lÍngua de sinais, surdos e educaÇÃo

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ISSN 0104-3293 Educação em Foco Ed. Foco Juiz de Fora v. 19 n. 2 p. 01-242 Julho 2014 / Outubro 2014 Organizador Carlos Henrique Rodrigues LÍNGUA DE SINAIS, SURDOS E EDUCAÇÃO Juiz de Fora - MG - Brasil

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Page 1: LÍNGUA DE SINAIS, SURDOS E EDUCAÇÃO

ISSN 0104-3293

Educação em Foco

Ed. Foco Juiz de Fora v. 19 n. 2 p. 01-242 Julho 2014 / Outubro 2014

OrganizadorCarlos Henrique Rodrigues

LÍNGUA DE SINAIS, SURDOS E EDUCAÇÃO

Juiz de Fora - MG - Brasil

Page 2: LÍNGUA DE SINAIS, SURDOS E EDUCAÇÃO

Reitor: Henrique Duque de Miranda Chaves FilhoVice-reitor: José Luiz Rezende PereiraDiretor da Editora: Antenor Salzer RodriguesDiretor da Faculdade de Educação: Prof. Dr. André Silva Martins

Endereço para correspondência:Faculdade de Educação / Centro PedagógicoCampus Universitário da UFJFCEP 36036-330 - Juiz de Fora MGTelefone/Fax (32) 2102-3653 / 2102-3656E-mail: [email protected] Page: www.ufjf.edu.br/revista.edufoco

Editora UFJFRua Benjamin Constant, 790MAMM - Museu de Arte Moderna Murilo MendesCentro - Juiz de Fora - MGCEP 36015-400TELEFAX: (32) 3229-7646 / [email protected] / [email protected]

Universidade

Federal de JUiz de Fora

Diagramação e impressãoTemplo Gráfica e Editora Ltda.

Arte e Diagramação da CapaJuzélia Martins

Indexadoreshttp://www.geodados.uem.brhttp://ibict.br/comut/htmwww.inep.gov.brwww.bve.cibec.inep.gov.brWeb Qualis: www.qualis.capes.gov.brwww.latindex.unam.mx

Revisão de PortuguêsAngela Amaral

Revisão de InglêsHanna Beer Furtado Rodrigues

Revisão GeralJane Aparecida Gonçalves de Souza

Ficha Técnica

Ficha Catalográfica

EDUCAÇÃO EM FOCO: revista de educaçãoUniversidade Federal de Juiz de ForaFaculdade de Educação / Centro PedagógicoEducação em Foco, v. 19, n. 2, jul / out 2014 Quadrimestral242 p.

v. 1, n. 1, jan./jun. 1995

Juiz de Fora: Editora UFJF, 2014

ISSN 0104-3293.

Educação - Periódicos, 2. Ensino - PedagógicoCDU 930

Page 3: LÍNGUA DE SINAIS, SURDOS E EDUCAÇÃO

EDUCAÇÃO Em FOCO

CONSELhO EDItORIAL ExECUtIvO

Prof. Dr. Marlos Bessa Mendes da Rocha (Editor-Chefe)Prof. Dr. Carlos Henrique RodriguesProf.ª Dr.ª Daniela AuadProf. Dr. Daniel Cavalcanti Albuquerque LemosProf.ª Dr.ª Luciana Pacheco MarquesProf.ª Me. Jane Aparecida Gonçalves de Souza (Editora-Gerente)

CONSELhO CIENtÍFICO INtERNACIONAL

Prof. Dr. Abdeljalil Akkari - Universidade de Genebra - SuiçaProf. Dr. Adrian Ascolani - Universidad Nacional de Rosario - ArgentinaProf. Dr. Antônio Gomes Ferreira - Universidade de Coimbra - PortugalProf. Dr. Bernard Fichtner - University of Siegen - AlemanhaProf. Dr. Fernando Hernandez - Universidad BarcelonaProf. Dr. Hubert Vincent - Universitè de RoueuProf. Dr. Jean Hébrard - École des Hautes Études en Sciences Sociales - FrançaProf. Dr. Manuel Sarmento - Universidade do Minho - Portugal

CONSELhO CIENtÍFICO NACIONAL

Prof.ª Dr.ª Ana Icenicki (ex - Ana Canen) - UFRJProf.ª Dr.ª Ana Chystina Venancio Mignot - UERJProf. Dr. Amarilio Ferreira Junior - UFSCARProf. Dr. Carlos Henrique de Carvalho - UFUProf.ª Dr.ª Clarice Nunes - UFFProf. Dr. Cleiton de Oliveira - UNIMEPProf.ª Dr.ª Diana Gonçalves Vidal - USPProf.ª Dr.ª Edméia Oliveira dos Santos - UERJProf.ª Dr.ª Geysa Silva - UFJFProf. Dr. Irlen Antônio Gonçalves - CEFET-MGProf. Dr. José Silvério Baia Horta - UFAMProf. Dr. Júlio Romero Ferreira - UNIMEPProf. Dr. Laerthe de Moraes Abreu Junior - UFSJProf.ª Dr.ª Lea Stahlschmidt Pinto Silva - UFJFProf.ª Dr.ª Lia Ciomar Macedo Faria - UERJProf. Dr. Luciano Mendes de Faria Filho - UFMGProf.ª Dr.ª Magda Becker Soares - UFMGProf. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva - UFUProf. Dr. Marcio da Costa - UFRJProf.ª Dr.ª Maria de Lourdes de A. Fávero - UFFProf.ª Dr.ª Maria Teresa Assunção Freitas - UFJFProf.ª Dr.ª Maria Teresa Eglér Mantoan - UNICAMPProf.ª Dr.ª Marisa Bittar - UFSCarProf. Dr. Ubiratan D’Ambrósio - UNICAMPProf.ª Dr.ª Neuza Salim - UFJFProf.ª Dr.ª Nilda Alves - UERJProf. Dr. Osmar Fávero - UFFProf.ª Dr.ª Rosemary Dore Heijmans - UFMGProf.ª Dr.ª Rosimar de Fátima Oliveira - UFMGProf. Dr. Rubem Barbosa Filho - UFJFProf.ª Dr.ª Sandra Zakia - USPProf.ª Dr.ª Sonia Maria de Castro Nogueira Lopes - UFRJProf.ª Dr.ª Terezinha Oliveira - UEMProf. Dr. Tiago Adão Lara - UFUProf. Dr. Wenceslau Gonçalves Neto - UFU

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SUmáRIO

Apresentação ........................................................................ 9

EIxO tEmátICO

Bilingualism in Deaf People: Children and Adults ............ 17Robert Hoffmeister

A realidade plurimultilíngue brasileira: língua de sinais e políticas linguísticas ............................................................. 43

Carlos Henrique Rodrigues

Aquisição de língua de sinais por crianças surdas e sua relação com o bilinguismo ................................................................ 71

Elidéa Lúcia Almeida Bernardino

Formação de professores de surdos: atitude econtraconduta ..................................................................... 101

Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado

A produção de pesquisa científica como um instrumento na formação crítico-reflexiva de intérpretes língua brasileira de sinais e língua portuguesa .................................................. 125

Neiva de Aquino Albres

OUtRAS CONtRIbUIÇõES

Modernização educacional à mineira: o propósito conservador da reforma Francisco Campos (1926–1930) ..................... 147

Pâmela Faria de OliveiraCarlos Henrique de Carvalho

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Professores e dificuldades de aprendizagem, representações sociais de desafio e perplexidade........................................ 189

Eloiza da Silva G. OliveiraDanielle Pereira de Vasconcellos

Caio Abitbol CarvalhoThaís Trindade

Rafael Lima de SouzaMonna Vasconcelos

Joyce Sequeira

RESUmO DAS DISSERtAÇõES

O que vocês fizeram está fora de um padrão aceitável para a escola: sujeição e práticas de liberdade no cotidiano escolar-da (in) disciplina ao cuidado de si .......................................... 223

WescleyDinali

Currículo, Gênero e Identidade na Formação de Professo -res/as ................................................................................... 225

Kelly da Silva

Judicialização da Educação: a atuação do Ministério Público como mecanismo de exigibilidade do direito à educação no município de Juiz de Fora .................................................. 227

Rafaela Reis Azevedo de Oliveira

Aprendizagem Obscura: fragmentos arranjados por propo-sições artísticas .................................................................. 229

Luiz Felipe de Souza Carbogim

Sinfonia#01: Licenciados em Matemática e algumas marcas.. 231Bruna Dias de Carvalho

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SUmmARy

Presentation .......................................................................... 9

EIxO tEmátICO

Bilingualism in Deaf People: children and adults ............... 17Robert Hoffmeister

The brazilian plurimultilingual reality: sign language and linguistic policies .................................................................. 43

Carlos Henrique Rodrigues

Sign Language Acquisition in Deaf Children and its relation with bilingualism .................................................................. 71

Elidéa Lúcia Almeida Bernardino

Teacher’s training for tutoring deaf students: attitude and counter-conduct ................................................................. 101

Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado

Scientific research development as a tool for a critical reflective training of Brazilian Sign Language-Portuguese interpreters 125

Neiva de Aquino Albres

OthER CONtRIbUtIONS

Modernizing Education Minas Gerais’ way: the conservative purpose of Francisco Campos’ reformation (1926-1930) ...147

Pâmela Faria de OliveiraCarlos Henrique de Carvalho

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Teachers and learning disabilities, social representation of challenges and perplexity ................................................... 189

Eloiza da Silva G. OliveiraDanielle Pereira de Vasconcellos

Caio Abitbol CarvalhoThaís Trindade

Rafael Lima de SouzaMonna Vasconcelos

Joyce Sequeira

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ApRESENtAÇÃO

LÍNGUA DE SINAIS, SURDOS E EDUCAÇÃO

Atualmente, observarmos o reconhecimento das Línguas de Sinais em vários países, a consolidação e di-fusão dos Estudos Surdos (Deaf Studies) e o avanço dos movimentos surdos, em prol da Educação Bilíngue, como importantes fatores na ampliação do acesso de surdos à educação e, por sua vez, ao ensino superior. Com o reconhecimento da Língua de Sinais dos surdos brasileiros, por meio da Lei 10.436 de abril de 2002, e com a promulgação do Decreto 5.626, de dezembro de 2005, emerge, no contexto brasileiro, a afirmação de uma nova realidade, a qual se configura por meio de diversas ações sociais e políticas, visando ao estabelecimento de um processo educacional fundamentado na centralidade do uso da Língua de Sinais Brasileira, Libras, como a língua do processo de ensino-aprendizagem das pessoas surdas.

Com essas transformações, os surdos e a surdez, sujeitos e temática, ignorados por séculos, ou reduzidos ao campo da saúde passam, de fato, a constituir e a expressar um ramo específico do saber, o qual tem sido significado e caracterizado por dimensões e aspectos culturais, sociais, linguísticos, políticos e pedagógicos, antes improváveis e impensáveis. Nessa direção, em contraposição à visão clínico-terapêutica da surdez, configuraram-se, nas úl-timas décadas do século XX e primeiros anos do XXI, as concepções sociais e antropológicas da surdez. Ao contrá-rio da visão clínica, na qual se propõe a medicalização, o tratamento terapêutico, a reabilitação do surdo; na visão sócio-antropológica, compreende-se a surdez como uma experiência visual, ou seja, como uma maneira específica de se construir a realidade histórica, política, social e cultural.

Esse modelo sócio-antropológico, concebendo a surdez como diferença e não como mera deficiência,

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junto aos Estudos Linguísticos, que atestam o status das Línguas de Sinais, tem sustentado a importância da Edu-cação Bilíngue de/para/com surdos. É relevante dizer que esse modelo emprega o termo “surdo” para se referir àqueles que, independentemente do grau da perda auditiva, reconhecem-se como surdos, na medida em que valorizam a experiência visual e se apropriam da Língua de Sinais como meio de comunicação e expressão; reúnem-se com seus pares e partilham modos de ser, agir e pensar, bem como uma identidade cultural e certo Deaf Pride, orgulho em ser surdo, no sentido cultural dado ao termo. Assim, as pessoas com deficiência auditiva seriam aquelas que rejeitam a condição da surdez, na medida em que tentam resgatar a experiência auditiva através de próteses e implantes, não utilizando a Língua de Sinais e estabelecendo seu único meio de comunicação por meio da Língua Oral: fala com o auxílio da leitura labial.

Nesta edição da Revista, considerando a surdez por meio desse novo olhar, que respeita e reconhece o surdo em sua diferença e especificidade linguística e cultural, reunimos importantes reflexões acerca do processo educacional dos surdos, problematizando aspectos centrais da Educação Bilíngue, no que se refere ao uso da língua de sinais, ao ensino do Português como segunda língua, à formação de profissionais, professores de surdos e intérpretes de Português-Libras, assim como à atuação de intérpretes no processo de ensino-aprendizagem dos surdos.

O primeiro artigo, Bilingualism in Deaf People: Children and Adults, apresentado em inglês, é uma contribuição do professor Robert Hoffmeister da Universidade de Boston. O professor discute o que significa ser surdo e ser bilíngue, evidenciando a centralidade da língua de sinais, como pri-meira língua, no processo de aprendizagem de uma segun-da língua pelos surdos. Apresentando as pessoas surdas como essencialmente visuais, Hoffmeister reflete sobre as implicações e os impactos de ser surdo e ser bilíngue e argumenta que é crucial para o aprendizado e para o Educ. foco, Juiz de Fora,

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desenvolvimento das crianças surdas, que as mesmas sejam reconhecidas e tratadas como bilíngues. Assim, o professor deixa claro que devemos considerar as línguas de sinais como línguas legítimas de instrução e buscar a construção de um processo educacional capaz de lidar com as especificidades dos surdos, por meio de modelos culturais e da presença na educação das crianças surdas dos surdos adultos, falantes nativos da língua de sinais.

Em A realidade plurimultilíngue brasileira: língua de sinais e políticas linguísticas, o professor Carlos Henrique Rodrigues, com base na diversidade e na multiplicidade das relações linguísticas e culturais no Brasil, tece uma reflexão sobre as tensões e sobre as contradições que ca-racterizam nossa realidade plurimultilíngue, em relação ao mito do monolínguismo brasileiro e às suas implicações sociais, políticas e ideológicas. Ao tratar do campo das po líticas linguísticas, o autor discute as políticas linguísti-cas brasileiras, que têm os surdos como público alvo e aponta a necessidade do incentivo à conscientização da população acerca da realidade plurimultilíngue brasileira, às ações governamentais em prol do reconhecimento e da valorização dessa realidade e, por sua vez, à promoção de um novo espaço de negociações políticas em torno da língua de sinais.

A seguir, a professora Elidéa Lúcia de Almeida Bernardino, em Aquisição de Língua de Sinais por crianças surdas e sua relação com o Bilingüismo, apresenta-nos uma pesquisa, comparando o desempenho em Libras de surdos gêmeos de pais ouvintes com outras três crianças surdas, não irmãs, sendo duas delas filhas de pais ouvintes e uma filha de surdos. Com o intuito de melhor compreender a realidade vivenciada pelas crianças surdas, a professora reflete sobre o processo de aquisição e desenvolvimento de linguagem por crianças surdas e, também, relaciona tal processo ao bilinguismo dos surdos. Com base nos dados de sua pesquisa, ela demonstra a importância de a criança surda adquirir a língua de sinais e afirma que domínio da Educ. foco, Juiz de Fora,

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língua de sinais na aprendizagem do português escrito pelas crianças surdas é central.

Considerando a realidade vivenciada atualmente pela educação de surdos no Brasil, a professora Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado, em Formação de professores de surdos: atitude e contraconduta, problematiza a formação de professores que atuam na educação de surdos. Com o intuito de pensar as práticas e os saberes, em jogo, no processo de formação desses professores, ela traz à tona a visão de professores que atuam na educação bilíngue e discute como essa formação sugere uma atitude muito além da técnica e da prática. Ela demonstra que a formação dos professores de surdos implica uma escolha estética ao pensar nas experiências, nas vivências e nas atitudes que devem ser tomadas, visto que as mesmas relacionam-se diretamente aos movimentos surdos e às lutas dessa minoria linguística e cultural.

Por fim, considerando a formação de intérpretes de Libras-Português, a professora Neiva de Aquino Albres, em A produção de pesquisa científica como um instrumento na formação crítico-reflexiva de intérpretes Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, apresenta alguns apontamentos teóricos e práticos para a formação de intérpretes. Ela reflete sobre o papel da pesquisa científica no processo de formação, demonstrando que a pesquisa como práxis pedagógica contribui significativamente para a formação de um intérprete crítico-reflexivo. Para ela, é essencial que o intérprete possa, durante sua formação, pesquisar, visto que a pesquisa, na formação do intérprete, possibilita que ele compreenda a importância da produção de conhecimento coletivo e interdisciplinar, assim como as possibilidades de intervenção na prática social, por meio da pesquisa.

As propostas, as tramas, as perspectivas e os achados apresentados no decorrer dos textos expressam a valorização da surdez como diferença, como um fenômeno cultural que exige um reconhecimento político real, o qual deve se consolidar em políticas educacionais e linguísticas que, de

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fato, considerem a língua de sinais e o lugar do visual na recepção de informações por parte dos surdos, garantindo o contato das crianças surdas com outros surdos (adultos e crianças) e favorecendo, cada vez mais, a participação consciente dos surdos, na construção de sua educação: a Educação de Surdos. Educação esta que deve necessariamente desencadear um consistente processo de construção da cidadania dos surdos, por meio de sua participação efetiva na sociedade, na constituição de seu processo educacional e no estabelecimento de políticas linguísticas que confiram à Língua de Sinais seu devido status e lugar na sociedade, dando vez e voz aos surdos.

Carlos Henrique Rodrigues

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EIxO tEmátICO

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bILINGUALISm IN DEAF pEOpLE: ChILDREN AND ADULtS

Robert J. Hoffmeister, PhD2

If you talk to a man in a language he understands, that goes to his head. If you talk to him in his language, that goes to his heart.

Nelson Mandela

AbstractThe purpose of this paper is to discuss Deaf people as bilingual and look at the question, what does it mean to be a Deaf person and be bilingual? Support will be provided to show how Deaf people are bilingual and how their environment dictates whether they are able to function normally or if they are ‘unable to communicate’ and therefore isolated. Therefore, this paper provides evidence that it is becoming more and more clear that ‘knowing’ a signed language as an L1 is a critical factor in learning an L2. Deaf children must be recognized and treated as bilingual children. Even though there is a modality difference between a Signed Language and the printed form of a

1 Associate Professor of Education, Department of Literacy, Language, Counseling and Development, Boston University School of Education and Director, Center for the Study of Communication & Deafness. Ph.D., University of Minnesota (Research Development and Demonstration Center in Education of Handicapped Children) Emphasis on Psychology, Language and the Deaf, M. Ed., University of Arizona Emphasis on Education of the Deaf, B. S., University of Connecticut (Magna Cum Laude), Emphasis on Mental Retardation, Psychology and Language.

Robert J. Hoffmeister, Ph.D. Center for the Study of Communication and the Deaf. Boston University. 605 Commonwealth Avenue Boston, MA 02215 (617) 353-3205/5191 (V/TTY) FAX: (617) 353 3292. Mail to 621 Commonwealth Ave, Ctr for Study of Communication & and the Deaf, Boston, MA 02215 Email: [email protected]

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Robert Hoffmeister spoken language, the acqusition of a language process is the same as it is for hearing children. Furthermore, the printed form is in a modality that is visual and can be accessed by the Deaf child. This provides the Deaf child with an accessible model to learn a 2nd language.Keywords: Deaf. Bilingual. Sign Language. Deaf Child.

pURpOSE OF thIS pApER

There are many views of Deaf2 people, however, these views can be divided into two major categories; pathologi cal and cultural. The pathological or medical perspective views and treats Deaf people as a group with an impairment that is in need of physical or surgical correction (for example, cochlear implants or hearing aids). An alternative view sees Deaf people as a linguistic minority rather than identified as having a physical disability. The cultural view places Deaf people in the bilingual category (LANE, HOFFMEISTER, & BAHAN, 1996). Bilingual people are those who use at least two languages in their everyday lives. Deaf people use both sign language and English. The purpose of this paper is to discuss Deaf people as bilingual and look at the question, what does it mean to be a Deaf person and be bilingual? Support will be provided to show how Deaf people are bilingual and how their environment dictates whether they are able to function normally or if they are ‘unable to communicate’ and therefore isolated.

DEAF ChILDREN AND DEAF ADULtS: ‘SEEING’ pEOpLE

If you identify yourself as culturally Deaf and you use ASL, you are considered a core member of the Deaf

2 I use the capital “D” for Deaf not to distinguish those who are referred to as small ‘d’ deaf. My use of Deaf refers to all people who consider themselves Deaf and not Hard of Hearing. This designation does not depend on hearing loss but on cultural identity.

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Bilingualism in Deaf People: children and adults

World. The Deaf World, Deaf Community and Deaf culture are defined within a unique framework. If we are to truly understand the Deaf World and the notion of ‘bilingual’ that is affiliated with it, we need to look at it from the Deaf perspective. We need to understand how Deaf adults live, how they cherish their community, how they see their bilingual abilities and how they truly understand the best ways to educate Deaf children from their own perspectives. If we examine Deaf people from their perspective, we find that Deaf Culture is based on a Seeing Culture (HOFFMEISTER & BAHAN, 1991; BAHAN, 2008).

This view will help us see things quite differently (pun intended). In understanding the term Seeing culture we can begin to understand how Deaf people function in their every day lives and how their views on the education of Deaf children are intimately related. For Deaf people, Seeing is a positive attribute. SEEING or visual access is a position of strength from which we are able to build a theory of functioning and/or a cultural description. Using this frame of reference will help explain many things, especially how Deaf people are bilingual.

An intriguing and complex issue in the Deaf World involves who is and who is not considered “Deaf”. This status is not attributed to hearing loss or audiological information per se. Instead, persons with any level of hearing loss who learn a signed language and identify with the Deaf World are considered “Deaf ”. In fact the idea for someone to ‘become Deaf ’ in Deaf culture is not to lose one’s hearing but to learn and use a signed language and identify as a member of the Deaf World (LANE, HOFFMEISTER, & BAHAN, 1996). The Deaf perspective of SEEING is based on the concept of sameness. All Deaf3 people take advantage of vision as a way to access the world. A person who is Deaf and a member of the culture depends on the SEEING way

3 There is a subgroup of Deaf people who are Deaf/Blind. Although this group may not see, they takes advantage of the Signed Languages physical delivery and use a tactile method of receiving information

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Robert Hoffmeister of life. It is logical to understand that the Signed Language of Deaf people is based on vision/SEEING.

A ‘Seeing” Language is fully accessible to all Deaf adults and children. Througout history it is clear to see that Signed Language as a visual language has been used by Deaf people since the beginning of time. All signed languages evolved based on visual processing principles similar to auditory processing principles for spoken lan-guages (EMMOREY, 2002; BRANSON & MILLER, 2002; ARMSTRONG, 2008).

Veditz, the president of the NAD in 1910, was the first to call Deaf people “The people of the eye”. A scientific fact is that Signed Languages are natural languages adap ted and evolved for use by the eye (VL2 Research Brief, May 2011). Deaf people have evolved as a visual culture and as a result are visually sensitive to the behavior of others (BAHAN, 2008).

A SEEING culture looks at Deaf children and Deaf Adults from a bilingual perspective. A signed language is a visual form of language as it utilizes the hands, face and body. Print is a visual form of a spoken language. Print is a visual representation of the language spoken by Hearing people. Because a signed language and a representation in print of a spoken language are visual forms both languages are fully accessible to Deaf children and adults.

Using this frame of reference, many issues can be explained and more readily understood in terms of the Deaf World.

thE StANDARD DEFINItION OF bEING BILINGUAL

Grosjean (1994) challenges the general definition of what it means to be bilingual. Traditionally, a bilingual person is one who has command of two languages, a native language and a non native language. This definition is far too narrow because the idea of ‘command’ suggests native fluency and most bilinguals are not really fluent in their 2nd language. “... we will call bilingual those people who use two

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Bilingualism in Deaf People: children and adults

(or more) languages (or dialects) in their everyday lives” (GROSJEAN, 1994, p. 3). This suggests that a bilingual is able to use two languages but may only have full command of their L1. The range of ‘command’ of the L2 may vary from occasional use to extensive use.

... from the migrant worker who speaks with some diffi-culty the host country’s language (and who cannot read and write it) all the way to the professional interpreter who is totally fluent in two languages. In between we find the foreign spouse who interacts with friends in his first language, the scientist who reads and writes articles in a second language (but who rarely speaks it), the member of a linguistic minority who uses the minority language at home only and the majority language in all other domains of life, the deaf person who uses sign language with her friends but a signed form of the spoken language with a hearing person, etc (GROSJEAN, 1994, p. 1).

This definition of bilingual will aid us in understanding how Deaf children and adults are considered bilingual in the framework of this paper. Deaf children whose hearing loss prevents them from acquiring spoken English due to limited acoustic access (this covers a significant portion of Deaf children in any educational placement from mainstream to residential school) will be able to access the function and use of English via print. The use of print as the L2 for Deaf children/adults is more clearly defined in HOFFMEISTER, CALDWELL-HARRIS, & KUNTZE, (2011). Combining both the cultural and functionality view of bilingualism provides us with the fact that Deaf people are SEEING people and they regard print as the representation of the spoken language of a community. This would be determined to be the L2 of Deaf people. Because print is fully accessible this would provide a mechanism for the acquisition of English (the L2 in the US) or any other L2 represented by the printed form (Portuguese in this paper). Understanding this as the basis for how a ‘bilingual’ Deaf child should learn, we now turn to educational issues.

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Robert Hoffmeister ImpACt oF bEING BILINGUAL

Implementing a bilingual framework for Deaf chil-dren in schools today requires that we draw on ideas from bilingual theories. I believe that the Cummins (1984, 1994) and Pattison (1980) models are the most appropriate for understanding bilingualism in Deaf children and adults. These two researchers present the idea that there are two forms of a language, the conversational form used for everyday communication, and the academic form used for instruction (PATTISON, 1980; CUMMINS, 1984, 1994).

The use of a Bilingual/Bicultural model to educate Deaf children is gaining prominence as a major instructional and curriculum framework in some educational settings. Below we examine some of the core issues in bilingual edu-cation that are pertinent to the education of Deaf children.

Pattison (1980) discussed the difference between the language of home/street and the language of school and its impact on literacy in children. Ironically, his concept of the division of language knowledge was applied to monolingual, not bilingual, speakers. It is clear that these concepts are applicable to how we see language use in schools. He divi-des the language register we use into two major descriptive components: the language register that we use in everyday conversation and the language register that is used in school. These are quite different from each other. This distinction is not an explicit part of the curriculum but a major component of the hidden curriculum that guides the structure of how information is delivered to students (GIROUX, 1983a; GIROUX, 1983b, GIROUX & PURPEL, 1983). Students who do well in school (typically the white, middle, upper middle class in the US) figure out this register difference. Less adept students take longer and some never figure out the instructional requirements that are part of the register. Pattison’s views also lend credence to why bilingual speakers have more difficulty in schools in the US or anywhere where the L2 is used as the primary language of instruction. Using

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Bilingualism in Deaf People: children and adults

Pattison’s views, bilingual students must learn 4 language registers and how and when to use each (the conversational registers of L1 and L2, and the academic registers of L1 and L2).

Schooling in the US (and most programs educating Deaf children in the world) generally delivers educational information monolingually, using the dominant language of the community (the spoken language). Bilingual Deaf students are educated in their second language (in written form) at school, rather than their primary signed language. While this is traditional, it is not effective for many Deaf students and has not been found to be greatly productive for Deaf bilingual students in the US.

ImpACt OF bEING bILINGUAL AND DEAF

ReseaRching the deaf child as a Bilingual child

Once we recognize the complexity of the signed lan-guages of the world, we can then move on to describe what is necessary for development and education. Given the above prologue to Deaf children, we connect all the pieces by defining Deaf children who are SEEING children as bilingual children. This suggests that the primary language for Deaf children is a signed language (ASL in the US) and the printed representation of the spoken language is the L2 (English in the US, Portuguese in Brazil). Considering Deaf children and Deaf adults as this type of bilingual allows us to understand how learning of the L2 can be influenced by the strength of knowledge of the L1. Presenting the learning by the Deaf child in this way impacts the discussion around instruction and the learning of an L2.

In many programs, teachers and other school staff communicate simutaneously using both a variation of a signed language and speech. This is commonly referred to as Total Communication and/or simultaneous communica-tion. This places Deaf students in a severely compromised

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Robert Hoffmeister language learning situation, as they are expected to learn the spoken language via Sign Language, without having first acquired fluency in either language. Hearing bilingual students typically learn the first language from native speaking models, and the second language from fluent models (not all may be native). Deaf children are faced with the task of decoding the signed presentation (which has components of both a signed language and a spoken language), and the spoken language (which can only be partially lipread or heard). The Deaf child is left to figure out what should be salient in the simultaneous presentation, what is duplicated, what rules go with the signed portion and what rules go with the spoken portion. It is therefore not surprising that Deaf children struggle in school and fall significantly behind their hearing peers.

If the model for bilingual Deaf children mandates they learn a signed Language as their L1 and the printed form of the spoken language of their community/country as their L2, we are faced with three questions:

A) How Do Deaf children learn a signed language?B) How Do Deaf children learn a spoken language?C) How Do Deaf children learn to read?

We are faced with the scientific dilemma of how to explain how these three components of language learning relate to each other. I believe that for Deaf children the issue of learning a spoken language-L2, (B) is directly related to (C) learning how to read and that learning a Signed Language-L1, (A) is directly related to both (B) and (C) in a bilingual framework (for a more in depth discusion of this model of learning in the Deaf child the reader is referred to HOFFMEISTER, CALDWELL HARRIS, & KUNTZE, 2011).

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Bilingualism in Deaf People: children and adults

SIGNED LANGUAGE RESEARCh IN EDUCAtION

Given what we know about language acquisition and bilingual education, Deaf children should be viewed as natural bilinguals; however, they are generally not viewed as such in the research literature. Statistics, such as the majority of deaf children having hearing parents, and the emphasis on using English (or the spoken language of a country) as the primary and preferred language of instruction, have resulted in unusual and ineffective educational practices. For example, the majority of educational and language learning approaches use some artifically created form of signing (these forms fall under the generic term Manually Coded English-MCE) (HOFFMEISTER, 1996; NOVER, 2000). As a result those who lead the education of Deaf children have avoided valid and scientific studies of how Deaf children learn a natural Signed Language and its impact on achievement in school. In fact, some researchers are even setting up a false discussion suggesting that a signed language cannot be related to learning how to read (in our model, learning the L2) because of the modality differences in ‘signed and spoken languages’ (MAYER & WELLS, 1996).

In the previous 50 years, many educators (including researchers) of language learning in Deaf children have focused on two approaches to examining language learning:

1. how Deaf children learn English using the spoken language of the Hearing world

2. how Deaf children learn to read using the ‘spoken language’ of the Hearing world (see Wang, Trezek, Luckner, & Paul, 2008 and Allen, Clark, del Guidice, & Koo, 2009 for a recent discussion).

When the idea of using a natural Signed Language is involved, educators have avoided the natural Signed Language of the Deaf community and have forced ‘signing’ to follow the spoken language of the Hearing community.

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Robert Hoffmeister Even when looking at Signed Language learning in school related research, it is through a spoken language lens. Within the education community there is very little discussion of how an L1 is learned and how it might impact the learning of an L2 in Deaf children. Essentially this approach is a denial that a) Deaf children are bilingual learners and b) that bilingual approaches to learning are viable for Deaf children and c) the natural Signed Language of the Deaf community is a viable approach to learning.

My belief is that because the L1 or spoken language of the majority of the Hearing educators is easily accessible to them, research and practice have accommodated the ease of accessibility for the Hearing adults and not for the Deaf children in their care. Bob Johnson aptly describes the situation as:

The phenomenon I have noticed with great regularity in discussions of deaf education is this: virtually any time that we talk about deaf children acquiring a spoken language (English in the United States) we notice sets of social constructions and cultural practices which stand in contradiction to what we can observe through rational or logical means. And, more importantly, these constructions survive and thrive in spite of the contra-diction (JOHNSON, 1998).

LANGUAGE RESEARCh ON DEAF ChILDREN

There are a large number of research studies over the previous 50 years comparing DCDP and DCHP in academic achievement. This research has included over 2700 Deaf children with over 675 Deaf children of Deaf parents (see Table 1). In every study DCDP significantly outperform DCHP in academic achievement, especially in the area of reading. As a field we have been unwilling to examine these studies and contemplate the reasons behind this significant difference. I would propose that the main difference in academic achievement is signified by the ‘knowledge’ level of language in DCDP especially when compared to the

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language level in DCHP of the same age. Educators and educational researchers do not want to further examine what specific advantages DCDP have. It is ironic that DCDP do so well since their Deaf parents, on average, have a lower SES, less education, and less skills in finding resources to support the reading process than their hearing counterparts. Educators of the Deaf seem to be seeking answers to the question of learning in school but are unwilling to examine some of the deeper issues in DCDP and the advantages they bring totheir educational settings.

Recently, there has been some research on the rela-tionship of ASL (L1) knowledge and fluency to the levels of reading ability in Deaf children. I remind the reader that ‘reading ability’ signifies for us the L2 in Deaf children. Table 2 shows that in 17 studies with over 1200 Deaf children and with a subset of 349 DCDP, there is a significant relationship to reading ability in Deaf children. Although approximately 29% of the sample are DCDP, this result also demonstrates that a large number of DCHP who have high level (fluent) ASL skills also demonstrate the relationship with reading scores. This strongly suggests that early fluency in a Signed Language significantly affects learning in school. It is most interesting that one study listed above (Daniels, 2004) looked at Signed Language Learning in Hearing childen of Hearing Parents and found a decided advantage in reading placement in those children who learned to use a signed language. In a study of gestures in Hearing mothers with Hearing children and with Deaf children, the researchers found that there was a decided advantage in communi-cation skills in the children whose parents used gestures and non verbal means of communication (Manfredi and Fruggeri, 1978).

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Robert Hoffmeister With these factors in mind, I provide my top 10 reasons why Deaf children of Deaf parents do better.

They arrive at school:1. with an intact language2. with solid conversational skills3. more fluent in their L1 than their teachers4. with an idea of what academic language is all about5. recognizing that there is an L1 and an L26. knowing they are supposed to learn a second

language7. knowing that access to the second language will

be through print8. knowing that print is a form of communication

as they see their parents using pagers, TTY’s, computers, etc. for interaction

9. knowing that there are Deaf and Hearing people in the world

10. knowing they will still be Deaf as adults (HOFFMEISTER, 2005).

I submit that these reasons heavily impact Deaf children’s success in school. These reasons also parallel si-milar skills in Hearing children. Most hearing children enter school with conversational skills and beginning literacy skill; those who do well are comfortable with books and understand the function of printed language (PEARSON & FIELDING, 1991: STANOVICH, 2000.). DCDP also possess highly developed linguistic skills, including pragmatic fluency. Deaf Children of Hearing Parents generally have great difficulty in school. It is often quoted that there is a 4th grade level of reading achieve ment for the average Deaf child; this is due to educational barriers rather than any cognitive or linguistic limitations. If we address the basic reasons behind these difficulties, we can alter the en-vironment to support early Signed Langua ge acquisition in DCHP. In addition, we must upgrade the Signed Language

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skills of all teachers of Deaf children, since they become critical language models for their Deaf students.

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There is research that suggests that there is a critical period that affects learning in Deaf children (MAYBERRY, 2007; MAYBERRY, CHEN, WITCHER, & KLEIN, 2011). The critical period issue calls into question how we provide ‘language’ input through Hearing language models. It is here that the range of variation in input becomes paramount.

In a series of studies examining knowledge of ASL and English in DCDP, early learners of ASL, and late learners of ASL (acquired at 10 + years) found that Deaf adults who are exposed to a signed language after age 104 do not have a fully internalized language, and are not fluent in either L1 (ASL) or L2 (English). Deaf adults with Hearing parents who learned to sign between 3 and 8 years of age were considered early language learners regardless of linguistic skills (MAYBERRY, DEL GIUDICE, & LIEBERMAN, 2011; MAYBERRY & LOCK 2003). These results have serious implications in making decisions about language input in the early years.

FACtORS AFFECtING hEARING pARENtS

The research on critical period demonstrates that a crucial variable for success in school is related to when Deaf children are exposed to a signed language. If they are not exposed to a Signed Language very early in their development it not only affects their learning of the language but has a huge impact on their learning of content matter in schools (as demonstrated by the achievement research discussed above). The impact of becoming fully fluent in a

4 Also see Newport & associates.

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Robert Hoffmeister language before school begins in order to conquer school subject matter cannot be stressed enough. We must begin to recognize that exposure to natural Signed Languages must become part of the educational structure for Deaf children. We need to reexamine our thinking regarding the onset of exposure to a signed language in Hearing parents/models. These findings raise questions about how educators make decisions and conduct the business of being both language models for the Deaf child and being responsible for teaching content to the Deaf child. Educators are put in the role of being both teacher and language model. Since most educators are Hearing, the language model chosen for instruction will be the spoken language. Even if signing is added as in the sim-com models of today, the basic thrust for instruction is to use the spoken language as the preferred language.

Hearing parents should be the main language models for their children. However, in the case of the Deaf child, Hearing parents are at a disadvantage. Hearing parents are expected to simultaneously learn a signed language and be a model for their child while the child is also acquiring a sign language. Deaf children are expected to learn sign language from their Hearing parents. These two statements create a dilemma for educators of the Deaf. That is Hearing parents are learning the language of their child over the same time period as the Deaf child is acquiring their language. No other FIRST language in the world is learned this way. In addition the use of a signed spoken language (MCE) has not been theoretically supported (JOHNSON, 1998). We have established a set of beliefs that we believe to be true but have avoided researching their efficacy: Hearing educators believe that adapting the Signed Language of a country for Hearing users, as in the case of the artificial ‘signed systems’, can be useful as a language model for Deaf children. Parents who are most vulnerable fall to these beliefs. Parents, Hearing or Deaf are most critical to the acquisition of language in the Deaf child and the process must begin when they are very young (hopefully at time of identification). This is

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possible now that early hearing detection is becoming more and more available.

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A major factor that has not been researched and contributes to language learning and ultimately to success in schools is that the Deaf child (in most cases) will quickly surpass their Hearing parents’ skill and knowledge in a natural Signed Language. It does not matter whether Hearing parents are learning an MCE system or a natural Signed Language (HOFFMEISTER, 1996). It is essential to consider that parents are learning either the MCE system or the Signed Language at the same time as their child. In addition, many Deaf children in their early schooling may well surpass the level of signed language fluency and knowledge of their Hearing teachers.

How does this model of language learning impact the Deaf child’s knowledge of a signed language and learning in school? We know by observation and statements that Hearing professionals in schools and medical clinics will accept any kind of ‘signing’ by young Deaf children as correct, if they understand what the child is trying to say. We have no information as to the sophistication and fluency level of the average teacher of the Deaf. We do know that many times Hearing teachers will ask their students what the sign for X is. We do not know how sophisticated and fluent the signed language of the Deaf student really is! Once the Deaf child surpasses their language models we enter into a phase that creates a problem with both the conversational (BICS) and the academic (CALP) nature of the language presented to the Deaf child. We have some insight into the academic language knowledge of the Deaf child since there has been very little change in the academic achievement levels of Deaf children over the past 40 years.

There are some significant questions still remaining. The Language Bio-program Hypothesis put forth in

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Robert Hoffmeister the 1980’s (BICKERTON, 1981) raises some important questions. For example, how much variation in the input significantly affects the output? How much affects learning and or acquiring an L2? How impoverished can the adult model be and still be effective for the Deaf child to learn (a Signed Language)? This is another way of asking how badly can hearing teachers use of a Signed Language be and still be effective for the Deaf child? How distorted can the speech input be and still be effective for the Deaf child? To date we have looked at the issues of impoverishment around speech input but avoided examining the signed language input. We need to answer these very important questions raised by Bickerton’s (1981) Language bio-program hypothesis.

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One possible remedy to the variation in input is to modify the environment so that the Signed Language used by native signers is applied to the education system. Schools could hire Signed Language fluent Deaf adults to work with teachers in the classrooms and parents at home. Deaf adults fluent in Signed Language can function as models for young Deaf children and for Hearing parents. Deaf adults can be a significant resource as language models for both Deaf children and Hearing parents. This model of schooling for Deaf children has not received the attention it deserves. We have attempted to do this in our ASL Models Program.

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As part of our research and consultation with schools we have implemented what we refer to as the ASL Models Program (HOFFMEISTER, GREENWALD, CZUBEK, & DIPERRI, 2003; HOFFMEISTER, GREENWALD, & CZUBEK, 2010), Deaf adults from the community who are fluent in Signed Language are trained to work with Hearing teachers in the classroom as co-teachers,

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and language facilitators. They function as both direct teaching models for Deaf children and as support for Hearing teachers. We have found this to have a significant impact on Signed Language fluency for Deaf students and their Hearing teachers. In addition, there was also an impact on academic achievment on the Deaf students. The Hearing teachers working with an ASL model are afforded the opportunity to see how concepts are signed and to see the signed vocabulary used in the presentation of content. We found that there was less pressure on the Hearing teacher to know how to present information in an appropriate and accurate signing register which enables them to concentrate on the task at hand teaching! Teachers commented that they could teach and not have to worry about language use and accessibility. Reducing this burden freed up the teachers to increase the level of information complexity in their daily lessons. Furthermore, teachers found themselves increasing the pace of teaching which resulted in presenting more content. The Hearing tea-chers actually improved in their signing and significantly raised their expectations of Deaf children, and increased the amount of information presented (HOFFMEISTER, CZUBEK, & GREENWALD, 2007).

Deaf adults (ASL models) also worked with Hearing parents in their homes on a regular basis. Hearing parents reported that they feel more comfortable with their Deaf child and less worried about the future after working with the ASL Models. In addition, Hearing parents report they have improved in their fluency because they have acquired the language in a comfortable and natural setting from a fluent model (HOFFMEISTER & SHETTLE, 1982).

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The information above provides evidence that it is becoming more and more clear that ‘knowing’ a signed language as an L1 is a critical factor in learning an L2. Deaf children must be recognized and treated as bilingual

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Robert Hoffmeister children. Even though there is a modality difference between a Signed Language and the printed form of a spoken language, the acqusition of a language process is the same as it is for hearing children. The printed form is in a modality that is visual and can be accessed by the Deaf child. This provides the Deaf child with an accessible model to learn a 2nd language. If visual accessiblity is fully implemented then what follows is that if conversational language levels and academic language knowledge are important for success in schools for hearing students, as presented by Cummins (1979; 2005) and Pattison (1980), it should also be true for Deaf children.

There are a number of research questions still unans-wered. My intention in writing this article was to begin to offer some solutions and also raise some questions that need to be researched and answered. We must look at Signed Languages as legitimate languages of instruction. Until we treat Signed Languages with the same respect we afford spoken languages in schools and programs serving Deaf children we will not solve the dismal achievement levels that current schools provide for Deaf children.

There are viable solutions to improving the sad state of Deaf education if we are willing to establish EQUAL partnerships with the Deaf adults of the community. In-cluding native linguistic and cultural models in classrooms we can increase language and educational successes in our Deaf children. After all, when we are faced with any dilemma, don’t we go immediately to the experts? In Deaf education, our experts are often the Deaf adults who have gone through and thrived in a system that is often failing our Deaf children. We need their input, their linguistic expertise and their innate understanding of how Deaf children best learn.

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Bilingualism in Deaf People: children and adults

O bILINGUISmO Em pESSOAS SURDAS: CRIANÇAS E ADULtOS

ResumoO objetivo deste artigo é discutir os Surdos como bilíngues e examinar a seguinte questão: o que significa ser Surdo e ser bilíngue? Fundamentos serão fornecidos para demonstrar o quão os Surdos são bilíngues e o quanto seu ambiente determina se eles serão hábeis para viverem naturalmente ou se serão “incapazes de se comunicar” e, portanto, isolados. Assim, este trabalho fornece evidências, que se tornam cada vez mais claras, de que ‘saber’ uma língua de sinais como uma L1 é um fator crítico para a aprendizagem de uma L2. As crianças surdas devem ser reconhecidas e tratadas como crianças bilíngües. Mesmo que haja uma diferença de modalidade entre uma Língua de Sinais e a forma escrita de uma língua oral, o processo de aquisição de linguagem é o mesmo das crianças ouvintes. Além disso, a forma escrita está em uma modalidade que é visual e que pode ser acessada pela criança surda. Isso proporciona a criança surda um modelo acessível para o aprendizado de uma segunda língua.Palavras-chave: Surdo. Bilíngue. Língua de Sinais. Criança surda.

Data de recebimento: junho 2013 Data de aceite: setembro 2013

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A REALIDADE plurimultilíngue bRASILEIRA: LÍNGUA DE SINAIS E pOLÍtICAS LINGUÍStICAS

Carlos Henrique Rodrigues*

ResumoConsiderando a diversidade e a multiplicidades das re-lações linguísticas e culturais no Brasil, refletimos sobre as tensões e as contradições que caracterizam nossa rea-lidade plurimultilíngue. Após uma breve apresentação de aspectos relacionados à formação do povo brasileiro e à busca pela construção de uma nação unificada linguística e culturalmente, problematizamos fatores relacionados à visão do Brasil como monolíngue e apontamos suas implicações sociais, políticas e ideológicas. Com isso, trazemos para o debate o campo das políticas linguísticas, com destaque para aquelas voltadas aos surdos, mais especificamente para o Decreto 5.626/2005. Por meio do Movimento Surdo Contemporâneo, temos a denúncia da exclusão social e educacional vivenciada por minorias e por grupos desprestigiados por sua diferença linguística e cultural; a promoção de um novo espaço de negociações políticas em torno da língua de sinais e, por sua vez, o incentivo à construção da consciência de nossa realidade plurimultilíngue.Palavras-chave: Libras. Decreto 5.626. Política linguística. Plurimultilíngue.

* Doutor em Linguística Aplicada pela UFMG. E-mail [email protected] Contato telefônico 32 2102-3667/ 91369247 Endereço Rua Francisco Vaz de Magalhães, 790, apto 302, Cascatinha, Juiz de Fora, Minas Gerais. CEP: 36.033-340.

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INtRODUÇÃO

Os territórios das relações linguísticas e culturais no Brasil são múltiplos e multifacetados e se caracterizam como espaços de lutas, de tensões e de contradições nem sempre óbvias ou manifestas. Entretanto, não são as línguas que estão em embate, mas, sim, questões sociais, culturais, ideológicas, políticas e étnicas atreladas a elas. Na maioria dos casos, os falantes de diversas línguas minoritárias opõem-se à colonização e à dominação linguísticas que vêm sendo historicamente sustentadas e socialmente mantidas pelos governos. Desde a chegada dos portugueses ao Brasil, vemos um processo de transformação cultural e linguística que abarca estratégias de contato, mecanismos de dominação e táticas de enfrentamento que, pouco a pouco, alteram as configurações da colônia, a ressignificam e a reconstroem.

Diversas crenças, mitos e preconceitos, que permeiam o imaginário social e as representações ideológicas sobre as línguas, são responsáveis por nossas ações e reações em relação ao que definimos como sendo nossas línguas e línguas dos outros. Vemos, portanto, que as maneiras como as línguas circulam socialmente estão diretamente vinculadas à posição que ocupam e ao tratamento que recebem, visto que “o estabelecimento de regras para a efetiva utilização de uma língua ou para o silenciamento de outra organiza simultaneamente os espaços institucionais por onde as línguas circulam e o modo como elas circulam” (MARIANI, 2004, p. 44). Assim, o campo das políticas linguísticas é um território de enfretamento político e de tencionamento das relações de poder.

As conquistas logradas nesse campo trazem novas questões e ressignificam antigos debates que, cada vez mais, evidenciam a necessidade e a urgência de refletirmos e de repensarmos as relações que estabelecemos com as diversas línguas faladas em nosso país. Para Calvet (2007, p. 157), “[...] as políticas linguísticas existem para nos recordar, em caso de dúvida, os laços estreitos entre línguas e socieda-des”. Portanto, é importante que tenhamos consciência da

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realidade plurimultilíngue e plurimulticultural1 de nosso país e da relevância de reconhecermos, de respeitarmos e de valorizarmos a diversidade que nos constitui como nação brasileira.

FALAR pORtUGUêS E SER bRASILEIRO: FUSõES E CONFUSõES

A formação do povo brasileiro caracteriza-se por al-gumas matrizes distintas (portugueses, negros, índios), as quais, pouco a pouco, vão confluindo e dando forma ao que passa a ser reconhecido como um novo povo: conformado e, ao mesmo tempo, singular em relação às suas origens (RIBEIRO, 1995). Entretanto, é importante lembrar que essas matrizes não são uniformes ou homogêneas, visto que eram vários os grupos nativos e que, também, são de diversas origens os afrodescendentes trazidos para a colônia portuguesa e os imigrantes que passam a viver aqui. Com tal diversidade, emergem diferentes políticas de padronização, de homogeneização e de normatização acompanhadas pela manutenção, pela resistência e, também, pela defesa e afirmação das diferenças.

Vemos que a constituição do povo brasileiro é mar-cada por diversas tensões e embates políticos, culturais, linguísticos, religiosos e ideológicos, por exemplo, que trazem à tona a diversidade linguística e cultural presentes nas terras dos Brasis2. Esse campo de enfretamento é esta-belecido com o olhar do colonizador sobre as diferenças linguísticas e culturais encontradas, as quais passam a ser tratadas por meio de ações diversas que visam minimizar,

1 O emprego dos afixos latinos “pluri” e “multi”, justapostos em uma mesma palavra, tem a finalidade de enfatizar a diversidade brasileira, evocando as muitas, várias, múltiplas e plurais realidades entrelaçadas, dinâmicas e sobrepostas de nosso cotidiano, as quais se articulam e integram mutuamente, a despeito de singularidades linguísticas e culturais. Além disso, o nosso “multi” é, em si mesmo, “pluri” e o nosso “pluri” incorpora o “multi”.

2 Uso o plural “Brasis” para marcar o fato de que são vários os olhares sobre o novo mundo que se apresenta das mais variadas formas e pelos mais diversos vieses teóricos, políticos, ideológicos. Enfim, somos muitos e diferentes.

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ou eliminar, os problemas de comunicação e de relação com os nativos. Desde então, processos de uniformização e de domesticação da diversidade linguística e cultural começam a ganhar espaço e a estabelecer mecanismos de controle dos usos e das práticas linguísticas no território brasileiro.

Nessa gênese brasileira, temos a formação de uma visão homogeneizadora, no sentido de que o Brasil vai, de certa forma, sendo concebido e almejado enquanto uma nação unificada: um intenso processo de nacionalização. Assim, é possível observar tentativas políticas, ideológicas e discursivas de destacar a unidade brasileira em detrimento da diversidade que a caracteriza e que a constitui, ou seja, observamos diversas ações confundindo unidade com uniformização, com silenciamento e com apagamento das diferenças, pois “para a metrópole portuguesa, o exercício de uma política unitária de imposição da língua representava a possibilidade de domesticação e absorção das diferenças de povos e culturas indígenas que se encontravam fora dos parâmetros do que se entendia como civilização na época” (MARIANI, 2003, p. 76).

Portanto, diante da grande diversidade linguística dos nativos, buscou-se uma unificação, tanto pela imposição do português quanto da língua geral/brasílica. Nesse sentido, estabeleceram-se ações diversas com vistas ao “alcance” das comunidades indígenas. Assim, a incorporação e o uso de uma língua nativa representa uma tática colonizadora que visa diluir e suprimir a diversidade linguística de forma impositiva, visto que “práticas enunciativas em ambiente multilíngue passam a ser reguladas pela língua geral, língua que rouba o espaço enunciativo das outras línguas indígenas” (HONÓRIO, 2000, p. 122). Segundo Orlandi,

“Os portugueses descobriram o Brasil”. Daí se infere que nossos antepassados são os portugueses e o Brasil era apenas uma extensão de terra. “Havia” selvagens arredios que faziam parte da terra e que, “descobertos”, foram objeto da catequese. São, desde o começo, o alvo de um apagamento, não constituem nada em si. Esse é o seu estatuto histórico “transparente”: não constam. Há uma ruptura histórica

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pela qual se passa do índio para o brasileiro através de um “salto” (2008, p. 66).

Esse apagamento de feições da origem brasileira con-tribui significativamente para que, no senso comum, circule, atualmente de maneira espontânea, a pseudoequiparação entre o fato de ser brasileiro e o de se falar português, por exemplo. Esses dois aspectos distintos e não necessaria-men te relacionados são, por diversas vezes, justapostos e reduzidos a uma relação necessária de igualdade: ser brasileiro é falar português. Entretanto, precisamos con-siderar que nos limites geográficos do país, desde os pri-meiros olhares europeus,encontramos uma diversidade significativa de comunidades linguísticas e culturais, as quais falam outras línguas que não o português. Conforme Oliveira (2009, p. 20),

no Brasil de hoje são falados por volta de 215 idiomas. Asnações indígenas do país falam cerca de 180 línguas (chamadas de autóctones), e as comunidades de descendentes de imigrantes outras 30 línguas (chamadas de línguas alóctones). Some-se a estas ainda as línguas de sinais, com destaque para LIBRAS, língua brasileira de sinais, e para línguas afro-brasileiras ainda usadas nos quase mil quilombos oficialmente reconhecidos no Brasil.

Historicamente, observamos que a dinâmica assumi-da pelas perspectivas políticas brasileiras encarregou-se por produzir e por inculcar socialmente a infundada ideia de que, no Brasil, fala-se unicamente o português e um “único português”. Essa concepção foi valorizada em detrimento de todas as demais línguas também brasileiras. Para termos ideia da potência de tal glotocídio, estima-se que cerca de 1200 diferentes línguas eram faladas pelos nativos brasileiros, nos tempos em que aqui chegaram os portugueses (RODRIGUES, 2005). Portanto, o Brasil é essencialmente um país plurimultilíngue e, por conseguinte, plurimulticultural. Entretanto, ressalta Rodrigues (2005, p. 36) que

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a redução de 1200 para 180 línguas indígenas nos últimos 500 anos foi o efeito de um processo colonizador extrema-mente violento e continuado, o qual ainda perdura, não tendo sido interrompido nem com a independência política do país no início do século XIX, nem com a instauração do regime republicano no final desse mesmo século, nem ainda com a promulgação da “Constituição Cidadã” de 1988.

Durante a construção da nação brasileira, o governo incumbiu-se de reduzir o número de línguas faladas em seu território, substituindo-as, gradativamente, pelo português. Esse processo de negação da diversidade linguística conduz, necessariamente, ao glotocídio e à invisibilização de línguas que, por diversos motivos, são socialmente rejeitadas ou preteridas (HAMEL, 1988).“No caso da colonização lin-guística brasileira, tanto a metrópole portuguesa quanto a Igreja Católica vão formular ações político-administrativo-pedagógicas objetivando uma estabilidade linguística ima-ginária: uma só língua, uma só nação, uma só produção de sentidos” (MARIANI, 2003, p. 78).

É possível, inclusive, observar uma série de políticas linguísticas, de caráter homogeneizador, que preconizaram o estabelecimento do português como língua nacional em detrimento das demais: o Diretório dos Índios (1758)3 e as ações de nacionalização do Governo Vargas (1937-1945), são exemplos dessas políticas autoritárias e repressoras com vistas ao deslocamento linguístico. Mariani (2003, p. 76)relata-nos o objetivo monolíngue, presente desde a cons-tituição do Brasil; segundo ela,

é importante lembrar que essa língua brasílica foi a língua eleita como geral pelos jesuítas e, apesar da diversidade de línguas indígenas existente, os esforços de gramatiza-ção centraram-se fundamentalmente nela. Tanto no caso da coroa portuguesa como no caso da igreja, uma única língua, ou a portuguesa ou a brasílica, era convocada para diluir a

3 Além de diversas ações políticas e sociais, o Diretório instituiu o ensino do português nas escolas e a proibição de uso da língua geral/brasílica e das outras línguas indígenasbrasileiras. Entretanto, sabemos que a resistência dos grupos indígenas perdura de maneira intensa até o século XIX, quando as línguas indígenas vão cedendo lugar, gradativamente, ao português (SILVA, 1985).

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diversidade e civilizar os índios. Seja como for, em ambos os casos o objetivo era o mesmo: inscrever o índio como um sujeito colonizado cristão e vassalo de El-Rei a partir do aprendizado e utilização de uma só língua. Os efeitos produzidos em função da adoção de uma ou outra língua, porém, é que resultam diferentes.

Com todo esse movimento em prol da uniformização linguística, a construção da noção de que “ser brasileiro” é “falar português” foi, aos poucos, ganhando consistência no imaginário nacional. Historicamente, o ser brasileiro foi-se constituindo de maneira oposta ao ser índio, ao ser estrangeiro e, inclusive, ao ser português, e, portanto, cen-trando-se numa busca por uniformidade linguística nacional e não somente por uma unidade da nação. Segundo Oliveira (2009, p. 24),

a História nos mostra que poderíamos ter sido um país ainda muito mais plurilíngue, não fossem as repetidas investidas do Estado (e das instituições aliadas, ou ainda a omissão de grande parte dos intelectuais) contra a diversidade cultural e lingüística. Essa mesma História nos mostra, entretanto, que não fomos apenas um país multicultural e plurilíngue: somos um país pluricultural e multilíngue, não só pela atual diversidade de línguas faladas no território, mas ainda pela grande diversidade interna da língua portuguesa aqui falada, obscurecida por outro preconceito, o de que o português é uma língua sem dialetos.

Percebemos, portanto, que diversas tensões, contra-dições e preconceitos manifestaram-se nas lutas por espaços sociais e políticos, durante o processo de colonização e de construção da necessidade de certa padronização linguística nacional. Segundo Mariani (2003, p. 77),

ao se impor a língua portuguesa para os índios, está se impondo também uma língua com uma memória outra: a do português cristão submisso ao rei. Ensinar português aos índios objetivando a catequese é silenciar a língua e a memória de outros povos. Mas ensinar língua geral é também silenciar a língua portuguesa. Nos silêncios impostos pela colonização, a imposição de uma língua

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camufla a heterogeneidade lingüística e contribui para a construção de um efeito homogeneizador que repercute ainda hoje no modo como se concebe a língua nacional no Brasil.

Com o tempo, essa vinculação entre ser brasileiro e falar o português contribuiu com o fortalecimento do mito de que o Brasil é um país monolíngue e excluiu, no campo político e discursivo, importantes grupos linguísticos e culturais brasileiros.

O mItO DO mONOLINGUISmO bRASILEIRO

O mito do monolinguismo brasileiro (OLIVEIRA, 2000), historicamente estabelecido, sustenta-se ideolo-gicamente por uma vertente política que compreende que a unidade nacional só se realizaria numa base unilíngue, a qual permitiria que todos brasileiros se compreendessem e, portanto, convivessem em paz e amizade. Para Faraco (2004, p. 14),

se o lado positivo desse discurso dá sustento, quando necessário, até a arroubos nacionalistas, seu lado negativo motiva, em geral, pesados preconceitos lingüísticos. Assim, no discurso corrente, o português é fator de unidade e orgulho, bem como de desdém e exclusão. Se é fator de unidade, é também fator de segregação.

As bases desse mito estão, não somente na busca po-lítico-ideológica por unidade nacional, mas, também, no fato de o bilinguismo estar atrelado às línguas de prestígio e à opção do indivíduo por ele (CAVALCANTI, 1999). Assim, as minorias linguísticas em situação de bilinguismo são desconsideradas, silenciadas e ignoradas. Bagno e Rangel (2005, p. 77) ressaltam que

a história da formação da sociedade brasileira revela o empenho constante, por parte das camadas sociais dominantes, de criar a imagem de um país monolíngue, onde todos os habitantes se entendem perfeitamente e

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vivem, por isso, em total harmonia. O mito da língua única, para se constituir, exigiu ao longo da história uma política lingüística essencialmente autoritária, consubstanciada em medidas repressoras […].

Nesse sentido, a naturalização do monolinguismo, historicamente forjada e imposta, faz com que a população, muitas vezes, trate as situações e os contextos multilíngues como incomuns e artificiais.

Vale ressaltar que, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), temos, aproximadamente,seis mil línguas existentes no mundo. Esse número, muito superior ao total de países que temos hoje, evidencia e atesta que a maioria dos países não é, nem tem como ser monolíngue. Portanto, o comum é a presença do plurimultilinguismo em quase todos os países do mundo. Entretanto, segundo o Atlas das Línguas em Perigo, a diversidade linguística mundial encontra-se ameaçada e se estima que 43% das línguas faladas atualmente estão, por conseguinte, em perigo de extinção4 (MONSELEY, 2010).

De acordo com os dados apresentados no Atlas, tería-mos 190 línguas indígenas em perigo no Brasil. Entretanto, muitos brasileiros ignoram a diversidade linguística do país e desconhecem o risco de extinção de várias das línguas brasileiras. Como já mencionado, esse desconhecimento está atrelado ao fato de que os falantes dessas línguas são des-prestigiados social e politicamente e, portanto, sofrem certo apagamento social. Isso faz com que uma significativa parcela da população brasileira permaneça ignorante e indiferente à realidade linguística do país, mesmo porque,

enquanto língua oficial e língua nacional do Brasil, o português é uma língua de uso em todo o território brasileiro, sendo também a língua dos atos oficiais, da lei, a língua da escola e que convive, na extensão do território brasileiro, com um grande conjunto de outras línguas

4 Confira em: Visão geral da vitalidade das línguas do mundo: <http://www.unesco.org/culture/languages-atlas/index.php>.

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(de um lado as línguas indígenas e de outro as línguas de imigrantes). Por outro lado, enquanto língua nacional, o português é significado como a língua materna de todos os brasileiros, mesmo que um bom número de brasileiros tenham como língua materna outras línguas, ou indígenas ou de imigrantes (GUIMARÃES, 2005, p. 25).

Cavalcanti destaca que o mito do monolinguismo “é eficaz para apagar as minorias, isto é, as nações indígenas, as comunidades imigrantes e, por extensão, as maiorias tratadas como minorias, ou seja, as comunidades falantes de variedades desprestigiadas do português” (1999, p. 387). A despeito de tal apagamento, vemos a permanência de uma parcela significativa de línguas indígenas até hoje (cerca de 15% das línguas existentes no Brasil quinhentista), fato que evidencia, não somente a diversidade linguística brasileira, mas, principalmente, marca a resistência e o enfrentamento dos muitos grupos indígenas, por exemplo, às ações colo-nizadoras que buscaram seu silenciamento e supressão.

Por fim, embora na mentalidade coletiva nacional ainda se sustente a ideia de que o Brasil é monolíngue (BAGNO, 1999), os dados sobre a nossa diversidade linguística e cul-tural fragilizam o mito do monolinguismo e trazem para o debate a urgência e a importância de políticas linguísticas capazes de promover a conscientização da população, acer-ca do cará ter plurimultilíngue e plurimulticultural do país.Vale destacar que esse caráter múltiplo e plural revela-se em contextos diversos e complexos, os quais agregam, não somente diferentes lín guas, mas, também, suas muitas varia-çõeshistóricas, regionais, sociais e estilísticas, por exemplo.

p O L Í t I CA L I N G U Í S t I CA E p L A N E j A m E N t O LINGUÍStICO

É importante considerar que, muitas vezes, os termos políticalinguística (language policy) e planejamentolinguís-tico (languageplanning) são empregados como sinônimos (COOPER, 1989). Entretanto, alguns autores conside-ram que tais termos diferem-se significativamente entre si.

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Nesse sentido, pode-se afirmar, de forma simples, que a política linguística diz respeito às decisões do Estado sobre as línguas e a sociedade e que o planejamento linguístico, por sua vez, refere-se à implementação das políticas linguísticas (CALVET, 2007).

Enquanto a política linguística teria um caráter basi-camente estatal-legislativo atrelado, sobretudo, à “ofi-cialização de línguas, a escolha de alfabeto para a repre -sentação gráfica de uma língua, a hierarquização formal das línguas (línguas de trabalho, oficiais, nacionais, por exemplo), entre outros”, o planejamento linguístico se concen-traria na “implementação das decisões sobre a língua através de estratégias (políticas), como as políticas educacionais, com vistas a influenciar o comportamento dos sujeitos em relação à aquisição e uso dos códigos linguísticos” (SEVERO, 2013, p. 451-2). Entretanto, preci samos considerar que esses conceitos não são tão simples e envolvem uma diversida-de de significações e compreensões, não sendo, portanto, uniformes.

Ao abordar diferentes definições de política linguística/ planejamento linguístico, Cooper (1989, p. 31, grifos do autor) destaca a importância de se considerar “quem planeja o que para quem e como?”. O destaque desses quatro aspectos, constituidores das definições e das abordagens das políticas linguísticas, permite-nos, também, entender que o caráter da política ou do planejamento linguístico pode se distinguir em relação à sua autoria, ao seu foco, à sua destinação e à sua realização.

Nesse sentido, o autor alerta sobre o risco de se res-tringir a autoria da política/planejamento às instituições oficiais, excluindo, assim, as ações de indivíduos que levantaram tais questões antes mesmo de o governo as re-conhecer e as assumir. Ele também chama atenção para o foco de intenção da política/planejamento, já que o mesmo pode concentrar-se tanto em ações de planejamento de corpus (documentação e descrição da língua, questões relativas à “forma”) quanto em planejamento de status (reconhecimento governamental e estabelecimento da posição de uma língua

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em relação às outras: difusão, normatização, uso, etc.; ques-tões relativas à “função”).5

Além desses aspectos, temos a destinação da política/planejamento, ou seja, a definição de quem seria o público alvo das intervenções e de qual seria o alcance das ações em termos de seus participantes; e, também, a maneira pela qual se efetiva a política/planejamento no que concerne às suas vias de realização. As maneiras por meio das quais se efetivam as ações decorrentes da política e do planejamento linguísticos são diversas e variam conforme sua finalidade, seus participantes, seu caráter e seu alcance. Nesse sentido, o como as políticas e os planejamentos linguísticos se realizam é um aspecto complexo e demasiadamente diverso, visto que envolve uma série de variáveis e de possibilidades que vão, desde as primeiras ações de construção, até as intervenções que concretizam a política e o planejamento linguísticos.

Como a política linguística possui um caráter trans-formador – sua intervenção modifica tanto a expe riência coletiva quanto a individual, construindo novos mecanismos de relação com as línguas e com as culturas que envolvem a comunidade – é de suma importância que os governos as estabeleçam com o propósito de balizar e de estimular uma relação de profícua convivência entre as muitas línguas e comunidades linguísticas em nosso país, definindo o papel, os usos, as funções e os espaços das línguas na socieda-de. Além disso, as políticas linguísticas podem favorecer o

5 “[…] planejamento de corpus (codificação, elaboração de alfabetos, gramatização, sistematização do léxico, manuais literários, entre outros), planejamento do status (designações e usos da língua pautadas por leis e decretos), planejamento das formas de aquisição (políticas de ensino e aprendizagem das línguas), planejamento de usos (políticas de divulgação e uso das línguas) e planejamento de prestígio (avaliação dos usos linguísticos). Os dois primeiros planejamentos foram tratados por Kloss (1967), o terceiro foi adicionado por Cooper (1989) e o último foi proposto por Baker (2003) […] Além daqueles cinco planejamentos, Bianco (2004) sugere a incorporação de um sexto: o planejamento discursivo, encarregado de lidar com o trabalho ideológico das instituições, mídia, discursos de autoridade, entre outros, na produção e circulação de crenças sobre as línguas, o que afeta diretamente os usos linguísticos. Este nível, contudo, parece se aproximar do planejamento de prestígio, sendo que o autor não esclarece a diferença entre ambos” (SEVERO, 2013, p. 454).

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registro das línguas, a criação e o estabelecimento de alfa-betos e gramáticas, assim como a produção de dicionários, o que pode contribuir com a afirmação social, com o reconhe-cimento, com a preservação da língua e com a manutenção de sua memória. Enfim, segundo Hamel (1988, p. 42-3), a política linguística abarca, tradicionalmente, três áreas:

1) a política linguística “externa” que define o papel de cada língua (em um contexto multilíngue), seu uso e suas funções na esfera pública; 2) a política linguística “interna”, que estabelece normas gramaticais, codifica e elabora dicionários e alfabetos; 3) por último, existe o campo do ensino ou da pedagogia da linguagem (cf. Uribe Villegas 1981) no qual, de acordo com as decisões tomadas nas áreas anteriores, estabelecem-se os planos de estudo (programas bilíngues, etc) e os métodos de ensino. As três áreas estão intimamente relacionadas e se referem a atividades im-pulsadas e organizadas por instâncias governamentais. O planejamento linguístico é um instrumento da política linguística, uma atividade prática com um status teórico diferente que se desenvolve em cada uma das três áreas (HAMEL, 1988, p. 42-3, tradução minha).

As políticas linguísticas e, por sua vez, o planejamento linguístico tem caráter social, cultural, político, econômico e educacional, impactando os indivíduos e a sociedade como um todo. Não há como separá-los, visto que sua constituição e seu campo de ação e de realização são indissociáveis. O planejamento envolve atividades conscientes e intencionais que se orientam às transformações futuras, envolvendo escolhas e tomadas de decisão.

Nesse sentido, os processos que abarcam as políticas e os planejamentos linguísticos devem ser essencialmente democráticos, incorporando as demandas sociais dos di -ver sos grupos que compõem a nossa sociedade. Portanto, é importante que, durante a constituição e a efetivação do planejamento, haja a participação efetiva da sociedade, prin-cipalmente dos grupos diretamente impactados. Vale men-cionar que, segundo Reagan (2002, p. 240, tradução minha), “o processo de planejamento linguístico, propriamente dito,

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pode ser dividido em quatro componentes: (a) averiguação; (b) estabelecimento e articulação de objetivos e de estraté-gias; (c) implementação; e (d) avaliação”. Assim, a partici-pação popular democrática precisa ocupar todo o processo.

O RECONhECImENtO LINGUÍStICO-SOCIAL DA LÍNGUA DE SINAIS

Em relação à língua de sinais e ao seu lugar na so-ciedade brasileira, é importante apresentamos a trajetória de reconhecimento e de estabelecimento de seu status como língua e de sua difusão inicial, visto que, por muito tempo, o estudo das línguas naturais ficou restrito ao estudo de línguas orais-auditivas. A exclusão das línguas de sinais do campo de estudos da linguística deveu-se ao fato de que essas não eram vistas como línguas naturais, e, sim, como formas precárias de comunicação ou, até mesmo, como mera expressão artística. A modalidade gesto-visual não era reconhecida como legítima ao desenvolvimento da linguagem. E as línguas de sinais, definidas como mímicas primitivas, foram, portanto, preteridas pelos linguistas e postas à margem de seus estudos e pesquisas (QUADROS; KARNOPP, 2004).

Nos anos 1960, temos as produções acadêmicas dos primeiros linguistas norte americanos interessados pelos estudos e pelas pesquisas sobre a língua de sinais: Language Structure: An Outline of the Visual Communication Systems of the American Deaf (1960) de Willian C. Stokoe; Dictionary of American Sign Language on Linguistic Principles (1965) de Willian C. Stokoe, Dorothy Casterline e Carl Croneberg (BRITO, 1993, p. 13; WILCOX; WILCOX, 2005, p. 19). Essas publicações seminais possibilitaram o reconhecimento das línguas de modalidade gesto-visual como línguas naturais, contribuindo significativamente com a construção de um novo olhar sobre os surdos e a surdez. Sobre o impacto social da publicação do Dictionary of American Sign Language, por exemplo, Padden afirma que “em certo

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sentido, o livro trouxe o reconhecimento oficial e público para um aspecto mais profundo da vida do povo surdo: sua cultura” (1980, p. 90 apud SACKS, 1998, p. 155).

As pesquisas de Stokoe constituíram-se como um marco no reconhecimento de que as línguas de sinais são línguas naturais, que compartilham uma série de ca-racterísticas específicas relacionados à sua modalidade gesto-visual. Ao abordar as tarefas da linguística no Brasil, Rodrigues (1966, p. 4-5) afirma que

cada nova língua que se investiga traz novas contribuições à lingüística; cada nova língua é uma outra manifestação de como se pode realizar a linguagem humana. Tôda teoria lingüística e os métodos de trabalho do lingüísta repousam, necessáriamente, sôbre a experiência que se vai adquirindo com as línguas e, como estas são diferentes, a experiência será mais completa, quanto maior fôr o número de línguas conhecidas. Cada nova estrutura linguística que se descobre pode levar-nos a alterar conceitos antes firmados e pode abrir-nos horizontes novos para a visualização geral do fenômeno da linguagem humana (sic).

Portanto, os estudos linguísticos sobre as línguas de sinais têm trazido importantes contribuições sociais e linguísticas, desde que ela começou a ser vista como “um sistema linguístico legítimo e não como um problema do surdo ou como uma patologia da linguagem” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 30). Segundo Sacks (1998, p. 89), Stokoe estaria convencido de que os sinais “não eram figuras, e sim complexos símbolos abstratos com uma estrutura interna complexa”, sendo ele, então, “o primeiro a buscar uma estrutura, a analisar os sinais, dissecá-los, procurar as partes constituintes”. Considerando a obra de Stokoe, Lacerda (1996, p. 20) afirma que

ao estudar a Língua de Sinais Americana (ASL), Stokoe encontra uma estrutura que, de muitos modos, se assemelha àquela das línguas orais. Argumenta que, assim como da combinação de um número restrito de sons (fonemas) cria-se um número vastíssimo de unidades dotadas de significado (palavras), com a combinação de um número restrito de

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unidades mínimas na dimensão gestual (queremas) pode-se produzir um grande número de unidades com significa dos (sinais). […] Esses estudos iniciais e outros que vieram após o pioneiro trabalho de Stokoe revelaram que as línguas de sinais eram verdadeiras línguas, preenchendo em grande parte os requisitos que a lingüística de então colocava para as línguas orais.

As pesquisas de Stokoe evidenciaram que a língua de sinais não é uma mistura de pantomimas e de gestos icônicos, incapaz de expressar conceitos abstratos, como acreditavam os profissionais que atuavam na área da surdez, naquele momento. Ocorreu, portanto, como afirmam Karnopp e Quadros (2004), uma verdadeira revolução linguística, social e ideológica em relação aos surdos e à surdez. Essa revolu-ção desencadeia um importante processo de libertação e de empoderamento da comunidade surda e passa a alimentar diversas ações com vistas às políticas e aos planejamentos linguísticos em todo o mundo.

Além das pesquisas de Stokoe, temos, na década de 1970, a publicação dos linguistas do Instituto Salk para Estudos Biológicos, Edward Klima e Úrsula Bellugi: The Signs of Language, uma descrição da Língua de Sinais Americana (ASL). Os estudos, posteriores à publicação seminal de Stokoe, constituíram um corpora de pesquisa, até então desconhecido pela linguística. Segundo Lodi (2004, p. 284-285),

o impacto do estudo de Stokoe (1960) foi tal que, a partir dele, nos anos subseqüentes, diversas línguas de sinais passaram a ser descritas seguindo, em sua grande maioria, a mesma classificação proposta por este autor, ou seja, em níveis lingüísticos (particularmente, em níveis fonológico, morfológico e sintático). Assim ocorreu com as línguas de sinais inglesa, chinesa, costarriquenha, tcheca, venezuelana, iugoslava (cf.: Rée, 1999), francesa, sueca, dinamarquesa, holandesa, alemã, italiana (cf.:Johnson, 1994), portuguesa (cf.: Amaral, Coutinho & Martins, 1994) e também com a brasileira (cf.: Ferreira-Brito, 1995; Quadros, 1997; Quadros & Karnopp, 2004), além de uma vasta quantidade de estudos sobre a língua de sinais americana (cf.: Klima & Bellugi, 1979; Poizner, Klima &

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Bellugi, 1987; Emmorey, Bellugi & Klima, 1993, dentre vários outros citados nos estudos das diferentes línguas de sinais).

No Brasil, a pesquisa sobre a língua de sinais dos surdos brasileiros – a Língua de Sinais Brasileira (Libras) – foi inaugurada nos fins da década de 1970, pela linguista Lucinda Ferreira Brito. Considerando as pesquisas sobre as línguas de sinais, em seu livro Por uma Gramática de Língua de Sinais, Brito (1995, p. 29) afirma que

as pesquisas sobre as línguas de sinais têm demonstrado quão complexa, completa, abstrata e rica pode ser uma modalidade gestual-visual de língua. Há algumas décadas, acreditava-se que os sons constituíam uma parte essencial da linguagem. Atualmente, considera-se que estes são apenas a parte externa de um processo interno mais profundo, que é a linguagem propriamente dita.

Enfim, as pesquisas linguísticas sobre as especificida-des das diferentes línguas de sinais, além de atestarem e de corroborarem os estudos de Stokoe e sua defesa pelo reconhecimento do status linguístico da ASL, ofereceram, segundo Souza (1998, p. 104),

fortes argumentos em favor de uma outra tese, essa sim com forte vinculação política, a saber, a de que, do ponto de vista sociolingüístico, surdos sinalizadores devem ser considerados como pertencentes a uma minoria lin-guística. Do ponto de vista político, suas decorrências parecem óbvias e implicariam, entre outras coisas, não só o reconhecimento e a legalização dessas línguas como também deveres de cada Estado em face de sua população surda.

Vale considerar que a emergência das línguas de sinais, em todo o mundo, se deu a partir da necessidade co-municativa dos surdos. Estes, impossibilitados de utilizar a fala e a audição, desenvolveram uma língua de modalidade gesto-visual, por meio da qual podiam se expressar e se compreender de forma natural. Num primeiro momento, as línguas de sinais realizam-se de maneira intrassocial e,

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de certa forma, velada, mas, aos poucos, com a convivência dos surdos em instituições de ensino e em associações comunitárias, as diversas línguas de sinais surgidas em di-ferentes países, como a francesa, a americana, a inglesa e a brasileira, por exemplo, conquistaram consistência e visi-bilidade, num processo de internacionalização e de reco-nhecimento social, linguístico e político.

Desde então, um crescimento vertiginoso de pes-quisas relacionadas às línguas de sinais espalhou-se pela Linguística e também chamou a atenção de pesquisadores de outras áreas, tais como a Sociologia, a Antropologia, a Neurologia, a Psicologia e a Educação (BRITO, 1995). Assim, atualmente, a língua de sinais é reconhecida, pela maioria dos linguistas e demais profissionais, como a língua materna ou natural dos surdos. Todavia, embora se façam presentes, em diversos países, essas pesquisas linguísticas que visam à descrição, à análise e à demonstração do status linguístico das línguas sinalizadas, ainda persistem alguns mitos sobre as línguas de sinais, os quais, segundo Quadros e Karnopp (2004), trazem compreensões equivocadas em relação a esta modalidade de língua.

pOLÍtICAS LINGUÍStICAS E LÍNGUA DE SINAIS NO bRASIL

A despeito de mitos e de preconceitos em relação aos surdos e à língua de sinais, a trajetória do movimento social e político dos surdos brasileiros, em prol de políticas linguísticas capazes de reconhecer e de difundir a Língua Brasileira de Sinais (Libras) – favorecendo seus usos e suas funções na sociedade e garantindo seu papel e espaço na educação – é marcada pela criação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), em 1857, pelo estabelecimento de associações de surdos em diversos municípios, durante a segunda metade do século XX e pela criação da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), em 1987, por exemplo. Essas organizações seminais promoveram o empoderamento da Comunidade Surda

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Brasileira, intensificaram suas demandas e passaram a expressar a resistência dos surdos às imposições sociais, culturais e políticas, ditas ouvintistas6. Além disso, tornaram possível a conquista de direitos por meio da mobilização e da ação política, em especial o reconhecimento legal da Libras, como língua da Comunidade Surda Brasileira, tanto em municípios e estados, quanto nacionalmente.

Essa aproximação e reunião dos surdos brasileiros em diferentes entidades: institutos, escolas, associações e federações, principalmente na segunda metade do século XX, contribuíram significativamente para que a Comunidade Surda se fortalecesse e conferisse outro sentido às suas ações políticas coletivas. Com essas entidades, os movimentos reivindicatórios organizados pelos surdos brasileiros em prol, não somente do “direito de um ensino em Libras”, mas, principalmente, do direito de opinar e de decidir acerca de quaisquer questões políticas que envolvam os surdos, ga-nharam destaque e visibilidade. Desde então, observamos um gradativo e consistente processo de conscientização política, de promoção social e de cidadania, o qual conduziu à criação e ao estabelecimento de políticas e de planejamen-tos linguísticos considerando a Libras e a sua comunidade de falantes.

Portanto, com a fundação do INES, das Associações de Surdos e da FENEIS, diversas ações de impacto nacional com vistas ao uso, à difusão e à promoção da Libras no país, assim como à formação de professores em Libras, de instrutores e professores de Libras e de intérpretes de sinais, realizaram-se por meio de parcerias, principalmente, entre a

6 O adjetivo “ouvintista” refere-se à imposição de representações da surdez que a reduzem ao campo da deficiência e, nesse sentido, tratam-na como um desvio que precisa ser normalizado, desconsiderando quaisquer olhares ou perspectivas culturais e sociais da surdez. “O ouvintismo – as representações dos ouvintes sobre a surdez e sobre os surdos – e o oralismo – a forma institucionalizada do ouvintismo – continuam sendo, ainda hoje, discursos hegemônicos em diferentes partes do mundo. Trata-se de um conjunto de representações dos ouvintes, a partir doqual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar-se, e nesse narrar-se que acontecem as percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte, percepções que legitimam as praticas terapêuticas habituais” (SKLIAR, 1998, p. 15).

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Feneis e o Ministério da Educação (MEC). A Libras logrou espaço nas instituições especiais para surdos e, cada vez mais, foi se espalhando para outros contextos educacionais, ganhando, inclusive, um significativo espaço como campo de estudos e de pesquisas nas Universidades de todo o país.

Algumas ações do governo brasileiro antecedem a Lei de Libras e demonstram uma preocupação com o lugar social e com o papel da Libras na sociedade. Uma das atitudes que está na origem das políticas linguísticas brasileiras, volta-das à língua de sinais e aos surdos, é a formação da Câmara Técnica: O Surdo e a Língua de Sinais, em 1996, a qual foi agenciada pela Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), com a propos-ta de apoiar as discussões relacionadas ao Projeto de Leinº 131/96, que tramitava no Senado Federal, com vistas ao reconhecimento da Libras(LODI, 2013).

Em 1997, temos a publicação do livro “Libras e Contexto” (MEC/ SEESP/ FNDE), o qual serviu de material didático ao curso de capacitação de instrutores, custeado pelo Ministério da Justiça – Subcordenadoria para a Integração das pessoas com Deficiência (CORDE) – e aos demais cursos de Libras oferecidos pela FENEIS. Temos, também, a implementação, em 2001, do Programa Nacio-nal de Apoio à Educação de Surdos (2001-2003) e, por sua vez, a capacitação de professores em Libras, a formação de instrutores de Libras e a capacitação de intérpretes. Essas ações ampliam, significativamente, o uso e a difusão da Li-bras no Brasil, bem como sua presença na educação.

Em 2002, temos o reconhecimento da Libras como meio legal de comunicação e de expressão da Comunidade Surda Brasileira, por meio da promulgação da Lei nº. 10.436, em 24 de abril de 2002, a qual pode ser considerada uma primeira política linguística brasileira, no âmbito nacional, especificamente voltada aos surdos, já que estabelece de-cisões do Estado sobre a Libras. Essa política cita a garantia de formas institucionalizadas de apoiar o uso e a difusão da Libras, ressalta a garantia de atendimento e de tratamento adequados, às pessoas com deficiência auditiva, nos serviços

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públicos de assistência à saúde e estabelece a inserção da Libras no sistema educacional, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2002).

Como coroação da Lei de Libras, temos, em 22 de dezembro de 2005, o Decreto nº. 5.626, que regulamenta a Lei nº. 10.436/02 e o artigo 18 da Lei nº. 10.098/00. Segundo Lodi (2013, p. 51),

o Decreto, motivado pelos movimentos das comunidades surdas e por pesquisadores da área da educação de surdos, foi promulgado após o reconhecimento legal da língua brasileira de sinais (Libras) como meio de comunicação e expressão das comunidades surdas brasileiras (BRASIL, 2002), nove anos após o início da tramitação da matéria no Senado Federal. Para a redação dos documentos [do Decreto e da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva], buscou-se o diálogo com diferentes segmentos sociais, sendo a academia quem mais participou desse processo; as comunidades surdas puderam dar sua vozapenas nas discussões que antecederam a redação final do Decreto, fato que merece ser destacado.

Outro acontecimento relevante para a difusão da Libras no Brasil e para a promoção de sua presença na formação de professores é o Programa Nacional “Interiorizando a Libras” (2004-2008; MEC/SEESP/FNDE). É importante destacar que esse programa foi realizado em parceria com as Secretarias de Educação e que ele promoveu o oferecimento de cursos de Libras, de cursos de capacitação de instrutores de Libras e de intérpretes de Libras-Português e, também, de cursos para os professores de Ensino de Língua Portuguesa para surdos, já que a proposta é de Educação Bilíngue.

Encontramos no Decreto, além do reconhecimento da Libras, de seu status, e dos surdos como aqueles que compreendem e interagem com o mundo por meio de experiências visuais, o estabelecimento de como deve se dar (i) a inserção da Libras como disciplina curricular, nas matrizes curriculares dos cursos de formação de professores e de Fonoaudiologia; (ii) a formação e a certificação de professores, de instrutores e de tradutores e intérpretes de

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Libras; (iii) os usos e a difusão da Libras e do Português para oacesso dos surdos à educação; (iv) a garantia do direito dos surdos ou das pessoas com deficiência auditiva à educação e à saúde; (v) o papel do poder público e das empresas, que detêm concessão ou permissão de serviços público, no apoio ao uso e à difusão da Libras (BRASIL, 2005).

Enquanto política linguística, o Decreto traz im-portantes contribuições ao posicionamento social da Libras e às suas funções e usos sociais. Ele tem como um de seus focos centrais a Libras na educação dos surdos bra sileiros. Dito de outro modo, o Decreto preconiza a Educação Bilíngue dos surdos, estabelecendo diretrizes e estratégias de ação, um planejamento geral para a implementação da política linguística: assim a Libras seria a língua de instrução, primeira língua, e o Português a segunda língua. O Decreto é uma conquista do Movimento Surdo Brasileiro e marca o reconhecimento do governo aos direitos linguísticos da Comunidade Surda, uma minoria linguística e cultural (LODI, 2013).

Em suma, o Decreto, embora de autoria oficial do Governo, carrega anseios e reivindicações da Comunidade Surda e altera o status da Libras, no que se refere ao seu reconhecimento e ao seu posicionamento em relação às demais línguas, inclusive ao português. O empoderamento da Comunidade Surda, por meio do reconhecimento da Libras, por exemplo, contribui com o deslocamento da Educação de Surdos para além da Educação Especial, conferindo-a um caráter central na Educação Bilíngue de surdos e na formação linguística e cultural em nosso país.

CONSIDERAÇõES FINAIS

As três últimas décadas, principalmente, nos permi-tem observar diversas estratégias, ações e reivindicações em prol do reconhecimento legal da Libras, por meio do estabelecimento de políticas linguísticas e de planejamentos capazes de implementá-las. No Brasil, observamos nessas dé-cadas o reconhecimento acadêmico das línguas de sinais e o

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desenvolvimento de pesquisas linguísticas; as leis municipais e estaduais de reconhecimento da Libras, na década de 1990 e nos primeiros anos do século XXI; os documentos e as reivindicações do Movimento Surdo; as ações de difusão da Libras e de formação de profissionais – parcerias MEC-Feneis: Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos (2001-2003), Programa Nacional Interiorizando a Libras (2004-2008), por exemplo; a Lei 10.436/02 e o Decreto 5.626/05; a criação e a difusão do Letras-Libras e, também, a formação de um número significativo de surdos na pós-graduação, transformando o Movimento Surdo comunitário em, essencialmente, acadêmico (RODRIGUES, 2011).

A existência de uma política linguística e de um pla-nejamento linguístico, em prol da Comunidade Surda, marca a constituição e a circulação de novos discursos, de outras mentalidades e de modernas representações que não só alteram a ordem social vigente, mas trazem à vista a realidade da exclusão social e educacional, vivenciada por minorias e por grupos desprestigiados, por sua diferença linguística e cultural. O fato de existir uma política linguística, na verdade uma Lei e um Decreto que reconhecem uma língua que não o Português, como língua nacional, abre espaço para o reconhecimento oficial de todas as línguas faladas no Brasil, como línguas nacionais.

Com a Libras posta em destaque, por meio de uma política linguística, temos o início de uma nova cons -ciência capaz de entender o caráter plurimultilíngue e pluri-multicultural do Brasil: o fato de termos várias comunida des de imigrantes (mais de 30 línguas – japoneses, italianos, alemães, espanhóis, etc.); comunidades indígenas (mais de 180 línguas nativas); comunidades africanas (línguas quilombolas e crioulas); comunidades de fronteira (com países hispano-falantes); comunidades surdas (pelo menos duas línguas de sinais estudadas) e muitas comunidades de falantes de variedades desprestigiadas do português brasileiro.

Enfim, nesses mais de onze anos de promulgação da Lei nº. 10.436, observamos novas maneiras de se conceber

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a surdez e de se tratar a Libras, principalmente, no campo acadêmico e no político. A política linguística, direciona-da à Comunidade Surda Brasileira e expressa no Decreto nº. 5.626/05, marca a formação e a difusão de um novo olhar sobre a surdez e sobre a língua de sinais. A presença da Libras na academia, tanto como disciplina quanto como campo de pesquisa e de extensão, favoreceu e possibilitou a conquista de novos territórios políticos, discursivos e epis temológicos, os quais tencionam as perspectivas tradi-cionais, cristalizadas e ultrapassadas que, muitas vezes, ainda caracterizam e sustentam a relação com as diferenças linguísticas e culturais em nosso país.

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A realidade plurimultilíngue brasileira: língua de sinais e políticas linguísticas

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thE bRAzILIAN pLURImULtILINGUAL REALIty: SIGN LANGUAGE AND LINGUIStIC pOLICIES

AbstractConsidering the diversity and multiplicity of cultural and linguistic relations in Brazil, the tensions and contradictions that characterize our plurimultilingual reality are thought over. After a brief presentation of aspects related to the formation of the Brazilian people and the construction of a linguistically and culturally unified nation, we problematize factors related to the point of view that considers Brazil as monolingual country, and we are able to point out their social, political and ideological implications. Thus, we bring to discussion the language policies field, emphasizing the ones directed to the Deaf, more specifically to the decree 5626/2005. Through the Contemporary Deaf Movement, we can notice complaints of social and educational exclusion suffered by minorities and discredited groups brought out due to their cultural and linguistic difference; the promotion of a new policy negotiation involving sign language and with this, the incentive for building a conscious of our plurimultilingual reality.Keywords: Libras. Decree no 5.626. Language policy.Plurimultilingual.

Data de recebimento: junho 2013 Data de aceite: setembro 2013

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AqUISIÇÃO DE LÍNGUA DE SINAIS pOR CRIANÇAS SURDAS E SUA RELAÇÃO COm O bILINGUISmO1

Elidéa Lúcia Almeida Bernardino*

ResumoEste estudo busca mostrar que é possível a uma criança surda adquirir a língua de sinais e se tornar um sinalizador proficiente, desde que tenha um interlocutor constante com o qual possa interagir. A partir daí, procura-se apontar a importância do domínio da língua de sinais para o bi-linguismo dos surdos e para a aprendizagem do português escrito. Foram avaliadas cinco crianças surdas da mesma faixa etária, sendo uma filha de surdos e os outros quatro, filhos de ouvintes. Desses últimos, dois eram gêmeos uni-vitelinos. Através de uma tarefa de interação com surdos adultos, buscou-se avaliar a produção linguística desses sujeitos. Observou-se que os gêmeos produziram resul-tados semelhantes aos da criança que têm pais surdos, o que aponta para a importância da interação constante com pares surdos, ainda que esses, a princípio, não sejam sinali-zadores proficientes. Com base nesse resultado, busca-se apontar a importância do domínio da língua de sinais para

* Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Linguística Aplicada pela Boston University, mestra em Estudos Linguísticos UFMG, graduada em Letras e em Tradução pelo Centro Universitário Newton Paiva. Coordenadora do Núcleo de Libras e supervisora dos cursos de extensão em Libras na UFMG.

Doutora em Linguística Aplicada pela Boston University. Rua Josino de Brito, 163 – Jardim Atlântico 31.555-060 – Belo Horizonte – Minas Gerais Telefones: (31) 3427-5846 (res.) / 3409-6078 (com.) / 9642-1470 (cel.) E-mail: [email protected] / [email protected]

1 Parte da pesquisa relatada neste artigo foi apresentada no Congresso In-ternacional da Abralin, em João Pessoa, 2009. Este artigo é uma versão am-pliada do trabalho apresentado naquele congresso.

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o bilinguismo dos surdos e para a aprendizagem do portu-guês escrito.Palavras-chave: Aquisição de língua de sinais. Surdos gêmeos. Crianças surdas de pais surdos. Crianças surdas de pais ouvintes. Bilinguismo.

INtRODUÇÃO

Qual a importância do domínio e uso de uma língua de sinais para o bilinguismo dos surdos? É possível uma criança surda, de pais ouvintes, que só tem acesso tardio à língua de sinais, alcançar proficiência nessa língua? Que fatores podem influenciar positivamente na aquisição de uma língua de sinais, ainda que o contato com falantes proficientes seja tardio? Este estudo busca mostrar que é possível a uma criança surda adquirir a língua de sinais e se tornar um sinalizador proficiente, desde que tenha um interlocutor constante com o qual possa interagir. Outro ponto a ser mostrado diz respeito à criança surda que não tem um interlocutor nem tampouco acesso a uma língua de sinais na primeira infância, o que retrata a situação da maioria das crianças surdas brasileiras. A partir daí, procura-se apontar a importância do domínio da língua de sinais para o bilinguismo dos surdos e para a aprendizagem do português escrito.

Várias pesquisas já apontaram que crianças surdas, expostas a bons modelos de uma linguagem, à qual elas podem entender e processar, como a uma Língua de Sinais, desenvolvem habilidades linguísticas no mesmo tempo e padrão que crianças ouvintes em condições similares (eMMOReY, 2002; lillO-MaRtin, 1999, hOffMeisteR, 1990; MeieR; neWPORt, 1990). Sabe-se também que crianças surdas, expostas somente à língua oral, que não ouvem e por isso não entendem, não têm o mesmo desenvolvimento linguístico, tanto em termos de época de aquisição, quanto em termos de padrões de aquisição de linguagem (eMMOReY, 2002; MaYBeRRY, 1994; MaYBeRRY & eichen, 1991).

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Além da exposição a um bom modelo de linguagem, o que mais possibilitaria a uma criança surda um desen volvimento linguístico adequado, semelhante ao desenvolvimento das que são expostas à língua de sinais desde cedo? Seria possível que a interação compensasse a falta de um modelo, ou mesmo fizesse com que o seu desempenho parecesse normal, ou típico de uma criança exposta a uma língua desde o nascimento, quando eles fossem expostos a bons modelos de língua?

Neste artigo, apresentamos um estudo piloto que compara o desempenho em Libras de surdos profundos, gêmeos, filhos de pais ouvintes (GM1 e GM22) com outras três crianças surdas profundas, não-irmãs, na mesma faixa etária, todas matriculadas em escolas especiais para surdos, sendo duas filhas de pais ouvintes (PO1 e PO2) e uma filha de pais surdos (PS).

A minha hipótese é que mesmo os estímulos gestuais ou de sinais, ainda que muito pobres, podem auxiliar a construção da linguagem infantil, estabelecendo parâmetros para sua comunicação, desde que ela tenha um parceiro de interações constante. Essa situação seria possível, mesmo na ausência de um modelo de linguagem proficiente, desde que a criança tenha um parceiro que compartilhe o mesmo código gestual doméstico, ainda que este seja bastante li-mitado. Essa criança, ao entrar na escola e ao ter contato com outras crianças surdas e com adultos usuários de uma língua de sinais, terá melhores condições de adquirir essa língua e de tornar-se um usuário proficiente dela.

Entretanto, no que respeita às crianças que não têm condições propícias à criação de um código gestual doméstico ou que, ainda que consigam fazê-lo, não têm um parceiro de interações constante, como seria esse quadro? Esse é o caso da maioria das crianças surdas brasileiras, que chegam à escola sem o domínio de uma língua e sem

2 Neste artigo, as crianças participantes serão identificadas por meio das siglas: “GM”, relativa aos gêmeos, não identificando, entretanto, qual dos dois nasceu primeiro; “PO”, relativa às duas outras crianças surdas que têm pais ouvintes e “PS”, que identifica a criança surda que possui pais também surdos.

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condições de compreender as relações sociais próprias do ambiente escolar. Se uma criança surda que não tem nenhum contato com uma língua natural como a Libras, entra na escola trazendo em sua bagagem apenas gestos caseiros, que muitas vezes não são entendidos nem pela família, como esperar que ela tenha o mesmo desempenho de crianças que chegam à escola já com o domínio de uma língua?

Neste artigo, procuramos partir da definição da aquisição de linguagem na presença de um modelo – como é o caso das crianças surdas filhas de surdos – para buscarmos compreender a aquisição na ausência de um modelo – como nas crianças surdas que têm pais ouvintes; a partir daí, buscamos entender o valor da interação na aquisição da linguagem e discutir a relação entre a aquisição de linguagem e o bilinguismo. Após essas considerações, procuraremos encontrar algumas pistas sobre a importância da interação nos estudos sobre o desenvolvimento de linguagem em gêmeos, apresentando, em seguida, os dados relativos à nossa pesquisa.

DESENvOLvImENtO DE LINGUAGEm NA pRESENÇA DE Um mODELO

O cérebro humano está neurologicamente equipado para adquirir uma língua, não necessariamente a fala (oral) (eMMOReY, 2002). A linguagem encontra-se ligada à natureza humana, tanto no aspecto biológico quanto no psicossocial. Normalmente toda criança, no convívio com uma comunidade linguística, aprende a falar3 a língua da comunidade até os cinco anos de idade. Emmorey (2002) cita vários estudos que mostram que, assim como bebês ouvintes balbuciam antes de produzirem as primeiras palavras, bebês surdos também “balbuciam” com suas mãos antes de produzirem os primeiros sinais. Ela sugere que o

3 Neste trabalho, o termo “fala” e seus correlatos são utilizados no sentido de produção oral ou produção sinalizada de uma enunciação, em qualquer língua, seja uma língua oral-auditiva ou uma língua espaço-visual.

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desenvolvimento desse balbucio manual relaciona-se ao significado que os bebês surdos descobrem, nos primeiros movimentos com as mãos, que são capazes de produzir.

O estímulo linguístico é um fator importante na aqui-sição da linguagem pelo bebê, surdo ou ouvinte. As etapas de desenvolvimento são semelhantes para ambos, mas há outros aspectos do sistema linguístico que dependem de amadurecimento para que sejam adquiridos (BOYES-BRAEM, 1981). Algumas estruturas das línguas de sinais são adquiridas mais cedo, enquanto outras necessitam de um amadurecimento, da mesma forma que ocorre com a aquisição de línguas orais. O sistema de classificadores, a datilologia4, o uso dos pronomes, assim como alguns recursos narrativos e conversacionais são adquiridos mais tarde, justamente por serem mais complexos e necessitarem de um melhor desem penho no uso do espaço de sinalização (eMMOReY, 2002).

As crianças surdas de pais surdos (CSPS) normalmente apresentam um desenvolvimento de linguagem típico, principalmente porque são expostas a uma língua de sinais desde cedo e interagem regularmente com pessoas fluentes nessa língua. Elas apresentam vantagens consistentes em relação às crianças surdas de pais ouvintes (CSPO) em várias áreas: CSPS alcançam níveis mais elevados de educação formal, apresentam habilidades na leitura e na escrita que são superiores às das CSPO, têm um vocabulário da língua oral maior e alcançam melhores notas acadêmicas que CSPO (hOffMeisteR, 1990; Padden & RaMseY, 2000; neWPORt & MeieR, 1985).

4 Datilologia é o elo entre as línguas de sinais e as línguas orais, pois consiste na “soletração” de certas palavras da língua oral do país em que é utilizada (no nosso caso, em português), usando-se configurações de mãos que foram definidas como o “alfabeto manual”. Nas línguas de sinais, usa-se a datilologia para identificar nomes próprios ou para explicar conceitos que ainda não têm um sinal específico correspondente.

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DESENvOLvImENtO DE LINGUAGEm NA AUSêNCIA DE Um mODELO

A maioria das CSPO não tem acesso a uma língua desde o nascimento, por causa da surdez e devido ao fato de que mais de 90% das crianças surdas tem pais ouvintes, que não conhecem nenhuma língua de sinais (eMMOReY, 2002; gOldin-MeadOW, 2003; MaYBeRRY & eichen, 1991). Ao contrário das CSPS, as CSPO são expostas a uma língua efetiva bem tarde, algumas após a adolescência. Em muitos casos, os pais não querem que seus filhos aprendam a sinalizar por causa da falsa ideia de que, se elas aprenderem os sinais, não serão capazes de adquirir a fala. Essa ideia é, muitas vezes, compartilhada por profissionais da área da saúde, que, embora sejam os primeiros a terem contato com os pais no momento da descoberta da surdez, não conhecem a importância da língua de sinais na educação de crianças surdas5.

Na ausência de um estímulo linguístico, muitas crianças “inventam” o seu próprio sistema comunicativo gestual. Goldin-Meadow e seus colegas (gOldin-MeadOW, 2003; gOldin-MeadOW; MYlandeR, 1984) acompanharam o desenvolvimento de dez CSPO que inventaram o seu próprio sistema comunicativo gestual. Os pais ouvintes haviam decidido que educariam seus filhos usando apenas a fala e leitura labial. Dos treze meses de idade até os quatro anos, essas crianças não haviam mostrado nenhum progresso significativo em Inglês. Ainda bem cedo, essas crianças começaram criando gestos isolados, como apontar e usar outros sinais que indicariam objetos ou eventos aos quais se referiam. Após algum tempo, os gestos foram sendo combinados para formar sentenças bem simples, numa ordem tipicamente paciente-ação. Goldin-

5 Com a criação da Lei 10.436 (24/04/2002) que reconhece a Libras como a língua utilizada pela comunidade surda brasileira, e do Decreto 5.626 (22/12/2005), que regulamenta essa Lei, tornando obrigatório o ensino da Libras a todas as licenciaturas, aos cursos de Pedagogia e Fonoaudiologia, esse quadro tende a mudar.

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Meadow e seus colegas notaram que esses gestos não eram simples produto de influência do ambiente, ou mesmo cópia de gestos das pessoas com as quais conviviam, mas eles eram resilientes. Essa autora define resiliência como a capacidade que uma criança tem de inventar algumas propriedades de linguagem sem nenhum estímulo linguístico.

Muitos estudos têm demonstrado que o quanto an-tes uma criança surda é exposta a uma língua de sinais, mais chances ela terá de alcançar melhor desenvolvimento, comparável a falantes nativos de línguas orais. As pesquisas de singleton (1989) e de Singleton e Newport (2004) relatam o caso de um menino surdo, Simon, que superou os seus modelos. Os seus pais, apesar de serem surdos, não eram proficientes em ASL, já que a tinham adquirido tardiamente. Além disso, ele estudava em uma escola cujos professores usavam uma modalidade do Inglês Sinalizado, o que não era um modelo adequado de língua, já que se trata de um pidgin. Apesar de não ter contato com a ASL, ele desenvolveu estruturas linguísticas muito similares às que são usadas por falantes nativos de ASL. Esses estudos sugerem que mesmo a sinalização de pais não-proficientes leva a criança a uma habilidade de nativo, desde que ela seja exposta a essa língua bem cedo.

O vALOR DA INtERAÇÃO NA AqUISIÇÃO DA LINGUAGEm

Crianças surdas de pais surdos (CSPS) normalmente apresentam um desenvolvimento linguístico típico porque são expostas a uma língua de sinais desde o nascimento e interagem regularmente com pessoas fluentes nessa língua. De acordo com Vygotsky “A consciência individual é construída ‘de fora para dentro’, através da interação com outros, visto que o comportamento social e a consciência partilham o mesmo mecanismo” (2000, p. 94).

O fato é que a criança precisa desenvolver suas ha-bilidades sociais através de interações linguísticas para

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desenvolver sua consciência individual, assim como sua capacidade lógica. Vygotsky também argumenta que a direção do pensamento é do social para o individual, e não do individual para o social (2000, p. 36). Assim, as crianças que não têm acesso a uma forma linguística que lhes possibilite interagir com outros indivíduos terão seu crescimento intelectual comprometido. Consequentemente, a linguagem seria tão importante para o desenvolvimento do pensamento, quanto este seria importante para o desenvolvimento da linguagem. A interação social tornaria possível à criança alcançar o melhor do seu potencial. Crianças educadas em um ambiente linguístico acessivelmente rico têm plenas oportunidades de interação com pais e irmãos. O mesmo não ocorre com a maioria das crianças surdas de pais ouvintes.

Vários estudos confirmam que os pais surdos alteram seus sinais na interação com seus bebês, da mesma forma que pais ouvintes alteram a entonação da fala. Emmorey (2002) observa que a mudança sistemática na forma de linguagem, que o adulto usa com bebês, parece ser um universal linguístico que não é limitado à fala. Ela cita alguns estudos que mostram que a fala direcionada às crianças, nas línguas de sinais, tem o objetivo de atrair a atenção do bebê – os sinais têm maior duração, mais repetições e as mães posicionam suas mãos de forma a tornar os sinais mais visíveis aos bebês. Nessa interação da mãe com o bebê, a criança adquire não só as propriedades da linguagem, mas também os padrões discursivos, como a troca de turnos, por exemplo.

Ao imaginarmos uma criança surda que não tenha uma linguagem efetiva com seus pais ouvintes, que tenha o seu primeiro contato com uma língua de sinais apenas na escola, não estará preparada para os desafios que todas as crianças enfrentam no ambiente escolar. Ela precisará de um tempo para processar e compreender o que está acontecendo no ambiente, ao mesmo tempo em que tentará extrair significado das interações com as professoras e com as outras crianças. Ninguém usará uma fala direcionada a ela, de forma que ela possa adquirir e processar as informações no seu próprio ritmo. As interações de linguagem através

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da fala direcionada possibilitam à criança processar as informações a uma velocidade que seja facilitadora para a compreensão, tanto do significado quanto da estrutura, da língua a ser processada (MORfORd; MaYBeRRY, 2000, p. 123). Qualquer criança, privada dessa fase normal da aquisição, terá maiores dificuldades no processamento de linguagem que outras, que foram expostas a essa fala direcionada na infância.

Portanto, o desenvolvimento normal de uma criança depende das interações bem sucedidas que ela experimentará na família, na comunidade e também com os amigos. O crescimento intelectual da criança depende das interações discursivas que ela terá desde a primeira infância até quando for mais velha. Para uma criança surda, uma interação discursiva será possível se mediada por uma língua à qual ela tenha acesso, como uma língua de sinais. Uma criança isolada, como as descritas por Goldin-Meadow (2003), não poderá ter interações discursivas se ela não tiver um par ceiro, mesmo se ela for capaz de criar sua própria lin-guagem. Entretanto, nem todas as crianças surdas criam uma linguagem – algumas conseguem criar gestos isolados, difíceis de serem compreendidos mesmo pelos familiares ou cuidadores. Não há como uma criança desenvolver uma linguagem sem um interlocutor.

AqUISIÇÃO DE LINGUAGEm E SUA RELAÇÃO COm O bILINGUISmO

Como vimos até aqui, a aquisição da língua de sinais pelo sujeito surdo pode ser dificultada pela falta de um modelo, embora alguns tenham demonstrado serem capazes de inventar o seu próprio código. Entretanto, a maioria das crianças surdas tem pais ouvintes e só vão aprender a língua de sinais na escola. Elas chegam à escola sem uma língua com a qual possam se expressar e compreender os conteúdos a serem trabalhados pelos professores. Se não forem tomadas providências eficazes para suprir essa carência linguística, os surdos correm o risco de se tornarem deficientes na

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linguagem, ou de terem seu desenvolvimento cognitivo comprometido (SACKS, 1990: 24).

Conforme Pereira (2008), até a década de 1980, o objetivo das escolas brasileiras para surdos era oralizar6 os alunos. Para isso, o professor expunha seus alunos às palavras, geralmente com apoio de figuras ou outros ele-mentos concretos, e as utilizava em frases, substituindo uma palavra por outra em exercícios, esperando que os alunos as memorizassem pela repetição oral. A língua escrita era trabalhada da mesma forma, após o trabalho com a língua oral, quando o professor propunha atividades de produção de frases escritas, geralmente com base em estruturas frasais já trabalhadas. Com isso, embora muitos alunos surdos chegassem a usar frases com estrutura gramatical correta, essas eram geralmente estereotipadas, usadas em contextos muito previsíveis. Segundo essa autora, “era como se a língua tivesse sido aprendida mecanicamente, de fora para dentro, sem uma reflexão sobre o seu funcionamento” (PEREIRA, 2008, p. 15).

Esse é um quadro característico do modelo clínico-terapêutico que serviu – e ainda serve – de base para o ensino de surdos. Esse modelo vê o sujeito como um ser patológico – falta-lhe a audição e, consequentemente a fala. Até mesmo o termo utilizado na definição do sujeito – deficiente auditivo – aponta para a questão da deficiência, o que é amplamente rejeitado pela Comunidade surda. As práticas pedagógicas desse modelo são reabilitadoras e o seu objetivo é a “ortopedia da fala” (SKLIAR, 1997). Opostamente a esse modelo, surge a visão sócio-antropológica da sur-dez. Começando pela definição do sujeito – que passa a ser tratado como “surdo” – e que, independente do grau da perda auditiva, reconhece-se e é reconhecido pela Co-munidade surda na medida em que valoriza a experiência visual e se apropria da língua de sinais como meio de

6 “Oralizar uma criança surda” significa ensinar-lhe a língua oral, articulada, ta re fa que compete aos profissionais que trabalham especificamente nessa área, ou seja, aos fonoaudiólogos. Não entendemos que seja responsabilida de da escola trabalhar especificamente o ensino da língua oral, em detrimento do ensino da grade curricular que é ensinada às outras crianças por serem ouvintes.

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comunicação e expressão. Esse sujeito valoriza o estar junto – principalmente com seus pares surdos – partilhando com eles seu modo de ser e pensar, assim como uma identidade cultural comum (RODRIGUES, 2008).

A partir da difusão dessa visão, nas últimas décadas, vários educadores de surdos apropriaram-se dessa nova forma de pensar e propuseram estratégias de ensino, utilizando a língua de sinais, entendendo que o português deve ser ensinado como segunda língua (RODRIGUES, 2008). O que antes era feito com base na língua oral, passa a ser feito com base na utilização de duas línguas de moda lidades diferentes – a língua de sinais assume a função de ser a língua da interação face a face e o português, a língua da escrita.

No que respeita ao bilinguismo, Pust e Weinmeister (2006) afirmam que existem atualmente de 5000 a 6000 línguas no mundo, distribuídas em cerca de 200 estados e que a maioria da população mundial utiliza duas ou mais línguas no dia-a-dia. A escolha dos sujeitos por uma língua ou outra vai depender de diversos fatores, entre eles o conhecimento das línguas, a situação, o assunto da conversa e a função da interação linguística. No caso dos sinalizadores bilíngues, a escolha da língua de sinais pode ser condicionada pelas limitações na percepção e produção da língua oral.

Alguns autores postulam que as dificuldades en-contradas pelos alunos surdos na leitura e na escrita não são decorrentes da surdez, mas do pouco conhecimento de língua que têm – tanto da língua portuguesa quanto da língua de sinais – o que resulta do processo escolar ina-dequado a que foram submetidos (FERNANDES, 2003; PEREIRA, 2000, 2009). Por outro lado, outros autores apontam para os efeitos positivos da exposição à língua de sinais ainda na infância para a aquisição do letramento (PUST; WEINMEISTER, 2006; HOFFMEISTER, 2000; STRONG; PRINZ, 2000). Essas proposições nos levam a pensar na criança surda típica, ou seja, aquela que nasce em uma família, onde não se usa a língua de sinais e que só vem a ter contato com essa língua após o ingresso na escola, ou muitas vezes somente na adolescência ou na fase adulta.

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Falaremos um pouco mais sobre esse assunto na discussão dos resultados encontrados nesta pesquisa.

EStUDOS SObRE DESENvOLvImENtO DE LINGUAGEm Em GêmEOS

Gêmeos são bons exemplos de interação, uma vez que eles têm um parceiro para interação desde o nascimento. Entretanto, estudos sobre desenvolvimento de linguagem em gêmeos sugerem que a maioria deles tem mostrado um desenvolvimento inferior de suas habilidades linguísticas em comparação com não-gêmeos (deutsch et al., 2001; McMahOn; dOdd, 1997; gaines; helPeRn-felsheR, 1995; gaustad, 1995; MOgfORd, 1993; schaVe; ciRielO, 1983). McMahon e dodd (1997) afirmam que tanto gêmeos quanto trigêmeos apresentam desenvolvimento fonológico atrasado em relação a não-gêmeos. Existem muitas razões para esse atraso linguístico: as pessoas que cuidam de gêmeos têm mais tarefas a fazer e menos tempo para interagir com eles; pais normal-mente tratam gêmeos como uma unidade em termos de comportamento comunicativo; e também, na maioria das vezes, os gêmeos idênticos têm menos estímulos para aprenderem a falar, porque eles conseguem compreender um ao outro, através de uma comunicação não-verbal. Esses e outros fatores são descritos na literatura especializada como “situação de gêmeos”, característica da criação que é dada à maioria dos gêmeos.

É comum gêmeos desenvolverem uma linguagem particular, o que é visto como algo que complica e retarda a aquisição da linguagem (MCMahOn; dOdd, 1997; MOGFORD, 1993). Alguns gêmeos adultos lembram-se de serem capazes de criar sua própria linguagem, por volta dos quatro a cinco anos de idade. Muitos reportaram uma habilidade de se comunicarem de forma não-verbal quando crianças e ainda como adultos. Alguns descreveram que sua forma de comunicação não-verbal era baseada em uma língua de sinais inventada e alguns gestos com o corpo.

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Gaines e Helpern-Felsher (1995) observaram o desen-volvimento de um par de gêmeas monozigóticas, de pais ouvintes, dos treze aos trinta e seis meses de idade. Uma delas era surda, e a outra era ouvinte. A irmã mais velha interagia durante muito tempo com ambas, e ela tinha um bom vocabulário de Inglês Sinalizado, como os autores observaram. Entretanto, não eram todos os membros da família que eram capazes de se comunicar com as gêmeas. A comunicação entre as duas era rara, e normalmente elas tendiam a comunicar-se com os adultos presentes no ambiente. A gêmea ouvinte aprendeu e usava o Inglês Si-nalizado, mas ela preferia a linguagem oral ao comunicar-se com adultos ouvintes. Já a gêmea surda preferia gestos e sinais. Ela raramente usava os sinais e a língua oral ao mes-mo tempo, o que é usual nas modalidades como o Inglês Sinalizado. Nessa pesquisa não foi observada nenhuma lin-guagem secreta entre as duas meninas.

Outro estudo enfoca o desenvolvimento de outro par de gêmeos, um surdo e um ouvinte, educados com a ASL e o inglês oral, dos dezesseis aos vinte e quatro meses de idade (gaustad, 1995). Os pais, embora surdos, adquiriram ASL tardiamente, mas a mãe preferia ASL e o pai usava tanto ASL quanto inglês oral. Esses gêmeos também raramente interagiam um com o outro, e os pais interagiam muito pouco com ambos. Gaustad observou que, aos dois anos de idade, os gêmeos produziam muito menos proposições que o esperado. Nesse caso também não foi encontrada uma linguagem secreta entre os gêmeos.

Siple e Akamatsu (1991) também observaram o desen-volvimento de um casal de gêmeos fraternos. A menina era ouvinte e o menino, surdo, mas os pais surdos decidiram que ambos deveriam aprender ASL como sua língua materna, e ambos foram expostos à ASL. A menina só tinha acesso ao inglês pela TV e fitas cassete, o que não a estimulou a adquirir a língua oral. Como o ambiente linguístico era uma língua de sinais, acessível a ambos, os gêmeos tiveram oportunidade de desenvolver uma relação mais próxima e uma linguagem secreta, mas isso não ocorreu, como nos outros

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casos. Os autores concluíram que os gêmeos estudados não apresentaram atraso no seu desenvolvimento de linguagem, e apesar de haver diferenças pelo fato de um deles ser ouvin-te e o outro surdo, o desenvolvimento linguístico de ambos foi similar. A expansão foi gradual dos doze aos dezesseis meses de idade, e aos dezessete meses o vocabulário de ambos mostrava-se consistente com os estudos sobre aquisição de linguagem de crianças não-gêmeas.

Os três estudos apresentados, em que um dos gê-meos era surdo e o outro ouvinte não apresentaram uma verdadeira “situação de gêmeos”, uma vez que os gêmeos não se identificavam um com o outro. Entendemos como uma verdadeira situação de gêmeos, conforme a literatura, um ambiente em que os gêmeos nascem, são educados e partilham as mesmas experiências no ambiente. Em nenhum dos casos, os gêmeos tinham uma relação muito próxima, como ocorre com os gêmeos ouvintes, que a literatura apresenta. O ambiente interativo variou de uma mistura de sinais e fala (ou Manual Communication English – MCE), ASL e inglês oral e somente ASL. Os gêmeos raramente interagiam um com o outro, o que talvez possa ter acontecido pelo fato de um ser surdo e o outro ouvinte.

Como não encontramos nenhum estudo sobre surdos gêmeos, em que houvesse uma “situação de gêmeos”, temos de basear nosso estudo tanto nos estudos sobre gêmeos ouvintes quanto nestes últimos, em que um dos dois é surdo e o outro ouvinte. Então, examinaremos um par de gêmeos univitelinos em que ambos são surdos, cujos pais são ouvintes e não têm nenhum conhecimento de línguas de sinais, que são educados num ambiente que favorece a situação de gêmeos (principalmente pelo fato de que eles têm a oportunidade de desenvolver uma relação mais próxima, tanto comunicativa quanto afetiva). Um dos fa tores adicionais é que ambos não têm acesso à língua usada no ambiente familiar, já que ambos não podem escutar os pais ou os irmãos.

Tendo em vista a situação desses gêmeos, as questões específicas sobre sua aquisição de linguagem apresentadas neste estudo são:

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1. A interação na ausência de um modelo de linguagem poderia fazer surgir um sistema comunicativo entre surdos gêmeos?

2. Seria possível que o uso de uma linguagem primitiva, como uma linguagem secreta criada por gêmeos, possa fazer com que surdos gêmeos apresentem um desempenho linguístico, que pareça típico de um desenvolvimento normal, a partir do momento em que eles são expostos a um modelo de uma língua estruturada?

E na avaliação das outras crianças que não tiveram oportunidade de interação como os gêmeos, como o caso das outras crianças que têm pais ouvintes:

3. Quais seriam as características da língua de sinais por elas adquirida?

4. Em que essas características poderiam influenciar a aquisição do português escrito por essas crianças e de que forma?

As respostas a estas questões podem nos levar a uma melhor compreensão do papel da interação na aquisição de uma língua de sinais, ou de forma mais abrangente, na aquisição de uma língua. A partir dessas repostas, avalia-remos, também, a questão referente à aquisição de lingua gem e sua relação com o bilinguismo.

mEtODOLOGIA

1. Procedimento: Foi realizado um teste onde dois surdos adultos contam histórias para as crianças indi-vidualmente, usando animais de brinquedo e Libras. Todos os testes foram filmados.

2. Participantes: Os participantes da pesquisa são um par de gêmeos univitelinos surdos (GM1 e GM2), filhos de pais ouvintes, que tiveram o primeiro contato com a Libras aos cinco anos e dois meses, numa escola especial para surdos; duas outras crianças surdas, não irmãs, ambas com pais ouvintes, sendo que uma delas teve contato com a Libras aos quatro anos e a outra aos cinco anos e onze meses; e

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uma criança surda de pais surdos, que teve contato com a Libras desde o nascimento. A Tabela 1 abaixo apresenta uma descrição mais detalhada dos participantes.

Tabela 1 – Descrição dos participantes

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3. Tarefa: As crianças teriam de recontar algumas historinhas dramatizadas, com animais de brinquedo, por um surdo adulto, a outro surdo adulto que fica de costas para a mesa com os brinquedos e, (conforme foi dito à criança) nunca foi à escola e não entende o que o examinador contou.

Ex: (O examinador encena com animais de plástico e usa Libras) Mamãe elefante e seus dois filhotes passam andando por um lago. Os três bebem água e a mãe segue com um dos filhotes. Ela olha para trás e, quando vê o outro filhote parado, ela o chama. Ele responde que quer tomar mais água, que ainda está com sede.

O examinador surdo faz perguntas à criança sobre a compreensão da história, pede a ela que reconte a história ao outro surdo, que algumas vezes finge não entender e pergunta detalhes à criança.

ANáLISE DOS RESULtADOS

1. Produção lexical: No percentual das respostas dadas por PO1 e PO2 não se percebe muita diferença em relação aos gêmeos e PS, pois, apesar de produzirem menos itens lexicais que os demais, essa diferença não é tão grande proporcionalmente (Gráfico 1.a.).

Gráfico 1 – a. Produção lexical dos sujeitos (em Porcentagem)

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Observe que 73% das respostas produzidas por PO2 e 80% das respostas de PO1 eram compostas por itens lexicais, comparadas aos 90% das respostas dos gêmeos e de PS. Porém, ao observarmos a quantidade de respostas aos estímulos (Gráfico 1.b.), vemos que enquanto PS e um dos gêmeos produziram cerca de 170 itens lexicais, e o outro gêmeo mais de 100, PO1 e PO2 utilizaram 50 itens lexicais ou menos em suas respostas, demonstrando terem um inventário lexical muito inferior aos outros três.

Gráfico 1.b – Produção lexical dos sujeitos (em Quantidade de itens lexicais)

Os gêmeos produziram número de respostas similar a PS (filha de surdos), tanto proporcionalmente quanto na quantidade de respostas. Isso mostra que, apesar de terem pouco tempo de contato com a Libras, o inventário lexical dos gêmeos é comparável ao de uma criança que tem acesso à língua desde o nascimento.

2. Complexidade das respostas: A complexidade das respostas diz respeito à elaboração de frases (simples ou mais elaboradas), ou respostas completas às perguntas feitas pelos examinadores surdos. Por exemplo, se o examinador, no exemplo acima, perguntasse à criança “Por que o bebê elefante não seguiu a mamãe, como o irmão dele?” – a resposta esperada seria algo como “Porque ele estava com sede”, ou

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“Porque ele queria beber (mais) água”. As respostas dos gêmeos foram tão complexas quanto às de PS (“respostas expandidas”, ou os blocos das bases das colunas do Gráfico 2), enquanto algumas de PO1 e PO2 foram extremamente simples (sim/não, mesmo quando respostas completas eram necessárias – ver os blocos cinza das colunas de respostas).

Gráfico 2 – Complexidade das respostas produzidas pelos sujeitos (porcentagem)

Os tipos de respostas produzidos foram: sim/não, frases expandidas ou uso de gestos (outras respostas). Um exemplo de gesto, em resposta à pergunta do exemplo anterior seria quando a criança, ao querer responder que o elefantinho queria beber água, apenas fizesse o gesto de “lamber” (com a própria língua, lambendo o ar). Nesse caso, apesar de a resposta ser correta, não foi considerada uma resposta complexa, sendo incluída em “outras respostas”. Alguns questionaram o examinador em vez de responder à pergunta feita por ele. Entretanto, observe que tanto os gêmeos quanto os sujeitos PO1 e PO2 produziram mais gestos que PS (Outras respostas – blocos superiores das colunas).

Analisando ainda as respostas de PO1 e PO2, é interessante observar a quantidade de respostas “sim/não” produzidas por eles, mesmo em face de questões como a exemplificada acima. Por várias vezes, o examinador surdo

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encenava uma história e em seguida pedia à criança para chamar o gato (outro examinador surdo), que estava de costas para a mesa. A criança chamava o gato e simplesmente apontava para a cena. O gato perguntava: “O que (aconteceu)?”, e a criança somente acenava “sim”, com a cabeça. Por várias vezes os dois examinadores surdos pediam à criança para contarem o que haviam visto e o máximo que ela fazia era apontar para um dos animais da cena e repetir algum dos sinais que o contador da história havia feito (como fugir, esconder) ou usavam gestos para exemplificar a cena (lamber), na sequência APONTAR-animal + sinal ou gesto.

3. Proporção de respostas corretas: Observando o Gráfico 3, nota-se que GM1 e GM2 alcançaram um índice de respostas corretas superior ao de PS (GM1, 77,8%; GM2, 84,6% e PS 69,7%), enquanto PO1 e PO2 responderam respectivamente a 46,2% e 24,2% das perguntas corretamente. A proporção de respostas incorretas dos gêmeos (2,8% e 0%) também foi bem inferior ao de PS (9,1%). Estes resultados mostram que os gêmeos chegaram mesmo a superar o desempenho de PS, sendo que GM2 se saiu ainda melhor que o irmão, o que talvez indicaria que um dos dois usufrui mais da situação de gêmeos, conseguindo aproveitar-se mais dos benefícios dessa relação que o outro.

Gráfico 3 – Proporção de respostas corretas na interação com os examinadores surdos

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Com relação às respostas incorretas, observa-se que PO1 e PO2 produziram uma proporção muito maior que as outras crianças (26,9% e 36,4% respectivamente). Além de possuírem um inventário lexical reduzido, essas crianças ainda devem ter problemas para compreender as proposições dos surdos adultos, dificultando o processo comunicativo. Observe-se que PO2 ainda apresentou um índice muito alto de interações sem resposta, ou de respostas sem sentido, às questões/interações propostas pelos examinadores surdos (39,4%). O índice de interações sem resposta ou com respos-tas sem sentido de PO1 também foi bem elevado (19,2%), em comparação com PS (12%) ou os gêmeos (11%).

Na interação com adultos, é normal que haja incompre-ensões ou mesmo que as crianças sejam influenciadas pela fala dos adultos. No teste apresentado, houve uma situação em que o examinador apresentou uma história, onde a mamãe elefante e um dos filhotes se encontram com o outro filhote e esse segundo passa a seguir os outros dois. Em seguida, o examinador pede à criança que chame o “gato” e reconte a história. Não importando se a criança reconte a história corretamente ou não, quando o examinador pergunta ao gato o que aconteceu este responde que a mãe e o bebê foram para um lado e o outro elefantinho foi para o outro lado, incorretamente. O esperado era que as crianças corrigissem o gato. Entretanto, somente GM2 discordou da resposta do gato. Até mesmo PS concordou com a proposição incorreta. Apenas quando foi novamente questionada pelo examinador é que PS reconsiderou sua resposta e recontou a história corretamente (entretanto, ela não disse que o gato estava errado).

Ainda com base no Gráfico 3, observa-se que PO2, que em todos os resultados apresentou um desempenho bem inferior às outras crianças, não respondeu a cerca de 40% das perguntas que lhe foram feitas. Voltando ao Gráfico 1.b, que indica a quantidade de itens lexicais produzidos pelas crianças (em números absolutos), observa-se que enquanto PS produziu 168 itens lexicais em resposta aos estímulos propostos, PO2 produziu apenas 33 itens em resposta aos

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mesmos estímulos. Esse resultado aponta para o fato de que a menina, após um ano e cinco meses de contato com a Libras, não possui um inventário lexical que lhe dê segurança para responder à interação, e com isso evita responder às perguntas; ela até mesmo evita tecer comentários sobre a interação, diferentemente de todos os outros. Quanto a PO1, os resultados, tanto na proporção de respostas corretas, quanto na quantidade de itens lexicais produzidos (Gráfico 1.b) sugerem que ele está adquirindo a língua de sinais gradativamente, mas ainda possui um inventário lexical muito inferior ao dos gêmeos (GM1 = 172 itens lexicais e GM2 = 116 itens lexicais; PO1 = 51 itens lexicais produzidos), ou seja, duas ou três vezes menor que o dos gêmeos.

DISCUSSÃO

Os resultados dos gêmeos se mostraram bem semelhantes aos resultados de PS, e bem superiores aos de ambos PO. Isto confirma e reforça nossa hipótese de que ambos teriam desempenho como o de PS, apesar de não terem oportunidade de interação linguística com adultos desde o nascimento, como PS teve. O tempo de exposição à língua de sinais de PO1 difere muito pouco do tempo de exposição dos gêmeos à língua (apenas quatro meses a mais que eles), porém, os seus resultados apontam para um desenvolvimento linguístico mais lento em relação a eles. Já o tempo de exposição de PO2 à língua de sinais é bem inferior ao tempo das outras crianças (um ano e quatro meses a menos que os gêmeos e um ano e oito meses a menos que PO1). Isso se reflete tanto na quantidade de itens lexicais produzidos (33), quanto na complexidade das respostas dadas (48% apenas sim/não, 20% de gestos e apenas 32% de respostas um pouco mais complexas).

Em nossa tarefa de interação linguística, os gêmeos foram capazes de ter um desempenho linguístico compará-vel ao de falantes nativos após menos de três anos de contato com a Libras (ver Tabela 1). Isso foi conseguido apesar de muitas variáveis que poderiam ter influenciado

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negativamente o seu desempenho linguístico: pais ouvin-tes não-sinalizadores; entrada tardia na escola – após os cinco anos de idade – consequentemente acesso tardio à Libras; professores não-proficientes na escola; e a falta de um programa educacional para o desenvolvimento do uso da Libras, entre outros fatores.

Os surdos gêmeos tinham um código linguístico um pouco diferenciado de PS (o que foi confirmado também ao apresentar os vídeos de ambos a um falante nativo de Libras, que avaliou a sinalização dos dois como “diferente, mas fácil de entender”). Pela quantidade de gestos utilizados por eles nas respostas (GM1, 22%; GM2 28%), similar à quantidade usada por PO1 e PO2 (ambos 20%) e bem diferente de PS (0,6%), supõe-se que eles teriam uma linguagem ainda caracterizada por grande quantidade de gestos caseiros. Estes estariam sendo substituídos pelos elementos lexicais da Libras aos poucos, durante os dois anos e nove meses de contato com a língua. Em entrevista com a mãe deles, ela também informou já ter percebido um código secreto entre eles, ao qual ela não tinha acesso. Esse código secreto parece ter servido de base para a aquisição da Libras. Ao que parece, eles adaptaram sua “linguagem primitiva” ao padrão da Libras e “reinternalizaram” sua linguagem, um padrão chamado de “desnativização” por Andersen (1983).

A partir dos resultados obtidos acima, podemos considerar:

- Apesar de não terem um modelo adulto de lin-gua gem, os gêmeos puderam construir um siste-ma comunicativo gestual resiliente, que, embo ra primitivo, era funcional ou cumpria o papel de garantir-lhes a compreensão de relações inter-pessoais – ainda que restrita aos dois ou, ainda, à família ou a alguns membros dela – assim como

a expressão do pensamento, nos primeiros anos de vida;

- Através da interação um com o outro, esse sistema gestual mostrou-se forte o bastante, ou resiliente, para facilitar-lhes o acesso a uma língua, assim que

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tiveram contato com usuários da Libras (ou do português sinalizado) na escola;

- À medida que foram adquirindo o inventário lexical e a estrutura da Libras, esses foram substituindo essa linguagem rudimentar pela língua estrutu rada, num processo de desnativização (ANDERSEN, 1983);

- A duas outras crianças surdas (PO1 e PO2), não possuíam um interlocutor com o qual interagir, como os gêmeos, e caso tenham desenvolvido um sistema gestual, esse não era forte o bastante para garantir-lhes um acesso rápido à língua de sinais. Apesar disso, eles parecem estar adquirindo a língua de sinais gradativamente, através da interação na escola (já que a maioria dos familiares de surdos não sabe Libras e não apresentam uma comunicação efetiva com as crianças surdas. Por esse motivo, as crianças normalmente só têm contato com a língua na escola).

- Assim como as crianças ouvintes constroem o sentido dos textos escritos com base em sua ora-lidade, assim também as crianças surdas cons-troem o sentido dos textos escritos em português com base na sua “oralidade” em língua de sinais, ou seja, a construção de sentidos é mediada pela Libras (PEREIRA, 2009). Se uma criança surda não domina nenhuma língua e, aos sete anos ainda está adquirindo uma língua para compreender as relações interpessoais e construir a sua linguagem interior (VYGOTSKY, 2000), como essa criança pode aprender a ler a modalidade de uma língua oral à qual ela não tem acesso? E o que talvez ainda seja pior: se não houver um programa de ensino de português como segunda língua, essa criança não terá acesso à escrita, já que o ensino de português é voltado para falantes nativos de português.

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CONCLUSÃO

Gêmeos ouvintes reduzem suas interações sociais por usarem sua “linguagem secreta” e parecem limitar seu desenvolvimento linguístico um ao outro, apesar de terem o potencial de uma interação linguística com outros modelos de linguagem em seu ambiente, o que difere das crianças surdas de pais ouvintes. Surdos gêmeos, que não têm acesso a uma língua estruturada desde o nascimento, também têm a capacidade de criar sua própria linguagem, como vimos no estudo apresentado. Porém, esse processo não serve para isolá-los, ou mesmo reduzir suas interações sociais, mas pode facilitar o seu acesso a outros contatos emseu mundo.

Por esses resultados, podemos concluir que as in-terações sociais são muito benéficas à aquisição e ao desen-volvimento da linguagem infantil. No caso de crianças surdas, mesmo que elas não tenham um bom modelo de língua de sinais, em seu ambiente familiar, ou mesmo na escola, elas devem ser expostas o quanto antes a outros usuários de Libras e, principalmente, a outras crianças surdas, com as quais elas possam se identificar e interagir.

Por esse motivo, é importante que as crianças surdas, filhas de ouvintes, tenham acesso o quanto antes a uma escola bilíngue: onde a língua de sinais seja a língua de instrução, as práticas de leitura sejam direcionadas para as necessidades do aluno surdo; surdos adultos possam fazer parte do corpo docente das escolas, não só como instrutores de língua de sinais, mas como modelo linguístico, como profissionais que interagem com o aluno surdo diariamen-te e, principalmente, como contadores de histórias. Mais importante ainda: que nos primeiros anos de escolarização seja dada ênfase à aquisição da língua de sinais para só então iniciar-se o ensino do português escrito.

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Elidéa Lúcia Almeida Bernardino

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SIGN LANGUAGE ACqUISItION IN DEAF ChILDREN AND ItS RELAtION wIth bILINGUALISm

AbstractThis study aims to show that it is possible for a deaf child to acquire sign language and become a proficient signer, inasmuch as she has a steady partner to interact with. Since then, we want to show the importance of mastering the use of sign language for deaf bilingualism and for learning written Portuguese. Five deaf children of the same age were evaluated: one of them has deaf parents and the other four have hearing parents. Two of the latter were identical twins. We sought to assess the linguistic production of these subjects through interaction in a task with deaf adults. It was observed that the twins have produced similar results to the child who has deaf parents, pointing towards the importance of constant interaction with deaf peers, although these at first, were not proficient signers. Based on this result, we seek to highlight the importance of mastering a sign language for deaf bilingualism and for learning written Portuguese.Keywords: Sign Language Acquisition. Deaf Twins. Deaf Children of Deaf Parents. Deaf Children of Hearing Parents. Bilingualism.

Data de recebimento: julho 2013 Data de aceite: outubro 2013

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FORmAÇÃO DE pROFESSORES DE SURDOS: AtItUDE E CONtRACONDUtA

Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado*

ResumoNeste artigo, pretendo discutir a formação de professores de surdos com o intuito de pensar as práticas e os saberes em jogo nesse processo. Aqui, abordo esse tema, parte da minha tese de doutoramento, que problematiza a forma-ção de professores de surdos, já que vivemos atualmente, no cenário da educação brasileira um momento ímpar em que os surdos lutam para uma educação de qualidade e assim, novos profissionais entram no cenário e por isso a discussão da formação entra em pauta. Na pesquisa original, busquei discutir com os professores em momentos de for-mação diferentes, sobre suas experiências e sua formação para tornarem-se professores de surdos em suas práticas diárias. Professores que atuam numa abordagem bilíngue. Portanto, ao longo do texto, algumas falas de professores vão sendo inseridas. O recorte que me proponho a fazer aqui é discutir como a formação dos professores de surdos implica uma atitude muito além da técnica, mas estética e decuidado de si.Palavras-chave: Formação de professores de surdos. Ati-tude. Papel do intelectual.

a fORMaçãO dOs PROfessORes e O PaPel dO intelectual

Por se tratar de um tema atual, na educação de surdos, já que vivemos momentos de busca constante de novos especialistas, de novas pessoas que atuem na educação de surdos, formação é a pauta do dia.

* Doutora em Educação pela UFES.

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Por isso, inicio o texto discutindo sobre a formação e o papel do intelectual nesse processo, convidando Favacho (2009) para uma reflexão, pois o autor propõe, a partir de uma abordagem foucaultiana, discutir o cuidado de si como uma superação de uma questão comumente dicotômica: a relação teoria e prática na formação de educadores. O autor sugere uma análise de um tipo de formação de professores, sustentados nas questões éticas, denominadas de cuidado de si. Porém os caminhos que a dicotomia entre teoria e prática, como discurso corrente nas formações, traduz as possibilidades de discutir como os saberes pedagógicos são criados por meio da pesquisa das práticas educacionais, realizadas no cotidiano da escola.

Quem nunca ouviu a frase célebre, nas salas dos pro-fes sores, ou em espaços de formação: “aprende-se mesmo é na prática”? Além de Favacho (2009) chamar a atenção para esse tipo de enunciado, afirma que o mesmo denota um sentimento de insatisfação e ressentimento endereçados, principalmente, aos intelectuais.

Na década de 80, os pesquisadores dos diferentes pro gramas de mestrados e doutorados começam a dialogar com os saberes da prática docente e, ao incorporá-los, abre um espaço enorme para que os profissionais da área da educação adentrem os programas de pós-graduação. Porém, mesmo com a tentativa clara de aproximação dos discursos, o discurso que alimenta a dicotomia teoria e prática é retroalimentado constantemente.

É apontado, com veemência, o afastamento constante da academia e do trabalho do intelectual dos saberes dos professores.

Tais intelectuais deixaram de ser os possíveis causadores dessa dicotomia e passaram a pensá-la, interpretá-la e a buscar soluções políticas e metodológicas. É nesse contexto que surgem expressões tão conhecidas no meio educa cional como, por exemplo, curso de reciclagem, for mação continuada de professores, planejamento partici-pativo, projeto educativo, entre outros (FAVACHO, 2009, p. 107).

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Com um movimento importante da ANFOP, que consolida o Movimento pela Reformulação dos Cursos de Formação de Educador, o resultado é uma Base Comum Nacional da Formação de Professores (FAVACHO, 2009). “Incorporada pela atual LDBEN 9.394/96, ela previa entre outras coisas, uma sólida formação teórica e prática de for-ma indissociável” (FAVACHO, 2009, p. 107).

E o autor continua sua discussão afirmando que, no avançar da década de 1990, nasce um conjunto de estudos, que perduram até hoje, sobre a prática ou saberes docentes.

Dessa vez, trata-se de interpretações que não ressaltam a dicotomia entre teoria e prática em si, e sim de saberes da experiência docente que foram, segundo os seus mentores, menosprezados pela universidade, embora tivessem força argumentativa suficientemente coerente. Podemos considerar que tais interpretações são, digamos, mais sensíveis ou dispostas a analisar a problemática dos professores da educação básica de um outro prisma: o da expe riência dos saberes docentes (FAVACHO, 2009, p. 107).

Então, esse período da década de 1990, passa a ser um “período histórico de conscientização generalizada por parte dos professores, de que eles são produtores de saberes e não apenas reprodutores das teorias universitárias sobre a docência” (FAVACHO, 2009, p. 107). Vários pesquisadores passam a discutir esses saberes docentes como uma saída para a dicotomização entre teoria e prática e uma aproximação das teorias dos intelectuais e dos professores.

Como consequência, grandes mudanças, segundo Favacho (2009) ocorreram na questão da formação do pro-fessor, já que nessa perspectiva novos campos de saber são incorporados: psicanálise, história oral e do ciclo de vida dos professores.

Obviamente, essas circunstâncias favoreceram também a implantação de políticas públicas de impacto, como foi o caso dos PCNs, dos Temas Transversais e das Diretrizes Curriculares Nacionais. Foi nesse momento que os pro-fessores ganharam o status de professores-pequisadores

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ou de professores-reflexivos, o que, metodologicamente, fortaleceu expressões como pedagogia de projetos, sujeito sócio-histórico, projeto político-pedagógico, entre outras (FAVACHO, 2009, p. 108).

Segundo esse grupo de pesquisas emergentes, a dicotomização passa a dar lugar aos saberes da experiência dos professores, geralmente saberes ignorados pelas universidades. O saber docente, segundo Tardif (2002),

[...] não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a experiência de vida e com sua história profissional, com suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. Por isso, é necessário estudá-lo relacionando-o com esses elementos constitutivos do trabalho docente (TARDIF, 2002, p. 11).

O elemento prática do professor e a reflexão do professor passam a ser fundantes nas novas perspectivas sobre formação de professores. Segundo García (1992), quando assumimos o conceito de formação, assumimos certa posição ideológica, epistemológica, cultural, o que torna a palavra formação semanticamente complexa.

Ainda nessa perspectiva, para Nóvoa (2007), os pro-fessores fazem parte de um grupo de profissionais sensível ao efeito da moda. Para o autor, as modas estão cada vez mais presentes no espaço educativo e são consequência na maioria das vezes, da circulação de ideias que é muito grande no mundo atual. “A adesão pela moda é a pior maneira de enfrentar os debates educativos, porque representam uma “fuga para frente”, uma opção preguiçosa, que dispensa o tentar compreender” (NÓVOA, 2007, p. 17).

Todavia o autor analisa que paradoxalmente, os do-centes, como um grupo de profissionais, assim como aderem à moda, também resistem. As duas posições, rigidez e plas-ticidade, definem modos distintos de encarar a profissão docente (NÓVOA, 2007). E como a profissionalização do ensino, de acordo com o autor, se faz à custa de um tipo de

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saber experiencial “[...] podendo até adaptar-se à expressão de Anthony Giddens (1991) e denunciar a ‘confiscação da experiência’. Por isso, é fundamental fazer com que os professores se apropriem dos saberes de que são portadores e os trabalhem do ponto de vista teórico e conceptual” (NÓVOA, 2007, p. 17).

Para o autor, a maneira como ensinamos ou como encaramos o ensino, passa por um processo identitário. A maneira como ensinamos, está diretamente ligada ao que somos, ao que acreditamos, a como nos constituímos. “E as opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam, na nossa maneira de ensinar, a nossa maneira de ser”. (NÓVOA, 2007, p. 17).É impossível, segundo Nóvoa (2007), separar o eu pessoal e o eu profissional. “Não se muda inteiramente em pouco tempo; eu ousaria até dizer, sem medo de exagerar: não se muda totalmente nunca, ou melhor, estamos mudando sempre, mas não conseguimos apagar a história que nos constitui [...]” (ECKERT-HOFF, 2008, p. 13). E con-tinuando com a autora, ela afirma que somos o mesmo e diferentes e é por isso que, ao entrarmos em contato com uma nova metodologia, nos frustramos por não assimilá-la tão rapidamente, já que ela exige mudança de atitude, mudança de hábitos, novas crenças.

E é justamente porque é impossível mudar o outro que julgo importante construir com ele, professor como eu, momentos de reflexão, momentos em que espontaneamente, ele possa falar de seus problemas, de suas ansiedades, de suas preocupações sem que lhe seja dada nenhuma solução pronta [...] e quem somo nós, ainda que nos julguemos estudiosos, especialistas, para dizermos ao colega como ele deve proceder, se ele é que, de fato, conhece o contexto em que atua! Dizer ao outro o que ele “deve” fazer, é a meu ver, desconsiderar seus conhecimentos, seus saberes, suas experiências (ECKERT-HOFF, 2008, p. 13-14).

Baseada nessa tendência, as pesquisas relacionadas à vida dos professores, aos relatos de suas experiências,

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autobiografias, passam a emergir. Aos professores, então, no lugar de protagonistas nas pesquisas, é requerido que fale e exponha sobre si mesmo. É requerido que se examine, que reflita, que se julgue e que se transforme. Isso o torna sujeito de sua ação e essa ação provém de suas experiências profissionais. Logo, suas experiências passam a ser con-sideradas no conjunto de saberes pedagógicos produzidos.

Ao se expor, ao colocar sua experiência, suas vivências, Eckert-Hoff (2008) os denomina, em sua pesquisa de doutorado1, como sujeitos-professores. Segundo a autora, a partir do momento em que esse sujeito-professor narra a sua história de vida, fala de si mesmo e do outro, de sua experiência, de fatos e acontecimentos.

[...] o sujeito-professor está imbuído de uma trajetória de formação pessoal e profissional- e deve entender que (re)significar a formação significa apropriar-se do estranho, do outro, vozes que se somando a outras, vem construir, de forma heterogênea e cindida, o processo de identificação do sujeito (ECKERT-HOFF, 2008, p. 13-14).

Compreender como os professores se constituem por meio de suas narrativas, por meio de sua trajetória profissional, nos possibilita rever a ideia de um tipo de formação numa tendência de homogeneização do professor. Quando o professor fala de si, nos possibilita olhar o que está em jogo em sua formação descentrando, assim, a identidade desse sujeito-professor e possibilitar possíveis (re)direcionamentos na perspectiva de formação. E é baseada nessa perspectiva que discuto, adiante, a formação dos professores de surdos.

A FORmAÇÃO DOS pROFESSORES DE SURDOS...

Magistério era o curso que de tradição na minha família, então não poderia ser diferente comigo. Conclui o curso normal

1 O trabalho da autora denominado: “Escritura de si e identidade: o sujeito-professor em formação” é a sua tese de doutoramento em que discute a formação das identidades dos professores de língua materna.

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e comecei a trabalhar em uma creche em Viana. Foi quando uma prima que trabalhava com surdos, pois ela tinha um filho surdo e trabalhava na escola Oral e Auditiva em Vitória me convidou fazer um curso oferecido pelo Estado. No principio eu relutei, mas a minha mãe relutou mais ainda contra a minha decisão, pois ela cobrava que só ela levava meus irmãos para escola e precisava de ajuda. Foi por um pouco de pressão que tomei a decisão e fui fazer o curso junto com uma outra prima. (Profa. Janaína).

Há mais ou menos 20 anos atrás interessei em fazer um curso de LIBRAS que, na verdade, foi o primeiro no município de São Mateus-ES, ministrado por uma jovem que veio do Rio de Janeiro, na Primeira Igreja Batista. Muito curiosa em conhecer a língua dos Surdos, fui a primeira aluna ouvinte a se matricular. Confesso que não foi nada fácil, mas fui em frente e então, aconteceu que durante esse período fiquei grávida e precisei deixar a interpretação. (Profa. Rosa).

[...] Por querer aprofundar mais meus conhecimentos, em 2008 sai da sala regular e passei a trabalhar no AEE da prefeitura de Vitória, cada dia me encanto mais em trabalhar com alunos surdos e vejo o quanto eu tenho de aprender e essa “falta de saber” me instiga a querer sempre mais informações. Tenho muito a aprender e que bom termos um grupo pra discussão de nossas práticas e teorias para embasar nosso trabalho. (Profa. Liana)

A formação de professores de surdos é um tema forte nas rodas de conversas, em diferentes momentos, tanto num bom boteco, ou mesmo num curso de formação. Um assunto que me instiga pelo fato de compreender que, com a virada epistemológica que ocorre na educação de surdos, com saberes sobre a libras sendo instituídos, percebemos que diferentes percursos formativos desses profissionais vão constituindo o que hoje chamamos de educação bilíngue.

A ideia de educação bilíngue não vem como método fechado, com um percurso ou material formativo definitivo.

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Mas ela é constituída com as práticas discursivas e as experiências, dos profissionais que se envolvem com a educação de surdos. Tanto as práticas, as experiências, quanto os movimentos surdos desenvolvem a ideia de educação bilíngue.

Tomando esse foco como base, a pergunta sobre a formação de professores de surdos fica em aberto. É possível pensar num movimento de formação mais prescritiva como formação possível desses professores? Como temos formatado a formação desses sujeitos, ao longo do caminho que a educação bilíngue vem tomando?

Segundo Machado e Lunardi-Lazzarin (2010), a for-ma ção de professores de surdos, no campo da inclusão, se trata de um dispositivo de governamentalidade dos sujeitos-docentes já que produz efeitos de verdades específicos, nos discursos de formação nas políticas de inclusão. Na atual conjuntura, a formação docente vem com estratégia precisa na constituição de um corpo de sujeitos-professores interessados e sensibilizados nessa política. Vem responder a uma urgência histórica. Por governamento Foucault (2006) designa:

E com essa palavra quero dizer três coisas: O conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança. A tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito tempo, à preeminência deste tipo de poder, que se chama de governo, sobre todos os outros – soberania, disciplina, etc, e levou ao desenvolvimento de uma série de aparelhos específicos de governo e de um conjunto de saberes. O resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se tornou nos séculos XV e XVI. Estado administrativo, foi pouco a pouco governamentalizado (FOUCAULT, 2006, p. 291-292).

Vale pontuar, neste momento, a necessidade urgente de formação de um conjunto de saberes político-pedagógicos,

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para a constituição de um corpo de expertise a fim de que práticas relacionadas à propagação da política instituída sejam garantidas.

Assim, os saberes legitimados pela formação de professores refinam o investimento de poder operado pelas instituições escolares, constituindo-se, nessa engrenagem, como uma estratégia de enquadramento dos sujeitos, especialmente em razão da necessidade de produzir alunos e professores dóceis, maleáveis, administráveis. Nessa paisagem em que se torna indispensável formar um determinado corpo de experts e colocar determinadas práticas em funcionamento, a educação especial constitui-se como uma expertise, um aparato de saber pedagógico emergente no contexto da modernidade para equacionar e continuar produzindo os estranhos – entre eles, os surdos – necessários à dinâmica de ordenamento dessa racionalidade (MACHADO; LUNARDI-LAZZARIN, 2010, p. 23).

Pensando, então, nos familiares e cristãos que passam a fazer parte dos novos experts que compõe o cenário da educação de surdos, chegam com um saber específico e com as verdades instituídas pelas práticas discursivas vividas no meio dos surdos. Passam, como o servo de Laio (na história do Édipo, o rei), a falar de igual para igual com os especialistas afirmando: “eu vi, eu experienciei, eu sou testemunha que saber Libras é fundamental na educação de surdos. Eu tenho esse saber...”

Nas falas das professoras acima, podemos perceber que os diferentes espaços de formação são construídos por motivações distintas também. Enquanto a primeira pro-fessora descreve a pressão familiar, no sentido de contribuir para a educação e cuidado dos irmãos surdos, a segunda explica sua motivação cristã, ao se sentir convocada para a “obra” de salvação dos surdos e acaba se tornando professo-ra com a demanda. Já terceira, aparece com a emergência da inclusão e com o encontro com esse sujeito surdo que a coloca nesse lugar.

E as práticas que há anos vêm instituindo o movimento surdos, alimentando esse grupo, constituem esse novo saber,

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essa verdade que está relacionada à experiência. O perigo se dá, quando começa a se tornar em oracular, quando as condições sociais no momento histórico que se instituem, as legitimam (como as leis e os decretos de Libras por exemplo). Assim, as formações as tomam para si como um saber único e exclusivo, como a verdade do momento, da atualidade.

O pROFESSOR DE SURDOS COmO INtELECtUAL ESpECÍFICO

A busca da verdade é um problema que Foucault aborda, com muita veemência, em seus estudos. Não a verdade como algo preexistente ou “dado aí desde sempre”. Mas algo que também passa a ser objeto de trabalho in-terminável dos intelectuais.

A função do intelectual, de acordo com Foucault (2006), não se resume a dizer aos outros, o que deve ser feito:

Com que direito o faria? Lembrem-se de todas as profe-cias, injunções e programas que os intelectuais puderam formular durante os dois últimos séculos, cujos efeitos agora se vêem. O trabalho de um intelectual não é moldar a vontade política dos outros; é, através das análises que faz nos campos que são os seus, o de interrogar novamente as evidências e os postulados, sacudir os hábitos, as maneiras de fazer e de pensar, dissipar as familiaridades aceitas, retomar a avaliação das regras e das instituições e, a partir dessa nova problematização (na qual ele desempenha seu trabalho específico de intelectual), participar da forma-ção de uma vontade política (na qual ele tem seu papel de cidadão para desempenhar) (FOUCAULT, 2006, p. 249).

E Foucault continua sua defesa de um posicionamento político do intelectual, uma vez que afirma que um regime político é inconsistente, quando indiferente à verdade e perigoso quando pretende prescrevê-la. E o intelectual, quando tem como função o “dizer verdadeiro”, precisa do cuidado com essa função e não se trata de um dizer prescritivo, mas analítico das relações que os sistemas de

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pensamento vão se constituindo. O seu papel consiste em fazer a crítica.

Em vários cursos proferidos no Collége de France, o autor trabalha a questão da arte de governar, analisando os sentidos e dispositivos que constituem essa arte, historicamente, no exercício do poder e do saber. E afirma que a ideia dessa arte está ligada diretamente à descoberta e ao conhecimento de uma verdade. E “[...] isso implica a constituição de um saber especializado, a formação de uma categoria de indivíduos também especializados no conhecimento dessa verdade” (FOUCAULT, 2010b, p. 46).

Diante disso, Foucault nos alerta para algo que aconte-ce inversamente à constituição desse saber, especializado com a verdade constituída, que diz respeito ao “[...] fato de um certo número de indivíduos apresentarem-se como especialistas da verdade a ser imposta à política é porque, no fundo, eles encobriram qualquer coisa” (FOUCAULT, 2010b, p. 46).

E o autor continua nos provocando afirmando que se TODOS conhecem a verdade, a verdade que possibilita o governo, não seria possível governar.

Isso seria imediatamente a revolução: façamos cair a máscara, descubramos as coisas tal como elas se passam, tomemos cada um de nós consciência disso que é realmente a sociedade na qual vivemos e do processo econômico no qual somos inconscientemente os agentes e as vítimas; tomemos consciência do mecanismo de exploração e de dominação etc., e, imediatamente o governo cai! (FOUCAULT, 2010b, p. 46-47).

Quando um sistema de pensamento (e em nosso caso aqui, o cenário da educação de surdos como esse sistema), começa a constituir verdades que vão se modificando, os saberes especializados, por sua vez, também vão tomando outros rumos e criando especialistas sobre esse saber.

No nosso caso, “o saber da Libras”, como um sa-ber especializado, vai tomando espaço de forma insti-tucionalizada, abrindo caminhos e possibilidades outras de existir a educação bilíngue para os surdos, em nossa

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atualidade, substituindo o especialista em surdez na pers-pectiva clínica. Temos, pelo menos, quatro novos espe-cialistas nesse quadro atual: os professores de surdos bi-língues, os intérpretes de Libras, os instrutores de Libras e os professores de língua portuguesa, como segunda lín gua. Porém focarei, aqui, no professor de surdos como um intelectual específico, discutindo com Foucault o seu papel na educação de surdos.

Em um diálogo interessantíssimo com Deleuze e em outras conversações, Foucault nos chama atenção para a questão da tarefa do intelectual na sociedade. Vamos tomar emprestado o que ele nos fala, sobre isso, para pensarmos a tarefa do professor de surdos, em nossos dias.

Deleuze, em conversa com Foucault (2005), inicia o diálogo fazendo as relações entre teoria e prática, afirmando que se dão de uma forma diferente do que tradicionalmente é colocado como a prática, como aplicação da teoria ou vice versa. Deleuze afirma que essas relações (entre teoria e prática) são muito mais fragmentárias e parciais. “A prática é um conjunto de revezamentos de uma teoria a outra e a teoria um revezamento de uma prática a outra. Nenhuma teoria deve se desenvolver sem encontrar um muro e é preciso a prática para ultrapassá-lo” (FOUCAULT, 2005, p. 70).

E Deleuze cita como exemplo o próprio Foucault, em seus estudos teóricos sobre asilos psiquiátricos. Deleuze relembra a necessidade de, em certa altura do estudo, ouvir os reclusos nesses asilos. Bem como nos estudos sobre as prisões, quando Foucault cria o GIP (Grupo de Informação sobre as prisões), que promove as condições para que os presos possam falar sobre si e sobre as prisões.

O papel do intelectual pode também ser confundido e, muitas vezes, enaltecido por alguns. Foucault (2010a) também chama atenção para isso em conversa com José, um operário da Renault. José diz: “O papel do intelectual que se põe a serviço do povo pode ser o de reenviar, amplamen-te, a luz que vem dos explorados. Ele serve de espelho” (FOUCAULT, 2010a, p. 87). E o próprio responde:

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Pergunto-me se você não exagera um pouco o papel dos intelectuais. Estamos de acordo, os operários não precisam dos intelectuais para saber o que fazem, eles próprios o sabem muito bem. [...] Seu papel não é o de formar a consciência operária, visto que ela existe, mas de permitir a essa consciência, a esse saber operário entrar no sistema de informações, difundir-se e ajudar, consequentemente, outros operários ou pessoas que não têm consciência do que se passa. (FOUCAULT, 2010a, p. 87).

E então José conclui dessa fala de Foucault: “E, a partir daí, o intelectual favorece as trocas. Então, ele não vai dizer aos operários o que é preciso fazer. Ele reúne as ideias. Escreve. Acelera as trocas, as discussões entre as pessoas sobre o que as divide”. (FOUCAULT, 2010a, p. 87). E ainda discutindo com Deleuze, Foucault afirma categoricamente: “Ora, o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem” (FOUCAULT, 2005, p. 71).

E continua discorrendo sobre como esse saber das massas é invalidado por um tipo de sistema de poder do qual os próprios intelectuais fazem parte. O papel do intelectual deixa de ser o se colocar a frente e dizer verdades que moldem uma consciência discursiva. “É antes o de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da “verdade”, da “consciência” e do discurso” (FOUCAULT, 2005, p. 71).

Essa é a nova relação com a prática, que Deleuze e Foucault chamam atenção, no papel do intelectual. Para eles “é por isso que a teoria não expressará, não traduzirá, não aplicará uma prática; ela é uma prática” (FOUCAULT, 2005, p. 71). E Deleuze completa: “Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. [...] É preciso que sirva, é preciso que funcione” (FOUCAULT, 2005, p. 71).

O verbete Intelectual no vocabulário de Foucault nos dá mais pistas para pensarmos e levantarmos questões sobre o papel desse sujeito na sociedade atual.

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Tradicionalmente, a politização de um intelectual, segun-do Foucault, levava-se a cabo segundo dois eixos: sua posição de intelectual na sociedade burguesa e a verdade que trazia à luz em seu discurso. Um intelectual dizia a verdade àqueles que não a viam e em nome daqueles que não podiam dizê-la. Assim, o intelectual de “esquerda” tomava a palavra e, como representante universal, se lhe reconhecia o direito de falar como mestre da verdade e da justiça. [...] Foucault opõe a essa figura do “intelectual universal” a figura do “intelectual específico”. Enquanto o intelectual universal deriva do “jurista-notável” (do homem que reinvindicava a universalidade da lei justa), o intelectual específico deriva do “sábio-experto”.

Continuando na linha de discussão sobre o intelectual específico, tomo como referência o texto de Adorno (2004) que traz uma discussão, levantada por Foucault, em seu curso “A Coragem da Verdade”, sobre a tarefa do intelectual num modelo socrático. Ele começa apontando para a diferença que Foucault faz do intelectual universal, para o intelectual específico conforme citado no próprio verbete do vocabulário. O universal é portador da verdade e da justiça. Quase uma consciência da sociedade. Essa visão que “universal” lhe permite distinguir o certo do errado, o verdadeiro do falso faz com que esses intelectuais não ajam sobre questões práticas e locais e, por isso, acabam mantendo um discurso generalista.

Para Foucault essa figura, em nossos tempos, deve ser substituída pelo intelectual específico que age se-gundo uma outra relação entre teoria e prática. Age sobre problemas práticos, locais. Devido a sua relação com o conhecimento de um campo específico, opera com uma crítica determinada. Seu papel político não se trata apenas de criticar os conteúdos ideológicos em busca de uma ideologia justa. “É antes saber se é possível constituir uma nova política de verdade. O problema não é mudar a cons-ciência das pessoas ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico e institucional de produção de verdade”. (ADORNO, 2004, p. 43).

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Ao lidarmos com a verdade, como produto de um jogo de forças, que opera sobre a maquinaria social, criando regimes, podemos concluir então que não existe nem uma natureza, nem uma essência da verdade se refletindo no mundo. Portanto, o intelectual “específico” tem seu papel bem determinado na ação sobre as diferentes verdades.

Partindo então dessa premissa, podemos concluir que o papel desse intelectual é desestruturar o presente. Não a partir de uma simples crítica desse presente, “mas na tenacidade em demonstrar a contingência do presente, em desestruturá-lo como resultado de um processo histórico” (ADORNO, 2004, p. 43). E exclui qualquer possibilidade de prever o futuro. Ele deve dizer como é hoje, fazendo aparecer como não sendo de fato e como poderia não ser.

Seu papel pode ser retomado na perspectiva de Focault…

Desde que ele renuncie a se considerar como a consciência universal da sociedade e se dedique à discussão de alguns problemas específicos, a questão é saber qual será o real impacto de sua crítica sobre a sociedade e que tipo de relação se estabelecerá entre seu trabalho teórico e sua prática de vida (ADORNO, 2004, p. 44).

Há quem possa questionar e dizer que, sendo o intelectual específico uma pessoa que analisa questões específicas não dê conta de pensar respostas mais amplas, para problemas determinados. Foucault responde, claramente, que não é possível que uma pessoa possa responder sobre questões sociais, verdadeiramente, simplesmente por meio de suas pesquisas.

Adorno (2004) então chama atenção para um dos pontos primeiro do intelectual: o “princípio de modéstia” que tira do intelectual a necessidade de desempenhar um papel hegemônico na sociedade. Segundo Foucault, é a responsabilidade de cada um estar engajado numa mudança social ampla e profundamente crítica. “A função do in-telectual é ajudar a formular corretamente os problemas” (ADORNO, 2004, p. 45). Não cabe ao intelectual apontar

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para um sistema correto ou incorreto, mas mostrar como acontece, destrinchar os processos, dizer como funciona determinado regime. Cabe às pessoas fazerem suas escolhas.

Em segundo lugar, para Foucault, a partir da problema-tização dos problemas locais, o intelectual se torna capaz de pensar problemas gerais. Inclusive, a opção por problemas locais, que são analisados pelo intelectual, acabam por estar relacionadas a questões individuais.

É a partir de si que se pode fazer funcionar questões técnicas e locais que representam outros tantos pontos de vista que levam a uma visão do conjunto da sociedade e de seu funcionamento. O intelectual deve ser capaz se interrogar enquanto cidadão preocupado com as questões técnicas e questões cotidianas. Ele mesmo poderá ser o motor de análises teóricas justamente a partir de seus questionamentos pessoais. Dito de outro modo: ele deve ser capaz de permutar sua posição de intelectual com sua posição de cidadão (ADORNO, 2004, p. 46).

Enfim, o trabalho do intelectual, para além da função política, mas por conta da sua ligação entre a vida prática e as questões teóricas defendidas, também está ligado a uma existência ética e estética.

A fim de que o intelectual não caia na armadilha dos jogos de poder, quando está na luta política das minorias dando sua contribuição à causa com seu conhecimento técnico, há um critério de inteligibilidade desse sujeito. O intelectual deve se limitar a fazer seu trabalho, porém, sem nunca perder sua capacidade crítica profunda que está ligada diretamente ao seu papel.

Assim como o papel do intelectual é um papel de fazer a crítica, ele mesmo o é criticado em todo tempo. Foucault em várias entrevistas vai enumerando isso. Adorno (2004) mesmo coloca críticas profundas sobre o esvaziamento do trabalho do intelectual e sobre o perigo da hipocrisia.

Se esse temor é perfeitamente justificado, é preciso lem-brar também que o apoio dado às minorias em causas locais, específicas, técnicas, é em si mesmo um gesto

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político e não apenas moral, pois interrompe o processo individualizante de poder e abre a possibilidade de constituição de subjetividade no exterior dos esquemas de poder (ADORNO, 2004, p. 49).

Nunca se tratou, para Foucault, a definição séria de uma doutrina política, mas de perceber como ocorrem as intervenções dos intelectuais e as relações estabelecidas, por meio dessas intervenções, junto à sociedade (ADORNO 2004).

Diante dessa mudança de perspectiva quanto ao trabalho do intelectual diante do seu papel definido pelo próprio filósofo quanto a “Desestruturação do Presente”, Foucault faz uma discussão sobre o que é denominado por Baudellaire como “atitude de modernidade”. Ele o faz quando discute o PRESENTE como um conceito, analisando uma resposta de Kant a seguinte pergunta: Was ist Aufklarung?2 Que traduzindo: O que são as Luzes?

Para Foucault (2005), Kant, em sua resposta, levanta um problema novo analisando o presente como pura atualidade, pois quando o analisa, não o faz a partir de um resultado de uma ação, que seria futura, ou de uma totalidade. “Ele busca uma diferença: qual a diferença que ele introduz hoje em relação a ontem?” (FOUCAULT, 2005, p. 337).

A hipótese que Foucault levanta é a de que esse texto de Kant é uma reflexão sobre a atualidade de seu trabalho, já que se encontra entre uma análise crítica e uma análise histórica do mesmo. E essa reflexão sobre a “atualidade” do trabalho em questão, para Foucault, é um esboço do que poderia se chamar de “atitude de modernidade”.

Modernidade é comumente vista como uma época, de tal forma que, o que vem antes ou depois, pode ser chamado de pré-modernidade ou pós-modernidade. Enfim, a proposta de Foucault (2005), baseado nesse texto de Kant, é tentar encarar a modernidade mais como atitude do que

2 Resposta de Kant ao periódico alemão Berlinische Monatsschrift, publicada em dezembro de 1784.

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um período de tempo determinado na História. “Por atitude, quero dizer um modo de relação que concerne à atualidade; uma escolha voluntária que é feita por alguns; enfim, uma maneira de pensar e de sentir, uma maneira também de agir e de se conduzir que tudo, ao mesmo tempo, marca uma pertinência e se apresenta como uma tarefa” (FOUCAULT, 2005, p. 342).

A modernidade para Foucault tem algumas carac-terizações específicas. E o próprio busca, em Baudelaire3, a inspiração para discutir esse tema. Uma característica é a frequência com que a modernidade é vista como uma “ruptura da tradição, sentimento de novidade, vertigem do que passa” (FOUCAULT, 2005, p. 342). Para Baudelaire, segundo Foucault, “[...] ser moderno não é reconhecer e aceitar esse movimento perpétuo; é ao contrário, assumir uma determinada atitude em relação a esse movimento; e essa atitude voluntária, difícil, consiste em recuperar alguma coisa de eterno que não está além do instante presente, nem por detrás dele, mas nele (FOUCAULT, 2005c, p. 342).

É essa atitude que permite heroificar o presente. Para Baudelaire, o pintor moderno, é aquele que, na hora em que todos dormem, se põe a trabalhar e transfigura seu trabalho. “Transfiguração que não é anulação do real, mas o difícil jogo entre a verdade do real e o exercício da liberdade” (FOUCAULT, 2005, p. 343) onde “as coisas renascem [...] naturais, mais que naturais; belas, e mais do que belas; sin-gulares e dotadas, como a alma do autor, de uma vida em estado de exaltação” (BAUDELAIRE, 2010, p. 32).

A atitude de modernidade toma o alto valor que tem o presente, mas sem se eximir de imaginá-lo diferente do que é, transformando-o sem destruí-lo, mas captando-o. “A modernidade baudelairiana é um exercício em que a extrema atenção para com o real é confrontada com a prática de uma liberdade que, simultaneamente, respeita esse real e o viola” (FOUCAULT, 2005, p. 344).

3 Livro: O Pintor da Vida Moderna. Referência completa nas referências bibliográficas.

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Porém, outra característica da modernidade, para além da relação com o presente, é a relação consigo mesmo. “Ser moderno não é aceitar a si mesmo tal como é no fluxo dos momentos que passam; é tornar a si mesmo como objeto de uma elaboração complexa e dura” (FOUCAULT, 2005, p. 344). Essa atitude voluntária de modernidade requer, como diz Foucault, um ascetismo indispensável. “O homem moderno, para Baudelaire, não é aquele que parte para descobrir a si mesmo, seus segredos e sua verdade escondida; ele é aquele que busca inventar-se a si mesmo. Essa modernidade não liberta o homem em seu ser próprio; ela impõe a tarefa de elaborar a si mesmo (FOUCAULT, 2005, p. 344).

Na aula de 5 de janeiro de 1983, no curso “O Governo de si e dos outros” Foucault lê a resposta que Kant deu à pergunta sobre “O que são as luzes?”: “A saída do homem da sua menoridade, pela qual ele próprio é responsável” (FOUCAULT, 2010b, p. 25). E quando Foucault, nessa mesma aula, vai discorrendo detalhadamente sobre o que Kant diz sobre esse assunto, o autor entra na questão da capacidade do homem de elaboração de sua própria subjetividade, de governar a si mesmo. E a isso, chama de ATITUDE. Não é apenas um trabalho político, mas estético. Diante do exposto, é possível pensar o professor de surdos como um intelectual específico? Porque razão isso se torna uma questão do nosso presente?

Se pensarmos a nossa trajetória histórica, já fomos “apenas” intérpretes em igrejas e acabávamos em associações. Éramos bons cristãos, familiares. Ou ainda, quando não familiares, simpatizantes com a causa surda por algum chamado de Deus, por alguma missão especial. Nosso trabalho sempre foi altamente relacionado a uma vivência pessoal com o sujeito surdo. Acabamos nos subjetivando, para o bem ou para o mal, a uma causa política, moral de defesa dos surdos.

Com isso, nos tornamos detentores de um saber peri goso: o saber da palavra, ou seja, o próprio poder da enunciação. Esse saber, e por consequência, relações de

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poderes evidentes, nos colocava constantemente num lugar de destaque em situações diversas, mexendo muitas vezes com nossa humanidade, com a tentação de conduzir as minorias, manipular as palavras, criando regimes de verdades.

Por quanto tempo entendemos que nosso papel era conduzir os surdos do “lado sombrio” do mundo do silêncio para a luz, que estava em nosso mundo... uma espécie de exercício do poder pastoral sobre esse sujeito menor e governável. Entendendo a conduta4 “[...] como de fato, a atividade que consiste em conduzir, a condução, [...] , mas é também a maneira como se deixa conduzir, a maneira como é conduzida e como, afinal de contas, ela se comporta sob o efeito de uma conduta [...] (FOUCAULT, 2008, p. 255). E de uma certa forma, levar a esse sujeito o esclarecimento, muitas vezes nos colocando como o próprio esclarecimento, tirando-o do seu estado de menoridade, conduzindo-o ao estado de maioridade5.

E se hoje, na esteira de Foucault, ousamos nos colocar nesse lugar do intelectual específico é porque acreditamos que, tanto a Língua de Sinais, quanto a educação de surdos vem ganhando contornos acadêmicos, consideravelmente fortes, com o conjunto de saberes que se formam ao redor das práticas, que constituem esse campo teórico.

Então, quando ousamos pensar em nós, professores de surdos, que hoje nos constituímos bilíngues, teremos que assumir alguns compromissos e observar alguns cuidados. Principalmente se caírmos na armadilha de não exercitar mos a aliança entre a prática de vida e o conhecimento teóri-co, como uma forma ética de vivência. Será que dizemos o que fazemos? Faz-se necessário nos olhar no espelho e observarmos como nos subjetivarmos, como tomamos a ATITUDE.

E nos colocarmos nesse lugar técnico e ético ocorre, em nosso tempo, por eminência do saber chegando ao surdo.

4 A noção de conduta é um dos elementos fundamentais introduzidos pelo pastorado cristão na sociedade ocidental (FOUCAULT, 2008, p. 255).

5 Foucault (2010) afirma que o estado de menoridade para Kant é justamente quando o homem se coloca para ser dirigido por outro.

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Com os surdos acessando o conhecimento, movimentos de contraconduta6 começam a ser produzidos, o que nos tira a possibilidade de continuar guiando-os, manipulando as verdades. É a libertação dos surdos do poder pastoral, exercido por nós. Seria a sua saída do estado de menoridade?

Porém, também vivenciamos movimentos de contra -conduta. Principalmente quando atuávamos como intér-pretes, informalmente, numa época em que a língua de sinais não era conhecida e amplamente confundida com gestos. Somos desse lugar do exercício capilar de nossa função.

Hoje, quando nos tornamos os profissionais do mo-mento, esquecemo-nos desse exercício de atitude de trans-formação. Hoje quando somos muitos, multiplicados em diversos espaços, requisitados, esquecemos muitas vezes do exercício da auto avaliação, do exercício de atitude, das ações nas margens.

Quando exercemos essa atitude, nos tornamos sujeitos capazes de verdade. Adorno (2004) levanta algumas questões extremamente necessárias: “Qual a relação entre verdade e a crítica do trabalho do intelectual? Para que reconhecer se a crítica é autêntica e verdadeira? Em quem confiar e por quê?” (ADORNO, 2004, p. 54). Essas questões, segundo o autor, visam encontrar critérios que permitam verificar a autenticidade da crítica feita pelo intelectual. O autor argumenta que é necessário responder a essas questões porque, em primeiro lugar, “a resposta constitui a chave da atitude política pessoal” e em segundo lugar, “o vínculo, que é desde o princípio ético entre o dizer e fazer representa o critério para julgar a validade e a veracidade de uma posição política” (ADORNO, 2004, p. 54).

E, por fim, mais do que uma atitude técnica e prática, a formação dos professores de surdos implica uma escolha estética, ao pensar nas experiências e nas vivências e nas

6 Foucault denomina de contraconduta “[...] movimento tão específicos quanto esse poder pastoral, movimentos específicos que são resistências, insubmissões, algo que poderíamos chamar de revoltas específicas de conduta [...]. São movimentos que têm como objetivo outra conduta, insto é: querer ser conduzido de outro modo, por outros condutores e por outros pastores, para outros objetivos e para outras formas de salvação” (FOUCAULT, 2008, p. 257).

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atitudes que devem ser tomadas, já que estão relacionadas, diretamente, com os movimentos surdos e com as lutas implementadas por este grupo minoritário.

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tEAChER’S tRAINING FOR tUtORING DEAF StUDENtS: AttItUDE AND COUNtER-CONDUCt

AbstractThroughout this paper I am to discuss the teacher’s pe-dagogical training for tutoring deaf students considering the practices and the knowledge embedded in this process. Here, I approach this topic, which is part of my doctoral thesis, discussing the teacher training for deaf people taking in consideration that we have been living a unique moment in the Brazilian education scenario where deaf people struggle for a good educational system. Hence, new professionals enter in the scene bringing discussions concerning teacher training. In the original research, I tried to discuss with the teachers in different educational formation moments about their experiences and education to become teachers of deaf students in their daily practices. Teachers who work in a bilingual approaching. Therefore, throughout the text, some parts of teacher’s speech were inserted. The outline I suggest regards discussing how the teacher’s training for tutoring deaf students embeds not only a technical attitude, but also an aesthetic and self-caring one.Keywords: Teacher’s training for tutoring deaf students. Attitude. Intellectual’s role.

Data de recebimento: julho 2013 Data de aceite: outubro 2013

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A pRODUÇÃO DE pESqUISA CIENtÍFICA COmO Um INStRUmENtO NA FORmAÇÃO CRÍtICO-REFLExIvA DE INtéRpREtES LÍNGUA bRASILEIRA DE SINAIS E LÍNGUA pORtUGUESA

Neiva de Aquino Albres*

ResumoO objetivo dessa pesquisa foi produzir apontamentos teórico-práticos que contribuíssem com as propostas para a formação de intérpretes. O referencial teórico para o trabalho vem da história e filosofia (SHAFF e GRAMSCI) e da sociologia da Educação (BOURDIEU). A metodologia usada foi de natureza qualitativa, o estudo de caso, fazendo uso da análise dos artigos científicos produzidos como trabalho final do curso de formação. Os participantes dessa pesquisa foram alunos do curso de pós-graduação em Libras no estado de São Paulo, 21 alunos ouvintes matriculados entre os anos de 2009 e 2010. Ainda no primeiro semestre, os alunos foram encaminhados para a orientação de pesquisa com seus respectivos orientadores que, no decorrer de um ano, aproximadamente, desenvolviam as discussões em grupo de trabalho e orientações para produção do artigo científico. Consideramos que, nesse processo de formação, o professor da disciplina de metodologia de pesquisa científica trabalhava, inicialmente, na tentativa da superação de pautar a formação do intérprete dentro

* Doutora em Educação Especial pela UFSCar.

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do modelo da racionalidade técnica. Foram evidenciadas duas áreas temáticas de pesquisa: descrição linguística e Tradução. A Análise do material produzido pelos pes-quisadores (aprendizes) teve como base duas categorias: 1) Procedimentos de pesquisa; 2) O texto escrito – um encontro entre discursos. Consideramos que a pesquisa como “práxis pedagógica” possibilita a formação de um intérprete crítico-reflexivo.Palavras-chave: Intérprete de LIBRAS. Formação pro-fissional. Produção científica.

O conhecimento é pois um processo infinito, um processo acumulado de verdades parciais que a humanidade estabelece nas diversas fases do seu desenvolvimento histórico: alargando, limitando, superando estas verdades parciais, o conhecimento baseia-se sempre nela e toma-as como ponto de partida para um novo desenvolvimento (SHAFF, 1995).

INtRODUÇÃO

A formação dos interpretes de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS é algo novo no Brasil, na década de 1990, ainda proveniente de convivência com a comunidade surda e em organizações religiosas (LACERDA, 2009).

O Brasil é muito grande e existem experiências di-versas de formação dos intérpretes de LIBRAS, em di-ferentes regiões. Cursos tecnológicos em tradução de LIBRAS, cursos de graduação em Letras-LIBRAS, curso de extensão, cursos de capacitação (geralmente oferecidos pelas secretarias de educação onde os intérpretes trabalham) ou cursos de pós-graduação são ofertados, em todo o país.

Barbosa e Cerny (2010) indicam que o curso Letras, quando de Bacharelado em Tradução e Interpretação em LIBRAS, atende majoritariamente alunos ouvintes que possuem fluência em LIBRAS. Em 2008, foi a primeira vez de oferta do curso na modalidade à distância para 450 alunos, em 15 pólos em todo o Brasil.

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A produção de pesquisa científica como um instrumento na formação crítico-reflexiva de intérpretes língua brasileira de sinais e língua portuguesa

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Outros estados do Brasil já começaram a abrir cursos presenciais de bacharelado em Letras LIBRAS. A formação em Libras em nível de pós-graduação Lato Sensu vem crescendo no Brasil, principalmente após o decreto federal 5.626/2005, que reconhece a LIBRAS como língua oficial da comunidade surda e formula princípios para a formação dos profissionais que atuam com surdos. Todavia, os cursos de pós-graduação Lato Sensu, geralmente, são gerenciados por universidades privadas, pouco preocupadas com a qualidade na formação (ALBRES, 2010).

No Sul do Brasil, mais precisamente na Universida-de Federal de Santa Catarina – UFSC, a proposta foi de propiciar uma formação teórico-prática, em nível strictu sensu (mestrado e doutorado), que permitisse aos intérpretes de língua de sinais atuar no ensino, enquanto pesquisadores e multiplicadores (QUADROS, 2005).

Em outras regiões do Brasil é possível desenvolver pesquisa sobre tradução e interpretação em LIBRAS em vários programas de pós-graduação, a partir do levantamento feito por Pereira (2010) constatamos que pesquisadores produziram 16 dissertações de mestrado e 3 teses de doutorado até o ano de 2009 sobre intérprete de Libras, sendo as dissertações inscritas em programas de pós-graduação de Educação (8), seguidas pela Lin güística Aplicada (3), Lingüística (2), Educação Especial (1), Semiologia (1) e nas Ciências da Linguagem (1); e as teses em Letras Vernáculas (1), Educação (1) e Educação Escolar (1).

No Brasil, pela sua história de colonização, foi pre-servado um tipo de ensino baseado no trabalho técnico, a formação dos intérpretes não se distancia desta perspectiva. Na segunda metade do Século XIV, a especialização do saber marca o desenvolvimento da ciência e do conhecimento científico, assim como a formação dos cientistas e de todos os profissionais em ensino superior. Há uma negação da totalidade, diante de um quadro político desfavorável, se valoriza o aprender a fazer, a prática. As atuais estruturas curriculares dos cursos de formação levam a esta divisão do saber (ALVES, 1995).

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Alves (1995) indica que, para superar a especialização do saber, seria necessária uma reestruturação no plano da organização do currículo, a formação universitária deveria pleitear três momentos: Fixar-se nos estudos que ofereçam uma visão clara da sociedade concreta de nossos dias; exigir que a área de atuação seja analisada em suas relações com a sociedade; e a formação específica que se programa para cada modalidade profissional.

No Brasil, a formação em diversos cursos do país, principalmente os ligados à educação, são de preparo pragmático profissional sem uma preocupação com a fundamentação teórico-científica ou com a iniciação científica (SAVIANI, 2010).

Comprometidos com a transformação da realidade, bebendo do materialismo histórico dialético, valorizando a subjetividade e singularidade de cada aluno, distanciamo-nos do modelo de formação mecanicista. Consideramos ser de fundamental importância o desenvolvimento de uma universidade de perfil clássico, com preparação teórico-científica. Uma formação consistente que permita desenvolver a reflexão sobre a prática, revendo e reelaborando o seu fazer.

Pesquisas internacionais consideram que a formação do intérprete de língua de sinais deve envolver o olhar reflexivo para a prática, mas poucos são os cursos que o fazem de forma direcionada, como cita Winston (2005):

Embora a maioria dos programas de interpretação incorpore algum tipo de requisito de observação e prática, muitas vezes esses requisitos são acompanhados de instruções vagas, como “Participar de um evento de Surdos e escrever um diário sobre o que viu.’’ Mais recentemente, os formadores de interpretes e pesquisadores estão investigando abordagens mais estruturadas e dirigidas para estas observações e participações (Winston, 2005, p. 113).1

1 Although most interpreting programs incorporate some type of observation and practice requirements, often these requirements are accompanied by somewhat vague instructions, such as “Attend a Deaf event and write a journal about what you saw.’’ More recently, interpreting educators and researchers are investigating more structured and directed approaches to these observations and participations (WINSTON, 2005, p. 113).

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O objetivo deste artigo foi produzir apontamentos teórico-práticos, que contribuíssem com as propostas para a formação de intérpretes, abrindo possibilidades de reflexão sobre a prática do intérprete com o desenvolvimento de pesquisas.

REFERENCIAL tEóRICO

A universidade tem como função três atividades principais: ensino, pesquisa e extensão. Um projeto de curso de formação profissional não pode distanciar-se destes três pilares. Desta forma, além da formação técnica e especializada, a formação para produção cientifica completa a formação do sujeito pensante. A preocupação com o avanço do conhecimento sobre o objeto de atividade do profissional é essencial. Desta forma, a ação pedagógica para formação de intérpretes de Libras também deve estar guiada para a produção científica de qualidade, que dê respostas à sociedade.

Bourdieu (1992, p. 26), considera que “toda ação peda-gógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural”. No processo de formação dos intérpretes percebe-se que buscam a prática, as técnicas e dicas de como enfrentar as situações do cotidiano. Mas, consideramos que uma sólida formação passa por propiciar, aos intérpretes, esse arbitrário cultural, ou seja, o conhecimento acadêmico do qual não fez parte, até o presente momento, em suas vidas. Para Bourdieu (2007), o fato de se ter uma certificação escolar revela um capital cultural diferenciado, no estado institucionalizado. Todavia, há uma grande diferença de conhecimento pessoal pelos que têm a mesma certificação. Nesta perspectiva, o curso aqui descrito procurou levar o intérprete pesquisador (aprendiz) a compreender o processo de conhecer.

Historicamente, a filosofia é tomada como princípio do fazer científico, e quando da emergência do positivismo, se finge poder dispensá-la, tempos em que é desprezada em prol da racionalidade, neste domínio histórico. No processo

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do conhecimento a tríade que se estabelece é “o sujeito que conhece, o objetivo do conhecimento e o conhecimento como produto do processo cognitivo” (SHAFF, 1995, p. 72).

Para Schaff (1995), há essencialmente três modelos do processo do conhecimento. Primeiro modelo denominado de teoria do reflexo – “(...) presume, pois que o sujeito seja um agente passivo, contemplativo e receptivo, cujo papel na relação cognitiva é o de registrar estímulos vindos do exterior, papel semelhante ao de um espelho” (SHAFF, 1995, p. 73). O segundo modelo denominado de idealista e ativista, na relação sujeito-objeto o olhar volta-se ao sujeito. Dessa forma, ao sujeito é atribuído um papel criador da realidade, se observa o fator subjetivo do processo cognitivo. Já ao terceiro modelo “é atribuído aqui um papel ativo ao sujeito submetido por outro lado a diversos condicionamentos, em particular às determinações sociais, que introduzem no conhecimento uma visão da realidade socialmente construída” (SHAFF, 1995, p. 75). “Uma relação cognitiva na qual tanto o sujeito como o objeto mantêm sua existência objetiva e real, ao mesmo tempo em que atuam um sobre o outro. Esta interação produz-se no enquadramento da prática social do sujeito que aprende o objeto na – e pela – sua atividade (SHAFF, 1995, p. 75).

A formação do intérprete de LIBRAS envolve uma formação interdisciplinar e a necessidade de olhar, para a prática, com um olhar crítico. Alguns princípios para iniciar uma produção de pesquisa que conduziram os pesquisadores (aprendizes) foram:

1- Construir um problema de pesquisa com relevância social;

2- Contextualizar seu objeto de estudo e desenvolver uma boa revisão de literatura;

3- Compreender que há diferentes paradigmas de pes-quisa e formas de produzir conhecimento;

4- Teorizar a prática, como processo fundamental do fazer ciência, ou seja, a partir dos dados (base material) desenvolver a análise com base em uma teoria consistente;

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5- Entender que a sua pesquisa não é a verdade absoluta;

6- Comprometer-se com a transformação social.

Para Gramsci (1966), há uma tríade no processo do conhecimento, o saber, o compreender e o sentir. O his-toricismo é fundamental para compreender o problema de pesquisa, a busca pelas coisas em relações e ver o objeto em sua totalidade. Para o autor “o erro do intelectual con-siste em acreditar que se possa saber sem compreender e, principalmente, sem sentir e estar apaixonado (não só pelo saber em si, mas também pelo objeto do saber)” (GRAMSCI, 1966, p. 139).

Dessa forma, o intérprete envolvido com seu fazer, com os problemas de pesquisa provindos da atividade concreta de interpretar tem reais condições de se apropriar do fazer ciência e produzir conhecimento. Por outro lado, para o pesquisador que não esteja diretamente relacionado com o objeto de estudo, é necessário haver uma adesão orgânica.

Para Gramsci (1968), o intelectual orgânico tem que se posicionar, é uma forma de ver intelectualizada, mas deve ser um estudo relacionado à vida (realidade social). A possibilidade de ter pesquisadores (intelectuais) mais estrei-tamente dedicados à atividade prática possibilita a produção de uma ciência tendo, como base, a filosofia da práxis.

mEtODOLOGIA

A metodologia usada foi de natureza qualitativa, do tipo estudo de caso, com vistas à pesquisa-ação, fazendo uso do ambiente natural de aulas e orientações de trabalho final de curso pós-graduação Lato Sensu em LIBRAS. Os participantes desta pesquisa foram alunos do referido curso de uma universidade privada de São Paulo, 21 alunos ouvintes, matriculados regularmente, entre os anos de 2009 e 2010. A grade curricular do curso propunha conciliar as áreas do conhecimento que se atravessam, frequentemente, na formação dos intérpretes (Educação, Linguística, Estudos

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da tradução, Política e Pesquisa científica). Tinha carga horária total de 614 horas.

Os temas de pesquisa desenvolvidos e as metodologias e procedimentos de pesquisa foram construídas no decorrer do curso, a partir das atividades de reflexão sobre a língua ou sobre o processo de interpretação, proporcionadas em diferentes disciplinas.

Os alunos foram alocados nas seguintes linhas de pesquisa, a depender do tema de interesse:

• Teoria e Análise Linguística• Política lingüística em correlação com a História

da Libras • Lingüística: Léxico e Terminologia• Prática de Tradução da LIBRAS

O critério para entrar em uma linha de pesquisa foi referente ao tipo de formação em graduação, experiência profissional e interesse de pesquisa, como também a afi-nidade com o professor orientador que coordenava cada linha. No geral, os intérpretes, com formação em letras, produziram pesquisas de descrição de LIBRAS e os intér-pretes com formação pedagógica produziram pesquisas sobre intérprete educacional.

ANáLISE DOS DADOS

Consideramos que, nesse processo de formação, o professor da disciplina de metodologia de pesquisa cien-tífica trabalhava inicialmente na tentativa da superação, de pautar a formação do intérprete dentro do modelo da racionalidade técnica. Ainda no primeiro semestre, os alunos foram encaminhados para a orientação das pesquisas com seus respectivos orientadores que no decorrer de um ano, aproximadamente, desenvolveram as discussões em grupo de trabalho e orientações para produção do artigo científico.

O produto final das pesquisas desenvolvidas foram artigos científicos que se inscreveram ou em descrição

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linguística da LIBRAS (1) ou em tradução/interpretação (2). Apresentamos a seguir os títulos das pesquisas:

1) Descrição linguística da LIBRAS

a - Descrição das propriedades articulatórias de empréstimos na língua brasileira de sinais (LIBRAS);

b- Análise das propriedades articulatórias dos sinais-nomes da Libras;

c - Descrição de formação dos sinais da LIBRAS para os termos técnicos da área de gramática de Língua Portuguesa;

d - A incorporação de numeral na LIBRAS;

e - Descrição dos sinais topônimos da LIBRAS.

2) Tradução e interpretação: procedimentos, papéis, for-mação e prática

f - Uma análise da interpretação da Bíblia para a LIBRAS à luz dos Procedimentos Técnicos da Tradução;

g - O interprete educacional e o processo de aprendizagem da criança surda;

h - A participação de intérprete de libras nas associações municipais de surdos: um trabalho para inclusão dos surdos;

i - Guia-intérprete de LIBRAS para pessoa com surdocegueira: reflexão sobre as tendências e perspectivas de sua formação;

j - Funções do intérprete educacional. Afinal: intérprete, professor-intérprete, mediador ou auxiliar? Trabalho de intérpretes na lógica inclusiva;

k - Os gêneros discursivos em livro didático para surdos: análise dos procedimentos tradutórios aplicados de portu-guês para LIBRAS;

l - Concurso público para intérprete educacional: saberes deter minados para os candidatos – conjuntura nacional;

m - Contratação de intérpretes educacionais: uma “adequação” para a inclusão-bilíngue;

n - Intérprete de Libras no ambiente profissional.

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Os pressupostos que permeiam o nosso olhar dirigi-do ao fazer científico do intérprete em formação como pesquisador (aprendiz) vai além das relações entre história de cada sujeito e a escolha do tema, mas a formação para além da prática vai para a possibilidade de escolher um caminho acadêmico. A pesquisa é defendida como “práxis pedagógica” que possibilita a formação do intérprete crítico-reflexivo, ou seja, pela ação científica de iniciação à pesquisa constrói-se um meio de produção de conhecimento coletivo e interdisciplinar e de intervenção da prática social. A análise do material produzido pelos pesquisadores (aprendizes) teve, como base, duas categorias:

1 - Procedimento de pesquisa2 - O texto escrito – Um encontro entre discursos

pROCEDImENtO DE pESqUISA

Embora cada área de pesquisa adapte as metodolo-gias existentes ao seu objeto de estudo, é necessário um desenvolvimento de estratégias comuns. As metodologias vêm antes do sistema de planejamento, definem o como fazer (o processo) e indicam todas as etapas a serem executadas, na ordem lógica do pensamento teórico-metodológico. Procuramos responder à questão: Quais as metodologias e procedimentos mais recorrentes nas pesquisas desenvolvidas pelos intérpretes pesquisadores (aprendizes)?

Quando das primeiras orientações, os alunos ainda tímidos em teorizar sua prática foram se apropriando dos procedimentos e técnicas de pesquisas e, no processo de construção do objeto de estudo, foram desenhando a metodologia do trabalho. Apresentamos a seguir os procedimentos mais recorrentes:

Trabalhos de descrição da LIBRAS fizeram uso prin-cipalmente de pesquisa de campo com filmagem (eliciação de amostras linguísticas) e pesquisa bibliográfica (dicionários e glossários). Já os trabalhos de tradução/interpretação fizeram uso de entrevista, análise documental e análise de tradução (gráfico 1).

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Gráfico 1

Gráfico 2

Gráfico 3

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Comparamos separadamente o campo de descrição linguística e o de tradução/interpretação. Constatamos que nas pesquisas de descrição linguística (gráfico 2) o uso de pesquisa bibliográfica foi maior (60%), em comparação com a pesquisa de campo com filmagem (40%). Este fato é reflexo das dificuldades sociais de coleta de dados, ou seja, de conseguir um número significativo de informantes, também como de possuir os equipamentos necessários e de dominar o uso da tecnologia (filmagem e edição de vídeos).

Um dos trabalhos, nesta área, intitulado “Análise das propriedades articulatórias dos sinais-nomes da LIBRAS”, que teve, como procedimento de coleta de dados, a pesquisa de campo com filmagem (eliciação de amostras linguísticas), teve 100 (cem) sujeitos filmados, essa tarefa requereu da pesquisadora (aprendiz) um grande esforço, não só pela necessidade de deslocamento, mas pela dificuldade de atingir a meta de amostragem, e de posteriormente analisar o material linguístico, obtido.

Procedimentos como entrevista/questionário foram usados em grande maioria (45%) nas pesquisas em tradução/interpretação, ainda na perspectiva de coletar dos sujeitos (intérpretes) informações sobre suas práticas/experiências (gráfico 3).

Quando da escolha dos temas pelos pesquisadores (aprendizes), não se sabia que formato final os trabalhos teriam, quais seriam os procedimentos de coleta de dados e as conclusões. A análise dos trabalhos finais possibilitou a reflexão sobre todo o processo de construção individual e coletiva. Para Amorim (2004) “toda pesquisa só tem começo depois do fim (...) é impossível saber quando e onde começa um processo de reflexão. Porém, uma vez terminado, é possível ressignificar o que veio antes e tentar ver indícios no que ainda não era e que passou a ser (AMORIM, 2004, p. 11).

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2 - O tExtO ESCRItO – Um ENCONtRO ENtRE DISCURSOS

Aprender a escrever usando um gênero discursivo acadêmico, se adequando as normas deste novo processo não foi tarefa fácil. Ao final dos trabalhos, conseguimos visualizar a voz do pesquisador (aprendiz) e dos teóricos que optaram por trabalhar. Essas vozes se interpenetram pelo diálogo e se transformam como teoria ao ajudar a ver um novo objeto de estudo, como a “LIBRAS” e a “tradução/interpretação de LIBRAS-Português.

O texto escrito é um diálogo do escritor com os autores citados e com seus futuros leitores, é uma busca do sentido pretendido, como ato de compreensão. O pesquisador (aprendiz) ao ter que escrever sobre sua prática, faz uso dos conceitos de outros autores, o que contribui para um novo olhar sobre sua prática, agora como objeto de estudo.

A tarefa de escrever faz emergir um novo texto com traços da palavra alheia (teoria de um autor ou as palavras do orientador), com a palavra própria já ressignificada. Quando a internalização dos conceitos teóricos, reelaborados com o olhar da prática, passa a ser o discurso do pesquisador (aprendiz) revela a apropriação do conhecimento, um discurso próprio tecido em novo texto.

Para Freitas (2010), no processo de pesquisa, ao usar conceitos teóricos de determinado autor, o pesquisador está fazendo reviver a teoria e construindo conhecimento. Afirma: “Ao mergulhar no passado e ligar-se a ele con-substancialmente é que a obra encontra possibilidades de viver no futuro” (FREITAS, 2010, p. 295).

Para este artigo, trouxemos excerto do texto de uma pesquisadora (aprendiz), um trabalho que se inscreve na abordagem histórico-cultural.

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Discurso em tran-sição – do outro (autor) que funda-menta sua análise

Os textos analisados consistem de textos reais e a cada novo leitor, a cada nova leitura se transformam em um novo texto. Mas, a forma como os tradutores em seu trabalho cons-truíram sentidos sobre o texto fonte e o materializaram em texto alvo, por meio de filmagens das traduções, nos servem de dados para serem analisa-dos a luz dos procedimentos técnicos da tradução e do conceito de Sentido proposto do Vygotsky (2001).

Discurso do pesqui-sador (aprendiz), já incorporado

O processo compreensivo por que passa o intérprete do texto fonte é in-teressante do ponto de vista da elabo-ração de sua nova enunciação, passa por um movimento de identificação do outro para quem interpreta e das condições linguísticas da língua alvo, tendo a possibilidade de significar o texto conforme suas experiências lin-guísticas e culturais.

Fonte: Os gêneros discursivos em livro didático para surdos: análise dos procedimentos tradutórios aplicados de português para LIBRAS.

Bakntin/Volochinóv (1999, p. 144), debate o processo em que o “discurso do outrem passa para o contexto narrativo, conservando seu conteúdo e ao mesmo tempo a sua integridade linguística”. Desta forma, quando em processo de formação, estudamos várias teorias, estas se configuram como palavras alheias, a compreendemos, mas não fazem parte de nós, não nos integram. Apenas são palavras alheias que nos fazem ver nosso campo de atuação de outro modo.

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Todavia, quando somos nós os produtores de um discurso acadêmico e, para a produção deste, nos apro-priamos de uma teoria (antes de outrem), se faz necessária o aprofundamento na temática e uma abstração para a produção da análise e reflexão. Assim, a palavra outrora alheia, passa a ser uma palavra própria, isso acontece no momento em que o pesquisador (aprendiz) consegue se apropriar daquele conhecimento. Há uma produção de significação diferente de quando era apenas palavra alheia, agora como palavra própria, passa a ser seu discurso, sua intenção de comunicar, ou seja, seu projeto de dizer.2

Segundo Barros (1994, p. 02), “o texto é considerado hoje, tanto como objeto de significação, ou seja, como um tecido organizado e estruturado, quanto como objeto de comunicação, ou melhor, objeto de uma cultura, cujo sentido depende, em suma, do contexto sócio-históri co”. Ao analisar o excerto do texto de uma pesquisadora (apren-diz) constatamos a apropriação do conceito de sentido e a reelaboração de tal conceito, na perspectiva de análise do trabalho do tradutor de LIBRAS.

A construção do texto (artigo) foi direcionada pelo professor-pesquisador-orientador, com o papel de encaminhar o pesquisador (aprendiz) para olhar o seu objeto de estudo com determinada lente, a partir de determinado conceito teórico e ajudá-lo a refletir sobre seus dados e construir suas análises. Papel este de ensinar a ser pesquisador, tão complexo quanto o fazer de ser pesquisador, pois o professor-pesquisador-orientador é outra voz que aparece no texto tecido.

No encontro das muitas vozes presentes em cada trabalho, acreditamos que seja possível perceber o matiz dos discursos em diálogo, como este conjunto teórico reflete e refrata a realidade dos intérpretes. Afinal,

[...] as teorias são parte da realidade social e ao mesmo tempo interferem sobre a mesma. Elas refletem e refratam

2 Agradeço a Adriane M. Salles, Membro do grupo de pesquisa “Surdez e abordagem bilíngue” – CNPQ, pela discussão a respeito desta questão.

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essa realidade. As teorias são organizadas a partir de tex-tos, de uma linguagem que reflete e refrata o mundo. Portanto, elas não só descrevem o mundo, mas constroem, na dinâmica da história, diversas formas de nele intervirem. Todo o conhecimento produzido nas ciências humanas tem seu ponto de partida e chegada nos processos da vida humana historicamente construídos (FREITAS, 2007c, s/n).

A visão (referencial) de homem do pesquisador se reflete e refrata na sua produção, a começar pelas opções teórico-metodológicas feitas.

CONSIDERAÇõES FINAIS

A perspectiva teórica em que nos pautamos, ajuda a compreender o aprender a fazer ciência como um ponto importante da formação. Esse fazer científico está relacionado com a história de vida de cada aluno, influen-ciando a escolha do seu tema de pesquisa e pode contribuir para escolha de um caminho acadêmico, mais precisamente como pesquisador. A pesquisa é defendida como “práxis pedagógica” que possibilita a formação do intérprete crítico-reflexivo. O pesquisador (aprendiz) com esta primeira experiência constrói a compreensão da importância da produção de conhecimento coletivo e interdisciplinar e das possibilidades de intervenção na prática social por meio dos achados dessas pesquisas.

Trabalhos inseridos em diversas correntes teóricas e metodológicas, que contribuem significativamente para a construção de uma classe científica e profissional, vêm corroborando para a discussão de diretrizes formativas do intérprete no Brasil, engendrando espaços políticos e epistemológicos na academia.

O ato de interpretação envolve alta complexidade na atividade prática, nesta perspectiva, este trabalho teve como preocupação a análise de obras acadêmicas, produzidas pelos intérpretes de LIBRAS, em processo de formação, indicando o fazer científico como um elemento a compor a

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constituição do ser intérprete, que tem o poder de analisar a complexidade de sua prática. Os problemas de pesquisa levantados pelos pesquisadores (aprendizes) sobre suas práticas e a respeito do seu conhecimento sobre a LIBRAS revelam a identificação de elementos importantes para sua formação e para sanar a lacuna de conhecimento da área.

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A produção de pesquisa científica como um instrumento na formação crítico-reflexiva de intérpretes língua brasileira de sinais e língua portuguesa

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SCIENtIFIC RESEARCh DEvELOpmENt AS A tOOL FOR A CRItICAL REFLECtIvE tRAINING OF bRAzILIAN SIGN LANGUAGE-pORtUGUESE INtERpREtERS

AbstractThe objective of this study was to produce theoretical and practical notes which would contribute with proposals for interpreters’ training, creating possibilities for reflecting about the interpreter’s practice in research development. The theoretical framework for the study is based on History and Philosophy (Schaff and Gramsci) and Sociology of Education (Bourdieu). The methodology used has qualitative nature, case study type, and analyses of scientific papers were produced as final assignments for the post-graduate Libras (Brazilian Sign Language) course, in the State of São Paulo – 21 audit students enrolled through 2009 and 2010. Each of students enrolled in a research a research area and together, under their professors’ guidance, during approximately one year, they would develop group discussions about their work and scientific papers. During the training process, the professor of Scientific Research Methodology worked initially towards the interpreter’s education on a technical rationality model. Two thematic areas were evidenced for the research: Linguistic Description and Translation. The analysis of the material produced by the researchers (apprentices) was based on two categories: 1) Research Procedures; 2) The written text – an encounter of discourses. We consider this research a “pedagogical praxis”, as it enables the formation of a critical-reflective interpreter.Keywords: LIBRAS interpreter. Professional training.Scientific production.

Data de recebimento: julho 2013 Data de aceite: novembro 2013

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OUtRAS CONtRIbUIÇõES

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mODERNIzAÇÃO EDUCACIONAL à mINEIRA: O pROpóSItO CONSERvADOR DA REFORmA FRANCISCO CAmpOS (1926-1930)

Pâmela Faria de OliveiraCarlos Henrique de Carvalho

ResumoDentre as mudanças que marcaram a modernização do Brasil, a educação ocupou lugar central na dimensão intelectual e política do processo modernizante. Nesse sentido, este texto busca problematizar as relações entre educação e modernidade, sobretudo sua condição de índice de modernização em Minas Gerais, na primeira metade do século XX. Para tanto, especulamos o discurso dos idealizadores da Reforma Educacional Francisco Campos, a fim de reconhecer traços do ideário modernizante e pro-gressista e vínculos com os interesses da elite oligárquica então predominante na política mineira. Os procedimentos metodológicos incluem pesquisa bibliográfica, para con-textualização conceitual e histórica, bem como leitura crítica de fragmentos dos discursos de Antônio Carlos e Francisco Campos. Os resultados da pesquisa apontam que o discurso educacional modernizante desses dois mineiros e a elaboração coesa de sua proposta de governo, os alçaram à política nacional e projetaram o ideário da reforma Francisco Campos na educação nacional. Contudo, não bastaram para garantir a modernização e democratização uniforme em Minas, em especial pelos entraves impostos a esse processo, justamente, pelas formações oligárquicas que sustentavam o governo de Antônio Carlos.Palavras-chave: Francisco Campos. Minas Gerais. Escola Nova. Modernidade.

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INtRODUÇÃO

Neste artigo, discorremos sobre as relações entre educação e modernidade no Brasil, tendo como enfoque a educação, enquanto elemento da modernização em Minas Gerais na primeira metade do século XX, isto é, as reformulações educacionais, propostas pelo então presi-dente do estado mineiro Antônio Carlos e seu secretário do Interior, Francisco Campos, que ficaram conhecidas como a Reforma Educacional Francisco Campos.

Esta reforma foi elaborada em um contexto histórico – a década de 1920 – considerado de efervescência ideológica e inquietação social, de sinais de desajuste entre forças sociais dominantes e as novas forças sociais emergentes; em que mudar quadros sociais vigentes era atitude “[...] de índole nitidamente liberal, pois se pretende eliminar as barreiras que impedem o pleno desenvolvimento social – isto é, o progresso [...]” (NAGLE, 2001, p. 311).

Era um momento em que os projetos político-go-vernamentais tinham de lidar com problemas como o analfabetismo: “chaga” responsável pelo “atraso” do país que devia ser extirpada, porque desorganizava o mercado criado pela produção capitalista, que dava seus passos iniciais com a industrialização.

Organizar a instrução primária em moldes simples e concisos, de modo a augmentar o seu coefficiente de rendimento útil e a facilitar e incrementar a sua intensa diffusão, tornando-a presente e efficaz em todo o terri-tório do Estado, cuja área escolar deve tender, o mais rapidamente que for possível, a coincidir com a sua área geographica, incorporando, assim, aos benefícios da civilização a densa e compacta massa de analphabetos, transformando-os em outros tantos instrumentos de producção de bens econômicos e espirituaes; ahi está uma urgente e imperativa exigência, não somente da nossa vocação democrática, como dos interesses fundamentaes da circulação e incremento da riqueza coletiva (CAMPOS, 1930, p. 71).

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À escola cabia criar um tipo de cidadão despido do analfabetismo, que trazia resistência ao progresso – na visão das elites. Essa ideia de educar para progredir ecoava o pensamento da elite mineira bem como no de Francisco Campos e Antônio Carlos, republicanos que viam a edu-cação como meio principal para fazer a nação progredir.

Uma vez no poder, esses dois políticos mineiros trans-formaram a realidade/contexto criada pela elite mineira, em linguagem oficial: o assunto educação permeou todos os discursos presidenciais, proferidos por Antônio Carlos e Francisco Campos, nos anos de 1927 à 1930: “Convergi para a educação publica toda a minha attenção. Fiz della a preoccupação dominante do meu governo. Concentrei nella o melhor dos meus esforços”1, o que culminou em uma reforma educacional influente, que tinha como objetivo, nas palavras de Antônio Carlos, “invadir” as escolas e perturbar “[...] sua ordem, e pratica, os seus processos, o seu mecanismo, os seus hábitos, a sua paz, a sua preguiça exigindo-lhes que se adaptem às necessidades do mundo contemporaneo, aos imperativos de sua sciencia, da sua industria, do seu trabalho e da sua cultura” (CAMPOS, 1930, p. 60).

Nesse caso, estaria tal reforma alinhada a esse pensa-mento republicano? Com a ideia de educação como motor do progresso do país? Se sim, como tal alinhamento se materializou no discurso da reforma, isto é, nas palavras de quem a idealizou? Não seria essa preocupação com a educação no país uma resposta para acudir a situação de emergência criada por um “liberalismo à brasileira” – elevar o país a condição nação desenvolvida (diria Campos, como “Allemanha”, “Áustria”, “Estados Unidos” e “Bélgica”)?2

1 Minas geRais. Mensagem presidencial do presidente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada dirigida ao Plenário em 1930. In: arquivo público mineiro/apm. Relatórios de mensagens do governo mineiro — mensagens presidenciais de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Filme 5 e 6, gaveta B1.

2 Minas geRais. Mensagem presidencial do presidente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada dirigida ao Plenário em 1928. In: arquivo público mineiro/apm. Relatórios de mensagens do governo mineiro — mensagens presidenciais de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Filme 5 e 6, gaveta B1.

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Isto é, buscar o progresso com respaldo em ideias e ideá-rios que supunham romper com a tradição (abraçar novos hábitos e costumes, desprezar o passado...), mas sem quebrar a ordem oligárquica vigente, sem abandonar o conservadorismo?

Eis as questões que buscamos refletir neste artigo, tendo como ancoradouro as propostas de Francisco Campos e Antônio Carlos para a educação. Escalpelizamos seus discursos, para tentar reconhecer traços indicativos de vínculos deles com os interesses da oligarquia, que dominou a política mineira até então. E de um ideário modernizan te e progressivista, que traduza uma visão de educação como condição elementar para o progresso (econômico, social, cultural e político); para reconhecer os elementos que compuseram o propósito de educar para progredir no dis-curso dos reformistas da educação mineira.

mODERNO, mODERNIzAÇÃO E mODERNIDADE

A contextualização de tal problematização apresenta algumas considerações breves sobre as noções de moderno, modernidade e modernização, em especial no Brasil e em Minas, e sobre a difusão do liberalismo como doutri-na adotada por intelectuais e políticos republicanos. São ideias mais gerais que esperamos sejam particularizadas nas questões específicas que o texto busca apresentar – os pontos em que Francisco Campos e Antônio Carlos deixam entrever uma noção de educação para o progresso marcada pela presença de indícios do que se convencionou chamar modernidade, por exemplo: o processo de industrialização, o liberalismo, as artes, sobretudo uma filosofia educacional que – tida como moderna – quebrava o paradigma da edu-cação tradicional.

Francisco Campos via a escola tradicional, segundo Jarbas Medeiros, como de natureza retórica e ornamental, dirigida para a formação de elites. A “escola nova” deveria ensinar a pensar, a inventar e a criar soluções para a multiplicidade de novos problemas da complexa vida moderna. Para ele o

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futuro das instituições democráticas dependia sobretudo “da orientação e do incremento do ensino primário, o qual deixando de formar homens, orientar a inteligência e destilar o senso comum, “poderá fazer eleitores, não terá feito cidadãos” (ABREU, 2001, p. 999).

Ao longo do século XX, a noção de moderno, mo-dernidade e modernização suscitou muita especulação teórico-interpretativa em campos diversos, dentre os quais filosofia, história, sociologia, literatura e artes, para fi-carmos em exemplos mais óbvios. O historiador Jacques Le Goff (1984) a enfocou ao tratar da relação entre antigo e moderno. Segundo ele, a conscientização do que seja modernidade nasce da sensação de ruptura com o passado.3 Após a Segunda Guerra Mundial – esclarece Le Goff (1984, p. 372) –, a discussão entre economistas, sociólogos e po-litólogos incidiu na ideia de modernização no contexto da descolonização e do surgimento do Terceiro Mundo. O estudo do sociólogo Marshall Berman (1986) também joga luz sobre o conceito de modernização. Em suma, ele vê a modernidade como “[...] experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida

3 Historicamente – diz Le Goff –, a palavra moderno remonta ao século V, isto é, à queda do Império Romano; mas a presença desse termo como qualificativo da periodização histórica se impõe só no século XVI. Ainda segundo Le Goff, a introdução do conceito de modernidade deve ser creditada a Théophile Gautier e Charles Baudelaire, que viveram na França do Segundo Império, ou seja, quando a Revolução Industrial se impunha. Romancista, crítico, jornalista, Theóphile Gautier (1811-72) se destaca como o autor que representa a transição do romantismo para o parnasianismo. Ele não se coadunava com a ideia que a arte deveria ter fins ideológicos, daí sua defesa do belo como compromisso da produção artística. Dentre os muitos escritores franceses que estimavam sua produção literária, está Baudelaire (cf. ADAMSON, 2003). Poeta, crítico de arte e tradutor, Charles Baudelaire (1821-68) é tido hoje pela crítica literária como um dos maiores escritores do século XIX. Sua obra em verso As flores do mal lhe deu a condição de o primeiro poeta moderno. Seus poemas são permeados por imagens da paisagem citadina, embora a cidade mesma nunca apareça em sua descrição da esfera urbana. Seus versos são entremeados por imagens do prosaico, do cotidiano, de personagens típicos da vida na metrópole, tais como o catador de lixo, o boêmio, o transeunte que circula nos bulevares e outros; mesmo tratando do ordinário da realidade, seus versos compõem uma expressão poética que se tornou matriz para muitos que o sucederam (cf. HYSLOP, 2003).

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[...] (BERMAN, 1986, p. 15)” que homens e mulheres do mundo todo ainda compartilham; que isso, ser moderno seria “[...] encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos”.

No campo da filosofia – diz Habermas (1990, p. 18) – foi Hegel quem deu contornos precisos ao conceito de modernidade e passou a empregá-lo em termos históricos, isto é, como conceito de época. Assim, os “novos tempos” seriam os “tempos modernos”. Na ótica hegeliana como a descreve Habermas (1990, p. 18), o “nosso tempo” é a “época mais recente”, logo a modernidade é uma delimitação dessa época, da “Idade Moderna”, e contém conceitos derivado da expressão “tempos modernos” ou “novos tempos”, cuja significação, válida até o presente, prevê as ideias de “[...] revolução, progresso, emancipação, desenvolvimento, crise, espírito da época, etc.

Também Habermas (1990) trata da modernidade: em essência, o conceito de modernização se refere a processos cumulativos mutuamente reforçados na delineação do que seja modernizar. Esse filósofo alemão particulariza tais processos em planos distintos: do capital – sua formação e a mobilização de recursos; do desenvolvimento da força de produção e do trabalho – em que a produtividade tem de aumentar sempre; do “[...] estabelecimento de poderes políticos centralizados [...] [da] formação de identidades naturais, [da] expansão de direitos de participação política, de formas urbanas de vida e de formação escolar formal, [da] secularização de valores e normas, etc.” (HABERMAS, 1990, p. 14).

O IDEáRIO LIbERALIStA NO bRASIL

No dizer de Bobbio (1991), o liberalismo pode ser entendido como filosofia política da época moderna; dou-trina gestada na Inglaterra, ao longo do século XVii, cuja

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formulação precisa surgiu no Segundo Tratado do Governo civil, de John Locke (1632-1704). Paim (1984, p. 81) reitera esse conceito nestes termos:

Incorporadas ao Bill of Rights (1689), as teses lockeanas enriqueceram-se pela prática parlamentar inglesa, durante o século XViii, do mesmo modo que pela teoria do liberalismo econômico de Adam Smith (1723-1790). Justamente esse conjunto de doutrinas é que se tem em vista quando se associa o liberalismo à sociedade industrial do tipo capitalista. Convém precisar, finalmente, que o liberalismo assim concebido – e que se caracterizará de forma apropriada logo adiante – evolui para incorporar a idéia democrática, notadamente a partir da segunda metade do século XiX, sem que o processo requeresse maiores alterações no arcabouço básico mas apenas a ampliação do conceito de representação. Esta, na versão original, aplicava-se apenas à elite dirigente, proprietária.

Se algumas das raízes do liberalismo remontam ao humanismo (como a contestação da autoridade da Igreja), os movimentos tidos como liberais surgem à época do Ilu-minismo (a exemplo da oposição à monarquia absoluta e ao mercantilismo). Para Weffort (2006), a teoria política de Locke, no Segundo Tratado, seria a primeira e mais completa formulação do Estado liberal, pois está em sua filosofia a defesa dos direitos naturais inalienáveis do indivíduo (direito à vida, à liberdade e à propriedade). Para Locke – diz Weffort (2006) –, antes que a sociedade e o Estado surgissem, o ho mem vivia no estado de natureza – estágio pré-social e pré-político – em que gozava de liberdade e igualdade e era dotado de razão.

A história do liberalismo, como ideologia hegemô-nica, aponta, como princípio, a necessidade de o governo pre servar a liberdade individual – liberdade como algo fun damental aos direitos políticos e ao Estado. Em linhas gerais, o liberalismo se associa ao direito de discordar da autoridade política e religiosa e rejeitar fundamentos de sistemas passados de governo político, a exemplo do reinado como algo divino e da hereditariedade; de usar o voto para

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escolher governantes; de ter igualdade perante a lei e de que todos tenham direitos iguais baseados em leis e que não infrinjam a liberdade do outro; assim como direitos individuais e civis (à vida, à liberdade e à propriedade). Sub jacente a essas ideias, está o princípio de que o homem nasce livre e a sociedade tem de proporcionar meios para que ele aja livre e conscientemente.

No Brasil, o ideário do estado liberal penetrou, se-gundo Paim (1998), na voz de intelectuais que foram estudar em países europeus e nos Estados Unidos. Proclamada a República, a doutrina liberalista se consolidou graças à intelectualidade, que a incorporou em sua discussão sobre mudanças. Esse autor afirma que um defensor convicto dos ideais liberalistas na Primeira República foi Rui Barbosa, cujas campanhas presidenciais de 1910 e 1919 apresentaram plataformas permeadas pelo pensamento liberal, numa tentativa de estruturar o liberalismo como orientação da opinião nacional. Conforme Machado (2009), Rui Barbosa divulgou o projeto de modernização e se envolveu na mudança do trabalho escravo para o livre, da monarquia para o republicanismo e da economia agrária para uma industrial. Ainda segundo esse autor, modernizar para Rui Barbosa significava, sobretudo, educar o povo com um sistema nacional de educação e uma reforma do sistema de ensino de então. Mas, embora ele reconhecesse a educação como fator de desenvolvimento, progresso e liberdade, Machado (2009) afirma que progredir ia além da criação de condições materiais: significava manter a ordem necessá-ria à sociedade burguesa. Assim, os traços liberais em Rui Barbosa não anulam, em sua obra, a força do espírito de uma época de uma sociedade que aspirava à modernização, porém mantendo a estratificação social. Daí se deduz um liberalismo ineficaz.

Segundo Paim (1998), o liberalismo foi mais fértil na década de 1920, quando muitos movimentos contestatórios surgiram, o capitalismo deu sinais de expansão, e a sociedade civil foi instada a participar mais da vida pública mediante o voto. Todavia, a Constituição de 1891 restringiu o direito de

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votar;4 e essa restrição – sobretudo ao voto popular – indica um liberalismo conservador e contraditório: a defesa em prol de uma participação maior da sociedade civil na vida pública ignorava que a maioria expressiva da população estava legalmente alijada do direito de votar. Assim, se o liberalismo se comprometia fundamentalmente com a consolidação e o desenvolvimento de instituições do sistema representativo e o direito de votar, democratizar o sufrágio, segundo Paim (2000), tornou-se um desafio enorme para doutrina liberal, no século XX; afinal, em seus primórdios, esta não se comprometia com o ideal de democracia. Seu propósito era frear e limitar o poder absoluto do monarca. Nessa ótica, a democratização via sufrágio distorceu o ideário liberalista. Para Paim (2000, p. 132), os liberais de países como o Brasil “[...] são instados a reconhecer que as tradições culturais predominantes lhes são desfavoráveis. Sem enfrentar essa questão, dificilmente serão capazes de formular políticas mobilizadoras, aptas a contribuir para a consolidação e a subsequente hegemonia das tradições liberais”.

Com efeito, as classes dominantes na Primeira Re-pública, afirma Pinheiro (1997), tinham gostos e opiniões conservadoras, além de serem arraigadas ao status quo. Estrategicamente, diziam querer a democracia, mas repro-duziam a exclusão política do império. O governo mineiro de Antônio Carlos e Francisco Campos não foi exceção, pois sua política de feição liberal – que defendia o direito de voto a todos – excluía muitos cidadãos. Paim (2000,p. 114) explica isso assim: a representação política libe-ral, em geral, afirmava que, numa democracia, os cidadãos agem “[...] principalmente para maximizar o seu interesse pessoal e sua renda. Os partidos políticos, por sua vez, for mulam políti cas para ganhar eleições e não o inverso,

4 “Art. 70 – São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei. § 1º – Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados: 1º) os mendigos; 2º) os analfabetos; 3º) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior; 4º) os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade Individual” (BRASIL, 1891).

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isto é, não ganham eleições para formular políticas”. Em outras palavras, o partido político deve catalisar interesses e reprimir intenções particulares que visassem a uma sobreposição ao interesse geral.

Embora, as ideias modernizantes que marcam a re-forma educacional, concebida por Francisco Campos e reiteradas pelo então presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos, nos impeçam de incluí-los nessa elite oligárquica que travou a modernização do estado, o mesmo não pode ser dito de sua condição de representantes políticos de tal elite, mesmo que isso fosse uma oposição à postura de liberalistas que os dois sugeriam ter. Segundo Peixoto (1983), o presidente de Minas afirmou a importância do voto livre e secreto, assim como reiterou seu esforço para assegurar que esse direito fosse exercido com liberdade. Caso se possa dizer que ideologicamente a campanha política de Antônio Carlos tenha configurado uma luta pró-liberdades públicas e tradições liberais e anti-Esta-do analfabeto, oligárquico e autoritário (mesmo que a oligarquia compusesse sua base política essencialmente); também pode ser dito que a bandeira liberalista de campanha teve fins político-eleitoreiros, isto é, foi uma tentativa de anga riar apoio popular citadino. Ora, 17% da população no perío do enfocado – como se lê na Tabela 1 – residia na cidade, logo defender os interesses desse povo era ignorar que 83% da população brasileira era rural. Isso relativiza a bandeira liberalista sob qual Antônio Carlos se elegera dirigente do estado.

Podemos perceber, nos discursos presidenciais de Antônio Carlos e Francisco Campos, a ausência de ben-feitorias e discussões sobre a educação rural, mesmo que o estado fosse classificado como terceiro em termos de valor de propriedades rurais – estava atrás de São Paulo e Rio Grande do Sul.

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Tabela 1 – População residente por domicílio – 1900-2000

anOPOPulaçãO eM Milhões

Rural % Urbana % Total1900 15 300 000 90 1 700 000 10 17 000 0001920 27 500 000 83 4 600 000 17 32 100 0001940 28 300 000 68,1 12 900 000 31,3 41 200 0001950 33 200 000 63,8 18 800 000 36,2 52 000 0001960 38 800 000 55,5 31 300 000 44,5 70 100 0001970 41 100 000 44,1 52 100 000 55,9 93 200 0001980 38 600 000 32,5 80 400 000 67,5 119 000 0001991 35 800 000 24,5 111 000 000 75,5 146 800 0002000 31 800 000 18,7 138 000 000 81,3 169 800 000

Fonte: Instituto Brasileiro de Georgrafia e Estatistica/IBGE, 2002.

Ainda seguindo a ótica liberalista, Antônio Carlos e Francisco Campos queriam disseminar a educação primária pública, gratuita e de qualidade a toda a população de Minas. Conforme Paim (2000, p. 146), os educadores liberais tiveram papel central na assimilação do consenso de que a educação obrigatória (fundamental ou básico) seria capaz de “[...] elevar os padrões de renda e eliminar a pobreza [...] à medida que o sistema representativo ganhou dimensão universal”. Se assim o for, então convém entender um pouco das relações entre liberalismo e processo pedagógico nos anos 1920, sobretudo com a difusão do movimento da escola nova, importante para constituir o pensamento liberal no mundo e fundar teoricamente a educação para a cidadania. A educação liberal é

[...] em primeiro lugar, a herdeira do sistema de ensino criado na Época Moderna pelas igrejas protestantes e que, no século passado, tornara-se uma incumbência das comunidades, conhecido pela denominação de educação popular. Essa transição das escolas confessionais para o sistema público deu lugar a um grande embate – de natureza teórica, mas envolvendo também encarniçada luta política –, que determinou pelo estabelecimento de uma legislação fixando o caráter do ensino oficial, de maneira que não interferisse na liberdade religiosa. Somente em nosso século este sistema de ensino foi batizado de forma adequada. Chamou-se de educação para a cidadania. (PAIM, 2000, p. 137).

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A influência do liberalismo na educação do Brasil veio, em especial, de Dewey, isto é, da escola nova, que pretendia – diz Paim (1998) – levar a proposta liberal ao plano curricular-pedagógico e, assim, fazer surgir uma edu-cação para a cidadania.

Ao apontar diferenças entre a educação tradicional e a progressiva, Dewey afirmou que a fundamentação teórica da primeira se baseia em informações e habilidades produzidas no passado e transmissíveis às novas gerações com certos padrões; os quais passam a balizar, conforme diz Valdemarim a “[...] organização em horários, esquemas de classificação, avaliação, promoção, método de instrução, dis ciplina, o livro como objeto material essencial e a imposição às crianças dos padrões dos adultos”. Numa educação pro-gressiva, a educação proposta por Dewey cultivaria a “[...] individualidade, a atividade livre, a aprendizagem pela experiência, o aproveitamento das oportunidades da vida presente próprias de um mundo em mudança” (2010, p. 78).

A defesa do movimento escolanovista mostrava uma visão de educação como instrumento apto a reformar e cons truir uma sociedade, buscava-se, neste momento, rom-per com a educação dita tradicional, e este desejo estava pre sente nas falas de Antônio Carlos e Francisco Campos, onde defendiam que a escola:

[...] para ser educativa, deve estar em continuidade com a vida social, de que se constitui em prolongamento e de-pendência, pois se destina a transmittir pela educação os processos sociaes em uso; mas, a escola, como instrumento educativo, não se limita apenas á transmissão passiva, senão que transmitte corrigindo, rectificando, aperfeiçoando e melhorando, de onde a sua influencia sobre a sociedade, cujas tendências e aspirações inculca ás creanças não sob a fórma vaga e impalpavel do ideal, senão sob a fórma de hábitos, costumes, regras de vida e disciplina da in-telligencia e da vontade (CAMPOS, 1930, p. 14).

Nagle (2001, p. 310) afirma que não havia indícios

claros de um movimento liberal; este ganharia contornos nítidos em meados dos anos 1920, quando o escolanovismo

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no país – diz esse autor – entra na fase da difusão de seu ideário.

Nesta fase se encontra a difusão sistemática dos ideais da Escola Nova, período em que a literatura educacional, além de se expandir, se altera qualitativamente, dada a frequên-cia com que se publicam trabalhos sobre assuntos refe-rentes à “nova pedagogia”. Ao mesmo tempo se difundem as novas idéias e aparece a nova literatura, se processa a infiltração do escolanovismo no movimento reformista da instrução pública: na década de 1920 tenta-se, pela primeira vez, realizar o novo modo de estruturação das institui ções escolares. (NAGLE, 2001, p. 310).

Como produto da década de 1920 e da lavra de dois políticos de extração liberal, a reforma Francisco Campos não podia fugir a esse ideário. Isso fica patente na proposta de mudança coerente com a efervescência ideológica e a inquietação social ante um descompasso entre forças sociais dominantes (a oligarquia) e forças sociais emergentes (a modernização). Se for correto que o programa de governo de Antônio Carlos e Francisco Campos buscava suprir demandas sociais, como a educação para todos, seguindo a bandeira liberal; também é correto dizer que essa deixa-va entrever contradição, sobretudo se considerarmos que Campos se tornou ministro da justiça do Estado Novo, contrário às ideias liberalistas defendidas por ele, quando estava envolvido com o governo mineiro. Mais que isso, essa contradição possibilita aventar a ideia de que as demandas que tentaram não eram aquelas das forças emergentes, mas das forças conservadoras: as elites mineiras.

O quadro político brasileiro, sobretudo em Minas Gerais, tinha uma feição complexa porque traduzia a von-tade das oligarquias estaduais de conservar privilégios, lançando mão de estratégias políticas espúrias. Tais estra-tégias ganhavam forma na mão de políticos que, não raro, provinham da classe oligárquica e que compunham a “elite” intelectual do país. A presença de Francisco Campos no governo Antônio Carlos, como político e intelectual pode

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ser tomada como exemplo da presença oligárquica, numa proposta liberal de governo e de educação.

Subjacente a essa presença estava o pressuposto de que – diria Pécaut (1990) – os intelectuais brasileiros, su-postamente quem detinha o conhecimento, estavam aptos a solucionar problemas sociais graves como o analfabetismo e a suposta ignorância do povo. Entregaram-se à ação política como se tivessem qualificação e preparo especial para fazê-lo. Muitos se tornaram protagonistas políticos cen trais, como Francisco Campos. Uma vez na elite diri-gente, acreditavam que viam a “realidade brasileira” como ninguém: conheciam os mecanismos sociais e os interesses profundos de grupos distintos, então se posicionavam como mediadores indispensáveis às classes. Ainda segundo Pécaut, com o processo de decadência do Estado oligárquico, os intelectuais, originários de famílias dessa estirpe, buscaram se projetar na política ante o temor de perder o status e o estilo de vida das elites ditas cultas. A política era a opor-tunidade de terem uma ocupação profissional, que lhes daria visibilidade pública e preservaria sua posição nas elites dirigentes. Essa estratégia marcou o período posterior à passagem do Império para a República, quando gerações sucessivas de políticos-intelectuais e intelectuais-políticos abra çaram as causas do povo em prol de um “projeto na-cional” e invocaram a “realidade nacional”, nos termos de Pécaut, em prol da construção de outra sociedade.

Todavia, para esse autor, tal engajamento soava falso. Ora, como burgueses de origem, os intelectuais-políticos não se desvinculavam de seus interesses específicos nem agiam para “[...] fazer prevalecer valores de justiça. Apenas o faziam porque o intelectual tinha de estar à altura da construção da nação, portador que era da identidade nacio nal e, além disso, detentor do saber relativo às leis da evolu ção histórica” (PÉCAUT, 1990, p. 6). Para ele, os intelectuais jus tificavam sua presença na política porque o povo era igno -rante e classes sociais se formavam; dada a ignorância do povo, seria fácil lhe incutir ideologias; enfim, a ideologia permitia que fossem da elite, quando necessário e do povo, quando conviesse.

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IDEAIS DE mODERNO E mODERNIzAÇÃO NO bRASIL

O desejo de fazer o país progredir via educação – preparar o povo para ocupar seu espaço no processo de industrialização – era sintoma de um fenômeno mais amplo: a inserção do Brasil na modernidade; isto é, em uma nova consciência de mundo, uma nova sensibilidade, uma nova percepção de realidade que mudou costumes seculares e a organização social de estilos de vida tradicionais. Seus indícios mais notáveis foram reconhecidos na Europa do século XVii, em especial na Revolução Industrial. A modernidade se difundiu no mundo como dinâmica de desenvolvimento e exaltação do presente e do futuro – diga-se, de desdém pelo passado – e se traduziu em fenômenos variados: modo de produção baseado no trabalho mecânico (produção em larga escala de bens de consumo), urbanização, outra sensibilidade estética e difusão maciça da alfabetização, para ficarmos em algumas das esferas impactadas.

Nas décadas iniciais do século XX, o país passou por transformações políticas, econômicas e sociais decisivas para entrar na chamada era moderna. Tais transformações se vincularam, em especial, à crise que acometeu o Estado oligárquico (crise detonada após a Primeira Grande Guerra e consolidada pelo movimento revolucionário de 1930) e à transição econômica, em que a base agrário-exportadora (cafeeira) começou a dar lugar à industrial-urbana. A tran sição supôs uma dependência maior dos países mais desenvolvidos e levou a classe agrário-latifundiária (pro-dutores de café) a investir noutros setores. Começava, assim, a constituição de outra feição para a sociedade, marcada pela industrialização, em especial e que fomentou um debate denso sobre problemas sociais básicos, que exigiam solução urgente, a exemplo da educação escolar.

O futuro das instituições democráticas depende, sobretu-do, da orientação e do incremento do ensino primário. Saber ler e escrever não são, porém, títulos sufficientes á cidadania, digna deste nome. Não basta, pois, difundir o

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ensino primário para dilatar os limites da cidade. Si este ensino não forma homens, não orienta a intelligencia e não distila o senso commum, que é o eixo em torno do qual se organiza a personalidade humana, poderá fazer eleitores, não terá feito cidadãos. [...] Assim, pois, ao que me parece, o melhoramento ou aperfeiçoamento do ensino primário é obra de muito mais relevância e de maior urgência do que o da sua diffusão por processos inadequados (CAMPOS, 1930, p. 101; 102).

A escolarização (principalmente a primária) passou a ser objeto de uma reflexão intensa entre os intelectuais e políticos porque, supostamente, anularia um entrave central ao progresso: os altos índices de analfabetismo. Como podemos perceber nesta passagem a atenção destinada à educação, no governo Antônio Carlos e Francisco Campos:

Organizar a instrução primária em moldes simples e concisos, de modo a augmentar o seu coefficiente de rendimento útil e a facilitar e incrementar a sua intensa diffusão, tornando-a presente e efficaz em todo o território do Estado, cuja área escolar deve tender, o mais rapidamente que for possível, a coincidir com a sua área geographica, incorporando, assim, aos benefícios da civilização a densa e compacta massa de analphabetos, transformando-os em outros tantos instrumentos de producção de bens econômicos e espirituaes; ahi está uma urgente e imperativa exigência, não somente da nossa vocação democrática, como dos interesses fundamentaes da circulação e incremento da riqueza coletiva (CAMPOS, 1930, p. 71).

Mais que isso, a escola seria um instrumento valioso para disseminar o novo ideário que se impunha na sociedade (ROdRigues, 2006). Evidentemente, a instrução escolar preocupava os dirigentes do país já na época imperial, quando a educação foi objeto de reformas. Porém, foi a partir da década de 1920 que ela se projetou com vigor, porque a formação educacional foi vista como condição-chave à preparação do povo (mão de obra) para as atividades econômicas, que a industrialização anunciava.

Renovaram-se a comprehensão, as exigências e a finalidade do ensino primário, os seus methodos, os seus processos e

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os seus programmas; uma larga e fecunda actividade prática e theorica tem-se exercido, infatigavelmente, na investiga-ção dos seus termos, dos seus fins e dos coefficientes intellectuaes e moraes de sua organização; experiências, tentativas, reformas e projectos multiplicam-se, dia a dia, no sentido de approxima-lo cada vez mais das finalidades e exigências que lhe estão, visivelmente, a impor não apenas o estado actual, senão as formas virtuaes que tendem a revestir e definir a nossa cultura e, por conseguinte, a nossa concepção dos valores humanos (CAMPOS, 1930, p. 41)

Eis por que se diz que os anos 20 foram prolíficos em reformas da educação nos estados, das quais algumas se tornaram relevantes para a educação nacional; assim como foi comum a projeção política nacional de muitos dos intelectuais que elaboraram tais reformas, a exemplo de Francisco Campos.5 Mais que isso, essa década abriga marcos legitimados da modernização brasileira, o que indica atraso na penetração do ideário modernizante na sociedade.

Com efeito, mas não é incorreto supor que o país já havia experimentado processos modernizantes no século XIX, ou seja, os processos sociais de que fala Berman. Não se pode negar que a mudança de monarquia para república e a abolição da escravatura não apontem uma modernização; assim como apontam-na a construção de ferrovias e portos, numa economia ainda de base agrária

5 Francisco Campos é natural de Dores do Indaiá (MG), cidade que, segundo Oliveira (1996), influenciou sua formação pessoal, intelectual e política. Sua infância ocorreu no momento em que políticos locais levaram a efeito iniciativas que pudessem fazer a cidade progredir. A população local tinha entusiasmo pelas artes e havia um panorama cultural promissor: teatro, jornais e biblioteca com acervo diverso já em 1903. Essa tendência se refletia na educação, cuja qualidade preocupava as autoridades, pois a viam como indício de progresso – coerentemente com o ideal republicano de então. Após iniciar seus estudos nesse ambiente, Campos foi, em 1910, estudar Direito na Faculdade Livre de Direito. Academia de ciências políticas, jurídicas, econômicas e administrativas de grande projeção, essa faculdade ofereceu a ele um ambiente que influenciou sua formação política e estimulou sua produção intelectual, a qual lhe daria projeção pessoal e abriria perspectivas na carreira política. Uma vez advogado e jurista formado, Campos se elegeu deputado estadual, em 1919, pelo Partido Republicano Mineiro (PRM), mas deixou a Câmara em 1926, para assumir a Secretaria do Interior de Minas Gerais, na qual deu muita atenção à inspetoria da instrução; seu papel na política educacional do governo Antônio Carlos sugere isso.

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(latifúndio, monocultura e escravismo) e o desenvolvimen-to da atividade mercantil interna e da atividade bancária, cujo funcionamento demandava um público escolarizado. Como se pode supor, o país não estava de todo estanque, no momento em que a modernidade se impunha na Europa.

Todavia, esses acontecimentos têm menos visibilidade que os desencadeados a partir da década de 1920, sobretudo por causa da industrialização. Curiosamente, nesse decênio ocorre – digamos – a verbalização artística da modernização brasileira: a Semana de Arte Moderna, de 1922. Esse dado remete à afirmação de Habermas (1990, p. 19) de que, “[...] nas línguas européias da idade moderna, [...] a partir dos meados do séc. XiX, é que o adjetivo moderno foi subs-tanciado, e de novo pela primeira vez no domínio das Belas Artes”; e no que diz Le Goff sobre os vínculos do poeta Baudelaire com a ideia de moderno. Essas associações de modernidade com arte (belas artes, arte poética) permitem supor que os artistas foram dos primeiros a se conscien-tizarem de que o mundo havia mudado; noutros termos, outro marco da presença da modernização seria quando a voz dos artistas expressa as mudanças associadas com o conceito de modernidade. Pécaut (1990, p. 27) afirma a Semana de Arte Moderna como momento fundador:

Aspirando a renovar as formas de expressão da arte brasileira, definiu o conteúdo da modernidade cultural: contemporaneidade ao lado das vanguardas européias futuristas e surrealistas, sensibilidade à descoberta psica-nalítica e, simultaneamente, exploração dos alicerces da nacionalidade brasileira na busca de suas maneiras de ser, seus falares, sua diversidade étnica e cultural, e das indefinições que estão na raiz da sua universidade.

Contudo, poderíamos pensar – precipitadamente – que a modernização (aquela representada pela Semana de 1922) imitou as civilizações mais desenvolvidas econômica e socialmente – imitação esta representada pela influência das vanguardas artísticas europeias. Nesse caso, seria uma modernização contraditória porque a imitação reiteraria a ideia de que a sociedade brasileira ainda era primitiva.

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Pécaut (1990) esclarece, porém, que a assimilação não foi pacífica: o elemento estrangeiro teve de se submeter às singularidades nacionais. (Talvez por isso essa consciência dos códigos artísticos manifestada por quem articulou esse evento tenha tido tanta repercussão na produção artística nacional posterior, sobretudo na literatura.) E, mesmo passível de ser vista como contraditória, diz Pécaut (1990), essa modernização estimulou o engajamento político de quem a defendeu – a problematização do cosmopolitismo e nacionalismo (mais deste que daquele) era bem-vinda ao debate político-intelectual em torno de um projeto de modernização.

mODERNIzAÇÃO Em mINAS GERAIS

A ideia de contradição se associa, também, à moder-nização de Minas Gerais, onde esse processo foi gradativo e multifacetado. Os entraves centrais à difusão de elementos modernizantes foram o conservadorismo e a hierarquiza-ção. Os valores da sociedade mineira exposta ao processo modernizante eram os valores de uma sociedade agrária (estáveis e conservadores) e classista, cuja manutenção da condição de rico e de pobre legitimava e perpetuava a or-dem social, além de concentrar o poder mercantil, agrí-cola e político nas mãos de grupos fechados ligados por parentesco (WIRTH, 1982). Arraigada à tradição, essa sociedade era composta por uma população de feição rural e tinha uma economia de base agrária, voltada ao mercado interno e uma organização política ainda oligárquica. Nesse contexto socioeconômico, a assimilação dos elementos modernizadores foi desuniforme e pouco incisiva. Noutros termos, esbarrou na força da ordem oligárquica.

Segundo Wirth (1982), Minas Gerais apresentava mui tos contrastes. Por exemplo, tinha relações complexas com regiões mais ricas e dinâmicas do Sul, porém mantinha vínculos fortes com regiões mais dependentes do Norte. Além de energia e recursos naturais, tinha localização

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geográfica, que fazia do estado uma via de passagem im-portante, econômica e socialmente, e potencial industrial, de trans porte e de renda estadual; porém, sua renda per capita era deficiente, o analfabetismo, alto e a saúde pública, precária. À força política (os mineiros dirigiram o país de 1889 a 1930, junto com paulistas e gaúchos) equivalia a fraqueza socioeconômica. No dizer desse autor, a formação das cidades mineiras principia na dé-cada de 1920, com o êxodo da população rural, atraída especialmente pela oferta de trabalho. Contudo, mesmo tendo cinemas, farmácias, es colas e centros de saúde pú-blica, a maior parte das cidades pequenas mantinha vín-culos fortes com a vida no meio rural, pois ainda era o produto da produção rural que mantinha a economia delas.

Todavia, assim como é plausível reconhecer indícios de modernização no Brasil, já na segunda metade do século XIX, Antonio Paula (2000) considera que o estado de Minas Gerais nasceu moderno. Prova disso seriam o crescimento da urbanidade (vilas) e uma estrutura de ocupação diversificada, que intensificou o comércio interno graças à mineração aurífera, à atividade manufatureira e à formação da indústria. Segundo Paula (2000), a urbanização trouxe outro padrão de sociabilidade, novas relações políticas e econômicas, novos costumes, novas sensibilidades e novas mentalidades. As cidades viriam superar a feição rural da sociedade mineira como indício-chave da modernização.

Se o processo de urbanização e a entrada do estado na era moderna tiveram como marco central o surgimento da capital Belo Horizonte, uma cidade planejada (WIRTH, 1982); a consolidação da vida urbana foi reforçada por outro símbolo-chave da modernização: o surgimento da indústria. Além da produção de bens de consumo e do desenvolvimen-to de técnicas de produção, a industrialização motivou a reorganização espacial urbana, a disciplina e o controle, a di visão do trabalho, a renda e o consumo. E mais: impôs a discriminação e exclusão das classes inferiorizadas. Por isso se diz que a modernização em Minas não conseguiu suprir uma das promessas do processo modernizante: estabelecer

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“[...] relações econômicas capazes de produzir a melhoria das condições de vida do conjunto da população” (WIRTH, 1982, p. 81). Noutros termos, a modernização “à mineira” não enfraqueceu o tradicionalismo e conservadorismo da elite, ainda “[...] localista e isenta de crises de identificação e função [...]” (WIRTH, 1982, p. 147).

Não se pode negar, porém, que a modernização do estado, que despontava na década 1920, não tenha trazido novas concepções, a exemplo das formas de conceber a educação, que passou a ser vista ponte para o progresso. Era preciso educar as massas – diria Wirth (1982) –, trans-formá-las em outros tantos instrumentos de producção de bens econômicos” – diria Francisco Campos (1930, p. 71). Afinal, mesmo que a instrução pública preocupasse o go-verno provincial, isso não bastou para reduzir os índices de analfabetismo: “chaga” cuja extirpação supunha incluir a escola na reorganização do espaço urbano motivada pela industrialização. Dito de outro modo, era preciso reformar o sistema de instrução pública, visto que da educação do povo dependia o progresso do estado (e do país).

REFORmA FRANCIS CO CAmpOS: O pROjEtO mODERNIzADOR mINEIRO

Com efeito, reformas da educação estiveram na pau-ta da política educacional mineira, nas primeiras décadas do século passado: em 1906 (João Pinheiro),6 em 1910 (Wenceslau Brás),7 em 1910-1 (Bueno Brandão),8 em 1915-6

6 Criou o sistema de grupos escolares; reformulou os níveis primário, normal e superior; começou a pensar na criação de “escola normal modelo”; aprovou o regimento interno dos grupos escolares e reforçou a fiscalização; prescreveu os métodos intuitivo e prático, dentre outras ações. Contudo, não inovou no ensino normal, que continuou a ser simples e resumido.

7 Aprovou o regulamento da reorganização escolar, na qual uma mudança-chave ocorreu na duração do curso normal (de três anos para quatro), além de classificar a escola normal de Belo Horizonte como modelo.

8 Pouco distinta da reforma João Pinheiro, determinou normas ao pré-primário, primário e normal, criou escolas rurais, previu escolas dominicais, fixou diretrizes para exercícios físicos e, sobretudo, estabeleceu a primeira escola infantil.

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(Delfin Moreira),9 em 1924-6 (Mello Viana),10 além das modificações educacionais feitas durante o governo Artur Bernardes (1921-4).11 Essas iniciativas reformistas antecederam a reforma que se tornaria a mais importante: a Reforma Educacional Francisco Campos, levada a efeito pelo governador Antônio Carlos Ribeiro de Andrada12 e seu secretário de Interior, Francisco Luís da Silva Campos. Mais ampla que a reforma de 1925, a de Francisco Campos foi anunciada na festa cívica do primeiro Centenário do Ensino Primário, da qual participaram seis mil pessoas, com crianças cantando o hino, desfile e lançamento de edição especial da Revista de Ensino, órgão oficial da diretoria de Instrução Pública, conforme (VIDAL, 2009) e (BICCAS, 2011).

Segundo Peixoto (1983), a reforma de Campos se preocupou com a face técnico-pedagógica da escola, assim como com uma renovação escolar coerente – diria Abreu (2001, p. 999) – com os “[...] postulados da ‘escola nova13’”,

9 Sem fazer mudanças fundamentais, fixou instruções ao ensino da escola infantil.

10 Estipulou gratificação especial a docentes normalistas, alinhou muitas escolas normais à Escola Normal Modelo e criou numerosos grupos escolares; também aprovou o Regulamento do Ensino nas Escolas Normais e programas de ensino para o jardim de infância e para cursos complementares, primários agrícolas e ensino primário.

11 governador, Artur Bernardes; secretário do Interior, Afonso Pena Júnior. Como mudanças mais importantes, essa reforma criou escolas rurais, nomeou professores de ensino primário e facultou o ensino da religião católica; os quesitos organização, metodologia e programas não foram revistos, embora tenha atido ao ensino universitário com a criação da Escola Superior de Agricultura e Veterinária.

12 Natural de Barbacena (Mg), estudou segundo métodos pedagógicos con-trários ao castigo físico e favoráveis à persuasão e ao apelo à dignidade como atitudes mais aptas à formação de cidadãos dignos. Na faculdade de Direito de São Paulo, deu vazão à vocação e ao desejo de participar da vida política, entusisamdno pela causa republicana e pelo liberalismo clássico. Sua preocupação com o ensino escolar foi tal que a educação se tornou um compromisso expressivo de sua plataforma de governo. Ciente da situação precária da educação, ao assumir a presidência de Minas focou na melhoria dos níveis primário e normal, sobretudo. Também reiterava o pressuposto de que o aprimoramento do ensino primário era condição direta para o progresso social e econômico.

13 A escola nova tem no pensamento de John Dewey uma de suas bases centrais. No dizer de Veiga (2007), Dewey espera, dentre outras coisas, que a escola seja

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então difundidos no país na voz de educadores como “[...] Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo” [...] no pós-Primeira Guerra Mundial.

Como reiteramos até aqui, se modernizar significava, então, romper com a tradição do passado, podemos supor que os postulados da escola nova representavam a mo-dernização, pois propuseram uma quebra da tradição no ensino, isto é, do que Campos – segundo Abreu (2001, p. 999) – via como retórico e ornamental, próprio para formar elites; logo, a escola nova, supostamente, opunha-se a isso, uma vez que “[...] deveria ensinar a pensar, a inventar e a criar soluções para a multiplicidade de novos problemas da complexa vida moderna”. Para Campos, ainda segundo esse autor, a orientação e o incremento da instrução primária não poderiam “[...] fazer eleitores” se não os tivessem “[...] feito cidadãos” antes, mediante uma educação que formasse homens e orientasse a inteligência. Para Campos – diz Medeiros –, o futuro das instituições democráticas dependia dessa formação. Dito de outro modo, a “escola nova” poderia embasar a formação de cidadãos aptos a participar da sociedade moderna pelo voto (a democracia como participação de todos). Como quer Nagle (2001), a escola ajudaria fundamentalmente a consolidar a sociedade moderna democrática e modernizar o estado de Minas.

Se essa reforma compunha o processo moderniza-dor de Minas Gerais, estaria ela isenta de contradições? O discurso pró-modernização de Campos não replicava as contradições desse processo em Minas? Teria ele esbarrado na estrutura oligárquica – conservadora e arcaica – do estado? Vejamos como se apresenta o discurso do Francisco Campos secretário dos Negócios do Interior de Minas Gerais; cremos que aí seja possível reconhecer ideais de moderno e modernização relacionáveis com a proposta educacional patente na reforma da educação que ele elaborou.

capaz de estimular o desenvolvimento dos interesses fundamentais da criança: comunicação verbal, descoberta, capacidade de construir objetos etc. O espaço escolar seria, então, uma “comunidade em miniatura” capaz de estimular e facilitar vivências produtivas laboratoriais e em oficinas, por exemplo, assim como os jogos (VEIGA, 2007, p. 227).

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mODERNIzAÇÃO NAS IDEIAS EDUCACIONAIS DE FRANCISCO DE CAmpOS

O livro Pela civilização mineira (1930) reúne discursos de Campos publicados em documentos da Secretaria dos Negócios do Interior que, talvez, permitam encontrar uma via de compreensão e interpretação da reforma de ensino, elaborada por ele e levada a efeito no governo de Antônio Carlos. Consideremos o trecho a seguir, que compõe o documento “Exposição de motivos do Novo Regulamento do Ensino Primário – 14 de outubro de 1927” e dá pistas da visão geral que Campos tinha de educação escolar e a ser educada:

Si a escola, porém, pela educação, adapta a creança á vida social, fazendo-a assimilar a ordem intellectual e moral reinante, de que é um poderoso instrumento de conservação, ella, por sua vez, como órgão de aspirações e de ideaes, reage sobre a sociedade, a cujo serviço é destinada, introduzindo-lhe na circulação fermentos e reactivos que lhe provocam alterações e transformações profundas, agindo, quer immediatamente, por influencia directa, quer mediata e indirectamente, por intermédio dos futuros cidadãos, cuja intelligencia e cujo caracter receberam a marca da sua influencia, indelével por que impressa em metal ainda em via de resfriamento e de condensação e, por conseguinte, plástico e ceroso. (CAMPOS, 1930, p. 13).

Essas palavras deixam entrever que a educação escolar reflete aspirações de cada época e sociedade, conserva a ordem (intelectual e moral) vigente e visa “adaptar” a crian-ça à vida social. Adaptar, nesse caso, sugere moldá-la à vida em sociedade, daí a comparação metafórica com a ideia de metal quente, isto é, pronto para ganhar formas mediante a manipulação esmerada, disciplinada e rigorosa do metalúrgico (do professor). O documento cita várias outras questões sugestivas de um ideal modernizador no discurso de Campos, dentre as quais estão estas: garantir cooperação entre escola e meio social; fazer valer a condição da escola como miniatura da sociedade; apontar a educação primária

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como algo que não prepara para a vida escolar; entender mais o desenvolvimento físico e psíquico da criança mediante a psicologia e biologia; recorrer a orientações e pensamentos novos acerca do processo de ensino e aprendizagem, afinal “[...] quem não está aberto a inovações [à modernização] é retrogrado”; introduzir o método Decroly (centros de interesse); qualificar os programas de ensino e a formação docente reformando o ensino normal; inspecionar a parte técnica da educação; oferecer assistência escolar médica e odontológica; organizar o conselho superior de educação e o magistério em carreira regular; enfim, aparelhar e construir prédios escolares. Com efeito, o documento é abrangente, o que permite cogitar que, para Campos, me lhorar a educação era fator central ao progresso (à mo-dernização) de Minas Gerais.

Uma ideia central no discurso de Campos foi a de que qualificar a escola normal – diga-se, prover formação docente pedagógica especializada – era premente para qualificar a escola primária. Talvez por isso Fiz seguir para os Estados Unidos um grupo de professores, para que ouvissem, por dois annos, os especialistas na matéria. Contratei na Suissa, França e Belgica, professores de nomeada para o aperfeiçoamento de nosso professorado (CAMPOS , 1930, p. 235). Na “Exposição de motivos do Regulamento do Ensino Normal – 20 de janeiro de 1928”, ele advoga o papel central do professor e da presença de técnicos e psicólogos no ensino normal, assim como da biologia, higiene e psicologia educacional. O “Discurso de installação do curso de aperfeiçoamento – 14 de junho de 1928”, que trata do aperfeiçoamento docente, reforçou o conteúdo da “Exposição... de 1928”. Acrescente-se que esses dois documentos revelam uma aspiração à reforma do espírito, dos processos e da organização do ensino primário. Con-tudo, mais que renovar e readaptar a escola normal, era preciso rever:

[...] as exigências e a finalidade do ensino primário, os seus methodos, os seus processos e os seus programmas; uma larga e fecunda actividade prática e theorica tem-se exercido,

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infatigavelmente, na investigação dos seus termos, dos seus fins e dos coefficientes intellectuaes e moraes de sua organização; experiências, tentativas, reformas e projectos multiplicam-se, dia a dia, no sentido de approxima-lo cada vez mais das finalidades e exigências que lhe estão, visivelmente, a impor não apenas o estado actual, senão as formas virtuaes que tendem a revestir e definir a nossa cultura e, por conseguinte, a nossa concepção dos valores humanos. (CAMPOS, 1930, p. 41).

Como se pode ler nessa passagem, renovar a educação se ajustava a necessidades maiores: aquelas da sociedade moderna. Eis por que a reforma tinha de ser profunda, mediante experiências, projetos e atividades práticas e teóricas que redundassem em métodos e técnicas para qua-lificar a educação; isto é, suprir os interesses da sociedade que se formava – diria Carvalho (1998, p. 169): uma ade-quação de populações urbanas resistentes à ordem da modernidade, “[...] adequação dos costumes urbanos às exigências do trabalho industrial na ordem capitalista”, na qual a escolarização poderia ser alternativa ao controle pela violência policial (caRValhO, 1998, p. 169). Esse aprofundamento fica patente na defesa da presença das cadeiras de biologia e psicologia educacional.

O estudo da biologia humana e de hygiene não podia deixar de integrar-se, como disciplina autônoma, no curso destinado á formação do professorado primário. A influencia dos pontos de vista biológicos sobre a educação, a necessidade do conhecimento das formas que actuam no crescimento physico e mental das creanças, dos fatores organicos que determinam as suas reacções, que o ensino da biologia humana não podia deixar de constituir uma parte das mais importantes do curso normal graduado (CAMPOS , 1930, p. 51).

Supostamente, essas áreas poderiam proporcionar um conhecimento maior da fisiologia e da intelecção da criança; mais que isso, traduziam uma “pedagogia moderna” em que

A “ciência suprema do mestre” residia no “conhecimento do discípulo” no método tradicional”, os alunos se

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dobravam a “rígidas prescrições gerais”; no “método moderno”, o ensinamento é que se adaptava “ao discípulo como centro do mundo escolar”. Tal adaptação deveria alicerçar-se em “estudo profundos sobre a evolução física, moral e intelectual da criança, nos quais a “pedagogia experimental’ vinha-se “firmando brilhantemente” [...] A “psicologia moderna” fornecia as “regras diretoras da es-cola nova: fazer agir a criança; ocupá-la em trabalhos cuja utilidade ela sinta; despertar o interesse a fixar a atenção, partindo sempre do conhecido para o desconhecido, do fácil para o difícil, encadeando observações ate a descoberta de um principio e a verificação ulterior das aplicações desse principio inconscientemente já feitas”. (CARVALHO, 1998, p. 228).

Também a psicologia contribuiu para a renovação escolar, com técnicas educacionais que modificavam o comportamento e a experiência do educando; as quais Campos acatou, do contrário não teria criado a cadeira de Psicologia Educacional no curso normal – para ele, isso “[...] representa uma necessidade imperiosa, cuja sa-tisfação vem integrar o curso normal de uma disciplina indispensável á formação da mentalidade do professor primário”. [...] a psychologia, não apenas a psychologia geral, mas a psychologia educacional, constitui parte in-dispensável ao equipamento intellectual do professor pri mário. Certamente, com Ella, os que forem providos de dons especiaes, terão, com esses dons accrescidos pela sciencia e aquelles que forem cegos da intuição terão, com Ella, de certo modo, supprida a sua cegueira. (CAMPOS, 1930, p. 52).

A defesa de Campos da recorrência a áreas da ciência, que pudessem dar aporte à educação, se fundava no que ele via como uma organização poderosa: a indústria. Para ele, o conhecimento da organização racional do trabalho e da organização de técnicas industriais havia surgido da rotina, das práticas, dos hábitos, da repetição de processos industriais. Nesse caso, a escola como espaço de assimilação da moral, do saber e dos costumes vigentes supunha uma disciplina do corpo e do espírito dos alunos, que pudessem

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torná-los compatíveis com o universo fabril. O “Discurso de agradecimento, no banquete oferecido pelas classes intellectuaes de Bello Horizonte – 22 de outubro de 1926” mostra o quanto Campos estava alinhado ao processo de industrialização do país. Para ele, o desenvolvimento (a modernização) se vinculava à organização econômica, industrial e comercial, que garantiria a atividade social e política do país. A passagem a seguir ilustra essa afirmação:

Um paiz sem organização industrial e comercial, com toda a sua majestade, as suas dragonas, os seus parlamentos, as suas declarações de direitos, não passará de um embryão nacional, com uma vida de relação inteiramente artificial e inconsistente por insufficiencia dos seus órgão de nutrição. Até aqui temos cuidado mais de nossa vida de relação do que da nossa vida de nutrição. Começamos a nos apparelhar agora para as duras competições próprias do cyclo de civilização e de cultura dos nossos dias, dirigindo a nossa attenção para os difficeis problemas de organização econômica, industrial e commercial – de maneira a garantir ao mercado nacional as condições indispensáveis á sua efficiencia como órgão destinado a manter e assegurar a nossa actividade social e política, ate agora desapercebidas de uma base physica proporcional á grandeza e extensão do nosso aparelho político. [...] Ora, nós não podemos enriquecer como na-ção, si o nosso commercio não se acha sufficientemente apparelhado para exercer a sua funcção de colletor e distribuidor, da maneira mais remuneradora possível, das riquezas e da producção do paiz. (CAMPOS, 1930, p. 87).

Essa crença na industrialização como modelo para a reformulação da educação escolar se mostrava, ainda, na renovação da técnica pedagógica com base no conhecimento derivado da rotina e nas práticas da fábrica. Assim, testes de inteligência, graduação e classificação dos discentes, diferenciação dos indivíduos, pedagogia de Dewey e outros elementos compunham a fundamentação da reforma da educação.

Era preciso modificar a prática da escola, seus pro-cessos, seu mecanismo, seus hábitos para adaptá-la às necessidades do mundo contemporâneo: científicas, de pro-dução, profissionais e culturais. O argumento de Campos

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pró-renovação educacional se apoiava na ideia de que a escola, que propunha, era a escola dos países mais avançados no processo de industrialização (modernização): países europeus como Alemanha, Inglaterra, Bélgica, além dos Estados Unidos. Assim, se a incorporação dos “[...] benefícios da civilização” – concepções e métodos educacionais de fora – ajudaria a escola a cumprir seu papel de partícipe do desenvolvimento do país, também seria um modo de disciplinar a “[...] densa e compacta massa de analphabetos” para transformá-lo em “[...] instrumentos de producção de bens econômicos e espirituaes [...]”, sujeitos ao controle e à disciplina próprios do espaço de produção industrial; isso era exigência urgente “[...] da nossa vocação democrática [...]” (CAMPOS, 1930, p. 71).

Essa campanha em prol da melhoria da educação escolar, de uma reforma profunda, de uma renovação de concepções, modelos e métodos para a escola continha intenções politiqueiras, como se pode ler nesta passagem de seu “Discurso de instalação do Congresso de Instrução – 8 de maio de 1927”:

O futuro das instituições democráticas depende, sobretu-do, da orientação e do incremento do ensino primário. [...] Não basta, pois, difundir o ensino primário para dilatar os limites da cidade. Si este ensino não forma homens, não orienta a intelligencia e não distila o senso commum, que é o eixo em torno do qual se organiza a personalidade humana, poderá fazer eleitores, não terá feito cidadãos. (CAMPOS, 1930, p. 101; 102). [...]

Campos sugere que a qualidade da educação escolar era mais importante que sua difusão; isto é, que a quantidade de escolas. Essa possibilidade contradiz, porém, o discurso de seu governo, que vai contra a multiplicação de escolas propalada nos “Discursos presidenciais do Estado de Minas Gerais”, como se lê nesta passagem:

Convergi para a educação publica toda a minha attenção. Fiz della a preoccupação dominante de meu governo. Concentrei nella o melhor dos meus esforços. Reformei

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o ensino normal e primário. Fundei dezenove escolas normaes e refundi, de todo em todo, as duas únicas escolas normaes officiais existentes. Creei e installei 3.662 escolas primarias, o que quer dizer que foram multiplicadas por três as escolas que encontrei. Fundei e installei quatro gymnasios. (CAMPOS, 1930, p. 236).

Dito isso, não podemos negar que o discurso de Campos, relativo à renovação educacional em Minas Gerais, não convergisse para modernização do estado. Mas essa convergência não ficou isenta das contradições que marca-ram o processo modernizador em Minas Gerais e no Brasil. Os exemplos de seu discurso permitem afirmar essa contra-dição. Ora, embora insistisse na qualidade da educação, o governo Antônio Carlos enfatizou o dado quantitativo: apre sentou a quantidade não só em números exatos – 3.662 –, mas também em proporções – três vezes mais. Além disso, a concepção de educação, de criança e dos fins da escola sugere que ele contribuiu para manter a estrutura social vigente: excludente. Ora, Campos via a educação escolar como instrumento de conservação, num momento em que a ideia de modernização supunha quebra do conservadorismo, abertura ao novo, ruptura com a tradição “reinante”; logo, não cabia falar na formação de cidadãos transformadores (modernizadores) porque a sociedade deveria permanecer como estava. Mais que isso, na escola segundo Campos, a liberdade, espontaneidade e naturalidade da criança é cerceada pela assimilação adaptativa e disciplinada de um estado de coisas. Assim, se Campos almejava à modernidade mineira, não ficou ileso aos entraves, à modernização uniforme e incisiva de Minas Gerais; a faceta pró-modernização de seu discurso mostra vínculos com a estrutura oligárquica – mais conservadora, mais arcaica.

pROjEtOS pOLÍtICOS E EDUCACIONAL pARA mINAS GERAIS

Até 1920, diz Wirth (1982), Minas Gerais tinha li-derança econômica, demográfica e política, depois foi

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superado pelo estado de São Paulo demograficamente, cu-ja economia diversificada prometia oportunidades variadas, diferentemente da economia conservadora mineira, de estabilidade social forte. Como o estado padecia de doenças epidêmicas em algumas localidades, supõe-se que a saúde pú blica fosse precária; assim como a educação – a taxa de analfabetismo era alta. Esses fatores, por si só, diziam mui-to da falta de progresso e modernização e estimularam a migração.

Ainda na visão de Wirth, numa economia de ba seagrícola (o café) e pastoril (a pecuária de leite), a indus-trialização engatinhava: atendia o mercado doméstico e empregava pouca gente. A isso se aliam uma produção cafeeira irregular e um sistema viário e transporte deficiente, que reforçava a dependência de São Paulo e do Rio Grande do Sul, estados com os quais Minas Gerais tinha relações econômicas de dependência. Assim, resolver os problemas supunha construir estradas de ferro e estimular o mercado interno, para anular a dependência. Todavia, mesmo a cons-trução de ferrovias e abertura de rodovias, entre 1870 e 1930, não integraram suficientemente as regiões do estado, logo estimularam o fortalecimento do mercado interno, segundo diz Wirth (1982).

Com efeito, a fraqueza e desorganização do mercado mineiro compuseram a formulação de projetos políticos à época, pois foram associadas com o analfabetismo. Assim, a reforma educacional de Antônio Carlos e Francisco Campos tinha respaldo não só em argumentos do contexto nacional, mas também em necessidades criadas, sobretudo, pela elite mineira por trás de um programa de governo para acelerar o desenvolvimento e a modernização do estado. Uma vez eleitos, esses dois políticos vazaram essas necessidades em linguagem oficial, sobretudo as educacionais: o assunto educação foi patente nos discursos presidenciais de Antônio Carlos em 1927/28/29/30.

Como tentamos contextualizar até aqui, a educação foi tomada como indício de modernização de Minas Gerais. Mas a assunção das questões educacionais como programa

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político tinha, segundo Dahlberg, Moss e Pence (2003) e num contexto maior, outros interesses que não o educar o povo propriamente dito. Ora, na proporção que a economia capitalista assumia as rédeas do desenvolvimento, políticos e líderes empresariais pouco afeitos à educação passaram a expressar preocupação e disposição para agir em prol dessa faceta da sociedade. A defesa da qualidade e da difusão da instrução primária seguiu a lógica da relação custo-benefício: formar e manter uma força de trabalho estável e qualificada para o futuro: a industrialização.

Isso sugere que esse interesse pela educação se voltava à instrução da população urbana. Do contrário, o projeto político de Antônio Carlos teria previsto uma reforma que mudasse, também, a feição da educação rural em Minas Gerais. A reforma propôs uma modificação no ensino rural: “até á reforma, o curso nas escolas ruraes era apenas de dois annos. [...] [Após a reforma] o curso nas escolas ruraes passou a ser de tres annos, o que, certamente, contribuirá para melhorar o ensino” (MINAS GERAIS, 1928, s. p). Pode-se aventar a possibilidade de que esse “desdém” pelo ensino no campo se explique pela ideia – construída e apro-priada pela sociedade – de que o meio rural é atrasado e tradicional; isto é, antítese da vida urbana, da vida moderna, do progresso (PAIM, 1984; ORTIZ, 2001). Nessa ótica, ao ser associada com a educação que deveria democratizar o país, a modernização de Minas Gerais ajudou a esconder problemas mais graves de uma sociedade cuja população era, a maioria, habitante do campo.

A ênfase na educação primária não anulou interesse de Antônio Carlos e Francisco Campos por outros níveis educacionais como o ensino superior, embora investimento tenha sido quase imperceptível.

A lei n. 956, de 7 de setembro de 1927, creou a Universida-de de Minas Geraes. A mesma lei auctorizou o Governo a constituir patrimonios, cujos rendimentos, respectivamente, de 2 0 0 : 0 0 0 $ 0 0 0, 3 5 0 : 0 0 0 $ , 6 0 0 : 0 0 0 $ 0 0 0 e 50:000$000, auxiliem a manutenção da Faculdade de Direito, da Escola de Engenharia, da Faculdade de Medicina

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e da Faculdade de Odontologia e Pharmacia de Bello Horizonte, que se reuniram para constituir a Universidade de Minas Geraes. O decreto n. 7.921, de 22 de setembro do mesmo anno, approvou o Regulamento da Universidade, que, considerada fundação, com personalidade jurídica de direito privado, objectiva o desenvolvimento dos institutos que lhe são incorporados, o estímulo da cultura scientífica, o aperfeiçoamento do ensino e, em summa, o engrandecimento intellectual e moral do Estado de Minas e do Brasil. (MINAS GERAIS, 1928).

Segundo Nagle (2001), a “elite nacional” pedia uma formação superior, por isso era necessário agradá-la; isto é, estruturar uma universidade que pudesse formar uma elite de cultura e ciência apta a governar o país. Atentos a essa demanda elitista, Campos e Andrada criaram a Universidade de Minas Gerais,14 cuja sede seria o prédio da Faculdade de Direito, influente15 na formação da intelectualidade e da política mineiras. Assim, criar uma universidade cumpria parte de um programa político coerente com os interesses das oligarquias: além de escolas normais (e secundárias) para alimentar os valores humanistas ocidentais, havia escolas superiores para elite; para massa, a escola primária, como forma de suprir uma demanda social que poderia garantir não só votos, mas também eleitorado fiel.

14 “A lei n. 956, de 7 de setembro de 1927, creou a Universidade de Minas Geraes. A mesma lei auctorizou o Governo a constituir patrimonios, cujos rendimentos, respectivamente, de 200:000$000, 350:000$, 600:000$000 e 50:000$000, auxiliem a manutenção da Faculdade de Direito, da Escola de Engenharia, da Faculdade de Medicina e da Faculdade de Odontologia e Pharmacia de Bello Horizonte, que se reuniram para constituir a Universidade de Minas Geraes. O decreto n. 7.921, de 22 de setembro do mesmo anno, approvou o Regulamento da Universidade, que, considerada fundação, com personalidade jurídica de direito privado, objectiva o desenvolvimento dos institutos que lhe são incorporados, o estímulo da cultura scientífica, o aperfeiçoamento do ensino e, em summa, o engrandecimento intellectual e moral do Estado de Minas e do Brasil.” (Minas geRais, 1928).

15 No dizer de Wirth (1982, p. 139): “Os professores passavam facilmente para cargos políticos e administrativos importantes e os alunos tinham esperanças de subir rapidamente, uma vez de posse de seus certificados de bacharéis e doutores. [...] A classe media via nos diplomas a marca de um homem instruí-do. [...] O acesso aos corredores do poder era muito mais fácil para aquele que portava o anel de rubi do advogado e reforçado pelo companheirismo dos colegas de mesmo status.”

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A permanência no poder supunha outras condições, a exemplo de laços que deviam ser firmados com grupos sociais distintos, úteis à influência do governo de Antônio Carlos. Dentre esses grupos está o professorado, convocado a par-ticipar do Congresso de Ensino Primário16 para conhecer as ideias educacionais e, uma vez cientes destas, ser cooptado a defender o projeto político-educacional modernizante do governo, como foi manifestado por Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, em presidencial sobre o apoio recebido dos professores primários depois do Congresso de Ensino Primário, realizado em Belo Horizonte:

Atendendo a convocação do governo, reuniu-se, nesta Capital, em maio próximo findo, o Congresso de En-sino Primário, cujas luzes, devendo provir de pessoal experimentado, pareceram úteis à administração, para o fim da reforma que planejo, e já exposta, em linhas gerais, por mim e pelo Secretário do Interior, em vários documentos públicos. As resoluções do congresso, em sua maioria merecedoras de acatamento, terão o devido apreço na elaboração do regulamento que, sobre esse importante assunto, será, dentro em pouco, expedido.17

Assim, Antônio Carlos e Francisco Campos divulgaram seu projeto político com apoio da “densa e compacta massa de analphabetos” e do professorado, tido como central à concretização da reforma educacional.

16 “Atendendo a convocação do governo, reuniu-se, nesta Capital, em maio próximo findo, o Congresso de Ensino Primário, cujas luzes, devendo provir de pessoal experimentado, pareceram úteis à administração, para o fim da reforma que planejo, e já exposta, em linhas gerais, por mim e pelo Secretário do Interior, em vários documentos públicos. As resoluções do congresso, em sua maioria merecedoras de acatamento, terão o devido apreço na elaboração do regulamento que, sobre esse importante assunto, será, dentro em pouco, expedido.” (Minas geRais, 1927).

17 MINAS GERAIS. Mensagem presidencial do presidente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada dirigida ao Plenário em 1927b. In: ARQUIVO PÚBLI-CO MINEIRO/APM. Relatórios de mensagens do governo mineiro –

mensagens presidenciais de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Filme 5 e 6, gaveta B1.

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CONSIDERAÇõES FINAIS

Esta leitura analítica dos discursos de Antônio Carlos e Francisco Campos tentou mostrar os vínculos desses dois políticos e de seu programa de governo como o projeto de modernização de Minas Gerais pela via da educação. Essa possibilidade compunha o ideário nacional de modernização da sociedade, mas tinha algo de utópico, visto que educar o povo tinha profundo de fazer a massa aderir – sobretudo pelo voto – ao regime republicano e o que ele trazia a re-boque: industrialização, controle social e democracia, dentre outros pontos.

Esse discurso educacional modernizante, na década de 1920, foi uma forma de projetar Francisco Campos e Antônio Carlos na elite política nacional. Seu projeto político desenvolvido e a dimensão alcançada pela reforma educacional os alçaram à condição de homens prestigiados na intelectualidade e elite dirigente, nas quais ocuparam posições de destaque, a exemplo de Campos, que se tornou ministro da justiça. Mas, se a elaboração interna coerente de sua proposta política garantiu futuro para suas ideias no cenário nacional, isso não bastou para concretizar o projeto de modernização e democratização no estado em seu conjunto. Os entraves à modernização de Minas Gerais como processo político advinham justamente das formações oligárquicas que sustentavam o programa do governo Antônio Carlos, para as quais modernização significava democratizar – assegurar o direito de voto e angariar elei-tores – para proteger seus bens e aumentá-los.

Se o debate sobre a escolarização era próprio dos círculos de intelectuais, nos anos 20 ele cooptou novos debatedores: os políticos. Assim, estes e aqueles – fossem intelectuais-políticos ou políticos-intelectuais – viram a escola como vetor de democratização com cidadania. O resultado foi a imbricação do discurso educacional com o discurso político, em que a política passaria a traçar, então, os rumos da educação. Essa articulação pode ser vista tanto como uma tentativa de fazer o país desenvolver, com base

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na educação escolar quanto o desejo de construir uma nação democrática e com cidadania, pela educação. Mas essa intenção, muitas vezes, esbarrou na vontade política e se mostrou em doses controladas, na medida das necessidades e dos interesses da classe dominante. Assim, o movimento de construção do regime de governo republicano foi intrínseco aos movimentos de construção dos projetos de educação, elaborados para produzir a República.

Percebemos, porém, que muitas vezes tais reformas deixavam a desejar em modificações mais profundas e signi ficativas no sistema de ensino, assim como se distan-ciaram, na prática, das propostas expostas e defendidas discursivamente. Por isso, foram vistas como fragmentadas, desarticuladas, parciais, arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem visão global do problema. Nesse contexto de mudanças e discussões sobre a instrução pública como fator de modernização do país, insere-se a Reforma Educacional Francisco Campos. Atentos às mudanças e perspectivas no ensino primário nacional e estadual, seus idealizadores – Antônio Carlos, então presidente de Minas Gerais, e Francisco Campos, secretário do Interior – esfor-çaram-se para promover melhorias na educação como forma de consolidar o progresso e a modernização do estado.

Sua finalidade era instituir uma política educacional segundo princípios e bases modernos. Dizia-se que era necessária e que deveria começar pela instrução primária – mais útil à massa de cidadãos porque o país só se desenvolveria e se modernizaria através da escola, que deveria capacitá-los a entender seus direitos e seus deveres. Ao difundirem a escola primária, visualizavam a possibilidade de controle, fundamental à formação do país e de seu povo.

Embora a reforma se vinculasse ao objetivo de mo-dernizar o estado mineiro, este estudo aponta que ela foi parcial, pois a modernização não dependia só da escola, mas também de mudanças nos contextos sociais e na mentalidade da população.

Sobretudo, talvez porque os ideais de modernidade difundidos sempre se misturaram com elementos de uma

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sociedade tradicional, conservadora, agrário-exportadora, oligárquica e cuja população – a maioria – residia no campo. E mesmo com as transformações que a República propôs em Minas Gerais, não democratizaram os direitos políticos – seu principal objetivo.

Isso nos fez acreditar que o governo de Antônio Carlos desenvolveu a reforma Francisco Campos como marco modernizador de uma ação conservadora, coerente com a perspectiva transformadora que então se propunha na República. Num segundo momento, a pesquisa mostrou que ele e Campos, a fim de consolidar seu projeto político – modernizar Minas Gerais –, assumem ideologicamente ideais vistos como liberais: assegurar o exercício livre e tranquilo do voto e lutar em prol das liberdades públicas e contra um estado analfabeto, oligárquico e autoritário. A feição moderna desses ideais não ocultava seus traços do conservadorismo que então marcava a sociedade mineira: via-se a escola como mecanismo de poder pelo qual se po-deria inculcar os princípios liberais nas novas gerações para garantir a consolidação e continuidade da ordem.

Além disso, Francisco Campos e Antônio Carlos re-pre sentavam os interesses das elites dirigentes que bus cavam consolidar a modernidade em Minas Gerais. Conservadoras, tais elites diziam que buscavam a democracia; mas esta não devia pôr em risco a manutenção de privilégios daquelas, por isso mantinham seus interesses reproduzindo o mode-lo de exclusão política. Eis por que se pode ver o projeto educacional desses dois políticos como busca de uma democracia aparente — afinal, não lograram disseminar a instrução pública de modo que o trabalhador pudesse ampliar sua participação política, via escolarização, nem facilitar a participação política democrática.

É claro: não podemos negar a busca pela democratização, pois a reforma levou a um crescimento vertiginoso do ensino primário; isto é, aumentou as oportunidades educacionais para jovens da classe média e de classes desprivilegiadas eco-nomicamente (esse nível de ensino deixou de ser privilégio exclusivo dos ricos).

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Mas, também apresentou limites, sobretudo em sua incorporação de ideais de modernização em prol da educação mineira do decênio de 1920. Um deles foi a introdução dos princípios da escola nova, via importação de ideias relativas ao ensino, em nações mais desenvolvidas da Europa e da América do Norte (Estados Unidos); as especificidades econômicas, sociais, culturais, políticas e pedagógicas do Brasil e de seu povo foram desconsideradas, se não no todo, ao menos em parte. Outro limite foi a legislação, que por si só não basta para modificar a educação nem a mentalidade da sociedade mineira; tal mudança depende de condições básicas de desenvolvimento de toda a sociedade, as quais muitas vezes eram precárias graças à falta de recursos materiais e humanos para formação educacional.

A essas limitações se acresce a lentidão na substituição de concepções antigas da escola, dita tradicional, por concepções tidas como mais modernas – da escola nova; perduram métodos antigos porque a proposta não se efetivou no estado todo – chegou só a uma parcela da população. Por fim, também limitante é a organização pedagógica subordinada aos poderes políticos, por não possibilitar o desenvolvimento de princípios básicos pertinentes ao movimento da escola nova como a liberdade, a cidadania e a democracia; a busca por tais princípios não resultou de construção coletiva, mas de imposição do poder.

A colaboração dos verdadeiros interessados na edu-cação, dos especialistas sobre o assunto – os educadores –, era limitada, pois nunca lhes entregaram os destinos do ensino. O progresso e a modernização da educação no país talvez só tenham acontecido pelas mãos de educadores atentos às reais necessidades educacionais e ao verdadeiro interesse da população brasileira, mas alheios a política de-magógica. Acreditamos que, se a elaboração de leis, decretos e regulamentos pressupusesse a presença de profissionais da educação, talvez houvesse modificações mais profundas na educação.

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mODERNIzING EDUCAtION mINAS GERAIS’ wAy: thE CONSERvAtIvE pURpOSE OF FRANCISCO CAmpOS’ REFORmAtION (1926-1930)

AbstractEducation played a central role in the intellectual and political dimension of the process of modernization in Brazil. This text focuses on this role by discussing the relationship between education and modernity, above its condition of an index of modernization in the state of Minas Gerais in the first half of the twentieth century. To do so, we analyze governor Antônio Carlos’ and his secretary Francisco Campos’ discourses underlying their influent education reform, which is supposed to convey traces of progress and bonds with the local oligarchy’s interests. Methodological procedures included bibliographical research to contextualize conceptually and historically our discussion and analytical reading of extracts of these politicians’ official discourses. Results point out that their discourse of a modernizing education and the cohesive elaboration of their government program stood them out in the national political scenario as well as turned their educational reform into a strong influence on the national education perspectives. However, it didn’t mean a uniform process of modernization and democratization in Minas Gerais, especially because of impediments imposed precisely by the oligarchic formations that maintained Antônio Carlos government.Keywords: Francisco Campos. Minas Gerais. New School. Modernity.

Data de recebimento: agosto 2013 Data de aceite: novembro 2013

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pROFESSORES E DIFICULDADES DE ApRENDIzAGEm, REpRESENtAÇõES SOCIAIS DE DESAFIO E pERpLExIDADE

Eloiza da Silva G. Oliveira1

Danielle Pereira de Vasconcellos2

Caio Abitbol Carvalho3

Thaís Trindade4

Rafael Lima de Souza5

Monna Vasconcelos6

Joyce Sequeira7

ResumoO artigo focaliza as dificuldades de aprendizagem (DAs), o conceito de “normalidade”, os termos distúrbios e dificuldades de aprendizagem e a dificuldade de diagnosticá-las. Realizamos uma pesquisa com 86 profissionais ligados à Educação do Estado do Rio de Janeiro, por entendermos que as representações sócias desses profissionais sobre as DAs impactam o trabalho que realizam e a visão do processo de aprendizagem que elaboram.Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Repre-sentações sociais. Formação humana

1 Doutora em Educação, Diretora do Instituto de Formação Humana com Tecnologias (IFHT), [email protected], Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil

2 Danielle Pereira de Vasconcellos (Graduanda em Pedagogia; Bolsista de Iniciação Científica),

3 Graduando em Pedagogia; Bolsista de Iniciação Científica.4 Graduanda em Pedagogia.5 Graduando em Pedagogia.6 Graduanda em Pedagogia; Monitora da área de Aprendizagem.7 Graduanda em Pedagogia; Monitora da área de Aprendizagem.

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INtRODUÇÃO: SObRE A CONCEItUAÇÃO E O DIAG-NóStICO DAS DIFICULDADES DE ApRENDIzAGEm

As dificuldades de aprendizagem têm se constituído, historicamente, em um objeto complexo e polêmico para a abordagem dos estudiosos, pesquisadores, professores e demais profissionais, além das famílias que convivem com pessoas que aprendem em ritmo, ou de forma diferente, daquilo que é esperado ou considerado “normal”.

Nesta introdução vamos abordar três aspectos que tornam esta abordagem especialmente complexa. O primeiro se refere à complexidade do termo “normalidade” e aos múltiplos aspectos que ele envolve. Além da mul-tiplicidade de critérios – estatístico, clínico, teleológico, cons titucional, sociológico, entre outros – o conceito de normalidade permite com facilidade a ocorrência dos fe-nômenos da fragmentação, considerando partes do ser humano quando ele se constitui em uma totalidade e da estereotipia, criando “tipos” característicos associados às dificuldades de aprendizagem. Incorre assim no equívoco do estabelecimento de etiologias, listagens de causas que, ilusoriamente, facilitam o diagnóstico.

Para Doron e Parot (2007):

A normalidade é concebida, por um lado, como a ausência de patologia, e, por outro, como a conformidade com o tipo médio. Vale ressaltar que a média é uma medida estatística, puramente descritiva e operacional, que tende a ser considerada como regra e como valor, podendo proporcionar uma interpretação equivocada, uma vez que não leva em conta as singularidades, as dissidências e as anomalias, baseando-se em valores atribuídos ao indivíduo e ao comportamento, cuja função é avaliar e detectar a utilidade social das condutas e dos indivíduos. (p. 335).

Kaplan (1997) fala em quatro perspectivas do enfoque das ciências comportamentais e sociais para a normalidade:

• Como saúde, em anteposição ao que é considerado doença, consiste na ausência dos sinais e sintomas que estejam em “desajuste” com o que é comum

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(ou normal), indicando um organismo saudável.• Como utopia, fundamentada na conjunção

harmoniosa e plena do sistema nervoso funcionando de maneira “perfeita”.

• Como média, tendo por base a média estatística dos estudos normativos do comportamento no qual traços da personalidade são entendidos como medida padronizada do comportamento.

• Como processo, relacionada às situações ou a fases de desenvolvimento da personalidade, tendo cada estágio características intrínsecas.

O segundo aspecto refere-se a certa confusão es-tabelecida entre os termos distúrbios e dificuldades de aprendizagem.

O termo dificuldades de aprendizagem começou a ser usado, no início dos anos 1960, para descrever diversas “discapacidades” relacionadas com o insucesso escolar e que não deviam ou podiam ser atribuídas a outros tipos de problemas de aprendizagem. Concordamos com Moojen (1999) ao dizer que esses termos vêm sendo utilizados de forma aleatória na literatura especializada, na prática clínica e no cotidiano escolar para designar quadros diagnósticos variados.

Alguns autores afirmam que os comportamentalistas preferem o termo distúrbio, enquanto os construtivistas utilizam o termo dificuldade. França (apud SISTO, 1996) apresenta a distinção fundamentada na concepção de que o termo “dificuldade” está relacionado a questões de ordem psicopedagógica ou sócio – cultural e o termo distúrbio sugere a existência de comprometimentos neurológicos, em funções corticais específicas e é mais utilizado pela perspectiva clínica.

Collares e Moysés (1992) expressam preocupação com a expansão do uso da terminologia “distúrbios de aprendizagem” entre os professores. Segundo as autoras os professores, com frequência, não conseguem explicar o significado do termo e os critérios que fundamentam

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o seu uso, o que pode evidenciar um reflexo do processo de patologização da aprendizagem ou da biologização das questões sociais.

Isto nos remete ao terceiro dos três aspectos que nos propusemos a abordar nesta introdução: a dificuldade do diagnóstico das dificuldades de aprendizagem.

Convidamos o leitor a refletir sobre alguns dos principais entraves à realização do diagnóstico das dificul-dades de aprendizagem: o despreparo dos professores para a realização desta tarefa; o pouco acesso das escolas às equipes multidisciplinares que poderiam efetuar corretamente essas avaliações; a resistência das instituições escolares a assumir a sua parcela de responsabilidade na gênese destas dificuldades; a necessidade de maior variedade e quan tidade de instrumentos e estratégias de diagnóstico; a ansiedade das famílias e das próprias escolas pelo resultado do processo de avaliação diagnóstica e pela “nomeação” do tipo de dificuldade apresentada; a precariedade de instituições complementares à ação pedagógica da escola que possam dar suporte às dificuldades diagnosticadas; a confusão entre alunos com dificuldades de aprendizagem e os que apresentam baixo rendimento escolar; a rigidez dos sistemas de classificação que irão expressar os resultados deste processo. Em relação a este último ponto Dockrell e McShane (1997) falam de dois destes sistemas de classificação:

• Sistema etiológico – tenta classificar as dificuldades de aprendizagem de acordo com a causa que as origina.

• Sistema funcional – tem por base a medida da in teligência dos indivíduos que apresentam difi-culdades de aprendizagem, destacando dois grupos: o de nível intelectual bem abaixo da média (e isto justifica as dificuldades encontradas) e o de desenvolvimento intelectual considerado “normal”, mas cujos membros têm alguma dificuldade espe-cífica (a leitura ou a escrita, por exemplo).

Fernández Cabezas (2000) fala de dois enfoques do diagnóstico das dificuldades de aprendizagem: o diagnóstico

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com enfoque tradicional-individual e o diagnóstico com enfoque curricular escolar. O quadro que se segue, elaborado pela autora, esclarece estas duas modalidades:

DIAGNÓSTICOENFOQUE

TRADICIONAL-INDIVIDUAL

ENFOQUE CURRICULAR

Finalidade

A informação é obtida somente do aluno, se interessa pela criança, pelo que faz, assim como fundamentar seu defeito.

Obter informação do aluno e do ambiente em relação com a resposta curricular.

Conteúdo Aluno.Aluno, contexto educativo, contexto sócio-familiar.

Instrumentos e procedimentos

Utilização de provas e testes.

Provas, pautas de observação, trabalhos dos alunos. Instrumentos contextualizados que se referem a todos os componentes do processo ensino e aprendizagem.

Pessoas que intervém

Psicólogos, médicos e participação muito limitada dos pedagogos.

Todos os profissionais implicados no processo educativo, e a família.

Concepção de base Biológica. Dinâmica e interativa.

(FERNÁNDEZ CABEZAS, 2000, p. 34).

CONhECENDO mELhOR AS DIFICULDADES DE ApRENDIzAGEm

A construção do conhecimento e a aprendizagem são processos naturais e espontâneos do ser humano que,

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desde cedo, se desenvolvem. A aprendizagem escolar também é considerada um processo natural, resultado de uma complexa atividade mental, na qual o pensamento, a percepção, as emoções, a memória, a motricidade e os conhecimentos estão entrelaçados para a criança sentir satisfação em aprender.

O cenário educacional é repleto de aprendizagens, sucessos e aprovações. Porém, diversas vezes, ao decorrer do ensino, nos deparamos com um problema bastante comum, as dificuldades de aprendizagem.

O termo “dificuldade de aprendizagem” começou a ser utilizado na década de 1960 e até hoje, na maioria dos casos, é confundido por professores e pais como uma simples desatenção das crianças em sala de aula.

As Dificuldades de Aprendizagem (DA) possuem inúmeras definições, como a que é apresentada por García-Sánchez (1990) e é bastante conhecida:

Dificuldade de aprendizagem (DA) é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de transtornos que se manifestam por dificuldades significativas na aquisição e uso da recepção, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Estes transtornos são intrínsecos ao indivíduo são atribuídos à disfunção do sistema nervoso central e podem ocorrer ao longo do ciclo vital. Podem existir junto com as dificuldades de aprendizagem, problemas nas condutas de auto-regulação, percepção social e in-teração social, mas não constituem por si mesmas uma dificuldade de aprendizagem. Ainda que as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com outras condições incapacitantes (por exemplo deficiência sensorial, retardo mental, transtornos emocionais graves) ou com influências extrínsecas (tais como as diferenças culturais, instruções inapropriadas ou insuficientes), não são o resultado dessas condições ou influências. (GARCÍA-SÁNCHEZ, 1998, p. 35).

De forma mais genérica, a expressão dificuldade de aprendizagem é usada para se referir às condições sócio-biológicas que afetam as capacidades de aprendizagem de indivíduos, na aquisição, construção e desenvolvimento das

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funções cognitivas. Ainda abrange diversos transtornos de percepção, dano ou disfunção cerebral.

Embora a dificuldade de aprendizagem não seja indicativa do nível de inteligência, existe uma tendência à exclusão dos indivíduos, com essa dificuldade pela política de educação, pois as pessoas atingidas pela dificuldade de aprendizagem ainda carecem, em muitos casos, de um espaço educacional específico para o seu problema. Dessa forma, as dificuldades de aprendizagem figuram como um dos maiores desafios educacionais.

O aluno, ao perceber que possui dificuldades em aprender determinada coisa frequentemente começa a demonstrar desinteresse, desatenção, irresponsabilidade, agressividade, etc. A dificuldade acarreta muitos sofrimentos.

Segundo Weiss (2000, p. 56),

(...) a aprendizagem normal dá-se de forma integrada no aluno (aprendente), no seu pensar, sentir, falar e agir. Quando começam a aparecer “dissociações de campo” e sabe-se que o sujeito não tem danos orgânicos, pode-se pensar que estão se instalando dificuldades na aprendizagem: algo vai mal no pensar, na sua expressão, no agir sobre o mundo.

As DAs são um dos fatores que conduzem o alu-no ao fracasso escolar. Ao atribuir ao próprio aluno o fracasso escolar, considerando que ele tenha algum tipo de comprometimento no desenvolvimento cognitivo, lingüístico, psicomotor ou emocional, o professor aparentemente deixa de ficar atento a esse tipo de proble-ma, excluindo-o do seu foco de interesse da sua prática pedagógica.

É preciso que esse profissional utilize diferentes maneiras de ensinar, uma vez que existem inúmeras maneiras de aprender. É necessário que o professor saiba da importância de criar vínculos com seus alunos no cotidiano, construindo laços positivos e fortes na construção do saber. Pois não se pode dizer que o fracasso é somente do aluno, a escola precisa saber lidar com a diversidade dos seus alunos.

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Uma das dificuldades mais conhecidas e com grande repercussão na atualidade é a dislexia, porém, é importante a observação de outros problemas sérios de aprendizagem, como disgrafia, discalculia, dislalia, disortografia e o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade).

Nos dias atuais, houve um enorme aumento de crianças com DA (dificuldade de aprendizagem). É notório que os problemas de atenção, concentração, memória e ajustamento social são muito comuns em indivíduos com esse problema.

É preciso, porém, ter atenção para não confundir dificuldade de aprender e o desenvolvimento normal, pois as crianças têm processos diferentes de desenvolvimento, não existe um ‘padrão’ determinado para isto. Portanto é importante que os pais e professores respeitem o desenvolvimento geral da criança, seus ritmos e motivações, assim como os diversos estilos de aprendizagem que podemos encontrar.

A DA tem inúmeros sintomas que podem ajudar a que a mesma seja identificada e que se alteram de acordo com a idade, áreas afetadas (as áreas são dividas em linguagem, memória, atenção, motricidade fina e outras funções) e da fase de desenvolvimento na qual o indivíduo está. Essas informações serão apresentadas abaixo, para facilitar a elucidação dos sintomas, através de quadro elaborado por Levine (1990).

Com base nessas informações sobre a situação, forne-cidas por profissionais habilitados, como médicos, psi-cólogos e terapeutas, sobre a situação e uma consulta à visão dos pais, é possível que um profissional da educação possa tentar minimizar ou até mesmo suprimir esses problemas. Quanto mais precocemente houver intervenção adequada maior a possibilidade de ajuda, no desempenho do aluno, tanto na escola quanto na vida social.

O aluno com DA pode sofrer alteração com relação a classes regulares e serviços educacionais, para que haja fa cilitação da aprendizagem é necessário que o processo de ensino seja adequado, através de adaptações físicas e

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curriculares, para facilitar a compreensão do aluno. Outros artifícios podem ser utilizados, como: flexibilização de horários, mudanças nas atividades, nos textos e trabalho de casa, orientando de forma mais simples sobre o trabalho de casa.

Áreas Pré-Escolar Níveis Iniciais Níveis Médios Níveis Superiores

Linguagem Problemas de articulação. Aquisição lenta de vocabulário. Falta de interessa em ouvir histórias.

Atraso na decodificação da leitura. Dificuldades em seguir instruções, soletração pobre.

Compreensão pobre da leitura. Pouca participação verbal na classe. Problemas com palavras difíceis.

Dificuldades em argumentar. Problemas de síntese e escrita fraca.

Memória Problemas na aprendizagem de números alfabeto dias da semana etc. Dificuldade em seguir rotinas.

Dificuldades em recordar fatos. Problemas de organização. Aquisição lenta de novas aptidões. Soletração pobre.

Dificuldade em recordar conceitos matemáticos. Dificuldade na memória imediata.

Problemas em estudar para os testes.Dificuldades na memória de longo tempo.

Atenção Problemas em permanecer sentado (quieto).Atividade excessiva. Falta de persistência nas tarefas.

Impulsividade, dificuldade em planificar. Erros por desleixo Distração.

Inconstante. Difícil autocontrole. Fraca capacidade para perceber pormenores.

Problemas de memória devido à fraca a atenção. Fadiga mental.

Motricidade Fina

Problemas na aquisição de comportamen-tos de autonomia. Desajeitado. Relutância para desenhar ou tracejar.

Instabilidade na preensão do lápis. Problemas no componente grafomotor da escrita (forma das letras, pressão do traço, etc.).

Manipulação inadequada do lápis. Escrita ilegível, lenta ou inconsciente. Relutância em escrever.

Diminuição da relevância da motricidade fina.

Outras Funções

Problemas na aquisição na noção na direita ou esquerda (possível confusão viso espacial). Problemas nas interações.

Problemas com a noção de tempo (desorganização temporal sequencial).Domínio pobre dos conceitos matemáticos.

Estratégias de aprendizagem fracas. Desorganização no espaço ou no tempo. Rejeição por parte dos pares.

Domínio pobre de conceitos abstratos. Problemas na planificação de tarefas. Dificuldade na realização de exames testes.

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O uso de tecnologias de informação e comunicação é uma nova adaptação, que pode ser utilizada para a facilitação da aprendizagem dos alunos com dificuldades de aprendizagem. Na conclusão deste texto abordaremos mais profundidade esta questão.

Na busca de resultados concretos é preciso ser feito um trabalho entre pais, escolas, professores e demais profissionais, todos deverão estar envolvidos em um só objetivo: ajudar o aluno que “aprende de forma diferente dos demais”. O papel dos pais é muito importante nesse processo, pois são eles que melhor conhecem os filhos, conversas freqüentes entre eles e com a escola poderão ajudar na observação de qualquer novo problema. Isto faz com que o envolvimento da família, no tratamento das dificuldades de aprendizagem, seja fundamental. Para Fernandez (1990), ela não pode ser considerada apenas como responsável principal ou como fornecedora de informações, mas que se dê, ao grupo familiar, protagonismo no processo de abordagem das DAs, é necessário “devolver à família a possibilidade de pensar, de fazer perguntas, de questionar-se e de refletir” (FERNANDEZ, 1994, p. 30).

Os psicólogos, com especialização em clínica infantil, são os profissionais recomendados para fazer uma avaliação e tratar da criança, caso o problema seja de fundo emocional. Caso o diagnóstico da criança for dificuldade cognitiva, a mesma deverá ser encaminhada para um psicopedagogo, que poderá ajudar no desenvolvimento dos processos de aprendizagem.

Destacamos, no entanto, a importância da equipe multidisciplinar, funcionando coesa e homogeneamente (sem que sejam desconhecidas as particularidades de atuação de cada profissional), no atendimento às dificuldades de aprendizagem que resistem aos esforços mais imediatos realizados pela escola.

Aprender e ensinar são duas ações dependentes uma da outra. Então, a dificuldade de aprendizagem está intimamente ligada à dificuldade de ensinagem. Se uma dessas funções não opera de forma correta, pode gerar o

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fracasso escolar. A relação entre aluno e professor pode tornar o aluno mais capaz ou incapaz. Se o professor tratar o aluno como incapaz, não terá bons resultados, não permitirá a sua aprendizagem e o seu desenvolvimento.

Polity (2002) destaca a importância do papel do professor como facilitador do processo de aprendizagem do aluno, afirmando que ele precisa ser, também, colocado no foco das dificuldades de aprendizagem e auxiliado em suas próprias fragilidades, diante daqueles a quem não consegue ensinar.

É com disposição que pretendo acolher o sujeito da ensinagem: sem tentar catalogá-lo em compartimentos fechados, mas inseri-lo em um novo paradigma que permita pensá-lo em toda sua complexidade. E que faça sentido no contexto de construção de conhecimento, a partir do qual penso as ambivalências, as incertezas, as insuficiências, reconhecendo ao mesmo tempo seu caráter central e periférico, significante e insignificante. (POLITY, 2002, p. 34).

Ensinar, assim como aprender, é uma questão rela-cional, formada por interação. O emocional do indivíduo interfere no ato de ensinar, assim como o emocional in-terfere, também, naquele que aprende. Esse estado inter-subjetivo pode tornar-se significativo nos processos de ensino e aprendizagem. Portanto, o ato de ensinar necessita de equilíbrio entre razão e emoção.

É necessário que o sistema de ensino seja reavaliado, pois os desafios educacionais precisam ser enfrentados, crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem precisam ter seus direitos e oportunidades de inclusão educacional assegurados, como os de qualquer outra pessoa. Novas diretrizes educacionais precisam ser traçadas para a construção de uma nova realidade na aprendizagem daqueles que possuem determinadas dificuldades. É importante entender que cada pessoa é diferente, sendo assim, a forma e o tempo para aprender também são diferentes, é importante entender que o ato de ensinar vai além de repassar conteúdo. É preciso que exista uma integração efetiva entre aqueles

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que ensinam e os que aprendem, pois a conquista de bons resultados, na educação, não depende exclusivamente de um desses envolvidos, uma boa educação depende de uma harmoniosa junção entre todos esses elementos citados.

AS REpRESENtAÇõES SOCIAIS DOS pROFESSORES SObRE AS DIFICULDADES DE ApRENDIzAGEm

A esta altura da discussão teórica sobre o tema, de-cidimos empreender uma investigação relativa ao que pensam os professores sobre as dificuldades de aprendizagem. Sabemos que o tema é recorrente no universo da investigação científica, mas focamos a questão do conceito de dificuldade de aprendizagem, da representação que os professores elaboram sobre ela.

Vale à pena dedicar um pequeno espaço deste artigo à importância da representação social, como forma de conhecimento. Inicialmente abordada por Durkheim (1986), sob a forma de representações coletivas, ela foi des-tacada no cenário acadêmico por Serge Moscovici (1978), que assim as definiu:

[...] a representação social é um corpus organizado de conhecimento e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação cotidiana de trocas, e liberam os poderes de sua imaginação. (MOSCOVICI, 1978, p. 28).

O autor prossegue o delineamento das representações como forma de produção de conhecimento:

(...) são conjuntos dinâmicos, seu status é o de uma pro-dução de comportamentos e de relações com o meio am-biente, de uma ação que modifica aquelas e estas e não de uma reprodução desses comportamentos ou dessas relações, de uma reação a um dado estímulo exterior. (MOSCOVICI, 1978, p. 50).

Denise Jodelet (1990) foi uma das autoras que mais

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contribuiu para a atribuição de status de conhecimento à representação social ao atribuir-lhes cinco características:

a) ela é sempre representação de um objeto;b) tem sempre caráter imagético e a propriedade

de deixar intercambiáveis a sensação e a ideia, a percepção e o conceito;

c) tem caráter simbólico e significante;d) tem caráter construtivo;e) tem caráter autônomo e criativo.E conclui: “As representações são medidas sociais

da realidade, produto e processo de uma atividade de elaboração psicológica e social dessa realidade nos processos de interação e mudança social”. (JODELET, 1990, p. 37).

Spink (1993) adaptou um quadro de Jodelet (1990) que indica, mais claramente, a dinâmica das representações sociais como forma de conhecimento, consequentemente objeto fidedigno para pesquisas como a que desenvolvemos:

Ainda segundo Jodelet:

As representações sociais devem ser estudadas articulando-se elementos afetivos, mentais e sociais e integrando – ao lado da cognição, da linguagem e da comunicação – a consideração das relações sociais que afetam as representações e a realidade material, social e ideativa sobre a qual elas têm de intervir. (JODELET, 2002, p. 26).

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Para Jodelet (1996) e Abric (1996), estudar fenômenos relacionados ao preconceito e à exclusão social, através da análise de representações sociais, é extremamente pertinente. Foi a Escola de Aix-en-Provence1 que, em seus estudos, encontrou representações “disfarçadas” (masquées). Alguns elementos de uma representação apareciam numa situação e não em outras, surgindo então a hipótese da zona muda, de que falaremos ao final.

A pESqUISA REALIzADA

Para construir a metodologia de investigação a ser utilizada recorremos novamente a Moscovici (1978) e aos seus conceitos de objetivação e de ancoragem. Segundo o autor, a objetivação nos permite estruturar o conhecimento do objeto, desenvolvendo-se em três etapas. Na primeira é feito um “enxugamento” do excesso de informação, com base na informação prévia que o indivíduo possui. Logo a seguir, esses fragmentos resultantes são reconfigurados em um esquema (o núcleo figurativo da representação), criando algo objetivo, reconhecível e familiar. Finalmente, chega a vez da naturalização, cristalizando a representação e tornando-a “natural” para o indivíduo.

A ancoragem dá sentido à representação como forma de conhecimento. Faz com que ele penetre no social e volte ao sujeito, que recorre ao que é familiar para torná-lo categoria e fazê-lo parte da sua leitura do mundo.

Jodelet (2002) propõe que, para contemplar a am-plitude das representações sociais consideradas como “saber prático” seja possível responder a três questões: Quem sabe, e a partir de onde sabe? O que e como se sabe? Sobre o que se sabe, e com que efeito? Desta forma sistematizou três planos: as condições de produção e de cir-culação das representações sociais; os processos e estados

1 Assim é chamado um grupo de pesquisadores, pertencentes à Universidade de Aix-en-Provence, na região de Provence, na França, que se dedica à análise estrutural das representações sociais, como Flament, Abric e Guimelli.

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das representações sociais; e o estatuto epistemológico das representações sociais.

Realizamos uma pesquisa com 86 profissionais, em atuação no Estado do Rio de Janeiro (pedagogos, psi-cólogos, professores das diversas áreas do conhecimento, fonoaudiólogos). Primeiro pedimos que falassem livremente sobre a sua atuação com pessoas com dificuldades de aprendizagem. Logo a seguir solicitamos que definissem o que entendem por dificuldades de aprendizagem.

As entrevistas foram gravadas, transcritas e as res-postas cuidadosamente analisadas e divididas por fração de sentido, obtendo-se assim 114 respostas diferentes.

Embora saibamos que definir um único conceito para dificuldade de aprendizagem é impossível, já que cada entrevistado ressaltou pontos específicos, obtivemos, por freqüência da similaridade de significado das respostas, seis subgrupos ou categorias, considerando a dificuldade de aprendizagem como: responsabilidade do próprio sujeito; falta, carência, deficiência, distúrbios, anormalidade; causa de um processo de exclusão; consequência de um processo; evidência de normalidade; ou responsabilidade de outro agente (escola/ professor/família.

Operacionalizando cada categoria construída, pude-mos elaborar as tabelas abaixo.

Tabela 1 – Definição das categorias de análise utilizadas

Dificuldade deaprendizagem como:

Definição da categoria

Responsabilidade dopróprio sujeito

Respostas que, de alguma forma, atri-buem ao sujeito a dificuldade de aprendi-zagem em função distúrbios (neurológi-cos, psicológicos, cognitivos, emocionais, psicomotores) do mesmo.

Falta, carência, deficiência,distúrbio, anormalidade

Respostas que citam textualmente ter-mos correlatos à dificuldade como falta, carência, deficiência, anormalidade, dis-túrbio, bloqueio, limitação, comprome-timento.

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Causa de um processode exclusão

Respostas que evidenciaram as dificul-dades de aprendizagem como causas de problemas como a estigmatização, pre-conceito, restrições na escola e na vida cotidiana.

Conseqüência de um processo

Respostas que atribuem a um processo prolongado (pedagógico, de desenvol-vimento) as causas das dificuldades de aprendizagem, a formação dos sintomas das mesmas.

Evidência de normalidade

Respostas que atribuíram às dificuldades de aprendizagem o sentido de formas di-ferentes de aprender, em relação ao que é esperado, sendo os bloqueios apenas ima-ginários e criados socialmente.

Responsabilidade deoutro agente

Respostas que descrevem fatores ligados à escola, à atuação do professor, à família ou à sociedade como causadores das difi-culdades de aprendizagem.

Tabela 2 – Exemplos de respostas referentes a cada categoria

Dificuldade deaprendizagem como:

Respostas obtidas

Responsabilidade dopróprio sujeito

“São dificuldades que o aluno tem de com-preender determinados conteúdos...”.“Acontece quando o aluno apresenta al-gum problema ou transtorno que não o deixa aprender com a mesma facilidade dos demais.”.“É quando o aluno não consegue aprender o conteúdo programado...”.

Falta, carência, deficiência, distúrbio,

anormalidade

“Algum distúrbio em alguma área (cog nitiva, afetiva) que dificulta a aprendizagem, ou o desenvolvimento de habilidades relacionadas a ela.”.“Bloqueios, existentes ou imaginários, na mente humana, que impossibilitam o ser humano (criança, adolescente ou adulto, em todas as fases) a atingir determinados objetivos.”.“Entendo dificuldade de aprendizagem como patologia”.

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Causa de um processode exclusão

“Enquanto toda a turma aprende, o aluno com dificuldade de aprendizagem não acom-panha os seus colegas, ficando retido na série por muitos anos, sem estímulo da escola e da família e desiste no meio do caminho, se sentindo incapaz.”.“São dificuldades que se cristalizam pelo fato de passarem desapercebidas pelo professor e pela escola, prejudicando o indivíduo pelo resto da vida.”.“São um estigma que inviabiliza a perma-nência na escola e repercute na vida social do indivíduo.”.

Conseqüência de um processo

“Podemos conceituar dificuldades de apren-dizagem como uma possível e longa não adaptação à aprendizagem sistematizada.”.“As dificuldades de aprendizagem são decor-rentes de um processo de causas secundárias (emocionais, neurológicas, escolares).”.“Atribuo a causa das dificuldades de apren-dizagem principalmente às privações culturais que vêm com o aluno de fora da escola. No universo acadêmico são confrontados com um saber sistematizado que não faz parte da sua vida cotidiana.”.

Evidência denormalidade

“Dificuldade de aprendizagem eu acredito que seja uma forma diferenciada de apren der.”.“Incapacidade de aprender no tempo e espaço determinados pela maioria como normais, em função de diferenças individuais.”.“As dificuldades de aprendizagem po dem a con tecer em qualquer idade e em diferentes áreas. São dificuldades apresentadas pelos alunos que fogem aos critérios considerados normais.”.

Responsabilidade deoutro agente

“A dificuldade de aprendizagem ocorre quan-do há alguma falha no processo de ensino aprendizagem.”.“Dificuldade de aprendizagem ocorre quando há inadequação do conteúdo curricular, ou inadequação da proposta desse conteúdo.”.“... podem ter origem, na minha opinião, em causas externas ao aluno como a inépcia do professor ou da família.”.“Se devem ao fato da escola e dos professores virem com tudo pronto, sem escuta, com rotulações, dificultando o direito à fala dos alunos.”.

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Percentual de respostas em cada categoria

Dificuldade de aprendizagem como: Porcentagem

Responsabilidade do própriosujeito 47,30%

Falta, carência, deficiência, distúrbio, anormalidade

16,20%

Causa de um processo de exclusão 13,40%

Consequência de um processo 12,20%

Evidência de normalidade 5,80%

Responsabilidade de outro agente 5,10%

O gráfico construído a partir da tabela acima apresen-ta a seguinte configuração:

Gráfico 1

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CONSIDERAÇõES FINAIS

Em primeiro lugar é importante destacar a riqueza da experiência de estudar, dentro do amplo espectro de temas relacionados à aprendizagem, às dificuldades ou “desfuncionamentos” da mesma. Queríamos que o nosso estudo fosse além da descrição das variadas dificuldades de aprendizagem, ou da indicação das melhores práticas para lidar com elas, sobre as quais já temos disponível rica e variada bibliografia.

A ideia de ouvir os profissionais de várias áreas, que lidam com pessoas com dificuldades de aprendizagem, trouxe um novo recorte à pesquisa desenvolvida, já que consideramos o desvelamento das representações sociais de um grupo sobre algum tema, uma forma de conhecimento importante e fidedigna.

A forma pela qual esses profissionais representam as dificuldades de aprendizagem, além da enunciação de conceituações acadêmicas inerentes às suas áreas de formação, deve impactar o trabalho que realizam e a própria visão do processo de aprendizagem que elaboram. Isso se soma ao fato de que pesquisas como as que são apresentadas por Chakur e Ravagnani (2001) mostram que as crianças atribuem a si próprias a causa do seu fracasso escolar. Da mesma forma Elbaum & Vaughn (2001) apontam que crianças com dificuldades de aprendizagem apresentam um elevado risco de terem um autoconceito negativo, es-pecialmente quanto à área acadêmica.

Nas falas iniciais, livres, sobre a atuação dos pro-fissionais algumas questões surgiram de imediato: o deli-cado e complexo processo de diagnóstico, muitas vezes confundido com outros problemas como o da disciplina na escola; a carência de profissionais e de recursos para o atendimento; a precariedade da existência de equipes mul tidisciplinares que otimizariam o atendimento às pes-soas com dificuldades de aprendizagem; a expectativa da sociedade em relação à aprendizagem das crianças, desde pequenas, especialmente no momento da alfabetização;

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a falta de apoio das famílias em relação ao atendimento dessas pessoas, até mesmo adultas; as enormes dificuldades, de diversas naturezas, enfrentadas pelos que aprendem de maneira ou em ritmo diferente dos demais; a frustração dos professores que não percebem avanço no aprendizado dos seus alunos.

Com essa primeira etapa tentamos chegar à revelação da zona muda das representações sociais (Abric, 2003). O autor assim designa representações que, embora sejam comuns a um determinado grupo, não se revelam facilmente nos discursos diários e, ainda mais, nos questionários de investigação, pois são consideradas como pouco adequadas às normas sociais vigentes. Aí se incluem os preconceitos e estereótipos negativos.

Na etapa seguinte, quando levantamos as repre-sentações sociais dos profissionais entrevistados em rela-ção às dificuldades de aprendizagem, encontramos, de imediato, os adjetivos com que as identificamos no título: desafio e perplexidade. Desafio em relação às barreiras que se constituem e que justificam as categorias de “falta, carência, defi ciência, distúrbio, anormalidade”; “causa de um pro cesso de exclusão”; e “conseqüência de um pro-cesso”, sobre o qual eles não têm domínio. Perplexidade que levou, principalmente os professores, a atribuírem às DAs a “responsabilidade de outro agente” ou que fez com que a maioria das respostas indicassem a “responsabilidade do próprio sujeito” sobre as dificuldades.

Tivemos ainda um pequeno percentual de respostas que apontavam as dificuldades como “evidência de nor-malidade”, algumas afirmando que os próprios processos de desenvolvimento e escolar poderiam dar conta das mes-mas. Perguntados pelo porquê de atribuirmos tanta im-portância às representações sociais dos profissionais, que lidam com as dificuldades de aprendizagem, apoiamo-nos em Vygotsky (1989) e no enunciado do conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Para o autor ela caracteriza o desenvolvimento mental de forma prospectiva, pois é a distância entre o nível de desenvolvimento real,

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determinado pela capacidade de resolver problemas inde-pendentemente e o nível de desenvolvimento proximal, caracterizado pela capacidade de solucionar problemas com ajuda de um parceiro mais experiente.

Consideramos que os profissionais que atendem às pessoas que apresentam DA trabalham especificamente com a estimulação da ZDP, promovendo a aproximação entre os níveis potencial e real do desenvolvimento.

Fino (2001) aponta três implicações pedagógi cas importantes da zona de desenvolvimento proximal: a primeira, de que se constitui em uma “janela de apren-dizagem” em cada momento do desenvolvimento cognitivo do sujeito, que pode ser muito estreita. E afirma “que num grupo de aprendizes não existe uma única “janela de aprendizagem”, mas tantas quantas os aprendizes, e todas tão individualizadas quanto eles”. Decorre disto a neces-sidade do oferecimento de múltipla e variada quantidade de conteúdos e de atividades, para atender a todos, perso-nalizando a aprendizagem.

A segunda implicação é a do conceito de professor como agente metacognitivo, permitindo que o aluno planeje e avalie o próprio pensamento enquanto desenvolve ativida-des de aprendizagem, resolve problemas, ou tem consciência do próprio processo de construção do conhecimento.

Segundo o autor a terceira implicação é “a importância dos pares como mediadores da aprendizagem”, já que para Vygotsky os processos intrasubjetivos são anteriormen-te intersubjetivos, fazendo com que a regulação exterior preceda a auto-regulação e levando os elevados processos mentais a decorrerem de fenômenos sociais. Isto leva à criação de uma proposta de aprendizagem assistida por pares (peer tutoring)

Fino conclui que:

Desse postulado decorre a ideia de que, na mente de cada aprendiz, podem ser exploradas “janelas de apren dizagem”, durante as quais o professor pode actuar como guia do processo da cognição, até o aluno ser capaz de assumir o controlo metacognitivo. E refira-se a importância, nesse

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particular, que pode ter a intervenção dos pares mais aptos que, num processo de encorajamento da interacção horizontal, podem funcionar, também eles, como agentes metacognitivos.

Cabe a esses profissionais, portanto, diminuir o im-pacto das dificuldades de aprendizagem como “síndrome psicossocial” (DEL PRETTE e DEL PRETTE , 1998) que sofre efeitos de fatores internos, mas também externos e que provoca “sintomas” como agressividade, sinais de ima-turidade, dificuldades na interação com os pares, inibi ção, passividade e dependência nas tarefas escolares, além de menor grau de assertividade nas atitudes e opiniões.

Preocupou-nos, ao analisar as representações sociais (RS) dos profissionais que trabalham com as di fi culdades de aprendizagem, a tendência a atribuir ao próprio sujeito as causas das mesmas, assim como certa tendência a não desta car a importância da intervenção das suas áreas especí-ficas, no atendimento delas. Claro que aí estão envolvidos processos emocionais (conscientes e não conscientes) dos pro fissionais, suas histórias de vida e de formação, assim como identificações e projeções, por exemplo. Tudo isto nos faz encerrar este artigo com uma rápida reflexão sobre a forma e as possibilidades de transformação das representações sociais.

Autores como Abric (1994) destacaram a tendência à estabilidade das representações sociais, enquanto Spink (1991) aponta três contextos que dão sentido às re pre -sentações sociais, determinando a “balança” entre per-manência e mudança das mesmas: o contexto cultural, (demarcado pelo tempo longo da história); o contexto social (inserido no perímetro da história pessoal do indivíduo); e o contexto interacional (alicerçado no tempo curto da interação, como num presente atualizado incessantemente).

Sobre o processo de mudança das RS Arruda afirma com propriedade:

(...) as representações mergulham no contexto imediato da inserção dos sujeitos, sua experiência, mas também na sua bagagem e no seu projeto, no imaginário no qual estão

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imersos. E para essas dimensões, é preciso voltar o olhar para trás, em direção ao passado, levando em conta o que a história construiu como mentalidade que conforta esse contexto imediato. É preciso também projetar esse olhar para o futuro, atento ao que ele devolve ao presente como desejo, expectativa e direção a seguir. (ARRUDA, 2000, p. 245).

Trata-se então da necessidade de uma inflexão pro-funda sobre os cursos de formação desses profissionais, verificando de que maneiras as dificuldades de aprendizagem são a eles apresentadas, provocando tamanha perplexidade e ansiedade, superando visões de piedade, e estranheza, que nada mais são que mascaramentos e disfarces do preconceito e da exclusão.

A predominância de representações sociais que atribuem ao próprio indivíduo a gênese das DAs, assim como a freqüência de utilização de termos como falta, carência, deficiência, distúrbio, anormalidade indica que o tratamento acadêmico, oferecido ao tema, na formação desses profissionais não deu conta do esclarecimento e da formação de atitudes positivas dos mesmos, em relação a essas pessoas que “aprendem de forma diferente da norma estatística”.

Para Fonseca (1995), a criança com dificuldade de aprendizagem não deve ser “classificada” como deficiente. Trata-se de uma criança normal que aprende de uma forma diferente, a qual apresenta uma discrepância entre o potencial atual e o potencial esperado. Não pertence a nenhuma categoria de deficiência, não sendo sequer uma deficiência mental, pois possui um potencial cognitivo que não é realizado, em termos de aproveitamento educacional.

A título de “fechamento” deste artigo queremos abordar um ponto citado anteriormente: a importância do uso de tecnologias de informação e comunicação como uma nova adaptação, que pode apoiar o acesso e a progressão de alunos com dificuldades de aprendizagem.

Apresentando características como o atendimento aos diferentes estilos de aprendizagem, o impacto motivacio-nal que efetivam; o estímulo à independência; a permissão

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de modos colaborativos no processo de aprendizagem e a facilitação da comunicação e da interação social, entre outras, podem tornar-se aliadas poderosas dos educadores que trabalham com esses alunos.

O uso das TIC permite novas perspectivas para a relação do aluno e do professor com o conhecimento e com a prática pedagógica. Delors (1996) no conhecido relatório da UNESCO “Educação: Um tesouro a descobrir” afirma:

Bem utilizadas, as tecnologias da comunicação podem tornar mais eficaz a aprendizagem e oferecer ao aluno uma via sedutora de acesso a conhecimentos e competências, por vezes difíceis de encontrar no meio local. A tecnologia pode lançar pontes entre países industrializados e os que não o são, e levar professores e alunos a alcançar níveis de conhecimento que, sem ela, nunca poderiam atingir. Meios de ensino de qualidade podem ajudar os professores com formação deficiente a melhorar tanto a sua competência pedagógica como o nível dos próprios conhecimentos. (p. 161).

Este será o foco continuativo da pesquisa que de-senvolvemos, tendo por premissa básica que a quebra das práticas arcaicas de gerenciamento dos processos de ensino e aprendizagem, com a inserção de variadas estratégias tecnológicas mediadoras, pode alterar as repre-sentações sociais que atribuem ao próprio o indivíduo a responsabilidade pelas dificuldades de aprendizagem, per-mitindo a descoberta de novas potencialidades de aprender do aluno, assim como de alternativas mais ousadas e criati -vas para o processo de ensinar.

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tEAChERS AND LEARNING DISAbILItIES, SOCIAL REpRESENtAtION OF ChALLENGES AND pERpLExIty

AbstractThe article focuses on learning disabilities (DAs), the concept of “normality”, the terms disorders and learning disabilities and difficulties to diagnose them. We conducted a survey of 86 professionals linked to Education of Rio de Janeiro, Brazil, because we believe that the social re-presentations of these professionals about DAs impact on their work and the vision of the learning process that elaborate.Keywords: Learning difficulties. Social representations. Human formation.

Data de recebimento: agosto 2013 Data de aceite: novembro 2013

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AUtORES

RObERt j. hOFFmEIStERPh.D., Center for the Study of Communication and the Deaf Boston University, Associate Professor of Education, Department of Literacy, Language, Counseling and Development, Boston University School of Education and Director, Center for the Study of Communication & Deafness. Ph.D., University of Minnesota (Research Development and Demonstration Center in Education of Handicapped Children) Emphasis on Psychology, Language and the Deaf, M.Ed., University of Arizona Emphasis on Education of the Deaf, B. S., University of Connecticut (Magna Cum Laude), Emphasis on Mental Retardation, Psychology and Language.

CARLOS hENRIqUE RODRIGUESDoutor em Linguística Aplicada pela UFMG. Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Doutor em Linguística Aplicada (Estudos da Tradução) e Mestre em Educação (Educação e Linguagem) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Especialista em Educação Inclusiva pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, Coordenador do Grupo de Estudos em Educação de Surdos (Gees) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Diversidade (Neped) da Faculdade de Educação da UFJF, professor de Libras e tradutor-intérprete de Libras-Português.

ELIDéA LúCIA ALmEIDA bERNARDINODoutora em Linguística Aplicada pela Boston University.Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Linguística Aplicada pela Boston University, mestra em Estudos Linguísticos UFMG, graduada em Letras e em Tradução pelo Centro Universitário Newton Paiva. Coordenadora do Núcleo de

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Libras e supervisora dos cursos de extensão em Libras na UFMG.

LUCyENNE mAtOS DA COStA vIEIRA-mAChADODoutora em Educação pela UFES. Doutora e Mestra em Educação e graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professora Adjunta da disciplina Fundamentos de Libras na mesma Universidade. Coordenadora do Grupo de Estudos Surdos no Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Especial (GES/NEESP/UFES). Já atuou como professora assistente de educação especial na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Intérprete de Libras. Também coordenou a implantação do trabalho de educação bilíngue para surdos na Prefeitura Municipal de Vila Velha/ES.

NEIvA DE AqUINO ALbRESDoutora em Educação Especial pela UFSCar. Professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutora em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Especialista em Psicopedagogia Clínica pela UNIDERP, Fonoaudióloga pela UCDB e Pedagoga pela UEMS. Membro do grupo de pesquisa “Surdez e abordagem bilíngue” – CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre tradução/inter-pretação em língua de sinais e interpretação educacional da FENEIS e APILSBESP. Assessora da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo – Diretoria de Orientação técnica em Educação Especial para a implantação do programa de Educação bilíngue para surdos (2011-2012).

ELOIzA DA SILvA G. OLIvEIRADoutora em Educação. Diretora do Instituto de Formação Humana com Tecnologias (IFHT). e-mail: [email protected], Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil.

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pâmELA FARIA DE OLIvEIRA Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia. Possui Pós- graduada Lato sensu em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Católica de Uberlândia. É Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uber-lândia. Professora permanente da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia.

CARLOS hENRIqUE DE CARvALhOPossui graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em Educação pela Universidade Fede-ral de Uberlândia. Doutor em História pela Universidade de São Paulo (2003) e estágio pós-doutoral em História da Educação pela Universidade de Lisboa (2008). É professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), membro dos conselhos editoriais das revistas Cadernos de História da Educação (UFU), Educação & Filosofia (UFU) e Revista Alpha (Patos de Minas). É Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Trabalha na área de História, com ênfase em História do Brasil República, atuando principalmente nos seguintes temas: educação e imprensa, historia da educação brasileira, Igreja Católica e educação no Brasil e em Portugal. É professor do programa de Pós-graduação (cursos de mestrado e doutorado) em Educação da UFU. É bolsista produtividade em pesquisa do CNPq e do Programa Pesquisador Mineiro, da FAPEMIG.

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RESUmO DAS DISSERtAÇõES

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Resumo das Dissertações

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O qUE vOCêS FIzERAm EStá FORA DE Um pADRÃO ACEItávEL pARA A ESCOLA: SUjEIÇÃO E pRátICAS DE LIbERDADE NO COtIDIANO ESCOLAR-DA (IN) DISCIpLINA AO CUIDADO DE SI

Autor: WescleyDinaliOrientador: Anderson Ferrari

Data da defesa: 18 de março de 2011

As problematizações aqui pospostas passam pelo interesse em mover discussões em torno da produção de sujeitos escolarizados, na possibilidade de (re)pensar os diferentes processos de subjetividades presentes no cotidiano escolar, sujeição e práticas de liberdade. Tendo como arcabouço teórico a perspectiva foucaultiana e alguns autores que trabalham com essa proposta, como Gallo, Veiga-Neto e Revel, entre outros, a pesquisa foi realizada no Ensino Médio, do Colégio de Aplicação João XXIII, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Observou-se que a escola busca controlar cotidianamente os corpos escolares. A “indisciplina” foi pensada como uma prática de resistência contra esses efeitos do poder inerente a esse tipo de processo pedagógico, pois quanto mais se controla mais se produzem forças resistentes. Todavia, a autoridade escolar, muitas vezes, busca controlar ainda mais essas forças, produzindo e reproduzindo a (in)disciplina. Para tanto, a ética da estética da existência como cuidado de si pode vir a ser, para a prática docente, uma forma de resistência a esse modelo escolar, a essas práticas impostas,

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propiciando, para o professor e para os outros, diferentes jogos de forças no interior desse espaço, jogos de liberdades mútuas, recíprocas entre uns e outros cotidianamente.

Palavras-chave: Cotidiano Escolar. (In) disciplina.Cuidado de Si.

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CURRÍCULO, GêNERO E IDENtIDADE NA FORmAÇÃO DE pROFESSORES/AS

Autor: Kelly da SilvaOrientador: Anderson Ferrari

Data da defesa: 18 de março de 2011

Tendo em vista que uma série de conhecimentos não é fornecida, aos estudantes, pelo currículo e que eles aprendem tanto em função do que está representado no currículo, como em função daquilo que nele está oculto, silenciado, questiono o porquê se ensina ou se aprende de uma determinada maneira e não de outra, sem interrogarmos o que estamos transmitindo por meio do currículo e, nesta perspectiva, volto ao lugar onde se propõe uma formação: o ensino superior. Nesse sentido, a questão analisada é: quais identidades de gênero que as experiências e relações estabelecidas pelo/no currículo dos cursos de formação de professores/as vêm produzindo e quais são suas possibilidades de construção? Dessa forma, procurei conhecer como esses temas são tratados nos cursos de Pedagogia de três instituições federais de Minas Gerais: Universidade Federal de Viçosa, Universidade Federal de Juiz de Fora e Universidade Federal de São João del Rei. O objetivo do estudo foi analisar projetos e/ou discursos sobre a formação de professores/as, no que se refere às relações de gênero, sexualidade e currículo, enquanto participantes da construção de novas identidades. Neste trabalho, articulam-se estudos foucaultianos, estudos de gênero e estudos feministas da perspectiva pós-estruturalista. A pesquisa nos apresenta todo o jogo que está organizando as discussões de gênero e sexualidade nas universidades. Para tanto, foram realizadas análises documentais e entrevistas semi-estruturadas com os coordenadores dos cursos de Pedagogia

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das instituições. De um lado, as análises desenvolvidas nos revelam a importância da discussão e a necessidade da universidade versar sobre essas temáticas, de tratá-las na formação. Por outro lado, aponta-nos todas as dificuldades da estrutura e da cultura da universidade que inviabilizam essa implantação. Não proponho aqui, respostas; o que procuro é lançar outras possibilidades de se pensar sobre o tema, diferentes maneiras de enxergar a constituição de muitos “preconceitos” vivenciados na sociedade. O que sugiro são mudanças, como as que me propus.

Palavras-chave: Currículo. Formação de professo -res/as. Identidade. Gênero e sexualidade.

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jUDICIALIzAÇÃO DA EDUCAÇÃO: A AtUAÇÃO DO mINIStéRIO púbLICO COmO mECANISmO DE ExIGIbILIDADE DO DIREItO à EDUCAÇÃO NO mUNICÍpIO DE jUIz DE FORA

Autor: Rafaela Reis Azevedo de OliveiraOrientador: Beatriz de Basto Teixeira

Data da defesa: 21 de março de 2011

O presente trabalho expõe os resultados da pesquisa “Judicialização da educação: a atuação do Ministério Público como mecanismo de exigibilidade do direito à educação, no município de Juiz de Fora”, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, para obtenção do grau de mestre. Teve como objetivo analisar a atuação do Ministério Público na garantia do direito à educação básica, a partir dos estudos sobre judicialização da política/educação e do que é declarado na legislação nacional sobre educação no município citado. Foi realizada uma pesquisa sistemática no acervo da Bibliote-ca Municipal, na Secretaria Municipal de Educação, no Mi nistério Público e nos Conselhos Tutelares, bem como a realização de entrevistas semiestruturadas com atores im portantes para este estudo, quais sejam: Conselheiros Tutelares, (ex) secretárias de educação e Promotor da In-fância e Juventude do município supracitado. Destaca-se, no trabalho, ações obtidas na Promotoria oriundas de diferentes esferas, como Defensoria Pública, Conselhos Tutelares e, entre outras, escolas da rede pública municipal e estadual de Juiz de Fora. Embora o tema da evasão escolar tenha surgido, mostra-se evidente a demanda por vagas

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na educação infantil – um problema que percorreu todo o período estudado (1996-2010). Observa-se ainda que a referida demanda corroborou para uma Ação Civil Púbica, impetrada pelo Ministério Público, contra a Prefeitura de Juiz de Fora, em 1999 e que foi analisada com mais detalhes neste trabalho. Por fim, é possível afirmar que a atuação da Promotoria da Infância e Juventude não tem sido expressiva no município, abrindo margens, dessa forma, para outros agentes “judicializantes”.

Palavras-chave: Direito à educação. Judicialização da educação. Ministério Público.

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ApRENDIzAGEm ObSCURA: FRAGmENtOS ARRANjADOS pOR pROpOSIÇõES ARtÍStICAS

Autor: Luiz Felipe de Souza CarbogimOrientador: Sônia Maria Clareto

Data da defesa: 23 de março de 2011

Esta dissertação é um escrito que se compõe com multiplicidades, que atravessam um professor de artes no seu formar-se, ou, deformar-se. É o exercício de trazer com a escrita, uma escrita de si, o processo da pesquisa, não um falar sobre a pesquisa, mas a pesquisa em si – perseguindo e sustentando a problemática como aula? Agenciando Hélio Oiticica, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Friedrich Nietzsche, na busca de uma um corpo outro, uma aula outra em última análise. O conceito de proposição, tal como aparece na obra de Oiticica, é definido por ele como o declanchar de processos inventivos coletivos, deslocado aqui para a imanência das aulas, das leituras, das escritas, dos corpos... da vida. A proposição abala qualquer concepção dicotômica e disso deriva um campo problemático de encontros entre professor, arte, alunado, fruição, produção, poética, estética, política e ética. Esta problematização persegue a aula enquanto proposição: aulaproposição, mas não se trata da apresentação de uma didática para o ensino de artes, tampouco uma pedagogia da arte, está mais pró-xima de um abalo no campo educacional que faz tremer, especialmente, os alicerces da Arte/Educação, reverberando na questão tão cara à Arte/Educação escolar que traz como que um senso comum o objetivo do ensino de arte em formar um público crítico para as artes. Aulaproposição: processo de invenção coletivo anônimo, no qual os participantes são produtores, em busca de um – estado de invenção, como coloca Hélio Oiticica. Daí, especialmente com Oiticica, um corpo interroga: como formar artistas e não formar

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público? Como formar público e não formar artistas? É possível, tendo em vista a proposição, um caminhar outro, o impossível? Relato alguns processos-aulas a partir do método investigativo da cartografia, produzido por Deleuze e Guattari, no qual a pesquisa, pesquisador e pesquisado não se dão em separado. O processo de pesquisa é processo de invenção, importa ao pesquisador estar à espreita do acontecimento, atento às virtualidades que pululam no campo de pesquisa. Nesta perspectiva o campo de pesquisa é jogo de forças, oficina de signos, e, a atenção do pesquisador-cartógrafo deve flutuar e pousar num movimento com o movimento vivo de um campo-jogo. Assim, preparo um corpo para estar atento difusamente aos processos que vivi com alunos e alunas de seis, sete, quinze e dezesseis anos, para exercitar a cartografia rente aos processos inventivos da experimentação dos propositores. Parte da pesquisa fora realizada a partir do meu arquivo pessoal produzido com um colégio da cidade de Juiz de Fora, especialmente interessado no processo poético-inventivo em aulas de artes visuais.

Palavras-chave: Proposição. Invenção. Arte. Edu-cação. Produção poética experimental.

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SINFONIA#01: LICENCIADOS Em mAtEmátICA E ALGUmAS mARCAS

Autor: Bruna Dias de CarvalhoOrientador: Sônia Maria Clareto

Data da defesa: 31 de março de 2011

STACCATOOs alunos de licenciatura em Matemática, ao optarem

por esse curso, trazem, muitas vezes, o status de “bom aluno”, conquistado durante sua formação nos Ensinos Fundamental e Médio, porém, quando ingressam no Ensino Superior, outras marcas vão se dando. A presente dissertação procurou ouvir esse processo. Foram estudadas marcas formativas que foram sendo reveladas pelos/nos alunos, no decorrer da investigação, que, por sua vez, foi realizada nas aulas das disciplinas Matemática Escolar I e Geometria Espacial, em um curso de Licenciatura em Matemática; ao longo, ainda, de leituras e releituras de avaliações diagnósticas, realizadas pelo professor da disciplina Matemática Escolar I; e durante uma entrevista, realizada com três licenciandos. Com ouvidos aguçados para essa sonoridade, é possível dizer que expectativas são construídas e desconstruídas, ao longo da licenciatura, que esteja em curso, e, assim, a noção de “bom aluno” acaba modificada, modificando, também, a imagem do que seria ser professor de matemática. A partir dessas marcas, do estudo de autores como Descartes, Deleuze, Nietzsche, Kastrup, entre outros, e do questionamento sobre quais marcas formativas vão sendo constituídas nos/pelos alunos, que optam pela Licenciatura em Matemática, em seus percursos de formação, é que a escrita desta dissertação se deu.

ACORDE: Educação Matemática. Aprendizagem Inventiva. (Des)Territorialização.

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UNIvERSIDADES qUE pOSSUEm tODOS OS ExEmpLARES DA REvIStA EDUCAÇÃO Em FOCO

Universidade Federal São CarlosUniversidade Federal do Rio Grande do NorteUniversidade Federal de LondrinaUniversidade Federal de UberlândiaUniversidade Federal de PernambucoUniversidade Estadual do Centro-Oeste-UnicentroUniversidade Estadual do MaranhãoUniversidade Estadual de Feira de SantanaUniversidade de FortalezaUniversidade Estadual Norte FluminenseUniversidade Estadual PaulistaPontifícia Universidade Católica do ParanáUniversidade Estácio de SáUniversidade Federal do Rio de JaneiroUniversidade Federal de Santa CatarinaUniversidade do Estado de Santa CatarinaUniversidade do Estado de São Paulo – UNESPUniversidade Estadual de Ponta GrossaUniversidade Estadual de Santa CruzUniversidade de Lavras – UnilavrasUniversidade de Cruz Alta – UnicruzUniversidade Federal de ItajubáUniversidade Federal de Ouro PretoUniversidade Federal de Minas GeraisUniversidade Federal de Juiz de Fora

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pERmUtAS

1. Educação ContemporaneidadeRevista da FAEEBA

2. Ciências & letrasRevista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras

3. Revista Diálogo Educacional Programa de Pós-Graduação em Educação – PUCPR

4. Ciência & Educação

5. Revista Brasileira de Filosofia

6. Instituto Brasileiro de Filosofia São Paulo

7. Revista do Centro de Educação UFSM

8. Serie Estudos Periódicos do mestrado em Educação da UCDB Educação escolar e formação de professoresDossiê Educação Superior

9. Revista FAMECOSMídia, cultura e tecnologia. Faculdade de Comunicação Social Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

10. ComunicaçõesRevista do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba

11. Gestão em açãoUniversidade Federal da Bahia UFBA Faculdade de Edu-cação – FACED

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12. EntrelinhasRevista do Curso de Letras da Universidade do Vale do Rio dos Sinos

13. Revista Educação e Filosofia – Universidade Federal de Uberlândia

14. Revista NuancesUniversidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”

15. Educação em RevistaUniversidade Federal de Minas Gerais

16. Ideação Revista do Centro de Educação e LetrasCampus de Foz do Iguaçu – EDUNIOESTE

17. Revista de Ciências HumanasCampus de FredericoWestphalen – URI

18. Revista da Faculdade de EducaçãoUNEMAT

19. Revista Educação em QuestãoCentro de Educação PPGE – UFRN

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237

Normas para publicaçãoO envio dos artigos para a Revista Educação em Foco deverá serfeito obedecendo as seguintes orientações:

1- O texto deverá ser original, comprometendo-se o articulista em termo que estabelece a sua res ponsabilidade na garantia da originalidade, bem co mo do com promisso de não enviá-lo a outro meio de pu blicação enquanto estiver se processando o aceite.

2- Os procedimentos do aceite são o parecer favorá vel de

dois membros do conselho cientifico nacional ou in-ternacional, ou dois pareceristas ad-hoc, indicando ou não reformas possíveis no texto. O texto modifi cado ou con tra argumentado sobre as retificações sugeri das, ca so as tenha, será re-enviado aos pareceristas pa ra o aceite final.

3- Quanto à formatação

A-Página de rosto:

1- Título do artigo

2- Resumo do artigo em Português (05 linhas) ou Espanhol, conforme a língua original do artigo

3- Resumo do artigo em inglês

4- Nome e titulação do(s) autor(es)

5- Endereço e telefone de contato do autor responsável pelo encaminhamento do artigo. E-mail do autor, instituição que trabalha.

B- Corpo do trabalho:

1- Título: Em maiúscula e em negrito, separado do texto por um espaço

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2- Digitação: Programa Word para Windows

3- Formatação: Papel tamanho A4 Margem superior com 3,0 cm Margem inferior com 2,5 cm Margem esquerda com 3,0 cm Margem direita com 2,0 cm Fonte Times New Romam Tamanho da letra 12 pontos Espaçamento justifi cado Espaçamento entrelinhas 1,5 Páginas numeradas – máximo 20 páginas; mínimo 12

páginas

4- Referências Bibliográfi cas: Ao fi nal do texto, de acordo com as normas da ABNT em vigor

5- Citações e notas: Devem ser observadas as normas da ABNT em vigor

6- Quantidade de páginas: Mínimo de 12 páginas Máximo de 20 páginas

7- Encaminhamento: Uma via impressa de folha de rosto Duas vias impressas do artigo Disquete de 3,5, contendo folha de rosto e o artigo

Endereço para encaminhamento: Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Educação/ Centro Pedagógico Revista Educação em Foco Campus Universitário/ Cidade Universitária Juiz de Fora – Minas Gerais CEP: 36036-330

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239

Exemplos de organização das Referências bibliográficas

LivrosROCHA, Marlos Bessa Mendes da. Matrizes da modernida-

de republicana: cultura política e pensamento educacional no Brasil Campinas, SP: Autores Associados, 2004.

Capítulos de LivrosCURY, Carlos R. Jamil, A educação e a primeira constituinte

republicana. In: FAVERO, Osmar. org./ 2. ed. A educação nas constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas, SP: Autores Associados, 2001. p. 69-80.

Artigos em periódicosCASTRO, Magaly. Memórias e trajetórias docentes: os bas-

tidores de uma pesquisa. Revista Educação em Foco, Juiz de Fora, v. 12, n. 1, p. 81-107, mar/ago 2007.

Teses e dissertaçõesSOUZA, Jane A. G. Avaliação X relações de poder: Um

estudo do Projeto Nova Escola / Rio de Janeiro. Juiz de Fora, 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade Federal de Juiz de Fora.

CongressosSOUZA, J. A. G. Simave X Nova Escola: caminhos que con-

vergem?. In: Congresso de Pesquisa e Ensino de História da Educação em Minas Gerais, IV, Juiz de Fora, 2007.

Artigo em jornalMIRANDA, Ruy. Plano Collor acelera o processo de fusões

e compras de empresas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 4 jun.. 1990.

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241

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Informações Gráficas

Formato: 16 x 23 cmMancha: 12,8 x 18,4 cmTipologia: Adobe Garamond Pro – Garamond – Alberta extralight – Miniom ProPapel: Pólen Bold 90 g/m² (miolo) – Cartão Supremo 250 g/m² (capa)Tiragem: 300 exemplaresImpressão e acabamento: Templo Gráfica e Editora Ltda.

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Bilingualism in Deaf People: children and adults

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jul. 2014 / out. 2014244

Robert Hoffmeister

# Studies DCDP DCHP Total Results Example

12 349 855 1204Higher ASL scores significantly correlated

to reading scores. Strong &Prinz, 1997

5 Adults Adults Early ASL related to higher reading scores. Mayberry, & Chamberlain, 2008

1 Hearing

The findings indicate hearing kindergarten students receiving ASL instruction made

statistically significant gains in their receptive English vocabulary, maintained an age appropriate use of expressive English vocabulary, ... and tested higher than similar students on Marie M. Clay’s

(1993) reading placement measures.

Daniels, 2004

1 144“the best parenting was done by mothers who used gestures and other non verbal means of

communication”. Manfredi&Fruggeri, 1978

# Studies DCDP DCHP Total Results Example12 349 855 1204 Higher ASL scores significantly correlated to reading scores Strong & Prinz,

19975 Adults Adults Early ASL related to higher reading scores Mayberry, & Chamberlain, 20081 Hearing The findings indicate hearing kindergarten students receiving ASL instruction made statistically

significant gains in their receptive English vocabulary, maintained an age appropriate use of expressive English vocabulary, ... and tested higher than similar students on Marie M. Clay’s (1993) reading placement measures Daniels, 2004

1 144 “the best parenting was done by mothers who used gestures and other non verbal means of communication”. Manfredi & Fruggeri, 1978

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Bilingualism in Deaf People: children and adults#

Studies DCDP DCHP Total Results Example

12 349 855 1204Higher ASL scores significantly correlated

to reading scores. Strong &Prinz, 1997

5 Adults Adults Early ASL related to higher reading scores. Mayberry, & Chamberlain, 2008

1 Hearing

The findings indicate hearing kindergarten students receiving ASL instruction made

statistically significant gains in their receptive English vocabulary, maintained an age appropriate use of expressive English vocabulary, ... and tested higher than similar students on Marie M. Clay’s

(1993) reading placement measures.

Daniels, 2004

1 144“the best parenting was done by mothers who used gestures and other non verbal means of

communication”. Manfredi&Fruggeri, 1978

# Studies DCDP DCHP Total Results Example12 349 855 1204 Higher ASL scores significantly correlated to reading scores Strong & Prinz,

19975 Adults Adults Early ASL related to higher reading scores Mayberry, & Chamberlain, 20081 Hearing The findings indicate hearing kindergarten students receiving ASL instruction made statistically

significant gains in their receptive English vocabulary, maintained an age appropriate use of expressive English vocabulary, ... and tested higher than similar students on Marie M. Clay’s (1993) reading placement measures Daniels, 2004

1 144 “the best parenting was done by mothers who used gestures and other non verbal means of communication”. Manfredi & Fruggeri, 1978