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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS CURSO DE DIREITO AS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO: O PLEBISCITO, O REFERENDO E A INICIATIVA POPULAR HÉLIO JOSÉ HESS Itajaí, junho de 2011

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS CURSO DE DIREITO

AS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO:

O PLEBISCITO, O REFERENDO E A INICIATIVA POPULAR

HÉLIO JOSÉ HESS

Itajaí, junho de 2011

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS CURSO DE DIREITO

AS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO:

O PLEBISCITO, O REFERENDO E A INICIATIVA POPULAR

HÉLIO JOSÉ HESS

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito. Orientador: Professor MSc. Clóvis Demarchi

Itajaí, junho de 2011

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente a Deus, pelas

oportunidades que me foram dadas na vida,

principalmente por ter conhecido pessoas e lugares

interessantes, mais também por ter vivido fazes

difíceis, que foram matérias primas de aprendizado.

Aos meus pais, pois com toda sabedoria porem com

pouca instrução, me ensinaram que o progresso

advém de muito estudo, trabalho e dedicação e mais

do que pela possibilidade desta graduação,

agradeço pelo respeito e confiança que depositaram

em mim durante todos esses cinco anos e meio, e

principalmente pelo amor incondicional e apoio em

todos os momentos de minha vida.

Ao professor Mestre Clovis Demarchi, por ter se

prontificado em ser meu orientador, pessoa no qual

com muita competência, atenção e conhecimento é

pessoa fundamental para desenvolvimento desta

monografia.

Agradeço a Minha esposa, pelo suporte e incentivo,

durante todos esses anos, e por todas as noites que

cuidou do nosso Pedro afim de que eu pudesse

estudar ou trabalhar, pessoa sem a qual esta tarefa

se tornaria muito mais árdua.

Agradeço ainda, ao meu grande amigo Vereador

Níkolas Reis, pela oportunidade de trabalho como

Assessor Parlamenta na Câmara de Vereadores de

Itajaí, e que sem este trabalho metade dos meus

sonhos não teria realizado. Agradeço também aos

meus amigos de trabalho, Edson, Augusto, Carlos e

Nayara, por todos os momentos em que

compartilhamos as alegrias angustias e ansiedades

da vida e do trabalho, os quais estarão comigo

sempre guardado num lugar especial.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Nelli Hess e Maria Caetano Hess,

por todo amor e crédito que depositaram em mim, e

principalmente pelos valores passados, os quais

levarei por toda a vida.

A minhas irmãs Helena, Mila, e Hélia, que desde

muito pequeno me ensinaram diversas coisas.

A Minha esposa, Aline Rosa Camargo, pelo amor e

confiança depositados em mim nesses anos de

relacionamento, e que junto de nosso filho Pedro

Camargo Hess, me faz sentir prazer de sermos uma

família.

Aos universitários do curso de direito, especialmente

aqueles que simpatizam com política e com o Direito

Constitucional, e que acreditam que no Brasil ainda

existem bons políticos e que é possível se ter uma

vida melhor e mais justa.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2011

Hélio José Hess Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Hélio José Hess, sob o título As formas

de participação popular no processo legislativo brasileiro: plebiscito, referendo e

iniciativa popular, foi submetida em 06 de junho de 2011 à banca examinadora

composta pelos seguintes professores: MSc. Clóvis Demarchi, orientador e

presidente, Maria Aparecida e Luiz Felipe Machado membros, e aprovada com a

nota 9,0 (nove).

Itajai, junho de 2011

MSc. Clóvis DEmarchi Orientador e Presidente da Banca

Professora MSc. Maria Caludia Antunes Coordenação da Monografia

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SUMÁRIO

RESUMO.......................................................................................... VII

INTRODUÇÃO .................................................................................... 8

CAPÍTULO 1 ..................................................................................... 10

O ESTADO: CONSIDERAÇÕES A CERCA DA SOCIEDADE, DO ESTADO DE DIREITO, SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO... 10

1.1 A ORIGEM DA SOCIEDADE E A FORMAÇÃO DO ESTADO ...................... 10

1.2 CONCEITO E OS ELEMENTOS FORMADORES DO ESTADO ................... 18

1.3 DAS FINALIDADES ....................................................................................... 23

1.4 O ESTADO DE DIREITO, SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO ........... 26 1.4.1 O Estado de Direito ................................................................................... 26 1.4.2 O Estado Social ......................................................................................... 29 1.4.3 O Estado Democrático de Direito ............................................................ 31

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 34

A SOBERANIA POPULAR E AS FORMAS DE DEMOCRACIA ...... 34

2.1 A SOBERANIA POPULAR ............................................................................ 34

2.2 A DEMOCRACIA DIRETA ............................................................................. 39

2.3 A DEMOCRACIA INDIRETA E SEMIDIRETA ............................................... 43

2.4 A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO BRASIL .......................................... 46

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 53

AS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO: O PLEBISCITO, O REFERENDO E A INICIATIVA POPULAR ..................................................................... 53

3.1 O PLEBISCITO .............................................................................................. 53

3.2 O REFERENDO ............................................................................................. 60

3.3 A INICIATIVA POPULAR .............................................................................. 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 72

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 75

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo realizar uma pesquisa

científica a respeito das formas de participação popular no processo legislativo

brasileiro, em especial o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Seu objetivo

institucional visa a produção de uma monografia como requisito à obtenção do Grau

em Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. O trabalho

esta dividido em três capítulos que tratam da sociedade e do Estado; da soberania

popular e das formas de democracia e, por fim, aborda as formas de participação

popular prevista no texto da Constituição Federal de 1988 e na legislação ordinária.

A justificativa para a escolha do tema se deve ao interesse pessoal do acadêmico e,

também, porque a participação do cidadão é de fundamental importância na tomada

de decisões de interesses de cada indivíduo bem como de toda a sociedade, daí a

relevância do tema para a comunidade acadêmica e para os demais interessados.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o referendo, o

plebiscito e a iniciativa popular como formas de participação da sociedade no

processo legislativo pátrio.

O seu objetivo é fazer uma abordagem com base na legislação

constitucional, infraconstitucional e na doutrina dos assuntos ligados ao tema

proposto, ou seja, a respeito da sociedade e do Estado, bem como da soberania

popular e das formas de democracia e, finalmente sobre o plebiscito, referendo e

iniciativa popular.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da sociedade,

sua evolução ao longo dos tempos, isto porque é de entendimento pacífico que a

mesma é a base formadora do Estado e, portanto, também abordou-se o Estado por

se tratar do administrador dos interesses sociais.

No Capítulo 2, tratando da soberania social, ou seja, a vontade

e as necessidades da sociedade deve prevalecer sobre os interesses individuais e

do próprio Estado e uma das formas de se conquistar esta soberania é através da

democracia também tratada neste capítulo.

No Capítulo 3, tratando diretamente das formas de participação

popular no processo legislativo brasileiro em especial do plebiscito, do referendo e

da iniciativa popular.

Alerta-se que neste trabalho não foi adotado o rol de

categorias, uma vez que as mesmas serão oportunamente abordadas no decorrer

deste trabalho.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre as

formas de participação popular no processo legislativo brasileiro: plebiscito,

referendo e iniciativa popular.

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Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

a) A Constituição Federal brasileira de 1988 adotou o Estado

federativo democrático de direito como modelo de Estado;

b) As principais formas de participação popular no processo

legislativo brasileiro são o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia

é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa Bibliográfica7.

1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.

2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86.

3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.

5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25.

6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37.

7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.

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CAPÍTULO 1

O ESTADO: CONSIDERAÇÕES A CERCA DA SOCIEDADE, DO ESTADO DE DIREITO, SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1.1 A ORIGEM DA SOCIEDADE E A FORMAÇÃO DO ESTADO

A abordagem a respeito do Estado, em todas as suas

modalidades requer, ante de mais nada que se discorra sob o ponto de vista

histórico a respeito da evolução humana no decorrer dos tempos desde os mais

remotos tempos da sua existência na Terra.

Como se sabe, o homem, em seus primórdios era um ser

solitário e nômade, entretanto, com o tempo passou a se agrupar por razões que

iam da necessidade de reprodução, de alimentação, de proteção, ou seja, o homem

passou a perceber que a sua sobrevivência individual ficaria mais fácil se a sua

convivência com os demais seres humanos se desse em grupos.

Em se cotejando8 a espécie humana com os demais animais,

percebe-se com facilidade que o homem é o mais evoluído dada a sua capacidade

criativa originária da sua inteligência que o fez se diferenciar no meio natural e, por

conseguinte, dominar as demais espécies. Esta evolução se fez e se faz presente no

caminhar da humanidade, visto que, o homem, além da sua criatividade e

inteligência, também possui uma facilidade de adaptação ao meio em que está

inserido e isto inclui principalmente os grupos sociais tão familiares ao homem desde

a sua existência. Assim, em sua convivência social, cada indivíduo interage com os

demais, sofrendo as interferências dos demais membros do grupo, assim como

interfere nos seus pares9.

8 COTEJAR. Bater, colacionar, comparar, conferir, confrontar, contrapor, contrastar, defrontar, equiparar, opor, paragonar. COTEJO. Comparação, conferência, conferição, confrontação. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss de sinônimos e antônimos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003, p. 177.

9 CASTELO BRANCO, Elcir. Teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 21.

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O ser humano solitariamente não é capaz de realizar e

concretizar sozinho todos os seus objetivos, de tal modo que para alcançar as suas

realizações pessoais e atingir os seus interesses individuais, necessariamente

necessita do auxílio de outros indivíduos do meio ou do grupo no qual está

inserido10.

Assim, o ser humano pode ser considerado, por sua natureza,

um ser político, isto é, um ser gregário11, não podendo ser concebido de outra

maneira senão através da convivência permanente com outros seres humanos em

uma vida grupal12.

Neste Bastos discorre que:

O homem apresenta uma característica fundamental consistente em depender de outros homens para a realização plena da sua natureza. É certo, não há duvida, que outros animais também vivem em bandos ou grupos (abelhas, formigas, castores) numa forma de manifestação gregária, na qual não está ausente, inclusive, uma repartição de funções que acaba por dar lugar a uma certa organização. Contudo, é bem de ver, não se fala ai da existência de uma autêntica sociedade. Na verdade, é esta resultante da atuação própria e exclusiva do homem. Só há, sociedades humanas13.

Depreende-se, assim, que certamente, a coexistência do

homem em sociedade, possibilita certos benefícios aos membros do grupo social,

porém, esta convivência gera uma série limitações e interferências diretas na

liberdade individual de cada ser humano. Entretanto, e apesar destas restrições, o

ser humano não se afasta da vida em comum, pois esta necessidade de convivência

com seus semelhantes lhe é inerente por natureza, pois é por meio da vida em

sociedade que o ser humano concretiza as suas aspirações e os seus desejos.14

10 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 12.

11 GREGÁRIO. Que vive em bando. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa. 6. ed. Curitiba,PR: Juruá, 2006, p. 440.

12 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 23.

13 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas 1999, p. 12 14 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

09.

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Entretanto, não se pode falar em convivência humana ou social

sem a existência de um mínimo de regras ou normas que visem delimitar as

liberdades individuais ou as condutas dos homens perante aos seus pares, isto

porque, o ser humano por sua própria natureza é um ser individualista e procura

privilegiar os seus interesses particulares que nem sempre são os mesmos que os

demais indivíduos, de tal modo que a harmonia social nem sempre ocorre de

maneira harmônica. Por esta razão, se faz necessária a imposição de certos limites

às ações humanas e, tais limites se fazem por meio da normatização das condutas

individuais e grupais15.

Para Azambuja:

[...] o homem, desde que nasce e durante toda a existência, faz parte, simultaneamente ou sucessivamente, de diversas instituições ou sociedades formadas por indivíduos ligados pelo parentesco, por interesses materiais ou por objetivos espirituais. Elas têm por fim assegurar ao homem o desenvolvimento de suas aptidões físicas, morais e intelectuais, e para isso lhe impõem certas normas, sancionadas pelo costume, a moral e a lei16.

A respeito da origem da sociedade, não existe no meio

doutrinário um ponto convergente sobre um marco histórico que possa servir de

parâmetro, isto porque há uma divergência de que a sociedade é por si só o fruto da

própria natureza humana e, por outro lado, de que ela é a expressão da vontade

humana. A par destas divergências mantêm-se a ideia de que a sociedade é fruto da

própria natureza humana, sem, no entanto, haver o traço marcante da vontade

humana em nela fazer parte ou permanecer17.

Um dos primeiros autores a defender o pensamento da

sociedade como de origem natural foi o filósofo grego Aristóteles ao afirmar com

veemência que o ser humano é, por si só, um ser necessariamente social e

dependente dos demais para chegar ao seu desenvolvimento como ser, ou seja,

sozinho o homem não seria homem, de tal modo que somente um ser superior ao

15 SAMPAIO, Nelson de Souza. Prólogo à teoria do estado: ideologia e ciência política. 2. ed. Rio

de Janeiro: Forense, 1960, p. 240-244. 16 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 44. ed. São Paulo: Globo, 2005, p. 01. 17 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas 1999, p. 13.

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homem seria capaz de buscar uma vida isolada, tornado-se assim, uma verdadeira

exceção18.

Neste sentido, Dallari leciona que:

O antecedente mais remoto da afirmação clara e precisa de que o homem é um ser social por natureza encontra-se no século IV A.C., com a conclusão de Aristóteles de que o “o homem é naturalmente um animal político”. Para o filósofo grego, só um indivíduo de natureza vil ou superior ao homem procuraria viver isolado dos outros homens sem que a isso fosse constrangido. Na mesma ordem de ideias e, sem dúvida, por influencia de Aristóteles, vamos encontrar em Roma, no século I A.C, a afirmação de Cícero de que “a primeira causa da agregação de uns homens a outros é menos a sua debilidade do que um certo instinto de sociabilidade em todos inatos; a espécie humana não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que, mesmo na abundancia de todos os bens, a leva a procurar apoio comum”. Assim, pois não seriam as necessidades materiais o motivo da vida em sociedade, havendo, independente dela, uma disposição natural dos homens para a vida associativa19.

Bastos por sua vez assevera que:

Na Idade Média, são Tomás de Aquino, compartilhando as mesmas ideias de Aristóteles, afirma que o homem é um animal eminentemente social e político, e que a sociedade representa para o homem um elemento vital para sua sobrevivência, pois é nela que ele encontra a satisfação de suas necessidades e a proteção de seus direitos e bens20.

Assim, pode-se dizer que a associação ou o agrupamento é de

fundamental importância para o ser humano, trata-se, pois, de uma das condições

essenciais para a sua sobrevivência, uma vez que é, por meio da associação que os

homens cooperam entre si e, por conseguinte cada qual, ao se alcançar o objetivo

coletivo acaba por realizar os interesses individuais de cada homem.

Em contraposição, a este entendimento, de que o homem se

sociabiliza em razão da sua natureza e da sua vontade, há uma corrente doutrinária

e filosófica que argumenta que a sociedade nada mais é do que o fruto da

manifestação da vontade individual de cada homem expressa de maneira tácita, por

18 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas 1999, p. 14. 19 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado, 2005, p. 10. 20 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas 1999, p. 14.

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meio de um contrato. Em função desta argumentação, esta corrente de ideias e seus

defensores, passou a ser denominada de contratualista. Embora muitos pensadores

e filósofos sejam adeptos desta linha de ideias, medidas as suas divergências, um

ponto é comum, isto é, para esta corrente, a sociedade se origina da vontade

humana exteriorizada pelo contrato tácito, através do qual cada indivíduo abre mão

duma parcela da sua liberdade em prol do coletivo, ao contrário da afirmação de

que, a sociedade é simplesmente o fruto da natureza humana inconsciente.21

O contratualismo fundamentou sua posição nos pensamentos

propostos por Platão, em sua obra a República, para quem a sociedade se origina e

se fundamenta na ação racional do ser humano independentemente da sua vontade

ou da sua natureza, trata-se, conforme Platão, de uma opção baseada na

observação racional de que o homem, como ser individual, necessita dos demais

para poder sobreviver, mesmo que para isto tenha que contrariar a sua própria

vontade ou mesmo a sua própria natureza, ou seja, o homem usa sua inteligência

para manter-se em sociedade22.

Assim, pode-se dizer que o embrião do pensamento

contratualista está na obra A República, escrita pelo filósofo grego Platão, obra esta

que mais tarde influenciou vários outros pensadores, entre eles Thomas Hobbes,

que com sua obra o Leviatã, deu impulso ao contratulismo na Europa. Para Hobbes,

o homem inicialmente nasce e sobrevive em estado de natureza, porém este estado

de natureza não permite ao homem a sustentabilidade e a organização do grupo

social e esta desordem social está intimamente ligada a falta do pensamento lógico

e de um organismo capaz de suprimi-la, uma vez que o estado de natureza é

constante intimidação que paira sobre a sociedade, capaz de brotar quando a cólera

calar a razão ou houver o malogro da autoridade.23

Sobre as teorias contratualistas de Hobbes, Bastos leciona

que:

Um aspecto importante a ser ressaltado na obra de Hobbes é que, para ele, a sociedade nasce com o Estado, é dizer, não existe

21 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado, 2005, p. 12. 22 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas 1999, p. 14. 23 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado, 2005, p. 12-13.

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primeiro a sociedade e depois o poder. Para o filósofo, o governo deve existir para manter a paz, pois sem ele o homem retorna ao “estado de natureza”. Em virtude disso, o poder governante não pode sofrer qualquer tipo de limitação. Na concepção de Hobbes, um mau governo ainda é melhor do que o “estado de natureza”. Encontra-se aí uma tendência absolutista em sua obra24.

Contrários às ideias apresentadas por Hobbes, vieram à tona

as ideias de Locke e Montesquieu, e, apesar de divergirem do pensamento

Hobesiano, sustentaram o posicionamento do fato de que o ser humano precede a

existência da própria sociedade e que esta é, nada mais que o fruto do ajuste e da

combinação das vontades dos seres humanos. Em seu pensamento, Locke

contrapõe as idéias propostas por Hobbes, para quem o “estado de natureza” do ser

humano é a reprodução dos conflitos existente entre os membros da sociedade, já

Locke e Montesquieu entendiam que o ser humano quando no seu “estado de

natureza”, por sua debilidade, não era capaz de proporcionar malefícios aos seus

semelhantes. Segundo o entendimento de Locke, o ser humano neste “estado de

natureza” é capaz de raciocinar e fazer uso da propriedade o que significa a

aquisição de bens, quer sejam eles móveis ou imóveis.25

Para Bastos:

A sociedade surge assim da necessidade do homem de proteger-se defender-se, ou seja, garantir seus direitos e bens (propriedade), e também pelo desejo de paz e atração natural existente entre sexos opostos. A sociedade é formada por um corpo político único dotado de legislação, judicatura e força concentrada da comunidade. Para Locke o principal objetivo da sociedade reside na preservação de propriedade e na proteção da comunidade contra possíveis invasões. O contrato social em sua visão é um pacto de consentimento unânime, ou seja, todos os homens concordam livremente em formar uma sociedade com o intuito de proteger e preservar seus direitos. A sociedade transmite ao homem uma sensação de força e precipuamente de igualdade natural. E é exatamente a partir dessa igualdade social que começa a existir o “estado de guerra” entre as sociedades ou até mesmo entre os indivíduos de uma mesma sociedade26.

Foi através Do Contrato Social, obra escrita por Rosseau, que

os ideais contratuais, ganharam espaço. Na concepção deste pensador, o ser

24 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas,1999, p. 12 25 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado, 2005, p. 14-15. 26 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas,1999, p. 17.

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humano em sua essência é o requinte da bondade, que permite à humanidade uma

convivência harmoniosa, de modo que a sociedade tem sua gênesis na vontade do

homem, cujo propósito é a proteção dos seus membros e seus pertences contra

qualquer malefício, sem retirar ou limitar as liberdades de cada membro.27

Para Rosseau, é o desejo da maior parte dos homens que está

presente no meio social e da união destas vontades resulta o poder supremo de

cada sujeito e é por meio da ação em conjunto dos indivíduos que os mesmo

edificam a sociedade e colaboram na constituição das normas às quais estarão

sujeitos, isto é, o ser humano, mesmo atendendo ao desejo da maioria, conserva o

seu individualismo e, deste modo, convive de forma sossegada e em consonância

com os outros membros da coletividade.28

Dallari disserta que:

Essa associação dos indivíduos, que passa a atuar soberanamente, sempre o interesse do todo que engloba o interesse de cada componente, tem uma vontade própria, que é a vontade geral. Esta não se confunde com a uma simples soma das vontades individuais, mas é uma síntese delas. Cada indivíduo, como homem, pode ter uma vontade própria, contrária até a vontade geral que tem como cidadão. Entretanto, por ser a síntese das vontades de todos, a vontade geral é sempre reta e tende à utilidade pública. Entretanto, adverte Rousseau: “Há, às vezes, diferença entre a vontade de todos e a vontade geral; esta atende só ao interesse comum, enquanto que a outra o interesse privado e não é senão uma soma das vontades particulares”29.

Dallari, ainda acrescenta que:

Tendo partindo da afirmação da existência de uma liberdade natural, que a sociedade visa proteger, não aniquilar, Rousseau se refere também à igualdade natural, dizendo que, longe de destruí-la, o pacto fundamental procede a uma correção, suprindo as deficiências resultantes de desigualdade física e fazendo com que os homens, podendo ser desiguais em força e em engenho, se tornem iguais por convenção e de direito. Por isso tudo ele próprio formula a conclusão de que, se indagarmos em que consiste precisamente o maior bem

27 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 17-18. 28 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 17-18. 29 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado, 2005, p. 17.

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de todos, que deve ser o fim de toda legislação, encontraremos dois objetos: liberdade e igualdade30.

Em resumo, cabe salientar que a sociedade é resultado da

natureza do próprio ser humano, conjugada com sua ração e a expressão da sua

vontade ou não, seu se mostra como necessária para que a existência e

sobrevivência humana ocorra da maneira mais pacífica e harmônica o possível

mediante a implementação de regras de conduta social capaz de garantir os direitos

de cada indivíduo enquanto membro da coletividade, assim como, que tais normas

de conduta sejam capazes de gerar deveres e impor limites a atuação dos homens

enquanto cidadão31.

A par de todas as teorias que procuram determinar um marco

histórico para a origem da sociedade, um ponto em comum entre os autores que

tratam do assunto é o fato de que a sociedade passou a solidificar-se como uma

instituição de fundamental importância para o homem com o surgimento da família,

isto porque, após a formação dos primeiros grupos sociais, surgiram os primeiros

núcleos familiares, como forma de sustentar esses agrupamentos, criar laços

afetivos, procriar com maior segurança proporcionando a perpetuação da espécie.

Deste modo a família passou a servir como um ponto de referência para o homem,

assim como embasar a sociedade, visto que, é na família que o ser humano recebe

proteção, alimentação, carinho, afeto e ensinamentos a respeito da vida e da

convivência social32.

Pode-se dizer que a sociedade, além da natureza, da razão e

da vontade humana, teve sua evolução baseada na família que é entendida até hoje

como a célula mater da sociedade. Entretanto, vale lembrar que a família, por sua

vez, também passou por uma evolução natural. Inicialmente surgiram os primeiros

30 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado, 2005, p. 17. 31 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 19. 32 CASTELO BRANCO, Elcir. Teoria geral do estado, 1988, p. 37.

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grupos denominados de clãs33, que, por sua vez deram origem às primeiras cidades,

destas surgiram os primeiros modelos de Estados34.

Neste sentido Azambuja leciona que:

A primeira em importância, a sociedade natural por excelência, é a família, que o alimenta, protege e educa. As sociedades de natureza religiosa, ou Igrejas, a escola, a Universidade, são outras tantas instituições em que ele ingressa; depois de adulto, passa ainda a fazer parte de outras organizações, algumas criadas por ele mesmo, com fins econômicos, profissionais ou simplesmente morais; empresas comerciais, institutos científicos, sindicatos, clubes, etc. O conjunto desses grupos sociais forma a sociedade propriamente dita. Mas, ainda tomando neste sentido geral, a extensão e a compreensão do termo sociedade variam, podendo abranger os grupos sociais de uma cidade, de um país ou de todos os países, e neste caso, é a sociedade humana, a humanidade35.

Desta maneira é possível concluir que a sociedade iniciou-se

da necessidade voluntária do homem em agregar-se para garantir a sua

sobrevivência de maneira natural, que com o tempo evoluiu baseada na inteligência

e na razão humana e solidificou-se com o surgimento dos primeiros núcleos

familiares, assim como, com o surgimento das primeiras normas de condutas

visando tornar as relações sociais mais pacíficas e harmônicas.

A solidificação das famílias e, a permanência dos grupos

familiares em determinados territórios (fim da característica nômade do ser humano),

que deram origem aos primeiros vilarejos e cidades, foram aos poucos, formatando

os primeiros modelos de Estados, que ao longo do tempo, passaram a determinar e

regular as relações dos sujeitos enquanto membros da sociedade.

1.2 CONCEITO E OS ELEMENTOS FORMADORES DO ESTADO

O Estado desde as suas mais remotas origens sempre se

apresentou como uma das mais complexas realizações criadas pelo homem no

decorrer de sua caminha histórica. Trata-se, pois, da imagem da própria sociedade,

33 CLÃ. Facção, lado, partido, família, casta, grei, grupo, tribo. HOUAISS, Antonio. Dicionário

Houaiss de sinônimos e antônimos, 2003, p. 139. 34 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 19. 35 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, 2005, p. 01.

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ou seja, o Estado é o reflexo da evolução do homem e da sociedade e se tornou o

instrumento regulador dos interesses de cada individuo, assim como de toda a

coletividade36.

Para atender as suas necessidades o homem organizou-se em

sociedade e, para que esta possa sobreviver e atender aos interesses individuais e

coletivos organiza-se em Estado e, esse por sua vez se traduz na inteligência e na

vontade dos sujeitos enquanto membros da sociedade37.

Em uma análise sob o ponto de vista etimológico38, a palavra

Estado tem sua origem no termo latino status, que remete ao significado de estado,

posição, ordem ou condição. Trata-se, pois, do agrupamento de pessoas

assentadas em um determinado território subordinadas a um poder soberano

baseado na norma jurídica, que expressa determinada organização política de

determinado povo ou nação39.

Pode-se dizer assim, que o Estado é o reflexo da sociedade e

de seus membros que visam em conjunto a realização de objetivos, ideais,

interesses, necessidades, etc., em comum, onde todos de forma organizada buscam

o bem comum.

O Estado também é denominado como sendo uma sociedade

política, uma vez que sua organização se embasa na existência de um sistema de

normas jurídicas denominado de Direito positivo, o qual é administrado por um grupo

de pessoas (governo) que atende às necessidades e interessas do restante da

sociedade (governados)40.

Neste sentido, Bastos assevera que:

Sociedade política é, destarte, aquela que tem em mira a realização dos fins daquelas organizações mais amplas que o homem teve necessidade de criar para enfrentar o desafia da natureza e das

36 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 29. 37 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, 2005, p. 03. 38 ETIMOLOGIA. Estudo da origem das palavras, origem duma palavra. FERREIRA, Aurélio Buarque

de Holanda. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa, 2006, p. 383. 39 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, 2004, p. 553. 40 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, 2005, p. 03.

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outras sociedades rivais. As sociedades políticas sempre estiveram circunscritas ao território sob sua jurisdição41.

O Estado, diante do caráter multifacetário das relações sociais

pode ser conceituado sob diversos aspectos. Em uma primeira análise, o Estado

pode ser definido sobre o prisma da questão territorial, ou seja, o Estado é o reflexo

da sociedade politicamente organizada, que habita em determinado espaço

territorial. Já em uma segunda análise, para que o Estado exista ou se defina como

tal, não basta tão e somente a existência desta sociedade organizada em um

território, mas que esta organização se dê por meio de normas capazes de regular

as relações entre os indivíduos formadores do grupo social42.

Por outro lado e na realidade o Estado é ao mesmo tempo a

união das duas coisas, ou seja, é o reflexo das ações do ser humano quando em

sociedade (fato social) e como tal objeto de análise sob a ótica sociológica. O

Estado é também, um acontecimento normativo (fato legal), e neste caso, seu

estudo se dá através das ciências jurídicas43.

Pode-se concluir, assim, que o Estado expressa a reunião ou o

conjunto de pessoas acomodados em um determinado espaço territorial, no qual

estão organizados politicamente e regulados por meios de normas que disciplinam

as condutas humanas, assim como, o corpo social (politicamente organizado) delega

e entrega a uma parcela de seus componentes, denominados de governantes, a

obrigação e a responsabilidade de levar a cabo os objetivos individuais e coletivos,

visando garantir o bem estar geral de todos os membros da sociedade.

Neste sentido, Azambuja, discorre que:

O Estado aparece, assim, aos indivíduos e sociedade, como um poder de mando, como governo e dominação. O aspecto coativo e a generalidade é o que distingue as normas por ele editadas. Suas decisões obrigam a todos os que habitam seu território44.

41 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 25. 42 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 30 43 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 30 44 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, 2005, p. 05.

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Além de refletir uma sociedade politicamente organizada, o

Estado também possui outros elementos que o fundamentam. Isto implica dizer que

para que o Estado seja reconhecido como tal, o mesmo deve ser formado por um

núcleo populacional (povo); estabelecido em um espaço geográfico delimitado

(território) e administrado por um governo com soberania interna e externa. Sem

estes elementos principais não se pode falar na existência de um Estado em sua

concepção plena45.

Assim sendo, não se pode falar na existência de um Estado

sem que se tenham presentes de maneira “concomitante e conjugada desses três

elementos, revestidos de características essenciais: população homogênea, território

certo e inalienável e governo independente”46.

Sob um ponto de vista sociológico e jurídico seria impossível

visualizar um Estado sem que o mesmo se embase em um povo politicamente

organizado (sociedade política) submetido ao poder soberano do Estado, norteados

pela norma jurídica instituída pelo Estado (que também a ela se submete) visando

regular as relações dos sujeitos formadores da coletividade47.

O segundo elemento de fundamental importância para a

existência do Estado é o território ou espaço geográfico sobre o qual ele se assenta

juridicamente e estende o seu poder coativo, também denominado de jurisdição,

retirando desta superfície (território) os bens necessários para a sua manutenção48.

Desta maneira, pode-se dizer que o território é o alicerce do

Estado, ou seja, é “a parcela do globo terrestre que se encontra sob sua

jurisdição”49. O território constitui a materialidade do Estado, sobre o qual o Estado

impõe a sua soberania.

Segundo Maluf o território:

45 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, 2005, p. 17-18. 46 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 19. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1988, p. 23. 47 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 72. 48 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, 2005, p. 36. 49 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 57.

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É o espaço certo e delimitado onde se exerce o poder do governo sobre os indivíduos. Patrimônio do povo, não do Estado como instituição. O poder diretivo se exerce sobre as pessoas, não sobre o território. Tal poder é de imperium, não de dominium. Nada tem em comum com o direito de propriedade. A autoridade governamental é de natureza eminentemente política, de ordem jurisdicional50.

O terceiro elemento indispensável para a existência do Estado

é o governo soberano, que nada mais é do que a autonomia delegada pela

população de um determinado território, para que o Estado, através dos seus órgãos

promova o bem estar comum por meio da aplicação das normas jurídicas e através

do exercício das funções administrativas51.

Para Azambuja:

O governo do Estado tem características especiais, que o distingue do poder de outros grupos sociais. Assim, para constituir o Estado, não basta a existência de um governo em uma sociedade qualquer, fixada em um território determinado. O poder estatal se distingue pelo fato de ser supremo, dotado de coação irresistível em relação aos indivíduos e grupos que formam a sua população, e ser independente em relação ao governo de outros Estados52.

Por todo o exposto pode-se verificar que a existência do

Estado depende necessariamente da conjunção perfeita, harmônica e organizada

dos elementos essenciais que lhe conferem sustentabilidade política, jurídica e

administrativa, de tal modo que o Estado reflete o conjunto formado pela sociedade

politicamente organizada (população) distribuída em um determinado espaço

geográfico (território) sob os quais o Estado exerce sua soberania interna e externa

dentro dos limites legais (internos e também externos) cuja principal finalidade é a

de proporcionar que seus cidadãos a realização dos seus objetivos individuais,

assim como promover de forma igualitária, o bem estar da sociedade em seu todo,

permitindo, assim, que os indivíduos tenham uma vida com dignidade e alcancem

seus objetivos pessoais.

50 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado, 1988, p. 26. 51 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado, 1988, p. 27. 52 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, 2005, p. 49.

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1.3 DAS FINALIDADES

Inicialmente pode-se dizer que a razão de ser do Estado liga-se

à promoção do bem comum da sociedade e isto implica que cabe ao Estado a

obrigação de proporcionar a todos que em seu território vivam (nacionais ou não), os

meios essenciais para uma vida digna53.

Assim, pode-se dizer que o Estado é na verdade, uma

ferramenta da qual o ser humano se utiliza, com vistas a realização dos seus

objetivos que, no entanto, “nunca deve ficar acima dos valores da pessoa humana,

que devem ser sempre preservados”54.

Para Filomeno:

Não se admite a existência do Estado sem um fim específico: o bem comum. Desde logo se pode constatar que a existência da sociedade política com território e população definidos, governo soberano e normas comportamentais não se justificam como um fim e si mesma, mas, sim, para que se alcance o bem-estar da mesma população55.

Várias são as classificações a respeito dos fins a que se

propõe o Estado, porém, para efeitos didáticos deste trabalho monográfico serão

abordadas, de maneira sucinta, apenas as teorias que da finalidade objetiva, a teoria

da finalidade subjetiva, a teoria da finalidade expansiva, a teoria da finalidade

limitada, a teoria da finalidade contratualista e a teoria da finalidade relativa.

Os fins objetivos “relacionam-se com o estudo do papel do

Estado durante a história, seu desenvolvimento e suas transformações”56.

A teoria da finalidade subjetiva prega a ideia de que o Estado

deve gerar e garantir todos os meios que se mostrem capazes de proporcionar aos

indivíduos as condições necessárias para que seus objetivos pessoais sejam

plenamente alcançados, e não poderia ser diferente, visto que a “vida do Estado

uma série ininterrupta de ações humanas, e sendo estas, por sua vez, sempre

53 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 46. 54 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 46. 55 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciências políticas, 2003, p. 82.

56 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 47.

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determinadas por um fim, é lógico que os fins do Estado deverão ser a síntese dos

fins individuais”57.

No que diz respeito aos fins subjetivos do Estado, Bastos

leciona que:

Os fins subjetivos do Estado seriam o produto da inter-relação entre o Estado e os interesses individuais. O Estado seria então uma instituição que concentra o poder em suas mãos e é formado pela união de diversos interesses individuais. Daí se presume que o interesse estatal é a mera soma dos interesses individuais. Pode-se entender também a teoria dos fins subjetivos do Estado como aquela segundo a qual todo o Estado tem em cada momento fins particulares para si e para os seus membros, uma vez que o interesse estatal nada mais é do que a mera soma de interesses individuais58.

Outra teoria que procura definir as finalidades do Estado é a

dos fins expansivos. Os defensores desta teoria analisam os fins estatais de maneira

abrangente, ou seja, o Estado na busca das suas finalidades acaba por expandir

seus domínios ao ponto de anular o próprio indivíduo, maximizando, assim a sua

atuação em busca do desenvolvimento material. Esta teoria fez surgir a ideia de

bem-estar, isto implica dizer que a principal finalidade do Estado é senão outra a da

busca pela satisfação dos interesses da sociedade em seu todo e, não somente, a

de proporcionar que cada sujeito individualmente alcance os seus objetivos59.

Dallari, ao abordar a teoria dos fins expansivos ensina que:

Aqui que se enquadram todas as teorias, que dando grande amplitude aos fins do Estado, preconizam o seu crescimento desmesurado, a tal ponto que se acaba anulando o indivíduo. Essas teorias, que estão na base dos Estados totalitários, são de duas espécies: a) Utilitárias, quando indicam como bem supremo o máximo desenvolvimento material, mesmo que isso se obtenha com o sacrifício da liberdade de outros valores fundamentais da pessoa humana. [...] b) éticas. Outras teorias, também favoráveis aos fins expansivos, rejeitam o utilitarismo e preconizam a absoluta supremacia de fins éticos, sendo este o fundamento da ideia de Estado ético. Também estas teorias levam ao totalitarismo, porque dão ao Estado a condição de fonte moral, onipotente e onipresente, não tolerando qualquer comportamento que não esteja

57 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado, 2005, p. 105. 58 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 49. 59 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 49.

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rigorosamente de acordo com a moral oficial. O que ocorre na prática é que a predominância dessa orientação leva a um exagerado moralismo, que fornece a base para a supremacia absoluta da vontade dos governantes, pois são estes que ditam as regras morais em nome do Estado60.

Outra teoria que aborda a finalidade do Estado é conhecida

como a teoria dos fins limitados, para que o Estado deve tão e somente primar pela

manutenção da paz e da ordem social, de tal modo que sua intervenção nas

relações sociais sejam limitadas, delegando ampla liberdade aos indivíduos

formadores do Estado. Este modelo de Estado é também denominado de Estado-

liberal61.

Bastos leciona que:

Outra teoria bastante difundida é a dos fins limitados do Estado, que busca ao máximo reduzir as atividades estatais, retirando toda e qualquer iniciativa das suas mãos. Para essa corrente o Estado não deve passar de um simples guarda da ordem social, ou melhor, deve ficar restrito apenas a garantir a segurança de seus integrantes. O Estado assume aqui o papel de mero elemento assegurador da ordem social, sendo-lhe negado qualquer outro tipo de finalidade, Outros acreditam que a sua finalidade está em assegurar a liberdade de cada um, que não pode sofrer limitação tanto por parte de outro individuo como por parte do Estado. Tem-se como expoente dessa corrente John Locke, que preconizava o Estado Liberal [...]62.

A corrente da finalidade estatal contratualista, se baseia na

idéia de que o Estado deve alicerçar-se no direito, ou seja, para os contratualistas,

os fins do Estado nada mais do que garantir aos seus indivíduos a manutenção do

direito que cada qual abriu mão em prol da coletividade63.

Dallari, lecionando a respeito desta corrente aponta que:

Uma terceira corrente, derivada das teorias contratualistas, é a que preconiza o chamado Estado de Direito. Para o contratualismo, especialmente como foi expresso por Hobbes e Rousseau, cada individuo é titular de direitos naturais, com base nos quais nasceram a sociedade e o Estado. Mas ao convencionar a formação do Estado e, ao mesmo tempo, a criação de um governo, os indivíduos abriram

60 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado, 2005, p. 105-106. 61 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado, 2005, p. 106. 62 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 49-50. 63 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 50.

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mão de certos direitos, mantendo, entretanto, a possibilidade de exercer os poderes soberanos, de tal sorte que todas as leis continuam a ser a emanação da vontade do povo64.

Por fim tem-se a teoria da finalidade relativista do Estado, isto

significa que o Estado deve ater-se com a manutenção dos bens públicos, com a

harmonia social, e promover o crescimento da economia, da educação e da cultural,

de modo que a sociedade e seus membros coexistam de maneira solidária.65

1.4 O ESTADO DE DIREITO, SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1.4.1 O Estado de Direito

O Estado de direito tem como fundamentação a legalidade

jurídica do governo e de todas as instituições políticas que legitimam todos os atos

emanados da administração pública, bem como embasam o controle exercido pelo

judiciário tanto com relação ao próprio Estado como em relação aos indivíduos

enquanto sujeitos formadores da sociedade66.

O Estado de Direito por uma questão de ordem jurídica é

instituído e regulado por uma Constituição que regulamenta, norteia e disciplina o

exercício do poder político dividindo esse poder em órgãos com autonomia e

independência harmônicas, que entre outras funções, controlam-se mutuamente de

acordo com a norma jurídica produzida por um deles que deve ser observada e

respeitada pelos indivíduos assim como pelo próprio Estado67.

Desta maneira é possível verificar que o principal traço dos

Estados de Direito é a supermacia da norma constitucional sobre a existência da

sociedade de do próprio Estado e, ainda que a Constituição determine a divisão de

poderes, ou seja, que se tenha poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário)

64 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado, 2005, p. 106-107. 65 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciências políticas, 1999, p. 50. 66 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de direito político. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 47. 67 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.

38-39.

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instituídos com autonomia e independência, assim como que a lei impere com

soberania a fim de garantir efetivamente os direitos individuais, coletivos e difusos68.

Sobre a supremacia da lei, Cruz leciona que:

O Império da Lei – Fazendo frente a regimes nos quais a última decisão reside na vontade ilimitada de um ou de uns poucos governantes, o império da lei supõe que as decisões da autoridade sejam tomadas por conta da aplicação de regras gerais e imperiosas. A lei, elaborada de forma despersonalizada, é quem habilita as autoridades para atuarem, ao mesmo tempo que limita seu âmbito de ação69.

Cruz ainda leciona que:

As expressões Estado de Direito e Estado Democrático de Direito acolhem a vontade constitucional de configurar a comunidade política de acordo com os critérios assinalados acima, resultado de um longo processo histórico. Trata-se de conceitos elaborados pela doutrina juspublicista, mas que encontraram lugar nas Constituições70.

O texto Constitucional, ainda prevê, no rol dos Direitos e

Garantias Fundamentais o princípio da jurisdição em seu artigo 5º, XXXV, no qual se

tem claramente que “[...] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão

ou ameaça a direito”. Desta maneira, de acordo com a determinação constitucional a

lei não pode retirar do Poder Judiciário a apreciação de lesão ou ameaça a direitos

individuais ou coletivos71.

De acordo com Regules:

[...] torna-se evidente ao intérprete constitucional que a noção de Estado de Direito pressupõe a submissão do Estado à ordem jurídica, o que revela o papel de destaque cumprido pelo Poder Judiciário no controle jurídico da atividade estatal. Foi mencionado que a supremacia da Constituição integra o conceito de Estado de Direito. Pois bem, isso implica na observância formal e material de todos os atos jurídicos oriundos do Estado – incluindo-se as

68 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 122.

69 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 213.

70 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional, 2006, p. 214. 71 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips. São Paulo: Editora

Método, 2006, p. 18

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emendas constitucionais, as leis em geral -, os atos administrativos e as sentenças judiciais aos preceitos constitucionais72.

Outro aspecto caracterizador do Estado de Direito e que

obrigatoriamente deve estar presente no texto constitucional de um país é a divisão

dos poderes estatais, ou seja, um Estado de Direito somente será reconhecido como

tal se existir uma divisão clara entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,

cada qual com uma função definida dentro da estrutura estatal, com suas

autonomias e independências garantidas pela própria Constituição, de tal modo que

cada Poder atua em determina área do Estado, visando manter a ordem pública e o

bem estar social73.

Esta divisão entre os poderes implica na delimitação de

funções inerentes a cada um, que exercem seus poderes políticos com

independência, cada qual por meio de seus órgãos distintos. Assim, ao Poder

Legislativo é delegada a competência para a produção de norma jurídica no âmbito

geral; ao Poder Judiciário a função de aplicar a legislação aos casos concretos e

sanar assim, as controvérsias sanando-as e, ao Poder Executivo, cabe o exercício

da função de governo e administrativa de tal modo que esta separação dos poderes

tem por objetivo, também, o controle mútuo entre os poderes políticos74.

No que concerne a superioridade da lei, mais um dos

elementos formadores do Estado de Direito, é ela a expressão do desejo geral da

sociedade e significa o condicionamento de todos atos jurídicos à existência e

determinação das leis, como um ato de característica administrativa e sentencial.

Esta superioridade da norma jurídica tem por objetivo limitar as condutas dos

sujeitos no meio social e garantir ao Estado seu poder e força coercitiva como

garantia da ordem pública, como bem se verifica no inciso II do artigo 5º do texto

72 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 18. 73 BRASIL, Constituição. Constituição da República federativa do Brasil: texto constitucional

promulgado em 5 de outubro de 1988, com alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n. 1/92 a 53/2006 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n. 1 a 6/ 94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2007, p. 13.

74 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público, 2001, p. 45.

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constitucional ao dispor que “[...] ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer

alguma coisa senão em virtude de lei”75.

Assim sendo, pode-se concluir que o Estado de direito tem

como principais características a Constituição como norma maior, a supremacia do

sistema jurídico instituído pelo texto constitucional e aprimorado pelo legislador

através da edição de normas jurídicas infraconstitucionais; o reconhecimento e

garantia dos direitos fundamentais do cidadão e, a divisão dos poderes entre

Executivo, Legislativo e Judiciário, cada qual com sua autonomia e independência

visando sempre a harmonia e o bem estar social.

1.4.2 O Estado Social

Pode-se dizer que o Estado Social tem sua origem no início do

século XX em contraposição ao Estado Liberal com forte traço no individualismo e

no capitalismo como modelos social e econômico, que pregavam a concentração do

capital em detrimento da realização das necessidades e dos interesses da

coletividade76.

A respeito da preocupação com a implantação de um Estado

de conotação mais social Regules assevera que:

Com efeito, as Constituições Mexicana (1917) e de Weimar (1919) são o retrato fiel desta evolução constitucional em que o Homem edificou um modelo antagônico ao Estado liberal clássico em seus aspectos fundamentais. Enquanto o Estado Liberal tradicionalmente cuidara da proteção das liberdades individuais contra o Estado, o chamado Estado Social tinha por escopo debelar problemas que afligiam os indivíduos e a coletividade como o desemprego, a miséria, a dificuldade de acesso á educação e à cultura, etc., desenvolvendo, entre outros aspectos, a atividade de fomento a

75 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 19.

76 SILVA, Jose Afonso da. O estado democrático de direito. In Direito

constitucional brasileiro: perspectivas e controvérsias contemporâneas.

Coordenadores Regina Quaresma e Maria Lúcia de Paula Oliveira; Alexandre dos

Santos Aragão... [et al.] Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 11

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determinadas iniciativas particulares relevantes para a coletividade (desenvolvimento). Nesta seara, a construção de instrumentos de equilíbrio entre o capital e o trabalho a fim de coibir os abusos do poder econômico e o alastramento da miséria tornou-se tarefa inadiável para o Estado Social77.

Assim, o Estado Social se contrapõe ao Estado Liberal, que por

sua vez objetiva proteger o indivíduo e seus bens patrimoniais por meio de um

ordenamento jurídico voltado a estabelecer óbices e limites à interferência estatal

em nome dos interesses da sociedade, assim como, impedindo que o Estado

interferisse nas questões de ordem econômica. Pela ideologia do Estado Social, o

Estado deveria estar mais presente nas relações sociais, ou seja, ser

intervencionista em busca do atendimento das necessidades da maioria dos sujeitos

formadores da sociedade e não em prol ou na defesa dos interesses promovidos

pelos ideais do liberalismo clássico individualista e concentrador do capital e da

renda78.

Regules79 leciona que:

Com efeito, o Estado Social (ou de Bem-estar Social) tem representado muito mais uma acumulação de características fundamentais – em que são conservados os elementos básicos do Estado de Direito – do que a substituição ou derrocada deste último. [...] o Estado Social surge para corrigir as deficiências contidas no Estado Liberal ou Estado de Direito clássicos, renovando-se, isto é, introduzindo novos elementos capazes de prover certas necessidades básicas dos seres humanos, jamais como substituição, insista-se, de um modelo pelo outro. É cediço que enquanto o Estado de Direito busca erguer barreiras à atuação estatal – e também à dos particulares, o Estado Social fixa prestações positivas em favor da Sociedade como um todo ou de segmentos da sociedade.

Verifica-se que um dos traços marcantes do Estado Social é

justamente o intervencionismo principalmente nas questões que dizem respeito aos

interesses sociais, que por sua vez acaba por criar nos indivíduos uma sensação ou

um espírito de dependência ou de assistencialismo, principalmente no tocante às

suas predisposições em obterem por suas próprias forças os meios necessários a

sua própria sobrevivência, ou seja, o Estado Social intervencionista acaba por 77 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 24. 78 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004 p. 14-15-16.

79 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 25.

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assumir a obrigação de sustentar os indivíduos, ao invés de criar mecanismos para

que os mesmo possam por si só se tornarem autossuficientes80.

Já Mello81, assevera que:

O que se espera do Estado diante dos graves problemas que afligem os indivíduos e a coletividade (desemprego, miséria, degradação, etc.) é a ação positiva pra enfrentá-los, não a omissão ou silêncio. Tampouco a adoção de ações que acentuem tais desequilíbrios sociais. A ação positiva do Estado de que falamos não se confunde com desejo difuso na consciência coletiva. Trata-se efetivamente de determinações, de ordens emanadas da Carta Magna dirigidas ao aparelho estatal.

Assim sendo, nota-se que pelo modelo do Estado Social, cabe

a ele a adoção de mecanismos de caráter econômico, administrativo e políticos que

visem promover as necessidades básicas da coletividade em prol da promoção da

chamada justiça social e da dignidade dos seus administrados.

1.4.3 O Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático de Direito, talvez seja um dos modelos

de Estado mais adequados aos dias de hoje. Não por isto, o legislador

constitucional, ao debater as diretrizes da Carta Magna, optou por escolher tal

modelo de tal modo que, o Brasil, tornou um Estado Democrático de Direito, no qual

devem prevalecer os interesses e o bem estar social, a democracia e a legalidade,

tanto em respeito às normas previstas no texto constitucional como na legislação

infraconstitucional82.

Regules leciona que:

80 PIOVESAN, Flávia Cristina. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de

inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 28.

81 MELLO, Celso Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social. In Revista de Direito Publico, n. 57/58, s.l., 1998, p. 236.

82 SILVA, Jose Afonso da. O estado democrático de direito. In Direito constitucional brasileiro: perspectivas e controvérsias contemporâneas. Coordenadores Regina Quaresma e Maria Lúcia de Paula Oliveira; Alexandre dos Santos Aragão... [et al.] Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 15-16.

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O Cerne do princípio democrático reside na noção jurídica de participação política. O Estado submetido ao sistema de controle do poder, mas desprovido de mecanismos efetivos de participação popular será apenas designado como Estado de Direito. Não há que se confundir tal modelo com o Estado Democrático de Direito83.

Por sua vez, Silva84 assevera que:

O modelo de Estado Democrático acolhido pela Carta Magna contempla um vigoroso sistema participativo, sendo cabível observar que a doutrina tem conferido relevância a aspectos atinentes à intensificação do processo decisório estatal por parte dos indivíduos.

Pode-se entender o Estado Democrático de Direito como

sendo aquele no qual existe a participação efetiva dos seus administrados, que

exercem seu poder de forma indireta através da escolha de seus governantes, sem

que estes, lhe retirem os direitos e garantias fundamentais85.

No caso brasileiro, a democracia participativa do povo é

determinada pelo parágrafo 1º do Artigo 1º do Texto Constitucional que prevê que

“todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou

diretamente nos termos desta Constituição”86.

Pode-se afirmar que os textos constitucionais democráticos

originaram-se como uma forma de equilibrar o poder do Estado com o poder do

cidadão, isto porque prevalece a vontade popular, prevista na constituição, assim

como a obrigação maior do Estado em garantir que esta vontade seja respeitada em

prol da harmonia social, como também, do dever estatal em promover o

desenvolvimento econômico e social de seus cidadãos87.

No caso do Estado Democrático de Direito que impera no

Brasil, Regules discorre que:

O modelo republicando consagrado pelo constituinte de 1988, calcado em mecanismos de participação direita e indireta, possui

83 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 20-21. 84 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2001, p. 123. 85 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público, 2001, p. 48. 86 SILVA, Jose Afonso da. O estado democrático de direito. In Direito constitucional brasileiro:

perspectivas e controvérsias contemporâneas, 2006, p. 16. 87 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional, 2006, p. 215.

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características próprias que se espraiam pelo Texto Constitucional. Com efeito, a Carta Magna assegura que todo poder político emana do povo e, ademais, fixa como será exercido esse poder. Os mecanismos indiretos de participação dizem respeito à chamada democracia representativa propriamente dita. Nesta seara, o constituinte fixou o sistema de eleições para o preenchimento de determinados cargos nos Poderes Executivo e Legislativo, como a Presidência da República, a Governadoria dos Estados, os cargos de Senador e Deputado, entre outros (artigo 14, parágrafo 3º, inciso VI)88.

Desta maneira pode-se concluir que os traços marcantes do

Estado Democrático de Direito são a legalização constitucional e infraconstitucional,

a divisão dos poderes; a garantia dos direitos individuais e coletivos; a ordem

jurídica constituída e a participação popular como legítimos donos do poder, mesmo

que este poder seja delegado em nome de outros escalados para exercê-lo em

nome da maioria e para a maioria. Assim, o Estado Democrático de Direito se

alicerça na vontade do povo, para o qual o Estado tem a obrigação de garantir

direitos e promover o desenvolvimento econômico e social em prol da harmonia e

bem estar social.

O presente capítulo teve por objeto de estudo a evolução da

existência humana na Terra, a formação dos primeiros agrupamentos de homens

que deram origem às sociedades primitivas que evoluíram para sociedades mais

complexas das quais surgiram diversos modelos de Estados cujas finalidades em

geral é a de promover as condições ideais para que cada indivíduo alcance seus

objetivos pessoais, assim como dos demais membros da coletividade.

88 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 22.

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CAPÍTULO 2

A SOBERANIA POPULAR E AS FORMAS DE DEMOCRACIA

2.1 A SOBERANIA POPULAR

A soberania popular se relaciona diretamente com a iniciativa

popular, de tal maneira que essa, se coloca como um instrumento da primeira de tal

modo que o entendimento do venha ser a democracia em todas as suas

modalidades, em especial a democracia participativa.

A soberania popular é a expressão do conjunto ou do resultado

das diversas parcelas das diferentes soberanias, que pertencem a cada indivíduo

enquanto sujeito formador da coletividade e cuja soma conferem a soberania ao

Estado que não pode ser de forma alguma ser transferida a outrem, por esta razão a

soberania é entendida como única, indelegável e indivisível. Este pensamento é que

fundamenta a igualdade política dos indivíduos enquanto cidadãos, aliado ao

sufrágio universal alicerçando assim o processo democrático, uma vez que cada

sujeito da sociedade detêm uma parte da soberania e a delega para que o Estado

exerça em seu nome a sua autoridade sobre a sociedade89.

Desse modo, a ideia da soberania popular admite que o

cidadão, ele mesmo, participe da tomada de decisões políticas, sem necessidade de

intermediários, inclusive no processo de elaboração das leis. Afirma Rousseau que

“As leis não são propriamente senão as condições de associação civil. O povo

submetido às leis deve ser o autor das mesmas, pois somente aos associados

compete regular as condições da sociedade”90.

Há, ainda, a doutrina da soberania nacional, segundo a qual a

soberania residia não no povo, mas na Nação. Esta seria a única depositária da

89 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 130. 90 ROUSSEAU, Jean Jacques. O contrato social: princípios de direito político. Tradução de Antonio P. Machado. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p. 55.

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soberania, formada pelos representantes do povo, que se confundia com a própria

nação91.

Em contraposição à idéia de que a soberania era inerente ao

cidadão, assim discorre Sieyés discorre que:

Todo cidadão que reúne condições determinadas para ser eleitor,

tem direito de se fazer representar, e sua representação não pode

ser uma fração da representação do outro. Este direito é uno; todos o

exercem por igual, como todos estão protegidos igualmente pela lei

que ajudaram a fazer. Como é possível sustentar-se por um lado,

que a lei é a expressão da vontade geral, quer dizer, da maioria, e

querer, ao mesmo tempo, que dez vontades individuais possam

contrabalançar mil vontade particulares? Isso não equivale a se

expor a deixar que a minoria faça a lei, o que é contrário,

evidentemente, à natureza das coisas?92.

Verifica-se, assim, que a diferença entre as duas doutrinas

democráticas é essencial no que diz respeito ao alcance prático de cada uma. Na

soberania popular, o povo participa diretamente das decisões políticas, de forma que

a sua vontade não é desvirtuada; pela teoria da soberania nacional, transfere o povo

aos seus representantes, mediante eleição, o poder de decisão, abrindo-se dessa

forma a possibilidade de ser desviada a verdadeira vontade dos representados.

A doutrina acatada pela Revolução Francesa foi a da soberania

nacional, temendo os seus adeptos que a teoria da soberania popular levasse ao

despotismo das multidões e, como a intenção dos revolucionários franceses era que,

uma vez conquistado o poder, seria necessário exercer o seu controle.

Conforme leciona Bonavides:

A doutrina da soberania nacional dominou quase todo o direito político da França pós revolucionária na idade liberal de seu constitucionalismo. A Revolução proclamou esse princípio com toda a solenidade de suas leis em dois artigos célebres dos Direitos do Homem de 1789 e da Constituição de 1791, respectivamente. Com efeito, o artigo 3º, da Declaração assevera que, ‘o princípio de toda a soberania reside essencialmente em a Nação’ e que ‘nenhuma

91 BONAVIDES, Paulo. Ciência política, 1998, p. 132. 92 SIEYÉS, Joseph Emmanuel. A constituinte burguesa qu’estce que le tiers état?. Tradução de

Norma Azeredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 70.

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corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.’ A essa ardente profissão de fé na soberania nacional sucede o artigo 1º, título terceiro da Constituição de 1791, que reitera o mesmo pensamento, após precisar os caracteres essenciais da soberania: ‘A soberania é una, indivisível, inalienável e imprescritível, pertence à nação; nenhuma seção do povo, nenhum indivíduo pode atribuir-se-lhe o exercício (Art. 1º, do Título III da Constituição Francesa de 1791)93.

Em termos práticos, a teoria da soberania nacional resultou na

supremacia do parlamento, modelo constitucional adotado pela maioria das

constituições da Europa, não obstante a partir do século XIX já existirem formas de

democracia direta.

Mas na mesma França que, no início rejeitou a proposta de

democracia direta de Rousseau, na época imperial, o plebiscito foi utilizado por

Napoleão para entronizar o seu sobrinho Napoleão III, para ratificar a 2ª República e

para restabelecer o império, em 185294.

A respeito do conceito de soberania popular, são vários os

apresentados por cientistas políticos e constitucionalistas. Ela é um princípio através

do qual se justifica a legitimidade da origem e exercício do poder político, afastando

outras instâncias que não a popular, tais como as de ordem divina, natural ou

hereditária, que vincula formal, material e procedimentalmente as decisões

políticas95.

Assim, a soberania popular se apresenta como princípio básico

que fundamenta o regime democrático, ao lado da participação popular96.É por

assim dizer o princípio que determina as regras estruturais do governo e do

ordenamento jurídico, fonte de todo poder legitimador e limitador do exercício da

93 BONAVIDES, Paulo. Ciência política, 1998, p. 132. 94 TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Democracia e cidadania: o referendo como instrumento de

participação política. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 49. 95 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Ed. Almedina, 1993,

p. 418-419. 96 SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 47.

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autoridade e que serve de sustentáculo à estrutura constitucional da Democracia

Participativa97.

Diante do exposto pode-se concluir que a expressão soberania

popular tem dupla natureza: política, porque se constitui em uma espécie de fonte de

poder; jurídica, quando traduzida em leis que limitam o exercício desse mesmo

poder. Num ponto todos os conceitos apresentados convergem: a soberania popular

é um princípio basilar da democracia.

Observa-se também que o conceito de soberania popular

encontra atrelado à compreensão do princípio democrático, entendido este como

forma de organização do domínio político e princípio informador do Estado e da

sociedade98.

É através do princípio democrático que se organiza o domínio

político, pois entende que o poder político se assenta em estruturas de domínio,

segundo o programa de autodeterminação e autogoverno, em que é formado,

legitimado e controlado pelo povo. Este também com legitimidade para participar da

organização e forma do Estado e de governo99.

Entretanto, a democracia é mais do que o direito político de ser

cidadão, uma vez que “o corpo eleitoral não constitui o povo, mas simples técnica de

designação de agentes governamentais”100.

A Constituição Federal brasileira de 1988, adotou como

fundamento do Estado de Direito um regime misto, denominado de Democracia

Semi-direta, porquanto foram absorvidas as duas formas de Democracia: a direta e

a indireta, quando estabelece expressamente em seu texto: Todo o poder emana do

povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos

desta Constituição, conforme se observa no parágrafo único, do artigo 1º da Carta

Política. 97 BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 10-11.

98 MALBERG, Carré de. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 124. 99 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 1993, p. 418. 100 SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular, 2000, p. 47.

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O exercício do poder por agrupamentos humanos, por uma

razão ou outra tem alcance limitado, já que, em tese, nem todos estariam

preparados ou mesmo teriam qualquer interesse em exercê-lo. Dessarte, quando se

fala de exercício do poder na democracia, necessário é delimitar os legitimados a

exercê-lo.

Daí resulta claro que a população de um Estado é diferente

daqueles legitimados a exercer a política. Denomina-se povo o “conjunto daqueles,

dentre a população, dotados de direitos políticos”101. “O indivíduo visto como

membro do povo vai participar da vontade do Estado, sendo esta resultante da

vontade do povo”102.

Ressalta-se aqui que nem todos estão aptos a participar dos

mecanismos disponibilizados pela democracia. Por uma razão ou outra os

ordenamentos jurídicos conferem apenas aos cidadãos o direito de escolher os

representantes bem como utilizar os mecanismos de participação direta, ou seja, a

exercer a soberania popular103.

O voto, por sua vez, não é nada mais do que o instrumento que

traduz a manifestação de vontade do povo. É por meio dele que o cidadão escolhe o

seu representante, aprova uma lei em referendo ou autoriza a criação de um Estado

através de plebiscito. Entretanto, “saliente-se, novamente, que por se tratar de

exercício da soberania, somente àqueles que detiverem capacidade eleitoral ativa

será permitido participar de ambas as consultas”104. Daí que, “cidadão, no caso, não

é sinônimo de eleitor, mas sim indivíduo participante e controlador da atividade

estatal”105.

101 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1996, p. 34. 102 ROLAND, Débora da Silva. A dimensão humana do Estado: o povo. Jus Navigandi, Teresina, a.

8, n. 451, 1 out. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5767>. Acesso em: 15 maio. 2011.

103 DANTAS, Henrique. Curso de Formação Política. São Paulo: Instituto Legislativo Paulista. 2004, p. 06.

104 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 237. 105 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 2003, p. 237.

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A emanação da soberania popular pode ser exercida

juridicamente, por meio de três modelos: a democracia participativa ou direta, a

democracia representativa ou indireta e a democracia semi-direta106.

Assim, pode-se dizer que no ordenamento jurídico brasileiro,

legitimados a votar estão os brasileiros maiores de 18 anos, de forma obrigatória, e

facultativamente os analfabetos, os maiores de 16 anos e menores de 18 anos, além

dos maiores de 70 anos, segundo dicção do artigo 14 da Constituição Federal. Os

estrangeiros não estão no rol daqueles que podem exercer qualquer poder político.

2.2 A DEMOCRACIA DIRETA

Para muitos autores democracia é uma modalidade de forma de

governo. O termo democracia provém do grego demos – povo – e kratein – governo. A

democracia tem sua origem na Grécia, no século V a.C, e era entendida como uma

forma de governo fundamentada em três direitos essenciais dos cidadãos

atenienses: igualdade, liberdade e participação no poder. Da democracia ateniense

– cujo exercício se dava por meio das assembléias de cidadãos – passa-se às

modernas democracias representativa e participativa107.

Sob um ponto de vista mais técnico, a democracia pode ser

definida como sendo um “sistema de poder no qual as decisões que interessam a

todos […] são tomadas por todos os membros que integram uma coletividade”108.

Entende-se que, se o governo formado por ideais democráticos não proporciona à

população uma evolução da igualdade política para a igualdade social –

conseqüência da igualdade material – é porque a democracia não está sendo

exercida pela esmagadora maioria da sociedade, mesmo porque a participação

106 BONAVIDES, Paulo. Política e Constituição: os caminhos da democracia. Rio de Janeiro:

Forense, 1985, p. 501 107 KELSEN, H. A Democracia. Trad. Ivone Catilho Benedetti, Jefferson Luiz Camargo, Marcelo

Brandão Cipolla e Vera Barkow. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 98. 108 BOBBIO, N. A Teoria das Formas de Governo. 10.ed. Trad. Sérgio Bath. Brasília:

Ed.Universidade de Brasília, 1998, p. 108.

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popular só se concretiza por meio da inserção dos indivíduos no processo

informacional, o que só se obtém pela educação109.

Para Bonavides a democracia é conceituada como “aquela

forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo

decide, direta ou indiretamente, todas as questões de governo, de tal sorte que o

povo seja sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo do

poder legítimo”110.

A representação democrática, proclamada pelo texto

constitucional, autorizando e legitimando o Poder Legislativo a exercer o poder

político em nome do povo, se traduz em mera representação formal, mas não se

reduz a ela, carece ainda, a representação democrática, de um momento referencial

substantivo expresso no reencontro dos atos dos representantes com os reais

desejos e necessidades dos representados111.

A democracia direta é aquela em que todos os cidadãos

participam, a exemplo de Atenas da Grécia Clássica. Não há eleições nesse modelo.

Hoje a democracia direta não é mais utilizada tendo em vista que a condição de

cidadão já alcança muitos indivíduos, o que torna impossível reunir em uma

Assembléia a totalidade daqueles que teriam direito a decidir. No mínimo se levaria

tempo absurdo para que algo fosse decidido.

Na democracia direta o povo participa diretamente da vida

política do Estado exercendo os poderes governamentais, fazendo leis,

administrando e julgando. É, pois, aquela em que o povo exerce de modo imediato e

direto as funções públicas112.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, parágrafo

único ao determinar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, quer dizer

que democracia brasileira é o governo do povo, pelo povo e para o povo.

109 KELSEN, H. A Democracia, 2000, p. 101. 110 BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 13. 111 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 1993, p. 420. 112 GÁRCIA-PELAYO, Manuel. Derecho constitucional comparado. Madri: Alianza, 1984, p.183.

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A este respeito Silva113 discorre que:

Governo do povo significa que este é fonte e titular do poder, de conformidade com o princípio da soberania popular (todo poder emana do povo, inscrito no parágrafo único, do art. 1º da Constituição Federal); Governo pelo povo quer dizer governo que se fundamenta na vontade popular, que se apóia no consentimento popular; Governo para o povo é aquele que procura libertar o Homem de toda imposição autoritária e garante o máximo de segurança e bem – estar a todos. Assim, podemos admitir que a democracia é um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido direta ou indiretamente pelo povo e em proveito do povo.

Assim pode-se dizer que a Constituição Federal de 1988,

denominada de Constituição cidadã, em virtude de vários fatores, a exemplo de que

foi a Constituição brasileira que teve importante participação popular na elaboração

do seu texto, destinou aos cidadãos vários direitos individuais, coletivos e de caráter

social e previu formas e canais para que o povo participasse do governo em suas

várias esferas e incluiu em seu texto canais de democracia direta, quando previu o

plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.

A Carta Magna brasileira pode ser incluída na classificação

daquelas espécies de Constituições populares ou democráticas, que se

caracterizam pela forma com que exprimem o princípio político–jurídico de que todo

governo deve assentar-se no consentimento dos cidadãos e expressar a sua

vontade soberana114.

É a democracia direta a legítima e soberanamente popular. Na

visão do seu ideólogo a estrutura constitucional da democracia participativa

encontra-se sob a base de quatro princípios centrais: a dignidade da pessoa

humana, a soberania popular, a soberania nacional e a unidade da Constituição.

O primeiro princípio corresponde ao valor maior, entre todos os

valores, numa sociedade democrática e participativa, que reúne em torno de si todos

os direitos fundamentais, tomados em suas quatro dimensões. É considerado no seu

aspecto axiológico como o espírito mesmo da constituição.

113 SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular, 2000, p. 45. 114 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 71.

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O segundo é fonte de todo o poder, legitimador e limitador do

exercício da autoridade. Como terceiro princípio tem-se a soberania nacional, que

afirma a independência do Estado perante as demais nações da ordem jurídica

internacional. Por fim, o quarto e último princípio, a unidade da constituição, formado

pela unidade lógica e axiológica das suas normas e princípios, serve de bússola

para a sua interpretação e aplicação115.

Com razão o eminente constitucionalista. O “governo do povo,

pelo povo e para o povo”, modelo de Democracia preconizado por Lincoln encerra

em si o princípio da dignidade da pessoa humana como essência da democracia,

que não consiste unicamente no poder popular, mas, sobretudo na plenitude da

pessoa humana116.

Distingue-se três paradigmas de Direito Constitucional, na

história dos países continentais, a saber: I - o Direito Constitucional do Estado

Liberal, protetor das liberdades individuais; II - o Direito Constitucional do Estado

Social, que procurou tornar efetivo o princípio igualitário; III - o Direito Constitucional

da Democracia Participativa, de cunho progressivo e de vanguarda, que luta em

preservar os conceitos de soberania, nação e povo, atualmente menosprezados pela

ideologia constitucional do primeiro mundo, mais precisamente pelo fenômeno da

globalização e neoliberalismo.

Mendes Leciona que:

Nas democracias diretas o grau de efetividade é considerável. Nesse modelo, o próprio povo, por meio do referendo, soluciona os problemas emergentes da gestão da coisa pública. Todavia, à medida que o povo exerce a soberania por meio de representantes, a efetividade cede e passa a depender da eficácia do controle que se possa exercer sobre seus mandatários e também, em grande parte, da freqüência das eleições e da duração do mandato dos eleitos. A intensidade do grau de queda do princípio da efetividade implica o aparecimento da democracia nominal ou meramente formal [...]117.

115 BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa, 2001, p. 10-11 116 PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática do poder. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1997, p. 17. 117 MENDES, Antônio Carlos. Introdução á teoria das inelegibilidades. São Paulo: Malheiros, 1994,

p. 18-19.

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Nos tempos atuais, qualquer forma de manifestação de poder

deve ser limitada pelos cidadãos, através de mecanismos de natureza jurídica e

política, tal como ocorre com o exercício do sufrágio, do plebiscito, do referendo e da

iniciativa popular.

A participação do cidadão no processo legislativo, como previu

o legislador constituinte, reflete outro princípio fundamental da República Federativa

do Brasil: a adoção de uma sociedade pluralista e numa sociedade pluralista há

outras espécies de direito que não o estatal. Com a adoção de institutos de

soberania popular plebiscito, referendo e iniciativa popular, há que como um

reconhecimento dessas espécies de direito pertencentes aos grupos sociais.

2.3 A DEMOCRACIA INDIRETA E SEMIDIRETA

A democracia indireta ou representativa, como o nome indica, é

aquela em que o governo é exercido por meio de representantes. Adverte-se que

esse tipo de democracia não pode ser tido necessariamente como uma resposta à

falta de praticidade da democracia direta. Justifica-se no fato de que a trajetória

histórica do conceito de democracia, se de um lado não se deu de forma linear, de

outro a democracia indireta, em determinada época, se prestou para a nomeação de

representantes de quem tinha posses, sendo que o restante era desprezado118.

Segundo Silva:

A democracia representativa pressupõe um conjunto de instituições que disciplinam a participação popular no processo político, que vêm a formar os direitos políticos que qualificam a cidadania tais como as eleições, o sistema eleitoral, os partidos políticos", enfim mecanismos disciplinadores para a escolha dos representantes do povo119.

Na democracia indireta ou representativa, o povo não exerce

seu poder de modo imediato, mas pelos seus representantes, eleitos

periodicamente, a quem são delegadas as funções de governo.

118 DANTAS, Henrique. Curso de Formação Política, 2004, p. 11. 119 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 2001, p. 122.

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Segundo Dantas:

[...] A ideia de que deveria votar quem tinha algo a perder - sob o aspecto econômico - foi deixada de lado. Passava a vigorar o sentimento de que todos os cidadãos podiam contribuir para a construção do poder, e isso significa dizer que nenhum adulto deve ser isentado do voto120.

A democracia semidireta é um misto de democracia direta e de

democracia indireta. O conceito surgiu da ideia de que o sistema representativo,

com o passar do tempo, já não estaria atendendo aos anseios dos representados. A

complexidade das relações e conseqüentes novas exigências, segundo o autor, teria

tornado “clara a necessidade de interatividade entre o governo e a sociedade, ou

seja, entre representantes e representados”121.

Ferreira Filho conceitua esse tipo democrático:

Procurando temperar a hegemonia parlamentar na democracia representativa - a soberania do parlamento - que pode tornar oligárquico o regime, certas Constituições, como a suíça, procuram assegurar ao povo a possibilidade de intervenção direta na tomada das decisões políticas. Estabelecem, assim, a democracia semidireta, que, embora seja basicamente representativa, é direta na medida em que o povo participa de modo imediato em certas decisões. Em geral essa participação se dá pela iniciativa legislativa popular e pelo referendum (ou seja, dando-se ao povo o poder de diretamente propor ou aprovar medidas legislativas e até normas constitucionais122.

Interessante aqui apresentar a crítica feita por Bastiat a

respeito dos efeitos de certas leis, o que justificaria, até certo ponto, a existência do

sistema semidireto:

É próprio da natureza dos homens reagir contra a iniqüidade da qual são vítimas. Então, quando a espoliação é organizada pela lei, em prol das classes dos que fazem a lei, todas as classes espoliadas

120 DANTAS, Henrique. Curso de Formação Política, 2004, p. 11. 121 DANTAS, Henrique. Curso de Formação Política, 2004, p. 12. 122 FERREIRA FILHO, Manoel. Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo:

Saraiva, 1995, p. 81.

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tentam, por vias pacíficas ou revolucionárias, participar de algum modo da elaboração das leis123.

A democracia semidireta, sendo um misto, como já visto, da

democracia direta e da indireta, é permeada por mecanismos que garantam o

estreitamento das relações entre representantes e representados. Na democracia

semi-direta, foram integrados institutos de participação direta do povo nas funções

de governo, a exemplo da Carta Constitucional brasileira, que consagra em seu art.

1º, parágrafo único, combinado com art. 14, incisos I,II e III, esta forma de regime124.

Dantas explica melhor:

Tais mecanismos podem ser divididos em dois grupos: os tradicionais e os alternativos. O primeiro grupo está garantido, em parte ou integralmente, em quase todas as constituições democráticas do mundo. São os referendos, os plebiscitos e as leis de iniciativa popular. Medidas inovadoras, no entanto, surgiram e tornaram-se emblemáticas. O Brasil tornou-se um exemplo mundial no desenvolvimento de ferramentas alternativas de participação com o Orçamento Participativo de Porto Alegre (1989). A medida espalhou-se pelo país, e hoje centenas de governos - estaduais e municipais - implementaram tais ferramentas em suas administrações. Em inúmeras localidades também foram testadas, com sucesso, experiências de Gestão Participativa. Além de discutir os investimentos, a sociedade passou a participar de reuniões que visavam democratizar o gerenciamento de alguns serviços. Adicionalmente, centenas de Conselhos Gestores de Políticas Públicas surgiram para discutir temas pontuais, dando aos governos diretrizes e idéias a respeito de serviços específicos. Por fim, surgiram as Comissões de Legislação Participativa, uma iniciativa inaugurada pela Câmara dos Deputados que, rapidamente, espalhou-se por dezenas de estados e municípios. A idéia consiste em viabilizar a participação da sociedade nos trabalhos legislativos125.

Depreende-se, pelo visto, que o modelo adotado no Brasil é o

da democracia semidireta, de participação ou participativa. A Constituição Federal

de 1988, ao instituir o Estado Democrático de Direito, logo no dispositivo vestibular

prevê a origem de todo o poder a ser nele exercido. É do povo que emana esse

poder.

123 BASTIAT, Frédéric. A Lei. Tradução Ronaldo da Silva Legey. Rio de Janeiro: Instituto Liberal.

1991, p. 16. 124 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 2001, p. 121. 125 DANTAS, Henrique. Curso de Formação Política, 2004, p. 12.

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Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Segundo Dantas:

O representante é quem vai ocupar nosso lugar no poder enquanto tomamos conta de nossos assuntos particulares. A despeito dessa delegação de poder, devemos buscar proximidade com o poder, afinal de contas, o poder é constituído pela nossa vontade, pelo nosso desejo, pelo nosso VOTO126.

Esta forma de democracia permite que o cidadão possa

participar dos assuntos de interesse da sociedade, por meio de seus representantes,

bem como através dos dispositivos constitucionais previstos para esta finalidade se

mostra como um importante instrumento de controle das ações do Estado.

2.4 A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO BRASIL

Desde os tempos mais remotos até a atualidade a palavra

democracia sempre teve como significado uma das formas de governo, isto é, uma

das varias maneiras como que o poder político pode ser exercido, principalmente

quando exercido em nome e pelo povo127.

126 DANTAS, Henrique. Curso de Formação Política, 2004, p. 06. 127 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução

Marco Aurélio Nogueira. 12. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2005, p. 135.

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A forma encontrada pelo constituinte originário de conciliar a

participação direta e pessoal da cidadania, na formação dos atos de governo, e os

mecanismos que mesclam instituições de participação foram a direta e indireta128.

Por meio deste regime, o "constitucionalismo democrático da

Idade Contemporânea, mais intimamente ligado às inspirações da doutrina da

soberania popular, elegeu alguns instrumentos de participação, que dão ao povo,

conservadas embora em parte, as formas representativas, a palavra final relativa a

todo o ato governativo"129.

Segundo Regules:

O Estado Democrático de Direito, busca garantir a participação do povo no exercício do poder político, cujo fundamento constitucional decorre do próprio parágrafo único e caput do artigo 1º da Lei Maior. A soberania popular é exercida diretamente ou por representantes eleitos, nos termos constitucionais130.

A democracia representativa clássica, se fundamenta no

sistema eleitoral no qual o povo, através do sufrágio universal (voto) elege aqueles

que irão lhe representar politicamente dentro e junto ao Estado e, por esta razão é

justamente denominada de democracia participativa131.

A Constituição Federal de 1988 prevê e garante alguns

instrumentos que visam assegurar a participação popular, entre eles o referendo, o

plebiscito e a iniciativa legislativa popular, conforme disposto no artigo 14, I, II, III da

Carta Magna132.

Por outro lado, a concepção “clássica de Administração Pública

tem sido associada às noções de autoritarismo e de centralização”133, entretanto, o

128 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2001, p. 125. 129 BONAVIDES, Paulo. Ciência política,1998, p. 338-339. 130 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 38. 131 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2001, p. 145. 132 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 38. 133 CORREA, Fernando Alves. O plano urbanístico e o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina

Editores, 2001, p. 251.

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direito público absorveu as grandes transformações e mudanças sociais ocorridas

no decorrer do século passado134.

Segundo Regules:

O reconhecimento jurídico de novas relações comunitárias, a ascensão dos direitos sociais e econômicos e, mais recentemente, a proteção dos chamados direitos difusos (meio ambiente, consumidor) ditam um novo patamar de conduta para a Administração Pública. Alargou-se, evidentemente, o espectro de atuação da Administração Pública. A considerável ampliação dessas atribuições, a diversidade dos grupos de interesses em jogo, a complexidade das decisões administrativas deslocaram o poder político-administrativo para próximo dos administrados, que se tornam colaboradores da Administração135.

A abordagem a respeito da intervenção Administração Pública

na esfera do econômico e do social requer um trabalho de cooperação e de

colaboração por parte dos administrados (cidadãos) e o próprio Estado136.

Neste sentido Tácio ensina que:

O Direito Administrativo de mão única caminha para modelos de colaboração, acolhidos em modernos textos constitucionais e legais, mediante a perspectiva de iniciativa popular ou de cooperação privada no desempenho das prestações administrativas137.

A bem da verdade, os mecanismos e ferramentas de

participação dos cidadãos, assim como das entidades da sociedade civil no

processo de constituição e formação das diretrizes e normas de cunho político, com

amparo na norma constitucional de tal modo que cabe aos Poderes Públicos garantir

aos cidadãos a efetiva participação como previsto na Constituição Federal de

1988138.

As técnicas de participação popular, adotadas pela

Constituição Federal de 1988 – referendo, plebiscito e iniciativa popular – funcionam

134 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 39. 135 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 39. 136 CORREA, Fernando Alves. O plano urbanístico e o princípio da igualdade, 2001, p. 253. 137 TÁCIO, Caio. Direito administrativo participativo. In Revista Trimestral de Direito Público. nº 15.

São Paulo: Malheiros, 1996, p. 25. 138 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 40.

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como espécies de garantias ao exercício da soberania popular, assegurando, dessa

forma, o princípio da unidade da Constituição.

Entre os instrumentos de participação encontra-se o instituo da

ação popular, conforme previsto no inciso LXXXIII, do artigo 5º da Constituição

Federal, além de outros dispositivos constitucionais de controle de poder, que na

maioria das vezes não é colocado como forma de participação popular139.

Segundo Regules:

A participação dos indivíduos e das instituições da sociedade nas decisões político-administrativas não se confunde com o controle público exercido por esses mesmos sujeitos. A participação antecede a tomada de decisão. A atividade de controle, por sua vez, pressupõe a existência de decisão pública140.

Ainda e, neste sentido, Melo lembra que:

Comumente se confundem direito de participação com direito de controle. Quando nos referimos à participação na tomada de decisões, estas, naturalmente, ainda não foram tomadas. Após as decisões serem proferidas e tornadas públicas, abre-se a possibilidade de controle dessas decisões141.

Sobre a possibilidade de controle social dos atos dos Poderes

Públicos, a Constituição Federal de 1988 ainda dispõe que “qualquer cidadão,

partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei,

denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Constas da União”.

(parágrafo 2º do artigo 74)142.

Segundo Britto a:

Fiscalização que nasce de fora para dentro do Estado é, naturalmente, a exercida por particulares ou por instituições da sociedade civil. A ela é que se aplica a expressão controle popular ou

139 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2001, p. 146. 140 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 40. 141 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de

participação popular. Porto Alegre: Fabris, 2001, p. 41. 142 BRASIL, Constituição. Constituição da República federativa do Brasil: texto constitucional

promulgado em 5 de outubro de 1988, com alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n. 1/92 a 53/2006 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n. 1 a 6/ 94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2007, p. 66.

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controle social do poder, para evidenciar o fato de que a população tem satisfações a tomar daqueles que formalmente se obrigam a velar por tudo o que é de todos143.

Por outro lado, a essência da atividade de controle não mora

propriamente dito, no processo de formação da vontade do Estado, pelo contrário,

este controle surge da imposição de conduta correta do Poder Público colocado pela

constituição ao dispor dos indivíduos e da sociedade em fiscalizar os órgãos da

Administração Pública144.

Esta participação popular, por seu turno, garante a cada sujeito

individualmente ou coletivamente o direito a intervir no processo de formação das

decisões dos Poderes Públicos145, de tal modo que o indivíduo pode perfeitamente

contribuir “na formação da vontade normativa do Estado, que assim é que se

desempenha o poder político”146.

Vale ressaltar que a Constituição Federal de 1988 discorre a

respeito dos mecanismos e instrumentos referentes à participação da população e

das entidades da sociedade civil na tomada de decisões do Poder Público,

influenciando na formação da vontade estatal (artigo 10 e no parágrafo 3º do artigo

37 da Constituição Federal de 1988)147.

Brito ensina que:

É evidente, portanto, que a administração participativa reservou aos indivíduos, às instituições da sociedade civil e à comunidade como um todo a possibilidade de interferir no processo de decisão pública; não se trata de fiscalizar os atos pretéritos, mas de formar um novo querer normativo de índole pública148.

143 BRITTO, Carlos Ayres. Distinção entre controle social do poder e participação do estado. In

Revista Trimestral de Direito Público. nº 2. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 83. 144 BRITTO, Carlos Ayres. Distinção entre controle social do poder e participação do estado,

1993, p. 84. 145 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 42. 146 BRITTO, Carlos Ayres. Distinção entre controle social do poder e participação do estado,

1993, p. 85. 147 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro setor: regime jurídico das oscips, 2006, p. 42. 148 BRITTO, Carlos Ayres. Distinção entre controle social do poder e participação do estado,

1993, p. 86.

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Na participação popular de controle e de formação das

decisões do Poder Público a legislação constitucional é o norte para que os

cidadãos, para que a coletividade, para que os partidos políticos, os sindicatos e as

associações sem fins lucrativos e de interesses da sociedade, denominadas de

terceiro setor fiscalizem e influenciem nas tomadas de decisões dos órgãos da

Administração Pública.

Tal democracia participativa se concretiza por meio de

mecanismos de exercício direto da vontade geral e democrática, vindo a restaurar e

a repolitizar a legitimidade do sistema.

Na democracia participativa, o povo assume um papel de

controle final de todo o processo político, possuindo a iniciativa e a sanção de cada

lei e ato normativo de superior interesse público, pelo que se mostra clara a

identificação entre a democracia participativa e a democracia direta. É o povo,

assim, “instância suprema do processo político“149.

Neste cenário, o sistema representativo tem uma utilidade

meramente auxiliar, instrumental e subsidiária, sujeitando-se à soberana decisão

popular. Continuam a existir, portanto, as instâncias representativas, com o objetivo

de que a máquina do poder e do governo não fique paralisada, porém tais instâncias

têm caráter tão-somente de segundo ou terceiro graus, vez que a instância de

primeiro grau é o povo150.

Deste modo Bonavides assevera que:

[...] a democracia direta não quer dizer o povo todos os dias, todas as horas, todas as ocasiões, pessoalmente se reunindo ou sendo consultado para fazer leis, baixar decretos, expedir regulamentos, nomear, demitir, administrar ou exercitar toda aquela massa de poderes e funções sem as quais a máquina do poder e do governo fica paralisada ou atravancada151.

149 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 1997, p. 28. 150 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 1997, p. 28-29. 151 BONAVIDES, Paulo. Os poderes desarmados: à margem da ciência política, do direito

constitucional e da história: figuras do passado e do presente. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 27.

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Desta forma, não basta que somente se adote um determinado

sistema democrático, mas sim deixá-lo dinamizado com a inserção de mecanismos e

instrumentos para a participação popular, uma vez que a participação é que dá

dinamismo à democracia.

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CAPÍTULO 3

AS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO: O PLEBISCITO, O REFERENDO E A

INICIATIVA POPULAR

3.1 O PLEBISCITO

O plebiscito e o referendo distinguem-se, malgrado a doutrina e

legislação, não raramente, assemelharem os institutos. Plebiscito é o mecanismo

jurídico por meio do qual o povo é chamado a aprovar ou não um fato, um

acontecimento, concernente à estrutura do Estado ou de seu governo152.

Trata-se de uma "decisão que, transcendendo a normatividade

constitucional e sem quaisquer limites políticos e jurídicos, legitima em termos

"democráticos-populares", uma ruptura constitucional"153.

A origem da palavra plebiscito vem do latim plebiscitum, de

plebi, do povo, genitivo de plebs, o povo, e scitum, decreto, de scitum, neutro de

scitus, particípio passivo de sciscere, decretar, aprovar, de scire, saber. Ali também

está dito que o plebiscito é a consulta prévia ao povo a respeito da tomada ou não

de medida de seu interesse.

O plebiscito deve referir-se não a um ato normativo ou

administrativo (como o ),mas sim, a um mero fato ou evento concernente

à estrutura essencial do Estado ou do seu governo (por exemplo, a adjudicação de

território, a conservação ou modificação de uma forma de governo, tal qual ocorreu

em 1860-70, no movimento de formação da unidade italiana, tendo sido anexado ao

reino da Sardenha, vários ex-Estados e Províncias da Península, ou mais

152 ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. Tradução Maria Helena Diniz.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 316. 153 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 1993, p. 127.

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recentemente no Brasil, em 1961, quando a forma presidencialista de governo foi

restaurada)154.

Ainda, “no plebiscito há a manifestação popular, onde o

eleitorado decide, ou toma posição, diante de uma determinada questão”155.

De acordo com Acquaviva, a origem do instituto do plebiscito

está na Roma Antiga, mais especificamente:

No século IV antes de Cristo havia, em Roma, dois estamentos sociais que não se mesclavam: o povo, representado pelos patrícios, quais sejam, os supostos descendentes dos fundadores da cidade (daí, patrício ou pai da pátria), e a plebe (do verbo plere, encher, tornar ple/no, com/ple/to), porque esta camada social era de longe a mais numerosa, ao incluir patrícios arruinados ou decaídos, escravos e estrangeiros. A plebe não tinha quaisquer direitos. Só com o tempo as conquistas foram aparecendo e dentre elas o plebiscito ou direito de participar da vida política mediante o voto. Foi o plebiscito instituído pela Lex Hortensia. Daí a idéia, até hoje consagrada, de que o plebiscito é uma espécie de consulta ao povo156.

Ferreira Filho discorre que "o plebiscito é um instrumento da

chamada democracia semidireta, que procura corrigir o caráter indireto da

democracia representativa pela participação popular na tomada de determinadas

decisões”157.

Assim, o plebiscito se traduz em uma manifestação de caráter

excepcional e extraordinário na qual a população exprime a sua decisão a respeito

de assuntos que dizem respeito à forma de governo ou de Estado; sobre alterações

das formas políticas; a respeito de questões territoriais entre outras de interesse da

sociedade158.

154 RUFFIA, Paolo Biscaretti di. Direito constitucional: instituições de direito público. Tradução de

Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 379. 155 BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva. 1998, p.

272.

156 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. 8. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1995, p.1101.

157 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 1995, p. 82. 158 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 1995, p. 82.

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O plebiscito é na verdade uma consulta vaga, na qual a

população vota em uma proposta se, no entanto, entrar no seu mérito, como ocorreu

no ano de 1993 quando o povo brasileiro foi chamado à opinar sobre qual o regime

de governo o país deveria adotar, ou seja, se a monarquia, se o parlamentarismo, se

a república ou se o presidencialismo e, como bem se sabe os dois últimos tiveram a

preferência da sociedade brasileira159.

Moraes classifica o plebiscito como forma de participação

popular nos negócios do Estado e o diferencia, comparativamente ao referendo, em

razão do momento da sua realização:

Enquanto o plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos

no gozo de seus direito políticos, sobre determinada matéria a ser,

posteriormente, discutida pelo Congresso Nacional, o referendo

consiste em uma consulta posterior sobre determinado ato

governamental para ratificá-lo, ou no sentido de conceder-lhe eficácia

(condição suspensiva), ou, ainda, para restringir-lhe a eficácia

(condição resolutiva)160.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

prevê a figura do plebiscito nos artigos 1°, parágrafo único, 14, inciso I, 18,

parágrafos 3° e 4°, 49, inciso XV, bem como no artigo 2° do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias.

Os referidos dispositivos do texto constitucional assim tratam a

matéria:

Artigo 1° - [...]

Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Artigo 14 - A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito.

159 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional, 1996, p. 66. 160 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 2003, p. 237.

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Artigo 18 – [...]

§ 3° - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.

§ 4° - A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

Artigo 49 - É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

[...]

XV - autorizar referendo e convocar plebiscito.

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

Artigo 2° - No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.

§ 1° - Será assegurada gratuidade na livre divulgação dessas formas e sistemas, através dos meios de comunicação de massa cessionários de serviço público.

§ 2° - O Tribunal Superior Eleitoral, promulgada a Constituição, expedirá as normas regulamentadoras deste artigo.

Quanto aos seus efeitos, o plebiscito pode ter um caráter

confirmatório ou resolutório, caso o povo, ratifique ou não o fato sobre qual foi

chamado a pronunciar-se. Outras vezes, ele constitui uma condição suspensiva que

terá ou não lugar, acorde à manifestação da vontade popular161.

Assim, pode-se dizer que o plebiscito se presta para casos de

alta relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa (artigo 2°, da

Lei 9709/98). O manejo do plebiscito não se coaduna a qualquer situação, portanto.

161 ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral, 1977. p. 316-317.

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E isso é próprio do sistema semidireto, de regra, como visto, representativo. Se há

representantes eleitos e todo um processo para a respectiva escolha, não há razão

para que os representados se manifestem a todo o momento na criação de novas

leis.

Entende-se, de acordo com toda a legislação que aborda o

assunto que entre as questões de alta relevância, passíveis de consulta plebiscitária,

podem ser citadas as seguintes: a) Na hipótese prevista no artigo 18, § 3° da

Constituição Federal. Trata-se da incorporação entre si de Estados, bem como

subdivisão e desmembramento para anexação a outros, ou formação de novos

Estados ou Territórios Federais; b) questões de relevância nacional, de competência

do Poder Legislativo ou do Poder Executivo (artigo 3° da Lei 9709/98); c) criação,

incorporação, fusão e desmembramento de Municípios (artigo 18, § 4° da

Constituição Federal); d) questões de competência dos Estados e do Distrito Federal

(artigo 6°, Lei 7909/98); e) questões de competência dos Municípios (artigo 6°, Lei

7909/98).

Vale ressaltar que a consulta vincula o Poder Legislativo e o

Poder Executivo, conforme o caso de tal modo que “os poderes constituídos ficam

legalmente inibidos de produzir leis ou atos administrativos em sentido contrário ao

das respostas majoritárias do eleitorado”162.

O artigo 18, § 3º da Constituição Federal reza que os Estados

podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a

outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da

população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional,

por lei complementar. Nesse caso o plebiscito é convocado mediante decreto

legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem

qualquer das Casas do Congresso Nacional. Vale dizer que a inexistência do

número mínimo de assinaturas na proposta inviabiliza a incorporação entre si, bem

como a subdivisão ou desmembramento dos Estados para se anexarem a outros, ou

formarem novos Estados ou Territórios Federais, já que o plebiscito é requisito

fundamental para que isso seja viabilizado, segundo a dicção constitucional. A

162 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional, 1996, p. 67.

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tramitação do projeto de plebiscito deve constar do Regimento Comum do

Congresso Nacional, consoante disposição do artigo 12 da Lei 9709/98.

Aprovado o ato convocatório do plebiscito, reza o artigo 8° da

Lei 9709/98, o Presidente do Congresso Nacional dará ciência à Justiça Eleitoral, a

quem incumbirá, nos limites de sua circunscrição, fixar a data da consulta popular,

tornar pública a cédula respectiva, expedir instruções para a realização do plebiscito

e assegurar a gratuidade nos meios de comunicação de massa concessionários de

serviço público, aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organizadas pela

sociedade civil em torno da matéria em questão, para a divulgação de seus

postulados referentes ao tema sob consulta163.

O artigo 7° da Lei 9709/98 deixa claro que o plebiscito deverá

ser realizado tanto no território que se pretende desmembrar quanto no que sofrerá

desmembramento. O mesmo artigo é expresso também quanto à anexação, que

obriga a consulta à população tanto da área que se quer anexar quanto da área que

receberá o acréscimo.

Dispõe o parágrafo primeiro do artigo 4° da Lei 9709/98 que

proclamado o resultado da consulta plebiscitária, sendo favorável à alteração

territorial, será proposto projeto de lei complementar perante qualquer das Casas do

Congresso Nacional. A vontade popular se aferirá pelo percentual que se manifestar

em relação ao total da população consultada e o plebiscito é considerado aprovado

ou rejeitado por maioria simples, de acordo com o resultado homologado pelo

Tribunal Superior Eleitoral.

A resposta negativa e soberana da população à consulta

plebiscitária inviabiliza a incorporação entre si de Estados, bem como subdivisão e

desmembramento para anexação a outros, ou formação de novos Estados ou

Territórios Federais frustrando intenção do Congresso Nacional nesse sentido.

Moraes assevera que:

Note que se o plebiscito for desfavorável, o procedimento estará encerrado, constituindo, pois, a aprovação das populações diretamente interessadas, verdadeira condição de procedibilidade do

163 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional, 1996, p. 67.

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processo legislativo da lei complementar. Caso, porém, haja aprovação plebiscitária, o Congresso Nacional, soberanamente, decidirá pela aprovação ou não da lei complementar. Em síntese, a negativa no plebiscito impede o processo legislativo; enquanto a concordância dos interessados permite que o projeto de lei complementar seja discutido no Congresso Nacional, sem contudo vinculá-lo, pois esse deverá zelar pelo interesse geral da República Federativa e não somente pelo das populações diretamente interessadas164.

Se o caso é de relevância nacional, de competência do Poder

Legislativo ou do Poder Executivo, o plebiscito é convocado mediante decreto

legislativo por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem

qualquer das Casas do Congresso Nacional. A tramitação do projeto de plebiscito

está atrelada às normas do Regimento Comum do Congresso Nacional, segundo

disposição da Lei 9709/98, de acordo com o seu artigo 12.

Cabe, ressaltar ainda que não se aplicam aos plebiscitos as

regras comuns sobre propaganda eleitoral, as disposições sobre financiamentos,

recursos financeiros e prestações de contas das campanhas, as normas sobre a

fiscalização partidária à votação e à apuração e as regras sobre crimes e processos

penais eleitorais. Quis dizer o autor, com isso, que a Justiça Eleitoral deverá expedir

instruções à realização de cada plebiscito, de forma independente.

O plebiscito destinado à criação, incorporação, fusão e

desmembramento de Municípios é convocado pela respectiva Assembléia

Legislativa, de conformidade com a legislação federal e estadual (artigo 5°, Lei

9709/98). Resulta disso que cada Estado poderá ter disposições próprias para a

criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios. Em outras palavras,

a criação de Município em um Estado poderá ser mais fácil e envolver menos

requisitos do que em outro Estado, detentor de legislação mais rigorosa. De

qualquer sorte, a deliberação inicial da Assembléia Legislativa é o início de um ato

complexo, cujo átimo derradeiro é a edição da lei criando o novo município.

As questões de alta relevância, de natureza constitucional,

legislativa ou administrativa, de competência dos Estados e Distrito Federal, a serem

decididas através de plebiscito, são definidas na respectiva Constituição Estadual

164 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 2003, p. 631.

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(artigo 6°, Lei 9709/98). Como bem se observa, os Estados são detentores de

autonomia o que pode resultar na diversidade de critérios entre cada um. O que é de

alta relevância para um Estado poderá não ser para outro.

Por fim, as questões de alta relevância, de natureza

constitucional, legislativa ou administrativa, de competência dos Municípios, a serem

decididas através de plebiscito, são definidas na respectiva Lei Orgânica (artigo 6°,

Lei 9709/98).

De todo o exposto, importa ressaltar ser o plebiscito uma

expressão da vontade do povo, nunca do Estado do qual aquele povo é ou poderá

vir a ser integrante. Daí a conseqüência de que ele jamais pode ser compreendido

como um ato de um sujeito de direito internacional, não obstante seja previsto,

imposto ou autorizado por um tratado internacional e se desenvolva com as

garantias e sob os controles por este disciplinados.

3.2 O REFERENDO

Tradicionalmente, o referendo é a forma mais comum de

intervenção da população no processo legislativo de um país, trata-se da

manifestação do corpo eleitoral a respeito de um ato normativo ou de uma lei e

raramente ou excepcionalmente sobre questões de ordem administrativa165.

O termo referendo origina-se da expressão «ad referendum» e

tem suas raízes nos cantões suíços, como Valais e Grisons, por volta do século XV,

tendo sido implementado à época com o objetivo de validar perante os cidadãos as

decisões emanadas das Assembléias cantonais166.

Assim, o referendo se apresenta como “uma forma de

manifestação popular, em que o eleitor aprova ou rejeita uma atitude

governamental”167.

165 RUFFIA, Paolo Biscaretti di. Direito constitucional: instituições de direito público, 1984, p. 373. 166 BENEVITES, Maria Victória de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa

popular. 3. ed. São Paulo: Ática, 2003, p. 34. 167 BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 1998, p. 273.

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De acordo com Moraes:

Exemplo clássico de utilização de referendo refere-se às chamadas constituições cesaristas, que não obstante outorgadas, ou seja, elaboradas e estabelecidas sem a participação popular, por meio de imposição do poder da época, dependem de ratificação popular168.

De maneira mais conceitual, o referendo nada mais é do que

um poder conferido aos cidadãos para aprovarem ou não, determinada legislação

anteriormente discutida e votada pelo Poder Legislativo169.

O referendo, nas palavras de Miranda é:

[...] a votação popular por sufrágio individual e direto dos cidadãos,

tendente a uma deliberação política (ou mais raramente,

administrativa), a uma indicação aos órgãos de governo ou de gestão

e, porventura, a outros efeitos constitucional ou legalmente

previstos170.

Silva apresenta a seguinte distinção entre referendo e

plebiscito:

No referendo a consulta não é vaga, não visa ao rótulo, mas atinge diretamente o conteúdo. Por exemplo, se a consulta de 1993 tivesse sido feita através de referendo, a alternativa colocada ao eleitor deveria detalhar cada qual dos regimes e sistemas: monarquia, com um rei ou imperador com tais e tais poderes; parlamentarismo, com um Conselho de Ministros com tais e tais poderes, e assim sucessivamente171.

Para Azambuja, o referendo “é o que mais aproxima o Governo

da democracia pura, mas também é o mais complexo, tanto por sua intimidade com

outros instrumentos, como o plebiscito e o veto popular, como pelas diferentes

classificações que abriga”172.

168 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 2003, p. 539. 169 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 1995, p. 82. 170 MIRANDA, Jorge. Estudos de direito eleitoral. Lisboa: LEX, 1995, p. 108. 171 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional, 1996, p. 66. 172 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, 2005, p. 228.

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Em sentido lato, consiste na consulta à população sobre

emendamentos constitucionais ou até sanção de leis ordinárias, quando esta inferir

sobre interesse público nacional.

Para Bonavides “com o referendum, o povo adquire o poder de

sancionar leis”173, cabendo ao Parlamento apenas elaborar a lei e à população a

capacidade de torná-la juridicamente perfeita e obrigatória, depois de sua aprovação

por sufrágio.

O referendo é uma consulta realizada posteriormente a

respeito de determinado ato emanado por algum dos Poderes do Estado visando

ratificá-la ou não, ou ainda, conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou para

restringir-lhe a eficácia (condição resolutiva)174.

Vale ressaltar, ainda, que existem várias formas de se utilizar a

consulta à sociedade por meio do instituto do referendo, podendo o mesmo ter como

objeto inclusive Emenda Constitucional175.

Trata-se de um direito do corpo eleitoral de aprovar ou não as

decisões das autoridades legislativas ordinárias176, "respeitando os princípios

básicos do Estado de Direito democrático-constitucional, tanto no procedimento

como no seu conteúdo e sentido”177.

No tocante à classificação das espécies de referendo e suas

aplicações pode-se dizer que o mesmo é aplicado em questões de ordem pública

referentes à matéria discutida na legislação referendada, quanto ao tempo para a

sua vigência; quanto à sua eficácia e quanto à sua fundamentação jurídica178.

173 BONAVIDES, Paulo. Ciência política, 1998, p. 282. 174 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação Constitucional. 3.

ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 237. 175 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 1995, p. 82. 176 GÁRCIA-PELAYO, Manuel. Derecho constitucional comparado, 1984, p.183. 177 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 1993, p. 127. 178 RUFFIA, Paolo Biscaretti di. Direito constitucional: instituições de direito público, 1984, p. 374.

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Quanto ao tempo o referendo é classificado em sucessivo ou

, "quando se segue cronologicamente ao ato estatal, para conferir-lhe ou

tolher-lhe validade ou eficácia" e preventivo ou , também denominado,

consultivo ou programático, quando precede o ato legislativo e/ou administrativo,

fixando para ele princípios gerais180.

No referendo preventivo busca-se conhecer, a princípio o

"pensamento da massa eleitoral" acerca do conteúdo de norma jurídica futura181.

Quanto ao fundamento: em obrigatório, quando a Constituição

o imponha como necessário à formulação da norma jurídica e facultativo, "quando se

confere a determinado órgão ou uma parcela do corpo eleitoral, competência para

fazer ou requerer consulta aos eleitores, consulta esta que não representa obrigação

constitucional"182.

Quanto aos efeitos ou eficácia: em constitutivo e ab-rogativo. O

primeiro visa conferir validade ou eficácia à norma legal; o segundo, ao contrário,

visa abrogar a norma vigente, fazendo-a expirar183.

Nenhum outro instituto de Direito Constitucional aproxima tanto, quanto ele, o governo da democracia pura. Entre os processos de racionalização do poder, o é o mais direto e perfeito. Por ele a opinião dos cidadãos se expressa de maneira insofismável e intervém imediatamente no governo do Estado184.

179 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. V. 1.,São Paulo: Saraiva, 1989, p.

302. 180 RUFFIA, Paolo Biscaretti di. Direito constitucional: instituições de direito público, 1984, p. 374. 181 BONAVIDES, Paulo. Ciência política, 1998, p. 341. 182 BONAVIDES, Paulo. Ciência política, 1998, p. 341. 183 RUFFIA, Paolo Biscaretti di. Direito constitucional: instituições de direito público, 1984, p. 374. 184 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, 2005, p. 228.

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Pode-se dizer que efetivamente, o referendo obsta a

onipotência eventual das assembléias parlamentares, impedindo que deputados e

senadores votem leis opressivas, assegurando à Nação o exercício da soberania

plena que a democracia representativa anula.

Ademais, é inegável sua função pedagógica ao promover a

educação política e cívica do cidadão, forçando-o a "conhecer os problemas do país

e empenhar sua responsabilidade na gestão dos negócios do Estado"185.

Trata-se de uma excelente maneira de garantir a estabilidade

do regime, pois uma lei, ao ser aprovada diretamente pelo povo, reveste-se de maior

legitimidade, resultando em benefício para a própria autoridade executora.

Na Constituição da República Federativa do Brasil o referendo

está previsto nos artigos 1°, parágrafo único, 14, inciso II, 49, inciso XV.

Artigo 1° - [...]

Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Artigo 14 - A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

II - referendo.

Artigo 49 - É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

XV - autorizar referendo e convocar plebiscito.

Na legislação infraconstitucional o referendo está regulado pela

Lei 9709/98 que o conceitua como um dos meios de exercício da soberania popular

(artigo 1°, II).

185 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, 2005, p. 228-229.

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O referendo, segundo o artigo 2°, § 2° da Lei 9709/98, é

convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo. Sendo posterior,

pressupõe produção normativa anterior. Cabe ao povo, portanto, no instituto do

referendo, ratificar ou rejeitar o ato legislativo ou administrativo sob a sua

apreciação.

Segundo o artigo 2° da Lei 9709/98 o referendo se destina a

casos de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou

administrativa. Da mesma forma como ocorre com o plebiscito, o instituto do

referendo não pode se prestar para decisão de qualquer situação já que uma das

funções do sistema semidireto (de regra representativo, como visto anteriormente) é

eleger representantes para isso, não havendo razão para que os representados se

manifestem a todo o momento na criação de novas leis.

Como questões de alta relevância, passíveis de referendo,

podem ser citadas as seguintes: a) questões de relevância nacional, de

competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo (artigo 3º da Lei 9709/98);

b) questões de competência dos Estados e do Distrito Federal (artigo 6º, Lei

7909/98); c) questões de competência dos Municípios (artigo 6º, Lei 7909/98).

Vale observar que a consulta vincula o Poder Legislativo e o

Poder Executivo, conforme o caso. “Os Poderes constituídos ficam legalmente

inibidos de produzir leis ou atos administrativos em sentido contrário ao das

respostas majoritárias do eleitorado”186.

Se o caso é de relevância nacional, de competência do Poder

Legislativo ou do Poder Executivo, o referendo é convocado mediante decreto

legislativo por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem

quaisquer das Casas do Congresso Nacional. A tramitação do projeto de referendo

está atrelada às normas do Regimento Comum do Congresso Nacional, segundo

disposição da Lei 9709/98, de acordo com o seu artigo 12. Mesmo que a matéria

seja de competência do Poder Executivo, é da competência exclusiva do Congresso

186 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional, 1996, p. 67.

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Nacional autorizar o referendo, consoante se extrai do artigo 49, XV da Constituição

Federal187.

Assim sendo, como questões de relevância nacional, de

competência do Poder Legislativo, poder-se-iam citar, a título de exemplo, além das

competências previstas no Capítulo I do Título IV da Constituição Federal, quaisquer

daquelas que resultem em emendas à Constituição, leis complementares, leis

ordinárias, decretos legislativos e resoluções do Congresso Nacional.

Questões de competência do Executivo são aquelas, dentre

outras, arroladas no Capítulo II do Título IV da Constituição Federal. Some-se a

estas aquelas que resultem em Medidas Provisórias ou Leis Delegadas. Ressalta-

se que, a despeito do que se exemplificou acima, que o ordenamento brasileiro

deixa vasto campo para a aplicação do instituto, não havendo vedação explícita em

relação a certas matérias. O critério, no entanto, é que a matéria deve se relacionar

diretamente com a consulta popular188.

Aprovado o ato que autoriza o referendo, reza o artigo 8º da Lei

9709/98, o Presidente do Congresso Nacional dará ciência à Justiça Eleitoral, a

quem incumbirá, nos limites de sua circunscrição, fixar a data da consulta popular,

tornar pública a cédula respectiva, expedir instruções para a realização do referendo

e assegurar a gratuidade nos meios de comunicação de massa concessionários de

serviço público, aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organizadas pela

sociedade civil em torno da matéria em questão, para a divulgação de seus

postulados referentes ao tema sob consulta.

O referendo, segundo o artigo 10 da Lei 9709/98, é

considerado aprovado ou rejeitado por maioria simples, de acordo com o resultado

homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Observação a ser feita é que o ato

legislativo ou administrativo, para ser objeto de referendo, deve se relacionar de

maneira direta com a consulta popular, segundo a dicção do artigo 11 da Lei

9709/98.

187 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional, 1996, p. 67. 188 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional, 1996, p. 68.

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67

Isso se deve ao fato de que, segundo Ruffia:

[...] se tem ressaltado como o corpo eleitoral, ainda que idôneo para escolher determinadas pessoas, dificilmente é capaz de decidir de modo direto questões complexas (e, com efeito, em todas as partes lhe são subtraídas certas matérias), tanto mais quando não há possibilidade de debate sobre os artigos ou pontos controvertidos, mas só a lacônica expressão de um voto geral, positivo ou negativo189.

No Brasil não há um órgão explicitamente autorizado a verificar

se o ato passível de referendo se relaciona de alguma forma com a consulta

popular. Quanto à Justiça Eleitoral, a disposição do artigo 8° da Lei 9709/98

determina que a mesma apenas viabilizará o processo de aferição da vontade

popular. De qualquer sorte, acaso o Congresso Nacional autorize referendo

eventualmente descabido, é possível a revisão do ato pelo Poder Judiciário, em face

do que preceitua o artigo 5°, XXXV190.

Por ser posterior a ato legislativo ou administrativo, reza o

artigo 11 da lei 9709/98 que o referendo pode ser convocado no prazo de 30 dias, a

partir da promulgação de lei ou adoção de medida administrativa. Questão que

surge é aquela atinente ao referendo convocado em prazo posterior a 30 dias da

promulgação da lei ou adoção da medida administrativa. Os defensores dessa

possibilidade poderão referir que o legislador, ao utilizar-se do vocábulo pode,

estaria conferindo uma faculdade quanto à observação do prazo. Entretanto, a tese

que parece melhor atender à regra legal é aquela que se coaduna com a

observação do prazo de 30 dias. Não haveria razão para o legislador explicitar um

prazo em número de dias e ao mesmo tempo referir que a observância desse lapso

é opcional. As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem

frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis191.

189 RUFFIA, Paolo Biscaretti di. Direito constitucional: instituições de direito público, 1984, p. 371 190 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional, 1996, p. 68. 191 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense.

1996, p. 250.

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68

3.3 A INICIATIVA POPULAR

Entende-se por iniciativa popular como sendo uma espécie de

poder conferido a uma parcela do eleitorado com vistas a produção ou proposição

de uma nova legislação mediante a apresentação de um projeto de lei, de tal modo

que, por meio da iniciativa legislativa popular os interesses da sociedade estarão

melhor representados do que nos casos do plebiscito e do referendo192.

Ruffia193, por sua vez ensina que “a iniciativa popular consiste

na atribuição de poder de iniciar o processo de revisão constitucional ou de

formação da lei formal a uma determinada fração do corpo eleitoral”.

Já para Bastos a iniciativa popular “é o direito de uma parcela

da população (um por cento do eleitorado) apresentar ao Poder Legislativo um

projeto de lei que deverá ser examinado e votado)”194.

A iniciativa popular, na Constituição da República Federativa

do Brasil, está prevista nos artigos 27, § 4°, 29, XIII, 61, caput e § 2°,que assim

dispõem:

Art. 27 - O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze.

§ 4° - A lei disporá sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual.

Art. 29 - O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

XIII - iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado.

192 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 1995, p. 82. 193 RUFFIA, Paolo Biscaretti di. Direito constitucional: instituições de direito público, 1984, p. 372. 194 BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 1998, p. 273.

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Art. 61 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

Para o tipo iniciativa popular, Bonavides195 discorre que, “de

todos os institutos da democracia semidireta o que mais atende às exigências

populares de participação positiva nos atos legislativos é talvez a iniciativa”, o que, a

partir do autor, representa um modelo que confere ao cidadão maiores condições

para participar da produção legislativa.

Configura-se, assim, num direito do eleitorado de propor ao

Poder Legislativo, projetos de lei, iniciando, ao lado de outros agentes políticos

(presidente da República, Tribunais Superiores, Deputados e Senadores), o

processo legislativo.

Devido à complexidade do processo de participação, que

engloba redação do texto (moção, projeto de lei ou emenda constitucional), coleta de

assinaturas, controle de constitucionalidade e aprovação da matéria, o sucesso varia

muito, visto que são materializadas itens como questões culturais e nível de

democratização da informação196.

De acordo com a lei 9709/98 a iniciativa popular consiste na

apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados. Quanto ao número de

assinaturas que deve conter o projeto a lei infraconstitucional repete a Constituição

Federal. O que não está na Constituição é que o projeto de lei de iniciativa popular

deverá circunscrever-se a um só assunto - é a dicção do parágrafo primeiro do artigo

13 da Lei 9709/98.

195 BONAVIDES, Paulo. Ciência política, 1998, p. 290. 196 BENEVITES, Maria Victória de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa

popular, 2003, p. 157.

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Tendo em vista a origem de tal projeto (a massa eleitora), o

legislador previu que não poderá haver qualquer rejeição por vício de forma. Nesse

caso, cabe à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a

correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação.

Corrigido o projeto, o mesmo seguirá as normas do Regimento Interno da Câmara

dos Deputados.

A iniciativa popular está restrita à apresentação de projetos de

leis complementares e ordinárias, consoante disposição expressa do artigo 61 da

Constituição Federal. O instituto não se presta, portanto, para a apresentação de

projetos de Emenda Constitucional, decretos legislativos ou resoluções (na esteira

do rol atinente ao processo legislativo previsto na Constituição Federal, artigo 59).

Com muito mais razão não cabe apresentação de projeto por iniciativa popular para

fins de medida provisória e leis delegadas, já que estas são elaboradas

exclusivamente pelo Presidente da República.

A iniciativa popular no processo legislativo estadual é matéria

de regulamentação infraconstitucional, segundo o que dispõe o artigo 27, § 4° da

Constituição Federal. É a respectiva Constituição Estadual que deve prever a

iniciativa popular de lei estadual. Decorre disso a variedade de critérios que cada

Estado poderá adotar para o exercício do mecanismo197.

Nos Municípios e na União, diferentemente, o exercício da

iniciativa popular independe de norma regulamentadora, posto que num ou noutro

caso as limitações formais e materiais já estão postas. Podem os populares do

Município apresentar proposições às Câmaras de Vereadores sobre assuntos locais,

desde que obtenham assinaturas de cinco por cento dos eleitores.

Na União, inobstante não pedir regulamentação para detalhar

limitações, materiais, formais ou circunstancias, pois o artigo autorizador já contém

os requisitos, o texto do dispositivo de iniciativa, ao cobrar uma matéria já formulada,

com esboço ao Parlamento, apõe uma extenuante limitação formal para sua

consecução a assinatura de um por cento do eleitorado nacional, distribuído ao

197 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação Constitucional,

2003, p. 553.

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menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento de eleitores

em cada um deles198.

Esse amontoado de rubricas deve passar, internamente, após

ordenação por Município, Estado, Território e Distrito Federal, pelo crivo da

conferência, uma a uma, com legibilidade e registro de identificadores eleitorais

confirmados199.

Neste sentido, Ferreira Filho ensina que: “Sendo rigorosas

essas exigências, não será fácil sejam apresentados projetos de lei de iniciativa

popular. Trata-se de instituto decorativo”200.

Diferentemente da previsão constitucional de iniciativa, as

sugestões legislativas poderão ser apresentadas diretamente à Comissão por

associações e órgãos de classe, sindicatos, organizações não-governamentais,

demais entidades organizadas da sociedade civil e mesmo órgãos oficiais que

disponham, em seus conselhos, paridade de representação entre civis e servidores.

Bastando, para isso, a apresentação de documentos que confirmem a atuação e o

registro da entidade.

198 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 2001, 498. 199 PACHECO, Luciano Botelho. Questões sobre processo legislativo e regimento interno.

Marcos Magro Nardon (Org.). Colaboração de Paula Ramos Mendes. Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 1998, p. 145-146.

200 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 1995, p. 207.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As técnicas utilizadas para alcançar esses valores

democráticos são variáveis, de acordo com períodos históricos determinados e a

experiência política de cada Estado.

A emanação da soberania popular pode ser exercida

juridicamente, por meio de três modelos: a democracia participativa ou direta, a

democracia representativa ou indireta e a democracia semidireta.

Na democracia direta o povo participa diretamente da vida

política do Estado exercendo os poderes governamentais, fazendo leis,

administrando e julgando. É, pois, aquela em que o povo exerce de modo imediato e

direto as funções públicas.

Na democracia indireta ou representativa, o povo não exerce

seu poder de modo imediato, mas pelos seus representantes, eleitos

periodicamente, a quem são delegadas as funções de governo.

A delegação do poder pelo cidadão, se de um lado permite

uma maior dinâmica na evolução do direito e na governabilidade do Estado em que

vive, de outro distancia o representado de decisões que, se consultado, optaria por

caminho diverso. Diante de tal quadro a democracia indireta viu-se amenizada no

sentido de permitir ao cidadão ao acesso à tomada de algumas decisões, mesmo

após a escolha do respectivo representante.

O Brasil possui mecanismos de participação direta tanto para

a iniciativa na criação de direito novo, como para ratificá-lo ou até mesmo autorizar a

sua criação. A iniciativa popular, o referendo e o plebiscito, portanto, devem ser

manejados de forma adequada, pois, como se viu, o que inicialmente foi feito para

possibilitar a fiscalização de certos atos dos escolhidos, por parte dos

representados, pode se transformar em instrumento de ratificação de atos contrários

à vontade cidadã. Isso se dá, como se viu, em países onde impera a crise de um

lado, e o domínio da mídia eletrônica, de outro.

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Talvez seja esse o motivo pelo qual o referendo e o plebiscito

devam ser convocados, no Brasil, exclusivamente pelo Congresso Nacional.

Presume-se, por enquanto, que os integrantes do Congresso estejam mais

preparados a autorizar a consulta plebiscitária ou convocar o referendo. Quanto às

leis de iniciativa popular, estas também devem passar pelo crivo dos representantes

escolhidos pelo eleito.

A democracia vigente no Brasil, portanto, ainda não permite a

criação, ratificação ou autorização para a criação do direito novo por vontade única

do representado. A democracia semidireta brasileira permite, apenas, tímida

participação popular nas tarefas de competência dos representados.

Os instrumentos de democracia semidireta, como apostos

atualmente, são resultado não só de construções políticos-processuais. Perpassam

limitações formais ou materiais e exigem, como pressuposto, até para se fazê-la

consecutar, de formação social consistente, em toda sua complexidade, agindo

como mecanismo indutor e controlador, impetrando meios de freios e contrapesos,

nesse via de exercício da cidadania, afora o tripé de Poderes constituídos.

No Brasil, em compensação à limitada utilização de institutos

como o plebiscito e referendo, a capacidade de iniciativa popular, como texto

originário, e a apresentação formal mais célere por meio da legislação participativa,

apresentam mecanismos para construção de uma cultura popular de democracia

semidireta.

Como instrumento inovador de engenharia parlamentar, até

para os parâmetros europeus e americanos, dada sua limitação formal reduzida, a

legislação participativa, oriunda da Câmara Federal e já presente no Senado da

República e em várias Assembléias Estaduais e Câmaras de Vereadores poderá,

além de fortalecer a organização e presença popular no Legislativo, responder a um

dos maiores gargalos da democracia contemporânea, qual seja a incapacidade,

numa sociedade de massas, de aproximar os representantes do representado, o

eleito do eleitor.

Finalmente se retoma as hipóteses levantadas no início do

presente trabalho, ou seja:

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a) A Constituição Federal brasileira de 1988 adotou qual

modelo de Estado;

b) As principais formas de participação popular no processo

legislativo brasileiro são o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.

No que diz respeito à primeira hipótese ficou demonstrado que

a Constituição Federal de 1988 adotou o Estado Federativo Democrático de Direito

como modelo de Estado para reger o Brasil.

Quanto à segunda hipótese a mesma ficou comprovada, uma

vez que o legislador constitucional e infraconstitucional brasileiro colocou à

disposição da sociedade três formas básicas de participação no processo legislativo,

que é o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular que são instrumentos

democráticos tanto do exercício de direitos como de controle sobre as atividades do

Estado.

Alerta-se que o presente trabalho não pretende por um ponto

final na pesquisa, mas sim servir como uma base e fonte de referência para futuros

trabalhos a respeito do tema ou mesmo de outras matérias correlacionadas com os

assuntos ora abordados.

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