as representaÇÕes imagÉticas das pessoas com deficiÊncia segundo...
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AS REPRESENTAÇÕES IMAGÉTICAS DAS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA SEGUNDO ALUNOS DO 6º ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL
ROSS, Paulo Ricardo1 – UFPR
SILVA, Paulo Vinicius Tosin da2 - UFPR/SEED - PR
Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão
Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O contexto inclusivista está cada vez mais presente na práxis educativa, principalmente após a publicação da Declaração de Salamanca em 1994 (UNESCO, 1994), um marco na trajetória educativa das pessoas com deficiência (PcD), conferindo a estas a conservação de seus status quo e dignidade enquanto pessoa humana. Este artigo objetiva identificar as representações imagéticas que os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental possuem acerca das pessoas com deficiência, haja vista que o paradigma inclusivo deve estar intrínseco ao lócus educativo do século XXI. Entretanto, apenas disponibilizar instrumentos, técnicas e profissionais qualificados não significam, necessariamente, a inclusão de alunos com deficiência, pois, um dos principais empecilhos da inclusão efetiva consiste na aceitação do outro pela sua condição de ser humano (UNESCO, 1994; Sassaki, 2009). A inclusão educacional fomenta a aceitação do outro, valoriza e incrementa as relações interpessoais pautando-se no princípio da diversidade humana, neste sentido, o presente estudo justifica sua relevância por apresentar as concepções de deficiência e aspectos inclusivos segundo os alunos do 6º ano, uma vez que poderá ser utilizado como ponto de partida para os docentes trabalharem em sala de aula a proclamação da diversidade. As análises efetuadas verificam o conceito de pessoa com deficiência a partir da perspectiva inclusiva, para tal desígnio os alunos realizaram ilustrações em papel acerca da imagem que tinham da pessoa com deficiência e as atitudes que teriam caso tivessem um colega de classe com deficiência identificada, as análises possuem aporte teórico em Arnheim (2011) e Dondis (2007). Cabe ressaltar que as duas classes analisadas não possuem alunos com deficiência identificada. Os resultados obtidos demonstram a predominância dos sentimentos assistencialistas na práxis atitudinal para com as PcD, assim, o outro é visto como alguém especial que inspira cuidados e pode desfrutar de uma vida com igualdade de direitos. Palavras-chave: Representação. Imagem. Pessoa com Deficiência. 1 Professor Associado do Departamento de Planejamento da Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Doutor em Educação Especial pela Universidade de São Paulo (USP) – e-mail: [email protected] 2 Graduando em Geografia na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor de Geografia na Rede Estadual de Educação. E-mail: [email protected]
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Introdução
No decorrer da história da humanidade a concepção e a respectiva nomenclatura
atribuída às pessoas com deficiência foram diversas e passaram por inúmeros ajustes a fim de
oferecer mais dignidade e proporcionar mecanismos de aceitação no seio social. Ainda que se
tenha avançado socialmente no que se refere à qualidade de vida e de aceitação da pessoa com
deficiência, os pré-conceitos resistem em pleno século XXI e são emblemáticos na luta pelos
direitos humanos das PcD, configurando impedimentos de ordem atitudinal.
Visto que a diferença humana está posta e a instituição escolar é responsável, em
grande parte, pela formação social do individuo, o ambiente de aprendizagem desempenha
papel fundamental na construção do ser e constitui espaço plural onde se manifesta o sócio-
interacionismo (Vygotsky, 2007) e, portanto, um espaço de diversidade. Neste contexto, a
sala de aula é propícia ao desenvolvimento dos sensos de alteridade.
Com isso, o objetivo deste constructo consiste na identificação das representações
imagéticas que os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental possuem acerca das pessoas com
deficiência. A escolha desse estágio de escolaridade (6º ano) se deu em virtude de um dos
autores deste artigo ser professor de Geografia para o referido nível de ensino no ano de 2012.
A perspectiva metodológica parte do pressuposto que os alunos que estudam em
classes regulares com ausência de alunos com deficiência identificada pouco conhecem as
potencialidades das pessoas com deficiência (PcD) e disso decorrem os sentimentos
paternalistas e atos misericordiosos praticados. A questão posta não subjuga o conceito
comum que se têm das PcD, mas, identifica as representações que tais alunos possuem sobre
as PcD, que resultam da quantidade e qualidade informacional que aqueles adquiriram no
decorrer da vida.
A coleta das informações necessárias para o desenvolvimento da pesquisa ocorreu na
forma de desenhos que deveriam responder à pergunta: Elabore um desenho relacionado à
pessoa com deficiência. Os alunos foram orientados a não colocarem o nome, tampouco a
turma, mas foi pedido que colocasse o sexo do participante, posto que as meninas tendessem a
internalizar melhor os sentimentos maternalistas e de assistência.
Esta pesquisa justifica sua importância por apresentar as diferentes concepções que os
alunos do 6º ano do Ensino Fundamental possuem acerca das pessoas com deficiência, ter um
conhecimento prévio destas concepções possibilita o professor planejar de distintas formas
como vai proceder para ensinar, dialogar e desenvolver, comitantemente, com o corpo
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discente os sensos da diversidade e inclusão de alunos. A pesquisa consiste em um ponto de
partida para o ensino da diversidade humana na escola, os direitos humanos e aceitação do
outro.
O presente artigo encontra-se organizado em três momentos, o primeiro contempla
brevemente os aspectos fundamentais da inclusão escolar com aporte teórico na legislação e
suas tessituras pertinentes aos direitos das pessoas com deficiência citados em Brasil (1994,
2007, 2009), a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) e Vygotsky (2007). No segundo
momento a discussão volta-se a expressão corporal e imagem no desenvolvimento das
relações interpessoais e formação de conceitos, e, por conseguinte os pré-conceitos, com
contribuições de Arnheim (2011) e Dondis (2007). Posteriormente, as análises atem-se aos
desenhos elaborados pelos alunos e efetua-se uma discussão em torno das representações e
dos padrões encontrados.
Participaram da pesquisa 45 alunos com idade entre 10 e 11 anos de ambos os sexos,
de duas turmas de 6º ano do Colégio Estadual Milton Carneiro - Curitiba/PR. Por razões
metodológicas e com visas a não prejudicar a integridade dos alunos e de seus responsáveis, a
identificação não será efetuada, somente será feita uma distinção entre sexos (menina ou
menino) quando a representação for reproduzida no presente artigo.
Do total das representações elaboradas existe a inviabilidade de analisar a totalidade
dos desenhos, sendo assim, por questões metodológicas de amostragem, apenas algumas
representações serão tomadas.
Desenvolvimento
Considerações sobre o paradigma inclusivista de alunos com deficiência
Acesso à educação é um direito assegurado em lei, funda-se no principio da isonomia
e igualdade de ensejos, parte do pressuposto humanista de equidade de direitos, pois, segundo
o artigo 205 da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) “a educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.
No âmbito brasileiro, a educação especial esteve por um longo período na enquadrada
na forma de um sistema de ensino exclusivamente voltado aos alunos com necessidades
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especiais (AEE), tal processo de construção histórica conduziu à formação da atmosfera
educacional que girou em torno desse sistema, o qual incluiu a criação de escolas
especializadas, professores qualificados para o ensino dos AEE, materiais didáticos
adaptados, classes especiais entre outras medidas a fim de prover o ensino. Os dispositivos
educacionais de integração social refletiam o momento vivido, o qual concebia as pessoas
com deficiência com carência de atenção e cuidados, além de instrumentos adaptados para o
processo de ensino-aprendizagem.
Cabe ressaltar ainda as diferentes nomenclaturas de inserção social que a pessoa com
deficiência teve ao longo da história, com destaque para o paradoxo integração versus
inclusão. O termo integração implica na imposição do modelo de ajustamento social, isto é, as
pessoas com deficiência deveriam aprender/reaprender a possuir vida autônoma e
independente tal como as demais pessoas, valendo-se de mecanismos e técnicas adaptadas as
necessidades de cada pessoa.
O modelo de integração social coaduna com o conceito de normalidade
antropométrica e sensorial, a sociedade impôs ao longo do tempo em suas normas a
necessidade estética de indivíduos capazes, sadios, fortes etc. Com isso, as PcD ainda que
estivessem inseridas no seio social, a rotulagem imagética e dialógica da deficiência seria
presente, conduzindo a organização dessas pessoas em torno dos direitos humanos com visas
a garantir o usufruto da condição fundamental dos seres humanos – o direito a vida.
Substancialmente a educação especial no Brasil constitui-se a partir da criação do
Imperial Instituto dos Meninos Cegos em 1854, atualmente denominado Instituto Benjamin
Constant, situado no Rio de Janeiro/RJ, posteriormente, em 1857, foi concebido o Instituto de
Surdos Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Quase 60 anos depois
foi fundado o Instituto Pestalozzi (1926), dedicando-se ao atendimento das pessoas com
deficiência intelectual, em 1945 surge a primeira Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais – APAE, contudo, o primeiro atendimento especializado surgiria em 1954,
restrito aos alunos com superdotação, movimento liderado pela professora Helena Antipoff na
Sociedade Pestalozzi. (Brasil, 2007)
O marco histórico da educação das pessoas com deficiência acontece na publicação da
Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) face às instituições escolares segregacionistas a
partir dos anos 1970, o documento fundou o discurso na proclamação do direito de acesso à
educação a todas as crianças que apresentam uma diversidade de características,
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desenvolturas, empenhos e singularidades de aprendizagem que dizem respeito somente a
elas. A instituição inclusiva deveria atentar-se para a eliminação das formas discriminatórias,
a despeito das barreiras atitudinais, corroborando a isso a escola constituir-se-ia ambiente
afável aos educandos.
Em 2009 o Decreto Nº 6949/2009 (Brasil, 2009) promulga a Convenção Internacional
sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência dispondo em seu Artigo 24 acerca da inclusão
educacional de pessoas com deficiência fundada na equiparação de ensejos com as demais
pessoas em todos os níveis de ensino, valorizando o fortalecimento do respeito pelos direitos
humanos, suas liberdades primordiais e a diversidade humana.
Pontes (2005, p. 47) menciona o despreparo dos professores como um empecilho para
trabalhar com as diversidades e garantir a inclusão efetiva, e atenta para a compreensão ampla
do sentido de ter uma escola realmente para todos os alunos, que respeite e considere o aluno
com deficiência pela sua dignidade enquanto ser humano.
Com isso, se faz necessário que o professor do século XXI esteja preparado para atuar
na diversidade, realizando o papel de mediador que objetive a transformação de um processo
intrapessoal para interpessoal que será calcado em um longo processo de desenvolvimento
(Vygotsky, 2007, p. 58)
Partindo da premissa que a aprendizagem instiga e empurra a maturação (Vygotsky,
2007), o ensino da diversidade contribui para o enriquecimento cultural e valorização das
práticas, para que estas tornem-se cada vez mais humanas, pode até parecer discurso
elaborado, entretanto a concretude do discurso será atingida no instante em que houver uma
engrenagem denominada iniciação ou prática for acionada. É preciso exercitar a cidadania
desde pequeno, a escola, por ser um ambiente de formação, de interação, de mediação é um
lugar propicio para o desenvolvimento de atitudes cidadãs, de aceitação, compreensão do
outro e, mais que isso, admitir o outro, não pela sua alteridade, mas pela sua identidade.
O outro, suas representações e seus conceitos
O advento da linguagem não verbal constitui um dos mais antigos recursos de
comunicação utilizados pela humanidade, funda-se na liberdade criativa e transmissora de
algo que pensado que muitas vezes é praticamente impossível de ser passado para a forma
escrita, isto é, a riqueza de detalhes materializada nos símbolos, signos e mensagens visuais
ratificam a estrutura complexa do pensamento criativo comunicado visualmente.
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Nesse sentido, Dondis (2007, p. 21) afirma que “a tendência a associar a estrutura
verbal e a visual é perfeitamente compreensível”, bem como a inteligência não é atuante
somente nas abstrações faladas, pois a singularidade do pensamento está conectada ao
entendimento visual. Logo, a representação visual comunica um pensamento latente que se
materializa na folha de papel e transpassa os limites da fala e da comunicação escrita.
Rudolf Arnheim (2011), em sua obra intitulada Arte e Percepção Visual, destaca a
Teoria Intelectualista para explicação dos desenhos infantis aportando sua fundamentação no
pressuposto que as crianças não ilustram aquilo que elas visualizam, ao invés, representam o
quem conhecem, reforçando assim a primazia simétrica nos desenhos, com cabeças
arredondadas e pernas retas, característica tendencial no que tange a normalidade
antropométrica e sensorial, a criança repete a busca de tal concepção na expressão artística.
É como se o papel não aceitasse a alteridade, o papel aceita somente aquilo que é
convencionado como esteticamente atrativo aos olhos, aliás, a relação dicotômica entre
normalidade e seu atinente antônimo resistem ao tempo, induzindo à utopia denominada
“normalidade” humana, conceito este que não será debatido no presente constructo
bibliográfico.
Nesta fase da adolescência, de 10 anos em diante, as construções mentais são produtos
daquilo que é visualizado somado às situações presenciadas, uma vez que na pré-adolescência
as crianças são capazes de conceber um mundo cada vez mais abstrato e real ao mesmo
tempo. Arnheim (2011, p. 156) destaca que “a vida mental das crianças é intimamente ligada
à sua experiência sensória. Para a mente jovem as coisas são como parecem, como soam,
como se movimentam, como cheiram”.
Deste modo, as representações efetuadas por uma mente jovem são frutos da
percepção humana, entendida na leitura de Tuan (1980) como “a resposta dos sentidos aos
estímulos externos, como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente
registrados, enquanto outros retrocedem para sombra ou são bloqueados”. A percepção é uma
qualidade singular na espécie humana, dela – a percepção - emanam as sensações de mundo e
de sociedade, através dos sinais de resposta emitidos pela percepção os seres humanos
elaboram suas proposições sociais e desenvolvem suas relações afetivas para com as pessoas,
as coisas, os ambientes ou espaços.
Reconhecer as diferenças no ambiente escolar não é tarefa fácil, sobretudo pelos
outros alunos que podem até aceitar a coexistência, carregada de atos piedosos, entretanto não
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vislumbram o colega com deficiência perante suas competências e habilidades, Santos (2010,
p. 116) pondera que “a consciência da diferença pode conduzir simplesmente à defesa
individualista do próprio interesse, sem alcançar a defesa de um sistema alternativo de ideias
e de vida”.
As representações imagéticas dos alunos do 6º ano
Visando sintetizar as informações, as representações foram agrupadas em três
categorias básicas são elas: 1) Tipo de deficiência (deficiência motora, visual, auditiva,
intelectual entre outros), objetivando encontrar um denominador comum, qualitativo e
quantitativo, acerca dos tipos de deficiência existentes e os modos de inserção social da
pessoa com deficiência. 2) Na categoria Interação/Ajuda buscar desvendar os desdobramentos
das manifestações inclusivas da pessoa com deficiência na sociedade, incluindo a aceitação da
PcD. 3) No que tange os instrumentos e técnicas destinadas às pessoas com deficiência, a
categoria Acessibilidade, tem por finalidade, perceber os conceitos dos alunos em detrimentos
do acesso aos ambientes e outros mecanismos/instrumentos a fim de promover a inclusão.
Contudo, as categorias estão fortemente relacionadas, assim, as análises das representações
serão mais amplas e reflexivas de modo a integrar as questões sociais que giram em torno dos
direitos das pessoas com deficiência.
De um total de 45 desenhos elaborados, 30 destes tinham uma ou mais pessoas
cadeirantes, 4 desenhos tinham uma ou mais pessoas fazendo uso de próteses ou muletas, e os
desenhos restantes identificaram a pessoa com deficiência por meio de palavras, signos ou
gestos, por exemplo uma pessoa com um tipo de deficiência com ausência de características
antropométricas visíveis, como é o caso de alguns tipos de deficiência intelectual. Já em
outros casos, a pessoa com deficiência foi representada pela ausência de algum membro do
corpo, isto é, a deficiência remete à ideia de falta, de prejuízo e de dificuldades no
desenvolvimento corporal cotidianamente.
A deficiência visual e a deficiência intelectual foram representadas, respectivamente,
por quatro e três alunos, e os quatro alunos restantes ilustraram em uma mesma folha vários
tipos de deficiência, e neste caso apareceram duas pessoas com deficiência auditiva.
Conforme o material analisado foi evidenciado uma associação da pessoa com
deficiência à necessidade de instrumentos de tecnologia assistiva, isto é, a PcD comunica sua
presença no ambiente mediante uma série instrumentos, a cadeira de rodas foi a mais
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ilustrada, o que caracteriza vislumbrar a pessoa através de sua condição física e mental. De
acordo com a Figura 1, é possível visualizar uma pessoa com deficiência fazendo uso de
cadeira de rodas, e logo, mas à direita da representação existe um obstáculo arquitetônico –
escada -, impedindo o acesso e cerceando o direito fundamental de ir e vir.
Figura 1: Pessoa com deficiência fazendo uso de cadeira de rodas Fonte: Aluna do 6º Ano do Colégio Milton Carneiro, 2012.
Dos quatro alunos que optaram esboçar pessoas com deficiência visual, três deles
colocaram a presença de cães-guia auxiliando a pessoa cega, e um aluno desenhou um campo
com duas árvores distantes uma da outra e entre essas árvores um menino cego olhando para o
chão, com as mãos para trás e isolado do ambiente. O isolamento das pessoas com
deficiência, assinalado no Art. 19 da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com
Deficiência (Brasil, 2009), constitui uma medida segregacionista e exclusiva, contrária às
práticos inclusivos e impeditivos na promoção de vida autônoma e independente, portanto,
entre os alunos existe um consenso que a exclusão da pessoa com deficiência é um fato
persistente e impede a inclusão social.
Na categoria Interação/Ajuda apenas alguns alunos fizeram uso da caixa de diálogo
nas ilustrações, a fala em situações como esta, de representação, consiste na validação da
presença das pessoas com deficiência, oferecendo-lhes a condição de voz, de subjetividades e,
sobretudo, de participação social, na qual a construção social do espaço é elaborada
coletivamente. No Quadro 1 estão algumas falas e a descrição da situação delineada pelos
alunos.
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Quadro 1: Situações representadas e seus respectivos diálogos Fonte: Elaborados por alunos (as) do 6º ano do Colégio Milton Carneiro, 2012. Org. pelo autor (2013).
Conforme a esquematização do Quadro 1, percebe-se nas situações 1 e 3 uma relação
entre pessoa com deficiência e necessidade de ajuda, expressa a intenção de dependência das
pessoas com deficiência, se por um lado existe a inobservância das potencialidades das PcD
no desenvolvimento das atividades cotidianas, por outro, enseja a interação social, o diálogo
e, principalmente, o interesse em ver o outro da forma como ele é.
As situações 2 e 4 assinalam o preconceito ainda existe em determinados setores da
sociedade, com base em na Teoria Intelectualista (Arnheim, 2011) é possível afirmar que a
representação é resultado de situações presenciadas, acrescidas de informação acerca do
preconceito existente para com as pessoas, não somente pessoas com deficiência, mas
qualquer pessoa em ocasião de ofensa à sua dignidade.
Nas análises notam-se algumas distinções nos padrões representativos, principalmente,
em relação ao sexo dos participantes. O aparecimento dos sentimentos assistencialistas
predominou na expressão das meninas, 11 delas assinalaram situações de interação/ajuda à
pessoa com deficiência. Conforme se pode visualizar na Figura 2, uma aluna optou por
representar uma situação que vivencia em sua casa, ela tem um irmão e sua locomoção
depende de uma cadeira de rodas.
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Figura 2: Um adolescente com deficiência segundo sua irmã Fonte: Aluna do 6º ano do Colégio Milton Carneiro, 2012.
Analisando a representação da Figura 2 nota-se que uma mulher de 35 anos – a mãe da
aluna - empurrando a cadeira de rodas do filho de 14 anos – o irmão da aluna-, a situação que
a discente quis representar retrata o cotidiano da família, pois apresenta um ambiente onde a
parte da vida acontece, o que neste caso remete a uma prática de lazer. O desenho elaborado
confirma os preceitos da Teoria Intelectualista citado por Arnheim (2011), isto é, mais que
imaginação, a aluna retratou um fato empírico.
Atentando-se ainda para a Figura 2, é possível visualizar que a ocasião assinalada
remete ao direito de lazer da pessoa com deficiência, entretanto, pode-se inferir que a
acessibilidade é restrita a alguns ambientes e consiste num impeditivo para o desfrute de uma
vida autônoma, independente e justa socialmente, pois a situação mostra um terreno que não é
plano em que se faz presente a necessidade de ajuda humana para locomoção.
Ainda na categoria Interação/Ajuda, a representação da Figura 3, na qual a aluna
retrata uma pessoa com deficiência fazendo uso de cadeira de rodas que está sendo empurrada
por outra pessoa, mais a frente percebe-se a presença de uma rampa e para pessoas com
dificuldades de locomoção. A situação, mais uma vez, remete a concepção de que a pessoa
com deficiência carece de assistência em diversos ambientes por onde transita.
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Figura 3: Pessoa com deficiência fazendo uso de cadeira de rodas Fonte: Aluna do 6º ano do Colégio Milton Carneiro, 2012.
Na categoria acessibilidade, esta é entendida segundo a NBR 9050 (ABNT, 2004)
como “possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com
segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos”,
a acessibilidade é indispensável para que as pessoas com deficiência tenham vida autônoma e
independente e constitui um dos maiores impeditivos pra tenhamos o real sentido e aplicação
da concepção de inclusão social.
Para Sassaki (2009, p. 10) a inclusão social é entendida como:
um paradigma de sociedade, é o processo pelo qual os sistemas sociais comuns são tornados adequados para toda a diversidade humana - composta por etnia, raça, língua, nacionalidade, gênero, orientação sexual, deficiência e outros atributos - com a participação das próprias pessoas na formulação e execução dessas adequações.
Mais que um anseio, a acessibilidade é um ideal das pessoas com deficiência, é
perseguida cotidianamente a fim de assegurar o principio da isonomia e da equidade de
direitos e ensejos, Sassaki (2009, p. 10), diferencia seis dimensões de acessibilidade, são elas:
arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal. Todas
as dimensões são importantes e convergentes, de modo que a inclusão está inserida em uma
macrodimensão social.
Para este artigo cabe destacar a dimensão atitudinal elucidada por Sassaki (2009, p.
11) como as atitudes que permeiam a vida da pessoa com deficiência, quando se fala em
barreiras atitudinais, consistem justamente na eliminação de toda e qualquer forma de
preconceito, estigmas e discriminação das pessoas com deficiência. Como o objetivo do
presente trabalho é identificar o conceito de pessoa com deficiência mediante representações
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imagéticas, a barreira atitudinal merece considerações pertinentes acerca da eliminação das
formas de preconceito e discriminação, pois nessa dimensão da acessibilidade a inclusão
social é consolidada. Os instrumentos, técnicas, saberes e as formas de tecnologia assistiva
são indispensáveis para a inclusão, entretanto, caso o preconceito e a discriminação for
imperativa a concepção ampla de inclusão não será concretizada.
No instante em que a acessibilidade se faz presente a diversidade humana é
contemplada em suas mais diferentes faces, pois, como nos alerta a autora Cambiaghi (2007,
p. 38) “é a diversidade que nos caracteriza como espécie”, assim, a tão difundida ideia de
normalidade é inaplicável à espécie humana, posto que a diversidade esteja posta e temos que
saber vislumbrar a mesma mediante suas potencialidades.
Em detrimento da categoria Acessibilidade, a maioria dos alunos associou a pessoa
com deficiência com o termo acessibilidade, parece que tal relação está bem assimilada para
os alunos do 6º ano de ambas as turmas analisadas. É comum as pessoas leigas no assunto
lembrarem somente de acessibilidade arquitetônica quando soa a palavra acessibilidade, ou
seja, vem à mente as rampas, os elevadores, corrimãos, calçadas acessíveis entre outros
elementos.
O aluno que representou a situação delineada na Figura 4 internalizou que a pessoa
com deficiência é igual a qualquer outra pessoa, e, portanto deve desfrutar da equidade de
direitos e oportunidades, visualizamos na Figura 4 um menino cadeirante praticando esporte,
que neste caso é o basquetebol. Sobre as características do ambiente onde se desenvolve a
situação retratada, consiste em um espaço que seja provavelmente uma quadra poliesportiva
ou um ambiente plano.
Entre os alunos a acessibilidade enquanto conceito não é bem claro, porém, enquanto
prática e instrumentos de tecnologia assistiva o termo fica mais esclarecido. É aceitável que
neste nível de ensino e de idade (10-11 anos) os alunos não saibam os tipos de acessibilidade
e as legislações pertinentes, entretanto, os discentes possuem algum tipo de conhecimento,
internalizado através da quantidade e qualidade informacional, remetente à concepção de que
a pessoa com deficiência é igual a qualquer outra pessoa, portanto detentora dos mesmos
direitos, dentre os quais o direito a uma vida autônoma e independente é consensual.
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Figura 4: Representação de um menino praticando esporte Fonte: Aluno do 6º ano do Colégio Milton Carneiro, 2012
Acesso ao esporte e lazer é um direito previsto no Artigo 30 da Convenção
Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência Lei Nº 6949/2009 (Brasil, 2009),
respaldando sua legitimidade no seguinte fragmento textual:
Para que as pessoas com deficiência participem, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de atividades recreativas, esportivas e de lazer, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para: a) Incentivar e promover a maior participação possível das pessoas com deficiência nas atividades esportivas comuns em todos os níveis; b) Assegurar que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de organizar, desenvolver e participar em atividades esportivas e recreativas específicas às deficiências e, para tanto, incentivar a provisão de instrução, treinamento e recursos adequados, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas; c) Assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso a locais de eventos esportivos, recreativos e turísticos; d) Assegurar que as crianças com deficiência possam, em igualdade de condições com as demais crianças, participar de jogos e atividades recreativas, esportivas e de lazer, inclusive no sistema escolar. (BRASIL, 2009)
Ademais, toda criança tem o direito de brincar e gozar plenamente dos direitos
humanos e liberdades primordiais, juntamente com outras crianças, segundo Sassaki (2009, p.
11) os instrumentos e técnicas de lazer adequadas encaixam-se na acessibilidade
metodológica que parte da premissa da ausência de barreiras nos métodos e técnicas de lazer,
educação e trabalho etc.
Para finalizar o presente trabalho a escolha da Figura 5 é emblemática e representa
fidedignamente o desejo das pessoas com deficiência e de outras pessoas envolvidas com esta
causa nobre que objetiva resguardar a verdadeira tônica e a razão de “ser humano”, o
reconhecimento de que “somos todos iguais”, apesar de constituir um discurso repetitivo, o
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senso de igualdade deve ultrapassar os limites da sentença verbal e passar a ser uma prática
rotineira, um exercício de cidadania internalizado e cada vez mais elucidado na luta pelos
direitos humanos e no engajamento social.
Figura 5: “Somos todos iguais” Fonte: Aluna do 6º ano do Colégio Milton Carneiro, 2012
Reconhecer a diversidade reside em conhecer o outro da maneira como ele é, para
isso, o viver coletivamente em estado de harmonia precisa superar o sentimento de
individualidade, pois “o outro só será visível para mim, no instante em que me coloco no
lugar dele e afasto de mim o Eu”. (MERLEAU-PONTY, 1971)
Considerações Finais
As análises dos resultados permitem inferir que a imagem das pessoas com deficiência
remete a uma condição de vida normal, são pessoas que trabalham, estudam no dia-a-dia,
praticam esporte, ou seja, desenvolvem suas atividades como qualquer outra pessoa. No
passado, a pessoa com deficiência ficava fechada nos ambientes, reclusa da sociedade e
restrita de participar ativamente da mesma. A situação das pessoas com deficiência ao longo
da história da humanidade teve mudanças significativas, visto que a maioria dos desenhos
representados mostrou o outro em ambientes abertos e interagindo com o meio social.
Assim, conclui-se que as demandas inclusivas estão elucidadas para os alunos, sejam
demandas de inclusão na quadra de esportes, na escola, na cidade, isto é, os alunos do 6º ano
do Colégio Milton Carneiro demonstraram, através de desenhos, que as pessoas com
deficiência possuem os mesmos direitos, o principal de deles é o direito a uma vida autônoma
e independente.
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Mediante a análise dos desenhos ficou evidenciado que os alunos sentem a
necessidade de auxiliar as pessoas com deficiência, então, o professor, de qualquer disciplina,
poderia trabalhar com os alunos as maneiras corretas de ajudar as pessoas com deficiência no
tange o linguajar, os gestos, as palavras etc. Ademais, os recursos midiáticos são
indispensáveis para o ensino da diversidade, assim, o professor pode utilizar-se de filmes,
fotos, vídeos e músicas que tratem do tema, objetivando mostrar que as pessoas com
deficiência podem ser independentes e devem ser tratadas não pela sua condição física, mas
pela dignidade de ser humano.
Ser professor é isso, é mediar a aprendizagem, construir com os alunos novos
horizontes que os permita vislumbrarem uma sociedade sem estereótipos e preconceitos.
REFERÊNCIAS
ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual: uma Psicologia da Visão Criadora. São Paulo: Cengage Learning, 2011
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: Acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências a edificações, espaço, mobiliário e equipamentos urbanos (NBR 9050:2004, válida a partir de 30/6/04). Rio de Janeiro: ABNT,2004.
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BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP: 1994.
BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP: 2007
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