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A ESCOLA DOS IMIGRANTES ALEMÃES NO CENTRO OESTE DO PARANÁ: 1951 a 1974. ECKSTEIN, Manuela Pires Weissböck – UNICENTRO/UTP [email protected] VECHIA, Ariclê – UTP [email protected] Eixo Temático: História da Educação Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este texto tem como objetivo analisar elementos da cultura escolar das primeiras escolas isoladas da comunidade de Entre Rios no Centro Oeste do Paraná. Entre Rios foi uma colônia fundada no ano de 1951, em decorrência de uma política que visava acolher imigrantes alemães suábios, reimigrados de toda a Europa, principalmente da Áustria, Alemanha e Iugoslávia. No aspecto educacional, de 1951 a 1974 a Colônia teve cinco escolas isoladas, que atendiam as crianças da comunidade. Estas instituições escolares, se olhadas sob a ótica dos imigrantes eram “escolas brasileiras”, porém muitos elementos da cultura da terra de origem devem ter sido ali preservados. A partir deste contexto, pretende-se responder ao seguinte questionamento: como se constituiu a cultura escolar das primeiras escolas de Entre Rios, de 1951 a 1974? Para a consecução do estudo procuramos analisar as práticas pedagógicas e educativas ali vivenciadas. Trata-se de um estudo de caráter histórico, na vertente da História das Instituições Escolares e da Cultura Escolar. As fontes utilizadas são: a legislação estadual e municipal, a documentação mantida no Museu da Cooperativa Agrícola de Entre Rios e no Colégio Imperatriz Dona Leopoldina, documentação das escolas, fontes iconográficas, livros e cadernos escolares mantidos por particulares e entrevistas realizadas com ex-professores e ex-alunos. Os resultados preliminares apontam que apesar das escolas serem “brasileiras”, traços da cultura da terra de origem estavam presentes formando uma cultura escolar peculiar nas referidas escolas. As práticas pedagógicas e educativas ali vivenciadas, por mais que procurassem seguir as propostas do governo brasileiro eram permeadas por traços da cultura alemã. Palavras chave: Instituição escolar. Cultura escolar. Educação dos imigrantes alemães. Introdução Os estudos de História da Educação tomaram um novo impulso no Brasil a partir de meados do século XX, em decorrência da expansão do ensino superior. Neste ambiente de efervescentes debates, as temáticas privilegiadas versaram sobre a realidade educacional

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A ESCOLA DOS IMIGRANTES ALEMÃES NO CENTRO OESTE DO PARANÁ: 1951 a 1974.

ECKSTEIN, Manuela Pires Weissböck – UNICENTRO/UTP [email protected]

VECHIA, Ariclê – UTP

[email protected]

Eixo Temático: História da Educação Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo Este texto tem como objetivo analisar elementos da cultura escolar das primeiras escolas isoladas da comunidade de Entre Rios no Centro Oeste do Paraná. Entre Rios foi uma colônia fundada no ano de 1951, em decorrência de uma política que visava acolher imigrantes alemães suábios, reimigrados de toda a Europa, principalmente da Áustria, Alemanha e Iugoslávia. No aspecto educacional, de 1951 a 1974 a Colônia teve cinco escolas isoladas, que atendiam as crianças da comunidade. Estas instituições escolares, se olhadas sob a ótica dos imigrantes eram “escolas brasileiras”, porém muitos elementos da cultura da terra de origem devem ter sido ali preservados. A partir deste contexto, pretende-se responder ao seguinte questionamento: como se constituiu a cultura escolar das primeiras escolas de Entre Rios, de 1951 a 1974? Para a consecução do estudo procuramos analisar as práticas pedagógicas e educativas ali vivenciadas. Trata-se de um estudo de caráter histórico, na vertente da História das Instituições Escolares e da Cultura Escolar. As fontes utilizadas são: a legislação estadual e municipal, a documentação mantida no Museu da Cooperativa Agrícola de Entre Rios e no Colégio Imperatriz Dona Leopoldina, documentação das escolas, fontes iconográficas, livros e cadernos escolares mantidos por particulares e entrevistas realizadas com ex-professores e ex-alunos. Os resultados preliminares apontam que apesar das escolas serem “brasileiras”, traços da cultura da terra de origem estavam presentes formando uma cultura escolar peculiar nas referidas escolas. As práticas pedagógicas e educativas ali vivenciadas, por mais que procurassem seguir as propostas do governo brasileiro eram permeadas por traços da cultura alemã. Palavras chave: Instituição escolar. Cultura escolar. Educação dos imigrantes alemães.

Introdução

Os estudos de História da Educação tomaram um novo impulso no Brasil a partir de

meados do século XX, em decorrência da expansão do ensino superior. Neste ambiente de

efervescentes debates, as temáticas privilegiadas versaram sobre a realidade educacional

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brasileira e a democratização do ensino. São emblemáticos os trabalhos de Laertes Ramos de

Carvalho, Jorge Nagle, Maria de Lourdes Haidar, entre outros. Muito embora tivessem

surgido alguns estudos sobre instituições escolares, a tônica do período era a educação e a

sociedade (BUFFA; NOSELLA, 2008).

Segundo Buffa e Noselal (2009, p. 15-17), na obra Instituições escolares: por que e

como pesquisar, durante as décadas de 1970 e 1980, com a implantação dos cursos de pós

graduação, autores clássicos como Marx, Althusser, Gramsci, Focault, Adorno e Bourdieu

começaram a ser estudados. Movidos pelo idealismo político e pela consciência da

necessidade de redemocratização do país, o pensamento pedagógico foi “invadido” por

categorias até então desconhecidas: sociedade de classes, luta de classes, base material da

sociedade e reprodução simbólica. Estes estudos, se de um lado, eram da vertente do

pensamento crítico, de outro, se reduziram a visões genéricas e paradigmáticas,

secundarizando os objetos específicos da educação brasileira. Havia críticas a estes estudos

por não dar conta da complexidade e da diversidade dos temas de estudo, principalmente

quando se tratava sobre a educação no Brasil. Concomitantemente, novas vertentes da história

da educação, baseadas em novas matrizes teóricas surgiram, como a História Cultural, a Nova

História e a Nova Sociologia Inglesa e Francesa, que privilegiaram novos temas de estudo1 e

objetos singulares, utilizando uma gama variada de fontes.

Merecem destaque, também, estudos de Buffa e Nosella, Justino Magalhães e, de

modo particular, os de Dominique Julia, Andre Chervel e Jean Herbrad que possibilitam um

diálogo mais próximo com o estudo da história das instituições e da cultura escolar, de

cadernos escolares e das práticas pedagógicas e educativas que se constituem no seio da

escola. Para se analisar, por exemplo, como foram trabalhados os conhecimentos prescritos e

as condutas inculcadas em uma instituição escolar, é necessário levar em conta o corpo de

professores, os alunos e os dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar as práticas

escolares. Estudar a singularidade de uma instituição escolar, no entanto, implica em

compreender as estruturas mais gerais até as mais sutis relações travadas com a sociedade à

sua volta. Portanto, valemo-nos principalmente das propostas de Julia (2001), que demonstra

o quanto é importante compreender que a cultura escolar pode mostrar muitas vezes que a

escola não é um lugar apenas de transmissão de conhecimentos, mas sim, um lugar de “[...]

1 Os temas de estudo, segundo Nosella e Buffa (2009, p. 16-20) são: cultura escolar, instituições escolares, livros didáticos, currículo, disciplina escolar, entre outros.

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inculcação de comportamentos e de habitus” (p. 22), o que nos faz refletir sobre a

importância de reconhecer este fato nas instituições escolares.

Por outro lado, os estudos de Kreutz, Seyferth, Waibel, Elfes, Santos, Vechia,

Stein, Klug entre outros, sobre educação dos imigrantes também tem tomado corpo nas

últimas décadas no Brasil, principalmente na região sul. Com base neste referencial,

buscamos identificar em Entre Rios2, como se constituiu a cultura escolar nas primeiras

escolas, de 1951 a 1974. Para a consecução do estudo procuraremos analisar as práticas

pedagógicas e educativas ali vivenciadas. Por se tratar de um estudo de caráter histórico, na

vertente da História das Instituições e da Cultura Escolar, as fontes utilizadas são: a legislação

estadual e municipal, a documentação das escolas mantida no Museu da Cooperativa Agrícola

de Entre Rios e no Colégio Imperatriz Dona Leopoldina, fontes iconográficas, livros e

cadernos escolares mantidos por particulares e entrevistas realizadas com ex professores e ex

alunos.

Ao chegarem no Brasil, os suábios do Danúbio se organizaram em cinco vilas. Foi na

vila central, chamada Vitória, que se constituiu a primeira escola. Depois disto, cada vila tinha

sua própria instituição escolar. Na década de setenta, temos estes espaços agrupados em um

único, na vila Vitória, encerrando-se as demais. Por se tratarem de escolas brasileiras e para

os imigrantes, nossa hipótese é que elas apresentaram identidades próprias. Por este motivo,

justifica-se o período de estudo porque a partir da vinda dos imigrantes em 1951, já

encontramos registros de práticas pedagógicas na vila Vitória que podemos considerar um

embrião das futuras escolas. Algumas fotos de1951, encontradas no Museu da Cooperativa

Agrária nos revelam que mulheres suábias cuidavam das crianças, inclusive proporcionando

aulas de trabalhos manuais para as meninas. A partir das fontes coletadas até o presente

momento, a partir de 1969 temos a criação do Colégio Domingos Sávio na Vitória, o qual

reuniu grande parte de alunos das escolas isoladas. Mesmo assim, temos encontrado registros

que nos contam que algumas escolas ainda funcionavam isoladamente. Em 1974 com a

criação do Ginásio de Entre Rios, mais tarde intitulado Colégio Imperatriz Dona Leopoldina,

temos uma nova organização de ensino em Entre Rios.

A escolha de Entre Rios e os primeiros anos dos imigrantes

2 Comunidade de imigrantes alemães localizada nos campos gerais do estado do Paraná.

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Com o desfecho da Segunda Guerra Mundial, um grande número de pessoas ficou

desalojada na Europa. Os suábios do Danúbio se refugiaram na Áustria e entre os anos de

1944 a 1950 a situação era de extrema miséria nos campos de recolhimento. Com esta

situação, a ajuda Suíça iniciou uma grande campanha humanitária com o objetivo de projetar

a imigração dos refugiados para outros países. Em 1949 foi enviada ao Brasil uma comissão

que estudaria a viabilidade de encontrar terras que atendessem as necessidades dos refugiados,

prontos para a imigração. Michael Moor3, Padre Josef Stefan e H. H. Georg Bormet4

formaram esta comissão que tinha como apoio inicial a aprovação do Decreto Lei n. 7967/45,

uma ação do governo de Getúlio Vargas que retomou as iniciativas do processo de

colonização no país.

Um projeto inicial de colonização em Goiás foi apresentado à comissão. Esta primeira

proposta foi descartada. Foi também apresentada uma segunda proposta de recebê-los em São

Paulo e a mesma também não foi aceita. Sabendo que grupos de imigrantes europeus

buscavam regiões para colonizar, principalmente no Brasil, o governador do Estado do Paraná

na época, Bento Munhoz da Rocha Neto pediu apoio ao Secretário de Estado da Agricultura,

Lacerda Werneck para convencer a comissão de trazer os imigrantes para se fixar no Paraná.

Foram indicadas inicialmente quatro áreas à comissão. A primeira em Clevelândia, sul

do estado. A segunda, em Ponta Grossa, região dos campos gerais e a terceira em Goioxim.

Após uma visita nestes locais, as três propostas foram rejeitadas por condições de localização,

tamanho e qualidade do solo. Na sua última tentativa, o secretário apresentou uma fazenda à

venda no município do Pinhão.

Após atravessarem em perigosa balsa o rio Jordão penetraram nos campos de Entre Rios e ficaram deslumbrados com a planície, a extensão dos campos, a vestimenta dos campos nativos. Coletaram vinte amostras de terra, examinaram o pH e decidiram voltar para Curitiba. Na manhã seguinte [...] traziam um ultimato transmitido com muita diplomacia e sutileza. Ficariam no Entre Rios se possível fosse – outra localização não aceitariam face às condições magníficas que os campos de Entre Rios apresentavam (ELFES, 1971, p. 38).

3 Engenheiro agrônomo. 4 Sacerdote da Diocese de Bonfim, na Bahia. Serviu como tradutor e secretário da comissão (STEIN, 2011, p. 62).

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Não precisou muito tempo para o governo do estado enviar um documento ao

escritório da Ajuda Suíça no Rio de Janeiro se comprometendo em oferecer subsídios para a

instalação dos imigrantes em Entre Rios. Esta carta datou de 09 de abril de 1951. Segundo

Elfes (1971, p. 45-46), o oferecido aos imigrantes foi: a) trabalhos de medição e loteamento

da área a ser colonizada; b) construção da estrada entre Guarapuava e a colônia; c) transporte

dos colonos e de seus pertences, do porto até a área a ser colonizada; d) mediação de

professores brasileiros, conhecedores da língua alemã e de um médico; e) fornecimento de

sementes e mudas; f) acomodação por tempo indeterminado na cidade de Guarapuava ao

grupo de imigrantes; g) fornecimento de cem porcos, cinquenta varões, cinquenta vacas

holandesas e dois touros, bem como, mil dúzias de ovos de galinhas de raça para chocar.

E assim aconteceu. Através de um decreto de 15 de janeiro de 1951, Getúlio Vargas

por meio do Banco do Brasil, abriu crédito para o financiamento da colonização com fundos

de ágios sobre importações especiais da Suíça (STEIN, 2011, p. 60). O governo do Paraná

então iniciou a desapropriação das fazendas existentes na área pedida pelos imigrantes,

declarando-as como área de utilidade pública5. Para que houvesse a aquisição das terras, em 5

de maio de 1951 foi constituída a Cooperativa Agrária Ltda, sendo o primeiro diretor,

Michael Moor.

Na Áustria, neste mesmo período, estava sendo divulgada a seleção das primeiras

famílias que migrariam para Entre Rios. Os critérios utilizados foram: a) considerava-se, em

primeiro lugar, ser camponês e artesão; b) dava-se preferência à famílias numerosas; c) não se

aceitava candidatos envolvidos em delitos políticos ou de guerra (ELFES, 1971, p. 47).

Em seis de junho de 1951 chegou o primeiro navio, de nome Provence, com

aproximadamente duzentas e vinte e duas pessoas, no porto de Santos. Depois deste, vieram

mais seis, que segundo dados de Spiess (1998, p. 4) totalizaram aproximadamente dois mil,

duzentos e trinta e cinco imigrantes. Mais tarde, em 1953 e 1954 mais três transportes

chegaram com mais cinquenta e três pessoas.

As primeiras famílias ficaram alojadas no Colégio Visconde de Guarapuava6,

enquanto já iniciavam a construção das cinco vilas. Cerca de oitenta por cento da área total

seria dividida por lotes e o restante seria destinado para a construção de igrejas, escolas,

indústrias, praças, estações de pesquisa agropecuária (STEIN, 2011, p. 93).

5 Por meio do decreto n. 1229, de 18 de maio de 1951. 6 Colégio ainda existente no município de Guarapuava.

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Cada vila se constituiu com uma estrutura própria, incluindo igreja e escola. Muito do

que foi construído no seio da sala de aula mais tarde, retratou não só traços dos imigrantes,

mas o que eles precisariam se tornar agora neste novo país: um povo digno brasileiro.

A pesquisa de campo deste trabalho ainda é recente. Temos tido contato com ex

professores e ex alunos das primeiras escolas e seus relatos tem sido muito significativos na

montagem deste “quebra cabeça”. Além de entrevistas, temos conseguido acesso a livros de

pagamento de professores da região de Guarapuava7, em que localizamos registros de alguns

professores que davam aula em Entre Rios e eram pagos pelo município. Encontramos nestes

registros somente professores de origem brasileira. Além destes, também tivemos acesso a

registros de vínculo de dois ex professores das escolas, um com o Estado do Paraná8 e outro

com o município de Guarapuava e com a Cooperativa Agrária9.

Também encontramos livros de frequência das escolas das vilas, num total de dezoito.

Dos três livros encontrados da vila de Jordãozinho10, já fizemos uma análise detalhada de um

deles. Pudemos encontrar dados interessantes sobre quais professores lecionaram de 1960 a

1972, dados sobre as turmas (como se constituíram, quem entrava, quem saía, a matrícula do

primeiro brasileiro, a idade dos alunos, a organização das turmas, níveis de ensino), a

avaliação, a frequência dos alunos e dados corriqueiros de registro dos professores. Além

destas fontes, também foram encontrados no Arquivo do Colégio Imperatriz Dona

Leopoldina, livros atas de reuniões das escolas, livros de exames de admissão e livros de

frequência do Colégio Domingos Sávio e do Ginásio de Entre Rios.

Um retrato dos imigrantes alemães: a instituição escolar e a cultura escolar

Magalhães (2004) em sua obra, Tecendo nexos: história das instituições educativas

propõe um esquema figurativo para entender melhor a relação das instituições escolares com

seu entorno. O autor mostra que o esquema é constituído por três fatores: o primeiro

configurou-se como “materialidade” (o instituído); o segundo como “representação” (a

institucionalização); e o terceiro como “apropriação” (a instituição). Materialidade é sinônimo

de escola instalada, o que envolve a estrutura física e os equipamentos. Para o estudioso, a

7 Encontrados no Museu Histórico da UNICENTRO. 8 Professor José Boeing. 9 Professor José Hoepers. 10 Uma das vilas. No total são cinco: Samambaia, Jordãozinho, Vitória, Cachoeira e Socorro.

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materialidade é considerada o “[...] suporte físico das práticas educativas” (p. 133). A

representação se alicerçaria na memória, nos modelos pedagógicos, nos estatutos e nos

currículos, o que o autor chamou de materialidade-conteúdo. Já a apropriação seria a

materialidade-conteúdo em ato, o que corresponderia às práticas pedagógicas e o que poderia

definir a identidade dos sujeitos da instituição.

Procurando seguir o primeiro aspecto do esquema proposto por este autor, podemos

dizer que em Entre Rios, no período de 1951 a 1974, foram criadas cinco escolas isoladas,

como eram chamadas na época: Escola Isolada de Samambaia, Jordãozinho, Vitória,

Cachoeira e Socorro. Os registros tem nos mostrado que algumas vezes elas eram chamadas

de escolas isoladas, outras vezes de escolas rurais e até mesmo, escolas municipais e escolas

estaduais. Elas foram construídas pela própria comunidade e com subsídios da Cooperativa

Agrária.

Procurando conhecer o interior, dessas escolas ou a cultura escolar, na acepção de

Juliá (2001), temos que: A partir da análise das fontes feitas até o momento, é possível

verificar que foi na escola, construída pelos imigrantes e para os imigrantes, que se

aprenderam muitas coisas, principalmente como ser um “bom brasileiro”. Mesmo com o fim

da campanha de nacionalização11, ainda se podia ver ela presente nas práticas pedagógicas e

educativas das escolas. Um exemplo disso são as comemorações da Semana da Pátria, com o

enaltecimento da bandeira do Brasil, o canto do hino brasileiro todos os dias na escola e o fato

de que nestas escolas os imigrantes deveriam aprender a ser “brasileiros” com orgulho do seu

novo país. Em um dos livros de ata encontrados no Arquivo do Colégio Imperatriz Dona

Leopoldina da Escola Isolada de Samambaia, o professor é questionado pelos pais sobre a sua

metodologia de ensino. Conforme registrado em ata, ele declara que seu entendimento sobre

metodologia de ensino vai além do que ele trabalhava com os alunos a partir dos conteúdos,

dos livros e atividades didáticas. Além de exigente, ele tinha como objetivo ensinar os alunos

a serem “[...] bons cidadãos brasileiros e que amam a Pátria” se relacionando à Pátria

Brasileira (LIVRO DE ATAS da Escola Isolada de Samambaia, 1960).

11 Esta Campanha caracterizou-se pela preocupação governamental com os considerados núcleos de cultura homogênea formados, basicamente, por descendentes de imigração de origem alemã, polonesa e italiana. As ações tomadas pela Campanha de Nacionalização, nas décadas de 30 e 40, foram proibições e sanções no uso da língua, do ensino nas escolas particulares, da veiculação de jornais e periódicos, nas associações culturais e recreativas e outras formas de expressão das culturas estrangeiras consideradas inimigas da ideologia de identidade nacional (MELLO, s/d, p. 1).

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Pela documentação levantada a partir de duas entrevistas realizadas com ex

professores e de quatro entrevistas com ex alunos, consulta em documentos no Museu da

Cooperativa Agrária, no Arquivo Histórico da UNICENTRO e no Arquivo do Colégio

Imperatriz Dona Leopoldina, sabe-se que alguns professores, por exemplo, eram brasileiros e

outros, membros da própria comunidade. Estes professores muitas vezes eram contratados

pelo Estado, pelo Município ou pela Cooperativa Agrícola de Entre Rios. Em cada uma destas

escolas tinha um ou dois professores e turmas que se organizavam de primeira a terceira série.

Em cada escola e dependendo do ano, pudemos observar que os níveis também variavam. Um

exemplo disto é a Escola Isolada de Jordãozinho que sob a coordenação do Professor José

Hoepers, criou em 1962 as turmas de quarta série e em 1971, o pré primário. Segundo um dos

livros de freqüência desta escola, as turmas, eram organizadas pelos professores, separando,

na maioria das vezes, os alunos também por gênero: “primeira série masculina e primeira

série feminina” (LIVRO DE FREQUÊNCIA da Escola Isolada de Jordãozinho, de 1960 a

1972).

Além disto, foi possível perceber também a partir de uma entrevista realizada com um

dos ex professores, que ele lecionava para todas as séries juntas, em uma espécie de escola

multisseriada, o que não dava condições de seguir uma metodologia “à risca” (PROFESSOR

J. S., 2011).

Outro ponto importante a ser destacado é que o professor que lecionava nestas escolas

tinha que ser bilíngue, ou seja, deveria falar português e alemão. Segundo um dos professores

entrevistados, uma dificuldade encontrada era que os alunos não dominavam a língua

portuguesa. Por este e por outros motivos, o professor organizava sua ação didática em sala de

aula da seguinte forma:

[...] num dia normal de aula se iniciava com a primeira série fazendo cópias, a segunda série, leitura, a terceira série aritmética e a quarta série, conhecimentos gerais. Depois de um intervalo de tempo, se trocava de disciplina por série. Os alunos precisavam anotar quase tudo no caderno, principalmente sobre conhecimentos gerais e ciências, que era dado em forma de questionário para facilitar a fixação. Sempre havia lição de casa que era a primeira a ser cobrada no início de cada aula. Adotava-se um livro para cada série. Na primeira série era adotada a Cartilha Caminho Suave (PROFESSOR J. H., 2011).

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Portanto, além da necessidade do bilinguismo, os docentes mesmo não podendo

utilizar o alemão como língua oficial na escola, precisariam dela para, por exemplo, explicar e

traduzir palavras que eram difíceis para os alunos aprender em português. Segundo o

professor J. S. (2011), as crianças falavam alemão em casa e onde fossem, em dez anos

lecionando em Entre Rios, a língua portuguesa tinha sido pouco assimilada pelos alunos. Ele

disse: “[...] eu conseguia administrar uma aula em língua portuguesa na quarta série. Nas

outras séries eu precisava fazer muito uso da língua alemã para passar o conteúdo”.

Mesmo assim, os imigrantes estavam em uma escola brasileira e precisariam, portanto,

aprender tudo sobre o Brasil, inclusive sua língua. A dificuldade com o novo idioma era tanta,

que em uma entrevista concedida por uma ex aluna, ela nos relatou que por muito tempo ela

não sabia o que era “língua” e o que era “dente”, por serem locais próximos demais e pelo

fato da professora explicar por meio de gestos, a indicação não se tornava clara (E. S., 2011).

Neste relato, a professora em questão era uma das exceções à regra dos docentes bilíngues

porque só falava português. Eventualmente esta situação tem sido demonstrada através de

entrevistas realizadas, ou seja, alguns professores eram indicados pelo município de

Guarapuava para dar aula nestas escolas e pouco ou nenhum contato tinham com a cultura

alemã.

Sobre o ensino religioso, um dos ex professores relatou que tinha “[...] funções de

professor catequista”. Isto significava que deveria preparar os alunos para a catequese na

comunidade luterana local. Na escola, ele disse que não tinha um momento específico para

esta disciplina, pois ela acontecia de maneira geral (J. S., 2011). Outro ex professor relata que

uma vez por semana vinha um padre para dar aula de religião. Quando o padre não vinha, o

que acontecia com frequência, o próprio professor trabalhava com o conteúdo específico (J.

H., 2011).

Todos estes relatos têm sido extremamente significativos para nossa pesquisa. No

entanto, talvez o que mais importante é o que acontecia no seio da prática educativa, ou seja,

aquela que se mobilizava na escola, mas fora da sala de aula. Quando perguntamos aos ex

professores sobre os eventos da escola, pudemos encontrar relatos importantes sobre, por

exemplo, a comemoração da Semana da Pátria. Encontramos uma foto (figura 1) que retrata

muito bem como os alunos imigrantes precisariam “amar o Brasil”. Havia hora cívica em

homenagem à Pátria com hasteamento da Bandeira Nacional, ao som do Hino que era cantado

por todos. Além deste momento cívico, cada escola fazia apresentações como poesias, jograis,

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teatros, entre outros. A hora cívica era encerrada com o Hino à Independência. À tarde, depois

do churrasco, havia jogos e competições entre as escolas e a comunidade participava, como

disse um dos professores entrevistados, “[...] maciçamente e todos se divertiam” (J. S., 2011).

Os relatos tantos de ex professores, como de ex alunos, demonstram que as festas e

qualquer atividade promovida pela escola eram permeadas por elementos da cultura da terra

de origem, até mesmo as festas cívicas nacionais, passado o momento solene, o oficial, as

demais atividades, jogos e brincadeiras cultivavam elementos da terra de origem.

Figura 1 – Comemoração à Semana da Pátria. Na foto, da direita para a esquerda, Professor João Rubens Strauss,

alunos, Professor José Boeing e visitantes. Fonte: Arquivo pessoal da Família Boeing

Figura 2 – Atividades esportivas durante as comemorações da Semana da Pátria.

Fonte: Arquivo pessoal de Helene Weissböck

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Considerações

Este primeiro levantamento tem nos demonstrado que as primeiras escolas de Entre

Rios se apropriaram de uma cultura escolar própria, quando falamos, por exemplo, das

práticas pedagógicas e educativas vivenciadas naquelas instituições escolares. Mesmo sendo

escolas brasileiras, tinham ainda muito forte, traços da cultura alemã.

O que se tem percebido é que muitas das fontes encontradas, documentais,

iconográficas e depoimentos tem nos mostrado efetivamente que as práticas no interior das

escolas se efetivaram como cultura escolar híbrida, congregando elementos do ensino

nacional e da cultura alemã, pois desde as metodologias adotadas pelos professores,

conteúdos ensinados e atividades extra escolares, como por exemplo, as comemorações da

Semana da Pátria, nos tem mostrado que a forma como foram incutidos esses valores, jamais

eles se perderão e permanecem vivos, até hoje, na memória dos sujeitos. O que fica, são as

incógnitas que nos provocam a cada fonte nova encontrada, à cada novo ex aluno e ex

professor entrevistado.

REFERÊNCIAS

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