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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO SUZANA DE FÁTIMA RUSSI Itajaí [SC], outubro/2007;

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

SUZANA DE FÁTIMA RUSSI

Itajaí [SC], outubro/2007;

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

SUZANA DE FÁTIMA RUSSI

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor MSc. Alexandre Macedo Tavares

Itajaí [SC], outubro/2007;

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AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus, por me iluminar com os Dons

do Espírito Santo: Sabedoria, Entendimento,

Conselho, Fortaleza, Ciência, Piedade e Temor.

Aos meus pais, pela oportunidade e incentivo aos

estudos. A minha irmã Joana, pela força. Ao meu

noivo Leandro, pelo amor e compreensão. E as

amigas 4X4, eternas companheiras, em especial

a Katleen, pelo exemplo de dedicação e

perseverança frente às dificuldades. A equipe do

escritório, que me ajudaram e supriram as minhas

faltas. E ao Professor e Mestre Alexandre Macedo

Tavares, pela orientação e disposição em sanar

minhas dúvidas.

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DEDICATÓRIA

Dedico aos meus pais, Rose e João Amadeu, que

conquistaram tudo o que têm com trabalho e

amor, e que apesar de não terem a oportunidade

de completar seus estudos, deram valor a este

momento e me estimularam. Este trabalho dedico

àqueles que me incentivaram sempre e foram

compreensivos com a minha ausência ao longo

desta jornada.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí[SC], setembro/2007.

Suzana de Fátima Russi Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Suzana de Fátima Russi, sob o

título A eficácia do princípio da capacidade contributiva no ordenamento jurídico

brasileiro, foi submetida em [Data] à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: [Nome dos Professores] ([Função]), e aprovada com a

nota [Nota] ([nota Extenso]).

Itajaí[SC], setembro/2007.

Professor Mestre Alexandre Macedo Tavares

Orientador e Presidente da Banca

[Professor Título Nome] Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CRFB/88

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

CTN

Código Tributário Nacional.

ART.

Artigo.

IPVA

Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores.

ICMS

Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços.

IPI

Imposto sobre produtos industrializados.

II

Imposto sobre a importação de produtos estrangeiros.

IE

Imposto sobre a exportação de produtos nacionais ou nacionalizados.

IOF

Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro.

IPTU

Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.

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vii

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Princípio

“É o mandamento nuclear de um sistema, ou se preferir, o verdadeiro alicerce

dele. Trata-se de disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas

compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e

inteligência. O princípio, ao definir a lógica e a racionalidade do sistema

normativo, acaba por lhe conferir a tônica e lhe dar sentido harmônico”. 1

Princípio do Não- consfisco

“Princípio básico em relação ao tributo e que é aquele pelo qual nunca se deve

expandir ou crescer até afetar a atividade ou a produção da pessoa ou entidade

tributada... assim o tributo não deve ser antieconômico ou antisocial”. 2

Princípio da Isonomia

“É a proibição do tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em

situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação

profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação

jurídica dos rendimentos, títulos e direitos”. 3

Competência Tributária

“É a possibilidade de criar, in abstrato, tributos, descrevendo, legislativamente,

suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas

bases de cálculo e suas alíquotas”. 4

1 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 80.

2 PACHECO, Cláudio. Tratado das Constituições Brasileiras, v. III, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965, p. 397.

3 Artigo 150, II, da Constituição de 1988.

4 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 467.

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viii

Limitações ao Poder de Tributar

“Pode-se dizer que as limitações constitucionais ao poder de tributar colaboram

para a fixação do campo competencial das pessoas de direito público com

capacidade política, no que diz respeito à criação de tributos”. 5

Princípio da Capacidade contributiva

“Soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades elementares

de existência, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o

padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas atividades econômicas”. 6

Mínimo Vital

“Os recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas

das pessoas, garantidas pela Constituição, especialmente em seus arts. 6º e 7º

(alimentação, vestuário, lazer, cultura, saúde, educação, transporte etc.), não

podem ser alcançados pelos impostos. Tais recursos devem ser salvaguardados

pela cuidadosa criação de situações de não incidência ou mediante oportunas

deduções, legislativamente autorizadas”. 7

Tributo Extrafiscal

“Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de

finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de

comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores

constitucionalmente consagrados”. 8

Tributo não-vinculado

“Um tributo é não vinculado quando não está atrelado a uma atividade especifica

do Estado. O pagamento de um imposto por parte do contribuinte não condiciona o

ente tributante (seja ele a União, o Estado, o Distrito Federal ou os Municípios) a

5 BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 700.

6 SOUSA, Rúbens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Ed. Póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1981, p. 95.

7 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 12ª ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 74.

8 ATALIBA, Geraldo. IPTU – Progressividade, Revista de Direito Público, nº. 93, p.233.

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ix

especificar qual a finalidade desta contribuição. Não é necessário que o ente

tributante dê uma destinação específica. Independe de uma atividade específica”. 9

Vigência

“É atributo de norma válida (norma jurídica), consistente na prontidão de produzir

os efeitos para os quais está preordenada, tão logo aconteçam os fatos nela

descritos, podendo ser plena ou parcial (só para fatos passados ou só para fatos

futuros, no caso de regra nova)”. 10

Eficácia

“Eficácia técnica‟ é a qualidade que a norma ostenta, no sentido de descrever

fatos que, uma vez ocorridos, tenham aptidão de irradiar efeitos jurídicos, já

removidos os obstáculos materiais ou as impossibilidades sintáticas (na

terminologia da Tércio). „Eficácia jurídica‟ é o predicado dos fatos jurídicos de

desencadearem as conseqüências que o ordenamento prevê. E, por fim, a

„eficácia social‟, como a produção concreta de resultados na ordem dos fatos

sociais”. 11

9 GÓES , Hugo Eduardo Mansur . Uma análise dos principais aspectos do Direito Constitucional Tributário. Disponível em: < http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/18784/>, acesso em: 09/10/2007.

10 CARVALHO, Paulo de Barros citado por COUTO FILHO, Reinaldo de Souza. Considerações sobre a validade, a vigência e a eficácia das normas jurídicas. Disponível < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=21> , acesso em: 09/10/2007.

11 CARVALHO, Paulo de Barros citado por COUTO FILHO, Reinaldo de Souza. Considerações sobre a validade, a vigência e a eficácia das normas jurídicas. Disponível < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=21> , acesso em: 09/10/2007.

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x

SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................ XIII

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 .......................................................................................... 4

A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO ................................................ 4

1.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO; .................................................................... 4

1.2 CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO .......................................................... 7

1.2.1 Quanto ao conteúdo: materiais (substanciais) e formais; ....................... 7

1.2.2 Quanto à forma: escritas e não escritas (costumeiras); .......................... 9

1.2.3 Quanto ao modo de elaboração: dogmáticas e históricas .................... 11

1.2.4 Quanto à origem: promulgadas (democráticas, populares) e outorgadas

....................................................................................................................... 12

1.2.5 Quanto à estabilidade: imutáveis, rígidas, flexíveis e semi-rígidas ....... 14

1.2.6 Quanto à sua extensão e finalidade: analíticas (dirigentes) e sintéticas

(negativas, garantias) .................................................................................... 16

1.3 OBJETO E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES .......................................... 17

1.4 ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO ............................................................... 18

1.5 A CONSTITUIÇÃO COMO ORDEM NORMATIVA VEICULADORA DE

REGRAS E PRINCÍPIOS ...................................................................................... 19

1.5.1 Noção de princípio ................................................................................ 19

1.5.2 Função dos princípios ........................................................................... 21

1.5.3 Colisão entre princípios ......................................................................... 22

1.5.4 Distinção entre princípios e regras ........................................................ 23

1.6 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO .......................................................... 25

1.6.1 A supremacia como princípio constitucional ......................................... 25

1.6.2 A supremacia da CRFB/88 ................................................................... 26

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xi

CAPÍTULO 2 ........................................................................................ 28

LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO EXERCÍCIO DA

COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ........................................................... 28

2.1 A CRFB/88 COMO CARTA DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS ............... 28

2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: CONCEITO, EXERCÍCIO, TITULARIDADE 29

2.3 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA .............................. 30

2.4 BITRIBUTAÇÃO X BIS IN IDEM .................................................................... 34

2.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR ..................................................... 36

2.5.1 Imunidades tributárias ........................................................................... 37

2.5.2 Princípios constitucionais tributários ..................................................... 41

2.5.2.1 Princípio da estrita legalidade ............................................................ 41

2.5.2.2 Princípio da anterioridade .................................................................. 43

2.5.2.3 Princípio da irretroatividade ............................................................... 45

2.5.2.4 Princípio da isonomia ......................................................................... 46

2.5.2.5 Princípio do não-confisco ................................................................... 48

2.5.2.6 Princípio da liberdade de tráfego de pessoas e bens ........................ 49

2.5.2.7 Princípio da uniformidade geográfica ................................................. 50

2.5.2.8 Princípio da não-cumulatividade e seletividade ................................. 51

2.5.2.9 Princípio da proporcionalidade e progressividade.............................. 52

2.5.2.10 Princípio da não-discriminação em razão da procedência ou destino

....................................................................................................................... 53

2.5.2.11 Princípio da capacidade contributiva................................................ 53

CAPÍTULO 3 ........................................................................................ 55

O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ........................... 55

3.1 ORIGEM DA NOÇÃO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .......................... 55

3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO NO DIREITO BRASILEIRO ......... 58

3.3 CONCEITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .......................................... 59

3.4 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ABSOLUTA E CAPACIDADE

CONTRIBUTIVA RELATIVA ................................................................................ 60

3.5 FUNDAMENTO ECONÔMICO DO CONCEITO DE CAPACIDADE

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xii

CONTRIBUTIVA ................................................................................................... 62

3.6 DISCRIMINAÇÃO TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ... 63

3.7 NATUREZA DA NORMA ACOLHEDORA DO PRINCÍPIO ............................ 66

3.7.1 Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais ............................ 66

3.7.2 Eficácia e aplicabilidade da norma hospedeira do princípio da

capacidade contributiva ................................................................................. 68

3.8 A EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .......... 70

3.8.1 Aplicabilidade aos tributos não-vinculados a uma atuação estatal ....... 70

3.8.2 O alcance da expressão "sempre que possível" ................................... 73

3.8.3 Preservação do mínimo vital ou existencial .......................................... 75

3.8.4 Identificação do caráter extrafiscal de certos tributos ........................... 76

3.8.5 Elemento orientador da fixação da alíquota e base de cálculo e

indicador da natureza confiscatória do imposto ............................................. 78

3.8.6 Apuração da inconstitucionalidade da hipótese de incidência e da

imposição fiscal no caso concreto ................................................................. 80

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 83

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ............................................ 86

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xiii

RESUMO

Atrelado ao contexto das garantias constitucionais, cresce a

importância do princípio da capacidade contributiva, capitulado no art. 145, §1º da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo por finalidade

graduar os impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte,

respeitando o caráter pessoal. Mediante a utilização do método indutivo objetivou-

se analisar a origem, o fundamento e a eficácia do princípio da capacidade

contributiva no ordenamento jurídico brasileiro. Através da pesquisa, obtiveram-se

os seguintes entendimentos: a) a Constituição é uma ferramenta ou técnica de

organização do poder governamental, que expressa a vontade do constituinte e

ideologicamente visa a proteção dos interesses concretos do povo de forma

generalizada. De tal modo, emana a norma (gênero) que é dividida em regras e

princípios (espécies); b) os princípios jurídicos são enunciados lógicos,

generalizados, que vinculam o entendimento e a aplicação das normas jurídicas

que com eles se conectam, determinando suas diretrizes fundamentais;c) a noção

de capacidade contributiva tem origem no próprio surgimento do tributo, ou seja, é

preceito milenar; d) capacidade contributiva é potencial econômico, ou seja, a

soma de riqueza disponível para arcar com o ônus fiscal sem que se prejudique o

mínimo elementar do contribuinte, e sempre está relacionada ao princípio da

igualdade e do valor justiça; e) o grande efeito do princípio da capacidade

contributiva é limitar o poder de tributar e assegurar os direitos subjetivos do

cidadão-contribuinte.

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1

INTRODUÇÃO

O núcleo da presente monografia é a investigação dos

aspectos fundamentais do princípio da capacidade contributiva no ordenamento

jurídico brasileiro, assim como seu alcance e eficácia à luz da Constituição, da

jurisprudência e da doutrina nacional.

O estudo desse tema é de extrema significância na ordem

tributária atual, justificando uma pesquisa aprofundada, não somente pele sua

importância prática, mas pela falta de consenso entre os doutrinadores, no que se

refere à eficácia e aplicabilidade.

Esta pesquisa tem como objetivos: institucional, produzir

monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale

do Itajaí – Univali; geral, investigar as notas peculiares do princípio da capacidade

contributiva, nos moldes como retratada pelo art. 145, § 1º da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988; específicos, 1) Identificar a origem e evolução

da noção de capacidade contributiva, seu conceito e fundamento; 2) analisar a

natureza da norma constitucional acolhedora do princípio, discorrendo sobre sua

eficácia e aplicabilidade, e, 3) Investigar o alcance da expressão “sempre que

possível”, expresso no dispositivo referente ao princípio, bem como a existência da

proteção do mínimo vital.

Para a investigação do objeto e alcance dos objetivos

propostos, adotou-se o método indutivo12, operacionalizado com as técnicas13 do

referente14, da categoria15, dos conceitos operacionais16 e da pesquisa bibliográfica,

12

O método indutivo consiste em „pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-

las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral‟. PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador de direito. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2001, p. 87.

13“Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 88.

14Referente “é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o seu alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especial-mente para uma pesquisa”. PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 63.

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2

em conjunto com as técnicas propostas por Colzani17, dividindo-se o presente trabalho

em três capítulos.

A pesquisa foi desenvolvida tendo como base os seguintes

problemas:

1ª È o princípio da capacidade contributiva uma mandamento

constitucional implícito ou explícito?

2ª Qual a natureza da norma acolhedora do princípio da

capacidade contributiva?

3ª Qual o efeito do princípio da capacidade contributiva no

ordenamento jurídico brasileiro?

Diretamente relacionadas a cada problema formulado, foram

levantadas as seguintes hipóteses:

a) A Constituição abriga o princípio da capacidade contributiva

em seu corpo, expresso no artigo 145, §1º.

b) A norma acolhedora do princípio da capacidade contributiva é

de natureza preceptiva, eficácia plena e aplicação imediata.

c) O efeito do princípio da capacidade contributiva é limitar o

poder de tributar objetivando assegurar os direitos subjetivos do

cidadão-contribuinte.

Para uma melhor abordagem das questões que norteiam o

princípio da capacidade contributiva, o trabalho foi dividido em três capítulos.

15Categoria “é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”.

PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 37.

16Conceito Operacional é a “definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 51.

17COLZANI, Valdir Francisco. Guia para elaboração do trabalho científico.

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3

No primeiro capítulo tratar-se-á da supremacia da Constituição,

com ênfase na classificação, no objeto, no conteúdo, nos elementos e no seu

desempenho como ordem normativa veiculadora de regras e princípios.

No segundo capítulo, discorrer-se-á acerca das limitações

constitucionais ao poder de tributar, abordando-se a característica, o conceito, a

titularidade e o exercício da competência tributária, as imunidades, a diferença entre a

bitributação e o Bis in idem, bem como a conceituação dos princípios constitucionais

tributários.

No terceiro e último capítulo, investigar-se-á os aspectos

estruturantes do princípio da capacidade contributiva no ordenamento jurídico

brasileiro, notadamente a questão de sua origem, evolução, fundamento, natureza da

norma acolhedora, aplicabilidade e eficácia.

O presente relatório da pesquisa se encerra com as

considerações finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

estabelecendo-se breve síntese de cada capítulo e demonstração sobre as hipóteses

básicas da pesquisa, verificando se as mesmas restaram ou não confirmadas.

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4

CAPÍTULO 1

A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

1.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO;

O vocábulo Constituição tem raiz no latim. Em sentido

próprio, constitűtiõ-õnis expressa natureza, estado, condição; em sentido

abrangente, assume a possibilidade de ser uma disposição legal, instituição. O

termo, com o passar do tempo, ganhou sentido jurídico-político após muitos

debates entre juristas a partir da idade média, assumindo definitivamente o

conteúdo como conhecido hoje por influência do idioma francês.

Silva apresenta um conceito de Constituição múltiplo e

abrangente:

A palavra constituição é empregada com vários significados, tais

como: (a) „Conjunto de elementos essenciais de alguma coisa: a

constituição do universo, a constituição dos corpos sólidos‟; (b)

„Temperamento, compleição do corpo humano: uma constituição

psicológica explosiva, uma constituição robusta‟; (c) „Organização,

formação: a constituição de uma assembléia, a constituição de

uma comissão‟; (d) „O ato de estabelecer juridicamente: a

constituição de dote, de renda, de uma sociedade anônima‟; (e)

„Conjunto de normas que regem uma corporação, uma instituição:

a constituição da propriedade‟; (f) „A lei fundamental de um

Estado‟. 18

Quanto ao conceito técnico jurídico de Constituição, cita-se

novamente o entendimento de Silva:

A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria,

então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema

de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma

18 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26 ed., São Paulo:

Malheiros, 2006, p. 37.

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5

do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o

exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites

de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as suas

respectivas garantias. 19

Isto é, o emaranhado de normas, princípios e preceitos que

disciplinam intrinsecamente os elementos constitutivos de um Estado titular-se-á

de Constituição.

No momento é propício se ater ao conceito ligado ao sentido

jurídico, ou seja, o de que Constituição é a lei fundamental de um Estado. Neste

sentido alega Carvalho:

que melhor se definirá a Constituição como o estatuto jurídico

fundamental da comunidade, isto é abrangendo, mas não se

restringindo estritamente ao político e porque suposto este, não

obstante a sua hoje reconhecida aptidão potencial para uma

tendencial totalização, como tendo, apesar de tudo, uma

especificidade e conteúdo material próprios, o que não autoriza a

que por ele (ou exclusivamente por ele) se defina toda a vida de

relação e todas as áreas de convivência humana em sociedade e

levará à autonomização do normativo-jurídico específico (neste

sentido, total – e não apenas tendencialmente – é o Direito), bem

como a distinção, no seio da própria Constituição, entre a sua

intenção ideológica-política e a intenção jurídica stricto sensu.

Com este sentido também poderemos, então, definir a

Constituição como a lei fundamental da sociedade. 20

Guetzévitch apud Moraes21 expressa que “a Constituição de

cada país é sempre um compromisso entre as tradições políticas existentes”, ou

seja, o país tem sua Constituição como fruto da história política vivida.

Quanto ao ponto de vista material, Bonavides doutrina que a

Constituição é “o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à

19

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 37-38.

20 CARVALHO, Virgílio de Jesus Miranda. Os valores constitucionais fundamentais: esboço de uma analise axiológico-normativa. Coimbra: Coimbra Editora, 1982, p. 13.

21 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 03.

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distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos

direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”. 22

A Constituição representa um momento de redefinição das

relações políticas e sociais desenvolvidas no seio de

determinada formação social. Ela não apenas regula o

exercício do poder, transformando a potestas em auctoritas,

mas também impõe diretrizes específicas para o Estado,

apontando o vetor (sentido) de sua ação, bem como de sua

intenção com a sociedade. A Constituição opera força

normativa, vinculando, sempre, positiva ou negativamente,

os poderes públicos. 23

Conforme Canotilho, o conceito ideal de Constituição foi

imposto a partir do triunfo do movimento constitucional no início do século XIX:

este conceito ideal identifica-se fundamentalmente com os

postulados políticos-liberais, considerando-os como elementos

materiais caracterizadores e distintivos os seguintes: (a) a

constituição deve consagrar um sistema de garantias da liberdade

(esta essencialmente concebida no sentido do reconhecimento de

direitos individuais e da participação dos cidadãos nos actos do

poder legislativo através do parlamento); (b) a constituição contém o

princípio da divisão de poderes, no sentido de garantia orgânica

contra os abusos dos poderes estaduais; (c) a constituição deve ser

escrita (documento escrito). 24

Aristóteles já associava Constituição a governo, como se

este fosse de fato condição daquela: “Visto que as palavras constituição e

governo significam a mesma coisa, visto que o governo é autoridade suprema nos

Estados (...) O governo é a ordem estabelecida, na distribuição das

magistraturas”. 25

22

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 80.

23CLÉVE.Clemerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 41.

24CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p.62.

25ARISTÓTELES. A Política, São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 115-230.

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Neste mesmo sentido, Bonavides também associa Estado e

Constituição alegando que, “não há Estado sem Constituição, Estado que não

seja constitucional, visto que toda sociedade politicamente organizada contém

uma estrutura mínima, por rudimentar que seja”. 26

Em suma, a Constituição nada mais é que uma ferramenta

ou técnica de organização do poder governamental, expressando a vontade do

constituinte e ideologicamente visando a proteção dos interesses concretos do

povo de forma generalizada.

1.2 CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

Uma Constituição pode ser classificada: quanto ao

conteúdo, forma, modo de elaboração, origem, estabilidade, extensão e

finalidade.

1.2.1 Quanto ao conteúdo: materiais (substanciais) e formais;

Quanto ao conteúdo, com apoio em Kelsen, tem-se a

Constituição em sentido material e formal:

Da Constituição em sentido material deve distinguir-se a

Constituição em sentido formal, isto é, a legislação, e também

normas que se referem à outros assuntos politicamente

importantes e, além disso, preceitos por força dos quais normas

contidas neste documento, a lei constitucional, não podem ser

revogadas ou alteradas pela mesma forma que as leis simples,

mas somente através de processo especial submetido a requisitos

mais severos. Estas determinações representam a forma da

Constituição, que, como forma, pode assumir qualquer conteúdo e

que, em primeira linha, serve para a estabilização das normas que

aqui são designadas como Constituição material e que são o

26

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 80.

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fundamento do direito positivo de qualquer ordem jurídica do

estado. 27

A Constituição material assinala o conjunto de normas

constitucionais escritas ou costumeiras, fixadas ou não em um texto singular, que

regulam a composição do Estado, a disposição de seus órgãos e os direitos

fundamentais.

Neste norte, Moraes elucida de forma objetiva acerca da

Constituição material: “consiste no conjunto de regras materialmente

constitucionais, estejam ou não codificadas em um único documento”. 28

De acordo com Bonavides, o aspecto material das

Constituições é o conteúdo básico e fundamental referente à composição e ao

funcionamento da ordem política:

Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas

pertinentes à organização do poder, à distribuição da

competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos

direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais. Tudo

quanto for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao

funcionamento da ordem política exprime o aspecto material da

Constituição. 29

Bastos igualmente conceitua a Constituição material como “o

conjunto de forças políticas, econômicas, ideológicas etc., que conforma a

realidade social de um determinado Estado, configurando a sua particular maneira

de ser”. 30

Quanto a Constituição em sentido formal, é aquela abarcada

em um documento solene estabelecido pelo poder constituinte e somente mutável

por processos e formalidades especiais previstos no próprio texto constitucional.

27

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 3ª Ed., Coimbra: Armênio Amado Editor, p. 310-311.

28MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 03.

29BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 80.

30BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 60.

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Neste caminho Canotilho revela que:

As constituições quando emanadas de um poder constituinte

democraticamente legitimado (1) que intencionalmente manifesta

a vontade de emanar um acto compreendido na esfera desse

poder; (2) de acordo com um procedimento específico; (3) são

consideradas como a fonte formal do direito constitucional. 31

Seguindo a mesma linha de raciocínio Silva discorre:

Constituição Formal é o peculiar modo de existir do Estado,

reduzido, sob forma escrita, a um documento solenemente

estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável

por processos e formalidades especiais nela própria

estabelecidos. 32

Igualmente leciona Moraes: “Constituição formal é aquela

consubstanciada de forma escrita, por meio de um documento solene

estabelecido pelo poder constituinte originário”. 33

1.2.2 Quanto à forma: escritas e não escritas (costumeiras);

A Constituição escrita é aquela disposta num texto escrito,

elaborado por um órgão constituinte ou imposta pelo governante, contendo, em

regra, todas as normas tidas como fundamentais sobre a estrutura do Estado, a

organização dos poderes constituídos, seu modo de exercício e limites de

atuação e os direitos fundamentais.

Silva conceitua como escrita a Constituição:

quando codificada e sistematizada num texto único, elaborado

reflexivamente e de um jato por um órgão constituinte, encerrando

todas as normas tidas como fundamentais sobre a estrutura do

Estado, a organização dos poderes constituídos, seu modo de

31

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional, p. 66.

32SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.41.

33MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 03.

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exercício e limites de atuação, os direitos fundamentais (políticos,

individuais, coletivos, econômicos e sociais). 34

Para Moraes a Constituição escrita:

é o mais alto estatuto jurídico de determinada comunidade,

caracterizando-se por ser lei fundamental de uma sociedade. A

isso corresponde o conceito de constituição legal, como resultado

da elaboração de uma Carta escrita Fundamental, colocada no

ápice da pirâmide normativa e dotada de coercibilidade. 35

Bastos alega que a Constituição em sentido formal só se

viabiliza se expressa num texto escrito. 36 A Constituição não escrita é a aquela

cujas normas não constam de um documento único e solene, baseando-se,

principalmente, nos costumes, na jurisprudência, em convenções e em textos

escritos esparsos.

Igualmente Moraes explica que: “Não escrita é o conjunto de

regras não aglutinado em um texto solene, mas baseado em leis esparsas,

costumes, jurisprudência e convenções (exemplo: Constituição inglesa)”. 37

Destaca Miranda:

Diz-se muitas vezes que a Constituição inglesa é uma

Constituição não escrita (unwritten Constitution). Só em certo

sentido este acerto se afigura verdadeiro: no sentido de que uma

grande parte das regras sobre organização do poder político é

consuetudinária; e, sobretudo, no sentido de que a unidade

fundamental da Constituição não repousa em nenhum texto ou

documento, mas em princípios não escritos assentes na

organização social e política dos Britânicos. 38

A doutrina aplica como sinônimo de Constituição não escrita

as expressões Constituição Costumeira e Constituição Consuetudinária.

34

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.41.

35MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p.4.

36BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 70.

37MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p.4.

38MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 1990. t. 1, p.126

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Bastos também faz sua conceituação:

As constituições costumeiras, que vêm a ser aquelas que resultam

da prática reiterada do povo de um costume constitucional, com a

consciência de ser juridicamente obrigatório, não se

compatibilizam com a rigidez constitucional. 39

Revela ainda que as normas costumeiras “têm nascimento

informal, produzidas que são por toda a coletividade e não por um órgão

especialmente designado para tal”. 40

De forma objetiva, conceitua-se Constituição escrita como

aquela disposta num texto singular, enquanto a não escrita ou costumeira como

aquela que não se assenta num texto formal, pois é composta por leis esparsas,

costumes, jurisprudência e convenções.

1.2.3 Quanto ao modo de elaboração: dogmáticas e históricas

Bastos explica que a Constituição dogmática “se

apresenta como produto escrito e sistematizado por um órgão constituinte, a

partir de princípios e idéias fundamentais da teoria política e do direito

dominante”. 41

Para Silva a Constituição dogmática apresenta-se “sempre

escrita, e é a elaborada por um órgão constituinte, e sistematiza os dogmas ou

idéias fundamentais da teoria política e do Direito dominantes no momento”. 42

A Constituição dogmática, portanto, é a preparada por um

órgão constituinte, em que sistematiza os princípios (dogmas) fundamentais da

teoria política e do direito predominante em certo momento, sendo sempre

escrita.

39

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 70.

40BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 70.

41MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 04.

42SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.41.

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Já a Constituição histórica, como afirma Silva, apresenta-se

de forma:

não escrita, é, ao contrário, a resultante de lenta formação

histórica, do lento evoluir das tradições, dos fatos sócio-políticos,

que se cristalizam como normas fundamentais da organização de

determinado Estado, e o exemplo ainda vivo é o da Constituição

inglesa. 43

Sinteticamente declara Moraes que a Constituição histórica “é

fruto da lenta e contínua síntese da História e tradições de um determinado povo”. 44

Concluindo, a Constituição histórica é decorrente de

vagarosa formação histórica, do pausado evoluir das tradições, dos fatos sócio-

políticos, que se perpetuam como normas fundamentais da organização de

determinado Estado, sendo sempre costumeira (não escrita).

1.2.4 Quanto à origem: promulgadas (democráticas, populares) e

outorgadas

Moraes esclarece que as Constituições promulgadas são “as

Constituições que derivam do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte

composta de representantes do povo, eleitos com a finalidade de sua elaboração

(exemplo: Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946, e 1988)”. 45

Na mesma acepção Silva ilustra: ”São populares as

constituições que se originam de um órgão constituinte composto por

representantes do povo, eleitos para o fim de elaborar e estabelecer”. 46

Bonavides doutrina que “as constituições populares ou

democráticas são aquelas que exprimem em toda a extensão o princípio político

43

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.41.

44MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 04.

45MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.

46SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.41.

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jurídico de que todo governo deve apoiar-se no consentimento dos governados e

traduzir a vontade soberana do povo.” 47

Por serem fruto de responsáveis eleitos pelo povo e

expressarem o interesse deste mesmo povo, as Constituições promulgadas

também são conhecidas como constituições populares ou democráticas.

As Constituições outorgadas, por outro lado, são as

impostas pelo governante, sem a participação popular. Moraes expõe que as

Constituições outorgadas são “as elaboradas e estabelecidas sem a participação

popular, através de imposição do poder da época (exemplo: Constituições

brasileiras de 1824, 1937, 1967 e EC n° 01/1969)”. 48

Silva informa quem são os personagens competentes para

elaborar a constituição outorgada: ”o governante - Rei, Imperador, Presidente,

Junta Governativa, Ditador – por si ou por interposta pessoa ou instituição,

outorga, impõe, concede ao povo”. 49

Bonavides revela que “a constituição outorgada é ato

unilateral de uma vontade política soberana”. 50

Moraes51 alega que “existem, ainda, as chamadas

constituições cesaristas, que são aquelas que, não obstante outorgadas,

dependem da ratificação popular por meio de referendo”. Silva considera esta

constituição como um modo de outorga por interposta pessoa.

Bonavides acrescenta nesta classificação a “Constituição

Pactuada, como sendo aquela que exprime um compromisso instável de duas

forças políticas rivais: a realeza absoluta debilitada e a burguesia, em franco

progresso. É uma forma de equilíbrio, surgindo a denominada monarquia limitada.

47

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 90.

48MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.

49SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 41.

50BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 89.

51MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.

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Como exemplo, há a Constituição francesa de 1791, as Constituições espanholas

de 1845 e 1876, a Constituição grega de 1844 e a búlgara de 1879.

1.2.5 Quanto à estabilidade: imutáveis, rígidas, flexíveis e semi-rígidas

Acerca das Constituições imutáveis, Moraes divulga que são:

as constituições onde se veda qualquer alteração, constituindo-se

relíquias históricas. Em algumas constituições, a imutabilidade

poderá ser relativa, quando se prevêem as chamadas limitações

temporais, ou seja, um prazo em que não se admitirá a atuação

do legislador constituinte reformador.52

Bastos revela que atualmente é inviável que um texto

Constitucional se apresente perpétuo, quando se sabe que é destinado a regular

a vida de uma sociedade em contínua mutação. 53

Para Silva, “não há constituição imutável diante da realidade

social cambiante, pois é ela apenas um instrumento de ordem, mas deverá sê-lo,

também, de progresso social”. 54

Sendo assim, a Constituição imutável é aquela onde se

proíbe qualquer alteração, porém não é admissível no momento hodierno.

Bonavides explica que as Constituições rígidas são aquelas

que não podem ser alteradas da mesma maneira que as leis ordinárias, pois

demandam um processo de reforma mais complicado e solene55.

Moraes relata que rígidas “são as constituições que poderão

ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o

52

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.

53BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 71.

54SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.42

55BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 83.

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existente para a edição das demais espécies normativas (por exemplo: CF/88 –

art. 60)”; 56

Igualmente Bastos profere:

é circunstância de certas Constituições escritas só podem ser

alteradas por um procedimento mais complexo e solene que

aquele previsto para a elaboração de leis ordinárias (ou

seja,mediante leis constitucionais formais). 57

A Constituição rígida é aquela apenas alterável mediante

processos, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis

que os de formação das leis infraconstitucionais. Esta rigidez deriva de um

procedimento previsto no texto constitucional, assim, só as Constituições escritas

podem ser classificadas como rígidas.

Moraes descreve que as Constituições flexíveis “em regra

não escritas, excepcionalmente escritas, poderão ser alteradas pelo processo

legislativo ordinário.” 58

Bonavides articula que a flexibilidade constitucional ocorre

tanto nas constituições costumeiras quanto nas constituições escritas. E que se

deve ficar atento para não errar ao classificar que toda Constituição costumeira é

flexível e toda a Constituição escrita é rígida. 59

Bastos propõe que as Constituições flexíveis “admitem a sua

modificação por um processo idêntico ao adotado para a produção legislativa (isto

é, por leis ordinárias)”. 60

Logo, a Constituição flexível é aquela que pode ser

livremente modificada pelo legislador ordinário segundo o mesmo processo de

elaboração das leis ordinárias. Tanto as Constituições escritas, como as

56

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.

57BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 71.

58MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.

59BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 83.

60BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 71.

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costumeiras, podem ser classificadas como flexíveis. Entretanto, a maioria da

doutrina entende não ser possível a existência de uma Constituição costumeira e

rígida, ou seja, todas as constituições costumeiras são flexíveis.

A Constituição semi-rígida é a aquela que contém uma parte

rígida e outra flexível. Como exemplo temos a Constituição de 1824 (a

Constituição do Império). Pelo fato de uma parte ser rígida, só as Constituições

escritas serão classificadas como semi-rígidas.

Moraes ressalta “que a Constituição Federal de 1988 pode

ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada

por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns

pontos é imutável (CF, art. 60, § 4° - cláusulas pétreas)”. 61

1.2.6 Quanto à sua extensão e finalidade: analíticas (dirigentes) e sintéticas

(negativas, garantias)

As Constituições analíticas “examinam e regulamentam

todos os assuntos que entendam relevantes à formação, destinação e

funcionamento do Estado.” 62

Bonavides arrazoa que as Constituições prolixas (analíticas)

são cada vez mais numerosas e que :

trata-se ora de minúcias de regulamentação, que melhor caberiam em

leis complementares, ora de regras ou preceitos até então reputados

pertencentes ao campo da legislação ordinária e não do Direito

Constitucional, em cuja esfera entram apenas formalmente, por

arbítrio do legislador constituinte, para auferir garantias que só a

constituição proporciona em toda a amplitude. 63

61

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 05.

62MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 06.

63BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 91.

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As Constituições analíticas (prolixas) trazem matéria alheia ao

Direito Constitucional propriamente dito, e, ainda, preocupa-se em regulamentar os

assuntos que tratam, deixando à legislação ordinária apenas um pouco deste papel.

Como exemplo encontra-se a atual Constituição brasileira.

Moraes pondera que as Constituições sintéticas “prevêem

somente os princípios e as normas gerais de regência do Estado, organizando-o e

limitando seu poder, por meio da estipulação de direitos e garantias fundamentais

(por exemplo: Constituição Norte americana)”. 64

Para Bonavides:

as constituições concisas ou breves (estas são as terminologias que o

autor utiliza para substituir sintética) resultam numa maior flexibilidade

que permite adaptar a Constituição a situações novas e imprevistas do

desenvolvimento institucional de um povo, a suas variações mais

sentidas de ordem política, econômica e financeira, a necessidades,

sobretudo, de improvisar soluções que poderiam, contudo, esbarrar na

rigidez dos obstáculos constitucionais.65

1.3 OBJETO E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES

Silva articula que as Constituições:

têm por objeto estabelecer a estrutura do Estado, a organização

de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de seu

exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias

dos indivíduos, fixar o regime político e disciplinar os fins sócio-

econômicos do Estado, bem como os fundamentos dos direitos

econômicos, sociais e culturais. 66

Neste mesmo norte, Bastos ensina que as Constituições têm

por conteúdo um conjunto de regras e princípios de maior força hierárquica dentro

64

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 06.

65BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 91.

66SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.43.

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do ordenamento jurídico e que tem por objeto organizar e estruturar o poder

político, além de definir os seus limites inclusive pela concessão de direitos

fundamentais ao cidadão. 67

1.4 ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO

As Constituições estão preenchidas de normas que incidem

sobre matérias diversas, mas que estão sistematizadas num todo organizado

coerentemente. Essas normas são agrupadas em títulos, capítulos e seções de

acordo com sua vinculação, originando assim os elementos das constituições.

A doutrina diverge quanto à caracterização e ao número de

elementos da Constituição. Adota-se a idéia de Silva68 com cinco categorias de

elementos:

(1) elementos orgânicos, que se contêm nas normas que regulam

a estrutura do Estado e do poder, e, na atual Constituição,

concentram-se, predominantemente, nos Títulos III (Da

Organização do Estado), IV (Da organização dos Poderes e do

Sistema de Governo), Capítulos II, III do Título V (Das Armadas e

da segurança Pública) e VI (Da Tributação e do Orçamento, que

constituem aspectos da organização e funcionamento do Estado);

(2) elementos limitativos, que se manifestam nas normas que

consubstanciam o elenco dos direitos e garantias fundamentais:

direitos individuais e suas garantias, direitos de nacionalidade e

direitos políticos e democráticos; são denominados limitativos

porque limitam a ação dos poderes estatais e dão a tônica do

Estado de Direito; acham-se eles inscritos no Titulo II de nossa

Constituição, sob rubrica Dos Direitos e Garantias Fundamentais,

excetuando-se os Direitos Sociais (Capítulo II), que entram na

categoria seguinte;

(3) elementos sócio-ideológicos, consubstanciados nas normas

sócio-ideológicas, que revelam o caráter de compromisso das

67

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 72.

68SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 44.

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constituições modernas entre o Estado individualista e o Estado

Social, intervencionista, como as do Capítulo II do Título II, sobre

os Direitos Sociais, e as dos Títulos VII (Da Ordem Econômica e

Financeira) e VIII (Da ordem Social);

(4) elementos de estabilização constitucional, consagrados nas

normas destinadas a assegurar a solução de conflitos

constitucionais, a defesa da constituição, do Estado e das

instituições democráticas, premunindo os meios e técnicas contra

sua alteração e infringência, e são encontrados no art. 102, I, a

(ação de inconstitucionalidade), nos arts. 34 a 36 (Da Intervenção

nos Estados e Municípios), 59, I, e 60 (Processo de emendas à

Constituição), 102 e 103 (Jurisdição constitucional) e Título V (Da

defesa do Estado e das Instituições Democráticas, especialmente

o Capítulo I, porque os capítulos II e III, como vimos, integram os

elementos orgânicos);

(5) elementos formais de aplicabilidade, são os que se acham

consubstanciados nas normas que estatuem regras de aplicação

das constituições, assim, o preâmbulo, o dispositivo que contém

as cláusulas de promulgação e as disposições constitucionais

transitórias, assim também a do § 1° do art. 5°, segundo o qual as

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm

aplicação imediata.

1.5 A CONSTITUIÇÃO COMO ORDEM NORMATIVA VEICULADORA DE

REGRAS E PRINCÍPIOS

A Constituição veicula regras e princípios, pois as normas da

Constituição tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a forma

de regras.

1.5.1 Noção de princípio

O vocábulo princípio descende do latim principium e

significa, em sua acepção tradicional, raiz, origem, início.

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20

Na esfera jurídica, o termo princípio tem a mesma acepção,

sendo seguidamente aplicada para definir as proposições estruturantes de um

sistema jurídico.

Bastos leciona que:

princípio é o mandamento nuclear de um sistema, ou se preferir, o

verdadeiro alicerce dele. Trata-se de disposição fundamental que

se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e

servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência. O

princípio, ao definir a lógica e a racionalidade do sistema

normativo, acaba por lhe conferir a tônica e lhe dar sentido

harmônico. 69

Para Carraza:

o princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito,

que, por sua grande generalidade, ocupa posição de

preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo,

vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das

normas jurídicas que com ele se conectam. 70

De acordo com Bandeira de Mello, citado por Tavares:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma

norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a

um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema

de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de

inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,

porque representam insurgência contra todo o sistema,

subversão de seus valores fundamentais, contumélia

irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura

mestra.71

69

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 80.

70CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 38.

71TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de Direito Tributário.3ª ed. Florianópolis: Momento Atual, 2006, p. 11.

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Bonavides publica que:

Outro conceito de princípio é aquele formulado pela Corte

Constitucional italiana, numa de suas primeiras sentenças, de

1956, vazada nos seguintes termos: „Faz-se mister assinalar que

se devem considerar como princípios do ordenamento jurídico

aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e

fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da

coordenação e da íntima racionalidade das normas que

concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o

tecido do ordenamento jurídico. 72

Neste sentido, os princípios constitucionais servem

justamente para orientar o hermeneuta, nessa difícil atividade de adaptação do

direito, posto às novas situações jurídicas que vão surgindo com a evolução da

sociedade.

1.5.2 Função dos princípios

Canotilho explica que:

os princípios são multifuncionais. Podem desempenhar uma

função argumentativa, permitindo, por exemplo denotar a ratio

legis de uma disposição ou revelar normas que são expressas por

qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas,

sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e

complementação do direito.73

Bastos apostila acerca de uma das funções dos princípios:

Embora não se possa dizer dos princípios que eles possam gerar

direitos subjetivos, desempenham eles, no entanto, uma função

transcendental dentro da Constituição. São eles que lhe dão

72

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 256.

73CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, p.167.

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feição de unidade ao Texto Constitucional, determinando suas

diretrizes fundamentais.74

Desta forma, os princípios ganham mais força, podendo

influenciar na interpretação, no conteúdo e podendo até tornar inconstitucionais

as regras que com eles conflitem.

Bastos revela que a função que sobressai às demais é a de

funcionar como critério de interpretação das demais normas não-

principiológicas.75

Logo, as leis são a base, mas para compreendê-las, e

identificar a sua essência, deve-se utilizar das diretrizes ofertadas pelos

princípios.

Canotilho, citado por Bastos, mostra que:

há princípios que se traduzem em normas da Constituição,

enquanto que outros pairam abstratamente sobre o ideal

constitucional conferindo-lhe tonalidade mas que não

propriamente um caráter normativo. Estes princípios exercem tão

somente função ordenadora sobre a vida jurídico-política do país e

se inferem da Constituição. 76

Concluindo, os princípios são vigas mestras do direito

constitucional, possuindo funções tanto de interpretação quanto de normatização.

1.5.3 Colisão entre princípios

A colisão é caracterizada pela possibilidade de aplicação de

mais de um princípio num único caso.

74

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 79.

75BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 79.

76BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 80.

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Canotilho doutrina que “O fato de a constituição constituir um

sistema aberto de princípios insinua já que podem existir fenômenos de tensão

entre os vários princípios estruturantes ou entre os restantes princípios

constitucionais gerais e especiais”. 77

O mesmo doutrinador segue explicando como proceder em

caso de colisão de princípios:

o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre

vários princípios e a necessidade, atrás exposta de aceitar que os

princípios não obedecem em caso de conflito, a uma „lógica do

tudo ou nada‟, antes podem ser objeto de ponderação e

concordância prática, consoante o seu „peso‟ e as circunstâncias

do caso. 78

Adverte Bonavides, citando o jurista Alexy:

“A colisão ocorre, por exemplo, se algo é vedado por um princípio,

mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve

recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica

seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele se

introduza”. 79

Portanto, quando ocorrer o confronto entre dois princípios,

deverá ser procedido o necessário balanceamento de valores, para que se possa

harmonizar a aplicação dos princípios ao caso concreto e regular sua convivência

no sistema.

1.5.4 Distinção entre princípios e regras

Tanto as regras quanto os princípios são duas modalidades

de normas jurídicas. Como sugere Canotilho, a distinção entre regras e princípios

é uma distinção entre duas espécies de normas.80

77

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, p.190.

78CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, p.190.

79BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 279-280.

80CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, p.166.

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Ao doutrinar sobre estas duas espécies de normas, o

mesmo autor discorre sobre diversas fórmulas que têm sido elaboradas como

critério de distinção:

Saber como distinguir, no âmbito do superconceito norma, entre

regras e princípios, é uma tarefa particularmente complexa.

Vários são os critérios sugeridos.

a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de

abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras

possuem uma abstração relativamente reduzida.

b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os

princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de

mediações concretizadoras (do legislador?do juiz?), enquanto as

regras são suscetíveis de aplicação direta.

c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito:

os princípios são normas de natureza ou com um papel

fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição

hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais)

ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex:

princípio do Estado de Direito).

d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são <standards>

juridicamente vinculantes radicados nas exigências de <justiça>

(Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz); as regras podem ser

normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.

e) Natureza normogenética: os princípios são regras

fundamentais, isto é, são normas que estão na base ou

constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso,

uma função normogenética fundamentante."

Por conseguinte, em face dos posicionamentos doutrinários

apresentados, cabe afirmar que os princípios são pautas de valores,

mandamentos de natureza nuclear do sistema jurídico, que direcionam e

concretizam a aplicação das normas jurídicas; podem ser os princípios tanto

expressos como implícitos, enquanto as regras só podem ser expressas. As

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regras , quando confrontadas entre si, podem expressar antinomias e se excluem,

enquanto os princípios não.

Por último, resta imperiosa a afirmativa de que, se as regras

para serem aplicadas devem observar os princípios que as instruem, estes são

hierarquicamente superiores às mesmas.

1.6 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

A Constituição, como Lei Fundamental, habita o topo da

pirâmide hierárquica das normas.

Ferreira Filho ilustra a procedência da supremacia da

Constituição :

A supremacia da Constituição decorre de sua origem. Provém ela

de um poder que institui a todos os outros e não é instituído por

qualquer outro, de um poder que constitui os demais e é por isso

denominado Poder Constituinte. 81

E segue o mesmo autor explicando o que é necessário para

garantir a superioridade da Constituição: “é preciso efetivar um crivo, um controle

sobre os atos jurídicos, a fim de identificar os que, por colidirem com a

Constituição, não são válidos.” 82

1.6.1 A supremacia como princípio constitucional

Canotilho explana que a supremacia como princípio

constitucional surge da idéia de que nenhuma norma poderá ser valorada se não

estiver em conformidade com a Constituição:

A superioridade normativa do direito constitucional implica, o

princípio da conformidade de todos os actos do poder político com

81

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 20.

82FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, p. 21.

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as normas e princípios constitucionais (cfr. CRP, art. 3°/3). Em

termos aproximados e tendenciais, o referido princípio pode

formular-se da seguinte maneira: nenhuma norma de hierarquia

inferior pode estar em contradição com outra de dignidade

superior (princípio da hierarquia), e nenhuma norma

infraconstitucional pode estar em desconformidade com as

normas e princípios constitucionais, sob pena de inexistência,

nulidade, anulabilidade ou ineficácia (princípio da

constitucionaliade). 83

Silva revela que o princípio da supremacia da Constituição

decorre da sua rigidez:

Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da

supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, „é

reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do

moderno direito politico‟[...] É, enfim, a lei suprema do Estado, pois

é nela que se encontram a própria estruturação deste e a

organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas

fundamentais do Estado, e só nisso se notará sua superioridade

em relação às demais normas jurídicas. 84

Desta forma, a Constituição como Lei Suprema ou

Fundamental, que inspira toda a estrutura do Estado, tem seu poder de

autoridade destacado pelo princípio da conformidade, onde todas as normas de

hierarquia inferior só terão validade se estiverem coerentes com os preceitos da

Constituição.

1.6.2 A supremacia da CRFB/88

Silva esclarece o motivo de nossa atual Constituição ter

força suprema:

Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e

suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra

fundamento e só ele confere poderes e competências

83

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, p.137-138.

84SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 45.

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governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos

Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos,

porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas

positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos

termos nela estabelecidos. 85

Sendo assim, a Constituição de 1988 é considerada lei

suprema, pois adjudica competências governamentais e possui toda autoridade

acerca dos mais diversos assuntos incorporados em seu texto.

No próximo capítulo será abordado as limitações

constitucionais acerca da competência tributária, os princípios, as imunidades e a

diferença de bi tributação e bis in idem.

85SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 46.

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CAPÍTULO 2

LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

2.1 A CRFB/88 COMO CARTA DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS

A Constituição de 1988 é uma carta que emana princípios

basilares de competência tributária, como ensina Melo:

A Constituição Federal estabelece um sistema escalonado de

normas, representado por uma autêntica pirâmide jurídica que,

visualizada de baixo para cima, compreende num patamar inicial o

seu próprio alicerce, denominado “princípios”...86

Machado revela que o ”instrumento de atribuição de

competência é a Constituição Federal, pois, a atribuição de competência tributária

faz parte da própria organização jurídica do Estado.” 87

A Constituição de 1988 é, portanto a carta jurídica que

atribui aos Entes políticos a competencia tributária, que é a prerrogativa de

instituir tributos. Neste sentido pondera Moraes:

A Constituição Federal, em regra, não institui tributos, mas sim

estabelece a repartição de competência entre os diversos entes

federativos e permite que os instituam com observância ao

princípio da reserva legal.88

Carrazza informa que a Constituição de 1988 possui normas

que disciplinam outras normas, dentre elas as que tratam de competências

tributárias:

86

MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 6. ed. Rev. Atual. São Paulo: Dialética, 2005, p. 15.

87MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 27.

88MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 766.

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Tais normas autorizam os legislativos da União, dos Estados, dos

Municípios e do Distrito Federal a criarem, in abstrato, tributos,

bem como a estabelecerem o modo de lança-los e arrecadá-los,

impondo a observância de vários postulados que garantem os

direitosdos contribuintes.89

Os Entes políticos possuem legislativo autônomo e

representativo, aptos a criar, tributos, ou seja, descrever todos os seus elementos

essenciais:

Portanto, a Constituição de 1988 não cria tributos, apenas

outorga competência aos Entes Políticos que deverão utilizá-las nos exatos

limites em que lhe fora confiada.

2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: CONCEITO, EXERCÍCIO, TITULARIDADE

Carrazza conceitua competência tributária como: “a

possibilidade de criar, in abstrato, tributos, descrevendo, legislativamente, suas

hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases

de cálculo e suas alíquotas.” 90

Tavares explica que: “É por intermédio do exercício da

competência tributária que as Pessoas Políticas dão azo ao nascimento dos

tributos originalmente previstos na Constituição.” 91

O mesmo autor pondera quanto ao encerramento da

competência:

O exercício da competência encerra-se juntamente com a edição

da lei, isto é, após regularmente editada, a competência tributária

cede lugar à denominada capacidade tributária ativa, relacionada

89

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 466.

90CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 467.

91TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de direito tributário, p. 44.

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com as atividades da administração, arrecadação e fiscalização

do tributo originariamente instituído. 92

Neste mesmo norte discorre Carrazza:

A competência tributária esgota-se na lei. Depois que esta for

editada, não há o que falar mais em competência tributária

(direito de criar o tributo), mas, somente, em capacidade

tributária ativa (direito de arrecadá-lo, após a ocorrência do

fato imponível). 93

Melo esclarece que a “titularidade dos tributos é outorgada

às pessoas políticas de Direito Público Interno (União, Estados, Distrito Federal e

Municípios) de conformidade com as diretrizes estabelecidas na Constituição

Federal.”. 94

2.3 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

A competência tributária é caracterizada pela privatividade,

indelegabilidade, incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e

facultatividade do exercício.

Quanto à característica da privatividade da pessoa política

para a qual foi outorgada a competência, Melo arrazoa:

As pessoas políticas são dotadas de privatividade para criar os

tributos que lhes foram reservados pela Constituição, o que, por

via oblíqua, implica a exclusividade e conseqüente proibição de

seu exercício por quem não tenha sido consagrado com esse

direito. 95

Carrazza explica a característica da privatividade:

92

TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de direito tributário, p. 44.

93CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 471.

94MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 139.

95MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 139.

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As normas constitucionais que discriminam as competências

tributárias encerram duplo comando: 1) habilitam a pessoa política

contemplada – e somente ela – a criar, querendo, um dado tributo;

e 2) proíbem as demais de virem a instituí-lo. 96

O artigo 7º do Código Tributário Nacional disciplina que a

competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou

fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas

em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra.

Melo discorre quanto à impossibilidade de transferir o direito

de instituir o tributo a outro ente:

O requisito da indelegabilidade proíbe que uma pessoa política

transfira o direito à instituição do tributo a outra pessoa,

simplesmente pela circunstância de que estaria sendo violado o

princípio federativo, que conferiu a cada esfera de governo

tributos e receitas distintas. 97

A Pessoa Política pode até se privar de exercitar a

competência, mas como explica Carrazza, não poderá delegá-la a terceiros:

As competências tributárias são indelegáveis. Cada pessoa

política recebeu da Constituição a sua, mas não a pode renunciar,

nem delegar a terceiros. É livre, até, para deixar de exercitá-la;

não lhe é dado, porém, permitir, mesmo que por meio de lei, que

terceira pessoa a encampe. 98

Carrazza elucida o provável motivo da indelegabilidade da

competência tributária:

Se União, Estado, Municípios e Distrito Federal pudessem

comutar livremente, seja por meio de leis, seja por meio de

convênios, suas competências tributárias, que tornamos a repetir-

lhes foram outorgadas pela Constituição, a decisão constituinte

96

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 483.

97MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 140.

98CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 615.

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seria, neste particular, absurdamente despida de força e prestígio,

por modificável de acordo com as conveniências episódicas das

pessoas políticas. 99

O mesmo autor explica que apesar de ser privativa, a

competência não é delegável, ou seja, o Ente não pode dispor sobre ela:

A indelegabilidade reforça a noção de que a competência

tributária não é patrimônio absoluto da pessoa política que a

titulariza. Esta pode exercitá-la, ou seja, criar o tributo, mas não

tem a total disponibilidade sobre ela. 100

Para Machado:

Tem-se (a) a competência tributária é indelegável; (b) as funções

de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços,

atos ou decisões administrativas em matéria tributária, podem ser

atribuídas a pessoas jurídicas de direito público; (c) a simples

função de arrecadar, função de simples caixa, pode ser atribuída a

pessoas de direito privado.101

Acerca da característica da incaducabilidade, Melo associa a

característica da facultatividade para destacar a possibilidade da Pessoa Política

privar-se de exercitar a competência:

A incaducabilidade e a facultatividade constituem pressupostos da

competência, em razão do que a falta de seu exercício não lhes

afasta o direito assegurado pela Constituição, que não

estabeleceu qualquer espécie de perda em razão de mera inércia

legislativa. 102

Nas palavras de Tavares:

A competência tributária é incaducável, ou seja, o seu exercício

não se encontra submetido à observância de um prazo fatal,

99

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 463-464.

100CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 464.

101MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 190.

102MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 140.

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Perdura no tempo o exercício da competência tributária

constitucionalmente confiada à Pessoa Política. 103

Neste sentido Carrazza expressa a impossibilidade jurídica

de decair o direito de criar os tributos que lhes foram confiados, pelo fato de não

ter praticado o exercício:

A competência tributária é, também, incaducável, já que seu não

exercício, ainda que prolongado no tempo, não tem o condão de

impedir que a pessoa política, querendo, venha a criar, por meio

de lei, os tributos que lhe forem constitucionalmente deferidos.

Perdura, pois, no tempo, sendo juridicamente impossível dizermos

que decaiu, por falta de aplicação ou exercício. 104

Melo leciona que a “inalterabilidade é contemplada como

elemento substancial da competência tributária, porque acode ao irrestrito

prestígio do princípio federativo, não podendo ser modificada a matéria

tributável.” 105

Da mesma forma doutrina Carrazza: “De fato, se é a própria

Constituição que define as dimensões da competência tributária das várias

pessoas políticas, estas não podem praticar atos que as ultrapassem.” 106

Conceitua Melo que a irrenunciabilidade significa que as

pessoas políticas “não detêm o direito de dispor das receitas tributárias, que lhes

são cometidas pela Constituição, o que não se confunde com o desinteresse no

efetivo exercício de sua competência.” 107

Carrazza dispõe sobre a impossibilidade de renúncia, seja

total ou parcial, do exercício das competências tributárias:

Da mesma maneira pela qual as pessoas políticas não podem

delegar suas competências tributárias, também não as podem

103

TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de direito tributário, p. 45.

104CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 624-625.

105MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 140.

106CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 628.

107MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 141.

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renunciar, quer no todo, quer em parte. Esta é matéria de direito

público constitucional, e, portanto, indisponível. União, Estado,

Municípios e Distrito Federal carecem do direito de renúncia ao

exercício das competências tributárias que receberam da Carta

Magna e que são essenciais à sua subsistência. 108

Para Carrazza, as pessoas políticas, conquanto não possam

delegar suas competências tributárias, “por força da própria rigidez de nosso

sistema constitucional, são livres para delas se utilizarem ou não.” 109

Tavares destaca a possibilidade de a Pessoa Política criar

tributo quando lhe for conveniente:

Muito embora indelegável e irrenunciável, o exercício da

competência tributária por parte da Pessoa Política não é

obrigatório, de modo que a exerce se quiser. A facultatividade é

uma decorrência natural de sua incaducabilidade. Explicamos: se

a competência tributária não se encontra submetida a prazo

decadencial qualquer, obviamente que a Pessoa Política pode

criar o tributo que lhe foi confiado quando lhe aprouver. 110

Sendo assim, a característica da facultatividade é uma

decorrência direta da incaducabilidade, apesar da existência da indelegabilidade e

da irrenunciabilidade do exercício da competência tributária.

2.4 BITRIBUTAÇÃO X BIS IN IDEM

Um tributo pode revelar-se inconstitucional quando adota

uma hipótese de incidência ou base de calculo já aplicada em outro, fato

classificado como bitributação ou bis in idem.

Melo esclarece:

108

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 629.

109CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 630.

110TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de direito tributário, p. 45.

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35

A bitributação (em termos científicos) consiste na dupla existência

de tributos, de modo ilegítimo, por parte de duas (ou mais)

pessoas de Direito Público, sendo caracterizada pela

compreensão dos elementos seguintes:

Competência tributária concorrente – há dois ou mais sujeitos

ativos exigindo tributos sobre a mesma situação (fato hábil a dar

nascimento à obrigação tributária);

Identidade de situação tributada – a mesma situação gera a

pretensão tributária de dois ou mais sujeitos ativos, que a

consideram atingida pela respectiva lei;

Incidência sobre a economia do sujeito passivo, gravando-o sob o

mesmo aspecto – o mesmo fato tributável, que criará o vínculo

obrigacional entre o Fisco e o contribuinte, é perseguido por mais

de uma pretensão tributária. 111

Quanto ao bis in idem, o já referido autor segue afirmando

que:

No bis in idem o fato jurídico é tributado por uma mesma pessoa

política (única titularidade ativa), mais de uma vez; podendo tratar-

se de simples adicional (uniformidade da espécie de tributo); além

de cogitar-se de uma mesma base imponível. É o que acontece

com o Imposto de Renda (art. 153, III, CRFB/88) e a Contribuição

Social sobre o Lucro (art. 195, I, c), em que ocorre um fato básico

(lucro), compreendido como resultado positivo (acréscimo

patrimonial), obtido pela pessoa jurídica ao final de um

determinado período de tempo. 112

Tavares conclui de forma objetiva e eficaz:

Eis o diferencial entre uma e outra. No bis in idem o encargo

adicional é criado pela mesma pessoa jurídica de direito público

interno, o que incorre na bitributação, que pressupõe a instituição

de um mesmo tributo por pessoas distintas. 113

111

MELO José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário, p. 143.

112MELO José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 145.

113TAVARES, Alexandre Macedo, Fundamentos de direito tributário, p. 47.

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Portanto, se a mesma Pessoa Política cria um tributo com a

mesma base de cálculo ou hipótese de incidência que previamente já havia

aplicado a outro, é considerado bis in idem. Já na bitributação, Pessoas Políticas

distintas instituem exigências fiscais sob uma mesma base de cálculo ou fato

gerador.

2.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

Visando o interesse geral, o exercício da competência

tributária não é considerado irrestrito, como revela Machado:

Cada uma das pessoas jurídicas de direito público, vale dizer, a

União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tem sua

competência tributária, que é, como já foi dito, uma parcela do

poder tributário. O exercício dessa competência, porém, não é

absoluto. O Direito impõe limitações à competência tributária, ora

no interesse do cidadão, ou da comunidade, ora no interesse do

relacionamento entre as próprias pessoas jurídicas titulares de

competência tributária. 114

Quanto às limitações do poder de tributar, Machado

fundamenta:

Em sentido restrito, entendem-se como Limitações do poder de

tributar o conjunto de regras estabelecidas pela Constituição

Federal, em seus artigos 150 a 152, nas quais residem princípios

fundamentais do Direito Tributário... 115

As limitações estabelecem o alcance do exercício da

competência, como explana Bastos: “Pode-se dizer que as limitações

constitucionais ao poder de tributar colaboram para a fixação do campo

114

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 190.

115MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 191.

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competencial das pessoas de direito público com capacidade política, no que diz

respeito à criação de tributos”. 116

Silva informa que os princípios estabelecem as limitações:

“Embora a constituição diga que cabe à lei complementar regular as limitações

constitucionais do poder de tributar (art. 146, II), ela própria já as estabelece

mediante a enunciação de princípios constitucionais da tributação”. 117

Segundo o posicionamento de Celso de Mello:

O exercício do poder tributário, pelo Estado, submete-se, por

inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional

que, de modo explícito ou implícito, institui em favor dos

contribuintes decisivas limitações à competência estatal para

impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias

existentes. Os princípios constitucionais tributários, assim, sobre

representarem importante conquista político-jurídica dos

contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos

individuais outorgados aos particulares pelo ordenamento estatal.

Desde que existem para impor limitações ao poder de tributar do

estado, esses postulados tem por destinatário exclusivo o poder

estatal, que se submete a imperatividade de suas restrições. (ADI

712-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-10-92, DJ

de 19-2-93)

2.5.1 Imunidades tributárias

Entre os limites ao poder de tributar estão proibições como

as imunidades. Acerca do vocábulo “imunidade”, Tavares revela:

Etimologicamente deriva do latim immunitas, immunitate, o qual

indica negação de múnus (ofício, cargo, função). Ainda sobre o

aspecto etimológico, temos que a sílaba latina in que antecede a

116

BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 700.

117SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 712.

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raiz assume o significado de “negação”, dando a idéia genérica de

desobrigação de encargo. 118

Acerca da imunidade tributária, Carrazza conceitua:

A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional.

As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do

assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades

tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em

função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a

determinados fatos, bens ou situações. 119

Machado explica que a imunidade limita o que pode ser

tributado:

Imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à

incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode

ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese

de incidência tributária aquilo que é imune. 120

Bastos fundamenta que dentre as limitações de tributar

dispostas nos artigos 150 a 152 da Constituição de 1988, há normas

propriamente ditas e princípios:

As imunidades tributárias estão previstas nos artigos 150, 151 e

152 da Constituição Federal. Acontece, entretanto, que, dentre

esses preceitos, uns são considerados princípios constitucionais

tributários, enquanto outros atuam como limitações propriamente

ditas121.

Tavares acrescenta informando que:

... o art. 150, inciso VI, não é o único preceito constitucional

patrocinador de regra imunizante, ex vi de outras hipóteses de

118

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 34.

119CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 676.

120MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 199.

121BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 701.

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imunidade consagradas pelos artigos 153, § 2º, II; 153, § 3º, III,

153, § 4º; 155, X, “a” e “b”, da Carta Magna. 122

Machado informa que as “entidades políticas integrantes da

Federação não podem fazer incidir impostos sobre as outras. Estão protegidos

pela imunidade o patrimônio, a renda e os serviços dessas entidades, e de suas

autarquias.”. 123

Vale consignar o disposto no § 2º do artigo 150 da CRFB/88:

§ 2º - O disposto na alínea a do inciso IV aplica-se,

exclusivamente, aos serviços próprios das pessoas jurídicas de

direito público a que se refere este artigo, e inerentes aos seus

objetivos.

Neste norte completa Machado:

A imunidade não se aplica (a) ao patrimônio, à renda e aos

serviços relacionamentos com a exploração de atividades

econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos

privados; (b) ou em que haja contraprestação ou pagamento de

preços ou tarifas pelo usuário. 124

Machado explica que nenhum imposto incidirá sobre bens e

atos relacionados a religião:

Nenhum imposto incide sobre os templos de qualquer custo.

Templo não significa apenas a edificação, mas tudo seja ligado ao

exercício da atividade religiosa. Não pode haver imposto sobre

missas, batizados ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre

qualquer bem que esteja a serviço do culto. Mas pode incidir

imposto sobre bens pertencentes à Igreja, desde que sejam

instrumentos desta. Prédios alugados, por exemplo, assim como

os respectivos rendimentos, podem ser tributados. Não a casa

122

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 35.

123MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 200.

124MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 200.

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paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado para

atividades religiosas, ou para residência dos religiosos. 125

Nos termos da Constituição de 1988, igualmente imunes à

incidência de impostos é o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos,

inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das

instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os

requisitos da lei;

Machado leciona que esta imunidade tem por objetivo atrair

particulares para colaborar com o Estado no desempenho de alguma de suas

funções sociais:

São também imunes as instituições de educação ou de

assistência social, sem fins lucrativos. ... Sendo a atividade

educacional, como inegavelmente é socialmente tão importante,

sua prática deveria ser estimulada, até porque isto certamente

atrairia um maior número de pessoas para o seu desempenho,

aliviando a pressão decorrente da grande demanda e da

insuficiente oferta de vagas nas escolas.126

Quanto a imunidade dos livros, jornais, periódicos e de papel

destinado a sua impressão, Tavares explica o duplo objetivo:

Qual seja garantir a liberdade de manifestação do pensamento,

bem como estimular a facilitar o acesso à cultura, com vistas na

desoneração da incidência de impostos sobre livros, jornais e

periódicos, isto é, sobre veículos difusores de informações, idéias,

conhecimentos, literatura, etc. 127

Ou seja, esta imunidade visa a estimular a produção de

informativos, para proporcionar a acessibilidade de informação a um maior

numero de pessoas.

125

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 203.

126MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 204.

127TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 36.

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2.5.2 Princípios constitucionais tributários

Como revela Tavares, quanto às limitações, “o que

verdadeiramente nos interessa, encontra-se estruturalmente encartadas na Lei

Maior sob a forma de princípios.”. 128

2.5.2.1 Princípio da estrita legalidade

Princípio que revela que os tributos não poderão ser

instituídos ou majorados senão através de lei, de acordo com os art. 5º II e art.

150 I da CRFB/88.

Art. 5º - (...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei;

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Para Machado, o princípio da legalidade possui duas

vertentes:

a) o de que o tributo deve ser cobrado mediante o consentimento

daqueles que o pagam, e;

b) o de que o tributo deve ser cobrado segundo normas

objetivamente postas, de sorte a garantir plena segurança nas

relações entre o Fisco e os contribuintes. 129

128

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 13.

129MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 5 ed. São Paulo: Dialética, 2004, p.21.

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O mesmo autor segue informando que o “tributo deve ser

consentido, vale dizer, aprovado pelo povo, por seus representantes nos

parlamentos.” 130

Bastos destaca a importância deste princípio por produzir

segurança ao contribuinte: “O princípio da legalidade é uma regra básica do

Sistema Tributário, historicamente das primeiras garantias a surgir em favor do

contribuinte e hoje ainda figuras como instrumento importante”. 131

Exceções ao princípio da legalidade

Alguns tributos podem ser majorados através de Decreto do

Poder Executivo. Acerca dessas exceções, disserta Machado:

As exceções ao princípio da legalidade, assim, dizem respeito

apenas a majoração de tributos, e mesmo esta só é admitida

dentro de certos limites fixados pela lei. Nestes termos, as

exceções ao princípio da legalidade são as mencionadas no §1º,

do art. 153, que faculta ao Poder Executivo, atendidas as

condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas

dos impostos sobre: a) importação de produtos estrangeiros; b)

exportação para o exterior, de produtos nacionais ou

nacionalizados; c) produtos industrializados, e d) operações de

crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores

mobiliários. 132

Sendo assim, todo tributo deverá ser previsto por lei e deve

estar em consonância com a lei, e a exceção diz respeito apenas a faculdade

concedida ao poder executivo de majorar as alíquotas dos impostos enumerados

nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição de 1988.

130

MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988, p.21.

131BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 697.

132MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988, p.53.

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2.5.2.2 Princípio da anterioridade

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios:

III - cobrar tributos:

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei

que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido

publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto

na alínea b;

Assunção destaca que o princípio da anterioridade e o

princípio da legalidade constituem as “principais salvaguardas dos contribuintes

contra a instituição ou majoração de tributo retroativo ou simultâneo à ocorrência

do fato gerador e sem prévia aprovação dos seus representantes na câmara

baixa.” 133

Bastos faz uma observação:

esse princípio vem-se enfraquecendo através do tempo. Em

Constituições anteriores exigia-se que o tributo já estivesse criado

por ocasião da aprovação da lei orçamentária, que é algo que se

dá em torno de setembro ou outubro, enquanto hoje não há mais

essa necessidade.134

Portanto, atualmente, mesmo depois de aprovada a lei

orçamentária o tributo poderá ser criado.

Exceções ao princípio da anterioridade

Tavares explica que a própria Constituição prevê exceções

ao princípio da anterioridade:

133

ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de direito na jurisprudência tributária. São Paulo: Atlas, 2000, p. 36.

134BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 698.

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O impostos sobre a importação de produtos estrangeiros (II);

O Imposto sobre a exportação, para o exterior, de produtos

nacionais ou nacionalizados (IE);

O Imposto sobre produtos industrializados (IPI);

O Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou

relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF);

Os impostos extraordinários, instituídos por motivo de guerra

externa ou sua iminência, de supressão gradativa tão logo

cessadas as suas causas motivadoras (previsto no art. 154, II, da

CRFB);

Os empréstimos compulsórios instituídos para atender a despesas

extraordinárias, decorrentes de calamidade, de guerra externa ou

sua iminência (art. 148 I, da CRFB);

Cumpre lembrar que esse rol não é exaustivo, tendo em vista que

muito embora não elencado no art. 150, §1º, da Lei Maior,

escapam também da anterioridade a Contribuição de Intervenção

no Domínio Econômico (CIDE) relativas às atividades de

importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás

natural e seus derivados e álcool combustível (CRFB, art. 177,

§4º, I, b), assim como a vedação do art. 150, inciso III, alínea “c”,

não se aplica aos tributos previstos nos artigos 148, I, 153, I, II, III

e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo do IPVA (art.

155,III) e IPTU (art. 156,I). 135

Por conseguinte, estas são as hipóteses de não observância

ao princípio da anterioridade, que estão enumeradas em diversos dispositivos

legais.

135TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 23-24.

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2.5.2.3 Princípio da irretroatividade

A lei tributária não pode retroagir, isto é, não pode ser

aplicada em relação a fatos geradores ocorridos antes do início de sua vigência

(art. 150 III, “a” da CRFB/88).

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios:

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da

vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

Para Bastos: “significa dizer que a lei nova, embora

produtora de efeitos imediatos, pode, em determinadas hipóteses, retroagir, sem

quebra de segurança para o indivíduo, que é a razão principal de ser da

irretroatividade”. 136

Segundo Machado:

O princípio da irretroatividade é instrumento da segurança jurídica.

Ele garante que os fatos anteriores à lei não serão por ela

alcançados e, assim, não produzirão as conseqüências por ela

estabelecidas. Ele nos permite impedir a incidência da lei evitando

a ocorrência do fato nela previsto. O fato já consumado terá

apenas os efeitos previstos na lei vigente na data de sua

ocorrência. Não efeitos a ele atribuídos por lei posterior. 137

Bastos se manifesta acerca da possibilidade de retroação

em benefício do contribuinte:

Com relação à retroação benéfica, não há controvérsia; parece

responder mesmo a um princípio de justiça ou ao menos a uma

necessidade de atualizar a lei ante as novas realidades socais.

Aliás, o próprio Texto Constitucional consagra esse princípio no

136

BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 698.

137MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988, p.95-96.

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art. 5.º, inc. XL, ao dizer “a lei penal não retroagirá, salvo para

beneficiar o réu”. 138

Assim sendo, o princípio da irretroatividade não será

aplicado se acarretar benefício ao contribuinte, observando-se o disposto no art.

106 do CTN.

Exceções ao princípio da irretroatividade

O Código Tributário Nacional expõe as exceções ao

princípio da irretroatividade:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa,

excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos

interpretados;

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência

de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não

tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na

lei vigente ao tempo da sua prática.

Portanto, a lei poderá ser aplicada em relação a fatos

geradores ocorridos antes de sua vigência, se, em relação as penalidades, for

mais favorável ao contribuinte e não tiver ocorrido a coisa julgada, ou, ainda, em

qualquer caso, quando a Lei for expressamente interpretativa.

2.5.2.4 Princípio da isonomia

Em caráter geral, o princípio da isonomia é expresso no

caput do art. 5º da CRFB/88:

138

BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 699.

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Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes;

Assunção explica que:

Ao dizer que todos são iguais perante a lei, a Constituição não

está determinando iguais direitos para todos,

indiscriminadamente; mas estabelecendo igualdade jurídica que

respeita as diferenças e garantindo que aos iguais nas diferenças

sejam assegurados iguais direitos. Essa peculiaridade do princípio

da igualdade é pedra angular do sistema tributário, explicando as

distorções das leis dos tributos que estabelecem tratamentos

diferentes na tributação, de um contribuinte para outro. 139

O princípio da isonomia ou da igualdade em matéria fiscal

expressa que a lei não poderá instituir tratamento desigual entre contribuintes que

se encontrem em situação análoga, proibida qualquer distinção em razão de

ocupação profissional ou função exercida:

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios:

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se

encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção

em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,

independentemente da denominação jurídica dos rendimentos,

títulos ou direitos;

Para Silva:

Aqui se cuida da igualdade “em sentido jurídico, como paridade de

posição, com exclusão de qualquer privilégio de classe, religião e

raça, de modo que os contribuintes, que se encontrem em idêntica

situação, sejam submetidos a idêntico regime fiscal”, que coincide

com a generalidade da imposição 140e que, para realizar a justiça

139

ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de direito na jurisprudência tributária, p. 231.

140Apud Victor Uckmar, Princípios comuns de direito constitucional tributário, São Paulo:

EDUC/RT, trad. de Marco Aurélio Greco, 1976;

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fiscal, depende de ser complementado com a igualdade em

sentido econômico, fundada no princípio da capacidade

contributiva. 141

Logo, poderá tratar diferentemente aos desiguais na exata

proporção das desigualdades.

2.5.2.5 Princípio do não-confisco

No âmbito do Direito Tributário esse princípio encontra

fundamento no art. 150, IV, da Constituição de 1988:

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios:

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

Segundo Melo, o princípio que veda o confisco:

Está atrelado ao princípio da capacidade contributiva, positivando-

se sempre que o tributo absorva parcela expressiva da renda, ou

da propriedade dos contribuintes, sendo constatado,

principalmente, pelo exame da alíquota, da base de cálculo, e

mesmo da singularidade dos negócios e atividades realizadas. 142

Para Machado:

O princípio do não-confisco, segundo o qual é vedado ao Poder

Público utilizar tributo com efeito de confisco, consubstanciado no

art. 150, inciso IV, da vigente Constituição Federal, é necessário

para tornar o tributo compatível com a garantia de livre exercício

de atividades econômicas. Se fosse possível tributo confiscatório,

estaria negada aquela garantia. Como a atividade econômica

141

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 713.

142MELO José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 34.

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constitui o suporte mais geral da tributação, bastaria a instituição

do tributo confiscatório para impedir o seu exercício. 143

2.5.2.6 Princípio da liberdade de tráfego de pessoas e bens

Este princípio encontra-se disposto na CRFB/88, em seu

artigo 150, V:

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios:

V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por

meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a

cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo

Poder Público;

Moraes ensina que:

A Constituição Federal pretende evitar que o Poder Público utilize-

se da criação de tributos para atingir, reflexamente, a liberdade de

deslocamento pessoal e patrimônio do indivíduo, prevendo a

vedação de cobrança de tributos interestaduais ou intermunicipais

como forma de estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou

bens, como corolária à garantia constitucional de liberdade de

locomoção prevista no art. 5º, XV. 144

Silva arrazoa acerca do pedágio e do princípio da liberdade

de trafégo de pessoas e bens:

Essa é uma regra complementar do direito à livre circulação de

pessoas e de bens. O pedágio não era considerado tributo, mas

uma forma de preço público. Agora, ao fazer a ressalva dele em

relação aos tributos, fica ainda maior dúvida quanto à sua

natureza. Enfim, ele está efetivamente no limiar do conceito de

tributo, tudo dependendo de se dar, ou não, razoável opção aos

143

MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. p.118.

144MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 789.

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usuários quanto a outra via não sujeita ao pedágio; mas, na

medida em que se expande a todas as rodovias, sua

caracterização tributaria se acentua. 145

Desta forma, os tributos não poderão ser utilizados como

limitadores do livre trânsito de pessoas ou bens dentro do território nacional,

ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias públicas. Veda-se, pois,

a criação de autênticas barreiras fiscais entre Estados ou Municípios.

2.5.2.7 Princípio da uniformidade geográfica

Este princípio está disposto no artigo 151, I, da Constituição

de 1988:

Art. 151 - É vedado à União:

I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território

nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a

Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de

outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a

promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre

as diferentes regiões do País;

Segundo Bastos: “os tributos têm que ser uniformes quando

instituídos pela União. Entendemos ser esta uma decorrência do princípio

federativo, que repele o tratamento desigual das unidades federadas”. 146

Silva explica que é “admitida a concessão de incentivos

fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico

entre as diferentes régios do País (art. 151, I)”. 147

O mesmo autor segue informando que o princípio da

uniformidade geográfica recebeu críticas:

145

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 715-716.

146BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, p. 700.

147SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 716.

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51

Por ser insustentável tal regra num país em que as desigualdades

geoeconômicas são tão marcantes, 148 situação que, ao contrário

requer tratamento diferenciado, a fim de que se possa executar

uma política fiscal niveladora da economia nacional; sente-se,

dissemos em outro trabalho, que o tratamento uniforme de

situações disformes contribui ainda mais para a deformação

existente e para agravar as desigualdades regionais. 149

Para Silva, deve-se proporcionar uma uniformidade

geográfica tratando as diversas regiões de forma niveladora, ou seja, tratando os

desiguais de forma desigual para poder igualar.

2.5.2.8 Princípio da não-cumulatividade e seletividade

Trata-se de princípio com base constitucional, aplicável ao

ICMS e ao IPI, nos seguintes termos:

Art. 153 - Compete à União instituir impostos sobre:

§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:

I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;

II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em

cada operação com o montante cobrado nas anteriores;

Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir

impostos sobre

§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em

cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação

de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo

ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

148

DÓRIA, Antônio Sampaio. Discriminação de competência impositiva, São Paulo, 1975, p. 185.

149SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 717.

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Quanto à não-cumulatividade, Assunção discorre:

O cálculo dos impostos indiretos da União (IPI) e dos Estados

(ICMS) é efetuado pelo expurgo do imposto pago na operação

anterior, de modo que seu valor seja deduzido do valor a pagar na

operação subseqüente, mediante mecanismo escritural de crédito

pela entrada da mercadoria ou produto, e débito pela saída

(CF/88, arts. 153, §3º, II e 155, §2º, I). Essa operação tolhe o

chamado efeito cascata, pelo qual os valores pagos nas

operações anteriores são acrescidos à base de cálculo das

operações posteriores. 150

Para Silva: “Na prática, isso se faz mediante um sistema de

crédito, pelo qual o contribuinte se credita de todo o imposto que pagou ao

adquirir os produtos (ou matéria-prima, no caso do IPI)...”. 151

Já quanto à seletividade, Tavares leciona que se trata de

“princípio afeto ao ICMS e IPI, sinalizando para a necessidade do ônus tributário

ser gravado com parcimônia pelo legislador, levando-se em consideração a

essencialidade do produto.” 152

É por este motivo que produtos supérfluos ou tidos como

danosos à saúde, como bebidas e cigarros, sujeitam-se a alíquotas mais

onerosas, por exemplo.

2.5.2.9 Princípio da proporcionalidade e progressividade

Tanto a progressividade, quanto a proporcionalidade, são

mecanismos jurídicos de graduação do tributo.

Para Tavares:

A proporcionalidade é materializada pelo emprego de alíquota fixa

e base de cálculo variável pela norma jurídico-tributária, enquanto

a progressividade implica na variação de alíquotas em função da

base de cálculo, isto é, quanto mais intenso o estereótipo objetivo

150

ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de direito na jurisprudência tributária, p. 310.

151SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 718.

152TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 32.

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da riqueza apresentado por uma pessoa, mais elevada será a

alíquota incidente sobre a base de cálculo legalmente eleita. 153

Logo, na progressividade as alíquotas variam de acordo com

a base de cálculo, enquanto na proporcionalidade a alíquota é fixa e a base de

cálculo é variável.

2.5.2.10 Princípio da não-discriminação em razão da procedência ou destino

Por força desse princípio, é vedado aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços,

de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino (art. 152 CRFB).

Para Tavares significa dizer:

A procedência ou destino dos bens e serviços, de qualquer

natureza, não tem condão de servir de racional critério de

manipulação das alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, razão

pela qual, exemplificativamente, a alíquota do IPVA incidente

sobre um veículo zero quilometro deve ser a mesma, quer se trate

de um automóvel importado ou nacional.154

Desta forma, a tributação não pode ser diferenciada em

razão da procedência ou destino de bens e serviços, de qualquer natureza.

2.5.2.11 Princípio da capacidade contributiva

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e

serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, como

prescrito no art.145 §1º, da CRFB/88:

153

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 32.

154 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 33.

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Art. 145 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

poderão instituir os seguintes tributos:

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e

serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte,

facultado à administração tributária, especialmente para conferir

efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos

individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as

atividades econômicas do contribuinte.

O próximo capítulo tratará especificamente deste princípio,

dedicando-se ao estudo de sua origem, evolução, natureza, fundamento

econômico e eficácia.

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55

CAPÍTULO 3

O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

3.1 ORIGEM DA NOÇÃO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Acerca da origem da noção de capacidade contributiva,

Costa155 explica que esta tem estirpe no próprio surgimento do tributo, pois, no

Egito já existia a idéia que se deveria preservar de alguma forma a riqueza

daqueles que deveriam pagar tributos. E o ideal de justiça distributiva era pregado

pelos filósofos gregos.

Neste norte discorre Assunção:

O princípio da capacidade contributiva, freqüentemente referido

como política de Estado democrático é, na verdade, preceito

milenar. Foustel de Coulanges associa-o à religião antiga e aos

direitos de cidadania, sem referir-se a ele pelo nome, ao relatar

que em Roma o censo era realizado a cada catorze anos (em

Atenas, anual), ao duplo propósito de descobrir aqueles que

poderiam ser conscritos ao serviço militar, e dimensionar a

potencialidade tributável global, o que hoje poderíamos denominar

“capacidade contributiva coletiva”. 156

Costa157 segue desenvolvendo uma evolução cronológica da

origem da noção de capacidade contributiva, informando que a Constituição

Britânica de 1215, em seu art. 12, informava que as prestações coercitivas

deveriam ser “moderadamente fixadas”. Na Idade Média, São Tomás de Aquino,

emanava a idéia de que cada um devia pagar tributos secundum facultem ou

secundum equalitatem proportionis.

155

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 15.

156ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios de direito na jurisprudência tributária. São Paulo: Atlas, 2000, p. 69.

157COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 15.

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Na obra “A Riqueza das Nações”, de 1776, Adam Smith

sustentava que todos deveriam contribuir para as despesas públicas “na razão de

seus haveres”. Nesse período ocorreram vários episódios políticos de relevo que

podem ser atribuídos a inobservância da idéia de capacidade contributiva já

assentada na consciência do povo.

Alguns documentos surgiram como conseqüência destes

eventos políticos e refletiram em Constituições editadas posteriormente, como a

Brasileira de 1824 e o Estatuto Albertino de 1848.

Costa revela que o nascimento da noção de capacidade

contributiva como teoria precisa e coerente vem a surgir depois desses fatos, na

Ciência das Finanças clássica do século XIX. 158

Neste sentido pondera Santos:

O princípio da capacidade contributiva, universalmente consagrado

pela Ciência das Finanças, facilmente impressiona o nosso espírito,

como regra comum de justiça: o Estado deve repartir a carga tributária

de acordo com as possibilidades econômicas de seus habitantes, de

modo geral, e, de modo específico, conforme a capacidade econômica

de cada indivíduo, poupando, tanto quanto possível, o necessário

físico de cada um.159

De acordo com Costa160:

A introdução de tema como objeto de preocupação da Ciência

Jurídica deveu-se ao trabalho do professor Benvenuto Griziotti,

em 1929, e da escola de Pávia, uma vez que o assunto

continuava restrito à apreciação dos estudiosos da Ciência das

Finanças. Para Griziotti a capacidade era a própria causa da

obrigação tributária.

Ensina Taboada, citado por Costa161, que primeiro a

capacidade contributiva foi entendida como uma idéia deduzida do princípio de

158

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 17.

159SANTOS, Manoel Lourenço dos, Direito tributário, 3ª ed., Rio de Janeiro: Fundação Getúlio

Vargas, 1970, p. 96.

160COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 17.

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justiça, posteriormente concebida como noção necessária para dotar de conteúdo

material o princípio da igualdade, então compreendido no aspecto puramente formal.

Já em livro publicado em 1955, escreveu Baleeiro: “Na

consciência contemporânea de todos os povos civilizados, a justiça do imposto

confunde-se com a adequação deste ao princípio da capacidade contributiva.” 162

Costa163 revela que a teoria de Griziotti ganhou fôlego com a

monografia intitulada Le Basi Teoriche del Principio della Capacità Contributiva, de

Emilio Giardina, publicada em 1961, que dava destaque ao artigo 53 da Constituição

Italiana de 1947, atualmente em vigor, que preceitua: “Tutti sono tenuti a concorrere

alle spese pubbliche in ragione della loro capacita contributiva...” Assim, o principio da

capacidade contributiva ganhou forma expressa constitucionalmente.

Conclui Machado que o princípio da capacidade contributiva:

Não deve ser interpretado como simples forma de manifestação do

princípio geral da isonomia. Tem-se de considerar que o princípio da

isonomia já está expresso em outros dispositivos da Constituição, um

dos quais no próprio capítulo do Sistema Tributário. Assim, a

existência de um dispositivo constitucional consubstanciado, expressa

e especificamente, o princípio da capacidade contributiva, tem,

indiscutivelmente, grande relevância na interpretação desse princípio. 164

Constata Sains de Bujanda citado por Oliveira165:

Raro o texto constitucional que, com uma ou outra formulação,

não exige no mundo moderno que os cidadãos contribuam para o

custeio das cargas públicas segundo sua capacidade contributiva,

normalmente equiparada à capacidade econômica, e

161

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 18.

162BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças, Vol.I. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 383.

163COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 18.

164MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 91.

165OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade Contributiva : Conteúdo e Eficácia do princípio, Rio de Janeiro: Renovar, 1988, p. 12.

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exteriorizada, para tanto, em sinais indicativos da riqueza e da

renda dos sujeitos”.

Desta forma, pode-se observar que o sentimento de justiça

fiscal nasceu junto com a idéia de tributo, e ao longo dos séculos evoluiu até

configurar-se dentre outros princípios, naquele que compreende a observação da

capacidade econômica do contribuinte.

3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO NO DIREITO BRASILEIRO

Quanto a evolução histórica do princípio da capacidade

contributiva no Brasil, Costa relata:

No Brasil, após a Constituição Imperial, as Cartas de 1891, 1934 e

1937 mostraram-se tímidas ou omissas a respeito de algum

dispositivo que prestigiasse o postulado da capacidade

contributiva. Foi somente com a democrática Constituição de 1946

que o princípio ganhou merecido realce, em face da dicção de seu

art. 202, assim vazado: Art. 202. “Os tributos terão caráter pessoal

sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a

capacidade econômica do contribuinte”.

Em flagrante retrocesso, a Emenda Constitucional 18, de

1.12.1965, ao veicular a reforma tributária, veio a expulsar aquele

dispositivo do texto constitucional. Silentes permaneceram, a

respeito, a Carta de 1967 e a Emenda Constitucional 1/1969. 166

Domingues de Oliveira revela que ”ao retirar do texto da

Carta Magna a referência à capacidade contributiva, a Emenda 18/65 dificultou o

acesso do contribuinte ao Supremo Tribunal Federal para discussão de questões

envolvendo o princípio, ensejando ao legislador grande relaxamento em face

dele”. 167

166

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 19.

167OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade Contributiva,p. 31.

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Costa168 conclui que, felizmente, a Constituição de 1988,

devolveu-nos ainda que com modificação de redação, em seu art. 145, §1º169, o

preceito contido no art. 202 do Texto Fundamental de 1946, além de consagrar, em

outros dispositivos, desdobramentos do princípio da capacidade contributiva.

Assim, hodiernamente, o princípio da capacidade contributiva

encontra-se disposto expressamente na Constituição de 1988 (art. 145, § 1º).

3.3 CONCEITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Costa170 expressa que capacidade contributiva é

conceituada por Griziotti como princípio que indica a “potencialidade que possuem

os submetidos à soberania fiscal para contribuir para os gastos públicos”. Emílio

Giardina entende-a como a “possibilidade econômica de pagar o tributo” e para

Moschetti “força econômica do contribuinte”.

Sousa, por sua vez, define capacidade contributiva como:

soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades

elementares de existência, riqueza essa que pode ser absorvida

pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem

prejudicar as suas atividades econômicas. 171

De acordo com Tipke e Yamashita, o princípio da

capacidade contributiva significa que:

Todos devem pagar impostos segundo o montante da renda

disponível para o pagamento de impostos. Quanto mais alta a renda

disponível, tanto mais alto deve ser o imposto. Para contribuintes com

rendas disponíveis igualmente altas o imposto deve ser igualmente

168

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 20.

169§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...

170COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 22.

171SOUSA, Rúbens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Ed. Póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1981, p. 95.

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alto. Para contribuintes com rendas disponíveis desigualmente altas o

imposto deve ser desigualmente alto. 172

Melo informa:

Convém traçar os lineamentos da capacidade econômica, como

sendo a aptidão que determinada pessoa tem para arcar com parcela

do custo das atividades públicas, ou o fenômeno revelador da riqueza;

o que constitui tarefa difícil pois o vocábulo “econômica” foge aos

quadrantes do Direito, além de não possuir a mesma natureza de

capacidade contributiva financeira, entendida como existência de

dinheiro suficiente para arcar com o ônus fiscal, e que não guarda

nenhuma adequação com a mensuração do tributo.

A capacidade econômica – que pode ser compreendida

conceitualmente como a existência de um patrimônio abrangendo

bens e direitos de qualquer natureza – é também estranha à justa

participação na carga tributária, uma vez que a distribuição eqüitativa

desta, como medida de necessidade (para o Estado) e justiça (para os

contribuintes), não pode tomar em conta a riqueza e a pobreza das

pessoas. 173

Logo, pode-se concluir que capacidade contributiva é

potencialidade econômica, é a soma de riqueza disponível para arcar com o ônus

fiscal sem que se prejudique o mínimo elementar do contribuinte, e sempre está

relacionada ao princípio da igualdade e do valor justiça.

3.4 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ABSOLUTA E CAPACIDADE

CONTRIBUTIVA RELATIVA

A capacidade contributiva é dividida em absoluta (objetiva) e

relativa (subjetiva), segundo Costa:

Fala-se em capacidade contributiva absoluta ou objetiva

quando se está diante de um fato que se conceitua numa

172

TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 31.

173MELO, José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 2005, p. 32.

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manifestação de riqueza; refere-se o termo, nessa acepção, à

atividade de eleição, pelo legislador, de eventos que

demonstrem aptidão para concorrer às despesas públicas.

Tais eventos, assim escolhidos, apontam para a existência de

um sujeito passivo em potencial.

Diversamente, a capacidade contributiva relativa ou subjetiva-

como a própria designação indica – reporta-se a um sujeito

individualmente considerado. Expressa aquela aptidão de

contribuir na medida das possibilidades econômicas de

determinada pessoa. Nesse plano, presente a capacidade

contributiva in concreto, aquele potencial sujeito passivo torna-

se efetivo – apto, pois, a absorver o impacto tributário. 174

A capacidade absoluta observa-se naqueles casos em

que o legislador mira as manifestações objetivas de riqueza.

A capacidade relativa é reconhecida quando é praticada

uma autêntica individualização do tributo, valorando-se as distintas

circunstâncias pessoais e familiares de cada contribuinte.

Costa175 explica que no entendimento de Cortês

Domingues e Martín Delgado capacidade absoluta é a “aptidão abstrata para

concorrer aos gastos públicos”, enquanto a capacidade contributiva relativa,

que pressupõe a primeira, “se dirige a delimitar o grau de capacidade”,

incidindo na disposição particular de dado contribuinte ante um fato jurídico

tributário.

Por conseguinte, compreende-se como capacidade

absoluta, a aptidão genérica para pagar tributos, já a capacidade relativa,

efetiva e concreta, refere-se à capacidade de pagar tributos de cada

contribuinte.

174

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 27.

175COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 27.

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3.5 FUNDAMENTO ECONÔMICO DO CONCEITO DE CAPACIDADE

CONTRIBUTIVA

O conceito de capacidade contributiva possui fundamento

econômico e também jurídico, como ilustra Costa :

No que concerne à capacidade contributiva não se pode negar o

fundamento econômico do conceito, por vezes identificável com

“capacidade econômica”. Por outro lado, também não se pode

refutar seu conteúdo jurídico, na medida em que se encontra

amalgamado com a idéia de justiça tributária.176

Machado elucida o ensejo da existência do fundamento

econômico do princípio:

Certamente o legislador deve atribuir o dever de pagar tributo

a quem tenha capacidade econômica para tanto. A razão é

óbvia. Quem não pode pagar, não paga, e o assunto fica

encerrado. O que se há de questionar, a propósito do princípio

da capacidade contributiva, colocado em nossa Constituição, é

a graduação dos impostos na proporção da capacidade

contributiva do contributiva. Essa questão há de ser vista em

termos globais. É uma questão de divisão proporcional das

despesas públicas.177

Costa178 cita que para Natoli: “um sujeito pode ser capaz

economicamente, no sentido de possuir renda ou patrimônio, mas não ter

capacidade contributiva, se esta renda ou patrimônio permitir somente o

mínimo vital, intributável”. Assim, demonstra, numa primeira conclusão, a

natureza “essencialmente”, mas não “exclusivamente” econômica da

capacidade contributiva.

176

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 34.

177MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988, p. 90.

178COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 34.

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63

Costa179 cita Moschetti que acrescenta: “se é verdade

que não existe capacidade contributiva na ausência da capacidade

econômica, também é verdade que pode existir capacidade econômica que

não demonstre aptidão para contribuir.

Sainz de Bujanda, citado por Costa180, acredita que erram

aqueles que consideram que a capacidade contributiva, paira somente no

aspecto financeiro, pois, na realidade possui relevância jurídica e idéia de

justiça.

Logo, entende-se que o conceito de capacidade

contributiva está abalizado no contexto econômico e conteúdo jurídico e

possui raízes na justiça tributária.

3.6 DISCRIMINAÇÃO TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

De acordo com Bandeira de Mello181 as discriminações

são admissíveis quando se verifica uma correlação lógica entre o fator de

discrímen e a desequiparação procedida e que esta seja conforme aos

interesses prestigiados pela Constituição. Mas deve-se observar quatro

condições, 1) que a discriminação não atinja de modo atual e absoluto um só

indivíduo; 2) que o fator de desigualação consista num traço diferencial

residente nas pessoas ou situações; 3) que exista um nexo lógico entre o

fator discrímen e a discriminação legal estabelecida em razão dele; e 4) que,

no caso concreto, tal vínculo de correlação seja pertinente em função dos

interesses constitucionalmente protegidos, visando ao bem público,

observando a Constituição.

179

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 35.

180COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 35.

181BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª.ed., 10ª. Tir., São Paulo: Malheiros, 2002, p.37-38.

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Desta forma, torna-se dificultoso constatar se o princípio

da igualdade é acatado pela discriminação tributária postulada pelo princípio

da capacidade contributiva.

Segundo Costa:

O fator de discrímen é, singelamente, a riqueza de cada potencial

contribuinte, revelada pelo fato imponível. A discriminação é feita

consoante diversas manifestações de capacidade econômica, de

modo que venha ela a atingir, de modo atual e absoluto, um único

indivíduo.

Tal fator de desigualação – riqueza – é um traço diferencial

concernente à própria pessoa, a ela referente.

Outrossim, clara é a correlação lógica existente entre o fator de

discriminação – riqueza – e a diferenciação estabelecida em

função dele – maior carga tributária.

Finalmente, in concreto, essa discriminação curva-se aos

interesses constitucionalmente protegidos, com vista ao interesse

coletivo, quais sejam: a distribuição da riqueza e a justiça social.

Portanto, a graduação tributária fixada em função da capacidade

econômica dos sujeitos soa legítima, conformando-se aos ditames

do princípio da isonomia. 182

Logo, emana a questão que busca compreender se o

princípio da capacidade contributiva é um desdobramento do princípio da

isonomia ou um princípio com conteúdo próprio.

Neste sentido discorre Taboada citado por Costa183, que o

princípio da igualdade é um princípio que tem conteúdo próprio, não necessita de

concreções positivas fora dele, podendo a noção de “capacidade contributiva”

perfeitamente desaparecer do texto constitucional sem que se diminuam as garantias

182

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 40.

183COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 41.

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65

dos particulares. Desta forma, a capacidade contributiva não seria mais do que um

elemento imediatamente dedutível da idéia de justiça.

Valcárcel, citado por Costa184, adverte que a capacidade

contributiva assim como a noção de generalidade da tributação não são dois

princípios distintos do da igualdade, mas meras especificações e exigências do

mesmo.

Domingues de Oliveira disciplina que o tema da Igualdade no

âmbito do Direito Tributário se estende em diversas facetas:

a) Se todos são iguais perante a lei, todos devem por ela ser

tributados (princípio da generalidade);

b) O critério de igualação ou desigualação há de ser a riqueza de cada

um, pois o tributo visa retirar recursos do contribuinte para manter as

finanças públicas; assim, pagarão todos os que tenham riqueza;

localizados os que tem riqueza (logo, contribuintes) devem todos estes

ser tratados igualmente – ou seja - tributados identicamente na medida

em que possuírem igual riqueza (princípio da igualdade tributária);

c) Essa “riqueza” só poderá referir-se ao que exceder o mínimo

necessário à sobrevivência digna, pois até este nível o contribuinte

age ou atua para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade

produtora daquela riqueza (primeira acepção do princípio da

capacidade contributiva, enquanto pressuposto ou fundamento do

tributo);

d) Essa tributação, ademais, não pode se tornar excessiva, proibitiva

ou confiscatória, ou seja, a tributação, em cotejo com diversos

princípios e garantias constitucionais (direito ao trabalho e à livre

iniciativa, proteção à propriedade), não poderá inviabilizar ou até

mesmo inibir o exercício de atividade profissional ou empresarial lícita

nem retirar do contribuinte parcela substancial de propriedade

(segunda acepção do princípio da capacidade contributiva, enquanto

critério de graduação e limite da tributação). 185

184

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 41.

185OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade contributiva, p. 13.

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3.7 NATUREZA DA NORMA ACOLHEDORA DO PRINCÍPIO

Quanto à natureza da norma que abriga o princípio da

capacidade contributiva, a doutrina tem se dividido em posições bastante

distintas: uns acreditam ser regra meramente programática186 e outros uma regra

peremptória187.

3.7.1 Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais

Becker informa que ainda que uma regra trate do “mais

notável exemplo de constitucionalização do equívoco”, tal regra constitucional

goza de “um mínimo de certeza e praticabilidade que revelam sua juridicidade, e

que delimitam o restrito campo de sua eficácia jurídica”, a qual,contudo, não iria

longe a ponto de permitir ao juiz o exame, em cada caso concreto, da incidência

ou não da regra jurídica tributária, ou seja, da análise da efetiva existência de

capacidade contributiva em cada situação singular. 188

Costa resume a lição de Silva explicando que:

Normas constitucionais de eficácia plena são as que receberam

do constituinte normatividade suficiente à sua incidência imediata,

não necessitando de providência normativa ulterior para sua

aplicação. Criam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo,

desde logo exigíveis.

As normas de eficácia contida, por seu turno, também gozam da

mesma normatividade, porém prevêem meios normativos (leis,

conceitos genéricos etc.) não destinados a desenvolver sua

aplicabilidade, mas, ao contrário, permitindo limitações à sua

eficácia e aplicabilidade. Acrescenta o autor que tais normas criam

186

“De aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regras, explicitam comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional”. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, t.2, p. 216 e s.

187“Oposto de regra programática, ou seja, regra de execução ou aplicação imediata, intangível, de caráter compulsório”. COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 46.

188BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 444-445.

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situações subjetivas de vantagem, caracterizadas como direitos

subjetivos positivos.

Já as normas de eficácia limitada são aquelas que não receberam do

constituinte normatividade suficiente para sua aplicação, o qual

deixou ao legislador ordinário a tarefa de completar a

regulamentação da matéria nelas traçada em princípio ou esquema.

Tais normas geram situações subjetivas de vínculo. 189

Para Gomes Canotilho:

Marcando uma decidida ruptura em relação à doutrina clássica,

pode e deve dizer-se que hoje não há normas constitucionais

programáticas. É claro que continuam a existir normas-fim,

normas-tarefa, normas-programa que „impõem uma atividade‟ e

„dirigem‟ materialmente a concretização constitucional. Mas o

sentido dessas normas não é o que lhes assinalava

tradicionalmente a doutrina: „simplesmente programas‟,

„exortações morais‟, „declarações‟, „sentenças políticas‟, „aforismos

políticos‟, „promessas‟, „apelos ao legislador‟, „programas futuros‟,

juridicamente desprovidos de qualquer vinculatividade. Às „normas

programáticas‟ é reconhecido hoje como um valor jurídico

constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da

Constituição. Mais do que isso: a eventual mediação de instância

legiferante na concretização das normas programáticas não

significa a dependência deste tipo de normas da interpositio do

legislador; é a positividade das normas-fim e normas-tarefa

(normas programáticas) que justifica a necessidade da

intervenção dos órgãos legiferantes. Concretizando melhor, a

positividade jurídico-constitucional das normas programáticas

significa fundamentalmente:

1) vinculação do legislador, de forma permanente, à sua

realização (imposição constitucional);

2) como directivas materiais permanentes, elas vinculam

positivamente todos os órgãos concretizadores, devendo estes

toma-las em consideração em qualquer dos momentos da

atividade concretizadora (legislação, execução,jurisdição);

189

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.261-262.

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3) como limites negativos, justificam eventual censura, sob a

forma de inconstitucionalidade, em relação aos atos que as

contrariam. 190

Assim, as normas programáticas possuem análogo apego

jurídico aos dos outros preceitos constitucionais.

3.7.2 Eficácia e aplicabilidade da norma hospedeira do princípio da

capacidade contributiva

Costa explica que “o caráter programático de certas normas

constitucionais não retira destas a preceptividade, já que todas elas possuem

eficácia”. 191 E segue explanando que:

Como expressão, no campo tributário, de princípio de maior

amplitude, que é o da igualdade, o postulado da capacidade

contributiva carrega consigo a plenitude de eficácia atribuída

àquele. Na verdade, se não há discordância quanto a eficácia

plena e aplicabilidade direta, imediata e integral do princípio da

igualdade, parece desarrazoado entender-se diversamente no que

concerne à diretriz da capacidade contributiva. 192

Tipke e Yamashita:

Ao expressamente determinar que “os impostos serão (...)

graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, o art.

145, §1º, da Constituição Federal/1988 reconhece na expressão

“graduados segundo a (...)” que a capacidade econômica é o

principal e mais adequado critério de comparação do princípio da

igualdade aplicado ao Direito Tributário.

Portanto, se o princípio da capacidade contributiva é norma

definidora da própria garantia fundamental à igualdade em matéria

tributária e se, nos termos do art. 5º, §1º, da Constituição

190

GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional. 4ª. Ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1986, p. 132.

191COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 50.

192COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 50.

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Federal/1988, “as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata”, logo, o princípio igualdade

segundo a capacidade contributiva tem aplicação imediata”. 193

Machado discorre sobre eficácia do princípio em matéria:

A eficácia do princípio da capacidade contributiva, como a eficácia

de qualquer princípio jurídico, depende do grau de

desenvolvimento cultural do povo, que define o grau de disposição

das pessoas para defenderem os seus direitos.

No plano jurídico, todavia, tem-se que o princípio da capacidade

contributiva pode ser apenas um princípio implícito, ou um

desdobramento, ou uma forma de manifestação do princípio da

isonomia jurídica. Pode-se, todavia, ter no sistema jurídico uma

norma expressa que o consubstancia. Tal norma tanto pode

situar-se no plano constitucional, como acontece no Brasil, como

no plano infraconstitucional.

Residindo o princípio no plano constitucional, tem-se que a sua

eficácia dependerá apenas do grau de interesse que tenham as

pessoas na defesa de seus direitos, e especialmente do preparo e

da independência dos que corporificam o poder decisório do

Estado, vale dizer, no Brasil, o Poder Judiciário, e especialmente o

Supremo Tribunal Federal, a quem cabe, em última instância,

fazer valer a Constituição.194

Costa informa que:

A preceptividade da norma constitucional que acolhe o postulado

em exame revela-se, exatamente, quando do exercício da

competência tributária em matéria de impostos, que não poderá

ser exercida em desapreço à capacidade econômica dos

contribuintes. 195

193

TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva, p. 56.

194MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. p. 88.

195COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 51.

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70

Assim, quando o Poder Legislativo atuar no âmbito dos

impostos, não poderá deixar de observar a capacidade contributiva dos agentes

passivos, ou seja, dos contribuintes.

3.8 A EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Ajustada a dimensão do princípio da capacidade contributiva

cabe agora argüir, detalhadamente, os principais efeitos decorrentes de sua

aplicação. De forma ampla, pode-se dizer que o grande efeito do princípio é

limitar o poder de tributar e, em compensação, assegurar os direitos subjetivos do

cidadão-contribuinte.

3.8.1 Aplicabilidade aos tributos não-vinculados a uma atuação estatal

Quanto à aplicabilidade do princípio Costa elucida:

Tradicional é o ensinamento segundo o qual o princípio da

capacidade contributiva é aquele orientador dos impostos –

tributos independentes de uma atuação estatal – e que as taxas e

contribuições – tributos vinculados a uma atuação do Poder

Público – informam-se, respectivamente, pelos princípios da

retributividade ou da remuneração e do benefício. 196

Ataliba, citado por Costa197, informa que a capacidade

contributiva é o único critério para a modulação dos impostos: “todos os outros

eventuais critérios que possam ser adotados pelo legislador e que não levem em

conta a capacidade contributiva são arbitrários e, por via de conseqüência,

inconstitucionais”.

Como princípio informador dos impostos, a capacidade

contributiva imprime a tendência de personalização dos mesmos. Assim, portanto,

196

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 52.

197 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 52.

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faz-se necessário identificar o que é compreendido por “impostos pessoais” e

“impostos reais”.

Ataliba revela que “são reais aqueles cujo aspecto material

da hipótese de incidência limita-se a descrever um fato, acontecimento ou coisa

independente do elemento pessoal, ou seja, indiferente ao eventual sujeito

passivo e suas qualidades”.

Já os impostos pessoais, o mesmo autor informa que são

aqueles “cujo aspecto material da hipótese de incidência leva em consideração

certas qualidades juridicamente qualificadas do sujeito passivo”. 198

Portanto, como confirma Cavalcanti199, a personalização do

imposto há de ser observada sempre que a estrutura do aspecto material da

hipótese de incidência o comporte, mesmo que se esteja diante de impostos

reais.

Para Costa, outro ponto a ser considerado diz respeito à

aplicação do princípio da capacidade contributiva em impostos denominados

“indiretos”, que compreendem aqueles impostos em que o contribuinte de jure não

absorve o impacto da imposição tributária, pois o repassa ao contribuinte de fato.

Mesmo na imposição indireta é viável a atuação do princípio da

capacidade contributiva, que opera, em verdade, de modo

diferenciado (...) A dificuldade da operatividade do princípio em tal

tipo de imposição reside, exatamente, na inviabilidade de se

imprimir feição pessoal.

A seletividade de alíquotas e a não-cumulatividade do IPI e do ICMS,

são expedientes que demonstram que, mesmo não sendo viável

considerar as condições pessoais dos contribuintes, é possível

prestigiar a noção de capacidade contributiva. 200

198

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª. Ed. 3ª. Tir. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 137.

199CAVALCANTI, Themístocles Brandão. A constituição federal comentada. V. IV. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1949, p. 222.

200COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 54-55.

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72

Desta forma, se a capacidade contributiva não puder ser

aplicada para a graduação desses tributos, pelo menos poderá figurar como

indicadora das hipóteses em que deverá conceder isenção total ou parcial da

obrigação tributária.

Como exemplifica Costa201, o consumo de certos bens

revela riqueza, enquanto outros se enquadram no chamado mínimo vital. Assim

parece compreensível que o mesmo imposto incida de forma mais intensa em

artigos de luxo e com menor intensidade sobre os de primeira necessidade.

Costa elucida que os juristas estrangeiros expressam a

necessidade de observar a relação do princípio da capacidade contributiva com

as taxas e contribuições sociais. Porém, acrescenta que no ordenamento

constitucional nacional não existe esta possibilidade, visto que a natureza dessas

imposições tributárias é adversa.

Ataliba explica que “taxa é tributo vinculado cuja hipótese de

incidência consiste numa atuação estatal direta e imediatamente referida ao

obrigado”. 202

Segundo Costa203 “com a taxa, se pretende remunerar a

atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma, e não à

capacidade contributiva do sujeito passivo, irrelevante para a hipótese de

incidência ou para a graduação da taxa”. De igual maneira deve-se tratar à

contribuição de melhoria que é tributo decorrente de obras públicas, sendo alheia

a capacidade contributiva do sujeito.

Quanto às demais contribuições e aos empréstimos

compulsórios, “o aspecto material de sua hipótese de incidência poderá conter ou não

uma vinculação a determinada atuação estatal. Portanto, quando se configurarem

201

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 56.

202ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 156.

203COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 58-59.

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como imposto as contribuições (ou empréstimos compulsórios) deverão também

observar, naturalmente, o princípio da capacidade contributiva”. 204

Portanto, a aplicabilidade do princípio em tela é analisada

caso a caso, observando-se sempre a natureza do tributo.

3.8.2 O alcance da expressão "sempre que possível"

Nos termos do art. 145, §1º, da Constituição de 1988:

Art. 145 (...)

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e

serão graduados segundo a capacidade econômica do

contribuinte...

Quanto à expressão “sempre que possível”, utilizada no

início do dispositivo que aborda o princípio em estudo, Machado revela:

Pode levar o intérprete ao entendimento segundo o qual o

princípio da capacidade contributiva será observado quando

possível. Não nos parece, porém, seja essa a melhor

interpretação, porque sempre é possível a observância do referido

princípio. A nosso ver, o sempre que possível, do §1º do art. 145,

diz respeito apenas ao caráter pessoal dos tributos, pois na

verdade nem sempre é tecnicamente possível um tributo com

caráter pessoal.” 205

Para Melo o ajuste sempre que possível não poderia jamais

conjeturar a eventual impossibilidade de tal mensuração, pois:

Casos em que nem sempre é possível avaliar o cunho pessoal e o

envolvimento econômico do devedor do imposto. Como a

estrutura da norma tributária sempre revela a intensidade

econômica do ônus imputado ao contribuinte, forçoso defluir o

entendimento de que sempre é possível apreender o caráter

204

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 58-59.

205MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros. 1998, p. 34.

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74

pessoal e a capacidade econômica do contribuinte. O que nem

sempre será possível é obter, com absoluta segurança e certeza,

o caráter eminentemente pessoal e a exata capacidade

econômica. 206

A expressão sempre que possível deve significar o ingente e

exaustivo esforço a ser pautado pelo legislador, para disciplinar o

ônus tributário, com a maior segurança (possível), e com a menor

margem de engano (também possível), a fim de que o contribuinte

participe das necessidades coletivas (interesse público), com

suportável parcela do seu patrimônio. 207

Para Martins:

Melhor redigido estaria tal dispositivo dizendo: os impostos terão

caráter pessoal, sempre que possível, e serão graduados

segundo... desta forma daria melhor interpretação, no sentido de

que a ressalva, sempre que possível, só refere-se ao caráter

pessoal, não se aproveitando no que diz respeito à observância

do princípio da capacidade contributiva. 208

Tipke e Yamashita informam que:

Pelo menos no ponto de vista doutrinário a questão foi pacífica na

aprovação unânime, no XIV Simpósio Nacional de Direito

Tributário, das seguintes conclusões:

1. A Expressão „sempre que possível‟ contida no §1º, art. 145, da

CF significa que os impostos deverão ter, obrigatoriamente,

caráter pessoal e ser graduados segundo a capacidade

econômica do contribuinte, salvo se, por natureza, isso for

impossível (...).

2. O não-atendimento quer por caráter pessoal, quer por

capacidade econômica, salvo quando isso for impossível sempre

206

MELO, José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário, p. 32.

207MELO, José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário, p. 33.

208MARTINS, Ives Gandra da Silva, Sistema tributário na constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 76/78.

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enseja as medidas judiciais pertinentes, tendo em vista que a

norma constitucional é auto-aplicável.209

Desta maneira, entende-se que a expressão “sempre que

possível” está relacionada ao caráter pessoal, e não está promulgando que o

princípio só deve ser observado quando possível.

3.8.3 Preservação do mínimo vital ou existencial

Fritz Neumark, citado por Oliveira210, informa que até o

século passado tributavam-se também, as classes completamente pobres, com

lesão evidente ao respectivo mínimo de existência fisiológica, ao passo que hoje,

observa ele, “ao menos nos países considerados adiantados (...) a parte principal

da imposição se limita àquelas pessoas a que se possa imputar alguma

capacidade contributiva”.

Para Tipke e Yamashita:

O princípio da capacidade contributiva protege o mínimo

existencial. Enquanto a renda não ultrapassar o mínimo

existencial não há capacidade contributiva. O mesmo resulta da

dignidade humana e do princípio do Estado Social. O princípio da

capacidade contributiva atende a ambos princípios. Num Estado

Liberal não é permitido que o mínimo existencial seja subtraído

pela tributação, parcial ou totalmente, e uma compensação seja

dada em benefícios previdenciários. O Estado não pode, como

Estado Tributário, subtrair o que, como estado Social, deve

devolver. Não apenas para o imposto de renda, mas para todos os

impostos, o mínimo existencial é um tabu. O princípio da “unidade

do ordenamento jurídico determina que o mínimo existencial fiscal

não fique abaixo do mínimo existencial do direito da seguridade

social. 211

209

TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva, p. 58-59.

210OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade contributiva, p. 12.

211TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva, p. 34.

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Melo discorre sobre a intervenção estatal e a observância da

garantia de patrimônio suficiente para o bem do contribuinte:

Considerando- se que a tributação interfere no patrimônio das

pessoas, de forma a subtrair parcelas de seus bens, não há

dúvida de que será ilegítima (e inconstitucional) a imposição de

ônus superiores às forças desse patrimônio, uma vez que os

direitos individuais compreendem o absoluto respeito à garantia

de sobrevivência de quaisquer categorias de contribuintes. 212

A capacidade contributiva só pode considerar-se eficaz

quando disponibilizar a preservação de alguma riqueza acima do mínimo vital.

Por fim, vale destacar o entendimento de Costa ao informar

que:

A fixação do „mínimo vital‟, destarte, variará de acordo com o conceito

que se tiver de necessidades básicas. O problema é tormentoso, pois

concerne a decisão política do legislador. Este deverá basear-se, à

falta de normas constitucionais específicas, no que, numa sociedade

dada, razoavelmente se reputar „necessidades fundamentais do

indivíduo e de sua família‟. 213

Deste modo, compreende-se que o Fisco, ao observar o

princípio da capacidade contributiva, preserva uma riqueza capaz de viabilizar as

necessidades básicas do contribuinte, se assim não fosse, estaria impondo

tributos com caráter confiscatório. A única adversidade neste caso é a imposição

do que consiste este mínimo vital.

3.8.4 Identificação do caráter extrafiscal de certos tributos

No que diz respeito ao caráter extrafiscal, Ataliba citado por

Costa 214conceitua:

212

MELO, José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário, p. 31.

213COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 70.

214 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 71.

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Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para

obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes,

indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros

fins, a realização de outros valores constitucionalmente

consagrados.

Quanto ao relacionamento da extraficalidade e o princípio da

capacidade contributiva, existe a discussão acerca da compatibilidade dos

institutos.

Para Emílio Giardina, citado por Costa215, a tributação

extrafiscal sempre deverá orientar-se em relação à riqueza do contribuinte e

resguardando o “mínimo indispensável”.

Dória216 explica que o Estado arrecada tributos não apenas

para obter receitas (finalidade fiscal), mas também para perseguir objetivos outros

(finalidade extrafiscais) como a repressão à comercialização de produtos nocivos, a

redistribuição de renda e a diminuição de desigualdades regionais. Desta maneira

não busca a justiça fiscal e sim a justiça social, não podendo assim falar em

aplicação da capacidade contributiva em tributos com finalidade extrafiscal.

Tipke e Yamashita entendem que:

Um tributo ou norma de alguma forma justificável com ponderações

de capacidade contributiva é, assim, uma norma de finalidade fiscal,

ainda que o legislador acreditasse segui finalidades extrafiscais. Por

conseguinte, um tributo ou norma de finalidade extrafiscal é aquele

que de nenhuma forma se deixa justificar com ponderações de

capacidade contributiva. 217

Domingues de Oliveira acredita que “a destinação

extrafiscal do tributo não altera a natureza jurídico-constitucional do instituto e

215

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 71.

216DÓRIA, Ântonio Roberto Sampaio. Direito constitucional tributário e “due processo of law”. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p.175.

217TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva, p. 64.

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não libera o legislador para, através dele, burlar a Constituição e o senso

comum de justiça”. 218

Costa declara que “parece melhor o entendimento que

prestigia a convivência entre a atuação extrafiscal e a observância do postulado

da capacidade contributiva”, pois “poder-se-á verificar sua incidência ao menos

quanto ao respeito aos limites que o mesmo impõe”. 219

Quanto a relação do princípio da capacidade contributiva e

as isenções e imunidades, Costa220 ensina que, quando estas são de natureza

política, constituem autênticas exceções ao princípio, pois fogem dessa diretriz,

como instrumentos que tem por objeto outros desígnios constitucionais.

Resta, portanto, ante a dicotomia de entendimentos, concluir

que o tributo extrafiscal não precisa ser alheio ao princípio da capacidade

contributiva, quando sua natureza requisitar.

3.8.5 Elemento orientador da fixação da alíquota e base de cálculo e

indicador da natureza confiscatória do imposto

A base de cálculo e a alíquota revelam o aspecto

quantitativo da hipótese de incidência, ou seja, o quantum a ser desembolsado

pelo sujeito passivo.

No entendimento de Aires Barreto, base de cálculo “é a

definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de referência a ser

observado na quantificação financeira dos tributados” versando “em critério

abstrato para medir os fatos tributários que, conjugado à alíquota, permite obter a

dívida tributária”. 221

218

OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade contributiva, p. 55.

219COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 72.

220COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 76.

221BARRETO, Aires Fernadino. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Ed. TR, 1987, p. 40.

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Para Ataliba alíquota “é a quota (fração), ou parte da

grandeza contida no fato imponível que o Estado se atribui (editando a lei

tributária)”. 222

Costa explica que o legislador deve estar atento à

capacidade econômica para estipular a base de cálculo:

A noção de capacidade contributiva absoluta ou objetiva

relaciona-se com aqueles fatos legislativamente escolhidos por

representarem manifestação de riqueza. Já a capacidade

contributiva relativa ou subjetiva corresponde à aptidão de um

determinado sujeito para suportar o impacto tributário, avaliável

consoante suas possibilidades econômicas. A expressão

econômica do fato protagonizado pelo sujeito em questão é

mensurada, justamente, pela base de cálculo, à qual se deve aliar

a alíquota.

A base de cálculo, portanto, deverá reportar-se àquele fato de

conteúdo econômico inserto na hipótese de incidência tributária; ou

seja, deverá guardar pertinência com a capacidade absoluta ou

objetiva apresentada pelo legislador. 223

Quanto à proporcionalidade e à progressividade dos

impostos, segundo Costa, deve-se ressaltar que

O princípio da capacidade contributiva exige que a tributação seja

feita em proporção à riqueza de cada um. (...) A progressividade

tributária, por seu turno, implica que a tributação seja mais do que

proporcional à riqueza de cada um. Um imposto é progressivo

quando a alíquota se eleva à medida que aumenta a quantidade

gravada. 224

Costa continua acerca do confisco, informando que: “O

tributo será confiscatório quando exceder a capacidade contributiva relativa ou

subjetiva visada”.

222

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 114.

223COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 77.

224COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 77-78.

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Porém, “nem sempre é fácil, contudo, aquilatar até que

ponto um tributo não é confiscatório... certo é que a resposta variará conforme o

caso concreto e deverá apoiar-se na eqüidade e na razoabilidade”. 225

Portanto, o legislador deve sempre observar a capacidade

contributiva do contribuinte, porque eventual excesso será considerado

confiscatório.

3.8.6 Apuração da inconstitucionalidade da hipótese de incidência e da

imposição fiscal no caso concreto

Quanto à destinação da norma constitucional, Costa

leciona:

O princípio em estudo dirige-se tanto ao legislador

infraconstitucional quanto ao juiz. Quanto ao primeiro

destinatário da norma constitucional, não há indagações de

maior relevo, posto que é incontestável que o legislador a ela

deve atentar quando da escolha de fatos configuradores das

hipóteses de incidência tributária, graduando os tributos em

proporção à riqueza dos contribuintes. Com relação ao

segundo destinatário, porém, sobreleva a polêmica dos limites

do controle jurisdicional a ser exercido numa situação

específica. 226

O problema do controle jurisdicional no entendimento do

princípio da capacidade contributiva apresenta-se expressivamente quando

se trata de sua análise num caso concreto.

Becker, ao trabalhar este tema, pondera que o juiz só

esta vinculado à regra constitucional da observância da capacidade

contributiva quando, em tese, a hipótese de incidência tributária examinada

constituir um signo presuntivo de renda ou capital.

225

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 79.

226COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 82.

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O autor segue explanando:

Se, no caso concreto individual, o juiz verificar que, com relação a

um determinado contribuinte, a realização da hipótese de

incidência, excepcionalmente, não confirmou a referida

presunção, mesmo assim,o juiz não pode deixar de aplicar a regra

jurídica tributária. Mais precisamente, não pode negar ter ocorrido

a incidência da regra jurídica tributária e a conseqüente existência

do dever de pagar o tributo. O juiz está impedido deste

procedimento porque isto significaria a inversão de toda a

fenomenologia jurídica.227

Costa explica em outras palavras:

Acreditamos ser permitido ao Poder Judiciário examinar in

concreto o excesso de carga fiscal incidente sobre determinado

contribuinte. Admitida a noção de capacidade contributiva relativa

ou subjetiva, trazida na aptidão específica de dado contribuinte em

face de um fato jurídico tributário, lógico reconhecer-se ao juiz a

possibilidade de apreciar se a mesma foi respeitada, à vista do

pedido formulado nesse sentido. 228

Quanto a possibilidade do juiz modular a carga fiscal

incidente sobre determinado sujeito, Costa explica que não seria legítimo ao

Poder Judiciário, pois esta tarefa compete ao Poder Legislativo. “Ao Judiciário

compete, na hipótese, declarar inaplicável a lei em caso concreto, remetendo ao

legislador a solução de adequar o gravame tributário àquela situação”. 229

Até o momento tratou-se da “inconstitucionalidade positiva”,

ou “por ação”, cabendo igualmente tratar da “inconstitucionalidade por omissão”

que, de acordo com Costa, é aquela configurada quando “a inércia do legislador

infraconstitucional ou do administrador impede que a vontade da Lei Maior se

realize, pela não-edição de ato normativo que lhe cumpriria expedir”. 230

227

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, p. 454-455.

228COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 82.

229COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 83-84.

230COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, p. 84.

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Domingues de Oliveira231 exemplifica: se, no curso do

exercício financeiro, não se proceder à correção monetária das tabelas de

retenção do imposto de renda na fonte em face da inflação, ou se fizer com

índices aviltantes, haverá violação à capacidade contributiva.

Por fim, pode-se concluir que, quer se trate da

“inconstitucionalidade positiva” ou da “inconstitucionalidade por omissão”, o

contribuinte tem ao seu alcance instrumentos necessários à preservação do

princípio em estudo, e resta ao Judiciário defendê-lo sempre que se deparar com

a inobservância do mesmo.

231

OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, Capacidade contributiva, p. 166-167.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da

legislação, da doutrina e da jurisprudência, o princípio da capacidade contributiva no

ordenamento jurídico brasileiro.

O interesse pelo tema deu-se em razão de sua amplitude e

importância, notadamente pelo fato da imposição fiscal ter que observar a capacidade

econômica do contribuinte, utilizando-se assim do caráter pessoal da tributação.

Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido em três

capítulos. No primeiro, viu-se que a Constituição instituiu um emaranhado de normas,

princípios e preceitos que disciplinam intrinsecamente os elementos constitutivos de

um Estado, fruto da história política vivida que visa a proteção dos interesses

concretos do povo de forma generalizada.

Verificou-se, ainda, que uma Constituição pode ser

classificada quanto ao seu conteúdo, forma, modo de elaboração, origem,

estabilidade, extensão e finalidade.

No mais, identificou-se que a Constituição tem por objeto

organizar e estruturar o poder político, além de definir os seus limites, pela

concessão de direitos fundamentais ao cidadão. E é ordenamento veiculador de

normas que podem revelar-se como regras ou princípios.

No segundo capítulo, verificou-se que os princípios tributários

são limitações ao poder de tributar constitucionalmente expressos.

No terceiro e último capítulo, intensificou-se a pesquisa

sobre o princípio da capacidade contributiva, partindo da origem de sua noção,

passando pela evolução no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a

conceituação, aplicação, eficácia, e interpretação de sua regra estruturante,

centrada no art. 145, §1º da CRFB/88.

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Como principais resultados da pesquisa, pode-se ressaltar

que o sentimento de justiça fiscal nasceu junto com a idéia de tributo, e ao longo

dos séculos evoluiu até configurar-se dentre outros princípios, naquele que

compreende a observação da capacidade econômica do contribuinte. E hoje é

raro uma Constituição que não o tenha positivado.

A capacidade contributiva restou conceituada como a

potencialidade econômica, isto é, a soma de riqueza disponível para arcar com o

ônus fiscal sem que se prejudique o mínimo elementar do contribuinte, e sempre

está relacionada ao princípio da igualdade e do valor justiça. Isto posto, a

capacidade contributiva não paira somente no aspecto financeiro, pois possui

relevância jurídica e idéia de justiça.

No mais, retomam-se as hipóteses levantadas e que

impulsionaram a presente pesquisa:

a) A Constituição de 1988 abriga o princípio da capacidade

contributiva em seu corpo, expresso no artigo 145, §1º.

b) A norma acolhedora do princípio da capacidade contributiva é

de natureza preceptiva, eficácia plena e aplicação imediata.

c) O efeito do princípio da capacidade contributiva é limitar o

poder de tributar objetivando assegurar os direitos subjetivos

do cidadão-contribuinte.

No que toca a primeira hipótese, restou confirmada, pois, a

Constituição consagra um sistema de normas, representado por uma autêntica

pirâmide jurídica que, visualizada de baixo para cima, compreende num patamar inicial

o seu próprio alicerce, denominado princípios, sendo que dentre estes encontra-se o

da capacidade contributiva, expresso em seu artigo 145, §1.

A segunda hipótese também restou confirmada, pois, o

princípio da capacidade contributiva é norma definidora da garantia fundamental à

igualdade em matéria tributária, e, se nos termos do art. 5º, §1º, da Constituição de

1988, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

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imediata”, igual natureza possui o postulado da capacidade contributiva.

Quanto a última hipótese, registra-se que igualmente restou

confirmada, pois a preceptividade da norma constitucional que acolhe o postulado em

exame revela-se, exatamente, quando do exercício da competência tributária em

matéria de impostos, que não poderá ser exercida desconsiderando a capacidade

econômica dos contribuintes, visto que os princípios visam assegurar os contribuintes

contra os abusos dos poderes estatais, figurando a capacidade contributiva como um

critério fundamental à cobrança dos impostos.

Por fim, fica o registro de que o presente trabalho não tem

caráter exaustivo, isto é, com o mesmo não se teve a pretensão de tratar de todas as

questões que norteiam o princípio da capacidade contributiva, razão pela qual deve

servir apenas de ponto de partida para o necessário e contínuo acompanhamento da

evolução de entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca desta tão relevante

matéria do Direito Tributário.

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