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1 A Educação de surdos na Educação Superior por meio das Tecnologias Digitais G. OLIANI¹, E. ROCHA² e L. V. R. NASCIMENTO¹ ¹Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Faculdade de Educação, Campinas, Brasil. ²Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Engenharia de Produção PPGEP São Leopoldo, Brasil. RESUMO - O surgimento das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) tem proporcionado condições para que a Educação Superior possa explorar as potencialidades comunicativas, pedagógicas e didáticas em cursos na modalidade Educação Semipresencial. Tal processo possibilita que novos modos de ensino e aprendizagem contribuam para a promoção de diferentes programas educacionais. Ressaltamos as tecnologias síncronas que possibilitam a comunicação audiovisual em tempo real como a videoconferência e as tecnologias assíncronas como os Ambientes Virtuais de Ensino e Aprendizagem (AVEA), que possibilitam, entre outras, a criação de repositórios com os conteúdos em formatos de textos, vídeos e outros. No presente texto trataremos da experiência vivida com a utilização das TDIC durante o oferecimento do Curso de Graduação em Letras - LIBRAS Licenciatura em Língua Brasileira de Sinais oferecido na modalidade Educação Semipresencial no período de julho de 2008 a julho de 2012 pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) por meio de videoconferência e de AVEA. Participaram do curso aproximadamente 900 alunos, alocados na sede, a UFSC, e em 14 polos no Brasil, entre eles a Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), onde se desenvolveu a experiência com a participação de 60 alunos, sendo 30 alunos do Curso de Bacharelado e 30 alunos do curso de Licenciatura. O curso teve como objetivo geral na Licenciatura formar professores para atuar no ensino de LIBRAS como primeira e segunda língua. No Bacharelado teve o objetivo de formar tradutores e intérpretes de LIBRAS. Embora o Projeto da UFSC ofereceu as duas categorias de cursos, Licenciatura e Bacharelado, no presente artigo trataremos do curso de Licenciatura. Palavras Chave: Educação Semipresencial; Educação Superior; LIBRAS; Surdos; Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação. Introdução O presente texto discorre sobre a experiência vivida no período de julho de 2008 a julho de 2012 durante o oferecimento do curso de graduação Letras - LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) - Licenciatura, na modalidade semipresencial, oferecido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), campus Trindade, na cidade de Florianópolis, Brasil. Descrevemos as experiências práticas com a utilização das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) vividas no decorrer do curso que, a nosso entender contribui com o processo pedagógico para a formação de sujeitos surdos. Muitas das questões que se colocam sobre leitura, escrita, interpretação, ensino e aprendizagem com propostas visuais foram averiguadas, partilhadas e registradas no decorrer do oferecimento do curso, e são trazidas como forma de registro do cotidiano e de se repensar as práticas que podem ser norteadoras para propostas de ensino bilíngue para sujeitos surdos na Educação Superior. O curso que teve como foco integrar as políticas de inclusão social e de diversidade da UFSC, foi implementado pela Secretaria de Educação a Distância, pelo Centro de Comunicação e Expressão (CCE) e pelo Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. O ingresso dos alunos, que teve questões em LIBRAS, deu-se por meio de Processo Seletivo Especial da Comissão Permanente do Vestibular (COPERVE) da UFSC, em conformidade com critérios definidos pela Coordenação Geral e pela equipe pedagógica do curso. O curso contou com uma Coordenação Geral na UFSC e uma Coordenação em cada polo. A integralização curricular de Licenciatura foi ICBL2013 – International Conference on Interactive Computer aided Blended Learning Page 64

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A Educação de surdos na Educação Superior por meio das Tecnologias Digitais

G. OLIANI¹, E. ROCHA² e L. V. R. NASCIMENTO¹ ¹Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Faculdade de Educação, Campinas, Brasil.

²Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Engenharia de Produção – PPGEP

São Leopoldo, Brasil.

RESUMO - O surgimento das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) tem proporcionado condições para que a Educação Superior possa explorar as potencialidades comunicativas, pedagógicas e didáticas em cursos na modalidade Educação Semipresencial. Tal processo possibilita que novos modos de ensino e aprendizagem contribuam para a promoção de diferentes programas educacionais. Ressaltamos as tecnologias síncronas que possibilitam a comunicação audiovisual em tempo real como a videoconferência e as tecnologias assíncronas como os Ambientes Virtuais de Ensino e Aprendizagem (AVEA), que possibilitam, entre outras, a criação de repositórios com os conteúdos em formatos de textos, vídeos e outros. No presente texto trataremos da experiência vivida com a utilização das TDIC durante o oferecimento do Curso de Graduação em Letras - LIBRAS – Licenciatura em Língua Brasileira de Sinais oferecido na modalidade Educação Semipresencial no período de julho de 2008 a julho de 2012 pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) por meio de videoconferência e de AVEA. Participaram do curso aproximadamente 900 alunos, alocados na sede, a UFSC, e em 14 polos no Brasil, entre eles a Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), onde se desenvolveu a experiência com a participação de 60 alunos, sendo 30 alunos do Curso de Bacharelado e 30 alunos do curso de Licenciatura. O curso teve como objetivo geral na Licenciatura formar professores para atuar no ensino de LIBRAS como primeira e segunda língua. No Bacharelado teve o objetivo de formar tradutores e intérpretes de LIBRAS. Embora o Projeto da UFSC ofereceu as duas categorias de cursos, Licenciatura e Bacharelado, no presente artigo trataremos do curso de Licenciatura. Palavras Chave: Educação Semipresencial; Educação Superior; LIBRAS; Surdos; Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação.

Introdução

O presente texto discorre sobre a experiência

vivida no período de julho de 2008 a julho de 2012 durante o oferecimento do curso de graduação Letras - LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) - Licenciatura, na modalidade semipresencial, oferecido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), campus Trindade, na cidade de Florianópolis, Brasil.

Descrevemos as experiências práticas com a utilização das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) vividas no decorrer do curso que, a nosso entender contribui com o processo pedagógico para a formação de sujeitos surdos. Muitas das questões que se colocam sobre leitura, escrita, interpretação, ensino e aprendizagem com propostas visuais foram averiguadas, partilhadas e registradas no decorrer do oferecimento do curso, e são trazidas como forma de registro do cotidiano e de se repensar as práticas que podem ser norteadoras para propostas de ensino bilíngue para sujeitos surdos na Educação Superior.

O curso que teve como foco integrar as políticas de inclusão social e de diversidade da UFSC, foi implementado pela Secretaria de Educação a Distância, pelo Centro de Comunicação e Expressão (CCE) e pelo Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. O ingresso dos alunos, que teve questões em LIBRAS, deu-se por meio de Processo Seletivo Especial da Comissão Permanente do Vestibular (COPERVE) da UFSC, em conformidade com critérios definidos pela Coordenação Geral e pela equipe pedagógica do curso. O curso contou com uma Coordenação Geral na UFSC e uma Coordenação em cada polo. A integralização curricular de Licenciatura foi

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organizada em oito períodos, totalizando 3.000 horas distribuídas como segue: 600 horas como conhecimentos básicos da área; 1020 horas como conhecimentos específicos; 750 como conhecimentos pedagógicos; 420 horas de prática como componente curricular; 420 horas de estágio supervisionado e 210 horas como atividades acadêmico-científico-culturais que focava os aspectos flexíveis e transversais do currículo.

Os objetivos gerais do curso foi o de formar professores para atuar no ensino da LIBRAS como primeira e segunda língua, foi estruturado com os seguintes órgãos de apoio: Secretaria Geral na sede e uma Secretaria em cada polo; Setor de Registro Acadêmico, sediado na UFSC; Coordenação Pedagógica; Coordenação de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem (AVEA); Docentes das disciplinas e Tutores, na sede e nos polos.

A Coordenação Pedagógica teve como atribuição o planejamento geral do curso, os aspectos pedagógicos e a análise e a aprovação dos materiais didáticos.

A Coordenação do AVEA teve as seguintes atribuições: customizar a plataforma de acordo com as demandas pedagógicas e gráficas do curso; produzir os vídeos, as hipermídias e os demais materiais midiáticos; preparar as equipes técnicas e os alunos no tocante a exploração das potencialidades tecnológicas e midiáticas do AVEA, e implantar e manter o site do curso.

O curso foi oferecido para 14 polos e a sede, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), totalizando 15 locais para o acolhimento dos alunos. As Instituições de Ensino Superior que atuaram como polos foram: Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Universidade Federal do Ceará (UFC); Universidade Federal da Bahia (UFBA); Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); Universidade de Brasilia (UnB); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Universidade Federal do Paraná (UFPR); Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Universidade do Estado do Pará (UEPA); Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFET-RN); Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás (CEFET-GO); Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) e o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), localizado no estado do Rio de Janeiro, Brasil.

As aulas ocorreram aos sábados e domingos, uma vez ao mês, no horário das 8:00 h as 12:00 h e das 14:00 h as 18:00 h. Portanto, nos dias de aulas tornava-se necessário que os equipamentos de videoconferências estivessem preparados até as 7:45 h para a UFSC conectá-los.

O curso Letras LIBRAS no polo Unicamp Embora para fins contratuais da sede com os

polos o curso foi considerado pela Universidade Federal de Santa Catarina como oferecimento na modalidade Educação a Distância (EaD), tendo-se como referência a sede, quando se tem como referência o polo UNICAMP o curso pode ser considerado na modalidade Educação Semipresencial, pois os alunos tiveram atividades a distância por meio da videoconferência e do AVEA e atividades presenciais, com a participação das tutoras no polo UNICAMP. Visando elucidar sobre o assunto, ressaltamos os conceitos de Educação a Distância com Moran (2002a),

Educação a distância é o processo de ensino-

aprendizagem, mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente. É ensino/aprendizagem onde professores e alunos não estão normalmente juntos, fisicamente, mas podem estar conectados, interligados por tecnologias, principalmente as telemáticas, como a Internet.

No tocante a Educação Semipresencial, Moran

(2002b), o autor nos traz que, A semi-presencial acontece em parte na sala de

aula e outra parte a distância, através de tecnologias. A educação a distância pode ter ou não momentos presenciais, mas acontece fundamentalmente com professores e alunos separados fisicamente no espaço e ou no tempo, mas podendo estar juntos através de tecnologias de comunicação.

O Curso de Licenciatura em Letras com

habilitação em LIBRAS teve como objetivo formar professores para atuar no ensino da língua de sinais como primeira e segunda língua, sendo que a maioria dos alunos eram sujeitos surdos.

Esta formação foi possível por conta de toda a estrutura do curso ter sido oferecida em LIBRAS. A UFSC ofereceu educadores fluentes na língua de sinais e reconstruiu um currículo que atendesse as peculiaridades dos alunos, neste caso, surdos. Desta forma, o objetivo do curso, além da formação acadêmica, foi o da disseminação da diferença surda, na afirmação da capacidade destes sujeitos, atendendo o Decreto vigente, que afirma a necessidade de ofertas de cursos que formem professores em LIBRAS para atender as disciplinas abertas nas licenciaturas no ensino superior.

O oferecimento do curso veio no bojo de várias atitudes políticas, resultado da mobilização

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dos próprios surdos pelo reconhecimento de sua língua e pela inserção da LIBRAS nos seus processos educacionais. Ter professores surdos de LIBRAS revelou-se como uma necessidade, naquele momento, para atender a duas exigências do Decreto 5.626/05, a saber: ter professores surdos para compor o quadro de professores nas escolas e classes que se estruturavam dentro de um processo de educação bilíngue para crianças e jovens surdos, e promover a formação de professores para os cursos universitários de formação de professores.

O curso foi ministrado nas instalações físicas da sala de videoconferências da Faculdade de Educação (FE) da UNICAMP, no campus da cidade de Campinas, estado de São Paulo, Brasil. Neste local ocorreram as aulas por meio do sistema de videoconferências conectado simultaneamente com a sede, a Universidade Federal de Santa Catarina, e com os demais polos. As aulas presenciais ocorreram nas salas de aulas convencionais da FE, onde os alunos participaram das atividades presenciais com as tutoras do polo utilizando-se dos recursos tecnológicos disponíveis nas mesmas, tais como: microcomputadores; notebooks; projetores multimídias, aparelhos de DVD; filmadoras, internet banda larga e outros. Moran (2012), diz que,

Podemos ensinar e aprender com programas

que incluam o melhor da educação presencial com as novas formas de comunicação virtual. Há momentos em que vale a pena encontrar-nos fisicamente – no começo e no final de um assunto ou de um curso. Há outros em que aprendemos mais estando cada um no seu espaço habitual, mas conectados com os demais colegas e professores, para intercâmbio constante, tornando real o conceito de educação permanente (MORAN, 2012, p. 57).

Para oferecer o curso e propiciar condições para

o acolhimento dos alunos, o polo UNICAMP contou com as seguintes equipes: uma coordenação; uma tutora com fluência na língua de sinais; uma interprete para a comunicação pertinente a atividades acadêmicas com a secretaria do polo; uma equipe de apoio técnico; uma equipe de apoio acadêmico; equipes de apoio à infraestrutura tais como de segurança, de limpeza, de alimentação e outras. Todas as equipes atuaram como se fosse equipe única. Cada equipe com a sua contribuição proporcionou condições apropriadas para receber os alunos durante os encontros presenciais e para viabilizar o oferecimento do curso aos mesmos.

Os alunos

Os alunos do polo UNICAMP residiam em

distintas cidades do estado de São Paulo, sendo que alguns moravam em locais com distâncias de até aproximadamente 600 km da cidade de Campinas, o que demandava o tempo estimado de nove horas de deslocamento por meio terrestre para os alunos assistirem aulas na FE. Portanto, o empenho dos alunos para assistirem as aulas por meio de sessões de videoconferências e para participarem das atividades presenciais com as tutoras, tinha que ser reconhecido por todos os integrantes da equipe do polo. Ainda, tornava-se necessário que a equipe pedagógica do polo motivasse o aluno à sua participação intensiva nas aulas e nas atividades com as tutoras, de forma que fossem propiciadas condições para que ocorresse maior interação entre todos: alunos, professores e tutoras, de forma que fosse minimizada a evasão de alunos do curso, pois segundo Masetto (2003), Almeida (2003), Moore (2008) e Belloni (2008) a interação é considerado um dos fatores que mais pode contribuir com a boa qualidade dos cursos na modalidade semipresencial utilizando-se de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação e que pode minimizar a evasão de alunos de um curso.

Diante do empenho dos alunos para se deslocarem até a cidade de Campinas, tornava-se imprescindível que todos os integrantes da equipe do polo UNICAMP cumprissem as suas atribuições com agilidade, dinâmica, e comprometimento. Ainda, de forma que fossem proporcionadas condições para que as aulas ocorressem com êxito, eficiência, eficácia, e em conformidade com o calendário das aulas da UFSC. Ressalta-se que para o êxito de um curso na modalidade semipresencial, os integrantes da equipe do polo devem ter conhecimentos dos conceitos teóricos e se possível da prática dessa modalidade de educação. Ainda, deve ser propiciada estrutura compatível com a demanda do curso no tocante: ao conteúdo acadêmico; às atividades administrativas; à infraestrutura tecnológica; à infraestrutura predial e ao apoio geral aos alunos, embora não são essas as únicas condições para o sucesso de um curso na modalidade semipresencial. Deve-se focar no conteúdo, na didática, na metodologia de ensino e em outros fatores pedagógicos.

No início do curso, em julho de 2008, os alunos estavam com a faixa etária entre 18 e 38 anos de idade. Esses alunos apresentavam comportamentos dinâmicos às ações pertinentes as atividades atribuídas pelos professores da sede, a UFSC, durante as sessões de videoconferências, pois imediatamente após o professor atribuir determinada atividade aos alunos do polo UNICAMP, em poucos instantes esses apresentavam suas atividades em LIBRAS como

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resposta à questão apresentada pelo professor. Utilizavam-se de apresentações pessoais, em LIBRAS, e de conteúdos midiáticos na forma de vídeo, criados pelos próprios alunos durante o decorrer da aula. As imagens, de acordo com Masetto (2012),

“Colocam professores e alunos trabalhando e

aprendendo a distância, dialogando, discutindo, pesquisando, perguntando, respondendo, comunicando informações por meio de recursos que permitem a esses interlocutores vivendo nos mais longínquos lugares, encontrarem-se e enriquecerem-se com contatos mútuos (MASETTO, 2012, p. 152).

A criação de vídeos, gravados pelos próprios

alunos em ambientes diferentes da sala de videoconferências, ocorreram por meio de câmeras fotográficas, de câmeras filmadoras e de notebooks. Todas as tecnologias utilizadas para essas atividades eram de propriedade dos alunos. Essa criação ocorria concomitantemente com a aula ministrada pelo professor da UFSC por meio de videoconferência. “O professor tem um grande leque de opções metodológicas, de possibilidades de organizar sua comunicação com os alunos, de introduzir um tema, de trabalhar com os alunos presencial e virtualmente, de avaliá-los” (MORAN, 2012, p. 32).

Observou-se a iniciativa e a criatividade dos alunos para atenderem as demandas da sede sob o aspecto do conteúdo da aula. Ainda, a agilidade para os alunos criarem e apresentarem os conteúdos midiáticos pertinentes às questões dos temas apresentados pela sede, com apresentações em forma de sinais, de imagens, de textos e, ou de vídeos.

Trata-se de alunos que, em sua maioria, tinha afinidade com o uso das tecnologias, tanto para a utilização dessas como atividades pertinentes ao conteúdo das aulas por meio de videoconferência, como para o desenvolvimento de outras atividades acadêmicas, na forma de vídeo, a serem criadas como complemento às atividades presenciais. Os vídeos, quando utilizados possibilitam aos alunos a ”discussão, análises, comparações, alterações entre projeção e debates permitindo ao aluno se colocar diante de realidades que talvez ele não conheceria, ou dificilmente delas se aperceberia não fosse por esse recurso” (MASETTO, 2012, p. 150).

Foi observado pelo autor, que também esteve presente em todas as aulas por meio de videoconferências, que até 15% dos alunos utilizavam-se de notebooks, netbooks, e de dispositivos móveis com conexão sem fio, tais como smartphones e celulares para o

desenvolvimento de suas atividades na sala de videoconferências da FE.

Inicialmente, ingressaram por meio do vestibular 30 alunos surdos no curso, sendo que no primeiro trimestre de 2008 alguns deles desistiram dos estudos, entre outros, pelos seguintes motivos: três alunos não tiveram afinidade pelo conteúdo do curso; um aluno teve dificuldades de deslocamento de sua cidade até o polo UNICAMP, pois esse tinha que deslocar-se a distância de aproximadamente 500 km para assistir as aulas no polo e, um aluno, no caso da capital do estado de São Paulo, não dispunha de recursos tecnológicos, tais como computador e acesso a internet, o que o impossibilitava ao acesso aos conteúdos das aulas por meio do Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem (AVEA). Houve ainda uma aluna que não pôde manter-se no curso por dificuldades para regularizar a documentação referente à sua matrícula. Após as desistências citadas, ocorreu a segunda convocação aos candidatos do vestibular para o preenchimento das vagas remanescentes. Dos alunos ingressantes, aproximadamente quatro deles eram graduados em nível superior em outros cursos não específicos da LIBRAS.

As tecnologias Diante da necessidade de preparação da

infraestrutura tecnológica para os polos e a sede, a UFSC elaborou toda a logística para: aquisição; entrega; instalação; configuração; testes e ativação dos equipamentos de videoconferências. Foram adquiridos equipamentos novos para todos os polos, de forma a se minimizar as possíveis dificuldades técnicas que pudessem interromper o oferecimento das aulas por meio das videoconferências. Ainda, referida aquisição teve como objetivo padronizar o modelo de equipamento para equalizar os treinamentos e viabilizar a logística para: as configurações; os gerenciamentos e as manutenções dos equipamentos.

No entanto, o polo UNICAMP utilizou-se da sala de videoconferências da Faculdade de Educação, implantada em 2004 e construída sob uma concepção pedagógica apropriada para cursos na modalidade Educação Semipresencial e Educação a Distância (EaD).

A videoconferência A integração das tecnologias na Educação

Superior está modificando a forma de ensinar e de aprender. Para o processo de ensino e aprendizagem com alunos surdos com e por meio da videoconferência, deve ser propiciado aos alunos acompanhamento e apoio diferenciado,

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quando se compara esse apoio com outro oferecido aos alunos ouvintes.

O vídeo para o surdo, com todas as formas de sinais e expressões não manuais, tais como faciais e corporais, é a forma desse sujeito adquirir o conhecimento por meio da videoconferência.

De acordo com Moran (2012), À medida que avançam as tecnologias de

comunicação virtual, o conceito de presencialidade também se altera. Poderemos ter professores externos compartilhando determinadas aulas, e um professor de fora “entrando” por videoconferência na minha aula. Haverá um intercâmbio muito maior de professores, por meio do qual cada um colaborará em algum ponto específico, muitas vezes a distância (MORAN, 2012, p. 58).

A videoconferência é o meio de comunicação

audiovisual que mais se aproxima da comunicação presencial, uma vez que essa possibilita aos participantes a visualização das imagens em tempo real, com movimentos em todos os sentidos, com gestos, expressões faciais e de todas as formas de comunicação corporal que os indivíduos podem manifestar para dialogar. A videoconferência propicia formas de interação, questões afetivas e logísticas que requer a familiarização dos professores, pois a intermediação professor – aluno demanda estratégias de ensino e aprendizagem diferenciadas daquelas utilizadas na sala de aula presencial (CRUZ, 2006; 2008).

Para os sujeitos surdos, a imagem é de relevante importância, uma vez que o áudio não se faz presente. Dessa forma, é imprescindível que os equipamentos de videoconferências tenham capacidade para a captura, para o processamento e para a transmissão das imagens de pessoas com constantes movimentos, no caso, imagens de professores e de alunos se comunicando em LIBRAS. Ainda, os equipamentos devem ter capacidade para processarem os arquivos em forma de dados, textos, imagens e de vídeos para transmití-los às demais salas de videoconferências de forma apropriada, que possibilita a visualização das imagens estáticas ou em movimento sem a pixerização das mesmas.

Em complemento aos recursos dos equipamentos de videoconferências, as redes multisserviços devem suportar o tráfego demandado durante as aulas, bem como devem dispor de equipamentos locais, nas instalações das Instituições de Ensino e em todos os seus caminhos, que possibilitam a transmissão e a recepção das imagens sem perdas de pacotes de dados, de forma que não sejam geradas as

granulações das imagens, nem tampouco o atraso da recepção das imagens transmitidas pelas demais salas de videoconferências. Isso assegura a comunicação visual síncrona entre os professores e os alunos, e possibilita que todos os sinais gerados em LIBRAS possam ser capturados e transmitidos de forma que os alunos receptores dessas imagens, que estão nas demais salas de videoconferências, entenda-os. Portanto, tanto os equipamentos de videoconferências como as redes multisserviços devem dispor de capacidade de processamento e de tráfego, respectivamente, para assegurar a transmissão da aula sem a perda de qualquer tipo de sinal para os sujeitos surdos. Caso isso não ocorra, a comunicação e a interpretação da LIBRAS poderá ser fragmentada, o que poderá prejudicar a compreensão do assunto da aula em andamento.

Para as conexões com todos os equipamentos de videoconferências dos polos, a Universidade Federal de Santa Catarina utilizou-se de um equipamento denominado Multipoint Control Unit (Unidade de Controle Multiponto). Por meio desse equipamento dáva-se o gerenciamento das conexões de videoconferências de todos os polos, incluindo-se: a velocidade das conexões; a qualidade da imagem; o lay-out da apresentação das imagens de todas as salas de videoconferências nos monitores de vídeo; a exibição dos conteúdos dos arquivos midiáticos das aulas dos professores da sede e dos alunos nas salas de videoconferências dos polos.

No início do curso, em julho de 2008, algumas dificuldades de processamento das redes foram constatadas durante as primeiras sessões de videoconferências, inclusive no dia da inauguração do curso, o que impactou na qualidade das imagens recebidas da sede. Outros problemas foram constatados, tais como a capacidade de processamento e de tráfego dos equipamentos da UFSC para os professores, os tutores e os alunos acessarem o AVEA. Imediatamente após serem constatados os problemas técnicos, a UFSC providenciou soluções para que o curso fosse desenvolvido em conformidade com as expectativas dos professores, dos tutores, dos alunos e das equipes de apoio técnico dos polos.

O Ambiente Virtual de Ensino e

Aprendizagem Como Ambiente Virtual de Ensino e de

Aprendizagem (AVEA), a Universidade Federal de Santa Catarina adotou o Moodle, onde a UFSC hospedava os vídeos gerados durante as sessões de videoconferências para os alunos reverem as aulas na forma de Vídeo sob Demanda por meio das redes multisserviços. No mesmo AVEA os

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professores e tutores postavam os conteúdos das aulas em formatos midiáticos.

O AVEA foi customizado e hospedado nos equipamentos da UFSC. A equipe técnica da universidade gerenciou a logística para a implantação da infraestrutura tecnológica da sede. Antes do início do curso os técnicos e professores da UFSC prepararam as equipes de apoio técnico da sede e dos polos. Ainda, prestou suporte técnico às equipes dos polos durante o transcorrer do curso. O AVEA adotado possibilita que “todos falam a todos em tempos diferentes, sobre assuntos pertinentes à sua pré-ocupação, mas garantindo sempre o sentimento do ‘estar junto virtualmente’, já que a sensação de estar com o outro independe do espaço e do tempo” (ALMEIDA, 2007, p. 128). Embora a maior parte das Ferramentas do AVEA é assíncrona, eventualmente essa tecnologia pode ser utilizada por meio da Ferramenta chat como meio de comunicação síncrono.

Algumas atividades praticadas com o AVEA foram: a utilização das Ferramentas de comunicação síncrona, como o chat, e os Fóruns, como comunicação assíncrona.

A comunicação das tutoras com os alunos ocorreram por meio do chat em momentos pré estabelecidos, quando foram elucidadas dúvidas dos alunos. Esses encontros ocorreram semanalmente em horários noturnos, uma vez que os alunos tinham suas ocupações profissionais durante o período matutino e vespertino. Além da comunicação em forma de texto, utilizou-se as webcams dos computadores instalados no polo UNICAMP para que os alunos e as tutoras se comunicassem de forma visual para elucidações sobre as possíveis dúvidas pertinentes as atividades acadêmicas postadas no AVEA. Referidas atividades eram postadas em LIBRAS, no entanto os alunos demandavam a reinterpretação do assunto pelas tutoras.

Nestes espaços, a relação aluno-aluno e aluno-tutor possibilitava uma ampla troca de experiências, nas quais os conhecimentos eram compartilhados, proporcionando um enriquecimento acadêmico. Para Vygotsky (1998), o aprendizado é vital no processo de desenvolvimento cognitivo. Ou seja, a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento. Daí a importância da educação, do ensino, do professor e dos parceiros mais experientes como elementos da mediação.

O autor, que foi também o pesquisador de como se deu o processo de ensino e aprendizagem com e por meio das TDIC utilizadas no curso, esteve presente na sala de videoconferências da FE em todas as aulas transmitidas por videoconferências e nas salas de aulas convencionais com as tutoras presenciais, quando demandada a sua presença. Portanto, o autor viveu a experiência prática no

transcorrer do curso no tocante a utilização das TDIC.

As provas aplicadas aos alunos ocorreram ao término de cada disciplina nas salas de aulas convencionais da Faculdade de Educação da UNICAMP, utilizando-se de material impresso em papel e de vídeos disponibilizados em links enviados pela UFSC ao polo UNICAMP, com antecedência de um dia à prova. As provas foram aplicadas na forma de vídeos em LIBRAS utilizando-se de microcomputador, de projetor multimídia e da rede multisserviços das salas de aulas convencionais da FE.

Focamos o presente texto na utilização da videoconferência e do Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem como Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação utilizados no decorrer do curso, no entanto, também foram adotadas outras tecnologias, tais como: o streaming; vídeos; microcomputadores; notebooks; aparelhos de DVD; projetores multimídias e redes multiserviços.

As soluções tecnológicas Ressalta-se a relevância das soluções

tecnológicas alternativas que foram adotadas pelo polo UNICAMP para assegurar o recebimento da aula transmitida pela UFSC durante as sessões de videoconferências ao polo UNICAMP.

Por motivos de manutenção da rede de energia elétrica do campus da UNICAMP, essa foi desligada por dois sábados não consecutivos. A equipe do polo UNICAMP foi informada com antecedência sobre esse desligamento, e que essa situação não impactaria na rede de energia elétrica e na rede de dados da Faculdade. No entanto, ocorreu o desligamento da rede de energia elétrica da região central do campus, onde estão instalados os equipamentos da rede multiserviços da UNICAMP que atende a FE. Após aproximadamente 40 minutos do desligamento da rede, foi interrompido o funcionamento dos equipamentos da rede de dados da UNICAMP onde estava conectada a rede multisserviços da FE, por meio da qual o equipamento de videoconferências da faculdade se conectava ao equipamento de videoconferências da UFSC e aos demais polos. Assim, a FE foi desconectada do equipamento da UFSC, consequentemente da aula transmitida pela universidade sede. Imediatamente, o coordenador do apoio técnico do polo UNICAMP conectou um modem de operadora de telefonia celular móvel no notebook que estava conectado ao equipamento de videoconferências da FE para que os alunos assistissem em tempo real a aula transmitida pela UFSC na forma de streaming. Assim, não foi interrompido o recebimento da aula transmitida

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pela UFSC. Nos momentos de oportunidades para os alunos do polo interagirem com a professora da sede, as perguntas dos alunos davam-se por meio do chat do mesmo notebook utilizado para assistir o streaming.

O polo UNICAMP utilizava-se de no mínimo quatro soluções tecnológicas alternativas para assegurar o recebimento da aula transmitida pela UFSC, a saber: a) por meio do equipamento de videoconferência da FE conectado ao equipamento MCU da UFSC; b) por meio do link de transmissão do sinal da aula na forma de streaming, com o recebimento do sinal em tempo real; c) por meio do notebook do equipamento de videoconferências da FE conectado a um modem de operadora de telefonia móvel; d) por meio de audioconferência, com conexão ativada diretamente do painel do equipamento de videoconferência da FE com ligação a qualquer telefone fixo ou móvel, utilizando-se da rede telefônica que atende o equipamento de videoconferências, denominada Rede Digital de Serviços Integrados (RDSI).

Os conteúdos midiáticos Sabendo-se que na aula para alunos surdos não

há áudio, a preparação dos conteúdos midiáticos das aulas dos professores tem que ser apresentado de forma legível, apropriada para a apresentação com e por meio da videoconferência.

Inicialmente, os textos dos arquivos midiáticos dos professores estavam sendo apresentados de forma que tornavam-se poucos legíveis nos monitores de vídeos das salas de videoconferências dos polos. Tão logo foram iniciados os relatórios semestrais das atividades, a equipe de apoio técnico do polo UNICAMP sugeriu à equipe de apoio técnico da sede a adoção de um modelo de slide padrão para a elaboração dos conteúdos midiáticos da sede, o mesmo modelo utilizado pelo polo para a preparação dos conteúdos midiáticos às aulas na sala de videoconferências da FE. De acordo com Mantoan e Baranauskas (2009),

Para as pessoas surdas que utilizam a Língua de

Sinais, é imprescindível a presença de intérpretes que atendam às demandas sociais e educacionais; a expansão da língua, para que tenham mais independência na comunicação; a aprendizagem da Língua Portuguesa como uma segunda língua, além de recursos que privilegiem o visual. Quando não são usuários da Língua de Sinais e utilizam a fala e leitura labial para a comunicação, necessitam de outros recursos físicos (intérprete oralista) e tecnológicos (legendas, software, produtos de vídeo e multimídia etc.) que facilitam

o acesso às informações (MANTOAN; BARANAUSKAS, 2009, p. 75-76).

Dessa forma, os textos, imagens, figuras dos

conteúdos midiáticos dos professores devem ser preparados de forma que seja assegurada a sua visualização desses conteúdos aos sujeitos surdos, durante as sessões de videoconferências, por meio de streaming com a transmissão por meio das redes multisserviços e na forma de Vídeo sob Demanda, após as aulas. Ressalta da importância da apresentação dos textos, pois após a gravação dos vídeos, esses são compactados, o que pode impactar na qualidade do mesmo com relação ao vídeo gerado e transmitido em tempo real por meio dos equipamentos de videoconferências. Ou seja, se os textos não apresentarem fontes e cores apropriadas, os sujeitos surdos poderão ter dificuldades de leituras desses, principalmente após a compactação dos vídeos para a hospedagem desses nos servidores de vídeos para a revisão das aulas.

Quem é o sujeito surdo ? Vale reforçar que a visão de surdez que

embasa os proponentes e docentes deste curso se afasta do discurso médico de que a surdez seja uma deficiência. A surdez é entendida como uma diferença linguística dentro de uma abordagem que ficou conhecida como visão sócio-antropológica da surdez (LODI, 2000; SKLIAR, 1997; SKLIAR, 1998), tal como define Skliar: “Os surdos formam uma comunidade linguística minoritária caracterizada por compartilhar uma língua de sinais e valores culturais, hábitos e modo de socialização próprios. (...) A língua de sinais anula a deficiência linguística consequência da surdez e permite que os surdos constituam, então, uma comunidade linguística minoritária diferente e não um desvio da normalidade” (SKLIAR, 1997, p. 141).

Portanto, a surdez é entendida como uma experiência visual e os surdos como um grupo linguístico minoritário. Nesta perspectiva, a surdez é colocada fora do discurso da deficiência: “O surdo não é um ser patológico que precisa ser curado; mas um sujeito que possui uma língua natural, a Língua de Sinais, sendo o português uma segunda língua” (CÉLIA, 2001, p. 129). A surdez pode ser definida, neste paradigma como “... diferença política, como experiência visual, caracterizada como múltiplas identidades e localizada dentro do discurso da diferença.” (SKLIAR, 1999, p. 11).

Sendo o surdo um sujeito que se constitui pela visualidade, as estratégias pelas quais acessa o conhecimento são também visuais e estas foram valorizadas no decorrer do curso Letras LIBRAS

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com e por meio da tecnologia de videoconferência.

Para Vygotsky, a aprendizagem de cada indivíduo está intrinsecamente relacionada às suas experiências vivenciadas na interação com outros seres humanos. O autor ressalta o papel da cultura na formação de cada sujeito e na construção de sua cognição. A interação entre os indivíduos desempenha uma função fundamental na construção do ser humano: é por meio da relação interpessoal que o indivíduo interioriza as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Portanto, a interação social com outros membros da cultura fornece matéria-prima para o desenvolvimento psicológico.

Acreditando nesses pressupostos, na experiência que tivemos no curso Letras LIBRAS, cada tutor se colocou como mediador na construção do conhecimento de seus alunos, enriquecendo desta forma seus próprios conhecimentos. As aquisições do conhecimento se deram na interação entre os interlocutores que compuseram este processo educacional, nas seguintes formas: tutor – aluno; aluno – aluno; aluno – professor. Esta última de forma virtual, por meio de videoaulas e de videoconferências. Durante a videoconferência a interação entre o professor e o aluno dava-se em tempo real, de forma direta, por meio de perguntas e respostas em LIBRAS.

A comunicação humana se dá essencialmente por meio da linguagem, e esta tem função fundamental no desenvolvimento dos sujeitos. Portanto, o desenvolvimento dos conceitos neste curso não poderia ser de outra forma que não em uma língua acessível aos surdos, a LIBRAS. Esta língua tem função fundamental no desenvolvimento dos surdos, pois amplia seu universo e o liberta do mundo perceptual imediato, permitindo com que se imagine, crie, sonhe, aprenda, ensine, cresça em potencialidade e relacionamentos. Para Vygotsky (1998), pensamento e linguagem estão intrinsecamente ligados, não sendo possível ao ser humano que um ocorra sem o outro. O autor afirma que “O pensamento não é simplesmente expresso em palavras, é por meio delas que ele passa a existir" (VYGOTSKY, 1998, p. 156).

“A relação entre pensamento e linguagem é um processo vivo; o pensamento nasce através das palavras. Uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta, e um pensamento não expresso por palavras permanece nas sombras ”(VYGOTSKY, 1998, p. 190).

Sujeitos surdos compuseram a equipe de professores do curso Letras LIBRAS e este fato não é somente relevante pela possibilidade de melhorar o acesso ao conhecimento pelos alunos, mas por ter criado um rompimento com a tradição nos cursos de ensino superior nos quais se

inseriram os surdos, onde sempre houve professores exclusivamente ouvintes. Houve, portanto, o início de uma nova discursividade que possibilitou romper com as discursividades de uma inclusão que opera na exclusão, trazendo possibilidades de outras formas de aprendizagens, e novos modos de fazer a inclusão de surdos. Modo este que respeitou, de fato, as singularidades destes educandos: o uso da LIBRAS em todos os processos de ensino, a presença de professores surdos, e o uso de estratégias didático-metodológicas de ensino para surdos .

A inovação do curso de Licenciatura Letras LIBRAS foi a possibilidade de uma autêntica conversação entre docentes e alunos, tutores e educandos, surdos e ouvintes, fazendo daquele momento uma real inclusão, numa proposta também defendida por Skliar (2003), quando afirma que “ou se entende a pedagogia como conversação com os outros e entre os outros, ou partiremos para normatizar esses outros para que sejam ‘quase’ como ‘nós’. Até parecidos, mas nunca idênticos” (SKLIAR, 2003, sem página)1.

A conversação, a escuta do outro, a troca e a interação abrem a possibilidade para romper a imposição colonialista a que os surdos foram e continuam sendo submetidos no processo educacional há anos, pois “para compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras – temos que compreender o seu pensamento. Mas nem isso é suficiente – também é preciso que conheçamos a sua motivação” (VYGOTSKY, 1998, p. 188).

Resultados observados A maioria dos alunos que concluíram a

graduação, prosseguiram com os estudos sendo que cinco deles ingressaram em cursos de pós graduação nas categorias lato sensu e um aluno ingressou no curso de pós graduação stricto sensu em curso presencial em uma universidade privada tradicional na cidade de São Paulo.

Vale acrescentar que o curso de licenciatura em Letras LIBRAS recebeu conceito máximo do MEC (nota 5) no processo de reconhecimento e que o polo UNICAMP recebeu destaque entre os polos que sediaram o curso, uma vez que um aluno de licenciatura foi contemplado com o certificado e a medalha de mérito estudantil pelo melhor rendimento entre todos os alunos de todos os polos e da sede. O portal da UNICAMP apresentou a seguinte declaração do aluno: “A 1Fonte:http://www.folhadirigida.com.br/htmls/Hotsites/Professor_2003/Cad_05/EntCarlosSkliarFdg.ht

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licenciatura em Letras-LIBRAS foi muito importante, pois tive a oportunidade de buscar a informação, o conhecimento, a aprendizagem, a experiência e, a partir disso, conseguir o reconhecimento acadêmico e profissional”. Esta foi a escrita do texto do e-mail do aluno. Acrescido à notícia, veio o comentário sobre a vida profissional atual do aluno, informando que “atualmente, ele leciona LIBRAS no Centro de Integração e Apoio ao Deficiente Visual e Auditivo (Ciadeva) da cidade de Taboão da Serra, localizada no estado de São Paulo no Brasil. Referido aluno é também professor do curso de extensão, graduação e pós-graduação em LIBRAS pela Universidade de Santo Amaro (Unisa)”2.

Conclusão O presente texto trouxe uma experiência sobre a

formação superior de sujeitos surdos ao diálogo acadêmico. Consideramos que, o processo de ensino e aprendizagem e de trocas vividas no polo UNICAMP propiciou condições satisfatórias à formação dos alunos, tanto no tocante a utilização dos conteúdos pedagógicos como quanto a utilização das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação. Na experiência constatamos que durante o oferecimento do curso de graduação Letras LIBRAS muitos horizontes foram visualizados, no sentido de se pensar a necessidade da formação para sujeitos surdos de modo visual, com e por meio da utilização das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação que, comprovadamente, contribuíram para a implementação desta visualidade.

Os conteúdos midiáticos para o oferecimento de cursos na modalidade semipresencial para sujeitos surdos utilizando-se a videoconferência e o AVEA, devem ser preparados em formatos ainda mais apropriados, quando comparados aos conteúdos para os sujeitos ouvintes, pois a comunicação visual para os sujeitos surdos é mais relevante que para os sujeitos ouvintes.

As equipes de apoio técnico dos polos devem estar comprometidas com o curso, com os professores, com os alunos, com os conteúdos e com todas as demais equipes. Estas devem ter conhecimentos dos conceitos do oferecimento de cursos na modalidade semipresencial. Não se pode considerar o oferecimento dos cursos apenas como a utilização das tecnologias, e sim como geração, transmissão e produção de conhecimento.

2 Disponível em http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2013/05/17/aluno-surdo-da-unicamp-recebe-medalha-de-merito-estudantil. Acesso em 20 de setembro de 2013.

Essas equipes devem atuar de forma intensa, com iniciativas para soluções tecnológicas alternativas instantâneas, com agilidade, e com iniciativas para que não ocorram falhas que podem impactar na perda de qualquer transmissão e, ou recebimento de aulas por meio da videoconferência.

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