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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ASPECTOS PROCESSUAIS DESTACADOS DA LEI Nº 11.340/06 MAYARA BENVENUTTI Itajaí, novembro de 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ASPECTOS PROCESSUAIS DESTACADOS

DA LEI Nº 11.340/06

MAYARA BENVENUTTI

Itajaí, novembro de 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ASPECTOS PROCESSUAIS DESTACADOS

DA LEI Nº 11.340/06

MAYARA BENVENUTTI

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora Msc. Adriana Maria Gomes de S. Spengler

Itajaí, novembro de 2009

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AGRADECIMENTOS

A Deus por iluminar meu caminho e me dar

forças para seguir em frente.

A meus pais, Luiz Carlos Benvenutti e

Helena Maria Benvenutti, e irmãos,

Sandro Benvenutti e Vanessa Benvenutti,

pelo carinho, compreensão e apoio.

Aos amigos, especialmente Iris de Sousa,

Larissa Guerra e Thayana Jackeline por

compartilharem comigo tantos momentos bons

e ruins durante esta jornada,

em que vocês foram muito mais que colegas de classe,

foram verdadeiras amigas.

A minha orientadora,

Professora Adriana Maria Gomes de S. Spengler pela

dedicação, paciência e por compartilhar

seus conhecimentos comigo.

A todos que de alguma forma contribuíram

para conclusão deste trabalho,

particularmente o amigo Pedro Américo,

que tanto me ajudou nessa caminhada.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí [SC], novembro de 2009

Mayara Benvenutti Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Mayara Benvenutti, sob o título

Aspectos Processuais Destacados da Lei nº 11.340/06, foi submetida em 19 de

novembro de 2009 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:

Adriana Maria Gomes de S. Spengler e Fabiano Oldoni (membro), e aprovada

com a nota _______________________________.

Itajaí [SC], novembro de 2009

Msc. Adriana Maria Gomes de S. Spengler Orientadora e Presidente da Banca

MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo

CP Código Penal

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Ed. Edição

MSc. Mestre

n. Número

p. Página

Rel. Relator

Rev. Revista

v. Volume

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Violência doméstica: Qualquer ação ou conduta baseada no gênero, que cause

morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico a mulher, tanto no âmbito

público, como no privado.1

Violência Física: entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade

ou saúde corporal.2

Violência Moral : entendida como qualquer conduta que configure calúnia,

difamação ou injúria.3

Violência Patrimonial : entendida como qualquer conduta que configure retenção,

subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,

documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo

os destinados a satisfazer suas necessidades.4

Violência Psicológica : entendida como qualquer conduta que lhe cause dano

emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno

desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,

crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação,

manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto,

chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou

1 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . A efetividade da Lei 11.340/2006 de

combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

2 BRASIL. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm> Acesso em: 17 ago. 2009.

3 BRASIL. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm> Acesso em: 17 ago. 2009.

4 BRASIL. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm> Acesso em: 17 ago. 2009.

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qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à

autodeterminação.5

Violência Sexual : entendida como qualquer conduta que a constranja a

presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante

intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a

utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer

método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à

prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite

ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.6

5 BRASIL. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm> Acesso em: 17 ago. 2009.

6 BRASIL. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm> Acesso em: 17 ago. 2009.

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SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................ X

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ........................................ .............................................. 3

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ............................... ..................................... 3

1.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 3

1.2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA A PARTIR DA LEI Nº 10.778 /03 ........................ 3

1.3 ANTECEDENTES DA LEI Nº 11.340/06 .............. ............................................ 9

1.4 INTRODUÇÃO À LEI Nº 11.340/06 ................. ............................................... 12

1.4.1 A CHAMADA VIOLÊNCIA DE GÊNERO................................................................ 13

1.4.2 ÂMBITO DE ABRANGÊNCIA DA LEI .................................................................... 15

1.4.3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ................................................................................... 15

1.4.4 VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES .................................................................. 17

1.4.4.1 Sujeito Passivo ........................... ............................................................. 19

1.4.4.2 Transexuais ............................................................................................. 21

1.4.4.3 Sujeito Ativo ............................. ............................................................... 22

CAPÍTULO 2 ........................................ ............................................ 25

AS FORMAS DE VIOLÊNCIA AMPARADAS PELA LEI 11.340/06 . 25

2.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 25

2.2.1 VIOLÊNCIA FÍSICA ........................................................................................... 27

2.2.1.2 Lesão corporal resultante da violência domé stica .............................. 29

2.2.3 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA ................................................................................ 30

2.2.4 VIOLÊNCIA SEXUAL ......................................................................................... 33

2.2.5 VIOLÊNCIA PATRIMONIAL ................................................................................. 37

2.2.5.1 Causas de imunidade do artigo 181 e 182, do Código Penal .............. 40

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CAPÍTULO 3 ........................................ ............................................ 45

ASPECTOS PROCESSUAIS DESTACADOS DA LEI Nº 11.340/06 45

3.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 45

3.2. A NÃO APLICAÇÃO DA LEI 9.099/95 NOS PROCEDIMEN TOS RELATIVOS À LEI 11.340/06 ......................... ...................................................... 45

3.3 A AÇÃO PENAL FACE AS DIVERSAS FIGURAS TÍPICAS R EMETIDAS E A POSSIBILIDADE DE “RENÚNCIA” DO ART. 16 DA LEI Nº 11 .340/06 .............. 48

3.3.1 NO CASO DE CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA ........................ 48

3.3.2 NO CASO DE CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO .............................................................................................................................. 50

3.3.2.1 A representação no crime de lesão corporal leve ................................ 51

3.3.3 NO CASO DE CRIME DE AÇÃO PENAL PRIVADA .................................................. 54

3.3.4 A POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA (RETRATAÇÃO ) NA AUDIÊNCIA PRELIMINAR ......... 55

3.4 A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS QUE OBRIGAM O AGRESSOR .......................................................................................................... 57

3.5 A QUESTÃO DA PRISÃO PREVENTIVA ................ ...................................... 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ................................ 64

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..................... ..................... 66

ANEXO ............................................................................................. 70

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RESUMO

A presente monografia tem como objetivo apresentar os

principais aspectos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei

Maria da Penha. O presente trabalho de conclusão de curso foi subdividido em

três capítulos: o primeiro trata da legislação aplicada à violência doméstica e

familiar, assim como identifica o sujeito ativo e passivo nos crimes relacionados

ao tema; o segundo capítulo faz uma análise de cada um dos tipos de violência

contra a mulher que a Lei Maria da Penha visa reprimir; o terceiro capítulo, por

sua vez, trata dos aspectos processuais penais aplicados a Lei Maria da Penha.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto a Lei nº 11.340/06,

conhecida como Lei Maria da Penha e, como objetivo geral, analisar as inovações

trazidas no combate a violência doméstica e/ou familiar contra a mulher.

Esta pesquisa tem como objetivo institucional produzir uma

monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do

Vale do Itajaí – Univali.

Subdividiu-se o presente trabalho em três capítulos. O

primeiro capítulo tratará acerca da legislação brasileira que tem como objeto o

combate à violência doméstica e familiar.

O segundo capítulo fará uma análise das diversas formas de

violência doméstica e familiar que a Lei Maria da Penha visa coibir.

Por fim, no terceiro capítulo serão tratados os aspectos

processuais da Lei nº 11.340/06.

Para a investigação do objeto e como meio para se atingir os

objetivos propostos adotou-se o método indutivo7, operacionalizado com as

técnicas8 do referente9, da categoria10, dos conceitos operacionais11 e da

pesquisa bibliográfica, em conjunto com as técnicas propostas por Colzani12,

dividindo-se o relatório final em três capítulos.

7 O método indutivo consiste em ‘pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las

de modo a ter uma percepção ou conclusão geral’. [PASOLD, 2001, p. 87]. 8 “Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental

para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. [PASOLD, 2001, p. 88].

9 Referente “é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o seu alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especial-mente para uma pesquisa”. [PASOLD, 2001, p. 63].

10 Categoria “é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”. [PASOLD, 2001, p. 37].

11 Conceito Operacional é a “definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. [PASOLD, 2001, p. 51].

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2

Na presente pesquisa foram levantados os seguintes

problemas:

1º) A violência doméstica e familiar contra a mulher sempre

foi reprimida de forma específica na história do ordenamento jurídico brasileiro?

2º) A Lei Maria da Penha é exclusiva para a proteção da

mulher?

3º) Tratando-se de crime remetido, caso seja cometido delito

de menor potencial ofensivo, ao agressor não poderão ser aplicadas as benesses

da Lei nº 9.099/95?

Do desenvolvimento dos problemas, surgiram as seguintes

hipóteses:

1ª) A Lei 11.340/06 é a primeira lei que trata especificamente

da violência doméstica e familiar contra a mulher.

2ª) A Lei Maria da Penha enfrenta a questão da violência de

gênero tendo como sujeito passivo exclusivamente a mulher.

3ª) A Lei Maria da Penha expressamente proíbe a aplicação

dos benefícios da Lei nº 9.099/95.

As considerações finais apresentarão a síntese de cada

capítulo, demonstrando se as hipóteses foram ou não confirmadas.

12 COLZANI, Valdir Francisco. Guia para elaboração do trabalho científico.

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CAPÍTULO 1

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

1.1 INTRODUÇÃO

A luta pela proteção das mulheres vítimas de violência

doméstica iniciou-se à partir de 1910, com os movimentos feministas, que

tornaram públicas as discussões sobre a independência da mulher, verificando-

se, através dos diversos embates, a gravidade da violência doméstica.

A discussão sobre o tema ficou mais evidente nos anos

noventa, quando os movimentos feministas mais atuantes fizeram nascer as

ONG13 e as associações, com militância constante e competente, direcionando-se

para um objetivo comum: envolver o Estado por via de políticas públicas e sociais

no sentido de acabar com a violência contra a mulher.

Ao final do século XX pode-se dizer que houve uma quebra

de paradigma, refletida nas chamadas ações afirmativas em favor da mulher, a

partir do objetivo de eliminar a violência doméstica ou social contra a mulher.

1.2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA A PARTIR DA LEI Nº 10.778 /03

Iniciando o estudo da Lei nº 11.340/06, parte-se em busca

na legislação brasileira do tratamento dado a violência doméstica à partir da Lei

13 “ONG é um acrônimo usado para as organizações não governamentais (sem fins lucrativos),

que atuam no terceiro setor da sociedade civil. Estas organizações, de finalidade pública, atuam em diversas áreas, tais como: meio ambiente, combate à pobreza, assistência social, saúde, educação, reciclagem, desenvolvimento sustentável, entre outras”. (___________. Organização Não Governamental. Sua Pesquisa . Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/o_que_e/ong.htm> Acesso em: 10 out. 2009.)

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10.778/03 e alterações realizadas no Código Penal após sua edição, até a

presente data.

1.2.1 A Lei nº 10.778/03

Foi em 2003, a partir da entrada em vigor da Lei nº 10.78814,

que houve no ordenamento jurídico brasileiro a primeira referência ao conceito de

violência contra a mulher, derivado da Convenção Interamericana para prevenir,

punir e erradicar a violência contra a mulher, ratificada pelo Brasil no ano de 1995.

Além do conceito mencionado, a norma trouxe a obrigatoriedade da notificação

compulsória dos casos de violência doméstica atendidos na rede de serviços de

saúde:

Art. 1 o Constitui objeto de notificação compulsória, em todo o território nacional, a violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados.

§ 1o Para os efeitos desta Lei, deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.

§ 2o Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica e que:

I – tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual;

II – tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar; e

III – seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

14 BRASIL. Lei 10.778, de 24 de novembro de 2003. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2003/L10778.htm>. Acesso em: 22 set. 2009.

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5

§ 3o Para efeito da definição serão observados também as convenções e acordos internacionais assinados pelo Brasil, que disponham sobre prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

Muito embora tenha sido um grande avanço no tocante à

conceituação, a Lei 10.778/03 comporta deficiência conforme alerta SABADELL

citada por FURTADO15: [...] “é necessário destacar falta de concretude dessa

definição, pois ela não esclarece o termo “gênero””.

A mesma autora esclarece16:

Ocorre que o legislador nacional recebeu influência da legislação internacional e acabou incidindo nos mesmos erros do legislador internacional. [...] examinando a definição dada pela Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher de 1994, [...], verificamos que a referida definição do legislador pátrio [...] é praticamente idêntica àquela usada pela Convenção.

Por fim observa SABADELL, citada por FURTADO17, que se

trata de um “empréstimo jurídico”, pois houve assimilação voluntária de normas

de direito internacional, prática que, conforme sua opinião, acarreta imperfeições

no texto legal, pois não de atende a “necessidade de adaptação ao contexto

nacional”.

1.2.2 A Lei nº 10.886/04

Com a edição da Lei nº 10.88618, no ano de 2004, ocorreu

uma modificação no artigo 129 do Código Penal, que passou a prever uma pena

mínima aumentada de 3 para 6 meses no caso de lesão corporal leve decorrente

15 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06 “Lei Maria da

Penha”. 2007. TCC (graduação em Direito). Universidade do Vale de Itajaí. pg. 30. 16 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06 “Lei Maria da

Penha”. pg. 30-31. 17 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06 “Lei Maria da

Penha”. pg. 31. 18 BRASIL, Lei 10.886, de 17 de junho de 2004. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato 2004-2006/2004/Lei/L10.886.htm>. Acesso em: 15 set. 2009.

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6

de violência doméstica. Além disso, o legislador apresentou um novo tipo penal,

denominado expressamente “violência doméstica”, conforme verifica-se a seguir:

Art. 1 o O art. 129 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 9o e 10:

"Art. 129 . ...............................................................

Violência Doméstica

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço)." (NR)

Para DIAS19:

Nenhuma das mudanças empolgou! A violência doméstica continuou acumulando estatísticas. Isso porque a questão continuava a tramitar no Juizado Especial Criminal e sob incidência dos institutos despenalizadores da Lei 9.009/1995.

Assim, na mesma esteira das legislações antecedentes, a

Lei 10.886/2004 vem contaminada de imperfeição, já que o texto não mais prevê

a violência doméstica sofrida exclusivamente pela mulher, conforme explica

SABADELL, citada por FURTADO20:

[...] aceitando-se que se trate de uma definição, devemos dizer que se refere a pessoas que, por manter vínculo especial com a vítima, ao praticarem violência física incidem no referido tipo penal. Entretanto, esse vínculo não se limita à situação de (atual ou anterior) matrimonio, união estável ou namoro entre a vítima e

19 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . A efetividade da Lei 11.340/2006 de

combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. pg. 23.

20 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06 “Lei Maria da Penha”. pg. 32.

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o agressor. As expressões empregadas no §9º permitem concluir que, para o legislador brasileiro, o marido que agride a mulher comete exatamente o mesmo delito que a mulher que, por exemplo, após uma discussão agride a esposa do primo de seu marido que esta hospedada em sua casa, já que nesse caso existe relação de hospitalidade!

SABADELL, citada por FURTADO21, conclui que houve um

retrocesso, pois:

Apesar de seus defeitos, a lei 10.778/2003 mantinha referência a questão de gênero, vínculo este que foi rompido com a Lei 10.886/2004, criando também a dúvida quanto a compatibilidade entre a definição de violência apresentada nesta ultima lei e a Convenção da OEA de 1994, ratificada pelo Brasil.

Quanto a esta incompatibilidade, ALVES22 aduz que, ao

manter os crimes de menor potencial ofensivo previstos na Lei 9.099/95, a Lei nº

10.886/04 “formalizou, na verdade, uma contradição legislativa perante os

compromissos internacionais assumidos [...]”, pois “[...] não se poderia admitir um

crime de menor potencial ofensivo que fosse também uma violação aos direitos

humanos internacionalmente protegidos”.

1.2.3 Lei nº 11.106/05

Em 2005, com a promulgação da Lei nº 11.106/05, diversas

alterações foram realizadas no Código Penal, todas envolvendo a questão de

gênero. Dentre elas destacam-se:

A inserção da companheira como sujeito passivo do crime

de seqüestro e cárcere privado qualificado: Com a alteração trazida pela Lei nº

11.106/05, foi acrescentado o substantivo companheiro ao lado de cônjuge.

21 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06 “Lei Maria da

Penha”. pg. 32-33. 22 ALVES, Fabrício Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta

concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navegandi , Teresina, ano 10, n. 1133, 8 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764>. Acesso em: 10 set. 2009.

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8

Para VOLPE FILHO23:

Tal alteração veio a calhar, pois, mesmo com a realidade da matéria introduzida pelo Poder Constituinte Originário, quando da Constituição da República de 1988, e pelo Legislador Ordinário, quando da promulgação do novo Código Civil, não se podia qualificar a conduta do crime de seqüestro e cárcere privado se a vítima era apenas companheira do agressor.

A exclusão do termo mulher honesta dos artigos 215 e 216

do Código Penal ocorreu, conforme MARCÃO, citado por FURTADO24, “impunha

tratamento de natureza nitidamente discriminatória”, Segundo o autor:

A ausência de honestidade sexual da mulher devassa não poderia jamais constituir motivo para ausência de proteção penal, na exata medida em que aquelas dotadas de menor recato também podem ser submetidas à ação de ter conjunção carnal [...].

No mesmo sentido, manifesta-se VOLPE FILHO25:

[...] o Código Penal da década de 40 é conhecido por trazer conceitos negativos contra a mulher, como mulher honesta. Este termo é claramente discriminatório, já que não há conceito de “homem honesto”.

A revogação total do artigo 240, onde era previsto o crime de

adultério, o qual estava em desuso no meio jurídico e passou a ser regulado

somente no Código Civil.

Verifica-se dessas alterações legislativas que ocorreram no

Código Penal que o legislador preocupou-se em atender o clamor social,

inserindo (ao menos tentando) no nosso ordenamento jurídico modificações que

atingissem eficazmente o mal da violência doméstica.

23 VOLPE FILHO, Clóvis Alberto. As reformas do Código Penal introduzidas pela Lei n ° 11.106

de 28 de março de 2005. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1999/As-reformas-do-Codigo-Penal-introduzidas-pela-Lei-No-11106-de-28-de-marco-de-2005>. Acesso em: 15 set. 2009.

24 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06 “Lei Maria da Penha”. pg. 34.

25 VOLPE FILHO, Clóvis Alberto. As reformas do Código Penal introduzidas pela Lei n ° 11.106 de 28 de março de 2005.

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Apesar das inovações legislativas aqui comentadas, não

houve resposta eficaz ao problema da mulher que sofria, no âmbito das relações

familiares e de afeto, a violência praticada por aqueles que deveriam protegê-la,

conforme manifestação de DIAS26.

1.3 ANTECEDENTES DA LEI Nº 11.340/06

Tão Logo editada a Lei nº 11.340/06, essa passou a ser

chamada de “Lei Maria da Penha”, embora em seu texto não exista nenhuma

alusão a tal nome.

A razão da denominação, remete ao ocorrido no dia 29 de

maio de 1983, na cidade de Fortaleza/CE, quando a farmacêutica Maria da Penha

Maia Fernandes, enquanto dormia, foi atingida por um tiro de espingarda

desferido por seu marido à época, Marco Antonio Heredia Fernandes, economista

colombiano de origem e naturalizado brasileiro.

Para CUNHA e PINTO27:

...o ato foi marcado pela premeditação. Tanto que seu autor, dias antes, tentou convencer a esposa a celebrar um seguro de vida, do qual ele seria beneficiário. Ademais, cinco dias antes da agressão, ela assinara, em branco, um recibo de venda de veículo de sua propriedade, a pedido do marido. (...) as agressões não se limitaram ao do dia 29 de maio de 1983. Passada pouco mais de uma semana, quando já retornara para sua casa, a vítima sofreu novo ataque do marido. Desta feita, quando se banhava, recebeu uma descarga elétrica que, segundo o autor, não seria capaz de produzir-lhe qualquer lesão. [...]. Segundo dados obtidos em reportagem publicada na

internet, que trata do progresso das mulheres no Brasil28, esta é a cronologia

completa do caso:

26 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 16. 27 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha

(Lei 11.340/2006) Comentada artigo por artigo. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 21.

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Maio de 1.983: Maria da Penha Maia Fernandes, que já vinha sofrendo agressões do marido, é alvejada por um tiro desferido por ele, enquanto dormia. Em decorrência das seqüelas da agressão, a vítima fica paraplégica. Junho de 1983 : Retorna do hospital e é mantida em cárcere privado em sua casa. Sofre Nova agressão e, com ajuda da família, consegue autorização judicial para abandonar a residência do casal em companhia das filhas menores. Janeiro de 1.984: Maria da Penha dá seu primeiro depoimento à polícia. Setembro de 1.984: Ministério Público propõe ação penal contra o agressor. Outubro de 1.986 : O poder judiciário de 1ª instância acata a acusação e submete o réu a julgamento perante o Tribunal do Júri (pronúncia). Maio de 1.991: O acusado vai a Júri Popular, sendo condenado a 10 anos de prisão. Defesa apela da sentença, no mesmo dia. Maio de 1.994: Tribunal do Justiça do Ceará acolhe o recurso da defesa e submete o réu a novo julgamento. Março de 1.996: Réu submetido a segundo julgamento perante o Tribunal do Júri, sendo condenado a dez anos e seis meses de prisão. Defesa interpõe novo recurso. [...] Setembro de 2.002 : Marco Antonio Heredia Fernandes é preso, no Rio Grande do Norte, onde morava. Em razão da demora para condenação do autor do crime -

dezenove anos passaram desde a data do fato para sua condenação definitiva -

em setembro de 1.997 a vítima, apoiada pelo Centro pela Justiça e o Direito

Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da

Mulher (CLADEM) formalizou denúncia contra o Brasil à Comissão Interamericana

de Direitos Humanos (CIDH) da OEA (Organização dos Estados Americanos).

A denúncia resultou no relatório 54/0129, que concluiu que o

Brasil foi omisso em relação ao problema de violência doméstica contra a mulher

em geral e em especial na tomada de providências repressivas e preventivas

contra o autor das agressões sofridas por Maria da Penha Fernandes, razão pela

qual o condenou ao pagamento de US$ 20.000,00 (vinte mil dólares) a título de

indenização para a vítima.

Por fim, a CIDH recomendou a adoção de medidas para

simplificar o sistema jurídico nacional ante a violência doméstica contra mulheres,

28 SANTOS, Angela. Violência Doméstica – Um caso exemplar. Disponível em:

<http://www.mulheresnobrasil.org.br/pdf/PMB_Cap8_Reportagem.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2009.

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de modo a possibilitar o cumprimento dos direitos já reconhecidos pelo Brasil na

Convenção Americana e na Convenção de Belém do Pará, constatando no item

“4” das conclusões do mencionado relatório:

Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1(1) da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida.30

29 Comissão Interamericana de Direitos Humanos: Relatório 54/1. Disponível em:

<http://www.cidh.org/annualrep/2000port/12051.htm>. Acesso em: 20 jul. 2009. 30 Artigo 1. Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer

ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.

Artigo 7. Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em:

a. abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação;

b. agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher;

c. incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis;

d. adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade;

e. tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher;

f estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos;

g. estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes;

h. adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta Convenção.

Artigo 8 Os Estados-Partes tomarão todas as medidas apropriadas para garantir, à mulher, em igualdade de condições com o homem e sem discriminação alguma, a oportunidade de representar seu governo no plano internacional e de participar no trabalho das organizações internacionais.

Artigo 25. 1. Esta Convenção estará aberta à assinatura de todos os Estados.

2. O Secretário-Geral das Nações Unidas fica designado depositário desta Convenção.

3. Esta Convenção está sujeita a ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

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Ante a enorme pressão internacional sofrida pelo Brasil para

cumprir os tratados dos quais era signatário, iniciou-se a discussão para

elaboração do texto legal competente.

Segundo FREIRE31, Ministra da Secretaria Especial de

Políticas para as Mulheres:

O novo texto legal foi o resultado de um longo processo de discussão a partir de proposta elaborada por um consórcio de ONGs (ADVOCACY, AGENDE, CEPIA, CFEMEA, CLADEM/IPÊ e THEMIS). Esta proposta foi discutida e reformulada por um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, e enviada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional. Através da relatoria do projeto de lei foram realizadas audiências públicas em assembléias legislativas das cinco regiões do país, ao longo de 2005, que contaram com intensa participação de entidades da sociedade civil e resultaram em um substitutivo acordado entre a relatoria, o consócio de ONGs e o executivo federal que terminaria aprovado por unanimidade no Congresso Nacional e sancionado pela Presidência da República.

Após muita discussão nasce a primeira lei voltada

inteiramente para proteger a mulher da violência sofrida no âmbito familiar que

veio para dar cumprimento à Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a

Violência contra à Mulher, da OEA (Convenção de Belém do Pará), ratificada pelo

Brasil há mais de 11 anos, bem como à Convenção para a Eliminação de todas

Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), da ONU.

1.4 INTRODUÇÃO À LEI Nº 11.340/06

A Lei Maria da Penha foi publicada no Diário Oficial da União

em 08 de agosto de 2006, e teve um período de vacância de 45 dias, entrando

em vigor no dia 22 de setembro de 2006.

Para ALVES32:

4. Esta Convenção estará aberta à adesão de todos os Estados. A adesão efetuar-se-á através

do depósito de um instrumento de adesão junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas. 31 FREIRE, Nilcéa. Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006.

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[...] a Lei Maria da Penha é uma proposta inovadora e polêmica em diversos pontos. [...] Certo é que essa lei é fruto do processo democrático suprapartidário. O que se viu foi a transmutação do clamor social em norma jurídica, em um belíssimo processo legislativo. Representou, sem dúvida, a união dos Poderes, trabalhando lado a lado e na mesma direção em prol de uma solução conjunta a esse problema social grave e de conseqüências nefastas às futuras gerações de brasileiros.

A Lei nº 11.340/06, ao descrever condutas delituosas, trouxe

para o ordenamento jurídico nacional agentes passivos e ativos específicos, além

de conceitos de violência diferenciados.

Para que se possa dar segmento ao estudo proposto neste

trabalho de monografia, torna-se imprescindível que se conceitue os termos que

influenciarão na compreensão do tema, com a definição do que é violência

doméstica e familiar contra a mulher e também os sujeitos ativos e passivos

descritos na Lei nº 11.340/06. É o que será analisado adiante.

1.4.1 A Chamada Violência de Gênero

Para que se possa elucidar o conceito de violência de

gênero, é necessário que se conceitue o termo gênero. Para MAGALHÃES33 “a

idéia de gênero não pertence à esfera penal, tratando-se de conceito extra-

normativo que necessita de uma abordagem transdisciplinar capaz de forjar

elementos delimitativos próprios”.

VIEZZER, citado por SILVA34, observa que a categoria

gênero tem sido utilizada tradicionalmente como sinônimo de sexo, remetendo ao

fator biológico de ser macho ou fêmea. Todavia, verifica-se que atualmente “a

utilização do termo visa a referência às diferenças socialmente impostas aos

32 ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta

concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi , Teresina, ano 10, n. 1133, 8 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764>. Acesso em: 25 set. 2009.

33 MAGALHÃES, Renato Vasconcelos. Discurso sobre o gênero na Lei nº 11.340/06. Jus Navigandi , Teresina, ano 11, n. 1411, 13 maio 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9826>. Acesso em: 10 out. 2009.

34 SILVA, Marlise Vinagre. Violência contra a Mulher: quem é que mete a colher? São Paulo: Cortez, 1992. p. 19.

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homens e mulheres, que os fazem assumir funções e papéis nas relações sociais

ditas masculinas e femininas”.

VIEZZER, citado por SILVA35 então conclui:

Gênero é um conceito mais adequado para analisar a relação entre a subordinação das mulheres e a mudança social e política. O gênero de um ser humano é o significado social e político historicamente atribuído ao seu sexo. Nascemos macho ou fêmea. Somos feitos como um homem ou uma mulher. E o processo de fazer homens e mulheres é tão historicamente e culturalmente variável; consequentemente, pode ser potencialmente modificado através da luta política e das políticas públicas.

SOUZA36 define a violência baseada no gênero como:

A violência de gênero se apresenta como uma forma mais extensa e se generalizou como uma expressão utilizada para fazer referência aos diversos atos praticados contra as mulheres como forma de submetê-las a sofrimento físico, sexual e psicológico, aí incluídas as diversas formas de ameaças, não só no âmbito intrafamiliar, mas também abrangendo a sua participação social em geral, com ênfase para as suas relações de trabalho, caracterizando-se principalmente pela imposição ou pretensão de imposição de uma subordinação e controle do gênero masculino sobre o feminino, criada e alimentada a partir da instituição de esteriótipos aplicáveis a cada gênero, em um modelo típico de subordinação do gênero feminino ao masculino.

No mesmo sentido, define SILVA JÚNIOR37:

[...] violência baseada no gênero é aquela praticada pelo homem contra a mulher que revele uma concepção masculina de dominação social (patriarcado), propiciada por relações culturalmente desiguais entre os sexos, nas quais o masculino define sua identidade social como superior à feminina, estabelecendo uma relação de poder e submissão que chega mesmo ao domínio do corpo da mulher.

Denota-se, assim, que a violência de gênero, nada mais é

que o resultado de relações sociais que justificam a dominação do homem sobre

35 SILVA, Marlise Vinagre. Violência contra a Mulher. p. 20. 36 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . 3

ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 27. 37 SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Direito penal de gênero. Lei nº 11.340/06: violência

doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi , Teresina, ano 11, n. 1231, 14 nov. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9144>. Acesso em: 10 out. 2009.

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a mulher. A conscientização política e social são fundamentais para trazer

modificações a esse quadro de desigualdade.

1.4.2 Âmbito de Abrangência da Lei

Verifica-se da leitura do preâmbulo da Lei nº 11.340/06, bem

como do artigo 1º que ela tem como objetivo “coibir e prevenir a violência

doméstica e familiar contra a mulher”, bem como “dispõe sobre a criação dos

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; estabelece medidas

de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e

familiar”.

Da leitura dos referidos dispositivos legais, define SOUZA38:

A proteção destina-se a coibir o crime praticado pelo marido ou companheiro contra a esposa ou companheira, pelo namorado contra a namorada, pela mãe ou pai contra a filha, ou mesmo por pessoas que apenas convivam sob o mesmo teto sem qualquer laço de parentesco, desde que a vítima seja mulher. [...] está patente que a opção do legislador brasileiro, nesta lei, foi coibir a vergonhosa e reiterada prática de violência contra a mulher, no âmbito doméstico e familiar, não importando o sexo do agressor, desde que este mantenha o exigido vínculo doméstico, ou ainda mantenha ou tenha mantido vínculo afetivo (intimidade).

Ainda, o mesmo autor doutrina39:

A lei não abrange a violência da mulher contra o homem, já que, em relação a esta modalidade, o tratamento legal é o geral, incidindo as regras de competência previstas no Código de Processo Penal.

Logo, conclui-se que a Lei nº 11.340/06 nasceu,

inicialmente, para proteger a mulher da violência doméstica e familiar.

1.4.3 Violência Doméstica

38 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

26. 39 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

26.

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Em razão da Lei 11.340/06 criar mecanismos para coibir a

violência doméstica contra a mulher torna-se necessário identificar o que é

violência doméstica.

Dispõe o artigo 5º, do mencionado Diploma Legal:

Art. 5º Para efeito desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

Para SOUZA40, o termo violência doméstica é sinônimo de

violência familiar ou violência intrafamiliar, servindo pra denominar “os atos de

maltrato desenvolvidos no âmbito domiciliar, residencial ou em relação a um lugar

onde habite um grupo familiar”; indica apenas o aspecto espacial em que se

desenvolva a violência, independentemente de definição de gênero ou sexo:

[...] é um conceito que não se ocupa do sujeito submetido à violência, entrando no seu âmbito não só a mulher, mas também qualquer outra pessoa integrante do núcleo familiar [...] que venha a sofrer agressões físicas ou psíquicas praticadas por outro membro do grupo.

Não é surpresa que existam doutrinadores que definem a Lei

nº 11.340/06, como mal redigida e extremamente aberta, conforme aponta

DIAS41.

Nesse sentido, manifesta-se NUCCI42:

Para buscar esgotar as situações, desdobrou-se o legislador em novas definições, muita das quais contraditórias, equívocas e, em grande parte, abrangendo situações estranhas aos propósitos de proteger a mulher no âmbito de seu lar.

40 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

29. 41 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 39. 42 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3 Ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1126.

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Segundo DIAS43, para encontrar a definição de violência

doméstica, “é necessária a conjugação dos artigos 5º e 7º da Lei Maria da

Penha”, e conclui:

[...] violência doméstica é qualquer das ações elencadas no art. 7º (violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral) praticada contra a mulher em razão de vínculo de natureza familiar ou afetiva.

No mesmo norte, SABADELL citada por FURTADO44:

[...] violência doméstica é uma forma de violência física e/ou psíquica, exercida pelos homens contra as mulheres no âmbito das relações de privacidade e intimidade de cunho ou convivência amorosa, que expressa o exercício de um poder de posse, de caráter patriarcal. O traço distintivo deste tipo de violência é o fato de ocorrer nas (e decorrer das) relações privadas.

Por fim, concluem CUNHA e PINTO45:

“...como forma de driblar a conclusão pela inconstitucionalidade da lei, definimos violência doméstica como sendo a agressão contra a mulher, num determinado ambiente (doméstico, familiar ou de intimidade), com finalidade específica de objetá-la, isto é, dela retirar direitos, aproveitando da sua hipossuficiência”.

Ao mencionar o termo hipossuficiência, os autores destacam

o caráter de ação afirmativa da Lei nº 11.340/06, que veio materializar no

ordenamento jurídico pátrio os tratados internacionais firmados.

Muito embora existam críticas a lei em razão de sua

amplitude conceitual, verifica-se que o legislador procurou, na verdade, conceder

a mulher o máximo de proteção possível das situações de violência doméstica.

Entretanto necessário ainda conceituar o que é violência

contra à mulher, o que será analisado no item seguinte.

1.4.4 Violência Contra as Mulheres

43 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 40. 44 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06. p. 45.

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O termo violência contra a mulher é um conceito usado

habitualmente na bibliografia. Traduz-se por todas as formas de violência que tem

como sujeito passivo a mulher, não só no âmbito das relações familiares, mas

também na sociedade em geral46.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e

Erradicar a Violência Doméstica, de 1994 – Convenção de Belém do Pará47 –

define, em seu artigo 1º, a violência contra mulher como “[...] qualquer ato ou

conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual

ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.”

Segundo GUIMARÃES e MOREIRA48:

[...] a violência contra a mulher pressupõe não apenas a diferença de gênero, mas, também, condutas que tendem para seu menoscabo, devendo causar alguma manifestação de sofrimento, físico, sexual ou psicológico. As atitudes que geram o menosprezo em relação à mulher, podem ter diversas interpretações psicológicas, que vão desde uma incontida prepotência por parte de quem pratica os atos ditos violentos, passando por problemas relacionados com disfunções sexuais do agressor e, até mesmo, problemas de cunho econômico-financeiro.

Kofi Anam49, Secretário-Geral da ONU, no Dia Internacional

para Eliminação da Violência contra as Mulheres, proferiu a seguinte mensagem:

A violência contra as mulheres causa enorme sofrimento, deixa marcas nas famílias, afetando várias gerações, e empobrece as comunidades. Impede que as mulheres realizem as suas potencialidades, limita o crescimento econômico e compromete o desenvolvimento. No que se refere à violência contra as mulheres, não há sociedades civilizadas.

45 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 29. 46 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

29. 47 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos

Humanos. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir, e Er radicar a Violência Contra a Mulher : Convenção de Belém do Pará, 1994. Disponível em: < http://www.cidh.oas.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Acesso em 21 set. 09.

48 GUIMARÃES; Isaac Sabbá; MOREIRA; Rômulo de Andrade. A Lei Maria da Penha. Aspectos Criminológicos, de Política Criminal e do Procedimento Penal. Salvador: JusPODIVM, 2009. p.38.

49 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 2.

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Das declarações prestadas por Kofi Anam, pode-se verificar

a extensão dos danos causados pela violência perpetrada contra as mulheres à

sociedade.

1.4.4.1 Sujeito Passivo

A Lei n° 11.340/06 traz como objetivo em seu preâmb ulo

coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como dispõe sobre a

criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher. Partindo

dessa constatação, pode-se concluir, numa análise superficial do tema, que a

norma prevê somente a mulher como sujeito passivo.

SOUZA e KUMPEL, citados por FURTADO50, salientam que

a Lei, ao mencionar o sujeito passivo, traz a expressão ofendida, o que, segundo

os referidos doutrinadores, leva ao entendimento de que somente a mulher pode

ser vítima.

SOUZA51, todavia, entende que é possível a aplicação da

legislação em comento para benefício do homem vítima de violência doméstica:

[...] mas isso não impede o uso da analogia para garantir, em caráter excepcional,

a integridade do homem [...].

Nesse sentido, existem decisões na jurisprudência pátria, a

exemplo52:

Decisão interlocutória própria padronizável proferida fora de audiência. [...] O pedido tem por fundamento fático, as varias agressões físicas, psicológicas e financeiras perpetradas pela autora dos fatos e sofridas pela vítima e, para tanto instrui o pedido com vários documentos como: registro de ocorrência, pedido de exame de corpo de delito, nota fiscal de conserto de veículo avariado pela vítima, e inúmeros e-mails difamatórios e intimidatórios enviados pela autora dos fatos à vítima. [...] DECIDO: A inovadora Lei 11.340 veio por uma necessidade

50 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06. p. 45. 51 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à violência Contra a m ulher. p.

26. 52 BRASIL, Juizado Especial Criminal Unificado da Comarca de Cuiabá. Autos nº 1074/08. Juiz

Mário Roberto Kono de Oliveira. Cuiabá, 14 de out. 2008.

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premente e incontestável que consiste em trazer uma segurança à mulher vítima de violência doméstica e familiar, já que por séculos era subjugada pelo homem que, devido a sua maior compleição física e cultura machista, compelia a "fêmea" a seus caprichos, à sua vilania e tirania. Houve por bem a lei, atendendo a súplica mundial, consignada em tratados internacionais e firmados pelo Brasil, trazer um pouco de igualdade e proteção à mulher, sob o manto da Justiça. [...] Embora em número consideravelmente menor, existem casos em que o homem é quem vem a ser vítima da mulher tomada por sentimentos de posse e de fúria que levam a todos os tipos de violência, diga-se: física, psicológica, moral e financeira. No entanto, como bem destacado pelo douto causídico, para estes casos não existe previsão legal de prevenção à violência, pelo que requer a aplicação da lei em comento por analogia. Tal aplicação é possível? A resposta me parece positiva. [...] Por algumas vezes me deparei com casos em que o homem era vítima do descontrole emocional de uma mulher que não media esforços em praticar todo o tipo de agressão possível contra o homem. [...] No presente caso, há elementos probantes mais do que suficientes para demonstrar a necessidade de se deferir a medidas protetivas de urgência requeridas, pelo que defiro o pedido e determino à autora do fato o seguinte: 1. que se abstenha de se aproximar da vítima, a uma distância inferior a 500 metros, incluindo sua moradia e local de trabalho; 2. que se abstenha de manter qualquer contato com a vítima, seja por telefonema, e-mail, ou qualquer outro meio direto ou indireto. Expeça-se o competente mandado e consigne-se no mesmo a advertência de que o descumprimento desta decisão poderá importar em crime de desobediência e até em prisão. I.C.

Todavia, sobre seu posicionamento, assevera SOUZA53:

[...] esta posição de maneira alguma se compatibiliza com a dos defensores da tese de que para garantir a igualdade entre homens e mulheres, a Lei 11.340/06 deve ser aplicada indistintamente a homens e mulheres, pois tal posição não leva em conta a essência da própria lei, que é combater a violência de gênero.

Pois bem, partindo da idéia que o termo gênero não indica o

sexo biológico, mas sim a representação social assumida pelo ser, há que ser

analisada a condição dos homossexuais em relação à proteção desta norma.

Logo, um ser humano do sexo masculino que assuma

socialmente a condição de mulher, deve ser tratado como tal para os efeitos da

Lei nº 11.340/06. Esse é o entendimento de DIAS54:

53 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

26.

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No que diz respeito ao sujeito passivo, há a exigência de uma qualidade especial: ser mulher. Nesse conceito, encontram-se as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. A agressão contra elas no âmbito familiar também constitui violência.

Há, entretanto que se ressaltar uma situação peculiar: a dos

transexuais. Razão pela qual será objeto de estudo próprio, a seguir.

1.4.4.2 Transexuais

Sobre o tema, FARIAS e ROSENVALD, citados por CUNHA

e PINTO55, diferenciam os transexuais dos homossexuais, bissexuais,

intersexuais e travestis, porquê:

O transexual é aquele que sofre uma dicotomia físico-psíquica, possuindo um sexo físico, distinto de sua conformação sexual psicológica. Nesse quadro, a cirurgia de mudança de sexo pode se apresentar como um modo necessário para a conformação do seu estado físico e psíquico.

Todavia, não é pacífica a posição doutrinária sobre o

assunto, eis que o transexual, geneticamente, não é mulher, somente possui

órgão genital de conformidade feminina, não sendo, por isto, conforme

entendimento de alguns doutrinadores, sujeito de proteção concedida pela Lei nº

11.340/06.

Assim se posicionam SOUZA E KUMPEL, citados por

FURTADO56, ao dizerem que somente se identifica uma mulher a partir do critério

hormonal e que, apesar da produção dos hormônios femininos começar a ocorrer

em média entre os 10 e os 14 anos, a mulher está protegida integralmente desde

a concepção.

GRECO, citado por CUNHA e PINTO57, salienta que a partir

do momento em que uma decisão judicial transitada em julgado determina a

54 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 41. 55 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 30-31. 56 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06 . p. 48. 57 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 31.

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modificação da condição sexual de alguém deve haver a repercussão em todos

os aspectos da vida do indivíduo, entre eles, o penal.

LAURIA58, entende que é imprescindível a alteração do sexo

do transexual no registro civil para que esse configure como sujeito passivo da Lei

Maria da Penha:

[...] o art. 155 do Código de Processo Penal define que, no juízo penal, a prova quanto ao estado das pessoas obedecerá às restrições probatórias estabelecidas na lei civil. [...] Logo, também a prova quanto ao sexo estará sujeita às mesmas restrições. Diante disso, se não houver a alteração do sexo do transexual no registro civil o mesmo não poderá ser considerado mulher para fins penais, não se aplicando as disposições da Lei Maria da Penha.

Em sentido contrário PORTO, citado por FURTADO59,

sustenta que não há como considerar um transexual, que tenha cirurgicamente

modificado sua genitália, ainda que modificado o registro civil, como sujeito

passivo da Lei em comento, eis que continua geneticamente a ser um homem

porque “equipará-lo a uma mulher importaria em analogia desfavorável ao réu, o

que é vedado em Direito Penal [...]”.

1.4.4.3 Sujeito Ativo

Denota-se da leitura do artigo 5º da Lei nº 11.340/06, que o

conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher exige que a conduta

seja baseada no gênero. Nesse sentido, a Lei estaria, em tese, considerando

somente o homem como sujeito ativo.

Todavia, a doutrina é quase que unânime em afirmar que

qualquer pessoa pode configurar no pólo ativo, como se pode observar a seguir.

Para GUIMARÃES e MOREIRA60:

58 LAURIA, Thiago. É Possível Aplicar a Lei Maria da Penha a Lésbicas, Travestis e

Transexuais? Disponível em: < http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=59>. Acesso em: 29 set. 2009.

59 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06. p. 49. 60 GUIMARÃES; Isaac Sabbá; MOREIRA; Rômulo de Andrade. A Lei Maria da Penha. p.46.

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Os incisos61 do art. 5º, se não nos trazem uma taxativa configuração do agressor, deixam-nos as pistas sobre sua qualificação, bastando que a arranquemos dos marcos conceituais sobre família e relação doméstica. Assim, o agressor poderá estar na veste de cônjuge, companheiro ou companheira, namorado ou namorada, colaterais, ascendentes, descendentes, padrasto, madrasta, enteado ou enteada.

A esse respeito, comenta DIAS62:

Para ser considerada a violência como doméstica, o sujeito ativo tanto pode ser um homem como outra mulher, Basta estar caracterizado o vínculo de relação doméstica de relação familiar ou de afetividade. Pois o legislador deu prioridade à criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher, sem importar o gênero do agressor.

SOUZA63 observa que esta opinião é a mais coerente, pois:

[...] dá menos ensejo a possíveis questionamentos quanto à constitucionalidade, já que trata igualmente homens e mulheres quando vistos sob a ótica do pólo ativo, resguardando a primazia à mulher apenas enquanto vítima, já que se apresenta inaceitável que no mesmo ambiente doméstico ou familiar o neto agrida fisicamente a avó e esteja sujeito às regras desta Lei, enquanto que a neta, nas mesmas condições pratique idênticos atos e não se submeta a tais regras.

Porém não é pacífico o entendimento doutrinário. Conforme

PORTO citado por FURTADO64 é incontestável que, ao discorrer sobre violência

doméstica e familiar contra a mulher baseada no gênero, pretendeu o legislador

restringir o conceito a violência praticada pelo homem contra a mulher:

61Artigo 5º [...] I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio

permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. 62 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 39. 63 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

47. 64 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06. p. 54.

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A idéia de gênero [...] revela a relação de discriminação e violência praticada pelo homem contra a mulher, por isso que a violência praticada entre mulheres não é baseada no gênero e não caracteriza violência doméstica e familiar de que trata a Lei 11.340/06. Com efeito, uma mulher não pode discriminar a outra por pertencer ao gênero feminino, já que ambas pertencem ao mesmo gênero.

Essas são as considerações necessárias sobre o sujeito

ativo da Lei 11.340/06 que, conforme entendimento doutrinário dominante, é

qualquer pessoa que incorra em uma das situações descritas nos incisos do

artigo 5º da Lei em comento. Para dar continuação ao estudo proposto na

presente monografia, faz-se necessário compreender quem é o sujeito passivo da

lei “Maria da Penha”, o que será analisado adiante.

Para dar continuidade ao estudo proposto no presente

trabalho acadêmico, torna-se necessária a análise dos crimes cometidos sob a

égide da Lei nº 11.340/06, o que será melhor elucidado no capítulo seguinte.

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CAPÍTULO 2

AS FORMAS DE VIOLÊNCIA AMPARADAS PELA LEI 11.340/06

2.1 INTRODUÇÃO

A Lei nº 11.340/0665, em seu art. 7º, traz um rol de formas de

violência doméstica e familiar contra a mulher, o qual, segundo DIAS66, não é

taxativo em razão da expressão “entre outras”, inserida no caput do tal artigo, in

verbis:

Art. 7 o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

65 BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em: 30 de setembro de 2009.

66 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . pg. 21.

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IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A expressão “entre outras”, não garante a aplicabilidade do

dispositivo para violências não descritas no artigo, eis que tal providência feriria o

princípio da reserva legal, que para JESUS67, nada mais é do que:

O Princípio da Legalidade (ou de reserva legal) tem significado político, no sentido de ser uma garantia constitucional dos direitos do homem. Constitui a garantia fundamental da liberdade civil, que não consiste em fazer tudo o que se quer, mas somente aquilo que a lei permite. À lei e somente a ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminosa da atividade legítima. Esta é a condição de segurança e liberdade individual. Não haveria, com efeito, segurança ou liberdade se a lei atingisse, para os punir, condutas lícitas quando praticadas, e se os juízes pudessem punir os fatos ainda não incriminados pelo legislador.68[

Ademais, na interpretação da lei penal, vige o princípio da

analogia in bonam partem, de modo que sempre a norma teria que ser aplicada

em benefício ao réu.69

Insta salientar que a Lei 11.340/06 não criou novos tipos

penais, mas dispositivos complementares, com caráter de lei especial, que

prevalecem sobre as normas gerais, em consonância com o artigo 12 do Código

Penal70.

67 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – Parte Geral. 25a ed. São Paulo: Saraiva,

2002. p. 625.

69 QUEIROZ, Paulo. Direito e analogia. Disponível em:< http://pauloqueiroz.net/direito-e-

analogia/>, Acesso em: 12 de set. 2009. 70 Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se

esta não dispuser de modo diverso. (BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 5 set. 2009).

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Sobre a figura do crime remetido, manifesta-se SOUZA71:

Observa-se que a Lei 11.340/06 não tem tipos penais próprios, apenas se refere aos tipos comuns já existentes no ordenamento, acrescendo-lhes circunstâncias qualificadoras ou agravantes e alterando penas, além de acrescer os requisitos insertos no seu art. 1º, que se refere à existência, entre agente e vítima, de relação doméstica, familiar ou afetiva (ou homoafetiva), e estabelece no artigo sob comento, de forma exemplificativa, as classes de condutas que se enquadram como violência doméstica e familiar contra a mulher.

No mesmo sentido, lecionam GUIMARÃES e MOREIRA72:

[...] a Lei não cria nenhum tipo penal de violência doméstica. [...] Não resta outra opção ao operador do direito alem de conformar os casos de violência doméstica ou intrafamiliar contra a mulher aos tipos penais descritos no Código Penal e na Lei de Contravenções Penais. Assim, poderemos ver as hipóteses do crime de ameaça (art. 147, CP), crimes sexuais (art. 213 a 216, CP), delito de vias de fato (art. 21, LCP), etc.

Assim, conclui-se que só se pode considerar violência

doméstica e familiar contra a mulher a ocorrência de uma das formas de violência

descritas nos incisos do art. 7º, em uma das circunstâncias do art. 5º, da Lei nº

11.340/06.

Conforme o artigo em apreço, a violência doméstica pode se

manifestar de cinco formas, as quais serão analisadas individualmente, a seguir.

2.2.1 Violência Física

Verifica-se que o inciso I, do art. 7º, da Lei Maria da Penha,

prevê que para configurar violência física no âmbito de abrangência da dita lei a

71 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

53. 72 GUIMARÃES; Isaac Sabbá; MOREIRA; Rômulo de Andrade. A Lei Maria da Penha. p. 83-84.

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conduta violenta perpetrada pelo agressor deve ofender a saúde corporal da

mulher que, para HERMANN73 traduz-se em:

[...] ações ou omissões que resultem em prejuízo à condição saudável do corpo. Conduta omissiva possível é negligência, no sentido de privação de alimentos, cuidados indispensáveis e tratamento médico/medicamentoso a mulher doente ou de qualquer forma fragilizada em sua saudade, por parte de marido, companheiro, filho (as), familiares e afins.

CUNHA e PINTO74, definem como violência física:

[...] o uso da força, mediante socos, tapas, pontapés, empurrões, arremesso de objetos, queimaduras etc., visando, desse modo, ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima, deixando ou não marcas aparentes, naquilo que se denomina, tradicionalmente, vis corporalis.

Quanto às condutas que ofendem a integridade física,

HERMANN75 explica, ainda, que são aquelas que “causem ferimentos ou lesões,

podendo levar inclusive à morte: surras queimaduras, facadas e outras agressões

ativas”.

Assim, pode-se concluir os delitos mais comuns que

ocorrem sob a proteção do inciso em comento são os de homicídio76, a

73 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com Nome de Mulher. Violência Doméstica e

Familiar - considerações á Lei nº 11340/2006 comentada artigo por artigo. 2 ed. Campinas: Servanda Editora, 2008. pg. 108.

74 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. pg. 61. 75 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com Nome de Mulher. pg. 109. 76 Art 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

[...]

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

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contravenção penal de vias de fato77, ou até mesmo crime de lesão corporal, que

por prever especificamente a decorrente de violência doméstica, será objeto de

estudo próprio, a seguir.

2.2.1.2 Lesão corporal resultante da violência domé stica

A lesão corporal resultante da violência doméstica, já era

prevista no Código Penal78 desde 2004, quando foi adicionado o § 9º ao artigo

129; a Lei 11.340/06 apenas majorou a pena abstrata prevista para o referido

crime: passou de seis meses a um ano para de 3 meses a três anos.

Verifica-se da leitura do mencionado dispositivo legal:

Art. 129 . Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

[...]

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

Para DIAS79:

Ainda que não tenha havido mudança na descrição do tipo penal, ocorreu a ampliação do seu âmbito de abrangência. Como foi dilatado o conceito de família, albergando também as unidades domésticas e as relações de afeto, a expressão “relações domésticas” constante do tipo penal passa a ter uma nova leitura.

77 Art. 21. Praticar vias de fato contra alguém:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitue crime.

78 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940 . Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 01 de out. de 2009.

79 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . pg. 47.

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Vale ressaltar que o mencionado dispositivo aplica-se a

ambos os sexos, ou seja, o homem também pode ser sujeito passivo dessa

norma, que para GUIMARÃES e MOREIRA80 ocorreu devido:

A Lei 10.886/2004 (que introduziu a norma aqui tratada) não foi redigida, pois, sob a pressão de grupo feministas. Assim, pode ser vítima, segundo seu ditame, não apenas a mulher, mas, também, o ascendente, o descendente, irmão, cônjuge, ou companheiro, ou pessoa que tenha convivido com o agressor – independente do sexo.

Todavia os mesmos doutrinadores concluem que:

[...] somente o crime praticado contra pessoa do sexo feminino oportunizará à vítima a concessão de medidas protetivas descritas no art. 23 da Lei Maria da Penha; ou a imposição de uma ou mais das injunções contra o agressor previstas no art. 22.

Assim, verifica-se que os efeitos reflexos da prática do

crime, serão mais gravosos para o agente quando a vítima for mulher.

2.2.3 Violência Psicológica

A violência psicológica estava incluída no conceito de

violência contra a mulher adotado na Convenção de Belém do Pará81, sendo, por

conseqüência lógica, incorporada à Lei n° 11.340/06 .

CUNHA e PINTO82 entendem como violência psicológica a

agressão emocional, cujo comportamento típico se dá quando o agente “ameaça,

80 GUIMARÃES; Isaac Sabbá; MOREIRA; Rômulo de Andrade. A Lei Maria da Penha . p. 85. 81 Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou

conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.

Artigo 2

Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica [...]. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir, e Er radicar a Violência Contra a Mulher : Convenção de Belém do Pará, 1994. Disponível em: < http://www.cidh.oas.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Acesso em 21 set. 09.).

82 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. pg. 61.

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rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer quando vê o outro se

sentir amedrontado, inferiorizado e diminuído, configurando a vis compulsiva”.

Bem a propósito, ensina HERMANN83:

A violência, enfocada no inciso II do artigo 7º, consiste basicamente em condutas – omissivas ou comissivas – que provoquem danos ao equilíbrio psicoemocional da mulher vítima, privando-a de auto-estima e autodeterminação. É nitidamente ofensiva ao direito fundamental à liberdade, solapada através de ameaças, insultos, ironias, chantagens, vigilância contínua, perseguição, depreciação, isolamento social forçado, entre outros meios.

Na mesma diapasão, SOUZA84 considera que a violência

psicológica é caracterizada:

[...] por métodos de dissuasão da vítima, quando ela pretende desfazer o vínculo conjugal ou de outra natureza, que mantém com o (a) agressor (a), como a violência consistente em ameaças contra a integridade física da vítima; [...] a ameaça de matar ou sumir com os filhos comuns, dentro outras.

Para NUCCI85, exagerou o legislador em inserir essa

modalidade de violência no ordenamento jurídico:

Deve ser analisada com cautela essa modalidade de violência, para fins penais, pois o legislador estendeu-se demais nas hipóteses que a retratam chegando a considerar violência psicológica qualquer dano emocional, humilhação ou ridicularização, como exemplos. Ora, em tese, todo e qualquer crime é capaz de gerar dano emocional à vítima, seja ela mulher, seja ela homem. [...] Reservemos a aplicação da nova agravante aos delitos que, realmente, ingressem no contexto da discriminação contra a mulher, no âmbito doméstico ou familiar.

Em sentido contrário, manifesta-se DIAS86:

A doutrina crítica a expressão violência psicológica, que poderia ser aplicada a qualquer crime contra a mulher, pois todo crime

83 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com Nome de Mulher. pg. 109. 84 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

52. 85 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. pg. 1132. 86 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 47.

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gera dano emocional à vítima, e aplicar um tratamento diferenciado apenas pelo fato de a vítima ser mulher seria discriminação injustificada de gêneros. Ora, quem assim pensa olvida-se que a violência contra a mulher tem raízes culturais e históricas merecendo ser tratada de forma diferenciada, até por que não ver esta realidade é que infringe o princípio da igualdade.

Por fim, concluiu a doutrinadora dizendo87:

A violência psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder entre os sexos. É a mais freqüente e talvez seja a menos denunciada. [...] Para a configuração do dano psicológico não é necessária a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia. Reconhecida pelo juiz sua ocorrência, cabível a concessão de medida protetiva de urgência. Praticado algum delito mediante violência psicológica, a majoração da pena se impõe (CP, art. 61, II, f).

São inúmeros os delitos que podem ocorrer mediante

violência psicológica, mas talvez os mais frequentes sejam os de constrangimento

ilegal, ameaça e cárcere privado do Código Penal88, bem como a contravenção

penal de perturbação de sossego da Lei de Contravenções Penais89, in verbis:

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

[...]

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

[...]

87 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 47 88 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940 . Código Penal. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 01 de out. de 2009.

89 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.688 de 3 de outubro de 1941 . Lei de Contravenções Penais. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3688.htm>. Acesso em: 01 de out. de 2009.

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Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:

Pena - reclusão, de um a três anos.

§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;

II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias.

IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;

V - se o crime é praticado com fins libidinosos.

§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Art. 42 . Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:

I – com gritaria ou algazarra;

[...]

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Terminadas as considerações acerca da violência

psicológica, passa-se a análise da violência sexual no âmbito da Lei nº 11.340/06.

2.2.4 Violência Sexual

A violência sexual já era tipificada em vários artigos do

Código Penal, no título VI – Dos crimes contra os costumes – entre os artigos 213

e 234. Contudo, a Lei nº 12.015/09 alterou os tais dispositivos, agora

denominados, no mesmo título, Dos crimes contra a dignidade sexual, conforme

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se verificará ao exemplificar os possíveis crimes cometidos contra a mulher, sob a

proteção da Lei Maria da Penha.

A Lei nº 11.340/06 fez referência expressa a essa

modalidade de violência, com a finalidade de que incida sobre as mulheres

vítimas desses delitos a tutela especializada.

Comentando o mencionado dispositivo legal, manifesta-se

NUCCI90 “a definição estabelecida neste inciso é ampla, envolvendo desde o

constrangimento físico (coação ou uso de força) até a indução ao comércio da

sexualidade, dentre outras formas”.

Vale destacar o posicionamento de DIAS91. A autora

esclarece que a Convenção de Belém do Pará reconheceu a violência sexual

como violência contra a mulher, mas sempre houve uma tendência doutrinária e

jurisprudencial a se desconsiderar a possibilidade de ocorrer violência sexual nos

vínculos familiares. Deste modo, identificava-se o exercício da sexualidade como

um dos deveres do casamento, legitimando-se a insistência do homem, como se

estivesse ele a exercer um direito.

Para HERMANN92, a violência sexual nada mais é do que:

[...] conduta violenta, não apenas aquela que obriga à prática ou à participação ativa em relação sexual não desejada, mas ainda a que constrange a vítima a presenciar, contra seu desejo, relação sexual entre terceiros. [...] também é considerada como violência sexual o induzimento – mediante qualquer meio que vicie a vontade – o sexo comercial ou a práticas de contrariem a livre expressão de seus autênticos desejos sexuais, assim entendidas aquelas que não lhe tragam prazer sexual.

A mesma autora destaca, ainda, que o inciso em comento

assegura “o livre arbítrio sobre o uso de sua função e capacidade reprodutivas [...]

90 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. pg. 1132. 91 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 48-49. 92 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com Nome de Mulher. pg. 111.

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tendo definidos como atos violentos de caráter sexual aqueles que impedem

acesso e uso de contraceptivos e que forcem gravidez indesejada”. 93

Para DIAS94 “Tais providências objetivam evitar gravidez

indesejada decorrente de relação sexual não consentida”.

Assim, são inúmeros os crimes que podem ser cometidos

sob a proteção do referido dispositivo legal, conforme se depreende dos artigos

213 e seguintes do Código Penal95:

Art. 213 . Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

[...]

Art. 215 . Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:

[...]

Art. 216-A . Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função."

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.

Art. 217-A . Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

93 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com Nome de Mulher. pg. 111. 94 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 51. 95 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940 . Código Penal. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 01 de out. de 2009.

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§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

[...]

Art. 218 . Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.”

Art. 218-B . Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

§ 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

§ 2o Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;

II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.

§ 3o Na hipótese do inciso II do § 2o, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.

No tocante ao assunto, destaca DIAS96:

96 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 50

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Todos esses delitos, se cometidos no âmbito das relações domésticas, familiares ou de afeto constituem violência doméstica, e o agente submete-se à Lei Maria da Penha. Mesmo o delito de assédio sexual, que está ligado às relações de trabalho, pode constituir violência doméstica quando, além do vínculo afetivo familiar, a vítima trabalha para o agressor.

Por outro lado, NUCCI97 observa que a descrição de

violência sexual pode atingir situações nem mesmo tipificadas na lei penal (ex: o

pai impede que a filha saia com o namorado para manter relação sexual,

constituindo uma limitação ao seu direito sexual. Ora, não configurando

constrangimento ilegal ou seqüestro, inexiste tipo penal apropriado).

Essa proibição exercida pelo pai pode ser entendida como

exercício regular de direito deste, qual seja, do pátrio poder que detém sobre a

filha, o que resultaria na exclusão da antijuridicidade do fato. Sobre o assunto98:

O exercício regular de direito pressupõe uma faculdade de agir atribuída pelo ordenamento jurídico (lato sensu) a alguma pessoa, pelo que a prática de uma ação típica não configuraria um ilícito. [...] como exemplo de exercício regular de direito: a correção dos filhos por seus pais.

Denota-se que, embora não traga novas tipificações penais,

as circunstâncias estabelecidas pela Lei Maria da Penha alargam possibilidades

de proteção da mulher também no tocante à violência sexual, protegendo-a em

ocasiões que, antes do advento da lei, estavam desprotegidas.

2.2.5 Violência patrimonial

Os crimes contra o patrimônio como o furto99, apropriação

indébita100, dano101, etc. já se encontram definidos no Código Penal, no Título II

97 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. pg. 1132. 98____________. Excludentes de Criminalidade. Algo sobre. Disponível em:

<http://www.algosobre.com.br/nocoes-basicas-pm/excludentes-de-criminalidade.html>. Acesso em: 17 set. 2009.

99 Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

[...]

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

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(artigos 155 à 180). Todavia, o inciso IV do artigo 7º da Lei nº 11.340/06 trouxe

uma definição especial daquilo que considera violência patrimonial para os seus

efeitos.

Nas palavras de HERMANN102 a violência patrimonial da

mais é do que:

[...] forma de manipulação para subtração da liberdade à mulher vitimada. Consiste na negação peremptória do agressor em entregar à vítima seus bens, valores, pertences e documentos, especialmente quando esta toma a iniciativa de romper a relação violenta, como forma de vingança ou até como subterfúgio para obrigá-la a permanecer no relacionamento do qual pretende se retirar.

Conforme entendimento de CUNHA e PINTO103: “Esta forma

de violência raramente se apresenta separada das demais, servindo, quase

sempre, como meio para agredir física e psicologicamente, a vítima.”

I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

III - com emprego de chave falsa;

IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. 100 Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:

I - em depósito necessário;

II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;

III - em razão de ofício, emprego ou profissão. 101 Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - Se o crime é cometido:

I - com violência à pessoa ou grave ameaça;

II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave

III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;

IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 102 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com Nome de Mulher. pg. 114.

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DIAS104, discorrendo acerca dos possíveis crimes cometidos

sob a proteção deste dispositivo, explica:

Identificada como violência patrimonial a subtração de valores, direitos e recursos econômicos destinados a satisfazer as necessidades da mulher, neste conceito se encaixa o não pagamento dos alimentos. Deixar o alimentante de atender a obrigação alimentar, quando dispõe de condições econômicas, além de violência patrimonial tipifica o delito de abandono material.

Para perfeita ilustração, colaciona-se o teor do artigo 244105,

do Código Penal, que trata sobre o crime de abandono material:

Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.

A autora considera não ser necessário que o encargo

alimentar seja fixado judicialmente para que o agente incorra nesse crime, basta

que, durante a vida em comum, o varão sonegue os meios de assegurar a

subsistência de companheira ou esposa.106

São muitas as considerações sobre os delitos patrimoniais

passíveis de serem cometidos sob a égide da Lei Maria da Penha, todavia o

ponto mais polêmico gira em torno da aplicação ou não das imunidades absolutas

e relativas dos artigos 181 e 182, do Código Penal, razão pela qual será objeto de

estudo próprio, em seguida.

103 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. pg. 63. 104 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 53. 105 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940 . Código Penal. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 05 de out. de 2009.

106 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 53.

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2.2.5.1 Causas de imunidade do artigo 181 e 182, do Código Penal

Para verificar a aplicabilidade do inciso IV, do art. 7º, da Lei

nº 11.340/06, é imprescindível questionar se a tal lei derrogou ou não as causas

de imunidade penal, absolutas e relativas, dos artigos 181 e 182 do Código Penal.

Isso ocorre porque, no caso de imunidade absoluta, existe

isenção de pena para o agente que comete delito patrimonial sem violência ou

grave ameaça contra o cônjuge na vigência da sociedade conjugal, ascendente

ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, civil ou natural ao passo

que, na imunidade relativa, as relações conjugais findas, condicionam a vítima o

direito de representação para iniciar a persecução criminal.

Transcrevem-se os artigos 181 e 182, do Código Penal107,

para compreensão do ponto:

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:

I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;

II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;

III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

DIAS108 considera que não mais se aplicam as isenções

previstas nos artigos acima, eis que:

Não se aplicam as imunidades absolutas ou relativas dos arts. 181 e 182 do Código Penal quando a vítima é mulher e mantém com o autor da infração vinculo de natureza familiar. Não há mais como admitir o injustificável afastamento da pena ao infrator que pratica

107 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940 . Código Penal. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 05 de out. de 2009.

108 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 52.

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o crime contra a cônjuge ou companheira, ou, ainda, alguma parente do sexo feminino. [...]

A mesma autora conclui que se os crimes são praticados

numa das situações previstas no art. 5º (subtração, apropriação destruição), além

de passarem a constituir crime, agravam a pena, pela aplicação do artigo 61, II, f,

do Código Penal.109

Há de se ponderar, entretanto, que não é pacífica a posição

doutrinária sobre o tema.

PORTO, citado por FURTADO110, considera que, a partir de

uma análise literal da nova lei, em princípio estariam derrogadas (revogadas

parcialmente) de forma tácita, as imunidades absolutas do artigo 181, do Código

Penal; todavia, se válida essa interpretação, fica a dúvida quanto à aplicação da

imunidade em relação à mulher que pratica delito patrimonial contra o cônjuge

varão. Em caso positivo, haveria tratamento desigual entre os sexos. Para o

doutrinador, nesse ponto, haveria ofensa ao princípio constitucional de igualdade,

eis que referido tratamento:

[...] se afigura destituído de razões lógicas ou racionais. Ademais, com relação aos delitos patrimoniais não violentos, não se afigura a vantagem física do homem sobre a mulher, não havendo assim, motivação racional para tratamento tão desigual e não se justificam tratamentos legais diferenciados que visem a persecução de maior igualdade material, pois na prática dos referidos delitos nenhuma qualidade específica do homem melhor o habilita em significativo prejuízo da mulher.

NUCCI111, não verifica utilidade do dispositivo no contexto

penal, considerando-se que, segundo seu entendimento, persistem as imunidades

(absoluta ou relativa) estabelecidas pelos artigos 181 e 182 do Código Penal nos

casos de delitos patrimoniais não violentos no âmbito familiar. Fora desse

contexto, havendo crime patrimonial, já existiam as agravantes pertinentes (art.

61, II, e ou f). O autor também afirma que a diferença de tratamento consiste em

109 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 52-53. 110 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06 “Lei Maria da

Penha”. pg. 71. 111 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. pg. 1133.

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evidente lesão ao principio da igualdade, pois não há razão plausível para tal

“Difícil seria sustentar que o furto cometido pelo namorado contra a namorada,

calcado no art. 5º, II desta Lei, seria agravado e o contrário não seria”.

Comentando as espécies de imunidades previstas no

Código Penal MIRABETE112 destaca:

[...] existindo um caso de imunidade absoluta, não pode ser instaurado inquérito policial e muito menos ação penal por falta de interesse de agir. Não se permite a instauração de um procedimento (ação penal condenatória) quando não se pode impor sanção penal. Tratando-se de imunidade relativa, a inexistência de representação impede também o inquérito e a ação penal por falta de condição de procedibilidade.

Por sua vez, CUNHA e PINTO113 ponderam:

Teria a Lei Maria da Penha, marcantemente preocupada com a proteção à mulher (e, por conseqüência, a seu patrimônio) de alguma forma revogado tais disposições, afastando a escusa absolutória do art. 181 do CP? [...] Pensamos que não. Como já salientado, razões de política criminal, que atuam na preservação da família enquanto instituição, recomendam a adoção de imunidades. Além disso, o menor alarme social acarretado pelo fato delituoso, também justifica sua manutenção.

Por fim, os autores afirmam114:

[...] parece equivocada a conclusão de que a Lei Maria da Penha teria alterado esse estado de coisas. Somente uma declaração expressa contida na lei teria o condão de revogar os dispositivos do Código Penal. [...] Aliás, quando o legislador pretendeu excluir o âmbito de incidência de imunidades, ele o fez expressamente, como ocorre na hipótese do crime ser praticado contra o patrimônio do idoso.

Ademais, CUNHA e PINTO alertam que eventual aplicação

de analogia entre a situação do idoso e da mulher (nos casos de crimes

112 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 23 ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. II, pg .

367. 113 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. pg. 64. 114 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. pg. 65.

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patrimoniais não violentos) seria desfavorável ao agente, pois importaria na

adoção da chamada analogia in malam partem.115

Com efeito, verifica-se que a violência patrimonial praticada

nas hipóteses dos artigos 5º e 7º da Lei nº 11.340/06, pode dar ensejo a

interpretação que houve o afastamento das imunidades previstas nos artigos 181

e 182 do Código Penal, porém, em face da tal derrogação não ser expressa,

somente as decisões judiciais futuras indicarão a melhor providência.

2.2.6 Violência moral

A violência moral também é uma forma de violência

contemplada no Código Penal, sob a denominação de crimes contra a honra

(calúnia, difamação e injúria disposto, respectivamente, nos artigos 138, 139 e

140 do Código Penal).

Para perfeita elucidação do tema, transcrevem-se os

referidos artigos:

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

[...]

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

115 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. pg. 65.

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[...]

§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena - reclusão de um a três anos e multa.

CUNHA e PINTO116 entendem por violência moral:

A violência verbal, entendida como qualquer conduta que consista em calúnia (imputar a vítima a prática de determinado fato criminoso sabidamente falso), difamação (imputar à vítima a prática de determinado fato desonroso) ou injúria (atribuir à vítima qualidades negativas) normalmente se dá concomitantemente à violência psicológica.

Os crimes contra a honra, quando cometidos contra as

mulheres, sob a proteção do art. 5º da Lei nº 11.340/06, configuram violência

contra a mulher, o que, consoante o entendimento de DIAS117, configura o

agravamento da pena, nos termos do artigo 61, II, f do Código Penal. 118

116 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. pg. 65. 117 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça . p. 54. 118 Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam

o crime:

[...]

II - ter o agente cometido o crime:

[...]

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

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CAPÍTULO 3

ASPECTOS PROCESSUAIS DESTACADOS DA LEI Nº 11.340/06

3.1 INTRODUÇÃO

No terceiro e último capítulo da presente monografia serão

analisados os aspectos processuais da Lei nº 11.340/06, especialmente no

tocante ao tipo de ação penal em face das inúmeras figuras penais remetidas.

Pretende-se expor aqui considerações doutrinárias acerca

da não aplicação da Lei n° 9.099/95 nos procediment os relativos a lei em

comento, da possibilidade de renúncia da vítima em audiência preliminar, da

aplicação de medidas protetivas, além da questão da prisão preventiva, o que

inicia-se a seguir.

3.2. A NÃO APLICAÇÃO DA LEI 9.099/95 NOS PROCEDIMEN TOS

RELATIVOS À LEI 11.340/06

A Lei nº 11.340/06 prevê expressamente em seu art. 41119 a

impossibilidade da aplicação da Lei nº 9.009/95, nos casos de violência doméstica

perpetradas contra a mulher, no âmbito familiar.

Para ANDREUCCI120:

119 Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,

independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. (BRASIL. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm> Acesso em: 17 ago. 2009).

120 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009. p.620.

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Essa previsão é absolutamente constitucional, à vista do disposto no art. 98, I, da Constituição Federal, que reservou à lei ordinária prerrogativa de definir quais os crimes de menor potencial ofensivo.

Nesse diapasão, manifesta-se NUCCI121:

[...] firmou o entendimento de que os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não são de menor potencial ofensivo, pouco importando o quantum da pena, motivo pelo qual não se submetem ao disposto na Lei 9.099/95, afastando, inclusive, o benefício da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da referida Lei do JECRIM. Embora severa, a disposição do art. 41, em comento, é constitucional.

Todavia, verifica-se que essa posição não é pacífica. Em

sentido contrário entende uma parte menor da doutrina, a exemplo de

GUIMARÃES e MOREIRA122: “Entendemos tratar-se de artigo inconstitucional.

[...] São feridos princípios constitucionais (igualdade e proporcionalidade)”.

Superada a questão da constitucionalidade do dispositivo

em comento (a maioria da doutrina se manifesta no sentido da

constitucionalidade) passa-se a análise da Lei nº 9.099/95. Sobre o tema

DIAS123 doutrina:

A Lei 9.099/1995 abrigou sob sua égide, considerando como de pequeno potencial ofensivo, as contravenções penais, os crimes a que a lei comina pena máxima não superior a dois anos, bem como o crimes de lesões corporais leves e lesões culposas. A autoridade policial não elabora inquérito policial, limitando-se a redigir termo circunstanciado, a ser encaminhado a juízo. Na esfera judicial, tais infrações são apreciadas através de procedimentos que a lei chama de sumaríssimo, pois marcados pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade (Lei 9.099/1995, art.62).

121 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. p. 1147. 122 GUIMARÃES; Isaac Sabbá; MOREIRA; Rômulo de Andrade. A Lei Maria da Penha. p. 143. 123 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 71.

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CAMPOS e CARVALHO, citados por GUIMARÃES e

MOREIRA124, destacam as desvantagens observadas, conforme crítica legal

feminista, ao tratamento dado à violência doméstica pela Lei nº 9.099/95:

a) a violência doméstica gera graves impactos emocionais na vítima, que impede a mulher de romper a situação violenta; b) a categoria de crime de menor potencial ofensivo, ao desconsiderar os efeitos emocionais e psicológicos que a violência doméstica causa na mulher, nega [...] seu uso como mecanismo de poder e de controle sobre as mulheres; por fim, c) a transação penal exclui a vítima, uma vez que ela fica sem oportunidade para opinar sobre as condições a serem impostas ao autor do crime, correndo-se, por isso, o risco de as disputas conjugais serem renovadas [...] devolvendo o poder ao autor da violência, pois, em última análise, é o sujeito que tem a capacidade de aceitar os termos da proposta [...].

Quanto o disposto no art. 41, da lei em comento, manifesta-

se HERMANN125:

A medida encartada no artigo 41, vem como resposta [...] à aplicação indiscriminada e pouco criteriosa de medidas alternativas ao processo penal em situações que envolvam violência doméstica, principalmente pena pecuniária. O conflito de fundo não era enfrentado nos Juizados Especiais Criminais, facilitando a repetição e perpetuação das práticas violentas.

Há quem critique essa posição rígida adotada pela lei,

conforme verifica-se do posicionamento adotado por LEMGRUBER, citada por

CUNHA e PINTO126:

[...] legislações muito rígidas desestimulam as mulheres agredidas a denunciarem seus agressores e registrarem suas queixas. Sempre que o companheiro ou esposo é o único provedor da família, o medo de sua prisão e condenação a uma pena privativa de liberdade acaba por contribuir para a impunidade.

Se acertou ou não a Lei Maria da Penha em proibir a

incidência da Lei nº 9.099/95 aos crimes cometidos sob sua proteção somente o

tempo vai dizer.

124 GUIMARÃES; Isaac Sabbá; MOREIRA; Rômulo de Andrade. A Lei Maria da Penha. p. 88. 125 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com Nome de Mulher. p. 239. 126 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 194.

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3.3 A AÇÃO PENAL FACE AS DIVERSAS FIGURAS TÍPICAS R EMETIDAS E A

POSSIBILIDADE DE “RENÚNCIA” DO ART. 16 DA LEI Nº 11 .340/06

Nos crimes cometidos sob a proteção da Lei Maria da

Penha, a lei remete aos tipos comuns, acrescentando-lhes elementos especiais,

em técnica que a doutrina denomina de crime remetido.

Para os efeitos da Lei 11.340/06, portanto, os crimes de

gênero são crimes remetidos, ou seja, necessitam de previsão típica comum

acrescida de elementos especiais: conduta baseada no gênero e relação de

afetividade entre os sujeitos.

SILVA JÚNIOR127 esclarece que deverá ser realizada a

seguinte fórmula: “[...] tipos comuns + conduta baseada no gênero + relação de

afetividade = crime de gênero”.

Portanto, não houve criação de tipos penais novos, de modo

que, para descobrir o tipo da ação penal cabível ao caso concreto, deve-se

analisar qual o crime em si e o tipo de ação penal previsto para este.

3.3.1 No caso de crime de Ação Penal Pública Incond icionada

Segundo a regra geral do Código Penal (artigo 100128), a

ação penal nos crimes, inclusive que envolvam violência doméstica e familiar

contra a mulher, é pública incondicionada, com a iniciativa do Ministério Público.

É esse o entendimento de SOUZA129:

Tendo o estado assumido já há vários séculos o monopólio da jurisdição criminal, cabe a ele apreciar os casos de natureza penal que lhe são apresentados [...] No sistema acusatório a atividade

127 SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Direito penal de gênero. 128 Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do

ofendido.( BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 15 set. 2009).

129 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p. 98.

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do Poder Judiciário esta condicionada a que o interessado provoque a sua atuação, apresentando-lhe um caso e justificando a existência de determinados requisitos que autorizam a submissão de um individuo a um processo (pressupostos processuais e condições da ação). Em regra o órgão estatal encarregado de apresentar as causas criminais ao Poder Judiciário é o Ministério Público (CRFB, art. 129, I) [...] Em relação à grande maioria das infrações penais (ou seja, a regra geral) a instauração do inquérito e a posterior apresentação da ação penal (denúncia) são providências que devem ser praticadas ex officio (CPP, arts. 5º e 24 e CP, art. 100, cabeça), sendo que nestes casos as respectivas ações penais são denominadas de “ação penal pública incondicionada”.

Nessa modalidade de ação penal, vigem os princípios da

oficialidade, indisponibilidade, indivisibilidade e intranscendência, analisados a

seguir130:

Princípio da oficialidade: quando uma infração é cometida, surge a pretensão punitiva do Estado, que será levada a juízo por meio da ação penal. Ela é exercida por meio de órgão do Estado, o Ministério Público, que tem o exercício da ação penal, mas essa não lhe pertence, mas sim ao Estado. [...] Como o Estado tem o dever jurídico de reintegrar a ordem jurídica abalada com o crime, o Ministério Público tem o dever de promover a ação penal de ofício..

Princípio da indisponibilidade: o Ministério Público tem o dever de promover a ação penal pública incondicionada [...]. Não pode, portanto, desistir da ação, transigindo ou acordando (o que vale tanto para a ação penal pública incondicionada como para a condicionada). Princípio da legalidade ou obrigatoriedade: presente nos países em que o sistema determina a obrigatoriedade do Ministério Público iniciar a ação penal. [...] é o princípio que melhor atende aos interesses do Estado.

Princípio da indivisibilidade: tanto a ação penal pública como a privada é indivisível, sendo obrigatório que abranja todos os que praticaram a infração. Sendo dever do Ministério Público, o promotor não pode escolher quem será o réu.

Princípio da intranscendência: ação penal é proposta apenas contra quem se imputa a prática da infração. Ainda que em decorrência de um crime, outra pessoa tenha a obrigação de reparar um dano, a ação penal não pode abarcá-la. A reparação deverá ser exigida na esfera cível.

130 ___________. Ação Penal Pública Incondicionada. Wikipedia. Disponível em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/A%C3%A7%C3%A3o_penal_p%C3%BAblica_incondicionada Acesso em: 19 out. 2009.

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Essas são as considerações fundamentais sobre o assunto,

razão pela qual inicia-se o estudo da ação penal pública condicionada à

representação.

3.3.2 No caso de crime de Ação Penal Pública Condic ionada à

Representação

Em alguns casos, por exceção, o legislador adotou a opção

de condicionar a intervenção estatal (nas fases investigatória e processual) a uma

manifestação prévia da vítima ou de seu representante, por entender que, no

caso concreto, o interesse individual do ofendido na aplicação do Direito Penal

àquele caso prepondera sobre o interesse coletivo da sociedade.

Ação Penal Pública Condicionada é assim definida por

TOURINHO citado por CAPEZ131:

É aquela cujo exercício se subordina a uma condição. Essa condição tanto pode ser a manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal (representação), como também a requisição do Ministro da Justiça [...].

Sobre o tema, leciona SOUZA132:

A manifestação da vítima com vistas a provocar a atuação do Estado em relação a essas infrações penais se dá através de um documento denominado “representação” [...] a qual poderá ser previamente escrita e entregue à autoridade policial, ao órgão do Ministério Público (Promotor de Justiça, no caso desta lei) ou ao Juiz, ou ainda, consistir em um relato oral, hipótese em que será tomada por escrito (CPP, art. 39 e parágrafos). Uma vez apresentada essa “representação” está suprida uma condição específica para a futura ação penal e para instauração de inquérito policial, denominada de “condição de procedibilidade”, sem a qual a Polícia (autoridade policial) e o Ministério Público não estão autorizados a agir. [...] deve ser apresentada, em regra, no prazo de seis meses, contados da data em que a vítima ou seu representante tomaram conhecimentos da ocorrência do fato e de quem seria o seu autor, pois, caso contrário, ocorrerá a

131 CAPEZ, Fernando.Curso de Processo Penal .14ª ed. São Paulo:Saraiva, 2007. p. 122. 132 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

97.

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decadência (CPP, art. 38), gerando a extinção da punibilidade (CP, art. 107, IV, 2ª figura).

Talvez o delito mais recorrente nessa modalidade de ação

penal, cometido sob a égide da Lei nº 11.340/06, seja o de ameaça, previsto no

artigo 147 do Código Penal, já que o delito de lesão corporal leve (artigo 129,

caput do Código Penal) para muitos, passou a ser de ação penal pública

incondicionada conforme denota-se adiante.

3.3.2.1 A representação no crime de lesão corporal leve

O crime de lesão corporal leve (artigo 129, caput do Código

Penal) apresentou-se como de ação penal pública incondicionada, até o advento

da Lei nº 9.099/95133, a qual estabeleceu, em seu artigo 88:

Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.

Portanto, o delito em comento, passou a ser de ação penal

pública condicionada à representação, além de receber a característica de

“infração de menor potencial ofensivo”, por força do previsto no artigo 61 da Lei nº

9.099/95.134

Ocorre que, o artigo 41 da Lei Maria da Penha, conforme já

mencionado, afastou a aplicação da Lei nº 9.099/95 quando o crime envolve

violência doméstica e familiar contra a mulher.

Logo, os institutos despenalizadores previstos pela Lei nº

9.099/95 estão afastados quando o crime envolve violência doméstica e familiar

contra a mulher, independente da pena cominada, conforme conclui BASTOS135:

133 BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. 134 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

104. 135 BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha".

Alguns comentários. Jus Navigandi , Teresina, ano 10, n. 1189, 3 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9006>. Acesso em: 16 out. 2009.

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Deste modo, [...] qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe transação penal nem suspensão condicional do processo nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade, não se lavra termo circunstanciado (em caso de prisão em flagrante, deve ser lavrado auto de prisão em flagrante e, se for o caso, arbitrada fiança), deve ser instaurado inquérito policial (com a medida paralela prevista no art. 12, III, e §§ 1º e 2º da Lei nº 11.340/06), a denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será o previsto no Código de Processo Penal, em se tratando de lesão corporal leve a ação penal será de iniciativa pública incondicionada etc.

No mesmo sentido, manifesta-se CABETTE, citado por

DIAS136:

Parece irretorquível que a partir da vigência da Lei 11.340/2006 retornou a ação penal a ser pública incondicionada, mesmo nos casos de lesões leves [...] Isso porque não é no Código Penal que se vai encontrar o dispositivo que determina a ação penal pública condicionada para as lesões leves em geral, e sim no artigo 88 da Lei nº 9.099/95. O raciocínio é simples: se a Lei 9.099/1995 não se aplica mais aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, inexistindo qualquer ressalva, conclui-se que não se aplica por inteiro, inclusive o seu artigo 88, de forma que no silêncio do Código Penal, reintegra-se a regência do artigo 100 do CP, que impõe a ação penal pública incondicionada.

Esse também é o posicionamento de WELTER, GOMES e

BIANCHINI, citados por DIAS137, todavia com a seguinte ressalva:

A mudança na natureza da ação só tem pertinência nos crimes dolosos, porque nestes tem relevância a situação da mulher como vítima; parece não ter nenhum sentido a alteração nos crimes culposos que justifiquem o afastamento da exigência de representação.

Por sua vez, CUNHA e PINTO138, analisando a origem da

norma, destacam que o projeto de lei original da Lei Maria da Penha previa ação

penal pública condicionada, contudo não vingou a disposição, restando imposta a

ação penal pública incondicionada: “Sob essa perspectiva ratio legis foi, sem

dúvida, no sentido de afastar o raio de incidência da Lei 9.099/95 dos crimes

praticados contra a mulher com violência doméstica e familiar”.

136 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 117-118. 137 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 118. 138 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 205.

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Todavia, a doutrina não é unânime, de modo que uma parte

afirma que continua a exigência de representação, conforme verifica-se do

posicionamento de NOGUEIRA139:

Condicionar a persecução penal à manifestação de vontade da vítima é medida de política criminal inerente à tradição de nosso processo penal e que por vezes servirá para resguardar valores que não podem ser esquecidos no âmbito da família, como a busca de harmonia no lar e de superação efetiva de situações em que houve violência em qualquer de suas formas. Trata-se de permitir à vítima que exerça a faculdade de colocar "pá de cal" em determinados casos em que a continuidade da persecução criminal serviria apenas para conturbar ainda mais o ambiente doméstico e atrapalhar eventuais propósitos de reconciliação. Entender de forma diversa, tendo tais infrações penais como de ação penal pública incondicionada, iria de encontro a tais propósitos e na contramão das tendências de nosso processo penal. Não é isso o que quis a lei. Se o legislador pretendesse abolir a representação nos casos em que a lei prevê referida condição de procedibilidade.

Sobre a necessidade de representação manifestam-se

CUNHA e PINTO140:

[...] invoca-se, ainda, a importância (e conveniência) de, nos casos de violência doméstica e familiar, se aguardar a consciente manifestação de vontade da vítima, pois, na esmagadora maioria das vezes, se percebe rápida reconciliação entre os envolvidos, servindo o processo penal apenas para perturbar a paz familiar, quando a finalidade do aplicador da lei deve ser, sempre, a preservação da família, restaurando a harmonia no lar.

Nesse sentido PORTO, citado por FURTADO141, afirma que

“a melhor interpretação é a que continuará a exigir esta condição de

procedibilidade em tal espécie delitiva”, pois:

[...] embora pareça irrecusável que, em muitos casos, a mulher vítima de violência doméstica sofrerá pressão para desistir da representação oferecida e que, [...], esta pressão poderá exercer

139 NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. Notas e reflexões sobre a Lei nº 11.340/2006, que visa

coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher . Jus Navigandi , Teresina, ano 10, n. 1146, 21 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8821>. Acesso em: 16 out. 2009.

140 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 202. 141 FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06 “Lei Maria da

Penha”. p. 87.

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acentuada influência em sua decisão, não é menos certo asseverar que a Lei 11.340/06 também visa minimizar ou a eliminar por completo esta constelação de fatores perversos, criando condições para uma decisão mais livre por parte da vítima.

Considerando serem fortes os argumentos tanto pela

manutenção da representação como pelo retorno à regra geral do artigo 100 do

Código Penal, que remete, na ausência de disposição ao contrário, os delitos em

geral à ação pena pública incondicionada, ficará a cargo da jurisprudência definir,

no caso concreto, a melhor solução par ao impasse.

3.3.3 No caso de crime de Ação Penal Privada

Sobre a Ação Penal Privada, discorre CAPEZ142: “É aquela

em que o Estado, titular exclusivo do direito de punir transfere a legitimidade para

a propositura da ação penal à vítima ou a seu representante legal.”

Comentando os aspectos processuais do instituto, leciona

SOUZA143:

[...] a renúncia consiste na abdicação ao direito de queixa, ou seja, [...] ao direito de apresentar ação penal privada em face do suposto agressor. [...] não há óbice a que a vítima apresente requerimento (CPP, art. 5º, II) e posteriormente venha a renunciar ao direito de queixa, desde que o faça respeitando o princípio da indivisibilidade da ação penal de iniciativa privada (CPP, art. 49) e antes do oferecimento da peça inicial acusatória (queixa crime).

O mesmo destaca a não aplicação do disposto no artigo 16

da Lei nº 11.340/06, para os crimes de ação penal privada:144

Não há motivo para que se pretenda sustentar que nas situações em que a renúncia é cabível (ação penal de iniciativa privada), haja necessidade de aplicar a formalidade inserida no art. 16 desta lei, isso porque nos casos em questão (crimes contra a

142 CAPEZ, Fernando.Curso de Processo Penal . p. 136. 143 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

99. 144 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

99-100.

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honra da mulher [praticados no ambiente doméstico ou decorrentes de vínculo afetivo], dano simples contra o patrimônio da mulher [para quem sustente a não incidência do disposto nos arts. 181-183 do CP] etc.), a vítima tem outros mecanismos para alcançar a extinção da punibilidade, sendo-lhe permitido inclusive conceder o perdão (CPP, art. 52) e dar ensejo à perempção (CPP, art. 60).

Assim, conclui-se que nos casos de ação penal privada, os

delitos cometidos sob a proteção da Lei Maria da Penha serão submetidos a regra

geral e não a “renúncia” prevista no artigo 16 da Lei em comento, que será objeto

de estudo próprio, a seguir.

3.3.4 A possibilidade de renúncia (retratação) na a udiência preliminar

Dispõe o artigo 16 da Lei nº 11.340/2006 sobre a

possibilidade de renúncia à representação nas ações penais públicas

condicionadas à representação da ofendida cujo crime for de violência doméstica

e familiar contra mulher. Para elucidação, transcreve-se o artigo em comento:

Art.16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Sobre o tema, leciona DIAS145:

O desejo de desistir da representação formalizada na polícia pode ser manifestado pela vítima ou por seu procurador. Feita por petição, será encaminhada ao juiz que designará audiência para a ouvida da ofendida. Também a vítima pode comparecer ao cartório e comunicar pessoal e oralmente a intenção de se retratar. Certificada pelo escrivão a manifestação da vítima, tal deverá ser comunicado de imediato ao juiz que designará audiência para ouvi-la, dando ciência ao Ministério Público. Encontrando-se o juiz nas dependências do fórum, a audiência pode ser realizada de imediato. Homologada a retratação, será comunicada a autoridade policial para que arquive o inquérito, por ter ocorrido extinção da punibilidade.

145 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 146.

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CUNHA e PINTO146, aduzem que os artigos 25147 do Código

de Processo Penal e 102148 do Código Penal devem ser desconsiderados nos

casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, passando a ser admitida

a retratação da representação mesmo depois do oferecimento da denúncia.

SOUZA149, todavia, entende que a renúncia prevista no

artigo 16 da Lei nº 11.340/06 ocorre somente antes da apresentação da denúncia.

Ao comentar sobre o termo renúncia, utilizado no dispositivo

legal em comento, CUNHA e PINTO150, esclarecem:

Sabendo que renúncia significa abdicação do exercício de um direito, clara está a impropriedade terminológica utilizada pelo legislador, quando, na realidade, pretendeu se referir à retratação da representação, ato da vítima (ou de seu representante legal) reconsiderando o pedido-autorização antes externado (afinal, não se renuncia a direito já exercido!) [...] Vê-se, assim, que a partir do advento da lei Maria da Penha, os arts. 25 do CPP, e 102 do CP, passaram a merecer uma nova leitura, de tal maneira que a retratação, nos casos de violência doméstica e familiar, passa a ser admitida mesmo após a oferta da denúncia.

No mesmo sentido, manifesta-se DIAS151:

[...] é necessário atentar que, em sede de violência doméstica, a representação é levada a efeito quando do registro da ocorrência, [...]. Assim, a posterior manifestação da vítima perante o juiz de não querer que a ação se instaure, se trata de “retratação à representação”. Portanto, atenderia à melhor técnica, tivesse o legislador utilizado a expressão “retratação” ou mesmo “desistência” ao admitir a possibilidade de a ofendida voltar atrás da representação levada a efeito perante a autoridade policial.

146 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 110. 147 Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia. (BRASIL, Decreto-

Lei nº 3689 de 3 de outubro de 1941. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 15 set. 2009).

148 Art. 102 - A representação será irretratável depois de oferecida a denúncia. (BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 18 set. 2009).

149 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p. 98.

150 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 109. 151 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 113.

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NUCCI152, ao discorrer sobre a retratação da vítima,

assevera:

Se o agressor já estiver indiciado e, especialmente, se possuir advogado constituído, não nos parece correto que a audiência seja designada sem a sua intimação (tanto do agressor, quanto do defensor). Fere-se o princípio constitucional da ampla defesa. O ato de retratação da representação pode implicar na extinção da punibilidade, logo, de interesse do agente do delito.

Diante da dificuldade em se definir a melhor interpretação

possível, aguarda-se a manifestação da jurisprudência pátria sobre o assunto.

3.4 A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS QUE OBRIGAM O

AGRESSOR

O artigo 22 dispõe sobre as medidas protetivas de urgência

que obrigam o agressor:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

152 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas . p. 1138.

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IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006).

Os §§1º ao 4º do artigo. 22, por sua vez, dispõem:

§ 1º. As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2º. Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei n º 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poder o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4º. Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Sobre as medidas protetivas de urgência que obrigam o

agressor BASTOS153 leciona:

Vinculadas à infração penal cuja ação seja de iniciativa pública, parece que só podem ser requeridas pelo Ministério Público, não pela ofendida, até porque são medidas que obrigam o agressor, não se destinando, simplesmente à proteção da ofendida. Sendo assim, não está ela legitimada a requerer tais medidas, o que só pode ser feito pelo titular da ação penal, porque não faria sentido poder ela promover a ação cautelar e não poder promover a ação principal.

153 BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha".

Alguns comentários. Jus Navigandi , Teresina, ano 10, n. 1189, 3 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9006>. Acesso em: 16 out. 2009

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Verifica-se que o legislador incluiu, dentre as medidas que

visam proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar seus familiares e

testemunhas, a possibilidade de se fixar limite mínimo de distância entre estes e o

agressor. DIAS154, discorre sobre as referidas medidas:

[...] andou bem o legislador em não definir a extensão da distância. Ainda que a falta de delimitação na lei possa gerar algumas discussões, melhor que a individualização do espaço de aproximação fica ao arbítrio do juiz, até porque, a depender de determinadas circunstâncias espaciais, a margem de segurança pode variar de caso a caso.

Sobre o tema, lecionam CUNHA e PINTO155:

Pode o juiz, assim, fixar, por exemplo, um raio de 500 metros, no qual o agressor não poderá se aproximar da ofendida. Nem sempre será fácil a observância dessa limitação e nem vai se exigir que o agressor porte uma fita métrica a fim de respeitá-la fielmente. Nesses casos, para garantir a eficácia da medida, é conveniente que o juiz imponha limites mais claros. Assim, por exemplo, determinando que o agressor não transite pela rua na qual a vítima mantêm residência, ou que ele não se aproxime do quarteirão onde instalada a casa da ofendida. [...] Tais medidas não devem se restringir a casa onde mora a vítima. Ao contrário, conforme assinalados acima, devem se estender a outros locais.

DIAS156, por sua vez, esclarece ainda que a medida que

obriga o agressor a não se aproximar da vítima num limite estipulado pelo juiz não

fere o direito a locomoção previsto no art. 5º, XV da CRFB/88, pois o direito a vida

está acima do direito a liberdade de locomoção do agressor:

Dita a vedação não configura constrangimento ilegal e em nada infringe o direito de ir e vir consagrado em sede constitucional (CF, art. 5º, XV). A liberdade de locomoção encontra limite no direito do outro de preservação da vida e da integridade física. Assim, na ponderação entre vida e liberdade há que se limitar esta para assegurar aquela.

Outra medida protetiva que poderá ser aplica logo depois de

constatada a violência doméstica e familiar contra a mulher é a proibição ao

154 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 85. 155 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 139-140. 156 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 85.

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agressor de comunicar com a vítima ou com os familiares e testemunhas da

ofendida:157

Outra restrição positiva é a possibilidade de proibição de contato do agressor com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação (art. 22, III, b). A vedação abrange diversas formas: telefone, carta, e-mail etc.

De acordo com art. 22, IV da Lei 11.340/2006, caso a

segurança da vítima esteja ameaçada, o juiz poderá, ainda, suspender ou

restringir as visitas do agressor aos filhos:158

Teve o cuidado o legislador de recomendar a prévia oitiva de equipe multidisciplinar ou serviço similar, antes de proferida a decisão. É que por vezes ocorre do agressor, a despeito dos ataques perpetrados à mulher, manter um bom relacionamento com os filhos.

Sobre o tema, DIAS159:

Tal possibilidade preserva a integridade física da vítima e não impede a convivência do ofensor com os filhos. Inclusive, a tendência é determinar que as visitas se realizem em ambiente terapêutico, para que o juiz possa contar com a colaboração do técnico que as acompanha para subsidiá-lo na hora de decidir o regime de visitações.

O juiz poderá também aplicar a medida protetiva de

prestação de alimentos provisionais ou provisórios, prevista no art. 22, inciso V da

Lei Maria da Penha. SOUZA160 discorre sobre a importância da prestação de

alimentos provisórios:

[...] tem como função o provimento liminar da subsistência do alimentando [...]. Os alimentos provisórios estão previstos na Lei 5.478/68 (art. 2º e 4º) e podem ser deferidos desde que o interessado exponha as suas necessidades e logre demonstrar, desde o inicio, a relação de parentesco com o requerido e a obrigação alimentar, ao passo em que os alimentos provisionais decorrem de tutela cautelar prevista no art. 852 e ss. Do Código

157 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 85. 158 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 143. 159 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 86. 160 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a M ulher . p.

132.

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de Processo Civil e dependem dos pressupostos normais da tutela cautelar em geral, ou seja, há necessidade de demonstração do fumus boni juris e periculum in mora.

Sobre o tema, conclui DIAS161: “[...] Não há como liberá-lo do

encargo de provedor da família. Seria um prêmio. A vítima pode requerer

alimentos para ela e os filhos, ou mesmo só a favor da prole.”

3.5 A QUESTÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

A Lei Maria da Penha também alterou o artigo 313 do

Código de Processo Penal que estabelece condições restritivas à decretação da

prisão preventiva, quando presentes os pressupostos do artigo 312162 do mesmo

Diploma Legal. A lei em comento acrescentou ao artigo 313 o inciso IV, in verbis:

Art. 313 [...]

IV- se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

BASTOS163 comenta a alteração ao artigo 313 do Código de

Processo Penal:

O inciso IV do art. 313 do Código de Processo Penal, como visto, alarga sobremaneira as hipóteses de cabimento de prisão preventiva, passando a comportá-la, em tese, de qualquer crime doloso, independente da pena cominada (injúria, ameaça, lesão corporal etc.), desde que resultado de violência doméstica e familiar contra a mulher, em sua concepção conceitual, e que as medidas protetivas de urgência previstas na “Lei Maria da Penha” não sejam suficientes para a tutela da vítima. (2008, pg.13).

161 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 87. 162 Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem

econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>).

163 BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha". Alguns comentários. Jus Navigandi , Teresina, ano 10, n. 1189, 3 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9006>. Acesso em: 16 out. 2009.

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Para DIAS164: “A inovação é bem-vinda, pois vem atender às

hipóteses em que a prisão em flagrante não é cabível”.

Na mesma vertente, manifesta-se CABETTE, citado por

CUNHA e PINTO165:

A utilidade dessa inovação é cristalina. Basta, para exemplificar, destacar a inocuidade da medida protetiva de urgência de proibição ao agressor de aproximação da ofendida, de seus familiares e da s testemunhas, fixando um limite mínimo de distância entre estes e o agressor (art. 22, III, a, da Lei 11.340/06). Tal determinação judicial desprovida de um instrumento coercitivo rigoroso não passaria de formalidade estéril a desacreditar a própria justiça.

Em sentido contrário, manifesta-se NUCCI166:

A inclusão do inciso IV no art. 313 não deve utilizada de forma indiscriminada. Se a intenção do legislador foi abrir um precedente para a possibilidade de decretação da custodia cautelar para delitos apenados com detenção (como lesão corporal simples), nos tempos atuais é preciso precaução. Ilustrando se o juiz decretar prisão preventiva daquele que responder por lesão corporal simples (pena mínima de três meses de detenção), diante do caótico quadro de lentidão da Justiça, é possível que o réu fique mais tempo preso cautelarmente do que, no futuro, tenha tempo de pena a cumprir.

CUNHA e PINTO167, por sua vez, observam:

A nova possibilidade que se inaugura para a decretação da prisão preventiva não pode ser interpretada de forma isolada, impondo, ao revés, que se atente ao preenchimento dos requisitos gerais de toda e qualquer prisão dessa espécie, mencionados no art. 312 do CPP. [...]. O art. 42 da lei, que ampliou a redação do art. 313 do CPP, permitiu a prisão preventiva “para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. [...]. Ocorre que várias dessas medidas possuem, inequivocamente, caráter civil. [...] se a medida protetiva é de caráter civil, a decretação da prisão preventiva, em um primeiro momento, violará o disposto nos arts. 312 e 313 do CPP, que tratam, por óbvio, da prática de crimes. E, pior, afrontará princípio constitucional esculpido no art. 5º, LXVII, que autoriza a prisão civil apenas nas hipóteses de dívida de alimentos [...].

164 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. p. 102. 165 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 120. 166 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. p. 1148. 167 , Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. p. 121-122.

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Assim, para aplicação correta da inovação trazida pelo inciso

IV, do art. 313, do Código de Processo Penal, é necessário que estejam

presentes os requisitos da prisão preventiva (art. 312 do Código de Processo

Penal), e que estejam sendo descumpridas as medidas protetivas de urgência

aplicadas em favor da vítima, quando de cunho penal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo principal analisar as

inovações trazidas no combate a violência doméstica e/ou familiar contra a mulher

com o advento da lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido em

três capítulos.

O primeiro capítulo referiu-se às leis do ordenamento jurídico

brasileiro que trataram da violência doméstica e familiar, destacando

principalmente a Lei nº 11.340/06 e apresentando os sujeitos destes crimes.

No segundo capítulo tratou-se das diversas formas de

violência previstas na Lei nº 11.340/06, que em seu artigo 7º, visa coibir, tais

como a violência física, violência psicológica, violência sexual etc.

E, no terceiro e último capítulo, analisou-se os aspectos

processuais da Lei Maria da Penha, pois esta lei trouxe algumas modificações em

relação aos demais crimes, citando-se, por exemplo, a não aplicação da Lei nº

9.099/95 para os crimes envolvendo violência doméstica e familiar.

A pesquisa foi embasada nas seguintes hipóteses:

1º) A violência doméstica e familiar contra a mulher sempre

foi reprimida de forma específica na história do ordenamento jurídico brasileiro.

Não, a Lei nº 11.340/06 é a primeira lei que trata especificamente da violência

doméstica e familiar contra a mulher. Hipótese confirmada.

2º) A Lei Maria da Penha é exclusiva para a proteção da

mulher? Sim, conforme entendimento jurisprudencial dominante no momento, a

Lei Maria da Penha enfrenta a questão da violência de gênero tendo como sujeito

passivo exclusivamente a mulher. Hipótese confirmada.

3º) Tratando-se de crime remetido, caso seja cometido delito

de menor potencial ofensivo, ao agressor não poderão ser aplicadas as benesses

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da Lei nº 9.099/95. Sim, a Lei Maria da Penha expressamente proíbe a aplicação

dos benefícios da Lei nº 9.099/95. Hipótese confirmada.

Por fim, ressalte-se que o presente trabalho não tem a

finalidade exaurir a matéria, o estudo da Lei nº 11.340/06 é relativamente novo,

sendo que o trabalho visa destacar os aspectos processuais controversos da

referida legislação.

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"Maria da Penha". Alguns comentários. Jus Navigandi , Teresina, ano 10, n.

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ANEXO