a eficÁcia jurÍdica do princÍpio da …siaibib01.univali.br/pdf/ilcinara maria sganzerla.pdf ·...

130
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO ILCINARA MARIA SGANZERLA ITAJAÍ [SC], maio de 2009.

Upload: leminh

Post on 28-Sep-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO

A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

ILCINARA MARIA SGANZERLA

ITAJAÍ [SC], maio de 2009.

Page 2: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO

A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

ILCINARA MARIA SGANZERLA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor MSc. Alexandre Macedo Tavares

ITAJAÍ [SC], maio de 2009.

Page 3: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus pela constante proteção e inspiração; aos

meus pais pelo exemplo de vida, pelo tanto que me

ensinaram, me orientaram e por juntos termos vencido

tantos obstáculos. A minha irmã Ane pelo incentivo, ao meu

noivo Eduardo por tudo o que significa em minha vida, por

tanto amor, força e positividade depositadas em todos os

meus projetos, e com muito carinho ao professor MSc.

Alexandre Macedo Tavares pela dedicação e esmero na

orientação deste trabalho, por me ensinar que o aprendizado

não tem limites ou fronteiras e por ser o grande incentivador

dos estudos na área de direito tributário.

Page 4: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

DEDICATÓRIA

Dedico aos meus pais Irineu e Irdes, que através de muito

trabalho me propiciaram esta oportunidade de estudar e

apesar da simplicidade sempre souberam valorizar cada

esforço e cada conquista. Simplesmente a vocês, a razão de

tudo.

Page 5: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí[SC], maio/2009.

Ilcinara Maria Sganzerla Graduando

Page 6: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Ilcinara Maria Sganzerla, sob o

título A eficácia jurídica do princípio da capacidade contributiva no direito tributário

brasileiro foi submetida em 16 de junho de 2009 à banca examinadora composta

pelos seguintes professores: Alexandre Macedo Tavares (Orientador) e João

Thiago Fillus (Examinador) e aprovada com a nota Dez.

Itajaí[SC], maio/2009.

Professor Mestre Alexandre Macedo Tavares Orientador e Presidente da Banca

[Professor Título Nome] Coordenação da Monografia

Page 7: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CRFB/88

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CTN

Código Tributário Nacional

ART.

Artigo

EC

Emenda constitucional

II

Imposto sobre importação de produtos estrangeiros

IE

Imposto sobre exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados

IPI

Imposto sobre produtos industrializados

IOF

Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a título ou valores mobiliários

CIDE

Contribuição de intervenção no domínio econômico

IPVA

Imposto sobre propriedade de veículos automotores

IPTU

Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana

ICMS

Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação

Page 8: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

ROL DE CATEGORIAS

Competência tributária

“É a aptidão privativa das Pessoas Políticas de editarem leis, in abstracto, que

criem tributos ou majorem os já existentes”.1

Eficácia

“Eficácia é a capacidade de atingir objetivos previamente fixados como metas.

Tratando-se de normas jurídicas, a eficácia consiste na capacidade de atingir os

objetivos nela traduzidos, que vêm a ser, em última análise, realizar os ditames

jurídicos objetivados pelo legislador”. 2

Imunidade

“Classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto

da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência

das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras

instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente

caracterizadas”.3

Limitações ao Poder de Tributar

“As limitações ao poder de tributar representam uma proteção constitucional ao

contribuinte contra um excessivo poder impositivo pelo Estado. Daí serem

consideradas garantias mínimas a serem observadas pelo legislador ao instituir

ou majorar tributos, definir suas hipóteses de incidência, fixar suas alíquotas e

bases de cálculos, determinar os sujeitos passivos da obrigação tributária, etc”.4

1TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário . 2 ed. Florianópolis: Momento Atual, 2005, p. 42. 2SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais . 3 ed. São Paulo: Malheiros: 1998, p. 66. 3CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário . 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 178. 4 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário . 19 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 222.

viii

vii

Page 9: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

Mínimo Vital

“Recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas das

pessoas (mínimo vital), garantidas pela Constituição, especialmente em seus

artigos 6º e 7º (alimentação, vestuário, lazer, cultura, saúde, educação,

transporte, etc), que não podem ser alcançados pelos impostos. Tais recursos

devem ser salvaguardados pela cuidadosa criação de situações de não-incidência

ou mediante oportunas deduções, legislativamente autorizadas”. 5

Princípio “É o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição

fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e

servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por

definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a

tônica e lhe dá sentido harmônico”. 6

Princípio da capacidade contributiva “O princípio da capacidade contributiva significa: todos devem pagar impostos

segundo o montante da renda disponível para o pagamento de impostos. Quanto

mais alta a renda disponível, tanto mais alto deve ser o imposto. Para

contribuintes com rendas disponíveis igualmente altas o imposto deve ser

igualmente alto. Para contribuintes com rendas disponíveis desigualmente altas o

imposto deve ser desigualmente alto”. 7

Princípio da isonomia “É a proibição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em

situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação

5 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário . 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 99. 6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 841-842. 7 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva . São Paulo: Malheiros, 2002, p. 31.

ix

Page 10: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação

jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. 8

Princípio do não-confisco “Limita o direito que as pessoas políticas têm de expropriar bens privados. Assim,

os impostos devem ser graduados de modo a não incidir sobre as fontes

produtoras de riqueza dos contribuintes e, portanto, a não atacar a consistência

originária das suas fontes de ganho”.9

8 Art. 150, inciso II. Constituição da República Federativa do Brasil de 1 988. 9 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 98.

Page 11: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

SUMÁRIO

RESUMO.......................................................................................... XII INTRODUÇÃO ................................................................................. 13 CAPÍTULO 1 ......................................... ........................................... 16 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO ....................... ..................... 16 1.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO ...................................................................16 1.2 CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO .................. ......................................19 1.2.1 QUANTO AO CONTEÚDO:MATERIAIS (SUBSTANCIAIS ) OU FORMAIS ......................19 1.2.2 QUANTO A FORMA : ESCRITA OU NÃO-ESCRITA ..................................................23 1.2.3 QUANTO AO MODO DE ELABORAÇÃO : DOGMÁTICAS E HISTÓRICAS ......................24 1.2.4 QUANTO À ORIGEM : PROMULGADAS (DEMOCRÁTICAS , POPULARES ) E OUTORGADAS..............................................................................................................................25 1.2.5 QUANTO À ESTABILIDADE : FLEXÍVEIS, SEMI-RÍGIDAS, RÍGIDAS E IMUTÁVEIS .........26 1.2.6 QUANTO À SUA EXTENSÃO E FINALIDADE : ANALÍTICAS (DIRIGENTES) E SINTÉTICAS (NEGATIVAS , GARANTIAS ).........................................................................................28 1.3 OBJETO E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES............ ..............................29 1.4 ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO ...................... .........................................30 1.5 A CONSTITUIÇÃO COMO ORDEM NORMATIVA VEICULADORA DE REGRAS E PRINCÍPIOS......................................................................................33 1.5.1 NOÇÃO DE PRINCÍPIO ......................................................................................33 1.5.2 FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS .................................................................................35 1.5.3 COLISÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS .......................................................................39 1.5.4 DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS ..........................................................41 1.6 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO ................... .......................................43 1.6.1 A SUPREMACIA COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL ............................................44 1.6.2 A SUPREMACIA FORMAL E MATERIAL ................................................................46 1.6.3 A SUPREMACIA DA CRFB/88 ..........................................................................46 CAPÍTULO 2 ......................................... ........................................... 49 LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR.... ..49 2.1 A CRFB/88 COMO CARTA DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIA S ...............49 2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: CONCEITO, EXERCÍCIO, TI TULARIDADE50 2.3 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA...... ........................52 2.4 BITRIBUTAÇÃO X BIS IN IDEM ...................................................................56 2.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR ............... .....................................57 2.5.1 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS ...............................................................................58 2.5.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS .....................................................64 2.5.2.1 Princípio da estrita legalidade ............ .............................................................. 65 2.5.2.2 Princípio da anterioridade ................. ............................................................... 69 2.5.2.3 Princípio da irretroatividade .............. ............................................................... 72 2.5.2.4 Princípio da isonomia ...................... ................................................................. 76 2.5.2.5 Princípio do não-confisco.................. ............................................................... 78

x

Page 12: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

2.5.2.6 Princípio da liberdade de tráfego de pessoa s ou bens .................................. 79 2.5.2.7 Princípio da uniformidade geográfica....... ....................................................... 80 2.5.2.8 Princípio da não-cumulatividade e seletivid ade.............................................. 81 2.5.2.9 Princípio da proporcionalidade e progressiv idade......................................... 82 2.5.2.10 Princípio da não-discriminação em razão da procedência ou destino de bens ............................................... ................................................................................ 83 2.5.2.11 Princípio da capacidade contributiva ...... ...................................................... 84 CAPÍTULO 3 ......................................... ........................................... 85 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ............. ............ 85 3.1 ORIGEM DA NOÇÃO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ..... .....................85 3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO NO DIREITO BRAS ILEIRO.........85 3.3 CONCEITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ............ ..............................91 3.4CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ABSOLUTA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA RELATIVA .............................. ..................................................92 3.5FUNDAMENTO ECONÔMICO DO CONCEITO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA....................................... ............................................................94 3.6 DISCRIMINAÇÃO TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE CONTRIBUT IVA............95 3.7 NATUREZA DA NORMA ACOLHEDORA DO PRINCÍPIO...... ......................97 3.7.1 EFICÁCIA E APLICABILDIADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS .............................97 3.7.2 EFICÁCIA E APLICABILIDADE DA NORMA HOSPEDEIRA DO PRINC ÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .......................................................................................................101 3.8 EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIV A.................103 3.8.1 APLICABILIDADE AOS TRIBUTOS NÃO -VINCULADOS A UMA PRESTAÇÃO ESTATAL 104 3.8.2 O ALCANCE DA EXPRESSÃO "SEMPRE QUE POSSÍVEL".....................................107 3.8.3 PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO VITAL OU EXISTENCIAL ...........................................111 3.8.4 IDENTIFICAÇÃO DO CARÁTER EXTRAFISCAL DE CERTOS TRIBUTOS ....................113 3.8.5 ELEMENTO ORIENTADOR DA FIXAÇÃO DA ALÍQUOTA E BASE DE CÁLCULO E INDICADOR DA NATUREZA CONFISCATÓRIA DO IMPOSTO ............................................116 3.8.6 APURAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA E DA IMPOSIÇÃO FISCAL DO CASO CONCRETO ....................................................................97 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ............................. 122 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...................... .................. 125

xi

Page 13: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

RESUMO

Atrelado ao contexto das garantias ditadas pela ordem

constitucional, cresce a relevância do princípio da capacidade contributiva,

capitulado no art. 145, §1º da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, cuja finalidade é graduar o valor do tributo consoante a capacidade

econômica do contribuinte, respeitando o caráter pessoal. Mediante a utilização

do método indutivo, objetivou-se analisar a origem, o fundamento legal, a eficácia

e a aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva no direito tributário

brasileiro. Como resultados da pesquisa, obtiveram-se os seguintes

entendimentos: a) a Constituição é o instrumento jurídico responsável pela

organização e estruturação do poder político, que por sua vez representa a

vontade do povo, assegurando a proteção e a garantia de seus direitos

fundamentais, através de um emaranhado de normas que podem se apresentar

na forma de regras ou de princípios; b) os princípios jurídicos são mandamentos

generalizados, que fundamentam o sistema jurídico e que norteiam a aplicação

das normas jurídicas que com eles se relacionem, de modo a determinar suas

diretrizes fundamentais; c) o surgimento da noção de capacidade contributiva

remonta ao próprio surgimento da noção de tributo, ou seja, o anseio por justiça

fiscal é um ideal milenar; d) a capacidade econômica é entendida como a

potencialidade econômica do contribuinte, representada pelos fatos signos

presuntivos de riqueza capazes de arcar com o ônus fiscal sem comprometer o

mínimo existencial do sujeito passivo, a fim de não se tornar um tributo com efeito

confiscatório; e) o principal efeito do princípio da capacidade contributiva é limitar

o poder estatal de tributar e assegurar a proteção aos direitos subjetivos do

contribuinte.

Page 14: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

INTRODUÇÃO

O núcleo da presente pesquisa é a identificação dos

aspectos fundamentais acerca do princípio da capacidade contributiva no direito

tributário brasileiro, assim como sua aplicabilidade e eficácia à luz da Constituição

e da doutrina.

O estudo desta temática é de significativa relevância na

atual ordem tributária, a ponto de merecer uma pesquisa aprofundada, não

apenas pela importância prática do tema, mas pela ausência de consenso

doutrinário, no que concerne ao alcance e eficácia do princípio.

Esta pesquisa tem como objetivos: institucional, elaborar

monografia para a obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do

Vale do Itajaí - Univali; geral, investigar as peculiaridades do princípio da

capacidade contributiva, capitulado no art. 145, §1º, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988; específicos, 1) identificar a origem, a evolução, o

conceito e o fundamento do princípio da capacidade contributiva; 2) analisar a

natureza da norma que acolhe o princípio da capacidade contributiva, no que

tange aos aspectos da eficácia e da aplicabilidade; 3) investigar o alcance da

expressão “sempre que possível”, expresso no dispositivo referente ao princípio

da capacidade contributiva, bem como a existência da proteção do mínimo vital.

Para a investigação do objeto e alcance dos objetivos

propostos, adotou-se o método indutivo10, operacionalizado com as técnicas11 do

referente12, da categoria13, dos conceitos operacionais14 e da pesquisa

10O método indutivo consiste em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador de direito. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2001, p. 87. 11“Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica, 2001, p. 88. 12Referente “é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o seu alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica, 2001, p. 63. 13 Categoria “é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica, 2001, p. 37.

Page 15: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

14

bibliográfica em conjunto com as técnicas propostas por Colzani15, dividindo-se o

presente trabalho em três capítulos.

A pesquisa foi desenvolvida tendo como base os seguintes

problemas:

1º O princípio da capacidade contributiva é um mandamento

constitucional implícito ou explícito?

2º Qual a natureza da norma que acolhe o princípio da

capacidade contributiva?

3º Qual é a função do princípio da capacidade contributiva

no direito tributário brasileiro?

Diretamente relacionadas a cada problema formulado, foram

levantadas as seguintes hipóteses:

a) A Constituição da República Federativa do Brasil de

1988 abriga expressamente o princípio da capacidade

contributiva, no seu art. 145, §1º.

b) A norma que acolhe o princípio da capacidade

contributiva é de natureza programática, possuindo

eficácia plena e aplicabilidade imediata.

c) A função do princípio da capacidade contributiva é limitar

o Estado em seu poder de tributar, assegurando a

proteção aos direitos individuais dos contribuintes.

Para uma melhor abordagem das questões que norteiam o

princípio da capacidade contributiva, o trabalho foi dividido em três capítulos.

No primeiro capítulo, tratar-se-á da supremacia da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, enfatizando seus critérios

14 Conceito operacional “é a definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para o efeito das idéias que expomos. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica , 2001, p. 51. 15 COLZANI, Valdir Francisco. Guia para redação de trabalho científico. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2002.

Page 16: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

15

de classificação, seu objeto, seu conteúdo, seus elementos e no seu desempenho

como ordem normativa veiculadora de regras e princípios.

No segundo capítulo, abordar-se-á as limitações

constitucionais ao poder de tributar, discorrendo acerca do conceito, das

características, titularidade, exercício da competência tributária, as imunidades, as

diferenças entre bitributação e bis in idem, bem como a definição dos elementares

princípios tributários encontrados na Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988.

No terceiro e último capítulo, identificar-se-á os elementos

estruturantes do princípio da capacidade contributiva no direito tributário brasileiro

com ênfase na questão de sua origem, evolução, fundamento, natureza da norma

que o acolhe, bem como sua eficácia e aplicabilidade.

O presente relatório da pesquisa se encerra com a

apresentação das considerações finais, nas quais serão identificados aspectos

conclusivos, estabelecendo-se breve síntese de cada capítulo, bem como sobre

as hipóteses básicas formuladas para a pesquisa, identificando se as mesmas

restaram confirmadas ou não.

Page 17: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

16

CAPÍTULO 1

A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

1.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO

Etimologicamente a palavra Constituição tem origem no

latim e deriva de constituere, que significa em termos atécnicos o efeito do ato de

constituir, de organizar, de estabelecer qualquer coisa do universo do ser. No

entanto, com o passar do tempo e em decorrência de debates de juristas da Idade

Média esse termo foi ganhando um sentido jurídico-político abrangente,

assumindo o significado de ser uma disposição legal, do chamado universo do

dever-ser, do qual pertence o Direito.

Bastos sustenta a dificuldade de se definir tecnicamente o

termo Constituição:

Tentar oferecer um conceito de Constituição não é das tarefas mais fáceis de serem cumpridas, em razão de este termo ser equívoco, é dizer, prestar-se a mais de um sentido. Isto significa dizer que há diversos ângulos pelos quais a Constituição pode ser encarada conforme seja a postura em que se coloque o sujeito, o objeto ganha outra dimensão.16

Sendo assim, é possível que o termo Constituição seja

utilizado em diversas abordagens, dependendo do enfoque desejado. No mais, é

comum assumir três sentidos: sociológico, político e jurídico.

O sentido sociológico foi apresentado por Ferdinand

Lassale, que em sua obra O que é uma Constituição? evidencia que a essência

da Constituição deve ser os fatores reais de poder que regem determinada

sociedade, abarcando aspectos de cunho político, econômico, social e religioso

16BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p.57.

Page 18: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

17

que sejam eficazes o bastante para nortear todas as leis e as instituições

jurídicas.

Carrillo citado por Bastos critica o sentido sociológico dado à

Constituição:

As idéias de constituição como fatores reais de poder, como conjunto de decisões políticas fundamentais e outras semelhantes não são aptas para os propósitos científicos, porque se fundam em elementos não normativos ou apresentam erros lógicos.17

Já a acepção política da Constituição foi desenvolvida por

Carl Schmitt que, segundo Bonavides, define Constituição como “a decisão global

e fundamental acerca da espécie e da forma de unidade política”. 18

Assim, por possuir um valor político absoluto a Constituição

não pode ter sua essência apresentada através de leis ou normas. Neste

diapasão, é que Schmitt distingue Constituição da Lei Constitucional, sustentando

que os temas fundamentais de organização política de determinado Estado

devem estar contemplados na Constituição, ao passo que os demais assuntos

que não possuem matéria de decisão política fundamental devem ser

disciplinados pelas Leis Constitucionais.

Dessa maneira, em sentido político, Constituição é

entendida como a decisão política concernente à forma, ao modo de organização

da unidade política de determinado território, abarcando a divisão de poder. Nesta

perspectiva, existe uma diferenciação entre Constituição e leis constitucionais.

Já a corrente que defende o sentido jurídico da Constituição

foi liderada por Hans Kelsen que a entende como norma pura, que traz implícito

um dever - ser destituído de embasamento sociológico, político ou filosófico.

Para elucidar esse conceito utiliza-se a lição de Silva:

A concepção de Kelsen toma a palavra constituição em dois sentidos: no lógico jurídico e no jurídico-positivo; de acordo com o primeiro, constituição significa norma fundamental hipotética, cuja

17BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 60-61. 18BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 104.

Page 19: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

18

função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da constituição jurídico-positivo que equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau19.

Segundo o entendimento de Ferreira o ideal seria formular

um conceito uníssono de Constituição que permitisse estabelecer a conexão entre

suas normas e a realidade em que está inserida, ou seja, o autor propõe o ideal

de uma Constituição total “mediante a qual se processa a integração dialética dos

vários conteúdos da vida coletiva na unidade de uma ordenação fundamental e

suprema”.20

Noutro giro, em relação ao sentido jurídico, Silva afirma:

O sentido jurídico de constituição não se obterá, se a apreciarmos desgarrada da totalidade da vida social, sem conexão com o conjunto da comunidade. Pois bem, certos modos de agir em sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamento do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a constituição.21

Sob essa óptica, Ceneviva define a Constituição como:

O ponto inicial de que defluem todas as demais partes do ordenamento supremo do Estado, fixando princípios. Integra o fenômeno estatal historicamente determinado no direito, pois corporifica o modo e a forma de exercício da autoridade e seus limites.22

Considerando o sentido jurídico material, Bastos conceitua a

Constituição como sendo:

Conjunto de regras e princípios de maior força hierárquica dentro do ordenamento jurídico e que tem por fim organizar e estruturar o

19SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo . 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 39. 20FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios gerais do direito constitucional moderno . 17 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 24. 21SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2007, p. 39. 22CENEVIVA, Walter. Curso de direito constitucional brasileiro . 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 14.

Page 20: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

19

poder político, além de definir os seus limites inclusive pela concessão de direitos fundamentais ao cidadão.23

Assim, sob a apreciação da perspectiva jurídica a

Constituição pode ser conceituada como a lei fundamental do Estado, que abarca

sob a forma de princípios e regras gerais a síntese do interesse comum da

sociedade no que tange ao modo e a forma de governo, o exercício da autoridade

e seus limites, os direitos e garantias fundamentais do cidadão, organizando

dessa maneira os elementos que constituem o Estado.

1.2 CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

Várias são as formas de classificar uma Constituição,

dependendo do aspecto que se quer destacar. A doutrina não é uníssona ao

tratar deste assunto. No entanto, a forma mais usual de classificação doutrinária

utiliza os seguintes critérios: quanto ao conteúdo, forma, modo de elaboração,

origem, estabilidade, extensão e finalidade.

1.2.1 Quanto ao conteúdo: materiais (substanciais) ou formais

Utilizando como referente a variável conteúdo, a

Constituição pode ser classificada em material ou formal. Nesse sentido, Kelsen

já postulava:

Da Constituição em sentido material deve distinguir-se a Constituição em sentido formal, isto é, a legislação, e também normas que se referem a outros assuntos politicamente importantes, e, além disso, preceitos por força dos quais normas contidas nesse documento, a lei constitucional, não podem ser revogadas ou alteradas pela mesma forma que as leis simples, mas somente através do processo especial submetido a requisitos mais severos. Estas determinações representam a forma da Constituição que, como forma, pode assumir qualquer conteúdo que, em primeira linha, serve para a estabilização das normas que aqui são designadas como Constituição material e que são o

23 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 72.

Page 21: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

20

fundamento do direito positivo de qualquer ordem jurídica do estado.24

Em conformidade com o entendimento de Bonavides, a

Constituição sob o critério material deve abarcar todo o conteúdo essencial

concernente à composição e a organização da ordem política.

Destarte, o autor leciona que:

Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais.25

Coadunando-se a este entendimento Silva sustenta:

A constituição material é concebida em sentido amplo e em sentido estrito. No primeiro, identifica-se com a organização total do Estado, com regime político. No segundo, designa as normas constitucionais escritas ou costumeiras, inseridas ou não num documento escrito, que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais. Neste caso, constituição só se refere à matéria essencialmente constitucional; as demais, mesmo que integrem uma constituição escrita, não seriam constitucionais.26

Canotilho dá a exata noção da amplitude da Constituição

sob o aspecto material, predizendo:

O critério substancial ou material considera primordial o conteúdo da norma, independentemente de ela ser “produzida” ou não por uma “fonte constitucional”. Ao apontar para a dimensão material, o critério em análise coloca-nos perante um dos temas mais polêmicos do direito constitucional: “qual o conteúdo ou matéria da constituição?” Certo nos parece que o conteúdo da constituição varia de época para época e de país para país... Também é correcto dizer que não há “reserva de constituição” no sentido de que certas matérias têm necessariamente de ser incorporadas na

24 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito . 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 310-311. 25 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 80. 26 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 41.

Page 22: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

21

constituição pelo poder constituinte. Para, além disso, pode afirmar-se que, historicamente (na experiência constitucional) foram consideradas matérias constitucionais, par excellence, a organização do poder político (informada pelo princípio da divisão de poderes) e o catálogo dos direitos, liberdades e garantias. Posteriormente, e ainda em termos de experiências constitucionais, verificou-se o “enriquecimento” da matéria constitucional através da inserção de novos conteúdos, até então considerados de valor jurídico-constitucional irrelevante, de valor administrativo ou de natureza “subconstitucional” (direitos econômicos, sociais e culturais, direitos de participação e dos trabalhadores, constituição econômica, etc.27

Com o fulcro de consolidar esse entendimento, é possível

compreender a Constituição sob o aspecto material, também chamado de

substancial, como sendo um conjunto de disposições acerca de temáticas eleitas

pelo legislador constituinte como relevantes sobre a organização do poder,

abarcando a forma de estruturação do Estado, os direitos e deveres individuais,

os direitos que regem as relações econômicas, enfim, a base de valores em que

se assenta o meio social. Geralmente, a Constituição material encontra-se

disposta na Constituição formal.

A outra perspectiva analisa a Constituição considerando o

aspecto formal, que abrange todas as normas jurídicas que têm como origem o

poder constituinte, gozando com isso de prerrogativa de supremacia sobre as

demais normas.

Sob esta óptica, Moraes preleciona que “Constituição formal

é aquela substanciada de forma escrita, por meio de um documento solene

estabelecido pelo poder constituinte originário”.28

No que tange ao conceito formal, Kelsen sustenta que ele

surge “quando se faz a distinção entre as leis ordinárias e aquelas outras que

exigem certos requisitos especiais para sua criação e reforma”. 29

Neste mesmo diapasão, Silva preleciona:

27 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional . Coimbra: Almedina, 1993, p. 65. 28 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional . 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 37. 29 KELSEN, Hans. Teoria geral do estado , 2003, p. 330.

Page 23: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

22

A constituição formal é o peculiar modo de existir do Estado, reduzido, sob forma escrita, a um documento solenemente estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável por processos e formalidades especiais nela própria estabelecidos.30

Seguindo o mesmo entendimento, Bonavides adverte:

Constituições não raro inserem matéria de aparência constitucional. Assim se designa exclusivamente por haver sido introduzida na Constituição, enxertada no seu corpo normativo e não porque se refira aos elementos básicos ou institucionais da organização política. Entra essa matéria, pois a gozar da garantia e do valor superior que lhe confere o texto constitucional. De certo tal não aconteceria se ela houvesse sido deferida à legislação ordinária. 31

No entanto, esta diferenciação entre Constituição em sentido

material (substancial) e Constituição formal aparece tão somente nas

Constituições escritas. Bascuñan citado por Bonavides atenta para esta

peculiaridade:

Essa diversidade de órbitas entre o que é constitucional só na esfera formal e aquilo que o é em sentido substancial, logicamente só se produz nas Constituições escritas, desde que, nas consuetudinárias, unicamente a interpretação racional determina quais as regras do sistema jurídico que têm caráter constitucional.32

Em conformidade com esses ensinamentos, é possível

vislumbrar que o que caracteriza a Constituição pelo seu aspecto formal é

justamente a dificuldade em se alterar ou inovar as normas consideradas

materialmente constitucionais, pois estas somente serão modificadas ou

suprimidas por um processo legislativo considerado mais solene, que engloba a

exigência da maioria qualificada (três quintos dos votos dos respectivos membros

do Congresso Nacional) e a votação repetida em legislações sucessivas (dois

turnos em cada Casa do Congresso Nacional), conforme dispõe o art. 60, § 2º, da

30 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 41. 31 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 83. 32 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 82-83.

Page 24: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

23

CRFB/88, diferentemente do que ocorre na feitura de lei ordinária que demanda

apenas a aprovação da maioria simples.

1.2.2 Quanto à forma: escrita ou não-escrita

No que se refere à forma com que se apresentam as

Constituições, estas podem ser escritas ou não-escritas (também denominadas

de costumeiras).

As Constituições escritas são aquelas que apresentam suas

disposições na forma de um texto escrito e sistematizado em um documento,

fornecendo a seus jurisdicionados estabilidade e segurança jurídica.

De se observar o conceito de Silva:

Considera-se escrita a constituição, quando codificada e sistematizada num texto único, elaborada reflexivamente e de um jato por um órgão constituinte, encerrando todas as normas tidas como fundamentais sobre a estrutura do Estado, as organizações dos poderes constituídos, seu modo de exercício e limites de atuação, os direitos fundamentais (políticos, individuais, coletivos, econômicos e sociais).33

Seguindo este mesmo entendimento, Moraes ressalta que

“Constituição escrita é o conjunto de regras codificada e sistematizada em um

único documento, para fixar-se a organização fundamental”.34

Por outro lado, Silva aponta para a existência das

constituições não-escritas, “cujas normas não constam de um documento único e

solene, mas se baseia principalmente nos costumes, na jurisprudência, em

convenções e em textos constitucionais esparsos, como é a Constituição

Inglesa”.35

Bastos aponta como se dá o nascimento destas

Constituições:

As Constituições costumeiras, que vêm a ser aquelas que resultam da prática reiterada pelo povo de um costume

33 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 41. 34 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 4. 35 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 41.

Page 25: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

24

constitucional, com a consciência de ser juridicamente obrigatório, não se compatibilizam com a rigidez constitucional. As normas costumeiras têm nascimento informal, produzidas que são por toda a coletividade e não por um órgão especialmente designado para tal36.

Dada estas características, as Constituições não-escritas

são também denominadas de costumeiras, uma vez que seus dispositivos não se

encontram elencados em um único documento formal e solene, mas sim

pulverizados, encontrando respaldo e legitimidade no meio social e político em

que estão inseridos.

1.2.3 Quanto ao modo de elaboração: dogmáticas e hi stóricas

No que tange ao modo de elaboração, as Constituições

diferenciam-se em dogmática e histórica.

Pela primeira categoria deve-se compreender aquelas

Constituições resultantes do trabalho de uma Assembléia Constituinte que

considera os dogmas proeminentes na teoria política ou na ideologia jurídica do

momento, para elaborarem o texto constitucional.

Considerando a forma de elaboração das Constituições

dogmáticas, Tavares assinala:

Em geral, são tecidas a partir de institutos e instituições já consagrados na teoria, na doutrina, em dogmas políticos (o que lhes rende a nomenclatura assinalada). Sua elaboração, portanto, ocorre de um só fôlego, como resultado intencionalmente cogitado. Por esse motivo, tais Constituições são forçosamente escritas.37

Sobre a Constituição dogmática Moraes apregoa que ela “se

apresenta como produto escrito e sistematizado por um órgão constituinte, a partir

de princípios e idéias fundamentais da teoria política e do direito dominante”.38

36 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 70. 37 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional . 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 72. 38 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 4.

Page 26: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

25

Enquanto isso, a Constituição histórica é fruto da

consolidação jurídica de uma sociedade, através de suas tradições.

Assim, à luz do entendimento de Silva, a Constituição

histórica pode ser definida como “a resultante da lenta formação histórica, do

lento evoluir das tradições, dos fatos sócio-políticos, que se cristalizam como

normas fundamentais da organização de determinado Estado”. 39

A guisa de conclusão deste tópico, cumpre perquirir que se a

Constituição é resultado do trabalho de uma Assembléia Constituinte seja ela

originária ou derivada, sempre será considerada dogmática, pois de forma escrita

representa o compêndio de todos os dogmas proeminentes naquela sociedade,

ao passo que se a Constituição resultar da evolução histórica de um povo, que

organiza suas normas estruturantes através da sistematização de suas tradições,

ela será classificada como histórica.

1.2.4 Quanto à origem: promulgadas (democráticas, p opulares) e

outorgadas

No que tange à origem da Constituição, a doutrina classifica-

as em promulgadas e em outorgadas.

As Constituições promulgadas decorrem do trabalho do

Poder Constituinte de um determinado país, que de regra deve coadunar os

interesses do povo em geral na elaboração da carta constitucional. Por essas

razões, são também conhecidas como Constituições populares ou democráticas.

Seguindo esta orientação, Tavares afirma:

As Constituições promulgadas são fruto de uma Assembléia Constituinte eleita para tanto. Sua origem encontra-se em uma Assembléia Geral Constitucional, eleita pelo povo para fazer-se representar na feitura de seu futuro Documento Fundamental.40

Por outro lado, as Constituições outorgadas são aquelas

impostas por quem está no poder, seja governante, imperador, rei ou ditador, sem

que o povo participe e legitime as disposições constantes no Texto Constitucional.

39 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 41. 40 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 68.

Page 27: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

26

Por esse motivo, Tavares anota que “as Constituições outorgadas costumam ser

chamadas de Cartas”.41

Já Moraes adverte que as Constituições outorgadas “são

aquelas elaboradas e estabelecidas sem a participação popular, através da

imposição do poder da época (exemplo: Constituições brasileiras de 1824, 1937,

1967 e EC nº. 01/1969)”.42

Além destas duas classificações quanto à origem, Silva

atenta para a existência da Constituição cesarista, segundo o qual “é formada por

um plebiscito popular sobre um projeto elaborado por um Imperador ou Ditador. A

participação popular nestes casos, não é democrática, pois visa apenas ratificar a

vontade do detentor do poder”.43

Capez complementa esta conceituação afirmando que as

Constituições cesaristas “são formadas pelo referendo popular, sobre um projeto

previamente elaborado pelo governante”.44

Por arremate, como última categoria Bonavides invoca a

existência das Constituições pactuadas, que são aquelas “originadas de um

compromisso instável de duas forças rivais políticas”.45

1.2.5 Quanto à estabilidade: flexíveis, semi-rígida s, rígidas e imutáveis

No que concerne ao grau de alterabilidade, a Constituição

pode ser classificada em flexível, semi-rígida, rígida e imutável.

A Constituição flexível é aquela que preconiza um processo

de alteração de seu conteúdo semelhante a de uma lei ordinária, ou seja, sem

demandar maiores formalidades.

Nas palavras de Silva “a Constituição é flexível quando pode

ser livremente modificada pelo legislador segundo o mesmo processo de

elaboração de leis ordinárias”.46

41 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 68. 42 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 5. 43 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 44. 44 CAPEZ, Fernando. Direito constitucional . 15 ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005, p. 24. 45 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 72. 46 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 42.

Page 28: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

27

No entendimento de Tavares “as constituições flexíveis são

as primeiras formas de estruturação que aparecem nas sociedades políticas

organizadas”. 47

Contrapondo-se a esta inexistência de procedimento

especial para alteração de seus dispositivos que caracteriza a Constituição

flexível, a Constituição considerada rígida é aquela que demanda um

procedimento formal e específico para sua alteração, tornando este processo

mais complexo e difícil.

Debruçando-se sobre essa classificação, Tavares registra

que:

Na Constituição rígida, para todas as normas constitucionais se exige, na eventualidade de sua alteração, um processo legislativo mais trabalhoso, mais dificultoso do que comumente é exigível. Geralmente, e principalmente no caso brasileiro, esse processo mais trabalhoso se resume a uma iniciativa mais reduzida, a um quorum de aprovação maior e, por fim, à não participação do Poder Executivo (por meio da exclusão do veto ou da sanção).48

Assemelhando-se a este entendimento, Silva pontifica que

“rígida é a Constituição somente alterável mediante maiores solenidades e

exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis que os de formação de leis

ordinárias ou complementares”.49

Em outros termos, Slaibi define a Constituição rígida como:

Aquela cujo processo de elaboração de emendas constitucionais (o exercício do poder constituinte de reforma) é diverso do processo de elaboração das normas legislativas infraconstitucionais, daí decorrendo que as decisões previstas na Constituição somente poderão ser revistas por um processo mais solene e diverso que o processo destinado às outras questões. 50

Ainda quanto à estabilidade as Constituições podem ser

classificadas como semi-rígidas, ou seja, aquelas que apresentam uma parte de

47 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 69. 48 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 70. 49 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 42. 50 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional . Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 13.

Page 29: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

28

seus preceitos constituída de forma rígida e outra de forma flexível. Conforme

enfatiza Capez, as Constituições são semi-rígidas “quando exigem processo

especial mais solene apenas para uma parte de seus dispositivos, permitindo que

a outra parte seja modificável pelo mesmo processo da legislação ordinária e

complementar”. 51

Noutro giro, de acordo com Moraes as Constituições

imutáveis “são as constituições onde se veda qualquer alteração, constituindo-se

relíquias históricas”. 52

Forçoso concluir que imutável é a Constituição que se

caracteriza pela impossibilidade de mudança de seus dispositivos. Dada essa

peculiaridade, a Constituição imutável não se coaduna com as exigências da

contemporaneidade.

1.2.6 Quanto à sua extensão e finalidade: analítica s (dirigentes) e sintéticas

(negativas, garantias)

Utilizando-se como critério de classificação a extensão das

Constituições, as mesmas podem ser: analíticas (dirigentes) e sintéticas

(negativas, garantias).

As Constituições analíticas são também conhecidas como

prolixas e extensas, tendo como principal característica o grande número de

regras jurídicas que abarcam em seu texto legal.

Nesse sentido, Moraes discorre que as Constituições

analíticas “examinam e regulamentam todos os assuntos que entendam

relevantes à formação, destinação e funcionamento do Estado”. 53

Cumpre lembrar que essa espécie de Constituição tem sido

comumente adotada por muitos países. Consoante aponta Tavares as razões

elencadas para o surgimento da Constituição analítica são:

A indiferença, que se tem transformado em desconfiança, quanto ao legislador ordinário; a estatura de certos direitos subjetivos, que estão a merecer proteção jurídicamente diferenciada; a

51 CAPEZ, Fernando. Direito constitucional , 2005, p. 24. 52 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 5. 53 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 6.

Page 30: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

29

imposição de certos deveres, especialmente aos governantes, evitando-se o desvio de poder e a arbitrariedade; a necessidade de que certos institutos sejam perenes, garantindo, assim, um sentimento de segurança jurídica decorrente da rigidez constitucional.54

Em contrapartida a esta classificação surgem as

Constituições sintéticas, que são também conhecidas como breves, sucintas,

básicas pelo fato de se limitarem a tratar de elementos constitucionais básicos.

Moraes assim as define: “as Constituições sintéticas

prevêem somente os princípios e as normas gerais de regência do Estado,

organizando-o e limitando seu poder, por meio da estipulação de direitos e

garantias fundamentais”. 55

Focado nesta realidade, Tavares assegura que:

Nesses modelos jurídicos há ampla potencialidade de manutenção das Constituições, que em geral se perpetuam por longos períodos, como é de desejar. Isso ocorre porque, ao se dedicar aos princípios mais amplos, a constituição sintética é facilmente adaptável à realidade concreta e suas constantes mudanças, sem a necessidade de promover-se uma alteração formal de seu texto escrito.56

É forçoso concluir que dada estas peculiaridades, nos

países que optaram pela Constituição sintética as minúcias que envolvem os

direitos e deveres são atribuições relegadas ao legislador ordinário, eximindo o

Poder Constituinte de adentrar nestas pormenorizações.

1.3 OBJETO E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES

No que tange ao objeto das Constituições, Silva atenta que

As constituições têm por objeto estabelecer a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de seu exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias dos indivíduos, fixar o regime político e

54 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 72. 55 MORAES, Alexandre. Direito constitucional , 2006, p. 6. 56 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional , 2006, p. 72.

Page 31: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

30

disciplinar os fins sócio-econômicos do Estado, bem como os

fundamentos dos direitos econômicos, sociais e culturais.57

Noutro giro, pode-se afirmar com base nos ensinamentos de

Bastos, que a Constituição apresenta como conteúdo um aglomerado de regras e

princípios que gozam de hierarquia superior dentro do sistema jurídico e que tem

como objetivo estabelecer a estrutura do poder político e fixar os limites de

concessão dos direitos fundamentais aos cidadãos58.

1.4 ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO

Conhecer os elementos estruturantes das Constituições

permite ao aplicador e ao intérprete captar a essência e o espírito de cada

Constituição. Sendo assim, este conhecimento é condicionante e fundamental

para a realização da tarefa de interpretar a Lei Maior.

Não obstante a multiplicidade de elementos que formam a

Constituição, ela se apresenta como um todo orgânico e unitário, uma vez que

todas as suas normas estão em contínua interligação, condicionando-se

reciprocamente.

Este postulado é ratificado por Silva, que sustenta:

[...] as constituições contemporâneas apresentam-se recheadas de normas que incidem sobre matérias de natureza e finalidades as mais diversas, sistematizadas num todo unitário e organizadas coerentemente pela ação do poder constituinte que as teve como fundamentais para a coletividade estatal. Estas normas, geralmente agrupadas em títulos, capítulos e seções, em função da conexão do conteúdo específico que as vincula, dão caráter policefático às constituições, de que se originou o tema denominado elementos das constituições. 59

A doutrina não é uníssona quanto ao número de elementos

que compõe a Constituição. No entanto, em geral, as Constituições

contemporâneas apresentam cinco categorias de elementos:

57 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 43. 58 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 72. 59 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 44.

Page 32: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

31

a) Elementos orgânicos: encontram-se nos dispositivos que

organizam a estruturação do Estado e a forma como esta realizará seu poder,

abarcando as normas que dão existência ao Estado, regulando a competência

das instituições e autoridades, a forma, o exercício e a legitimidade para o

exercício destas competências.

De acordo com Carvalho, “através dessas normas, a

Constituição desempenha as funções de instrumento de governo e de documento

disciplinador das relações entre os poderes públicos e entre estes e os

particulares”.60

Suplantando estes conceitos para a atual conjuntura, Silva

pontifica que os elementos orgânicos “concentram-se predominantemente, nos

Títulos III (Da Organização do Estado), IV (Da Organização dos Poderes e do

Sistema de Governo), Capítulos II e III do Título V (Das Forças Armadas e da

Segurança Pública) e VI (Da Tributação e do Orçamento.”.61

b) Elementos limitativos: estão presentes nos dispositivos

que limitam a alteração do poder estatal com o fulcro de proteger os direitos e

garantias fundamentais dos cidadãos, evitando o discricionarismo, o arbítrio, o

abuso do poder estatal e, conseqüentemente, a lesão ao direito dos cidadãos. De

acordo com Silva, na atual Constituição “acham-se eles inscritos no Título II de

nossa Constituição, sob a rubrica Dos Direitos e Garantias Fundamentais,

excetuando-se os Direitos Sociais (Capítulo II), que entram na categoria

seguinte”.62

c) Elementos sócio-ideológicos: manifestam-se nas normas

que refletem o ensejo por uma ordem social mais justa, eqüitativa, constituindo

verdadeiras convergências de interesses existentes no âmbito interno do Estado.

Em que pese a suficiência destas explanações, Carvalho

atenta que estes elementos:

[...] encontram-se justamente nos preceitos que fixam as finalidades supremas e essenciais do Estado e que contêm, em grande medida, as bases informadora do espírito constitucional.

60 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Hermenêutica constitucional – Métodos e princípios específicos de interpretação. Florianópolis: Obra Jurídica, 1997, p. 25. 61 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 44. 62 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 44.

Page 33: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

32

Algumas dessas normas são de caráter programático, outras não, na medida em que tenham aplicação imediata.63

Como já mencionado alhures, Silva alerta que os elementos

sócio ideológicos consubstanciados nas normas sócio-ideológica “revelam o

caráter de compromisso das Constituições modernas entre o Estado individualista

e o Estado Social, intervencionista, como as do Capítulo II do Título II, sobre os

Direitos Sociais, e as dos Títulos VII (Da Ordem Econômica e Financeira), VIII (Da

Ordem Social)”;64

d) Elementos de estabilização constitucional: consubstanciada

nas normas que tendem a garantir a solução dos conflitos constitucionais, com o

objetivo último de defender a Constituição contra possíveis alterações e

infringências. Conforme Silva, esses elementos “são encontrados no art. 102, I, a

(ação de inconstitucionalidade), nos arts. 34 a 36 (Da Intervenção nos Estados e

Municípios), 59, I, e 60 (Processo de emendas à Constituição), 102 e 103

(jurisdição constitucional) e Título V (Da Defesa do Estado e das Instituições

Democráticas)”.65

e) Elementos formais de aplicabilidade: estão presentes nas

normas que estabelecem as formas de aplicação das Constituições. Silva

menciona os elementos formais de aplicabilidade da CRFB/88: “o preâmbulo, o

dispositivo que contém as cláusulas de promulgação e as disposições

constitucionais transitórias, assim também a do § 1º do art. 5º, segundo o qual as

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

imediata”.66.

São estes, portanto, os principais elementos estruturantes

das Constituições, especificamente, da CRFB/88.

63 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Hermenêutica constitucional – Métodos e princípios específicos de interpretação, 1997, p. 26. 64 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p.44. 65 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p.45. 66 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p.45.

Page 34: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

33

1.5 A CONSTITUIÇÃO COMO ORDEM NORMATIVA VEICULADORA DE

REGRAS E PRINCÍPIOS

O texto constitucional abarca em suas disposições duas

espécies de normas, quais sejam, as regras e os princípios. Nesse sentido, pode-

se afirmar que a Constituição é uma ordem normativa veiculadora de regras e

princípios.

1.5.1 Noção de princípio

Analisando a etimologia da palavra princípio observa-se que

ela deriva do latim “principium”, que significa o começo, o início, o fundamento de

qualquer procedimento.

Consoante aponta Carrazza:

por igual modo, em qualquer Ciência, princípio é sempre começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é ainda, a pedra angular de qualquer sistema.67

Coadunando-se a este pressuposto, é irrefutável que o

sistema jurídico não poderia deixar de abarcar a idéia de princípios para nortear

suas disposições.

Sem embargo, Bastos atenta que “poderíamos mesmo dizer

que cada área do direito não é senão a concretização de certo número de

princípios, que constituem o seu núcleo central, já que possuem uma forma que

permeia todo o campo sob seu alcance”.68

Adentrando na óptica jurídica, Mello preleciona que

Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema

67 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 37. 68 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 82.

Page 35: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

34

normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.69

Nesse mesmo diapasão, Ataliba assim conceitua os princípios:

(...) princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriedade perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências.70

É basilar o conhecimento de Carrazza ao apontar que:

Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de proeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.71

Soa límpido a importância da inserção dos princípios em

todos os segmentos do Direito. No entanto, os princípios insertos no texto

constitucional gozam de maior proeminência, uma vez que norteiam e

condicionam a aplicação e a exegese das normas jurídicas em geral, extraindo-se

deles a validade das mesmas.

Em que pese a suficiência destes conceitos, imperioso

acrescentar as várias espécies em que são classificados os princípios

constitucionais. Para isso, utilizar-se-á a lição de Canotilho exposta por Silva,

segundo o qual são duas as espécies de princípios constitucionais considerando

a função ínsita dos mesmos no corpo da Constituição:

69 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo , 2006, p. 841-842. 70 ATALIBA, Geraldo. República e constituição . 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 34. 71 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 39.

Page 36: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

35

a) Princípios político-constitucionais: constituem-se daquelas decisões políticas fundamentais, concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional positivo. b) Princípios jurídico-constitucionais: são informadoras da ordem jurídica nacional. Decorrem de certas normas constitucionais e, não raro, constituem desdobramentos (ou princípios derivados) dos fundamentais, como o princípio da supremacia da Constituição.72

No tocante à importância dos princípios constitucionais,

Bonavides destaca:

Postos no ponto mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as normas supremas do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para a avaliação de todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização, que é ao mesmo passo positivação no mais alto grau, recebem como instância valorativa máxima categoria constitucional, rodeada de prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os princípios se convertem igualmente em norma normarum, ou seja, norma das normas.73

Em arremate, o cenário descrito bem acentua a relevância

dos princípios, especialmente aqueles explícitos e implícitos no texto

constitucional, uma vez que estes denotam a carga axiológica proeminente de

uma dada nação. Estes valores ínsitos nos princípios constitucionais são o

parâmetro mediante o qual se mensuram todas as normas estruturantes do

sistema jurídico.

1.5.2 Função dos princípios

Indubitavelmente, os princípios apresentam inúmeras

funções, dentre elas a função normativa e logicamente de interpretação e de

integração do direito.

Por oportuno, Canotilho apregoa que:

72 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 93. 73 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 290.

Page 37: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

36

Os princípios são multifuncionais. Podem desempenhar uma função argumentativa, permitindo, por exemplo, denotar a ratio legis de uma legislação ou revelar normas que são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito.74

Pela função normativa-interpretativa deve-se entender o

auxílio que os princípios oferecem ao hermeneuta na difícil tarefa de coadunar o

direito com a gradativa evolução da sociedade. Nesse sentido, Barroso sustenta:

O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais especifico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie.75

Seguindo o mesmo raciocínio, Carrazza também adverte:

Muito bem, em razão de seu caráter normativo, os princípios constitucionais demandam estrita observância, até porque, tendo amplitude maior, sua desobediência acarreta conseqüências muito mais danosas ao sistema jurídico que o descumprimento de uma simples regra, ainda que constitucional. São eles que estabelecem aquilo que chamamos de pontos de apoio normativos para a boa aplicação do Direito.76

Assim, em relação à normatividade dos princípios,

Bonavides assevera que:

Todo o discurso normativo tem que colocar, portanto, em seu raio de abrangência os princípios, aos quais as regras se vinculam. Os

74 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional , 1993, p. 167. 75 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição , São Paulo: Saraiva, 1996, p.141. 76 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 41.

Page 38: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

37

princípios espargem claridade sobre o entendimento das questões jurídicas, por mais complicadas que estas sejam no interior de um sistema de normas. 77

No mais, uma importante advertência deve ser consignada

no que tange a função normativa e de interpretação dos princípios, uma vez que

este aspecto funcional induz a uma interferência recíproca entre as regras e os

princípios e ao entendimento da Constituição como um sistema aberto composta

por estas duas espécies normativas.

A maneira como ocorre esta inter-relação entre princípios e

regras no momento da interpretação de um direito é explicado por Bastos:

O princípio, ainda quando adotada de forma expressa pelo texto normativo, quase nunca está voltada para ser aplicado na prática, em casos concretos, mas se dirige precipuamente para resolver problemas interpretativos. Pode-se afirmar que os princípios, embora percam em concretude, ganham em abrangência. Acabam por ser concretizados numa série de normas infraconstitucionais, que dão aplicação àquele princípio. Isto não significa, como querem alguns, que a existência dessas normas subconstitucionais acabem por interferir na própria aplicação do princípio, subvertendo-se a superioridade constitucional. Na verdade, estas leis integradoras só vicejam na medida em que estejam em conformidade com o princípio, e não o contrário. 78

Como segunda função dos princípios, pode-se mencionar a

de integração de normas jurídicas que surge no momento em que já não é

possível encontrar uma solução normativa para um dado caso concreto.

Conforme averba Miranda, “não há uma plenitude da ordem

constitucional como não há uma plenitude da ordem jurídica em geral”.79 Assim,

torna-se comum a existência de lacunas legais que demandam a utilização da

função integradora dos princípios. Complementando esta análise, o mesmo

Miranda, assevera:

77 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 259. 78 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 102-103. 79 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional . 4 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990, p. 234.

Page 39: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

38

A ação mediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critérios de interpretação e de integração, pois são eles que dão a coerência geral do sistema. E, assim, o sentido exacto dos preceitos constitucionais tem de ser encontrado na conjugação com os princípios e a integração há de ser feita de tal sorte que se tornem explícitas ou explicitáveis as normas que o legislador constituinte não quis ou não pôde exprimir cabalmente. 80

Considerando esse caráter indiscutivelmente multifuncional

que caracteriza os princípios, é certo que os mesmos demandam uma obediência

irrestrita, cuja não observância acarreta conseqüências ao sistema jurídico como

um todo, uma vez que o caráter normativo, de interpretação e de integração do

direito é executado pelos princípios.

Sem embargo, Mello adverte:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que os sustêm e alui-se toda a estrutura neles esforçada.81

Ainda no que diz respeito a importância dos princípios,

Bonavides, acrescenta:

A importância vital que os princípios assumem para os ordenamentos jurídicos se torna cada vez mais evidente, sobretudo se lhes examinarmos a função e presença no corpo das Constituições contemporâneas, onde aparecem como os pontos axiológicos de mais alto destaque e prestígio com que

80 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional , 1990, p. 226-227. 81 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo , 2006, p. 842.

Page 40: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

39

fundamental na Hermenêutica dos tribunais a legitimidade dos preceitos da ordem constitucional.82

Em desfecho, os princípios são as bases do direito

constitucional, assumindo funções de interpretação e de normatização do sistema

jurídico.

1.5.3 Colisão entre os princípios

A aplicação de dois princípios conflitantes em um único

caso concreto é capaz de gerar a colisão entre os mesmos. Esse conflito decorre

da carga valorativa inserida no texto constitucional, que desde o seu início,

tendência a incorporação de interesses plúrimos de uma sociedade, quando

compôs seu Poder Constituinte de membros de diferentes classes, consolidando

o ideal de Estado democrático de Direito. É indubitável que estes interesses em

muitos casos não se harmonizam.

Nesse sentido, Muller citado por Bonavides atenta para esta

condição do texto constitucional, capaz de gerar colisão entre os princípios:

A constituição é de si mesma um repositório de princípios às vezes antagônicos e controversos, que exprimem o armistício na guerra institucional da sociedade de classes, mas não retiram à Constituição seu teor de heterogeneidade e contradições inerentes, visíveis até mesmo pelo aspecto técnico na desordem e no caráter dispersivo com que se amontoam, à consideração do hermeneuta, matéria jurídica, programas políticos, conteúdos sociais e ideológicos, fundamentos do regime, regras materialmente transitórias embora formalmente institucionalizadas de maneira permanente e que fazem, enfim, da Constituição um navio que recebe e transporta todas as cargas possíveis, de acordo com as necessidades, o método e os sentimentos da época.83

Como corolário, ao passo que é comum ocorrerem colisão

entre os princípios, esse conflito não é solucionado utilizando-se os mesmos

82 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 289. 83 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 460.

Page 41: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

40

critérios que são usados na solução do conflito entre duas regras. Alexy citado por

Bonavides afirma que:

Com a colisão de princípios, tudo se passa de modo inteiramente distinto. A colisão ocorre, por exemplo, se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele seja introduzida. [...] Já os conflitos de regras, se desenrolam na dimensão da validade, ao passo que a colisão de princípios, visto que somente princípios válidos podem colidir, transcorre fora da dimensão da validade, ou seja, na dimensão do peso, isto é, do valor.84

No mais, uma importante advertência deve ser consignada

quanto à forma de se proceder diante de uma colisão entre princípios. Como

mencionado alhures, esta problemática adentra para o campo da ponderação, do

peso que cada princípio traz consigo diante da aplicação em um determinado

caso concreto, uma vez que a colisão entre princípios não se trata de antinomia,

já que não se pode aplicar um princípio aleatoriamente em detrimento de outro,

considerando-se o fato de que não existe hierarquia entre os mesmos.

Assim, para resolver esse conflito e harmonizar os princípios

colidentes, utiliza-se como norteador o princípio da proporcionalidade. Esse

princípio é elencado pela doutrina como “meta-princípio”, ou seja, o “princípio dos

princípios”, e é considerado o modo ideal de ponderar os princípios envolvidos em

determinado caso concreto, objetivando adotar uma decisão equânime que

harmonize os princípios conflitantes.

Essa afirmação é confirmada por Alexy que ratifica: “o

conflito de princípios, resolve-se pela regra da proporcionalidade sem que se

cogite a validade jurídica ou formal dos princípios em jogo”.85

Posto isto, na ocorrência de conflitos entre dois ou mais

princípios constitucionais é necessário realizar o balanceamento de valores no

84 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , 2006, p. 279-280. 85 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 81.

Page 42: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

41

caso concreto de modo a harmonizá-los a fim de regular a convivência dos

mesmos no sistema jurídico.

1.5.4 Distinção entre princípios e regras

É sabido que a Constituição, como conglomerado de

normas jurídicas gerais, traz em seu texto duas espécies normativas: as regras e

os princípios.

Focado nesta realidade, Barroso sustenta que

a dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípios e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de

abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema.86

Assim, essas duas espécies de normas jurídicas apresentam

uma gama de peculiaridades que as diferenciam tanto na sua essência, como na

forma de tratá-las. Essas diferenciações foram exploradas por Espíndola, com

base nos seguintes parâmetros:

a) O grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida;

b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, julgador ou administrador), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta;

c) Caráter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais)

86 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da constituição, 1996, p.141.

Page 43: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

42

ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito);

d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculantes com um conteúdo meramente formal;

e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.87

Neste diapasão, Guerra Filho também apresenta as

principais características que distinguem os princípios das regras, nos seguintes

termos:

As regras possuem a estrutura lógica que tradicionalmente se atribui às normas do direito, com a descrição (ou “tipificação”) de um fato, ao que se acrescenta a sua qualificação prescritiva, amparada em uma sanção (ou na ausência dela, no caso da qualificação como “fato permitido”). Já os princípios fundamentais igualmente dotados de validade positiva e de um modo geral estabelecidos na Constituição, não se reportam a um fato específico, que se possa precisar com facilidade a ocorrência, extraindo a conseqüência prevista normativamente. Eles devem ser entendidos como indicadores de uma opção pelo favorecimento de determinado valor, a ser levada em conta na apreciação jurídica de uma infinidade de fatos e situações possíveis, juntamente com outras tantas opções dessas, outros princípios igualmente adotados, que em determinado caso concreto podem se conflitar uns com os outros, quando já não são mesmo, in abstracto, antinômicos entre si.88

Canotilho, citado por Espíndola, discorre a respeito desta

temática:

87 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceitos de Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 65. 88 GUERRA FILHO, Willis. Dos direitos humanos aos direitos fundamentais . Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 1997, p. 17.

Page 44: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

43

(1) princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (...); a convivência dos princípios coexistem; as regras antinômicas excluem-se; (2) conseqüentemente os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, a lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer solução, pois se uma regra vale (tem validade deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos. (3) em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objecto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas “exigências” ou “standards” que, em primeira linha (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm fixações normativas definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias; (4) os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são correctas devem ser alteradas).89

Assim, soa límpido que as regras e os princípios são

espécies normativas que se diferenciam em razão de vários aspectos. Essa

distinção bem denota a capacidade expansiva dos princípios quando comparados

às regras.

1.6 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

A Constituição, por ocupar o topo da pirâmide jurídica,

garante as suas normas a característica de serem superiores quando comparadas

às demais regras do ordenamento jurídico. Por essa razão é considerada a Lei

Fundamental.

89 ESPINDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais , 1999, p. 65.

Page 45: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

44

Sob essa óptica, Ferreira Filho atenta: “A Constituição rígida

é a lei suprema. É ela a base da ordem jurídica e a fonte de sua validade. Por

isso, todas as leis a ela se subordinam e nenhuma pode contra ela dispor”.90

Em razão desta peculiaridade, é na Constituição que é

encontrado o fundamento de validade para as demais normas do sistema jurídico.

Deste postulado, extrai-se o embasamento para afirmar que pelo fato da

Constituição ocupar a posição hierárquica superior do ordenamento jurídico,

submete às demais a sua observância, de forma que se com a Lei Fundamental

se conflitar, esta última deve ser considerada inválida.

1.6.1 A supremacia como princípio constitucional

O primado da supremacia da Constituição como princípio

constitucional decorre da idéia de que nenhuma norma do ordenamento jurídico

poderá contrapor-se aos fundamentos dispostos no texto constitucional.

Silva alerta que:

A constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.91

Nesse sentido, cumpre lembrar que a origem da supremacia

assumindo a posição de princípio constitucional advém da própria rigidez que

caracteriza o texto da Constituição.

A propósito, Silva adverte:

A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas

90 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional . São Paulo: Saraiva, 2006, p. 20. 91 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007 p. 45.

Page 46: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

45

da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da supremacia da constituição.92

Várias são as implicações do princípio da supremacia da

Constituição no ordenamento jurídico. Seguindo esta vertente, Lavié citado por

Slaibi elenca as decorrências deste princípio:

1 – o princípio da unidade em que as normas inferiores devem se adequar às normas superiores contidas na Constituição, havendo-se todo o conjunto normativo ou o ordenamento jurídico de um país como uma só unidade normativa, em que todas as normas jurídicas, decorrentes ou não da função legislativa do Estado, mas por este aceitas, são consideradas como uma unidade; 2 – o princípio do controle de constitucionalidade, isto é, da verificação da compatibilidade das normas inferiores com a Constituição através dos processos que integram o mencionado controle; 3 – o princípio da razoabilidade, segundo o qual as normas infraconstitucionais devem ser instrumentos ou meios adequados (razoáveis) aos fins estabelecidos na Constituição, daí se extraindo o pressuposto de residir na Constituição a suprema fonte dos instrumentos jurídicos; 4 – o princípio da rigidez para a reforma da Constituição, que não pode ser feita pelo mesmo procedimento de elaboração da norma legislativa comum; de tal princípio é que se busca a distinção entre as normas, de forma a conferir supremacia à Constituição; 5 – a distinção entre poder constituinte e poder constituído, que é a distribuição de competência funcional a determinar quem pode criar os diversos níveis jurídicos; 6 – a gradação do ordenamento jurídico em diversos níveis, desde a norma fundamental abstrata até o ato de execução pelo órgão público; 7 – a garantia do Estado de Direito, pois os órgãos públicos se encontram limitados pelas determinações do poder constituinte.93

Por força deste postulado, a Constituição como norma

estruturante de todo o sistema jurídico é também a responsável pela validade de

todas as normas de hierarquia inferior, que somente serão consideradas válidas e

92 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 46. 93 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional , 2004, p. 4.

Page 47: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

46

aptas a produzirem seus efeitos se estiverem em conformidade com os ditames

constitucionais.

1.6.2 A supremacia formal e material

A doutrina diferencia a supremacia da constituição em formal

e material. Isso é possível evidenciar analisando-se da lição de Silva que destaca:

A doutrina distingue supremacia material e supremacia formal da constituição. Reconhece a primeira até nas constituições costumeiras e nas flexíveis. Isso é certo do ponto de vista sociológico, tal como também se lhes admite rigidez sócio-política. Mas, do ponto de vista jurídico, só é concebível a supremacia formal, que se apóia na regra da rigidez, de que é o primeiro e principal corolário.

Esta advertência é complementada por Bordeau que citado

por Silva, atenta que:

somente no caso da rigidez constitucional que se pode falar em supremacia formal da constituição, acrescentando que a previsão de um modo especial de revisão constitucional dá nascimento à distinção de duas categorias de leis: as leis ordinárias e as leis constitucionais.94

Soa límpido, portanto, que a supremacia como característica

fundamental da Constituição pode se apresentar sob o aspecto material ou

formal. No entanto, utilizando-se da óptica jurídica, o que se evidencia é a

supremacia formal da Constituição, por fundamentar-se na característica da

rigidez presente em grande parte dos textos constitucionais.

1.6.3 A supremacia da CRFB/88

A CRFB/88 indubitavelmente goza dos reflexos de possuir o

primado da supremacia. Em decorrência disto, suas normas jurídicas devem ser

observadas por todo o Estado, independentemente do poder ou da autoridade.

Isso quer dizer que a Lei Máxima impõe obediência estrita aos seus ditames e

94 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 46.

Page 48: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

47

através de seu ordenamento jurídico norteia as limitações governamentais e

estrutura o próprio poder estatal.

Nesse diapasão, Silva esclarece o motivo e as

conseqüências da nossa Constituição gozar de supremacia:

Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos.95

No próximo capítulo serão abordadas as peculiaridades que

cercam a limitação constitucional no que concerne a competência tributária, os

princípios, as imunidades e as diferenças que envolvem a bitributação e o bis in

idem.

95 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , 2007, p. 46.

Page 49: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

CAPÍTULO 2

LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

2.1 A CRFB/88 COMO CARTA DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIA S

A CRFB/88 abarca em seu sistema escalonado de normas,

disposições acerca do ordenamento tributário brasileiro, especialmente no que se

refere às competências tributárias. Isso é um reflexo do compósito político,

econômico e social da Constituição vigente, que busca contemplar em seu texto

preceitos gerais concernente à própria organização financeira do Estado.

Assim, em matéria tributária, a CRFB/88 é o instrumento

utilizado para delinear o campo de atuação dos entes políticos, no que tange a

competência para tributar.

Nesse sentido, Moraes assegura que:

A Constituição Federal, em regra, não institui tributos, mas sim estabelece a repartição de competência entre os diversos entes federativos e permite que os instituam com observância do

princípio da reserva legal. 96

Coadunando-se a esse entendimento, Tavares ensina:

[...] em nosso país não cria tributos quem quer, mas somente quem recebeu explícita autorização para fazê-lo. Essa autorização, graças a rigidez e exaustividade de nosso Sistema Tributário Nacional, há de ser sacada do bojo da Lei das Leis, isto é, do texto constitucional. Daí uma característica de nossa Norma Fundamental, qual seja, nossa Constituição não cria tributos, ou seja, não é uma carta de

96 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional , 2006, p. 766.

Page 50: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

49

incidência, ao revés, sobreleva-se como uma típica Carta de Competência.97

Não obstante, como é sabido, inexiste uma hierarquia entre

os entes federativos brasileiros (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), de

tal forma que a CRFB/88 delimita em matéria tributária o campo de atuação de

cada um destes entes políticos, de maneira que, segundo Harada, “o contribuinte

é súdito, ao mesmo tempo, de três governos distintos”.98

No entanto, essa atuação dos entes federativos não é

ilimitada. Pelo contrário, ela está adstrita aos próprios ditames constitucionais,

que ao mesmo tempo em que atribui o poder de tributar a cada um dos entes

políticos, limita o exercício desse poder, impedindo que invada a seara de

competência tributante de outra entidade política contemplada, assegurando ao

contribuinte a garantia de não ser tributado pelo mesmo fato gerador por mais de

um ente político.

Ademais, as limitações ao poder de tributar não se resumem

apenas às repartições de competências tributárias. A CRFB/88 contempla ainda

uma série de princípios norteadores da atuação das entidades políticas em

matéria tributária, além de prescrever fatos imunes a essa atuação estatal.

Esse é o posicionamento de Harada, que leciona:

Ao mesmo tempo em que procedeu a partilha de competência tributária que, por si só, já é uma limitação ao poder de tributação, na medida em que a outorga de competência privativa a uma entidade política implica, ipso fato, a vedação do exercício dessa competência por outra entidade política não contemplada, a Constituição Federal prescreveu inúmeros princípios tributários, visando à preservação do regime político adotado, à saúde da economia, ao respeito aos direitos fundamentais e à proteção de valores espirituais. 99

Com base nessa orientação, evidencia-se a importância do

texto constitucional no tocante a instituição de competências tributárias e aos

97 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 39. 98 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário . 15 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 377. 99 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 378.

Page 51: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

50

seus limites impostos na forma de princípios e imunidades, de maneira a garantir

um equilíbrio entre a necessidade impositiva de arrecadar e o direito dos

contribuintes de se verem tributados apenas na real ocorrência do fato gerador

que enseja a cobrança tributária e por apenas um ente tributante.

2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: CONCEITO, EXERCÍCIO, TI TULARIDADE

A partir do momento que a CRFB/88 elenca as

possibilidades dos entes federativos criarem seus respectivos tributos, está

delineando o que se pode denominar competência tributária, ou seja, a permissão

constitucional de instituir tributos.

Em conformidade com a orientação de Carrazza:

Competência tributária é a possibilidade de criar, in abstracto, tributos, descrevendo legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Como corolário disto, exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano abstrato, a tributos. 100

Essa prerrogativa de instituir tributos foi outorgada pela

CRFB/88 apenas para as pessoas jurídicas de direito público interno, ou seja,

União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Essas entidades são denominadas

Pessoas Políticas, uma vez que são os únicos entes que possuem em sua

estrutura interna o poder legiferante, isto é, a aptidão de instituir tributos por meio

de lei.

Nesse sentido, Carvalho dispõe que:

A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos. 101

100 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 467-468. 101 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 211.

Page 52: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

51

Assim, no que tange a titularidade da competência tributária,

Tavares assegura que “[...] no Brasil, é reservada privativamente à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios”. 102 Deveras, o fundamento desta

titularidade encontra respaldo na representação legislativa própria que possuem

estas Pessoas Políticas.

Se o nascimento do tributo está intrinsecamente

relacionamento com o direito subjetivo dos entes políticos exercitarem sua

competência tributária, esta deve conter alguns elementos considerados

essenciais para que o tributo seja assim instituído. Carrazza adverte que:

Consideram-se elementos essenciais da norma jurídica tributária os que, de algum modo, influem no an e no quantum do tributo; a saber: a hipótese de incidência do tributo, seu sujeito ativo, seu

sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota. 103

Uma vez presentes estes elementos essenciais na lei

criadora do tributo, este passa a ser instituído.

Já em relação ao exercício da competência tributária,

cumpre consignar a lição de Carrazza, que apregoa:

A competência tributária esgota-se na lei. Depois que esta for editada, não há falar mais em competência tributária (direito de criar o tributo), mas, somente, em capacidade tributária ativa (direito de arrecadá-lo, após a ocorrência do fato imponível). Temos, pois, que a competência tributária, uma vez exercitada, desaparece, cedendo passo à capacidade tributária ativa. De conseguinte, a competência tributária não sai da esfera do Poder Legislativo; pelo contrário, exaure-se com a edição da lei veiculadora da norma jurídica tributária. 104

Assim sendo, entende-se que o exercício da competência

tributária encerra-se no momento em que a lei é editada, pois, após esse

momento, a competência tributária concede espaço ao surgimento da capacidade

102 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 41. 103 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 467. 104 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, 2005, p. 471.

Page 53: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

52

tributária ativa, que se relaciona com as atribuições de arrecadar e fiscalizar os

tributos instituídos.

2.3 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

No que tange às peculiaridades que caracterizam a

competência tributária, pode-se elencar a privatividade, indelegabilidade,

incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e facultatividade do exercício.

Quanto à característica da privatividade, destaca-se que no

momento que a norma constitucional dispõe acerca da competência tributária,

conferindo à determinada Pessoa Política a possibilidade de instituir um tributo,

automaticamente impede que os demais entes políticos exercitem essa

prerrogativa, ou seja, os preceitos constitucionais que norteiam as competências

tributárias ensejam um duplo comando: ao passo que habilita determinada pessoa

política e, somente ela a instituir um tributo, proíbe que as demais também o

façam.

Sob esta óptica, Melo consigna:

As pessoas políticas são dotadas de privatividade para criar os tributos que lhes foram reservados pela Constituição, o que, por via oblíqua, implica a exclusividade e conseqüente proibição do

seu exercício por quem não tenha sido consagrado esse direito. 105

Noutro giro, o art. 7º, caput, do CTN, elenca a

indelegabilidade como característica da competência tributária. De acordo com

esse dispositivo legal, a Pessoa Política que recebe do texto constitucional a

competência de instituir tributo não pode delegar esse direito a um outro ente

político, nem renunciar ao mesmo.

Conforme leciona Bandeira de Mello

é princípio comezinho de direito público o de que nesta seara, e maiormente na órbita do direito constitucional, a autonomia da vontade – peculiar ao interesse privado – cede passo inteiramente

105 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário . 6 ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 139.

Page 54: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

53

à noção de dever. As competências públicas outorgadas pela Constituição não são bens disponíveis, não podem ser transacionadas, gratuita ou onerosamente, pelas pessoas jurídicas públicas nelas investidas. É sabido e ressabido que sua disposição escapa ao alvedrio de quem as possui. Por isso não há como intercambiá-las. São comandos impositivos para as entidades que as receberam.106

Cumpre consignar que a indelegabilidade deve ser

criteriosamente considerada pelos entes políticos, uma vez que a sua não

observância afronta a supremacia do texto constitucional, que assim ficaria

condicionado à discricionariedades políticas.

No que se refere à incaducabilidade como característica da

competência tributária, Tavares averba que “a competência tributária é

incaducável, ou seja, o seu exercício não se encontra submetido à observância de

um prazo fatal”. 107

Outra não foi a conclusão a que chegou Carrazza:

A competência tributária é, também, incaducável, já que seu não exercício, ainda que prolongado no tempo, não tem o condão de impedir que a pessoa política, querendo, venha a criar, por meio de lei, os tributos que lhe forem constitucionalmente deferidos. Perdura, pois, no tempo, sendo juridicamente impossível dizermos que decaiu, por falta de aplicação ou exercício. Esta característica, diga-se de passo, é conseqüência lógica da incaducabilidade da função legislativa, da qual a função de criar tributos é parte.108

Assim, forçoso concluir que a competência tributária perdura

no tempo. A Pessoa Política, apesar de não poder renunciar, nem delegar a

competência conferida pelas normas constitucionais, pode querer não exercitá-la.

No entanto, o seu não exercício não lhe retira essa prerrogativa.

Com o fulcro de justificar a incaducabilidade da competência

tributária, Carvalho sustenta:

106 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo , 2006, p. 426. 107 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 41. 108 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 624-625.

Page 55: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

54

A Constituição existe para durar no tempo. Se o não-uso da faixa de atribuições fosse perecível, o próprio Texto Supremo ficaria comprometido, posto na contingência de ir perdendo parcelas de seu vulto, à medida que o tempo fluísse e os poderes recebidos pelas pessoas políticas não viessem a ser acionados, por qualquer razão histórica que se queira imaginar. Impõem-se, portanto, a perenidade das competências, que não poderiam ficar submetidas ao jogo instável dos interesses e dos problemas por que passa determinada sociedade. 109

No que tange a inalterabilidade que caracteriza a

competência tributária, insta advertir que as normas constitucionais que partilham

a competência tributária entre as Pessoas Políticas são inalteráveis por qualquer

dispositivo infraconstitucional.

À luz dessa orientação, Tavares acrescenta:

O alcance da competência tributária nasce constitucionalmente delimitado. Não pode ser ampliada, quer pela própria Pessoa Política, quer pelo CTN ou qualquer ato administrativo do executivo, muito menos por qualquer método interpretativo do qual lance mãos as autoridades fazendárias. 110

Seguindo essa mesma vertente de entendimento, Carvalho

adverte que “se aprouver ao legislador, investido do chamado poder constituinte

derivado, promover modificações no esquema discriminativo das competências,

somente outros limites constitucionais poderão ser levantados”.111

Assim, evidencia-se que o plexo de normas constitucionais

que delimitam a competência tributária não pode ser alterado ao simples alvedrio

do ente político que possui a respectiva outorga de competência, e nem mesmo

por uma norma de caráter infraconstitucional, uma vez que, de acordo com Melo:

“a inalterabilidade é contemplada como elemento substancial da competência

tributária, porque acode ao irrestrito prestígio do princípio federativo, não podendo

ser modificada a matéria tributável”. 112

109 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 215. 110 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 41. 111 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 216. 112 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário , 2005, p. 140.

Page 56: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

55

Ademais, a competência tributária é, ainda, irrenunciável.

Isso significa que as Pessoas Políticas encontram-se impedidas de renunciar, no

todo ou em parte, a esfera de competência tributária que lhe foi outorgada pelo

texto constitucional.

O fundamento desta impossibilidade encontra-se explicitado

nas palavras de Carrazza, que consigna:

Enfim, a competência tributária é irrenunciável, porque foi atribuída a pessoas políticas a título originário, pela Constituição. A renúncia, isto é, a unilateral e definitiva abdicação ao direito de criar tributos, é juridicamente ineficaz. 113

Em arremate, como última característica da competência

tributária pode-se elencar a facultatividade. Através dessa peculiaridade, a não-

utilização pelas Pessoas Políticas da parcela de competência tributária que lhe foi

outorgada pela CRFB/88, não repercute em nenhuma sanção, e muito menos

representa possibilidade de usurpação dessa competência por outro ente político.

Tavares leciona que “se a competência tributária não se encontra submetida a

prazo decadencial qualquer, obviamente que a Pessoa Política pode criar o tributo

que lhe foi confiado quando lhe aprouver”.114

Este postulado é ratificado por Baleeiro que afirma: “A

competência fiscal não é res nullius de que outra pessoa de direito público se

poderá aproveitar pela inércia do titular dela.”115

Dessa maneira, como decorrência lógica da

incaducabilidade, resta confirmada a característica da facultatividade da

competência tributária.

Em outros termos, Ataliba conclui:

O fato de uma disposição constitucional estabelecer competência em favor de uma pessoa e esta exercê-la só parcialmente, ou até mesmo abster-se de exercê-la, não autoriza a revogação do princípio de discriminação de competências, que estão fixadas na própria Constituição. Em outras palavras, a atribuição de

113 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 630. 114 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 42. 115 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro . 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 76.

Page 57: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

56

competência, por obra de disposição constitucional, a uma determinada pessoa, abre para ela uma faculdade de maneira irrestrita, a qual pode ou não ser usada, sem sofrer esta competência qualquer influência, pela circunstância de a pessoa usá-la ou não.116

Assim, forçoso concluir que as Pessoas Políticas titulares da

outorga de competência tributária devem exercitar essa prerrogativa observando

todas as peculiaridades que as caracterizam, evitando com isso a afronta ao

ordenamento constitucional.

2.4 BITRIBUTAÇÃO X BIS IN IDEM

Em conformidade com o ordenamento tributário brasileiro,

um tributo pode ser considerado inconstitucional se adotar uma hipótese de

incidência ou base de cálculo já utilizado por outro tributo. Na ocorrência desta

hipótese, tem-se a chamada bitributação.

Debruçando-se sobre essa temática, Harada esclarece que

“quando duas entidades políticas tributam o mesmo imposto, ocorre a chamada

bitributação jurídica, que é inconstitucional porque uma das entidades estará

necessariamente, invadindo a esfera de competência impositiva da outra”. 117

Nesse mesmo diapasão, Tavares define bitributação nos seguintes termos:

Bitributação é o fenômeno que ocorre quando duas ou mais Pessoas Políticas, com espeque em lei, tributam uma mesma hipótese de incidência ou base de cálculo. Em casos tais, o vício que impera é o da invasão de competência, fruto da privatividade das competências tributárias, posto que alguém estará ultrapassando a sua marca limítrofe. 118

Cumpre consignar que a CRFB/88 exceptua da

inconstitucionalidade da bitributação os impostos extraordinários, dispostos no

seu art. 154, inciso II.

116 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária . 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 93. 117 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 377. 118 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 44.

Page 58: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

57

Noutro giro, o bis in idem representa a situação pela qual um

mesmo tributo é instituído mais de uma vez pela mesma Pessoa Política.

Consoante aponta Melo:

No bis in idem o fato jurídico é tributado por uma mesma pessoa política (única titularidade ativa), mais de uma vez; podendo tratar-se de simples adicional (uniformidade da espécie de tributo); além

de cogitar-se de uma mesma base imponível. 119

Em que pese a suficiência destes conceitos, imperioso

acrescentar o traço diferencial entre esses dois fenômenos, utilizando-se a lição

de Tavares:

No bis in idem o encargo adicional é criado pela mesma pessoa jurídica de direito público interno, o que inocorre na bitributação, que pressupõe a instituição de um mesmo tributo por pessoas distintas. A nossa ordem jurídica, cumpre advertir, admite o bis in idem, desde que observados os princípios basilares aplicáveis ao caso e, obviamente, quando de explícita recepção constitucional.120

Em arremate, se a mesma Pessoa Política instituir um tributo

utilizando uma base de cálculo ou hipótese de incidência previamente usada em

outra exigência fiscal, estar-se-á diante da hipótese de bis in idem, admitida

constitucionalmente, uma vez que não afronta o atributo da privatividade que

caracteriza a competência tributária. Por outro lado, se duas ou mais pessoas

políticas distintas utilizarem a mesma base de cálculo ou a mesma hipótese de

incidência para instituírem exações, estar-se-á diante de um caso de bitributação,

inadmissível pelas normas constitucionais.

2.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

Com o fulcro de equilibrar a necessidade de arrecadação por

parte do poder estatal através da impositiva instituição de tributos e as garantias

do contribuinte, o exercício da competência tributária não é ilimitado. Pelo

119 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário , 2005, p. 145. 120 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 44.

Page 59: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

58

contrário, vê-se adstrito aos limites constitucionais, quer se apresentem na forma

de princípios ou de imunidades.

Destarte, Rosa Júnior define as limitações ao poder de

tributar nos seguintes termos:

As limitações ao poder de tributar representam uma proteção constitucional ao contribuinte contra um excessivo poder impositivo pelo Estado. Daí serem consideradas garantias mínimas a serem observadas pelo legislador ao instituir ou majorar tributos, definir suas hipóteses de incidência, fixar suas alíquotas e bases de cálculos, determinar os sujeitos passivos da obrigação tributária, etc. 121

Ampliando o entendimento acerca das limitações ao poder de

tributar, Machado assinala:

Cada uma das pessoas jurídicas de direito público, vale dizer, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tem sua competência tributária, que é, como já foi dito, uma parcela do poder tributário. O exercício dessa competência, porém, não é absoluto. O Direito impõe limitações à competência tributária, ora no interesse do cidadão, ou da comunidade, ora no interesse do relacionamento entre as próprias pessoas jurídicas titulares de competência tributária.122

Assim sendo, estas limitações ao poder de tributar podem se

apresentar sob a forma de princípios constitucionais tributários, dispostos nos

artigos 150 a 152 da CRFB/88, ou, então, por meio da descrição de fatos imunes

à exação estatal. Em ambas as hipóteses, o que se determina é o campo

competencial das Pessoas Políticas no momento da instituição dos tributos.

2.5.1 Imunidades tributárias

Etimologicamente o vocábulo imunidade tem origem no latim

e deriva de immunitas, immunitate, que significa em termos atécnicos negação de

121 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário , 2006, p. 222. 122 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário . 14 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 190.

Page 60: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

59

múnus, compreendido como ofício ou função. Complementando essa análise

etimológica, Tavares acrescenta que “a sílaba latina in que antecede a raiz

assume o significado de “negação”, dando a idéia genérica de desobrigação de

encargo.”123

Adentrando no âmbito jurídico, as imunidades são

consideradas limitações constitucionais ao poder de tributar, ou seja, algumas

situações específicas e bem caracterizadas pelo próprio texto constitucional que

passam, então, a ficar imunes às regras instituidoras de exações.

Focada nesta realidade, a nota de Derzi à obra de Baleeiro,

define imunidade como sendo:

Regra expressa da Constituição (ou implicitamente necessária), que estabelece a não-competência das pessoas políticas da Federação para tributarem certos fatos ou situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário.124

Complementando esse entendimento, Pontes de Miranda,

citado por Coêlho, aduz que “a regra jurídica de imunidade é a regra jurídica no

plano da competência dos poderes públicos – obsta à atividade legislativa

impositiva, retira ao corpo que cria impostos, qualquer competência para pôr, na

espécie”.125

No mesmo sentido, Carvalho propõe o seguinte conceito de imunidade:

Classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.126

123 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 30. 124 BALEEIRO, Aliomar. Direiro tributário brasileiro, 2001, p. 16. 125 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro . Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 174. 126 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 178.

Page 61: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

60

Do ponto de vista jurídico, Baleeiro evidencia algumas

peculiaridades que caracterizam as imunidades:

a) é regra jurídica, com sede constitucional; b) é delimitativa (no sentido negativo) da competência dos entes políticos da Federação, ou regra de incompetência; c) obsta o exercício da atividade legislativa do ente estatal, pois nega competência para criar imposição em relação a certos fatos especiais e determinados; d) distingue-se da isenção, que se dá no plano infraconstitucional da lei ordinária ou complementar.

Neste diapasão, percebe-se que por mais que as

imunidades e os princípios constitucionais tributários sejam considerados típicas

limitações ao poder de tributar, os mesmos diferem quanto aos efeitos gerados.

De um lado, os princípios são diretrizes gerais que não estabelecem a

incompetência tributária, ao passo que as imunidades denegam o poder de

tributar, limitando-o relativamente a certas pessoas, fatos ou circunstâncias.

Com foco prioritário na distinção entre os princípios

constitucionais tributários e as imunidades, Baleeiro evidencia que as imunidades:

a) são normas que somente atingem certos fatos e situações, amplamente determinadas (ou necessariamente determináveis) na Constituição; b) reduzem, parcialmente, o âmbito de abrangência das normas atributivas de poder aos entes políticos da Federação delimitando-lhes negativamente a competência; c) e, sendo proibições de tributar expressas (ou fortes), têm eficácia ampla e imediata; d) criam direitos ou permissões em favor das pessoas imunes de forma juridicamente qualificada.127

No que se refere à formalização do campo imunitório,

cumpre consignar que as restrições tributárias por meio de imunidades não

podem ser realizadas através de leis ordinárias. Em conformidade com o que

127 BALEEIRO, Aliomar. Limitações ao poder de tributar , 2003, p. 228.

Page 62: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

61

dispõe o art. 146, inciso III, da CRFB/88, trata-se de matéria privativamente

reservada ao tratamento por lei complementar.

Como evidenciado alhures, as imunidades encontram seu

fundamento jurídico no próprio texto constitucional, especialmente no artigo 150,

inciso VI, que elenca um rol de imunidades de cunho exemplificativo, abarcando a

imunidade tributária recíproca, a imunidade dos templos de qualquer culto, a

imunidade dos partidos políticos, inclusive suas fundações, entidades sindicais

dos trabalhadores e instituições de educação e assistência social e, por fim, as

imunidades dos livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão.

No que se refere a imunidade tributária recíproca prevista

no art. 150, inciso VI, “a”, da CRFB/88, Cassone atenta que esta “se dá entre as

pessoas políticas detentoras da competência tributária, em que uma não tributa a

outra, em relação aos impostos”.128 Todavia, importa advertir que esta vedação da

instituição de impostos recai sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos

outros, exclusivamente em relação aos serviços próprios da pessoa jurídica de

direito público e inerentes aos seus objetivos.

Tavares complementa essa orientação sustentando:

Ainda sobre seus efeitos jurídicos, bom acrescentar que se estende tão-somente às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, relativamente ao patrimônio, serviços e rendas vinculados a suas finalidades essenciais ou delas decorrentes (CF, art. 150, § 2º), não se lhes aplicando, por sua vez, [1] ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelo direito privado, ou [2] em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelos usuários (CF, art. 150, § 3º).129

O fundamento que respalda essa hipótese de imunidade

recíproca é defendido por Carvalho:

A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado Brasileiro e pela autonomia dos Municípios. Na verdade,

128 CASSONE, Vittorio. Direito tributário .11 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 117. 129 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p.32.

Page 63: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

62

encerraria imensa contradição imaginar o princípio da paridade jurídica daquelas entidades e, simultaneamente, conceder que pudessem elas exercitar suas competências impositivas sobre o patrimônio, a renda e os serviços, umas com relação às outras. 130

Noutro giro, as imunidades dos templos de qualquer culto

representam, outrossim, uma reafirmação do direito individual de liberdade de

crença e prática religiosa, também disposto no texto constitucional, no capítulo

destinado as garantias individuais e coletivas. Ademais, entendeu o legislador

constituinte que o exercício deste direito não deveria ser limitado pela exigência

de exações.

Nesse sentido, o art. 150, inciso VI, “b”, da CRFB/88

preleciona que estão imunes os templos de qualquer culto. No entanto, o

vocábulo templo não deve ser interpretado de maneira restritiva. Coadunando-se

ao entendimento da amplitude da interpretação concernente aos templos,

Machado apregoa:

Templo não significa apenas a edificação, mas tudo que seja ligado ao exercício da atividade religiosa. Não pode haver imposto sobre missas, batizados ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre qualquer bem que esteja a serviço do culto. Mas pode incidir imposto sobre bens pertencentes à Igreja, desde que sejam instrumentos desta. Prédios alugados, por exemplo, assim como os respectivos rendimentos, podem ser tributados. Não a casa paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado para atividades religiosas, ou para residência dos religiosos. 131

Nos termos da CRFB/88 (art. 150, inciso VI, “c”), igualmente

imunes estão o patrimônio, a renda e os serviços dos partidos políticos, inclusive

suas fundações, as entidades sindicais dos trabalhadores e as instituições

educacionais ou assistenciais desde que não tenham finalidade lucrativa e

observem os requisitos dispostos na lei.

A razão de ser da imunidade que atinge as entidades acima

mencionadas é explicada por Tavares, que aponta:

130 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 182. 131 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário , 1998, p. 203.

Page 64: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

63

Constitui mecanismo através do qual se procura preservar tanto os organismos vitais ao funcionamento e preservação do ideal republicano, quanto às instituições que desempenham, ut universi, funções que, a rigor, o Poder Público deveria realizar. 132

Ademais, tratando especificamente da regra constitucional

que torna imune as instituições educacionais ou assistenciais sem fins lucrativos,

Baleeiro argumenta:

A imunidade, para alcançar os efeitos de preservação, proteção e estímulo, inspiradores do constituinte, pelo fato de serem os fins das instituições beneficiadas também atribuições, interesses e deveres do Estado, deve abranger os impostos, que, por seus efeitos econômicos, segundo as circunstâncias, desfalcariam o patrimônio, diminuiriam a eficácia dos serviços ou a integral aplicação das rendas aos objetivos específicos daquelas entidades presumidamente desinteressadas, por sua própria natureza. 133

Outra hipótese de imunidade prevista no texto constitucional,

especificamente no art. 150, inciso VI, “d”, da CRFB/88, menciona a imunidade

dos livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão.

No entanto, a regra imunizante neste caso específico deve

ser interpretada de forma extensiva, abarcando todas as atividades que envolvem

a produção de livros, jornais e periódicos. Nesse sentido, ensina Machado:

A imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel destinado à sua impressão, há de ser entendida em sentido finalístico. E o objetivo da imunidade poderia ser frustrado se o legislador pudesse tributar quaisquer dos meios indispensáveis à produção dos objetivos imunes. Assim, a imunidade, para ser efetiva, abrange todo o material necessário à confecção do livro, do jornal ou do periódico. Não apenas o exemplar deste ou daquele, materialmente considerado, mas o conjunto. Por isto nenhum imposto pode incidir sobre qualquer insumo, ou mesmo sobre

132 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 32. 133 BALEEIRO, Aliomar. Limitações ao poder de tributar . 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 313.

Page 65: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

64

qualquer dos instrumentos, ou equipamentos, que sejam destinados exclusivamente à produção desses objetos. 134

O duplo propósito desta imunidade é explicado por Tavares:

Qual seja, garantir a liberdade de manifestação do pensamento, bem como estimular e facilitar o acesso à cultura, com vistas na desoneração da incidência de impostos sobre livros, jornais e periódicos, isto é, sobre veículos difusores de informações, idéias, conhecimentos, literatura, etc.135

Em desfecho, importante salientar que as imunidades

tributárias apesar de serem consideradas limitações ao poder de tributar, não

norteiam a boa execução das competências tributárias como o faz os princípios,

porém denegam o poder tributário, limitando-o a certas pessoas, fatos e situações

que representam valores significativos e prestigiados pelo legislador constituinte,

que dessa forma, privilegiou os próprios valores consagrados na norma

constitucional.

2.5.2 Princípios constitucionais tributários

Além das imunidades tributárias, o poder de tributar das

Pessoas Políticas detentoras desta outorga encontra-se jungido também pelos

princípios constitucionais tributários, que, segundo Coêlho “dizem como devem

ser feitas as leis tributárias, condicionando o legislador sob o guante dos juízes,

zeladores que são do texto dirigente da Constituição”.136

Deveras, a importância destes enunciados principiológicos

no sistema tributário brasileiro é inquestionável. No entanto, a forma como eles se

apresentam e o conteúdo que abrangem apresentam diversas variações.

Alertando sobre essas peculiaridades, Rosa Júnior lembra:

Esses princípios tributários podem estar expressos na Constituição ou resultarem do regime federativo e do sistema tributário nacional, sendo denominados princípios tributários

134 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário , 1998, p. 196. 135 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 33. 136 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro , 2006, p. 171.

Page 66: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

65

implícitos. De outro lado, os princípios podem ser gerais, referindo-se a todos os tributos, ou específicos porque pertinentes a determinados tributos. 137

Considerando estas ponderações, cumpre adentrar no

âmbito dos elementares princípios constitucionais tributários que limitam o poder

de tributar.

2.5.2.1 Princípio da estrita legalidade

O princípio da estrita legalidade representa no ordenamento

jurídico brasileiro um dos grandes pilares que fundamenta o Estado Democrático

de Direito, ao estabelecer que os tributos não poderão ser criados e nem

majorados senão através de lei.

O princípio da estrita legalidade encontra-se disposto no rol

de direitos e garantias individuais do art. 5º, inciso II, da CRFB/88:

Art. 5 – (...)

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa senão em virtude de lei;

Direcionando esse princípio basilar para a óptica do direito

tributário, o legislador constituinte optou por consagrá-lo expressamente, nos

seguintes termos:

Art. 150 . Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Assim, de acordo com a redação legal, evidencia-se que

toda e qualquer Pessoa Política somente poderá instituir tributos, ou aumentar

aqueles já existentes, mediante a edição de uma lei.

137 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário, 2006, p. 222.

Page 67: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

66

A origem dessa submissão aos ditames legais é explicitada

na lição de Rosa Júnior:

O princípio da legalidade tributária teve seu berço de origem na Magna Carta Libertatum, documento imposto, em 1215, pelos barões ingleses ao rei João Sem Terra, com a finalidade de limitar os seus poderes reais, em razão principalmente da maneira exorbitante e abusiva com que impunha tributos aos cidadãos. 138

Complementando essa orientação, Harada afirma: “A origem

desse princípio, de natureza nitidamente política, está ligada à luta dos povos

contra a tributação não consentida”.139

Como se observa, essa luta política empreendida pelos

povos da Antiguidade surtiu o efeito desejado, uma vez que, hodiernamente, o

postulado da legalidade é uma regra basilar do sistema tributário brasileiro e

representa uma significativa garantia aos contribuintes.

Seguindo esta orientação, Baleeiro anota:

Ora, os art. 150, I, e 5º, II, da Constituição vigente, referem-se à legalidade, como princípio necessário à instituição e majoração de tributos, tanto do ponto de vista formal – ato próprio, emanado do Poder Legislativo – como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipótese material, espacial e temporal, conseqüências obrigatórias, como sujeição passiva e quantificação do dever tributário (alíquotas e bases de cálculo), além das sanções pecuniárias, dos deveres acessórios, da suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário. 140

Assemelhando-se a este entendimento, Harada leciona

acerca da amplitude do princípio da legalidade:

Cumpre acrescentar que o princípio da legalidade tributária não se resume, apenas, na vedação de instituição ou majoração do tributo sem a prévia autorização legislativa. De há muito extrapolou o velho princípio donde se originou – nullum crimen

138 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário, 2006, p. 225. 139 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 378. 140 BALEEIRO, Aliomar. Limitações ao poder de tributar , 2003, p. 47.

Page 68: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

67

sine lege – para passar a reger as mais diferentes situações relacionadas com a tributação, objetivando a formulação de uma ordem jurídica-tributária cada vez mais justa. 141

Como se evidencia, o princípio da legalidade está

intrinsecamente atrelado ao postulado da tipicidade, ou seja, não basta a

existência de uma lei autorizadora da instituição ou da majoração de uma exação,

é necessário que ela traga em seu bojo todos os elementos caracterizadores da

relação obrigacional tributária.

Por oportuno, Amaro apregoa que:

Em suma, a legalidade tributária não se conforma com a mera autorização de lei para cobrança de tributos; requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador; necessário à quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei.142

No entanto, existem alguns doutrinadores que se posicionam

no sentido de que o próprio texto constitucional, em seu art. 153, § 1º, traz uma

exceção ao princípio da estrita legalidade tributária, ao dispor:

Art. 153 - (...)

§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os

limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos, I, II, IV e V.

Em relação a esse dispositivo constitucional, cumpre advertir

que os impostos enumerados nos incisos citados são: o Imposto sobre a

Importação de produtos estrangeiros (II), o Imposto sobre a Exportação, para o

exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE), o Imposto sobre Produtos

Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e seguro,

ou relativas a título ou valores mobiliários (IOF). No entanto, em relação a esses

141 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 379. 142 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro . 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 112.

Page 69: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

68

tributos, a lei apenas disciplina que o Poder Executivo por meio de decreto, tem a

faculdade de alterar as alíquotas correspondentes, sempre observando os limites

prefixados pelo legislador. Por conseguinte, trata-se de uma falsa exceção ao

princípio da estrita legalidade.

Sem embargo, essa posição é sustentada por Tavares:

O que a Constituição permite, e que nos parece estar bem claro em sua redação, é que a lei delegue ao Poder Executivo a faculdade de alterar, observadas às devidas condições e limites por ela mesmo estabelecidas, tão-somente as alíquotas dos impostos discriminados numerus clausus.143

O mesmo autor ainda conclui:

Assim, parece-nos que a Constituição, verdadeiramente, não patrocina qualquer possível nascimento de uma exação sem lei que o defina, já que seu art. 153, § 1º, não outorga ao Poder Executivo amplos poderes para descrever a hipótese de incidência dos impostos que enumera, nem tampouco permite a livre criação dos aspectos quantitativos responsáveis pela configuração do quantum debeatur; o que reafirma a idéia de que o que este dispositivo contempla é uma simples e aparente exceção ao princípio da estrita legalidade tributária. 144

Destarte, apesar desta falsa exceção ao princípio da estrita

legalidade, é indubitável a importância do mesmo no ordenamento tributário

brasileiro, conforme arrazoa Tavares:

Dentre os enunciados principiológicos genéricos existentes em nosso arcabouço jurídico, é o princípio da legalidade, seguramente, um dos mais, senão o mais importante de todos os princípios gerais que irradiam seus benéficos efeitos em matéria tributária. 145

O mesmo autor ainda complementa o entendimento sobre a

relevância deste princípio para a figura do contribuinte, nos seguintes termos:

143 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p.16. 144 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p.16-17. 145 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p.13.

Page 70: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

69

“este postulado pretende assegurar que a relação entre Fisco e contribuintes se

desenvolva sem surpresas, num clima de absoluta segurança jurídica e certeza

dos direitos e obrigações”. 146

Isto posto, percebe-se que o princípio da legalidade é o

embasamento jurídico do Estado Democrático de Direito, e, em âmbito tributário,

representa uma garantia ao contribuinte, uma vez que este pode encontrar toda a

regra-matriz da imposição tributária disposta em lei, que disciplinará inclusive as

possibilidades de majoração da exação.

2.5.2.2 Princípio da anterioridade

Como decorrência do antigo princípio da anualidade que

prescrevia a necessidade das leis fiscais submeterem-se todos os anos a uma

prévia autorização contida na lei orçamentária para que pudessem surtir efeitos, o

princípio da anterioridade desvinculou a aplicação da lei instituidora de tributos

dos preceitos da lei orçamentária, implicando somente no adiamento da eficácia e

da aplicabilidade da lei criadora ou majoradora da exação para o exercício

financeiro subseqüente ao de sua publicação, além de observar o lapso temporal

de noventa dias após a publicação da lei.

O fundamento da existência do princípio da anterioridade

encontra-se no art. 150, inciso III, “b” e ”c”, da CRFB/88, que dispõe:

Art. 150 . Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III. cobrar tributos:

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a Lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido

publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na letra b (acrescentada pela EC nº. 42/2003)

Já, no que se refere aos objetivos do princípio da 146 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p.15.

Page 71: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

70

anterioridade, estes são explicados por Rosa Júnior, que sustenta:

O princípio da anterioridade da lei fiscal visa a evitar que se cobre do contribuinte tributo, cuja lei de instituição ou majoração, tenha sido publicada no mesmo exercício financeiro da cobrança. Desse modo, o princípio em tela evita que o contribuinte seja apanhado de surpresa no transcorrer do exercício financeiro, daí ser denominado também de princípio da não-surpresa, permitindo que o contribuinte possa fazer planejamento fiscal de suas atividades. 147

Considerando as implicações práticas da aplicação do

princípio da anterioridade, Harada pondera:

Esse princípio da anterioridade constitui, a nosso ver, uma garantia fundamental, insusceptível de supressão via emenda constitucional. De fato, o Estado tem a faculdade de criar novos tributos ou majorar os existentes quando quiser, mas sua cobrança fica diferida para o exercício seguinte ao da publicação da lei que os instituiu ou aumentou. Logo, em 31 de dezembro de cada exercício, o Estado esgota seu poder tributário em potencial para criar ou aumentar tributos a serem cobrados a partir do primeiro dia do exercício seguinte. Esse fato possibilitará ao contribuinte planejar sua vida econômica a partir de zero hora do dia 1º de janeiro de cada exercício, sem que se veja surpreendido por exigências tributárias imprevistas. Daí o direito de o sujeito passivo não ser surpreendido, no meio do exercício financeiro, com nova carga tributária não consentida no momento oportuno. 148

Em que pese a suficiência destes entendimentos, insta

consignar os motivos que embasam a existência deste enunciado principiológico.

Para tanto, utilizar-se-á da lição de Coêlho que aduz:

Os fundamentos históricos e axiológicos do princípio tributário da anterioridade radicam: (a) na possibilidade de os contribuintes poderem prever a lei de regência a que estarão, no exercício seguinte sujeitados os seus negócios, bens, renda e patrimônio

147 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário , 2006, p. 336. 148 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 381.

Page 72: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

71

(antes de realizarem os fatos geradores); e (b) na certeza de que, durante o transcurso do exercício, lei alguma terá eficácia para alterar a lei praevia em que se basearam para a realização dos fatos jurídico-tributários. Saber antes: certeza e segurança. Eis o significado da anterioridade. 149

Todavia, apesar da observância do postulado da

anterioridade do exercício financeiro, nem sempre este princípio atingia a eficácia

pretendida, uma vez que o texto constitucional concedia a possibilidade de uma

exação ser instituída ou mesmo aumentada no último dia útil de determinado ano,

podendo ser exigida nos primeiros dias do ano subseqüente. Para sanar essa

lacuna constitucional, foi aprovada a EC nº. 42, em 19 de dezembro de 2003,

acrescentando ao inciso III, do art. 150, da CRFB, a alínea "c", que se denominou

anterioridade nonagesimal. De acordo com esse novo acréscimo, a norma

constitucional estabelece que a instituição de um tributo ou a majoração do

mesmo deve observar dois parâmetros: de um lado a passagem do exercício

financeiro, e de outro o lapso temporal de noventa dias da publicação da lei.

Lecionando acerca desta inovação constitucional, Tavares

aponta:

Como se vê, após o advento da Emenda Constitucional 42/03, afigura-se inviável qualquer tributação de surpresa, a partir do momento que a Constituição impõe duplo obstáculo a ser transposto para que uma lei fiscal adquira eficácia jurídica: primeiramente, é preciso que a lei respeite a vacatio legis de 90 (noventa dias) para encampar força vinculante; e, além disso, revela-se necessário também que o transcurso dos noventa dias rompa a barreira do ano-calendário.150

Assim, apesar da observância dos dois óbices legais, o

princípio da anterioridade comporta algumas exceções. Em conformidade com o

art. 150, § 1º, CRFB/88 não se submetem ao princípio da anterioridade: o imposto

sobre a importação de produtos estrangeiros (II), o imposto sobre a exportação,

para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE), imposto sobre

149 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro , 2006, p. 263. 150 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005 p. 19.

Page 73: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

72

produtos industrializados (IPI), imposto sobre operações de crédito, câmbio e

seguro, ou relativas a título ou valores mobiliários (IOF), os impostos

extraordinários, instituídos por motivo de guerra externa ou sua iminência (art.

154, inciso II, da CRFB/88) e os empréstimos compulsórios instituídos para

atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade, de guerra

externa ou sua iminência (art. 148, inciso I, da CRFB).

Ademais, no sentido de complementar essas exceções,

Tavares assinala:

Cumpre lembrar que esse rol não é exaustivo, tendo em vista que muito embora não elencado no art. 150, § 1º, da Lei Maior, escapam também da anterioridade a contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) relativas às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível (CRFB, art. 177, §4º, I, b), assim como a vedação do art. 150, inciso III, alínea “c”, não se aplica aos tributos previstos nos artigos 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo do IPVA (art. 155, III) e IPTU (art. 156, I).151

Em desfecho, o intuito do princípio da anterioridade,

independentemente das exceções que comporta, é impossibilitar que a criação de

tributos ou o aumento dos mesmos, ganhem eficácia no exercício financeiro em

que a lei instituidora for publicada, de modo que os contribuintes (pessoas físicas

ou jurídicas) saibam com antecedência o tipo de gravame que estarão sujeitos,

permitindo-lhes dessa maneira planejarem suas atividades, de acordo com a

atuação futura do Fisco.

2.5.2.3 Princípio da irretroatividade

Além de observar o princípio da legalidade e da

anterioridade, a lei tributária fica adstrita à observância do princípio da

irretroatividade, que se encontra disposto no art. 150, inciso III, ”a”, da CRFB/88:

151 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 21.

Page 74: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

73

Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

De acordo com a norma constitucional em comento, o

princípio da irretroatividade fundamenta-se no cunho prospectivo das leis

tributárias, impedido-as de regularem situações passadas.

É oportuno destacar a lição de Rabello Filho:

O princípio da irretroatividade da lei tributária, portanto, está posto na altiplanura constitucional (art. 150, III, “a”, CRFB/88) no sentido de proibir à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a exigência de tributos no que diz respeito a fatos ocorridos em data anterior à da vigência da nova lei tributária, isto é, a que prescreveu a instituição ou o aumento do gravame. 152

Complementando esse entendimento, Machado acrescenta:

O princípio da irretroatividade é instrumento da segurança jurídica. Ele garante que os fatos anteriores à lei não serão por ela alcançados e, assim, não produzirão as conseqüências por ela estabelecidas. Ele nos permite impedir a incidência da lei evitando a ocorrência do fato nela previsto. O fato já consumado terá apenas os efeitos previstos na lei vigente na data da sua ocorrência. Não há efeitos a ele atribuídos por lei posterior. 153

Ademais, Rosa Júnior explica a quem se destina o princípio

da irretroatividade da lei fiscal: “O princípio em tela dirige-se tanto ao legislador

152 RABELLO FILHO, Francisco Pinto. O princípio da anterioridade da lei tributária . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 94. 153 MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituiç ão de 1988. 5 ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 95-96.

Page 75: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

74

como ao aplicador da lei, que devem cuidar para que seja assegurado ao

contribuinte o seu direito adquirido, que não pode ser atingido por lei posterior”. 154

Com o fulcro de consolidar o alcance do princípio da

irretroatividade, Amaro preconiza:

Nem a pretexto de interpretar a lei anterior pode uma lei tributária voltar-se para o passado, com o objetivo de “explicitar” a criação ou aumento de tributo. Ou a incidência já decorre da lei velha, ou não; no primeiro caso, a lei “interpretativa” é inócua; no segundo é inconstitucional.155

O principal objetivo do princípio da irretroatividade é garantir

o primado da segurança jurídica, de modo a impedir que fatos pretéritos sejam

tributados por lei posteriores à ocorrência do fato gerador.

Esse postulado é ratificado por Amaro que leciona acerca da

efetividade da atuação conjunta dos princípios da irretroatividade e da

anterioridade:

A conjugação dos princípios da irretroatividade e da anterioridade leva, todavia, em relação aos tributos com fatos geradores periódicos, à inaplicabilidade da lei editada no curso de certo exercício financeiro em todas as seguintes situações: a) fato gerador aperfeiçoado antes da lei; b) fato gerador em curso no momento da edição da lei; c) fato gerador cujo período seja posterior à lei, mas que se inicie no mesmo exercício de edição da lei (hipótese em que a lei não seria retroativa, mas atentaria contra o princípio da anterioridade).156

Ampliando esse entendimento, Carrazza relaciona o

princípio da irretroatividade com o enunciado principiológico da legalidade, nos

seguintes termos:

Deveras, se as exigências do princípio da legalidade pudessem ser atendidas por meio de uma simples lei formal, ainda que retroativa, isto é, reportável a acontecimentos passados, a

154 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário, 2006, p. 273. 155 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro , 2005, p.119. 156 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro , 2005, p.131-132.

Page 76: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

75

garantia de segurança às pessoas que ele encerra seria, mais que despicienda, inexistente. De que valeria o tributo ser criado ou aumentado só por meio de lei, se esta pudesse livremente alcançar fatos ou situações já consumados? 157

No entanto, interpretando o CTN concomitantemente com o

texto constitucional, depreende-se que o princípio da irretroatividade comporta

algumas exceções, previstas expressamente no art. 106, do CTN, in verbis:

Art. 106 - A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa,

excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II – tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de trata-lo como contrário a qualquer exigência

da ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista

na lei vigente ao tempo de sua prática.

A respeito das exceções legais ao princípio da

irretroatividade, Bastos pondera a favor da possibilidade da aplicação de norma

mais benigna ao contribuinte:

Com relação a retroação benigna, não há controvérsia; parece responder mesmo a um princípio de justiça ou ao menos a uma necessidade de atualizar a lei ante as novas realidades sociais. Aliás, o próprio Texto Constitucional consagra esse princípio no art. 5º, inciso XL, ao dizer “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. 158

157 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p.311. 158 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 699.

Page 77: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

76

Portanto, para assegurar a efetividade dos princípios da

legalidade e da segurança jurídica do contribuinte, faz-se necessário que a lei

tributária observe a vedação da retroatividade, desde que ela não tenha efeitos

benéficos, sob pena de afrontar a própria norma constitucional. Cumpre consignar

que a observância irrestrita do princípio constitucional tributário da irretroatividade

prestigia a existência do ato jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito

adquirido.

2.5.2.4 Princípio da isonomia

O enunciado geral do princípio da isonomia encontra-se

disposto no art. 5º, caput, da CRFB/88, que estabelece que “todos são iguais

perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. Consoante aponta Tavares, o

postulado da isonomia foi lançado por Aristóteles, que afirmava que a lei deve

tratar igualmente os iguais e desigualmente aos desiguais, na medida de suas

desigualdades.159

Adentrando no âmbito tributário, o princípio da isonomia

também se denomina princípio da igualdade fiscal, e encontra-se disposto no art.

150, inciso II, da CRFB/88, como segue:

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se

encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Observando o dispositivo constitucional, Amaro explica o

alcance do princípio da isonomia para o ordenamento tributário brasileiro:

Esse princípio implica, em primeiro lugar, que, diante da lei “x”, toda e qualquer pessoa que se enquadre na hipótese legalmente descrita ficará sujeita ao mandamento legal. Não há pessoas

159 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 24.

Page 78: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

77

“diferentes” que possam, sob tal pretexto, escapar do comando legal, ou ser dele excluídas. Até ai, o princípio da igualdade está dirigido ao aplicador da lei, significando que este não pode diferenciar as pessoas, para efeito de ora submetê-las, ora não, ao mandamento legal (assim como não se lhes faculta diversificá-las, para o fim de ora reconhecer-lhes, ora não, benefício outorgado pela lei). Em resumo, todos são iguais perante a lei.160

Ampliando esse entendimento, Tavares explica que “o

conteúdo político-ideológico encampado por esse princípio é claro: a lei não pode

servir de fonte de privilégios ou perseguições fiscais”.161

No entanto, não se pode compreender como inconstitucional

todo o benefício ou gravame que a lei tributária venha, por acaso, conferir a

determinada categoria de indivíduos. Essa observação é consignada por Harada,

nos seguintes termos:

É oportuno ressaltar que, quando o tratamento diferenciado, dispensado pelas normas jurídicas, guardar relação de pertinência lógica com a razão diferencial (motivo do tratamento discriminatório), não há que se falar em afronta ao princípio da isonomia. Da mesma forma, não afronta esse princípio quando a lei elege determinada situação objetivamente considerada para prescrever a inclusão ou exclusão de determinado benefício, ou a imposição de certo gravame. 162

Destarte, para sanar eventual dificuldade na aplicação do

princípio da isonomia, faz-se necessário observar a lição de Mello, que esclarece:

“o ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio

isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido

em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele”.163

Soa límpido que a observância do princípio da isonomia é

uma forma de consolidar a justiça fiscal, uma vez que este primado impede a

tributação desigual àqueles contribuintes que se encontram em situações

160 AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro , 2005, p. 135. 161 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 24. 162 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 83. 163 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade . 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 37.

Page 79: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

78

análogas, consistindo na permissibilidade de apenas quinhoar desigualmente os

desiguais na proporção de suas desigualdades.

2.5.2.5 Princípio do não-confisco

O ordenamento tributário brasileiro, especificamente o art.

150, inciso IV, da CRFB/88 veda, o efeito confiscatório dos tributos, nos seguintes

termos:

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – utilizar tributo com efeito de confisco;

Utilizando como referente o dispositivo constitucional, Rosa

Júnior explica o significado do tributo com efeito de confisco:

Tributo com efeito confiscatório é aquele que pela sua taxação extorsiva corresponde a uma verdadeira absorção, total ou parcial, da propriedade particular pelo Estado, sem o pagamento da correspondente indenização ao contribuinte. A vedação do tributo confiscatório decorre de um outro princípio: o poder de tributar deve ser compatível com o de conservar, e não com o de destruir. Assim, tem efeito confiscatório o tributo que não apresenta as características de razoabilidade e justiça, sendo, assim, igualmente atentatório ao princípio da capacidade contributiva. 164

Outro não é o entendimento de Harada, que leciona acerca

da mensuração do que pode ser considerado confisco:

Para saber se um tributo é confiscatório ou não, deve-se analisar o mesmo sob o princípio da capacidade contributiva que, por sua vez, precisa ser examinado em consonância com o princípio da moderação ou da razoabilidade da tributação verificando ainda, se a eventual onerosidade da imposição fiscal se harmoniza com os demais princípios constitucionais, garantidores do direito de

164 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de direito financeiro e direito tributário, 2006, p. 275.

Page 80: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

79

propriedade, da liberdade de iniciativa, da função social da propriedade, etc. 165

Como corolário, evidencia-se que a vedação ao confisco

tributário deve se coadunar com o princípio da capacidade contributiva, de modo

que o tributo não implique em um sacrifício fiscal tão significativo que destrua o

mínimo de riqueza necessária à garantia de uma sobrevivência digna ao

contribuinte.

2.5.2.6 Princípio da liberdade de tráfego de pessoa s ou bens

O princípio da liberdade de tráfego de pessoas ou bens

encontra-se elencado no art. 150, inciso V, da CRFB/88, que dispõe:

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por

meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

Em relação a este enunciado principiológico, Harada aduz:

O referido princípio é uma decorrência natural da unidade econômica e política do território nacional. Objetiva assegurar a livre circulação de bens e de pessoas ou meios de transportes, que não pode ser limitada ou embaraçada por tributação interestadual ou intermunicipal, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público.166

Complementando essa definição, Amaro acrescenta:

O que a Constituição veda é o tributo que onere o tráfego interestadual ou intermunicipal de pessoas ou de bens; o gravame tributário seria uma forma de limitar esse tráfego. Em última analise, o que está em causa é a liberdade de locomoção (de

165 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 387. 166 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário , 2006, p. 395.

Page 81: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

80

pessoas ou bens), mais do que a não-discriminação de bens ou pessoas, a pretexto de irem para outra localidade ou de lá virem; ademais, prestigiam-se a liberdade de comércio e o princípio federativo. 167

A propósito de remate, faz-se necessário destacar que a

justificativa que embasa o princípio da liberdade de tráfego de pessoas ou bens

encontra-se no primado constitucional que assegura a liberdade de ir-e-vir e, por

conseguinte, a liberdade de comércio.

2.5.2.7 Princípio da uniformidade geográfica

O princípio da uniformidade geográfica é outro imperativo

constitucional que deve ser observado pelas leis tributárias. Encontra-se disposto

no art. 151, inciso I, da CRFB/88:

Art. 151 – É vedado à União:

I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território

nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;

Focado na temática do princípio da uniformidade geográfica,

Bastos atenta “que os tributos devem ser uniformes quando instituídos pela

União. Entendemos ser esta uma decorrência do princípio federativo, que repele o

tratamento desigual das unidades federadas”.168

Sem embargo, Carvalho aponta o alcance do princípio da

uniformidade geográfica:

Colocando em termos afirmativos, se traduz na determinação imperativa de que os tributos instituídos pela União sejam uniformes em todo o território nacional. É fácil ver, nas suas dobras, mais uma confirmação do postulado federativo e da autonomia dos Municípios, posto que o constituinte vedou a

167 AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro , 2005, p. 146. 168 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , 2002, p. 700.

Page 82: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

81

eventualidade de qualquer distinção ou preferência relativamente a um Estado, a um Município ou ao Distrito Federal, em prejuízo dos demais. 169

Em desfecho, cumpre advertir que a norma constitucional

impõe à União a observância do princípio da uniformidade, impedindo que

dispense tratamento distinto em termos de instituição de tributos para as

diferentes unidades federadas.

2.5.2.8 Princípio da não-cumulatividade e seletivid ade

No que se refere aos princípios da não-cumulatividade e da

seletividade, convém destacar que ambos são aplicáveis na esfera do ICMS e do

IPI, conforme determina a CRFB/88, nos seguintes dispositivos:

Art. 153 - Compete a União instituir impostos sobre: § 3º - O imposto previsto no inciso IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto; II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em

cada operação com o montante cobrado nas anteriores; Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em

cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

Destarte, no que tange ao princípio da não-cumulatividade,

Tavares pondera:

Este princípio é alcançado subtraindo-se do imposto devido na operação posterior o que foi cobrado na anterior, operacionalizado

169 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 160.

Page 83: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

82

com a técnica da aferição de créditos e débitos por intermédio de um “sistema de conta corrente”.170

Noutro giro, quanto ao princípio da essencialidade, nota-se a

necessidade de o legislador distinguir as cargas tributárias, em grau compatível

com a essencialidade do bem ou serviço. Baleeiro assim leciona acerca da

aplicabilidade do princípio da seletividade:

Refere-se à adequação do produto à vida do maior número dos habitantes do país. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo. Geralmente são os artigos mais raros e, por isso, mais caros. 171

Isto posto, cumpre consignar que é em razão da

observância do princípio da seletividade que os produtos que não são de primeira

necessidade devem ser gravados por exações mais onerosas, ao passo que

produtos e serviços tidos como essenciais para a coletividade devem possuir

alíquotas menos gravosas.

2.5.2.9 Princípio da proporcionalidade e progressiv idade

No atinente aos princípios da proporcionalidade e da

progressividade, cumpre ressaltar que ambos são mecanismos de cunho jurídico

utilizados na graduação dos tributos.

No entanto, cada um deles apresenta peculiaridades quanto

a forma de sua materialização. Para o entendimento destes princípios, utiliza-se

da lição de Tavares:

A proporcionalidade é materializada pelo emprego da alíquota fixa e base de cálculo variável pela norma jurídico-tributária, enquanto a progressividade implica na variação das alíquotas em função da base de cálculo, isto é, quanto mais intenso o estereótipo objetivo

170 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 26. 171 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro , 2001, p. 190.

Page 84: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

83

de riqueza apresentado por uma pessoa, mais elevada será a alíquota incidente sobre a base de cálculo legalmente eleita. 172

Evidencia-se que o princípio da progressividade apresenta

intrínseca relação com o primado da capacidade contributiva, uma vez que ambos

visam a consolidação da justiça fiscal. No entanto, de acordo com as normas

constitucionais, o critério da progressividade que determina a variação da alíquota

em função da base de cálculo, somente é admissível aos impostos pessoais,

salvo a exceção da progressividade no tempo do IPTU, disposto no art. 182, § 4º,

inciso II, da CRFB/88.

Em desfecho, a aplicação efetiva do princípio da

proporcionalidade, no Direito Tributário, é regra geral, e, como tal, deve balizar-se

pela proibição do excesso de exação, como forma de evitar a violação de direitos

fundamentais do contribuinte. Assim, o que se deseja com a observância deste

enunciado principiológico é que alíquota incidente em um tributo seja fixa,

enquanto varia apenas a base de cálculo.

2.5.2.10 Princípio da não-discriminação em razão da procedência ou

destino de bens

Encontrando-se disposto no art. 152, da CRFB/88, este

princípio impede que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estabeleçam

diferenças tributárias sobre bens ou serviços, em razão da procedência ou destino

dos bens.

Por oportuno, Carvalho elucida o princípio em comento,

afirmando:

O princípio da não-discriminação tributária, em razão da procedência ou do destino dos bens significa que as pessoas tributantes estão impedidas de graduar seus tributos, levando em conta a região de origem dos bens ou o local para onde se destinem. Em consonância com essa regra constitucional (art. 152), a procedência e o destino são índices inidôneos para efeito

172 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005 p. 29.

Page 85: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

84

de manipulação das alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. 173

Em suma, a procedência ou o destino dos bens ou serviços

não pode servir como critério para definição de alíquotas ou base de cálculo de

qualquer tributo que venha a ser instituído pelas Pessoas Políticas competentes,

sob pena de se tornarem inconstitucionais.

2.5.2.11 Princípio da capacidade contributiva

Seguindo determinação constitucional prescrita no art. 145,

§ 1º, da CRFB/88, encontra-se disposto o princípio da capacidade contributiva,

nos seguintes termos:

Art. 145 . A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

poderão instituir os seguintes tributos:

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Por corresponder exatamente ao núcleo da presente

pesquisa, o princípio da capacidade contributiva será o objeto de estudo do

próximo capítulo, abordando desde sua origem, evolução, natureza jurídica,

aplicabilibidade e especialmente a sua eficácia jurídica no ordenamento jurídico-

tributário brasileiro.

173 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário , 2002, p. 160.

Page 86: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

CAPÍTULO 3

O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

3.1 ORIGEM DA NOÇÃO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

A origem da noção de capacidade contributiva está

intrinsecamente relacionada ao ideal de justiça fiscal, que por sua vez, é um

anseio que remonta ao próprio surgimento da noção de tributo.

Destarte, no antigo Egito, os tributos eram cobrados

proporcionalmente ao montante de riqueza do contribuinte, ou seja, a fixação do

valor do tributo a ser pago era determinado em consonância com os parâmetros

que os egípcios entendiam como determinantes para a consecução da justiça

fiscal.174

Seguindo a mesma vertente, os filósofos gregos também

tinham por escopo a contemplação da justiça distributiva no momento da

determinação do valor do tributo a ser pago, de modo a repartir os encargos do

Estado de acordo com as possibilidades de cada contribuinte. No entanto, para os

gregos, a possibilidade de contribuir variava conforme o mérito de cada

cidadão.175

Evidencia-se, assim, que o ideal de justiça fiscal e,

conseqüentemente, o princípio da capacidade contributiva, já norteava o ato de

tributar desde as primeiras civilizações. Atento a essa particularidade, Assunção

leciona:

O princípio da capacidade contributiva, freqüentemente referido como política de Estado democrático é, na verdade, preceito milenar. Foustel de Colanges associa-o à religião antiga e aos direitos de cidadania, sem referir-se a ele pelo nome, ao relatar que em Roma o censo era realizado a cada catorze anos (em

174 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 15. 175 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 15.

Page 87: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

86

Atenas, anual), ao duplo propósito de descobrir aqueles que poderiam ser conscritos ao serviço militar, e dimensionar a potencialidade tributável global, o que hoje poderíamos denominar “capacidade contributiva coletiva”.176

Posteriormente, a capacidade contributiva foi implicitamente

disposta na Magna Carta Britânica de 1215, na qual em seu artigo 12,

determinava que as prestações coercitivas deveriam ser fixadas por parâmetros

moderados.177

Seguindo uma orientação cronológica, é possível evidenciar

que na Idade Média, utilizando-se do ideal de justiça distributiva, São Tomás de

Aquino classificou o tributo como justo ou injusto. O primeiro era determinado de

forma proporcional à capacidade contributiva do cidadão, ao passo que o

segundo era fixado pelos soberanos de forma arbitrária. 178

Já em 1776, com a publicação da obra “A Riqueza das

Nações” de Adam Smith, a noção de capacidade contributiva ganhou importância,

uma vez que nesta obra restou determinado que todos deveriam arcar com as

despesas públicas de acordo com seus haveres, sendo este o modo de

concretização da justiça fiscal. Consoante anota Ribeiro:

A Riqueza das Nações, já firmava, dentre as suas quatro máximas a respeito dos impostos em geral, a idéia de que os súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do Governo, em proporção a suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento que cada um desfruta, sob a proteção do Estado.179

Destarte, o ideal de justiça distributiva já se fazia presente

na consciência dos primeiros povos civilizados, conforme ensina Costa:

Nesse momento histórico, tão arraigada já se encontrava a idéia de capacidade contributiva na consciência dos povos civilizados,

176ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de direito na jurisprudência tributária . São Paulo: Atlas, 2002, p. 69. 177 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 15. 178 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 16. 179RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, interpretação e elisão tributária . Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2003, p. 55.

Page 88: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

87

que vários episódios políticos de relevo podem ser atribuídos, direta ou indiretamente, à sua inobservância. 180

Como exemplo de dois acontecimentos políticos relevantes,

pode-se elencar a Revolução Francesa de 1789, que foi motivada pela

exacerbada cobrança fiscal do governo de Luís XVI aos cidadãos franceses e a

Inconfidência Mineira, no Brasil, no mesmo ano, decorrência direta da política

fiscal opressiva adotada pelos portugueses em face do ouro brasileiro.

Esses eventos repercutiram sobremaneira, de modo que em

1791, foi editada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,

estabelecendo que os impostos deveriam ser pagos proporcionalmente às

possibilidades econômicas de cada indivíduo.

Ao cuidar do tema, Costa destaca que em razão da

repercussão causada por esse documento “a mesma regra foi adotada por todas

as Constituições editadas posteriormente, como a Brasileira de 1824 e o Estatuto

Albertino, de 1848”. 181

Não obstante, somente no século XIX, graças à Ciência das

Finanças, é que verdadeiramente surgiu uma teoria objetiva e coerente acerca do

princípio da capacidade contributiva.

A propósito, a partir deste momento é que a capacidade

contributiva passou a ser gradativamente inserida como objeto de estudo no

âmbito jurídico. Nesse sentido, Costa evidencia como se deu a inserção de tal

princípio na ciência do Direito, nos seguintes termos:

A introdução do tema como objeto de preocupação da Ciência Jurídica deveu-se ao trabalho do professor Benvenuto Griziotti, em 1929, e da escola de seus discípulos, conhecida por Escola de Pávia, uma vez que até então o assunto continuava restrito à apreciação dos estudiosos da Ciência das Finanças. Para Griziotti a capacidade contributiva era a própria causa da obrigação tributária. 182

180COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva . São Paulo: Malheiros, 2003, p. 16. 181 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 17. 182 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 17.

Page 89: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

88

Com efeito, em um primeiro momento, o princípio da

capacidade contributiva era entendido tão somente como uma idéia deduzida da

noção de justiça fiscal. Aos poucos, passou a ser associado ao princípio da

isonomia, como uma forma de dar um sentido material a tal princípio, que até

então, era compreendido apenas no seu aspecto formal. Nesse diapasão, Costa

adverte que “o princípio da igualdade era, assim, complementado por um critério

material de justiça apto a distinguir quais as situações iguais e quais as

desiguais”.183

Seguindo a linha evolutiva, o aparecimento de tributos com

natureza extrafiscal suscitou o surgimento de dúvidas quanto à associação do

princípio da capacidade contributiva somente como critério de materialização do

princípio da igualdade. Assim, a partir desse momento, funções distintas foram

atribuídas aos dois princípios, sendo que este entendimento passou a ser

incorporado na maioria das Constituições Modernas, inclusive na CRFB/88, em

seus art. 145, § 1º e 150, inciso II, respectivamente.

Em arremate, cumpre salientar que a noção de capacidade

contributiva surgiu juntamente com o ideal de justiça fiscal, quando do nascimento

da própria noção de tributo, e, gradativamente, foi assumindo sua atual função,

tornando-se, hodiernamente, uma verdadeira limitação ao poder de tributar, uma

vez que utiliza como parâmetro de fixação do valor do tributo a possibilidade

econômica de cada contribuinte.

3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO NO DIREITO BRAS ILEIRO

No Brasil, o princípio da capacidade contributiva apareceu

pela primeira vez inserto na Carta Imperial de 1824, na qual ainda que de forma

bastante vaga, já limitava o exercício das competências tributárias à observância

da capacidade do contribuinte em concorrer com as despesas do Estado através

do pagamento de tributos.

Coadunando-se a este entendimento, Baleeiro leciona que:

183 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 18.

Page 90: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

89

O embrião da idéia de capacidade contributiva no direito brasileiro estava no artigo 179, inciso XV, da Constituição do Império de 1824. Inserido no Título 8º, que dispunha “Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros”, dito dispositivo, efetivamente, enunciava que:

Art. 179 (...)

XV. Ninguém será exempto de contribuir para as despezas do

Estado em proporção dos seus haveres.184

No entanto, nas Constituições posteriores à Carta Imperial

até a Constituição Brasileira de 1946, ou seja, nas Cartas Políticas de 1891, 1934

e 1937, nenhum enunciado prestigiou a noção de capacidade contributiva. Assim,

somente em 1946 é que de forma expressa o princípio da capacidade contributiva

foi consagrado em um texto constitucional.

Em outros termos, Rohenkohl destaca:

Foi, todavia, na Constituição de 1946 que o princípio da capacidade contributiva consagrou-se expressamente no direito positivo brasileiro, na redação do seu artigo 202: “Os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”.185

Contudo, no ano de 1965, foi aprovada a EC nº 18, que

propondo uma reforma tributária, revogou o artigo 202 do texto constitucional.

Consoante posição de Oliveira:

Ao retirar do texto da Carta Magna a referência à capacidade contributiva, a Emenda 18/65 dificultou o acesso do contribuinte ao Supremo Tribunal Federal para discussão de questões envolvendo o princípio, ensejando ao legislador grande relaxamento em face dele.186

184BALEEIRO, Aliomar. Limitações ao poder de tributar , 2003, p. 670. 185ROHENKOHL, Marcelo Saldanha. O princípio da capacidade contributiva no estado democrático de direito (dignidade, igualdade e progressividade na tributação). São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 151. 186OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade contributiva : conteúdo e eficácia do princípio. Rio de Janeiro: Renovar, 1988, p. 31.

Page 91: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

90

No tocante à disposição do princípio da capacidade

contributiva, tanto a Constituição Brasileira de 1967, como a EC nº 1 de 1969,

permaneceram silentes, não prestigiando tal noção em nenhum de seus

dispositivos.

Com efeito, somente com a promulgação da CRFB/88 é que

novamente o princípio da capacidade contributiva voltou a ser enunciado

constitucional, disposto no artigo 145, § 1º, com a seguinte redação legal:

Art. 145 . A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

poderão instituir os seguintes tributos:

(...)

§ 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e

serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

A respeito da inserção do princípio da capacidade

contributiva na CRFB/88, Costa assevera:

Felizmente, a Constituição de 1988, coadunando-se com o panorama verificado no direito constitucional comparado, devolve-nos - ainda que com modificação de redação -, em seu art. 145, § 1º, o preceito contido no art. 202 do Texto Fundamental de 1946, além de consagrar, em outros dispositivos, desdobramentos do princípio da capacidade contributiva.187

Em desfecho, insta advertir que, hodiernamente, o princípio

da capacidade contributiva encontra-se consignado na CRFB/88, especificamente

em seu artigo 145, § 1º.

187 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 20-21.

Page 92: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

91

3.3 CONCEITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O conceito de capacidade contributiva possibilita plúrimos

entendimentos, tendo em vista o alto grau de generalidade que caracteriza tais

expressões.

Não obstante, para Sousa a capacidade contributiva

significa:

A soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades elementares de existência, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas atividades econômicas. 188

Para Tipke e Yamashita:

O princípio da capacidade contributiva significa: todos devem pagar impostos segundo o montante da renda disponível para o pagamento de impostos. Quanto mais alta a renda disponível, tanto mais alto deve ser o imposto. Para contribuintes com rendas disponíveis igualmente altas o imposto deve ser igualmente alto. Para contribuintes com rendas disponíveis desigualmente altas o imposto deve ser desigualmente alto. 189

Assim, apesar da dificuldade para definir o conceito de

capacidade contributiva, a doutrina em geral é uníssona no que tange a noção

genérica de que a tributação, em observância ao enunciado da capacidade

contributiva, deve limitar-se aos fatos signos presuntivos de riqueza do sujeito

passivo.

Seguindo esse entendimento, Horvath sintetiza: “A

capacidade contributiva traduz-se na exigência de que a tributação seja modulada

de modo a adaptar-se à riqueza dos contribuintes”.190

Destarte, o princípio da capacidade contributiva pode ser

conceituado como a potencialidade do contribuinte de suportar o ônus fiscal

188 SOUSA, Rubens Gomes. Compêndio de legislação tributária . São Paulo: Póstuma, 1981, p. 95. 189 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva . São Paulo: Malheiros, 2002, p. 31. 190 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário b rasileiro . São Paulo: Dialética, 2002, p. 69.

Page 93: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

92

proporcionalmente a soma de riqueza disponível, sempre resguardado o mínimo

necessário para a sua existência.

3.4 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ABSOLUTA E CAPACIDADE

CONTRIBUTIVA RELATIVA

No tocante à capacidade contributiva, a doutrina costuma

dividi-la em capacidade contributiva absoluta ou objetiva e capacidade

contributiva relativa ou subjetiva.

Em conformidade com o entendimento de Costa:

Fala-se em capacidade contributiva absoluta ou objetiva quando se está diante de um fato que se constitua numa manifestação de riqueza; refere-se o termo, nessa acepção, à atividade de eleição, pelo legislador, de eventos que demonstrem aptidão para concorrer às despesas públicas. Tais eventos, assim, escolhidos, apontam para a existência de um sujeito passivo em potencial.191

Ainda, acerca desta divisão doutrinária, a mesma autora

salienta que:

Diversamente, a capacidade contributiva relativa ou subjetiva – como a própria designação indica – reporta-se a um sujeito individualmente considerado. Expressa aquela aptidão de contribuir na medida das possibilidades econômicas de determinada pessoa. Nesse plano, presente a capacidade contributiva in concreto, aquele potencial sujeito passivo torna-se efetivo – apto, pois, absorver o impacto tributário.192

Assim, enquanto a capacidade contributiva absoluta é

aptidão generalizada e abstrata para o pagamento de tributos, a capacidade

contributiva relativa, por sua vez, dirige-se especificamente a um contribuinte, de

modo a delimitar qual é a efetiva e concreta capacidade que este possui para

pagar tributos.

191 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 27. 192 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 27.

Page 94: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

93

Costa leciona acerca da função da capacidade contributiva

quando analisada em seu aspecto objetivo:

A capacidade contributiva absoluta ou objetiva funciona como pressuposto ou fundamento jurídico do tributo, ao condicionar a atividade de eleição, pelo legislador, dos fatos que ensejarão o nascimento de obrigações tributárias. Representa sensível restrição à discrição legislativa, na medida em que não autoriza, como pressuposto de impostos, a escolha de fatos que não sejam reveladores de alguma riqueza.

A propósito, a importância do conceito de capacidade

contributiva absoluta encontra fundamento no instante em que o legislador define

quais serão os fatos tributáveis, ou seja, quais fatos da vida social devem ser

tributados por serem indícios de capacidade econômica.

Com o fulcro de consolidar esse entendimento, Xavier

apregoa:

Nem todas as situações da vida abstratamente suscetíveis de desencadear efeitos tributários podem, pois, ser designadas pelo legislador como factos tributáveis. Este encontra-se limitado na sua faculdade de seleção pela exigência de que a situação da vida a integrar na previsão da norma seja reveladora de capacidade contributiva, isto é, de capacidade econômica, de riqueza, cuja expressão sob qualquer forma se pretende submeter a tributo. Pode o legislador escolher livremente as manifestações de riqueza que repute relevantes para efeitos tributários, bem como delimitá-las por uma ou outra forma, mas sempre deverá proceder a essa escolha dentre as situações da vida reveladoras de capacidade contributiva e sempre a estas se há de referir na definição dos critérios de medida do tributo. 193

Deste modo, evidencia-se que o momento da escolha dos

fatos a serem tributáveis deve pautar-se pela noção de capacidade contributiva

absoluta, que determinará os sujeitos passivos em potencial.

193 XAVIER, Alberto. Manual de direito fiscal . V. I. Lisboa: Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, p. 28.

Page 95: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

94

Noutro giro, a capacidade contributiva, na sua vertente

subjetiva, atua inicialmente como critério de definição no momento da graduação

dos tributos, ou seja, especificará a efetiva capacidade contributiva de cada um

dos contribuintes em potencial. Opera, portanto, na apuração do valor do tributo,

considerando os índices reveladores da situação econômica de cada sujeito

passivo.

3.5 FUNDAMENTO ECONÔMICO DO CONCEITO DA CAPACIDADE

CONTRIBUTIVA

A análise do princípio da capacidade contributiva permite

deduzir que ele possui tanto fundamento econômico, como fundamento jurídico.

Atenta a esta particularidade, Costa afirma:

No que concerne à capacidade contributiva não se pode negar o fundamento econômico do conceito, por vezes identificável com “capacidade econômica”. Por outro lado, também não se pode refutar seu conteúdo jurídico, na medida em que se encontra amalgamado com a idéia de justiça tributária.194

Por oportuno, nada obsta a inserção de formulação de

cunho econômico no âmbito jurídico, especialmente quando o próprio texto

constitucional assim o autoriza, como no caso do princípio da capacidade

contributiva, que encontra efetividade no momento em que utiliza parâmetros

econômicos para definir os índices reveladores de riqueza do sujeito passivo, ou

seja, sua verdadeira capacidade econômica de suportar a atuação fiscal do

Estado.

Nesse sentido, Costa adverte que “o legislador deve, tanto

quanto possível, receber os conceitos elaborados pela Ciência das Finanças a fim

de assegurar a captação de índices que constituam autênticas manifestações de

riqueza”.195

Entretanto, apesar do aspecto econômico constituir o

conteúdo essencial da capacidade contributiva, pode ocorrer do contribuinte

194 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 34. 195 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 29.

Page 96: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

95

possuir capacidade econômica e esta não se refletir em capacidade para

contribuir. Esta possibilidade é esclarecida por Natoli, citado por Costa:

Um sujeito pode ser capaz economicamente, no sentido de possuir renda ou patrimônio, mas não ter capacidade contributiva, se esta renda ou patrimônio permitir somente um mínimo vital, intributável. Assim, demonstra, numa primeira conclusão, a natureza “essencialmente”, mas não “exclusivamente econômica”

da capacidade contributiva. 196

Sem embargo, se por um lado não há que se falar em

capacidade contributiva na ausência de capacidade econômica, o inverso também

se apresenta como verdadeiro, uma vez que a capacidade econômica pode não

acarretar necessariamente em aptidão para contribuir.

Posto isto, impende assinalar que por mais que a

capacidade contributiva se fundamente na capacidade econômica do sujeito

passivo, o ideal maior que deve nortear sua atuação é o da justiça fiscal, que por

sua vez interessa sobremaneira à Ciência Jurídica.

Assim, respeitada a importância do fundamento econômico

do princípio da capacidade contributiva, este deve pautar-se necessariamente

pelo conteúdo jurídico para assegurar a efetivação da justiça distributiva.

3.6 DISCRIMINAÇÃO TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE CONTRIBUT IVA

O princípio da capacidade contributiva ao definir critérios de

graduação do tributo, relaciona-se diretamente com o princípio da isonomia, uma

vez que determina distinções e igualações entre os contribuintes, em face da

potencialidade para contribuir de cada um dos sujeitos passivos.

Deste modo, em razão do postulado da capacidade

contributiva, todos aqueles que possuem igual capacidade devem ser igualmente

tributados, ao passo que a distinta capacidade de contribuir, determina

discriminações.

196 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 34-35.

Page 97: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

96

No tocante a estas discriminações tributárias, Costa explica

qual é o critério utilizado pelo princípio da capacidade contributiva para determiná-

las:

O fator de discrímen é, singelamente, a riqueza de cada potencial contribuinte, revelada pelo fato imponível. A discriminação é feita consoante diversas manifestações de capacidade econômica, de modo que é impossível que venha ela a atingir, de modo atual e absoluto, um único indivíduo.197

Deveras, em razão da utilização do fator riqueza como

critério determinante da discriminação tributária em observância ao princípio da

capacidade contributiva, cumpre perquirir se esta discriminação é admissível sob

a ótica do princípio da isonomia. Para tanto, Mello elenca quatro condições

necessárias para a aceitação desta discriminação:

1) que a discriminação não atinja de modo atual e absoluto um só indivíduo;

2) que o fator de desigualação consista num traço diferencial residente nas pessoas ou situações; vale dizer, que não lhes seja alheio;

3) que exista um nexo lógico entre o fator de discrímen e a discriminação legal estabelecida em razão dele;

4) que, no caso concreto, tal vínculo de correlação seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, visando ao bem público, à luz do texto constitucional.198

Logo, evidencia-se que a riqueza do contribuinte como fator

de desigualação tributária coaduna-se com o ideal do princípio da isonomia,

tornando-se um critério de discriminação tributária admissível, uma vez que tal

discriminação permite a consolidação do ideal constitucional de justiça

distributiva.

Outra não foi a conclusão a que chegou Costa, levando-a a

afirmar que:

197 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 40. 198 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 2001, p. 37-38.

Page 98: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

97

Finalmente, in concreto, essa discriminação curva-se aos interesses constitucionalmente protegidos, com vista ao interesse coletivo, quais sejam: a distribuição da riqueza e a justiça social. Portanto, a graduação tributária fixada em função da capacidade econômica dos sujeitos soa legítima, conformando-se aos ditames do princípio da isonomia.199

Com efeito, a observância da riqueza do sujeito passivo

como critério de discriminação tributária é um modo de consolidar tanto o princípio

da capacidade contributiva, bem como o primado da justiça fiscal, permitindo que

a tributação seja igual aos contribuintes que se encontrem em situações iguais, na

medida de suas reais igualdades.

3.7 NATUREZA DA NORMA ACOLHEDORA DO PRINCÍPIO

Acerca da natureza da norma constitucional que acolhe o

princípio da capacidade contributiva, a doutrina possui dois entendimentos

divergentes. De um lado, existem doutrinadores que sustentam que a regra

insculpida no art. 145, §1º da CRFB/88, possui natureza meramente

programática, que segundo Miranda:

São aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos. A legislação, a execução e a própria justiça ficam sujeitas a esses ditames que são programas dados à sua função.200

Seguindo esta vertente, de modo a entender que a norma

que hospeda o princípio da capacidade contributiva assume a forma de uma

diretriz, Tavares dispõe:

Face o sentido e alcance do comando plasmado no §1º do art. 145 da Carta Suprema, a nosso ver, tal enunciado principiológico assume função nimiamente programática, diretiva (directory

199 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 40. 200 MIRANDA, Pontes de.Comentários à constituição de 1967 , com a emenda nº 1, de 1969, tomo I. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1969, p. 126-127.

Page 99: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

98

provision), endereçando-se não propriamente à Administração ou ao Judiciário, mas fundamentalmente ao legislador. 201

Noutro giro, em menor número, existem outros doutrinadores

que sustentam que a norma do art. 145, §1º da CRFB/88 possui natureza

meramente peremptória, entendida por Costa como “oposto de regra

programática, ou seja, regra de execução ou aplicação imediata, intangível e de

caráter compulsório”. 202

Logo, para os que se coadunam a este entendimento, a

norma acolhedora do princípio da capacidade contributiva possui conteúdo

peremptório, traduzindo-se em verdadeira regra preceptiva, que por sua vez,

vincula tanto o legislador infraconstitucional como o magistrado. Acerca desta

vinculação, Costa consigna que:

Para o primeiro ela é obrigatória, na medida em que ele, para a composição das hipóteses de incidência tributária de impostos, está adstrito a eleger fatos que demonstrem capacidade econômica, observadas as regras-matrizes de incidência já delineadas na Constituição, sendo tais tributos consoante ela graduados, sob pena de se incorrer em inconstitucionalidade. Para o segundo a norma é compulsória no sentido de que a ela cabe declarar a aludida inconstitucionalidade, bem como reconhecer a inexistência ou insuficiência de efetiva capacidade contributiva no caso concreto. 203

Posto isto, forçoso concluir que existem entendimentos

distintos no que tange à natureza da norma constitucional acolhedora do princípio

da capacidade contributiva.

3.7.1 Eficácia e aplicabilidade das normas constitu cionais

Com o fulcro de melhor compreender a temática da eficácia

e da aplicabilidade do dispositivo constitucional que acolhe o princípio da

capacidade contributiva, faz-se necessário analisar esses dois aspectos no que

concernem as normas constitucionais como um todo.

201 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 26. 202 COSTA, Regina Helena. Principio da capacidade contributiva , 2003, p. 46. 203 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 46-47.

Page 100: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

99

Desse modo, quanto aos aspectos da eficácia e da

aplicabilidade, as normas constitucionais são classificadas, de acordo com Silva,

citado por Costa em: normas de eficácia plena e aplicabilidade direta e integral,

normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passíveis de restrição e

normas de eficácia limitada e reduzida, compreendendo as normas definidoras de

princípio institutivo e as definidoras de princípios programáticos.204

A propósito, Silva define as normas de eficácia plena e

aplicabilidade direta, imediata e integral nos seguintes termos:

são aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem ou têm a possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente quis regular. 205

Noutro giro, no que se refere às normas de eficácia contida e

aplicabilidade imediata, Costa parafraseando a lição de Silva explica que:

As normas de eficácia contida, por seu turno, também gozam da mesma normatividade, porém prevêem meios normativos (leis, conceitos genéricos, etc) não destinados a desenvolver sua aplicabilidade, mas, ao contrário, permitindo limitações à sua eficácia e aplicabilidade. 206

Com efeito, seguindo a classificação, as normas de eficácia

limitada ou reduzida, por não serem dotadas de normatividade suficiente para a

efetiva e imediata aplicação, podem ser divididas em normas definidoras de

princípio institutivo ou definidoras de princípios programáticos.

As primeiras são definidas por Silva como aquelas "através

das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e

atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os

estruture em definitivo, mediante lei”. 207

204COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 47. 205SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais . 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 101. 206COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 48. 207SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais , 1998, p. 126.

Page 101: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

100

Por outro lado, para Silva as normas de eficácia limitada

definidoras de princípios programáticos são:

Normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta ou imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridas pelos seus órgãos (legislativo, executivo, judiciário e administrativo), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado.208

A propósito, como se assevera do conceito supra

mencionado, as normas de conteúdo programático geram uma significativa

polêmica no que se refere a sua juridicidade e imperatividade, questionando-se

por vezes a efetiva aplicabilidade das mesmas.

Contudo, contrapondo-se ao entendimento da ausência de

juridicidade das normas programáticas, Canotilho adverte:

Marcando uma decidida ruptura em relação à doutrina clássica, pode e deve dizer-se que hoje não há normas constitucionais programáticas. É claro, que continuam a existir normas-fim, normas-tarefa, normas programa que ‘impõem uma atividade’ e ‘dirigem’ materialmente a concretização constitucional. Mas o sentido dessas normas não é o que lhes assinalava tradicionalmente a doutrina: ‘simples programas’, ‘exortações morais’, ‘declarações’, ‘sentenças políticas’, ‘aforismos políticos, ‘promessas’, ‘apelos ao legislador’, ‘programas futuros’, juridicamente desprovidos de qualquer vinculatividade. Às ‘normas programáticas’ é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da Constituição. Mais do que isso: a eventual mediação de instância legiferante na concretização das normas programáticas não significa a dependência deste tipo de normas da interpositio do legislador; é a positividade das normas-fim e normas-tarefa (normas programáticas) que justifica a necessidade da intervenção dos órgãos legiferantes. Concretizando melhor, a positividade jurídico-constitucional das normas programáticas significa fundamentalmente:

208SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais , 1998, p. 138.

Page 102: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

101

1) vinculação do legislador, de forma permanente, à sua realização (imposição constitucional);

2) como directivas materiais permanentes, elas vinculam positivamente todos os órgãos concretizadores, devendo estes tomá-las em consideração em qualquer dos momentos da atividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição);

3) como limites negativos, justificam a eventual censura, sob a forma de inconstitucionalidade, em relação aos atos que as contrariam. 209

Em desfecho, verifica-se que as normas constitucionais

programáticas ao elencarem os valores de justiça social que devem ser

protegidos pelo Estado, apresentam eficácia jurídica e imediata para vincular

tanto o legislador infraconstitucional, bem como o Poder Judiciário e a própria

Administração Pública, condicionando-os em suas atividades discricionárias.

3.7.2 Eficácia e aplicabilidade da norma hospedeira do princípio da

capacidade contributiva

No tocante a eficácia e aplicabilidade da norma que acolhe o

princípio da capacidade contributiva, impende assinalar que apesar da natureza

da norma ser predominantemente programática, isto não exclui a preceptividade e

nem a conseqüente eficácia deste dispositivo constitucional.

Atenta a esta particularidade, Costa anota em que momento

pode-se verificar a preceptividade do art. 145, §1º da CRFB/88, nos seguintes

termos:

Desse modo, a preceptividade da norma constitucional que acolhe o postulado em exame revela-se, exatamente, quando do exercício da competência tributária em matéria de impostos, que não poderá ser exercida em desapreço à capacidade econômica dos contribuintes.210

Por outro lado, no que toca a análise de sua eficácia,

cumpre perquirir que apesar de possuir conteúdo próprio, a capacidade

contributiva é considerada o critério de comparação necessário para a

209CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional , 1993, p. 132. 210COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 51.

Page 103: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

102

materialidade e conseqüente efetividade do princípio da isonomia, de tal sorte

que, se este princípio tem aplicação imediata concedido pelo próprio texto

constitucional, o mesmo deve ocorrer com o princípio da capacidade contributiva.

Nesse sentido, o pensamento de Tipke e Yamashita:

Ao expressamente determinar que “(...) os impostos serão (...) graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, o art. 145, §1º, da Constituição Federal/1988 reconhece na expressão “graduados segundo a (...)” que a capacidade econômica é o principal e mais adequado critério de comparação do princípio da igualdade aplicado ao Direito Tributário. Portanto, se o princípio da capacidade contributiva é norma definidora da própria garantia fundamental à igualdade em matéria tributária e se, nos termos do art. 5º, §1º, da Constituição Federal/1988, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, logo, o princípio da igualdade segundo a capacidade contributiva tem aplicação imediata.211

Na mesma linha de entendimento e por idênticos

fundamentos, Costa consigna:

Como expressão, no campo tributário, de princípio de maior amplitude, que é o da igualdade, o postulado da capacidade contributiva carrega consigo a plenitude de eficácia atribuída àquele. Na verdade, se não há discordância quanto à eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral do princípio da igualdade, parece dezarrazoado entender-se diversamente no que concerne à diretriz da capacidade contributiva. 212

Sem embargo, a norma acolhedora do princípio da

capacidade contributiva não encerra mera diretriz programática, possuindo

aplicabilidade imediata no instante do exercício da competência tributária, uma

vez que esta deve observar o estereótipo objetivo de riqueza do contribuinte.

No entanto, apesar deste princípio produzir efeitos jurídicos

ao vincular a atuação do juiz, do legislador e do administrador público, sua

211TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva , 2002, p. 56. 212COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 50.

Page 104: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

103

eficácia é variável de acordo com o nível de importância a ele atribuído, tanto pela

população em geral, como pelos membros dos Poderes Legislativo, Executivo e

Judiciário no exercício de suas atribuições. Elucidativo, neste sentido, é o

pensamento de Machado:

A eficácia do princípio da capacidade contributiva, como a eficácia de qualquer princípio jurídico, depende do grau de desenvolvimento cultural do povo, que define o grau de disposição das pessoas para defenderem os seus direitos. No plano jurídico, todavia, tem-se que o princípio da capacidade contributiva pode ser apenas um princípio implícito, ou um desdobramento, ou uma forma de manifestação do princípio da isonomia jurídica. Pode-se, todavia, ter no sistema jurídico uma norma expressa que o consubstancia. Tal norma, tanto pode situar-se no plano constitucional, como acontece no Brasil, como no plano infraconstitucional. Residindo o princípio no plano constitucional, tem-se que a sua eficácia dependerá apenas do grau de interesse que tenham as pessoas na defesa de seus direitos, e especialmente do preparo e da independência dos que corporificam o poder decisório do Estado, vale dizer, no Brasil, o Poder Judiciário, e especialmente, o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe, em última instância,

fazer valer a Constituição. 213

A guisa de conclusão deste tópico, cabe salientar que o

caráter programático da norma constitucional hospedeira do princípio da

capacidade contributiva não retira de seu conteúdo certa preceptividade, o que

assegura sua eficácia plena de forma a vincular o titular do poder normativo à

observância deste postulado constitucional quando da criação das diversas

figuras tributárias.

3.8 EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIV A

Uma vez analisada a aplicabilidade da norma constitucional

que acolhe o princípio da capacidade contributiva, cabe detalhar as funções da

eficácia deste dispositivo. No entanto, em termos gerais, pode-se destacar que a

213MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituiç ão de 1988, 2004, p. 88.

Page 105: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

104

principal é sua capacidade de limitar o poder de tributar, assegurando a proteção

ao direito subjetivo dos sujeitos passivos de serem tributados proporcionalmente

aos fatos signos presuntivos de riqueza que façam presumir a capacidade

econômica que cada contribuinte possui.

3.8.1 Aplicabilidade aos tributos não-vinculados a uma atuação estatal

Diferindo da Constituição Brasileira de 1946 que

expressamente determinava a observância do princípio da capacidade

contributiva na graduação dos tributos, a CRFB/88, ao tratar deste enunciado

principiológico, faz menção expressa somente a sua aplicabilidade quanto aos

impostos. Em conseqüência, essa opção legislativa instaurou controvérsia

concernente à possibilidade ou não de ser observado tal princípio às demais

espécies tributárias.

Logo, existem três posições doutrinárias que sinalizam

diferentemente acerca da possibilidade ou não de aplicabilidade do princípio da

capacidade contributiva quando da fixação dos valores dos tributos considerados

vinculados à atuação do Estado.

No tocante a primeira corrente doutrinária que admite a

aplicabilidade do princípio apenas aos impostos, Costa pondera:

Sustentar a necessidade de observância do princípio da capacidade contributiva nas taxas é não atentar para a natureza dessas imposições tributárias. Significando uma contraprestação pela atuação do Poder Público, diretamente referida ao contribuinte, não se pode erigir nas taxas, como critério informador desses tributos, uma circunstância absolutamente alheia a essa atuação estatal. Vale dizer, se, com a taxa, se pretende remunerar a atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma, e não à capacidade contributiva do sujeito passivo, irrelevante para a hipótese de incidência ou para a graduação da taxa. 214

Assim, de acordo com este entendimento, o pagamento do

tributo seria graduado de acordo com o serviço público oferecido ou com a

214COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 57.

Page 106: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

105

atividade de polícia desencadeada, independentemente da condição financeira do

sujeito passivo da taxa.

Filiando-se a este posicionamento, Ávila estende essa

inaplicabilidade referente às taxas, também em relação às contribuições de

melhoria e às contribuições sociais:

Os tributos com caráter retributivo não têm relação direta com a capacidade econômica do sujeito passivo. Eles se referem a uma prestação já efetivada ou colocada à disposição do Estado, relativamente ao particular (taxas, art. 145, II), a uma contribuição decorrente de uma atividade estatal (contribuições de melhoria, art. 145, III) ou a uma atividade estatal relacionada a finalidades públicas constitucionalmente delimitadas (contribuições sociais, arts. 149 e 195).215

Noutro giro, outros doutrinadores propugnam pela

aplicabilidade compulsória da capacidade contributiva às exações em geral,

aduzindo que o Estado, ao instituir tributos de qualquer espécie, não pode

desconsiderar as peculiaridades da condição financeira do sujeito passivo. Nesse

sentido, Oliveira leciona:

Também por força da isonomia constitucional, que, iluminada pela

noção de capacidade contributiva, determina que pessoas em posições econômicas diversas paguem tributo diferenciado, as taxas admitem graduação em função de condições fáticas do contribuinte indicadoras de riqueza, podendo implicar em diferentes quantidades ou unidades de serviço público, e, pois, de cobrança.216

Em que pese esta orientação, a forma com o qual a

capacidade contributiva é aplicada em outras espécies tributárias além do imposto

é explicada por Coêlho, que esclarece:

Nas taxas e contribuições de melhoria, o princípio realiza-se negativamente pela incapacidade contributiva, fato que

215ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios – da definição à aplicação do s princípios jurídicos. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 382. 216OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade contributiva - conteúdo e eficácia do princípio, 1988, p. 97.

Page 107: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

106

tecnicamente gera remissões e reduções subjetivas do montante a pagar imputado ao sujeito passivo sem capacidade econômica real.217

Outrossim, especificamente em relação à taxa como tributo

vinculado à atuação estatal, Dório citado por Rohenkohl assevera:

Sendo a taxa um tributo, não há como fugir à conclusão de que o Estado pode discriminar quanto à contraprestação de um mesmo serviço, entre os indivíduos que realizem maiores ou menores recursos econômicos. 218

Partidário da posição doutrinária que sustenta a obrigatória

observância do primado da capacidade contributiva na fixação de qualquer

espécie tributária, Tavares ensina:

Trata-se, como se percebe de sua clara redação, de princípio informador dos impostos, mas que não lhe é privativo, já que deita raízes no magno postulado da isonomia, uma diretriz aplicável genericamente a qualquer espécie tributária e que rende homenagem ao ideal republicano de afastar, também no campo fiscal, privilégios sem a suficiente e necessária correlação lógica entre o fator escolhido como critério de discrímen e a conseqüente discriminação legal levada a termo em função dele. 219

Soa límpido que os adeptos a esta posição doutrinária

acreditam que a capacidade contributiva, por assentar-se no postulado da

isonomia, aplicável a toda espécie de tributos, igualmente sujeita todas as

espécies tributárias. No entanto, reconhecem que esta sujeição ocorre de forma

mais restrita no que diz respeito às exações vinculadas a uma contraprestação

estatal.

Em arremate, adotando um posicionamento que integra

concepções das duas posições supramencionadas, encontra-se o entendimento

que apregoa a obrigatoriedade da observância do princípio da capacidade

217COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro , 2006, p. 86. 218ROHENKOHL, Marcelo Saldanha. O princípio da capacidade contributiva no estado democrático de direito (dignidade, igualdade e progressividade na tributação), 2007, p. 168. 219TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 25.

Page 108: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

107

contributiva apenas aos impostos, em face da facultatividade da sua aplicação em

relação às demais espécies de tributos.

Esse pensamento é contemplado na nota de Derzi à obra de

Baleeiro:

A Constituição brasileira, não obstante, adotando a melhor técnica, restringe a obrigatoriedade do princípio aos impostos, conforme dispões o art. 145, §1º. É que, enquanto a base de cálculo dos impostos deve mensurar um fato-signo, indício de capacidade econômica do próprio contribuinte, nos chamados tributos vinculados – relativos às taxas e contribuições – ela dimensiona o custo da atuação estatal ou a vantagem imobiliária auferida pelo contribuinte, advinda da obra pública. Tal constatação não impede que o legislador conceda a isenção em se tratando de certos serviços públicos. 220

Seguindo esta mesma linha de entendimento, Carrazza destaca:

Nada impede que também as taxas e a contribuição de melhoria sejam graduados segundo a capacidade econômica dos contribuintes, tendo em vista, inclusive, o princípio da igualdade. Apenas, isto fica ao talante do legislador ordinário, não sendo uma exigência do artigo 145, §1º, da CF.221

Assim, no tocante a análise da aplicabilidade do princípio ora

plasmado, é possível perquirir a existência de controvérsias doutrinárias sobre a

influência desse princípio em relação às demais espécies tributárias, de modo que

o mais arrazoado é observar sua aplicação no caso concreto, após a observância

da natureza jurídica do tributo.

3.8.2 O alcance da expressão “sempre que possível”

O dispositivo em exame reza:

Art. 145 (...)

220BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro , 2001, p. 695. 221CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 84.

Page 109: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

108

§1º- Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e

serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

A propósito, a doutrina não é uníssona no que se refere à

interpretação da expressão “sempre que possível” contida no enunciado do

princípio da capacidade contributiva. Greco, ao identificar a existência de três

possíveis interpretações acerca desta expressão, assim as descreve:

A primeira afirma que ele conteria apenas uma recomendação, como se dissesse: 'se puder, faça'. Um segundo sentido – mais nítido – é o que lhe atribui papel negativo. Vale dizer, quando a Constituição estabelece que ”sempre que possível” deve ser atendida a capacidade contributiva, disto decorre que, por haver prestigiado tal figura, a Constituição não admite imposto sem ela. Há um terceiro entendimento a ser considerado que defende existir um ângulo positivo do “sempre que possível”, no sentido de que o preceito conteria a previsão de que “só quando não for possível é que pode deixar de ser atendido o princípio da capacidade contributiva. Ou seja, colocando a tônica no “sempre” e não no “possível”. Sempre que for possível, atenda-se à capacidade contributiva. Vale dizer, se puder demonstrar que era possível atender à capacidade contributiva e isso não foi feito, haverá violação ao dispositivo constitucional. Ou seja, não é apenas quando ela inexistir (limite negativo) que haverá inconstitucionalidade, mas também quando existir, mas não for adequadamente captada, haverá violação ao §1º do art. 145. Numa visão forte, a expressão está determinando que a capacidade contributiva deve ser, necessariamente, atingida sempre que detectada. 222

Refutando o primeiro posicionamento que sustenta que a

expressão “sempre que possível" é mera recomendação legal, Carrazza adverte:

222GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário . São Paulo: Dialética, 2004, p. 299-300.

Page 110: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

109

A nosso ver, ele não está fazendo – como já querem alguns – uma mera recomendação ou um simples apelo para o legislador ordinário. Em outras palavras, ele não está autorizando o legislador ordinário a, se for de seu agrado, graduar os impostos que criar, de acordo com a capacidade econômica dos contribuintes.223

Outrossim, partidário da segunda linha de entendimento,

Martins nega qualquer faculdade constitucional de não aplicação do princípio da

capacidade contributiva aos impostos, advertindo:

Nada obstante a imperfeição lingüística, que poderá levar a interpretações menos avisadas, entendo que o discurso inicial diz respeito apenas à graduação pessoal, visto que, em dispositivo posterior, proíbe a Constituição que a tributação tenha efeitos confiscatórios. A interpretação, portanto, mais coerente é a de que a capacidade contributiva (canhescamente denominada de econômica) seja respeitada sempre, e não se possível, para que seu desrespeito não implique confisco. Até porque confisco é a forma clássica de desrespeito à capacidade contributiva.224

Por ora, Martins ainda sugere nova redação ao dispositivo

constitucional, a fim de evitar interpretações jurídicas equivocadas:

Melhor redigido estaria tal dispositivo dizendo: os impostos terão caráter pessoal, sempre que possível, e serão graduados segundo ... desta forma daria melhor interpretação, no sentido de que a ressalva, sempre que possível, só refere-se ao caráter pessoal, não se aproveitando no que diz respeito à observância do princípio da capacidade contributiva. 225

Noutro giro, a terceira posição doutrinária entende pela

aplicação do princípio da capacidade contributiva sempre que a natureza do

tributo assim o permitir. Coadunando-se a este entendimento, Carrazza interpreta

a expressão “sempre que possível” da seguinte maneira:

223CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 100. 224MARTINS, Ives Gandra da Silva. Capacidade econômica e capacidade contributiva . Caderno de pesquisas tributárias, vol. 14. São Paulo: Resenha Tributária, 1989, p. 42-43. 225MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema tributário na constituição de 1988 . São Paulo: Saraiva, 1989, p. 76.

Page 111: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

110

Se for da índole constitucional do imposto, ele deverá obrigatoriamente ter caráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Ou, melhor: se a regra-matriz do imposto (traçada na Constituição Federal) permitir, ele deverá necessariamente obedecer ao princípio da capacidade contributiva. 226

No mesmo sentido e por idênticos fundamentos, Melo

argumenta:

Casos em que nem sempre é possível avaliar o cunho pessoal e o envolvimento econômico do devedor do imposto. Como a estrutura da norma tributária sempre revela a intensidade econômica do ônus imputado ao contribuinte, forçoso defluir o entendimento de que sempre é possível apreender o caráter pessoal e a capacidade econômica do contribuinte. O que nem sempre será possível é obter, com absoluta segurança e certeza, o caráter eminentemente pessoal e a exata capacidade econômica. 227

O mesmo autor ainda conclui:

A expressão sempre que possível deve significar o ingente e exaustivo esforço a ser pautado pelo legislador, para disciplinar o ônus tributário, com a maior segurança (possível) e com a menor margem de engano (também possível), a fim de que o contribuinte participe das necessidades coletivas (interesse público), com suportável parcela do seu patrimônio. 228

Posto isso, verifica-se que a controvérsia doutrinária acerca

do alcance da expressão “sempre que possível” situa-se no grau de

compulsoriedade do princípio da capacidade contributiva. No entanto, Tipke e

Yamashita, concluindo pela observância do princípio da capacidade contributiva

sempre que a natureza do tributo permitir, afirmam:

Portanto, na verdade, a expressão “sempre que possível” visa a esclarecer que o art. 145, §1º, não é uma regra, mas sim um

226CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 100. 227MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário , 2005, p. 32. 228MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário , 2005, p. 33.

Page 112: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

111

princípio, pois consiste num comando de maximização de eficácia, que pode ser cumprido em diferentes graus, e que a medida devida de seu cumprimento depende não só das possibilidades reais, senão também das possibilidades jurídicas – estas, por sua vez, determinadas pelos princípios e regras opostos, como o princípio da unidade do ordenamento jurídico, o princípio da praticabilidade e os princípio do Estado Social ou de Ordem Econômica que fundamentam as normas extrafiscais. Enfim, ao inserir na Constituição a cláusula “sempre que possível (...)” à norma “os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...)”, o legislador constituinte deixa claro que se trata de um princípio que por natureza não é uma norma de validade absoluta como as regras e que, portanto, admite exceções momentâneas e flexíveis, desde que devidamente justificadas e obedientes ao princípio da proporcionalidade. 229

Em arremate, apesar da existência de três possíveis

interpretações dadas pela doutrina à expressão “sempre que possível”, evidencia-

se que é majoritário o entendimento de que o princípio da capacidade contributiva

deverá ser compulsoriamente observado sempre que isso seja possível,

atentando-se para a natureza dos tributos.

3.8.3 Preservação do mínimo vital ou existencial

O princípio da capacidade contributiva, ao atuar como

verdadeira limitação ao poder de tributar, impõe a necessidade de se preservar da

atuação fiscal do Estado o mínimo vital ou existencial do contribuinte. Assim, a

tributação só se torna possível quando os fatos signos presuntivos de riqueza do

sujeito passivo excederem o mínimo vital.

Coadunando-se a este entendimento, Tipke e Yamashita

advertem:

O princípio da capacidade contributiva protege o mínimo existencial. Enquanto a renda não ultrapassar o mínimo existencial não há capacidade contributiva. O mesmo resulta da

229TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva , 2002, p. 54.

Page 113: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

112

dignidade humana e do princípio do Estado Social. O princípio da capacidade contributiva atende a ambos princípios. Num Estado Liberal não é permitido que o mínimo existencial seja subtraído pela tributação, parcial ou totalmente, e uma compensação seja dada em benefícios previdenciários. O Estado não pode, como Estado Tributário, subtrair o que, como Estado Social, deve devolver. Não apenas para o imposto de renda, mas para todos os impostos, o mínimo existencial é um tabu. O princípio da unidade do ordenamento jurídico determina que o mínimo existencial fiscal não fique abaixo do mínimo existencial do direito da seguridade social. 230

No entanto, de acordo com Costa, não é tão fácil definir no

caso concreto o que pode ser considerado mínimo vital, uma vez que tal conceito

revela uma grande variabilidade de interpretações.

A fixação do “mínimo vital”, destarte, variará de acordo com o conceito que se tiver de necessidades básicas. O problema é tormentoso, pois concerne a decisão política do legislador. Este deverá basear-se, à falta de normas constitucionais específicas, no que, numa sociedade dada, razoavelmente se reputar “necessidades fundamentais do indivíduo e de sua família. O conceito de “mínimo vital”, portanto, varia no tempo e no espaço. 231

Deveras, apesar desta variabilidade do conceito de mínimo

vital, para Carrazza ele pode ser definido como

Os recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas das pessoas (mínimo vital), garantidas pela Constituição, especialmente em seus artigos 6º e 7º (alimentação, vestuário, lazer, cultura, saúde, educação, transporte, etc), não podendo ser alcançados pelos impostos. Tais recursos devem ser salvaguardados pela cuidadosa criação de situações de não-incidência ou mediante oportunas deduções, legislativamente autorizadas. 232

230TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva , 2002, p. 34. 231COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 70. 232CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário , 2005, p. 99.

Page 114: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

113

Acerca da impossibilidade de se tributar o mínimo vital, sob

pena de instituição de um tributo com efeito confiscatório, elucidativo é o

pensamento de Mosquera:

Nas dobras dos princípios fundamentais e basilares é que se revela a necessidade de se dar ao cidadão brasileiro condições mínimas de existência, isto é, suprí-lo de bens materiais que atendam às suas necessidades básicas e que lhe permitam assegurar a vida, a saúde, o bem-estar, a dignidade e a liberdade. Dar condições mínimas de existência consiste, outrossim, em não tributar os valores recebidos e utilizados na consecução desse objetivo. O mínimo vital, portanto, é insuscetível de tributação.233

Logo, o princípio da capacidade contributiva somente poderá

ser considerado eficaz se disponibilizar a preservação de um mínimo existencial

para assegurar a garantia dos direitos individuais dos contribuintes. Assentado

neste entendimento, Mello aduz:

Considerando-se que a tributação interfere no patrimônio das pessoas, de forma a subtrair parcelas de seus bens, não há dúvida de que será ilegítima (e inconstitucional) a imposição de ônus superiores às forças desse patrimônio, uma vez que os direitos individuais compreendem o absoluto respeito à garantia de sobrevivência de quaisquer categorias de contribuintes. 234

Assim, forçoso concluir que a noção de mínimo vital está

intrinsecamente relacionada ao princípio da capacidade contributiva, uma vez que

este só existirá quando for possível aferir no contribuinte algum signo presuntivo

de riqueza acima do “mínimo vital”, pois do contrário a atuação fiscal do Estado

apresentaria efeito confiscatório, o que é constitucionalmente vedado.

3.8.4 Identificação do caráter extrafiscal de certo s tributos

Para avaliar a possibilidade de aplicação do princípio da

capacidade contributiva nas exações de natureza extrafiscal, mister definir o

233MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e proventos de qualquer natureza – o imposto e o conceito constitucional . São Paulo, Dialética, 1996, p. 127. 234MELLO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário , 2005, p. 31.

Page 115: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

114

conceito de extrafiscalidade. Para tanto, utilizar-se-á da lição de Ataliba citado por

Costa:

Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados.235

Uma vez delineado que o tributo extrafiscal é aquele que o

Estado institui com outros fins além de simplesmente arrecadar, cumpre analisar

os dois posicionamentos acerca da possibilidade (ou não) da utilização do

princípio da capacidade contributiva como norteador dessa categoria de atuação

estatal.

O primeiro entendimento e também mais antigo direciona-se

no sentido de ser a extrafiscalidade incompatível à observância do princípio da

capacidade contributiva, tendo em vista suas peculiaridades.

Essa posição é compartilhada por Tipke e Yamashita:

Assim, se a finalidade extrafiscal de certos tributos ou normas tributárias consistem em equilibrar a balança comercial, penalizar o poluidor, desincentivar o fumo ou o alcoolismo ou incentivar a contratação de deficientes fpisicos, tais tributos deixam em parte a seara do Direito Tributário para invador o Direito Econômico, o Direito Ambiental, o Direito Previdenciário, o Direito Trabalhista, nos quais não faz sentido falar em justiça fiscal e de princípio da capacidade contributiva. Nesses casos trata-se de outra espécie de justiça: a justiça social. Portanto, o princípio da capacidade contributiva não se aplica a tributos com finalidade extrafiscal, que, no entanto, têm sua constitucionalidade controlada pelo princípio da proporcionalidade. 236

Informando ser este o primeiro posicionamento que a

doutrina adotou acerca desta temática, Costa adverte:

235COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 71. 236TIPKE, Klaus; Yamashita, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva , 2002, p. 62.

Page 116: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

115

As primeiras vozes a se pronunciarem a respeito do relacionamento do princípio da capacidade contributiva com a extrafiscalidade inclinaram-se pela incompatibilidade entre ambos – o que acabava por esvaziar, em muito, o conteúdo daquele. 237

No entanto, com a evolução doutrinária, o entendimento

predominante passou a ser o de que estes dois institutos jurídicos podem ser

compatíveis. Essa posição é sustentada por Oliveira nos seguintes termos: “a

destinação extrafiscal do tributo não altera a natureza jurídico-constitucional do

instituto e não libera o legislador, para, através dele, burlar a Constituição e o

senso comum de justiça”. 238

Partidário do mesmo entendimento, Ávila sustenta:

A utilização de razões extrafiscais não poderá aniquilar a eficácia mínima de princípios constitucionais fundamentais (proibição de excesso) nem poderá ser inadequada, desnecessária ou desproporcional (proporcionalidade). 239

Face o sentido e alcance do comando analisado, Costa

conclui:

Assim, na tributação extrafiscal sua incidência é atenuada pela perseguição de outros objetivos. O princípio da capacidade contributiva cede ante a presença de interesse público de natureza social ou econômica que possa ser alcançado mais facilmente se se prescindir da graduação dos impostos consoante a capacidade econômica do sujeito. 240

Isto posto, destoa da interpretação sistêmica que a Ciência

Jurídica demanda, o entendimento de que a atividade tributária extrafiscal seja

incompatível com o princípio da capacidade contributiva, uma vez que a

destinação extrafiscal de um tributo não altera a natureza constitucional da

exação de modo a não autorizar o legislador a não observar obrigatoriamente os

237COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 71. 238OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade contributiva – conteúdo e eficácia do princípio, 1988, p. 169. 239ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios – da definição à aplicação do s princípios jurídicos , 2005, p. 361. 240COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 72.

Page 117: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

116

ditames constitucionais e o ideal de justiça fiscal, consolidado através do princípio

da capacidade contributiva.

3.8.5 Elemento orientador da fixação da alíquota e base de cálculo e

indicador da natureza confiscatória do imposto

É cediço que o aspecto quantitativo da hipótese de

incidência tributária é formado pela conjugação da base de cálculo e da alíquota,

que conjuntamente revelam o valor do tributo a ser pago pelo contribuinte.

No tocante a base de cálculo, Barreto apresenta o seguinte

conceito: “é a definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de

referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários”,241 ou

seja, é a grandeza sobre a qual será aplicada a alíquota, tornando-se um critério

constitucional para a determinação de tributos.

Assim, o conceito de base de cálculo apresenta uma relação

intrínseca com o postulado da capacidade contributiva. Esta relação é explicada

por Costa que ensina:

A noção de capacidade contributiva absoluta ou objetiva relaciona-se com aqueles fatos legislativamente escolhidos por representarem manifestações de riqueza. Já a capacidade contributiva relativa ou subjetiva corresponde à aptidão de um determinado sujeito para suportar o impacto tributário, avaliável consoante suas possibilidades econômicas. A expressão econômica do fato protagonizado pelo sujeito em questão é mensurada, justamente, pela base de cálculo, à qual se deve aliar a alíquota. A base de cálculo, portanto, deverá reportar-se àquele fato de conteúdo econômico inserto na hipótese tributária; ou seja, deverá guardar pertinência com a capacidade absoluta ou objetiva apreendida pelo legislador. Ausente essa correlação necessária entre a base de cálculo e a hipótese de incidência tributária a imposição será inconstitucional, por desrespeito, também, ao princípio estudado. 242

241BARRETO, Aires Fernandino. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 40. 242COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 76-77.

Page 118: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

117

Já a alíquota, por seu turno, é conceituada por Costa como

“uma fração da base de cálculo que, conjugada a esta, conduz à determinação do

quantum objeto da prestação tributária”,243 sendo ensejadora de controvérsias

doutrinárias no que tange à progressividade dos tributos.

Com efeito, a progressividade tributária é entendida por

alguns como colidente com a proporcionalidade que caracteriza essencialmente o

princípio da capacidade contributiva, conforme lição de Costa:

O princípio da capacidade contributiva exige que a tributação seja feita em proporção à riqueza de cada um – assim entendida aquela manifestada pelo fato imponível. É a chamada “proporcionalidade tributária”. Consoante esta técnica, a alíquota ou porcentagem é sempre uniforme e invariável, qualquer que seja o valor da matéria tributada. Muito utilizados na Idade Moderna, atualmente os impostos proporcionais já não são considerados os mais idôneos a atender ao princípio da capacidade contributiva, persistindo sua aplicação em casos pouco ajustáveis à progressividade. 244

No entanto, o entendimento majoritário é no sentido de que

a progressividade dos tributos não apenas se alinha perfeitamente ao princípio da

capacidade contributiva, como também é o instituto jurídico necessário para a

efetivação deste princípio.

Este é o entendimento de Tavares que leciona:

O princípio da capacidade contributiva encontra, na progressividade, a figura de um forte aliado na busca da tão desejada Justiça Fiscal. Todos os impostos, in genere, deveriam ser progressivos, pois somente assim é que se alcançaria uma efetividade ótima, no que se refere à observância do princípio da capacidade contributiva.245

Partidária desta linha de pensamento, Costa consigna:

Com efeito, se a igualdade, na sua acepção material concreta, é o ideal para o qual se volta todo o ordenamento jurídico-positivo, a progressividade dos impostos é a técnica mais adequada ao seu

243 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 77. 244 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 77. 245 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário , 2005, p. 25.

Page 119: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

118

atingimento. Isto porque a graduação dos impostos meramente proporcional à capacidade contributiva dos sujeitos não colabora para aquele fim. Diversamente, na tributação progressiva aqueles que detêm maior riqueza arcarão efetivamente mais pelos serviços público em geral, em favor daqueles que pouco ou nada possuem, e, portanto, não podem pagar.246

A propósito, a tributação progressiva na qual a alíquota varia

em função da base de cálculo é a forma de tributação que melhor se coaduna ao

princípio da capacidade contributiva, tendo em vista que quanto maior a

potencialidade econômica que o contribuinte apresentar, mais elevada será a

alíquota incidente sobre a respectiva base de cálculo.

No entanto, a progressividade fiscal encontra limites

determinados pela vedação da instituição de tributos com efeitos confiscatórios,

que se apresentam toda vez que o poder fiscal do Estado não respeitar o mínimo

elementar ou existencial do contribuinte, tributando além da capacidade

contributiva relativa do sujeito passivo.

3.8.6 Apuração da inconstitucionalidade da hipótese da incidência e da

imposição fiscal do caso concreto

O conteúdo do princípio da capacidade contributiva vincula

tanto a atuação do legislador como do magistrado. Esse alcance do comando ora

plasmado é explicado por Costa que leciona:

O princípio em estudo dirige-se tanto ao legislador quanto ao juiz. Quanto ao primeiro destinatário da norma constitucional, como visto, não há indagações de maior relevo, posto que é incontestável que o legislador a ela deve atentar quando da escolha de fatos configuradores das hipóteses de incidência tributária graduando os tributos em proporção à riqueza dos contribuintes. Com relação ao segundo destinatário, porém, sobreleva a polêmica dos limites do controle jurisdicional a ser exercido numa situação especifica. 247

246 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 78-79. 247 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 80.

Page 120: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

119

A vinculação do juiz na aplicação do princípio da capacidade

contributiva relaciona-se diretamente com a questão da constitucionalidade da lei

tributária. Logo, a ele incumbe a tarefa de examinar a inconstitucionalidade da lei

em tese ou no caso concreto.

Por oportuno, no que diz respeito ao exame de

inconstitucionalidade no plano da lei em tese, cabe ao juiz analisar quais os

parâmetros ensejadores da tributação escolhidos pelo legislador. Para isso, o

magistrado deve basear-se em presunções de que a potencialidade econômica

do contribuinte seja fato signo presuntivo de riqueza necessário para justificar tal

exação.

Contudo, importante é a advertência de Costa no que tange

às presunções do magistrado:

Entretanto, tais presunções não podem ser tidas por absolutas: a lei tributária só pode discriminar validamente observada a capacidade contributiva de cada um. Assim, são elas contrastáveis judicialmente sempre que puderem gerar ameaça ou lesão a direito individual. A presunção legal absoluta de capacidade contributiva, num determinado fato, pode transformar em verdadeira ficção jurídica a matéria tributável, aniquilando, desse modo, o postulado em exame.248

Costa ainda sugere como deve ocorrer o controle de

constitucionalidade da lei em tese quanto ao princípio da capacidade contributiva:

Cremos que a atuação do Poder Judiciário na apreciação da constitucionalidade de uma lei tributária genericamente contestada deve ter em vista a noção de “capacidade contributiva absoluta” antes mencionada, correspondente à aptidão abstrata de um sujeito para receber o impacto tributário, por ter promovido o fato descrito na lei como idôneo a provocar esse efeito. Logo, se a situação hipotética não se mostrar indicadora de tal aptidão a lei será irremediavelmente inconstitucional. 249

248 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 80-81. 249 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 81.

Page 121: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

120

Noutro giro, diferentemente é o controle jurisdicional de

constitucionalidade a ser exercido pelo Poder Judiciário na análise de um caso

concreto, que envolva efetivamente um determinado contribuinte e sua respectiva

capacidade contributiva relativa.

Acerca da apuração de inconstitucionalidade nos casos

concretos, Becker pontifica:

Se no caso concreto individual, o juiz verificar que, com relação a um determinado contribuinte, a realização da hipótese de incidência, excepcionalmente, não confirmou a referida presunção, mesmo assim, o juiz não pode deixar de aplicar a regra jurídica tributária. Mais precisamente, não pode negar ter ocorrido a incidência da regra jurídica tributária e a conseqüente existência do dever de pagar o tributo. O juiz está impedido deste procedimento porque isto significaria a inversão de toda fenomenologia jurídica. A referida regra jurídica tributária tem uma estrutura lógica e uma atuação dinâmica idêntica à das regras jurídicas que estabelecem presunção juris et de jure.250

Partidária de outro entendimento, Costa evidencia a

possibilidade do juiz averiguar na situação fática a aplicabilidade ou não da lei que

cria o tributo, em razão das peculiaridades do caso concreto.

Em outras palavras, acreditamos ser permitido ao Poder Judiciário examinar in concreto o excesso de cargo fiscal incidente sobre determinado contribuinte. Admitida a noção de capacidade contributiva relativa ou subjetiva, traduzida na aptidão especifica de dado contribuinte em face de um fato jurídico tributário, lógico reconhecer-se ao juiz a possibilidade de apreciar se a mesma foi respeitada, à vista de pedido formulado nesse sentido. Lembre-se que o princípio em exame representa garantia individual do contribuinte, sendo, portanto, natural que sua força resplandeça ainda mais diante de um caso concreto. Desse modo, o magistrado, ao entender a aplicação da lei inconstitucional in casu, deverá negar-lhe os efeitos, em homenagem ao princípio. Enfim, a análise da capacidade contributiva relativa, nessa

250BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 454-455.

Page 122: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

121

hipótese, leva à mesma conclusão da inexistência de capacidade contributiva absoluta.251

Ao confirmar-se a possibilidade do juiz verificar no caso

concreto a existência ou não de capacidade contributiva relativa por parte de

determinado sujeito passivo, evidencia-se que deste modo coadunar-se-á o

interesse público de realmente ser tributado somente a capacidade contributiva

efetivamente demonstrada e o direito individual do contribuinte de ter preservado

o seu mínimo existencial.

Por outro lado, pode ocorrer que o legislador

infraconstitucional deixe de editar ato normativo necessário para a efetivação

deste dispositivo constitucional. Nesse caso, tem-se a denominada

inconstitucionalidade por omissão. Diante da ocorrência desta figura jurídica,

Costa assevera: “aquele que se sentir prejudicado pela omissão legislativa pode

provocar sua discussão mediante os instrumentos processuais adequados, tais

como o mandado de segurança e o mandado de injunção”.252

Em desfecho, cumpre perquirir que, independentemente de

tratar-se de inconstitucionalidade positiva ou inconstitucionalidade por omissão, o

contribuinte possui os mecanismos jurídicos necessários para resguardar sua

garantia individual de não ser compelido a contribuir com referência que exceda

sua real capacidade econômica, cabendo ao Poder Judiciário assegurar esse

direito caso seja afrontado pela atuação fiscal do Estado.

251 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 82-83. 252 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva , 2003, p. 85.

Page 123: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo identificar a eficácia

jurídica do princípio da capacidade contributiva no direito tributário brasileiro, à luz

da legislação e da doutrina.

A escolha do tema se deu em razão da importância que o

princípio da capacidade contributiva possui no tocante a consecução do ideal da

justiça fiscal, no momento da graduação do tributo de acordo com a capacidade

econômica do contribuinte.

Para o desenvolvimento lógico do trabalho, ele foi dividido

em três capítulos. No primeiro viu-se que a CRFB/88, como lei fundamental do

Estado, abarca sob a forma de princípios e regras gerais a síntese do interesse

comum da sociedade no que concerne ao modo e forma de governo, ao exercício

e limite da autoridade estatal, os direitos e garantias individuais do cidadão,

estruturando desse modo os elementos que constituem o Estado.

Identificou-se, ainda, que a CRFB/88 pode ser classificada

segundo seu conteúdo, forma, modo de elaboração, origem, estabilidade,

extensão e finalidade.

Ademais, verificou-se que a CRFB/88 é o instrumento

normativo veiculador de normas que podem revelar-se na forma de regras ou

princípios, tendo ambos como principal objetivo organizar, estruturar e definir os

entornos do poder político, assegurando a garantia aos direitos individuais dos

cidadãos.

No segundo capítulo, identificou-se que os princípios

tributários são juntamente com as imunidades, verdadeiras limitações

constitucionais ao poder de tributar.

No terceiro e último capítulo, analisou-se de modo mais

específico o princípio da capacidade contributiva, abarcando nesta análise desde

a origem de sua noção, partindo para a sua evolução no direito brasileiro, a

definição, aplicabilidade do art. 145, §1º da CRFB/88 como regra estruturante do

princípio, bem como a análise de sua eficácia no direito tributário brasileiro.

Page 124: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

123

Como principais resultados da pesquisa, evidencia-se que o

anseio de justiça fiscal nasceu com o surgimento da noção de tributo. Assim,

desde as primeiras civilizações esse ideal de justiça distributiva era vislumbrado

no momento da graduação dos mesmos. Com a natural evolução, esta busca pela

justiça social passou a ser associada ao princípio da capacidade contributiva, e

hodiernamente, afigura-se como um importante princípio constitucional que

limitando o poder de tributar, raramente não se encontra positivado em textos

constitucionais modernos.

Por seu turno, a capacidade contributiva restou conceituada

como a soma dos fatos signos presuntivos de riqueza que o contribuinte tem

disponível para arcar com o ônus fiscal, sem comprometer o seu mínimo

existencial. A propósito, está intrinsecamente relacionada com o princípio da

isonomia, como modo de materializá-lo, e, de forma ampla, com o ideal de justiça

distributiva. A capacidade contributiva não possui somente conteúdo econômico,

pois a ela está consignada relevância jurídica e anseio de justiça fiscal.

No mais, retomam-se as hipóteses levantadas e que

impulsionaram a presente pesquisa:

a) A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

abriga expressamente o princípio da capacidade

contributiva, no seu art. 145, §1º.

b) A norma que acolhe o princípio da capacidade

contributiva é de natureza programática, possuindo

eficácia plena e aplicabilidade imediata.

c) A função do princípio da capacidade contributiva é limitar

o Estado em seu poder de tributar, assegurando a

proteção aos direitos individuais dos contribuintes.

No tocante a primeira hipótese, ela restou confirmada, tendo

em vista que a CRFB/88, visualizada como norma estruturante de todo o sistema

jurídico é também a responsável pela validade de todas as normas de hierarquia

inferior, tem como base os princípios, dentre eles encontra-se o da capacidade

contributiva, expressamente capitulado no seu art. 145, §1º.

Page 125: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

124

A segunda hipótese também restou confirmada, pois, sendo

o princípio da capacidade contributiva norma definidora da garantia da igualdade

tributária, e tendo o art. 5º, §1º, da CRFB/88, disposto que as “normas definidoras

dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, igual natureza

possui a norma acolhedora do princípio da capacidade contributiva.

Quanto a última hipótese, anota-se que ela igualmente

restou confirmada, uma vez que a natureza programática da norma acolhedora do

princípio da capacidade contributiva não retira a preceptividade de seu conteúdo,

que se afigura presente no momento do exercício da competência tributária que

deve considerar a real capacidade econômica do contribuinte, evitando o abuso

do poder estatal ao criar exações que, desrespeitando o mínimo vital do sujeito

passivo, assuma caráter confiscatório. Assim, o princípio da capacidade

contributiva, ao limitar o poder do Estado de tributar, assegura a proteção aos

direitos individuais do contribuinte.

Em desfecho, registra-se que o presente trabalho não possui

caráter exaustivo, ou seja, com o mesmo não se pretendeu tratar todas as

questões concernentes ao princípio da capacidade contributiva, razão pela qual

deve servir somente como ponto de partida para o necessário e contínuo

acompanhamento da evolução do entendimento da doutrina e da jurisprudência

no que tange esta relevante temática do Direito Tributário.

Page 126: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002.

AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro . 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de Direito na Jurisprudência Tributária . São Paulo: Atlas, 2002.

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição . 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

.Hipótese de Incid ência Tributária . 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro . 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

.Limitações ao poder de tributar . 7 ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

BARRETO, Aires Fernandino. Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição . São Paulo: Saraiva, 1996.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional . São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1972.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

Page 127: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

126

BOTTALLO, Eduardo Domingos. Fundamentos do IPI (Imposto de Produtos Industrializados). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

BÜHLER, Ottmar. Princípios de Derecho Internacional Tributário . Madri: Editorial de Derecho Financiero, 1988.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional . Coimbra: Almedina, 1993.

CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional . 15 ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005.

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário . 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

CARVALHO, Márcia Haidée Porto de. Hermenêutica Constitucional – Métodos e princípios específicos de interpretação. Florianópolis: Obra Jurídica, 1997.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário . 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

CASSONE, Vittorio. Direito Tributário . 11 ed. São Paulo: Atlas, 1999.

CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro . 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro . Rio de Janeiro: Forense, 2006.

COLZANI, Valdir Francisco. Guia para redação de trabalho científico. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2002.

COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva . São Paulo: Malheiros, 2003.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceitos de Princípios Constitucionais - Elementos para uma dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional . São Paulo: Saraiva, 2006.

FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno . 17 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário . São Paulo: Dialética, 2004.

Page 128: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

127

GUERRA FILHO, Willis. Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais . Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado,1997.

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário . 15 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

HORVATH, Estevão. O Principio do não-confisco no Direito Tributário . São Paulo: Dialética, 2002.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito . 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

MACHADO, Hugo de Brito. Temas de Direito Tributário II . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.

.Curso de Direito Tributário. 14 ed. São Paulo:Malheiros, 1998.

.Os Princ ípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988 . 5 ed. São Paulo: Dialética, 2004.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Capacidade Econômica e Capacidade Contributiva. São Paulo: Resenha Tributária, 1989.

. Sistema tributário na constituição de 1988 . São Paulo: Saraiva, 1989, p. 76.

MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário . 6 ed. São Paulo: Dialética, 2005.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo . 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade . 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 37.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional . 4 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990.

MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional . 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

Page 129: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

128

MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e Proventos de Qualquer Natureza: o Imposto e o Conceito Constitucional . São Paulo: Dialética, 1996

OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade Contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. Rio de Janeiro: Renovar, 1988.

PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador de direito. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2001. RABELLO FILHO, Francisco Pinto. O Princípio da Anterioridade da Lei Tributária . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária . Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.

ROHENKOHL, Marcelo Saldanha. O Princípio da Capacidade Contributiva no Estado Democrático de Direito (Dignidade, Igualdade e Progressividade na Tributação). São Paulo: Quartier Latin, 2007.

ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 19 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

SLAIBY FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo . 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

. Aplicabilidade das Normas Constitucionais . 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

SOARES DE MELO, José Eduardo. ICMS: Teoria e Prática. 3 ed. São Paulo: Dialética, 1998.

SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária . São Paulo: Resenha Tributária, 1981.

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de Direito tributário . 2 ed. Florianópolis: Momento Atual, 2005.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional . 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Póstuma, 2002.

Page 130: A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Ilcinara Maria Sganzerla.pdf · universidade do vale do itajaÍ – univali centro de ciÊncias jurÍdicas e sociais

129

XAVIER, Alberto. Manual de Direito Fiscal. Lisboa: Faculdade de Direito de Lisboa, 1974.