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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO
A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
ILCINARA MARIA SGANZERLA
ITAJAÍ [SC], maio de 2009.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO
A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
ILCINARA MARIA SGANZERLA
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor MSc. Alexandre Macedo Tavares
ITAJAÍ [SC], maio de 2009.
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus pela constante proteção e inspiração; aos
meus pais pelo exemplo de vida, pelo tanto que me
ensinaram, me orientaram e por juntos termos vencido
tantos obstáculos. A minha irmã Ane pelo incentivo, ao meu
noivo Eduardo por tudo o que significa em minha vida, por
tanto amor, força e positividade depositadas em todos os
meus projetos, e com muito carinho ao professor MSc.
Alexandre Macedo Tavares pela dedicação e esmero na
orientação deste trabalho, por me ensinar que o aprendizado
não tem limites ou fronteiras e por ser o grande incentivador
dos estudos na área de direito tributário.
DEDICATÓRIA
Dedico aos meus pais Irineu e Irdes, que através de muito
trabalho me propiciaram esta oportunidade de estudar e
apesar da simplicidade sempre souberam valorizar cada
esforço e cada conquista. Simplesmente a vocês, a razão de
tudo.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí[SC], maio/2009.
Ilcinara Maria Sganzerla Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Ilcinara Maria Sganzerla, sob o
título A eficácia jurídica do princípio da capacidade contributiva no direito tributário
brasileiro foi submetida em 16 de junho de 2009 à banca examinadora composta
pelos seguintes professores: Alexandre Macedo Tavares (Orientador) e João
Thiago Fillus (Examinador) e aprovada com a nota Dez.
Itajaí[SC], maio/2009.
Professor Mestre Alexandre Macedo Tavares Orientador e Presidente da Banca
[Professor Título Nome] Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CRFB/88
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CTN
Código Tributário Nacional
ART.
Artigo
EC
Emenda constitucional
II
Imposto sobre importação de produtos estrangeiros
IE
Imposto sobre exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados
IPI
Imposto sobre produtos industrializados
IOF
Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a título ou valores mobiliários
CIDE
Contribuição de intervenção no domínio econômico
IPVA
Imposto sobre propriedade de veículos automotores
IPTU
Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana
ICMS
Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação
ROL DE CATEGORIAS
Competência tributária
“É a aptidão privativa das Pessoas Políticas de editarem leis, in abstracto, que
criem tributos ou majorem os já existentes”.1
Eficácia
“Eficácia é a capacidade de atingir objetivos previamente fixados como metas.
Tratando-se de normas jurídicas, a eficácia consiste na capacidade de atingir os
objetivos nela traduzidos, que vêm a ser, em última análise, realizar os ditames
jurídicos objetivados pelo legislador”. 2
Imunidade
“Classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto
da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência
das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras
instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente
caracterizadas”.3
Limitações ao Poder de Tributar
“As limitações ao poder de tributar representam uma proteção constitucional ao
contribuinte contra um excessivo poder impositivo pelo Estado. Daí serem
consideradas garantias mínimas a serem observadas pelo legislador ao instituir
ou majorar tributos, definir suas hipóteses de incidência, fixar suas alíquotas e
bases de cálculos, determinar os sujeitos passivos da obrigação tributária, etc”.4
1TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário . 2 ed. Florianópolis: Momento Atual, 2005, p. 42. 2SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais . 3 ed. São Paulo: Malheiros: 1998, p. 66. 3CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário . 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 178. 4 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário . 19 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 222.
viii
vii
Mínimo Vital
“Recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas das
pessoas (mínimo vital), garantidas pela Constituição, especialmente em seus
artigos 6º e 7º (alimentação, vestuário, lazer, cultura, saúde, educação,
transporte, etc), que não podem ser alcançados pelos impostos. Tais recursos
devem ser salvaguardados pela cuidadosa criação de situações de não-incidência
ou mediante oportunas deduções, legislativamente autorizadas”. 5
Princípio “É o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por
definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a
tônica e lhe dá sentido harmônico”. 6
Princípio da capacidade contributiva “O princípio da capacidade contributiva significa: todos devem pagar impostos
segundo o montante da renda disponível para o pagamento de impostos. Quanto
mais alta a renda disponível, tanto mais alto deve ser o imposto. Para
contribuintes com rendas disponíveis igualmente altas o imposto deve ser
igualmente alto. Para contribuintes com rendas disponíveis desigualmente altas o
imposto deve ser desigualmente alto”. 7
Princípio da isonomia “É a proibição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação
5 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário . 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 99. 6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 841-842. 7 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva . São Paulo: Malheiros, 2002, p. 31.
ix
profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação
jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. 8
Princípio do não-confisco “Limita o direito que as pessoas políticas têm de expropriar bens privados. Assim,
os impostos devem ser graduados de modo a não incidir sobre as fontes
produtoras de riqueza dos contribuintes e, portanto, a não atacar a consistência
originária das suas fontes de ganho”.9
8 Art. 150, inciso II. Constituição da República Federativa do Brasil de 1 988. 9 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 98.
SUMÁRIO
RESUMO.......................................................................................... XII INTRODUÇÃO ................................................................................. 13 CAPÍTULO 1 ......................................... ........................................... 16 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO ....................... ..................... 16 1.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO ...................................................................16 1.2 CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO .................. ......................................19 1.2.1 QUANTO AO CONTEÚDO:MATERIAIS (SUBSTANCIAIS ) OU FORMAIS ......................19 1.2.2 QUANTO A FORMA : ESCRITA OU NÃO-ESCRITA ..................................................23 1.2.3 QUANTO AO MODO DE ELABORAÇÃO : DOGMÁTICAS E HISTÓRICAS ......................24 1.2.4 QUANTO À ORIGEM : PROMULGADAS (DEMOCRÁTICAS , POPULARES ) E OUTORGADAS..............................................................................................................................25 1.2.5 QUANTO À ESTABILIDADE : FLEXÍVEIS, SEMI-RÍGIDAS, RÍGIDAS E IMUTÁVEIS .........26 1.2.6 QUANTO À SUA EXTENSÃO E FINALIDADE : ANALÍTICAS (DIRIGENTES) E SINTÉTICAS (NEGATIVAS , GARANTIAS ).........................................................................................28 1.3 OBJETO E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES............ ..............................29 1.4 ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO ...................... .........................................30 1.5 A CONSTITUIÇÃO COMO ORDEM NORMATIVA VEICULADORA DE REGRAS E PRINCÍPIOS......................................................................................33 1.5.1 NOÇÃO DE PRINCÍPIO ......................................................................................33 1.5.2 FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS .................................................................................35 1.5.3 COLISÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS .......................................................................39 1.5.4 DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS ..........................................................41 1.6 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO ................... .......................................43 1.6.1 A SUPREMACIA COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL ............................................44 1.6.2 A SUPREMACIA FORMAL E MATERIAL ................................................................46 1.6.3 A SUPREMACIA DA CRFB/88 ..........................................................................46 CAPÍTULO 2 ......................................... ........................................... 49 LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR.... ..49 2.1 A CRFB/88 COMO CARTA DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIA S ...............49 2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: CONCEITO, EXERCÍCIO, TI TULARIDADE50 2.3 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA...... ........................52 2.4 BITRIBUTAÇÃO X BIS IN IDEM ...................................................................56 2.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR ............... .....................................57 2.5.1 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS ...............................................................................58 2.5.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS .....................................................64 2.5.2.1 Princípio da estrita legalidade ............ .............................................................. 65 2.5.2.2 Princípio da anterioridade ................. ............................................................... 69 2.5.2.3 Princípio da irretroatividade .............. ............................................................... 72 2.5.2.4 Princípio da isonomia ...................... ................................................................. 76 2.5.2.5 Princípio do não-confisco.................. ............................................................... 78
x
2.5.2.6 Princípio da liberdade de tráfego de pessoa s ou bens .................................. 79 2.5.2.7 Princípio da uniformidade geográfica....... ....................................................... 80 2.5.2.8 Princípio da não-cumulatividade e seletivid ade.............................................. 81 2.5.2.9 Princípio da proporcionalidade e progressiv idade......................................... 82 2.5.2.10 Princípio da não-discriminação em razão da procedência ou destino de bens ............................................... ................................................................................ 83 2.5.2.11 Princípio da capacidade contributiva ...... ...................................................... 84 CAPÍTULO 3 ......................................... ........................................... 85 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ............. ............ 85 3.1 ORIGEM DA NOÇÃO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ..... .....................85 3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO NO DIREITO BRAS ILEIRO.........85 3.3 CONCEITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ............ ..............................91 3.4CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ABSOLUTA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA RELATIVA .............................. ..................................................92 3.5FUNDAMENTO ECONÔMICO DO CONCEITO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA....................................... ............................................................94 3.6 DISCRIMINAÇÃO TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE CONTRIBUT IVA............95 3.7 NATUREZA DA NORMA ACOLHEDORA DO PRINCÍPIO...... ......................97 3.7.1 EFICÁCIA E APLICABILDIADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS .............................97 3.7.2 EFICÁCIA E APLICABILIDADE DA NORMA HOSPEDEIRA DO PRINC ÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .......................................................................................................101 3.8 EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIV A.................103 3.8.1 APLICABILIDADE AOS TRIBUTOS NÃO -VINCULADOS A UMA PRESTAÇÃO ESTATAL 104 3.8.2 O ALCANCE DA EXPRESSÃO "SEMPRE QUE POSSÍVEL".....................................107 3.8.3 PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO VITAL OU EXISTENCIAL ...........................................111 3.8.4 IDENTIFICAÇÃO DO CARÁTER EXTRAFISCAL DE CERTOS TRIBUTOS ....................113 3.8.5 ELEMENTO ORIENTADOR DA FIXAÇÃO DA ALÍQUOTA E BASE DE CÁLCULO E INDICADOR DA NATUREZA CONFISCATÓRIA DO IMPOSTO ............................................116 3.8.6 APURAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA E DA IMPOSIÇÃO FISCAL DO CASO CONCRETO ....................................................................97 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ............................. 122 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...................... .................. 125
xi
RESUMO
Atrelado ao contexto das garantias ditadas pela ordem
constitucional, cresce a relevância do princípio da capacidade contributiva,
capitulado no art. 145, §1º da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, cuja finalidade é graduar o valor do tributo consoante a capacidade
econômica do contribuinte, respeitando o caráter pessoal. Mediante a utilização
do método indutivo, objetivou-se analisar a origem, o fundamento legal, a eficácia
e a aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva no direito tributário
brasileiro. Como resultados da pesquisa, obtiveram-se os seguintes
entendimentos: a) a Constituição é o instrumento jurídico responsável pela
organização e estruturação do poder político, que por sua vez representa a
vontade do povo, assegurando a proteção e a garantia de seus direitos
fundamentais, através de um emaranhado de normas que podem se apresentar
na forma de regras ou de princípios; b) os princípios jurídicos são mandamentos
generalizados, que fundamentam o sistema jurídico e que norteiam a aplicação
das normas jurídicas que com eles se relacionem, de modo a determinar suas
diretrizes fundamentais; c) o surgimento da noção de capacidade contributiva
remonta ao próprio surgimento da noção de tributo, ou seja, o anseio por justiça
fiscal é um ideal milenar; d) a capacidade econômica é entendida como a
potencialidade econômica do contribuinte, representada pelos fatos signos
presuntivos de riqueza capazes de arcar com o ônus fiscal sem comprometer o
mínimo existencial do sujeito passivo, a fim de não se tornar um tributo com efeito
confiscatório; e) o principal efeito do princípio da capacidade contributiva é limitar
o poder estatal de tributar e assegurar a proteção aos direitos subjetivos do
contribuinte.
INTRODUÇÃO
O núcleo da presente pesquisa é a identificação dos
aspectos fundamentais acerca do princípio da capacidade contributiva no direito
tributário brasileiro, assim como sua aplicabilidade e eficácia à luz da Constituição
e da doutrina.
O estudo desta temática é de significativa relevância na
atual ordem tributária, a ponto de merecer uma pesquisa aprofundada, não
apenas pela importância prática do tema, mas pela ausência de consenso
doutrinário, no que concerne ao alcance e eficácia do princípio.
Esta pesquisa tem como objetivos: institucional, elaborar
monografia para a obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do
Vale do Itajaí - Univali; geral, investigar as peculiaridades do princípio da
capacidade contributiva, capitulado no art. 145, §1º, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988; específicos, 1) identificar a origem, a evolução, o
conceito e o fundamento do princípio da capacidade contributiva; 2) analisar a
natureza da norma que acolhe o princípio da capacidade contributiva, no que
tange aos aspectos da eficácia e da aplicabilidade; 3) investigar o alcance da
expressão “sempre que possível”, expresso no dispositivo referente ao princípio
da capacidade contributiva, bem como a existência da proteção do mínimo vital.
Para a investigação do objeto e alcance dos objetivos
propostos, adotou-se o método indutivo10, operacionalizado com as técnicas11 do
referente12, da categoria13, dos conceitos operacionais14 e da pesquisa
10O método indutivo consiste em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador de direito. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2001, p. 87. 11“Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica, 2001, p. 88. 12Referente “é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o seu alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica, 2001, p. 63. 13 Categoria “é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica, 2001, p. 37.
14
bibliográfica em conjunto com as técnicas propostas por Colzani15, dividindo-se o
presente trabalho em três capítulos.
A pesquisa foi desenvolvida tendo como base os seguintes
problemas:
1º O princípio da capacidade contributiva é um mandamento
constitucional implícito ou explícito?
2º Qual a natureza da norma que acolhe o princípio da
capacidade contributiva?
3º Qual é a função do princípio da capacidade contributiva
no direito tributário brasileiro?
Diretamente relacionadas a cada problema formulado, foram
levantadas as seguintes hipóteses:
a) A Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 abriga expressamente o princípio da capacidade
contributiva, no seu art. 145, §1º.
b) A norma que acolhe o princípio da capacidade
contributiva é de natureza programática, possuindo
eficácia plena e aplicabilidade imediata.
c) A função do princípio da capacidade contributiva é limitar
o Estado em seu poder de tributar, assegurando a
proteção aos direitos individuais dos contribuintes.
Para uma melhor abordagem das questões que norteiam o
princípio da capacidade contributiva, o trabalho foi dividido em três capítulos.
No primeiro capítulo, tratar-se-á da supremacia da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, enfatizando seus critérios
14 Conceito operacional “é a definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para o efeito das idéias que expomos. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica , 2001, p. 51. 15 COLZANI, Valdir Francisco. Guia para redação de trabalho científico. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2002.
15
de classificação, seu objeto, seu conteúdo, seus elementos e no seu desempenho
como ordem normativa veiculadora de regras e princípios.
No segundo capítulo, abordar-se-á as limitações
constitucionais ao poder de tributar, discorrendo acerca do conceito, das
características, titularidade, exercício da competência tributária, as imunidades, as
diferenças entre bitributação e bis in idem, bem como a definição dos elementares
princípios tributários encontrados na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988.
No terceiro e último capítulo, identificar-se-á os elementos
estruturantes do princípio da capacidade contributiva no direito tributário brasileiro
com ênfase na questão de sua origem, evolução, fundamento, natureza da norma
que o acolhe, bem como sua eficácia e aplicabilidade.
O presente relatório da pesquisa se encerra com a
apresentação das considerações finais, nas quais serão identificados aspectos
conclusivos, estabelecendo-se breve síntese de cada capítulo, bem como sobre
as hipóteses básicas formuladas para a pesquisa, identificando se as mesmas
restaram confirmadas ou não.
16
CAPÍTULO 1
A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
1.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO
Etimologicamente a palavra Constituição tem origem no
latim e deriva de constituere, que significa em termos atécnicos o efeito do ato de
constituir, de organizar, de estabelecer qualquer coisa do universo do ser. No
entanto, com o passar do tempo e em decorrência de debates de juristas da Idade
Média esse termo foi ganhando um sentido jurídico-político abrangente,
assumindo o significado de ser uma disposição legal, do chamado universo do
dever-ser, do qual pertence o Direito.
Bastos sustenta a dificuldade de se definir tecnicamente o
termo Constituição:
Tentar oferecer um conceito de Constituição não é das tarefas mais fáceis de serem cumpridas, em razão de este termo ser equívoco, é dizer, prestar-se a mais de um sentido. Isto significa dizer que há diversos ângulos pelos quais a Constituição pode ser encarada conforme seja a postura em que se coloque o sujeito, o objeto ganha outra dimensão.16
Sendo assim, é possível que o termo Constituição seja
utilizado em diversas abordagens, dependendo do enfoque desejado. No mais, é
comum assumir três sentidos: sociológico, político e jurídico.
O sentido sociológico foi apresentado por Ferdinand
Lassale, que em sua obra O que é uma Constituição? evidencia que a essência
da Constituição deve ser os fatores reais de poder que regem determinada
sociedade, abarcando aspectos de cunho político, econômico, social e religioso
16BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p.57.
17
que sejam eficazes o bastante para nortear todas as leis e as instituições
jurídicas.
Carrillo citado por Bastos critica o sentido sociológico dado à
Constituição:
As idéias de constituição como fatores reais de poder, como conjunto de decisões políticas fundamentais e outras semelhantes não são aptas para os propósitos científicos, porque se fundam em elementos não normativos ou apresentam erros lógicos.17
Já a acepção política da Constituição foi desenvolvida por
Carl Schmitt que, segundo Bonavides, define Constituição como “a decisão global
e fundamental acerca da espécie e da forma de unidade política”. 18
Assim, por possuir um valor político absoluto a Constituição
não pode ter sua essência apresentada através de leis ou normas. Neste
diapasão, é que Schmitt distingue Constituição da Lei Constitucional, sustentando
que os temas fundamentais de organização política de determinado Estado
devem estar contemplados na Constituição, ao passo que os demais assuntos
que não possuem matéria de decisão política fundamental devem ser
disciplinados pelas Leis Constitucionais.
Dessa maneira, em sentido político, Constituição é
entendida como a decisão política concernente à forma, ao modo de organização
da unidade política de determinado território, abarcando a divisão de poder. Nesta
perspectiva, existe uma diferenciação entre Constituição e leis constitucionais.
Já a corrente que defende o sentido jurídico da Constituição
foi liderada por Hans Kelsen que a entende como norma pura, que traz implícito
um dever - ser destituído de embasamento sociológico, político ou filosófico.
Para elucidar esse conceito utiliza-se a lição de Silva:
A concepção de Kelsen toma a palavra constituição em dois sentidos: no lógico jurídico e no jurídico-positivo; de acordo com o primeiro, constituição significa norma fundamental hipotética, cuja
17BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 60-61. 18BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 104.
18
função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da constituição jurídico-positivo que equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau19.
Segundo o entendimento de Ferreira o ideal seria formular
um conceito uníssono de Constituição que permitisse estabelecer a conexão entre
suas normas e a realidade em que está inserida, ou seja, o autor propõe o ideal
de uma Constituição total “mediante a qual se processa a integração dialética dos
vários conteúdos da vida coletiva na unidade de uma ordenação fundamental e
suprema”.20
Noutro giro, em relação ao sentido jurídico, Silva afirma:
O sentido jurídico de constituição não se obterá, se a apreciarmos desgarrada da totalidade da vida social, sem conexão com o conjunto da comunidade. Pois bem, certos modos de agir em sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamento do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a constituição.21
Sob essa óptica, Ceneviva define a Constituição como:
O ponto inicial de que defluem todas as demais partes do ordenamento supremo do Estado, fixando princípios. Integra o fenômeno estatal historicamente determinado no direito, pois corporifica o modo e a forma de exercício da autoridade e seus limites.22
Considerando o sentido jurídico material, Bastos conceitua a
Constituição como sendo:
Conjunto de regras e princípios de maior força hierárquica dentro do ordenamento jurídico e que tem por fim organizar e estruturar o
19SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo . 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 39. 20FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios gerais do direito constitucional moderno . 17 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 24. 21SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2007, p. 39. 22CENEVIVA, Walter. Curso de direito constitucional brasileiro . 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 14.
19
poder político, além de definir os seus limites inclusive pela concessão de direitos fundamentais ao cidadão.23
Assim, sob a apreciação da perspectiva jurídica a
Constituição pode ser conceituada como a lei fundamental do Estado, que abarca
sob a forma de princípios e regras gerais a síntese do interesse comum da
sociedade no que tange ao modo e a forma de governo, o exercício da autoridade
e seus limites, os direitos e garantias fundamentais do cidadão, organizando
dessa maneira os elementos que constituem o Estado.
1.2 CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
Várias são as formas de classificar uma Constituição,
dependendo do aspecto que se quer destacar. A doutrina não é uníssona ao
tratar deste assunto. No entanto, a forma mais usual de classificação doutrinária
utiliza os seguintes critérios: quanto ao conteúdo, forma, modo de elaboração,
origem, estabilidade, extensão e finalidade.
1.2.1 Quanto ao conteúdo: materiais (substanciais) ou formais
Utilizando como referente a variável conteúdo, a
Constituição pode ser classificada em material ou formal. Nesse sentido, Kelsen
já postulava:
Da Constituição em sentido material deve distinguir-se a Constituição em sentido formal, isto é, a legislação, e também normas que se referem a outros assuntos politicamente importantes, e, além disso, preceitos por força dos quais normas contidas nesse documento, a lei constitucional, não podem ser revogadas ou alteradas pela mesma forma que as leis simples, mas somente através do processo especial submetido a requisitos mais severos. Estas determinações representam a forma da Constituição que, como forma, pode assumir qualquer conteúdo que, em primeira linha, serve para a estabilização das normas que aqui são designadas como Constituição material e que são o
23 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 72.
20
fundamento do direito positivo de qualquer ordem jurídica do estado.24
Em conformidade com o entendimento de Bonavides, a
Constituição sob o critério material deve abarcar todo o conteúdo essencial
concernente à composição e a organização da ordem política.
Destarte, o autor leciona que:
Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais.25
Coadunando-se a este entendimento Silva sustenta:
A constituição material é concebida em sentido amplo e em sentido estrito. No primeiro, identifica-se com a organização total do Estado, com regime político. No segundo, designa as normas constitucionais escritas ou costumeiras, inseridas ou não num documento escrito, que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais. Neste caso, constituição só se refere à matéria essencialmente constitucional; as demais, mesmo que integrem uma constituição escrita, não seriam constitucionais.26
Canotilho dá a exata noção da amplitude da Constituição
sob o aspecto material, predizendo:
O critério substancial ou material considera primordial o conteúdo da norma, independentemente de ela ser “produzida” ou não por uma “fonte constitucional”. Ao apontar para a dimensão material, o critério em análise coloca-nos perante um dos temas mais polêmicos do direito constitucional: “qual o conteúdo ou matéria da constituição?” Certo nos parece que o conteúdo da constituição varia de época para época e de país para país... Também é correcto dizer que não há “reserva de constituição” no sentido de que certas matérias têm necessariamente de ser incorporadas na
24 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito . 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 310-311. 25 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 80. 26 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 41.
21
constituição pelo poder constituinte. Para, além disso, pode afirmar-se que, historicamente (na experiência constitucional) foram consideradas matérias constitucionais, par excellence, a organização do poder político (informada pelo princípio da divisão de poderes) e o catálogo dos direitos, liberdades e garantias. Posteriormente, e ainda em termos de experiências constitucionais, verificou-se o “enriquecimento” da matéria constitucional através da inserção de novos conteúdos, até então considerados de valor jurídico-constitucional irrelevante, de valor administrativo ou de natureza “subconstitucional” (direitos econômicos, sociais e culturais, direitos de participação e dos trabalhadores, constituição econômica, etc.27
Com o fulcro de consolidar esse entendimento, é possível
compreender a Constituição sob o aspecto material, também chamado de
substancial, como sendo um conjunto de disposições acerca de temáticas eleitas
pelo legislador constituinte como relevantes sobre a organização do poder,
abarcando a forma de estruturação do Estado, os direitos e deveres individuais,
os direitos que regem as relações econômicas, enfim, a base de valores em que
se assenta o meio social. Geralmente, a Constituição material encontra-se
disposta na Constituição formal.
A outra perspectiva analisa a Constituição considerando o
aspecto formal, que abrange todas as normas jurídicas que têm como origem o
poder constituinte, gozando com isso de prerrogativa de supremacia sobre as
demais normas.
Sob esta óptica, Moraes preleciona que “Constituição formal
é aquela substanciada de forma escrita, por meio de um documento solene
estabelecido pelo poder constituinte originário”.28
No que tange ao conceito formal, Kelsen sustenta que ele
surge “quando se faz a distinção entre as leis ordinárias e aquelas outras que
exigem certos requisitos especiais para sua criação e reforma”. 29
Neste mesmo diapasão, Silva preleciona:
27 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional . Coimbra: Almedina, 1993, p. 65. 28 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional . 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 37. 29 KELSEN, Hans. Teoria geral do estado , 2003, p. 330.
22
A constituição formal é o peculiar modo de existir do Estado, reduzido, sob forma escrita, a um documento solenemente estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável por processos e formalidades especiais nela própria estabelecidos.30
Seguindo o mesmo entendimento, Bonavides adverte:
Constituições não raro inserem matéria de aparência constitucional. Assim se designa exclusivamente por haver sido introduzida na Constituição, enxertada no seu corpo normativo e não porque se refira aos elementos básicos ou institucionais da organização política. Entra essa matéria, pois a gozar da garantia e do valor superior que lhe confere o texto constitucional. De certo tal não aconteceria se ela houvesse sido deferida à legislação ordinária. 31
No entanto, esta diferenciação entre Constituição em sentido
material (substancial) e Constituição formal aparece tão somente nas
Constituições escritas. Bascuñan citado por Bonavides atenta para esta
peculiaridade:
Essa diversidade de órbitas entre o que é constitucional só na esfera formal e aquilo que o é em sentido substancial, logicamente só se produz nas Constituições escritas, desde que, nas consuetudinárias, unicamente a interpretação racional determina quais as regras do sistema jurídico que têm caráter constitucional.32
Em conformidade com esses ensinamentos, é possível
vislumbrar que o que caracteriza a Constituição pelo seu aspecto formal é
justamente a dificuldade em se alterar ou inovar as normas consideradas
materialmente constitucionais, pois estas somente serão modificadas ou
suprimidas por um processo legislativo considerado mais solene, que engloba a
exigência da maioria qualificada (três quintos dos votos dos respectivos membros
do Congresso Nacional) e a votação repetida em legislações sucessivas (dois
turnos em cada Casa do Congresso Nacional), conforme dispõe o art. 60, § 2º, da
30 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 41. 31 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 83. 32 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 82-83.
23
CRFB/88, diferentemente do que ocorre na feitura de lei ordinária que demanda
apenas a aprovação da maioria simples.
1.2.2 Quanto à forma: escrita ou não-escrita
No que se refere à forma com que se apresentam as
Constituições, estas podem ser escritas ou não-escritas (também denominadas
de costumeiras).
As Constituições escritas são aquelas que apresentam suas
disposições na forma de um texto escrito e sistematizado em um documento,
fornecendo a seus jurisdicionados estabilidade e segurança jurídica.
De se observar o conceito de Silva:
Considera-se escrita a constituição, quando codificada e sistematizada num texto único, elaborada reflexivamente e de um jato por um órgão constituinte, encerrando todas as normas tidas como fundamentais sobre a estrutura do Estado, as organizações dos poderes constituídos, seu modo de exercício e limites de atuação, os direitos fundamentais (políticos, individuais, coletivos, econômicos e sociais).33
Seguindo este mesmo entendimento, Moraes ressalta que
“Constituição escrita é o conjunto de regras codificada e sistematizada em um
único documento, para fixar-se a organização fundamental”.34
Por outro lado, Silva aponta para a existência das
constituições não-escritas, “cujas normas não constam de um documento único e
solene, mas se baseia principalmente nos costumes, na jurisprudência, em
convenções e em textos constitucionais esparsos, como é a Constituição
Inglesa”.35
Bastos aponta como se dá o nascimento destas
Constituições:
As Constituições costumeiras, que vêm a ser aquelas que resultam da prática reiterada pelo povo de um costume
33 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 41. 34 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 4. 35 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 41.
24
constitucional, com a consciência de ser juridicamente obrigatório, não se compatibilizam com a rigidez constitucional. As normas costumeiras têm nascimento informal, produzidas que são por toda a coletividade e não por um órgão especialmente designado para tal36.
Dada estas características, as Constituições não-escritas
são também denominadas de costumeiras, uma vez que seus dispositivos não se
encontram elencados em um único documento formal e solene, mas sim
pulverizados, encontrando respaldo e legitimidade no meio social e político em
que estão inseridos.
1.2.3 Quanto ao modo de elaboração: dogmáticas e hi stóricas
No que tange ao modo de elaboração, as Constituições
diferenciam-se em dogmática e histórica.
Pela primeira categoria deve-se compreender aquelas
Constituições resultantes do trabalho de uma Assembléia Constituinte que
considera os dogmas proeminentes na teoria política ou na ideologia jurídica do
momento, para elaborarem o texto constitucional.
Considerando a forma de elaboração das Constituições
dogmáticas, Tavares assinala:
Em geral, são tecidas a partir de institutos e instituições já consagrados na teoria, na doutrina, em dogmas políticos (o que lhes rende a nomenclatura assinalada). Sua elaboração, portanto, ocorre de um só fôlego, como resultado intencionalmente cogitado. Por esse motivo, tais Constituições são forçosamente escritas.37
Sobre a Constituição dogmática Moraes apregoa que ela “se
apresenta como produto escrito e sistematizado por um órgão constituinte, a partir
de princípios e idéias fundamentais da teoria política e do direito dominante”.38
36 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 70. 37 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional . 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 72. 38 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 4.
25
Enquanto isso, a Constituição histórica é fruto da
consolidação jurídica de uma sociedade, através de suas tradições.
Assim, à luz do entendimento de Silva, a Constituição
histórica pode ser definida como “a resultante da lenta formação histórica, do
lento evoluir das tradições, dos fatos sócio-políticos, que se cristalizam como
normas fundamentais da organização de determinado Estado”. 39
A guisa de conclusão deste tópico, cumpre perquirir que se a
Constituição é resultado do trabalho de uma Assembléia Constituinte seja ela
originária ou derivada, sempre será considerada dogmática, pois de forma escrita
representa o compêndio de todos os dogmas proeminentes naquela sociedade,
ao passo que se a Constituição resultar da evolução histórica de um povo, que
organiza suas normas estruturantes através da sistematização de suas tradições,
ela será classificada como histórica.
1.2.4 Quanto à origem: promulgadas (democráticas, p opulares) e
outorgadas
No que tange à origem da Constituição, a doutrina classifica-
as em promulgadas e em outorgadas.
As Constituições promulgadas decorrem do trabalho do
Poder Constituinte de um determinado país, que de regra deve coadunar os
interesses do povo em geral na elaboração da carta constitucional. Por essas
razões, são também conhecidas como Constituições populares ou democráticas.
Seguindo esta orientação, Tavares afirma:
As Constituições promulgadas são fruto de uma Assembléia Constituinte eleita para tanto. Sua origem encontra-se em uma Assembléia Geral Constitucional, eleita pelo povo para fazer-se representar na feitura de seu futuro Documento Fundamental.40
Por outro lado, as Constituições outorgadas são aquelas
impostas por quem está no poder, seja governante, imperador, rei ou ditador, sem
que o povo participe e legitime as disposições constantes no Texto Constitucional.
39 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 41. 40 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 68.
26
Por esse motivo, Tavares anota que “as Constituições outorgadas costumam ser
chamadas de Cartas”.41
Já Moraes adverte que as Constituições outorgadas “são
aquelas elaboradas e estabelecidas sem a participação popular, através da
imposição do poder da época (exemplo: Constituições brasileiras de 1824, 1937,
1967 e EC nº. 01/1969)”.42
Além destas duas classificações quanto à origem, Silva
atenta para a existência da Constituição cesarista, segundo o qual “é formada por
um plebiscito popular sobre um projeto elaborado por um Imperador ou Ditador. A
participação popular nestes casos, não é democrática, pois visa apenas ratificar a
vontade do detentor do poder”.43
Capez complementa esta conceituação afirmando que as
Constituições cesaristas “são formadas pelo referendo popular, sobre um projeto
previamente elaborado pelo governante”.44
Por arremate, como última categoria Bonavides invoca a
existência das Constituições pactuadas, que são aquelas “originadas de um
compromisso instável de duas forças rivais políticas”.45
1.2.5 Quanto à estabilidade: flexíveis, semi-rígida s, rígidas e imutáveis
No que concerne ao grau de alterabilidade, a Constituição
pode ser classificada em flexível, semi-rígida, rígida e imutável.
A Constituição flexível é aquela que preconiza um processo
de alteração de seu conteúdo semelhante a de uma lei ordinária, ou seja, sem
demandar maiores formalidades.
Nas palavras de Silva “a Constituição é flexível quando pode
ser livremente modificada pelo legislador segundo o mesmo processo de
elaboração de leis ordinárias”.46
41 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 68. 42 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 5. 43 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 44. 44 CAPEZ, Fernando. Direito constitucional . 15 ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005, p. 24. 45 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 72. 46 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 42.
27
No entendimento de Tavares “as constituições flexíveis são
as primeiras formas de estruturação que aparecem nas sociedades políticas
organizadas”. 47
Contrapondo-se a esta inexistência de procedimento
especial para alteração de seus dispositivos que caracteriza a Constituição
flexível, a Constituição considerada rígida é aquela que demanda um
procedimento formal e específico para sua alteração, tornando este processo
mais complexo e difícil.
Debruçando-se sobre essa classificação, Tavares registra
que:
Na Constituição rígida, para todas as normas constitucionais se exige, na eventualidade de sua alteração, um processo legislativo mais trabalhoso, mais dificultoso do que comumente é exigível. Geralmente, e principalmente no caso brasileiro, esse processo mais trabalhoso se resume a uma iniciativa mais reduzida, a um quorum de aprovação maior e, por fim, à não participação do Poder Executivo (por meio da exclusão do veto ou da sanção).48
Assemelhando-se a este entendimento, Silva pontifica que
“rígida é a Constituição somente alterável mediante maiores solenidades e
exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis que os de formação de leis
ordinárias ou complementares”.49
Em outros termos, Slaibi define a Constituição rígida como:
Aquela cujo processo de elaboração de emendas constitucionais (o exercício do poder constituinte de reforma) é diverso do processo de elaboração das normas legislativas infraconstitucionais, daí decorrendo que as decisões previstas na Constituição somente poderão ser revistas por um processo mais solene e diverso que o processo destinado às outras questões. 50
Ainda quanto à estabilidade as Constituições podem ser
classificadas como semi-rígidas, ou seja, aquelas que apresentam uma parte de
47 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 69. 48 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 70. 49 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 42. 50 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional . Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 13.
28
seus preceitos constituída de forma rígida e outra de forma flexível. Conforme
enfatiza Capez, as Constituições são semi-rígidas “quando exigem processo
especial mais solene apenas para uma parte de seus dispositivos, permitindo que
a outra parte seja modificável pelo mesmo processo da legislação ordinária e
complementar”. 51
Noutro giro, de acordo com Moraes as Constituições
imutáveis “são as constituições onde se veda qualquer alteração, constituindo-se
relíquias históricas”. 52
Forçoso concluir que imutável é a Constituição que se
caracteriza pela impossibilidade de mudança de seus dispositivos. Dada essa
peculiaridade, a Constituição imutável não se coaduna com as exigências da
contemporaneidade.
1.2.6 Quanto à sua extensão e finalidade: analítica s (dirigentes) e sintéticas
(negativas, garantias)
Utilizando-se como critério de classificação a extensão das
Constituições, as mesmas podem ser: analíticas (dirigentes) e sintéticas
(negativas, garantias).
As Constituições analíticas são também conhecidas como
prolixas e extensas, tendo como principal característica o grande número de
regras jurídicas que abarcam em seu texto legal.
Nesse sentido, Moraes discorre que as Constituições
analíticas “examinam e regulamentam todos os assuntos que entendam
relevantes à formação, destinação e funcionamento do Estado”. 53
Cumpre lembrar que essa espécie de Constituição tem sido
comumente adotada por muitos países. Consoante aponta Tavares as razões
elencadas para o surgimento da Constituição analítica são:
A indiferença, que se tem transformado em desconfiança, quanto ao legislador ordinário; a estatura de certos direitos subjetivos, que estão a merecer proteção jurídicamente diferenciada; a
51 CAPEZ, Fernando. Direito constitucional , 2005, p. 24. 52 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 5. 53 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 6.
29
imposição de certos deveres, especialmente aos governantes, evitando-se o desvio de poder e a arbitrariedade; a necessidade de que certos institutos sejam perenes, garantindo, assim, um sentimento de segurança jurídica decorrente da rigidez constitucional.54
Em contrapartida a esta classificação surgem as
Constituições sintéticas, que são também conhecidas como breves, sucintas,
básicas pelo fato de se limitarem a tratar de elementos constitucionais básicos.
Moraes assim as define: “as Constituições sintéticas
prevêem somente os princípios e as normas gerais de regência do Estado,
organizando-o e limitando seu poder, por meio da estipulação de direitos e
garantias fundamentais”. 55
Focado nesta realidade, Tavares assegura que:
Nesses modelos jurídicos há ampla potencialidade de manutenção das Constituições, que em geral se perpetuam por longos períodos, como é de desejar. Isso ocorre porque, ao se dedicar aos princípios mais amplos, a constituição sintética é facilmente adaptável à realidade concreta e suas constantes mudanças, sem a necessidade de promover-se uma alteração formal de seu texto escrito.56
É forçoso concluir que dada estas peculiaridades, nos
países que optaram pela Constituição sintética as minúcias que envolvem os
direitos e deveres são atribuições relegadas ao legislador ordinário, eximindo o
Poder Constituinte de adentrar nestas pormenorizações.
1.3 OBJETO E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES
No que tange ao objeto das Constituições, Silva atenta que
As constituições têm por objeto estabelecer a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de seu exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias dos indivíduos, fixar o regime político e
54 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 72. 55 MORAES, Alexandre. Direito constitucional , 2006, p. 6. 56 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 72.
30
disciplinar os fins sócio-econômicos do Estado, bem como os
fundamentos dos direitos econômicos, sociais e culturais.57
Noutro giro, pode-se afirmar com base nos ensinamentos de
Bastos, que a Constituição apresenta como conteúdo um aglomerado de regras e
princípios que gozam de hierarquia superior dentro do sistema jurídico e que tem
como objetivo estabelecer a estrutura do poder político e fixar os limites de
concessão dos direitos fundamentais aos cidadãos58.
1.4 ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO
Conhecer os elementos estruturantes das Constituições
permite ao aplicador e ao intérprete captar a essência e o espírito de cada
Constituição. Sendo assim, este conhecimento é condicionante e fundamental
para a realização da tarefa de interpretar a Lei Maior.
Não obstante a multiplicidade de elementos que formam a
Constituição, ela se apresenta como um todo orgânico e unitário, uma vez que
todas as suas normas estão em contínua interligação, condicionando-se
reciprocamente.
Este postulado é ratificado por Silva, que sustenta:
[...] as constituições contemporâneas apresentam-se recheadas de normas que incidem sobre matérias de natureza e finalidades as mais diversas, sistematizadas num todo unitário e organizadas coerentemente pela ação do poder constituinte que as teve como fundamentais para a coletividade estatal. Estas normas, geralmente agrupadas em títulos, capítulos e seções, em função da conexão do conteúdo específico que as vincula, dão caráter policefático às constituições, de que se originou o tema denominado elementos das constituições. 59
A doutrina não é uníssona quanto ao número de elementos
que compõe a Constituição. No entanto, em geral, as Constituições
contemporâneas apresentam cinco categorias de elementos:
57 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 43. 58 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 72. 59 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 44.
31
a) Elementos orgânicos: encontram-se nos dispositivos que
organizam a estruturação do Estado e a forma como esta realizará seu poder,
abarcando as normas que dão existência ao Estado, regulando a competência
das instituições e autoridades, a forma, o exercício e a legitimidade para o
exercício destas competências.
De acordo com Carvalho, “através dessas normas, a
Constituição desempenha as funções de instrumento de governo e de documento
disciplinador das relações entre os poderes públicos e entre estes e os
particulares”.60
Suplantando estes conceitos para a atual conjuntura, Silva
pontifica que os elementos orgânicos “concentram-se predominantemente, nos
Títulos III (Da Organização do Estado), IV (Da Organização dos Poderes e do
Sistema de Governo), Capítulos II e III do Título V (Das Forças Armadas e da
Segurança Pública) e VI (Da Tributação e do Orçamento.”.61
b) Elementos limitativos: estão presentes nos dispositivos
que limitam a alteração do poder estatal com o fulcro de proteger os direitos e
garantias fundamentais dos cidadãos, evitando o discricionarismo, o arbítrio, o
abuso do poder estatal e, conseqüentemente, a lesão ao direito dos cidadãos. De
acordo com Silva, na atual Constituição “acham-se eles inscritos no Título II de
nossa Constituição, sob a rubrica Dos Direitos e Garantias Fundamentais,
excetuando-se os Direitos Sociais (Capítulo II), que entram na categoria
seguinte”.62
c) Elementos sócio-ideológicos: manifestam-se nas normas
que refletem o ensejo por uma ordem social mais justa, eqüitativa, constituindo
verdadeiras convergências de interesses existentes no âmbito interno do Estado.
Em que pese a suficiência destas explanações, Carvalho
atenta que estes elementos:
[...] encontram-se justamente nos preceitos que fixam as finalidades supremas e essenciais do Estado e que contêm, em grande medida, as bases informadora do espírito constitucional.
60 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Hermenêutica constitucional – Métodos e princípios específicos de interpretação. Florianópolis: Obra Jurídica, 1997, p. 25. 61 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 44. 62 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 44.
32
Algumas dessas normas são de caráter programático, outras não, na medida em que tenham aplicação imediata.63
Como já mencionado alhures, Silva alerta que os elementos
sócio ideológicos consubstanciados nas normas sócio-ideológica “revelam o
caráter de compromisso das Constituições modernas entre o Estado individualista
e o Estado Social, intervencionista, como as do Capítulo II do Título II, sobre os
Direitos Sociais, e as dos Títulos VII (Da Ordem Econômica e Financeira), VIII (Da
Ordem Social)”;64
d) Elementos de estabilização constitucional: consubstanciada
nas normas que tendem a garantir a solução dos conflitos constitucionais, com o
objetivo último de defender a Constituição contra possíveis alterações e
infringências. Conforme Silva, esses elementos “são encontrados no art. 102, I, a
(ação de inconstitucionalidade), nos arts. 34 a 36 (Da Intervenção nos Estados e
Municípios), 59, I, e 60 (Processo de emendas à Constituição), 102 e 103
(jurisdição constitucional) e Título V (Da Defesa do Estado e das Instituições
Democráticas)”.65
e) Elementos formais de aplicabilidade: estão presentes nas
normas que estabelecem as formas de aplicação das Constituições. Silva
menciona os elementos formais de aplicabilidade da CRFB/88: “o preâmbulo, o
dispositivo que contém as cláusulas de promulgação e as disposições
constitucionais transitórias, assim também a do § 1º do art. 5º, segundo o qual as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata”.66.
São estes, portanto, os principais elementos estruturantes
das Constituições, especificamente, da CRFB/88.
63 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Hermenêutica constitucional – Métodos e princípios específicos de interpretação, 1997, p. 26. 64 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p.44. 65 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p.45. 66 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p.45.
33
1.5 A CONSTITUIÇÃO COMO ORDEM NORMATIVA VEICULADORA DE
REGRAS E PRINCÍPIOS
O texto constitucional abarca em suas disposições duas
espécies de normas, quais sejam, as regras e os princípios. Nesse sentido, pode-
se afirmar que a Constituição é uma ordem normativa veiculadora de regras e
princípios.
1.5.1 Noção de princípio
Analisando a etimologia da palavra princípio observa-se que
ela deriva do latim “principium”, que significa o começo, o início, o fundamento de
qualquer procedimento.
Consoante aponta Carrazza:
por igual modo, em qualquer Ciência, princípio é sempre começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é ainda, a pedra angular de qualquer sistema.67
Coadunando-se a este pressuposto, é irrefutável que o
sistema jurídico não poderia deixar de abarcar a idéia de princípios para nortear
suas disposições.
Sem embargo, Bastos atenta que “poderíamos mesmo dizer
que cada área do direito não é senão a concretização de certo número de
princípios, que constituem o seu núcleo central, já que possuem uma forma que
permeia todo o campo sob seu alcance”.68
Adentrando na óptica jurídica, Mello preleciona que
Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
67 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 37. 68 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 82.
34
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.69
Nesse mesmo diapasão, Ataliba assim conceitua os princípios:
(...) princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriedade perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências.70
É basilar o conhecimento de Carrazza ao apontar que:
Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de proeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.71
Soa límpido a importância da inserção dos princípios em
todos os segmentos do Direito. No entanto, os princípios insertos no texto
constitucional gozam de maior proeminência, uma vez que norteiam e
condicionam a aplicação e a exegese das normas jurídicas em geral, extraindo-se
deles a validade das mesmas.
Em que pese a suficiência destes conceitos, imperioso
acrescentar as várias espécies em que são classificados os princípios
constitucionais. Para isso, utilizar-se-á a lição de Canotilho exposta por Silva,
segundo o qual são duas as espécies de princípios constitucionais considerando
a função ínsita dos mesmos no corpo da Constituição:
69 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo , 2006, p. 841-842. 70 ATALIBA, Geraldo. República e constituição . 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 34. 71 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 39.
35
a) Princípios político-constitucionais: constituem-se daquelas decisões políticas fundamentais, concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional positivo. b) Princípios jurídico-constitucionais: são informadoras da ordem jurídica nacional. Decorrem de certas normas constitucionais e, não raro, constituem desdobramentos (ou princípios derivados) dos fundamentais, como o princípio da supremacia da Constituição.72
No tocante à importância dos princípios constitucionais,
Bonavides destaca:
Postos no ponto mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as normas supremas do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para a avaliação de todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização, que é ao mesmo passo positivação no mais alto grau, recebem como instância valorativa máxima categoria constitucional, rodeada de prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os princípios se convertem igualmente em norma normarum, ou seja, norma das normas.73
Em arremate, o cenário descrito bem acentua a relevância
dos princípios, especialmente aqueles explícitos e implícitos no texto
constitucional, uma vez que estes denotam a carga axiológica proeminente de
uma dada nação. Estes valores ínsitos nos princípios constitucionais são o
parâmetro mediante o qual se mensuram todas as normas estruturantes do
sistema jurídico.
1.5.2 Função dos princípios
Indubitavelmente, os princípios apresentam inúmeras
funções, dentre elas a função normativa e logicamente de interpretação e de
integração do direito.
Por oportuno, Canotilho apregoa que:
72 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 93. 73 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 290.
36
Os princípios são multifuncionais. Podem desempenhar uma função argumentativa, permitindo, por exemplo, denotar a ratio legis de uma legislação ou revelar normas que são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito.74
Pela função normativa-interpretativa deve-se entender o
auxílio que os princípios oferecem ao hermeneuta na difícil tarefa de coadunar o
direito com a gradativa evolução da sociedade. Nesse sentido, Barroso sustenta:
O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais especifico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie.75
Seguindo o mesmo raciocínio, Carrazza também adverte:
Muito bem, em razão de seu caráter normativo, os princípios constitucionais demandam estrita observância, até porque, tendo amplitude maior, sua desobediência acarreta conseqüências muito mais danosas ao sistema jurídico que o descumprimento de uma simples regra, ainda que constitucional. São eles que estabelecem aquilo que chamamos de pontos de apoio normativos para a boa aplicação do Direito.76
Assim, em relação à normatividade dos princípios,
Bonavides assevera que:
Todo o discurso normativo tem que colocar, portanto, em seu raio de abrangência os princípios, aos quais as regras se vinculam. Os
74 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional , 1993, p. 167. 75 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição , São Paulo: Saraiva, 1996, p.141. 76 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 41.
37
princípios espargem claridade sobre o entendimento das questões jurídicas, por mais complicadas que estas sejam no interior de um sistema de normas. 77
No mais, uma importante advertência deve ser consignada
no que tange a função normativa e de interpretação dos princípios, uma vez que
este aspecto funcional induz a uma interferência recíproca entre as regras e os
princípios e ao entendimento da Constituição como um sistema aberto composta
por estas duas espécies normativas.
A maneira como ocorre esta inter-relação entre princípios e
regras no momento da interpretação de um direito é explicado por Bastos:
O princípio, ainda quando adotada de forma expressa pelo texto normativo, quase nunca está voltada para ser aplicado na prática, em casos concretos, mas se dirige precipuamente para resolver problemas interpretativos. Pode-se afirmar que os princípios, embora percam em concretude, ganham em abrangência. Acabam por ser concretizados numa série de normas infraconstitucionais, que dão aplicação àquele princípio. Isto não significa, como querem alguns, que a existência dessas normas subconstitucionais acabem por interferir na própria aplicação do princípio, subvertendo-se a superioridade constitucional. Na verdade, estas leis integradoras só vicejam na medida em que estejam em conformidade com o princípio, e não o contrário. 78
Como segunda função dos princípios, pode-se mencionar a
de integração de normas jurídicas que surge no momento em que já não é
possível encontrar uma solução normativa para um dado caso concreto.
Conforme averba Miranda, “não há uma plenitude da ordem
constitucional como não há uma plenitude da ordem jurídica em geral”.79 Assim,
torna-se comum a existência de lacunas legais que demandam a utilização da
função integradora dos princípios. Complementando esta análise, o mesmo
Miranda, assevera:
77 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 259. 78 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 102-103. 79 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional . 4 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990, p. 234.
38
A ação mediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critérios de interpretação e de integração, pois são eles que dão a coerência geral do sistema. E, assim, o sentido exacto dos preceitos constitucionais tem de ser encontrado na conjugação com os princípios e a integração há de ser feita de tal sorte que se tornem explícitas ou explicitáveis as normas que o legislador constituinte não quis ou não pôde exprimir cabalmente. 80
Considerando esse caráter indiscutivelmente multifuncional
que caracteriza os princípios, é certo que os mesmos demandam uma obediência
irrestrita, cuja não observância acarreta conseqüências ao sistema jurídico como
um todo, uma vez que o caráter normativo, de interpretação e de integração do
direito é executado pelos princípios.
Sem embargo, Mello adverte:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que os sustêm e alui-se toda a estrutura neles esforçada.81
Ainda no que diz respeito a importância dos princípios,
Bonavides, acrescenta:
A importância vital que os princípios assumem para os ordenamentos jurídicos se torna cada vez mais evidente, sobretudo se lhes examinarmos a função e presença no corpo das Constituições contemporâneas, onde aparecem como os pontos axiológicos de mais alto destaque e prestígio com que
80 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional , 1990, p. 226-227. 81 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo , 2006, p. 842.
39
fundamental na Hermenêutica dos tribunais a legitimidade dos preceitos da ordem constitucional.82
Em desfecho, os princípios são as bases do direito
constitucional, assumindo funções de interpretação e de normatização do sistema
jurídico.
1.5.3 Colisão entre os princípios
A aplicação de dois princípios conflitantes em um único
caso concreto é capaz de gerar a colisão entre os mesmos. Esse conflito decorre
da carga valorativa inserida no texto constitucional, que desde o seu início,
tendência a incorporação de interesses plúrimos de uma sociedade, quando
compôs seu Poder Constituinte de membros de diferentes classes, consolidando
o ideal de Estado democrático de Direito. É indubitável que estes interesses em
muitos casos não se harmonizam.
Nesse sentido, Muller citado por Bonavides atenta para esta
condição do texto constitucional, capaz de gerar colisão entre os princípios:
A constituição é de si mesma um repositório de princípios às vezes antagônicos e controversos, que exprimem o armistício na guerra institucional da sociedade de classes, mas não retiram à Constituição seu teor de heterogeneidade e contradições inerentes, visíveis até mesmo pelo aspecto técnico na desordem e no caráter dispersivo com que se amontoam, à consideração do hermeneuta, matéria jurídica, programas políticos, conteúdos sociais e ideológicos, fundamentos do regime, regras materialmente transitórias embora formalmente institucionalizadas de maneira permanente e que fazem, enfim, da Constituição um navio que recebe e transporta todas as cargas possíveis, de acordo com as necessidades, o método e os sentimentos da época.83
Como corolário, ao passo que é comum ocorrerem colisão
entre os princípios, esse conflito não é solucionado utilizando-se os mesmos
82 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 289. 83 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 460.
40
critérios que são usados na solução do conflito entre duas regras. Alexy citado por
Bonavides afirma que:
Com a colisão de princípios, tudo se passa de modo inteiramente distinto. A colisão ocorre, por exemplo, se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele seja introduzida. [...] Já os conflitos de regras, se desenrolam na dimensão da validade, ao passo que a colisão de princípios, visto que somente princípios válidos podem colidir, transcorre fora da dimensão da validade, ou seja, na dimensão do peso, isto é, do valor.84
No mais, uma importante advertência deve ser consignada
quanto à forma de se proceder diante de uma colisão entre princípios. Como
mencionado alhures, esta problemática adentra para o campo da ponderação, do
peso que cada princípio traz consigo diante da aplicação em um determinado
caso concreto, uma vez que a colisão entre princípios não se trata de antinomia,
já que não se pode aplicar um princípio aleatoriamente em detrimento de outro,
considerando-se o fato de que não existe hierarquia entre os mesmos.
Assim, para resolver esse conflito e harmonizar os princípios
colidentes, utiliza-se como norteador o princípio da proporcionalidade. Esse
princípio é elencado pela doutrina como “meta-princípio”, ou seja, o “princípio dos
princípios”, e é considerado o modo ideal de ponderar os princípios envolvidos em
determinado caso concreto, objetivando adotar uma decisão equânime que
harmonize os princípios conflitantes.
Essa afirmação é confirmada por Alexy que ratifica: “o
conflito de princípios, resolve-se pela regra da proporcionalidade sem que se
cogite a validade jurídica ou formal dos princípios em jogo”.85
Posto isto, na ocorrência de conflitos entre dois ou mais
princípios constitucionais é necessário realizar o balanceamento de valores no
84 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 279-280. 85 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 81.
41
caso concreto de modo a harmonizá-los a fim de regular a convivência dos
mesmos no sistema jurídico.
1.5.4 Distinção entre princípios e regras
É sabido que a Constituição, como conglomerado de
normas jurídicas gerais, traz em seu texto duas espécies normativas: as regras e
os princípios.
Focado nesta realidade, Barroso sustenta que
a dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípios e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de
abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema.86
Assim, essas duas espécies de normas jurídicas apresentam
uma gama de peculiaridades que as diferenciam tanto na sua essência, como na
forma de tratá-las. Essas diferenciações foram exploradas por Espíndola, com
base nos seguintes parâmetros:
a) O grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida;
b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, julgador ou administrador), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta;
c) Caráter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais)
86 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da constituição, 1996, p.141.
42
ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito);
d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculantes com um conteúdo meramente formal;
e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.87
Neste diapasão, Guerra Filho também apresenta as
principais características que distinguem os princípios das regras, nos seguintes
termos:
As regras possuem a estrutura lógica que tradicionalmente se atribui às normas do direito, com a descrição (ou “tipificação”) de um fato, ao que se acrescenta a sua qualificação prescritiva, amparada em uma sanção (ou na ausência dela, no caso da qualificação como “fato permitido”). Já os princípios fundamentais igualmente dotados de validade positiva e de um modo geral estabelecidos na Constituição, não se reportam a um fato específico, que se possa precisar com facilidade a ocorrência, extraindo a conseqüência prevista normativamente. Eles devem ser entendidos como indicadores de uma opção pelo favorecimento de determinado valor, a ser levada em conta na apreciação jurídica de uma infinidade de fatos e situações possíveis, juntamente com outras tantas opções dessas, outros princípios igualmente adotados, que em determinado caso concreto podem se conflitar uns com os outros, quando já não são mesmo, in abstracto, antinômicos entre si.88
Canotilho, citado por Espíndola, discorre a respeito desta
temática:
87 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceitos de Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 65. 88 GUERRA FILHO, Willis. Dos direitos humanos aos direitos fundamentais . Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 1997, p. 17.
43
(1) princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (...); a convivência dos princípios coexistem; as regras antinômicas excluem-se; (2) conseqüentemente os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, a lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer solução, pois se uma regra vale (tem validade deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos. (3) em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objecto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas “exigências” ou “standards” que, em primeira linha (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm fixações normativas definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias; (4) os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são correctas devem ser alteradas).89
Assim, soa límpido que as regras e os princípios são
espécies normativas que se diferenciam em razão de vários aspectos. Essa
distinção bem denota a capacidade expansiva dos princípios quando comparados
às regras.
1.6 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
A Constituição, por ocupar o topo da pirâmide jurídica,
garante as suas normas a característica de serem superiores quando comparadas
às demais regras do ordenamento jurídico. Por essa razão é considerada a Lei
Fundamental.
89 ESPINDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais , 1999, p. 65.
44
Sob essa óptica, Ferreira Filho atenta: “A Constituição rígida
é a lei suprema. É ela a base da ordem jurídica e a fonte de sua validade. Por
isso, todas as leis a ela se subordinam e nenhuma pode contra ela dispor”.90
Em razão desta peculiaridade, é na Constituição que é
encontrado o fundamento de validade para as demais normas do sistema jurídico.
Deste postulado, extrai-se o embasamento para afirmar que pelo fato da
Constituição ocupar a posição hierárquica superior do ordenamento jurídico,
submete às demais a sua observância, de forma que se com a Lei Fundamental
se conflitar, esta última deve ser considerada inválida.
1.6.1 A supremacia como princípio constitucional
O primado da supremacia da Constituição como princípio
constitucional decorre da idéia de que nenhuma norma do ordenamento jurídico
poderá contrapor-se aos fundamentos dispostos no texto constitucional.
Silva alerta que:
A constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.91
Nesse sentido, cumpre lembrar que a origem da supremacia
assumindo a posição de princípio constitucional advém da própria rigidez que
caracteriza o texto da Constituição.
A propósito, Silva adverte:
A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas
90 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional . São Paulo: Saraiva, 2006, p. 20. 91 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007 p. 45.
45
da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da supremacia da constituição.92
Várias são as implicações do princípio da supremacia da
Constituição no ordenamento jurídico. Seguindo esta vertente, Lavié citado por
Slaibi elenca as decorrências deste princípio:
1 – o princípio da unidade em que as normas inferiores devem se adequar às normas superiores contidas na Constituição, havendo-se todo o conjunto normativo ou o ordenamento jurídico de um país como uma só unidade normativa, em que todas as normas jurídicas, decorrentes ou não da função legislativa do Estado, mas por este aceitas, são consideradas como uma unidade; 2 – o princípio do controle de constitucionalidade, isto é, da verificação da compatibilidade das normas inferiores com a Constituição através dos processos que integram o mencionado controle; 3 – o princípio da razoabilidade, segundo o qual as normas infraconstitucionais devem ser instrumentos ou meios adequados (razoáveis) aos fins estabelecidos na Constituição, daí se extraindo o pressuposto de residir na Constituição a suprema fonte dos instrumentos jurídicos; 4 – o princípio da rigidez para a reforma da Constituição, que não pode ser feita pelo mesmo procedimento de elaboração da norma legislativa comum; de tal princípio é que se busca a distinção entre as normas, de forma a conferir supremacia à Constituição; 5 – a distinção entre poder constituinte e poder constituído, que é a distribuição de competência funcional a determinar quem pode criar os diversos níveis jurídicos; 6 – a gradação do ordenamento jurídico em diversos níveis, desde a norma fundamental abstrata até o ato de execução pelo órgão público; 7 – a garantia do Estado de Direito, pois os órgãos públicos se encontram limitados pelas determinações do poder constituinte.93
Por força deste postulado, a Constituição como norma
estruturante de todo o sistema jurídico é também a responsável pela validade de
todas as normas de hierarquia inferior, que somente serão consideradas válidas e
92 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 46. 93 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional , 2004, p. 4.
46
aptas a produzirem seus efeitos se estiverem em conformidade com os ditames
constitucionais.
1.6.2 A supremacia formal e material
A doutrina diferencia a supremacia da constituição em formal
e material. Isso é possível evidenciar analisando-se da lição de Silva que destaca:
A doutrina distingue supremacia material e supremacia formal da constituição. Reconhece a primeira até nas constituições costumeiras e nas flexíveis. Isso é certo do ponto de vista sociológico, tal como também se lhes admite rigidez sócio-política. Mas, do ponto de vista jurídico, só é concebível a supremacia formal, que se apóia na regra da rigidez, de que é o primeiro e principal corolário.
Esta advertência é complementada por Bordeau que citado
por Silva, atenta que:
somente no caso da rigidez constitucional que se pode falar em supremacia formal da constituição, acrescentando que a previsão de um modo especial de revisão constitucional dá nascimento à distinção de duas categorias de leis: as leis ordinárias e as leis constitucionais.94
Soa límpido, portanto, que a supremacia como característica
fundamental da Constituição pode se apresentar sob o aspecto material ou
formal. No entanto, utilizando-se da óptica jurídica, o que se evidencia é a
supremacia formal da Constituição, por fundamentar-se na característica da
rigidez presente em grande parte dos textos constitucionais.
1.6.3 A supremacia da CRFB/88
A CRFB/88 indubitavelmente goza dos reflexos de possuir o
primado da supremacia. Em decorrência disto, suas normas jurídicas devem ser
observadas por todo o Estado, independentemente do poder ou da autoridade.
Isso quer dizer que a Lei Máxima impõe obediência estrita aos seus ditames e
94 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 46.
47
através de seu ordenamento jurídico norteia as limitações governamentais e
estrutura o próprio poder estatal.
Nesse diapasão, Silva esclarece o motivo e as
conseqüências da nossa Constituição gozar de supremacia:
Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos.95
No próximo capítulo serão abordadas as peculiaridades que
cercam a limitação constitucional no que concerne a competência tributária, os
princípios, as imunidades e as diferenças que envolvem a bitributação e o bis in
idem.
95 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 46.
CAPÍTULO 2
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR
2.1 A CRFB/88 COMO CARTA DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIA S
A CRFB/88 abarca em seu sistema escalonado de normas,
disposições acerca do ordenamento tributário brasileiro, especialmente no que se
refere às competências tributárias. Isso é um reflexo do compósito político,
econômico e social da Constituição vigente, que busca contemplar em seu texto
preceitos gerais concernente à própria organização financeira do Estado.
Assim, em matéria tributária, a CRFB/88 é o instrumento
utilizado para delinear o campo de atuação dos entes políticos, no que tange a
competência para tributar.
Nesse sentido, Moraes assegura que:
A Constituição Federal, em regra, não institui tributos, mas sim estabelece a repartição de competência entre os diversos entes federativos e permite que os instituam com observância do
princípio da reserva legal. 96
Coadunando-se a esse entendimento, Tavares ensina:
[...] em nosso país não cria tributos quem quer, mas somente quem recebeu explícita autorização para fazê-lo. Essa autorização, graças a rigidez e exaustividade de nosso Sistema Tributário Nacional, há de ser sacada do bojo da Lei das Leis, isto é, do texto constitucional. Daí uma característica de nossa Norma Fundamental, qual seja, nossa Constituição não cria tributos, ou seja, não é uma carta de
96 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 766.
49
incidência, ao revés, sobreleva-se como uma típica Carta de Competência.97
Não obstante, como é sabido, inexiste uma hierarquia entre
os entes federativos brasileiros (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), de
tal forma que a CRFB/88 delimita em matéria tributária o campo de atuação de
cada um destes entes políticos, de maneira que, segundo Harada, “o contribuinte
é súdito, ao mesmo tempo, de três governos distintos”.98
No entanto, essa atuação dos entes federativos não é
ilimitada. Pelo contrário, ela está adstrita aos próprios ditames constitucionais,
que ao mesmo tempo em que atribui o poder de tributar a cada um dos entes
políticos, limita o exercício desse poder, impedindo que invada a seara de
competência tributante de outra entidade política contemplada, assegurando ao
contribuinte a garantia de não ser tributado pelo mesmo fato gerador por mais de
um ente político.
Ademais, as limitações ao poder de tributar não se resumem
apenas às repartições de competências tributárias. A CRFB/88 contempla ainda
uma série de princípios norteadores da atuação das entidades políticas em
matéria tributária, além de prescrever fatos imunes a essa atuação estatal.
Esse é o posicionamento de Harada, que leciona:
Ao mesmo tempo em que procedeu a partilha de competência tributária que, por si só, já é uma limitação ao poder de tributação, na medida em que a outorga de competência privativa a uma entidade política implica, ipso fato, a vedação do exercício dessa competência por outra entidade política não contemplada, a Constituição Federal prescreveu inúmeros princípios tributários, visando à preservação do regime político adotado, à saúde da economia, ao respeito aos direitos fundamentais e à proteção de valores espirituais. 99
Com base nessa orientação, evidencia-se a importância do
texto constitucional no tocante a instituição de competências tributárias e aos
97 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 39. 98 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário . 15 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 377. 99 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 378.
50
seus limites impostos na forma de princípios e imunidades, de maneira a garantir
um equilíbrio entre a necessidade impositiva de arrecadar e o direito dos
contribuintes de se verem tributados apenas na real ocorrência do fato gerador
que enseja a cobrança tributária e por apenas um ente tributante.
2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: CONCEITO, EXERCÍCIO, TI TULARIDADE
A partir do momento que a CRFB/88 elenca as
possibilidades dos entes federativos criarem seus respectivos tributos, está
delineando o que se pode denominar competência tributária, ou seja, a permissão
constitucional de instituir tributos.
Em conformidade com a orientação de Carrazza:
Competência tributária é a possibilidade de criar, in abstracto, tributos, descrevendo legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Como corolário disto, exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano abstrato, a tributos. 100
Essa prerrogativa de instituir tributos foi outorgada pela
CRFB/88 apenas para as pessoas jurídicas de direito público interno, ou seja,
União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Essas entidades são denominadas
Pessoas Políticas, uma vez que são os únicos entes que possuem em sua
estrutura interna o poder legiferante, isto é, a aptidão de instituir tributos por meio
de lei.
Nesse sentido, Carvalho dispõe que:
A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos. 101
100 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 467-468. 101 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 211.
51
Assim, no que tange a titularidade da competência tributária,
Tavares assegura que “[...] no Brasil, é reservada privativamente à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios”. 102 Deveras, o fundamento desta
titularidade encontra respaldo na representação legislativa própria que possuem
estas Pessoas Políticas.
Se o nascimento do tributo está intrinsecamente
relacionamento com o direito subjetivo dos entes políticos exercitarem sua
competência tributária, esta deve conter alguns elementos considerados
essenciais para que o tributo seja assim instituído. Carrazza adverte que:
Consideram-se elementos essenciais da norma jurídica tributária os que, de algum modo, influem no an e no quantum do tributo; a saber: a hipótese de incidência do tributo, seu sujeito ativo, seu
sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota. 103
Uma vez presentes estes elementos essenciais na lei
criadora do tributo, este passa a ser instituído.
Já em relação ao exercício da competência tributária,
cumpre consignar a lição de Carrazza, que apregoa:
A competência tributária esgota-se na lei. Depois que esta for editada, não há falar mais em competência tributária (direito de criar o tributo), mas, somente, em capacidade tributária ativa (direito de arrecadá-lo, após a ocorrência do fato imponível). Temos, pois, que a competência tributária, uma vez exercitada, desaparece, cedendo passo à capacidade tributária ativa. De conseguinte, a competência tributária não sai da esfera do Poder Legislativo; pelo contrário, exaure-se com a edição da lei veiculadora da norma jurídica tributária. 104
Assim sendo, entende-se que o exercício da competência
tributária encerra-se no momento em que a lei é editada, pois, após esse
momento, a competência tributária concede espaço ao surgimento da capacidade
102 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 41. 103 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 467. 104 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, 2005, p. 471.
52
tributária ativa, que se relaciona com as atribuições de arrecadar e fiscalizar os
tributos instituídos.
2.3 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
No que tange às peculiaridades que caracterizam a
competência tributária, pode-se elencar a privatividade, indelegabilidade,
incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e facultatividade do exercício.
Quanto à característica da privatividade, destaca-se que no
momento que a norma constitucional dispõe acerca da competência tributária,
conferindo à determinada Pessoa Política a possibilidade de instituir um tributo,
automaticamente impede que os demais entes políticos exercitem essa
prerrogativa, ou seja, os preceitos constitucionais que norteiam as competências
tributárias ensejam um duplo comando: ao passo que habilita determinada pessoa
política e, somente ela a instituir um tributo, proíbe que as demais também o
façam.
Sob esta óptica, Melo consigna:
As pessoas políticas são dotadas de privatividade para criar os tributos que lhes foram reservados pela Constituição, o que, por via oblíqua, implica a exclusividade e conseqüente proibição do
seu exercício por quem não tenha sido consagrado esse direito. 105
Noutro giro, o art. 7º, caput, do CTN, elenca a
indelegabilidade como característica da competência tributária. De acordo com
esse dispositivo legal, a Pessoa Política que recebe do texto constitucional a
competência de instituir tributo não pode delegar esse direito a um outro ente
político, nem renunciar ao mesmo.
Conforme leciona Bandeira de Mello
é princípio comezinho de direito público o de que nesta seara, e maiormente na órbita do direito constitucional, a autonomia da vontade – peculiar ao interesse privado – cede passo inteiramente
105 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário . 6 ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 139.
53
à noção de dever. As competências públicas outorgadas pela Constituição não são bens disponíveis, não podem ser transacionadas, gratuita ou onerosamente, pelas pessoas jurídicas públicas nelas investidas. É sabido e ressabido que sua disposição escapa ao alvedrio de quem as possui. Por isso não há como intercambiá-las. São comandos impositivos para as entidades que as receberam.106
Cumpre consignar que a indelegabilidade deve ser
criteriosamente considerada pelos entes políticos, uma vez que a sua não
observância afronta a supremacia do texto constitucional, que assim ficaria
condicionado à discricionariedades políticas.
No que se refere à incaducabilidade como característica da
competência tributária, Tavares averba que “a competência tributária é
incaducável, ou seja, o seu exercício não se encontra submetido à observância de
um prazo fatal”. 107
Outra não foi a conclusão a que chegou Carrazza:
A competência tributária é, também, incaducável, já que seu não exercício, ainda que prolongado no tempo, não tem o condão de impedir que a pessoa política, querendo, venha a criar, por meio de lei, os tributos que lhe forem constitucionalmente deferidos. Perdura, pois, no tempo, sendo juridicamente impossível dizermos que decaiu, por falta de aplicação ou exercício. Esta característica, diga-se de passo, é conseqüência lógica da incaducabilidade da função legislativa, da qual a função de criar tributos é parte.108
Assim, forçoso concluir que a competência tributária perdura
no tempo. A Pessoa Política, apesar de não poder renunciar, nem delegar a
competência conferida pelas normas constitucionais, pode querer não exercitá-la.
No entanto, o seu não exercício não lhe retira essa prerrogativa.
Com o fulcro de justificar a incaducabilidade da competência
tributária, Carvalho sustenta:
106 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo , 2006, p. 426. 107 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 41. 108 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 624-625.
54
A Constituição existe para durar no tempo. Se o não-uso da faixa de atribuições fosse perecível, o próprio Texto Supremo ficaria comprometido, posto na contingência de ir perdendo parcelas de seu vulto, à medida que o tempo fluísse e os poderes recebidos pelas pessoas políticas não viessem a ser acionados, por qualquer razão histórica que se queira imaginar. Impõem-se, portanto, a perenidade das competências, que não poderiam ficar submetidas ao jogo instável dos interesses e dos problemas por que passa determinada sociedade. 109
No que tange a inalterabilidade que caracteriza a
competência tributária, insta advertir que as normas constitucionais que partilham
a competência tributária entre as Pessoas Políticas são inalteráveis por qualquer
dispositivo infraconstitucional.
À luz dessa orientação, Tavares acrescenta:
O alcance da competência tributária nasce constitucionalmente delimitado. Não pode ser ampliada, quer pela própria Pessoa Política, quer pelo CTN ou qualquer ato administrativo do executivo, muito menos por qualquer método interpretativo do qual lance mãos as autoridades fazendárias. 110
Seguindo essa mesma vertente de entendimento, Carvalho
adverte que “se aprouver ao legislador, investido do chamado poder constituinte
derivado, promover modificações no esquema discriminativo das competências,
somente outros limites constitucionais poderão ser levantados”.111
Assim, evidencia-se que o plexo de normas constitucionais
que delimitam a competência tributária não pode ser alterado ao simples alvedrio
do ente político que possui a respectiva outorga de competência, e nem mesmo
por uma norma de caráter infraconstitucional, uma vez que, de acordo com Melo:
“a inalterabilidade é contemplada como elemento substancial da competência
tributária, porque acode ao irrestrito prestígio do princípio federativo, não podendo
ser modificada a matéria tributável”. 112
109 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 215. 110 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 41. 111 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 216. 112 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário , 2005, p. 140.
55
Ademais, a competência tributária é, ainda, irrenunciável.
Isso significa que as Pessoas Políticas encontram-se impedidas de renunciar, no
todo ou em parte, a esfera de competência tributária que lhe foi outorgada pelo
texto constitucional.
O fundamento desta impossibilidade encontra-se explicitado
nas palavras de Carrazza, que consigna:
Enfim, a competência tributária é irrenunciável, porque foi atribuída a pessoas políticas a título originário, pela Constituição. A renúncia, isto é, a unilateral e definitiva abdicação ao direito de criar tributos, é juridicamente ineficaz. 113
Em arremate, como última característica da competência
tributária pode-se elencar a facultatividade. Através dessa peculiaridade, a não-
utilização pelas Pessoas Políticas da parcela de competência tributária que lhe foi
outorgada pela CRFB/88, não repercute em nenhuma sanção, e muito menos
representa possibilidade de usurpação dessa competência por outro ente político.
Tavares leciona que “se a competência tributária não se encontra submetida a
prazo decadencial qualquer, obviamente que a Pessoa Política pode criar o tributo
que lhe foi confiado quando lhe aprouver”.114
Este postulado é ratificado por Baleeiro que afirma: “A
competência fiscal não é res nullius de que outra pessoa de direito público se
poderá aproveitar pela inércia do titular dela.”115
Dessa maneira, como decorrência lógica da
incaducabilidade, resta confirmada a característica da facultatividade da
competência tributária.
Em outros termos, Ataliba conclui:
O fato de uma disposição constitucional estabelecer competência em favor de uma pessoa e esta exercê-la só parcialmente, ou até mesmo abster-se de exercê-la, não autoriza a revogação do princípio de discriminação de competências, que estão fixadas na própria Constituição. Em outras palavras, a atribuição de
113 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 630. 114 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 42. 115 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro . 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 76.
56
competência, por obra de disposição constitucional, a uma determinada pessoa, abre para ela uma faculdade de maneira irrestrita, a qual pode ou não ser usada, sem sofrer esta competência qualquer influência, pela circunstância de a pessoa usá-la ou não.116
Assim, forçoso concluir que as Pessoas Políticas titulares da
outorga de competência tributária devem exercitar essa prerrogativa observando
todas as peculiaridades que as caracterizam, evitando com isso a afronta ao
ordenamento constitucional.
2.4 BITRIBUTAÇÃO X BIS IN IDEM
Em conformidade com o ordenamento tributário brasileiro,
um tributo pode ser considerado inconstitucional se adotar uma hipótese de
incidência ou base de cálculo já utilizado por outro tributo. Na ocorrência desta
hipótese, tem-se a chamada bitributação.
Debruçando-se sobre essa temática, Harada esclarece que
“quando duas entidades políticas tributam o mesmo imposto, ocorre a chamada
bitributação jurídica, que é inconstitucional porque uma das entidades estará
necessariamente, invadindo a esfera de competência impositiva da outra”. 117
Nesse mesmo diapasão, Tavares define bitributação nos seguintes termos:
Bitributação é o fenômeno que ocorre quando duas ou mais Pessoas Políticas, com espeque em lei, tributam uma mesma hipótese de incidência ou base de cálculo. Em casos tais, o vício que impera é o da invasão de competência, fruto da privatividade das competências tributárias, posto que alguém estará ultrapassando a sua marca limítrofe. 118
Cumpre consignar que a CRFB/88 exceptua da
inconstitucionalidade da bitributação os impostos extraordinários, dispostos no
seu art. 154, inciso II.
116 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária . 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 93. 117 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 377. 118 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 44.
57
Noutro giro, o bis in idem representa a situação pela qual um
mesmo tributo é instituído mais de uma vez pela mesma Pessoa Política.
Consoante aponta Melo:
No bis in idem o fato jurídico é tributado por uma mesma pessoa política (única titularidade ativa), mais de uma vez; podendo tratar-se de simples adicional (uniformidade da espécie de tributo); além
de cogitar-se de uma mesma base imponível. 119
Em que pese a suficiência destes conceitos, imperioso
acrescentar o traço diferencial entre esses dois fenômenos, utilizando-se a lição
de Tavares:
No bis in idem o encargo adicional é criado pela mesma pessoa jurídica de direito público interno, o que inocorre na bitributação, que pressupõe a instituição de um mesmo tributo por pessoas distintas. A nossa ordem jurídica, cumpre advertir, admite o bis in idem, desde que observados os princípios basilares aplicáveis ao caso e, obviamente, quando de explícita recepção constitucional.120
Em arremate, se a mesma Pessoa Política instituir um tributo
utilizando uma base de cálculo ou hipótese de incidência previamente usada em
outra exigência fiscal, estar-se-á diante da hipótese de bis in idem, admitida
constitucionalmente, uma vez que não afronta o atributo da privatividade que
caracteriza a competência tributária. Por outro lado, se duas ou mais pessoas
políticas distintas utilizarem a mesma base de cálculo ou a mesma hipótese de
incidência para instituírem exações, estar-se-á diante de um caso de bitributação,
inadmissível pelas normas constitucionais.
2.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR
Com o fulcro de equilibrar a necessidade de arrecadação por
parte do poder estatal através da impositiva instituição de tributos e as garantias
do contribuinte, o exercício da competência tributária não é ilimitado. Pelo
119 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário , 2005, p. 145. 120 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 44.
58
contrário, vê-se adstrito aos limites constitucionais, quer se apresentem na forma
de princípios ou de imunidades.
Destarte, Rosa Júnior define as limitações ao poder de
tributar nos seguintes termos:
As limitações ao poder de tributar representam uma proteção constitucional ao contribuinte contra um excessivo poder impositivo pelo Estado. Daí serem consideradas garantias mínimas a serem observadas pelo legislador ao instituir ou majorar tributos, definir suas hipóteses de incidência, fixar suas alíquotas e bases de cálculos, determinar os sujeitos passivos da obrigação tributária, etc. 121
Ampliando o entendimento acerca das limitações ao poder de
tributar, Machado assinala:
Cada uma das pessoas jurídicas de direito público, vale dizer, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tem sua competência tributária, que é, como já foi dito, uma parcela do poder tributário. O exercício dessa competência, porém, não é absoluto. O Direito impõe limitações à competência tributária, ora no interesse do cidadão, ou da comunidade, ora no interesse do relacionamento entre as próprias pessoas jurídicas titulares de competência tributária.122
Assim sendo, estas limitações ao poder de tributar podem se
apresentar sob a forma de princípios constitucionais tributários, dispostos nos
artigos 150 a 152 da CRFB/88, ou, então, por meio da descrição de fatos imunes
à exação estatal. Em ambas as hipóteses, o que se determina é o campo
competencial das Pessoas Políticas no momento da instituição dos tributos.
2.5.1 Imunidades tributárias
Etimologicamente o vocábulo imunidade tem origem no latim
e deriva de immunitas, immunitate, que significa em termos atécnicos negação de
121 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário , 2006, p. 222. 122 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário . 14 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 190.
59
múnus, compreendido como ofício ou função. Complementando essa análise
etimológica, Tavares acrescenta que “a sílaba latina in que antecede a raiz
assume o significado de “negação”, dando a idéia genérica de desobrigação de
encargo.”123
Adentrando no âmbito jurídico, as imunidades são
consideradas limitações constitucionais ao poder de tributar, ou seja, algumas
situações específicas e bem caracterizadas pelo próprio texto constitucional que
passam, então, a ficar imunes às regras instituidoras de exações.
Focada nesta realidade, a nota de Derzi à obra de Baleeiro,
define imunidade como sendo:
Regra expressa da Constituição (ou implicitamente necessária), que estabelece a não-competência das pessoas políticas da Federação para tributarem certos fatos ou situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário.124
Complementando esse entendimento, Pontes de Miranda,
citado por Coêlho, aduz que “a regra jurídica de imunidade é a regra jurídica no
plano da competência dos poderes públicos – obsta à atividade legislativa
impositiva, retira ao corpo que cria impostos, qualquer competência para pôr, na
espécie”.125
No mesmo sentido, Carvalho propõe o seguinte conceito de imunidade:
Classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.126
123 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 30. 124 BALEEIRO, Aliomar. Direiro tributário brasileiro, 2001, p. 16. 125 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro . Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 174. 126 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 178.
60
Do ponto de vista jurídico, Baleeiro evidencia algumas
peculiaridades que caracterizam as imunidades:
a) é regra jurídica, com sede constitucional; b) é delimitativa (no sentido negativo) da competência dos entes políticos da Federação, ou regra de incompetência; c) obsta o exercício da atividade legislativa do ente estatal, pois nega competência para criar imposição em relação a certos fatos especiais e determinados; d) distingue-se da isenção, que se dá no plano infraconstitucional da lei ordinária ou complementar.
Neste diapasão, percebe-se que por mais que as
imunidades e os princípios constitucionais tributários sejam considerados típicas
limitações ao poder de tributar, os mesmos diferem quanto aos efeitos gerados.
De um lado, os princípios são diretrizes gerais que não estabelecem a
incompetência tributária, ao passo que as imunidades denegam o poder de
tributar, limitando-o relativamente a certas pessoas, fatos ou circunstâncias.
Com foco prioritário na distinção entre os princípios
constitucionais tributários e as imunidades, Baleeiro evidencia que as imunidades:
a) são normas que somente atingem certos fatos e situações, amplamente determinadas (ou necessariamente determináveis) na Constituição; b) reduzem, parcialmente, o âmbito de abrangência das normas atributivas de poder aos entes políticos da Federação delimitando-lhes negativamente a competência; c) e, sendo proibições de tributar expressas (ou fortes), têm eficácia ampla e imediata; d) criam direitos ou permissões em favor das pessoas imunes de forma juridicamente qualificada.127
No que se refere à formalização do campo imunitório,
cumpre consignar que as restrições tributárias por meio de imunidades não
podem ser realizadas através de leis ordinárias. Em conformidade com o que
127 BALEEIRO, Aliomar. Limitações ao poder de tributar , 2003, p. 228.
61
dispõe o art. 146, inciso III, da CRFB/88, trata-se de matéria privativamente
reservada ao tratamento por lei complementar.
Como evidenciado alhures, as imunidades encontram seu
fundamento jurídico no próprio texto constitucional, especialmente no artigo 150,
inciso VI, que elenca um rol de imunidades de cunho exemplificativo, abarcando a
imunidade tributária recíproca, a imunidade dos templos de qualquer culto, a
imunidade dos partidos políticos, inclusive suas fundações, entidades sindicais
dos trabalhadores e instituições de educação e assistência social e, por fim, as
imunidades dos livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão.
No que se refere a imunidade tributária recíproca prevista
no art. 150, inciso VI, “a”, da CRFB/88, Cassone atenta que esta “se dá entre as
pessoas políticas detentoras da competência tributária, em que uma não tributa a
outra, em relação aos impostos”.128 Todavia, importa advertir que esta vedação da
instituição de impostos recai sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos
outros, exclusivamente em relação aos serviços próprios da pessoa jurídica de
direito público e inerentes aos seus objetivos.
Tavares complementa essa orientação sustentando:
Ainda sobre seus efeitos jurídicos, bom acrescentar que se estende tão-somente às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, relativamente ao patrimônio, serviços e rendas vinculados a suas finalidades essenciais ou delas decorrentes (CF, art. 150, § 2º), não se lhes aplicando, por sua vez, [1] ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelo direito privado, ou [2] em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelos usuários (CF, art. 150, § 3º).129
O fundamento que respalda essa hipótese de imunidade
recíproca é defendido por Carvalho:
A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado Brasileiro e pela autonomia dos Municípios. Na verdade,
128 CASSONE, Vittorio. Direito tributário .11 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 117. 129 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p.32.
62
encerraria imensa contradição imaginar o princípio da paridade jurídica daquelas entidades e, simultaneamente, conceder que pudessem elas exercitar suas competências impositivas sobre o patrimônio, a renda e os serviços, umas com relação às outras. 130
Noutro giro, as imunidades dos templos de qualquer culto
representam, outrossim, uma reafirmação do direito individual de liberdade de
crença e prática religiosa, também disposto no texto constitucional, no capítulo
destinado as garantias individuais e coletivas. Ademais, entendeu o legislador
constituinte que o exercício deste direito não deveria ser limitado pela exigência
de exações.
Nesse sentido, o art. 150, inciso VI, “b”, da CRFB/88
preleciona que estão imunes os templos de qualquer culto. No entanto, o
vocábulo templo não deve ser interpretado de maneira restritiva. Coadunando-se
ao entendimento da amplitude da interpretação concernente aos templos,
Machado apregoa:
Templo não significa apenas a edificação, mas tudo que seja ligado ao exercício da atividade religiosa. Não pode haver imposto sobre missas, batizados ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre qualquer bem que esteja a serviço do culto. Mas pode incidir imposto sobre bens pertencentes à Igreja, desde que sejam instrumentos desta. Prédios alugados, por exemplo, assim como os respectivos rendimentos, podem ser tributados. Não a casa paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado para atividades religiosas, ou para residência dos religiosos. 131
Nos termos da CRFB/88 (art. 150, inciso VI, “c”), igualmente
imunes estão o patrimônio, a renda e os serviços dos partidos políticos, inclusive
suas fundações, as entidades sindicais dos trabalhadores e as instituições
educacionais ou assistenciais desde que não tenham finalidade lucrativa e
observem os requisitos dispostos na lei.
A razão de ser da imunidade que atinge as entidades acima
mencionadas é explicada por Tavares, que aponta:
130 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 182. 131 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário , 1998, p. 203.
63
Constitui mecanismo através do qual se procura preservar tanto os organismos vitais ao funcionamento e preservação do ideal republicano, quanto às instituições que desempenham, ut universi, funções que, a rigor, o Poder Público deveria realizar. 132
Ademais, tratando especificamente da regra constitucional
que torna imune as instituições educacionais ou assistenciais sem fins lucrativos,
Baleeiro argumenta:
A imunidade, para alcançar os efeitos de preservação, proteção e estímulo, inspiradores do constituinte, pelo fato de serem os fins das instituições beneficiadas também atribuições, interesses e deveres do Estado, deve abranger os impostos, que, por seus efeitos econômicos, segundo as circunstâncias, desfalcariam o patrimônio, diminuiriam a eficácia dos serviços ou a integral aplicação das rendas aos objetivos específicos daquelas entidades presumidamente desinteressadas, por sua própria natureza. 133
Outra hipótese de imunidade prevista no texto constitucional,
especificamente no art. 150, inciso VI, “d”, da CRFB/88, menciona a imunidade
dos livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão.
No entanto, a regra imunizante neste caso específico deve
ser interpretada de forma extensiva, abarcando todas as atividades que envolvem
a produção de livros, jornais e periódicos. Nesse sentido, ensina Machado:
A imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel destinado à sua impressão, há de ser entendida em sentido finalístico. E o objetivo da imunidade poderia ser frustrado se o legislador pudesse tributar quaisquer dos meios indispensáveis à produção dos objetivos imunes. Assim, a imunidade, para ser efetiva, abrange todo o material necessário à confecção do livro, do jornal ou do periódico. Não apenas o exemplar deste ou daquele, materialmente considerado, mas o conjunto. Por isto nenhum imposto pode incidir sobre qualquer insumo, ou mesmo sobre
132 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 32. 133 BALEEIRO, Aliomar. Limitações ao poder de tributar . 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 313.
64
qualquer dos instrumentos, ou equipamentos, que sejam destinados exclusivamente à produção desses objetos. 134
O duplo propósito desta imunidade é explicado por Tavares:
Qual seja, garantir a liberdade de manifestação do pensamento, bem como estimular e facilitar o acesso à cultura, com vistas na desoneração da incidência de impostos sobre livros, jornais e periódicos, isto é, sobre veículos difusores de informações, idéias, conhecimentos, literatura, etc.135
Em desfecho, importante salientar que as imunidades
tributárias apesar de serem consideradas limitações ao poder de tributar, não
norteiam a boa execução das competências tributárias como o faz os princípios,
porém denegam o poder tributário, limitando-o a certas pessoas, fatos e situações
que representam valores significativos e prestigiados pelo legislador constituinte,
que dessa forma, privilegiou os próprios valores consagrados na norma
constitucional.
2.5.2 Princípios constitucionais tributários
Além das imunidades tributárias, o poder de tributar das
Pessoas Políticas detentoras desta outorga encontra-se jungido também pelos
princípios constitucionais tributários, que, segundo Coêlho “dizem como devem
ser feitas as leis tributárias, condicionando o legislador sob o guante dos juízes,
zeladores que são do texto dirigente da Constituição”.136
Deveras, a importância destes enunciados principiológicos
no sistema tributário brasileiro é inquestionável. No entanto, a forma como eles se
apresentam e o conteúdo que abrangem apresentam diversas variações.
Alertando sobre essas peculiaridades, Rosa Júnior lembra:
Esses princípios tributários podem estar expressos na Constituição ou resultarem do regime federativo e do sistema tributário nacional, sendo denominados princípios tributários
134 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário , 1998, p. 196. 135 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 33. 136 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro , 2006, p. 171.
65
implícitos. De outro lado, os princípios podem ser gerais, referindo-se a todos os tributos, ou específicos porque pertinentes a determinados tributos. 137
Considerando estas ponderações, cumpre adentrar no
âmbito dos elementares princípios constitucionais tributários que limitam o poder
de tributar.
2.5.2.1 Princípio da estrita legalidade
O princípio da estrita legalidade representa no ordenamento
jurídico brasileiro um dos grandes pilares que fundamenta o Estado Democrático
de Direito, ao estabelecer que os tributos não poderão ser criados e nem
majorados senão através de lei.
O princípio da estrita legalidade encontra-se disposto no rol
de direitos e garantias individuais do art. 5º, inciso II, da CRFB/88:
Art. 5 – (...)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei;
Direcionando esse princípio basilar para a óptica do direito
tributário, o legislador constituinte optou por consagrá-lo expressamente, nos
seguintes termos:
Art. 150 . Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Assim, de acordo com a redação legal, evidencia-se que
toda e qualquer Pessoa Política somente poderá instituir tributos, ou aumentar
aqueles já existentes, mediante a edição de uma lei.
137 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário, 2006, p. 222.
66
A origem dessa submissão aos ditames legais é explicitada
na lição de Rosa Júnior:
O princípio da legalidade tributária teve seu berço de origem na Magna Carta Libertatum, documento imposto, em 1215, pelos barões ingleses ao rei João Sem Terra, com a finalidade de limitar os seus poderes reais, em razão principalmente da maneira exorbitante e abusiva com que impunha tributos aos cidadãos. 138
Complementando essa orientação, Harada afirma: “A origem
desse princípio, de natureza nitidamente política, está ligada à luta dos povos
contra a tributação não consentida”.139
Como se observa, essa luta política empreendida pelos
povos da Antiguidade surtiu o efeito desejado, uma vez que, hodiernamente, o
postulado da legalidade é uma regra basilar do sistema tributário brasileiro e
representa uma significativa garantia aos contribuintes.
Seguindo esta orientação, Baleeiro anota:
Ora, os art. 150, I, e 5º, II, da Constituição vigente, referem-se à legalidade, como princípio necessário à instituição e majoração de tributos, tanto do ponto de vista formal – ato próprio, emanado do Poder Legislativo – como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipótese material, espacial e temporal, conseqüências obrigatórias, como sujeição passiva e quantificação do dever tributário (alíquotas e bases de cálculo), além das sanções pecuniárias, dos deveres acessórios, da suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário. 140
Assemelhando-se a este entendimento, Harada leciona
acerca da amplitude do princípio da legalidade:
Cumpre acrescentar que o princípio da legalidade tributária não se resume, apenas, na vedação de instituição ou majoração do tributo sem a prévia autorização legislativa. De há muito extrapolou o velho princípio donde se originou – nullum crimen
138 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário, 2006, p. 225. 139 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 378. 140 BALEEIRO, Aliomar. Limitações ao poder de tributar , 2003, p. 47.
67
sine lege – para passar a reger as mais diferentes situações relacionadas com a tributação, objetivando a formulação de uma ordem jurídica-tributária cada vez mais justa. 141
Como se evidencia, o princípio da legalidade está
intrinsecamente atrelado ao postulado da tipicidade, ou seja, não basta a
existência de uma lei autorizadora da instituição ou da majoração de uma exação,
é necessário que ela traga em seu bojo todos os elementos caracterizadores da
relação obrigacional tributária.
Por oportuno, Amaro apregoa que:
Em suma, a legalidade tributária não se conforma com a mera autorização de lei para cobrança de tributos; requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador; necessário à quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei.142
No entanto, existem alguns doutrinadores que se posicionam
no sentido de que o próprio texto constitucional, em seu art. 153, § 1º, traz uma
exceção ao princípio da estrita legalidade tributária, ao dispor:
Art. 153 - (...)
§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os
limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos, I, II, IV e V.
Em relação a esse dispositivo constitucional, cumpre advertir
que os impostos enumerados nos incisos citados são: o Imposto sobre a
Importação de produtos estrangeiros (II), o Imposto sobre a Exportação, para o
exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE), o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e seguro,
ou relativas a título ou valores mobiliários (IOF). No entanto, em relação a esses
141 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 379. 142 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro . 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 112.
68
tributos, a lei apenas disciplina que o Poder Executivo por meio de decreto, tem a
faculdade de alterar as alíquotas correspondentes, sempre observando os limites
prefixados pelo legislador. Por conseguinte, trata-se de uma falsa exceção ao
princípio da estrita legalidade.
Sem embargo, essa posição é sustentada por Tavares:
O que a Constituição permite, e que nos parece estar bem claro em sua redação, é que a lei delegue ao Poder Executivo a faculdade de alterar, observadas às devidas condições e limites por ela mesmo estabelecidas, tão-somente as alíquotas dos impostos discriminados numerus clausus.143
O mesmo autor ainda conclui:
Assim, parece-nos que a Constituição, verdadeiramente, não patrocina qualquer possível nascimento de uma exação sem lei que o defina, já que seu art. 153, § 1º, não outorga ao Poder Executivo amplos poderes para descrever a hipótese de incidência dos impostos que enumera, nem tampouco permite a livre criação dos aspectos quantitativos responsáveis pela configuração do quantum debeatur; o que reafirma a idéia de que o que este dispositivo contempla é uma simples e aparente exceção ao princípio da estrita legalidade tributária. 144
Destarte, apesar desta falsa exceção ao princípio da estrita
legalidade, é indubitável a importância do mesmo no ordenamento tributário
brasileiro, conforme arrazoa Tavares:
Dentre os enunciados principiológicos genéricos existentes em nosso arcabouço jurídico, é o princípio da legalidade, seguramente, um dos mais, senão o mais importante de todos os princípios gerais que irradiam seus benéficos efeitos em matéria tributária. 145
O mesmo autor ainda complementa o entendimento sobre a
relevância deste princípio para a figura do contribuinte, nos seguintes termos:
143 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p.16. 144 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p.16-17. 145 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p.13.
69
“este postulado pretende assegurar que a relação entre Fisco e contribuintes se
desenvolva sem surpresas, num clima de absoluta segurança jurídica e certeza
dos direitos e obrigações”. 146
Isto posto, percebe-se que o princípio da legalidade é o
embasamento jurídico do Estado Democrático de Direito, e, em âmbito tributário,
representa uma garantia ao contribuinte, uma vez que este pode encontrar toda a
regra-matriz da imposição tributária disposta em lei, que disciplinará inclusive as
possibilidades de majoração da exação.
2.5.2.2 Princípio da anterioridade
Como decorrência do antigo princípio da anualidade que
prescrevia a necessidade das leis fiscais submeterem-se todos os anos a uma
prévia autorização contida na lei orçamentária para que pudessem surtir efeitos, o
princípio da anterioridade desvinculou a aplicação da lei instituidora de tributos
dos preceitos da lei orçamentária, implicando somente no adiamento da eficácia e
da aplicabilidade da lei criadora ou majoradora da exação para o exercício
financeiro subseqüente ao de sua publicação, além de observar o lapso temporal
de noventa dias após a publicação da lei.
O fundamento da existência do princípio da anterioridade
encontra-se no art. 150, inciso III, “b” e ”c”, da CRFB/88, que dispõe:
Art. 150 . Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III. cobrar tributos:
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a Lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na letra b (acrescentada pela EC nº. 42/2003)
Já, no que se refere aos objetivos do princípio da 146 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p.15.
70
anterioridade, estes são explicados por Rosa Júnior, que sustenta:
O princípio da anterioridade da lei fiscal visa a evitar que se cobre do contribuinte tributo, cuja lei de instituição ou majoração, tenha sido publicada no mesmo exercício financeiro da cobrança. Desse modo, o princípio em tela evita que o contribuinte seja apanhado de surpresa no transcorrer do exercício financeiro, daí ser denominado também de princípio da não-surpresa, permitindo que o contribuinte possa fazer planejamento fiscal de suas atividades. 147
Considerando as implicações práticas da aplicação do
princípio da anterioridade, Harada pondera:
Esse princípio da anterioridade constitui, a nosso ver, uma garantia fundamental, insusceptível de supressão via emenda constitucional. De fato, o Estado tem a faculdade de criar novos tributos ou majorar os existentes quando quiser, mas sua cobrança fica diferida para o exercício seguinte ao da publicação da lei que os instituiu ou aumentou. Logo, em 31 de dezembro de cada exercício, o Estado esgota seu poder tributário em potencial para criar ou aumentar tributos a serem cobrados a partir do primeiro dia do exercício seguinte. Esse fato possibilitará ao contribuinte planejar sua vida econômica a partir de zero hora do dia 1º de janeiro de cada exercício, sem que se veja surpreendido por exigências tributárias imprevistas. Daí o direito de o sujeito passivo não ser surpreendido, no meio do exercício financeiro, com nova carga tributária não consentida no momento oportuno. 148
Em que pese a suficiência destes entendimentos, insta
consignar os motivos que embasam a existência deste enunciado principiológico.
Para tanto, utilizar-se-á da lição de Coêlho que aduz:
Os fundamentos históricos e axiológicos do princípio tributário da anterioridade radicam: (a) na possibilidade de os contribuintes poderem prever a lei de regência a que estarão, no exercício seguinte sujeitados os seus negócios, bens, renda e patrimônio
147 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário , 2006, p. 336. 148 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 381.
71
(antes de realizarem os fatos geradores); e (b) na certeza de que, durante o transcurso do exercício, lei alguma terá eficácia para alterar a lei praevia em que se basearam para a realização dos fatos jurídico-tributários. Saber antes: certeza e segurança. Eis o significado da anterioridade. 149
Todavia, apesar da observância do postulado da
anterioridade do exercício financeiro, nem sempre este princípio atingia a eficácia
pretendida, uma vez que o texto constitucional concedia a possibilidade de uma
exação ser instituída ou mesmo aumentada no último dia útil de determinado ano,
podendo ser exigida nos primeiros dias do ano subseqüente. Para sanar essa
lacuna constitucional, foi aprovada a EC nº. 42, em 19 de dezembro de 2003,
acrescentando ao inciso III, do art. 150, da CRFB, a alínea "c", que se denominou
anterioridade nonagesimal. De acordo com esse novo acréscimo, a norma
constitucional estabelece que a instituição de um tributo ou a majoração do
mesmo deve observar dois parâmetros: de um lado a passagem do exercício
financeiro, e de outro o lapso temporal de noventa dias da publicação da lei.
Lecionando acerca desta inovação constitucional, Tavares
aponta:
Como se vê, após o advento da Emenda Constitucional 42/03, afigura-se inviável qualquer tributação de surpresa, a partir do momento que a Constituição impõe duplo obstáculo a ser transposto para que uma lei fiscal adquira eficácia jurídica: primeiramente, é preciso que a lei respeite a vacatio legis de 90 (noventa dias) para encampar força vinculante; e, além disso, revela-se necessário também que o transcurso dos noventa dias rompa a barreira do ano-calendário.150
Assim, apesar da observância dos dois óbices legais, o
princípio da anterioridade comporta algumas exceções. Em conformidade com o
art. 150, § 1º, CRFB/88 não se submetem ao princípio da anterioridade: o imposto
sobre a importação de produtos estrangeiros (II), o imposto sobre a exportação,
para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE), imposto sobre
149 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro , 2006, p. 263. 150 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005 p. 19.
72
produtos industrializados (IPI), imposto sobre operações de crédito, câmbio e
seguro, ou relativas a título ou valores mobiliários (IOF), os impostos
extraordinários, instituídos por motivo de guerra externa ou sua iminência (art.
154, inciso II, da CRFB/88) e os empréstimos compulsórios instituídos para
atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade, de guerra
externa ou sua iminência (art. 148, inciso I, da CRFB).
Ademais, no sentido de complementar essas exceções,
Tavares assinala:
Cumpre lembrar que esse rol não é exaustivo, tendo em vista que muito embora não elencado no art. 150, § 1º, da Lei Maior, escapam também da anterioridade a contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) relativas às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível (CRFB, art. 177, §4º, I, b), assim como a vedação do art. 150, inciso III, alínea “c”, não se aplica aos tributos previstos nos artigos 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo do IPVA (art. 155, III) e IPTU (art. 156, I).151
Em desfecho, o intuito do princípio da anterioridade,
independentemente das exceções que comporta, é impossibilitar que a criação de
tributos ou o aumento dos mesmos, ganhem eficácia no exercício financeiro em
que a lei instituidora for publicada, de modo que os contribuintes (pessoas físicas
ou jurídicas) saibam com antecedência o tipo de gravame que estarão sujeitos,
permitindo-lhes dessa maneira planejarem suas atividades, de acordo com a
atuação futura do Fisco.
2.5.2.3 Princípio da irretroatividade
Além de observar o princípio da legalidade e da
anterioridade, a lei tributária fica adstrita à observância do princípio da
irretroatividade, que se encontra disposto no art. 150, inciso III, ”a”, da CRFB/88:
151 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 21.
73
Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
De acordo com a norma constitucional em comento, o
princípio da irretroatividade fundamenta-se no cunho prospectivo das leis
tributárias, impedido-as de regularem situações passadas.
É oportuno destacar a lição de Rabello Filho:
O princípio da irretroatividade da lei tributária, portanto, está posto na altiplanura constitucional (art. 150, III, “a”, CRFB/88) no sentido de proibir à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a exigência de tributos no que diz respeito a fatos ocorridos em data anterior à da vigência da nova lei tributária, isto é, a que prescreveu a instituição ou o aumento do gravame. 152
Complementando esse entendimento, Machado acrescenta:
O princípio da irretroatividade é instrumento da segurança jurídica. Ele garante que os fatos anteriores à lei não serão por ela alcançados e, assim, não produzirão as conseqüências por ela estabelecidas. Ele nos permite impedir a incidência da lei evitando a ocorrência do fato nela previsto. O fato já consumado terá apenas os efeitos previstos na lei vigente na data da sua ocorrência. Não há efeitos a ele atribuídos por lei posterior. 153
Ademais, Rosa Júnior explica a quem se destina o princípio
da irretroatividade da lei fiscal: “O princípio em tela dirige-se tanto ao legislador
152 RABELLO FILHO, Francisco Pinto. O princípio da anterioridade da lei tributária . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 94. 153 MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituiç ão de 1988. 5 ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 95-96.
74
como ao aplicador da lei, que devem cuidar para que seja assegurado ao
contribuinte o seu direito adquirido, que não pode ser atingido por lei posterior”. 154
Com o fulcro de consolidar o alcance do princípio da
irretroatividade, Amaro preconiza:
Nem a pretexto de interpretar a lei anterior pode uma lei tributária voltar-se para o passado, com o objetivo de “explicitar” a criação ou aumento de tributo. Ou a incidência já decorre da lei velha, ou não; no primeiro caso, a lei “interpretativa” é inócua; no segundo é inconstitucional.155
O principal objetivo do princípio da irretroatividade é garantir
o primado da segurança jurídica, de modo a impedir que fatos pretéritos sejam
tributados por lei posteriores à ocorrência do fato gerador.
Esse postulado é ratificado por Amaro que leciona acerca da
efetividade da atuação conjunta dos princípios da irretroatividade e da
anterioridade:
A conjugação dos princípios da irretroatividade e da anterioridade leva, todavia, em relação aos tributos com fatos geradores periódicos, à inaplicabilidade da lei editada no curso de certo exercício financeiro em todas as seguintes situações: a) fato gerador aperfeiçoado antes da lei; b) fato gerador em curso no momento da edição da lei; c) fato gerador cujo período seja posterior à lei, mas que se inicie no mesmo exercício de edição da lei (hipótese em que a lei não seria retroativa, mas atentaria contra o princípio da anterioridade).156
Ampliando esse entendimento, Carrazza relaciona o
princípio da irretroatividade com o enunciado principiológico da legalidade, nos
seguintes termos:
Deveras, se as exigências do princípio da legalidade pudessem ser atendidas por meio de uma simples lei formal, ainda que retroativa, isto é, reportável a acontecimentos passados, a
154 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário, 2006, p. 273. 155 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro , 2005, p.119. 156 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro , 2005, p.131-132.
75
garantia de segurança às pessoas que ele encerra seria, mais que despicienda, inexistente. De que valeria o tributo ser criado ou aumentado só por meio de lei, se esta pudesse livremente alcançar fatos ou situações já consumados? 157
No entanto, interpretando o CTN concomitantemente com o
texto constitucional, depreende-se que o princípio da irretroatividade comporta
algumas exceções, previstas expressamente no art. 106, do CTN, in verbis:
Art. 106 - A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa,
excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II – tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de trata-lo como contrário a qualquer exigência
da ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista
na lei vigente ao tempo de sua prática.
A respeito das exceções legais ao princípio da
irretroatividade, Bastos pondera a favor da possibilidade da aplicação de norma
mais benigna ao contribuinte:
Com relação a retroação benigna, não há controvérsia; parece responder mesmo a um princípio de justiça ou ao menos a uma necessidade de atualizar a lei ante as novas realidades sociais. Aliás, o próprio Texto Constitucional consagra esse princípio no art. 5º, inciso XL, ao dizer “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. 158
157 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p.311. 158 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 699.
76
Portanto, para assegurar a efetividade dos princípios da
legalidade e da segurança jurídica do contribuinte, faz-se necessário que a lei
tributária observe a vedação da retroatividade, desde que ela não tenha efeitos
benéficos, sob pena de afrontar a própria norma constitucional. Cumpre consignar
que a observância irrestrita do princípio constitucional tributário da irretroatividade
prestigia a existência do ato jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito
adquirido.
2.5.2.4 Princípio da isonomia
O enunciado geral do princípio da isonomia encontra-se
disposto no art. 5º, caput, da CRFB/88, que estabelece que “todos são iguais
perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. Consoante aponta Tavares, o
postulado da isonomia foi lançado por Aristóteles, que afirmava que a lei deve
tratar igualmente os iguais e desigualmente aos desiguais, na medida de suas
desigualdades.159
Adentrando no âmbito tributário, o princípio da isonomia
também se denomina princípio da igualdade fiscal, e encontra-se disposto no art.
150, inciso II, da CRFB/88, como segue:
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se
encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Observando o dispositivo constitucional, Amaro explica o
alcance do princípio da isonomia para o ordenamento tributário brasileiro:
Esse princípio implica, em primeiro lugar, que, diante da lei “x”, toda e qualquer pessoa que se enquadre na hipótese legalmente descrita ficará sujeita ao mandamento legal. Não há pessoas
159 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 24.
77
“diferentes” que possam, sob tal pretexto, escapar do comando legal, ou ser dele excluídas. Até ai, o princípio da igualdade está dirigido ao aplicador da lei, significando que este não pode diferenciar as pessoas, para efeito de ora submetê-las, ora não, ao mandamento legal (assim como não se lhes faculta diversificá-las, para o fim de ora reconhecer-lhes, ora não, benefício outorgado pela lei). Em resumo, todos são iguais perante a lei.160
Ampliando esse entendimento, Tavares explica que “o
conteúdo político-ideológico encampado por esse princípio é claro: a lei não pode
servir de fonte de privilégios ou perseguições fiscais”.161
No entanto, não se pode compreender como inconstitucional
todo o benefício ou gravame que a lei tributária venha, por acaso, conferir a
determinada categoria de indivíduos. Essa observação é consignada por Harada,
nos seguintes termos:
É oportuno ressaltar que, quando o tratamento diferenciado, dispensado pelas normas jurídicas, guardar relação de pertinência lógica com a razão diferencial (motivo do tratamento discriminatório), não há que se falar em afronta ao princípio da isonomia. Da mesma forma, não afronta esse princípio quando a lei elege determinada situação objetivamente considerada para prescrever a inclusão ou exclusão de determinado benefício, ou a imposição de certo gravame. 162
Destarte, para sanar eventual dificuldade na aplicação do
princípio da isonomia, faz-se necessário observar a lição de Mello, que esclarece:
“o ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio
isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido
em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele”.163
Soa límpido que a observância do princípio da isonomia é
uma forma de consolidar a justiça fiscal, uma vez que este primado impede a
tributação desigual àqueles contribuintes que se encontram em situações
160 AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro , 2005, p. 135. 161 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 24. 162 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 83. 163 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade . 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 37.
78
análogas, consistindo na permissibilidade de apenas quinhoar desigualmente os
desiguais na proporção de suas desigualdades.
2.5.2.5 Princípio do não-confisco
O ordenamento tributário brasileiro, especificamente o art.
150, inciso IV, da CRFB/88 veda, o efeito confiscatório dos tributos, nos seguintes
termos:
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – utilizar tributo com efeito de confisco;
Utilizando como referente o dispositivo constitucional, Rosa
Júnior explica o significado do tributo com efeito de confisco:
Tributo com efeito confiscatório é aquele que pela sua taxação extorsiva corresponde a uma verdadeira absorção, total ou parcial, da propriedade particular pelo Estado, sem o pagamento da correspondente indenização ao contribuinte. A vedação do tributo confiscatório decorre de um outro princípio: o poder de tributar deve ser compatível com o de conservar, e não com o de destruir. Assim, tem efeito confiscatório o tributo que não apresenta as características de razoabilidade e justiça, sendo, assim, igualmente atentatório ao princípio da capacidade contributiva. 164
Outro não é o entendimento de Harada, que leciona acerca
da mensuração do que pode ser considerado confisco:
Para saber se um tributo é confiscatório ou não, deve-se analisar o mesmo sob o princípio da capacidade contributiva que, por sua vez, precisa ser examinado em consonância com o princípio da moderação ou da razoabilidade da tributação verificando ainda, se a eventual onerosidade da imposição fiscal se harmoniza com os demais princípios constitucionais, garantidores do direito de
164 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário, 2006, p. 275.
79
propriedade, da liberdade de iniciativa, da função social da propriedade, etc. 165
Como corolário, evidencia-se que a vedação ao confisco
tributário deve se coadunar com o princípio da capacidade contributiva, de modo
que o tributo não implique em um sacrifício fiscal tão significativo que destrua o
mínimo de riqueza necessária à garantia de uma sobrevivência digna ao
contribuinte.
2.5.2.6 Princípio da liberdade de tráfego de pessoa s ou bens
O princípio da liberdade de tráfego de pessoas ou bens
encontra-se elencado no art. 150, inciso V, da CRFB/88, que dispõe:
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por
meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;
Em relação a este enunciado principiológico, Harada aduz:
O referido princípio é uma decorrência natural da unidade econômica e política do território nacional. Objetiva assegurar a livre circulação de bens e de pessoas ou meios de transportes, que não pode ser limitada ou embaraçada por tributação interestadual ou intermunicipal, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público.166
Complementando essa definição, Amaro acrescenta:
O que a Constituição veda é o tributo que onere o tráfego interestadual ou intermunicipal de pessoas ou de bens; o gravame tributário seria uma forma de limitar esse tráfego. Em última analise, o que está em causa é a liberdade de locomoção (de
165 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 387. 166 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 395.
80
pessoas ou bens), mais do que a não-discriminação de bens ou pessoas, a pretexto de irem para outra localidade ou de lá virem; ademais, prestigiam-se a liberdade de comércio e o princípio federativo. 167
A propósito de remate, faz-se necessário destacar que a
justificativa que embasa o princípio da liberdade de tráfego de pessoas ou bens
encontra-se no primado constitucional que assegura a liberdade de ir-e-vir e, por
conseguinte, a liberdade de comércio.
2.5.2.7 Princípio da uniformidade geográfica
O princípio da uniformidade geográfica é outro imperativo
constitucional que deve ser observado pelas leis tributárias. Encontra-se disposto
no art. 151, inciso I, da CRFB/88:
Art. 151 – É vedado à União:
I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território
nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;
Focado na temática do princípio da uniformidade geográfica,
Bastos atenta “que os tributos devem ser uniformes quando instituídos pela
União. Entendemos ser esta uma decorrência do princípio federativo, que repele o
tratamento desigual das unidades federadas”.168
Sem embargo, Carvalho aponta o alcance do princípio da
uniformidade geográfica:
Colocando em termos afirmativos, se traduz na determinação imperativa de que os tributos instituídos pela União sejam uniformes em todo o território nacional. É fácil ver, nas suas dobras, mais uma confirmação do postulado federativo e da autonomia dos Municípios, posto que o constituinte vedou a
167 AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro , 2005, p. 146. 168 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 700.
81
eventualidade de qualquer distinção ou preferência relativamente a um Estado, a um Município ou ao Distrito Federal, em prejuízo dos demais. 169
Em desfecho, cumpre advertir que a norma constitucional
impõe à União a observância do princípio da uniformidade, impedindo que
dispense tratamento distinto em termos de instituição de tributos para as
diferentes unidades federadas.
2.5.2.8 Princípio da não-cumulatividade e seletivid ade
No que se refere aos princípios da não-cumulatividade e da
seletividade, convém destacar que ambos são aplicáveis na esfera do ICMS e do
IPI, conforme determina a CRFB/88, nos seguintes dispositivos:
Art. 153 - Compete a União instituir impostos sobre: § 3º - O imposto previsto no inciso IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto; II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em
cada operação com o montante cobrado nas anteriores; Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em
cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.
Destarte, no que tange ao princípio da não-cumulatividade,
Tavares pondera:
Este princípio é alcançado subtraindo-se do imposto devido na operação posterior o que foi cobrado na anterior, operacionalizado
169 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 160.
82
com a técnica da aferição de créditos e débitos por intermédio de um “sistema de conta corrente”.170
Noutro giro, quanto ao princípio da essencialidade, nota-se a
necessidade de o legislador distinguir as cargas tributárias, em grau compatível
com a essencialidade do bem ou serviço. Baleeiro assim leciona acerca da
aplicabilidade do princípio da seletividade:
Refere-se à adequação do produto à vida do maior número dos habitantes do país. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo. Geralmente são os artigos mais raros e, por isso, mais caros. 171
Isto posto, cumpre consignar que é em razão da
observância do princípio da seletividade que os produtos que não são de primeira
necessidade devem ser gravados por exações mais onerosas, ao passo que
produtos e serviços tidos como essenciais para a coletividade devem possuir
alíquotas menos gravosas.
2.5.2.9 Princípio da proporcionalidade e progressiv idade
No atinente aos princípios da proporcionalidade e da
progressividade, cumpre ressaltar que ambos são mecanismos de cunho jurídico
utilizados na graduação dos tributos.
No entanto, cada um deles apresenta peculiaridades quanto
a forma de sua materialização. Para o entendimento destes princípios, utiliza-se
da lição de Tavares:
A proporcionalidade é materializada pelo emprego da alíquota fixa e base de cálculo variável pela norma jurídico-tributária, enquanto a progressividade implica na variação das alíquotas em função da base de cálculo, isto é, quanto mais intenso o estereótipo objetivo
170 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 26. 171 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro , 2001, p. 190.
83
de riqueza apresentado por uma pessoa, mais elevada será a alíquota incidente sobre a base de cálculo legalmente eleita. 172
Evidencia-se que o princípio da progressividade apresenta
intrínseca relação com o primado da capacidade contributiva, uma vez que ambos
visam a consolidação da justiça fiscal. No entanto, de acordo com as normas
constitucionais, o critério da progressividade que determina a variação da alíquota
em função da base de cálculo, somente é admissível aos impostos pessoais,
salvo a exceção da progressividade no tempo do IPTU, disposto no art. 182, § 4º,
inciso II, da CRFB/88.
Em desfecho, a aplicação efetiva do princípio da
proporcionalidade, no Direito Tributário, é regra geral, e, como tal, deve balizar-se
pela proibição do excesso de exação, como forma de evitar a violação de direitos
fundamentais do contribuinte. Assim, o que se deseja com a observância deste
enunciado principiológico é que alíquota incidente em um tributo seja fixa,
enquanto varia apenas a base de cálculo.
2.5.2.10 Princípio da não-discriminação em razão da procedência ou
destino de bens
Encontrando-se disposto no art. 152, da CRFB/88, este
princípio impede que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estabeleçam
diferenças tributárias sobre bens ou serviços, em razão da procedência ou destino
dos bens.
Por oportuno, Carvalho elucida o princípio em comento,
afirmando:
O princípio da não-discriminação tributária, em razão da procedência ou do destino dos bens significa que as pessoas tributantes estão impedidas de graduar seus tributos, levando em conta a região de origem dos bens ou o local para onde se destinem. Em consonância com essa regra constitucional (art. 152), a procedência e o destino são índices inidôneos para efeito
172 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005 p. 29.
84
de manipulação das alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. 173
Em suma, a procedência ou o destino dos bens ou serviços
não pode servir como critério para definição de alíquotas ou base de cálculo de
qualquer tributo que venha a ser instituído pelas Pessoas Políticas competentes,
sob pena de se tornarem inconstitucionais.
2.5.2.11 Princípio da capacidade contributiva
Seguindo determinação constitucional prescrita no art. 145,
§ 1º, da CRFB/88, encontra-se disposto o princípio da capacidade contributiva,
nos seguintes termos:
Art. 145 . A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
poderão instituir os seguintes tributos:
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Por corresponder exatamente ao núcleo da presente
pesquisa, o princípio da capacidade contributiva será o objeto de estudo do
próximo capítulo, abordando desde sua origem, evolução, natureza jurídica,
aplicabilibidade e especialmente a sua eficácia jurídica no ordenamento jurídico-
tributário brasileiro.
173 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 160.
CAPÍTULO 3
O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
3.1 ORIGEM DA NOÇÃO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
A origem da noção de capacidade contributiva está
intrinsecamente relacionada ao ideal de justiça fiscal, que por sua vez, é um
anseio que remonta ao próprio surgimento da noção de tributo.
Destarte, no antigo Egito, os tributos eram cobrados
proporcionalmente ao montante de riqueza do contribuinte, ou seja, a fixação do
valor do tributo a ser pago era determinado em consonância com os parâmetros
que os egípcios entendiam como determinantes para a consecução da justiça
fiscal.174
Seguindo a mesma vertente, os filósofos gregos também
tinham por escopo a contemplação da justiça distributiva no momento da
determinação do valor do tributo a ser pago, de modo a repartir os encargos do
Estado de acordo com as possibilidades de cada contribuinte. No entanto, para os
gregos, a possibilidade de contribuir variava conforme o mérito de cada
cidadão.175
Evidencia-se, assim, que o ideal de justiça fiscal e,
conseqüentemente, o princípio da capacidade contributiva, já norteava o ato de
tributar desde as primeiras civilizações. Atento a essa particularidade, Assunção
leciona:
O princípio da capacidade contributiva, freqüentemente referido como política de Estado democrático é, na verdade, preceito milenar. Foustel de Colanges associa-o à religião antiga e aos direitos de cidadania, sem referir-se a ele pelo nome, ao relatar que em Roma o censo era realizado a cada catorze anos (em
174 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 15. 175 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 15.
86
Atenas, anual), ao duplo propósito de descobrir aqueles que poderiam ser conscritos ao serviço militar, e dimensionar a potencialidade tributável global, o que hoje poderíamos denominar “capacidade contributiva coletiva”.176
Posteriormente, a capacidade contributiva foi implicitamente
disposta na Magna Carta Britânica de 1215, na qual em seu artigo 12,
determinava que as prestações coercitivas deveriam ser fixadas por parâmetros
moderados.177
Seguindo uma orientação cronológica, é possível evidenciar
que na Idade Média, utilizando-se do ideal de justiça distributiva, São Tomás de
Aquino classificou o tributo como justo ou injusto. O primeiro era determinado de
forma proporcional à capacidade contributiva do cidadão, ao passo que o
segundo era fixado pelos soberanos de forma arbitrária. 178
Já em 1776, com a publicação da obra “A Riqueza das
Nações” de Adam Smith, a noção de capacidade contributiva ganhou importância,
uma vez que nesta obra restou determinado que todos deveriam arcar com as
despesas públicas de acordo com seus haveres, sendo este o modo de
concretização da justiça fiscal. Consoante anota Ribeiro:
A Riqueza das Nações, já firmava, dentre as suas quatro máximas a respeito dos impostos em geral, a idéia de que os súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do Governo, em proporção a suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento que cada um desfruta, sob a proteção do Estado.179
Destarte, o ideal de justiça distributiva já se fazia presente
na consciência dos primeiros povos civilizados, conforme ensina Costa:
Nesse momento histórico, tão arraigada já se encontrava a idéia de capacidade contributiva na consciência dos povos civilizados,
176ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de direito na jurisprudência tributária . São Paulo: Atlas, 2002, p. 69. 177 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 15. 178 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 16. 179RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, interpretação e elisão tributária . Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2003, p. 55.
87
que vários episódios políticos de relevo podem ser atribuídos, direta ou indiretamente, à sua inobservância. 180
Como exemplo de dois acontecimentos políticos relevantes,
pode-se elencar a Revolução Francesa de 1789, que foi motivada pela
exacerbada cobrança fiscal do governo de Luís XVI aos cidadãos franceses e a
Inconfidência Mineira, no Brasil, no mesmo ano, decorrência direta da política
fiscal opressiva adotada pelos portugueses em face do ouro brasileiro.
Esses eventos repercutiram sobremaneira, de modo que em
1791, foi editada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
estabelecendo que os impostos deveriam ser pagos proporcionalmente às
possibilidades econômicas de cada indivíduo.
Ao cuidar do tema, Costa destaca que em razão da
repercussão causada por esse documento “a mesma regra foi adotada por todas
as Constituições editadas posteriormente, como a Brasileira de 1824 e o Estatuto
Albertino, de 1848”. 181
Não obstante, somente no século XIX, graças à Ciência das
Finanças, é que verdadeiramente surgiu uma teoria objetiva e coerente acerca do
princípio da capacidade contributiva.
A propósito, a partir deste momento é que a capacidade
contributiva passou a ser gradativamente inserida como objeto de estudo no
âmbito jurídico. Nesse sentido, Costa evidencia como se deu a inserção de tal
princípio na ciência do Direito, nos seguintes termos:
A introdução do tema como objeto de preocupação da Ciência Jurídica deveu-se ao trabalho do professor Benvenuto Griziotti, em 1929, e da escola de seus discípulos, conhecida por Escola de Pávia, uma vez que até então o assunto continuava restrito à apreciação dos estudiosos da Ciência das Finanças. Para Griziotti a capacidade contributiva era a própria causa da obrigação tributária. 182
180COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva . São Paulo: Malheiros, 2003, p. 16. 181 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 17. 182 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 17.
88
Com efeito, em um primeiro momento, o princípio da
capacidade contributiva era entendido tão somente como uma idéia deduzida da
noção de justiça fiscal. Aos poucos, passou a ser associado ao princípio da
isonomia, como uma forma de dar um sentido material a tal princípio, que até
então, era compreendido apenas no seu aspecto formal. Nesse diapasão, Costa
adverte que “o princípio da igualdade era, assim, complementado por um critério
material de justiça apto a distinguir quais as situações iguais e quais as
desiguais”.183
Seguindo a linha evolutiva, o aparecimento de tributos com
natureza extrafiscal suscitou o surgimento de dúvidas quanto à associação do
princípio da capacidade contributiva somente como critério de materialização do
princípio da igualdade. Assim, a partir desse momento, funções distintas foram
atribuídas aos dois princípios, sendo que este entendimento passou a ser
incorporado na maioria das Constituições Modernas, inclusive na CRFB/88, em
seus art. 145, § 1º e 150, inciso II, respectivamente.
Em arremate, cumpre salientar que a noção de capacidade
contributiva surgiu juntamente com o ideal de justiça fiscal, quando do nascimento
da própria noção de tributo, e, gradativamente, foi assumindo sua atual função,
tornando-se, hodiernamente, uma verdadeira limitação ao poder de tributar, uma
vez que utiliza como parâmetro de fixação do valor do tributo a possibilidade
econômica de cada contribuinte.
3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO NO DIREITO BRAS ILEIRO
No Brasil, o princípio da capacidade contributiva apareceu
pela primeira vez inserto na Carta Imperial de 1824, na qual ainda que de forma
bastante vaga, já limitava o exercício das competências tributárias à observância
da capacidade do contribuinte em concorrer com as despesas do Estado através
do pagamento de tributos.
Coadunando-se a este entendimento, Baleeiro leciona que:
183 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 18.
89
O embrião da idéia de capacidade contributiva no direito brasileiro estava no artigo 179, inciso XV, da Constituição do Império de 1824. Inserido no Título 8º, que dispunha “Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros”, dito dispositivo, efetivamente, enunciava que:
Art. 179 (...)
XV. Ninguém será exempto de contribuir para as despezas do
Estado em proporção dos seus haveres.184
No entanto, nas Constituições posteriores à Carta Imperial
até a Constituição Brasileira de 1946, ou seja, nas Cartas Políticas de 1891, 1934
e 1937, nenhum enunciado prestigiou a noção de capacidade contributiva. Assim,
somente em 1946 é que de forma expressa o princípio da capacidade contributiva
foi consagrado em um texto constitucional.
Em outros termos, Rohenkohl destaca:
Foi, todavia, na Constituição de 1946 que o princípio da capacidade contributiva consagrou-se expressamente no direito positivo brasileiro, na redação do seu artigo 202: “Os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”.185
Contudo, no ano de 1965, foi aprovada a EC nº 18, que
propondo uma reforma tributária, revogou o artigo 202 do texto constitucional.
Consoante posição de Oliveira:
Ao retirar do texto da Carta Magna a referência à capacidade contributiva, a Emenda 18/65 dificultou o acesso do contribuinte ao Supremo Tribunal Federal para discussão de questões envolvendo o princípio, ensejando ao legislador grande relaxamento em face dele.186
184BALEEIRO, Aliomar. Limitações ao poder de tributar , 2003, p. 670. 185ROHENKOHL, Marcelo Saldanha. O princípio da capacidade contributiva no estado democrático de direito (dignidade, igualdade e progressividade na tributação). São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 151. 186OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade contributiva : conteúdo e eficácia do princípio. Rio de Janeiro: Renovar, 1988, p. 31.
90
No tocante à disposição do princípio da capacidade
contributiva, tanto a Constituição Brasileira de 1967, como a EC nº 1 de 1969,
permaneceram silentes, não prestigiando tal noção em nenhum de seus
dispositivos.
Com efeito, somente com a promulgação da CRFB/88 é que
novamente o princípio da capacidade contributiva voltou a ser enunciado
constitucional, disposto no artigo 145, § 1º, com a seguinte redação legal:
Art. 145 . A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
poderão instituir os seguintes tributos:
(...)
§ 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
A respeito da inserção do princípio da capacidade
contributiva na CRFB/88, Costa assevera:
Felizmente, a Constituição de 1988, coadunando-se com o panorama verificado no direito constitucional comparado, devolve-nos - ainda que com modificação de redação -, em seu art. 145, § 1º, o preceito contido no art. 202 do Texto Fundamental de 1946, além de consagrar, em outros dispositivos, desdobramentos do princípio da capacidade contributiva.187
Em desfecho, insta advertir que, hodiernamente, o princípio
da capacidade contributiva encontra-se consignado na CRFB/88, especificamente
em seu artigo 145, § 1º.
187 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 20-21.
91
3.3 CONCEITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
O conceito de capacidade contributiva possibilita plúrimos
entendimentos, tendo em vista o alto grau de generalidade que caracteriza tais
expressões.
Não obstante, para Sousa a capacidade contributiva
significa:
A soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades elementares de existência, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas atividades econômicas. 188
Para Tipke e Yamashita:
O princípio da capacidade contributiva significa: todos devem pagar impostos segundo o montante da renda disponível para o pagamento de impostos. Quanto mais alta a renda disponível, tanto mais alto deve ser o imposto. Para contribuintes com rendas disponíveis igualmente altas o imposto deve ser igualmente alto. Para contribuintes com rendas disponíveis desigualmente altas o imposto deve ser desigualmente alto. 189
Assim, apesar da dificuldade para definir o conceito de
capacidade contributiva, a doutrina em geral é uníssona no que tange a noção
genérica de que a tributação, em observância ao enunciado da capacidade
contributiva, deve limitar-se aos fatos signos presuntivos de riqueza do sujeito
passivo.
Seguindo esse entendimento, Horvath sintetiza: “A
capacidade contributiva traduz-se na exigência de que a tributação seja modulada
de modo a adaptar-se à riqueza dos contribuintes”.190
Destarte, o princípio da capacidade contributiva pode ser
conceituado como a potencialidade do contribuinte de suportar o ônus fiscal
188 SOUSA, Rubens Gomes. Compêndio de legislação tributária . São Paulo: Póstuma, 1981, p. 95. 189 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva . São Paulo: Malheiros, 2002, p. 31. 190 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário b rasileiro . São Paulo: Dialética, 2002, p. 69.
92
proporcionalmente a soma de riqueza disponível, sempre resguardado o mínimo
necessário para a sua existência.
3.4 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ABSOLUTA E CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA RELATIVA
No tocante à capacidade contributiva, a doutrina costuma
dividi-la em capacidade contributiva absoluta ou objetiva e capacidade
contributiva relativa ou subjetiva.
Em conformidade com o entendimento de Costa:
Fala-se em capacidade contributiva absoluta ou objetiva quando se está diante de um fato que se constitua numa manifestação de riqueza; refere-se o termo, nessa acepção, à atividade de eleição, pelo legislador, de eventos que demonstrem aptidão para concorrer às despesas públicas. Tais eventos, assim, escolhidos, apontam para a existência de um sujeito passivo em potencial.191
Ainda, acerca desta divisão doutrinária, a mesma autora
salienta que:
Diversamente, a capacidade contributiva relativa ou subjetiva – como a própria designação indica – reporta-se a um sujeito individualmente considerado. Expressa aquela aptidão de contribuir na medida das possibilidades econômicas de determinada pessoa. Nesse plano, presente a capacidade contributiva in concreto, aquele potencial sujeito passivo torna-se efetivo – apto, pois, absorver o impacto tributário.192
Assim, enquanto a capacidade contributiva absoluta é
aptidão generalizada e abstrata para o pagamento de tributos, a capacidade
contributiva relativa, por sua vez, dirige-se especificamente a um contribuinte, de
modo a delimitar qual é a efetiva e concreta capacidade que este possui para
pagar tributos.
191 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 27. 192 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 27.
93
Costa leciona acerca da função da capacidade contributiva
quando analisada em seu aspecto objetivo:
A capacidade contributiva absoluta ou objetiva funciona como pressuposto ou fundamento jurídico do tributo, ao condicionar a atividade de eleição, pelo legislador, dos fatos que ensejarão o nascimento de obrigações tributárias. Representa sensível restrição à discrição legislativa, na medida em que não autoriza, como pressuposto de impostos, a escolha de fatos que não sejam reveladores de alguma riqueza.
A propósito, a importância do conceito de capacidade
contributiva absoluta encontra fundamento no instante em que o legislador define
quais serão os fatos tributáveis, ou seja, quais fatos da vida social devem ser
tributados por serem indícios de capacidade econômica.
Com o fulcro de consolidar esse entendimento, Xavier
apregoa:
Nem todas as situações da vida abstratamente suscetíveis de desencadear efeitos tributários podem, pois, ser designadas pelo legislador como factos tributáveis. Este encontra-se limitado na sua faculdade de seleção pela exigência de que a situação da vida a integrar na previsão da norma seja reveladora de capacidade contributiva, isto é, de capacidade econômica, de riqueza, cuja expressão sob qualquer forma se pretende submeter a tributo. Pode o legislador escolher livremente as manifestações de riqueza que repute relevantes para efeitos tributários, bem como delimitá-las por uma ou outra forma, mas sempre deverá proceder a essa escolha dentre as situações da vida reveladoras de capacidade contributiva e sempre a estas se há de referir na definição dos critérios de medida do tributo. 193
Deste modo, evidencia-se que o momento da escolha dos
fatos a serem tributáveis deve pautar-se pela noção de capacidade contributiva
absoluta, que determinará os sujeitos passivos em potencial.
193 XAVIER, Alberto. Manual de direito fiscal . V. I. Lisboa: Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, p. 28.
94
Noutro giro, a capacidade contributiva, na sua vertente
subjetiva, atua inicialmente como critério de definição no momento da graduação
dos tributos, ou seja, especificará a efetiva capacidade contributiva de cada um
dos contribuintes em potencial. Opera, portanto, na apuração do valor do tributo,
considerando os índices reveladores da situação econômica de cada sujeito
passivo.
3.5 FUNDAMENTO ECONÔMICO DO CONCEITO DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA
A análise do princípio da capacidade contributiva permite
deduzir que ele possui tanto fundamento econômico, como fundamento jurídico.
Atenta a esta particularidade, Costa afirma:
No que concerne à capacidade contributiva não se pode negar o fundamento econômico do conceito, por vezes identificável com “capacidade econômica”. Por outro lado, também não se pode refutar seu conteúdo jurídico, na medida em que se encontra amalgamado com a idéia de justiça tributária.194
Por oportuno, nada obsta a inserção de formulação de
cunho econômico no âmbito jurídico, especialmente quando o próprio texto
constitucional assim o autoriza, como no caso do princípio da capacidade
contributiva, que encontra efetividade no momento em que utiliza parâmetros
econômicos para definir os índices reveladores de riqueza do sujeito passivo, ou
seja, sua verdadeira capacidade econômica de suportar a atuação fiscal do
Estado.
Nesse sentido, Costa adverte que “o legislador deve, tanto
quanto possível, receber os conceitos elaborados pela Ciência das Finanças a fim
de assegurar a captação de índices que constituam autênticas manifestações de
riqueza”.195
Entretanto, apesar do aspecto econômico constituir o
conteúdo essencial da capacidade contributiva, pode ocorrer do contribuinte
194 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 34. 195 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 29.
95
possuir capacidade econômica e esta não se refletir em capacidade para
contribuir. Esta possibilidade é esclarecida por Natoli, citado por Costa:
Um sujeito pode ser capaz economicamente, no sentido de possuir renda ou patrimônio, mas não ter capacidade contributiva, se esta renda ou patrimônio permitir somente um mínimo vital, intributável. Assim, demonstra, numa primeira conclusão, a natureza “essencialmente”, mas não “exclusivamente econômica”
da capacidade contributiva. 196
Sem embargo, se por um lado não há que se falar em
capacidade contributiva na ausência de capacidade econômica, o inverso também
se apresenta como verdadeiro, uma vez que a capacidade econômica pode não
acarretar necessariamente em aptidão para contribuir.
Posto isto, impende assinalar que por mais que a
capacidade contributiva se fundamente na capacidade econômica do sujeito
passivo, o ideal maior que deve nortear sua atuação é o da justiça fiscal, que por
sua vez interessa sobremaneira à Ciência Jurídica.
Assim, respeitada a importância do fundamento econômico
do princípio da capacidade contributiva, este deve pautar-se necessariamente
pelo conteúdo jurídico para assegurar a efetivação da justiça distributiva.
3.6 DISCRIMINAÇÃO TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE CONTRIBUT IVA
O princípio da capacidade contributiva ao definir critérios de
graduação do tributo, relaciona-se diretamente com o princípio da isonomia, uma
vez que determina distinções e igualações entre os contribuintes, em face da
potencialidade para contribuir de cada um dos sujeitos passivos.
Deste modo, em razão do postulado da capacidade
contributiva, todos aqueles que possuem igual capacidade devem ser igualmente
tributados, ao passo que a distinta capacidade de contribuir, determina
discriminações.
196 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 34-35.
96
No tocante a estas discriminações tributárias, Costa explica
qual é o critério utilizado pelo princípio da capacidade contributiva para determiná-
las:
O fator de discrímen é, singelamente, a riqueza de cada potencial contribuinte, revelada pelo fato imponível. A discriminação é feita consoante diversas manifestações de capacidade econômica, de modo que é impossível que venha ela a atingir, de modo atual e absoluto, um único indivíduo.197
Deveras, em razão da utilização do fator riqueza como
critério determinante da discriminação tributária em observância ao princípio da
capacidade contributiva, cumpre perquirir se esta discriminação é admissível sob
a ótica do princípio da isonomia. Para tanto, Mello elenca quatro condições
necessárias para a aceitação desta discriminação:
1) que a discriminação não atinja de modo atual e absoluto um só indivíduo;
2) que o fator de desigualação consista num traço diferencial residente nas pessoas ou situações; vale dizer, que não lhes seja alheio;
3) que exista um nexo lógico entre o fator de discrímen e a discriminação legal estabelecida em razão dele;
4) que, no caso concreto, tal vínculo de correlação seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, visando ao bem público, à luz do texto constitucional.198
Logo, evidencia-se que a riqueza do contribuinte como fator
de desigualação tributária coaduna-se com o ideal do princípio da isonomia,
tornando-se um critério de discriminação tributária admissível, uma vez que tal
discriminação permite a consolidação do ideal constitucional de justiça
distributiva.
Outra não foi a conclusão a que chegou Costa, levando-a a
afirmar que:
197 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 40. 198 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 2001, p. 37-38.
97
Finalmente, in concreto, essa discriminação curva-se aos interesses constitucionalmente protegidos, com vista ao interesse coletivo, quais sejam: a distribuição da riqueza e a justiça social. Portanto, a graduação tributária fixada em função da capacidade econômica dos sujeitos soa legítima, conformando-se aos ditames do princípio da isonomia.199
Com efeito, a observância da riqueza do sujeito passivo
como critério de discriminação tributária é um modo de consolidar tanto o princípio
da capacidade contributiva, bem como o primado da justiça fiscal, permitindo que
a tributação seja igual aos contribuintes que se encontrem em situações iguais, na
medida de suas reais igualdades.
3.7 NATUREZA DA NORMA ACOLHEDORA DO PRINCÍPIO
Acerca da natureza da norma constitucional que acolhe o
princípio da capacidade contributiva, a doutrina possui dois entendimentos
divergentes. De um lado, existem doutrinadores que sustentam que a regra
insculpida no art. 145, §1º da CRFB/88, possui natureza meramente
programática, que segundo Miranda:
São aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos. A legislação, a execução e a própria justiça ficam sujeitas a esses ditames que são programas dados à sua função.200
Seguindo esta vertente, de modo a entender que a norma
que hospeda o princípio da capacidade contributiva assume a forma de uma
diretriz, Tavares dispõe:
Face o sentido e alcance do comando plasmado no §1º do art. 145 da Carta Suprema, a nosso ver, tal enunciado principiológico assume função nimiamente programática, diretiva (directory
199 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 40. 200 MIRANDA, Pontes de.Comentários à constituição de 1967 , com a emenda nº 1, de 1969, tomo I. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1969, p. 126-127.
98
provision), endereçando-se não propriamente à Administração ou ao Judiciário, mas fundamentalmente ao legislador. 201
Noutro giro, em menor número, existem outros doutrinadores
que sustentam que a norma do art. 145, §1º da CRFB/88 possui natureza
meramente peremptória, entendida por Costa como “oposto de regra
programática, ou seja, regra de execução ou aplicação imediata, intangível e de
caráter compulsório”. 202
Logo, para os que se coadunam a este entendimento, a
norma acolhedora do princípio da capacidade contributiva possui conteúdo
peremptório, traduzindo-se em verdadeira regra preceptiva, que por sua vez,
vincula tanto o legislador infraconstitucional como o magistrado. Acerca desta
vinculação, Costa consigna que:
Para o primeiro ela é obrigatória, na medida em que ele, para a composição das hipóteses de incidência tributária de impostos, está adstrito a eleger fatos que demonstrem capacidade econômica, observadas as regras-matrizes de incidência já delineadas na Constituição, sendo tais tributos consoante ela graduados, sob pena de se incorrer em inconstitucionalidade. Para o segundo a norma é compulsória no sentido de que a ela cabe declarar a aludida inconstitucionalidade, bem como reconhecer a inexistência ou insuficiência de efetiva capacidade contributiva no caso concreto. 203
Posto isto, forçoso concluir que existem entendimentos
distintos no que tange à natureza da norma constitucional acolhedora do princípio
da capacidade contributiva.
3.7.1 Eficácia e aplicabilidade das normas constitu cionais
Com o fulcro de melhor compreender a temática da eficácia
e da aplicabilidade do dispositivo constitucional que acolhe o princípio da
capacidade contributiva, faz-se necessário analisar esses dois aspectos no que
concernem as normas constitucionais como um todo.
201 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 26. 202 COSTA, Regina Helena. Principio da capacidade contributiva , 2003, p. 46. 203 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 46-47.
99
Desse modo, quanto aos aspectos da eficácia e da
aplicabilidade, as normas constitucionais são classificadas, de acordo com Silva,
citado por Costa em: normas de eficácia plena e aplicabilidade direta e integral,
normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passíveis de restrição e
normas de eficácia limitada e reduzida, compreendendo as normas definidoras de
princípio institutivo e as definidoras de princípios programáticos.204
A propósito, Silva define as normas de eficácia plena e
aplicabilidade direta, imediata e integral nos seguintes termos:
são aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem ou têm a possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente quis regular. 205
Noutro giro, no que se refere às normas de eficácia contida e
aplicabilidade imediata, Costa parafraseando a lição de Silva explica que:
As normas de eficácia contida, por seu turno, também gozam da mesma normatividade, porém prevêem meios normativos (leis, conceitos genéricos, etc) não destinados a desenvolver sua aplicabilidade, mas, ao contrário, permitindo limitações à sua eficácia e aplicabilidade. 206
Com efeito, seguindo a classificação, as normas de eficácia
limitada ou reduzida, por não serem dotadas de normatividade suficiente para a
efetiva e imediata aplicação, podem ser divididas em normas definidoras de
princípio institutivo ou definidoras de princípios programáticos.
As primeiras são definidas por Silva como aquelas "através
das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e
atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os
estruture em definitivo, mediante lei”. 207
204COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 47. 205SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais . 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 101. 206COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 48. 207SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais , 1998, p. 126.
100
Por outro lado, para Silva as normas de eficácia limitada
definidoras de princípios programáticos são:
Normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta ou imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridas pelos seus órgãos (legislativo, executivo, judiciário e administrativo), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado.208
A propósito, como se assevera do conceito supra
mencionado, as normas de conteúdo programático geram uma significativa
polêmica no que se refere a sua juridicidade e imperatividade, questionando-se
por vezes a efetiva aplicabilidade das mesmas.
Contudo, contrapondo-se ao entendimento da ausência de
juridicidade das normas programáticas, Canotilho adverte:
Marcando uma decidida ruptura em relação à doutrina clássica, pode e deve dizer-se que hoje não há normas constitucionais programáticas. É claro, que continuam a existir normas-fim, normas-tarefa, normas programa que ‘impõem uma atividade’ e ‘dirigem’ materialmente a concretização constitucional. Mas o sentido dessas normas não é o que lhes assinalava tradicionalmente a doutrina: ‘simples programas’, ‘exortações morais’, ‘declarações’, ‘sentenças políticas’, ‘aforismos políticos, ‘promessas’, ‘apelos ao legislador’, ‘programas futuros’, juridicamente desprovidos de qualquer vinculatividade. Às ‘normas programáticas’ é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da Constituição. Mais do que isso: a eventual mediação de instância legiferante na concretização das normas programáticas não significa a dependência deste tipo de normas da interpositio do legislador; é a positividade das normas-fim e normas-tarefa (normas programáticas) que justifica a necessidade da intervenção dos órgãos legiferantes. Concretizando melhor, a positividade jurídico-constitucional das normas programáticas significa fundamentalmente:
208SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais , 1998, p. 138.
101
1) vinculação do legislador, de forma permanente, à sua realização (imposição constitucional);
2) como directivas materiais permanentes, elas vinculam positivamente todos os órgãos concretizadores, devendo estes tomá-las em consideração em qualquer dos momentos da atividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição);
3) como limites negativos, justificam a eventual censura, sob a forma de inconstitucionalidade, em relação aos atos que as contrariam. 209
Em desfecho, verifica-se que as normas constitucionais
programáticas ao elencarem os valores de justiça social que devem ser
protegidos pelo Estado, apresentam eficácia jurídica e imediata para vincular
tanto o legislador infraconstitucional, bem como o Poder Judiciário e a própria
Administração Pública, condicionando-os em suas atividades discricionárias.
3.7.2 Eficácia e aplicabilidade da norma hospedeira do princípio da
capacidade contributiva
No tocante a eficácia e aplicabilidade da norma que acolhe o
princípio da capacidade contributiva, impende assinalar que apesar da natureza
da norma ser predominantemente programática, isto não exclui a preceptividade e
nem a conseqüente eficácia deste dispositivo constitucional.
Atenta a esta particularidade, Costa anota em que momento
pode-se verificar a preceptividade do art. 145, §1º da CRFB/88, nos seguintes
termos:
Desse modo, a preceptividade da norma constitucional que acolhe o postulado em exame revela-se, exatamente, quando do exercício da competência tributária em matéria de impostos, que não poderá ser exercida em desapreço à capacidade econômica dos contribuintes.210
Por outro lado, no que toca a análise de sua eficácia,
cumpre perquirir que apesar de possuir conteúdo próprio, a capacidade
contributiva é considerada o critério de comparação necessário para a
209CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional , 1993, p. 132. 210COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 51.
102
materialidade e conseqüente efetividade do princípio da isonomia, de tal sorte
que, se este princípio tem aplicação imediata concedido pelo próprio texto
constitucional, o mesmo deve ocorrer com o princípio da capacidade contributiva.
Nesse sentido, o pensamento de Tipke e Yamashita:
Ao expressamente determinar que “(...) os impostos serão (...) graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, o art. 145, §1º, da Constituição Federal/1988 reconhece na expressão “graduados segundo a (...)” que a capacidade econômica é o principal e mais adequado critério de comparação do princípio da igualdade aplicado ao Direito Tributário. Portanto, se o princípio da capacidade contributiva é norma definidora da própria garantia fundamental à igualdade em matéria tributária e se, nos termos do art. 5º, §1º, da Constituição Federal/1988, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, logo, o princípio da igualdade segundo a capacidade contributiva tem aplicação imediata.211
Na mesma linha de entendimento e por idênticos
fundamentos, Costa consigna:
Como expressão, no campo tributário, de princípio de maior amplitude, que é o da igualdade, o postulado da capacidade contributiva carrega consigo a plenitude de eficácia atribuída àquele. Na verdade, se não há discordância quanto à eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral do princípio da igualdade, parece dezarrazoado entender-se diversamente no que concerne à diretriz da capacidade contributiva. 212
Sem embargo, a norma acolhedora do princípio da
capacidade contributiva não encerra mera diretriz programática, possuindo
aplicabilidade imediata no instante do exercício da competência tributária, uma
vez que esta deve observar o estereótipo objetivo de riqueza do contribuinte.
No entanto, apesar deste princípio produzir efeitos jurídicos
ao vincular a atuação do juiz, do legislador e do administrador público, sua
211TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva , 2002, p. 56. 212COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 50.
103
eficácia é variável de acordo com o nível de importância a ele atribuído, tanto pela
população em geral, como pelos membros dos Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário no exercício de suas atribuições. Elucidativo, neste sentido, é o
pensamento de Machado:
A eficácia do princípio da capacidade contributiva, como a eficácia de qualquer princípio jurídico, depende do grau de desenvolvimento cultural do povo, que define o grau de disposição das pessoas para defenderem os seus direitos. No plano jurídico, todavia, tem-se que o princípio da capacidade contributiva pode ser apenas um princípio implícito, ou um desdobramento, ou uma forma de manifestação do princípio da isonomia jurídica. Pode-se, todavia, ter no sistema jurídico uma norma expressa que o consubstancia. Tal norma, tanto pode situar-se no plano constitucional, como acontece no Brasil, como no plano infraconstitucional. Residindo o princípio no plano constitucional, tem-se que a sua eficácia dependerá apenas do grau de interesse que tenham as pessoas na defesa de seus direitos, e especialmente do preparo e da independência dos que corporificam o poder decisório do Estado, vale dizer, no Brasil, o Poder Judiciário, e especialmente, o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe, em última instância,
fazer valer a Constituição. 213
A guisa de conclusão deste tópico, cabe salientar que o
caráter programático da norma constitucional hospedeira do princípio da
capacidade contributiva não retira de seu conteúdo certa preceptividade, o que
assegura sua eficácia plena de forma a vincular o titular do poder normativo à
observância deste postulado constitucional quando da criação das diversas
figuras tributárias.
3.8 EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIV A
Uma vez analisada a aplicabilidade da norma constitucional
que acolhe o princípio da capacidade contributiva, cabe detalhar as funções da
eficácia deste dispositivo. No entanto, em termos gerais, pode-se destacar que a
213MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituiç ão de 1988, 2004, p. 88.
104
principal é sua capacidade de limitar o poder de tributar, assegurando a proteção
ao direito subjetivo dos sujeitos passivos de serem tributados proporcionalmente
aos fatos signos presuntivos de riqueza que façam presumir a capacidade
econômica que cada contribuinte possui.
3.8.1 Aplicabilidade aos tributos não-vinculados a uma atuação estatal
Diferindo da Constituição Brasileira de 1946 que
expressamente determinava a observância do princípio da capacidade
contributiva na graduação dos tributos, a CRFB/88, ao tratar deste enunciado
principiológico, faz menção expressa somente a sua aplicabilidade quanto aos
impostos. Em conseqüência, essa opção legislativa instaurou controvérsia
concernente à possibilidade ou não de ser observado tal princípio às demais
espécies tributárias.
Logo, existem três posições doutrinárias que sinalizam
diferentemente acerca da possibilidade ou não de aplicabilidade do princípio da
capacidade contributiva quando da fixação dos valores dos tributos considerados
vinculados à atuação do Estado.
No tocante a primeira corrente doutrinária que admite a
aplicabilidade do princípio apenas aos impostos, Costa pondera:
Sustentar a necessidade de observância do princípio da capacidade contributiva nas taxas é não atentar para a natureza dessas imposições tributárias. Significando uma contraprestação pela atuação do Poder Público, diretamente referida ao contribuinte, não se pode erigir nas taxas, como critério informador desses tributos, uma circunstância absolutamente alheia a essa atuação estatal. Vale dizer, se, com a taxa, se pretende remunerar a atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma, e não à capacidade contributiva do sujeito passivo, irrelevante para a hipótese de incidência ou para a graduação da taxa. 214
Assim, de acordo com este entendimento, o pagamento do
tributo seria graduado de acordo com o serviço público oferecido ou com a
214COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 57.
105
atividade de polícia desencadeada, independentemente da condição financeira do
sujeito passivo da taxa.
Filiando-se a este posicionamento, Ávila estende essa
inaplicabilidade referente às taxas, também em relação às contribuições de
melhoria e às contribuições sociais:
Os tributos com caráter retributivo não têm relação direta com a capacidade econômica do sujeito passivo. Eles se referem a uma prestação já efetivada ou colocada à disposição do Estado, relativamente ao particular (taxas, art. 145, II), a uma contribuição decorrente de uma atividade estatal (contribuições de melhoria, art. 145, III) ou a uma atividade estatal relacionada a finalidades públicas constitucionalmente delimitadas (contribuições sociais, arts. 149 e 195).215
Noutro giro, outros doutrinadores propugnam pela
aplicabilidade compulsória da capacidade contributiva às exações em geral,
aduzindo que o Estado, ao instituir tributos de qualquer espécie, não pode
desconsiderar as peculiaridades da condição financeira do sujeito passivo. Nesse
sentido, Oliveira leciona:
Também por força da isonomia constitucional, que, iluminada pela
noção de capacidade contributiva, determina que pessoas em posições econômicas diversas paguem tributo diferenciado, as taxas admitem graduação em função de condições fáticas do contribuinte indicadoras de riqueza, podendo implicar em diferentes quantidades ou unidades de serviço público, e, pois, de cobrança.216
Em que pese esta orientação, a forma com o qual a
capacidade contributiva é aplicada em outras espécies tributárias além do imposto
é explicada por Coêlho, que esclarece:
Nas taxas e contribuições de melhoria, o princípio realiza-se negativamente pela incapacidade contributiva, fato que
215ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios – da definição à aplicação do s princípios jurídicos. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 382. 216OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade contributiva - conteúdo e eficácia do princípio, 1988, p. 97.
106
tecnicamente gera remissões e reduções subjetivas do montante a pagar imputado ao sujeito passivo sem capacidade econômica real.217
Outrossim, especificamente em relação à taxa como tributo
vinculado à atuação estatal, Dório citado por Rohenkohl assevera:
Sendo a taxa um tributo, não há como fugir à conclusão de que o Estado pode discriminar quanto à contraprestação de um mesmo serviço, entre os indivíduos que realizem maiores ou menores recursos econômicos. 218
Partidário da posição doutrinária que sustenta a obrigatória
observância do primado da capacidade contributiva na fixação de qualquer
espécie tributária, Tavares ensina:
Trata-se, como se percebe de sua clara redação, de princípio informador dos impostos, mas que não lhe é privativo, já que deita raízes no magno postulado da isonomia, uma diretriz aplicável genericamente a qualquer espécie tributária e que rende homenagem ao ideal republicano de afastar, também no campo fiscal, privilégios sem a suficiente e necessária correlação lógica entre o fator escolhido como critério de discrímen e a conseqüente discriminação legal levada a termo em função dele. 219
Soa límpido que os adeptos a esta posição doutrinária
acreditam que a capacidade contributiva, por assentar-se no postulado da
isonomia, aplicável a toda espécie de tributos, igualmente sujeita todas as
espécies tributárias. No entanto, reconhecem que esta sujeição ocorre de forma
mais restrita no que diz respeito às exações vinculadas a uma contraprestação
estatal.
Em arremate, adotando um posicionamento que integra
concepções das duas posições supramencionadas, encontra-se o entendimento
que apregoa a obrigatoriedade da observância do princípio da capacidade
217COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro , 2006, p. 86. 218ROHENKOHL, Marcelo Saldanha. O princípio da capacidade contributiva no estado democrático de direito (dignidade, igualdade e progressividade na tributação), 2007, p. 168. 219TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 25.
107
contributiva apenas aos impostos, em face da facultatividade da sua aplicação em
relação às demais espécies de tributos.
Esse pensamento é contemplado na nota de Derzi à obra de
Baleeiro:
A Constituição brasileira, não obstante, adotando a melhor técnica, restringe a obrigatoriedade do princípio aos impostos, conforme dispões o art. 145, §1º. É que, enquanto a base de cálculo dos impostos deve mensurar um fato-signo, indício de capacidade econômica do próprio contribuinte, nos chamados tributos vinculados – relativos às taxas e contribuições – ela dimensiona o custo da atuação estatal ou a vantagem imobiliária auferida pelo contribuinte, advinda da obra pública. Tal constatação não impede que o legislador conceda a isenção em se tratando de certos serviços públicos. 220
Seguindo esta mesma linha de entendimento, Carrazza destaca:
Nada impede que também as taxas e a contribuição de melhoria sejam graduados segundo a capacidade econômica dos contribuintes, tendo em vista, inclusive, o princípio da igualdade. Apenas, isto fica ao talante do legislador ordinário, não sendo uma exigência do artigo 145, §1º, da CF.221
Assim, no tocante a análise da aplicabilidade do princípio ora
plasmado, é possível perquirir a existência de controvérsias doutrinárias sobre a
influência desse princípio em relação às demais espécies tributárias, de modo que
o mais arrazoado é observar sua aplicação no caso concreto, após a observância
da natureza jurídica do tributo.
3.8.2 O alcance da expressão “sempre que possível”
O dispositivo em exame reza:
Art. 145 (...)
220BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro , 2001, p. 695. 221CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 84.
108
§1º- Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
A propósito, a doutrina não é uníssona no que se refere à
interpretação da expressão “sempre que possível” contida no enunciado do
princípio da capacidade contributiva. Greco, ao identificar a existência de três
possíveis interpretações acerca desta expressão, assim as descreve:
A primeira afirma que ele conteria apenas uma recomendação, como se dissesse: 'se puder, faça'. Um segundo sentido – mais nítido – é o que lhe atribui papel negativo. Vale dizer, quando a Constituição estabelece que ”sempre que possível” deve ser atendida a capacidade contributiva, disto decorre que, por haver prestigiado tal figura, a Constituição não admite imposto sem ela. Há um terceiro entendimento a ser considerado que defende existir um ângulo positivo do “sempre que possível”, no sentido de que o preceito conteria a previsão de que “só quando não for possível é que pode deixar de ser atendido o princípio da capacidade contributiva. Ou seja, colocando a tônica no “sempre” e não no “possível”. Sempre que for possível, atenda-se à capacidade contributiva. Vale dizer, se puder demonstrar que era possível atender à capacidade contributiva e isso não foi feito, haverá violação ao dispositivo constitucional. Ou seja, não é apenas quando ela inexistir (limite negativo) que haverá inconstitucionalidade, mas também quando existir, mas não for adequadamente captada, haverá violação ao §1º do art. 145. Numa visão forte, a expressão está determinando que a capacidade contributiva deve ser, necessariamente, atingida sempre que detectada. 222
Refutando o primeiro posicionamento que sustenta que a
expressão “sempre que possível" é mera recomendação legal, Carrazza adverte:
222GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário . São Paulo: Dialética, 2004, p. 299-300.
109
A nosso ver, ele não está fazendo – como já querem alguns – uma mera recomendação ou um simples apelo para o legislador ordinário. Em outras palavras, ele não está autorizando o legislador ordinário a, se for de seu agrado, graduar os impostos que criar, de acordo com a capacidade econômica dos contribuintes.223
Outrossim, partidário da segunda linha de entendimento,
Martins nega qualquer faculdade constitucional de não aplicação do princípio da
capacidade contributiva aos impostos, advertindo:
Nada obstante a imperfeição lingüística, que poderá levar a interpretações menos avisadas, entendo que o discurso inicial diz respeito apenas à graduação pessoal, visto que, em dispositivo posterior, proíbe a Constituição que a tributação tenha efeitos confiscatórios. A interpretação, portanto, mais coerente é a de que a capacidade contributiva (canhescamente denominada de econômica) seja respeitada sempre, e não se possível, para que seu desrespeito não implique confisco. Até porque confisco é a forma clássica de desrespeito à capacidade contributiva.224
Por ora, Martins ainda sugere nova redação ao dispositivo
constitucional, a fim de evitar interpretações jurídicas equivocadas:
Melhor redigido estaria tal dispositivo dizendo: os impostos terão caráter pessoal, sempre que possível, e serão graduados segundo ... desta forma daria melhor interpretação, no sentido de que a ressalva, sempre que possível, só refere-se ao caráter pessoal, não se aproveitando no que diz respeito à observância do princípio da capacidade contributiva. 225
Noutro giro, a terceira posição doutrinária entende pela
aplicação do princípio da capacidade contributiva sempre que a natureza do
tributo assim o permitir. Coadunando-se a este entendimento, Carrazza interpreta
a expressão “sempre que possível” da seguinte maneira:
223CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 100. 224MARTINS, Ives Gandra da Silva. Capacidade econômica e capacidade contributiva . Caderno de pesquisas tributárias, vol. 14. São Paulo: Resenha Tributária, 1989, p. 42-43. 225MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema tributário na constituição de 1988 . São Paulo: Saraiva, 1989, p. 76.
110
Se for da índole constitucional do imposto, ele deverá obrigatoriamente ter caráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Ou, melhor: se a regra-matriz do imposto (traçada na Constituição Federal) permitir, ele deverá necessariamente obedecer ao princípio da capacidade contributiva. 226
No mesmo sentido e por idênticos fundamentos, Melo
argumenta:
Casos em que nem sempre é possível avaliar o cunho pessoal e o envolvimento econômico do devedor do imposto. Como a estrutura da norma tributária sempre revela a intensidade econômica do ônus imputado ao contribuinte, forçoso defluir o entendimento de que sempre é possível apreender o caráter pessoal e a capacidade econômica do contribuinte. O que nem sempre será possível é obter, com absoluta segurança e certeza, o caráter eminentemente pessoal e a exata capacidade econômica. 227
O mesmo autor ainda conclui:
A expressão sempre que possível deve significar o ingente e exaustivo esforço a ser pautado pelo legislador, para disciplinar o ônus tributário, com a maior segurança (possível) e com a menor margem de engano (também possível), a fim de que o contribuinte participe das necessidades coletivas (interesse público), com suportável parcela do seu patrimônio. 228
Posto isso, verifica-se que a controvérsia doutrinária acerca
do alcance da expressão “sempre que possível” situa-se no grau de
compulsoriedade do princípio da capacidade contributiva. No entanto, Tipke e
Yamashita, concluindo pela observância do princípio da capacidade contributiva
sempre que a natureza do tributo permitir, afirmam:
Portanto, na verdade, a expressão “sempre que possível” visa a esclarecer que o art. 145, §1º, não é uma regra, mas sim um
226CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 100. 227MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário , 2005, p. 32. 228MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário , 2005, p. 33.
111
princípio, pois consiste num comando de maximização de eficácia, que pode ser cumprido em diferentes graus, e que a medida devida de seu cumprimento depende não só das possibilidades reais, senão também das possibilidades jurídicas – estas, por sua vez, determinadas pelos princípios e regras opostos, como o princípio da unidade do ordenamento jurídico, o princípio da praticabilidade e os princípio do Estado Social ou de Ordem Econômica que fundamentam as normas extrafiscais. Enfim, ao inserir na Constituição a cláusula “sempre que possível (...)” à norma “os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...)”, o legislador constituinte deixa claro que se trata de um princípio que por natureza não é uma norma de validade absoluta como as regras e que, portanto, admite exceções momentâneas e flexíveis, desde que devidamente justificadas e obedientes ao princípio da proporcionalidade. 229
Em arremate, apesar da existência de três possíveis
interpretações dadas pela doutrina à expressão “sempre que possível”, evidencia-
se que é majoritário o entendimento de que o princípio da capacidade contributiva
deverá ser compulsoriamente observado sempre que isso seja possível,
atentando-se para a natureza dos tributos.
3.8.3 Preservação do mínimo vital ou existencial
O princípio da capacidade contributiva, ao atuar como
verdadeira limitação ao poder de tributar, impõe a necessidade de se preservar da
atuação fiscal do Estado o mínimo vital ou existencial do contribuinte. Assim, a
tributação só se torna possível quando os fatos signos presuntivos de riqueza do
sujeito passivo excederem o mínimo vital.
Coadunando-se a este entendimento, Tipke e Yamashita
advertem:
O princípio da capacidade contributiva protege o mínimo existencial. Enquanto a renda não ultrapassar o mínimo existencial não há capacidade contributiva. O mesmo resulta da
229TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva , 2002, p. 54.
112
dignidade humana e do princípio do Estado Social. O princípio da capacidade contributiva atende a ambos princípios. Num Estado Liberal não é permitido que o mínimo existencial seja subtraído pela tributação, parcial ou totalmente, e uma compensação seja dada em benefícios previdenciários. O Estado não pode, como Estado Tributário, subtrair o que, como Estado Social, deve devolver. Não apenas para o imposto de renda, mas para todos os impostos, o mínimo existencial é um tabu. O princípio da unidade do ordenamento jurídico determina que o mínimo existencial fiscal não fique abaixo do mínimo existencial do direito da seguridade social. 230
No entanto, de acordo com Costa, não é tão fácil definir no
caso concreto o que pode ser considerado mínimo vital, uma vez que tal conceito
revela uma grande variabilidade de interpretações.
A fixação do “mínimo vital”, destarte, variará de acordo com o conceito que se tiver de necessidades básicas. O problema é tormentoso, pois concerne a decisão política do legislador. Este deverá basear-se, à falta de normas constitucionais específicas, no que, numa sociedade dada, razoavelmente se reputar “necessidades fundamentais do indivíduo e de sua família. O conceito de “mínimo vital”, portanto, varia no tempo e no espaço. 231
Deveras, apesar desta variabilidade do conceito de mínimo
vital, para Carrazza ele pode ser definido como
Os recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas das pessoas (mínimo vital), garantidas pela Constituição, especialmente em seus artigos 6º e 7º (alimentação, vestuário, lazer, cultura, saúde, educação, transporte, etc), não podendo ser alcançados pelos impostos. Tais recursos devem ser salvaguardados pela cuidadosa criação de situações de não-incidência ou mediante oportunas deduções, legislativamente autorizadas. 232
230TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva , 2002, p. 34. 231COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 70. 232CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 99.
113
Acerca da impossibilidade de se tributar o mínimo vital, sob
pena de instituição de um tributo com efeito confiscatório, elucidativo é o
pensamento de Mosquera:
Nas dobras dos princípios fundamentais e basilares é que se revela a necessidade de se dar ao cidadão brasileiro condições mínimas de existência, isto é, suprí-lo de bens materiais que atendam às suas necessidades básicas e que lhe permitam assegurar a vida, a saúde, o bem-estar, a dignidade e a liberdade. Dar condições mínimas de existência consiste, outrossim, em não tributar os valores recebidos e utilizados na consecução desse objetivo. O mínimo vital, portanto, é insuscetível de tributação.233
Logo, o princípio da capacidade contributiva somente poderá
ser considerado eficaz se disponibilizar a preservação de um mínimo existencial
para assegurar a garantia dos direitos individuais dos contribuintes. Assentado
neste entendimento, Mello aduz:
Considerando-se que a tributação interfere no patrimônio das pessoas, de forma a subtrair parcelas de seus bens, não há dúvida de que será ilegítima (e inconstitucional) a imposição de ônus superiores às forças desse patrimônio, uma vez que os direitos individuais compreendem o absoluto respeito à garantia de sobrevivência de quaisquer categorias de contribuintes. 234
Assim, forçoso concluir que a noção de mínimo vital está
intrinsecamente relacionada ao princípio da capacidade contributiva, uma vez que
este só existirá quando for possível aferir no contribuinte algum signo presuntivo
de riqueza acima do “mínimo vital”, pois do contrário a atuação fiscal do Estado
apresentaria efeito confiscatório, o que é constitucionalmente vedado.
3.8.4 Identificação do caráter extrafiscal de certo s tributos
Para avaliar a possibilidade de aplicação do princípio da
capacidade contributiva nas exações de natureza extrafiscal, mister definir o
233MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e proventos de qualquer natureza – o imposto e o conceito constitucional . São Paulo, Dialética, 1996, p. 127. 234MELLO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário , 2005, p. 31.
114
conceito de extrafiscalidade. Para tanto, utilizar-se-á da lição de Ataliba citado por
Costa:
Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados.235
Uma vez delineado que o tributo extrafiscal é aquele que o
Estado institui com outros fins além de simplesmente arrecadar, cumpre analisar
os dois posicionamentos acerca da possibilidade (ou não) da utilização do
princípio da capacidade contributiva como norteador dessa categoria de atuação
estatal.
O primeiro entendimento e também mais antigo direciona-se
no sentido de ser a extrafiscalidade incompatível à observância do princípio da
capacidade contributiva, tendo em vista suas peculiaridades.
Essa posição é compartilhada por Tipke e Yamashita:
Assim, se a finalidade extrafiscal de certos tributos ou normas tributárias consistem em equilibrar a balança comercial, penalizar o poluidor, desincentivar o fumo ou o alcoolismo ou incentivar a contratação de deficientes fpisicos, tais tributos deixam em parte a seara do Direito Tributário para invador o Direito Econômico, o Direito Ambiental, o Direito Previdenciário, o Direito Trabalhista, nos quais não faz sentido falar em justiça fiscal e de princípio da capacidade contributiva. Nesses casos trata-se de outra espécie de justiça: a justiça social. Portanto, o princípio da capacidade contributiva não se aplica a tributos com finalidade extrafiscal, que, no entanto, têm sua constitucionalidade controlada pelo princípio da proporcionalidade. 236
Informando ser este o primeiro posicionamento que a
doutrina adotou acerca desta temática, Costa adverte:
235COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 71. 236TIPKE, Klaus; Yamashita, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva , 2002, p. 62.
115
As primeiras vozes a se pronunciarem a respeito do relacionamento do princípio da capacidade contributiva com a extrafiscalidade inclinaram-se pela incompatibilidade entre ambos – o que acabava por esvaziar, em muito, o conteúdo daquele. 237
No entanto, com a evolução doutrinária, o entendimento
predominante passou a ser o de que estes dois institutos jurídicos podem ser
compatíveis. Essa posição é sustentada por Oliveira nos seguintes termos: “a
destinação extrafiscal do tributo não altera a natureza jurídico-constitucional do
instituto e não libera o legislador, para, através dele, burlar a Constituição e o
senso comum de justiça”. 238
Partidário do mesmo entendimento, Ávila sustenta:
A utilização de razões extrafiscais não poderá aniquilar a eficácia mínima de princípios constitucionais fundamentais (proibição de excesso) nem poderá ser inadequada, desnecessária ou desproporcional (proporcionalidade). 239
Face o sentido e alcance do comando analisado, Costa
conclui:
Assim, na tributação extrafiscal sua incidência é atenuada pela perseguição de outros objetivos. O princípio da capacidade contributiva cede ante a presença de interesse público de natureza social ou econômica que possa ser alcançado mais facilmente se se prescindir da graduação dos impostos consoante a capacidade econômica do sujeito. 240
Isto posto, destoa da interpretação sistêmica que a Ciência
Jurídica demanda, o entendimento de que a atividade tributária extrafiscal seja
incompatível com o princípio da capacidade contributiva, uma vez que a
destinação extrafiscal de um tributo não altera a natureza constitucional da
exação de modo a não autorizar o legislador a não observar obrigatoriamente os
237COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 71. 238OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade contributiva – conteúdo e eficácia do princípio, 1988, p. 169. 239ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios – da definição à aplicação do s princípios jurídicos , 2005, p. 361. 240COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 72.
116
ditames constitucionais e o ideal de justiça fiscal, consolidado através do princípio
da capacidade contributiva.
3.8.5 Elemento orientador da fixação da alíquota e base de cálculo e
indicador da natureza confiscatória do imposto
É cediço que o aspecto quantitativo da hipótese de
incidência tributária é formado pela conjugação da base de cálculo e da alíquota,
que conjuntamente revelam o valor do tributo a ser pago pelo contribuinte.
No tocante a base de cálculo, Barreto apresenta o seguinte
conceito: “é a definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de
referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários”,241 ou
seja, é a grandeza sobre a qual será aplicada a alíquota, tornando-se um critério
constitucional para a determinação de tributos.
Assim, o conceito de base de cálculo apresenta uma relação
intrínseca com o postulado da capacidade contributiva. Esta relação é explicada
por Costa que ensina:
A noção de capacidade contributiva absoluta ou objetiva relaciona-se com aqueles fatos legislativamente escolhidos por representarem manifestações de riqueza. Já a capacidade contributiva relativa ou subjetiva corresponde à aptidão de um determinado sujeito para suportar o impacto tributário, avaliável consoante suas possibilidades econômicas. A expressão econômica do fato protagonizado pelo sujeito em questão é mensurada, justamente, pela base de cálculo, à qual se deve aliar a alíquota. A base de cálculo, portanto, deverá reportar-se àquele fato de conteúdo econômico inserto na hipótese tributária; ou seja, deverá guardar pertinência com a capacidade absoluta ou objetiva apreendida pelo legislador. Ausente essa correlação necessária entre a base de cálculo e a hipótese de incidência tributária a imposição será inconstitucional, por desrespeito, também, ao princípio estudado. 242
241BARRETO, Aires Fernandino. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 40. 242COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 76-77.
117
Já a alíquota, por seu turno, é conceituada por Costa como
“uma fração da base de cálculo que, conjugada a esta, conduz à determinação do
quantum objeto da prestação tributária”,243 sendo ensejadora de controvérsias
doutrinárias no que tange à progressividade dos tributos.
Com efeito, a progressividade tributária é entendida por
alguns como colidente com a proporcionalidade que caracteriza essencialmente o
princípio da capacidade contributiva, conforme lição de Costa:
O princípio da capacidade contributiva exige que a tributação seja feita em proporção à riqueza de cada um – assim entendida aquela manifestada pelo fato imponível. É a chamada “proporcionalidade tributária”. Consoante esta técnica, a alíquota ou porcentagem é sempre uniforme e invariável, qualquer que seja o valor da matéria tributada. Muito utilizados na Idade Moderna, atualmente os impostos proporcionais já não são considerados os mais idôneos a atender ao princípio da capacidade contributiva, persistindo sua aplicação em casos pouco ajustáveis à progressividade. 244
No entanto, o entendimento majoritário é no sentido de que
a progressividade dos tributos não apenas se alinha perfeitamente ao princípio da
capacidade contributiva, como também é o instituto jurídico necessário para a
efetivação deste princípio.
Este é o entendimento de Tavares que leciona:
O princípio da capacidade contributiva encontra, na progressividade, a figura de um forte aliado na busca da tão desejada Justiça Fiscal. Todos os impostos, in genere, deveriam ser progressivos, pois somente assim é que se alcançaria uma efetividade ótima, no que se refere à observância do princípio da capacidade contributiva.245
Partidária desta linha de pensamento, Costa consigna:
Com efeito, se a igualdade, na sua acepção material concreta, é o ideal para o qual se volta todo o ordenamento jurídico-positivo, a progressividade dos impostos é a técnica mais adequada ao seu
243 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 77. 244 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 77. 245 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 25.
118
atingimento. Isto porque a graduação dos impostos meramente proporcional à capacidade contributiva dos sujeitos não colabora para aquele fim. Diversamente, na tributação progressiva aqueles que detêm maior riqueza arcarão efetivamente mais pelos serviços público em geral, em favor daqueles que pouco ou nada possuem, e, portanto, não podem pagar.246
A propósito, a tributação progressiva na qual a alíquota varia
em função da base de cálculo é a forma de tributação que melhor se coaduna ao
princípio da capacidade contributiva, tendo em vista que quanto maior a
potencialidade econômica que o contribuinte apresentar, mais elevada será a
alíquota incidente sobre a respectiva base de cálculo.
No entanto, a progressividade fiscal encontra limites
determinados pela vedação da instituição de tributos com efeitos confiscatórios,
que se apresentam toda vez que o poder fiscal do Estado não respeitar o mínimo
elementar ou existencial do contribuinte, tributando além da capacidade
contributiva relativa do sujeito passivo.
3.8.6 Apuração da inconstitucionalidade da hipótese da incidência e da
imposição fiscal do caso concreto
O conteúdo do princípio da capacidade contributiva vincula
tanto a atuação do legislador como do magistrado. Esse alcance do comando ora
plasmado é explicado por Costa que leciona:
O princípio em estudo dirige-se tanto ao legislador quanto ao juiz. Quanto ao primeiro destinatário da norma constitucional, como visto, não há indagações de maior relevo, posto que é incontestável que o legislador a ela deve atentar quando da escolha de fatos configuradores das hipóteses de incidência tributária graduando os tributos em proporção à riqueza dos contribuintes. Com relação ao segundo destinatário, porém, sobreleva a polêmica dos limites do controle jurisdicional a ser exercido numa situação especifica. 247
246 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 78-79. 247 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 80.
119
A vinculação do juiz na aplicação do princípio da capacidade
contributiva relaciona-se diretamente com a questão da constitucionalidade da lei
tributária. Logo, a ele incumbe a tarefa de examinar a inconstitucionalidade da lei
em tese ou no caso concreto.
Por oportuno, no que diz respeito ao exame de
inconstitucionalidade no plano da lei em tese, cabe ao juiz analisar quais os
parâmetros ensejadores da tributação escolhidos pelo legislador. Para isso, o
magistrado deve basear-se em presunções de que a potencialidade econômica
do contribuinte seja fato signo presuntivo de riqueza necessário para justificar tal
exação.
Contudo, importante é a advertência de Costa no que tange
às presunções do magistrado:
Entretanto, tais presunções não podem ser tidas por absolutas: a lei tributária só pode discriminar validamente observada a capacidade contributiva de cada um. Assim, são elas contrastáveis judicialmente sempre que puderem gerar ameaça ou lesão a direito individual. A presunção legal absoluta de capacidade contributiva, num determinado fato, pode transformar em verdadeira ficção jurídica a matéria tributável, aniquilando, desse modo, o postulado em exame.248
Costa ainda sugere como deve ocorrer o controle de
constitucionalidade da lei em tese quanto ao princípio da capacidade contributiva:
Cremos que a atuação do Poder Judiciário na apreciação da constitucionalidade de uma lei tributária genericamente contestada deve ter em vista a noção de “capacidade contributiva absoluta” antes mencionada, correspondente à aptidão abstrata de um sujeito para receber o impacto tributário, por ter promovido o fato descrito na lei como idôneo a provocar esse efeito. Logo, se a situação hipotética não se mostrar indicadora de tal aptidão a lei será irremediavelmente inconstitucional. 249
248 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 80-81. 249 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 81.
120
Noutro giro, diferentemente é o controle jurisdicional de
constitucionalidade a ser exercido pelo Poder Judiciário na análise de um caso
concreto, que envolva efetivamente um determinado contribuinte e sua respectiva
capacidade contributiva relativa.
Acerca da apuração de inconstitucionalidade nos casos
concretos, Becker pontifica:
Se no caso concreto individual, o juiz verificar que, com relação a um determinado contribuinte, a realização da hipótese de incidência, excepcionalmente, não confirmou a referida presunção, mesmo assim, o juiz não pode deixar de aplicar a regra jurídica tributária. Mais precisamente, não pode negar ter ocorrido a incidência da regra jurídica tributária e a conseqüente existência do dever de pagar o tributo. O juiz está impedido deste procedimento porque isto significaria a inversão de toda fenomenologia jurídica. A referida regra jurídica tributária tem uma estrutura lógica e uma atuação dinâmica idêntica à das regras jurídicas que estabelecem presunção juris et de jure.250
Partidária de outro entendimento, Costa evidencia a
possibilidade do juiz averiguar na situação fática a aplicabilidade ou não da lei que
cria o tributo, em razão das peculiaridades do caso concreto.
Em outras palavras, acreditamos ser permitido ao Poder Judiciário examinar in concreto o excesso de cargo fiscal incidente sobre determinado contribuinte. Admitida a noção de capacidade contributiva relativa ou subjetiva, traduzida na aptidão especifica de dado contribuinte em face de um fato jurídico tributário, lógico reconhecer-se ao juiz a possibilidade de apreciar se a mesma foi respeitada, à vista de pedido formulado nesse sentido. Lembre-se que o princípio em exame representa garantia individual do contribuinte, sendo, portanto, natural que sua força resplandeça ainda mais diante de um caso concreto. Desse modo, o magistrado, ao entender a aplicação da lei inconstitucional in casu, deverá negar-lhe os efeitos, em homenagem ao princípio. Enfim, a análise da capacidade contributiva relativa, nessa
250BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 454-455.
121
hipótese, leva à mesma conclusão da inexistência de capacidade contributiva absoluta.251
Ao confirmar-se a possibilidade do juiz verificar no caso
concreto a existência ou não de capacidade contributiva relativa por parte de
determinado sujeito passivo, evidencia-se que deste modo coadunar-se-á o
interesse público de realmente ser tributado somente a capacidade contributiva
efetivamente demonstrada e o direito individual do contribuinte de ter preservado
o seu mínimo existencial.
Por outro lado, pode ocorrer que o legislador
infraconstitucional deixe de editar ato normativo necessário para a efetivação
deste dispositivo constitucional. Nesse caso, tem-se a denominada
inconstitucionalidade por omissão. Diante da ocorrência desta figura jurídica,
Costa assevera: “aquele que se sentir prejudicado pela omissão legislativa pode
provocar sua discussão mediante os instrumentos processuais adequados, tais
como o mandado de segurança e o mandado de injunção”.252
Em desfecho, cumpre perquirir que, independentemente de
tratar-se de inconstitucionalidade positiva ou inconstitucionalidade por omissão, o
contribuinte possui os mecanismos jurídicos necessários para resguardar sua
garantia individual de não ser compelido a contribuir com referência que exceda
sua real capacidade econômica, cabendo ao Poder Judiciário assegurar esse
direito caso seja afrontado pela atuação fiscal do Estado.
251 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 82-83. 252 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 85.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo identificar a eficácia
jurídica do princípio da capacidade contributiva no direito tributário brasileiro, à luz
da legislação e da doutrina.
A escolha do tema se deu em razão da importância que o
princípio da capacidade contributiva possui no tocante a consecução do ideal da
justiça fiscal, no momento da graduação do tributo de acordo com a capacidade
econômica do contribuinte.
Para o desenvolvimento lógico do trabalho, ele foi dividido
em três capítulos. No primeiro viu-se que a CRFB/88, como lei fundamental do
Estado, abarca sob a forma de princípios e regras gerais a síntese do interesse
comum da sociedade no que concerne ao modo e forma de governo, ao exercício
e limite da autoridade estatal, os direitos e garantias individuais do cidadão,
estruturando desse modo os elementos que constituem o Estado.
Identificou-se, ainda, que a CRFB/88 pode ser classificada
segundo seu conteúdo, forma, modo de elaboração, origem, estabilidade,
extensão e finalidade.
Ademais, verificou-se que a CRFB/88 é o instrumento
normativo veiculador de normas que podem revelar-se na forma de regras ou
princípios, tendo ambos como principal objetivo organizar, estruturar e definir os
entornos do poder político, assegurando a garantia aos direitos individuais dos
cidadãos.
No segundo capítulo, identificou-se que os princípios
tributários são juntamente com as imunidades, verdadeiras limitações
constitucionais ao poder de tributar.
No terceiro e último capítulo, analisou-se de modo mais
específico o princípio da capacidade contributiva, abarcando nesta análise desde
a origem de sua noção, partindo para a sua evolução no direito brasileiro, a
definição, aplicabilidade do art. 145, §1º da CRFB/88 como regra estruturante do
princípio, bem como a análise de sua eficácia no direito tributário brasileiro.
123
Como principais resultados da pesquisa, evidencia-se que o
anseio de justiça fiscal nasceu com o surgimento da noção de tributo. Assim,
desde as primeiras civilizações esse ideal de justiça distributiva era vislumbrado
no momento da graduação dos mesmos. Com a natural evolução, esta busca pela
justiça social passou a ser associada ao princípio da capacidade contributiva, e
hodiernamente, afigura-se como um importante princípio constitucional que
limitando o poder de tributar, raramente não se encontra positivado em textos
constitucionais modernos.
Por seu turno, a capacidade contributiva restou conceituada
como a soma dos fatos signos presuntivos de riqueza que o contribuinte tem
disponível para arcar com o ônus fiscal, sem comprometer o seu mínimo
existencial. A propósito, está intrinsecamente relacionada com o princípio da
isonomia, como modo de materializá-lo, e, de forma ampla, com o ideal de justiça
distributiva. A capacidade contributiva não possui somente conteúdo econômico,
pois a ela está consignada relevância jurídica e anseio de justiça fiscal.
No mais, retomam-se as hipóteses levantadas e que
impulsionaram a presente pesquisa:
a) A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
abriga expressamente o princípio da capacidade
contributiva, no seu art. 145, §1º.
b) A norma que acolhe o princípio da capacidade
contributiva é de natureza programática, possuindo
eficácia plena e aplicabilidade imediata.
c) A função do princípio da capacidade contributiva é limitar
o Estado em seu poder de tributar, assegurando a
proteção aos direitos individuais dos contribuintes.
No tocante a primeira hipótese, ela restou confirmada, tendo
em vista que a CRFB/88, visualizada como norma estruturante de todo o sistema
jurídico é também a responsável pela validade de todas as normas de hierarquia
inferior, tem como base os princípios, dentre eles encontra-se o da capacidade
contributiva, expressamente capitulado no seu art. 145, §1º.
124
A segunda hipótese também restou confirmada, pois, sendo
o princípio da capacidade contributiva norma definidora da garantia da igualdade
tributária, e tendo o art. 5º, §1º, da CRFB/88, disposto que as “normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, igual natureza
possui a norma acolhedora do princípio da capacidade contributiva.
Quanto a última hipótese, anota-se que ela igualmente
restou confirmada, uma vez que a natureza programática da norma acolhedora do
princípio da capacidade contributiva não retira a preceptividade de seu conteúdo,
que se afigura presente no momento do exercício da competência tributária que
deve considerar a real capacidade econômica do contribuinte, evitando o abuso
do poder estatal ao criar exações que, desrespeitando o mínimo vital do sujeito
passivo, assuma caráter confiscatório. Assim, o princípio da capacidade
contributiva, ao limitar o poder do Estado de tributar, assegura a proteção aos
direitos individuais do contribuinte.
Em desfecho, registra-se que o presente trabalho não possui
caráter exaustivo, ou seja, com o mesmo não se pretendeu tratar todas as
questões concernentes ao princípio da capacidade contributiva, razão pela qual
deve servir somente como ponto de partida para o necessário e contínuo
acompanhamento da evolução do entendimento da doutrina e da jurisprudência
no que tange esta relevante temática do Direito Tributário.
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