currículo e didática na educação de surdos

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2018 CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS Julianne de Deus Corrêa Pietzak Ana Clarisse Alencar Barbosa

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Page 1: CurríCulo e DiDátiCa na eDuCação De SurDoS

2018

CurríCulo e DiDátiCa na eDuCação De SurDoS

Julianne de Deus Corrêa PietzakAna Clarisse Alencar Barbosa

Page 2: CurríCulo e DiDátiCa na eDuCação De SurDoS

Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:

Julianne de Deus Corrêa Pietzak

Ana Clarisse Alencar Barbosa

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

P626c

Pietzak, Julianne de Deus Corrêa Currículo e didática na educação de surdos. / Julianne de Deus

Corrêa Pietzak, Ana Clarisse Alencar Barbosa – Indaial: UNIASSELVI, 2018.

159 p.; il. ISBN 978-85-515-0172-6

1.Língua de sinais – Brasil. 2.Surdos - Educação – Brasil. I. Barbosa, Ana Clarisse Alencar. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 371.912

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III

apreSentação

Prezado acadêmico! Com este livro de estudos, iniciamos a disciplina de Currículo e Didática na Educação de Surdos. Esta disciplina contextualiza o currículo e a didática na educação dos surdos, procurando levá-lo à compreensão das dificuldades enfrentadas pelo aluno surdo na educação básica vigente.

Dando enfoque ao tema a ser estudado e explorado, o livro está dividido em três unidades, sendo que cada unidade apresenta um tema principal voltado às temáticas propostas: currículo e didática.

Na primeira unidade, identificaremos diferentes conceitos de currículo, bem como as possibilidades de organização dos saberes na educação de surdos. Além disso, refletiremos sobre as teorias curriculares sempre tendo como foco principal a valorização da produção do conhecimento escolar na organização disciplinar do currículo no cenário brasileiro.

Na segunda unidade, compreenderemos o conceito de didática no decorrer da história e analisaremos estes conceitos sob a perspectiva de diferentes teorias. Discutiremos também a relação intrínseca entre currículo, didática e o processo avaliativo. Propomos ainda uma reflexão sobre a importância da didática na educação.

Finalizando, na terceira unidade, compreenderemos a relação direta entre cultura surda e currículo e didática na educação de surdos. Conheceremos e discutiremos o currículo na educação de surdos e identificaremos a didática utilizada atualmente para difundir conhecimento a estes alunos.

Em todas as unidades, constam muitas sugestões de vídeos, leituras de livros e artigos para complementar seus estudos. Incentivamos você, acadêmico, a participar ativamente no seu processo de aprendizagem ao longo desta disciplina, realizando a leitura integral do livro de estudos e as atividades propostas nele. Acompanhe o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA, nele constam as videoaulas da disciplina, além de mais sugestões de leitura. Tal postura ativa no processo de aprendizagem dará a você profundidade à área da educação de surdos.

Caro acadêmico, incentivamos você a explorar ao máximo esta disciplina. Desejamos que se conscientize da importância de nossa luta em prol de uma práxis pedagógica condizente com a educação de surdos e com o nosso papel enquanto docentes de alunos surdos. Almejamos que os estudos

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IV

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

NOTA

desta disciplina contribuam para a sua formação profissional, tornando-o capaz de tomar decisões e que tenha atitudes positivas em prol da qualidade na educação básica do povo surdo.

Bons estudos!

As autoras

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VII

UNIDADE 1 – O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS .................................................................... 1

TÓPICO 1 – O QUE É CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS? ........................................ 31 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 32 CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS ................................................................................ 43 AS FASES DO DESENVOLVIMENTO CURRICULAR................................................................ 84 AS ESTRATÉGIAS DO DESENVOLVIMENTO CURRICULAR ............................................... 11RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 20AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 22

TÓPICO 2 – CURRÍCULO: CENÁRIO E TEORIAS ......................................................................... 231 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 232 CURRÍCULO E O SEU CENÁRIO HISTÓRICO NO BRASIL .................................................... 243 CURRÍCULO: SUAS TEORIAS ........................................................................................................ 27RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 37AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 38

TÓPICO 3 – CURRÍCULO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO/SABERES NA ORGANIZAÇÃO DISCIPLINAR ................................................................................. 39

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 392 CONCEPÇÕES INTERDISCIPLINARES DE CURRÍCULO ....................................................... 403 CONCEPÇÕES MULTIDISCIPLINARES DE CURRÍCULO ...................................................... 444 CONCEPÇÕES TRANSDISCIPLINARES DE CURRÍCULO ...................................................... 455 CONCEPÇÕES PLURIDISCIPLINARIDADES DE CURRÍCULO ............................................ 466 CONCEPÇÕES POLIDISCIPLINARIDADES DE CURRÍCULO ............................................... 477 CURRÍCULO: O SABER E O CONHECIMENTO ......................................................................... 47RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 54AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 55

UNIDADE 2 – DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO .................................................................................... 57

TÓPICO 1 – A DIDÁTICA NO DECORRER DA HISTÓRIA ........................................................ 591 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 592 DIDÁTICA: HISTÓRIA, CONCEITO E IMPLICAÇÕES ............................................................ 59

2.1 A HISTÓRIA EVOLUTIVA DA DIDÁTICA ................................................................................ 592.2 A DIDÁTICA NO BRASIL ............................................................................................................. 662.3 DIDÁTICA: CONCEITO................................................................................................................. 69

RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 70AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 71

TÓPICO 2 – CONCEPÇÕES TEÓRICAS DE DIDÁTICA1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 732 AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO ................................................................ 73

2.1 PEDAGOGIA LIBERAL .................................................................................................................. 74

Sumário

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VIII

2.1.1 Tendência Tradicional ............................................................................................................ 742.1.2 Tendência Liberal Renovada Progressista .......................................................................... 752.1.3 Tendência Liberal Renovada Não Diretiva (Escola Nova)................................................ 762.1.4 Tendência Liberal Tecnicista ................................................................................................. 76

2.2 PEDAGOGIA PROGRESSISTA ..................................................................................................... 772.2.1 Tendência Progressista Libertadora ..................................................................................... 782.2.2 Tendência Progressista Libertária ........................................................................................ 792.2.3 Tendência Progressista Crítico-Social dos Conteúdos ...................................................... 80

3 CONCEPÇÕES TEÓRICAS DE DIDÁTICA ................................................................................... 803.1 A DIDÁTICA NA TEORIA TRADICIONAL ............................................................................... 813.2 A DIDÁTICA NA TEORIA CRÍTICA ........................................................................................... 813.3 A DIDÁTICA NA PÓS-MODERNIDADE .................................................................................. 82

LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 83RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 90AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 92

TÓPICO 3 – DIDÁTICA E AVALIAÇÃO............................................................................................ 931 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 932 AVALIAÇÃO: CONCEITO E IMPLICAÇÕES ................................................................................ 93

2.1 MODALIDADES E FUNÇÕES DA AVALIAÇÃO ..................................................................... 942.2 OBJETIVOS DA AVALIAÇÃO ....................................................................................................... 962.3 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO ....................................................................................................... 972.3 EXAME VERSUS AVALIAÇÃO ................................................................................................... 992.4 O PAPEL DA NOTA NA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL ...................................................... 100

RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 103AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 104

UNIDADE 3 – CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS ............................. 105

TÓPICO 1 – CURRÍCULO E DIDÁTICA VERSUS CULTURA SURDA ..................................... 1071 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1072 CULTURA SURDA: CONCEITO ...................................................................................................... 1073 ARTEFATOS CULTURAIS ................................................................................................................. 109

3.1 ARTEFATO CULTURAL: EXPERIÊNCIA VISUAL ...................................................... 1093.1.1 Artefato cultural: Linguístico ................................................................................................ 1103.1.2 Artefato cultural: familiar ...................................................................................................... 1113.1.3 Artefato cultural: literatura surda ........................................................................................ 1123.1.4 Artefato cultural: vida social e esportiva ............................................................................. 1123.1.5 Artefato cultural: artes visuais .............................................................................................. 1133.1.6 Artefato cultural: política ....................................................................................................... 1153.1.7 Artefato cultural: materiais .................................................................................................. 116

4 A CULTURA SURDA E SUA IMPLICAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS ....................... 117RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 119AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 120

TÓPICO 2 – CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS ........................................................... 1211 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1212 O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS ........................................................................... 1213 A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO CULTURAL NA EDUCAÇÃO DE SURDOS ............. 125RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 135AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 136

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IX

TÓPICO 3 – DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS ............................................................... 1371 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1372 A DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS ............................................................................... 1373 A IMPORTÂNCIA DA DIDÁTICA CULTURAL NA EDUCAÇÃO DE SURDOS ................ 1394 PEDAGOGIA DA DIFERENÇA, PEDAGOGIA SURDA E PEDAGOGIA VISUAL ............. 145

4.1 PEDAGOGIA SURDA ..................................................................................................................... 1454.2 PEDAGOGIA VISUAL .................................................................................................................... 147

RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 149AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 151REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 153

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UNIDADE 1

O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir do estudo desta unidade, você será capaz de:

• identificar os diferentes conceitos de currículo e as possibilidades de orga-nização dos saberes na educação de surdos;

• refletir sobre as teorias curriculares;

• valorizar a produção do conhecimento escolar na organização disciplinar do currículo no cenário brasileiro.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O QUE É CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS?

TÓPICO 2 – CURRÍCULO: CENÁRIO E TEORIAS

TÓPICO 3 – CURRÍCULO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO/SABERES NA ORGANIZAÇÃO DISCIPLINAR

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TÓPICO 1UNIDADE 1

O QUE É CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS?

1 INTRODUÇÃO

Caro(a) acadêmico(a)!

Iniciaremos a nossa unidade apresentando algumas definições de currículo. No entanto, antes disso, responda: Você sabe o que é currículo? E qual é a sua utilidade? Descreva, a seguir, qual é o seu entendimento de currículo e, ao finalizar o estudo desta unidade, volte e reflita sobre o que você escreveu.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O conceito de currículo, bem como a sua construção, são fatores que influenciam na qualidade educacional e na formação de alunos e professores, porque o currículo permeia aspectos importantes, como “o que ensinar”, “como ensinar”, “por que ensinar” e “quando avaliar” os seus resultados nos processos de ensino-aprendizagem.

O currículo é uma palavra proveniente do latim currere, que indica caminho, trajetória, um percurso a ser realizado nas relações existentes entre escola e sociedade. Desta forma, vamos pensar em um labirinto, com todos os seus contornos e caminhos complexos, que precisam ser superados para que se encontre a saída mais adequada.

FIGURA 1 – LABIRINTO

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/7aqevi>. Acesso em: 9 maio 2018.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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A representação anterior sugere: direcionamentos, caminhos, principalmente em se tratando da vida educacional de professores e alunos, que irão se organizando e se realizando durante todo o processo de formação do sujeito, e no seu caso, está relacionado aos direcionamentos e ao desenvolvimento de sua personalidade no decorrer de sua vida acadêmica.

2 CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS

Por se traçar de caminhos educacionais, o currículo não é apenas um campo meramente técnico ou sistemático, mas um instrumento flexível e crítico, que é permeado por questões soóciopolítico-econômicas.

Conforme Moreira e Silva (2001, p.7) “o currículo é considerado um artefato social e cultural. [...] implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares”.

Segundo Mckernan (2009, p. 27) “Cada sociedade instala escolas a fim de introduzir os alunos na cultura, ou seja, no modo de ser da sociedade”. Portanto, o currículo seleciona os valores culturais de uma determinada época histórica e transmite às novas gerações os modos de ver, de sentir, de pensar, de sonhar os valores e de compreender as regras sociais.

Uma história do currículo não deve tampouco cair na armadilha de ver o processo de seleção e organização do conhecimento escolar como um inocente processo epistemológico em que acadêmicos, cientistas e educadores desinteressados e imparciais determinam, por dedução lógica e filosófica, aquilo que melhor convém ensinar às crianças, aos jovens e adultos. O processo de fabricação do currículo não é um processo lógico, mas um processo social, no qual convivem lado a lado com fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais, determinantes sociais menos “nobres” e menos “formais”, tais como interesses, rituais, conflitos simbólicos e culturais, necessidades de legitimação e de controle, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, à raça, ao gênero. (...). O currículo não é constituído de conhecimentos válidos, mas de conhecimentos considerados socialmente válidos (GOODSON, 1995 apud SILVA, 2007, p. 9, grifos do autor).

Nesse sentido, o currículo é polissêmico, histórico, representando a síntese e seleção de conhecimentos e valores que irão caracterizar o processo social e cultural que estará presente e organizado no trabalho pedagógico.

“Desta forma, definições para a palavra currículo não irão resolver os problemas curriculares, mas realmente sugerem perspectivas a partir das quais podemos visualizá-las” (STENHOUSE, 1975, p. 1 apud MCKERNAN, 2009, p. 22).

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TÓPICO 1 | O QUE É CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS?

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Ao longo da história ocorreram muitos desdobramentos sobre a educação de pessoas surdas. Estas pessoas eram marginalizadas pela sociedade e muitas vezes isoladas em asilos, em função da sua deficiência ou anormalidade. O que percebemos é que ainda hoje este público não se encontra totalmente assistido pela sociedade. Ainda estamos em um processo de rupturas sobre este atendimento.

Strobel (2006) apud Plinski (2011) mostra o retrocesso na história da educação de surdos, em que as políticas públicas para este atendimento, geralmente, são elaboradas na perspectiva dos ouvintes e não dos surdos.

[...] na antiguidade, pessoas que não escutavam eram consideradas anormais, que apresentavam um atraso intelectual. Não havia pesquisas científicas na área educacional e a sociedade considerava que as pessoas normais precisavam falar e ouvir para serem aceitas. Não havia escolas e existiam muitas leis que desconsideravam a capacidade de pessoas surdas. Na Roma antiga, por exemplo, os recém-nascidos que apresentassem alguma deficiência eram sacrificados. Como a surdez não era percebida nos bebês recém-nascidos, no ano de 753 a.C., o imperador Rômulo decretou que as crianças que traziam algum tipo de incômodo para o Estado deveriam ser mortas até os três anos de idade. Além de serem sacrificados, os surdos eram, também, marginalizados no que diz respeito ao convívio social. Por serem excluídos da sociedade, muitos eram alvo de compaixão, principalmente, a partir da ótica religiosa, e/ou faziam algum tipo de atividades manuais, sendo aceitos em monastérios. Não havia uma preocupação pela formação educacional (PLINSKI, 2011, s.p.).

Ainda de acordo com a autora, os indivíduos surdos passaram a ser vistos como sujeitos de direitos e deveres na sociedade, porém ainda em uma visão assistencialista.

Até recentemente os povos surdos sofreram com esta ruptura, pois, para a maioria deles, a educação verdadeira começou somente depois quando saíram da escola na idade de adolescência, ao terem contato com os outros sujeitos surdos adultos nas associações de surdos. O ano de 1880 foi o clímax da história de surdos, que adicionou a força de um lado de muitos períodos de duelos polêmicos de opostos educacionais: a língua de sinais e o oralismo (PLINSKI, 2011, s.p.).

A autora continua enfatizando que os surdos tiveram que se adequar às práticas ouvintistas, tendo que abandonar sua cultura e identidade surda.

Por exemplo: houve avanços na visão clínica, que faziam das escolas dos surdos espaços de reabilitação de fala e treinamento auditivo preocupando-se apenas em ‘curar’ os surdos que eram vistos como ‘deficientes’ e não em educar. Após o congresso, a maioria dos países adotou rapidamente o método oral nas escolas para surdos, proibindo oficialmente a língua de sinais, e ali começou uma longa e sofrida batalha do povo surdo para defender o direito linguístico cultural. Não foi sempre assim, havia momentos antes do congresso de 1880 em que a língua de sinais era mais valorizada. Por exemplo: havia professores que juntavam na tarefa de demonstrar a veracidade da aprendizagem dos sujeitos surdos ao usar a língua de sinais e o alfabeto manual, e em

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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muitos lugares havia professores surdos. Na época os povos surdos não tinham problemas com a educação, maiorias de sujeitos surdos dominavam na arte da escrita e há evidência de que havia muitos escritores surdos, artistas surdos, professores surdos e outros sujeitos surdos bem-sucedidos. Houve a crise séria entre a cultura surda e a educação, pois ao percorrer a trajetória histórica do povo surdo e suas diferentes representações sociais, vemos os domínios do ouvintismo relativos a qualquer situação relacionada à vida social e educacional dos sujeitos surdos. Houve fracassos na educação de surdos devido à predominância do oralismo puro na forma de ouvintismo, entretanto, nos últimos 20 anos começaram a perceber que os povos surdos poderiam ser educados através da língua de sinais. A votação do Congresso de Milão provocou um ‘rombo’ que ocasionou a queda de educação de surdos e agora os povos surdos estão criando forças e ânimo para levantarem-se e lutarem pelos seus direitos à educação (PLINSKI, 2011, s.p.).

Plinski (2011) apresenta ainda que é importante discutir propostas curriculares para a educação de surdos, uma vez que o banimento dos métodos oralistas ainda não ocorre de fato, e continuamos reproduzindo uma cultura ouvinte. Apesar de que muito já se avançou, principalmente, no uso da língua de sinais.

A proibição da língua de sinais por mais de 100 anos sempre esteve viva nas mentes dos povos surdos até hoje, no entanto, agora o desafio para o povo surdo é construir uma nova história cultural, com o reconhecimento e o respeito das diferenças, valorização de sua língua, a emancipação dos sujeitos surdos de todas as formas de opressão ouvintistas e seu livre desenvolvimento espontâneo de identidade cultural! (SÁ, 2004, p.3).

Plinski (2011) reforça que uma proposta curricular acolhedora e flexível à educação de surdos precisa não apenas de adaptações curriculares desenvolvidas nas escolas regulares, e sim de um currículo surdo em movimento. Infelizmente, alguns profissionais acabam por simplificar os “conteúdos ou não se preocupam em como transmitir o conhecimento, esquecendo-se de que o surdo possui uma modalidade de linguagem visoespacial” (PLINSKI, 2011, s.p.).

DICAS

Ouvintismo: “[...] é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte” (SKLIAR, 1998, p. 15 apud PERLIN; STROBEL, 2008, p. 8).

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TÓPICO 1 | O QUE É CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS?

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Conforme Botelho (2005, p. 59) apud Plinski (2011, s.p.), o objeto concreto nem sempre é necessário. “Tanto a aprendizagem de surdos como de ouvintes se faz de muitas maneiras, e não somente pela experiência direta, mediante contato com a realidade, pelos órgãos dos sentidos”. Mesmo porque nem sempre se conseguirá encontrar materiais visuais que contemplem o conteúdo que se está ensinando. Nessa situação, cabe a criatividade do professor e, novamente, o emprego da Libras de forma clara e coerente, facilitando a aprendizagem dos alunos.

Currículo não é, pois, constituído de fatos, nem mesmo de conceitos teóricos e abstratos: o Currículo é um local no qual docente e aprendizes têm a oportunidade de examinar, de forma renovada, aqueles significados da vida cotidiana que se acostumaram a ver como dados e naturais. O Currículo é visto como experiência e como local de interrogação e questionamento da experiência (SILVA, 2010, p. 40).

Desta forma, podemos pensar na educação bilíngue que consiste em proporcionar ao indivíduo uma comunicação em duas línguas, sendo que uma língua pode predominar sobre a outra. O documento A educação que nós surdos queremos e temos direito reforça alguns pontos-chave desta organização. São eles:

1) Reestruturar o curricular pedagógico para aproveitamento dos recursos pictóricos e de sinais, pois o currículo se encontra apenas adequado para estudantes ouvintes.

2) Implementar a Língua de Sinais nos currículos escolares.3) Assegurar a presença do professor surdo e do intérprete profissional na

sala de aula.4) Alfabetizar crianças surdas através do Bilinguismo.5) Participação política educacional das pessoas surdas nos processos de

discussão e implementação de leis, decretos etc.6) Oferecimento de vagas para professor surdo nas instituições de ensino,

principalmente, para o ensino da Língua de Sinais.7) Garantia de acesso à cultura surda.8) Construção de escola de surdos e creche para crianças surdas, com estrutura

proporcional para tal.9) Inserir nos programas educacionais, inclusive nos telejornais, a legenda e

janela de intérprete.10) Formação diversificada e ampliação de cursos para surdos.11) Assegurar o acesso a recursos tecnológicos que auxiliem no processo de

aprendizagem dos alunos surdos, inclusive o painel de legenda em sala de aula para os alunos surdos que solicitarem.

12) Concursos públicos com garantia de 20% da reserva de vagas para surdos.

Disponível em: <www.eusurdo.ufba.br/arquivos/educacao_surdos_querem.doc>. Acesso em: 30 abr. 2018.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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Assim, em consonância com o documento, a educação bilíngue, em termos de práticas, precisa ser vista como primeira língua, a língua de sinais dominante (L1) e, aos poucos, dependendo de cada indivíduo (criança, jovem ou adulto), o acesso à língua portuguesa como L2. A língua escrita pode ser aprendida mais tarde, a particularidade aqui defendida é o uso da língua para desenvolver a identidade cultural.

Não podemos esquecer que de acordo com a Lei 10.436, de 2002, com seu Parágrafo único: “A Língua Brasileira de Sinais – Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa”.

Você saberá mais sobre este movimento na Unidade 3 do seu livro de estudos. Vamos continuar!

3 AS FASES DO DESENVOLVIMENTO CURRICULAR

Por mais divergências que existam, falar de currículo sempre nos remete a falar da construção do conhecimento escolar e sua intencionalidade na formação da identidade do sujeito.

Por isso, Morgado (2004, p. 117) apresenta que o currículo “é como sinônimo de um conjunto de aprendizagens valorizadas socialmente e como uma construção permanente e inacabada, resultante da participação de todos, um espaço integrado e dialético, sensível à diferenciação”.

FIGURA 2 – A ARTE DA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO ESCOLAR

FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-jNxG3HrzVEs/TWKcIrncjgI/AAAAAAAAABc/SFvDoSBLVSc/s1600/professor2.jpg>. Acesso em: 9 maio 2018.

Page 19: CurríCulo e DiDátiCa na eDuCação De SurDoS

TÓPICO 1 | O QUE É CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS?

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Neste momento, reflita sobre a seguinte questão: o que realmente os alunos precisam saber? O que é relevante e essencial para fazer parte do currículo? Mesmo porque, o currículo está marcado por critérios, conhecimentos e concepções que estão corporificados na história da educação e na constituição dos sujeitos. Sendo que

As verdades e os valores da educação, da pedagogia e do currículo são tornados objetos de problematização. Afinal, não importa mais perguntar se determinada abordagem, determinado conhecimento ou conteúdo é verdadeiro ou falso. Importa saber como determinados conhecimentos vieram a ser considerados mais verdadeiros que outros. Importa saber os processos, os procedimentos, a feitura, a fabricação (PARAÍSO, 2018, p. 10).

Dentro desta perspectiva, o currículo torna-se a condição indispensável para que os saberes socialmente produzidos possam ser recuperados, criticados e reconstruídos para a transformação individual e social dos conhecimentos escolares. Portanto, o currículo é considerado a bússola da escola, trata-se de um instrumento que pensa a educação e as aprendizagens necessárias ao desenvolvimento do aluno.

FIGURA 3 - BÚSSOLA SIMBÓLICA

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/ZajBj3>. Acesso em: 9 maio 2018.

Para Sacristán (2000), o currículo é uma prática motivada pelo diálogo entre os agentes sociais, são eles: professores, alunos, família, dentre outros que participam do movimento educacional, considerando o currículo como uma prática e não como um objeto estático, que se refere apenas a um modelo de educação ou aprendizagens necessárias.

Macedo e Pereira (2009, p. 14) defendem “o currículo como espaço-tempo de negociação agonística de sentidos, [...] que pressupõe a diferença e a disputa que, ao invés de destruir o outro, lida com uma articulação provisória da diferença que reconhece a legitimidade da existência do outro”.

Page 20: CurríCulo e DiDátiCa na eDuCação De SurDoS

UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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DICAS

Com base na citação anterior, devemos refletir sobre a seguinte questão: Antes de conhecer o outro, primeiramente, preciso conhecer a minha história de vida, a minha existência. No entanto, não existe o outro, se não existir uma relação de igualdade independentemente das suas diferenças e vice-versa. Ou melhor, existe uma influência recíproca e histórica entre os indivíduos que se manifesta em tempo e espaços diferentes, representando assim o verdadeiro aspecto da condição humana (BARBOSA, 2011).

Podemos verificar que o currículo não pode ser analisado fora do contexto social e histórico da educação. O currículo está carregado de valores e princípios que são compartilhados em um determinado tipo de sociedade. De acordo com Silva (2007), o currículo não pode ser visto somente como um documento ou um registro de conteúdos, e sim a partir das relações estabelecidas entre sujeitos concretos.

Ou ainda, conforme Moreira (1990), o currículo já começa a ser entendido não somente como um conjunto de objetivos prescritos, prontos para serem adquiridos pelos alunos, sendo o professor somente um transmissor de conhecimentos e valores preestabelecidos, mas sim, como aquilo que objetivamente acontece ao aluno como resultado da escolarização enquanto experiência vivida.

De acordo com os autores já mencionados, o currículo precisa ser compreendido em sua essência como um processo social, e não somente como resultado dele, pois é constituído por lutas e ideologias políticas que estão legitimadas em diferentes tradições e concepções sociais. Diante do exposto, podemos entender que não há uma definição padronizada sobre currículo, mas sobre vários conceitos ou pontos de vista dos diversos autores.

Nesse sentido, é possível verificarmos que o currículo não é um instrumento passivo ou ingênuo. Ele está delineado nos documentos oficiais, nas disciplinas, no dia a dia dos professores, nas instituições de ensino, nos alunos. Como já citamos anteriormente, o currículo está permeado de relações de poder, de verdades e de diferentes significados de um grupo social.

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FIGURA 4 – QUADRO CONFIGURATIVO DAS CONDIÇÕES CURRICULARES

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/cGeZdm>. Acesso em: 9 maio 2018.

Nesse sentido, é definitivamente necessário rever a percepção de currículo e buscarmos uma nova forma de compreendê-lo no espaço educacional, superando a visão de um currículo aceito como sinônimo de um conjunto de conhecimentos determinados a priori, cujo conteúdo muda de acordo com as teorias mais aceitas pelos discursos do disciplinamento.

Portanto, o currículo sendo uma proposta educativa que se desenvolve nas práticas pedagógicas, é formado por estratégias, fases, níveis ou componentes que se relacionam entre si. E para auxiliá-los em suas reflexões, recorremos aos autores Sacristán (2000), Cesar Coll apud Andrade (2003) e Pacheco (1996), que defendem de forma mais específica questões importantes para o desenvolvimento do currículo.

4 AS ESTRATÉGIAS DO DESENVOLVIMENTO CURRICULAR

“Currículo como estratégia pela qual as escolas tentam satisfazer os fins da educação” (TRALDI, 1984, p. 37). A partir desta citação, percebemos que o currículo é o meio, o caminho para justificar e satisfazer os fins da educação. Em face dessa definição, nos reportamos a Coll (1996 apud ANDRADE, 2003), professor na Universidade de Barcelona, Espanha, um dos colaboradores na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para compreender o currículo a partir de quatro estratégias ou componentes que irão estruturar o projeto curricular:

1) O que ensinar: São as intenções educativas nos conteúdos. Coll (apud ANDRADE, 2003, p. 13) defende que estes conteúdos “devem ser analisados em seus aspectos lógicos e psicológicos”.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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2) Quando ensinar: É a estrutura lógico-psicológica dos conteúdos.3) Como ensinar: É a intervenção pedagógica, o método utilizado. Coll (apud

ANDRADE, 2003) apresenta que este precisa considerar e respeitar as diferenças individuais e a pluralidade cultural.

4) O que, como e quando avaliar: Coll (apud ANDRADE, 2003, p. 13) defende que a avaliação deve permitir o “ajuste da intervenção pedagógica às características individuais dos alunos e determinar o grau de consecução das intenções educativas do projeto pedagógico”.

Nessa perspectiva, Sacristán (2000) defende que essa construção curricular é a base ou condição necessária para entender-se questões importantes que ocorrem processualmente no desenvolvimento do currículo e que podem incidir mais decisivamente na prática educativa.

Antes de darmos sequência ao conteúdo que está sendo estudado, precisamos ter clareza de que os níveis de decisão curricular são uma construção que ocorre em diversos contextos, em uma perspectiva macro e microcurricular.

Conheça os níveis de decisão curricular apresentados por Pacheco (1996):

• Político-administrativo: as prescrições no âmbito da administração central. • Gestão: a forma pedagógica para os profissionais inseridos no âmbito da escola

e da administração regional.• Realização: contexto da ação educativa, âmbito da sala de aula.

Na realidade, conforme Pacheco (1996), é neste continuum de decisão curricular que aparecem as diferentes fases do currículo. Conforme Sacristán (2000), trata-se de um modelo que tem inter-relações recíprocas e circulares entre si, que são denominadas como: currículo prescrito, currículo apresentado aos professores, currículo modelado pelos professores, currículo em ação, currículo realizado e currículo avaliado.

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TÓPICO 1 | O QUE É CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS?

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FIGURA 5 – A OBJETIVAÇÃO DO CURRÍCULO NO PROCESSO DE SEU DESENVOLVIMENTO

FONTE: Sacristán (2000, p. 105)

Assim, Sacristán (2000) define currículo PRESCRITO como instrumento da política curricular, condicionamento de uma realidade que deve ser incorporada no currículo, prescrevendo orientações curriculares. Para Pacheco (1996), a proposta curricular formal é sancionada pela administração central, adotada por uma estrutura organizacional escolar, no caso, os planos, os programas, objetivos, atividades e orientações programáticas na elaboração de materiais curriculares de base comum, por exemplo: os PCNs, Parâmetros Curriculares Nacionais de 1ª a 4ª série e de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental; os PCNEM, Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, e os RCNEI, Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. E a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normativo que definirá o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagem para as etapas e modalidades da Educação Básica, conforme consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/1996.

DICAS

Para saber mais sobre a BNCC, acesse: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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Esses documentos oficiais, elaborados pelo MEC, Ministério da Educação, têm como proposta apoiar os sistemas educativos na elaboração e operacionalização de currículos, de acordo com cada unidade educativa e sua realidade.

Em termos gerais, o currículo prescrito cumpre as orientações e as regulações econômicas, políticas e administrativas para o sistema educacional e para os profissionais da educação.

Tendo o currículo implicações tão evidentes na ordenação do sistema educativo, na estrutura dos centros e na distribuição do professorado, é lógico que um sistema escolar complexo e ordenado tão diretamente pela administração educativa produza uma regulação do currículo. Isso se explica não só pelo interesse político básico de controlar a educação como sistema ideológico, mas também pela necessidade técnica ou administrativa de ordenar o próprio sistema educativo, o que é uma forma tecnificada de realizar a primeira função (SACRISTÁN, 2000, p. 108).

Diante disso, ainda de acordo com Sacristán (2000), o currículo prescrito possui algumas funções no desenvolvimento curricular, dentre as quais destacamos:

• O currículo prescrito como cultura comum: prescrições ligadas à ideia de um currículo comum para todos os alunos e integrantes da comunidade escolar, portanto, homogêneo para todas as escolas.

• O currículo mínimo prescrito e a igualdade de oportunidades: possibilitam que seja oferecida a todos a igualdade de oportunidades em relação aos conhecimentos mínimos que o ensino obrigatório deve oferecer. No entanto, conforme Sacristán (2000), é preciso ter cuidado na regulação dos conteúdos mínimos ou currículo comum, para não cair na ingenuidade de acreditar que se cumprirá tal potencialidade pelo fato de ser regulada administrativamente, sendo necessário analisar o poder igualador e normatizador que o currículo prescrito conjuntura.

• O currículo prescrito e a organização do saber dentro da escolaridade: são os conteúdos-base da ordenação do sistema, estabelecendo a sequência de progresso pela escolaridade e pelas especialidades que o compõem. O progresso dentro da escolaridade seria a promoção dos alunos, ao ordenar o tempo de sua aprendizagem em ciclos ou em cursos.

• O currículo prescrito como via de controle sobre a prática de ensino: pré-condiciona o ensino, em torno de códigos que se projetam em metodologias concretas nas instituições educativas.

• Controle da qualidade: são as prescrições de um determinado currículo para que se torne um referencial de controle da qualidade do sistema educativo.

• Prescrição e meios que desenvolvem o currículo: os meios podem significar a autonomia profissional ou orientar a prática pedagógica através do controle do processo. Sacristán (2000) diz que quando os profissionais da educação organizam a sua prática ou quando realizam seus planos, têm dois referenciais

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TÓPICO 1 | O QUE É CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS?

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imediatos: os meios que o currículo lhes apresenta com algum grau de elaboração, para que seja levado à prática, e as condições imediatas de seu contexto.

• O formato do currículo: A organização do sistema escolar sobre as projeções das escolas e da prática de ensino, em seus aspectos de conteúdos e métodos, vai depender de determinantes históricos, políticos, de orientações técnicas e da própria valorização que se realiza sobre a função que o formato curricular deve cumprir (SACRISTÁN, 2000).

Como podemos observar, o currículo prescrito tem como intenção unificar os diferentes conteúdos escolares para alcançar o objetivo de uma educação nacional. Nesse contexto, vamos refletir sobre as diferentes culturas, as especificidades regionais e locais, que agem diretamente dentro das escolas. Será que é possível construir uma proposta curricular sem considerar essas especificidades? Pense sobre isso.

É importante refletir que os conteúdos comuns selecionados são relevantes para a formação dos alunos, mas o currículo visto a partir das especificidades assume um novo contexto que amplia o processo da escolarização formal.

Dessa forma, percebemos que os professores, segundo Tardif (2002), não têm uma única fonte de saber. Suas concepções são influenciadas também por concepções dos programas e legislações que não são produzidos pelos professores, sendo exteriores ao ofício de ensinar, mas que estão concentrados na educação formal a cargo das instituições ou de estabelecimentos de ensino que legitimam programas, regras, princípios pedagógicos, objetivos, finalidades etc.

Já o currículo APRESENTADO AOS PROFESSORES, que está relacionado com a segunda fase da construção curricular, seria um currículo pré-elaborado aos professores. Sacristán (2000) apresenta que essa fase se dá por diferentes mediadores curriculares, que costumam traduzir aos professores o significado e os conteúdos do currículo prescrito, realizando uma interpretação deste.

Portanto, como as prescrições são muito genéricas, estas não conseguem orientar a ação educativa dos professores, que acabam não conseguindo configurar a prática a partir do currículo prescrito. Assim, se utilizam de manuais e dos livros-texto para trabalhar os conteúdos de cada série, sendo um guia, um recurso didático para o planejamento pedagógico do professor. Em outras palavras, o currículo apresentado aos professores é um currículo de controle sobre as práticas dos professores.

Sacristán (2000) aponta que esses meios planejados (materiais didáticos) são os tradutores das prescrições curriculares gerais, são depositários de competências profissionais (elaboram os conteúdos e planejam para o professor), dão segurança ao professor por manter durante um tempo prolongado a atividade e o tempo de execução.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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No entanto, coloca também que existe a possibilidade de estabelecer estratégias de melhora do currículo através desses materiais mediadores ou de renovar a prática com eles, o que dependerá do desenvolvimento curricular em um determinado contexto escolar ou da existência de materiais adaptados a diferentes necessidades dos alunos.

Por CURRÍCULO MOLDADO PELOS PROFESSORES, Sacristán (2000) entende como aquele que é traduzido pelos professores, que são os agentes ativos e decisivos na concretização dos conteúdos e significados do currículo.

Essa ideia de mediação, transferida para a análise do desenvolvimento do currículo na prática, significa conceber o professor como um mediador decisivo entre o currículo estabelecido e os alunos, um agente ativo no desenvolvimento curricular, um modelador dos conteúdos que se distribuem e dos códigos que estruturam esses conteúdos, condicionando, com isso, toda a gama de aprendizagens dos alunos (SACRISTÁN, 2000, p. 166).

Dessa forma, os professores podem refletir sobre a sua didática (atuação docente) e ação educativa que será organizada no trabalho pedagógico a partir da realidade social, cultural e escolar. Exemplos de currículo moldado pelos professores, conforme Sacristán (2000), são os projetos político-pedagógicos elaborados efetivamente por cada instituição, os projetos educativos formulados pelos professores em períodos determinados e o planejamento das práticas, que pode ser individual ou coletivo.

Quanta informação, não é mesmo? Estudaremos agora o currículo que

remete ao fazer pedagógico do professor, ao seu cotidiano e à prática real.

A fase do currículo real (KELLY (1981); PERRENOUD (2003) apud PACHECO, 1996) ou do CURRÍCULO EM AÇÃO, conforme Sacristán (2000), é um currículo operacional, pois ele acontece em um contexto de ensino e as intenções educativas deste currículo ocorrem na prática pedagógica, no dia a dia do professor.

Para o autor, é na prática pedagógica que se concretizam as intenções educativas do currículo. Dessa forma, este currículo revela o valor das pretensões curriculares, no entanto, ele adverte que nessa prática é necessário considerar alguns fatores, como: as tradições metodológicas, as condições físicas presentes no contexto da instituição e as possibilidades de atuação e autonomia docente.

CURRÍCULO REALIZADO ou currículo experiencial (GOODLAD (1979) apud PACHECO, 1996) é a interação didática, a vivência pedagógica de alunos, professores e demais integrantes da comunidade escolar. Assim, este currículo tem como consequência da prática os efeitos complexos, como: o afetivo, o social, o moral e o cognitivo, que não estão previstos nos programas oficiais, mas sim, na experiência escolar, na observação, a partir das opiniões dos seus participantes.

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TÓPICO 1 | O QUE É CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS?

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Conforme Pacheco (1996, p. 70), “quando o currículo realizado não corresponde ao currículo oficial, [...] então diz-se que existe o currículo oculto [...], com diversas denominações: implícito, latente, não intencional, não ensinado, escondido”. Portanto, como afirma Sacristán (2000), esses efeitos fazem parte dos “rendimentos” advindos do sistema ou dos métodos pedagógicos.

Por último, o CURRÍCULO AVALIADO, conforme Sacristán (2000), é o currículo que reforça as pressões exteriores que sofrem os professores quanto às validações, ideologias e títulos que os sistemas de ensino precisam oferecer, impondo critérios para o ensino do professor e para a aprendizagem dos alunos, por exemplo: Provinha Brasil, Enade e Prova Brasil. Pacheco (1996), ainda, faz-nos a seguinte pergunta: Quem decide sobre o currículo? A resposta vai depender do modelo de decisão curricular adotado através da política curricular. Portanto, “o controle do saber é inerente à função social estratificadora da educação e acaba por configurar toda uma mentalidade que se projeta inclusive nos níveis de escolaridade obrigatória e em práticas educativas que não têm uma função seletiva nem hierarquizadora” (SACRISTÁN, 2000, p. 106).

DICAS

Para saber um pouco mais sobre a Prova Brasil e a Provinha Brasil, acesse o site: <www.mec.gov.br>. Acesso em: 9 maio 2018; e sobre o Enade: <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=313&id=181&option=com_content&view=article>. Acesso em: 9 maio 2018.

Após essas discussões, você está convidado a refletir acerca do currículo, percebendo como ele se constituiu ao longo do processo histórico e educacional.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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Disciplinas ou grade curricular a ser

seguida.Definição de conteúdos e objetivos de

aprendizagem que a criança pode obter em um determinado

período.

Concretização das funções da

própria escola para reproduzir valores

e ideologias de uma sociedade.

Proposta que se configura na prática pedagógica em cada

contexto social e cultural.

Percurso formativo de professores e

alunos.

Orientação didática, devidamente

ordenada e planejada. Como um manual do

professor.

Currículo

FIGURA 6 – CURRÍCULO AO LONGO DO PROCESSO EDUCACIONAL

FONTE: A autora

DICAS

Para ampliar os seus conhecimentos acerca deste conteúdo, é importante fazer a leitura do livro O currículo: uma reflexão sobre a prática, do autor José Gimeno Sacristán. As informações contidas nesta obra serão de extrema relevância para a sua prática pedagógica, ressalta também o momento histórico em que se cria e se aplica o currículo, a cultura e a necessidade de conscientização da filosofia e das crenças que embasam a política curricular e as práticas no cotidiano escolar.SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000.

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TÓPICO 1 | O QUE É CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE SURDOS?

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FIGURA 7 – IMAGEM ESCANEADA DA CAPA DO LIVRO O CURRÍCULO: UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA

FONTE: Disponível em: <https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/I/51M2VTNq1IL._SX351_BO1,204,203,200_.jpg>. Acesso em: 18 maio 2018.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• O currículo é uma palavra proveniente do latim currere, que indica caminho, trajetória, um percurso a ser realizado nas relações existentes entre escola e sociedade.

• A construção do currículo é permeada por relações entre a escola e a sociedade, e ainda, por interesses políticos e ideológicos.

• O currículo é considerado a bússola da escola, trata-se de um instrumento que pensa a educação e as aprendizagens necessárias ao desenvolvimento do aluno.

• O currículo não é um instrumento passivo ou ingênuo, ele está delineado nos documentos oficiais, nas disciplinas, nos professores, nas instituições de ensino e nos alunos. Ele está permeado de relações de poder, de verdades e de diferentes significados de um grupo social.

• Strobel apud Plinski (2011) mostra o retrocesso na história da educação de surdos, em que as políticas públicas para este atendimento, geralmente, são elaboradas na perspectiva dos ouvintes e não dos surdos.

• Plinski (2011) reforça que uma proposta curricular acolhedora e flexível à educação de surdos precisa não apenas de adaptações curriculares desenvolvidas nas escolas regulares, e sim de um currículo surdo em movimento.

• César Coll (apud ANDRADE, 2003) apresenta-nos que as decisões sobre o que incluir no Projeto Curricular estão contempladas nos quatro componentes do currículo: ᵒ O que ensinar?ᵒ Quando ensinar?ᵒ Como ensinar?ᵒ O que, como e quando avaliar?

• A construção curricular é a base ou condição necessária para entender questões importantes que ocorrem processualmente no desenvolvimento do currículo e que podem incidir mais decisivamente na prática educativa.

• Os níveis de decisão curricular são uma construção que ocorre em uma perspectiva macro e microcurricular. Os níveis de decisão curricular apresentados por Pacheco (1996) são: Político-administrativo; Gestão; e, por último, Realização.

RESUMO DO TÓPICO 1

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• O desenvolvimento curricular possui níveis ou fases que se relacionam entre si. Conforme Sacristán (2000), são denominadas como: currículo prescrito, currículo apresentado aos professores, currículo modelado pelos professores, currículo em ação, currículo realizado e currículo avaliado.

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1 César Coll defende quatro estratégias que estruturam o currículo, baseadas em questões que nos ajudam a refletir sobre sua composição. De acordo com o assunto estudado, escreva o que você entendeu sobre cada etapa e apresente de que modo isso ocorre no cotidiano escolar:

a) O que ensinarb) Quando ensinarc) Como ensinard) O quê, como e quando avaliar

2 O conceito de currículo é multifacetado e, por isso, as peculiaridades dos saberes construídos no espaço escolar servem de base para o desenvolvimento curricular. Assim, o currículo é utilizado para fases distintas, entre elas a fase do Currículo em Ação. Descreva sobre esta fase na perspectiva da educação de surdos.

3 Acadêmico, em sala, faça um debate acerca do documento “A educação que nós surdos queremos”.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

CURRÍCULO: CENÁRIO E TEORIAS

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste item, percorreremos a história do currículo no Brasil, bem como, as teorias curriculares que correspondem a um conjunto organizado de análises, interpretações e compreensões acerca do currículo.

A importância de discutir e elaborar o currículo é fundamental para quem atua na educação. Cada país e suas escolas traçam o seu currículo. Desta forma, o currículo é polissêmico e modifica-se com o movimento histórico, assim, o currículo permeou e permeia o cotidiano do ambiente escolar e social.

Por isso é tão importante discutir sobre a história do Currículo, que teve o seu auge nos Estados Unidos, em 1918, onde houve um processo de massificação da escolarização e desenvolvimento da industrialização. A preocupação central era a testagem de currículos, que teve a aceitação da maioria das escolas, professores e comunidade escolar. Esse currículo é conhecido como tradicional.

DICAS

Que tal assistir ao vídeo da música Another Brick In The Wall da banda Pink Floyd, para compreendermos este processo de execução e planejamento de tarefas, conforme coloca Pacheco (2005): preparar as crianças para a vida adulta. Em sala fazer uma pequena reflexão ou ainda uma encenação a partir da música. Registrar e compartilhar para portfólio do curso. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mP-ZAgsMAkE>. Acesso em: 17 maio 2018.

NOTA

Todas as atividades realizadas em sala podem ser registradas no portfólio do curso de Letras Libras, e enviadas aos cuidados da coordenação de curso.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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Ainda nesse processo histórico, temos a teoria crítica, que aborda a trajetória do currículo como um espaço de luta e práticas de dominação, de poder, forjando a identidade do sujeito, e, por último, a teoria pós-crítica que amplia a inclusão dos processos de dominação centrados na raça, etnia, gênero e sexualidade.

Portanto, o currículo não é neutro, neste sentido, conforme já vimos

por César Coll (1996) apud Andrade (2003), o trabalho pedagógico precisa ser organizado em como devemos ensinar; para quem devemos ensinar; quais os objetivos e quais os valores e competências devemos ou desejamos repassar. Vejamos!

2 CURRÍCULO E O SEU CENÁRIO HISTÓRICO NO BRASIL

Você sabia que o nosso currículo é uma influência dos movimentos que ocorreram tanto por parte dos norte-americanos como europeus? Percebemos que cada país e/ou cada escola devem traçar seu currículo e isso com base nos parâmetros que regem sua nação. Mas para entender a atualidade, é importante entender um pouco dessa caminhada do currículo no Brasil.

Como marco, podemos indicar a década de 1920 como o início das discussões sobre o currículo no Brasil, com influências do pensamento norte-americano. O país vivia então um processo de urbanização e de industrialização.

Nesse contexto, o movimento da Escola Nova iniciou reformas curriculares de modo isolado na Bahia, em Minas Gerais e no Distrito Federal. Movimento este que se baseou no modelo pragmatista de Dewey. Seu intuito era superar o pensamento tradicional, defendendo mudanças curriculares e pedagógicas, como:

Do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada, principalmente, nas contribuições da biologia e da psicologia (SAVIANI, 1993, p. 20).

NOTA

A teoria pragmatista de Dewey ofereceu um modelo de currículo que pregava o autodomínio e o autogoverno, no qual o aluno deveria aprender fazendo.

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TÓPICO 2 | CURRÍCULO: CENÁRIO E TEORIAS

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DICAS

Para saber mais sobre a Escola Nova, acesse: <http://www.educacional.com.br/glossariopedagogico/verbete.asp?idPubWiki=9577>.

Assim, em 1932, foi escrito e divulgado o documento que se tornou o marco inaugural do projeto de renovação educacional. O documento é conhecido como Manifesto dos Pioneiros, e defendia a concretização de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita.

Anísio Teixeira, educador engajado no movimento da Escola Nova, impulsionou uma reorganização do currículo, passando a entendê-lo como um modo de alcançar objetivos, que nesse caso foi de capacitar indivíduos a viver em sociedade. Conforme indica Moreira, “tal concepção implicou a ênfase não só no crescimento intelectual do aluno, mas também em seu desenvolvimento social, moral, emocional e físico” (1990, p. 88).

O pensamento de Teixeira recebeu influências de Dewey, considerando o currículo como o conjunto de ensinamentos para toda a vida.

Dewey e Teixeira tiveram seus pensamentos voltados para a identificação e a proposição de uma educação a serviço do que eles entendem por uma sociedade democrática e justa, uma educação que se empenhe em formar o ser humano e não apenas formar sujeitos que estão aptos a desempenharem papéis instrumentais. Outra reforma, nessa mesma época, foi incitada por Fernando de Azevedo. Sua intenção era também relacionada à aproximação da sociedade com a escola.

Paralelo às ações nacionais, o INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos) e o PABAEE (Programa de Assistência Brasileiro-Americano de Educação Elementar) incentivaram experiências e pesquisas na educação, focando nos currículos as necessidades sociais e capacidades individuais.

Nesse ínterim, a influência americana nos currículos nacionais ampliava-se nas próximas décadas, fortalecendo-se com acordos entre MEC-USAID (United States Agency for International Development).

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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NOTA

O PABAEE foi o resultado de um acordo entre Brasil e os Estados Unidos, com o objetivo de melhorar a educação brasileira a partir do aperfeiçoamento de professores da Escola Normal, enviando bolsistas brasileiros aos Estados Unidos para receberem cursos.MEC-USAID: os acordos visavam estabelecer convênios de assistência técnica e cooperação financeira à educação brasileira. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968, período de maior intensidade nos acordos, foram firmados 12, abrangendo desde a educação primária (atual Ensino Fundamental) ao ensino superior. O último dos acordos firmados foi no ano de 1976. Para saber mais, acesse: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_mec-usaid%20.htm>.

FIGURA 8 - USAID

FONTE: Disponível em: <http://teresinaantiga.com/resources/usaid.jpeg?timestamp=1425771064077>. Acesso em: 12 abr. 2018.

Os anos de 1930 e 1940 foram marcados por discussões, reformulações e influências no currículo. Por um lado, a defesa de um currículo em que se privilegiasse o ensino gratuito e obrigatório, e, por outro, a perspectiva de um currículo com base patriótica, e ainda a imposição de um regime mais autoritário, com a presidência de Getúlio Vargas no poder.

NOTA

Em 1955, o primeiro livro sobre currículo foi publicado por João Roberto Moreira, intitulado Introdução ao Estudo da Escola Primária.

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TÓPICO 2 | CURRÍCULO: CENÁRIO E TEORIAS

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Após este período, “com o golpe militar em 1964, todo o panorama político, econômico, ideológico e educacional do país sofreu substanciais transformações. Diversos acordos foram assinados com os Estados Unidos visando à modernização e racionalização do país” (MOREIRA, 1990, p. 83).

As discussões sobre currículo se ampliavam no cenário nacional. Um exemplo disso é a introdução da disciplina Currículos e Programas nas faculdades de educação, com a entrada da Lei 5.540, de 1968, a qual ainda centrava-se em uma visão tecnicista de currículo.

A partir dos anos 80, o pensamento sobre currículo foi pensado de acordo com outras influências, tanto norte-americana como europeia e, sobretudo, com pesquisas e estudos realizados na realidade brasileira. Todo esse movimento aconteceu em decorrência da redemocratização do Brasil e enfraquecimento da Guerra Fria. Nessa época, o pensamento curricular voltou-se ao viés marxista, em uma visão mais política.

ESTUDOS FUTUROS

Para saber mais sobre a redemocratização, consulte a Constituição Federal de 1988. Ela foi um dos marcos da cidadania no Brasil com o intuito de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 maio 2018.

Com influências múltiplas e vivências e discussões nacionais, a partir dos anos de 1990, o currículo foi tratado em uma perspectiva mais sociológica, pois até então seu pensamento era mais focado na psicologia.

Já pelo viés sociológico, a discussão girava em torno do currículo e conhecimento, na qual questões referentes às relações entre conhecimento científico, conhecimento escolar, saber popular e senso comum eram centrais (BARRETO apud LOPES; MACEDO, 2002), além dos processos de seleção dos conteúdos que compõem o currículo.

3 CURRÍCULO: SUAS TEORIAS

Sabemos que o currículo não é definido de forma estanque. Para compreender esse processo, é necessário que você conheça as teorias curriculares e que, por meio delas, você identifique as tradições e crenças de um determinado período histórico e as mudanças sociais a ele inerentes, e que assim você possa,

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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sobretudo, desvelar as ideologias que carregam, observando seus comportamentos didáticos, políticos, culturais, administrativos, econômicos etc.

O papel das teorias curriculares não representa uma perspectiva sólida e acabada para descrever os fenômenos, ela corresponde a um conjunto organizado de análises, interpretações e compreensões acerca do currículo.

Sabemos que o currículo tem finalidades sociais, culturais e políticas que se atribuem à escola. É o sistema de governo que instrumentaliza o currículo escolar a partir da seleção de conteúdos, missão, correntes filosóficas, condicionamentos históricos, processos políticos e determinações sociais. Portanto, dizemos que o currículo não pode ser compreendido sem levarmos em conta os processos que o permeiam.

Nesse cenário, o currículo, conforme já estudado, pode ser caracterizado como um objeto historicamente construído e socialmente determinado, lugar de luta de diferentes forças sociais que dão visibilidade a diversas interpretações que podem se desdobrar em diferentes visões políticas e ideológicas, as quais vão chegando até nós em forma de disciplinas, carregadas de valores e pressupostos.

Portanto, é importante relembrarmos que o currículo não é um elemento neutro nem inocente na transmissão de seus conhecimentos. Nóvoa (1997 apud PACHECO, 2005, p. 19) afirma que o currículo:

[...] tende a legitimar certos grupos e tendências em desfavor de outros. Neste sentido, ele deve ser visto como parte dos jogos de interesses que definem o trabalho acadêmico e os processos de legitimação das diversas correntes científicas.

Percebemos então que o currículo reflete o conflito de interesses de uma sociedade e os valores dominantes que regem os processos educativos. Por ora, tomaremos a definição de currículo elaborada por Pacheco (2005, p. 80): “Currículo é um produto da história humana e social, é um meio através do qual os grupos poderosos exerceram uma influência muito significativa sobre os processos mediante os quais eram e são educados os jovens”.

Para demonstrar o que estamos afirmando, conheceremos a genealogia do currículo, a seguir.

As teorias tradicionais

Você sabia que o termo currículo só começa a se tornar recorrente após a Segunda Guerra? Foi devido à franca ascensão do mundo industrial, que determinou novos comportamentos sociais e culturais relativos à queda dos monopólios, como também à livre competição, à produção industrial em larga escala e ao aumento de empregados nas fábricas.

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TÓPICO 2 | CURRÍCULO: CENÁRIO E TEORIAS

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Foi nessa época, precisamente no século XIX, que a tradição disciplinar humanista foi retomada por John Franklin Bobbitt nos Estados Unidos. Conectado às aspirações da nação daquela época, Bobbitt tinha como propósito planejar cientificamente as atividades pedagógicas e controlá-las, de modo a evitar que o comportamento e o pensamento do aluno se desviassem das propostas do atual contexto americano. O modelo humanista estava obsoleto para os propósitos da vida moderna e para as atividades laborais, assim como o latim e o grego apresentavam-se supostamente inúteis para a preparação para o trabalho na vida contemporânea.

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/W3gqSE>. Acesso em: 20 abr.2018.

FIGURA 9 – JOHN FRANKLIN BOBBITT

Segundo Moreira e Silva (2001), duas tendências impulsionaram o currículo daquela época, uma centrada no pensamento de Bobbitt em seu livro The Curriculum (1918), e outra representada nos pensamentos de Dewey em seu livro The children and the curriculum (1902). Veja a seguir a definição de currículo dada por Bobbit (1918, p. 42 apud PACHECO, 2005) na obra dele The Curriculum:

A palavra latina curriculum refere-se ao percurso de uma carreira ou a carreira em si, um lugar de feitos ou uma série de feitos. Aplicada à Educação, é aquela série de coisas que as crianças e os jovens têm de fazer e experimentar, de modo a desenvolverem capacidades para fazerem as coisas, para conseguirem resolver os problemas da vida adulta e ser o que os adultos devem ser em todos os aspectos.

O tradicionalismo da concepção de Bobbit via o currículo como um processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosamente e rigorosamente medidos e especificados (SILVA, 2007). O modelo seguido por Bobbitt era o fabril, cuja inspiração teórica provinha de Taylor, precursor do

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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movimento da administração científica, cuja teoria defendia a administração do tempo nas fábricas, planejamento e divisão do trabalho (TRAGTENBERG, 2004), bem como a separação entre as funções de execução e planejamento de tarefas.

O modelo curricular de Bobbitt era composto de objetivos, procedimentos e métodos para obtenção de resultados, os quais deveriam estar rigorosamente mensurados de modo a possibilitar sua verificação. Nesse modelo, a educação estava, essencialmente, voltada para a vida adulta. Pacheco (2005) aponta a responsabilidade da educação daquela época em preparar para os 50 anos de vida adulta e não para os 20 anos de infância e adolescência.

Perceba, nas palavras de Bobbitt, a forma empresarial com que ele concebia a educação: “A educação é o processo de crescimento na direção certa. Os objetivos são as metas do crescimento. As atividades e experiências do aluno são os passos que completam a sua jornada em direção a estas metas. As atividades e experiência são o currículo” (PACHECO, 2005, p. 33)

Uma segunda tendência estadunidense foi liderada por Dewey, que estava mais preocupado com a democracia do que com o funcionamento da economia.

FIGURA 10 – JOHN DEWEY (1859-1952)

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/Lt8zMC >. Acesso em: 20 abr. 2018.

Dewey, cuja teoria de base estava concentrada no livro The children and the curriculum (1902), achava importante levar em consideração as experiências das crianças e dos jovens. Vejamos as considerações de Popkewitz sobre o pragmatismo de Dewey.

O pragmatismo de Dewey está inscrito nessas narrativas e nessas imagens nacionais que falam da criança como o futuro cidadão preparado para agir e solucionar problemas. O modo de viver estava ligado aos princípios de cidadania em uma sociedade em progresso e democrática (POPKEWITZ, 2005 apud POPKEWITZ, 2001, p. 81).

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TÓPICO 2 | CURRÍCULO: CENÁRIO E TEORIAS

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Segundo Popkewitz (1997), Dewey combinava assuntos diferentes para estruturação da escolarização, suas ideias baseadas na democracia recusavam as propostas evangélicas e elitistas da escolarização. Tais ideias proporcionavam uma intervenção prática contra a concentração de riquezas e poder, que resultaram na industrialização. Sua pedagogia visava temas como: voluntarismo, otimismo, individualismo e aperfeiçoamento. Seu interesse era de definir uma inteligência que trabalharia a favor da democracia.

O modelo de Bobbitt encontra sua máxima corporificação nas ideias de Ralph Tyler (1949), que se alinham às dele no que tange à organização e desenvolvimento do currículo. Tyler (1949) não só se alinha como também expande e inclui fontes que não tinham sido contempladas por Bobbitt.

FIGURA 11 – RALPH TYLER (1902-1994)

FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-Fmn8QNp2IwI/TfFMD8ezzlI/AAAAAAAAAAw/NNafC2mHvqY/s1600/ralph+Tyler.png>. Acesso em: 20 abr. 2018.

O modelo de Tyler (1949) incluía:

• Estudos sobre os próprios aprendizes.• Estudos sobre a vida contemporânea fora da escola.• Sugestões dos especialistas das diferentes disciplinas.

E inova com:

• A Psicologia e as disciplinas acadêmicas.

A Queda da Bolsa de Nova York em 1929 foi um fator determinante para a elaboração do projeto Eight Year Study, no qual Tyler (1949), interessado em ultrapassar a depressão do período, elaborou sua teoria curricular inserindo-a na abordagem tecnológica.

Tyler (1949) manteve o nível de planificação dentro da perspectiva linear das teorias tradicionais do currículo. As descrições curriculares do autor continuaram a se preocupar com os objetivos, conteúdos, atividades e avaliações.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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Suas principais questões acerca do currículo eram (TYLER, 1949):

• “Que objetivos educacionais a escola procura atingir?”• “Que experiências educacionais podem ser proporcionadas para que seja

possível atingir esses objetivos?”• “Como podem essas experiências educacionais ser eficazmente organizadas?”• “Como podemos determinar se esses objetivos estão a ser atingidos?”

A noção tyleriana dominou a literatura curricular estadunidense durante um longo período, reduzindo o currículo a uma visão mecânica, técnica e burocrática.

É importante salientar que os autores da Teoria Tradicional, tanto os técnicos como os progressistas, combatiam o currículo clássico humanista, que servia aos interesses da classe dominante. A democratização da escola pôs fim ao currículo humanista, sobretudo com o pragmatismo de Dewey, que fez fortes críticas aos valores, às crenças, às instituições e aos costumes humanistas, em prol de uma educação democrática.

No final dos anos 60, alguns fatores desafiavam a sociedade americana, como o racismo, o desemprego, a violência urbana, a delinquência, as condições precárias de moradia e o envolvimento dos Estados Unidos na guerra do Vietnã, que contribuíram para que se desenvolvesse no país uma contracultura, a qual reclamava por liberdade sexual, gratificação imediata, naturalismo, o uso de drogas e a paz. Essas reivindicações constituíram o movimento hippie da década. Movimentos sociais também se estruturavam na defesa dos negros, das mulheres, dos homossexuais na luta pela eliminação de aspectos patriarcais e sexistas do currículo.

Como você percebeu, existia uma grande preocupação com questões de justiça social, liberdade e com as desigualdades que assolavam o contexto desta década. Os inconformismos com as desigualdades e com a reprodução das estruturas sociais refletidas no currículo colocaram a escola no alvo de diversas críticas, apontando-a como instituição opressiva e castradora.

Diferentes autores foram buscar apoio em teorias sociais que estavam surgindo na Europa para a compreensão das questões curriculares.

As teorias críticas

Nesta época, começava-se a colocar em xeque a adoção de procedimentos científicos para a avaliação, a pesquisa quantitativa, o planejamento e a implantação dos currículos deixavam pouco a pouco de serem supervalorizados. Outras preocupações passam a se estabelecer como eixo para as elaborações das teorias críticas do currículo.

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TÓPICO 2 | CURRÍCULO: CENÁRIO E TEORIAS

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A principal preocupação não estava em como fazer o currículo, mas em desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz. O objetivo das teorias críticas é a orientação para a emancipação e a direção em busca do comportamento crítico. Suas abordagens são críticas e comprometidas com as lutas e práticas de dominação. A análise crítica nos currículos implica o questionamento do conhecimento, das relações de poder, das identidades como espaços de construção onde a produção dos discursos reflete as desigualdades e os aspectos de contestação.

Vejamos a seguir algumas definições de currículo tomadas pelas teorias críticas:

• O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é uma reação de poder. O currículo é trajetória, percurso. O currículo é autobiografia, a nossa vida. O curriculum vitae: no currículo forja-se a nossa identidade. O currículo é texto diverso, documento. O currículo é documento de identidade (SILVA, 2000 apud PACHECO, 2005, p. 95).

• O currículo carrega marcas indeléveis das relações sociais de poder. O currículo é capitalista. O currículo reproduz culturalmente as estruturas sociais. O currículo tem um papel decisivo na reprodução das estruturas de classe da sociedade capitalista. O currículo é um aparelho ideológico do Estado. O currículo transmite a ideologia dominante. O currículo é, em suma, um território político (SILVA, 2007, p. 147-148).

Percebemos que as teorias críticas se constituem, portanto, em uma ferramenta que alerta os professores a entender que o currículo é uma construção que também lhes pertence, mas não porque o currículo prescrito lhes dá essa pequena margem de autonomia, mas porque o currículo é uma construção que faz parte das lutas e das relações sociopolíticas.

NOTA

Sacristán (2000) nomeia como currículo prescrito os documentos oficiais que orientam a educação nacional, por exemplo: As propostas curriculares de cada Estado brasileiro.

Nesse ponto, temos também o currículo oculto que ensina o conformismo, a obediência e o individualismo, ele estabelece comportamentos para as crianças das classes operárias para que elas adquiram atitudes próprias de seu papel de subordinação, enquanto as crianças de classes proprietárias aprendem traços sociais de seu papel de dominação (SILVA, 2007).

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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O currículo oculto é determinante também nas questões de gênero, de sexualidade e de raça. A partir dele criam-se identidades, aprende-se a ser homem ou mulher, heterossexual ou homossexual, bem como a identificação com uma determinada raça ou etnia.

Para Silva (2007), a própria disposição do espaço escolar contribui para enviar mensagens escolares, por exemplo: Um espaço rigidamente organizado emite certo tipo de juízo, enquanto espaços cujas disposições são mais democráticas emanam outro tipo de raciocínio.

A forma com que a escola concebe o tempo é outro fator constituinte do currículo oculto, ou seja, na escola há um tempo para chegar, tempos determinados para cada uma das matérias, tempo para executar as tarefas etc.

As teorias pós-críticas

Ao falarmos pós, não queremos remetê-lo(a) a um sentido de superação das teorias críticas, até porque as teorias pós-críticas retomam alguns objetos que foram tomados nas teorias críticas e os combina em algumas de suas análises, utilizando-se especialmente suas premissas relativas ao poder.

Vejamos, a seguir, como Silva (2000, p. 106) define as teorias pós-críticas. Ela questiona, por exemplo, um dos conceitos centrais da teoria crítica, o de ideologia, por seu comprometimento com noções realistas de verdade. Da mesma forma, seguindo Michel Foucault, a teoria pós-crítica distancia-se do conceito polarizado de poder, da teoria crítica. Ela coloca em dúvida, ainda, as noções de emancipação e libertação, tão caras à teoria crítica, por seus pressupostos essencialistas.

A visão do poder tomada pelas teorias pós-críticas é de um poder descentralizador, multiforme e multifacetado, não mais centrado no Estado, talvez meio invisível, pela sua dispersão em toda a rede social.

Nessa questão, estas teorias enxergam o conhecimento como parte inerente ao poder. Em contraste com as teorias críticas, as teorias pós-críticas não limitam a análise do poder ao campo das relações econômicas do capitalismo. Com as teorias pós-críticas, o mapa do poder é ampliado para incluir os processos de dominação centrados na raça, na etnia, no gênero e na sexualidade (SILVA, 2007, p. 149).

Segundo Corazza (2002), as teorias pós-críticas não formulam uma verdade absoluta, mas verdades sempre parciais, cujos resultados encontram-se abertos pelas possibilidades de outras linguagens. Elas também não se comprometem com verdades totalizantes e unificadoras sobre o que seja verdade ou o que seja verdadeiro para um currículo.

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TÓPICO 2 | CURRÍCULO: CENÁRIO E TEORIAS

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Portanto, percebemos que para as teorias pós-críticas, o currículo é uma invenção social, assim como o Estado, a nação, a religião, e que ele é o resultado de um processo histórico de dominação. Sua divisão em matérias ou disciplinas, a divisão do tempo, a sua organização hierárquica e a seleção de seus conteúdos estão concentradas nas relações de poder e também fazem parte das invenções sociais.

Fundamentalmente, essas teorias contestam as ideias que aprisionam o sujeito, procurando desvelar posturas salvacionistas, progressistas e positivistas contidas no currículo, problematizando as relações saber-poder e a cultura nele contidas.

É importante salientar que na perspectiva pós-crítica, o discurso multicultural pode ser apropriado por agências poderosas e sendo utilizado como políticas públicas. O entendimento sobre o multiculturalismo perpassa questões culturais e de poder. As palavras que caracterizam este modo de luta política são: respeito, tolerância e convivência pacifica entre diferentes culturas.

Desta forma, a perspectiva pós-crítica não se satisfaz com a questão da tolerância destinada a esses grupos. Ela quer saber como essas diferenças estão sendo produzidas e reproduzidas através das relações de poder.

Enfim, o multiculturalismo entende que a humanidade é composta de diversas culturas que perpassam, principalmente, pelas relações de gênero, raça e sexualidade. [...] Ou seja, nossa identidade sexual são alvos fundamentais na normalização empreendida pela instituição escolar. O processo de ocultamento de determinados sujeitos pode ser flagrantemente ilustrado pelo silenciamento da escola em relação aos/às homossexuais (LORO, 2005, p. 88).

Neste momento, verifique a síntese que elaboramos, que caracteriza as três teorias do currículo, as quais estão resumidamente apresentadas no quadro a seguir, com base no livro Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo, de Tomaz Tadeu da Silva (2007).

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

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TEORIAS TRADICIONAIS CRÍTICAS PÓS-CRÍTICASDISCURSO Científico Dialético SubjetivoRACIONALIDADE Técnica Comunicativa SubjetivaCONCEITOS/TERMOS

Ensino AprendizagemAvaliaçãoMetodologiaDidáticaOrganizaçãoPlanejamentoEficiência Objetivos

IdeologiaReprodução Cultural e SocialPoderClasse SocialCapitalismoRelações Sociais de ProduçãoConscientizaçãoEmancipação e LibertaçãoCurrículo OcultoResistência

IdentidadeAlteridadeDiferençaSubjetividadeSignificação eDiscursoSaber-PoderRepresentaçãoCulturaGêneroRaçaEtniaSexualidadeMulticulturalismo

QUADRO 1 – PALAVRAS-CHAVE DAS TRÊS TEORIAS DO CURRÍCULO

FONTE: Elaborado com base no Livro Documentos de Identidade, de Tomaz Tadeu da Silva, 2007.

Antes de continuar a leitura do nosso livro de estudos, é importante que você faça um resumo de tudo o que já estudamos até agora. Bons estudos!

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você viu que:

• No Brasil, o movimento da Escola Nova baseou-se no modelo pragmatista de Dewey. Em 1932, foi escrito e divulgado o documento que se tornou o marco inaugural do projeto de renovação educacional. O documento é conhecido como Manifesto dos Pioneiros, e defendia a concretização de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita.

• A influência americana nos currículos nacionais fortaleceu acordos entre MEC-USAID (United States Agency for International Development).

• As discussões sobre currículo se ampliavam no cenário nacional. Um exemplo disso é a introdução da disciplina Currículos e Programas nas faculdades de educação, com a entrada da Lei 5.540, de 1968, a qual ainda se centrava em uma visão tecnicista de currículo.

• As teorias curriculares tradicionais foram uma reação ao modelo de currículo humanista que não mais se encaixavam para a época progressista. O tradicionalismo teve Bobbit como seu principal precursor, que elaborou um modelo de currículo baseado no processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosamente e rigorosamente medidos e especificados (SILVA, 2007).

• O modelo seguido por Bobbitt era o fabril, cuja inspiração teórica provinha de Taylor, precursor do movimento da administração científica, cuja teoria defendia a administração do tempo nas fábricas, planejamento e divisão do trabalho (TRATEMBERG, 2004), bem como a separação entre as funções de execução e planejamento de tarefas.

• A principal preocupação das teorias críticas não estava em como fazer o currículo, mas em desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz.

• As teorias pós-críticas não se utilizam do termo pós na perspectiva de superação das teorias críticas. Contestam, também, as ideias que aprisionam o sujeito, procurando desvelar posturas salvacionistas, progressistas e positivistas contidas no currículo, problematizando as relações saber-poder e a cultura nele contidas.

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1 Relacione as diferentes teorias do currículo aos principais conceitos utilizados para conceber a realidade, numerando corretamente a coluna da direita de acordo com a da esquerda (IFSC, EDITAL 007/2010).

(1) Teorias tradicionais ( ) ideologia(2) Teorias críticas ( ) classe social(3) Teorias pós-críticas ( ) identidade ( ) planejamento ( ) representação ( ) reprodução social e cultural ( ) avaliação ( ) aprendizagem

( ) cultura ( ) currículo oculto

A ordem correta de associação, de cima para baixo, é:a) 2, 2, 3, 1, 3, 3, 2, 1, 3, 3.b) 1, 1, 3, 1, 3, 3, 1, 1, 3, 1.c) 2, 2, 3, 1, 3, 2, 1, 1, 3, 2.d) 2, 2, 2, 1, 3, 2, 1, 3, 3, 1.e) 1, 1, 3, 1, 3, 2, 2, 1, 3, 2.

2 Sobre as teorias tradicionais de currículo, analise as afirmações a seguir:

I- Segundo Bobbitt, uma escola deve se organizar para funcionar como uma indústria ou uma empresa comercial. Assim, deve utilizar o modelo de organização proposto por Taylor, o taylorismo.

II- Na perspectiva adotada por Bobbitt, deve haver distinção entre os que pensam e os que executam as tarefas. Assim, defendia a administração do tempo nas fábricas e a divisão de trabalho, bem como, a separação entre as funções de execução e planejamento de tarefas.

III- Segundo Bobbitt, a educação é um processo de crescimento na direção certa. As atividades e experiência são o currículo.

IV- Atualmente, as propostas formuladas por Bobbitt e Tyler, os maiores expoentes da perspectiva curricular tradicional, estão completamente superadas. Somente os postulados das teorias críticas e pós-críticas embasam as construções curriculares.

Agora, assinale a alternativa correta:a) ( ) As alternativas I, II, III e IV estão corretas.b) ( ) As alternativas II, III e IV estão corretas.c) ( ) As alternativas I, II e III estão corretas.d) ( ) As alternativas III e IV estão corretas.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 3

CURRÍCULO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO/

SABERES NA ORGANIZAÇÃO DISCIPLINAR

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Você já ouviu falar do termo Interdisciplinaridade? Ou já sabe a diferença que existe entre os termos saber e conhecimento? Se não, esta é a oportunidade. Tomando por base o histórico da educação, tivemos várias teorias ou tendências já estudadas que fundamentaram os modelos curriculares existentes.

Nesta perspectiva, a ação humana tende a perpetuar as ações que se mostram como respostas vitoriosas aos desafios apresentados na educação. Como exemplo dessa influência no currículo escolar, notamos o ensino baseado em diversos compartimentos. No caso, disciplinas ou cursos considerados mais importantes, e a valorização dos profissionais/professores das áreas das exatas, herança do positivismo no currículo escolar, que considera como verdade absoluta o material didático oferecido nas escolas ou instituições, em que estes contêm os conteúdos, as perguntas e as respostas necessárias para o conhecimento integral do aluno.

Veja na imagem do artista Salvador Dali, o currículo disciplinar,

fragmentado em diversas áreas do conhecimento. Ou seja, no currículo escolar os conhecimentos são divididos de forma arbitrária em pequenas gavetas que não se comunicam. Assim, reflita sobre a imagem a seguir:

FONTE: Disponível em: <https://www.dalipaintings.com/images/paintings/the-anthropomorphic-cabinet.jpg>. Acesso em: 18 maio 2018.

FIGURA 12 – QUADRO DE SALVADOR DALI, REPRESENTANDO O CURRÍCULO DISCIPLINAR

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

Percebemos que a organização do currículo, do ponto de vista de cada aluno, funciona como um arquivo mental, em que os conhecimentos específicos de cada disciplina são colocados em cada gaveta que se abre e se fecha no início e final de cada disciplina.

Nesse sentido, a educação se desenvolveu em parte como um “lócus” no qual essas informações em torno das relações de disciplinaridade e, em particular, de diferentes proposições e concepções de interdisciplinaridade, se consolidam em desafios contemporâneos que clamam por dinâmicas educativas, novas roupagens que respondam à dinâmica complexa da vida como algo organizativo e humano (CORDIOLLI, 2002).

Para tanto, Luck (1994, p. 54) comenta que “a superação da fragmentação, linearidade e artificialização, tanto do processo de produção do conhecimento, como do ensino, [...] é vista como sendo possível, a partir de uma prática interdisciplinar”.

Assim, o texto aqui apresentado tem como principal objetivo demonstrar as relações de disciplinaridade que são organizadas em cinco núcleos distintos, que destacaremos a seguir: a interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a polidisciplinaridade (CORDIOLLI, 2002), bem como, as relações existentes entre o saber e o conhecimento no processo educacional.

2 CONCEPÇÕES INTERDISCIPLINARES DE CURRÍCULO

O movimento da interdisciplinaridade surgiu na metade dos anos sessenta na Europa, sendo bem mais intenso na França e na Itália. Até porque nestes países estavam ocorrendo movimentos estudantis, que reivindicavam um novo estatuto de universidade e de escola, o que significava romper com uma educação por etapas, fragmentada em sua essência.

Para Fazenda (2001), a interdisciplinaridade passa a existir como oposição a todo conhecimento que privilegiava o capitalismo epistemológico de certas ciências, como oposição à alienação da Academia. No que diz respeito às questões da cotidianeidade, às organizações curriculares que demonstravam a excessiva especialização e a toda e qualquer proposta de conhecimento que limitava o olhar do aluno em uma única direção, a patologia do saber.

Na educação brasileira, o movimento da interdisciplinaridade começa

nos anos 70, mas explode nas décadas de 80 e 90. Conforme Fazenda (2001, p. 18), “a década de 70 [...] poderia ser indicada como a década da estruturação conceitual básica. Nela a preocupação incidia, fundamentalmente, na explicitação terminológica”.

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TÓPICO 3 | CURRÍCULO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO/SABERES NA ORGANIZAÇÃO DISCIPLINAR

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Ainda conforme Fazenda (2001), quando o tema repercutiu na década de 70, houve, primeiramente, uma preocupação com relação ao termo interdisciplinaridade. A palavra, além de ser nova, era difícil de ser pronunciada. A discussão gerou em torno de qual seria a grafia correta. Além de não se chegar a um consenso de como seria sua tradução, não se chegava também a um acordo sobre o significado do termo.

Na década de 80, Fazenda (2001) afirmou que ocorreu a elaboração do tema por alguns estudiosos, sendo elaborado um documento intitulado “Interdisciplinaridade e ciências humanas”, em 1983. Conforme Fazenda (2001, p. 27-28), “O documento trata dos pontos de encontro e cooperação das disciplinas que formam as ciências humanas e da influência que umas exercem sobre as outras [...] nos acrescenta conclusões importantes acerca da natureza e alcance da interdisciplinaridade”.

Porém, a partir da década de 90, este movimento começou a ficar

contraditório, pois neste cenário criou-se uma verdadeira confusão e muitas interpretações sobre as relações de disciplinaridade. Assim, conforme Fazenda (2001, p. 17):

Esse movimento, se quisermos fracioná-lo para fins didáticos, poderia ser subdividido em três décadas: 1970, 1980 e 1990. Se optarmos por um recorte epistemológico diríamos, reduzida e simplificadamente, o seguinte: em 1970, partimos para uma construção epistemológica da interdisciplinaridade. Em 1980, partimos para a explicitação das contradições epistemológicas decorrentes dessa construção e, em 1990, estamos tentando construir uma nova epistemologia, a própria teoria da interdisciplinaridade.

Dessa forma, procurando contribuir neste cenário, a interdisciplinaridade “deriva da palavra primitiva disciplinar (que diz respeito à disciplina), por prefixação (Inter – ação recíproca, comum) e sufixação (DADE – qualidade, estado ou resultado da ação)” (ANDRADE, 2018, s.p.).

A definição do termo é complexa e os educadores precisam ter clareza do verdadeiro significado do termo e da ação interdisciplinar. Cordiolli (2002, p. 19) afirma que:

A interdisciplinaridade corresponde à produção ou processo de relações entre saberes, a partir de uma disciplina ou de um tema sem as limitações de domínios ou objetos impostos pela especialização das ciências. A característica básica de uma ação interdisciplinar é a de pesquisador, estudioso, professor ou aluno que, ao explorar um tema, recorre a conceitos e instrumentos de outras áreas do conhecimento ou disciplina.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

FIGURA 13 – INTERDISCIPLINARIDADE

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/7N9hez>. Acesso em: 12 abr. 2018.

Portanto, a interdisciplinaridade acontece quando as metodologias e conhecimentos de outras disciplinas podem ser utilizados por professores de diversas áreas do conhecimento. Zabala (1998, p. 143) defende que “interdisciplinaridade é a interação entre duas ou mais disciplinas, que podem ir desde uma simples comunicação de ideias até a integração recíproca dos conceitos fundamentais e da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da pesquisa”.

Para Japiassu (1976, p. 74), “a interdisciplinaridade caracteriza-se pela

intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa”. Segundo os PCNs (BRASIL, 2002, p. 88):

A interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser objeto de conhecimento, um projeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Neste sentido, ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários.

Assim, o professor precisa ter um olhar atento e escolher conteúdos que irão contribuir na formação crítica e reflexiva do educando. Diante disto, percebemos que a interdisciplinaridade não é uma justaposição ou articulação de disciplinas ou conteúdos, mas sim, que o professor utilize os conceitos e os conteúdos de outras disciplinas para fundamentar a sua.

Cordiolli (2002, p. 19) defende que “o professor que atua em uma perspectiva interdisciplinar é aquele que domina o conteúdo de sua área e recorre a outras disciplinas para explorar plenamente os temas de que está tratando”. Observe o seguinte exemplo apresentado pelo mesmo autor:

InterdisciplinaridadeExiste cooperação e diálogo entre as disciplinas

Existe uma ação coordenada

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TÓPICO 3 | CURRÍCULO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO/SABERES NA ORGANIZAÇÃO DISCIPLINAR

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[...] um professor de Ciências Naturais está tratando da Amazônia. O texto utilizado afirma “caso o desmatamento da Amazônia continue neste ritmo, em X anos poderia ocorrer um desmatamento completo da floresta”. Supomos que o aluno pode tomar esta frase como uma afirmativa, e, então, o professor de Ciências Naturais pode expor ou orientar os alunos a compreender o que é um discurso na condicional. O professor continua sendo de Ciências Naturais, a aula permanece desta disciplina, mas utilizando instrumento de Língua Portuguesa. Seguindo pelo mesmo exemplo, o professor e a turma poderiam fazer incursões pela História (tratando da conquista da Amazônia), pela Geografia (abordando problemas econômicos e políticos) e assim por diante. O professor e a disciplina de Ciências Naturais praticam interdisciplinaridade ao tratar de seu conteúdo, pois superam as barreiras das disciplinas em direção a outras áreas sempre que sentem esta necessidade. (CORDIOLLI, 2002, p. 20-21).

Portanto, a interdisciplinaridade, além de ser vista de forma muitas vezes contraditória, consiste na transferência de metodologias, conteúdos de uma disciplina para outra, buscando a formação global dos educandos. Nesta nova prática interdisciplinar percebe-se que, segundo Fazenda (2001, p. 86), “em uma sala de aula interdisciplinar, a autoridade é conquistada [...], na outra outorgada [...], a obrigação é alternada pela satisfação; a arrogância, pela humildade; a solidão pela cooperação; a especialização pela generalidade; o grupo homogêneo, pelo heterogêneo; a reprodução pela produção de conhecimento”.

Porém, de acordo com Gallo (2011, p. 41),

A questão de fundo é: a prática interdisciplinar dá conta de resgatar essa totalidade? Ou ela consegue apenas colocar remendos nos retalhos que a disciplinarização criou? Investindo nessa metáfora, a realidade seria uma imensa peça de tecido, recortada em inúmeros pedaços pelas tesouras da especialização; a interdisciplinaridade seria uma “costura” dos retalhos, resultando numa colcha que, no final das contas, nunca será novamente o mesmo tecido de outrora.

Um dos principais críticos contemporâneos da interdisciplinaridade é Edgar Morin, com sua teoria da complexidade. Morin denuncia que a interdisciplinaridade não dá conta de rearticular os saberes fragmentados, que ela mais confirma as fronteiras entre os saberes do que as faz desaparecer. Para o pensador francês, é necessário algo mais forte que a interdisciplinaridade, que ele vê na transdisciplinaridade. Essa sim, teria condições de quebrar as fronteiras rígidas entre as disciplinas, promovendo uma “religação dos saberes”, rumo a uma visão da complexidade e da totalidade do mundo.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

DICAS

Para ampliar os seus conhecimentos acerca deste conteúdo, é importante fazer a leitura do livro Didática e Interdisciplinaridade, organizado por Ivani Catarina Arantes Fazenda, pois as informações contidas neste serão de extrema relevância para a sua prática pedagógica. Para efeitos de consulta a referência completa: FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Org). Didática e interdisciplinaridade. Campinas: Papirus, 1998.

AUTOATIVIDADE

Reflita sobre a palavra interdisciplinaridade e descreva a característica básica da ação interdisciplinar do professor.

3 CONCEPÇÕES MULTIDISCIPLINARES DE CURRÍCULO

Conforme Japiassu (1976), a multidisciplinaridade seria o primeiro nível de integração entre as disciplinas. Embora neste nível possa haver um trabalho em torno de um tema comum, este é ainda muito fragmentado e individual, não havendo nem relação, nem cooperação entre as disciplinas envolvidas, apenas uma discussão em torno de um tema comum a todas elas.

FIGURA 14 - MULTIDISCIPLINARIDADE

FONTE: <http://osmurosdaescola.files.wordpress.com/2011/07/multi-1.jpg>. Acesso em:12 abr. 2018.

Na multidisciplinaridade, as disciplinas se mantêm fixas. Elas acontecem quando escolhemos um único tema ou problemática para ser trabalhada em várias disciplinas, sem a preocupação de interligá-las. Parafraseando Santomé (1998), a multidisciplinaridade tem demonstrado que os alunos não transferem o que aprendem de uma disciplina para a outra e nem utilizam os conhecimentos em situações reais.

MultidisciplinaridadeExiste uma temática comum

Não existe relação nem cooperação entre disciplinas

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TÓPICO 3 | CURRÍCULO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO/SABERES NA ORGANIZAÇÃO DISCIPLINAR

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Ainda conforme Zabala (1998, p. 143), “é a organização dos conteúdos mais tradicionais [...], apresentados por matérias independentes umas das outras. O conjunto de matérias ou disciplinas é proposto simultaneamente, sem que apareçam explicitamente as relações que podem existir entre elas”.

4 CONCEPÇÕES TRANSDISCIPLINARES DE CURRÍCULO A transdisciplinaridade estabelece uma abordagem mais complexa,

em que a divisão por disciplinas deixa de existir, promovendo as relações que devem existir entre as disciplinas. A palavra transdisciplinaridade foi usada pela primeira vez por Jean Piaget na década de 1970.

É a etapa superior de integração. Trata-se da construção de um sistema total, sem fronteiras sólidas entre as disciplinas, ou seja, de uma teoria geral de sistema e estruturas operacionais, estruturas de regulamentação e sistemas probabilísticos, e que una estas diversas probabilidades por meio de transformações reguladas e definidas (PIAGET,1972 apud SANTOMÉ, 1998, p. 70).

Ou ainda segundo Nicolescu (1999, p. 53), “[...] o prefixo ‘trans’ indica

[...] aquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente [...]”.

TransdisciplinaridadeCooperação entre todas as disciplinas e interdisciplinas

FIGURA 15 – TRANSDISCIPLINARIDADE

FONTE: http://osmurosdaescola.files.wordpress.com/2011/07/trans.jpg. Acesso em: 12 abr. 2018.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

A transdisciplinaridade promove diferentes interconexões, atividades colaborativas. Na prática educacional, esta relação estaria nos diálogos articulados entre disciplinas e professores para a formação integral do educando.

Como se pode perceber, a transdisciplinaridade “[...] é o grau máximo de relações entre as disciplinas” (ZABALA, 1998, p. 144). Parafraseando o Artigo 11 da Carta da Transdisciplinaridade, precisamos de uma educação autêntica que não privilegie o conhecimento abstrato. E sim, deve-se ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar o conhecimento.

AUTOATIVIDADE

A transdisciplinaridade é um sistema que “favorece uma unidade interpretativa, com o objetivo de constituir uma ciência que explique a realidade sem parcelamento” (ZABALA, 1998, p. 144). Partindo desse pressuposto, descreva o seu entendimento sobre a importância de um currículo transdisciplinar.

DICAS

Fique sabendo que no ano de 1994 foi realizado o 1° Congresso Mundial de Transdisciplinaridade em Portugal. Neste evento, foi elaborada e adotada a Carta da Transdisciplinaridade. Para saber mais sobre as ações transdisciplinares no mundo, acesse: <http://www.ufrrj.br/leptrans/arquivos/Arquivo_14_Carta_Transdisciplinaridade_I_CONGRESMUNDIAL.pdf>.

5 CONCEPÇÕES PLURIDISCIPLINARIDADES DE CURRÍCULO Quando nos referimos ao termo “Pluridisciplinaridade”, estamos dando o

conceito das relações significativas entre as diferentes disciplinas existentes, que poderiam ser utilizadas como referenciais na elaboração de mapas de saberes diferentes na composição de temas diversos.

O que dificilmente acontece nas escolas tradicionais, onde o excesso de formalidade reduz a expansão do conhecimento, restando apenas a pluridisciplinaridade de conteúdos avaliados tecnicamente através dos órgãos oficiais controladores do saber, como é o caso do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e do ENC (Exame Nacional de Cursos) e outros meios que aparentemente medem o nível de aprendizado e ensino, dentro do processo de relacionamento educacional entre corpo docente, discente e instituição de ensino, o que continua sendo um ensino tecnicista e sistematizado, com regras e normas inflexíveis.

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TÓPICO 3 | CURRÍCULO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO/SABERES NA ORGANIZAÇÃO DISCIPLINAR

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6 CONCEPÇÕES POLIDISCIPLINARIDADES DE CURRÍCULO

A polidisciplinaridade, diferentemente da pluridisciplinaridade, trata-se dos métodos ou meios utilizados na produção dos saberes, da qualidade da pesquisa, da dimensão ética utilizada na produção e na socialização desses conhecimentos, principalmente no que diz respeito às atividades relacionadas com o planejamento e avaliações e repasse desses conhecimentos no contexto social.

7 CURRÍCULO: O SABER E O CONHECIMENTO

Os termos saber e conhecimento têm sido usados como sinônimos. No entanto, temos que saber diferenciar saber do conhecimento, “pois, não basta saber, é preciso saber fazer”, assim, o saber fazer é a síntese do conhecimento.

Portanto, podemos afirmar que o conhecimento sobre determinada

coisa, fato ou situação é uma junção de dados ou fragmentos de elementos, que unidos em uma relação lógica e formas apropriadas, irão se transformar em uma informação precisa, como é o caso da própria história da educação e sua evolução através dos tempos, bem como, o conhecimento sobre os resultados desta evolução e suas implicações no cotidiano do ser humano.

FIGURA 16 – PERSPECTIVAS DA REALIDADE ESCOLAR

FONTE: Disponível em: <http://franciscosophos.blogspot.com.br/2012/02/escola-tradicional-x-escola-nova.html>. Acesso em: 12 abr. 2018.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

Já o conceito de saber pode ou não estar ligado a um fato, a uma realidade existente ou que de fato existiu. A respeito dessa temática, Nicolescu (1999, p. 144-148) apresenta o seguinte:

Aprender a conhecer significa, antes de mais nada, a aprendizagem dos métodos que nos ajudam a distinguir o que é real do que é ilusório e a ter assim um acesso inteligente aos saberes de nossa época. Neste contexto, o espírito científico, uma das maiores aquisições da aventura humana, é indispensável. A iniciação precoce à ciência é salutar, pois ela dá acesso, desde o início da vida humana, à inesgotável riqueza do espírito científico, baseado no questionamento, na recusa de qualquer resposta pré-fabricada e de toda certeza em contradição com os fatos. No entanto, espírito científico não quer dizer de modo algum aumento desmedido do ensino de matérias científicas e construção de um mundo inteiro baseado na abstração e na formalização. Tal excesso, infelizmente comum, só poderia conduzir àquilo que é o exato oposto do espírito científico: as respostas prontas de outrora seriam substituídas por outras respostas prontas (desta vez com uma espécie de brilho ‘científico’) e, no fim das contas, um dogmatismo seria substituído por outro. Não é assimilação de uma enorme massa de conhecimentos científicos que possibilita o acesso ao espírito científico, mas a qualidade do que é ensinado. E ‘qualidade’ aqui quer dizer fazer com que a criança, o adolescente ou o adulto penetrem no coração do procedimento científico, que é o questionamento permanente em relação à resistência dos fatos, das imagens, das representações, das formalizações.Aprender a conhecer também significa ser capaz de estabelecer pontes - entre os diferentes saberes; entre estes saberes e seus significados para nossa vida cotidiana; entre estes saberes e significados e nossas capacidades interiores [...].Aprender a fazer significa, sem dúvida, a aquisição de uma profissão e dos conhecimentos e práticas que lhe estão associados. A aquisição de uma profissão passa necessariamente por uma especialização. Não se pode fazer uma operação de coração aberto se não se aprendeu cirurgia; não se pode resolver uma equação de terceiro grau se não se aprendeu matemática; não se pode ser diretor de teatro sem conhecer as técnicas teatrais.[...]Aprender a viver em conjunto significa, é claro, antes de mais nada, o respeito pelas normas que regem as relações entre os seres que compõem uma coletividade. Todavia, estas normas devem ser realmente compreendidas, admitidas interiormente por cada ser, e não sentidas como pressões externas.[...]Aprender a ser parece, a princípio, um enigma insondável. Sabemos existir, mas como aprender a ser? Podemos começar aprendendo o que a palavra ‘existir’ quer dizer, para nós: descobrir nossos condicionamentos, descobrir a harmonia ou a desarmonia entre nossa vida individual e nossa vida social, [...]. ‘Aprender a ser’ é um aprendizado permanente no qual o educador informa o educando tanto quanto o educando informa o educador.

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TÓPICO 3 | CURRÍCULO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO/SABERES NA ORGANIZAÇÃO DISCIPLINAR

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FIGURA 17 – MOVIMENTO DA APRENDIZAGEM

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/JxvEB6>. Acesso em: 12 abr. 2018.

O saber significa fragmentos ou dados que precisam ser analisados em seus mínimos detalhes, bem como, as suas características históricas e sua veracidade. Só assim, poderemos ter uma informação e não apenas simples saberes, que pela sua falta de conectividade com a realidade existente não podem ser incorporados ao conhecimento, permanecendo apenas como um saber, com pouca ou nenhuma serventia educacional ou cultural.

De acordo com Cordiolli (2002, p. 16):

O conhecimento corresponde, então, as diferentes articulações dos saberes pelos indivíduos ou mesmo coletivos. Assim, duas pessoas, que têm acesso aos mesmos dados, informações e saberes, configuram de forma diferente constituindo conhecimentos distintos, devido às suas experiências, inflexões ideológicas etc. O conhecimento é, portanto, o processo de dotar de significados os dados, informações e saberes. Também é importante tomar o conhecimento como um processo que transcende a lógica básica, cujo sentido não se dá apenas por um conjunto de elementos organizadores do processo cognitivo, mas está associado tanto ao contexto social quanto à experienciação afetiva e emocional do indivíduo que o conhece.E como a escola lida com isto? A escola seleciona parte destes saberes e os organiza em/e por intermédio de suas propostas curriculares. Dos saberes disponíveis, a escola seleciona uma parte daquilo que a sociedade sanciona. Ou seja, dos saberes que a sociedade reconhecer como importantes para as novas gerações de crianças ou de profissionais, a escola seleciona uma parte. A escola não trata de saberes condenados, não sabe de instituições oficiais que ensinam atos de terrorismo, por exemplo, embora, em uma situação de grave conflito social, seja possível que escolas incorporem estes saberes às propostas pedagógicas. O racismo e a discriminação, oficialmente considerados crimes em nosso país, viraram tema escolar em algumas sociedades que os aceitavam e, em alguns casos, até os incentivavam.O professor tem como “matéria-prima” saberes da sociedade que podem ser selecionados e sistematizados na forma de saberes escolares. Os saberes escolares são, portanto, resultantes da apropriação pedagógica dos saberes da sociedade pelas escolas, pelos professores e pelos materiais didáticos.

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

Assim, podemos, também, citar Paulo Freire, que escreveu sobre as práticas curriculares, tendo como principal preocupação a relação entre os professores e os alunos e como objetivo de ligação o acesso e a conquista do conhecimento, o qual deve ser embasado pelo ensino e pela aprendizagem.

Segundo Paulo Freire, citado por Scocuglia (2011, p. 104), “O homem é um ser de relações que estando no mundo é capaz de ir além, de projetar-se, de discernir, de conhecer [...] e de perceber a dimensão temporal da existência como ser histórico e criador de cultura”. O que significa que não existe conhecimento sem as experiências da vida cotidiana, dos aspectos que envolvem o mundo. Que a princípio são gerados e interpretados pelo senso comum, com o envolvimento em massa, tendo como articuladores do processo todos aqueles que de uma maneira ou de outra fazem parte da vida em comum, seja ele padre, juiz ou advogado. Isso é o que deveria ser, ao invés do conhecimento cientificado e teoricamente elaborado, prevalecendo apenas alguns poucos, incluindo-se alguns segmentos privilegiados da sociedade, o que:

Certamente, ao prevalecerem esses direitos, a construção curricular poderia ter outros rumos e seria repensada a partir dos interesses, dos valores, da cultura e do conhecimento dos sujeitos fundamentais dos processos educativos, ou seja, educandos e educadores, coordenadores, diretores, pais, enfim, da comunidade educativa (escolar ou não). Refletir sobre as questões da construção e da apropriação reflexiva do conhecimento pelas camadas populares e de seus educadores nos remete a uma tentativa de reinvenção curricular que teria como lastro a permeabilidade, a complementaridade e a complexidade (Morin, 2000) dos saberes populares (ou do senso comum) com os saberes elaborados em seus vários níveis, modalidades e práticas. Sem esquecer que a reinvenção curricular deve ser permeada pelos direitos ao conhecimento possuídos pelas camadas populares da nossa sociedade (SCOCUGLIA, 2011, p. 105).

Ao considerar os saberes populares é possível perceber que é uma fonte de conhecimentos práticos. O currículo escolar precisa preocupar-se com os saberes presentes no contexto em que a escola está inserida. Nesse sentido, a partir de uma atitude reflexiva é possível conceber um currículo tendo como ponto de partida os saberes populares, pois o conhecimento dos diversos saberes gera novos conhecimentos, que, por sua vez, gerarão novos saberes em uma relação dialética. Considerando estes aspectos que permeiam o processo educacional será possível gerar novos conhecimentos.

Sabemos que na organização do currículo muitas coisas estão envolvidas, como foi visto no desenvolvimento deste trabalho. Ao pensarmos no currículo para surdos, não devemos esquecer-nos de como a educação de surdos foi se desenvolvendo no decorrer dos tempos. É importante que tenhamos em mente que o surdo é diferente e tem suas potencialidades e que o currículo deve levar isso em consideração. Não podemos mais aceitar um ensino simplista, desmotivador. Precisamos nos questionar constantemente em como proporcionar condições concretas de aprendizagem, refletir sobre a nossa prática docente e avançar criticamente de forma que não venhamos a cair no erro de fazermos com que nossos alunos saiam da

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TÓPICO 3 | CURRÍCULO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO/SABERES NA ORGANIZAÇÃO DISCIPLINAR

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escola com dificuldades de entenderem o mundo à sua volta. Devemos buscar estratégias para o desenvolvimento de um currículo autônomo do modelo ouvinte e que parta das vivências, reflexões, expectativas de professores, alunos e familiares. O domínio da língua portuguesa, facilitadora para o acesso à leitura e à produção escrita é um grande desafio a ser vencido e deve ser priorizado no currículo.É importante que nós, professores, sejamos reflexivos em relação à nossa prática docente e estejamos abertos ao aprendizado, sabendo-se que não existem respostas conclusivas, mas que devemos constantemente avaliar e autoavaliar nosso trabalho em sala de aula, abrindo mão muitas vezes de conceitos preestabelecidos. A prioridade será sempre o aprendizado de nossos alunos para que realmente se possa atender suas necessidades e expectativas (PLINSKI, 2011, s.p.).

Uma das funções da educação é preparar o educando para reconhecer as diversas sensações e percebê-las de maneiras diferentes. Temos que entender que o conhecimento se dá através da percepção que, por meio de nossa capacidade de diferenciar as coisas, transformamos este conhecimento em saber. A percepção é o resultado da soma de muitas sensações que temos em relação às coisas.

De acordo com Tomelin e Tomelin (2007, p. 13), “O termo sensação pode ser compreendido como a capacidade de captar, mediante os sentidos, a realidade que nos cerca”. Do conhecimento gerado a partir da percepção surge o saber, que é o conjunto de informações obtidas no processo de interpretar e dar sentido a cada sensação experimentada.

A maneira como cada indivíduo processa as informações obtidas através das sensações é que refletirá no conhecimento específico que cada sujeito tem em relação ao objeto conhecido. Nesse sentido, é importante salientar que o saber que as pessoas possuem das coisas pode ser diferenciado, pois está relacionado à maneira como cada um percebe a realidade ou até mesmo a sua realidade.

A questão fundamental de tudo isso é: como se forma o conhecimento? O conhecimento se forma:

Por um processo de combinação e associação dos dados da experiência. Por meio das sensações, recebemos as impressões das coisas externas; essas impressões formam o que Locke chama de ideia simples. Por sua vez, nas percepções, essas impressões ou ideias simples se associam por semelhanças e diferenças, formando ideias complexas e compostas (CHAUÍ, 2010, p. 1680).

Observe que a experiência é um fator importante na formação do conhecimento, e a experiência não deve ser relegada a segundo plano, como se fosse apenas um coadjuvante, pelo contrário, a experiência possibilita a criação dos significados que os saberes têm para cada sujeito.

O saber é a soma de conhecimentos adquiridos, pois “existem vários saberes que possibilitam ao homem diferentes formas de conhecer e explicar a realidade. Dependendo do saber utilizado, a verdade sobre as coisas pode se apresentar de diferentes maneiras” (TOMELIN; TOMELIN, 2007, p. 79).

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UNIDADE 1 | O CURRÍCULO E SEUS CONCEITOS

Os novos conhecimentos são construídos a partir dos saberes já instituídos. A pesquisa é a ferramenta que possibilita conhecer a origem dos saberes e problematizá-los, a fim de buscar as respostas para as mais diferentes indagações humanas. Por este motivo, torna-se necessário um currículo cujos saberes sejam significativos para o aprendiz, pois, do contrário, a insignificância dos conteúdos pode gerar desinteresse por parte daqueles que deveriam ser os maiores interessados em conhecer e construir novos saberes.

FIGURA 18 – MOVIMENTO CÍCLICO DA APRENDIZAGEM (CICLO GNOSIOLÓGICO)

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/RZ6PHW>. Acesso em: 12 abr. 2018.

Pergunta

Resposta

Reflexão

Ação

Pergunta

Resposta

ReflexãoAção

Pergunta

pergunta-ação-reflexão-resposta

Adptado de Paulo Freire

Brin

cade

ira

Inte

raçã

o

DICAS

Fica a dica de um vídeo que emociona pela transparência em retratar questões que devem existir de amorosidade e respeito entre o docente e o discente, entre o ensinar e o aprender. Vale a pena assistir. Acesse: <https://goo.gl/cRFxQ7>.

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TÓPICO 3 | CURRÍCULO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO/SABERES NA ORGANIZAÇÃO DISCIPLINAR

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Neste sentido, a escola sendo o lugar de difusão do conhecimento, de saberes científicos, só cumprirá o seu papel na sociedade se conseguir articular esses saberes aos problemas presentes na modernidade. Assim, o conhecimento é um processo dinâmico, infinito, um movimento dialético, exclusivo da espécie humana. Recorrendo a Montysuma (2005, p. 22):

O papel da escola é, portanto, assegurar às novas gerações não apenas o domínio dos saberes historicamente construídos, mas garantir-lhes a capacidade para manuseá-los e autonomia para decidir em que circunstâncias sociais são ou não úteis, além de preparar nossos jovens para prosseguir os estudos em outros níveis.As reflexões sobre os problemas locais e globais que nossos alunos vivenciam devem ser o ponto de partida e de chegada para a tomada de decisão sobre o que é importante que nossos alunos aprendam na etapa final da educação básica.Isso porque todo debate de currículo implica tomadas de decisões, uma vez que, no atual nível de acúmulo da ciência, não cabe mais a proposta de um ensino enciclopédico, que proponha que os alunos aprendam tudo o que foi sistematizado pela humanidade como ciência. Não haveria tempo nem espaço para tal proposta.A construção do currículo pressupõe, portanto, priorizações, considerando o que é básico para a vida. Ao enfatizar determinados conhecimentos, possibilita-se aprender outros conhecimentos e quais os métodos de investigação próprios de cada campo da ciência, o que assegurará aos alunos poder continuar aprendendo.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Nesta unidade, você aprendeu que:

• Na educação brasileira, o movimento da interdisciplinaridade começou nos anos 1970, mas explode nas décadas de 1980 e 1990.

• Na década de 1970 houve, primeiramente, uma preocupação com relação ao termo interdisciplinaridade. Na década de 1980, foi a elaboração do tema por alguns estudiosos, sendo elaborado um documento intitulado Interdisciplinaridade e ciências humanas. Na década de 1990, este movimento começou a ficar contraditório, pois neste cenário criou-se uma verdadeira confusão e muitas interpretações sobre as relações de disciplinaridade.

• A interdisciplinaridade acontece quando as metodologias e conhecimentos de outras disciplinas podem ser utilizados por professores de diversas áreas do conhecimento.

• O professor que atua numa perspectiva interdisciplinar é aquele que domina o conteúdo de sua área e recorre a outras disciplinas para explorar plenamente os temas de que está tratando.

• Na multidisciplinaridade, as disciplinas se mantêm fixas, ela acontece quando escolhemos um único tema ou problemática para ser trabalhada em várias disciplinas, sem a preocupação de interligá-las.

• A transdisciplinaridade promove diferentes interconexões, atividades colaborativas. Na prática educacional, esta relação estaria nos diálogos articulados entre disciplinas e professores para a formação integral do educando.

• Pluridisciplinaridade são as relações significativas entre as diferentes disciplinas existentes.

• Polidisciplinaridade, diferentemente da Pluridisciplinaridade, trata-se dos métodos, ou meios utilizados na produção dos saberes.

• Conhecimento é uma junção de dados ou fragmentos de elementos, que unidos em uma relação lógica e formas apropriadas irão se transformar em uma informação precisa, como é o caso da própria história da educação e sua evolução através dos tempos.

• Saber pode ou não estar ligado a um fato, a uma realidade existente ou que de fato existiu. O saber é a soma de conhecimentos adquiridos.

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1 Defina, com suas palavras, o que é disciplinaridade, interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade.

2 Assinale a alternativa correta em relação à construção do conhecimento.

I- A construção do conhecimento é um processo dialético, relacionado às necessidades humanas e ao trabalho.

II- A ação dos homens na transformação da natureza gera o conhecimento.III- A relação dialética entre as novas necessidades que surgem e o trabalho

aperfeiçoado produz novos conhecimentos.IV- A construção do conhecimento implica, necessariamente, a interação com

os outros e com o mundo.

Agora, assinale a alternativa correta:a) Somente II e III estão corretas.b) Somente I, III e IV estão corretas.c) Somente I, II e IV estão corretas.d) Todas estão corretas.

3 Percebemos o quanto é importante dar um caráter científico ao currículo, mas também percebemos o quanto é importante preparar os nossos jovens para transformar o mundo atual, marcado pelas diferenças culturais e sociais. Neste sentido, descreva de que maneira este currículo poderia acontecer em nossas escolas.

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 2

DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade, você será capaz de:

• compreender o conceito de didática no decorrer da história;

• analisar os conceitos de didática sob a perspectiva de diferentes teorias;

• refletir sobre a importância da didática na educação;

• entender a relação entre currículo, didática e o processo avaliativo.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você en-contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A DIDÁTICA NO DECORRER DA HISTÓRIA

TÓPICO 2 – CONCEPÇÕES TEÓRICAS DE DIDÁTICA

TÓPICO 3 – DIDÁTICA E AVALIAÇÃO

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TÓPICO 1

A DIDÁTICA NO DECORRER DA HISTÓRIA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico, sabe-se que currículo e didática são conceitos que caminham juntos no contexto educacional. A fim de que você os assimile e os diferencie com mais facilidade, apresentamos unidades dedicadas especialmente para cada um deles. Na Unidade 2, analisaremos com mais profundidade o conceito de didática, abordando os seus diferentes conceitos ao longo da história, as diferentes concepções acerca da didática e a sua relação direta com a avaliação escolar.

Incentivamos você a ir além do disposto e proposto neste livro. Participe de forma ativa do seu processo ensino-aprendizagem. Busque, incessantemente, ampliar seus conhecimentos. Saiba que esta fundamentação teórica fará toda a diferença em suas práxis pedagógica. Bons estudos!

2 DIDÁTICA: HISTÓRIA, CONCEITO E IMPLICAÇÕES

Quando nos dedicamos a estudar um assunto, é de fundamental importância conhecer, principalmente, o contexto histórico. Desta forma, estudar os recortes históricos acerca da didática nos possibilita conhecer o ponto de partida e o panorama atual, compreendendo com maior clareza o percurso percorrido. Assim, identificamos em que aspectos ainda precisamos evoluir. Por isso, inicialmente, realizaremos uma viagem ao longo da história, percebendo de que forma a didática evoluiu. Posteriormente, conceituaremos o termo didática e analisaremos de que forma ela implica e influencia a educação.

2.1 A HISTÓRIA EVOLUTIVA DA DIDÁTICA

O estudo da didática nos remete, obrigatoriamente, a algumas personalidades que foram as peças-chave na evolução deste conceito tão relevante. Destacaremos, a partir de agora, algumas delas.

Sócrates é uma figura célebre no contexto educacional, ele construiu um método chamado de ironia. Este método perpassava dois momentos: a refutação e a maiêutica. Haydt (2006) explica que primeiramente, na refutação, o aluno recebia objeções e tentava responder aos questionamentos de Sócrates até haver

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UNIDADE 2 | DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO

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a contradição. Em um segundo momento, Sócrates passa do conhecido para o desconhecido, do fácil para o difícil, com a utilização de perguntas conduzindo o outro à reflexão, à descoberta e formulação pessoal de respostas.

Uma das mais famosas frases de Sócrates é “Só sei que nada sei”, a qual indica que a sabedoria está ligada de forma direta à busca constante de conhecimento.

Sócrates criou um método de investigação do conhecimento através da maiêutica, “técnica de trazer a luz”, no qual, por meio de sucessivas questões, se chegava à verdade. Esse caminho usado por Sócrates era um verdadeiro “parto”, no qual ele induzia os seus discípulos a praticarem, mentalmente, a busca da verdade última. O princípio da filosofia de Sócrates estava na frase “conhece-te a ti mesmo”. Antes de lançar-se em busca de qualquer verdade, o homem deve antes analisar-se e reconhecer sua própria ignorância. Disponível em: <http://pgl.gal/socrates-metodo-da-maieutica-ironia/>. Acesso em: 11 maio 2018.

O conceito de didática nasce junto com a Pedagogia Moderna, no século

XVII, com a publicação da Didática Magna, em 1632, de João Amós Comenius (1592-1670), comumente conhecido somente por Comenius. Esta publicação é um divisor de águas na educação e sua influência nas instituições escolares ocorre até hoje.

FIGURA 1 – COMENIUS E A DIDÁTICA MAGNA

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/xjvQbo>. Acesso em: 23 abr. 2018.

Comenius demonstrou um espírito bastante inovador para a época em que viveu, pois segundo Luzuriaga (1985), ele já defendia uma educação para todos – meninos e meninas, qualquer que fosse sua classe social. “Ensinar tudo a todos” (COMENIUS, 2001, p. 11) – este era o seu lema.

Na Didática Magna, Comenius aborda o objetivo da didática em si, que é “[...] investigar e descobrir o método segundo o qual os professores ensinem menos e os alunos aprendam mais [...]” (COMENIUS, 2001, p. 12)

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TÓPICO 1 | A DIDÁTICA NO DECORRER DA HISTÓRIA

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Antes de Comenius, a pedagogia estava na área do improviso e a educação era elitizada (destinada somente aos ricos). Comenius escreveu a Didática Magna e iniciou a pedagogia moderna. Depois da Didática Magna de Comenius, os grupos menos favorecidos (pobres, mulheres e negros) começaram a ganhar vez e voz no contexto educacional.

Perlin e Rezende (2011, p. 9) afirmam que:

Se não fosse o surgimento da Didática Magna, seria obscura a nossa educação e também não seríamos o que somos se não fosse a sistematização de ensino com a concepção desta Didática Magna, que é um marco importante para aqueles tempos remotos quanto nas mudanças de pensares, no concebimento do conhecimento e na forma de transmissão deste conhecimento.

Percebemos que a publicação de Comenius, Didática Magna, sistematiza ou, pelo menos, inicia a sistematização da Pedagogia e da Didática. Segundo Perlin e Rezende (2011), Comenius sistematizou o ensino e suas práticas educativas criticando o processo de aprendizagem das crianças naquela época. Sim, nesta época, as crianças eram tidas como adultos em miniatura, tinham que aprender como os adultos. A ideia principal da obra de Comenius é ensinar tudo a todos, incluindo mulheres e deficientes – que era bastante inovadora para o contexto histórico-filosófico da época em questão.

Conforme Perlin e Rezende (2011), Comenius ainda defende a importância da relação escola-família, sem uma interferir na outra.

Dando continuidade ao processo evolutivo da terminologia Didática, podemos citar um notável filósofo chamado Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Entre suas principais obras, podemos destacar Emílio, ou Da Educação e Do Contrato Social. Santana (2016) explica que Rousseau defendia o ser humano como sendo naturalmente bom. Suas ideias estavam focadas, principalmente, na liberdade e na sociedade.

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FIGURA 2 – JEAN-JACQUES ROUSSEAU

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/Gwofcq>. Acesso em: 23 abr. 2018.

Martins (2009) explana que as ideias de Rousseau serviram de base para a renovação ideológica que resultou na Revolução Francesa, com influências consideráveis no mundo ocidental.

DICAS

Para saber mais sobre este filósofo, acesse o portal da nova escola: <https://novaescola.org.br/conteudo/458/filosofo-liberdade-como-valor-supremo>.

Johann Heinrich Pestalozzi preocupa-se, principalmente, com a formação do homem integral. Para ele, o mais importante era “ [...] o desenvolvimento humano das habilidades e dos valores [...]” (CARVALHO, 2011, p. 1). Ele acreditava que este processo ocorria de forma natural.

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FIGURA 3 – JOHANN HEINRICH PESTALOZZI

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/zmcgBe>. Acesso em: 23 abr. 2018.

Martins (2009) afirma que Pestalozzi considerava que o ser humano nasce bom, mas a sua formação é o resultado do ambiente em que vive.

Haydt (2001) disserta que para Pestalozzi, a sociedade seria transformada através da educação com o propósito de desenvolver o homem de forma natural.

Na proposta de Pestalozzi, não há preocupação excessiva com regras. Pestalozzi se inspirava em Rousseau e, segundo Carvalho (2011), defendia uma educação de qualidade para o povo em uma época em que ela era privilégio de um grupo minoritário. Carvalho (2011) ainda disserta que para Pestalozzi é de primordial importância que o professor respeite os estágios de desenvolvimento da criança. Pestalozzi inspirou várias personalidades, conforme veremos a seguir.

John Frederick Herbart (1776-1841), inspirado por Pestalozzi, objetivava uma formação moral, por isso buscou assimilar de forma mais científica os aspectos basilares no que tange à unidade do desenvolvimento e da vida mental. Herbart formulou a teoria do interesse. Haydt (2006) explica que para Herbart, o interesse é uma forma de prender a atenção do aluno durante a aula, favorecendo assim a assimilação de novos conceitos e ideias.

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FIGURA 4 – JOHN FREDERICK HERBART

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/WGHn3L>. Acesso em: 23 abr. 2018.

Herbart também elaborou um método instrucional, composto por cinco passos, apresentados no quadro a seguir.

PREPARAÇÃOAo professor cabe instigar seu aluno pelo que ele

sabe e assim conseguir abrir novas possibilidades na obtenção de novos conteúdos.

APRESENTAÇÃO Com a estimulação do aluno junto ao que ele sabe, o professor apresenta novo conteúdo que tenha ligação

com o que já foi obtido pelo estudante.ASSOCIAÇÃO O aluno realiza, neste momento, uma junção do que já

sabia com o novo conteúdo.

SISTEMATIZAÇÃO O aluno, ao assimilar o conteúdo, realiza uma ligação do que já sabe com o novo e assim constrói novos

conhecimentos.

APLICAÇÃO Com o aluno são realizadas avaliações através de provas que determinam se ele adquiriu novos

conhecimentos.

QUADRO 1 – CINCO PASSOS PARA UM APRENDIZADO EFICAZ SEGUNDO HERBART

FONTE: Barbosa, Bublitz e Baruffi (2016, p. 51)

Friederich Froebel (1782-1852) dava atenção especial à criança e sua infância, os jogos e brincadeiras. Segundo Luzuriaga (1985, p. 201), Froebel acreditava que “os primeiros anos de vida são os decisivos no desenvolvimento mental do homem”. Por isso, ele é considerado o pai do jardim de infância.

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TÓPICO 1 | A DIDÁTICA NO DECORRER DA HISTÓRIA

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FIGURA 5 – FRIEDERICH FROEBEL

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/6qXHPL>. Acesso em: 23 abr. 2018.

Martins (2009) ainda destaca John Dewey (1859-1952), que se posiciona de forma firme e contrária ao ensino tradicional e sua passividade. Para ele, a concepção de vida e de educação é guiada pelas necessidades sociais. “É dele a fórmula: vida humana = vida social = cooperação” (MARTINS, 2009, p. 9).

FIGURA 6 – JOHN DEWEY

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/QrwLSC>. Acesso em: 23 abr. 2018.

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UNIDADE 2 | DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO

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Mais tarde, John Dewey influencia o movimento Escola Nova, que se opunha de forma ferrenha ao ensino tradicional.

Muitos nomes ainda poderiam ser aqui destacados, mas esperamos que o breve estudo de tais personalidades no contexto educacional aguçe sua curiosidade a ponto de motivá-lo a pesquisar mais e aprofundar seus conhecimentos. Desafie-se!

2.2 A DIDÁTICA NO BRASIL

A chegada dos jesuítas, em 1549, dá início àeducação formal no Brasil. A influência deste grupo perdurou até 1759. O objetivo educacional até então era catequizar e aculturar os negros e índios.

Logo após este período, a Pedagogia Tradicional Leiga entra em vigor. Herbart, mencionado anteriormente, é adepto desta pedagogia. Para Veiga (1989, p. 11), o conceito de didática na Pedagogia Tradicional “[...] é entendido como um conjunto de regras que visa assegurar aos futuros professores as orientações necessárias ao trabalho docente”. Nesta concepção, teoria e prática encontram-se em campos opostos.

Em 1932, o movimento escolanovista, com o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, se contrapõe à Pedagogia Tradicional. Martins (2009, p. 11) explica que este movimento favorece os “[...] aspectos técnico-práticos do processo ensino-aprendizagem”. Devido à Pedagogia Tecnicista, a Escola Nova começa a perder forças a partir de 1960. A educação em si estava descontextualizada, dissociada da realidade. O conceito de didática a partir daí passa a se relacionar diretamente como a “[...] eficiência e a eficácia do processo de ensino-aprendizagem (sic)” (MARTINS, 2009, p. 12).

Neste tópico, recorremos ao quadro montado pela professora Marluce Jacques de Albuquerque (2002). Nele, conseguimos visualizar, com riqueza de detalhes, o processo histórico da didática em nosso país.

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PERÍODO FATO

BRASIL-COLÔNIA

A influência maior fica a cargo dos padres jesuítas que chegam ao Brasil em 1549, trazendo em sua bagagem a preocupação em catequizar os índios e negros. Para os colonizadores foi vista como uma educação coerente a eles. É adotado o famoso plano educacional: Ratio Studiorum. O método de instrução era baseado na memorização. Foram criados colégios e seminários.

IMPÉRIO E PRIMEIRA REPÚBLICA

A Igreja continua a controlar as instituições de ensino. A economia continuava agroexportadora. Inicia-se a troca da força de trabalho escravo pela chegada dos imigrantes. Na fase republicana, com a Constituição de 1891, o ensino secundário fica sob responsabilidade da União, e o ensino primário e a formação do magistério primário ficam sob responsabilidade dos estados. São Paulo é o primeiro estado a se organizar com o ensino e passa a ter fortes influências da pedagogia de Herbart.

DIDÁTICA APÓS A 1ª GUERRA MUNDIAL

Na década de 1920, inicia no Brasil o movimento da Escola Nova, tendo como precursores: Lourenço Filho, Anísio Teixeira, dentre outros. “A Didática, por sua vez, era compreendida como um conjunto de regras, com o objetivo de assegurar aos futuros docentes as orientações necessárias ao seu trabalho, separando, todavia, a teoria da prática” (p. 47).

NOVA FASE DA EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA

CONCEPÇÃO DE DIDÁTICA

Na década de 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. Em 1932, foi lançado o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova em defesa de uma educação gratuita e pública. Na Constituição de 1934 foi elaborado um Plano Nacional de Educação que “supervisionasse e coordenasse as atividades de ensino em todos os níveis” (p. 48).Criação do INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), que foi coordenado por muitos anos pelo educador Anísio Teixeira. A Didática foi instituída como curso e disciplina. Na década de 1960 surge o método de Paulo Freire, no qual as experiências da alfabetização com adultos são introduzidas, mas acaba sendo destruída pelo golpe militar.

QUADRO 2 – FATOS HISTÓRICOS DA DIDÁTICA NO BRASIL

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UNIDADE 2 | DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO

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A DIDÁTICA E O GOLPE MILITAR

Após o golpe de 1964, a educação passa para as mãos da Segurança Nacional. Entre os anos 1960 e 1968, inicia a crise da Pedagogia Nova. O novo comando do país passa a utilizar-se da Pedagogia Tecnicista. A Didática passou a ser compreendida como “estratégia para o alcance dos produtos do progresso de ensino-aprendizagem. O educador e o educando deixam de ser o centro do ensino, lugar que passa a ser ocupado pelas técnicas” (2002, p. 52). Nesta forma, o conteúdo de Didática fica restrito à organização racional do ensino; sendo que é o “processo que define o que professores e alunos “devem fazer”, “quando fazer” e “como fazer” (p. 52).

FASE FÊNIX DA DIDÁTICA

Na década de 1980, o ensino da Didática “ingressa em uma fase que se poderia chamar, talvez, de fase síntese”. A professora Vera Candau, em um seminário intitulado Didática em Questão, realizado na PUC do Rio de Janeiro em 1982, teve como objetivo central “promover uma revisão crítica do ensino e da pesquisa na Didática”. (p. 55). A ideia era passar a articular a prática com a teoria; trazer uma visão ética, humana e política da Didática; sair da visão tecnicista do ensino. O professor e o aluno saem daquele engessamento e iniciam um processo de formação do homem com relação à sua realidade.

PERSPECTIVAS ATUAIS

Para a atualidade, a Didática deixa de ser um mero elemento técnico, ela “tem a função de esclarecer o papel sociopolítico da educação, da escola e, mais especificamente, do ensino e da aprendizagem, de acordo com os pressupostos de uma Pedagogia Transformadora: é o de trabalhar e ir além do ensino dos métodos e técnicas, procurando associar escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-forma, técnico-político, ensino-pesquisa, professor-aluno.

FONTE: Adaptado de Albuquerque (2002)

O quadro nos possibilita a visualização de forma mais sucinta dos fatos históricos que influenciaram a didática no Brasil. Percebemos avanços significativos, bem como lacunas que ainda não foram preenchidas. Diante do exposto até aqui, analisaremos agora os conceitos acerca da terminologia didática.

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TÓPICO 1 | A DIDÁTICA NO DECORRER DA HISTÓRIA

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2.3 DIDÁTICA: CONCEITO

O termo Didática é uma terminologia muito utilizada no contexto educacional, assumindo múltiplos significados e, por isso, muitas vezes, conceituada de forma errônea. O jeito de ensinar, a metodologia, a forma como cada docente explica. Estes e tantos outros significados são atribuídos ao termo Didática.

Didática é teoria e prática, planejamento, estratégia de ensino, perguntas motivadoras e raciocínio. O estudo da didática no processo de formação de docentes é muito importante. A didática enquanto disciplina estuda possíveis estratégias, metodologias, planejamento – enfim, como melhorar o processo de ensino e aprendizagem do aluno.

Libâneo (2002, p. 5) afirma que a “Didática é uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa”.

Piletti (2000) disserta com muita propriedade a respeito da didática e afirma que o objeto de estudo específico da didática é a técnica de ensino. Comumente percebemos confusão no que tange aos conceitos de didática e metodologia. Piletti (2000) mostra que didática e metodologia são, sim, conceitos atrelados, mas que apesar de intrinsecamente relacionadas, didática e metodologia diferenciam-se em vários aspectos. “A metodologia (sic) estuda os métodos de ensino, classificando-os e descrevendo-os sem fazer juízo de valor. A didática, por sua vez, faz um julgamento ou uma crítica do valor dos métodos de ensino” (PILETTI, 2010, p. 43). Através desta citação inferimos que a metodologia atua sozinha. Exemplificando, o docente pode ser metodológico sem ser didático, ele pode utilizar um método sem se preocupar com o resultado dele. A didática se diferencia da metodologia, principalmente, no que tange a emitir um julgamento ou crítica. Ou seja, a didática vai além do método em si, ela se preocupa com a utilidade, validade e ainda eficiência deste método no processo ensino-aprendizagem. Finalizamos nossa analogia afirmando que um docente pode ser metodológico sem ser didático, mas nunca será didático sem ser metodológico. A didática, obrigatoriamente, precisa da metodologia.

Perlin e Rezende (2011, p. 6) definem didática como sendo o “[...] conjunto de comportamentos, atitudes e valores de que o professor utiliza e segundo o qual consegue aproximar o aluno do conhecimento. Seriam aqueles procedimentos implicantemente usados nos rituais de ensino”. Ou seja, o ensino é planejado de várias formas.

Os estudos na área da didática nos remetem à “[...] ideia (sic) de conhecimento e prática de nossos afazeres enquanto atuantes da educação nos levar a refletir que não existe uma só teoria que possa dominar o campo da Didática” (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 12). Por estes motivos, no próximo tópico, iniciaremos, agora, nossos estudos a respeito das tendências pedagógicas e das concepções teóricas de didática ao longo dos anos.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• A história evolutiva da didática perpassa por personalidades importantes, como: Sócrates, Comenius, Jean-Jacques Rousseau, Johann Heinrich Pestalozzi, John Frederick Herbart, Friederich Froebel e John Dewey. Cada um deles contribui de forma significativa na evolução do conceito de didática.

• No Brasil, a educação formal é iniciada em 1549, com a chegada dos jesuítas.

• Didática é teoria e prática, planejamento, estratégia de ensino, perguntas motivadoras e raciocínio. O estudo da didática no processo de formação de docentes é muito importante. A didática enquanto disciplina estuda possíveis estratégias, metodologias, planejamento – enfim, como melhorar o processo de ensino-aprendizagem do aluno.

• Libâneo (2012, p. 5) afirma que a “Didática é uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa”.

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AUTOATIVIDADE

1 O estudo da didática exige conhecimento acerca do contexto histórico e nos remete a algumas figuras importantes. Figuras estas que participaram significativamente da história evolutiva da didática. O livro Didática Magna, considerado o início da Pedagogia Moderna, foi publicado por:

a) John Frederick Herbart.b) João Amós Comenius.c) Johann Heinrich Pestalozzi.d) Sócrates.

2 O estudo da didática perpassa a influência de algumas figuras importantes na linha do tempo referente à evolução do conceito de didática. Sobre tais personalidades, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- John Frederick HerbartII- Johann Heinrich PestalozziIII- Jean-Jacques Rousseau IV- Friederich Froebel

( ) Defendia o ser humano como sendo naturalmente bom.( ) Para ele, o desenvolvimento humano das habilidades e dos valores era o

mais importante.( ) É considerado o pai do Jardim de Infância.( ) Elaborou um método instrucional composto por cinco passos: preparação,

apresentação, associação, sistematização e aplicação.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) III – II – IV – I.b) ( ) II – III – I – IV.c) ( ) I – II – III – IV.d) ( ) III – I – IV – II.

3 Conceitue, com suas palavras, o que é didática.

4 Didática Magna, publicada por Comenius, é um marco significativo para a construção do conceito de didática. Sobre Comenius e a Didática Magna, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A publicação de Comenius, Didática Magna, inicia a sistematização da Pedagogia e da Didática.

( ) Comenius sistematizou o ensino e suas práticas educativas criticando o processo de aprendizagem das crianças naquela época.

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( ) A ideia principal da obra de Comenius é Ensinar tudo a todos, incluindo mulheres e deficientes.

( ) Com a Didática Magna de Comenius, nada mudou para os grupos menos favorecidos (pobres, mulheres e negros).

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) F – F – V – V.b) ( ) V – V – V – F.c) ( ) F – V – V – F.d) ( ) V – F–- V – V.

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TÓPICO 2

CONCEPÇÕES TEÓRICAS DE DIDÁTICA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico, neste tópico, abordaremos as tendências pedagógicas e as concepções teóricas acerca da didática além de suas influências no processo histórico e filosófico da educação. O estudo das concepções teóricas sobre a didática nos propiciam momentos de reflexão no que tange analisar a evolução com relação a este conceito tão importante no contexto educacional.

É importante saber que entender sobre didática influenciará, muitas vezes, até de forma inconsciente, a sua prática pedagógica. Ou seja, a construção e reconstrução de sua identidade profissional está relacionada de forma direta ao seu entendimento acerca do conceito de didática. Bons estudos!

2 AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO

Ao longo da história da educação brasileira, percebemos a gama variada de tendências pedagógicas que influenciaram e continuam influenciando o contexto educacional do nosso país. Cada tendência apresenta sua concepção acerca da educação.

Para Libâneo (1990), autor referência quando falamos de didática, para melhor entendimento, houve necessidade de classificar as tendências pedagógicas.

PEDAGOGIA LIBERAL

PEDAGOGIA PROGRESSISTA

1. LIBERTADORA2. LIBERTÁRIA3. CRÍTICO-SOCIAL

DOS CONTEÚDOS

1. TRADICIONAL2. RENOVADA PROGESSISTA3. RENOVADA NÃO DIRETIVA

(ESCOLA NOVA)4. TECNICISTA

FIGURA 7 – DIAGRAMA DAS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS

FONTE: Barbosa, Bublitz e Baruffi (2016, p. 20).

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UNIDADE 2 | DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO

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Percebemos que a primeira classificação que ocorre é entre pedagogia liberal e pedagogia progressista. Entretanto, dentro desta classificação ainda presenciamos subdivisões. A Pedagogia Liberal contempla as seguintes tendências: tradicional, renovada progressista, renovada progressiva não diretiva (Escola Nova) e tecnicista. Já a Pedagogia Progressista abarca as seguintes tendências: libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos. A seguir, analisaremos cada uma destas tendências.

2.1 PEDAGOGIA LIBERAL

Em linhas gerais, podemos afirmar que o objetivo da educação nesta pedagogia é fazer com que o indivíduo se adéque às normas da sociedade. Libâneo (1990) defende que a pedagogia liberal manifesta a sociedade de classes, ou seja, o aspecto basilar desta pedagogia é o capitalismo, visando a capacitação das pessoas para desempenharem seus respectivos papéis sociais.

Martins (2009) disserta que na pedagogia liberal os fundamentos da sociedade capitalista não são questionados e que o objetivo geral é preparar as pessoas para desempenharem bem seus papéis sociais. Desta forma, as pessoas se adaptam às demandas emergentes do sistema capitalista.

A pedagogia liberal abarca as tendências: tradicional, renovada progressiva não diretiva (Escola Nova) e tecnicista. Aprofundaremos nossos estudos sobre cada uma delas tendo como enfoque o papel da escola, os conteúdos de ensino, os métodos, o relacionamento professor/aluno, os pressupostos da aprendizagem, além de analisarmos sua atual aplicabilidade no contexto educacional brasileiro.

2.1.1 Tendência Tradicional

Nesta tendência, o papel da escola fica exclusivamente no repasse dos conteúdos. O compromisso da escola nada tem a ver com os problemas sociais. Quanto ao relacionamento professor/aluno, cabe destacar que o professor é símbolo máximo de autoridade e ao aluno cabem o silêncio, a atenção e a responsabilidade de fixar os conteúdos expostos a fim de se desenvolver. O ensino profissionalizante é visto como uma alternativa ou saída aos alunos que não conseguem acompanhar o desenvolvimento da maioria da classe.

A metodologia aplicada está intrinsecamente relacionada à demonstração e exposição verbal. Os métodos de ensino utilizam exaustivamente a repetição e a memorização.

Libâneo (1990) explica que a famosa ‘decoreba’ é uma das características principais desta tendência. A avaliação não é um meio, torna-se um fim em si mesma. O objetivo da avaliação é medir, quantificar o conhecimento do aluno.

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TÓPICO 2 | CONCEPÇÕES TEÓRICAS DE DIDÁTICA

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Neste aspecto, a construção do conhecimento não é levada em conta. O objetivo final é a nota.

Os conteúdos de ensino estão diretamente relacionados aos conhecimentos e valores socialmente repassados geração após geração.

Quanto aos pressupostos da aprendizagem, são: repasse dos conhecimentos; a criança vista como adulto em miniatura; o reforço normalmente é negativo.

Apesar da nomenclatura tendência tradicional remontar a tempos aparentemente remotos, a pedagogia tradicional ainda está muito atuante atualmente.

2.1.2 Tendência Liberal Renovada Progressista

Na Pedagogia Liberal Renovada Progressista, percebemos um avanço significativo no que tange ao papel da escola, pois as necessidades sociais são adequadas ao meio social.

No quesito conteúdos de ensino, percebe-se uma mudança significava de perspectiva, pois segundo Libâneo (1990, p. 25), “Dá-se, portanto, muito mais valor aos processos mentais e habilidades cognitivas do que a conteúdos organizados racionalmente [...] é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente dito”. Ou seja, os processos mentais são valorizados em detrimento aos conteúdos.

O método era a experiência, o aprender fazendo. O relacionamento professor/aluno sofre uma transformação drástica nesta tendência, pois o professor não tem mais lugar privilegiado. Seu papel é auxiliar no desenvolvimento dos alunos.

Os pressupostos da aprendizagem consistem basicamente na motivação. O ambiente age enquanto elemento motivador.

Alguns nomes importantes estão atrelados a esta tendência: Maria Montessori, Decroly e John Dewey. Sugerimos a você, acadêmico, a leitura e pesquisa sobre a biografia destas personalidades importantes.

Esta tendência está sendo pouco aplicada atualmente, mas ainda recebe muita ênfase na formação dos docentes.

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UNIDADE 2 | DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO

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2.1.3 Tendência Liberal Renovada Não Diretiva (Escola Nova)

Carl Rogers, psicólogo clínico, é o principal mentor desta tendência. Na Tendência Liberal Renovada Não Diretiva, também chamada de Escola Nova, a escola assume um papel até então desconhecido, isso porque os aspectos psicológicos são valorizados em detrimento das questões pedagógicas e sociais. Para Libâneo (1990, p. 27), “O resultado de uma boa educação é muito semelhante ao de uma boa terapia”.

Nesta tendência, os conteúdos de ensino não são essenciais, haja vista que o mais importante é o processo. O método não é importante. O professor pode desenvolver sua própria forma de ajudar os alunos a se organizarem.

O mais relevante nesta tendência é o relacionamento entre professor e aluno. O professor assume o papel de um especialista em relações humanas e o foco da educação está no aluno.

Os pressupostos da aprendizagem nesta tendência estão relacionados também à motivação, mas neste caso estão relacionados ao desejo de adequação pessoal e autorrealização.

A avaliação não tem papel de destaque na tendência liberal renovada não diretiva. O aluno avalia o que aprendeu neste processo. A autoavaliação é destacada.

Os ideais desta tendência influenciam, principalmente, os orientadores educacionais.

2.1.4 Tendência Liberal Tecnicista

O objetivo principal da Tendência Liberal Tecnicista “[...] é o de produzir indivíduos ‘competentes’ para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente, informações precisas, objetivas e rápidas” (LIBÂNEO, 1990, p. 29).

O papel da escola nesta tendência está intrinsecamente ligado à modelagem do comportamento humano, visando o aprimoramento de conhecimentos, habilidades e atitudes.

Libâneo (1990) explica que os conteúdos de ensino são organizados de forma sistemática em livros didáticos e vídeos. A subjetividade deixa de existir.

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TÓPICO 2 | CONCEPÇÕES TEÓRICAS DE DIDÁTICA

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Nesta tendência, o método está ligado à aplicação sistemática de princípios científicos. O relacionamento professor/aluno possui uma definição de papéis bem singular. O professor é um mero transmissor de verdades científicas. O aluno assume uma atitude passiva diante do conhecimento, não participando ativamente do processo.

Os pressupostos da aprendizagem contemplam a aprendizagem como sendo a responsável pela modificação do desempenho. O relacionamento entre professor e aluno é técnico. Libâneo (1990) ainda explana que nesta tendência não há espaço para relações afetivas e pessoais.

Os estudos de autores como Skinner, Gagné, Bloom e Mager contribuíram muito para esta tendência. No Brasil, a Pedagogia Liberal Tecnicista foi introduzida na rede pública durante a ditadura militar no final da década de 1960.

2.2 PEDAGOGIA PROGRESSISTA

A Pedagogia Progressista é conceituada por Libâneo (1990) como uma forma crítica das realidades sociais, sustentando de forma implícita as finalidades da educação. Segundo ele, a Pedagogia Progressista é “um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais” (LIBÂNEO, 1990, p. 32).

Martins (2009) explica que a pedagogia progressista surge como uma crítica à continuidade da sociedade de classes e suas normas. “A Pedagogia Progressista busca não só transformar as relações de ensino-aprendizagem, mas a transformação da própria sociedade capitalista” (MARTINS, 2009, p. 18).

A Pedagogia Progressista é composta pelas seguintes tendências: libertadora, libertária e a crítico-social dos conteúdos. Vamos aprofundar nossos estudos sobre cada uma delas.

DICAS

A Pedagogia Progressista é muito bem ilustrada no filme Sociedade dos Poetas Mortos, de 1989. Este filme retrata a relação professor, aluno e conteúdo. O professor em questão motiva seus alunos a construírem de forma crítica a sua realidade.

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UNIDADE 2 | DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO

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2.2.1 Tendência Progressista Libertadora

A Tendência Progressista Libertadora “[...] questiona concretamente a realidade das relações do homem com a natureza e com os outros homens, visando uma transformação – daí a ser uma educação crítica” (LIBÂNEO, 1990, p. 33). Ainda afirma que tanto a educação tradicional bancária que deposita informações no aluno, bem como a educação renovada que domestica, em nada contribuem para uma transformação social realmente efetiva.

O pioneiro nesta tendência é o famoso educador brasileiro Paulo Freire, reconhecido internacionalmente. Podemos afirmar que o lema educacional de Paulo Freire é o processo de construção de conhecimento do aluno partindo da contextualização da realidade dele.

DICAS

A fim de contextualizar o que estudamos nesta tendência e aprofundar seus conhecimentos acerca deste renomado educador, assista aos vídeos indicados a seguir.• Paulo Freire Biografia. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jzUgb75GgpE> (OU https://goo.gl/g6d4x9). Acesso em: 12 maio 2018.• Paulo Freire: Educação para um Brasil melhor. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hJmOCNgl7WU> (OU https://goo.gl/uLdzzD). Acesso em: 12 maio 2018.

Nesta tendência, os conteúdos tradicionais vistos até esta tendência são substituídos pelos temas geradores. Barbosa, Bublitz e Baruffi (2016, p. 33) explicam que “Os temas geradores são retirados do cotidiano dos alunos, as leituras são elaboradas a partir do próprio aluno com a orientação do professor”. Os temas geradores despertam uma nova relação com o contexto de vida de cada um.

A discussão em torno do ensino escolar não é o foco nesta tendência, haja vista que o foco está no contexto não formal. Ainda assim, percebemos que o papel da escola, da educação em si, é conscientizar para transformar. A metodologia nesta tendência está embasada no diálogo, nas discussões em grupo, ou seja, há liberdade na comunicação. A relação do professor e do aluno ocorre de forma dialógica.

Os pressupostos da aprendizagem estão intrinsecamente relacionados à motivação. Ainda neste contexto, é importante ressaltar que, para Libâneo (1990), a força motivadora no processo de aprendizagem é a resolução crítica de uma situação-problema.

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Esta tendência influencia mais expressivamente os movimentos sindicais e sociais. Alguns educadores do sistema de educação formal também são adeptos desta tendência.

2.2.2 Tendência Progressista Libertária

Na Tendência Progressista Libertária, percebe-se uma definição muita clara do papel da escola, sendo este o de influenciar no processo de “[...] transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário (sic)” (LIBÂNEO, 1990, p. 36).

Libâneo (1990) ainda disserta que nesta tendência, os conteúdos são disponibilizados, mas não exigidos, pois o objetivo é que o aluno participe de forma crítica. O foco principal da metodologia empregada nesta tendência é a vivência grupal.

O papel do professor é redefinido enquanto orientador e catalisador. O aluno passa a ser visto enquanto um ser livre. O autoritarismo não é aceito nesta tendência.

Os pressupostos da aprendizagem nesta tendência partem do princípio de que a aprendizagem informal deve, obrigatoriamente, desenvolver pessoas efetivamente livres.

Celestin Freinet e Miguel Gonzales Arroyo são estudiosos reconhecidos por defenderem esta tendência.

DICAS

Aprofunde seus conhecimentos acerca de Celestin Freinet assistindo ao breve vídeo indicado a seguir:Intitulado: Celestin Freinet - Aula excelenteDisponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jzUgb75GgpE>. Acesso em: 12 maio 2018.

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2.2.3 Tendência Progressista Crítico-Social dos Conteúdos

O objetivo da Tendência Progressista Crítico-Social dos Conteúdos é tornar a sociedade a mais democrática possível. Diante disto, o papel da escola é muito bem definido: garantir a todos um bom ensino. Com este objetivo em voga, os conteúdos são disponibilizados de formas mais acessíveis, contextualizando o conhecimento com as experiências do aluno.

O método de ensino parte de “[...] uma relação direta com a experiência do aluno, confrontada com o saber trazido de fora” (LIBÂNEO, 1990, p. 36). Nesta tendência, a metodologia beneficia a relação dos conteúdos aos interesses dos alunos.

Na Tendência Crítico-Social dos Conteúdos, o aprender é “[...] desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os estímulos do ambiente, organizando os dados disponíveis da experiência” (LIBÂNEO, 1990, p. 37). O aluno participa muito mais e o professor atua enquanto observador e mediador. Ainda assim, em alguns casos o docente desperta outras necessidades e mobiliza o aluno a participar de forma mais ativa (LIBÂNEO, 1990).

Os conhecimentos prévios dos alunos são basicamente os pressupostos da aprendizagem nesta tendência.

Podemos citar como principais representantes desta tendência educadores e escritores como: B. Charlot, G. Snyders, Dermeval Saviani, além do próprio Libâneo, citado neste livro de estudos.

Após os estudos das tendências pedagógicas, faz-se necessário analisar as concepções teóricas sobre a didática. Tal análise nos possibilita maior compreensão do contexto histórico e filosófico acerca da didática.

3 CONCEPÇÕES TEÓRICAS DE DIDÁTICA

Você já estudou, na primeira unidade do seu livro de estudos, a origem destas teorias voltadas para a perspectiva do currículo. Neste momento, somente resgataremos de forma mais sucinta tais teorias na perspectiva da didática.

Currículo e Didática se aproximam e se distanciam, portanto, entender as proposições implícitas em cada concepção teórica voltada, neste momento, para a didática, ampliará o conhecimento e fundamentará a práxis pedagógica.

Santos e Oliveira (1995 apud MOREIRA, 1998, p. 15) destacam que:

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o campo do Currículo se volta predominantemente para questões relacionadas à seleção e à organização do conhecimento escolar, enquanto que o da Didática prioriza o ensino como seu objeto de estudo. Alertam, porém, para o fato de que o conhecimento escolar não pode ser estudado sem referência às situações em que é ensinado, evidenciando, assim, a necessária proximidade entre os dois campos.

Vamos entender nesta perspectiva as teorias didáticas?

3.1 A DIDÁTICA NA TEORIA TRADICIONAL

A teoria tradicional tem como principal preocupação formar o homem de acordo com o modelo, que é universal. Perlin e Rezende (2011) explanam que a didática tradicional propõe a organização técnica dos conteúdos a partir de um modelo. “A forma tradicional é tecnicista e instrumental e organiza conteúdos, objetivos, atividades e avaliações de uma maneira que [...] tende ao universal e conduz a uma aprendizagem mecânica e unificada” (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 19).

Na teoria tradicional há rigidez, sem liberdade para produzir e contestar. A Didática Magna, de Comenius, já citada anteriormente, enquadra-se na teoria tradicional. A didática tradicional concebe que “O professor é controlado no seu fazer pedagógico. [...] constituindo assim dispositivos pedagógicos com a condensação de métodos, sequenciação dos conteúdos, a delimitação dos temas [...]” (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 7). Na teoria tradicional, a didática está mais relacionada ao controle sobre o professor quando planeja a aula e no controle que o professor exerce sobre o aluno para que o que planejou se concretize na íntegra. Ou seja, na didática tradicional, o professor segue de forma bastante rigorosa o que foi planejado, além de agir como controlador, disciplinador do aluno.

As teorias tradicionais focam exaustivamente no processo ensino e aprendizagem, na organização e planejamento visando eficiência, tendo por objetivo formar o homem ideal. O professor detém o conhecimento, repassa este aos ouvintes - estabelece um modelo padrão (todos aprendem da mesma forma).

3.2 A DIDÁTICA NA TEORIA CRÍTICA

A teoria tradicional começa a ser questionada por muitos autores renomados a partir da década de 1960. Louis Althusser, Bourdieu, Passeron e Paulo Freire estão entre os críticos mais ferrenhos, contrários à teoria tradicional.

Nas teorias críticas, o foco de estudo estava no estudo da ideologia, reprodução cultural e social, poder x classe social x capitalismo. Podemos destacar como características principais a resistência objetivando libertação.

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3.3 A DIDÁTICA NA PÓS-MODERNIDADE

Na pós-modernidade, surgem várias modificações importantes para a educação de surdos. Nesta teoria, a didática passa a se ocupar com a diferença e a cultura, há um incentivo à produção cultural. O pós-moderno se ocupa com

[...] o envolvimento com as diferenças, com as conexões entre saber, identidade, identidade cultural e poder que são evidentes nestes contextos [...]. Então, o que se implica neste campo é aquilo que promove as produções culturais dos sujeitos advindos de vários espaços sociais. Este espaço tende a respeitar as práticas emancipatórias da educação. E inclusive não se limita a discutir, mas a avançar nestas práticas de emancipação dos corpos dos sujeitos mantidos nos espaços de dominação (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 22).

Percebemos que as diferenças no que tange a identidade e cultura são muito importantes na teoria pós-moderna e por isso, comumente, encontramos, na literatura vigente, a terminologia Didática Cultural relacionada às teorias pós-modernas. A didática cultural enxerga que para um processo ensino-aprendizagem realmente eficaz é necessário abarcar outras temáticas, entre elas: alteridade, identidade, diferença, subjetividade, representação, cultura, gênero, raça, etnia, entre outros.

Outra característica a citar referente à Didática Cultural é o respeito às particularidades do indivíduo em si (social, identidade e cultura), das suas especificidades linguísticas, objetivando tornar o ensino mais atraente e cativante. Neste aspecto, vale ressaltar o quanto a educação de surdos ganha com a teoria pós-moderna. Sim, discutir alteridade, identidade, diferença, cultura é a base da educação de surdos. Tais pontos serão abordados com maior profundidade na Unidade 3 deste livro de estudos.

A teoria pós-moderna questiona a desigualdade social, a desigualdade de oportunidades, atesta a fertilidade das práticas culturais e questiona as outras teorias. Esta teoria nos possibilita

[...] fugir do controle da modernidade, nos sentirmos sujeitos em nossa ação de ensinar, no planejar, no vivenciar no aprendizado dos alunos que são sujeitos da sua história, sem a mordaça cultural, em que suas mãos são livres para aprenderem e sentirem como sujeitos em seu espaço cultural, com suas reais necessidades, com seus artefatos culturais (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 24).

Vivemos em uma época ímpar, temos a oportunidade única de vivenciar a transgressão pedagógica. Sim, uma educação realmente contextualizada, que constrói significados.

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LEITURA COMPLEMENTAR

Caro acadêmico, sugerimos a leitura do artigo Didática geral e didáticas específicas: pontos para reflexão, de Ilma Passos Alencastro Veiga (2014). Neste artigo, a autora disserta acerca da importância de alinhamento da didática geral com as didáticas específicas.

DIDÁTICA GERAL E DIDÁTICAS ESPECÍFICAS: PONTOS PARA REFLEXÃO[…]

Ilma Passos Alencastro Veiga*

[...]

Introdução

O tema deste artigo sobre o qual tenho me dedicado ultimamente está sendo impulsionado pelas discussões polêmicas sobre a exclusão da Didática Geral ou Fundamental dos cursos de licenciatura e o fortalecimento das diversas didáticas específicas, o que tem provocado a desarticulação entre o geral e o particular. É evidente que não se trata de discutir a existência de uma em detrimento da outra e nem ao contrário. Trata-se de uma abordagem integradora e problematizadora do papel da escola, a ação de ensinar, o processo de aprendizagem, a prática da organização colaborativa da aula e as questões da seleção do conhecimento, da metodologia e das práticas avaliativas.

A centralidade do porquê, o quê e o como ensinar que delineou o processo didático é focada em articulação com o ato pedagógico e com todas as áreas do conhecimento que estruturam os cursos de formação de professores. Assim, o projeto de formação de professores não pode organizar-se de forma aditiva, mas sob a perspectiva da integração em torno do eixo estruturante que é a prática profissional em contexto (ROLDÃO, 2004). Isso significa que a delimitação epistemológica leva em conta o saber organizar o processo didático em suas diferentes dimensões: ensinar, aprender, pesquisar e avaliar, bem como uma clara centralidade nas dimensões dos conhecimentos específicos.

Então, vale indagar: o que será necessário para orientar os nossos propósitos, a fim de concretizar a prática da integração entre a Didática Geral ou Fundamental e as didáticas específicas? Talvez seja possível delimitar alguns pontos para reflexão, que não esgotam as respostas possíveis, mas que podem contribuir para a ação integradora, nucleares entre o geral e o específico. A resposta à questão levantada passa pelo menos por dois grupos diferentes de ponderações: as de natureza epistemológica e outras metodológicas e que, colocadas em prática, poderão facilitar a construção das didáticas específicas em diferentes campos científicos integradas à didática de cunho geral. Tratam-se de áreas de estudo e pesquisa, de conhecimento curricular que estão se reconfigurando.

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Refletir a Didática Geral e as específicas significa entendê-las sob a ótica de alguns autores, com o intuito de ressaltar os pontos relevantes, na tentativa de fortalecer a natureza e características de cada uma delas e suas conexões com o campo epistemológico da Pedagogia, as concepções de ensino no âmbito geral, de ensino específico e as experiências dos professores. Significa também analisar a escola de hoje que é responsabilizada por uma ampliada gama de funções, incluindo também a de prover serviços sociais. A escola deve ser concebida como espaço-tempo de diálogos democráticos, de compromisso pessoal e social com a cidadania e a formação humana.

A Didática Geral e as didáticas específicas nas concepções dos autores

Para Bedoya (2005), a didática especial é denominada assim porque deve corresponder a cada ciência ou disciplina específica, objeto de um determinado ensino. Isto supõe que toda ciência ou disciplina teria implícitas estratégias didáticas ao lado das científicas ou investigativas para serem concretizadas em aula. Há uma identificação da didática com o conhecimento específico. O autor afirma: “A didática das disciplinas exige ou implica um processo incessante de investigação e discussão — replanejamento e construção constantes, porque os problemas, para serem postos em prática, não como uma mera montagem instrumental e operativa, exigem a confrontação epistemológica e interdisciplinar (Ibid, p. 181)”.

Por essa ótica, a didática específica não constitui um conjunto de rotinas predefinidas, pois o processo didático na sala de aula reproduz e ao mesmo tempo constrói novos espaços. É uma didática que reinventa a prática pedagógica por intermédio da crítica do objeto estudado, isto é, o ensino no contexto da educação e do posicionamento político que direciona a ação do professor e dos alunos.

Libâneo (2008) busca a unidade entre uma Didática Geral do ensino e as metodologias específicas. Defende a unidade e a interdependência por meio da relação indissociável entre “as questões pedagógico-didáticas e a questão epistemológica” (LIBÂNEO, p. 63). Sob esta ótica, o pedagógico está sempre em conexão com o epistemológico.

O autor discute quatro argumentos a favor da integração entre Didática e didáticas específicas ou especiais, sinteticamente apresentados a seguir:

a) a didática e as didáticas especiais têm o ensino como objeto de estudo e de pesquisa. Elas têm as mesmas tarefas, ou seja, explicitar o processo docente do conhecimento;

b) as formas de ensinar dependem das formas de aprender, pois o elemento nuclear é a aprendizagem do aluno;

c) aprender é desenvolver as capacidades cognitivas do estudante de modo que domine conceitos, forme esquemas mentais, raciocine logicamente, argumente e solucione problemas etc.;

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d) a didática e as didáticas especiais, vinculadas à pedagogia, atribuem uma intencionalidade formativa ao ato de ensinar.

Nesse sentido, a didática e as didáticas específicas são interdependentes, uma vez que o objeto de estudo de ambas é o ensino.

Elementos estruturantes das didáticas específicas

Para conferir mais clareza ao texto, opta-se por apresentar os elementos em subitens, considerando-os separadamente, para articulá-los na conclusão. Portanto, a seguir, relacionam-se os elementos estruturantes que caracterizam uma didática especial: configuração contextual, fato epistemológico, saberes e linguagens específicas, atribuições de significados, intencionalidades e delimitação procedimental. O objetivo é analisar os elementos necessários à configuração de didáticas específicas considerando a natureza e a especificidade dos campos epistemológicos dos componentes curriculares ou áreas de conhecimento.

Configuração contextual

Ao recorrer a esta expressão, ressalta-se a importância deste elemento estruturante de uma didática específica no sentido de se compreenderem os vínculos do campo epistemológico, sua prática com a prática social mais ampla. Isto significa vincular os conhecimentos específicos curriculares e de cada componente curricular às finalidades sociais mais amplas. Significa pensar o objetivo de estudo no contexto social e qual o papel desse contexto.

Fato epistemológico

Promover novos fatos epistemológicos no sentido de atribuir significado ao conhecimento apontando suas relações, observando suas correlações e nexos. Um determinado conhecimento, conteúdo curricular disciplinar ou temático se torna fato epistemológico no âmbito de seu campo científico, quando são examinadas as características e as configurações do objeto de estudo sob diferentes dimensões: científica, pedagógica, político-social, econômica, histórica, geográfica, entre outras.

Os saberes e as linguagens dos campos epistemológicos.

A compreensão de saber implica a de sujeito de atividade do sujeito, de relação do sujeito com ele mesmo, de relação desse sujeito com os outros (que coconstroem, controlam, validam, partilham esse saber) (CHARLOT, 200). Não há saber em si, o saber é, portanto, uma relação do sujeito com o mundo, com ele mesmo e com os outros. O saber se desenvolve em constante movimento e em diálogo.

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Barth (1997), ao discutir sobre os saberes, apresenta as seguintes características: estruturado, evolutivo, cultural, contextualizado e objetivo. O saber estruturado não existe sem o real. O interesse é perceber ao mesmo tempo os aspectos abstrato e concreto por meio da comparação dos dois. Assim, é oportuno estabelecer o elo entre o saber a ser ensinado e o contexto concreto.

O saber evolutivo não tem fim, é sempre provisório. A idade não é o fator determinante das nossas concepções, mas, como afirma o autor, “número de encontros” que tivemos com um determinado saber, bem como a qualidade da ajuda que tivemos com um determinado saber para interpretá-lo.

O saber cultural envolve o saber pessoal, bem como o tempo e a experiência, abrangendo a interação com os outros “membros da nossa cultura” (ibid). É um saber partilhado que evolui e não existe de modo isolado num indivíduo.

O saber contextualizado surge em circunstâncias simultâneas afetivas, cognitivas e sociais. Este contexto é que lhe irá dar sentido – ou não - e que continuará a influenciá-lo. O autor apresenta quatro categorias para estabelecer a relação do contexto com o saber:

a) o saber está associado ao seu contexto; b) o saber é confundido com o seu contexto;c) o saber é diluído por um aspecto dominante do seu contexto; d) o saber é induzido pelo seu contexto (Ibid).

É importante ressaltar que as categorias orientadas pelos termos “associado”, “confundido”, “diluído” e “induzido” dão a conotação de que os saberes devem ser analisados pelas didáticas específicas. Os saberes não são algo que permeia o espaço sem relação com o mundo.

O saber afetivo é carregado de afetividade, de emoção e influência. Não podemos confundir o saber com a emoção na interpretação da realidade de forma subjetiva. A emoção, a afetividade, nossas atitudes e valores influenciam a nossa maneira de apreender a realidade e o modo de apreendermos a nós próprios.

Por isso, compreender os saberes dos campos epistemológicos para gerar didáticas específicas é necessário; vê-los como processo que requer uma permanente configuração de cada momento de construção e apreensão do saber. O trabalho docente acontece em uma relação que envolve os dois sujeitos: professor e estudante mediada pelos diferentes saberes.

A linguagem, em seu sentido mais amplo, é um dos elementos essenciais à vida contemporânea e às ciências. A linguagem expressa significações e, por esse motivo, é muito importante considerar a linguagem específica de cada campo científico como elemento estruturante da didática específica. A construção das didáticas específicas implica, portanto, compreender “linguagens” da medicina,

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da odontologia, do direito, da administração, das ciências da computação, da matemática, da pedagogia, da psicologia, da biologia, da história, das artes e outras mais. As linguagens específicas expressam os conhecimentos de cada campo científico.

O emprego da linguagem contribui para o processo de formação e transformação do sujeito, no caso o estudante, tanto nos seus modos de perceber, suas formas de pensamento e ação, quanto em seus aspectos subjetivos. Em consequência, transformará também o mundo desses estudantes que, ao darem novos sentidos e significados, modificam a própria linguagem do campo epistemológico. No fundo, isto significa desenvolver a capacidade do estudante para um raciocínio globalizante e integrador.

Qualquer saber, entendido como linguagem, organizada e fundamentada no contexto de um campo específico, é uma prática social, pois nela estão inseridos valores e significados atribuídos aos sujeitos e à sociedade que a constrói e que nela se ocupam.

As atribuições de significados

O quarto elemento estruturante que se propõe procura atribuir significados ao conhecimento, objetivando a compreensão do porquê dos conceitos. Nesse sentido, as informações são transformadas em conhecimentos e conceitos que podem ser transferidos a outras situações. A didática de um determinado campo epistemológico deve produzir uma aprendizagem que leve os alunos a transformarem e ao mesmo tempo torná-los capazes de atribuir significações ao que aprenderam, transferindo o conhecimento e saberes apreendidos, produzido e assimilado para outras situações educativas e, assim, fortalecer a capacidade de distinguir os conhecimentos essenciais, fundamentais dos secundários e, muitas vezes, irrelevantes. A conquista de significações sobre os conhecimentos de um componente curricular, de um tema, de uma unidade didática precisa de um suporte metodológico expressivo e adequado às características do campo epistemológico. Isto significa explorar a especificidade do conhecimento e do conteúdo. Tempos, espaços e culturas diferentes tiveram, têm e terão concepções variadas sobre campos epistemológicos, suas funções, práticas e, portanto, valores atribuídos ou ligados a eles. Não são questões imutáveis.

Intencionalidades

A educação superior orientada para a profissionalização tem a função de desenvolver a personalidade do estudante como um todo, de desenvolver faculdades/capacidades indispensáveis ao profissional de qualquer campo científico, ou seja, por exemplo, as faculdades/capacidades de percepção, de comunicação, de autodisciplina, de trabalho em equipe, de discernimento, análise, síntese, de elaboração pessoal, de avaliação, de desembaraço, de autoconfiança, de autonomia, de criatividade, de senso crítico, de senso de responsabilidade de valores, princípios éticos etc. Trata-se de uma didática específica que tem

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como objeto de estudo o ensino “de” no sentido de transformar o pensar e o agir do futuro profissional em um novo contexto, resultante de mudanças socioeconômicas, culturais e tecnológicas. As didáticas específicas veem-se, pois, diante de um desafio que, sem dúvida, apresentam-se como uma prática efetiva e consistente de ensino de graduação em campos específicos e diversificados. É importante promover, de modo mais amplo e democrático, uma educação superior de qualidade.

Proposições metodológico-procedimentais

Diversas são as possibilidades metodológicas e tecnológicas para a elaboração das didáticas específicas, em que professores e estudantes possam dialogar, problematizar e atualizar as questões e desafios dos saberes de um determinado campo epistemológico, uma vez que eles são protagonistas na construção do conhecimento. A capacidade metodológica forma parte dos saberes que estruturam as didáticas específicas e que todo professor universitário deve possuir, no sentido de adotar procedimentos metodológicos não lineares, em que a centralidade da sua ação didática está no estudante. Nesse sentido, vale o registro de Zabalza (2007) de que é fundamental para o docente universitário escolher:

[...] As modalidades metodológicas que podem desenvolver o ensino são múltiplas. [...] Mas o importante é ser consciente de que cada método ou modalidade metodológica apresenta suas vantagens e inconvenientes. Não existe o melhor método, se não aquele que se ajustar às condições de nossos objetivos formativos, ao conteúdo que vamos trabalhar, às características de nossos alunos, às particularidades de tempo, espaço e recursos que temos de mover (p. 110).

É necessário, portanto, que o professor reflita e associe, constantemente, teoria e prática, analisando-as com base nas teorias que fundamentam os campos epistemológicos e pedagógicos e as experiências do trabalho docente e profissional.

Conclusão

O presente texto teve como objetivo analisar as concepções de Didática Geral e didáticas específicas, bem como compreender seus elementos estruturantes. O contato com o referencial teórico consultado permitiu entender melhor o processo de construção de didáticas especiais, ora consolidando certezas, ora apresentando outras dúvidas e questionamentos.

O que fica claro nessa trajetória reflexiva é que, apesar dos diversos avanços da ciência, ainda há uma tímida ação por parte das instituições de educação superior no sentido de estimular o professor a criar novos saberes e novas formulações didáticas. Existe a necessidade de serem delineados os reais significados das Didáticas Geral e específicas, uma vez que por meio delas podemos caracterizar os seus elementos estruturantes.

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Algumas características das didáticas especiais foram elaboradas a partir de estudos que possibilitaram a construção de uma série de elementos estruturantes. As reflexões tecidas nas concepções dos autores definiram a constatação de que as Didáticas Geral e específicas representam um dos esteios fundantes provocadores da formação construtiva e incentivadora da produção científica, bem como a construção de novos saberes profissionais ao integrar teoria-prática, sujeito-objeto, professor-aluno, ensino-aprendizagem, entre outras.

Diante disto, a existência da Didática Geral e das didáticas específicas pode ser apresentada como um desafio a todos os envolvidos com a educação superior. Ao mesmo tempo, essas didáticas são caminhos para a construção de um processo formativo-investigativo mais democrático, integrativo e interdependente.[...]

Para fazer a leitura na íntegra, acesse: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/olhardeprofessor/article/view/9800/6404>. Acesso em: 14 maio 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• As Tendências Pedagógicas são classificadas em Pedagogia Liberal e Pedagogia Progressista. Estas tendências possuem subdivisões.

• A Pedagogia Liberal tem o intuito de fazer com que o indivíduo se adéque às normas da sociedade.

• A Pedagogia Liberal contempla as seguintes tendências: tradicional, renovada progressiva não diretiva (Escola Nova) e tecnicista.

ᵒ Tendência Tradicional: o professor é o símbolo máximo de autoridade do saber, ao aluno cabe ouvir e aceitar. A decoreba é característica predominante no processo avaliativo.

ᵒ Tendência Renovada Progressista: os interesses dos alunos são a base para desenvolver os conteúdos, o professor tem o papel de auxiliar no desenvolvimento dos alunos.

ᵒ Tendência Liberal Renovada não Diretiva (Escola Nova): nesta tendência, os aspectos psicológicos são mais valorizados. O professor é um especialista em relações humanas.

ᵒ Tendência Liberal Tecnicista: o papel da escola está intrinsecamente relacionado à modelagem do comportamento humano. Objetiva produzir pessoas competentes para o mercado de trabalho.

• Já a Pedagogia Progressista critica a realidade social, sendo considerado um instrumento de luta na sociedade de classes.

• A Pedagogia Progressista abarca as seguintes tendências: libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos.

ᵒ Tendência Progressista Libertadora: Paulo Freire é o mentor desta pedagogia. Esta tendência foca na educação não formal. Os professores e alunos constroem seus conhecimentos a partir da realidade. Os conteúdos de ensino tradicionais são substituídos por temas geradores.

ᵒ Tendência Progressista Libertária: visa transformar a personalidade dos alunos a fim de libertá-los. O professor atua enquanto orientador. Os conteúdos são disponibilizados, mas não exigidos.

ᵒ Tendência Progressista Crítico-Social dos Conteúdos: cabe à escola garantir a todos um bom ensino. Os conhecimentos prévios dos alunos são a base para a aquisição de novos conhecimentos. O professor atua enquanto observador e mediador do processo.

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• A didática na teoria tradicional propõe a organização técnica dos conteúdos a partir de um modelo. Na didática tradicional, o professor segue de forma bastante rigorosa o que foi planejado, com rigidez, sem flexibilidade.

• Na didática na teoria crítica, o foco da didática passa a ser o estudo da ideologia, reprodução cultural e social.

• Na didática na pós-modernidade, há um incentivo à produção cultural. Também nomeada de didática cultural, esta abarca outras temáticas, entre elas, alteridade, identidade, diferença, subjetividade, entre outros.

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AUTOATIVIDADE

1 (ENADE, 2017) A didática escolar cumpre funções de caráter político, educativo e científico a um só tempo. A integralização dessas funções pela didática escolar torna essa disciplina acadêmica algo mais complexo que a simples procura e implementação de procedimentos de ensino. Por meio desse processo, a unidade dialética da teoria e da prática assume as características de uma verdadeira investigação científica da realidade cotidiana da prática pedagógica.

RAYS, O. A. A relação teoria-prática na didática escolar crítica. IN: VEIGA, I. P. A. (Org.).

Didática: o ensino e suas relações. 7. ed. Campinas: Papirus, 2003 (adaptado).

A partir das informações apresentadas, avalie as afirmações a seguir:

I- A práxis pedagógica envolve a adoção do método dialético no processo de elaboração do conhecimento em articulação com a teoria histórico-cultural.

II- A apropriação crítica e histórica do conhecimento é um instrumento de compreensão da realidade social e de atuação crítica para a transformação da sociedade.

III- A Didática é uma área do conhecimento que utiliza os elementos do cotidiano escolar e das questões sociais para atualizar a prática docente.

É correto o que se afirma em:a) I, apenas.b) III, apenas.c) I e II, apenas.d) II e III, apenas.e) I, II e III.

2 Diferencie, em linhas gerais, a Pedagogia Liberal da Pedagogia Progressista.

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TÓPICO 3

DIDÁTICA E AVALIAÇÃO

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico, estamos finalizando a Unidade 2 do nosso livro de estudos de Currículo e Didática na Educação de Surdos. Já abordamos currículo e suas multifacetas e explicitamos conceitos acerca da didática e sua influência na educação.

Ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional, você perceberá que as temáticas Currículo e Didática estão sempre associadas à Avaliação. Quando delineamos o que ensinar e traçamos o como ensinar, chega o momento de refletirmos sobre o papel da avaliação neste processo. É muito importante que você entenda de forma clara o conceito e as implicações da avaliação, além de conhecer os objetivos, as modalidades, os critérios e as funções dela no contexto educacional. Diferenciar o exame da avaliação, questionando a real validade da nota fará toda a diferença em sua prática pedagógica, pois propiciará novas visões e perspectivas acerca do processo de ensino-aprendizagem. Bons estudos!

2 AVALIAÇÃO: CONCEITO E IMPLICAÇÕES

Segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2009), a palavra avaliar tem o sentido denotativo de determinar valor, qualidade ou importância. A palavra avaliar tem origem no latim valere, que resultou no português em valia, da qual se formou avaliar.

O avaliar está presente em todos os aspectos de nossa vida social e perpassa por todo o desenvolvimento humano. O avaliar funciona basicamente da mesma forma independentemente do objeto de estudo – perpassando por setores administrativos, políticos, até o contexto escolar. No entanto, independentemente de qualquer coisa, o processo avaliativo sempre deve propiciar decisões que nos encaminhem para melhores resultados. A avaliação sempre deve ter por premissa diagnosticar para reorientar.

A avaliação é um dos temas mais polêmicos e traumáticos para todo e qualquer professor. Apesar de suma importância, é um tema pouco discutido dentro das instituições de ensino. Isso ocorre porque a avaliação na aprendizagem exige mudança de mentalidade. Segundo Luckesi (2010), a avaliação,

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UNIDADE 2 | DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO

obrigatoriamente, conduz todo um conjunto de outros fatores educacionais, por isso deve ser vista como processo de transformação em busca de uma nova modalidade de escola.

A primeira ideia de avaliação no contexto escolar nos remete a conceitos relacionados a provas, exames, aprovação ou reprovação. Esta ideia é o resultado de uma concepção tradicional ainda muito presente na sala de aula. Porém, é de senso comum que aprender não significa memorizar informações e sim construção do próprio conhecimento. Por isso, a avaliação precisa urgentemente ser visualizada por outros ângulos ou dimensões.

A avaliação é “um juízo de valor, o que significa uma afirmação qualitativa sobre um dado objeto, a partir de critérios preestabelecidos, portanto, diverso do juízo de existência que se funda nas demarcações “físicas” do objeto ” (LUCKESI, 2010, p. 33, grifo do autor).

Não é possível abordar o processo ensino-aprendizagem sem falar sobre Avaliação, ela é parte intrínseca deste processo. As formas de concepção e prática da avaliação estão relacionadas a inúmeras coisas, entre elas as concepções de aprendizagem, a estrutura do contexto escolar sofrendo influências internas e externas. “Em todos os casos, a avaliação não é um fim em si. É uma engrenagem no funcionamento didático e, mais globalmente, na seleção e na orientação escolares. Ela serve para controlar o trabalho dos alunos e, simultaneamente, para gerir os fluxos” (PERRENOUD, 1999, p. 13).

Ramos (2008, p. 21) afirma que “A avaliação exerce uma função importante no processo de ensino e de aprendizagem, pois a razão do professor ou do aluno permanece acidental, se não for acrescida da habilidade de aprender com seus erros e o insucesso de suas intervenções”. Ou seja, através dos resultados dos instrumentos avaliativos é possível identificar erros e acertos na prática docente. O objetivo do instrumento avaliativo é orientar o professor na sua prática docente e não classificar os alunos. A avaliação fornece ao professor informações para que ele repense, replaneje sua atuação didática, visando aperfeiçoá-la. Independentemente dos instrumentos avaliativos selecionados, ao avaliar o aluno, o professor também está se avaliando.

2.1 MODALIDADES E FUNÇÕES DA AVALIAÇÃO

Neste tópico, pretende-se delimitar as modalidades da avaliação e as funções a ela demarcadas no atual contexto educacional. A avaliação pode ser classificada basicamente em três modalidades: diagnóstica, formativa e somativa.

A avaliação diagnóstica exige comprometimento de professor e aluno, isso porque a avaliação “[...] terá de ser o instrumento da identificação de novos rumos. [..], terá de ser o instrumento do reconhecimento dos caminhos percorridos e da identificação dos caminhos a serem perseguidos” (LUCKESI, 2010, p. 43).

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A avaliação formativa pode ser definida como “[...] toda avaliação que ajuda o aluno a aprender e a se desenvolver, ou melhor, que participa da regulação das aprendizagens e do desenvolvimento no sentido de projeto educativo” (PERRENOUD, 1999, p. 103, grifo do autor). Desta forma, a avaliação sempre estará centrada direta e imediatamente na aprendizagem do aluno.

Ramos (2008, p. 31) ainda declara que “A avaliação diagnóstico-formativa faz perguntas, investiga e integra o saber e experiência do aluno, busca alternativas e proporciona feedback, ensinando à medida que corrige no processo de ensino e de aprendizagem”.

Já a avaliação somativa, que é comumente utilizada na escola, é aquela realizada ao final de uma unidade curricular ou de um período (bimestre, trimestre, semestre ou ano letivo), tendo como objetivo principal expor os resultados alcançados pelo aluno.

A função classificatória, baseada na pedagogia tradicional, é “[...] um instrumento autoritário e frenador do desenvolvimento de todos os que passarem pelo ritual escolar, possibilitando a uns o acesso e aprofundamento no saber, a outros a estagnação ou a evasão dos meios do saber” (LUCKESI, 2010, p. 37).

A função classificatória atribuída à avaliação não auxilia no crescimento e desenvolvimento do aluno e não contribui para a transformação social. Segundo Ramos (2008), a avaliação tradicional é uma espécie de chantagem, colocando o professor e os alunos em lados opostos. Neste tipo de avaliação, a função desta se tornará uma relação de mero poder, autoritarismo e conservadorismo.

A avaliação pedagógica tradicional é um jogo de gato e rato, um confronto de estratégias e de contra-estratégias. É muito difícil, nestas condições, criar uma relação verdadeiramente cooperativa entre professores e alunos, porque uma hora ou uma semana depois, os primeiros vão julgar os segundos, às vezes com rigor. Aliás, é por isso que é difícil conjugar, na mesma relação pedagógica e no mesmo espaço-tempo, avaliação formativa e avaliação certificativa: a primeira supõe transparência e colaboração, ao passo que a segunda se situa no registro da competição e do conflito e, consequentemente, do fingimento e da estratégia (PERRENOUD, 2009, p. 70).

Cabe aqui destacar que a avaliação também está a serviço da burocracia escolar. No cumprimento das exigências ‘‘é preciso dispor também de dados quantificados, que expressem em números, conceitos ou percentuais, os resultados das ações dos alunos” (RAMOS, 2008, p. 14).

Diante do exposto até aqui, percebe-se que a função mais importante da avaliação é a de diagnosticar, possibilitando a real inclusão do aluno no processo educativo. Diagnosticar significa fazer um levantamento de dados para criar novos caminhos favorecendo uma aprendizagem efetiva. Segundo Luckesi

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(2010), avaliar é o diagnóstico da aprendizagem que está ocorrendo, é identificar os elementos que estão corroborando para tal aprendizagem e tomar decisões que auxiliem no processo de melhoria da aprendizagem na perspectiva de um resultado mais satisfatório.

2.2 OBJETIVOS DA AVALIAÇÃO

Perrenoud (1999, p. 71) afirma que “a avaliação não é, em princípio, um objetivo em si, mas um meio de verificar se os alunos adquiriram os conhecimentos visados”.

Apesar da avaliação não ser um objetivo, é pertinente que, para avaliar, os objetivos sejam previamente definidos. Quando a avaliação é baseada em objetivos claros, simples e precisos, ela será, essencialmente, construtiva ao processo de ensino e aprendizagem.

FIGURA 8 – PROCESSO DA AVALIÇÃO

FONTE: Disponível em: <https://i1.wp.com/blog.kanitz.com.br/wp-content/uploads/2013/03/cloud-avalia%C3%A7%C3%A3o.jpg>. Acesso em: 14 maio 2018.

Perrenoud (1999) recomenda que ao ensinar se tenha uma ideia precisa de como será o procedimento de avaliação dos conhecimentos.

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2.3 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

Ramos (2008) define que os critérios são como indicadores precisos que servem para identificar as aprendizagens realizadas, ou seja, os critérios de avaliação estão estritamente relacionados ao que é necessário que o aluno aprenda.

Cabe ressaltar que os critérios estabelecidos por lei são objetivos e claros. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/96), no artigo 24, inciso V, preconiza que no processo de avaliação sejam observados os seguintes critérios:

a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;

b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar; c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do

aprendizado; d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito; e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período

letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos.

Seguindo esta linha de raciocínio, Ramos (2008) afirma que no processo avaliativo se faz necessário refletir e analisar quatro perguntas, que são:

1º QUEM? Quais os sujeitos envolvidos no processo.2º O QUÊ? A fim de acompanhar os avanços e dificuldades do aluno. 3º PARA QUÊ? Diagnostica dúvidas e certezas a fim de redimensionar a

práxis pedagógica. 4º COMO? Através de objetivos claros e registros das informações obtidas

com pais, alunos e professores.

Os critérios do entendimento na avaliação devem ser compreendidos como aprendizagens indispensáveis ao final de um período e como referências que permitam, se comparados aos objetivos de ensino e ao conhecimento prévio com que o aluno iniciou a aprendizagem, a análise de seus avanços ao longo do processo, considerando que as manifestações desses avanços não são lineares nem idênticas em diferente sujeitos (RAMOS, 2008, p. 46).

Nesse aspecto, percebe-se a importância de o professor estabelecer critérios claros, expondo aos alunos, de forma transparente, como serão avaliados. Quando o ano letivo é iniciado, o professor já tem um planejamento prévio, mas nada o impede de, durante o processo, dialogar com os seus alunos sobre os critérios e instrumentos avaliativos que serão utilizados. Apesar do aluno não ter aporte teórico para decidir o planejamento em todos os aspectos, quando o professor dialoga sobre isso, está chamando o aluno a dar um passo à frente.

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Isso não significa que cabe ao aluno decidir, pois é tarefa do professor manter o rigor na execução do planejamento e na obtenção dos resultados. Afinal, um bom resultado depende do incentivo, da oportunidade de se efetuar uma avaliação em três etapas: Coleta, Análise e Conclusão. Ou ainda, a avaliação inicial, a avaliação durante o processo, considerada a mais importante para os resultados da aprendizagem e, por fim, a avaliação final, que orienta e ajuda o aluno a reconhecer as suas possibilidades.

Outro aspecto relevante é o fato dos alunos terem direito a um feedback, terem direito de saber em quais conteúdos apresentaram maiores dificuldades. Por exemplo, caso o instrumento avaliativo utilizado tenha sido uma produção textual – a famosa redação, os critérios estabelecidos pela legislação devem ser obedecidos. Mas se, no final, o resultado numérico tenha sido uma nota 7, o aluno tem o direito de saber em que aspectos há campo para melhora e ao professor cabe a responsabilidade de fazer tais apontamentos. Quando os critérios são explicados antecipadamente, o feedback ganha mais sentido para o aluno, pois ele pode comparar o que foi solicitado com o que por ele foi produzido.

Diante deste cenário desafiador, Ramos (2008) defende que os critérios de entendimento sejam reflexivos, conectados, compartilhados e autonomizados.

“O entendimento reflexivo pode ser alcançado em um processo de convencimento do professor sobre o aluno e do aluno sobre o professor” (RAMOS, 2008, p. 53). O entendimento reflexivo favorece novos caminhos para a construção do conhecimento. Ao professor caberá o papel de provocar o aluno. “Aprender a ouvir os alunos e fazer da escola um lugar possível para que isso aconteça, tornam-se condições inseparáveis no processo de ensino e de aprendizagem” (RAMOS, 2008, p. 56).

Já o entendimento conectado subentende que “no conhecimento adquirido, é preciso que o educando alcance a compreensão da realidade” (RAMOS, 2008, p. 58). Isto significa que, no entendimento conectado, o conhecimento prévio do aluno é valorizado, é a partir deste conhecimento que o professor poderá associar o conteúdo a ser trabalhado.

Ramos (2008, p. 61) define entendimento compartilhado como “capacidade intelectual em partilhar na interpretação, dúvidas e questionamentos; conhecimento da própria relação, consciência, opinião e experiência partilhada com o sujeito”. O mesmo autor alerta para o fato de que cada aluno aprende de várias maneiras e em diferentes velocidades, por isso, não podemos ensinar os mesmos conteúdos da mesma forma a todos os alunos. Quando o professor compartilha, ele identifica quando e como ajustar seu planejamento.

Ramos (2008, p. 65) ainda pondera que “O professor que adota, na prática pedagógica, o entendimento autonomizador estará contribuindo para a formação de um ser humano consciente, competente e comprometido, a caminho de sua emancipação [...]”. Esta afirmação é verdadeira no que tange ao papel social do

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professor, que é ajudar o aluno a interpretar e compreender a realidade atual a fim de reconstruí-la. Neste exercício contínuo, ao aluno serão permitidos a reflexão, o diálogo e a participação consciente de seus atos.

2.3 EXAME VERSUS AVALIAÇÃO

Atualmente, nas escolas pratica-se a aplicação de exames e não a avaliação da aprendizagem no seu verdadeiro significado. Avaliar e examinar são, desde o conceito até a prática, conceitos completamente distintos.

De acordo com o exposto por Luckesi (2010), podemos identificar características básicas no exame. Primeiramente, o ato de examinar é pontual, ou seja, o processo (o que aconteceu antes ou posteriormente) não interessa, somente o desempenho tido no momento do exame é levado em conta. O ato de examinar também é classificatório, tem a ver com aprovação e reprovação, escala de notas, classificando a vida de cada aluno, pois tem-se no histórico escolar um instrumento totalmente quantitativo. E, finalmente, o ato de examinar é excludente para uma grande parte da população. Um exemplo irrefutável disso é o vestibular ou concursos, nos quais o número de vagas ofertadas é inúmeras vezes menor do que o número de candidatos.

Em contraponto, Luckesi (2010) explana que a avaliação da aprendizagem é um processo mais humano e tem também características básicas. Primeiramente, a avaliação é não pontual, ou seja, o processo – o que aconteceu antes ou posteriormente – é levado em conta, pois o que realmente importa é o processo de construção do conhecimento. O aluno pode não saber agora, mas ele pode vir a saber. A avaliação também é dinâmica, ou seja, diagnostica o que está ocorrendo para favorecer a possibilidade de melhoria. Finalmente, ela é includente, incluindo os que ainda não sabem e favorecendo as possibilidades de aquisição do conhecimento.

O examinar em si não está totalmente errado, mas o que presenciamos, atualmente, no contexto educacional, é que o examinar é a regra e o avaliar é a exceção, quando o sentido deveria ser o oposto. O avaliar deve fazer parte da postura permanente do professor, pois somente assim ocorrerá o desenvolvimento integral do aluno. Enquanto instrumento, o exame não precisa ser abolido, mas a postura no uso deste instrumento precisa mudar.

Quaisquer que sejam os instrumentos avaliativos (portfólio, diários nos quais os alunos registram seus avanços e dificuldades, feiras, teatros, excursão, relato da excursão, tarefas, prova escrita com questões abertas ou fechadas, teste, redação, monografia ou arguição oral), todos devem ser vistos como recursos que possibilitam ao professor verificar como o aluno está manifestando a sua aprendizagem. Os instrumentos devem ser usados para manifestar, diagnosticar a conduta e o desempenho do aluno.

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A avaliação em seu sentido mais intrínseco será, obrigatoriamente, mediadora, dialética, dialógica, formativa. Todos estes adjetivos se tornam redundantes quando falamos verdadeiramente no processo de avaliar.

Luckesi (2010) afirma que a avaliação amorosa envolve o acolhimento, a integração e a inclusão do aluno, envolve que o professor tenha consciência de seu papel social, que é o de dar suporte, estar ao lado apontando ao aluno os passos a seguir, para que ele se desenvolva e se torne autônomo. Muitos afirmam que a avaliação amorosa pode gerar indisciplina, pois os alunos não mais terão medo da reprovação.

Sem dúvida, a avaliação amorosa sempre será mais trabalhosa, pois será embasada em atitudes e valores. Contudo, ela será essencialmente mais construtiva.

2.4 O PAPEL DA NOTA NA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL

Não raro, encontramos professores que baseiam sua avaliação, exclusivamente, em números, é quando entra em cena a tão famosa nota. Atualmente, este é um dos critérios mais utilizados para diagnosticar a qualidade do ensino. Geralmente, aplicam-se testes, provas, nos quais os alunos recebem uma nota. A média é gerada através destas notas e é ela quem dita a aprovação ou reprovação do aluno. Trata-se de um processo totalmente numérico e impessoal.

Os alunos que alcançam boas notas têm alguns privilégios, já os “maus alunos”, muitas vezes, são alvo de brincadeirinhas e rótulos. No entanto, será que aquele aluno que obteve uma boa nota simplesmente não realizou a tão famosa decoreba ou apelou para uma boa “cola”?

A prática pedagógica baseada exclusivamente em nota não traduz o real

significado do processo de ensino e aprendizagem. Pensando no aluno que fez a cola ou simplesmente memorizou e por isso obteve uma boa nota, ou naquele aluno que realmente apresentou dificuldades no processo de aprendizagem e transpareceu isto na prova, cabe a nós, docentes, ponderarmos sobre qual aluno nos dará um feedback mais íntegro, possibilitando o aperfeiçoamento da prática pedagógica.

A atual condição da avaliação é definida de forma concisa por Luckesi (2010, p. 18, grifo do autor), quando afirma que “O que predomina é a nota: não importa como elas foram obtidas, nem por quais caminhos. São operadas e manipuladas como se nada tivessem a ver com o percurso ativo do processo de aprendizagem”.

Não se defende aqui uma avaliação menos rigorosa ou efetiva, mas sabe-se que é impossível medir a aprendizagem em uma escala, por isso, propõe-se aqui uma ressignificação da avaliação no processo ensino-aprendizagem.

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TÓPICO 3 | DIDÁTICA E AVALIAÇÃO

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De acordo com Ramos (2008), uma avaliação embasada em carimbos ou estereótipos nos dá uma concepção distorcida, nos impedindo de ver a realidade. Este tipo de avaliação não pode nem deve orientar o trabalho docente. Ao escolher um instrumento avaliativo, o professor precisa refletir se este instrumento levará o aluno a utilizar as competências adquiridas durante o seu processo escolar.

A avaliação deve estar contextualizada com a prática educativa, deve contemplar as pluralidades existentes no corpo discente. Ainda segundo o mesmo autor, o processo avaliativo como um todo leva o professor a observar, mediar e interagir com seus alunos, entendendo melhor suas reais necessidades, ajustando de forma mais sistemática suas intervenções pedagógicas e situações didáticas propostas.

Atribuir à avaliação a função classificatória, seletiva, discriminatória é fugir de nosso papel enquanto educadores. Nos compete utilizar a avaliação para verificação do ensino, para analisar se precisamos refazer o caminho para atingir a aprendizagem; e se isso não está ocorrendo, devemos elaborar estratégias que nos possibilitem alcançar tal objetivo.

Percebe-se que a avaliação não deve estar vinculada à ideia de aprovação ou reprovação. Diante desta visão holística de avaliação, verifica-se que, em princípio, a reprovação não deveria existir. O objetivo da avaliação não é aprovar ou reprovar, mas construir.

FIGURA 9 – AVALIAÇÃO ADEQUADA

FONTE: Disponível em: <https://iipb.com.br/wp-content/uploads/2017/10/avalia%C3%A7%C3%A3o-psicologica-1.jpg>. Acesso em: 14 maio 2018.

Outra reflexão a fazer é: se houvesse condições materiais e de ensino adequadas, existiria reprovação? Provavelmente não, porque a cada dia buscar-se-ia um resultado mais satisfatório e, no final do período letivo, o aluno seria promovido à próxima fase por efetivamente ter aprendido. A reprovação ainda

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existe porque as condições de materiais e de ensino, por ora, são inadequadas, mas, efetivamente, um processo de didática alinhado, com feedback’s precisos, pode diminuir significativamente o número de reprovações.

As notas das provas ao longo do período letivo não são um indicador efetivo de qualidade. Luckesi (2010) explica que a nota é um símbolo numérico que expressa a qualidade da aprendizagem do aluno. A nota nada mais é do que uma forma de registro do caminho percorrido pelo aluno dentro da escola. A nota não pode ser confundida como a avaliação em si mesma. No procedimento avaliativo, é preciso avaliar todo o percurso deste aluno na escola - todos os trabalhos realizados por ele, incluindo trabalhos em grupo, produção textual, entre outros.

A avaliação diagnóstica exige mudança de mentalidade, pois conforme Luckesi (2010, p. 82), a avaliação deve ser “um instrumento auxiliar de aprendizagem e não um instrumento de aprovação ou reprovação dos alunos”. A avaliação eficaz deve ser ampla, contínua, compatível com os objetivos propostos, ou seja, a avaliação está longe de ser um caminho fácil a percorrer e muitos são os desafios a enfrentar.

Finalizamos esta unidade com o entendimento da relação intrínseca entre currículo, didática e avaliação. A partir de agora, analisaremos as implicações destes conceitos, mais especificamente, na educação de surdos. Vamos adiante!

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• A avaliação escolar é um processo de transformação em busca de uma nova modalidade de escola.

• A avaliação é classificada em três modalidades: diagnóstica, formativa e somativa.

ᵒ Avaliação Diagnóstica: reconhece os caminhos percorridos e identifica os caminhos a serem seguidos.

ᵒ Avaliação Formativa: participa da regulação das aprendizagens. Está centrada direta e imediatamente na aprendizagem do aluno.

ᵒ Avaliação Somativa: é aquela realizada ao final de uma unidade curricular ou de um período (bimestre, trimestre, semestre ou ano letivo), tendo como objetivo principal expor os resultados alcançados pelo aluno.

• O exame é pontual, classificatório e excludente.

• A avaliação leva em conta o processo como um todo, é dinâmica e sua principal função é diagnosticar.

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1 A avaliação pode assumir várias funções e pode ser classificada, basicamente, em três modalidades: diagnóstica, formativa e somativa. Sobre tais modalidades, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Avaliação DiagnósticaII- Avaliação FormativaIII- Avaliação Somativa

( ) Esta modalidade tem como principal objetivo a exposição dos resultados alcançados pelo aluno ao final de uma unidade curricular ou de um período.

( ) Esta modalidade de avaliação serve de instrumento de identificação de novos rumos.

( ) Esta modalidade regula as aprendizagens e o desenvolvimento do projeto educativo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) III – II – I.b) ( ) II – III – I.c) ( ) I – II – III.d) ( ) III – I – II.

2 Diferencie o exame da avaliação citando suas principais características.

3 A avaliação no contexto educacional pode assumir várias funções. Sobre a função classificatória e a função diagnóstica, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A função diagnóstica está relacionada a um levantamento de dados para criar novos caminhos, favorecendo uma aprendizagem efetiva.

( ) A função classificatória auxilia no desenvolvimento do aluno e na transformação social.

( ) Na função classificatória, a avaliação se torna uma mera relação de poder, autoritarismo e conservadorismo.

( ) Na função diagnóstica, possibilita-se a real inclusão do aluno no processo educativo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) V – V – V – F.b) ( ) F – F – V – V.c) ( ) F – V – V – F.d) ( ) V – F – V – V.

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 3

CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade, você será capaz de:

• compreender a relação entre cultura surda e currículo/didática na educa-ção de surdos;

• conhecer o currículo na educação de surdos;

• refletir sobre o currículo na educação de surdos influenciado pelos ouvin-tes.

• identificar a didática utilizada atualmente para difundir conhecimento aos alunos surdos;

• reconhecer as implicações didáticas inerentes à educação de surdos;

• refletir nossa luta em prol de práxis pedagógica condizente com a educa-ção de surdos.

Esta unidade está dividida em três tópicos. A fim de corroborar o conteúdo apresentado, você encontrará autoatividades no final de cada tópico.

TÓPICO 1 – CURRÍCULO E DIDÁTICA VERSUS CULTURA SURDA

TÓPICO 2 – CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

TÓPICO 3 – DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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TÓPICO 1

CURRÍCULO E DIDÁTICA VERSUS CULTURA SURDA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico! Até aqui você aprendeu muito sobre os conceitos de currículo e didática de forma generalista na educação. Conhecer tais temáticas, em linhas gerais na educação, nos propiciará agora mais entendimento acerca da importância de tais temáticas no contexto educacional dos alunos surdos.

Chegamos à Unidade 3, na qual aprofundaremos com mais afinco e especificidade a implicação de tais conceitos na educação de surdos. Abordaremos como trabalhar currículo e didática através da cultura surda. E como o currículo e a didática devem se apresentar na educação de surdos de modo a contribuir para um processo ensino-aprendizagem de real qualidade. Bons estudos!

2 CULTURA SURDA: CONCEITO

É urgente repensar as metodologias e práticas atuais na educação de surdos. Os alunos surdos em sala de aula estão sendo prejudicados de forma significativa. Sim, como sua cultura não é respeitada, a exclusão ocorre já nos jogos e brincadeiras propostas, como é o caso do jogo de batata passa passa e do tão famoso telefone sem fio.

É interessante perceber a reação das pessoas quando ouvem falar em cultura surda. A maioria se pergunta: Mas os surdos têm cultura? Geralmente, isso acontece porque pensam que os surdos vivem isolados e, para sua integração à sociedade, é preciso acompanhar o universalismo vigente, ou seja, que eles sigam o padrão normalizador da sociedade, que eles sejam modelados a partir da representação hegemônica que é a cultura ouvintista. Skliar (1998) afirma que a falta de informação no que diz respeito à produção dos surdos no teatro, brinquedo, poesia, literatura em língua de sinais e ainda à tecnologia são aspectos responsáveis pela negação da existência da cultura surda.

O conceito de cultura é transmitido e sentido de várias formas. Desde a teoria moderna, muito se fala de cultura. Mas qual definição apoiaremos neste livro didático? Sá (2010) explica que a cultura é um campo conflitivo, resultado de muita luta entre diferentes grupos sociais. Strobel (2008, p. 18) defende que “a cultura é uma ferramenta de transformação, de percepção à forma de ver diferente, não mais de homogeneidade, mas de vida social constitutiva de jeitos de ser, de fazer, de compreender e de explicar”.

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UNIDADE 3 | CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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Strobel (2008) ainda afirma que a cultura é o resultado de produções coletivas que se transformam e se atualizam. Diante do exposto pelas autoras citadas, podemos inferir que no contexto da surdez, cultura representa identidade, ou uma forma diferente de entender o mundo que a identifica. A cultura surda é transmitida de surdo para surdo ao longo das gerações. Mas, afinal, como definir cultura surda?

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável ajustando-o com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias [sic], as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo (STROBEL, 2008, p. 24).

A cultura surda engloba a forma do surdo compreender e interagir com o mundo, incluindo costumes, hábitos, ideias e crenças.

Sá (2010) defende que essa cultura é considerada um grupo social como qualquer outro, dentro de sua própria configuração, ou seja, apesar de muitos pontos em comum, ocorrem tensões e conflitos como em qualquer outro grupo. Portanto, o conceito de cultura surda não tem por objetivo padronizar este povo, as características particulares de cada indivíduo precisam ser sempre levadas em consideração.

Muitos afirmam que a aceitação do conceito cultura surda significa distanciar ainda mais os surdos dos ouvintes. Neste aspecto, Sá (2010, p. 112) contribui quando afirma que tal conceituação na verdade objetiva “[...] proclamar os surdos enquanto grupo social que também por esta característica se organiza”.

Wrigley (1996, p. 45 apud SILVEIRA, 2006, p. 34) afirma que “o traço significante que define a cultura dos surdos é o uso de uma língua de sinais”. Realmente, o fator linguístico é identitário além de cultural.

Silveira (2006) ainda relata a autonomia da cultura surda. Não existe relação de dependência entre as culturas. Ao contrário do que a maioria pensa, a cultura surda não depende em nada da cultura ouvinte para existir.

A cultura surda não é neutra, pois marca territórios que são estabelecidos pelos surdos (SILVEIRA, 2006). Existe uma relação intercultural, de trocas e compartilhamento de ambas as culturas (ouvintista e surda). Quando os ouvintes querem se aproximar, compreender esta cultura tão profunda e rica, é preciso contato regular – é preciso frequentar comunidades surdas, sendo elas associações, denominações religiosas, entre outros. O contato com a comunidade surda é fundamental para que possamos conhecer profundamente a sua língua. Contudo, cabe aqui destacar que de nada adianta ter vocabulário sem nada saber a respeito da cultura surda e vice-versa.

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TÓPICO 1 | CURRÍCULO E DIDÁTICA VERSUS CULTURA SURDA

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As singularidades da cultura surda podem ser compreendidas através de pesquisas, da leitura sobre seus artefatos, mas, principalmente, por empatia e alteridade, por tratar essas pessoas da mesma forma como gostaríamos de ser tratados e, acima de tudo, aceitar a existência dessa cultura. É tão simples, mas ao mesmo tempo algo tão difícil de ser alcançado.

Infelizmente, presenciamos autores e instituições que não aceitam o conceito de cultura surda, mas fazemos questão de aqui destacar que a UNIASSELVI reconhece tal cultura como um espaço muito rico de relações e trocas. A partir de agora, nos aprofundaremos nesta cultura tão rica - a cultura surda, analisando os principais artefatos culturais do povo surdo.

3 ARTEFATOS CULTURAIS

O conceito de cultura já definimos anteriormente. Agora, abordaremos os artefatos da cultura surda. Strobel (2008) explica que o vocábulo artefato pode estar relacionado a objetos ou materiais produzidos, mas que também engloba o modo de ver e sentir de determinado grupo. Os artefatos culturais presentes na cultura surda que Strobel (2008) explana e aqui iremos destacar são: a experiência visual, o linguístico, o familiar, a literatura surda, a vida social e esportiva, as artes visuais, a política e os materiais. Analisaremos a seguir, com senso crítico, cada um deles.

3.1 ARTEFATO CULTURAL: EXPERIÊNCIA VISUAL

O conceito de cultura explicita a ideia de que os surdos percebem o mundo de forma singular. De modo geral, normalmente, possuem uma percepção visual bastante aguçada. Perlin e Miranda (2003) definem experiência visual como sendo a utilização da visão a fim de comunicar-se. Os surdos percebem o mundo através dos olhos, porém, muitas vezes, a participação efetiva deles na sociedade é anulada ou significativamente reduzida pela escassez de recursos visuais. É importante termos em mente que para eles ver é ouvir.

No caso das crianças surdas, torna-se imprescindível o contato delas com adultos também surdos. Este contato auxilia de forma relevante no acesso à sua língua materna, além de assegurar sua identidade e cultura surda.

Os sujeitos ouvintes que iniciam seus estudos na área da surdez precisam atentar muito para este artefato cultural, pois, durante a comunicação, o contato visual é de fundamental relevância. Portanto, caso o ouvinte pare de manter contato visual com o surdo durante a conversa, isto pode ser considerado falta de respeito-educação ou ainda desinteresse.

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UNIDADE 3 | CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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Strobel (2008) destaca ainda outro aspecto importante quando se refere à experiência visual do surdo quando disserta a respeito da importância da expressão facial e corporal. Como os surdos não percebem mudanças no tom de voz das pessoas, a expressão da face e do corpo pode reforçar uma ideia que queremos transmitir.

[...] para constituir tipos de frase na oralidade, percebe-se quando a frase está na forma afirmativa, exclamativa, interrogativa, negativa ou imperativa através da entonação da voz; no caso da língua de sinais, precisamos estar atentos a expressões faciais e corporais que são feitas simultaneamente com certos sinais ou com toda a frase (STROBEL, 2008, p. 43).

Para que a mensagem do emissor seja melhor compreendida pelo sujeito surdo, é necessário mais do que amplo vocabulário. Na maioria das vezes, o bom emissor da mensagem reúne várias habilidades na emissão da mensagem, principalmente, expressões faciais e corporais. A fluência na Libras é o resultado de uma soma de vocabulário mais a expressão facial e corporal do emissor da mensagem. Ter um vocabulário vasto, porém sem expressão facial, significa NÃO ser fluente. Simples assim.

3.1.1 Artefato cultural: Linguístico

Strobel (2008, p. 46) define a língua de sinais como sendo “[...] uma língua prioritária do povo surdo que é expressa através da modalidade espacial-visual”. A língua de sinais é um aspecto importante da cultura surda, pois é através desta língua que o sujeito surdo adquire e transmite conhecimento de tudo ao seu redor. É sempre bom frisarmos que a língua de sinais não é uma linguagem, ou seja, um sistema de comunicação natural, e sim uma língua - um sistema linguístico com regras.

Strobel (2008, p. 44) defende que “A língua de sinais é uma das principais marcas da identidade de um povo surdo, pois é uma das peculiaridades da cultura surda, é uma forma de comunicação que capta as experiências visuais dos sujeitos surdos [...]”.

O ensino da língua de sinais, como qualquer língua materna, é fator determinante para o desenvolvimento do ser humano, pois o domínio da língua nos ajuda a participar efetivamente da sociedade. Isto se deve ao fato de que por meio da língua nos comunicamos, expressamos nossas opiniões, acessamos informações, enfim, exercemos a nossa cidadania.

Por esta e muitas outras razões, é necessário que, desde a infância, a criança surda tenha contato com a língua de sinais, tendo em vista que isso possibilitará maior segurança, autoestima e autoafirmação da identidade. Quando a criança desenvolve uma identidade cultural com o seu grupo, os surdos, ela apresentará uma socialização satisfatória e se incluirá mais facilmente ao povo ouvinte.

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Caso contrário, a criança não será incluída em nenhum dos contextos, nem nos ouvintes, nem nos surdos, havendo, consequentemente, sérias limitações sociais e linguísticas.

O processo de aquisição da língua de sinais como L1 não é o foco desta disciplina. Porém, falar de currículo e didática na educação de surdos implica necessariamente discutir o quão precoce deve ser o contato da criança surda com a sua língua materna, no caso, a língua de sinais. Strobel (2008) relata que pesquisas evidenciam que crianças surdas de pais surdos desenvolvem sua linguagem de forma mais natural. O mesmo não ocorre com crianças surdas filhas de pais ouvintes, que muitas vezes são orientadas pelos profissionais da saúde a recorrerem ao oralismo como a única forma possível e aceitável de comunicação. Tal opção exclusiva deixa lacunas no processo de desenvolvimento de língua e linguagem desta criança surda, ocasionando prejuízos consideráveis que, muitas vezes, acompanham por toda a vida desta pessoa.

Sá (2010, p. 106) afirma que “A língua de sinais faz parte da experiência vivida na comunidade surda”. Ou seja, tal língua possui significação social. As línguas de sinais são sistemas linguísticos ricos e independentes das línguas orais. Desde 1984, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) defende a importância de reconhecer a língua de sinais enquanto sistema legítimo e com o mesmo status linguístico das línguas orais.

A estrutura gramatical da língua de sinais é de modalidade visual-gestual, ao contrário da língua portuguesa, que é de modalidade oral-auditiva. Porém, a Libras – Língua Brasileira de Sinais é comparável a qualquer outra língua do mundo, com a única diferença de que as informações são transmitidas aos olhos e não aos ouvidos. Através dela, os surdos podem conversar sobre os mais variados temas, desde moda até filosofia, da poesia ao técnico, do concreto ao abstrato, sem limites para expressar ideias e opiniões.

3.1.2 Artefato cultural: familiar

Strobel (2008) disserta que o nascimento de um bebê é na maioria das vezes aguardado com muita expectativa e ansiedade. Para que as expectativas se concretizem, espera-se que o bebê nasça perfeito. A ideia de perfeição, na maioria das vezes, está associada à utilização dos cinco sentidos do corpo humano: visão, audição, tato, paladar e o olfato.

Quando o bebê nasce com ausência ou deficiência em um dos sentidos citados, a anormalidade está ali associada. Na maioria dos relatos de pais de surdos, percebe-se que o diagnóstico da surdez vem acompanhado de um sentimento de sonho inalcançável.

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Defendemos aqui que a postura da família diante do diagnóstico da surdez praticamente determina a forma como esta criança se desenvolverá. A falta de diálogo entre pais e filhos em situações cotidianas e rotineiras deixa marcas profundas no sujeito surdo, além de impossibilitar sua plena participação no seio familiar e prejudicar o processo de construção identitária e social.

3.1.3 Artefato cultural: literatura surda

A literatura surda refere-se às várias experiências pessoais do povo surdo que, muitas vezes, expõem as dificuldades e/ou vitórias das opressões ouvintes, de como se saem em diversas situações inesperadas, testemunhando as ações de grandes líderes [sic] e militantes surdos e sobre a valorização de suas identidades surdas (STROBEL, 2008, p. 56).

Existem materiais disponíveis em CD-ROM, DVD e vídeos em Língua Brasileira de Sinais. Atualmente, a tecnologia favorece muito a divulgação dos materiais publicados. Mas é digno de nota que alguns escritores e poetas surdos registram suas obras na língua portuguesa, como é o caso de Carolina Hessel, Celso Baldin, Gisele Rangel, Marianne Stumpf, Shirley Vilhalva, Wilson Miranda, entre outros.

Outra faceta da literatura surda são

[...] as piadas surdas que exploram a expressão facial e corporal, o domínio da língua de sinais e a maneira de contar piada naturalmente. [...] Na maioria das vezes estas piadas e anedotas envolvem a temática das situações engraçadas sobre a incompreensão das comunidades ouvintes acerca da cultura surda e vice-versa [...] Estas piadas muitas vezes podem ocorrer sem que a comunidade ouvinte as compreenda e/ou não as achem engraçadas e vice-versa: o povo surdo também não compreende as piadas da cultura ouvinte. Isto ocorre porque os sujeitos surdos contam nas piadas os artefatos culturais do povo surdo, enquanto para o povo ouvinte, a temática da língua portuguesa e versões sonoras são mais importantes (STROBEL, 2008, p. 59).

Haja vista que as piadas representam situações do cotidiano de cada comunidade, é comum os ouvintes não acharem graça da piada dos surdos e vice-versa. Strobel (2008) ainda explana que a contação de piadas em Libras utiliza vários recursos interessantes, como: a incorporação dos personagens e a expressão facial e corporal são utilizadas de forma ainda mais acentuada.

3.1.4 Artefato cultural: vida social e esportiva

O artefato cultural vida social e esportiva contempla os “[...] acontecimentos culturais, tais como casamentos entre surdos, festas, lazeres e atividades nas associações de surdos, eventos esportivos e outros” (STROBEL, 2008, p. 61).

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Strobel (2008) destaca um aspecto interessante da cultura surda. Trata-se de que cada membro da comunidade recebe um sinal. É o famoso batismo. O sinal dado a cada membro do grupo normalmente tem a ver com alguma característica física da pessoa, ou ainda utiliza como configuração de mão a letra inicial do nome da pessoa e ainda pode estar relacionado à profissão dela.

Quando os ouvintes adentram neste universo tão rico que é a comunidade surda, os surdos são os responsáveis por batizá-lo, por dar o sinal a ele. Lembrando que é um artefato cultural, ou seja, os ouvintes da comunidade surda devem respeitar este combinado.

No âmbito esportivo, algumas instituições podem ser destacadas, tais como: CBDS – Confederação Nacional de Desportos de Surdos, CISS – Comitê Internacional de Esportes dos Surdos, PANAMDES – Panamericano de Deportes Surdos e ainda a CONSUDES – Confederacion Sudamericana Deportiva de Sordos.

3.1.5 Artefato cultural: artes visuais

Strobel (2008, p. 66) destaca que “O artista surdo cria a arte para que o mundo saiba o que pensa, para divulgar as crenças do povo surdo, para explorar novas formas de ‘olhar’ e interpretar a cultura surda”. As criações artísticas dos surdos sintetizam suas emoções, histórias, subjetividades e cultura e muitas vezes são manifestadas através de desenhos, pinturas, esculturas, bem como do teatro e do cinema.

No ano de 1987, a atriz americana Marlee Matlin ganhou o Oscar de melhor atriz com o filme Filhos do Silêncio. No Brasil, temos um ator e mímico, Rimar Romano, além de Heloir Montanher, Cacau Mourão, entre outros.

FIGURA 1 – ATRIZ MARLEE MATLIN

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/8678V5>. Acesso em: 16 maio 2018.

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UNIDADE 3 | CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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FIGURA 2 – ATOR E MÍMICO RIMAR ROMANO

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/Ugdw3K>. Acesso em: 16 maio 2018.

FIGURA 3 – HELOIR MONTANHER

FONTE: Disponível em: <https://i.ytimg.com/vi/kdT6YhNNB-U/maxresdefault.jpg>. Acesso em: 16 maio 2018.

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TÓPICO 1 | CURRÍCULO E DIDÁTICA VERSUS CULTURA SURDA

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FIGURA 4 – CACAU MOURÃO

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/Zke4Pp>. Acesso em: 16 maio 2018.

Uma singularidade da cultura surda é percebida no que tange à música.

A música, por exemplo, não faz parte de cultura surda, os sujeitos surdos podem e têm o direito de conhecê-la como informação e como relação intercultural. São raros os sujeitos surdos que entendem e gostam de música [sic] e isto também deve ser respeitado. Respeitando a cultura surda, substituindo as músicas ouvintizadas, surgem artistas surdos em diferentes contextos, como: músicas-sem-som, dançarinos, atores, poetas, pintores, mágicos, escultores, contadores de histórias e outros (STROBEL, 2008, p. 70).

Apesar da citação da renomada Dra. Karin Strobel, encontramos divergências conceituais significativas já dentro do povo surdo no que diz respeito à música. Alguns concordam com Strobel, eles realmente acreditam que a música não faz parte da cultura surda. Porém, outros afirmam que a música vai além do som e que pode ser compartilhada entre as duas culturas, surda e ouvinte.

3.1.6 Artefato cultural: política

A política na cultura surda implica necessariamente a luta em prol dos direitos dos sujeitos surdos. “Historicamente, o povo surdo brasileiro transmitiu muitas tradições em suas organizações das comunidades surdas, o espaço cultural mais conhecido de todos são as associações de surdos” (STROBEL, 2008, p. 71).

Nas associações, os surdos compartilham interesses comuns, lutam pelos seus direitos, engajam-se a favor de maiores benefícios em qualquer que seja o contexto, educacional, esportivo e social.

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UNIDADE 3 | CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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A própria conquista de ter a língua materna de seu povo, Língua Brasileira de Sinais – Libras, reconhecida em nível nacional é o resultado das lutas intensas ocorridas dentro e fora das comunidades surdas.

Ainda no que diz respeito ao artefato cultural-político, podemos destacar a conquista feita pelo povo surdo, ao comemorar o “Dia do Surdo” no dia 26 de setembro. A escolha desta data fundamenta-se no fato de 26 de setembro de 1857 ser a data de fundação da primeira escola de surdos no Brasil, o atual INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos, no Rio de Janeiro.

3.1.7 Artefato cultural: materiais

O artefato cultural material da comunidade surda envolve os resultados do trabalho humano em prol da acessibilidade dos sujeitos surdos. Inicialmente, temos o TDD (Telephone Device for the Deaf) com um teclado para digitar e um visor onde visualiza-se o texto escrito.

Atualmente, a maioria dos surdos domina as tecnologias que propiciam a comunicação em tempo real. Este é o caso da internet e dos vários aplicativos de chamadas em vídeo, além das redes sociais que aproximam culturas antes tão distantes.

Campainhas de luz, babás eletrônicas, legendas tornam-se cada vez mais comuns ao povo surdo. Com as conquistas em nível de legislação, os surdos foram favorecidos com maior acesso a espaços antes não tão usuais, como é o caso do acesso ao Ensino Superior, tendo a presença do intérprete de Libras garantida por lei.

Estudar os artefatos culturais do povo surdo nos ajuda a compreender ainda mais as singularidades desta cultura tão rica, mas ainda tão subestimada. Caro acadêmico, esperamos que tal estudo minucioso embase sua práxis pedagógica e o auxilie na adoção de uma postura de militância em prol da comunidade surda e sua cultura.

Relembrando, não é possível entender a cultura surda somente através das leituras, é necessário viver esta cultura, ou seja, o contato com os surdos faz toda a diferença.

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DICAS

O livro As imagens do outro sobre a cultura surda, da autora surda Karin Strobel (2008), é leitura obrigatória para as pessoas que ainda não possuem contato com a comunidade surda, pois trata de assuntos comuns sobre a perspectiva de um surdo, no caso, a própria autora. O livro traz uma série de questionamentos e reflexões acerca da forma como a sociedade vê os indivíduos surdos. Um deles diz respeito à cultura e à existência de um povo surdo ou de uma comunidade surda.

FONTE: Disponível em: <http://www.librasecia.com.br/pd-40698e-imagens-do-outro-sobre-a-cultura-surda-as.html>. Acesso em: 8 maio 2018.

4 A CULTURA SURDA E SUA IMPLICAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Vilhalva (2007) afirma que conhecer a Libras não é o suficiente para atuar de forma eficaz na educação de surdos. É preciso mais que isso, faz-se necessário vivenciar a cultura surda no contato com a comunidade surda. É preciso participar de forma paciente da comunidade, inteirando-se de sua cultura.

Reconhecer e valorizar a cultura surda no contexto educacional proporciona ao aluno surdo construir sua identidade com senso de pertencimento a um grupo social com interesses e objetivos em comum.

No que diz respeito à cultura surda e sua implicação na educação de surdos, cabe aqui destacar a necessidade da presença do professor surdo na sala de aula e do professor ouvinte com domínio da língua de sinais, e o sujeito surdo precisa ter contato com os artefatos de sua cultura.

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Infelizmente, não é o que presenciamos nos contextos escolares atuais com alunos surdos. Muitos completam o ciclo da educação básica sem definir sua identidade, sem nada saber sobre sua cultura, e o que é ainda pior, sem contato com seus pares na comunidade e povo surdo. Neste aspecto, a proposta de inclusão dos alunos surdos em classe regular tem fracassado justamente porque ignora os aspectos culturais e linguísticos diferenciais do aluno surdo.

Miorando (2006) explica que o diferencial na atuação do professor surdo está no fato de discutir o desenvolvimento linguístico do aluno surdo em questão, levando em conta o aprendizado da primeira língua – L1 (Língua de Sinais) e da segunda língua – L2 (Língua Portuguesa Escrita). Um professor surdo “[...] deve incluir estudos sobre a história dos surdos no Brasil, os aspectos visuais de sua cultura, o desenvolvimento sociopolítico do seu movimento [...]” (MIORANDO, 2006, p. 83).

Giroletti (2018, p. 142) afirma que “[...] há certo mito de que todos os surdos podem ensinar a língua, mas não é bem assim, os surdos precisam ter formação didática e metodologia apropriada ao processo de aquisição da Libras como L1 e L2”. O Decreto nº 5.626/2005 garante ao surdo prioridade nos cursos de formação, mas o ensino da Libras não é obrigatoriamente feito somente pelo surdo. A lei destaca a prioridade do surdo e não a obrigatoriedade disso.

O fato de uma pessoa ser ouvinte não a habilita naturalmente a ser professora da Língua Portuguesa. O mesmo ocorre com o surdo e o ensino da Libras. O fato de ser surdo não o capacita para o ensino da Libras. É preciso estudo, formação para atuar como docente de Libras, e ficamos felizes que você, acadêmico da UNIASSELVI, está buscando esta formação em nossa instituição.

Muitas regiões do nosso país carecem de professores surdos capacitados. E uma língua não deve deixar de ser usada e difundida porque não existe ali um professor usuário nativo da língua.

Silveira (2006, p. 82), em sua dissertação de mestrado, relata que os

professores surdos reconhecem a importância de seu papel enquanto modelos e afirma que “Professores surdos são centrais na cultura nas escolas de surdos, que necessitam da ‘pureza’ surda. Só que, nesses territórios – escolas de surdos –, tem mais sujeitos ouvintes, e é necessária a grande ruptura nessa maioria de quantidade de professores ouvintes”. Reflexão interessante que mostra claramente a importância da formação inicial e continuada dos docentes surdos.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• A cultura surda engloba a forma do surdo compreender e interagir com o mundo, incluindo costumes, hábitos, ideias e crenças. Mas este conceito não tem por objetivo padronizar este povo, pois as características particulares de cada indivíduo precisam ser levadas em consideração.

• Os artefatos culturais presentes na cultura surda classificados por Strobel (2008) são: a experiência visual, o linguístico, o familiar, a literatura surda, a vida social e esportiva, as artes visuais, a política e os materiais. O sujeito surdo precisa ter contato com os artefatos de sua cultura.

• Para entender a cultura surda é necessário experienciá-la, ou seja, o contato com os surdos faz toda a diferença.

• Reconhecer e valorizar a cultura surda no contexto educacional proporciona ao aluno surdo construir sua identidade com senso de pertencimento a um grupo social com interesses e objetivos em comum.

• A proposta de inclusão dos alunos surdos em classe regular tem fracassado porque ignora os aspectos culturais e linguísticos diferenciais do aluno surdo. E por isso muitos completam o ciclo da educação básica sem definir sua identidade, sem nada saber sobre sua cultura e sem contato com seus pares na comunidade e no povo surdo.

• Há necessidade da presença do professor surdo na sala de aula e do professor ouvinte com domínio da língua de sinais.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 Os artefatos de uma cultura estão relacionados a objetos ou materiais produzidos, bem como ao modo de ver e sentir de determinado grupo. Sobre os artefatos da cultura surda, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Artefato cultural: experiência visualII- Artefato cultural: linguísticoIII- Artefato cultural: Política

( ) A Língua de Sinais é uma das principais marcas da cultura surda.( ) Implica na luta em prol dos direitos dos surdos.( ) Utilização da visão a fim de comunicar-se.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) I - III - II.b) ( ) II - III - I.c) ( ) I - II - III.d) ( ) III - I - II.

2 Cultura Surda é um conceito basilar a todo e qualquer profissional que atue direta ou indiretamente na educação de surdos. Diante disto, defina Cultura Surda.

3 Objetos ou materiais produzidos, o modo de ver e sentir de determinado grupo são denominados artefatos culturais. A cultura surda apresenta artefatos específicos e distintos. Sobre os artefatos da cultura surda, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O artefato cultural familiar diz respeito à postura da família diante do diagnóstico da surdez.

( ) O artefato cultural literatura surda inclui acontecimentos culturais e atividades em associações de surdos.

( ) O artefato cultural vida social e esportiva refere-se às várias experiências pessoais do povo surdo.

( ) O artefato cultural artes visuais está relacionado às emoções, histórias e subjetividades que são manifestadas nas artes visuais dos surdos.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) V - V - V - F.b) ( ) F - F - V - V.c) ( ) F - V - V - F.d) ( ) V - F - F - V.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico! Já abordamos a relevância do entendimento de cultura surda, que é rica e cheia de artefatos culturais que merecem maior visibilidade e reconhecimento.

Neste tópico, estudaremos o currículo na educação de surdos, tendo como regra principal a aceitação de que a Primeira Língua (L1) do surdo é a Língua de Sinais e a Segunda Língua (L2) a Língua Portuguesa, bem como tendo consciência da necessidade de flexibilização curricular a fim de contemplar um processo de ensino-aprendizagem de real significado para o aluno surdo. Vamos lá!

2 O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Na Unidade 1 deste livro de estudos, conceituamos currículo em linhas gerais e pincelamos o currículo na educação de surdos. Percebemos que este sempre foi um reflexo de como o sujeito surdo era visto perante a sociedade e que, por um período, muito longo da história, os surdos precisaram se adaptar às práticas ouvintes. Ou seja, o currículo era pensado da mesma forma para todas as pessoas. Desse modo, as particularidades, as diferenças não eram consideradas.

Pietzak (2017) destaca que o sistema educacional vigente em nosso país tem sido colocado à prova, isso porque o processo de ensino-aprendizagem dos alunos surdos tem sido um visível fracasso.

As práticas pedagógicas constituem o maior problema na escolarização das pessoas com surdez. Torna-se urgente repensar essas práticas para que os alunos com surdez não acreditem que suas dificuldades para o domínio da leitura e da escrita são advindas dos limites que a surdez lhes impõe, mas, principalmente, pelas metodologias adotadas para ensiná-los (DAMÁSIO, 2007, p. 21).

Silveira (2006) relata que, muitas vezes, os alunos surdos são rotulados pelos professores como alunos com atrasos intelectuais, quando na verdade muitos destes alunos surdos apresentam dificuldade de aprendizagem, não necessariamente relacionados à sua capacidade cognitiva ou intelectual. “[...] em muitos momentos as pessoas continuam vendo o surdo como deficiente, [...], portanto necessitariam falar. Esquecem-se de que o surdo fala, fala com as mãos e, por ter uma língua gesto-visual, o visual é de sua (sic) importância para sua aprendizagem” (SILVEIRA, 2006, p. 119).

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UNIDADE 3 | CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

FIGURA 5 – AS MÃOS QUE FALAM

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/ymijqW >. Acesso em: 16 maio 2018.

Silveira (2006) também alerta para o fato de que as diferenças linguísticas destes alunos não estão sendo respeitadas. “O que é importante é estimular a comunicação, pois LSB é sua língua materna, que possibilita desenvolvimento cognitivo, e às vezes professor ouvinte não tem boa fluência de LSB” (SILVEIRA, 2006, p. 116).

Desta forma, percebemos que a Libras – Língua Brasileira de Sinais ou também nomeada LSB – Língua de Sinais Brasileira é a Primeira Língua (L1) do surdo e que a aquisição desta língua é fator determinante para o desenvolvimento cognitivo dele.

O ato de rotular nunca é válido. Mas, falando especificamente da educação de surdos, é necessário visualizar este contexto diante de outra perspectiva. Quando analisamos o processo de ensino-aprendizagem dos alunos surdos, enfatizamos mais a aprendizagem do que o ensino. Por quê? É possível que a aprendizagem dos alunos surdos esteja aquém do que desejamos devido ao processo de ensino? Sim, é muito pertinente analisarmos primeiramente o ensino na educação de surdos para posteriormente avaliarmos a aprendizagem destes alunos, pois a aprendizagem dificilmente ocorrerá quando o ensino apresenta falhas significativas.

“Metodologias inadequadas e não a situação patológica em si são o real motivo do insucesso escolar dos alunos surdos” (PIETZAK, 2017, p. 2). Neste aspecto é muito salutar discutirmos o papel e a importância do currículo na educação de surdos.

Plinski (2011, s.p.) defende que o currículo deve ser:

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TÓPICO 2 | CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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[...] um guia, um instrumento útil que irá orientar o trabalho do professor, por isso deverá ser pensado e construído no dia a dia de acordo com os interesses dos alunos. Ele se moldará às circunstâncias da sala de aula, assim vamos planejando e desenvolvendo os conteúdos e atividades, adaptando metodologias de acordo com aptidões e características das turmas. Deverá ser uma trajetória que leva ao desenvolvimento do ensino-aprendizagem eficiente, considerando os saberes da cultura e da identidade surda.

Com o panorama atual da educação de surdos e a definição de currículo podemos nos aprofundar na função e especificidade deste na educação de surdos. O estudo do currículo na educação de surdos ainda é uma temática que merece ser estudada com maior profundidade. O currículo na educação de surdos nos remete a muitas lembranças.

FIGURA 6 – CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/V6PbvU>. Acesso em: 16 maio 2010.

A pesquisadora surda Carolina Hessel Silveira (2006), em sua dissertação de mestrado, discorre sobre o tema “O currículo de Língua de Sinais na Educação dos Surdos”. Este currículo proposto pela autora é um marco na educação dos surdos e por isso será a base inicial dos nossos estudos.

Silveira (2006) pesquisou o currículo de Língua de Sinais em cinco escolas de surdos no Rio Grande do Sul, estado com estrutura diferenciada (bilíngue) na educação de surdos. Em muitos estados brasileiros, tem-se optado pela proposta de educação inclusiva para surdos. Porém, Silveira (2006) afirma que na proposta inclusiva o conceito de cultura surda cai por terra, é desconsiderado e questiona:

Como ele [o aluno surdo] pode desenvolver cultura surda, se apenas encontra a comunidade surda após a escola ou fim de semana? É pouco, ele construiria uma pobre identidade surda. Acontece às vezes que este surdo conversa com os surdos adultos e estes percebem que o motivo de LS ser simples está na “inclusão” (SILVEIRA, 2006, p. 119).

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UNIDADE 3 | CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Devido a isso, a autora destaca que discutir e aplicar o currículo de Língua de Sinais contribui na construção da identidade surda, visando o empoderamento dela. “Estudar o currículo de LS inclui os Estudos Surdos: Cultura Surda, Identidade, Povo, Empoderamento (sic), pois entendo que esse currículo empodera os alunos surdos” (SILVEIRA, 2006, p. 17). Neste caso, o objetivo principal da pesquisa de Silveira foi analisar de forma crítica os currículos já existentes e suas representações diante dos professores surdos.

Silveira (2006) relata que muitos currículos possuem estrutura curricular tradicional e, consequentemente, ouvintista. A autora ainda expõe uma prática bastante comum. Percebe-se que o ensino da Língua de Sinais constante no currículo não é visto com a importância que merece. Isto ocorre porque muitos pensam que o fato de a Língua de Sinais já ser utilizada como meio de comunicação em outras disciplinas não há porque focalizá-la enquanto estudo da língua no currículo. A autora ainda relata as dificuldades encontradas nas escolas de filosofia Oralista ou da Comunicação Total, que apesar de afirmarem aceitar a Língua de Sinais, a sua utilização não ocorre nos seus espaços cotidianos.

DICAS

O oralismo, a comunicação total e o bilinguismo são abordagens filosóficas estudadas com maior profundidade em outras disciplinas. Aqui, apresentaremos de forma sucinta a proposta de cada uma delas.

Oralismo: abordagem filosófica na educação de surdos com visão clínica e terapêutica diante da surdez com ênfase exclusiva na oralização dos alunos surdos. Nesta abordagem, a surdez é vista como deficiência e o objetivo é a reabilitação da criança surda, ou seja, a criança surda tem que falar. O principal marco desta abordagem é o Congresso de Milão, com a proibição do uso da Língua de Sinais em todos os espaços.

Comunicação total: esta abordagem filosófica iniciou na década de 60. O objetivo é fazer acontecer a comunicação entre surdos e ouvintes propondo abordagens alternativas permitindo ao surdo se expressar (combina língua de sinais, gestos, mímicas, leitura labial).

Bilinguismo: nesta abordagem filosófica há uma mudança de postura diante da surdez. O sujeito surdo assume a surdez. As particularidades linguísticas do surdo são respeitadas. Esta abordagem possibilita ao surdo acessar duas línguas no contexto escolar, considerando a Primeira Língua do Surdo (L1, a língua natural) como sendo a Língua de Sinais e a L2 (Segunda Língua) a língua escrita do país.

Atualmente, a comunidade surda defende que o Bilinguismo é a abordagem mais creditada e defendida pela comunidade surda juntamente com a Pedagogia Visual, que abordaremos mais à frente.

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TÓPICO 2 | CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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Evoluímos muito no que diz respeito a embasamento teórico, mas na prática a educação de surdos pouco mudou. “[...] a educação de surdos em alguns lugares não usa ou ignora as mudanças na educação de surdos. Temos que repensar que a educação sempre é disciplinar, embora haja mudanças no tempo e no espaço em qualquer cultura, diferenças etc” (SILVEIRA, 2006, p. 17).

No ensino dos conteúdos, queremos aqui ressaltar a real pertinência de alguns deles hoje ensinados aos surdos. Por exemplo, no estudo tradicional da gramática da Língua Portuguesa, qual é o real motivo de ensinarmos ao aluno surdo profundo ou severo a tonicidade das palavras, classificando-as em oxítona, paroxítona e proparoxítona? Que sentido faz o aluno surdo ‘acessar’ tais conteúdos e não se identificar como surdo, nem conhecer a cultura de seu povo? Tais metodologias não corroboram para a afirmação de uma cultura surda. Cultura esta rica, como já estudamos, multifacetada e tão capaz de proporcionar aos seus usuários capacidade plena de aprendizado e, consequentemente, exercício efetivo de sua cidadania.

Silveira (2006) disserta com muita propriedade a respeito das contribuições do ensino de Língua de Sinais, entre elas: auxilia no desenvolvimento da identidade e língua dos surdos, possibilitando aos surdos conhecerem gramaticalmente sua língua, a sua cultura, ampliando o vocabulário na sua língua materna (LS) e apoiando o desenvolvimento da língua portuguesa na modalidade escrita.

Silveira (2006, p. 20) defende que “[...] se os surdos tivessem um currículo adequado de Língua de Sinais, teríamos um processo de empoderamento dos próprios surdos e surdos constituiriam a subjetividade surda”. Desta forma, percebemos que a maneira como o currículo é estruturado na educação de surdos pode ou não empoderar tais sujeitos. A partir de agora, analisaremos a importância e as principais contribuições do currículo cultural na educação de surdos.

3 A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO CULTURAL NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Conforme estudamos no Tópico 1 desta unidade, percebemos que quando se trata da educação de surdos, de um processo de ensino-aprendizagem de qualidade para estes alunos, é simplesmente impossível ignorar a questão cultural envolvida.

Hall (2000, p. 90) apresenta que “o conceito de representação se desenvolve como uma teorização sobre identidade e diferença”. Diante da perspectiva de Hall, entendemos que a representação do surdo ocorre devido à sua diferença e identidade. Neste aspecto, Perlin (2002, p. 12) afirma que a representação abarca conceitos como identidade, diferença e alteridade e é concebida “[...] como um sistema de significação culturalmente aceitável e está construída de forma que

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os pressupostos das significâncias híbridas perdem força e nesta medida vão sendo descartados”. Diante disto, percebemos que a representação do surdo é influenciada pela instabilidade cultural. Em alguns momentos da história sua cultura foi simplesmente anulada. Atualmente, a cultura surda vive em um campo de tensões entre aceitação/repúdio dela.

Ainda neste aspecto, o conceito de alteridade precisa ser entendido de forma clara. Este conceito vai além de se colocar no lugar do outro, de entender o outro. É preciso aceitar o outro.

Até um passado não tão distante assim, o currículo não contemplava as diferenças culturais existentes. Mais atualmente, percebemos que o “[...] o currículo está em processo de transformação [...] recentemente, os currículos estão introduzindo a língua de sinais, a história de surdos, a literatura surda e outros” (STROBEL, 2008, p. 74).

Ainda na Unidade 1 deste livro de estudos, abordamos o documento “A educação que nós, surdos, queremos e temos direito”, resultado do Encontro de Surdos no Estado da Bahia em 2006, em que foram apresentadas 13 reivindicações. Vale ressaltar que mais da metade das reivindicações feitas neste documento estão diretamente relacionadas a currículo na educação de surdos. O documento destaca que, atualmente, o currículo se encontra adequado apenas para estudantes ouvintes, e por este motivo, o povo surdo reivindica a reestruturação do currículo pedagógico. A implementação da Língua de Sinais nos currículos escolares é outra demanda solicitada. Tal reivindicação faz sentido quando pensamos que a Língua de Sinais é a língua de instrução dos alunos surdos.

Assegurar a presença do professor surdo e do intérprete profissional na sala de aula também foi uma reivindicação feita. A atuação destes profissionais será abordada mais à frente em nossos estudos.

Outra reivindicação é alfabetizar crianças surdas através do Bilinguismo e garantir o acesso à cultura surda. Partimos do pressuposto de que a primeira língua da criança surda, ou seja, aquela na qual ela deve ser alfabetizada primeiro, é a Língua de Sinais e que o acesso à sua cultura é de fundamental importância no seu desenvolvimento físico, emocional e cognitivo.

O documento em questão também defende o oferecimento de vagas para professores surdos nas instituições de ensino, principalmente para o ensino da Língua de Sinais. O professor surdo com formação adequada contribui na construção da identidade da criança surda.

É importante destacar que a implementação de um currículo surdo colabora positivamente na formação da identidade deste indivíduo. A autora surda Reis (2013) afirma que a organização do currículo de Língua de Sinais realizou-se através das experiências dos próprios surdos na Educação de Surdos. O povo surdo fez sugestões que devem servir de base para discutir e orientar os

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TÓPICO 2 | CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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trabalhos desenvolvidos nesta área. Neste caso, a presença do professor surdo resiste de forma clara ao poder ouvintista. No caso dos professores ouvintes, percebe-se que uma parcela significativa destes não conhece nem superficialmente a estrutura da Língua de Sinais.

Reis (2013, p. 65) afirma que “[...] a estrutura do currículo de Língua de Sinais foi pensada na intenção de tornar visível esta articulação, relacionando objetivos gerais e específicos, conteúdos e orientações didáticas, envolvendo a identidade dentro do currículo [...]”.

É importante aqui destacar que este currículo cultural é fortemente criticado por alguns educadores e pesquisadores que são contra o conceito de cultura surda. Para estes, a padronização na forma de ensinar é a melhor solução. No entanto, é senso comum que cada aluno carrega consigo um contexto histórico que influencia e muito a sua trajetória escolar.

Perlin (2000, p. 23) apud Silveira (2006, p. 35) afirma que quando a cultura surda não está presente no currículo, o sujeito surdo não tem representações e por isso não consegue construir sua própria trajetória. Devido a isso, é muito importante que o currículo seja adaptado de forma plena à identidade cultural de todos os alunos, independentemente de serem surdos ou não, tornando possível a execução de um trabalho com novas propostas metodológicas. Reis (2013, p. 65) confirma que o currículo cultural

Ajuda a construir a identidade surda para assumir o jeito de ser surdo, através de uma proposta pedagógica diferenciada, específica e bilíngue, que é um grande encontro entre os fundamentos teóricos adotados e as orientações metodológicas da pedagogia bilíngue, adequado para surdos.

O currículo na educação de surdos deve obrigatoriamente levar em conta

os aspectos culturais envolvidos. Este currículo não deve ser influenciado pelos ouvintes. O currículo cultural aceita a Língua de Sinais como Primeira Língua (L1) e respeita as particularidades linguísticas e culturais dos surdos.

A escola a ser edificada deve usar a língua que também é utilizada fora dela, levar em conta as conquistas políticas refletidas no reconhecimento social e não preconceituoso de visualizar a deficiência. Os surdos precisam ser vistos como um grupo que politicamente optou por ser identificado como “Surdo” (sic), resultado do trabalho coletivo dentro de um Movimento Social (MIORANTO, 2006, p. 87).

Usar e adaptar o currículo à cultura surda - sua experiência visual, sua língua materna entre tantos outros aspectos - é de fundamental importância para que possamos ofertar um processo ensino-aprendizagem de efetiva qualidade aos alunos surdos.

Analisando alguns currículos de escolas para alunos surdos, Silveira (2006) percebeu que o currículo é visto com uma parte burocrática que de forma simples e redundante tem que ser feita. Por isso, muitas escolas utilizam o mesmo

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currículo já por vários anos. Estes permaneciam intactos, sem alterações. Ainda, alguns conteúdos constavam de forma repetida ao longo dos anos, o que dá a entender não haver real evolução nos conceitos. Mas nem tudo está perdido, em uma das escolas em que Silveira realizou seus estudos, visualizamos a forte marca de identidade cultural presente em um dos currículos estudados.

FIGURA 7 – REPRESENTAÇÃO ESPACIAL DE CURRÍCULO REALIZADA POR PROFESSOR SURDO

FONTE: Silveira (2006, p. 50)

ESPAÇO/ PERTENCIMENTO:

- Cidade p/ Surdos- Univ. p/ Surdos- Café p/ Surdos- Assoc. Surdos

(Comunidade Surda)- Escola p/ Surdos

- Esportes/ Recr./ Lazer p/ Surdos

- Progr. 3o idade- Cursos Pedag/ Capacit/ Digitação etc. p/ Surdos

POLÍTICA- Inclusão x Exclusão

- Alteridade- Educação Surdos x Ed.

Especial-PPDs x Surdos

TECNOLOGIA- TDD

- Celular

LEGISLAÇÃO- Leis LIBRAS- Leis Acessib.

- Leis 10% Trab.- Leis Passe Livre

HISTÓRIA / TEMPO:

- do escola- do RS- do BR

- do mundo- do corpo

disciplinado- FENEIS

LITERATURA- Poesia

- CL- Arte

IDENTIDADE CULTURAL

LS- História

- Gramática- CL

- Config. das mãos- Expressão

- SW- Dicionário/vocabulário

PODER / SABER- Epistemologia

- Surdez X Ser Surdo- Opressão / Preconceito

- Violência- Movimentos Surdos

- Direitos Humanos dos Surdos

MÍDIA- Jornal p/ surdos

- Revista da Feneis- TV

- Cine- Vídeo- Gibi

PIADA- Conto

- Humor- Gibi p/ surdos

- Teatro

SAÚDE / CIÊNCIAINTERFACES:

- Internet- Genoma / Genética

- Gênero- Doenças

- Identidade Surda / Sujeitos

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Silveira (2006) apresenta uma representação espacial de currículo feita por professor@ surd@. Percebemos que a identidade cultural do sujeito surdo é o eixo norteador do currículo e abarca vários aspectos, entre eles podemos mencionar a questão do espaço e do senso de pertencimento, da legislação vigente, da história (do tempo), da literatura, da Língua de Sinais, do poder/saber, da mídia, da piada, da saúde/ciência, da tecnologia e da política, ou seja, todos estes aspectos influenciam de forma significativa na construção da identidade cultural do sujeito surdo. O autor ainda defende que o currículo ilustrado acima tem perspectiva surda, ou seja, foi criado pensando nas características da comunidade surda. Trata-se de um currículo real e atualizado para a época, no qual a Língua de Sinais é enriquecida e o aluno surdo é empoderado, pois sua identidade e cultura são a base de formação deste currículo.

Ao explanar acerca da falta de conteúdos como Literatura Surda e Poesia, tais temáticas são ferramentas importantes no que tange ao ensino da estrutura e regras da Língua de Sinais. A “maioria dos professores surdos não conhece poesia surda ou não foram preparados para dar poesia para alunos surdos, já que antigamente nas escolas de surdos não havia conteúdo Poesia” (SILVEIRA, 2006, p. 72). Karnopp (2006) relata que a literatura contribui para as minorias linguísticas re-afirmarem suas tradições.

Sobre a Arte Surda, Silveira (2006) afirma que ela está relacionada à cultura e por isso precisa da identidade e da comunidade surda, desta forma expressando valores e identidades. “Trabalhar a arte surda não é só produzir e sim também interpretar, procurando relacionar o significado do que é visto” (SILVEIRA, 2006, p. 87). A autora ainda disserta a respeito de outro aspecto importante: o da formação continuada. O docente surdo ou ouvinte que atua na educação de surdos deve atualizar-se de forma constante. Sempre há o que aprender.

Outro aspecto destacado por Silveira (2006) em sua pesquisa é o fato de ajudar o aluno surdo a compreender as diferenças linguísticas regionais. As variações ocorrem, sim, fazem parte do universo da Libras, é um processo natural. Estas variações podem ser históricas, sociais e regionais. Nas regionais, nós percebemos muita diferença, não só de um estado para outro, mas de regiões do mesmo estado. É importante entendermos com muita clareza que as variações linguísticas, o regionalismo, é algo inerente a qualquer língua, seja ela oral ou visual-espacial, como é o caso da Libras, pois qualquer língua é dinâmica, viva e é caracterizada pelos seus usuários.

Isso quer dizer que um mesmo sinal é feito de diferentes formas em diferentes locais. Então, as diferenças regionais devem ser consideradas. É muito comum que o sujeito surdo julgue como errado este ou aquele sinal quando na verdade tratam-se de variações linguísticas. Então, antes de questionar a veracidade deste ou daquele sinal, deve-se pensar que ele pode não ser conhecido naquela região.

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Neste aspecto, Silveira (2006) sugere a inclusão no currículo do estudo de Variedades Regionais. O aluno surdo deve ser estimulado a perceber e respeitar tais diferenças desde o início de sua escolarização.

Silveira (2006) ainda disserta sobre a importância do conteúdo Autoestima a fim de proporcionar aos alunos surdos autoconhecimento e aceitação. “É importante incluir isto (autoestima) no currículo para ensinar a valorização do ser surdo, mostrando que ele é capaz, que LS é a melhor forma de comunicação, e que têm (sic) alguns ouvintes que têm (sic) mais dificuldades do que surdos” (SILVEIRA, 2006, p. 86).

A pesquisa de Silveira (2006) aponta que os professores surdos das escolas participantes da pesquisa demonstraram preocupação pelo fato de que a linguística da Libras não é contemplada nos currículos. Muito provavelmente, isto ocorre porque na verdade as próprias pesquisas nesta área ainda são escassas.

Outro aspecto importante salientado por Silveira (2006) é o fato de a educação de surdos ter predominantemente mais docentes ouvintes do que surdos, além do fato de pouco material disponibilizado em Libras. Quanto aos docentes surdos, a autora defende a relevância da participação dos professores surdos na elaboração e/ou modificação do currículo a fim de torná-lo condizente com a educação de surdos.

No que tange à escassez de material didáticos em Libras, o argumento usado até hoje é que a Libras é algo novo, mas cabe ressaltar que já se passou mais de uma década desde o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão através da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, e do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Silveira (2006, p. 97) aponta que “O maior problema vem das questões políticas, dos jogos de poder de relação dos ouvintes e surdos ou da disputa de espaço pelos surdos na escola”.

O papel da família no processo de escolarização e comunicação da criança surda é destacado por Silveira (2006) como sendo de extrema importância, pois a carga horária da criança surda na escola é muito menor em comparação com o tempo em que ela está em contato com a família.

Reis (2013) defende a criação de um novo currículo, mais específico e com real sentido aos surdos. Este currículo deve contemplar novas estratégias pedagógicas, além de disciplinas que nas suas práticas estimulem e promovam a identidade cultural dos alunos. Desta forma, o currículo para surdos deve ocorrer em um ambiente bilíngue, ou seja, em um espaço que utilize as duas línguas envolvidas, a Língua de Sinais (L1) e a Língua Portuguesa (L2). Por isso, o bimodalismo (mistura de uso do oralismo e do português sinalizado ao mesmo tempo) não é uma prática aceita em um ambiente educacional bilíngue. Reis (2013, p. 67) afirma que

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TÓPICO 2 | CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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O importante é entender que a posição cultural dos alunos surdos na sala de aula mostra os resultados das mudanças de visão que os surdos têm (sic) hoje sobre ‘um novo jeito de ser surdo’, ou seja, sobre ‘buscar identificação naquilo que rompe com os aspectos que envolvem a educação, que nos entendia como deficientes’.

A fim de exemplificar, atentemos para a sugestão dada por Reis (2013, p. 74):

Ao utilizar em sala de aula a primeira língua como contação de histórias dos surdos, a utilização de recursos como poesia e narrativa dos surdos, isto levaria a uma maior consciência sobre a cultura surda. O ensino de uma forma escrita da língua de sinais de uma disciplina de língua de sinais, além da discussão em torno da teoria de identidade surda, se apresenta como muito mais importante a transmitir aos alunos. Isso é uma abordagem da pedagogia dos surdos que levaria em conta precisamente as contribuições da teoria cultural e da qual emergiria uma nova produção da identidade e da diferença do professor surdo na sala de aula.

Esta citação nos remete a várias reflexões. Até que ponto os conteúdos abordados em sala de aula são realmente úteis aos alunos surdos? É tão difícil assim adaptar o currículo? A legislação vigente permite tais adaptações?

O currículo pode e deve ser adaptado com o objetivo de auxiliar o aluno na construção de seu conhecimento, acima de tudo, contextualizando-o com suas necessidades educacionais e sociais. A literatura vigente do Ministério da Educação contempla três tipos de adaptações: adaptações curriculares, adaptações relativas e adaptações individualizadas. Analisaremos cada uma delas!

Adaptações curriculares, comumente também denominadas adequações curriculares, implicam na reorganização do projeto político-pedagógico da escola e do sistema educacional como um todo, propiciando a participação dos alunos com deficiência em todas as atividades. Estas adequações

Pressupõem que se realize a adequação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. Não um novo currículo, mas um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos os educandos. Nessas circunstâncias, as adequações curriculares implicam a planificação pedagógica e as ações docentes fundamentadas em critérios que definem o que o aluno deve aprender; como e quando aprender; que formas de organização do ensino são mais eficientes para o processo de aprendizagem; como e quando avaliar o aluno (BRASIL, 2003, p. 34).

Ainda neste quesito, cabe ressaltar que o projeto político-pedagógico é o documento que determina toda a filosofia da instituição de ensino, definindo a prática escolar, orientando a operacionalização do currículo proposto. Neste contexto, as adequações curriculares, na maioria das vezes, constituem-se em

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UNIDADE 3 | CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

pequenas modificações no currículo feitas pelo professor no seu planejamento. Por isso, podemos afirmar que quando realizamos adaptações curriculares, estamos considerando as necessidades e capacidades dos alunos.

As adaptações relativas englobam a programação das atividades elaboradas em sala de aula. Neste aspecto o professor deve realizar alguns ajustes, flexibilizando e objetivando as atividades para os alunos com deficiência.

Já as adaptações individualizadas dizem respeito mais intrinsecamente ao processo realizado pelo professor de avaliação e atendimento de cada aluno. Neste caso, as atividades em sala são flexibilizadas.

Diante das adaptações-adequações estudadas até aqui, percebemos que “O professor deve estar capacitado para alterar sua maneira de ensinar e flexibilizar o que vai ensinar, de acordo com as necessidades de cada aluno” (HORT; HORT, 2013, p. 57).

DICAS

Indicamos a leitura na íntegra da dissertação da autora Flaviane Reis, citada várias vezes durante nossos estudos. A dissertação tem por tema: “Professor Surdo: A política e a poética da transgressão pedagógica”. Disponível em: <https://goo.gl/fT55Wo>. Acesso em: 3 jan. 2018.

Sá (2010, p. 97) mostra que, atualmente, o conceito de currículo está mais relacionado a um “campo cultural conflitivo, cuja forma existente é o resultado de uma luta na qual uma narrativa sai vencedora”. Ou seja, o currículo nunca é neutro, é formado através de conflitos e tensões culturais.

Sá (2010, p. 98) afirma que, na educação de surdos, o currículo

[...] precisa responder às culturas e às histórias deste que também é um segmento legítimo da sociedade. Esta seria uma forma de contradizer a hegemonia da maioria [ouvinte]; no entanto, o conhecimento corporificado no currículo das escolas de surdos carrega as marcas de relações e poder – o currículo reproduz as relações sociais.

Neste aspecto, é muito válido ressaltar a importância de questionarmos continuamente a importância da aplicação do currículo na educação de surdos. Sá (2010) sugere e exemplifica alguns desses questionamentos que estão mais

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relacionados ao conceito de conhecimento e sua organização na educação de surdos. Quem deve ensinar tal conhecimento? Como deve ser ensinado? O currículo deve ser trabalhado em que língua? Quem e como definir a hierarquia das línguas utilizadas no contexto educacional dos surdos? Tais questionamentos nos lembram do quanto ainda precisamos avançar em questões básicas e essenciais na educação de surdos.

A cultura passa a ser levada em conta a partir da década de 60 com os Estudos Culturais, na Inglaterra. Sá (2010, p. 48) afirma que “O projeto dos estudos culturais é o de abstrair, descrever e reconstituir, em estudos concretos, as formas pelas quais os seres humanos vivem e se sustentam subjetivamente”.

Os Estudos Culturais sugerem a compreensão das diferenças, ou seja, o processo de significação pessoal e de mundo influencia na compreensão destas “diferenças”. Sá (2010) explica que os Estudos Culturais analisam as formas históricas de subjetividade, entendendo a subjetividade como processo, ou seja, algo produzido. “[...] os principais objetos de análise dos estudos culturais são a subjetividade, bem como as identidades individuais e coletivas” (SÁ, 2010, p. 51).

Os Estudos Culturais possuem muitas ramificações. Em nosso atual contexto, cabe aqui destacar os Estudos Surdos. “Os estudos surdos lançam-se na luta contra a interpretação da surdez como deficiência, contra a visão da pessoa surda como indivíduo deficiente, doente e sofredor, e contra a definição da surdez como experiência de uma falta” (SÁ, 2010, p. 64).

Os estudos surdos são o resultado dos movimentos surdos organizados, enfatizando “as questões de cultura, das práticas discursivas, das diferenças e das lutas por poderes e saberes”. (SÁ, 2010, p. 64).

Então, os Estudos Surdos objetivam uma verdadeira revolução conceitual na área da surdez. Sim, pois como já estudamos na Umidade 1 e em outras disciplinas específicas do seu curso, a história dos surdos perpassou várias fases, desde a condenação à morte, a educação de forma isolada, e mais atualmente, o empoderamento dos surdos enquanto grupo linguístico diferente.

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DICAS

• A coleção Estudos Surdos é de grande valia, pois proporciona acesso às últimas pesquisas e conhecimento específico confiável.• Esta coleção pode ser acessada de forma gratuita na internet no seguinte endereço: <http://editora-arara-azul.com.br/site/e-books>. Acesso em: 24 maio 2018. • Aproveite a oportunidade.

FIGURA 8 – SÉRIE PESQUISAS SOBRE ESTUDOS SURDOS

FONTE: Disponível em: <http://editora-arara-azul.com.br/site/e-books>. Acesso em: 8 maio 2018.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• O processo de ensino deve ser avaliado, primeiramente, para somente depois analisarmos o processo de aprendizagem dos alunos surdos.

• O currículo na educação de surdos deve contemplar obrigatoriamente os aspectos culturais e linguísticos da comunidade surda e por isso deve ser adaptado com o objetivo de auxiliar este aluno na construção de seu conhecimento.

• O currículo cultural auxilia na construção da identidade surda através de uma proposta pedagógica diferenciada e bilíngue.

• As adaptações curriculares estão diretamente relacionadas à readequação do currículo regular a fim de atender às especificidades dos alunos, além da reorganização do projeto político-pedagógico da escola e do sistema educacional como um todo.

• As adaptações relativas englobam a programação das atividades elaboradas em sala de aula.

• As adaptações individualizadas dizem respeito ao processo realizado pelo professor de avaliação e atendimento de cada aluno.

• Os Estudos Culturais propõem a compreensão do processo de significação pessoal e de mundo, influenciando na compreensão destas diferenças.

• Os Estudos Culturais possuem muitas ramificações, entre elas os Estudos Surdos, que lutam avidamente contra a interpretação da surdez enquanto deficiência ou incapacidade. Os estudos surdos objetivam uma verdadeira revolução conceitual na área da surdez.

RESUMO DO TÓPICO 2

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AUTOATIVIDADE

1 O currículo pode e deve ser adaptado contextualizando-o com suas necessidades educacionais e sociais. Estudamos três tipos de adaptações: adaptações curriculares, adaptações relativas e adaptações individualizadas. Sobre os tipos de adaptações possíveis, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Adaptações curricularesII- Adaptações relativasIII- Adaptações individualizadas

( ) Contemplam a reorganização do projeto político-pedagógico da escola e do sistema educacional como um todo, adequado ao currículo regular.

( ) Dizem respeito ao processo realizado pelo professor de avaliação e atendimento de cada aluno.

( ) Englobam a programação das atividades elaboradas em sala de aula com alguns ajustes, flexibilizando e objetivando as atividades.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) I - III - II.b) ( ) II - III - I.c) ( ) I - II - III.d) ( ) III - I - II.

2 O currículo cultural não é aplicado na maioria das escolas com alunos surdos. Isso ocorre porque estas escolas seguem a proposta de inclusão dos alunos surdos em classe regular. Sobre isto, disserte a respeito das diferenças existentes entre o currículo cultural e a inclusão escolar vigente.

3 Os Estudos Culturais possuem muitas ramificações, entre eles os Estudos Surdos. Sobre os objetivos dos Estudos Surdos, assinale a alternativa correta.

a) ( ) Os Estudos Surdos interpretam a surdez como deficiência.b) ( ) Os Estudos Surdos definem a surdez como experiência de uma falta. c) ( ) Os Estudos Surdos enfatizam as questões culturais, além das diferenças

e das lutas por poderes e saberes.d) ( ) Os Estudos Surdos reproduzem os discursos acerca da surdez como

experiência de uma falta.

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TÓPICO 3

DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico! Estamos finalizando nosso percurso de estudos no que diz respeito ao Currículo e Didática na Educação de Surdos. Neste tópico, aprofundaremos nossos conhecimentos no que tange à didática em si a fim de melhorar o nosso desempenho na prática pedagógica diária, além de discutirmos a importância da didática cultural e do planejamento na educação de surdos. Pedagogia da Diferença, Pedagogia Surda e Pedagogia Visual também serão temas abordados neste tópico.

Lembramos que o conteúdo não se encerra aqui. Incentivamos você a continuar sua busca e aquisição de conhecimento sobre Currículo e Didática na Educação de Surdos. O embasamento teórico acerca de tais temáticas com certeza auxiliará você de forma bastante significativa ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional. Bons estudos!

2 A DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Quais os saberes necessários para que um professor atue didaticamente de forma correta? Tardiff (2002, p. 63 apud SILVEIRA, 2006, p. 104) apresenta em um quadro os saberes dos professores, suas fontes sociais de aquisição e os modos de integração no trabalho docente.

Saberes dos professores Fontes sociais de aquisição

Modos de integração no trabalho docente

Saberes pessoais dos professores.

A família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato etc.

Pela história de vida e pela socialização primária.

Saberes provenientes da formação escolar.

A escola primária e secundária, os estudos pós- secundários não especializados etc.

Pela formação e pela socialização pré-profissionais.

QUADRO 1 – OS SABERES DOS PROFESSORES

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UNIDADE 3 | CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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Saberes provenientes da formação profissional para o magistério.

Os estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de reciclagem, etc.

Pela formação e pela socialização profissional nas instituições de formação de professores.

Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho.

A utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos, cadernos de exercícios, fichas etc.

Pela utilização das “ferramentas” de trabalho, suas adaptações às tarefas.

Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola.

A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares etc.

Pela prática do trabalho e pela socialização profissional.

FONTE: Tardiff (2002, p. 63 apud SILVEIRA, 2006, p. 104)

Conforme o quadro anterior, percebemos que os saberes pessoais dos professores, os saberes provenientes da formação escolar, os saberes provenientes da formação profissional para o magistério, os saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho e os saberes provenientes de sua própria experiência na profissão – na sala de aula e na escola – se integram de formas diferentes no trabalho docente, ou seja, cada professor carrega consigo um contexto social e histórico que influencia sim na sua metodologia de trabalho docente.

A didática em si exige tomada de decisões. Sim, o professor precisa decidir quais estratégias irão lhe servir. Outro aspecto interessante e que merece ser destacado é que o estudo da didática implica necessariamente considerar o planejamento de ensino. Sim, é necessário que você, acadêmico do curso de Letras/Libras, futuro docente, saiba como desenvolver sua aula, como conduzir o aprendizado dos alunos surdos, que estratégias selecionará e como serão aplicadas.

O planejamento é um ato decisório, pois é nesta fase que o professor decide o que se pode fazer para o futuro diante das condições existentes, definindo o que se deseja construir. O planejamento deve estar embasado teoricamente. Para Luckesi (2010, p. 164), “Planejar implica conhecer para ordenar e entregar-se a um desejo para dar-lhe vida. O planejamento sem conhecimento será uma fantasia; sem entrega, uma peça morta, útil para rechear arquivos”. O planejamento dá clareza do que se pretende. Por estas e tantas outras razões, afirma-se que o planejamento é um ato que deve ser conduzido de forma científica, política e técnica.

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Levando-se em conta que o planejamento encaminha a ação, caso o planejamento não seja bem executado, o processo ensino-aprendizagem perderá o sentido. Afinal, o que se espera quando não se faz o planejamento? Sem planejamento, qualquer resultado é bem aceito. Luckesi (2010) defende que o planejamento é uma etapa de vital importância na construção dos resultados que esperamos. Nesta etapa, traçamos os caminhos que queremos seguir.

O planejamento escolar envolve todo o processo da escola – envolvendo a reflexão, a tomada de decisões sobre a organização, influenciando significativamente o funcionamento e a proposta pedagógica da instituição, ou seja, "É um processo de racionalização, organização e coordenação da ação docente, articulando a atividade escolar e a problemática do contexto social" (LIBÂNEO, 1992, p. 221).

Como ensinar os alunos surdos? Quais estratégias utilizar? A educação de surdos necessita urgentemente de profissionais comprometidos no que diz respeito a um embasamento teórico acerca de tais temáticas. A teoria aliada à prática = práxis pedagógica eficiente.

3 A IMPORTÂNCIA DA DIDÁTICA CULTURAL NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

O termo Didática Cultural parece ser algo novo, mas não é. “Então é necessária uma Didática cultural e ela existe e não se trata de novidade. A atividade didática cultural tem que ser planejada, mas planejada de tal forma que não esqueça o elemento cultural. [...] A Didática Cultural dos Surdos existe desde que o surdo encontrou o surdo” (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 27).

Desde a figura de Eduard Huet, já percebemos a diferença na atuação de um docente que atua de forma didática. Perlin e Rezende (2011) relatam que Huet introduzia o aluno no conhecimento, utilizando um jeito de interagir, possibilitando ao surdo autonomia, nunca apontando o que ele não sabia, mas mostrando como este aluno podia evoluir.

A didática cultural rompe com o modelo ouvinte de educação, questiona as práticas normalizadoras ouvintes, questiona quem é o sujeito surdo, quem deve elaborar o currículo e a didática dos surdos.

“[...] a Didática Cultural dos Surdos sempre questiona sobre o que é próprio dos surdos e também questiona sobre como alguém se constitui superior aos surdos. Isto é, questiona as práticas normalizadoras dos ouvintes sobre os surdos” (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 28). As autoras ainda relatam que a perspectiva cultural retira o padrão de normalização vigente na teoria tradicional.

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Apesar de nós, participantes da comunidade surda, sabermos que a Didática Cultural é a melhor opção, ainda presenciamos didáticas que empregam o aproveitamento de restos auditivos e do oralismo, além de programações didáticas que diminuem o status linguístico da língua de sinais, colocando o ouvinte em um nível superior ao surdo (PERLIN; REZENDE, 2011). Práticas essas inaceitáveis quando pensamos em uma sociedade realmente igualitária.

SUGESTÕES DE LEITURA

A fim de contextualizarmos o que estudamos até aqui, sugerimos que você, acadêmico, leia o artigo Surdos: Cultura e Pedagogia, da Dra. Gládia Perlin, disponível no endereço: <https://pt.scribd.com/document/88378 969/Surdos-Cultura-e-Pedagogia-Gladis-Perlin>.

Neste artigo, Perlin disserta a respeito da relação que deve existir entre cultura dos surdos e a pedagogia.

A didática cultural oferece “possibilidades teóricas e práticas de questionar, indagar, discutir: o que aplicar em nossas atividades” (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 8). A transgressão pedagógica ocorre quando o planejamento da aula para alunos surdos ocorre de forma diferente.

Esta desconstrução, no entender do professor surdo, é o jeito de ensinar que melhor aproxima o conhecimento do sujeito surdo e que faz dele um sujeito que desenvolve atitudes próprias diante da vida e independência do ouvinte. É a Didática na forma cultural própria (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 34).

A didática no ensino dos surdos deve favorecer a visualização dos novos horizontes. A didática cultural enxerga no surdo um sujeito multifacetado, e acima de tudo um sujeito capaz de construir sua própria história. O currículo e a didática cultural devem favorecer o fortalecimento da identidade e cultura surda.

Ao longo dos anos, a visão clínica, anormal e oralista diante da surdez influenciou negativamente o processo educacional dos alunos surdos. A didática na educação de surdos deve ter como principal característica a aceitação da língua de sinais como L1, possibilitando ao aluno surdo a capacidade de expressar-se, trabalhando literatura, artes, política, entre outros temas tão importantes, possibilitando avanço aos surdos.

A didática cultural exige que o professor saia da zona de conforto e se incomode com o que realiza. A partir do momento em que o professor se satisfaz com o que tem, que julga estar correto o que faz, ele conclui que não tem outra saída, nada irá mudar. Mas, quando o professor tem uma disposição de mudança, o planejamento será aspecto fundamental no processo avaliativo. “[...] na educação de surdos, podemos usar o planejamento de ensino como

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uma estratégia e contestação para as nossas lutas pela cultura surda” (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 35). Portanto, novamente destacamos o papel relevante que o planejamento tem na didática cultural. Sem planejamento, é impossível avançarmos didaticamente.

Na didática cultural, exige-se que o planejamento revele

[...] o que se coloca em movimento na atividade do professor, mas também oferece posições seja problematizando ou reproblematizando, e ainda levantando questionamentos sobre como o ensino vai motivar a questão cultural e política do sujeito da educação [...] o professor tende a levar o sujeito ao encontro do conhecimento, sempre o situando na importância de buscar e motivar o conhecimento (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 7).

Na didática cultural, a identificação política e cultural é fator relevante no processo ensino-aprendizagem, buscando o reconhecimento e a valorização da Libras, rompendo com o tradicional e o moderno.

DICAS

Comumente, os profissionais na área da educação reclamam da falta de materiais em Libras ou adaptados. Neste aspecto, recomendamos a você, acadêmico, que participe do grupo no Facebook ATIVIDADES PEDAGÓGICOS (sic) EM LÍNGUA DE SINAIS: DESENHOS, ARTES E ARTESANATOS. Este grupo tem como objetivo compartilhar, distribuir e trocar materiais didáticos em Libras. Neste grupo você poderá acessar várias fotos de desenhos, artes, artesanatos em Libras, além de atividades, jogos e apostilas em Libras para download gratuito.

Estas ideias ajudarão você, professor(a) de Libras e também nas escolas de surdos/bilíngues/inclusivas. Karin Strobel e Israel Cardoso são os administradores do grupo, ambos com vasta experiência na educação de surdos. Trata-se de um material muito rico. Acesse!

Link para acesso ao grupo: <https://www.facebook.com/groups/1467493686865352/>.

Planejar na educação de surdos, na perspectiva da didática cultural, está relacionado à seleção de temas que valorizem a cultura surda, que coloquem o sujeito surdo como protagonista, ou seja, o surdo é encarado como um sujeito cultural.

[...] a prática de planejar é poder estar em constante aprimoramento, em que o professor é pesquisador, é questionador, é preocupado com o aprendizado de seus alunos, quando nos deparamos com as dificuldades de alunos, nos questionamos em que havia o erro didático, o nosso planejar, claro que não podemos nos deter em aperfeiçoar o nosso planejamento com o intuito de deixar tudo em ordem, em sistematizar as aulas, devemos deixar em foca (sic) os planejamentos

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sob suspeita, ou seja, planejar no ritmo da sala de aula, do aluno, com as suas reais necessidades, com os seus questionares na sala de aula, isto é, os professores nesta situação devem ser apenas mediadores do ensino e não como meros transmissores de conteúdos (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 42).

Diante desta citação, percebemos a necessidade de constante reflexão sobre a nossa prática pedagógica e, acima de tudo, sobre a nossa postura profissional. Nunca sabemos tudo, sempre há lacunas em nosso trabalho que precisam ser preenchidas. Por isso, não podemos estagnar, achando que o plano de ensino que utilizávamos ano passado será o mesmo para este ano. Os alunos carregam consigo um histórico familiar e social singular, o que demanda de nós, profissionais da educação, uma reavaliação constante do nosso planejamento. O planejamento é um eixo norteador, mas deve ser flexível, atendendo as reais necessidades dos nossos alunos.

Perlin e Rezende (2011) demonstram no quadro a seguir como a Didática pode ser utilizada pelo professor surdo.

Plano de Ensino:Disciplina: Língua de sinaisTema cultural I: O discurso da mídia sobre o surdo.Objetivo: Este tema tem como objetivo trabalhar com a mídia em suas diversas manifestações sobre o que ela representa na sociedade para a divulgação da imagem do sujeito surdo, como forma de produção não somente de saberes, mas também de subjetividades.Justificativa: Estamos escolhendo a mídia que é uma das múltiplas formas, a mais forte, para influenciar a opinião pública sobre os surdos. Sei que além desta tem muitas outras formas, por exemplo: os espaços da inclusão, da educação especial, os documentos do MEC, as narrativas de certos grupos culturais e mesmo as narrativas dos surdos. Todas elas falam do sujeito surdo. Estamos nos servindo do campo teórico dos Estudos Culturais como pano de fundo, ele alimenta a ideia da necessidade de colocar a identidade surda como diferente do ouvinte. E a partir de então, avaliar como a mídia representa a identidade surda. A ideia de trabalhar com o discurso da mídia visa despertar para o sistema de representação do surdo. Pensamos que é importante desenvolver entre os surdos um trabalho em que seja problematizada a ideia de anormalidade, de deficiência, e aqueles conceitos que dizem que os surdos têm língua de sinais inferior, etc...Subtemas a serem tratado na parte I:Os alunos serão motivados na aula anterior, bem como a professora participa para trazer qualquer recorte de notícia, DVD, filme que implique em Representações do surdo na mídia. A mídia constantemente tem citado o nome dos surdos, e não é uma citação única. Há alguns títulos bastante complexos, como: O surdo usa do olfato; Filhos do silêncio; Surdo-mudo;

QUADRO 2 – PLANO DE ENSINO NA PERSPECTIVA DA DIDÁTICA CULTURAL

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Deficiente surdo. Sei que as maiores menções dos surdos na mídia estão nas páginas policiais, onde se noticia que alguns surdos roubam, se suicidam etc. Todos estes têm algo que nos colocam em um mundo menor, como se nossa vida fosse ruim. Difícil é encontrar algo que diga de nossa diferença, nossa felicidade de sermos o que somos, a beleza de nossas construções culturais. Parece que a representação do surdo gira em torno da deficiência, do ruim, do feio, do menos bom.Subtema a ser tratado na parte IISobre a Identidade dos surdos: eles não têm uma identidade, mas múltiplas identidades. Elas são multifacetadas e se apresentam de forma única. Às vezes, dá para agrupá-las como no texto de Perlin (1998), porém preferimos utilizar a forma individual de identidades. Leitura do texto e debate.Subtema a ser tratado na parte IIIA verdade da diferença surda: O momento é próprio para o surdo se conscientizar de sua diferença e entender que ser surdo não é uma fatalidade como pensam e que nosso mundo não é tão ruim e tão negro como atribuem. O trabalho nesta parte deve elaborar questões para enfrentar a mídia e tentar mudar o quadro. Inclusive justifico este trabalho pela importância de se estudar nossa diferença e de se colocar uma forma não agressiva de nos defendermos dos estereótipos e preconceitos gritantes que a sociedade apresenta contra nós, nos lançando na exclusão. Nossa capacidade de enfrentar e fazer valer os nossos direitos deve ser colocada aqui. No entanto, na resistência, sem violência, sem ofensas aos ouvintes e trabalhando de forma que eles reconheçam nossa diferença.Estas três partes satisfazem para a necessidade de enfatizar a diferença surda diante do ouvinte. Não é possível que nos mantenhamos no mundo como excluídos e sem participação social. Não é possível que nos mantenhamos à margem do desenvolvimento, por exemplo, se os ouvintes se beneficiam da TV pelo mostrar social sobre valores reinantes, nós temos e devemos nos beneficiar da TV para elucidar nossa diferença, o que somos, e também temos direito de não nos considerarem párias sociais com o exemplo descrito no trabalho do subtema I.

FONTE: Perlin e Rezende (2011, p. 37-39)

O plano de ensino exposto no quadro anterior seleciona a temática Mídia para impelir o surdo a participar na sociedade enquanto cidadão ativo. Na leitura do plano de ensino, percebemos que o objetivo principal é a “[...] busca de estratégias de construção, resistência e desenvolvimento de identidades e subjetividades” (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 40).

Perlin e Rezende (2011) apresentam outras temáticas utilizadas na Didática Cultural com influência dos Estudos Culturais.

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Cultura SurdaIdentidades Surdas

Escrita de Língua de SinaisSignificados de normalidade/anormalidade

Literatura Surda Políticas Educacionais de Surdos

História Cultural de SurdosDia do SurdoÍndios Surdos

Crianças Surdas

QUADRO 4 – TEMÁTICAS DA DIDÁTICA CULTURAL

FONTE: Perlin e Rezende (2011, p. 40)

As temáticas apresentadas no quadro anterior demonstram a urgência em se trabalhar os artefatos culturais (discutidos no tópico 1 desta unidade) a fim de propiciar a construção de identidade do aluno surdo, além de favorecer sua participação na comunidade surda.

Quando analisamos a proposta de educação inclusiva, simplesmente não conseguimos abarcar tais temáticas, pois o ouvintismo impera de tal forma que as diferenças identitárias e culturais não são vistas, muito menos valorizadas.

FIGURA 9 – SABERES E PRÁTICAS DA INCLUSÃO

FONTE: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/alunossurdos.pdf>. Acesso em: 20 maio 2018.

DICAS

O livro do MEC: Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos está disponibilizado para download gratuito no seguinte endereço: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/alunossurdos.pdf>. Analise este livro e posicione-se criticamente a respeito dele. Boa leitura!

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4 PEDAGOGIA DA DIFERENÇA, PEDAGOGIA SURDA E PEDAGOGIA VISUAL

Os Estudos Culturais propõem a compreensão das diferenças, ou seja, o processo de significação pessoal e de mundo influencia na compreensão destas “diferenças”. Mas podemos retroceder ao próprio conceito da Pedagogia em si para corroborar a importância desta compreensão. Silva (2000, p. 10) afirma que,

Em certo sentido, “pedagogia” significa precisamente “diferença”: educar significa introduzir a cunha da diferença em um mundo que sem ela se limitaria a reproduzir o mesmo e o idêntico, um mundo parado, um mundo morto. É nessa possibilidade de abertura para outro mundo que podemos pensar na pedagogia como diferença.

Sendo assim, o conceito basilar da pedagogia já contempla esta perspectiva de não reproduzir tudo da mesma forma, de introduzir o empenho pela diferença. Reis (2013) complementa afirmando que a pedagogia da diferença impulsiona o novo – nova construção, novas estruturas discursivas, novas narrativas, novas relações de poder, bem como uma nova representação. A pedagogia da diferença respeita a diferença do outro, assim sendo, a cultura é respeitada.

Muitas são as discussões no que tange ao currículo e a didática na educação de surdos. Porém, segundo Reis (2013), o mais pertinente é refletir pedagogicamente a prática educativa, possibilitando a criação, a moldagem, a imaginação, bem como a dramatização, representando o mundo, colaborando na formação de cidadãos já no contexto escolar.

Reis (2013, p. 87) conclui que “É importante trabalhar nesta prática para perceber como é o jeito cultural de se ensinar para alunos surdos na sala de aula de uma forma diferenciada, específica e bilíngue, promovendo, assim, transgressão pedagógica dos professores surdos”.

4.1 PEDAGOGIA SURDA

Conforme já estudamos, o próprio conceito etimológico da Pedagogia que trata da condução, de ser um guia, já nos remete a necessidade de não reproduzir o idêntico. Quando adentramos nossos estudos na Pedagogia Surda, percebemos que esta valoriza o saber do povo surdo, o que abrange a arte, a história de vida, a comunidade surda, a cultura, a identidade e, consequentemente, a Língua inserida neste contexto como primeira Língua. A pedagogia surda vem com o objetivo de traçar novos horizontes na educação dos surdos, visto que o sujeito surdo apresenta as especificidades diferentes das dos ouvintes, considerando todos os aspectos, inclusive os de formas culturais.

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A própria origem da palavra pedagogia já nos remonta à necessidade de não reproduzir o idêntico. Quando adentramos nossos estudos na Pedagogia Surda, percebemos que esta valoriza o saber do povo surdo, o que abrange a arte, a história de vida, a comunidade surda, a cultura, a identidade e, consequentemente, a língua inserida neste contexto como primeira língua. A pedagogia surda vem com o objetivo de traçar novos horizontes na educação dos surdos, visto que o sujeito surdo apresenta especificidades diferentes das dos ouvintes, considerando todos os aspectos, inclusive os de formas culturais.

A pedagogia dos surdos, diferentemente da pedagogia tradicional, ultrapassa os muros da escola, tem uma nova visão. Reis (2013) defende que a pedagogia dos surdos é uma investida no sentido de construir um contexto educacional condizente com a experiência visual, das políticas e histórias passadas aos alunos surdos. “A sua diferença se dá devido à cultura, ou seja: à língua de sinais, à identidade, à diferença. Aborda elementos condizentes às necessidades pedagógicas dos surdos” (REIS, 2013, p. 81). Ou seja, a pedagogia surda tem como premissa básica o respeito à sua cultura.

A importância da presença do professor surdo para a possibilidade de identificação cultural também é um dos pressupostos da pós-modernidade. Sem querer excluir o professor ouvinte, também enfatizamos a importância deste professor desde que ele possua interculturalidade, ou seja, tenha possibilidade de interagir com os alunos surdos em respeito a (sic) sua cultura surda, a sua língua de sinais (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 8).

Já citamos anteriormente, mas cabe aqui destacar a importância da função desempenhada pelo professor surdo dentro da pedagogia surda, pois geralmente é através dele que a criança adquire sua língua, identidade e cultura. Por isso, é importante que o professor surdo tenha a identidade surda política, ou seja, participe efetivamente das lutas políticas pelo poder cultural e a melhoria da educação de surdos em nosso país, que busque formação pedagógica específica na área da surdez. No caso do professor surdo com identidade surda, este transgride, pedagogicamente falando, quando ensina a Língua de Sinais de forma fluente e utiliza uma metodologia própria aos surdos, e por isso ensina com mais facilidade. E neste caso, a criança só tem a ganhar, isso porque se identifica com o professor, adquirindo sua língua materna e construindo sua identidade de forma mais efetiva.

Contudo, infelizmente, constatamos alguns professores surdos despreparados, sem ciência de seu real papel, muitas vezes dizendo aos alunos que a língua oral é superior à Língua de Sinais. Este profissional não tem a identidade surda política, ou seja, não contribuirá para a construção da identidade e cultura surda de seus alunos. Apesar de utilizar a Língua de Sinais, a cultura surda não é fortalecida e a metodologia utilizada continua sendo ouvinte mesmo que lecionada por um professor surdo. Há relatos de que em alguns casos, um docente ouvinte que participa da comunidade surda realiza um trabalho mais eficaz. Contudo, Reis (2013), em sua pesquisa, atesta que a maior dificuldade

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encontrada nos docentes ouvintes é a falta de conhecimento específico, bem como de metodologias culturais específicas aos surdos, e por isso reproduzem elementos da educação ouvintista na educação de surdos.

O professor surdo se serve de mecanismos e critérios seletivos em que interage com o sujeito surdo no sentido deste se posicionar criticamente face ao sujeito não surdo, bem como diante de todo o conhecimento legado pela humanidade. O sujeito surdo se posiciona como sujeito surdo e não terá preconceitos em ser o que é, sentir-se-á dono do conhecimento e a partir daí vai interagir criticamente com o mundo. Esta é a estratégia de política cultural. O sujeito surdo aprende a modificar criticamente o mundo. Assim, quero descrever aqui um exemplo: se o mundo dos ouvintes tem a TV que privilegia a comunicação oral, o surdo vai insistir que a comunicação seja visual, vai lutar por insistir na legenda (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 36).

Reis (2013, p. 80) reconhece que “é importante esclarecer para aceitar a nossa cultura, a nossa identidade, a nossa língua para respeitar os professores surdos no espaço educacional, e os surdos podem respeitar a cultura dos professores ouvintes dentro de um contexto político”. Neste caso, percebemos a citação de Bhaba (1998, p. 27), que afirma ocorrer uma “[...] ‘fronteira cultural’, uma ‘borda deslizante e intervalar nas relações’, que estimula ‘o desejo de reconhecimento de ‘outro lugar’ e de outra coisa”. Ou seja, é possível sim que no contexto educacional ocorra uma interação, uma troca positiva entre docentes surdos e ouvintes.

O povo surdo sonha com a pedagogia surda, pois sabe que somente esta proposta contempla a subjetividade do jeito surdo de ser. O contexto educacional avançou a passos largos nos últimos anos, porém, ainda presenciamos transformações urgentes que precisam ocorrer.

4.2 PEDAGOGIA VISUAL

Outra terminologia bastante comum na área da educação de surdos é Pedagogia Visual. Campello (2007) explica que a Pedagogia Visual é uma nova demanda da sociedade que impele, pressiona a educação formal a modificar ou criar novos conceitos ou denominações para a pedagogia visual, reorientando os processos de ensinar e aprender.

Campello (2007) defende que a Libras, com as suas características viso-

espaciais, se inscreve no lugar da visualidade e, por isso, encontra na imagem uma grande aliada junto às propostas educacionais e às práticas sociais, e afirma que “Com o uso da Língua de Sinais, podem [os surdos] desenvolver normalmente suas inteligências para poderem levar vidas produtivas, autossuficientes, desenvolvendo uma autoimagem positiva e gozar do respeito de seus pares” (CAMPELLO, 2007, p. 128).

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O mais interessante é que Campello (2007) defende e nós, autoras deste livro de estudos, concordamos é que tal pedagogia não beneficia somente o indivíduo surdo, mas garante a participação de todos, ou seja, a escola em sua totalidade. De fato, as vivências mostram que nenhuma adaptação feita para incluir um aluno exclui outro.

Campello (2007) ainda narra um diálogo entre docentes da 7ª série na sala dos professores. Relata-se que na sala dos professores são muito comuns críticas ao processo de ensino-aprendizagem dos alunos surdos, reclama-se de falta de recursos. Mas também é narrada a importância do processo de conhecimento e da aquisição da cultura surda através da imagem semiótica. Que muitas vezes o que o aluno surdo precisa não é simplesmente uma tradução, mas sim uma explanação através da imagem visual.

Imagem visual, semiótica, imagética ou também o uso de língua de sinais na sua aquisição, compreensão e captação do pensamento através da imagem visual são aspectos que ainda carecem de estudos mais profundos e detalhados. Porém, mesmo com seus conceitos básicos iniciais, percebemos as suas contribuições no campo da educação de surdos.

SUGESTÃO DE LEITURA

Já sugerimos a Coleção Estudos Surdos anteriormente, no entanto, queremos aqui destacar a leitura do artigo Pedagogia Visual / Sinal na Educação dos Surdos, de Ana Regina Capello, pesquisadora surda reconhecida internacionalmente e muito respeitada. O artigo está disponível no endereço: <http://editora-arara-azul.com.br/estudos2.pdf>, no Capítulo IV - páginas 100-132 da coleção Estudos Surdos II.

Caro acadêmico, concluímos assim nossos estudos da disciplina Currículo e Didática na Educação de Surdos com o senso de dever cumprido. Caminhamos desde os conceitos gerais no contexto educacional, perpassando a evolução histórica das terminologias currículo e didática e nos aprofundamos na educação de surdos destacando que o defendido pela comunidade surda não é a simples invalidação das disciplinas constantes no currículo atual vigente na educação básica, mas uma flexibilidade curricular adaptada à real necessidade dos alunos surdos, respeitando a cultura surda e seus artefatos. E, neste aspecto, a didática cultural contribui de forma significativa, pois respeita as singularidades do aluno surdo, levando em conta os aspectos culturais e sociais. Acreditamos que tais conhecimentos embasarão de forma sólida sua atuação docente. Desejamos a você sucesso em sua trajetória acadêmica e profissional. Até mais!

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Neste tópico, você aprendeu que:

• Os saberes dos professores se integram de formas diferentes no trabalho docente. Cada professor carrega consigo um contexto social e histórico que influencia, sim, na sua metodologia de trabalho docente.

• O planejamento é um ato decisório, pois é nesta fase que o professor decide o que se pode fazer para o futuro diante das condições existentes, definindo o que se deseja construir. “[...] na educação de surdos podemos usar o planejamento de ensino como uma estratégia e contestação para as nossas lutas pela cultura surda” (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 35).

• Planejar na educação de surdos, na perspectiva da didática cultural, está relacionado à seleção de temas que valorizem a cultura surda, que coloquem o sujeito surdo como protagonista, ou seja, o surdo é encarado como um sujeito cultural.

• Ao elaborar um plano de ensino, o objetivo principal é a “[...] busca de estratégias de construção, resistência e desenvolvimento de identidades e subjetividades” (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 40).

• A didática cultural rompe com o modelo ouvinte de educação, questiona as práticas normalizadoras ouvintes, questiona quem é o sujeito surdo, quem deve elaborar o currículo e a didática dos surdos.

• A didática no ensino dos surdos deve favorecer a visualização dos novos horizontes. A didática cultural enxerga no surdo um sujeito multifacetado, e acima de tudo um sujeito capaz de construir sua própria história. O currículo e a didática cultural devem favorecer o fortalecimento da identidade e cultura surda.

• A pedagogia da diferença impulsiona o novo – nova construção, novas estruturas discursivas, novas narrativas, novas relações de poder, bem como uma nova representação. A pedagogia da diferença respeita a diferença do outro, assim sendo, a cultura é respeitada.

• A pedagogia surda vem com o objetivo de traçar novos horizontes na educação dos surdos, visto que o sujeito surdo apresenta as especificidades diferentes das dos ouvintes, considerando todos os aspectos, inclusive os de formas culturais, valorizando o saber do povo surdo (arte, história de vida, comunidade surda, cultura, identidade e língua).

RESUMO DO TÓPICO 3

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• A pedagogia visual é uma nova demanda da sociedade que impele, pressiona a educação formal a modificar ou criar novos conceitos ou denominações para a pedagogia visual, reorientando os processos de ensinar e aprender. Campello (2007) defende que a Libras, com as suas características viso-espaciais, inscreve-se no lugar da visualidade e, por isso, encontra na imagem uma grande aliada junto às propostas educacionais e às práticas sociais.

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AUTOATIVIDADE

1 Tardiff (2002) apud Silveira (2006) afirma que os saberes dos professores se integram de formas diferentes no trabalho docente, ou seja, cada professor carrega consigo um contexto social e histórico que influencia na sua metodologia de trabalho. Sobre os saberes dos professores, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Saberes pessoais dos professores.II- Saberes provenientes da formação escolar.III- Saberes provenientes da formação profissional para o magistério.IV- Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho.V- Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de

aula e na escola.

a) ( ) Saberes advindos da prática do trabalho e pela socialização profissional.b) ( ) Saberes advindos da formação e da socialização pré-profissionais.c) ( ) Saberes advindos da formação e da socialização profissionais nas instituições

de formação de professores.d) ( ) Saberes advindos da história de vida e socialização primária. e) ( ) Saberes advindos da utilização das “ferramentas” de trabalho, suas

adaptações às tarefas.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) I – V – III – IV – II.b) ( ) V – II – III – I – IV.c) ( ) I – II – III – IV – V.d) ( ) III – V – I – V – II.

2 “A Didática Cultural dos Surdos existe desde que o surdo encontrou o surdo” (PERLIN; REZENDE, 2011, p. 28). Apesar de parecer óbvio que a Didática Cultural é a melhor opção na educação de surdos, ainda presenciamos didáticas de cunho tradicionais que em nada agregam à identidade cultural do sujeito surdo. Sobre a Didática Cultural, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

a) ( ) A Didática Cultural retira o padrão de normalização vigente na teoria tradicional.

b) ( ) Na Didática Cultural, a identificação política e cultural é fator relevante no processo ensino-aprendizagem, buscando o reconhecimento e a valorização da Libras, rompendo com o tradicional e o moderno.

c) ( ) A Didática Cultural enxerga no surdo um sujeito multifacetado, e acima de tudo um sujeito capaz de construir sua própria história.

d) ( ) A Didática Cultural é a melhor opção, ou seja, devemos empregar técnicas e procedimentos visando o aproveitamento de restos auditivos e do Oralismo.

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Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) V – V – V – F.b) ( ) F – F – V – V.c) ( ) F – V – V – F.d) ( ) V – F – F – V.

3 Esta pedagogia vem com o objetivo de traçar novos horizontes na educação dos surdos, visto que o sujeito surdo apresenta as especificidades diferentes das dos ouvintes, considerando todos os aspectos, inclusive os de formas culturais. A que Pedagogia esta afirmação se refere?

a) ( ) Pedagogia Tradicional.b) ( ) Pedagogia da Diferença.c) ( ) Pedagogia Surda.d) ( ) Pedagogia Visual.

4 Trata-se de uma nova demanda da sociedade que pressiona a educação formal a modificar ou criar novos conceitos, reorientando os processos de ensinar e aprender. A que Pedagogia esta afirmação se refere?

a) ( ) Pedagogia Surda.b) ( ) Pedagogia Tradicional.c) ( ) Pedagogia da Diferença.d) ( ) Pedagogia Visual.

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REFERÊNCIAS

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