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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INDIRA MIHARA FELSKY KRIEGER Itajaí, 20 de novembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

INDIRA MIHARA FELSKY KRIEGER

Itajaí, 20 de novembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

INDIRA MIHARA FELSKY KRIEGER

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito.

Orientadora: Professora MSc. Ana Lúcia Pedroni

Itajaí, 20 de novembro de 2008

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelos anos de dedicação, educação e carinho, bem como pelo incentivo de

sempre buscar realizar os sonhos.

Às minhas irmãs, pela compreensão nos momentos mais difíceis, pelas horas de cuidados

e de ensinamentos, momentos esses em que abriram mão de seus afazeres, somente para me

acompanharem nesta jornada.

À minha orientadora, Professora Ana Lúcia Pedroni, pela paciência, confiança e incentivo nos

momentos difíceis, sempre com uma palavra de carinho.

Aos meus amigos, com quem dividi muitas das angústias e alegrias durante o período da

faculdade, com os quais pude aprender muito, não só a receber, mas também a dar um pouco

de mim.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia aos meus pais, Ana Maria Felski da Silva e Haroldo Oliveira da Silva, com

quem muito aprendi, que estiveram sempre presentes, compreendendo as horas

despendidas, cujo convívio ficou restrito a poucas horas, sem nunca reclamarem.

Dedico, ainda, à minha irmã Anuska Felski da Silva, que sempre serviu como modelo a ser

seguido, sempre constante, ajudando nas dificuldades e incentivando a nunca esmorecer,

apesar das diversidades que pudesse encontrar.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, novembro de 2008

Indira Mihara Felsky Krieger Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Indira Mihara Felsky Krieger, sob o

título “A possibilidade jurídica da adoção por casais homoafetivos à luz dos

princípios constitucionais”, foi submetida em 20 de novembro de 2008 à banca

examinadora composta pelos seguintes professores: MSc. Ana Lúcia Pedroni,

orientadora e presidente da banca e Maria Fernanda Gugelmin Girarda,

examinadora, e aprovada com a nota 10.0 (dez).

Itajaí, 20 de novembro de 2008.

Prof. MSc Ana Lúcia Pedroni Orientadora e Presidente da Banca

Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu

trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

ADOÇÃO

“A adoção estabelece a relação de ascendência e descendência independente da

consangüinidade. Instaura, assim, o denominado parentesco civil. (...) A adoção

constitui espaço em que a verdade socioafetiva da filiação se manifesta com

ênfase inegável. Mais do que os laços de sangue, o que une o adotante e o

adotado são os laços do afeto, que se constroem no espaço da convivência

familiar.”1

ADOLESCENTE

“É o sujeito de direito que possui menos de dezoito anos completos e, no mínimo,

doze anos completos.”2

AFETO

(...) o afeto é um aspecto do exercício do direito à intimidade, garantido pelo inciso

X do art. 5º da Constituição Federal. (...) São eles que dão origem aos

relacionamentos que geram as relações jurídicas, fazendo jus ao status de

família.”3

CASAMENTO

1 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo código civil, p. 150/151. 2 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 339. 3 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 68.

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“O casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio

mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a

constituição de uma família.”4

CRIANÇA

“É o sujeito que possui menos de doze anos de idade.”5

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

“(...) dignidade da pessoa humana possui um duplo aspecto, material e moral. O

material diz respeito às condições materiais de subsistência do indivíduo (...). O

aspecto moral interessa (...), em especial, no que concerne à integridade moral do

indivíduo, de modo a ver preservados a liberdade e os valores de espírito.”6

FAMÍLIA

“(...) importa considerar a família em conceito amplo, como parentesco, ou seja, o

conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Nesse

sentido, compreende os ascendentes, descendentes e colaterais de uma

linhagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge,

que se denominam parentes por afinidade ou afins. (...) Em conceito restrito,

família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o

pátrio poder ou poder familiar.”7

HOMOSSEXUALIDADE

“O vocábulo “homossexualidade” foi criado pela médica húngara Karoly Benkert e

introduzido na literatura técnica no ano de 1869. É formado pela raiz da palavra

grega homo, que quer dizer “semelhante”, e pela palavra latina sexus, passando a

significar “sexualidade semelhante”. Exprime tanto a idéia de semelhança, igual,

4 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 39. 5 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 339. 6 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 53/54. 7 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – direito de família, p. 02.

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análogo, ou seja, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter,

como também significa a sexualidade exercida com uma pessoa do mesmo

sexo.”8

PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA

“(...) nesse novo quadro de referências, o estalão geral que determina e orienta é

o bem do menor. Portanto, enquanto as prerrogativas dos pais, tutores, guardiões

sofrem todas as limitações que se revelem necessárias à preservação daquele

valor, amplia-se a liberdade do menor em benefício de seu fundamental direito de

chegar à condição adulta sob as melhores garantias materiais e morais.”9

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

“Os princípios constitucionais foram convertidos em alicerce normativo sobre o

qual se assenta todo o edifício jurídico do sistema constitucional, o que provocou

sensível mudança na maneira de interpretar a lei.”10

REGRAS

“As regras disciplinam uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a

norma tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência. Para as regras vale

a lógica do tudo ou nada (Dworkin).”11

UNIÃO ESTÁVEL

“União estável é a relação íntima e informal, prolongada no tempo e assemelhada

ao vínculo decorrente do casamento civil, entre sujeitos de sexos diversos

8 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 37. 9 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 129. 10 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 51. 11 GOMES, Luiz Flávio. Normas, regras e princípios – conceitos e distinções. Disponível em ������������� �����������������������������

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(conviventes ou companheiros), que não possuem qualquer impedimento

matrimonial entre si.”12

UNIÃO HOMOAFETIVA

“Percebe-se que a convivência afetiva homossexual apresenta traços muito próximos das demais entidades familiares. Não se crê estarem os sinais relevantes da existência de uma entidade familiar ligados à sua necessária condição heterossexual, para, conseqüentemente, não se legitimar a parceria entre pessoas do mesmo sexo. O complexo de funções decorrentes do casamento é assaz semelhante entre uniões hetero e homossexuais.”13

12 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 213. 13 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo – aspectos jurídicos e sociais, p. 63/64.

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SUMÁRIO

RESUMO......................................................................................... XIII

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4

ADOÇÃO............................................................................................ 4

1.1 RAÍZES HISTÓRICAS DA ADOÇÃO...............................................................4

1.2 EVOLUÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO.........................................................7

1.3 CONCEITOS DE ADOÇÃO ............................................................................11

1.4 NATUREZA JURÍDICA...................................................................................13

1.5 REQUISITOS NECESSÁRIOS À ADOÇÃO...................................................14

1.5.1 IDADE ............................................................................................................14

1.5.2 ESTADO CIVIL DOS ADOTANTES........................................................................17

1.5.3 CONSENTIMENTOS EXIGIDOS............................................................................20

1.5.4 ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA ...............................................................................22

1.5.5 IMPEDIMENTOS À ADOÇÃO ...............................................................................24

1.6 EFEITOS DA ADOÇÃO..................................................................................27

1.6.1 PESSOAIS ......................................................................................................27

1.6.2 PATRIMONIAIS ................................................................................................30 CAPÍTULO 2 .................................................................................... 33

UNIÃO ESTÁVEL............................................................................. 33

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2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA UNIÃO ESTÁVEL ........................33

2.2 CONCEITO .....................................................................................................37

2.3 REQUISITOS PARA CONFIGURAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL ....................39

2.4 EFEITOS GERADOS PELA UNIÃO ESTÁVEL .............................................46

2.4.1 PESSOAIS ......................................................................................................47

2.4.2 PATRIMONIAIS ................................................................................................49

2.4.3 QUANTO À FILIAÇÃO .......................................................................................52

2.5 CONCEITOS E ASPECTOS DA HOMOSSEXUALIDADE.............................53

2.5.1 PSICOLÓGICOS ...............................................................................................55

2.6 UNIÕES ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO E AS TRANSFORMAÇÕES NO DIREITO DE FAMÍLIA....................................................................................56

2.7 ANALOGIA ENTRE UNIÃO CONVENCIONAL E UNIÃO HOMOAFETIVA ..60 CAPÍTULO 3 .................................................................................... 62

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS..................................... 62

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3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .........................................................................62

3.2 A IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS...........................63

3.2.1 CONCEITO DE PRINCÍPIOS ................................................................................63

3.2.2 DIFERENÇA ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS .........................................................64

3.2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS AO DIREITO DE FAMÍLIA.....................65

3.2.4 LIBERDADE E IGUALDADE ................................................................................68

3.2.5 PLURALIDADE FAMILIAR ..................................................................................69

3.2.6 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ......................................................................72

3.3 A ADOÇÃO E O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.......74

3.4 A ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS E OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO INSTITUTO ...........................................................................................................77

3.5 BREVE NOTÍCIA SOBRE A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS NO DIREITO ESTRANGEIRO ....................................................................................82

3.5.1 ALGUNS PAÍSES DA EUROPA ...........................................................................82

3.5.2 ESTADOS UNIDOS ...........................................................................................84

3.6 O AFETO COMO FATOR PRINCIPAL DA ADOÇÃO....................................86

3.7 O JUDICIÁRIO E A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS ..................88 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 97

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................ 102

ANEXOS......................................................................................... 106

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RESUMO

O presente trabalho busca uma análise acerca da possibilidade jurídica do

deferimento da adoção por casais homossexuais, com fundamento no princípio

mais consagrado pelo Direito brasileiro, o princípio da dignidade da pessoa

humana, cuja pesquisa foi desenvolvida sob o método indutivo. Seu objetivo é

abordar a adoção, desde sua evolução histórica mundial e no direito brasileiro,

seu conceito, natureza jurídica, requisitos e efeitos jurídicos, tema este abordado

no primeiro capítulo. No segundo capítulo, explanou-se acerca da união estável,

buscando sua origem histórica e evolução, além de conceituação de tal instituto,

para tratar dos seus requisitos configuradores e efeitos dela decorrentes, e, após,

tecer considerações sobre a união homossexual, fazendo-se, então, um

parâmetro entre tal forma de união com a união convencional e as transformações

existentes no Direito de Família. O terceiro e último capítulo destinou-se ao

estudo da possibilidade de adoção por casais homossexuais, partindo-se da

aplicação de alguns dos princípios constitucionais com relevância para o Direito

de Família, com efeitos, principalmente, para a adoção e o reconhecimento da

união homoafetiva como forma de família, fazendo-se uma abordagem sobre a

adoção por pares homoafetivos em alguns países europeus, assim como nos

Estados Unidos, assim como buscou-se na jurisprudência de alguns tribunais

brasileiros, decisões que servem como paradigmas para a adoção por casais

homossexuais, baseadas na prevalência do afeto existente entre adotantes e

adotando.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto A Possibilidade Jurídica da Adoção por

Casais Homoafetivos à Luz dos Princípios Constitucionais na legislação brasileira

e, como Objetivos14: institucional, produzir uma Monografia para obtenção do

Título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI;

geral, pesquisar acerca do Instituto da Adoção no Direito brasileiro; específicos,

investigar e discorrer sobre a adoção, seus requisitos e efeitos; pesquisar e

discorrer acerca da união estável, seus elementos configuradores e efeitos, assim

como a união homoafetiva; pesquisar, investigar e descrever, especificamente,

sobre a possibilidade jurídica da adoção por casais homossexuais.

Para tanto, no Capítulo 1, serão estudadas as origens históricas da adoção, com

a sua evolução no direito brasileiro, até chegar ao Estatuto da Criança e do

Adolescente e o Código Civil atual, para, depois conceituá-la e mostrar a sua

natureza jurídica. Na seqüência, far-se-á uma abordagem sobre os requisitos

necessários ao deferimento do pleito de adoção, apontando, em seguida, os

efeitos decorrentes dela, divididas em pessoais, e patrimoniais, tanto em relação

ao adotado quanto ao adotante.

No Capítulo 2, será efetuada uma análise da união estável, primeiramente,

inicialmente por meio de sua origem e evolução histórica, trazendo-se seu

conceito e seus requisitos configuradores, além de seus efeitos, divididos em

pessoais, patrimoniais e quanto à filiação, para, em seguida, tratar do conceito e

alguns aspectos da homossexualidade, as transformações no direito de família

relacionadas com a união entre pessoas de mesmo sexo, fazendo-se, a partir daí,

uma analogia entre as uniões ditas convencionais e as existentes entre pessoas

de igual sexo.

14 “Objetivo é a meta que se deseja alcançar como desiderato da Pesquisa”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa Jurídica – Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p.77.

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2

O Capítulo terceiro, tratará do tema central do presente trabalho que é a adoção

por casais homossexuais, ressaltando a importância dos princípios constitucionais

na resolução de pedidos de adoção formulados por pares homoafetivos,

elencando-se alguns desses princípios, que possuem aplicação direta no estudo

do Direito de Família, sem, contudo, antes destacar a diferença entre princípios e

regras. Destacar-se-á a importância do respeito ao princípio do melhor interesse

da criança, objetivando fazer uma relação com os princípios que regem o instituto

da adoção, para então utiliza-los como fundamentos à adoção por casais

homossexuais, tendo o afeto como fator principal da adoção.

Far-se-á um breve relato acerca da adoção por pares homoafetivos em alguns

países da Europa e nos Estados Unidos e em seguida, apresentar-se-á a posição

do Poder Judiciário brasileiro acerca da possibilidade do deferimento da adoção

por casais homossexuais, com respaldo no respeito à dignidade da pessoa

humana, por meio da análise dos julgados do Superior Tribunal de Justiça, e

Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Rio de

Janeiro.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram criados os seguintes

problemas:

1. Quais são as pessoas legitimadas para requerer a

adoção de criança e adolescente no direito brasileiro?

2. A união estável entre homem e mulher foi reconhecida

como entidade familiar, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988. Diante do avanço constitucional e considerando que nada foi dito em

relação a união entre pessoas do mesmo sexo, seria possível o reconhecimento

do união estável entre homossexuais?

3. É possível a adoção por casais homossexuais, apesar

da ausência de norma neste sentido, utilizando-se como fundamentação os

princípios gerais de direito, especialmente o princípio da dignidade humana e o

melhor interesse da criança?

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3

Em resposta aos problemas, foram levantadas as seguintes

hipóteses:

1. Possuem legitimidade para a adoção de crianças e

adolescentes pessoas maiores de dezoito anos de idade, solteiras, casadas ou

que vivam em união estável, além das separadas judicialmente e divorciadas,

sendo que nestes dois últimos casos, o período de estágio de convivência deve

ter se iniciado ainda na constância da sociedade conjugal.

2. É possível o reconhecimento da união estável entre

homossexuais, porquanto aplicável a analogia com a união estável, não sendo

absoluto o requisito da união estável, que prevê a diversidade de sexos

3. É possível a adoção por casais homossexuais, apesar

da ausência de norma neste sentido, utilizando-se como fundamentação os

princípios gerais de direito, especialmente o princípio da dignidade da pessoa

humana e o melhor interesse da criança, desde que preenchidos os demais

requisitos para a adoção, inexistindo referência legal à opção sexual dos

adotantes.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi

utilizado Indutivo e o Relatório dos Resultados expressos na presente Monografia

também será composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da

Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas

quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação

à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a possibilidade jurídica da

adoção por casais homossexuais com base no princípio da dignidade da pessoa

humana.

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CAPÍTULO 1

ADOÇÃO

1.1 RAÍZES HISTÓRICAS DA ADOÇÃO

A adoção, instituto jurídico previsto atualmente pelo Código Civil Brasileiro15 e

pelo Estatuto da Criança e do Adolescente16, surgiu com o fim de garantir a

perpetuação do culto aos mortos, por meio da integração de indivíduo estranho a

uma família.

Segundo Wald17:

A adoção surgiu historicamente atendendo a imperativos de ordem religiosa. O homem primitivo acreditava, mais do que o homem moderno, que os vivos eram governados pelos mortos. Por esse motivo, apaziguava com suas preces e sacrifícios os ancestrais falecidos para que protegessem os seus descendentes. Somente o culto dos mortos, que encontramos em todas as religiões primitivas, explica a expansão do instituto da adoção e o papel que desempenhou no mundo antigo.

Desta forma, continua Wald18, o instituto da adoção foi o meio encontrado para

perpetuar a família e a religião doméstica, de forma a transferir bens familiares ao

estrangeiro que aderia à religião doméstica, desligando-se de sua família primitiva

e ingressando em uma nova, de forma a instituir um herdeiro.

15 BRASIL. Código civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 16 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. 17WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p.269/270. 18 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p.270.

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5

A Bílblia já registrou casos de adoção, quando Moisés foi adotado pela filha do

Faraó, Témulus, ou, ainda, de Efrain e Manes, filhos de Agar, serva de Sara,

esposa de Jacó, os quais foram adotados por esta,

A doutrina, ainda, relata que há registros relativos à adoção pelos povos antigos,

com claras referências no Código de Hamurabi, com previsão em onze de seus

artigos19, dispondo que “ao adotado era permitido regressar ao lar de seus pais

legítimos, apenas se estes o houverem criado, sendo que, na hipótese de ter o

adotante despendido dinheiro e zelo com o adotado, tal situação era vedada.”20

Merece grande destaque a adoção prevista pelo Direito Romano, no qual a

primeira característica era de religiosidade, para depois ganhar ares políticos.

Para Peres21, os romanos possuíam três formas de adoção, a saber:

(...) 1ª) adoção testamentária (adoptio per testamentum), que se destinava a produzir efeitos após a morte do testador, sendo necessária a confirmação da cúria; 2ª) ad-rogação (ad rogatio), pela qual o adotado capaz se desligava de sua família de origem e se tornava um herdeiro de culto do adotante, havendo o consentimento de ambos; 3ª) adoção propriamente dita (datio adoptionem), pela qual o incapaz se desligava de sua família de origem, sendo necessário que seu pai de sangue o emancipasse por três vezes, na presença do adotante. O pátrio poder se extinguia em relação ao pai biológico e passava para o adotante, que iniciava o incapaz nas práticas religiosas.

Divergente, porém, o histórico apresentado por Wald22, o

qual apresenta apenas dois tipos de adoção, a ad rogatio, ou ad-rogação,

concedida a pessoas não dependentes de outras, com valor político e, por este

19 BANDEIRA, Marcos. Adoção na prática forense, p. 17. 20 PINTO apud Silva Júnior, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 91. 21 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossxuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 69/70. 22 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p.270.

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6

motivo, precedente de aprovação de cúrias, e a adoptio, para aqueles que se

encontravam sob autoridade alheia.

Durante o período romano, a doutrina civilista é pacífica em afirmar que a adoção

deixou a feição de religiosa para tornar-se um instrumento de direito público, na

sucessão dos imperadores, para, somente depois, dar àqueles que não podiam

procriar a possibilidade de ter herdeiros.

Na Idade Média, por sua vez, a adoção praticamente deixou de ser utilizada, em

razão de os senhores feudais transmitirem os seus títulos de “nobreza” e direitos

sobre seus feudos somente aos seus descendentes sangüíneos.

Sobre este período histórico, melhor explana Chaves23 ao afirmar que o instituto

passou por longo período obscuro, pois, dentre outros motivos, aquele que fosse

adotado não herdaria do adotante o título nobiliárquico, uma vez que este se

transmitia jure sanguinis, por concessão real, ou seja, necessitava de autorização

do monarca e, no século XVI, o adotado não possuía mais sequer direito de

suceder àquele que o adotara.

Destaca Wald24, que enquanto as sociedades foram regidas pelo direito canônico,

a adoção passou em branco, pois

O direito canônico desconheceu a adoção, em relação à qual a Igreja manifestava importantes reservas. Nela viam os sacerdotes um meio de suprir ao casamento e à constituição da família legítima e uma possibilidade de fraudar as normas que proibiam o reconhecimento de filhos adulterinos e incestuosos.

A adoção voltou à tona na França, com o Código Napoleônico, tendo

características contratuais e, segundo Bandeira25, definia que “o adotante deveria

23 CHAVES, Antônio. Adoção, p. 51. 24 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p. 271. 25BANDEIRA, Marcos. Adoção na prática forense, p. 19.

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ser maior de 50 anos, não ter filhos naturais nem descendentes legítimos na

época da adoção e possuir, no mínimo, 15 anos mais que o adotado.”

Desta forma, verifica-se que a adoção já era utilizada antes de Cristo, uma vez

que se pode encontrar registros históricos no Antigo Testamento, além do Código

de Hamurabi e, após um período em que o instituto praticamente deixou de ser

utilizado, o tema ressuscitou com características contratuais, para atualmente ser

utilizado em todo o mundo para inserir alguém e uma família que deseja tê-lo

como filho.

1.2 EVOLUÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

No Brasil, a adoção foi regulamentada ainda no período imperial, uma vez que

aqui se aplicavam as Ordenações Portuguesas, as quais mesmo após a

proclamação da República, continuaram a viger no Brasil através das leis,

regimentos, resoluções e ordenações portuguesas, quando a adoção era

denominada de perfilhamento.

Segundo Freitas, citado por Bandeira26, a primeira disposição legal que trata da

adoção em leis realmente brasileiras foi o art. 217 da Consolidação das Leis Civis,

ao determinar que aos juízes caberia “conceder cartas de legitimação aos filhos

sacrílegos, adulterinos e incestuosos, e confirmar as adoções”

Com o advento do Código Civil de 191627, o instituto da adoção foi abordado nos

arts. 368 usque 378, fazendo diferenciações gritantes entre os filhos naturais, até

então chamados de legítimos, e os adotados.28

26 FREITAS apud BANDEIRA, Marcos. Adoção na prática forense, p. 19. 27 BRASIL. Código civil. Lei n. 3.071, de 01 de janeiro de 1916. 28 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossxuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 71.

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Segundo Lisboa29, o código civil então em vigência no Brasil “(...) procedia,

ademais, à discriminação entre os filhos legítimos e os ilegítimos,

desprestigiando-se a situação dos adotados perante a família substituta. O

adotado não tinha os mesmos direitos sucessórios dos demais filhos.”

Colhe-se do ensinamento de Fachin30:

Na codificação brasileira de 1916, originariamente, o escopo da adoção era, basicamente, o de oferecer a oportunidade de ter filhos a quem não os possuía ou não podia tê-los por meios naturais. (...) Essa ordem de idéias era chancelada pelo Código Civil, de modo a fazer com que a criança que viesse a ingressar em um novo lar fosse vista como detentora de um estatuto de filho limitado pela ausência de consangüinidade. A criança adotada não era tratada como sujeito de necessidades cuja dignidade igual à dos filhos naturais; importa na medida em que satisfaz o desejo do adotante em se projetar na descendência, ainda que adotiva, mas sua seara de direitos se circunscrevia a um estatuto especial, coerente com a racionalidade que informava a adoção.

Nesse contexto, a adoção era possível somente àqueles maiores de 50 anos de

idade, sem filhos legítimos ou legitimados, o que acabou por levar à modificações

impostas pela Lei nº 3.133/57, também chamado de Estatuto de Adoção de 1957

e segundo Bandeira31, as principais mudanças ocorreram em relação a idade

mínima do adotante de 50 para 30 anos, assim como a não mais exigência de

não possuir o adotante filhos legítimos ou legitimados, possibilitando-se, assim,

que o instituto ganhasse popularidade.

Diz Wald32 que era admitida pela legislação brasileira então vigente a revogação

da adoção mediante acordo das partes ou, ainda, existindo um motivo justo que

fosse capaz de justificar uma deserdação, permitindo, ademais, a adoção por

escritura pública.

29 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 337. 30 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo código civil, p. 151 31 BANDEIRA, Marcos. Adoção na prática forense, p. 20. 32 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p. 273.

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Posteriormente, com a criação da Lei nº 4.655/65, ficou previsto em lei a figura da

legitimação adotiva, a qual, nos dizeres de Dias33 “(...) admitiu mais uma

modalidade de adoção, a chamada Legitimação adotiva. Dependia de decisão

judicial, era irrevogável e fazia cessar o vínculo de parentesco com a família

natural.”

Acerca de tal assunto, escreveu Silva Júnior.34

A Lei 4.655/65, com efeito, surgiu para efetivar a total integração do adotado no seio familiar que o recebia. Mas a discriminação ainda era evidente. Com o tempo a legitimação adotiva passaria a ser tratada, simplesmente, como adoção – nas modalidades simples e plena. A primeira, prevista no (já revogado) Código Civil de 1916 (arts. 368 ao 378) e a segunda, que seria a legitimação adotiva, com os incrementos trazidos pela Lei 6.697/79 0 o também revogado Código de Menores

Assim, o Código de Menores35 revogou a legislação anterior, a exceção do antigo

Código Civil, e, de acordo com Dias36 disciplinou a adoção plena, conforme se

pode verificar do trecho extraído de sua obra Manual de direito das famílias:

O Código de Menores (Lei n. 6.697/79) substituiu a legitimação adotiva pela adoção plena, mas manteve o mesmo espírito. O vínculo de parentesco foi estendido à família dos adotantes, de modo que o nome dos ascendentes passou a constar no registro de nascimento do adotado, independentemente de consentimento expresso dos avós.

O supramencionado diploma legal, conforme Chaves37, era aplicado em se

tratando de menor em situação irregular, nos termos do art. 2º daquela lei.

33 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 425. 34 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 93. 35 BRASIL. Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979. Institui o Código de Menores. 36 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 425. 37 CHAVES, Antônio. Adoção, p. 59/60.

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No entanto, com a promulgação da Carta Constitucional de 198838, em seu art.

227, §6º, ficou proibida qualquer distinção na qualificação dos filhos, além de

assegurar aos adotados os mesmos direitos e deveres dos filhos naturais.

Diante da nova ordem constitucional, entrou em vigência a Lei nº 8.069/90, o

Estatuto da Criança e do Adolescente, passou a regular a adoção dos menores

de 18 anos de idade (adoção plena), baseando-se no princípio do melhor

interesse da criança, continuando a viger as disposições do Código Civil de 1916

em relação à adoção de maior de 18 anos (adoção simples).

Sobre a adoção disciplinada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, assevera

Bandeira39:

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) estabelece uma adoção sem qualificativo, deixa de ser simples ou plena e passa a ser simplesmente adoção, valendo para menores de zero a dezoito anos, bem como os que se encontre entre 18 e 21 anos, desde que se encontrem sob a guarda ou tutela dos adotantes antes de completar essa idade.

Em 2003 entro em vigor o atual Código Civil, onde a adoção encontra-se

disciplinada entre os art. 1.618 ao 1.629, sendo, de acordo com Silva Júnior40,

uma lei geral que não teve o condão de revogar o Estatuto da Criança e do

Adolescente, por ser este lei especial aplicável à adoção de menores de 18 anos.

38 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. 39 BANDEIRA, Marcos. Adoção na prática forense, p. 21. 40 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por homossexuais, p. 94.

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1.3 CONCEITOS DE ADOÇÃO

A adoção, segundo Wald41 é “(...) uma ficção jurídica que cria o parentesco civil. É

um ato bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas entre as

quais tal relação inexiste naturalmente.”

Chaves42, ao definir a adoção, cita o conceito apresentado por Cícero, segundo o

qual “Adotar é pedir à religião e à lei aquilo que da natureza não se pôde obter.”

Esse mesmo autor define tal instituto, por suas próprias palavras, ao dizer que

“Podemos defini-la como ato sinalagmático e solene, pelo qual, obedecidos os

requisitos da Lei, alguém estabelece, geralmente com um estranho, um vínculo

fictício de paternidade e filiação legítimas (...).”43

Por sua vez, deve-se mencionar as definições trazida por Clóvis Beviláqua e

Orlando Gomes, segundo Guimarães44:

Silvio Rodrigues menciona definição de Clóvis Beviláqua, para quem adoção é ato civil pelo qual alguém aceita um estranho, na qualidade de filho, asseverando, contudo, melhor seria dizer que adoção é o ato do adotante pelo qual traz ele, para sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é estranha. (...) Para Orlando Gomes, adoção é o ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente do fato natural da procriação, o vínculo da filiação, tratando-se de ficção legal, que permite a constituição, entre duas pessoas, do laço do parentesco do primeiro grau na linha reta.

41 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p.270 42 CHAVES, Antônio. Adoção, p. 23. 43 CHAVES, Antônio. Adoção, p. 23. 44 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e curatela – conforme o Estatuto da criança e do Adolescente e o novo código civil, p. 31.

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Já segundo Lisboa45, “Adoção é o ato jurídico solene pelo qual um sujeito

estranho é introduzido na família do adotante, passando a ter os mesmos direitos

decorrentes da filiação.”

No entendimento de Peres46:

(...) ‘ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim’. Ou, ainda, ‘modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural’. A filiação natural se origina de um vínculo de sangue, enquanto a filiação civil decorre da adoção. .

Por seu turno, Fachin47, ao realizar uma análise do instituto ora abordado, sob a

ótica do Código Civil de 2002, sustenta que a adoção

(...) funda liame socioafetivo profundo e revela o sentido maior das relações familiares parentais. Sob uma angulação jurídica mais estrita a adoção estabelece a relação de ascendência e descendência independente da consangüinidade. Instaura, assim, o parentesco civil. (...) A adoção constitui espaço em que a verdade socioafetiva da filiação se manifesta com ênfase inegável. Mais do que os laços de sangue, o que une o adotante e o adotado são os laços do afeto, que se constroem no espaço da convivência familiar.

Em relação à adoção, definiu Miranda48 que é a atribuição de filho ao adotado,

dando a este os mesmos direitos e deveres após o seu desligamento do vínculo

parental e de filiação com seus pais e parentes biológicos.

Desta forma, pode-se vislumbrar que se trata a adoção de instituto jurídico capaz

de criar vínculo jurídico de parentesco, no caso, de filiação, embora não

45 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 336. 46 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossxuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 74. 47 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo código civil, p. 150/151.

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consangüínea, entre as partes, baseado, principalmente, no afeto, dando aos

adotado os mesmos deveres de filho consangüíneo.

1.4 NATUREZA JURÍDICA

Acerca da natureza jurídica da adoção, não é mais contratual, uma vez que, no

entendimento de Bandeira49, trata-se de direito indisponível e, principalmente, na

sobreposição do interesse público, caracterizado pelo resguardo dos interesses

do menor, segundo o qual o pleito de adoção somente poderá ser deferido se

representar motivos legítimos e reais vantagens ao adotando.

Tal entendimento é corroborado por Chaves50, segundo o qual “A idéia de

contrato, no entanto, deve ser afastada como essência do instituto, porque as

relações contratuais são fundamentalmente de conteúdo econômico, ao passo

que o vínculo que a adoção estabelece é essencialmente espiritual e moral.”

Assim, há corrente doutrinária, segundo o mesmo autor51, que dita ser a adoção

“(...) instituto jurídico de ordem pública, cuja plena validade jurídica, em cada caso

particular, depende de um ato jurídico individual.”

Esse entendimento encontra-se corroborado por Bandeira52, para quem a adoção

tanto é instituto jurídico, que é capaz de instituir vínculo familiar entre as partes

envolvidas, leia-se adotante e adotado, bem como entre este e os ascendente

desse e seus outros parentes, por meio de provimento jurisdicional, ou seja, essa

filiação, que é civil, somente pode ser criada mediante intervenção jurisdicional.

48 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, p. 219. 49 BANDEIRA, Marcos. Adoção na prática forense, p. 37. 50 CHAVES, Antônio. Adoção, p. 30. 51 CHAVES, Antônio. Adoção, p. 31. 52 BANDEIRA, Marcos. Adoção na prática forense, p. 38.

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Ainda, refere-se ao instituto, como ato complexo, posto que há atos de direito

privado e de direito público, que terminam com a prolatação e publicação da

sentença, o que lhe dá caráter publicista.

1.5 REQUISITOS NECESSÁRIOS À ADOÇÃO

É cediço que para o deferimento do pedido de adoção é necessário o

preenchimento de alguns requisitos, como a idade, que está relacionada tanto

com o adotante como com o adotado, o estado civil dos adotantes, necessidades

de alguns consentimentos em determinados casos, cumprimento de estágio de

convivência e observância de alguns impedimentos à adoção, sendo que esses

requisitos encontram-se elencados na legislação brasileira, representada pelo

atual Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

1.5.1 Idade

Com o advento da Lei nº 8.069/90, a adoção, que até então era regulada pelo

Código de Menores, passou a ser disciplinada por ela. O referido texto legal,

dentre outros requisitos apontou para a observância da idade do adotante, o qual

deve contar com, no mínimo, vinte e um anos e, sendo o caso de pedido de

adoção formulado por casal, ao menos um deles deve ter esta idade.

Tal requisito encontra-se previsto no art. 42 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, que dispõe:

Art. 42: Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil. (...)

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§2º A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a estabilidade da família.

§3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho que o adotando.

Denota-se do artigo supracitado que deve ser respeitada também uma diferença

de idade entre adotante e adotado, qual seja, ao menos dezesseis anos a mais

para o adotante.

No entanto, com a vigência do atual Código Civil, conforme se verifica de seu art.

1.618 e seu parágrafo único, a idade mínima para pleitear a adoção reduziu-se

para dezoito anos, principalmente em virtude da redução da maioridade civil de

vinte e um anos para dezoito anos de idade.

Art. 1.618: Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar.

Parágrafo único. A adoção por ambos os cônjuges ou companheiros poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado dezoito anos de idade, comprovada a estabilidade da família.

De outro norte, o Código Civil de 2002, como bem se verifica de seu art. 1.619,

não trouxe inovações em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente no

concernente à diferença mínima de idade entre adotante e adotando.

Sobre a redução da idade mínima para pleitear a adoção, faz-se mister

transcrever o ensinamento de Dias53, para quem:

O ECA exigia a plena capacidade para adotar, ou seja, a idade de 21 anos (ECA 42). Como houve a redução da capacidade civil para 18 anos (5º), a idade para a adoção tem novo limite (1.618). No entanto, basta que um dos adotantes tenha esta idade para o

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casal ter a possibilidade de adotar. Há outro requisito que diz com a idade. Entre adotante e adotado, deve existir uma diferença de 16 anos (1.619 e ECA 42 §3º). Sendo dois os adotantes, em face do silêncio da lei, é de admitir-se a mesma orientação, ou seja, basta o respeito à diferença de idade com relação a um dos adotantes. Não cabe recusar a concessão da adoção, caso não exista a diferença de idade indicada com referência a apenas um dos requerentes.

O entendimento é confirmado por Guimarães54, para quem

Esta nova idade estabelecida pelo atual Código Civil decorreu das alterações por ele estabelecidas, referentes à maioridade, que passou de 21 para 18 anos, idade em que a pessoa ficará habilitada à prática de todos os atos da vida civil, inclusive o casamento. A idade mínima de 18 anos para o adotante não fere os princípios contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo com ele compatível. Com efeito, sendo apto à prática de todos os atos da vida civil, inclusive quanto ao casamento, não há qualquer razão para não se admitir que possa também o jovem de 18 anos de idade adotar uma criança, como, aliás, já era admitido pelo ECA, com relação à um doas cônjuges ou companheiros.

Ainda, para o mesmo autor, tal diferença de idade deve-se à natureza do próprio

instituto, que cria a filiação ficta e formal, com o fito de imitar a natureza.

Explica Wald55 que ao manter a disposição sobre a diferença de idade entre

adotante e adotado, procurou o Código Civil de 2002 aproximar o instituto ora

abordado ao parentesco civil e acerca da idade mínima que possibilita o pleito de

adoção, em se tratando de casal, pode um deles apenas contar com dezoito

anos, desde que comprovem a estabilidade familiar.

53 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 430. 54 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e curatela – conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente e o novo código civil, p. 39. 55 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p. 277.

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Resta, ainda, consignar que, segundo Lisboa56, a idade mínima deve ser

comprovada à época do evento.

1.5.2 Estado civil dos adotantes

Outro requisito exigido pela legislação brasileira diz respeito ao estado civil dos

adotantes, estando previsto no art. 1.618 do Código Civil, que dispõe:

Art. 1.618: Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar.

Parágrafo único. A adoção por ambos os cônjuges ou companheiros poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado dezoito anos de idade, comprovada a estabilidade da família.

O dispositivo acima transcrito não destoa do art. 42 do

Estatuto da Criança e do Adolescente, que assim disciplina:

Art. 42: Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil.

(...)

§2º A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser

formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um

anos de idade, comprovada a estabilidade da família.

(...)

56 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 340.

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§4º Os divorciados e separados judicialmente poderão adotar

conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime

de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido

iniciado na constância da sociedade conjugal.

Sobre a forma que o estado civil dos adotantes, encontra-se

previsto em lei, Dias57, acrescenta que:

Não só uma, mas duas pessoas podem adotar alguém. A disposição legal, no sentido de que os adotantes devem ser marido e mulher ou viver em união estável (1.622), não exclui a concessão da medida aos homossexuais. Não é indicado o modo de demonstrar a união estável, bastando a comprovação da estabilidade da família (ECA 42, §2º).

Destaca-se, também o fato de que não há óbice para

solteiros pleitearem a adoção, da mesma forma, para os requerentes que vivam

em união estável, divorciados e separados judicialmente, como bem regulamenta

o Código Civil.

Art. 1.622: Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável.

Parágrafo único. Os divorciados e judicialmente separados poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal.

Ainda acerca destes dispositivos legais, assevera Dias58 que

“A adoção pode ser concedida a divorciados e judicialmente separados, desde

que o estágio de convivência tenha iniciado na constância da sociedade conjugal

e haja acordo sobre a guarda e o regime de visitas (1.622 e ECA 42 §4º).”

57 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 430. 58 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 430.

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Da mesma forma, relata Guimarães59 que o pedido de

adoção também pode ser deferido à casais, sejam de cônjuges ou companheiros,

se respeitada a diferença mínima de idade entre as partes e um dos adotantes

haver completado dezoito anos de idade à época de tal pleito, devendo restar

comprovada a estabilidade familiar, por meio da demonstração de harmonia,

respeito e princípios morais sólidos, através de em estudo social e psicológico.

Quanto aos divorciados e separados judicialmente, a

legislação deixa claro que também podem adotar conjuntamente, com uma

ressalva dos textos legais, ou seja, presença de acordo sobre guarda e regime de

visitas, além de início do estágio de convivência ter-se iniciado ainda na

constância da sociedade conjugal.

Por sua vez, ao tratar do assunto, Peres60 menciona que:

Pelo Estatuto, a adoção é facultada tanto ao homem quanto à mulher, de forma conjunta ou isolada, desaparecendo a exigência do estado matrimonial, pois os companheiros foram igualmente contemplados. Para tanto, exige-se que o adotante tenha mais de 21 anos, a fim de que possa exercer a autoridade parental, e que seja pelo menos 16 anos mais velho que o adotando.

No concernente à união estável, fala Fachin61 que não pode

haver diferenciação entre a união estável e o matrimônio que estão a se dissolver

quando se fala de adoção, posto que se busca o atendimento do melhor interesse

da criança que está sendo adotada, até mesmo porque em certo período gozou

de alguma estabilidade, de maneira que o término da relação não deve servir de

empecilho ao pedido de adoção.

59 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e curatela – conforme o Estatuto da criança e do Adolescente e o novo código civil, p. 39-40. 60 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 76. 61 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo código civil, p. 181-182.

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1.5.3 Consentimentos exigidos

Outro requisito elencado pela lei encontra-se previsto no art. 1.621 do Código Civil

que assim ensina:

Art. 1.621: A adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar com mais de doze anos.

§1º O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.

§2º O consentimento previsto no caput é revogável até a data da publicação da sentença constitutiva da adoção.

O artigo supra transcrito não destoa daquele já previsto

anteriormente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme se pode

verificar:

ART. 45: Adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando.

§1º O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder.

§2º Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento.

Em relação a mais este requisito, qual seja, a necessidade de consentimento dos

pais ou representante legal do adotado, colhe-se dos ensinamentos de Fachin62,

que diz:

62 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo código civil, p.171-172.

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A adoção plena implica a constituição da autoridade parental do adotante em relação ao adotado. Esse fato gera ao menos duas conseqüências: na) não é possível a adoção de alguém que ainda esteja sob a autoridade parental de outrem, uma vez que a adoção implica a formação de um novo vínculo paterno-filial com a extinção da anterior (...); b) estando o adotando sob a autoridade parental de outrem, deve o seu titular autorizar a adoção, que implicará a desconstituição do vínculo parentesco originário(...). Exige-se autorização, também, nos casos em que a criança esteja submetida a tutela, hipótese em que caberá ao tutor prestar o consentimento para que se opere a adoção.

Já para Dias63 a dispensa do consentimento inserida no art. 1.621, §1º, do Código

Civil e art. 45, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente faz com que a

adoção seja deferida mesmo sem a destituição de poder familiar em relação

àqueles que o detém, sendo que o mesmo se dá quando tratar-se de criança ou

adolescente exposto, caracterizando situação de risco, ou cujos pais sejam

desconhecidos, estejam desaparecidos, tenham sido destituídos do poder

familiar, sem que tenha ocorrido a nomeação de tutor, bem como sendo o

adotado órfão não reclamado por nenhum parente por período superior a um ano,

nos termos do art. 1.624 do Código Civil.

Dias64, vai ainda além, ao defender a idéia de que, inclusive, “Nessas hipóteses,

aliás, seria até dispensável procedimento judicial de adoção, ao menos em favor

de candidatos já habilitados ou quando já estabelecido o convívio.”

Assim, necessário o consentimento dos representantes legais do adotando ou de

seus pais, sendo tal requisito dispensado quando estes forem desconhecidos,

como no caso de crianças abandonadas, ou tenham sido destituídos do pátrio

poder.

63 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 431. 64 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 431.

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Ainda, há a necessidade do consentimento do adotando, quando esta contar com

mais de doze anos, uma vez que passará, com a adoção, a existir novo vínculo

de filiação.

1.5.4 Estágio de convivência

Outro requisito à adoção, apresentado pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente, é o estágio de convivência, constante no art. 46

daquele diploma legal. Veja-se:

ART. 46: A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.

§1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotante não tiver mais de 1 (um) ano de idade ou se, qualquer que seja a sua idade, já esteja na companhia do adotante durante tempo suficiente para se poder avaliar a convivência da constituição do vínculo.

§2º Em caso de adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de no mínimo 15 (quinze) dias para as crianças de até 02 (dois) anos de idade, e de no mínimo 30 (trinta) dias quando se tratar de adotando acima de 02 (dois) anos de idades.

Sobre a necessidade do estágio de convivência, Pachi65

afirma que tal requisito existe em decorrência da natureza da adoção, que insere

o infante em uma nova família, devendo, por este motivo, durar o período

necessário para se verificar a adaptação entre as partes envolvidas, e continua:

Conclui-se, portanto, ante a necessidade da avaliação, que sempre haverá um estágio de convivência, mínimo que seja, tanto

65 PACHI, Carlos Eduardo. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado – comentários jurídicos e sociais, p. 172

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quando o adotado tenha menos de um ano de idade, como quando já esteja na companhia do adotante por tempo suficiente, ainda que tenha idade superior àquela.

Tal assertiva diz respeito também ao parágrafo primeiro do

artigo acima transcrito, o qual aborda a exceção à regra estabelecida pelo caput,

desde que o menor já se encontre na companhia dos adotantes por tempo

suficiente para a verificação de sua adaptação ao novo lar, bem como do

adotante em relação ao adotando, conforme bem observa o mesmo autor,

dispondo que:

O §1º do art. 46 estabelece a exceção à regra de seu caput, na medida em que prevê a possibilidade de dispensa do estágio de convivência, se o adotado não tiver mais de um ano de idade ou se já estiver na companhia do adotante durante tempo suficiente para se avaliar a conveniência do deferimento da medida, independentemente da idade.

Venosa66, por sua vez, conclui que o cumprimento deste

estágio serve para “(...) adaptar a convivência do adotando ao novo lar. O estágio

é um período em que se consolida a vontade de adotar e de ser adotado.”

Referido entendimento não destoa daquele apresentado por

Guimarães67, posto que, segundo ele a adoção “(...) estabelece filiação e é

irrevogável, acarretando a necessidade da verificação prévia da adaptação, para

que se possa decidir com maior possibilidade de êxito sobre a medida."

De outro norte, não menos importante o esclarecimento

levado a efeito por Sznick68, segundo o qual:

66 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – direito de família, p. 273. 67 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e curatela – conforme o Estatuto da criança e do Adolescente e o novo código civil, p. 43. 68 SZNICK, Valdir. Adoção, p. 359.

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O estágio é um fator de ajustamento entre o menor e os pretendentes, de um lado, e entre o menor e o seu novo lar; é um meio de se permitir adaptações, que se criem entre o menor e a futura família costumes e hábitos, além de vínculos, de início de simpatia, e com o tempo de amizade e compreensão. Da amizade e compreensão entre menor e pretendentes é que nascerão todas as relações afetivas e sentimentais que irão propiciar um ambiente favorável à criação e desenvolvimento do menor.

Denota-se, daí, que a importância do estágio de convivência consiste na

necessidade de adaptação do adotante e do adotado, um em relação ao outro e à

família do adotante, em razão da irrevogabilidade do vínculo de filiação que

passará a existir entre as parte, decorrentes do deferimento da adoção.

1.5.5 Impedimentos à adoção

Embora existentes todos os requisitos acima listados, há, em contrapartida,

alguns impedimentos à adoção, os quais se encontram insertos nos artigos 1.620

e 1.622, ambos do Código Civil, que assim estabelecem:

Art. 1.620: Enquanto não der conta de sua administração e não saldar o débito, não poderá o tutor ou o curador adotar o pupilo ou curatelado.

Art. 1.622: Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável.

Diante destes artigos, Diniz69 ensina que havendo a adoção por duas pessoas,

que não tenham constituído matrimônio, assim como não sejam conviventes,

prevalece a primeira adoção, sendo a segunda considerada nula.

69 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 487/488.

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Já ao referir-se aos art. 1.620, do Código Civil, afirma a mesma autora que a

prestação de contas efetuada pelo tutor ou curador deve ser realizada sob a

fiscalização do Ministério Público, julgada e aprovada pelo magistrado, além de

fazer um inventário e requerer a exoneração do encargo, por ser um munus

público, para só então, estar apto à adoção.

Referidos impedimentos não são diversos daqueles prescritos no Estatuto da

Criança e do Adolescente, arts. 42, §1º, e art. 44. Veja-se:

Art. 42: Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de seu estado civil.

§1º. Não podem adotar os ascendentes e irmãos do adotando.

Art. 44: Enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance, não pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou curatelado.

Sobre os impedimentos previstos nesses dois artigos, explica Venosa70 que:

A proibição é expressa, vedando a adoção pelos ascendentes e irmãos do adotando (art. 42, §1º). No sistema anterior, era admitida a adoção por avós, entendendo a jurisprudência que não havia proibição para tal, embora houvesse divergência. A disposição expressa colocou fim ao dilema.

Para Pachi71, o impedimento previsto no art. 42, §1º, do Estatuto da Criança e do

Adolescente tem o escopo de evitar que haja confusão de parentesco, uma vez

que já constituídas as linhas de parentesco entre o adotando e seus ascendentes

ou seus irmãos, não havendo, assim que se falar em adoção.

70 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – direito de família, p. 299. 71 PACHI, Carlos Eduardo. Estatuto da criança e do adolescente comentado – comentários jurídicos e sociais, p. 161.

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Ao abordar este mesmo impedimento, Becker72 assevera que:

Assim, o §1º, ao vedar a adoção por avós e irmãos, justifica-se plenamente, pois, do contrário, estar-se-ia transformando, artificialmente, um vínculo familiar preexistente e com características próprias diferentes da filiação em outro que, por sua vez, seria matriz de novos parentescos, que alterariam de modo absurdo a constelação familiar. Além do mais, pela lei civil, avós e irmãos são já sucessores naturais de pais falecidos ou destituídos do pátrio poder, no que tange à guarda de crianças ou adolescentes.

No entanto, Dias73, por sua vez, entende que não existe óbice legal para o pedido

de adoção formulado por parentes colaterais do adotando de terceiro e quarto

graus, não podendo, na mesma esteira das pessoas casadas, o companheiro

adotar os ascendentes e irmãos daquele.

No concernente ao impedimento elencado no art. 44 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, Dias74 assevera que decorre da tentativa de o tutor ou curador tentar

eximir-se de prestar contas dos bens do adotando, com o simples fato de adotá-

lo.

Sobre tal, Sznick75 afirma que o impedimento que recai sobre o tutor e o curador

busca, de um lado, a comprovação, por parte destes, da idoneidade financeira,

traduzida na boa e correta administração dos bens do adotando, e de outro lado,

proteger o melhor interesse do infante.

Nesta senda, percebe-se que os impedimentos trazidos pelo Código Civil e pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente, procuram proteger o adotando de

situações em que possa ser apenas utilizado para locupletamento por parte do

72 BECKER, Maria Josefina. Estatuto da criança e do adolescente comentado – comentários jurídicos e sociais, p. 164. 73 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 429. 74 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 431. 75 SZNICK, Valdir. Adoção, p. 342.

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adotante, garantindo, assim, a perseguição pelo respeito às características da

adoção.

1.6 EFEITOS DA ADOÇÃO

Após o deferimento do pedido de adoção, constitui-se uma nova família, ou, ao

menos, há a inclusão de mais um membro nela. Diante da tal situação, há a

existência de efeitos patrimoniais e pessoais, decorrentes da sentença que

deferiu tal pleito.

1.6.1 Pessoais

Após o deferimento da adoção pelo Juízo competente, juntamente com a criação

do vínculo familiar pai e filho, criam-se efeitos pessoais ao adotado. Tais efeitos

podem ser observados dos arts. 1.626 ao 1.628, todos do Código Civil, dispondo

que:

Art. 1.626: A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento.

Parágrafo único. Se um dos cônjuges ou companheiro adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do adotante e os respectivos parentes.

Art. 1.627: A decisão confere ao adotado o sobrenome do adotante, podendo determinar a modificação de seu prenome, se menor, a pedido do adotante ou do adotado.

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Art. 1.628: Os efeitos da adoção começam a contar a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito. As relações de parentesco se estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante.

Referidos dispositivos legais não destoam da essência do estabelecido pelos arts.

47 ao 49 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os quais, em linhas gerais,

dispõem que o vínculo da adoção constitui-se por meio de sentença judicial,

produzindo seus efeitos somente depois do transitada em julgado, sendo que a

sentença conferirá ao adotado o sobrenome daquele que o adotou, não podendo

constar no registro civil nenhuma observação quanto ao ato.

Prescreve, ainda, que a adoção é irrevogável, não sendo causa de extinção do

vínculo de filiação com o adotante e o conseqüente restabelecimento do poder

familiar dos pais biológicos, a sua morte.

Acerca da permanência dos impedimentos matrimoniais, Venosa76 assevera que

“O impedimento matrimonial, por força do parentesco biológico, é irremovível na

esteira de razões morais, éticas e genéticas. Neste diapasão, os impedimentos

atingem o adotado em relação a ambas as famílias, a adotante e a biológica.”

Diniz77, por sua vez, elenca como efeitos pessoais o rompimento do vínculo de

parentesco com a família biológica do adotado, posto que tais vínculos se

extinguem com a inscrição da adoção no registro civil do adotado, salvo no caso

de adoção feita pelo cônjuge ou companheiro do genitor daquele; o

estabelecimento de parentesco civil com toda a família do adotante; transferência

definitiva e de pleno direito do poder familiar ao adotante, assim como todos os

demais direitos e deveres inerentes ao exercício do poder familiar, liberdade

sobre o patronímico do adotado; possibilidade de interdição de um pelo outro, nos

76 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – direito de família, p. 278. 77 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 457/459.

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termos do art. 1.768 do Código Civil; inclusão de ambos entre os casos de

impedimentos do juiz, quando existente o motivo ensejador do impedimento e,

finalmente, em caso de adoção de menor, a fixação do seu domicílio, que será o

mesmo do adotante.

A mesma autora78 lembra, ainda, do enunciado 111 do Superior Tribunal de

Justiça, aprovada na Jornada de Direito Civil de 2002, que assim estabeleceu:

Enunciado 111: A adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao adotado e à criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes consangüíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante.

Acerca da adoção do patronímico do adotante, Pachi79 aduz que:

Atribuindo ao adotado a condição de filho, é conseqüência lógica que este adquira o nome de família dos adotantes, assim como de seus descendentes, como prevê o § 1º do art. 47 (art. 41, caput e §2º, da Lei 8.069/90) (...). E, com relação ao registro original do adotado, com a adoção e expedição do mandado de inscrição, será ele cancelado (§ 2º, art. 47). Isto porque rompem-se os vínculos com a família natural, preservando-se, também, aquela nova relação.

E continua, afirmando que, tal medida, de adotar o nome dos adotantes, deve-se

ao fim de evitar exposição e discriminação do adotado pelas outras pessoas,

tanto que nenhuma observação sobre a adoção deve constar do registro de

nascimento dele.

78 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 458. 79 PACHI, Carlos Eduardo. Estatuto da criança e do adolescente comentado – comentários jurídicos e sociais, p. 175.

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Já Becker80, por seu turno, relata que a alteração do prenome do adotado não é

tida como recomendável, quando o mesmo já se identifica com o nome que lhe foi

dado originalmente, respeitando, assim, a sua identidade.

Denota-se, desta feita, que a adoção, ao gerar efeitos de ordem pessoal, faz com

que se extingam os vínculos anteriormente existentes entre o adotado e a sua

família biológica, para, a partir do trânsito em julgado da sentença que concedeu

a adoção, criar novos vínculos paterno-filiais entre adotante e adotado, a começar

pela adoção do patronímico daquele, a fim de identificá-lo com sua nova família e

protegê-lo de discriminações de toda ordem.

1.6.2 Patrimoniais

Além dos efeitos pessoais, decorrentes da sentença que defere o pedido de

adoção, surgem também efeitos patrimoniais, como em qualquer relação de

filiação.

Segundo Diniz81, constitui efeito patrimonial o direito que o adotante passa a

exercer de administrar os bens do adotado, quando menor de idade, além do

usufruto dos mesmos, nos termos dos arts. 1.689, 1.691 e 1.693, todos do Código

Civil, além da sua obrigação de sustentar o adotado durante o tempo em que

exercer o poder familiar, por ser dever inerente ao estado de paternidade, o

mesmo ocorrendo com o dever de prestar alimentos, sendo neste caso, dever

recíproco.

Acerca do exercício do poder familiar, Liberati82 assevera que:

80 BECKER, Maria Josefina. Estatuto da criança e do adolescente comentado – comentários jurídicos e sociais, p. 177. 81 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 460. 82 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente, p. 48.

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Ao consolidar-se a adoção, aos pais – e não mais pais adotivos – incumbe o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Como complemento, o art. 21 do Estatuto determina que o poder familiar seja exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma que dispuser a legislação civil. A responsabilidade parental é o conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e material do filho (...).

Outro direito patrimonial decorrente da adoção, diz respeito aos direitos

sucessórios, afirmando, ainda, Diniz83 que:

(...) visto que se equipara ao filho advindo de parentesco consangüíneo, herdando, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ou convivente do falecido, na qualidade de descendente do autor da herança (CC, arts. 1.829, I, e 1.790, I e II), afastando da sucessão todos os demais herdeiros do adotante que não tenham a qualidade de filho (...).

Diniz84 também lembra que o adotado após a confecção de testamento, é também

herdeiro testamentário do adotante, motivo pelo qual haverá o rompimento do

testamento, da mesma maneira que tem o direito de coligir os bens deixados por

fiduciário, em havendo fideicomisso.

Não se pode esquecer que, segundo Diniz85, havendo superveniência da adoção

às doações realizadas pelo adotante, pode o adotado revogá-las, uma vez que

(...) conforme o Código Civil, arts. 1.846 e 1.789, assegura-se aos descendentes, entre eles o filho adotivo, a metade dos bens do ascendente; logo, o adotado pode fazer reduzir todas as doações feitas pelo de cujus, sem distinguir se posteriores ou anteriores ao ato de adoção.

83 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 461. 84 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 461/462. 85 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 462.

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Nesta senda, pode-se observar que os efeitos patrimoniais gerados pela adoção

dizem respeito, principalmente, em relação aos direitos sucessórios, uma vez que

iguala o filho adotado dos biológicos, de modo que concorre na sucessão

juntamente com seus irmãos na sucessão.

Assim, após o breve estudo da adoção, com a sua evolução histórica, seus

caracteres, requisitos e efeitos pessoais, segue a exigência de investigar, ainda

que em poucas palavras, a união estável e a união homoafetiva, a fim de buscar-

se seus pontos comuns, como fito de possibilitar a adoção por pares

homossexuais.

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CAPÍTULO 2

UNIÃO ESTÁVEL

2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA UNIÃO ESTÁVEL

Segundo a doutrina civilista brasileira, a união estável, antes denominada apenas

de “companheirismo”, remonta ao período anterior ao nascimento de Cristo,

havendo relatos de sua existência ainda entre os povos antigos.

Conforme relata Gama86, a sua prática já era costume entre o povo instalado às

margens do rio Eufrates, antes mesmo do surgimento da Babilônia. Da mesma

forma, entre os hebreus era difundida a prática da união estável, ficando a então

concubina em posição intermediária entre a esposa e a prostituta, ao passo que

entre persas, hindus e chineses, tal situação era plenamente admitida na

sociedade.

Ainda segundo o mesmo autor87, “Na Grécia antiga, da mesma forma, admitia-se

o concubinato, adotando-se os cultos a Vênus e a Adonis, exaltando os sexos,

acreditando no amor, nas preferências e excessos amorosos, na fala divina.” E

relata mais adiante:

No Egito há notícias da existência de relações concubinárias, inclusive de forma generalizada a partir da chegada de cortesãs da Grécia, sendo que, como noticia Adahyl Dias, o Alcorão aceita que o homem possa unir-se a até quatro mulheres, em um só ato

86 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da Gama. O companheirismo – uma espécie de família, p. 73/74. 87 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da Gama. O companheirismo – uma espécie de família, p. 74.

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ou sucessivamente, admitindo a poligamia no Direito muçulmano.88

No direito romano, relata Lisboa89 que “(...) o concubinato somente passou a ser

reconhecido como instituto jurídico após o período clássico, exigindo-se a

notoriedade da união more uxório.”

Já durante a Idade Média, assevera Kauss90 que “Evidentemente que no período

da Idade Média essas uniões foram fortemente combatidas pela influência do

Direito Canônico e chegaram aos tempos do Código Civil como uniões

reprováveis.”

No Brasil, a união estável, antes da promulgação da Constituição Federal de

1988, era estigmatizada simplesmente sob o termo “concubinato”. Segundo

WALD91 havia doutrinadores civilistas que, inclusive, entendiam que as relações

oriundas de uma união estável inseriam-se no então chamado direito social e,

apenas em certas situações, decorrentes das conseqüências, regiam-se pelo

direito das obrigações.

Acerca da origem e evolução do instituto ora abordado no Brasil, Dias92 afirma

que

Vínculos afetivos fora do casamento sempre existiram, apesar do nítido repúdio do legislador a essas uniões. O Código Civil de 1916, com o propósito de proteger a família constituída pelo casamento, omitiu-se em regular as relações extramatrimoniais. Mas foi além. Restou por puni-las, vedando doações, instituições de seguro e a possibilidade de a concubina ser beneficiada por testamento. (...) Tais reprovações, contudo, não lograram coibir o surgimento de relações destituídas de amparo legal. As uniões,

88 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da Gama. O companheirismo – uma espécie de família, p.

74/75. 89 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 215. 90 KAUSS, Omar Gama Bem. Manual de direito de família e das sucessões, p. 96. 91 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p. 293. 92DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 161.

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surgidas à margem do matrimônio, eram identificadas com o nome de concubinato.”

Não destoando de Dias, Wald93 ressalta que no Brasil, a união estável, então

chamada de “concubinato”, surgiu, principalmente, pelo fato de que havia

proibição aos nacionais de desfazerem o vínculo matrimonial por meio de

divórcio. No entanto, a jurisprudência, pouco a pouco, adaptou-se às situações

que lhe eram apresentadas, em razão da teoria da aparência, dando-lhe direitos

até então recusados, desde que não implicasse em relações adulterinas.

Tal descrição não destoa daquela apresentada por Pedrotti94, que assim afirma:

No curso dos anos o concubinato ganhou espaço como fato social no cenário jurídico nacional, passando a ser mais um fenômeno social reivindicador da proteção social. A indissolubilidade do vínculo matrimonial acabou sendo rompida pela crise constante de casais que, diante da impossibilidade jurídica de regularizar uma nova situação, optaram pelo então desquite judicial ou litigioso, para uma nova união, ou mesmo passaram a ter uma vida em comum dispensando qualquer das formalidades legais, limitando-se à separação pura e simples e uma nova união.

Durante a vigência do Código Civil de 1916, e anteriormente à promulgação da

Carta Constitucional ora vigente, conforme relata a doutrinadora civilista Dias95,

após certo período, as uniões estáveis passaram a ser reconhecidas pelo Poder

Judiciário apenas como simples sociedades de fato, sendo os companheiros

vistos como sócios. No entanto, mesmo após a Carta Magna de 1988, já

denominada de união estável, tal relação afetiva continuou, ainda por certo

período, tratada no âmbito da direito das obrigações, cuja competência para

processar e julgar qualquer demanda referente ao assunto era das varas cíveis.

93 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p. 294/295. 94 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato – união estável, p. 11. 95 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 161/162.

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Após a promulgação da Carta Constitucional de 1988, que aproximou a união

estável do casamento, dando status de família às entidades formadas por

pessoas com objetivos comuns, com as características de família, como se

casados fossem, advieram duas leis regulamentando o instituto ora abordado, as

Leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96.

Segundo Dias96, a primeira lei assegurou aos conviventes o direito a alimentos e à

sucessão, assim como fixou o prazo mínimo de 05 (cinco) anos para o

reconhecimento das uniões estáveis já existentes, ou com nascimento de prole.

Tal lei garantiu, ainda, ao companheiro sobrevivente, em caso de morte do

parceiro, o direito ao usufruto de parte dos bens do outro, além de tê-lo incluído

entre os herdeiros legítimos.

De outro norte, a lei nº 9.278/96 não exigiu lapso temporal para a configuração da

união estável, mas apenas a publicidade, sem interrupção. Desta forma, diz

Peres97 que “(...) não há que se cogitar de limite de tempo, podendo a convivência

ser até mesmo inferior aos cinco anos anteriormente exigidos.”

Ainda segundo a mesma autora98, referida lei estendeu o direito à meação ao

companheiro no caso de término da união, deixando de exigir a prova de esforço

comum para a partilha dos bens, garantindo o direito à prestação alimentar, sem a

necessidade de prova de culpa na dissolução da relação, levando-se em

consideração o tão consagrado binômio necessidade-possibilidade.

Dias99 complementa afirmando que a lei nº 9.278/96 “(...) albergou as relações

entre pessoas separadas de fato. Além de fixar a competência das varas de

família para o julgamento dos litígios, reconheceu o direito real de habitação.”

96 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 163. 97 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 43. 98 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 44/46. 99 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 164.

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Com a aprovação do Código Civil de 2002, o instituto da união estável passou a

ser tratado por este, entre os arts. 1.723 e 1.727, dando direitos e deveres aos

companheiros, de forma a regulamentar a união estável e dando a ela status de

entidade familiar, como determinado na Constituição Federal de 1988.

2.2 CONCEITO

Ultrapassada a fase histórica da união estável, forçoso conceituá-la, devendo-se,

para tanto, buscar o conceito de família, a qual, para Dias100 “(...) deixou de ser o

núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço de afeto e amor.”

Por sua vez, Pedrotti101, ao conceituar a união estável, quando ainda conhecida

como concubinato, afirma que:

O concubinato consiste na união de um homem com uma mulher, sem ligações pelos vínculos matrimoniais, durante tempo duradouro, sob o mesmo teto, ou diferente, com aparência de casados – more uxório. Uxor significa modo, maneira. More uxório: À sua maneira, tal como a mulher em relação ao marido. Concubinato é o mesmo que hemigamia que é o matrimônio livre (matrimonium vocatur), ou casamento de fato. Observa-se que genericamente a expressão diz respeito a um homem e uma mulher que vivam juntos sem ser casados, mas como se assim o fossem.

Esse mesmo autor102 traz, também, o conceito de outro civilista, Paulo Dourado

Gusmão, conforme se pode verificar:

Oferece Paulo Dourado Gusmão ao concubinato o conceito: “União livre estável de um homem com uma mulher, não resultante do casamento, que não altera o estado civil dos

100 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 164. 101 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato – união estável, p. 7. 102 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato – união estável, p. 13.

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concubinários, na qual são mantidas relações sexuais e da qual é constituída uma família (...), em que os concubinários convivem notoriamente sob o mesmo teto (more uxório), como se marido e mulher fossem, com fidelidade recíproca.

No entanto, o legislador do atual Código Civil preferiu distinguir a união estável do

concubinato, sendo que, segundo Venosa103 “O termo concubinato fica reservado,

na forma do art. 1.727, às relações não eventuais entre o homem e a mulher,

impedidos de casar (...). Trata-se da união sem casamento, impura ou adulterina.”

Outro conceito que merece ser trazido é aquele constante do próprio

ordenamento jurídico brasileiro, constante no art. 1.723 do Código Civil que assim

dispõe:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Por sua vez, acerca do tema, ensina Lisboa104 que

União estável é a relação íntima e informal, prolongada no tempo e assemelhada ao vínculo decorrente do casamento civil, entre sujeitos de sexos diversos (conviventes ou companheiros), que não possuem qualquer impedimento matrimonial entre si.

Por sua vez, no entendimento de Venosa105, a união estável é aquela existente

entre homem e mulher, com a convivência como se marido e mulher fossem,

sendo, portanto, um fato jurídico que produz efeitos jurídicos, recebendo as partes

a nomenclatura de companheiros, a fim de não dar-lhes conotação depreciativa

que outrora estigmatizava as relações denominadas simplesmente como

concubinárias.

103 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – direito de família, p. 431/432. 104 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 213. 105 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – direito de família, p. 38/39.

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Há, ainda, que se mencionar o conceito formulado por Pinto Ferreira, citado por

Pedrotti106, em sua obra Concubinato – união estável, que assim escreve:

(...) constitui união estável a união prolongada do homem com a mulher, vivendo ou não sob o mesmo teto, sem vínculos pelos laços do casamento, revestindo-se porém, tal união, de algum requisito como o notoriedade, fidelidade da mulher e continuidade de relacionamento sexual.

Observa-se, diante do acima, tratar-se a união estável de união livre, duradoura,

entre homem e mulher, semelhante ao casamento, eis que revestida de alguns

requisitos também pertinentes àquele, como a notoriedade, a fidelidade e a

continuidade do relacionamento, ainda, protegida constitucionalmente como

entidade familiar.

2.3 REQUISITOS PARA CONFIGURAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL

Para que se configure uma união estável, há a necessidade do preenchimento de

alguns requisitos, os quais se encontram enumerados no art. 1.723 do Código

Civil, como se pode observar:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§1º. A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

106 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato – união estável, p. 214.

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§2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

Diante do artigo supra transcrito, de acordo com Lisboa107, são requisitos da união

estável os seguintes:

(,,,) a) a diversidade de sexos, o que importa na impossibilidade de reconhecimento da união estável entre pessoas homossexuais; b) a inexistência de impedimento matrimonial entre os conviventes; c) exclusividade; d) a notoriedade ou publicidade da relação, que é forma de expressão da affectio maritalis; e) a aparência de casamento perante a sociedade, como se conviventes tivessem contraído o matrimônio civil entre si (união more uxório); f) a coabitação; g) a fidelidade, tanto sob o aspecto da disposição do corpo como sob a ótica moral, perante a sociedade e na esfera íntima de atuação dos conviventes; h) a informalização da constituição da união e; i) a durabilidade, caracterizada pelo período de convivência, para que se reconheça a estabilidade da união.

De outro norte, para Venosa108, não há exigência de prazo mínimo caracterizador

do estado de convivência, somente podendo aferir-se a estabilidade da entidade

familiar mediante a análise do caso em concreto.

Merece destaque, também, a lista de requisitos apontados por Kauss109 para a

caracterização da união estável, baseado na jurisprudência brasileira, dispondo

que:

Numa síntese, os elementos de que se tem valido a jurisprudência para o reconhecimento da união podem ser relacionados: continuidade das relações sexuais, reciprocidade de afeições, coabitação, dependência econômica da mulher, unicidade de amante, casamento religioso, casamento no estrangeiro, gravidez e filhos da companheira ou companheiro, etc.

107 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 213/214. 108 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – direito de família, p. 434/435. 109 KAUSS, Omar Gama Bem. Manual de direito de família e das sucessões, p. 98.

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Outras não são, também, as condições apontadas pelo jurista espanhol Eduardo

Estrada Alonso, citado por Guilherme Calmon Nogueira da Gama110, podendo-se

acrescentar às anteriormente citadas, a ausência de qualquer formalidade,

comunidade de vida e a procriação.

Quanto à estabilidade, apontada pela doutrina civilista com um das premissas da

união estável, versa Venosa111 que somente merece guarida pelo legislador

quando duradoura, sem que, no entanto, seja exigido lapso temporal, mas sim o

animus de constituir uma família pelo casal. Tal requisito é complementado pela

exigência de continuidade da relação, sem que haja interrupções ou sobressaltos

que possam descaracterizá-la.

Por seu turno, ressalta Dias112 que, muito embora a lei vigente não exija um

decurso de lapso temporal para caracterizar a existência da união estável, tal

forma de relação deve ser prolongada no tempo, de forma a demonstrar a sua

durabilidade e continuidade.

Inclusive, sobre essa inexistência de lapso temporal exigido em lei, explana

Diniz113 que:

Há quem entenda ser desaconselhável a fixação a priori do lapso temporal da convivência, aplaudindo o novo Código Civil, que não exige tempo mínimo para a configuração da estabilidade, pois o estabelecimento de qualquer prazo afastaria da tutela legal certas situações que a ela fariam jus e daria ensejo a manobras de fraude à lei com interrupção forçada da convivência às vésperas da consumação do lapso temporal para o seu reconhecimento como união estável e para a produção de seus efeitos jurídicos.

Outro não é, inclusive, o entendimento de Gama114, pois

110 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da Gama. O companheirismo – uma espécie de família, p. 127. 111 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – direito de família, p. 43. 112 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 168. 113 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 361/365.

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De acordo com a própria previsão constitucional, a união extramatrimonial formada para fins de sua caracterização como companheirismo deve ser estável, ou seja, duradoura, não podendo se revestir de característica de instabilidade; enfim, não pode ser efêmera, passageira, formada a título experimental. Dentro do contexto da estabilidade, deve ser uma união sólida, construída com bases sedimentadas, não formadas pela simples atração sexual ou desejo instintivo.

No concernente ao objetivo de constituição de uma família, explica Gama115,

citando Caio Mário da Silva Pereira, que inexiste diferença em relação ao

casamento, por ser, justamente, o fator psíquico que une os indivíduos em uma

vida comum, juntamente com o desejo de ter filhos.

Em relação a esta condição, mister lembrar a lição de Venosa116, para quem:

Não é necessário que o casal de fato tenha prole comum, o que se constituiria elemento mais profundo para caracterizar a entidade familiar. Contudo, ainda que sem filhos comuns, a união tutelada é aquela intuitu familiae, que se traduz em uma comunhão de vida e de interesses.

Já no que diz respeito à publicidade da união estável, o mesmo autor117 afirma

que “A união de fato que gozará de proteção é aquela na qual o casal se

apresenta como se marido e mulher fossem perante a sociedade, situação que se

avizinha da posse de estado de casado.”

Por seu turno, Diniz118 entende que a lei exige não uma publicidade, mas sim a

notoriedade de afeições recíprocas, posto que pode se dar dentro de um circulo

restrito de convivência dos companheiros, porém notória, de forma a poder

114 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da Gama. O companheirismo – uma espécie de família, p.

130. 115 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da Gama. O companheirismo – uma espécie de família, p. 129. 116 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – direito de família, p. 45. 117 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – direito de família, p. 45. 118 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 366.

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vislumbrar-se a intenção de constituir família mediante a aplicação da teoria da

aparência.

Ainda, elenca alguns meios probantes da existência de união estável, dentre eles:

Certidão de nascimento de filho comum;

Certidão de casamento religioso sem efeito civil;

Certidão de núpcias convoladas no exterior, não reconhecidas pelo direito

brasileiro, por nubente brasileiro, separado judicialmente;

Contrato de locação predial ou de sociedade;

Declaração de dependência no INSS ou no Imposto de Renda ou em plano de

saúde;

Correspondência epistolar, fotografias;

Recibos, notas fiscais;

Requerimentos judiciais ou a repartições públicas;

Testamento reconhecendo o companheirismo.

Por sua vez, Dias119 diz que “(...) só se pode afirmar que a união estável inicia

com o vínculo afetivo.” E mais adiante continua:

A visibilidade do vínculo o faz um ente autônomo merecedor da tutela jurídica como uma entidade. O casal, enquanto

119 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 168.

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universalidade única, acaba gerando seqüelas de ordem pessoal e patrimonial. (...) Daí serem a vida comum e a mútua assistência apontadas como seus elementos caracterizadores. Nada mais do que prova a existência do enlaçamento de vida, do comprometimento recíproco. A exigência de notoriedade, continuidade e durabilidade da relação só serve como meio de comprovar a existência do relacionamento120

Outro ponto importante é a diversidade de sexos entre os conviventes, exigida

pela Carta Magna.

Segundo Diniz121, explica que seria necessária a alteração da Constituição

Federal para possibilitar a realização de casamento, ou mesmo, o

reconhecimento de união estável quando tratar-se de uma união homossexual.

Há, ainda, o dever de fidelidade, tal qual como no casamento, muito embora não

esteja constante na legislação, é apontado como um dos requisitos básicos

caracterizadores da união estável, tanto que ressalta Venosa122:

(...) além dos elementos descritos na lei, há outros requisitos normalmente apontados pela doutrina, que, inexoravelmente, são considerados em uma avaliação conjunta no caso concreto. É o que ocorre, por exemplo, com o dever de fidelidade. A quebra desse dever pode, dependendo de sua amplitude, faze cair por terra a comunhão de vida, de interesses e de sentimentos.

Por seu turno, fácil o entendimento da assertiva apresentada por Diniz123, que

assim fala sobre o dever de fidelidade:

Não havendo fidelidade, nem relação monogâmica, o relacionamento passará à condição de “amizade colorida”, sem o status de união estável. Todavia é preciso esclarecer que tal

120 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 168. 121 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 362, nota 4. 122VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – direito de família, p. 46. 123 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 367/368.

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fidelidade visa tão somente valorizar a união estável, podendo os conviventes rompê-la, livremente, sem sofrer, sem regra, qualquer sanção. Mas a quebra da lealdade pode implicar injúria grave, motivando a separação dos conviventes (...).

Há, também, a ausência de formalismo, uma vez que se presente o formalismo,

caracteriza-se o casamento, pois como ressalta Gama124, a união estável

caracteriza-se, principalmente, pela inexistência de obrigatoriedade de

observância às normas concernentes ao casamento, assim como de outro ato

solene para a sua formação.

Ainda acerca do presente, o mesmo autor125 traz à tona o ensinamento de

Eduardo Estrada Alonso, para quem “(...) a constituição da união livre depende

exclusivamente da vontade e do mútuo consentimento renovado pelo requisito,

também exigido, da coabitação.”

Outro requisito que não pode ser esquecido é a ausência de impedimentos

matrimoniais, constante no artigo acima transcrito, sendo estendido à ausência de

matrimônio civil válido, ou seja, torna-se possível a existência de união estável

quando um, ou os dois, dos conviventes for casada e achar-se separada de fato

ou judicialmente, posto que, conforme bem ressalta Diniz126, “(...) pode ser

reconhecida a união de fato do separado judicialmente, pois a separação judicial

põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens

(...)”. E continua:

Conseqüentemente, a união estável poderá configurar-se mesmo que: a) um de seus membros ainda seja casado, desde que antes de iniciar o companheirismo estivesse já separado de fato ou judicialmente do cônjuge; b)haja causa suspensiva, pois esta apenas tem por escopo evitar a realização de núpcias antes da solução de problemas relativos à paternidade ou a patrimônio

124 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da Gama. O companheirismo – uma espécie de família, p. 140/141. 125 MENEZES, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da Gama. O companheirismo – uma espécie de família, p. 141. 126 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 365/366.

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familiar, visto que em nada influenciará na constituição da relação convivencial. Assim sendo, se alguém maior de 60 anos passar a viver em união estável, não sofrerá nenhuma sanção, podendo o regime convivencial ser o da comunhão parcial (CC, art. 1.725).127

Ainda, tais palavras não destoam daquelas proferidas por

Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim, transcritas por Gama128, segundo os

quais:

A união protegida seria aquela da vivência de homem e mulher desimpedidos, como ‘companheiros’, em situação de aparente matrimônio, ou de ‘casamento de fato’, conforme já vinha sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência. Seria o chamado ‘concubinato puro’, a distinguir-se da modalidade ‘impura’, caracterizada por ligações casuais ou adulterinas.

Desta forma, resta evidente a necessidade do

preenchimento de alguns requisitos para a configuração da união estável, como

convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de

constituição de família, constantes no preceito constitucional, assim como a

inexistência de impedimentos matrimoniais e fidelidade recíproca.

2.4 EFEITOS GERADOS PELA UNIÃO ESTÁVEL

É sabido que existência de união estável entre os companheiros gera direitos e

obrigações para ambos, sendo que o Código Civil, em seu art. 1.725, prevê a

aplicação de alguns direitos patrimoniais assim como no casamento, e, segundo

Pedrotti129 são “(...) direitos e deveres iguais, o respeito e a consideração mútuos,

127 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 367/368. 128 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da Gama. O companheirismo – uma espécie de família, p. 151. 129 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato – união estável, p. 226.

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a assistência moral e material recíproca, e a guarda, sustento e educação dos

filhos comuns.”

Tais efeitos, assim, podem ser divididos em pessoais, patrimoniais e em relação

aos filhos.

2.4.1 Pessoais

A doutrina civilista brasileira tem destacado como principais efeitos patrimoniais

oriundos da união estável a fixação de domicílio, coabitação, fidelidade,

assistência moral e material recíproca, adoção do patronímico do convivente.

Sobre a fixação do domicílio, revela Lisboa130 que “(...) admissível que um deles

fixe o domicílio desde que não ocorra a oposição por parte do outro.”

Afirma o mesmo autor131, ainda, que tal possibilidade deve-se ao princípio da

igualdade entre os sexos, abarcado pela Carta Constitucional de 1988, assim

como ocorre com o casamento, em que ambas as partes têm o mesmo poder de

gestão.

No que diz respeito à coabitação, assevera Lisboa132 que deve ser exclusiva,

assim como exigido no casamento, não estando os companheiros obrigados a

residirem sob o mesmo teto, estando a matéria já sumulada pelo Supremo

Tribunal Federal, nos termos da súmula n. 382, que assim dispõe:

Súmula 382. A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato.

130 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 231. 131 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 231. 132 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 231.

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No concernente à fidelidade, ressalte Lisboa133 que “(...) entendida como

fidelidade física e moral, esta última modalidade correspondendo ao atendimento

dos deveres semelhantes aos do casamento.”

Já em relação à assistência material e imaterial recíproca, diz Lisboa134 que “A

assistência material compreende tanto os alimentos naturais como os alimentos

civis. O fundamento do dever de assistência é a solidariedade, que deve existir

entre aqueles que constituíram uma entidade familiar.”

No que diz respeito à adoção do patronímico do companheiro, prevista ainda na

Lei nº 6. 015/73135, art. 57, §§ 2º ao 6º, afirma Senise136 que pode ser feita “(...)

com o prévio consentimento do outro e após a procedência judicial da retificação

do registro civil.”

Diniz137 não entende de outra forma, pois para ela, em se tratando de

companheiro separado judicialmente, não pode o ex-consorte ter continuado a

utilizar o sobrenome daquele, assim como no caso da convivente, a qual, se

permanecera utilizando o sobrenome do ex-esposo, deverá abdicar desse direito,

mediante termo de renúncia averbado no Registro Civil competente para, só

então, poder adotar o patronímico do companheiro.

Denota-se, assim, que a união estável, tal qual a o casamento, produz efeitos

também no âmbito pessoal, como o direito ao uso do patronímico do

companheiro, ao dever de assistência material e moral (imaterial), entre as partes,

de forma recíproca.

Não deve ser esquecido, também, o dever de fidelidade, a fixação do domicílio e

coabitação, competindo a qualquer um dos conviventes estabelecer o domicílio,

133 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 231. 134 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 231. 135 BRASIL. 136 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 231. 137 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 381.

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uma vez que outorgados os mesmos direitos e obrigações, de forma igualitária, a

ambos.

2.4.2 Patrimoniais

Há, além dos efeitos pessoais oriundos da união estável, os

patrimoniais, que se encontram insertos no Código Civil, podendo-se destacar o

direito aos alimentos, assim como a sua obrigação de dá-los, à meação aos bens

adquiridos onerosamente durante a união estável e a entrada do companheiro na

abertura da sucessão.

Quanto ao direito aos alimentos, importante lembrar a lição

trazida por Oliveira138, segundo o qual:

A prestação alimentar entre companheiros decorre do dever de mútua assistência material. Diante do princípio de igualdade em que se situam o homem e a mulher, compete a ambos colaborar no sustento próprio e o outro, na medida das forças e das necessidades de cada qual.

Tal efeito, por sua vez, decorre do art. 1.694 do Código Civil,

ao prever que podem também os companheiros pedir uns aos outros os

alimentos, estes no quantum necessário a sua mantença de modo compatível

com sua condição social.

Sobre tal, manifestou-se aquele mesmo autor139, afirmando

que os alimentos devem ser suficientes apenas para atender às necessidades

138 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável – do concubinato ao casamento – antes e depois do novo código civil, p. 169. 139 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável – do concubinato ao casamento – antes e depois do novo código civil, p. 170.

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básicas, como moradia, vestuário, saúde, educação, sem atender necessidades

consideradas de luxo ou supérfluos.

Outro efeito que se pode mencionar é o direito do

companheiro à meação dos bens adquiridos onerosamente durante a constância

da união estável, uma vez que aí se aplica o regime da comunhão parcial de

bens, nos termos do art. 1.725 do Código Civil e, segundo Wald140, “Prevalece

como regime de bens aplicável à união estável, o da comunhão parcial, salvo

disposições em sentido diverso, em contrato escrito.”

Outro não é o entendimento de Oliveira141, pois para ele:

(...) na falta de contrato escrito, terá aplicação aos companheiros o regime da comunhão parcial de bens, abrangendo os que sobrevierem na constância do casamento, a título oneroso. São os chamados aqüestos, que se tornam bens comuns, em distinção dos bens particulares, que competem exclusivamente ao seu titular. Nesta categoria de bens particulares enquadram-se os adquiridos anteriormente ao início da união e os havidos depois com o produto da venda de bens próprios, assim como os adquiridos durante a união a título gratuito, por doação ou herança.

Referido efeito, ao admitir como o regime de bens a ser

adotado na união estável, confere ao convivente, desta feita, o direito sobre a

meação do bens adquiridos onerosamente durante a sua vigência, como ocorre

com o casamento, ao se adotar tal regime de bens.

Há, ainda, reflexos no direito sucessório, o que se verifica,

principalmente, da leitura do art. 1.790 do Código Civil, uma vez que o

companheiro participa da sucessão do outro em relação aos bens adquiridos

onerosamente durante a constância da união.

140 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p. 326. 141 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável – do concubinato ao casamento – antes e depois do novo código civil, p. 191/192.

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No concernente a este efeito, imperiosa a lição de

Oliveira142, que assim relata:

Essa participação dá-se em concurso com os demais herdeiros, ou seja: concorrendo com os descendentes do falecido, uma cota-parte igual à dos filhos comuns, ou metade do que receber cada um dos filhos; concorrendo com outros parentes sucessíveis (ascendentes ou colaterais), um terço da herança.

E continua, asseverando que:

O direito à totalidade da herança somente é reconhecido em favor do companheiro sobrevivente se não houver herdeiros sucessíveis. Mesmo nesta hipótese, contudo, a sucessão restringe-se aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, por força da disposição do art. 1.790. Quer dizer que, se os bens da herança forem particulares do de cujus, nada será atribuído ao companheiro sobrevivente, pois serão herdeiros apenas os parentes sucessíveis, que vão até os colaterais de 4º grau.

Em outras palavras, é o que diz Diniz143, acrescentando que o direito sobre tais

bens, na sucessão, pode ser originário da sua colaboração com o autor da

herança.

Assim, em linhas gerais, pois sabe-se que tais efeitos

desdobram-se em vários outros, não menos importantes, verifica-se que a união

estável gera como direitos patrimoniais o direito aos alimentos, bem como a sua

obrigação de prestá-los, quando necessários, à meação, sobre os bens

adquiridos onerosamente durante a existência da união estável e os sucessórios,

quando o companheiro supérstite concorre com os demais herdeiros do de cujus,

também somente em relação aos bens adquiridos onerosamente durante a união

estável.

142 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável – do concubinato ao casamento – antes e

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52

2.4.3 Quanto à filiação

Um efeito da união estável que diz respeito à filiação é o registro e

reconhecimento dos filhos havidos da união estabelecida entre os conviventes.

Para Lisboa144, tanto o registro quanto o reconhecimento dos filhos provenientes

da relação estável pode ser levado a efeito a qualquer tempo, sendo, ainda

permitida a adoção pelo casal que esteja em união estável, desde cumpridos os

requisitos legais para tal, principalmente, que um deles possua 18 (dezoito) anos

de idade, tendo ambos o dever de educação e sustento dos filhos.

No entendimento de Diniz145, tal efeito jurídico autoriza o filho a propor uma ação

de investigação de paternidade, se sua mãe era companheira do pretenso pai

quando da concepção, sendo que o simples fato de alguém ter vivido com outrem

mediante união estável, não pode gerar presunção juris tantum de paternidade

(art. 1.597, CC), mas sim, servir como meio de prova para o buscado

reconhecimento da paternidade, por ser um forte indício desta.

De outro norte, ressalva Diniz146, ainda, que é efeito quanto à filiação:

Permitir que conviventes adotem menor (CC, art. 1.622), desde que um deles tenha 18 anos e haja comprovação da estabilidade familiar (...). Não se podendo olvidar que um deles deve ser 16 anos mais velho que o adotando. É permitida a adoção de filho do companheiro, sem que haja alteração do vínculo da filiação e sem perda do poder familiar, hipótese em que se terá a adoção unilateral (CC, art. 1.626, parágrafo único).

depois do novo código civil, p. 203/204. 143 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 362. 144 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 231. 145 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 381. 146 DINIZ, Maria Helena.Curso de direito civil brasileiro – direito de família, p. 361/363.

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E mais adiante acrescenta que a união estável é capaz de “Outorgar direitos e

deveres iguais aos conviventes como: lealdade e respeito; assistência imaterial e

material recíprocas; guarda, sustento e educação dos filhos comuns.”

Denota-se, por conseguinte, que, assim como no casamento, a relação

estabelecida por meio da união estável provoca efeitos também em relação aos

filhos, como o exercício do poder familiar, de forma igual entre os conviventes,

além da possibilidade de reconhecimento dos filhos provenientes de tal relação, a

qualquer tempo.

2.5 CONCEITOS E ASPECTOS DA HOMOSSEXUALIDADE

Acerca da homossexualidade muito se tem discutido,

principalmente no tocante ao seu conceito e os aspectos em que tal opção sexual

possa interferir na vida da pessoa que assim o é e daquelas de seu meio.

Segundo Silva Júnior147, citando conceito por ele mesmo

apresentado em artigo publicado na Revista Jurídica Diké, em 2001, assevera

que “A homossexualidade, segundo as interpretações científicas em torno da

orientação sexual humana, caracteriza-se pela ‘atração ou predominância de

desejos por pessoas do mesmo sexo biológico’.”

Outros conceitos podem ser encontrados, mas a figura do

homossexualismo encontra-se bem definido em outros termos pelo mesmo

autor148, ao dizer que:

147 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 29. 148 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 29/30.

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Para a moderna Psicologia, a homossexualidade (assim como a hetero e a bissexualidade) não se trata de uma simples opção, mas de uma das possíveis orientações afetivas humanas. De fato, muito mais do que nas tentativas de explicação e de visualização desta manifestação no corpo (teses genéticas, hormonais, por exemplo), na influência do meio ou no contato puramente sexual (entre duas pessoas do mesmo sexo biológico), ela se apresenta como uma clara movimentação dos desejos e sentimentos, daí o porquê de a livre orientação afetivo-sexual ser, constitucionalmente e internacionalmente, tutelada.

Merece destaque, também, o conceito apresentado por

Dias149, para quem:

O vocábulo “homossexualidade” foi criado pela médica húngara Karoly Benkert e introduzido na literatura técnica no ano de 1869. É formado pela raiz da palavra grega homo, que quer dizer “semelhante”, e pela palavra latina sexus, passando a significar “sexualidade semelhante”. Exprime tanto a idéia de semelhança, igual, análogo, ou seja, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter, como também significa a sexualidade exercida com uma pessoa do mesmo sexo.

Desta feita, evidencia-se o homossexualismo quando da

predileção de alguém por pessoas de mesmo sexo biológico, trazendo, por

conseguinte, reflexos tanto em aspectos sócias quanto psicológicos e jurídicos à

vida daqueles que assumem, ou não, a sua preferência.

149 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 37.

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2.5.1 Psicológicos

Vários são os aspectos psicológicos da homossexualidade,

principalmente em virtude de a orientação sexual começar a ser formada desde

muito cedo, dando sinais ainda na infância.

Sobre o termo “homossexualidade”, explica Dias150 que “A

busca da despatologização da homossexualidade visa a defini-la como simples

variante natural da expressão sexual humana, um comportamento que determina

uma maneira de viver diferente.”

Mais adiante, a mesma autora151 afirma a existência de

categorias ou grupos de homossexuais, que se identificam conforme os reflexos

psicológicos advindos da própria homossexualidade. São os chamados

reprimidos, que ocultam a identidade sexual e, estigmatizados, na busca de

alcançarem outros objetivos, tornam-se solitários, demonstrando inclinação para

estados de agressividade e ansiedade.

Uma outra categoria é composta por aqueles que mantém

dupla personalidade, que, mesmo que se veja como homossexual, acaba

comportando-se como heterossexual. Já o terceiro grupo, chamado de gay,

assume a postura homossexual ainda na infância, impondo-se, posteriormente,

no meio social e, muitas vezes, levantando a bandeira em defesa dos seus

direitos.

Merece destaque a assertiva elaborada por Matos152 acerca

dos efeitos psicológicos da homossexualidade. Veja-se:

150 DIAS, Maria Berenice. União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 35. 151 DIAS, Maria Berenice. União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 41. 152 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo – aspectos jurídicos e sociais, p. 39.

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Algum desajustamento social ou tensão de ordem psicológica que eventualmente possa sofrer uma pessoa homossexual são, em grande medida, fruto dos valores sociais que disseminam o estigma gerador de dor profunda, tentativa de repressão dos desejos íntimos e luta interna, visando afastar um fator de discriminação. Acredita-se no decréscimo desses problemas, conforme as transformações sociais forem se impondo no sentido de se superar a discriminação a esse número expressivo de pessoas -, e passos largos já foram dados neste sentido.

Neste diapasão, pode-se dizer que o homossexualismo, por

ser, ainda, na sociedade brasileira, o diferente, sendo aqueles que assim se

identificam, alvos de estigma social, seu psicológico, por vezes, abalado, faz com

que se escondam por trás de figuras agressivas, ao passo que outros, por seu

turno, não escondam a sua preferência por pessoas de igual sexo, de maneira a

se assumirem publicamente e, com isso, provocarem as mudanças na sociedade.

2.6 UNIÕES ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO E AS TRANSFORMAÇÕES

NO DIREITO DE FAMÍLIA

As uniões entre pessoas do mesmo sexo trouxeram reflexos

também no ramo do Direito de Família, em razão da busca pelo reconhecimento

destas como entidades familiares, gerando direitos e obrigações aos seus

membros, o que tem levado a largas discussões na seara jurídica.

Insta salientar o que dizem Fernanda Duarte, juíza federal

da 3ª Vara de Execução Fiscal, e Marcello Godinho153, procurador da Fazenda

Nacional, em artigo publicado na internet, pois segundo eles “Deve-se declinar o

fato de a instituição casamento, em geral, ser inacessível, no plano jurídico, aos

153 DUARTE, Fernanda; GODINHO, Marcello. Jurisdição constitucional, homossexualidade e casamento: um inventário de teses jurídicas, p.32.

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homossexuais – o que, por si só, reforça o discurso da luta por direitos,- pois os

casais homossexuais são excluídos dessa tutela protetiva.”

Outro não é o entendimento de Matos154, pois para ela

Incluir o sujeito homossexual no Direito de Família, com o reconhecimento de suas uniões afetivas estáveis, significa outrossim tutelar seu direito pessoal a uma orientação sexual diversa daquela propagada como “comum” – num viés respeitador de sua dignidade.

E mais adiante, ela155 complementa:

(...) a visão atual acerca da família está a informar a superação procriadora como objetivo principal da formação familiar. Parceiros heterossexuais e homossexuais podem estabelecer uma convivência duradoura, almejando vários propósitos individuais, sem necessariamente desejar estabelecer uma relação de filiação natural ou adotiva.

Muito embora a união homoafetiva não esteja reconhecida

pelo ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que à época da elaboração do

projeto do Código Civil atual, ainda não se encontrava estabelecida a discussão

acerca do assunto, ela já produz efeitos no Direito de Família, como a concessão

de indenização por serviços prestados.

Este é o entendimento de Matos156, conforme se pode

observar:

154 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo – aspectos jurídicos e sociais, p. 58. 155 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo – aspectos jurídicos e sociais, p. 63. 156 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo – aspectos jurídicos e sociais, p. 79/80.

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Tendo-se em vista os vários pontos em comum entre união estável e união homoafetiva, há a possibilidade de se transportar a idéia da indenização por serviços prestados para um parceiro homoafetivo (...). Os trabalhos desempenhados em favor do outro companheiro são uma dedicação baseada na affectio, em que a comunhão de vida é o fato gerador de tais atividades.

Retornando ao fato de não haver nenhuma lei

regulamentando a união homossexual, o seu enquadramento no Direito de

Família é certo. Veja-se o que explica Dias157:

O aplicador do Direito deve subsidiar-se dos referenciais elencados no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Não há como fugir da analogia com as demais relações que têm o afeto por causa e, assim, reconhecer a existência de uma entidade familiar à semelhança do casamento e da união estável. O óbice constitucional, estabelecendo a distinção de sexos ao definir a união estável, não impede o uso de tal forma integrativa de um fato ao sistema jurídico. A identidade sexual não serve de justificativa para se buscar qualquer outro ramo do Direito que não o Direito de Família.

Desta forma, o direito de família tem reconhecido aos

homossexuais direitos e obrigações antes concedidos somente às uniões

convencionais, como o direito à meação, revolucionando o direito.

No concernente à este aspecto, ainda a mesma autora158

alerta que a não concessão de direitos patrimoniais decorrentes da aquisição de

bens durante a união homossexual, de forma duradoura, significa a locupletação

sem causa, o que faria concluir-se que referida relação, ainda que com a

característica da estabilidade, não se caracterizaria como família.

157 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 99. 158 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 105/106.

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As transformações no Direito de Família, em relação às

relações entre pessoas de mesmo sexo não param por aí. Silva Júnior159 elenca

outras mudanças profundas, como se pode verificar:

A competência para o processamento regular das ações envolvendo a homoafetividade, a qualificação jurídicas que se deve aplicar a tais relações, o reconhecimento ou não do direito de posse (sobre o imóvel que servia de residência ao casal homossexual), a possibilidade de inclusão do companheiro em planos previdenciários e assistenciais, de deferimento de pensão por morte, de alimentos e de pedido de adoção (...).

No entanto, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei

nº 2285/2007, proposto pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o

qual, além de retirar toda a parte de Direito de Família do Código Civil, criando,

assim, o Estatuto das Famílias, em seu art. 68, busca o reconhecimento das

uniões homoafetivas como entidade familiar, dando a elas os mesmos direitos

inerentes às uniões estável, assim como possibilitar o deferimento da adoção por

esses casais.

Desta feita, é possível concluir que as uniões entre pessoas

de mesmo sexo trouxeram transformações no Direito de Família, as quais estão

paulatinamente sendo aceitas pela sociedade, uma vez que trata-se, outrossim,

da busca de direitos assegurados a todos.

159 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 80.

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2.7 ANALOGIA ENTRE UNIÃO CONVENCIONAL E UNIÃO HOMOAFETIVA

Não se pode deixar de ressaltar que a união homoafetiva, assim como as uniões

convencionais, leia-se, união estável e casamento, possuem pontos em comum e

diferenças básicas.

Segundo Coimbra160, citando Glauber Moreno Tavalera, a diferença traçada pelas

uniões homoafetivas e as demais se encontra apenas na diversidade do sexo das

partes, posto que as primeiras são compostas por pessoas dos mesmo sexo, ao

passo que as ditas convencionais, por pessoas de sexo diverso, sendo que, em

ambas não há diferença de afetividade.

Tal entendimento não destoa daquele formulado por Dias161. Veja-se:

Abstraindo-se o sexo dos conviventes, nenhuma diferença há entre as relações homo e heterossexuais, pois existe uma semelhança no essencial, a identidade de motivos entre os dois casos. Ambos são vínculos que têm sua origem no afeto, havendo identidade de propósitos, qual seja a concretização do ideal de felicidade de cada um.

Em outras palavras, o mesmo é o entendimento de Matos162, posto que, para ela

Percebe-se que a convivência afetiva homossexual apresenta traços muito próximos das demais entidades familiares. Não se crê estarem os sinais relevantes da existência de uma entidade familiar ligados à sua necessária condição heterossexual, para, conseqüentemente, não se legitimar a parceria entre pessoas do mesmo sexo. O complexo de funções decorrentes do casamento é assaz semelhante entre uniões hetero e homossexuais.

160 COIMBRA, Clarice Helena de Miranda. Filiação monoparental na perspectiva civil-constitucional, p. 161 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 86. 162 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo – aspectos jurídicos e sociais, p. 63/64.

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Já para Silva Júnior163, as uniões homoafetivas têm como elemento fundamental

a afetividade, ao passo que as heterossexuais, ou convencionais, baseiam-se,

mais que as homossexuais, na atração e contato físico, motivo pelo qual, a

diferença entre elas reside em a primeira envolver pessoas do mesmo sexo

biológico e a segunda, de sexos diversos.

E mais adiante, o mesmo autor164 relata:

(...) se o afeto é o que justifica o respeito mútuo, a durabilidade e a solidez, indispensáveis para que as uniões formem uma estrutura familiar (independentemente do sexo biológico e da orientação dos desejos de seus membros), as relações homossexuais evidenciam todas as nuanças distintivas ‘do fenômeno humano, ora juridicizado pelo Direito de Família. Sua concretização, iniciada pela jurisprudência, reclama a adequada intervenção legislativa, criadora de um regime familiar peculiar’.”.

Desta feita, é evidente que a união homossexual diferencia-se das chamadas

uniões convencionais somente no tocante à diversidade do sexo das parte,

traduzida no fato delas possuírem o mesmo sexo biológico, porém com afeição

por outra igual a ela, ao passo que as demais, leia-se, união estável e casamento,

o que as distingue é justamente a diferença física-biológica dos seus

componentes, não estando aquela, ainda, regulamentada.

De outro norte, todas as formas de relacionamento são constituídas pelo afeto

existente entre as pessoas, pela vontade de permanecerem juntas e constituírem

uma família, seja com filhos ou não, além de estarem baseadas na confiança

mútua e no companheirismo.

163 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 72. 164 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 75.

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CAPÍTULO 3

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ultrapassada a conceituação e identificação das características da adoção e da

união estável, com ênfase na união homoafetiva, passa-se à análise da

possibilidade do deferimento da adoção por casais homossexuais, tema central

da presente pesquisa, em que pese a ausência de norma, no direito brasileiro,

que assegure a utilização do instituto da adoção por pessoas do mesmo sexo que

optam por uma união, entre si, com a intenção de constituir família.

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3.2 A IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Antes de passar-se à análise acerca da importância dos princípios constitucionais,

necessário se faz abordar e diferenciar princípios e regras, os quais se encontram

sempre presentes no ordenamento jurídico brasileiro, motivo pelo qual se passa a

conceituá-los e diferenciá-los para, após, tratar dos princípios constitucionais

aplicados especificamente ao Direito de Família.

3.2.1 Conceito de princípios

Antes de adentrar-se no estudo dos princípios constitucionais aplicáveis ao Direito

de Família, necessária a conceituação do que seja princípio.

Ao conceituar o que são princípios, Pereira165 afirma que “(...) como normas que

são, vêm em primeiro lugar e são a porta de entrada para qualquer leitura

interpretativa do Direito.”

Merece destaque, também, o conceito trazido à baila por Crisafulli, citado por

Bonavides166, para quem:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõe, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto, resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.

165 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 23. 166 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 257.

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De acordo com Bonavides167, há vários conceitos para o termo princípio, sendo

que pode referir-se a normas com alto nível de generalidade, e de

indeterminação, necessitando, para sua aplicação, de serem concretizados, ou

que tenham caráter programático, ou seja, que estabelecem comportamentos,

bem como quando se trata de norma com hierarquia elevada, ou mesmo quando

cumpre papel importante e fundamental dentro de um sistema jurídico ou político.

Assim, denota-se que o princípio, é na verdade uma norma abrangente, capaz de

determinar o cumprimento de outra norma, ou, ao menos, indicar o caminho a ser

seguido na interpretação das normas.

3.2.2 Diferença entre princípios e regras

Segundo Pereira168, “Regras e princípios fazem parte de uma categoria

normativa, pois ambos dizem o que deve ser e são razões de juízos concretos do

dever-ser.”

Sobre a aplicação de regras e princípios, Pereira169, citando Roberty Alexy,

assevera que:

(...) regras devem ser aplicadas na forma do tudo ou nada, por serem formas mais herméticas, fechadas, de dizer o Direito. Já os princípios são mandados de otimização, que devem ser aplicados na maior medida possível. (...) Princípios são mandados prima facie e não definitivos, ao passo que as regras são mandados que se aplicam ou não.

167 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 257/258. 168 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 31. 169 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 33/34.

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Outro não é o entendimento apresentado por Gomes170, uma vez que, em artigo

publicado na internet, ao falar acerca dos princípios e regras, assevera que:

As regras disciplinam uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a norma tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência. Para as regras vale a lógica do tudo ou nada (Dworkin). Quando duas regras colidem, fala-se em "conflito"; ao caso concreto uma só será aplicável (uma afasta a aplicação da outra). O conflito entre regras deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação: a lei especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior etc.. Princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele). Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre eles pode haver "colisão", não conflito. Quando colidem, não se excluem. Como "mandados de otimização" que são (Alexy), sempre podem.

Já para Peres171, regras diferenciam-se dos princípios por possuírem a sua

eficácia adstrita às situações que sejam reguladas pelas mesmas, ao passo que

os princípios, ao contrário, têm eficácia mais ampla, e afirma que “(...) têm por

função, além de uma ação imediata, quando regulam diretamente uma relação

jurídica, interpretar e integrar o texto constitucional (ações mediatas).”

Após esta rápida introdução sobre princípios e regras, passa-se, então, à análise

acerca da importância de alguns dos princípios constitucionais aplicáveis ao

Direito de Família.

3.2.3 Princípios constitucionais aplicados ao Direito de Família

Como em qualquer área do Direito, também no Direito de Família os princípios

constitucionais apresentam grande importância, posto que norteadores de várias

relações no âmbito familiar, gerando direitos e obrigações.

170 GOMES, Luiz Flávio. Normas, regras e princípios – conceitos e distinções. Disponível em ������������� �����������������������������

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Acerca da relevância dos princípios ditos constitucionais, assevera Dias172 que:

Todo um novo modo de ver o Direito emerge da Constituição Federal, a verdadeira carta de princípios, que impôs eficácia a todas as suas normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (CF 5º §1º). Os princípios constitucionais foram convertidos em alicerce normativo sobre o qual se assenta todo o edifício jurídico do sistema constitucional, o que provocou sensível mudança na maneira de interpretar a lei.

Os princípios constitucionais são de sobremaneira importantes na aplicação do

direito, que muitas vezes servem como únicos fundamentos jurídicos a embasar a

busca da tutela jurisdicional, por meio da interpretação do texto constitucional.

Sobre a aplicação dos princípios constitucionais, esclarece Peres173 que

Traçado o conceito constitucional de família, o qual acolhe a pluralidade familiar e funda um núcleo sócioafetivo, de modo a fazer incidir tutela jurídica sobre a família como um grupo social, cumpre analisar o sistema constitucional como um todo, dedicando especial atenção aos princípios fundamentais que o integram, em razão do seu papel condicionante na interpretação constitucional.

Alguns desses princípios, que apresentam relevante importância para o Direito de

Família, tidos como princípios gerais de direito, são o da dignidade da pessoa

humana, liberdade e igualdade, além do princípio do melhor interesse da criança,

este mais específico às adoções.

171 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 96. 172 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias, p. 51. 173 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 53.

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67

Tanto é verdade, que Dias174 afirma ser, justamente, no direito de família que os

princípios constitucionais se refletem com maior nitidez, não podendo, assim,

afastar-se do conceito atual de família e suas várias formas.

Não se pode esquecer a lição trazida á baila por Oliveira175, segundo o qual

(...) os princípios constitucionais do Direito de Família lançam para o futuro valores a serem observados pelas novas gerações no que toca à constituição da célula da sociedade: a família. (...) Coerentes com a estruturação do Estado Democrático Social, os princípios informativos do Direito de Família fixam suas balizas no presente e lançam para o futuro a recepção dos seus conteúdos pelas novas gerações. A evolução do Estado e da própria sociedade deverá seguir as diretrizes fixadas no texto constitucional.

A aplicação dos princípios constitucionais é tão grande, tendo, inclusive, outros

ainda, no entanto, os que busca tratar têm aplicação direta com o instituto da

adoção, motivo pelo qual serão abordados aqui somente os princípios da

liberdade e igualdade, pluralidade familiar, dignidade da pessoa humana e melhor

interesse da criança.

Através desta breve abordagem sobre a importância dos princípios

constitucionais, bem como a utilização destes princípios no direito de família, na

seqüência far-se-á um síntese a respeito dos principais princípios eleitos pela

Constituição Federal de 1988.

174 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p.54. 175 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 274/275.

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3.2.4 Liberdade e igualdade

Os princípios da liberdade e igualdade, previstos no Constituição Federal de

1988, decorrentes da dignidade da pessoa humana, encontram-se sempre juntos,

possuindo como destinatários todos os cidadãos, sem qualquer distinção.

Insta salientar o ensinamento de Lisboa176, citando Roger Raupp Rios, segundo o

qual

(...) o ordenamento jurídico brasileiro acolhe tanto o princípio da igualdade formal, que coíbe diferenciações fundadas na orientação sexual, como o da igualdade material, que estabelece o direito de tratamento igualitário aos heterossexuais e aos homossexuais, sempre que não houver fundamentos racionais para a desigualdade, justificando-se desse modo a proibição das discriminações pessoais.

Ao falar sobre aplicação do princípio da igualdade nas uniões homossexuais,

esclarece Dias177 que “(...) não assegurar garantias nem outorgar direitos às

uniões homoafetivas infringe o princípio da igualdade e revela discriminação ao

livre exercício da sexualidade.”

Outro, inclusive, não é o entendimento de Silva Júnior178, uma vez que para eles

Entre os direitos fundamentais, (...) encontram-se o de exercer livremente a sexualidade, uma vez que o direcionamento dos desejos – manifestado ininterrupta e naturalmente – não é fruto de uma simples escolha ou opção; é traço da constituição humana, sobre cuja gênese a ciência ainda não atingiu um consenso, apesar das pesquisas com este intento.

176 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 253. 177 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 89. 178 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 65.

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Já no concernente ao princípio da igualdade, ensina Rios179 que tal princípio faz

com se estenda aos homossexuais o mesmo tratamento jurídico dispensado aos

heterossexuais, sem qualquer distinção acerca da orientação sexual, já que este

é o aspecto formal do princípio.

Segundo Pereira180, ao se falar em igualdade, há que se mencionar também, o

respeito às diferenças, uma vez que, “Se todos são iguais perante a lei, todos

estão incluídos no laço social.”

Não destoando das assertivas acima, Matos181 afirma que:

Os ideais de uma mesma lei universal para todos vincula-se à chamada igualdade formal, não devendo haver, portanto, discriminações expressas nas leis, uma vez que se alcança a igualdade formal por intermédio da aplicação da mesma lei para todos. (...) Segundo esse raciocínio, cessa-se a impossibilidade de uma identidade de casal para os parceiros homossexuais.

Diante dos princípios da igualdade e da liberdade, amplamente difundidos no

direito, não se pode falar em discriminação de homossexuais pelo simples fato de

terem sua sexualidade diferente daquela tida como normal, uma vez que a lei

deve ser aplicada a todos, sem distinções, sob pena de transgressão das normas

constitucionais.

3.2.5 Pluralidade familiar

Há, ainda, o princípio da pluralidade familiar, que oferece proteção a toda e

qualquer forma de família, sendo este abarcado pela própria Constituição Federal,

179 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito, p.70. 180 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 141.

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em seu art. 226, a qual inovou ao reconhecer outras formas de constituição

familiar que não somente aquela oriunda do casamento.

No concernente à pluralidade familiar estabelecida na Constituição Federal,

assevera Pereira182 que

Alguns doutrinadores defendem que o art. 226 da Constituição é uma “norma de clausura”, na medida em que elenca as entidades familiares que são objeto da proteção do Estado. Não se afigura adequada tal argumentação, pois várias outras entidades familiares existem além daquelas ali previstas, e independentemente do Direito. A vida como ela é vem antes da lei jurídica. (...) Ela não se constitui apenas de pai, mãe e filho, mas é antes uma estruturação psíquica em que cada um de seus membros ocupa um lugar, uma função, sem estarem necessariamente ligados biologicamente. Desfaz-se a idéia de que a família se constitui, unicamente, para fins de reprodução e de legitimidade para o livre exercício da sexualidade.

Mais adiante, o mesmo autor183 afirma que a família, como um todo, é o local em

que seus membros buscam o afeto, a comunhão do amor, sendo respeitados em

todo seu âmago e, em decorrência também do princípio da dignidade, aceita-se a

família plural, muito mais adiante daquelas inseridas explicitamente no texto

constitucional, asseverando, desta forma, que

Diante da hermenêutica do texto constitucional e, sobretudo, da aplicação do princípio da pluralidade das formas de família, sem o qual estar-se-ia dando um lugar de indignidade aos sujeitos da relação que se pretende seja família, tornou-se imperioso o tratamento tutelar a todo agrupamento que, pelo elo de afeto, apresente-se como família, já que ela não é um fato da natureza, mas da cultura (...). Por tratamento tutelar entenda-se o

181 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo – aspectos jurídicos e sociais, p. 170/171. 182 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p.165/166. 183 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 167.

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reconhecimento pelo Estado de que tais agrupamentos não são ilegítimos e, portanto, não estarão excluídos do laço social.

Não se pode esquecer que esse princípio possui grande aplicabilidade em todo o

ramo do Direito de Família.

Da mesma forma entende Matos184, conforme se pode verificar abaixo:

(...) o princípio da pluralidade familiar não representa somente uma diversidade de possibilidades dentre as taxativamente apresentadas pelo sistema legal. Os modelos de família presentes na realidade social devem ser reconhecidos pelo Direito sempre, para que haja respeito aos valores essenciais dos membros do grupo familiar, especialmente o da dignidade da pessoa humana. (...) Pode-se afirmar dever o princípio da pluralidade no âmbito receber uma interpretação ampla, respeitadora das diversas formas de união, a encontrar limite apenas na dignidade da pessoa humana.

E continua “Não se deve, contrariamente e numa visão estreita do referido

princípio, negar um digno tratamento aos diferentes modelos arraigados na

sociedade por razões preconceituosas.”

Diante deste princípio, merecem respaldo legal todas as formas de constituição

familiar, ainda que não abarcadas pela Constituição Federal ou pelas leis pátrias,

uma vez que o próprio Direito é caracterizado pelas constantes mudanças na

sociedade, que ocorrem muito antes das mudanças legislativas.

184 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo – aspectos jurídicos e sociais, p. 156.

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3.2.6 Dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana, elencado como fundamento do

estado democrático de direito, constante no art. 1º, III, da Constituição Federal,

serve de base à busca e aplicação de muitos direitos inerentes à pessoa humana.

Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, mister se faz a menção ao que

diz Peres185, para quem

O princípio da dignidade da pessoa humana possui um duplo aspecto, material e moral. O material diz respeito às condições materiais de subsistência do indivíduo (...). O aspecto moral interessa (...), em especial, no que concerne à integridade moral do indivíduo, de modo a ver preservados a liberdade e os valores de espírito. Sob esse aspecto, o princípio da dignidade da pessoa humana representa, para Luís Roberto Barroso, “a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar”.

Este princípio, para Matos186, tem a capacidade de ser elástico o suficiente para

abarcar as exigências sociais que surgem, motivo pelo qual não possui um

significado preciso.

A utilização do presente princípio é demasiada importante, uma vez que nele

encontram-se também outros princípios, conforme bem assinala Pereira187,

segundo quem “A dignidade é um macroprincípio sob o qual irradiam e estão

contidos outros princípios e valores essenciais como a liberdade, autonomia

privada, cidadania, igualdade, alteridade e solidariedade.”

185 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossxuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 53/54. 186 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo – aspectos jurídicos e sociais, p. 149. 187 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 94.

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O mesmo autor188, citando Carmem Lúcia Antunes Rocha, que segundo ele, foi

uma das primeiras doutrinadoras brasileiras e elevar o princípio da dignidade da

pessoa humana como superprincípio, afirma que a dignidade implica na

concepção de justiça humana, independendo de mérito pessoal ou mesmo,

social, posto que inerente à vida.

De forma genérica, ao tratar do Direito de Família, cujas relações jurídicas muitas

vezes necessitam da aplicação do princípio ora abordado, ressalta Pereira189,

ainda, que

O Direito de Família só estará de acordo e em consonância com a dignidade e com os Direitos Humanos a partir do momento em que essas relações interprivadas não estiverem mais à margem, fora do laço social. Os exemplos históricos de indignidade no Direito de Família são muitos: a exclusão da mulher do princípio da igualdade, colocando-a em posição inferior ao homem; a proibição de registrar o nome do pai nos filhos havidos fora do casamento se o pai fosse casado; e o não reconhecimento de outras formas de família que não fosse o casamento. (...) Neste sentido, podemos dizer que é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família.

Da mesma forma entende Dias190, pois para ela, o princípio da dignidade da

pessoa humana, no direito de família, adverte para o tratamento digno e igualitário

à todas as formas de constituição familiar, uma vez que lhes dar tratamento

diferenciado implica em grave desrespeito ao princípio maior constitucional.

O princípio da dignidade humana, um dos mais importantes do ordenamento

jurídico brasileiro, deve ser respeitado independentemente da opção sexual do

indivíduo, sendo considerado um superprincípio, originador de vários outros, não

188 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 95. 189 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 100. 190 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 58.

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menos importantes, que devem ser aplicados conjuntamente pelo operador de

direito sempre que lhe for apresentada uma situação para solução.

3.3 A ADOÇÃO E O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA

A adoção, em todas as suas formas, deve sempre observar o princípio do melhor

interesse da criança, princípio este consagrado pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente.

Segundo Zambrano191, tem-se a aplicabilidade do princípio do melhor interesse

da criança em qualquer deferimento de pedido de adoção. Veja-se:

O Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA — Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, é o principal instrumento jurídico a tratar dos procedimentos da adoção e não apresenta qualquer ressalva no que tange à orientação sexual do adotante. Assim, em seu artigo 42, o ECA estabelece que “podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente de seu estado civil”. O pedido de adoção deve ser apreciado à luz do princípio do melhor interesse da criança, conforme previsto no artigo 43, do ECA, quando estabelece que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. Deste modo, a adoção por pessoa homossexual feita individualmente não está impedida, mesmo quando, na prática, as avaliações técnicas por psicólogos e assistentes sociais e os procedimentos administrativos possam ser mais minuciosos nesses casos.

Outra não é a opinião de Peres192, uma vez que entende que “Com o Estatuto, a

adoção passou a enfocar prioritariamente o interesse da criança do adolescente,

191 ZAMBRANO, Elizabeth et al.O direito à homoparentalidade – cartilha sobre as famílias constituídas por pais homossexuais, p. 29. 192 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 73.

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de modo a condicionar o seu deferimento à comprovação de reais vantagens para

o adotando, considerando-o sujeito de direitos.”, o que revela a importância da

verificação e atendimento do melhor interesse da criança.

A mesma autora193, fazendo uma breve retrospectiva acerca do princípio do

melhor interesse da criança, assinala que

(...) princípio primordial do melhor interesse da criança, a que o instituto da adoção visa atender. Essa orientação foi adotada pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, em 26 de janeiro de 1990 e ratificada pelo Brasil através do Decreto 99.710/90, ao prever em seu art. 3.1 que “Todas as ações relativas ás crianças, levadas a efeito por instituições publicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.

Sobre o princípio do melhor interesse da criança, João Baptista Villela, citado por

Pereira194, em 1980, já afirmava que

(...) nesse novo quadro de referências, o estalão geral que determina e orienta é o bem do menor. Portanto, enquanto as prerrogativas dos pais, tutores, guardiões sofrem todas as limitações que se revelem necessárias à preservação daquele valor, amplia-se a liberdade do menor em benefício de seu fundamental direito de chegar à condição adulta sob as melhores garantias materiais e morais.

Ainda segundo Pereira195, para atender-se o melhor interesse da criança, deve-se

observar os direitos inseridos no art. 227 da Constituição Federal, por se tratarem

de prioridades absolutas do ordenamento jurídico brasileiro, assim como o

estabelecido nos arts. 3º e 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

193 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 103/104. 194 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 129.

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Além destes dispositivos legais, Pereira196 elenca outros textos legais nos quais

se encontra inserto o referido princípio, afirmando que

O que se encontra desses dispositivos é que eles se consubstanciam em uma Declaração de Princípios, como o preâmbulo da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20.11.1989. Esta Convenção foi ratificada no Brasil em 26.1.1990, através do Decreto Legislativo n. 28, de 14.9.1990, vindo a ser promulgada pelo Decreto Presidencial n. 99.710, de 21.11.1990, cuja dicção inicial é a seguinte: Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.

Ainda acerca do princípio do melhor interesse da criança, mister lembrar o que

ensina François Dolto, citado por Pereira197, segundo o qual devem ser

observados três referenciais, que são

(...) – o continuum de afetividade; - o continuum social, que indica a necessidade de preservação do ambiente e do relacionamento social, até então vivido pela criança; - o continuum espacial, determinando que o espaço da criança deve ser preservado, por que a personalidade do menor é construída dentro de um certo espaço. Quando há mudança de espaço, do lugar onde vive, pode perder um dos seus referenciais.

Desta feita, evidencia-se que, ao se buscar atender o princípio do melhor

interesse da criança, o que se pretende é proteger o infante de situações que

possam lhe ser ruins. Assim, também a adoção deve representar o respeito ao

195 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 129/ 130. 196 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 129/ 130. 197 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 129/ 137/138.

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referido princípio, uma vez que retrata a colocação do adotando em uma nova

família, onde deverá encontrar uma base para seu efetivo desenvolvimento.

3.4 A ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS E OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO

INSTITUTO

Como em qualquer situação envolvendo o Direito de Família, a adoção também

precisa observar os princípios constitucionais e, em especial, a adoção por

homossexuais, uma vez que, a princípio, não prevista na legislação brasileira.

Sobre o situação da possibilidade de adoção por casais homossexuais, aplicando-

se os princípios norteadores de tal instituto, mister lembrar o que diz Peres198,

pois segundo ela

Ao argumento de inexistir expressa vedação legal ao adotante homossexual e de ser esta a situação que melhor atende à criança, somam-se outros, a saber:

- o respeito à dignidade da pessoa humana, que se sintetiza no princípio da igualdade e na vedação de tratamento discriminatório de qualquer ordem, de modo a impedir a exclusão do direito à adoção em função da preferência sexual;

- o dever do Estado de assegurar à criança o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, conforme preconiza o art. 227 da Constituição Federal, o que certamente será alcançado se lhe for permitido o direito de ser adotada retirando-a de instituições que não têm condições de lhe dar um tratamento singular, por mais bem estruturadas que sejam;

198 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 78.

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- o direito ao planejamento familiar, fundado nos princípios da dignidade da

pessoa humana e da paternidade responsável, conforme preconiza a CF/88.

E mais adiante, a mesma autora199, assevera que a Constituição Federal, ainda

que de forma implícita, protege as uniões homoafetivas, porquanto

consolidadoras de vínculos afetivo-solidário, uma vez que contempla o princípio

constitucional do melhor interesse da criança para o deferimento de adoção, seja

ela conjunta ou individual.

Importante salientar o entendimento apresentado por

Oliveira200, para quem “A dura conquista do reconhecimento de novas espécies

de família e de todas as suas características não pode sucumbir à pressão de

grupos conservadores, no presente e no futuro (...).”

Em caso semelhante ao da adoção por homossexuais,

segundo Pereira201, que serve como paradigma para a aplicação do direito, o

deferimento da guarda do menor Francisco Ribeiro Eller à companheira de Cássia

Eller, Maria Eugênia, em detrimento do avô da criança, tendo sido considerado os

vínculos afetivos e familiares já existentes entre o menor e a companheira da

mãe.

Não se pode deixar de mencionar que também no caso de

pedido de adoção formulado por homossexuais, há que se buscar sempre a

preservação do melhor interesse da criança, de forma a deixar de lado

preconceitos, tanto que, para Pereira202

O que se deve priorizar é o atendimento do art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina o deferimento da

199 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 79/80. 200 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 275. 201 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 129/ 135/137. 202 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família, p. 139/ 140.

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adoção quando esta representar reais vantagens para o adotando, além de fundar-se em motivos legítimos. (...) Mas antes de tudo, o que se resguarda é o direito da criança e do adolescente de ter uma família (...).

Em relação ao princípio da liberdade, que se encontra ligado ao da igualdade,

aplicado às uniões homoafetivas, esclarece Dias203 que

Desarrazoada a eleição de fator sexista para subtrair dos homossexuais os direitos deferidos aos heterossexuais, postura que evidencia discriminação, infringência ao princípio da isonomia e “desrespeito” à cláusula constitucional de “respeito” à dignidade humana, afrontando, de forma reflexa, a liberdade pessoal e sexual.

Merece destaque, a lembrança trazida por Silva Júnior204,

segundo o qual

(...) tanto do ponto de vista jurídico, como do psicossocial, a Academia Americana de Pediatria – que oferece orientação aos pais norte-americanos sobre crianças -, através de seu presidente Dr. Joseph F. Hagan Júnior, defende ser do melhor interesse dos menores a adoção por homossexuais, do que viverem socialmente excluídos de assistência material (segurança patrimonial, por exemplo) e afetiva (a mais preponderante).

Mais adiante, continua o autor205, ainda sobre o melhor

interesse da criança, ressaltando que “(...) o deferimento da adoção a duas

pessoas que se amam e que, juntas, desejam se dedicar à educação de um

menor vem-lhe ao melhor interesse.”

203 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 84. 204 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 124. 205 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 130.

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Peres206 corrobora o entendimento exposto acima, ao

afirmar que:

Além da idade, outros requisitos são elencados para a adoção, não se fazendo referência, contudo, à orientação sexual do adotante. Em razão da ausência de restrição legal, abres-se a possibilidade para o homossexual adotar, por se vislumbrar que o menor estará, em conformidade com o art. 43 do ECA, mais bem amparado se colocado no seio de uma família do que relegado à própria sorte. Isso porque o referido dispositivo legal prevê que: ‘A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos’. Consideram-se legítimos os motivos, quando a intenção do adotante, envolta em sentimentos decorrentes da relação parental, se harmoniza com a finalidade do instituto de alcançar o bem estar do menor.

E continua, mais adiante, a mesma autora207, acerca do

princípio do melhor interesse da criança, em relação à adoção por casais

homoafetivos:

Conquanto se tenha afirmado que, com fundamento na Carta Magna, o ordenamento pátrio tenha sobreposto o interesse da criança aos demais interesses em jogo, não é menos correto o fato de os indivíduos terem constitucionalmente garantido o direito de formar uma família, somado ao fato de que constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Ante a incidência desses princípios, caso seja vedado o direito de adoção ao homossexual em razão, tão-somente, de sua “opção” sexual, se estará diante de um conflito entre princípios constitucionais, pois, conforme mencionado, a Constituição Federal de 1988 assegura o direito à igualdade sem distinção de sexo e de orientação sexual. Embora não haja expressa menção à orientação sexual, outra não é, senão, a mens legis.

206 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 77. 207 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 110/111.

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Da mesma forma, segundo a autora208, o melhor interesse

da criança, combinado com o direito à igualdade, proíbe a discriminação em

função de orientação sexual, o que deve ser levado em conta na análise de

pedido de adoção por homossexuais, sob pena de ferirem-se, com isso, preceitos

constitucionais.

Assim, tal princípio serve de amparo, juntamente com os

demais, para o deferimento de pedidos de adoção, uma vez que se trata de

premissa amplamente garantida.

Em relação à aplicação do princípio da dignidade humana no reconhecimento de

direitos às uniões homoafetivas, ressalta Bodin de Moraes209 que

Os direitos de igualdade, de liberdade, de intimidade, direitos fundamentais consubstanciadores da cláusula geral da dignidade da pessoa humana, e a proibição de qualquer forma de discriminação impõem limites bastantes demarcados no que tange à impossibilidade de tratar de modo diverso as pessoas, com base em sua orientação sexual, opção individual que integra a esfera do lícito, e que, merece, por todas as razões, proteção jurídica concreta e eficaz.

Outro não é o entendimento de Dias210, pois segundo ela “Qualquer discriminação

baseada na orientação sexual do indivíduo configura claro desrespeito à

dignidade humana, a infringir o princípio maior imposto pela Constituição Federal.”

Também para Matos211, as diferenciações no reconhecimento de relações

homossexuais, com base no afeto e, muitas vezes, partindo-se única e

exclusivamente, na orientação sexual das partes, acaba por ferir o princípio da

208 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 117. 209 MORAES, Maria Celina Bodin de. Revista brasileira de direito civil, p.97. 210 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 87. 211 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo – aspectos jurídicos e sociais, p. 149.

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dignidade humana, de maneira a tornar-se inconstitucional essas discriminações

jurídicas.

Desta feita, com espeque no princípio da dignidade da pessoa humana, não se

pode deixar de reconhecer direitos às uniões homossexuais, com base na

escolha, ou orientação sexual, sob pena de cometer-se flagrante

inconstitucionalidade, posto que merecedoras também da tutela jurídica oferecida

pelo Estado.

Diante disto, é necessário ressaltar que a adoção por

homossexuais deve ser analisada visando a aplicação dos princípios

constitucionais norteadores do direito de família, com o fito de garantir sempre, a

observância do melhor interesse do adotando, sem preconceitos.

3.5 BREVE NOTÍCIA SOBRE A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS NO

DIREITO ESTRANGEIRO

Antes de começar o estudo da possibilidade da adoção por casais homoafetivos,

necessária a verificação de tal situação nos países que servem como paradigmas

ao ordenamento brasileiro, ou seja, de alguns países europeus e dos Estados

Unidos.

3.5.1 Alguns países da Europa

Em alguns países europeus, tanto o reconhecimento da união homossexual,

quanto a possibilidade de adoção por casais em relacionamento homoafetivo já

restaram reconhecidos.

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A Holanda foi o país pioneiro no reconhecimento desses direitos, pois, segundo

Peres212, em dezembro de 2000, tornou-se o “primeiro país a aprovar uma lei que

permite o casamento civil entre homossexuais, prevendo os mesmos direitos e

deveres conferidos aos casais heterossexuais.”, afirmando, ainda, que somente

um ano após a entrada em vigor de referida lei, em abril de 2001, passou a viger

lei permitindo a adoção de infantes por homossexuais, com a ressalva de que

deveriam ser holandesas, tendo, atualmente, em torno de vinte e mil crianças

vivendo em lares homossexuais.

Peres213 assevera, também, que “(...) em 2005, o governo anunciou uma proposta

para ampliar a adoção por homossexuais, a fim de permitir a adoção de crianças

estrangeiras.”

Outro país que merece destaque, por conferir aos casais homossexuais é a

Catalunha, que em 1998 promoveu a vigência da chamada Lei da Parceria, a qual

regulamentou as uniões estáveis hetero e homossexuais. Acerca da

regulamentação de tal situação, notório o relato de Peres214, que assim diz:

Ao tratar da adoção, conferiu o direito de adotar de forma conjunta aos parceiros heterossexuais que viviam em união estável, o que, a contrario sensu, significava dizer que os parceiros homossexuais não tinham o mesmo direito. Não obstante, em 22 de julho de 2004, a Catalunha aprovou projeto de lei que autoriza a adoção por casais homossexuais. Por fim, em 30 de junho de 2005, numa histórica e polêmica votação (187 votos a favor, 147 contra e 4 abstenções), a Espanha aprovou a Lei nº 13/2005, de 1º de julho, que modifica o Código Civil para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, nos mesmos termos do casamento heterossexual, e que essas pessoas possam adotar.

212 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 201/202. 213 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 202. 214 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 203.

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Já na França, não é pacífico o entendimento acerca da possibilidade de adoção

por homossexuais, pois, segundo relata Peres215, em 25 de janeiro de 1995, o

Tribunal Administrativo de Paris invalidou resolução de Direção da Ação Social,

da Infância e da Saúde, deferindo a habilitação à adoção feita por um

homossexual.

Não obstante, referida decisão restou alterada pelo órgão superior, o Conselho de

Estado, em outubro de 1996, sob o argumento de configurar riscos ao

desenvolvimento sadio da criança.

Ainda segundo a mesma autora216, outra decisão que merece destaque, é a

proferida pelo Tribunal Administrativo de Besançon, proferida em 21 de janeiro de

2000, que se manifestou no sentido de que não há motivação legal para o

indeferimento de adoção por homossexual “(...) motivado quer na ausência de

imagem ou de referência paterna passível de favorecer o desenvolvimento

harmonioso da criança adotada, quer no lugar que a amiga da requerente irá

ocupar na vida dessa criança.”

Depreende-se que alguns países europeus, após largas discussões, já admitem a

adoção por homossexuais, inclusive com regulamentação, sendo, outrossim,

travada uma batalha constante pelo reconhecimento de tal direito aos pares

homossexuais.

3.5.2 Estados Unidos

Os Estados Unidos, também é um dos países que permitem a adoção de crianças

por casais homossexuais, o que já ocorre desde a década de 1990.

215 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 178/179. 216 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 179.

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Sobre a adoção por homossexuais, Silva Júnior217, citando Dávila assevera que

No final dos anos 1990, com a liberalização das leis de adoção nos EUA, cada vez mais, casais gays puderam virar pais ou mães adotivos legalmente, o que, por tabela, acabou estimulando outros pares que pensavam em conceber naturalmente ou com pais e mães de aluguel e criar filhos em lares gays. (...) há mais de 3 milhões de crianças convivendo afetivamente em famílias homossexuais (...).

Dias218, por seu turno, afirma que nos Estados Unidos, muito embora em 1996

tenha sido aprovada lei em âmbito federal que recusou o reconhecimento de

casamento entre pares homossexuais, Vermont foi o primeiro estado norte-

ameriano a reconhecer a união homoafetiva, o que ocorreu em 2001. Já no

tocante à possibilidade de adoção por homossexuais, esta já era permitida

naquele estado há cerca de trinta anos.

De outro norte, relata Peres219 que “Nos Estados Unidos, entre dar o menor à adoção e colocá-lo em instituições ou lares provisórios –foster care – é preferível a primeira opção. Neste sentido, o Estado do Alabama dá subsídios para estimular a adoção.”

E a autora220 prossegue, afirmando que:

Embora diversos Estados norte-americanos mantenham uma legislação conservadora em relação ao instituto da adoção, apenas o Estado da Flórida expressamente proíbe a adoção individual por homossexuais. (...) Em sentido diametralmente oposto, o Estado de Nova Jersey de forma explícita permitiu que parceiros homossexuais adotassem em conjunto, em 21 de

217 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 124. 218 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 52. 219 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 204. 220 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 204/205.

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dezembro de 1997. Este foi o primeiro Estado norte-americano a permitir que gays, lésbicas e casais heterossexuais, que não fossem formalmente casados, adotassem nas mesmas bases estabelecidas para as pessoas legalmente casadas.

Por outro lado, segundo a mesma autora221, relata que os Tribunais de Apelação

dos Estados do Colorado, Connecticut e Wisconsin não reconhecem a adoção por

pares homoafetivos, alegando o não enquadramento dos casais em situações

enumeradas taxativamente na legislação, não hes cabendo suprir a omissão

legislativa acerca do assunto.

Depreende-se, daí, que os Estados norte-americanos possuem autonomia para

legislar, sendo que, em alguns deles, já está reconhecida a possibilidade de

adoção por casais homossexuais, ao passo que outros entendem não ser

possível tal pleito, ou por não estar prevista na legislação, ou por ser proibida.

3.6 O AFETO COMO FATOR PRINCIPAL DA ADOÇÃO

A afetividade é um dos pilares basilares de qualquer relação, mediante a busca

pela felicidade, o respeito e a consideração mútuos.

A existência afeto é característica de suma importância, principalmente nas

relações familiares, pois segundo Oliveira222

É dentro da família que os laços de afetividade tornam-se mais vigorosos e aptos a sustentar as vigas do relacionamento familiar contra os males externos; é nela que seus membros recebem estímulos para pôr em prática suas aptidões pessoais.Daí então ser a característica da afetividade, aliada, por óbvio, à

221 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Adoção por homossexuais – fronteiras da família na pós-modernidade, p. 207/208. 222 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 235.

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nuclearidade, a responsável pela plena realização pessoal de cada membro familiar.

Para Dias223, o afeto é o elemento primordial em qualquer relação interpessoal,

posto que, por meio dele que se originam os relacionamentos formadores das

famílias.

Muito embora ainda existam dúvidas no pertinente à adoção por homossexuais,

em seus aspectos psicológicos, leia-se, em relação ao adotado, Silva Júnior224

afirma que já existem pesquisas apontando para a importância do afeto e da

estrutura emocional consistente para o regular e saudável desenvolvimento dos

filhos, além de verificar-se que a orientação sexual não influi na educação de

crianças e adolescentes em adoção.

O mesmo autor225, assevera, ainda, que

Os sentimentos de paternidade e de maternidade (bem como o preparo emocional para o seu exercício) independem da orientação sexual dos pais e das mães- haja vista o enorme contingente de crianças e adolescentes educados no seio de famílias monoparentais heterossexuais e homossexuais – que gozam, como mencionado, da clara proteção constitucional no Brasil (art. 226, §4º).

Dias226, em artigo publicado na internet, assim afirma:

A filiação socioafetiva se sobrepõe sobre qualquer outro vinculo, quer biológico, quer legal. Negar a possibilidade do reconhecimento da filiação que tem por base a afetividade, quando os pais são do mesmo sexo é uma forma perversa de

223 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 68. 224 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 106. 225 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 119. 226 Dias, Maria Berenice. Adoção por homosexuais.Disponível em http://www.mariaberenicedias.com.br/site/content.php?cont_id=813&isPopUp=true.

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discriminação que só vem prejudicar quem apenas quer ter alguém para chamar de mãe, alguém para chamar de pai.

Conclui-se, por conseguinte, que o afeto é, hoje, um dos requisitos mais

observados nas relações familiares, não sendo diferente quando o assunto é a

adoção, pois pilar da toda e qualquer relação familiar e afetiva, se sobrepondo,

sobremaneira, sobre os vínculos sangüíneos, que, muitas vezes, nunca

representou uma relação baseada no carinho.

3.7 O JUDICIÁRIO E A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS

Diante dos casos apresentados ao Poder Judiciário, mesmo inexistindo lei

regulamentando, ou mesmo reconhecendo explicitamente, a união homoafetiva,

aplica-se a analogia, esta em relação à união estável e seus efeitos, uma vez que

o magistrado não pode furtar-se à análise e julgamento do caso concreto que lhe

é apresentado em busca de uma tutela jurisdicional.

Este também é o entendimento trazido por Silva Júnior227, segundo o qual

(...) o Judiciário tem se mostrado favorável à consideração dos relacionamentos homoafetivos – sólidos, ostensivos e com perspectiva de durabilidade – como uniões estáveis, através de interpretações teleológico-eficazes e do referido recurso analógico, com vistas à colmatação da lacuna no ordenamento, que prejudica a cidadania de milhões de homossexuais brasileiros.

Em recente julgado prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça, relativo ao

Recurso Especial nº 820.475 – RJ228, aquela corte já se manifestou, também, pelo

227 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 135.

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reconhecimento da união estável entre casais homossexuais, mediante a

aplicação da analogia, conforme se pode verificar de seu acórdão:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO.

1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar.

2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.

3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito.

4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.

5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada.

6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar

228 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 820.475 – RJ (2006/0034525-4), publicado DJe em 06.10.2008.

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casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador.

5. Recurso especial conhecido e provido.

O Ministro Relator Antônio de Pádua Ribeiro229, ao exarar seu voto nesse recurso,

asseverou que, embora não exista previsão legal reconhecendo a união

homoafetiva como forma de união estável e, conseqüentemente, de formação

familiar, não há, por seu turno, qualquer vedação legal para o seu

reconhecimento, mas apenas o reconhecimento da aplicação às relações

existentes entre pessoas de sexo diverso.

A jurisprudência, principalmente do Rio Grande do Sul, cujo Tribunal de Justiça é

reconhecido pelas suas decisões de vanguarda, em agravo de instrumento nº

599.075.496230, julgado em 1999, aplicava a analogia para as causas em que

eram partes homossexuais. Colhe-se do voto proferido pelo Desembargador

Relator Breno Moreira Mussi:

(...) o fato de hipótese, rigorosamente, não existir na lei, jamais levará ao ponto de fazer desaparecer o fenômeno social, como se a omissão legislativa fosse capaz de suprimir a homossexualidade. Quando não está na lei, o operador deve socorrer-se da analogia, para preencher a lacuna. Assim o dizem os arts. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e 126 do Código de Processo Civil. (...) A questão das minorias exige, nos sistemas constitucionais modernos, ações positivas de proteção. Na parte do Judiciário, que não faz leis, e as aplica, as ações positivas podem ter curso através de uma interpretação integradora, e sem dar guarida a qualquer forma de discriminação velada ou aberta. (Agravo de Instrumento n. 599.075.496, da Oitava Câmara Cível, Des. Relator Breno Moreira Mussi, julgado em 17.06.1999)

Outro julgado, também daquela Corte, cuja data de julgamento é mais recente,

deferiu a adoção a casal homossexual, uma vez que não havia nenhuma

229 STJ, Recurso Especial n. 820.475 – RJ (2006/0034525-4), publicado DJe em 06.10.2008.b 230 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 180/181.

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inconveniente à formação do adotado a sexualidade dos adotantes, conforme se

denota da apelação cível nº 70013801592231, que segue:

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.

Colhe-se do voto do relator do referido acórdão, Luiz Felipe Brasil Santos232,

preciosa lição sobre a possibilidade de adoção por casais homoafetivos, pois

segundo ele:

Partindo então do pressuposto de que o tratamento a ser dado às uniões entre pessoas do mesmo sexo, que convivem de modo durável, sendo essa convivência pública, contínua e com o objetivo de constituir família deve ser o mesmo que é atribuído em nosso ordenamento às uniões estáveis, resta concluir que é possível reconhecer, em tese, a essas pessoas o direito de adotar em conjunto.

231 TJRS, Apelação Cível n. 70013801592, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 05.04.2006. 232 TJRS, Apelação Cível n. 70013801592, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 05.04.2006.

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Tal entendimento não diverge daquele apresentado por Maria Berenice Dias233,

para quem, em caso de pedido de adoção formulado por pares homossexuais,

deve-se levar em consideração o vínculo afetivo, tendo amparo constitucional a

filiação afetiva ou socioafetiva.

Merece destaque, também, o acórdão nº 70018249631234, muito embora trate de

direito de visitas, em virtude do reconhecimento do estado de filiação decorrente

do afeto existente entre as partes. Veja-se:

FILIAÇÃO HOMOPARENTAL. DIREITO DE VISITAS. Incontroverso que as partes viveram em união homoafetiva por mais de 12 anos. Embora conste no registro de nascimento do infante apenas o nome da mãe biológica, a filiação foi planejada por ambas, tendo a agravada acompanhado o filho desde o nascimento, desempenhando ela todas as funções de maternagem. Ninguém mais questiona que a afetividade é uma realidade digna de tutela, não podendo o Poder Judiciário afastar-se da realidade dos fatos. Sendo notório o estado de filiação existente entre a recorrida e o infante, imperioso que seja assegurado o direito de visitação, que é mais um direito do filho do que da própria mãe. Assim, é de ser mantida a decisão liminar que fixou as visitas. Agravo desprovido.

Quanto ao registro civil do adotado, embora realizada pesquisa na jurisprudência,

nada foi encontrado, por certo encontrar-se referidas decisões sobre tal restritas

apenas aos julgados de primeira instância.

No entanto, colhe-se de Dias235 o seguinte ensinamento:

(...) nada impede que duas pessoas adotem, independentemente da identidade sexual. Nem na Lei de Registros Públicos se encontra óbice ao registro que indique como genitores duas pessoas do mesmo sexo. Basta registrar o adotando como “filho

233 TJRS, Apelação Cível n. 70013801592, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 05.04.2006. 234 TJRS, Agravo de Instrumento n. 70018249631, Rel. Desª. Maria Berenice Dias, julgado em 11.04.2007.

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de”, acrescentando o nome dos pais. No entanto, permanece a resistência de conceder a adoção a um casal que mantenha união homoafetiva.

Desta forma, a solução em relação ao registro de nascimento do adotado parece

clara, de maneira que conste apenas os nomes dos pais, sem fazer constar quem

é o pai ou a mãe.

De outro norte, embora realizada pesquisa jurisprudencial perante o Egrégio

Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nenhum acórdão relacionado a pedido de

adoção formulado por casais homossexuais restou localizado, o mesmo

ocorrendo na busca perante o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Também o Poder Judiciário do Rio de Janeiro há muito já entendeu possível a

adoção por homossexual, desde que apresente reais vantagens ao adotando,

mesmo que se trate de adoção individual.

É o que se depreende da jurisprudência apresentada por Dias236, a seguir

colacionada. Veja-se:

ADOÇÃO. Elegibilidade admitida, diante da idoneidade do adotante e reais vantagens para o adotando. Absurda discriminação, por questão de sexualidade do requerente, afrontando sagrados princípios constitucionais e de direitos humanos e da criança. Apelo improvido, confirmada a sentença positiva da Vara da Infância e Juventude. (TJRJ, Apelação Cível n. 14.979/98, Rel. Des. Severiano Aragão, julgado em 21.01.1999).

Ainda:

ADOÇÃO CUMULADA COM DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER. ALEGAÇÃO DE SER HOMOSSEXUAL O ADOTANTE.

235 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 438. 236 DIAS, Maria Berenice União homossexual – o preconceito e a justiça, p. 275/276.

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DEFERIMENTO DO PEDIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais) considerando que o adotado, agora com dez anos, sente orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade. 2. Sendo o adotante professor de ciências em colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fator de formação moral, cultural e espiritual do adotado. 3. A afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Apelo improvido. (TJRJ, Apelação Cível n. 14.332/98, Rel. Des. Jorge de Miranda Magalhães, julgado em 23.03.1999).

Colhe-se, ainda, do teor do referido acórdão:

Será preferível a nosso juízo correr o risco da dúvida a deixar o adotado em uma instituição de abandonados (...) e encaminhá-los a uma escola de delinqüência, como acontecerá aos seus doze anos, no Educandário Romão Duarte, é muito mais indigno e aterrorizante do que confiar na competência dos técnicos que emitiram os pareceres favoráveis e manter a decisão que o entregou a uma adoção cujas desconfianças e suspeitas parecem não haver considerado a realidade e as circunstâncias do fato, além de, data venia, fundadas em preconceito que a lei veda.

Diante do quadro acima apresentado, denota-se que a jurisprudência, aos

poucos, evoluiu no sentido de conceder o pedido de adoção aos pares

homoafetivos, uma vez que não se vislumbrou nenhum distúrbio na educação e

criação do adotado.

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Há, também, julgados em 1ª instância, já não mais tão recentes, que deferiram o

pedido de adoção às pessoas com orientações homossexuais, conforme bem

menciona Silva Júnior237, ao relatar que:

(...) cumpre ressaltar a atuação do juiz Siro Darlan, da Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, que, desde 1997, já deferiu mais de trinta pedidos de adoção a pessoas com orientações afetivo-sexuais diferentes das tidas como padrão – sem contar os que não declararam o direcionamento dos desejos, por ser despiciendo.

Quanto às notícias sobre as decisões de primeira instância, estas ficam restritas

aos fóruns competentes, tomando-se conhecimento somente através da doutrina,

quando algum autor traz para o texto da obra exemplos, como o acima

identificado, prejudicando-se, assim, a publicidade de tais fatos, considerando que

não chegam aos tribunais de justiça, lembrando que o levantamento de dados

somente seria possível através de pesquisa de campo, porém esta não foi a via

eleita para o presente trabalho.

Pode-se, daí, verificar que ainda a passos lentos, porque escassas as decisões

concedendo a adoção de crianças e adolescentes à casais homossexuais, já há

entendimento jurisprudencial assegurando tal direito àqueles, deixando, assim, de

lado, preconceitos arraigados na sociedade.

Por conseguinte, verifica-se possível a adoção por casais

homossexuais, desde que represente o melhor interesse ao adotando, demonstre

ser possível uma relação baseada no afeto e no respeito à dignidade da pessoa

humana, tanto em relação ao infante como no concernente ao respeito de tal

direito aos homossexuais, na busca da felicidade.

237 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, p. 128.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da legislação, doutrina e

jurisprudência, presentes no ordenamento jurídico brasileiro e a possibilidade

jurídica da adoção por casais homossexuais, com espeque no princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana.

O interesse por este tema deu-se em virtude da crescente exigência social pelo

reconhecimento dos direitos dos homossexuais de constituírem uma família nos

mesmos moldes da família tida como convencional, embora numa sociedade

ainda vinculada a alguns preconceitos.

Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido em três capítulos, tratando

entre eles da adoção, sua evolução histórica, requisitos e efeitos, da união

estável, origens e evolução no direito, requisitos, efeitos e analogia entre tal união

e a existente entre pessoas de mesmo sexo e por fim, da possibilidade jurídica da

adoção por casais homossexuais, com base, principalmente, no princípio da

dignidade da pessoa humana.

No primeiro capítulo, viu-se que tanto a adoção já existia desde os povos antigos,

havendo registros sobre o instituto na Bíblia, primeiramente como forma de

garantir a perpetuação do culto doméstico e depois, para dar filhos àqueles que a

natureza não havia permitido, passando por um período de esquecimento durante

a Idade Média, só voltando a ser utilizada na época napoleônica.

Verificou-se, também, que constam como requisitos à adoção, a idade mínima de

dezoito anos, com a diferença mínima de dezesseis anos de idade entre adotante

e adotando, não havendo menção acerca da opção de sexualidade por parte dos

adotantes. Outro requisito imposto pela legislação brasileira é a necessidade do

consentimento dos pais ou responsáveis pelo adotando, salvo quando destituídos

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do poder familiar, além da sua concordância quando contar com mais de doze

anos de idade, dentre outros.

Observou-se, ainda, que a adoção gera vários efeitos após o trânsito em julgado

da sentença, destacando-se o cancelamento do registro civil do adotado e a

inscrição de novo, constando o nome dos adotantes como pais, sem nenhuma

observação quanto à adoção, além de igualá-lo ao filho biológico nos direitos e

obrigações decorrentes da filiação.

Já no segundo capítulo, abordou-se a união estável, começando pela sua

origem, que remonte ao período histórico anterior ao nascimento de Cristo,

conceituando-se como a união existente entre homem e mulher, com o afeto

como principal característica, no intuito de formar uma família.

Passou-se, em seguida a um breve estudo sobre os requisitos configuradores,

destacando-se a necessidade de fidelidade, a estabilidade do relacionamento,

que deve, inclusive, ter notoriedade pública, sob pena de configurar o concubinato

nos termos atuais do Código Civil, a publicidade e a intenção de formar uma

família, bem como os efeitos decorrentes da união estável e os direitos e

obrigações existentes entre os companheiros.

Partiu-se, então, para a análise dos efeitos gerados pela união estável, quando

observou-se que é concedido ao companheiro o direito à metade dos bens

adquiridos onerosamente durante a constância daquela união, concorrendo,

ainda, com os herdeiros, em caso de falecimento do convivente, somente aos

bens adquiridos onerosamente durante a constância da união.

Após, viu-se que a união homossexual possui as mesmas características que as

uniões convencionais, em especial, da união estável, formando uma espécie de

família que ainda não recebeu o reconhecimento do legislador, mas que por

analogia, pode ser tida como união estável.

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No terceiro capítulo, tratou-se do tema central do presente trabalho, que é a

adoção por homossexuais, sua possibilidade jurídica, em vista dos princípios

constitucionais da pluralidade das formas de família, da liberdade de escolha e

igualdade no tratamento, da dignidade da pessoa humana, que veda toda e

qualquer forma de discriminação.

Verificou-se, por conseguinte, que toda e qualquer adoção deve respeitar o

princípio do melhor interesse da criança, porquanto baseada no afeto, de maneira

que cabível tal pedido por pares homossexuais.

No mais, constatou-se que o Poder Judiciário, embora em poucas decisões, além

de reconhecer a união homossexual como união estável, aplicando a analogia,

porque existentes os mesmos requisitos desta, fora a diversidade de sexo dos

companheiros, e ao considerar o avanço das decisões citadas, começa parecer

possível, também, o deferimento da adoção em favor de casais homossexuais.

Por fim, e com base em todo o estudo realizado, retomam-se as hipóteses

levantadas para a presente pesquisa:

Primeira Hipótese: Possuem legitimidade para a adoção de crianças e

adolescentes pessoas maiores de dezoito anos de idade, solteiras, casadas ou

que vivam em união estável, além das separadas judicialmente e divorciadas,

sendo que nestes dois últimos casos, o período de convivência deve ter se

iniciado ainda na. Tal entendimento é feito a partir da leitura do art. 1.618 e art.

1.622, parágrafo único, ambos do Código Civil. Já o Estatuto da Criança e do

Adolescente (Lei nº 8.069/90), em seu art. 42, diz que o deferimento do pedido de

adoção independe do estado civil dos requerentes.

Quanto a primeira hipótese, tem-se que a mesma restou confirmada,

considerando que no direito brasileiro, diante da leitura do art. 1.618 e art. 1.622,

parágrafo único, ambos do Código Civil. Já o Estatuto da Criança e do

Adolescente (Lei nº 8.069/90), em seu art. 42, diz que o deferimento do pedido de

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adoção independe do estado civil dos requerentes, podem adotar todos aqueles

que preencham os requisitos ali elencados.

Segunda Hipótese: É possível o reconhecimento da união

estável entre homossexuais, porquanto aplicável aplicável a analogia com a união

estável, não sendo absoluto o requisito da união estável, que prevê a diversidade

de sexos.

Também, a segunda hipóteses restou confirmada, porquanto, conforme pôde-se

verificar, há precedentes jurisprudenciais neste sentido, aplicando a analogia

entre a união estável e a união homoafetiva, não podendo tais relações ficarem a

margem do seu reconhecimento apenas por não haver legislação delas tratando,

até porque baseadas nos mesmos requisitos da união estável, afora a diversidade

de sexos.

Terceira Hipótese: É possível a adoção por casais homossexuais, apesar da

ausência de norma neste sentido, utilizando-se como fundamentação os

princípios gerais de direito, especialmente o princípio da dignidade da pessoa

humana e o melhor interesse da criança, desde que preenchidos os demais

requisitos para a adoção, inexistindo referência legal à opção sexual dos

adotantes.

A terceira hipótese restou parcialmente confirmada, uma vez que os julgados

colacionados no terceiro capítulo, demonstram que não há em nenhuma parte da

legislação negativa deste direito aos homossexuais, com base apenas na sua

opção sexual, desde que preenchidos os requisitos exigidos pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente e o Código Civil, porém com relação a adoção por

casais homossexuais, a discussão ainda continua, não existindo julgados neste

sentido e tampouco legislação que ampare essa possbilidade.

Diante do quadro exposto à pesquisa revelou que havendo afeto e desejo de

constituir uma família, com a presença de filhos e configurando-se o princípio do

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melhor interesse do adotando, não há que se falar em indeferir o pedido de

adoção formulado por pares homoafetivos.

Da mesma forma, casais homossexuais merecem o respeito da sociedade,

porque mesmo não formando uma família dita “convencional”, possuem os

mesmos direitos dos demais cidadãos, principalmente sob o fundamento do

princípio da dignidade da pessoa humana, que veda qualquer discriminação em

homenagem ao princípio da igualdade de direitos de todos.

O método utilizado na fase de investigação foi o indutivo e na fase do Relatório da

Pesquisa também foi a base indutiva.

Foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, dos conceitos

operacionais, da pesquisa bibliográfica e do fichamento.

Finalmente observa-se que não houve a intenção por parte

da pesquisadora de esgotar o assunto, mas apresentar alguns elementos para a

discussão, que deve continuar, haja vista tratar-se de um tema polêmico e que

além de representar o interesse de parcela considerável da sociedade, também

se revela com grandes possibilidades de amparar e proteger o princípio do

melhor interesse da criança e do adolescente.

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ANEXOS

Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4) RELATOR : MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : A C S E OUTRO ADVOGADO : EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO EMENTA PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. Superior Tribunal de Justiça 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, renovando-se o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Luís Felipe Salomão, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, vencidos os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Carlos Mathias (art. 162, §2º do RISTJ). Brasília (DF), 02 de setembro de 2008 (data do julgamento). Ministro Luis Felipe Salomão Relator