesquisas e a Mostra Interdisciplinar

Busca-se desenvolver com maior ênfase uma cultura de pesquisa com os educandos do

Ensino Médio no Colégio Politécnico da UFSM, inserindo-os no campo científico como

sujeitos. Através da Mostra Interdisciplinar, busca-se compartilhar os resultados obtidos com

a comunidade escolar e universitária, bem como com as demais escolas de Santa Maria e

região. Tal fato caracteriza a importância e/ou relevância social do trabalho realizado.

No ano de 2010, foram desenvolvidos projetos de pesquisa nas três turmas do Ensino

Médio. O desconhecido, o diferente fez com que se alterasse a zona de conforto de alguns

educandos. O fato de que eles teriam que investigar um tema e trazer possíveis resultados

mexeu com a estrutura que estavam acostumados até então, isto é, a de que o professor traz e

trabalha o conteúdo, tema com a turma em sala de aula.

Essa ruptura foi muito significativa, pois envolveu docentes e discentes em uma nova

busca para a construção, problematização e organização do conhecimento. Cada professor

apresentou seu tema e os grupos de discentes buscaram o que lhes interessasse e juntos

construíram e desenvolveram um projeto de pesquisa que fora apresentado na III mostra

Interdisciplinar.

Destacamos alguns dos progressos nos trabalhos realizados e esses puderam ser

sentidos nas demais disciplinas trabalhadas no currículo, tais como: melhora considerável da

organização das ideias na construção dos textos; uma maior valorização da leitura; inovação

dos temas pesquisados; criatividade na apresentação dos trabalhos, contextualização do

espaço escolar com o externo; maior exploração através da imagem e som.

Ao buscar subsídios para a construção e o desenvolvimento do projeto de pesquisa, o

educando necessariamente precisa se organizar para cada uma das etapas que irá desenvolver

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nesse processo. Em um dos trabalhos que se destacou, os educandos trabalharam com um

experimento em que foram testados diferentes substâncias para enraizamento de plantas.

Durante um determinado período, esse grupo observou quanto tempo levava cada uma dessas

substâncias utilizadas para o surgimento de raízes de uma planta. Observaram que o método

utilizado para o enraizamento não funcionou da mesma forma para todos os tipos de

substâncias enraizantes. Esse grupo buscou seu tema fora do grupo de docentes que trabalham

no Ensino Médio, no setor de floricultura, o professor que os orientou desenvolve pesquisas

com flores.

A curiosidade de buscar algo diferente motiva o adolescente a ir além do que lhes é

oferecido e isso lhes proporciona uma visão ampla, saindo da sua zona de conforto para se

aventurar no desconhecido, como fora o caso desse grupo de educandos.

As pesquisas desenvolvidas operacionalizam os diferentes conhecimentos curriculares

e não curriculares trabalhados em uma instituição, de forma integrada, organizada, sistêmica,

proporcionando uma educação interdisciplinar, criativa, crítica e uma visão de mundo

integrada e não fragmentada. A interdisciplinaridade exige, portanto, discussão ampla; a

prática da mesma exige esforços conjuntos, pois ela acontece no diálogo entre todas as áreas.

A curiosidade de trazer o mundo externo para dentro da escola foi representada por

outros dois grupos. Um trabalhou com imagens, sons, lixo da rua e contextualizaram no

ambiente escolar. A leitura feita pelo grupo da situação das ruas da cidade de Santa Maria/RS

foi trazida para a III Mostra Interdisciplinar por meio de imagens pintadas, fotografias,

materiais reciclados, música e a interação do próprio público.

A pesquisa apresentou um forte apelo educativo na medida em que buscava interferir

no desenvolvimento intelectual, ético e estético, pois a educação envolve os processos de

ensino e aprendizagem. Pode ser visto como um apelo à situação das ruas das cidades, a

pouca valorização e cuidados dados às calçadas, praças, monumentos e ao próprio ser humano

que vive-sobrevive-convive com essa situação. A educação e boas maneiras já seriam um

passo inicial que faria um diferencial no caos urbano.

Outro grupo trouxe a realidade de um asilo de Santa Maria/RS para a escola, isto é,

objetos e imagens representando a instituição “asilo”, a sensação de carinho e, ao mesmo

tempo, de abandono de pessoas que viveram e que hoje precisam de atenção. Esse tema foi

contextualizado com imagens e objetos que lembram tal situação.

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Esse diálogo, além da criatividade, criticidade e planejamento, envolveu mais do que o

conhecimento metodológico e artístico, envolveu sensibilidade, percepção, aisthesis, isto é, a

percepção a partir do sensível. Essa percepção é um passo para a mobilização de outras

pessoas para tornar esses ambientes mais dignos, respeitados, assim como as pessoas que ali

se encontram.

Para Freire (1998), o ser humano é o único ser capaz de aprender com alegria e

esperança, com sentimentos e emoções, confiando que a mudança é possível. Aprender é uma

descoberta criadora, com abertura ao risco e a aventura do ser, pois ensinando se aprende e

aprendendo se ensina.

Com os exemplos citados acima, é possível ter-se uma idéia da importância da

interdisciplinaridade. Docentes e discentes envolveram-se numa construção dialógica, visando

ao ensino-aprendizagem do grupo. O ensino vinculado à pesquisa e à extensão é colocado em

evidência por meio da relação do Colégio Politécnico da UFSM com a comunidade onde está

inserido. A ação interdisciplinar materializada pela Mostra Interdisciplinar envolve, com um

enfoque diferenciado, discentes, docentes, familiares e comunidade em geral.

Assim, é importante ressaltar o trabalho conjunto de docentes, discentes, familiares e

comunidade em geral, num envolvimento cognitivo-afetivo na construção interdisciplinar do

conhecimento, no fazer ciência.

Considerações Finais – Um olhar dos envolvidos

A aplicação de questionário não identificado aos estudantes teve como objetivo saber

qual a opinião dos mesmos a respeito de diversos aspectos da Mostra, que vão desde a

estrutura e organização do evento, até uma autoavaliação mostrando a opinião deles sobre

seus projetos e grau de envolvimento com o todo. Muito do que é abordado nesses

questionários, serve para melhor planejar as edições futuras. Os dados são coletados, tratados

e expressos em gráficos simples, por série e geral, para análise de todo o grupo docente em

reuniões de grupo.

Para exemplificar, o questionário aplicado aos estudantes em 2010, após o evento,

incluiu itens de opinião como: local da Mostra, horário/período e seu empenho na realização

do evento e projeto. Referente à opinião deles sobre o local no espaço do Colégio para a

realização da Mostra Interdisciplinar, percebeu-se opiniões semelhantes nas três turmas,

sendo que a maioria, 52%, julgava adequada em parte, como mostra a (Figura 1). Esse dado

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abriu espaço para uma investigação do porquê de tal opinião dos educandos. O diálogo

estabelecido sobre o assunto serviu de referência para um planejamento diferenciado no ano

seguinte, e uma discussão mais calma com a direção do Colégio apontou para a necessidade

de ter um espaço próprio para as futuras edições do evento, que poderá também servir de

espaço para muitos outros eventos da escola.

Figura 1 – Opinião dos estudantes sobre o local da escola onde a Mostra Interdisciplinar 2010.

Outro aspecto abordado no questionário refere-se ao período que a Mostra ocorre, isto

é, data e hora do evento, como evidenciado na (Figura 2), com os dados da média das três

séries. Percebeu-se que a maioria dos estudantes, 51%, julgou que seria adequada a realização

do evento em dois turnos durante a semana. No ano de 2010, a Mostra Interdisciplinar

ocorreu em dois turnos em um sábado, o que acarretou uma visitação menos intensa que em

edições anteriores. Os estudantes argumentaram que todo o empenho no desenvolvimento dos

projetos e planejamento da Mostra, seriam mais conhecidas e valorizadas com o evento

ocorrendo durante a semana.

Figura 2 – Opinião dos estudantes sobre horário e data de realização da Mostra Interdisciplinar 2010.

Foi também preocupação do corpo docente, realizar a autoavaliação dos estudantes

sobre seus próprios trabalhos. Um dos itens referia-se a como eles julgavam o seu empenho

na realização de seus projetos e apresentação dos mesmos na Mostra, Figura 3. De maneira

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geral, os estudantes julgaram-se ter empenho de forma significativa, 46%, e razoável, 45%,

(Figura 3a). No caso deste item, percebe-se que a maioria dos estudantes da 1ª série, 53%,

julgavam ter um empenho razoável, (Figura 3b). Os professores percebem que há de certa

forma um receio desses estudantes mais novos, já que nunca acompanharam todo o processo

de desenvolvimento de projetos, e o quanto um projeto bem planejado reflete em uma boa

apresentação oral – com domínio do assunto, por exemplo – no dia da Mostra. No caso dos

estudantes da 2ª série, percebe-se um maior envolvimento com os projetos e a própria Mostra,

sendo que 56% julgaram ter tido grande empenho, (Figura 3c). Já com os estudantes da 3ª

série, percebe-se novamente que a maioria considerou ter um empenho razoável. Baseado em

alguns comentários dos próprios estudantes, observou-se que isso se deva, em parte, pela

experiência que julgam ter, percebendo eles que um empenho razoável, porém objetivo e bem

planejado, pode resultar em projetos bem desenvolvidos, (Figura 3d).

(a) (b)

(c) (d)

Figura 3 – Opinião dos estudantes sobre seus próprios empenhos na realização de seus projetos e Mostra

Interdisciplinar. (a) Opinião Geral; (b) Opinião da 1ª série; (c) Opinião da 2ª série; (d) Opinião da 3ª série.

Tem-se observado que a cada edição surgem fatos novos e de qualidade, seja por parte

dos docentes como dos discentes. A exigência que necessita o desenvolvimento de uma

pesquisa fez com que aparecessem lacunas que pediam uma maior atenção no trabalho

desenvolvido nas diferentes disciplinas. Um envolvimento maior com a observação, a leitura,

a escrita, a análise fez-se necessário e teve resultados positivos. Os próprios educandos

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perceberam que seus trabalhos apresentaram um melhor desenvolvimento dentro do que eles

se empenharam.

O objetivo maior, como grupo de pesquisa, de colocar os educandos do ensino médio

em contato com a iniciação científica e a partir disso construírem o conhecimento e fazer

parte desse processo foi alcançado e percebeu-se que a cada ano esse objetivo se torna real e

se reflete nas aulas das demais disciplinas.

REFERÊNCIAS

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BASTOS, Fábio da Purificação de. Pesquisa/Investigação. In: STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, José (Orgs). Dicionário Paulo Freire. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Org.). Práticas Interdisciplinares na Escola. São Paulo: Cortez, 1993

FRANCISHETT, Mafalda Nesi. O entendimento da interdisciplinaridade no cotidiano. Disponível em: http://www.scribd.com/doc. Acesso em: 22 mar. 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 41. ed. São Paulo: Vozes, 2005.

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_____________ A educação como prática da liberdade. 25 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

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