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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA IVANETE MARIA BARROSO MOREIRA OS JOGOS DE LINGUAGEM ENTRE SURDOS E OUVINTES NA PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS DE CONCEITOS MATEMÁTICOS BELÉM-PA 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

IVANETE MARIA BARROSO MOREIRA

OS JOGOS DE LINGUAGEM ENTRE SURDOS E OUVINTES NA PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS DE CONCEITOS MATEMÁTICOS

BELÉM-PA 2015

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IVANETE MARIA BARROSO MOREIRA

OS JOGOS DE LINGUAGEM ENTRE SURDOS E OUVINTES NA PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS DE CONCEITOS MATEMÁTICOS

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática como requisito para a obtenção do título de Doutor em Educação em Matemática e Ciências. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marisa Rosâni Abreu da Silveira.

BELÉM-PA 2015

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a)

autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

B277j BARROSO MOREIRA, IVANETE MARIA.OS JOGOS DE LINGUAGEM ENTRE SURDOS E

OUVINTES NA PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS DECONCEITOS MATEMÁTICOS / IVANETE MARIABARROSO MOREIRA. -- 2015

vi, 40 f. : il. ; 30 cm.

Orientadora: Marisa Rosâni Abreu da Silveira.Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato

Grosso, Rede Amazonica de Educação em Ciências eMatemática, Programa de Pós-Graduação em Ensino deCiências e Matemática, Cuiabá, 2015.

Inclui bibliografia.

1. Educação Matemática. 2. Jogos de Linguagem. 3.

5

A meus pais Rosi e José, e aos meus filhos Gleisy e Gabriel com todo o meu amor.

6

Agradecimentos

A Deus, fonte de criação e sabedoria;

A meu pai José e minha mãe Rosi, meus refúgios em todos os

momentos de desespero;

A meus filhos Gleisy e Gabriel, minhas fontes de inspiração;

A professora Dr.ª Marisa Rôsani Abreu da Silveira, minha

orientadora, pela persistência, incentivo, disponibilidade,

competência e dedicação;

A todos os integrantes do Grupo de Pesquisa GELIM, pela

ajuda nas interlocuções e no desenvolvimento das minhas

ideias acerca da Linguagem Matemática.

A todos os profissionais da Educação Matemática que lutam

por uma educação com compromisso.

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“Não desejaria, com minha obra, poupar aos outros o trabalho de pensar, mas sim, se for possível, estimular alguém a pensar por si próprio”.

Ludwig Wittgenstein (1889-1951)

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RESUMO

Este trabalho apresenta o resultado de uma pesquisa que teve como objetivo analisar os jogos de linguagem entre sujeitos surdos e ouvintes e sua colaboração para a compreensão e ressignificação de conceitos matemáticos em uma sala de aula inclusiva. Essa compreensão está associada à tradução de textos matemáticos para a língua portuguesa, e desta para a língua de sinais, em uma ida e volta discursiva. Isto ocorre nas formas de vida dos sujeitos em sala de aula como: a leitura labial do aluno surdo; a explicação do professor; a função de interpretar da profissional intérprete quando intermedia os diálogos - do aluno surdo para o professor, do professor para o aluno surdo, dos alunos surdos para os alunos ouvintes e vice-versa. Essa tradução se confirma nas modalidades: oral, escrita e sinalizada, confirmando a tese de que “A relação entre a língua de sinais, a língua portuguesa e a linguagem matemática em ambiente de sala aula inclusiva produz jogos de linguagem entre sujeitos surdos e ouvintes na tentativa de compreender conceitos matemáticos”. A pesquisa está pautada nos estudos do filósofo Ludwig Wittgenstein, em sua segunda fase – pós mortem - e suas concepções sobre: os jogos de linguagem e uso de regras. O lócus da pesquisa foi uma sala de aula inclusiva do 3º ano do Ensino Médio de uma Escola do Município de Ananindeua e como sujeitos foram selecionados cinco alunos surdos, sete alunos ouvintes, uma intérprete de LIBRAS e um professor de Matemática. A coleta do material empírico para a investigação foi por meio de: observação; gravações (vídeo e áudio); questionários; entrevistas; anotações em diários de bordo; e atividades das aulas de Matemática. As análises dos dados estão dispostas em dois níveis: i) os jogos de linguagem entre sujeitos surdos e ouvintes na sala de aula inclusiva (professor, intérprete, alunos surdos e alunos ouvintes) e ii) o uso de regras de linguagem no ensino de conteúdos matemáticos (Equação da Circunferência e Números Complexos). As mostras das análises evidenciaram resultados como: a existência de ‘regras particulares’ previamente estabelecidas entre as relações discursivas dos sujeitos surdos e ouvintes; os cuidados que os intérpretes devem ter na interpretação literal de palavras com vários sentidos, a polissemia das línguas portuguesa e de sinais; a dificuldade da tradução da linguagem matemática na língua de sinais, por causa da escassez de sinais matemáticos específicos em Libras e o interminável contrato feito entre intérpretes e alunos surdos com diferentes sinais diferenciados, o que dificulta a organização do ensino e da tradução; e também tivemos a confirmação de que a sala de aula inclusiva, como em qualquer ambiente, contexto, onde se tem relações, interações humanas, existe uma variedade e multiplicidade de jogos de linguagem.

Palavras-chave: Educação Matemática; Jogos de linguagem; Regras; Formas de vida; Surdo.

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ABSTRACT This work shows the result of a research that has the purpose to analyze the language games between the deaf and listener subjects and their collaboration to comprehension and ressignification of mathematic concepts in an inclusive classroom. This comprehension is associated to the translation of mathematic texts to the Portuguese language, and from this to the sign language, in a discursive round trip. This happens in the subjects’ way of life in the classroom like: the deaf student’s lip reading, the teacher’s explanation, the professional interpreter’s function of interpreting when it’s intermediating the dialogues – from the deaf student to the teacher, from the teacher to the deaf student, from the deaf students to the listener students and vice versa. This translation confirms itself in the modalities: oral, written and signed, confirming the theses of “The relation between sign, Portuguese and mathematic languages in an inclusive classroom environment produce language games between the deaf and listener subjects in attempt to understand the mathematic concepts.” The research is guided by the studies of the philosopher Ludwig Wittgenstein, on his second phase – postmortem – and his conceptions about: the language games and the use of rules. The research’s locus was an inclusive classroom of the 3rd year of the High School of an Ananideua’s Municipal School and as subjects were selected five deaf students, seven listener students, a LIBRAS interpreter and a math teacher. The collection of empirical material for the research was by the means of: observation; recording (video and audio); questionnaires; interviews; logbooks’ notes; and activities in the math’s classes. The data’s analyzes are disposed in two levels: i) the language games between the deaf and listener subjects in an inclusive classroom (teacher, interpreter, dead students and listener students) and ii) use of language rules in the teaching of mathematical content (Equation of Circle and Complex Numbers). The samples of analyzes revealed results such as: the existence of ‘particular rules’ previously established between the discursive relations of the deaf and the listener subjects; the care of the interpreters must have in the literal interpretation of the words with various meanings, the polysemy of the Portuguese and the sign languages; the difficulty in translate the mathematic language into the sign language, because the lack of specific mathematical signs in LIBRAS and the endless contract between interpreters and deaf students with different differential signals, which difficult to organize the teaching and the translation; and also we had the confirmation that the incursive classroom, as much in any environment, context, where there’s relations, humans interactions, exist a variety and a plurality of language games. Keywords: Math Education; Language games; Rules; Way of life; Deaf

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LISTA DE FIGURAS FIGURA 01 ALFABETO DATILOLÓGICO OU MANUAL

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FIGURA 02 CONFIGURAÇÕES DE MÃOS DA LIBRAS

66

FIGURA 03 ESPAÇO DE LOCAÇÃO

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FIGURA 04 SINAIS QUE SE OPÕEM AO MOVIMENTO

68

FIGURA 05 EXPRESSÃO NÃO-MANUAL DO SINAL TRABALHAR QUANTO AO GRAU DE INTENSIDADE

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FIGURA 06 O ALFABETO EM SIGN WRITING 72

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SUMÁRIO

I - INTRODUÇÃO 12 1.1. DOIS MARCOS EM UMA HISTÓRIA

12

II - A CONSTRUÇÃO DAS IDEIAS 17 2.1. QUESTÃO E OBJETIVO DA PESQUISA 17 2.2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 18 2.3. INSTRUMENTOS DE PESQUISA 21 2.4. O LOCAL ESCOLHIDO 24 2.5. OS ATORES DA PESQUISA

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III REVER, REFLETIR E ESCOLHER 32 3.1. BASES EPISTEMOLÓGICAS DA EDUCAÇÃO DO SURDO 32 3.2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 41 3.3. WITTGENSTEIN: UMA ESCOLHA TEÓRICA 52 3.3.1. JOGO DE LINGUAGEM EM WITTGENSTEIN 55 3.3.2. FORMAS DE VIDA EM WITTGENSTEIN 57 3.3.3. O USO DE REGRAS EM WITTGENSTEIN

58

IV - UMA MISCELÂNEA DE LINGUAGENS 61 4.1. LÍNGUA DE SINAIS: UMA PROTAGONISTA ESPECIAL 61 4.2. LINGUAGEM DE SINAIS, LINGUAGEM NATURAL E

LINGUAGEM MATEMÁTICA: UMA MISTURA POSSÍVEL

73

V - UM MUNDO DE DESCOBERTAS 78 5.1. PRIMEIRAS DESCOBERTAS 78 5.2. ORGANIZAÇÃO DAS IDEIAS 81 5.3. NÍVEIS DE ANÁLISE DOS JOGOS DE LINGUAGEM 82 5.3.1. 5.3.2.

OS JOGOS DE LINGUAGEM ENTRE SURDOS E OUVINTES O USO DE REGRAS NO ENSINO DA EQUAÇÃO DA CIRCUNFERÊNCIA E NÚMEROS COMPLEXOS

82

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VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS

114

REFERÊNCIAS APÊNDICE

12

I – INTRODUÇÃO

1.1. Dois ‘marcos’ em uma história

Na caminhada do estudante, profissional ou pesquisador, surgem questões

de todos os tipos e com elas a busca de respostas que sejam suficientemente

plausíveis para que se aceite como uma verdade duradoura ou passageira. Umas,

acabam sendo substituídas por outras de maior valor e outras, ainda, podem

perdurar por anos sem que se consiga uma resposta aceitável. Assim como os

estudantes, profissionais e pesquisadores iniciaram seus estudos e pesquisas com

alguma questão inquietante, da mesma forma ocorreu comigo. Várias questões me

acompanharam durante diversas etapas de minha formação e profissionalização nas

áreas da Inclusão e Educação Matemática, dentre as quais destaco:

- O aluno surdo consegue compreender a linguagem matemática utilizada

pelo professor?

- Somente a percepção visual dá suporte para o aprendizado de

conhecimentos matemáticos?

- A linguagem matemática, em uma relação positiva com a língua portuguesa,

consegue ser suficiente para o ensino de conceitos matemáticos para alunos

surdos?

- Como utilizar a língua portuguesa escrita no ensino de conceitos

matemáticos se o aluno surdo tem dificuldades no aprendizado da língua

portuguesa?

- Como ensinar Matemática por meio da língua de sinais para alunos surdos,

se nesta língua os sinais específicos matemáticos ainda estão em construção?

Estas ‘inquietações’ surgiram de reflexões e observações em sala de aula

inclusiva e sala de recurso1, as quais perpassaram minha vida como professora de

1 Sala de recursos, para o Conselho Nacional de Educação/Câmara de Ensino Básico (BRASIL, 2001), é o serviço de natureza pedagógica, conduzido por professor especializado, que suplementa (no caso de superdotados) e complementa (para os demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes comuns da rede regular de ensino.

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apoio e intérprete de língua de sinais durante mais de duas décadas (1992 a 2013).

Como profissional de apoio e intérprete, minha função sempre foi fazer a

interpretação (simultânea da fala do professor para a língua de sinais), tradução (de

textos escritos) e o apoio disciplinar para alunos com deficiência auditiva. Neste

sentido, pude observar inúmeros obstáculos que se manifestavam em sala de aula,

e ilustrarei dois episódios, entre inúmeros, que chamarei de ‘marcos’, como um

destaque em relação à linguagem, que marcaram e contribuíram para esta pesquisa.

O primeiro marco ocorreu quando iniciei na profissão, em 1992, em uma

turma de 4ª série (hoje 5º ano). Percebi, pela primeira vez, a dificuldade dos alunos

surdos em compreender o que outras pessoas falavam. Esta falta de comunicação

para mim era um obstáculo gigantesco. Neste período, a Língua de Sinais (Libras)

não era muito divulgada, tampouco conhecida ou utilizada pelos profissionais das

instituições públicas de ensino em que eu atuava, nem mesmo nas instituições

particulares. A Língua de Sinais na década de 90 não era considerada uma língua e

não era reconhecida pelos alunos surdos, que ainda se encontravam em início de

alfabetização na língua de sinais, pois o ensino da oralização2 ainda era priorizado

pelas instituições de ensino, que relegavam a língua de sinais a um segundo plano,

sem a obrigatoriedade de apresentá-la. Nesse contexto, o trabalho de professores

intérpretes tornava-se deveras complexo. Os surdos adultos da Comunidade Surda

de Belém/PA, conscientes de seus diretos à própria língua, nesta década já

iniciavam uma luta para que este quadro fosse revertido.

Nesta época, em um dos meus trabalhos, a professora de Matemática da

turma, na qual eu era a professora intérprete, explicava as regras do conteúdo de

potenciação de números naturais. Os alunos surdos apenas olhavam para ela e

depois para mim, dando a entender que nada compreendiam e era frustrante,

porque aqueles que estavam na sala não tinham completo domínio de leitura labial3,

2 O ensino da oralização vem da Filosofia do Oralismo, paradigma educacional que perdurou no Brasil até a virada do milênio. Este paradigma “percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada pela estimulação auditiva. Essa estimulação possibilitaria a aprendizagem da língua portuguesa oral e levaria a criança surda a integrar-se na comunidade ouvinte e desenvolver uma personalidade como a de um ouvinte. Ou seja, o objetivo do Oralismo é fazer uma reabilitação da criança surda em direção à normalidade”. (GOLDFELD, 2002, p. 34). 3 Condição que é uma característica do individuo surdo e que varia de surdo para surdo em relação a nascimento em famílias ouvintes ou surdas, ou mesmo em condições de perda auditiva nas fases pré ou pós-linguísticas, tornando-se uma necessidade de reconhecimento essencial para o surdo.

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habilidade que varia de um indivíduo surdo para outro. Esse fator linguístico citado

dificultava o ensino e o meu trabalho como professora de apoio/intérprete, pois

passei a suprir a falta de comunicação existente entre alunos e professora, ou seja,

eu não apenas interpretava, mas tinha que reapresentar todos os conteúdos que a

professora tentava ensinar. A leitura labial não era suficiente para a compreensão

dos alunos surdos, assim como a escrita, pois tinham conhecimento fragmentado e

insuficiente da gramática da língua portuguesa e não possuíam habilidade e fluência

na língua de sinais. Assim, na maioria das vezes, era necessário o uso de vários

outros recursos como imagens, material concreto manipulativo, dramatização etc.

O segundo marco ocorreu depois que iniciei o trabalho de interpretação

apenas para o ensino de Matemática, em 2000. Até então, eu tinha que interpretar

todas as disciplinas das séries do Ensino Fundamental (1ª à 8ª séries, atualmente do

2º ao 9º ano). Neste período, a língua de sinais já era divulgada em pequena escala

na mídia, e nas ruas as pessoas já reconheciam seu uso, por mais que não

conseguissem compreendê-la. Os alunos do centro urbano do Município de Belém,

em sua maioria, já haviam sido instruídos na língua, e minha função de instrutora e

professora intérprete passou a ser ‘facilitado’. Começou a mudar também o

comportamento dos próprios alunos surdos, que faziam questão de conversar e

aprender em sua própria língua. Neste período, fui designada para trabalhar com as

turmas de 6ª, 7ª e 8ª séries e nas turmas dos três anos do Ensino Médio, onde

verifiquei que a leitura labial desses alunos era boa e eles tinham um considerável

vocabulário na língua de sinais e na língua portuguesa.

Este marco deu-se em uma revisão de conteúdos da série anterior com

alunos de 6ª série, sobre operações entre frações com denominadores diferentes.

No inicio da revisão o professor explicou rapidamente a adição e subtração de

frações, relembrando aos alunos as etapas do cálculo, ou seja, os alunos teriam que

achar primeiramente o mínimo múltiplo comum (m.m.c.) entre os denominadores

para poderem efetivar os cálculos e chegar ao resultado final. Durante a explicação,

o professor falava muito rápido e mexia as mãos em demasia, atrapalhando a leitura

labial dos alunos. Como não conseguiam compreender a explicação do professor, os

alunos surdos se voltavam para mim, e esse comportamento não agradou o

docente.

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Após a minha interpretação, pedi que eles voltassem o olhar novamente para

o professor que havia passado os exemplos no quadro, mas os cálculos expressos

no quadro não demonstravam o que havia sido explicado, pois como o professor se

expressou na época, ‘eles já deveriam saber todas as etapas deste cálculo, isto é

apenas uma revisão’. O professor considerava uma ‘obrigação’ dos alunos já terem

este conhecimento. O que esse profissional não compreendia era que existiam

inúmeros fatores que poderiam ter ocasionado à ruptura no aprendizado desse

conhecimento e que a explicação feita oralmente por ele e a interpretação em sinais,

fiel, sobre a explicação dele, não daria conta dos ‘resíduos’4 deixados de ser

mencionados. Os resíduos a que me refiro são as outras operações que estão

implícitas na efetivação dos cálculos fracionários e que não foram devidamente

esclarecidos, como as operações de multiplicação e divisão feitas entre o resultado

do m.m.c. e os algoritmos das frações, conceitos básicos neste conteúdo.

Além desses, muitos outros ‘marcos’ se apresentaram em minha vida

profissional durante o ensino de Matemática para alunos surdos, e a relação destes

com alunos e professores ouvintes, amadurece o meu anseio de colaborar com a

educação deste alunado, se constituindo uma necessidade de reconhecer, analisar

e compreender as relações linguísticas que ocorrem no ensino e na aprendizagem

dos sujeitos envolvidos.

A partir destes marcos foi crescendo uma angústia em mim quanto à relação

da linguagem e comunicação dos alunos surdos. Com esta insatisfação latente,

diante das situações que continuaram a aparecer, senti a necessidade de procurar

subsídios teóricos que pudessem me apontar respostas. Encontrei, então, alguns

estudos como os de Carvalho (1992), sobre as fases históricas da cultura surda;

Fernandes (1990) e Ferreira Brito (1993), sobre as questões linguísticas e cognitivas

do surdo; Skliar (1997, 1998) sobre a avaliação das políticas públicas na educação

de surdos; e Souza (1998) e Góes (1999) sobre a prática pedagógica no processo

de alfabetização da criança surda e suas relações com os pares ouvintes, entre

outras. Estas leituras me elucidaram várias condições do ser surdo, como sua

história, cultura, linguagem e educação. Como consequência destas aspirações e

4 Granger (1974) denomina “resíduo” ou “resíduo de decodificação” para as leituras que se deve fazer além das regras, ou seja, aquilo que escapa ao registro na linguagem, mas que pode ser identificado e apropriado por aqueles que compartilham experiências.

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necessidade de discutir esta trama linguística, trazemos este estudo, que tem como

intento analisar os jogos de linguagem5 entre sujeitos surdos e ouvintes, e como

estes jogos colaboram na compreensão e ressignificação de conteúdos matemáticos

em uma sala de aula.

Outras leituras foram necessárias para dar conta de um estudo coeso na área

de linguagem, que se apresentaram durante o curso de Mestrado em Educação,

onde participei de uma disciplina específica sobre Linguagem Matemática e neste

âmbito, intensifiquei meus estudos na área da linguagem. Na disciplina, entrei em

contato com a obra Investigações Filosóficas, do filósofo Ludwig Wittgenstein (1889 -

1951), que dá um enfoque à ideia de jogo de linguagem, ideia que trago como

principal fundamentação teórica para esta pesquisa. Após a leitura da obra foi

inevitável à escolha por este filósofo, e suas ideias inovadoras sobre jogo de

linguagem e regras, conceitos que pude tomar para o desenvolvimento das

discussões neste estudo. Outros teóricos também foram trabalhados como Perlin

(1998, 2002, 2004), Skliar (1997, 1998, 2001), Quadros (2004), Gottschalk (2008),

entre vários outros, que colaboram com pesquisas nas áreas da linguagem e da

surdez.

O presente texto será subdividido em seções:

Seção I - composta por esta introdução, que apresenta o interesse pela

pesquisa;

Seção II – traz a construção estrutural da pesquisa, desde os objetivos,

lócus etc. até a descrição dos sujeitos;

Seção III – esclarece inicialmente as bases epistemológicas que se

apresentam durante o desenvolvimento educacional do surdo, e também

focaliza as escolhas que trazemos quanto à fundamentação teórica;

Seção IV – situa teoricamente a linguagem, e esclarece a miscelânea

linguística que é trabalhada na pesquisa;

A seção V – descreve o momento inicial da pesquisa, as escolhas de

categorias e os níveis de análise;

As seções VI e VII, trazem os pensamentos finais produzidos e os

referenciais adotados.

5 Este termo que será discutido no decorrer do texto.

17

II - A CONSTRUÇÃO DAS IDEIAS

2.1. Questão e objetivos da Pesquisa

A linguagem humana só é possível devido à sua regularidade, ou seja, a

existência de critérios usuais. Sendo uma atividade pública, seus critérios usuais

também são públicos, podendo ser ensinada, compreendida e aprovada pela

comunidade linguística que a utiliza. Um autor que analisa a linguagem humana

enquanto uso, instituição e prática, é Ludwig Wittgenstein em seu segundo

momento, representado na obra póstuma Investigações Filosóficas. Este filósofo

trata estas atividades linguísticas humanas como jogos, denominados por ele de

jogos de linguagem.

A linguagem como aspecto central em todas as atividades humanas tem

variados jogos de linguagem inclusive nas relações de aprender e ensinar que

ocorrem em salas de aula. Para compreendermos melhor a sala de aula inclusiva no

ensino de matemática para alunos surdos e ouvintes, recorremos às ideias de jogo

de linguagem de Wittgenstein. A língua de sinais, assim como a língua portuguesa

(oral e escrita) e a linguagem matemática, no ambiente sala de aula, quando em uso

por seus respectivos usuários, apresenta jogos de linguagem diferenciados. Com

este pensar podemos, então, formular as nossas questões de pesquisa.

Que jogos de linguagem existem ou são construídos entre sujeitos

surdos e ouvintes na sala de aula inclusiva no ensino de conteúdos

matemáticos?

Como esses jogos de linguagem contribuem para a compreensão de

conceitos matemáticos?

Desta forma, este estudo analisa a trama entre a língua de sinais, a língua

portuguesa e a linguagem matemática em dois níveis: i) os jogos de linguagem

entre sujeitos surdos e ouvintes na sala de aula inclusiva; e ii) o uso de regras

de linguagem no ensino de conteúdos matemáticos.

A ligação entre a linguagem e a comunicação é óbvia, uma vez que esta

última é a principal função da primeira. Com este pensamento, e tendo em conta a

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linguagem existente em sala de aula, parece oportuno questionar: por um lado, o

ensino e aprendizagem a partir da linguagem, que tem lugar numa aula de

Matemática; por outro, a existência e contribuição do jogo de linguagem para o

ensino e aprendizagem da Matemática em sala de aula. Assim, apresentamos a

principal intenção que nos impulsiona e o que nos propomos alcançar neste estudo.

Analisar os jogos de linguagem entre sujeitos surdos e ouvintes e sua

colaboração para a compreensão e ressignificação de conceitos matemáticos

em uma sala de aula inclusiva.

Partindo deste objetivo geral, temos como objetivos específicos:

Caracterizar os jogos de linguagem entre sujeitos surdos e ouvintes na sala

de aula inclusiva;

Analisar como os jogos de linguagem entre sujeitos surdos e ouvintes podem

colaborar para a compreensão de conceitos matemáticos na sala de aula

inclusiva.

Considerado um fenômeno social, a inclusão de alunos surdos tem sentidos e

significados particulares forjados por sujeitos de uma comunidade minoritária, se

comparada à comunidade ouvinte. Essa comunidade, quando em contato com o

grupo majoritário, exige a necessidade de variados discursos em contextos

multilinguísticos (orais, escritos, gesto-visuais, matemáticos etc.), de se misturarem,

de se reorganizarem e produzirem jogos de linguagem para que o grupo como um

todo possa coexistir.

A relevância desta pesquisa se concentra na ideia da comunicação, a partir

dos jogos de linguagem na sala de aula inclusiva, entre sujeitos surdos e ouvintes –

dando condições a esses sujeitos, de ensino e aprendizagem, em relação a

habilidades e competências sobre conhecimentos matemáticos. Esta relevância se

refletiria também quanto ao aumento na literatura desta área e como contribuição

aos profissionais que estudam e pesquisam sobre o sujeito surdo.

2.2. Procedimentos Metodológicos

O trabalho foi desenvolvido a partir de um estudo de caso em pesquisa

qualitativa. Para Merriam (1988), o estudo de caso tem um carácter descritivo,

19

indutivo, particular e a sua natureza heurística pode levar à compreensão do próprio

estudo, seja ele um programa, um acontecimento, uma pessoa, um processo, uma

instituição ou um grupo social. Para Ludke e André (1986), o interesse desse tipo de

estudo está exatamente naquilo que ele tem de único, de particular, mesmo que

posteriormente possam ser evidentes certas semelhanças com outros casos ou

situações.

Este estudo de caso toma como sujeito de pesquisa, indivíduos surdos e

ouvintes que estão presentes na sala de aula inclusiva e, a partir da leitura das

informações recolhidas nas transcrições das aulas gravadas, bem como das

anotações feitas durante as observações e entrevistas realizadas, procuramos

identificar os jogos de linguagem e as regras de linguagem existentes neste

universo. Mesmo reconhecendo a complexidade de relações existentes entre

sujeitos e linguagens, posso relatar neste momento que, de todas as observações e

conversas, como primeiro levantamento, em pequenos “diários de bordo”, durante os

anos em que tive a função de professora intérprete, pude constatar que o maior

percentual das situações problemas que se apresentavam, relacionado ao ensino e

aprendizagem de Matemática, estava envolto em tramas linguísticas como:

Quanto às especificidades dos alunos surdos: dificuldade na leitura labial;

falta de alfabetização na língua de sinais (uso de sinais “domésticos” ou

“mímicos”); dificuldades na aprendizagem e uso da língua portuguesa nas

modalidades escrita e oral;

Quanto aos alunos surdos e ouvintes: dificuldades na interpretação e

compreensão da linguagem matemática; dificuldades no uso e interpretação

da língua portuguesa;

Quanto ao docente: lacunas no uso da linguagem matemática

(desconhecimento e emprego das regras); dificuldades com a língua

portuguesa (confusões gramaticais) utilizada no ensino de conteúdos

matemáticos; equívocos no ensino de matemática reproduzidos

repetidamente em sala da aula por limitações trazidas das formações (inicial e

continuada).

Para todos os lados em que me direcionasse, as dificuldades eram aparentes

e se revelavam sobre a interpretação, compreensão e uso das linguagens que

20

permeiam o ambiente da sala de aula no ensino e aprendizagem de conteúdos

matemáticos, se reafirmando, a meu ver, como barreira.

Estabelecida, então, esta meta inicial, coube a busca de meios, ferramentas,

para esta empreitada, mesmo ciente que, de uma forma ou de outra, minha maneira

de ver o mundo, durante experiências prévias, seguramente me influenciariam em

futuras escolhas. A procura e escolha dos meios que me fizessem entender os

fenômenos me levaram ao estudo de caso qualitativo, baseado nas ideias de Lüdke

e André (1986, p. 17) que afirmam ser o estudo de caso aplicado, quando o

pesquisador tiver o interesse em pesquisar uma situação singular, particular. O

estudo deve apresentar as seguintes características:

1 – Os estudos de caso visam à descoberta; 2 – Os estudos de caso enfatizam a ‘interpretação em contexto’; 3 – Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e profunda; 4 – Os estudos de caso usam uma variedade de fontes de informação; 5 – Os estudos de caso revelam experiência vicária e permitem generalizações naturalísticas; 6 – Estudos de caso procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situação social; 7 – Os relatos de estudo de caso utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível do que os outros relatórios de pesquisa (LÜDKE E ANDRÉ, 1986, p. 18-20).

Pautada neste pensar, vieram à tona preocupações quanto a diferentes

explanações, mesmo reconhecendo que qualquer pesquisa oferece estas variantes

de interpretação, trazendo à baila situações e compreensões diversas apresentadas

pela pesquisa, ou dando possibilidade de resultados já divulgados por pesquisas

anteriores. Para que esta pesquisa qualitativa permita ultrapassar os limites do

excêntrico e também para que fiquem registradas as particularidades – inerentes a

qualquer pesquisa – torna-se necessária a descrição do caminho adotado,

esclarecendo as decisões tomadas, as mudanças de percurso e reconhecer as

metas alcançadas.

Ao reconhecer que certa etapa da pesquisa – ação dos sujeitos ou de grupos

de acordo com o ambiente ou contexto – somente será revelada no processo, ou

mesmo, no contato de resultados de pesquisadores experientes, Alves (1991),

Neves (1996), Goldenberg (1999) e Patton (2002), se atêm ao fato de que poderão

emergir necessidades de aprofundamentos ou mudanças teóricas, provindos do

contato direto e prolongado com o campo de estudo. Estes autores também

acreditam que a discussão e compreensão dos fenômenos estudados e os

21

comportamentos dos sujeitos observados, sem a preocupação de generalizações

estatísticas, se manifestam como características da pesquisa qualitativa.

O pensar em uma pesquisa é um processo lento e demorado, se iniciando, na

maioria das vezes, por um questionamento não muito elaborado que, em um

primeiro momento, nos parece à chave do estudo, mas com o passar do tempo e

após várias reflexões, individuais ou coletivas (colegas, bibliografias, orientadores

etc.), transformam essa simples e pouco elaborada questão em outra ou outras

melhor estruturadas. Não estou confabulando sobre este fato para justificar um dos

atos do pesquisador, mas para apresentar a tese a ser defendida;

A relação entre a língua de sinais, a língua portuguesa e a linguagem

matemática em ambiente de sala de aula inclusiva produzem jogos de

linguagem entre sujeitos surdos e ouvintes na tentativa de compreender

conceitos matemáticos.

Deste momento em diante procuramos buscar meios, a partir da pesquisa de

campo e coleta de dados, para acessar informações necessárias para dar conta

desta tese definida.

2.3. Instrumentos de Pesquisa

Ao partilhar e estudar o ambiente complexo e dinâmico da aula inclusiva

confirmou-se ser prioritário, como instrumento principal para registro dos dados, o

uso de gravações (fotografia, filmagem e áudio) nas aulas, que foram revistos,

catalogados, selecionados e transcritos na íntegra e fazem parte das análises deste

texto, com o intento de disponibilizá-las como fonte para futuros leitores e

pesquisadores.

A opção por gravações/filmagens tornou-se necessária pela percepção da

língua de sinais ser visuogestual, não existindo um registro escrito ou oral,

necessitando então de uma posterior interpretação e tradução da língua de sinais

para a língua portuguesa escrita. Com isso, evitamos prejudicar o desenrolar dos

diálogos permeados por diferentes subjetividades, além de ter que dar conta das

combinações linguísticas, com o acréscimo da linguagem matemática, presentes no

22

ambiente da sala de aula inclusiva. Optamos por este procedimento, por confiar nas

filmagens (língua de sinais), fotografias (linguagem matemática) e o áudio (língua

portuguesa) captados para favorecer as análises, dando possibilidades de ver e

rever diálogos além das entonações verbais e expressões faciais entre o professor e

alunos surdos, alunos surdos e alunos ouvintes e intérprete e alunos surdos.

As filmagens e fotografias foram feitas pela pesquisadora e uma colaboradora

intérprete, em uma câmera digital e uma filmadora portátil. O foco principal das

fotografias eram os registros escritos das atividades matemáticas realizadas pelos

alunos surdos e ouvintes e o foco das filmagens eram os jogos de linguagem entre

os sujeitos de pesquisa para futura observação das nuances verbais (entonação de

voz) e expressões faciais que não poderiam ser registradas apenas pela

observação. Essas nuances verbais, no caso dos ouvintes, foi para registro de

ironias e outras figuras de linguagem não perceptíveis em toda a sua amplitude

pelos sujeitos surdos e, quanto às expressões faciais e corporais, para

complementação frasal e de significado que na língua de sinais tem necessidade

obrigatória.

Outras formas de instrumentos de coleta de dados utilizados neste estudo

foram:

a. A entrevista informal (todos os sujeitos), com a finalidade de reconhecimento

de afinidades, preferências, saberes de experiências anteriores, habilidades e

competências existentes na área de matemática e qualquer outra informação

relevante nesse sentido para a pesquisa;

b. O questionário (professor e intérprete), com a intenção de reconhecer a

escolarização, conhecimento sobre o alunado surdo e as escolhas

metodológicas;

c. As atividades matemáticas do apostilado produzido pelo professor que

serviram para registro fotográfico, tinham a finalidade de reconhecimento da

efetivação dos cálculos e produção de conhecimento matemático individual

ou coletivo;

d. O diário de campo, para organização e registro de todos os comentários

(jogos de linguagem) relevantes antes do início das aulas, nas conversas

23

informais entre os sujeitos de pesquisa, durante a aula, conversas pelo

corredor que fossem sobre as aulas e qualquer diálogo que estivesse, por

algum motivo, relacionado aos jogos de linguagem ou que pudessem servir

como continuação de comentários entre acontecimentos ocorridos em sala de

aula.

A construção dos dados relativa a presente investigação foi feita

exclusivamente pela investigadora. A observação em campo, em sala de aula, foi no

período de outubro a dezembro de 2012, mas a pesquisa propriamente dita foi

efetivada no período de março a novembro de 2013. A observação teve o objetivo

de conhecer a turma e verificar a forma de trabalho dos sujeitos investigados

(professor, intérprete), além de possibilitar a familiarização da pesquisadora com os

futuros atores da pesquisa (alunos surdos e ouvintes, professora e a intérprete).

Os dados de cada um dos participantes foram obtidos a partir de

questionários, entrevistas e relatos no diário de campo, além de gravações em áudio

e vídeo. Os dados iniciais dos profissionais são referentes ao perfil e escolhas

metodológicas, em seguida as observações foram direcionadas para a coleta de

dados em relação ao tipo de interação discursiva estabelecida entre professor e

alunos ouvintes (questionamentos e participação), dentro do contexto da sala de

aula; a interação do professor com os alunos surdos (suas reações, dúvidas); a

relação do professor com a intérprete; a análise das atividades matemáticas

produzidas pelo professor e utilizados pelos alunos em sala. A utilização de tais

recursos se fez necessária pelo tipo de investigação e análise que seriam

desenvolvidos, visto que a melhor forma de investigar as linguagens, dos sujeitos

envolvidos, e os possíveis problemas gerados pelas suas diferenças e organização

não poderiam ser contemplados apenas por meio de uma simples observação ou

registro das aulas.

Diante das observações prévias efetuadas, constatamos que se fazia

necessária a aplicação de questionário e realização de entrevista complementar com

o professor e a intérprete, com os alunos ouvintes e surdos, para verificar de que

forma a formação inicial, a formação continuada e os anos de experiência poderiam

estar influenciando nas práticas em sala de aula e como se dava o relacionamento

entre os alunos, respectivamente. Tal coleta foi realizada no mesmo período inicial

24

das observações em sala de aula. Para a aplicação do questionário e realização da

entrevista, fizemos um roteiro de questões, pensando nos dados relacionados à

formação, tempo de serviço, prática pedagógica, entre outros.

As entrevistas do professor e da intérprete se realizaram na Sala de

Professores, indicada pelo professor. Já as entrevistas dos alunos surdos e

ouvintes, se deram na própria sala de aula, individualmente e em grupo, em

conversas informais, com perguntas inicialmente direcionadas em relação aos seus

conhecimentos prévios, aos colegas ouvintes, à disciplina Matemática e ao

professor.

Na seção a seguir, daremos atenção ao lócus da pesquisa, que mediante a

legislação como a Constituição de 1988 (Art. 205 e Art. 206), e a lei de Diretrizes e

Bases de 1996 (Art. 58, Art.59 e Art. 60), garantem a entrada e permanência de

alunos com deficiência nas escolas da rede regular de ensino.

2.4. O local escolhido

A escolha do lócus deveu-se à condição existente na atualidade das

instituições de ensino, em relação à Educação Especial, ou seja, a partir das

normativas, no âmbito municipal, estadual e federal, as escolas devem receber

alunos com deficiências.

Na Capital Belém e nos Municípios vizinhos existem inúmeras escolas que

cumprem as normativas quanto ao recebimento e permanência de alunos com

deficiências. Neste sentido, o critério de escolha da escola foi quanto a dois fatores

facilitadores da pesquisa: a aceitação do estudo pela gestão escolar e quantidade de

alunos surdos inseridos por sala de aula no ambiente escolar. A partir desses

critérios foi selecionado no Município de Ananindeua-Pará uma Escola Estadual de

Ensino Fundamental e Médio. Esta instituição de ensino recebe alunos com

Deficiência Visual, Deficiência Intelectual, Deficiência Fisica e Deficiência Auditiva,

entre outras especificidades, com uma quantidade considerável de alunos surdos

por série, em cada sala. Em 2010, foram matriculados do 5º ao 9º ano, dezesseis

(16) alunos surdos e do 1º ao 3º ano do Ensino Médio, nove (9). Este número vem

25

crescendo6 a cada ano, com uma demanda em 2013, de vinte e dois (22) alunos

surdos no Ensino Fundamental e dezesseis (16) no ensino Médio, sendo informado

pela gestora que dos que iniciaram em 2010, cinco (5) foram remanejados para

outra instituição, tendo como justificativa a proximidade das residências em relação

às novas escolas.

A escola tem seis turmas do Ensino Médio: três do 1º ano; duas do 2º ano e

uma do 3º ano, sendo essas turmas atendidas por dois professores de Matemática e

duas intérpretes. A escolha dos sujeitos deu-se quanto à turma, pela idade e

competência ou habilidade dos alunos surdos na leitura labial e fluência na língua de

sinais; o número de indivíduos concentrados na mesma sala. Neste sentido, a turma

escolhida foi a do 3º ano, composta de 32 alunos ouvintes e 5 alunos surdos. Os

profissionais que participaram da pesquisa tinham como características:

1) O professor: com graduação em Matemática; sem fluência na língua de

sinais; sem habilidade para lidar com os alunos surdos;

2) A intérprete: com graduação em Matemática; com fluência na língua de

sinais; com experiência na profissão de intérprete (mais de 10 anos).

A seleção dos alunos ouvintes foi bem mais criteriosa, pois inicialmente

pensamos em uma escolha por relação de afinidade (amizade) com os alunos

surdos, porém esta opção de escolha trouxe um entrave: os alunos surdos que

fariam parte da pesquisa mantinham uma relação amigável com todos da turma, o

que tornaria nossa análise, inviável. Achamos melhor adentrar no campo de

pesquisa e encontrar outro critério que provocasse uma seleção mais apropriada

dos alunos ouvintes.

Na seção seguinte apresentaremos de forma apropriada os sujeitos de

pesquisa e esclareceremos sobre como aconteceu à seleção dos alunos ouvintes.

6 De acordo com o MEC/SEESP “no Brasil, ampliou-se significativamente a educação de orientação inclusiva”. Na educação básica, a matrícula dos alunos com necessidades educacionais especiais nos sistemas de ensino, cresceu de 13% em 1998 para 41% em 2005. Alguns aspectos desse crescimento na área da deficiência auditiva é o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais – Libras, em 2002, e a sua regulamentação pelo Decreto 5.626/2005; na área da deficiência mental e deficiência múltipla com atendimento em larga medida em escolas especiais e em classes especiais, também um crescimento considerando os processos de definição de políticas para a educação inclusiva. (BLATTES, 2006: p. 12/13)

26

2.5. Os atores da Pesquisa7

A descrição dos sujeitos será apresentada brevemente em forma de perfil

pessoal e profissional com a intenção de situar os personagens em relação aos

jogos de linguagem no ambiente sala de aula inclusiva do Ensino Médio.

O Professor (P)

Iniciaremos com o perfil do Professor, que tinha trinta e nove anos de idade,

dos quais os últimos quinze anos foram dedicados à prática docente. É formado em

Matemática, tem o curso de Especialização em Fundamentos da Matemática

Elementar, e pretendia cursar, no segundo semestre de 2013, uma formação

continuada em Língua de Sinais, mas não conseguiu. Sua primeira experiência

como docente ocorreu na Rede Privada por contrato. Hoje, leciona na Rede

Estadual, Municipal e Privada de Ensino, sendo concursado na rede Pública.

Atende, em suas turmas, crianças com Deficiência Física, Auditiva e com Visão

Subnormal8 (subdivisão da Deficiência Visual). A escola não adota nenhum livro

didático para as turmas do Ensino Médio, mas este professor utiliza o livro didático

“Curso Prático de Matemática” do autor Paulo Bucchi, como seu referencial de

pesquisa para suas aulas e para a produção do seu apostilado de atividades.

O Professor (P) trabalhou os conteúdos matemáticos de duas formas

distintas: na primeira, ele inicia com uma explanação das regras do conteúdo

matemático passando em seguida para questões no quadro ou orais; na segunda,

ele começa com uma questão-problema, no quadro ou em apostilados previamente

construídos, até chegar às regras gerais dos conteúdos matemáticos.

Os apostilados, produzidos pelo professor (P) em consonância com o

referencial utilizado por ele, contêm conteúdos que são trabalhados bimestralmente.

A forma de comunicação usada pelo professor (P), com os alunos surdos, são a

oralidade e a escrita. Este profissional, mesmo tendo uma formação continuada, se

7 Para preservarmos a identidade dos sujeitos pesquisados, os mesmos serão identificados por letras maiúsculas. O professor pela letra (P), a intérprete pela letra (I) e os alunos surdos pelas letras (A), (B), (C), (D) e (E). 8 Os autores Sá, Campos e Silva (2007) explicam que a definição de visão subnormal (ambliopia, baixa visão ou visão residual) é complexa devido à variedade e à intensidade de comprometimentos das funções visuais. Essas funções englobam desde a simples percepção de luz até a redução da acuidade e do campo visual que interferem ou limitam a execução de tarefas e o desempenho geral.

27

mantém atrelado a práticas pedagógicas rígidas9 como a memorização –

demonstrações de teoremas, e a mecanização de cálculos – listas extensas de

exercício. Esta prática é apontada por Ponte (2004) como uma das características

marcantes do “ensino tradicional”, muito difundido nas décadas de 40 e 50, do

século passado.

A Intérprete (I)

A intérprete (I) tem quarenta e oito anos de idade, dos quais os últimos vinte e

dois foram dedicados ao trabalho com o Surdo. Na escola pesquisada, no horário

matutino, esta profissional exerce a função de Tradutora/Intérprete Itinerante10,

sendo responsável por três turmas do Ensino Médio. No horário vespertino, sua

função passa para professora de sala de recurso, atuando com reforço disciplinar

para turmas do Ensino Fundamental em uma escola especializada na Educação de

Surdos. É formada inicialmente no Magistério, tem formação específica na área de

Matemática e inúmeros cursos de formação continuada em Língua Brasileira de

Sinais (Libras). Sua primeira experiência como docente foi na Rede Municipal de

Educação, na qual lecionou contratada por cinco anos, em turmas de 1ª a 4ª séries.

Atualmente é concursada na Rede Estadual de Educação, onde atua como

professora de Educação Especial, atendendo somente na itinerância11 e sala de

recurso.

Esta profissional considera sua experiência como professora do ensino

especializado, bem como os conhecimentos adquiridos durante sua formação, 9 Para Saviani (1988) a prática pedagógica rígida é hierarquizada com normas rígidas de disciplina e se caracteriza pelo conteudismo, exercícios de fixação e memorização. 10 De acordo com Quadros (2007, p.7) o professor tradutor/intérprete itinerante de Libras é conceituado como “a pessoa que interpreta de uma dada língua de sinais para outra língua, ou desta outra língua para uma determinada língua de sinais”. O seu campo de trabalho é bastante amplo, pois corresponde a necessidade comunicativa dos surdos, dessa forma atende: as instituições de ensino, dando suporte aos professores e aos alunos surdos; quando solicitado participa de eventos (conferências, seminários, congressos, etc.); e na realização de traduções escritas e acompanhamento aos surdos em atividades extraclasse, quando necessário. 11 Os autores Alves e Gotti (2006) consideram a itinerância ou ensino itinerante como um Atendimento Educacional Especializado (AEE), como um serviço educacional prestado pela Educação Especial para atender as necessidades educacionais dos alunos, devendo ser organizado para apoiar, complementar e suplementar os serviços educacionais comuns. Este apoio pedagógico, desenvolvido por profissional devidamente capacitado se caracteriza pela movimentação do professor, que se deslocará para as escolas do ensino regular onde existirem matriculados alunos com deficiência.

28

especialmente no curso de pós-graduação - no qual teve um contato amplo com

referenciais que lhe deram novas perspectivas de trabalho, como os principais

fatores que a levaram não só a trabalhar com alunos especiais, mas que

contribuíram para sua formação e prática docente.

A intérprete (I) trabalha no horário matutino como tradutora/intérprete de três

turmas do Ensino Médio (duas do 2º ano e uma do 3º ano), compondo um quadro de

profissionais da Educação Especial com outras três colegas intérpretes (duas que

atendem o Ensino Fundamental – 6º ao 9º ano e uma que atende o Ensino Médio –

três turmas do 1º ano). Seu planejamento de trabalho, orientado por sua

coordenadora, se foca nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. A

intérprete justifica essa orientação de sua Coordenadora com o seguinte argumento:

“Língua Portuguesa e Matemática são as matérias-chave em avaliações de grande

porte, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Programa

Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), provas de concurso e vestibular,

necessitando dos alunos maior competência” (fala da intérprete em conversa

informal).

A intérprete (I) atende os sujeitos de pesquisa que estão inseridos na turma

inclusiva do 3º ano, três vezes por semana em sala de aula, com o atendimento

voltado diretamente para a interpretação na língua de sinais e tradução para a língua

portuguesa. A metodologia que pauta a prática da intérprete é baseada no

bilinguismo.

Os alunos

Alunos surdos

A turma analisada – 3º ano – tinha um total de 37 alunos, dos quais, cinco

eram surdos – A, B, C, D e E. Destes, os alunos A, C e E são do gênero feminino e

B e D do gênero masculino. Esses alunos sentavam-se sempre nas primeiras

carteiras das fileiras laterais, para terem uma boa visão do professor e com isso

facilitar a leitura labial. A idade dos alunos surdos variava entre dezoito e vinte e dois

anos. Veremos a seguir um breve perfil de cada sujeito surdo.

29

A aluna A tem 19 anos, reside próximo à escola, tem ótima leitura labial

(capacidade de reconhecer visualmente palavras ou frases pela gesticulação dos

lábios), reconhece a língua portuguesa como segunda língua, tem fluência na língua

de sinais e mantém uma liderança em relação aos colegas. Esta aluna foi oralizada,

possui uma fala compreensível, intermedia a comunicação entre os colegas surdos,

ouvintes e professor. Entre os sujeitos surdos esta aluna é a que mais conseguia

manter atenção e concentração durante as aulas, chamava a atenção dos colegas

quando estão dispersos, esclarecia a eles o máximo possível do que acontece na

aula, tirava as dúvidas deles quando pode, solicitava do professor repetição do que

foi explanado, questionava com a intérprete ou os colegas ouvintes aquilo que não

conseguia compreender, e tentava colaborar com todos na medida de suas

possibilidades.

O aluno B tem 18 anos, morava em um bairro distante, sendo este o motivo

que alegava para chegar constantemente atrasado, tinha uma leitura labial boa e

fluência na língua de sinais. Este aluno tinha dificuldades em manter atenção e

concentração nas aulas por qualquer motivo externo (pessoas transitam perto da

porta e janela) ou interno (promove brincadeiras entre os surdos e os ouvintes, fica

desenhando no caderno, observa os colegas ouvintes conversando etc.), e tinha um

círculo de amizades extenso, com os colegas da sala e de outras turmas.

A aluna C tinha 19 anos tinha boa leitura labial, fluência na língua de sinais e

tinha uma amizade forte com a aluna A, por vários fatores, como morar próximo,

terem estudado juntas desde a Educação Infantil, participarem dos eventos da

comunidade surda (reuniões da associação de surdos, fazer instrução da língua de

sinais, eventos sociais entre os surdos e ouvintes - aniversários, casamentos, etc.); e

andarem sempre juntas. A aluna C recebe grande influência da aluna A, aprovando

todos os seus atos e a posição desta como líder do grupo.

O aluno D tinha 22 anos, tinha uma leitura labial deficitária por ter sido

estimulado tardiamente, introvertido e tímido, foi alfabetizado na língua de sinais na

fase adulta (18 anos), necessitava sempre da ajuda dos colegas para a

compreensão de conceitos novos na língua de sinais. Este aluno não mantinha

relação de amizade ou afinidade com nenhum aluno ouvinte, pois não conseguia se

comunicar com eles, mesmo os alunos ouvintes que foram alfabetizados pela aluna

30

A e reconheciam sinais em Libras, não conseguiam sustentar um diálogo com ele,

forçando-o a um isolamento com seu grupo. Quando a intérprete não se fazia

presente em sala, a aluna A fazia o papel de intermediadora entre o aluno D, o

professor e os alunos ouvintes.

A aluna E tinha 20 anos, ótima leitura labial, fluência na língua de sinais, foi

oralizada, mas não tinha uma boa produção de fala, era repetente desta série,

porque teve problemas de saúde no ano anterior e foi obrigada a parar os estudos.

Esta aluna tinha vantagens em relação aos colegas, por ter a compreensão de

alguns conteúdos matemáticos vistos no ano anterior. A aluna A e a aluna E se

desentendiam em alguns momentos em relação: à atenção dos colegas surdos, à

escolha dos sinais que deviam ser ensinados aos alunos ouvintes, à disputa de

atenção da intérprete e do professor.

Alunos ouvintes

Os alunos ouvintes eram sete e suas idades variavam entre dezesseis e

dezenove anos. Esses alunos foram escolhidos (recrutados) pelos alunos surdos

para manter uma relação de colaboração e receber o ensino básico12 em língua de

sinais, ou seja, o aluno foi considerado pelo(s) surdo(s) como um surdo honorário,

com tempo de relação extenso ou curto, demonstrado por suas ações no novo grupo

(de surdos) do qual passa a fazer parte. As ações dos alunos ouvintes estariam

ligadas à relação extensa – competências e habilidades na disciplina Matemática,

frequência nas aulas, paciência, afinidade; relação curta – pouca habilidade na

disciplina Matemática, ausências constantes nas aulas, impaciência, discordâncias

em geral, falta de afinidade.

Este recrutamento e o ensino básico de sinais matemáticos na língua de

sinais, para os alunos ouvintes, foram considerados pela pesquisadora como uma

preparação prévia, um hábito, para futuros jogos de linguagem matemáticos, ou

seja, uma particularidade na forma de vida do sujeito surdo.

12 Será considerado, neste estudo, um ‘ensino básico’ na língua de sinais, a alfabetização proporcionada pelo aluno surdo ao aluno ouvinte, dos sinais referentes a língua com priorização no ensino de sinais matemáticos, que servirão para intermediar ou complementar o ensino de conceitos matemáticos.

31

Os alunos ouvintes estão identificados a partir de números agregados às

letras que identificam os alunos surdos, com os quais mantinham maior nível de

relacionamento. Ver quadro abaixo.

Quadro 1: Sujeitos da Pesquisa.

Fonte: Moreira (2013)

Com as escolhas feitas e o campo de pesquisa promissor, nos mobilizamos

para o reconhecimento dos dados que seriam analisados futuramente. Para que

pudéssemos analisá-los, foi necessário antes rever, refletir e escolher, a partir de

conhecimentos anteriores e do referencial teórico; para isso, no capítulo seguinte

apresentaremos os paradigmas da educação dos surdos e a revisão literária que

nos permitiram refletir sobre nossas análises.

QUANTIDADE SUJEITOS DA PESQUISA

01 Professor de Matemática (P)

01 Intérprete (I)

05 Alunos surdos - A, B, C, D, E

07 Alunos ouvintes – A1, A2, B1, B2, C1, E1, E2

32

III – REVER, REFLETIR E ESCOLHER

A Inclusão nas escolas brasileiras, como paradigma da educação, é uma

novidade do período atual que exige da escola, da família, da sociedade, novas

atitudes e um novo pensar, aludindo à necessidade de mudanças de paradigmas e

concepções, arraigadas no imaginário social, sobre atitudes discriminatórias e

excludentes com indivíduos marginalizados (analfabetos, ribeirinhos, deficientes,

moradores de rua, etc.). Essas mudanças no agir e no pensar acarretam mudanças

em ações como, por exemplo, o aperfeiçoamento de profissionais da área da

Educação (professores, pedagogos, interpretes, tradutores etc.) e afins (psicólogos,

assistentes sociais, médicos, fisioterapeutas etc.) e nas interlocuções entre setores

variados de conhecimento; e realizações de novas pesquisas sobre especificidades,

que possam propiciar possibilidades e progressos significativos não apenas para

esses indivíduos, mas principalmente para a melhoria da sociedade da qual fazem

parte. Neste sentido, é importante frisar que as pesquisas existentes foram pontos

de partida para inúmeras outras que se descortinam na atualidade e que tiveram

como bases epistemológicas as perspectivas existentes nas áreas médicas e

psicológicas. Assim sendo, é necessário um reconhecimento dessas bases

epistemológicas para compreendermos melhor como a educação dos surdos

ocorreu historicamente e quais suas implicações para as pesquisas atuais.

3.1. Bases Epistemológicas da Educação do Surdo

As bases epistemológicas sobre o ensino e a aprendizagem de alunos surdos

envolvem variadas teorias, filosofias, metodologias e enfoques contextuais,

paradigmas, que foram concebidos e evidenciados em todo o espaço temporal

durante o que reconhecemos como a Educação de Surdos. Apresentamos, a seguir,

uma síntese destes diferentes paradigmas relacionados à comunicação e linguagem

como ponto chave para o processo de educação (ensino e aprendizagem) e inclusão

escolar do aluno surdo, e também como cenário que acarretaram os obstáculos

existentes na atualidade. Eles serão descritos na seguinte ordem: Clínico-

terapêutica; Socioantropológica; Sociocultural; Sociolinguística; e

Sociointeracionista.

33

No modelo Clínico-terapêutico a surdez é classificada por autores da área

patológica a partir do exame de audiometria13, que demonstra os graus de perdas

auditivas14. Neste modelo, surge a nomenclatura Deficiência Auditiva ou Deficiente

Auditivo, que para Slomski (2000) é utilizada clinicamente, e trazem em seu bojo

preconceitos e julgamentos preconcebidos pelo imaginário social, de incapacidade e

doença. A surdez, neste modelo, é vista e reconhecida como uma patologia que

deve ser tratada, para não ocasionar novas e inúmeras outras falhas ou inaptidões.

Para Thoma (2004), o surdo, no modelo clínico-terapêutico, é entendido como

um indivíduo incapacitado, por não ter a capacidade auditiva, devendo ser cuidado

clinicamente para ter sua imperfeição removida ou minimizada por meio de terapias

de fala, cirurgias reparadoras, sessões de oralização e outras formas de cuidados

para que se assemelhe ao máximo com os indivíduos saudáveis (ouvintes). Esses

cuidados apenas mascaram a falta de audição, com proibições de linguagem

sinalizada, com a receita de vocalização e leitura labial.

Este modelo alcançou seu auge após o Congresso de Milão, ocorrido no ano

de 1880, na Itália, que foi um marco para a história dos surdos, pois neste congresso

internacional, discutiu-se e foi avaliada a importância de três métodos de educação

rivais no período - Língua de Sinais, Oralismo e Mista (linguagem de sinais e a

linguagem oral, utilizadas conjuntamente). O Método Oralista, neste congresso,

como método para a educação dos surdos, afirma Skliar (1997), saiu vencedor das

discussões, em uma votação com 160 votos a favor e 4 contra.

A partir do Congresso de Milão, a língua de sinais foi proibida oficialmente,

sendo alegada, para isso, a deformação ou destruição da habilidade de oralização

dos indivíduos surdos. A maioria dos países da Europa e América, após este evento,

adotou rapidamente o método oral nas escolas para surdos, começando com este

impacto, uma longa e sofrida batalha das comunidades surdas e familiares, para

defender o seu direito linguístico cultural, que perdurou por décadas. 13 A audiometria é um exame que avalia a audição. Geralmente, é realizado por um fonoaudiólogo ou otorrinolaringologista. O resultado é expresso em um audiograma, um gráfico, que revela as capacidades auditivas do paciente por meio de medidas audiométricas (medidas dos limiares mínimos de audição por via aérea - por meio de fones, e por via óssea - por meio de vibradores), realizada em cabine acústica. Esse teste permite determinar o grau e o tipo da perda auditiva. (DIÓGENES, 2005) 14 Perda auditiva é a redução da audição em qualquer grau que reduza a inteligibilidade da mensagem falada para a interpretação apurada ou para a aprendizagem podendo comprometer a linguagem, o aprendizado, o desenvolvimento cognitivo e a inclusão social da criança.

34

Os surdos foram obrigados a práticas ouvintes, tendo que abdicar de sua

identidade e língua, tornando-se sombras imitativas dos ouvintes. De acordo com

Borne (2002), mesmo com variados temas propostos neste congresso como:

Vantagens e desvantagens do internato; Tempo de instrução; Trabalhos mais

apropriados aos surdos; Medidas curativas e preventivas; entre outros, as

discussões se concentraram nas questões de Comunicação, entre o Método Oralista

e o da Língua de Sinais.

Segundo Machado (2002), a visão oralista e clínico-terapêutica ainda hoje

aparece presente na educação de surdos, cujo objetivo é a “cura” da surdez,

visando a uma melhor integração social e educacional do surdo. Concordando com

este autor Skliar (1998) explica que, dentro dessa concepção, a inclusão do surdo

no âmbito social e escolar só ocorre com a transformação da espécie surda por meio

da prática da língua oral e do suposto, como denominou o autor, de ‘etnocentrismo

ouvintista’15, copiando valores e arquétipos culturais dos que ouvem e falam. Strobel

(2006) critica essas práticas ouvintistas afirmando que “durante cem, anos os

sujeitos surdos ficaram subjugados as praticas ouvintista, tendo que abandonar sua

cultura e sua identidade Surda, obrigados a se submeter a uma ‘etnocentria

ouvintista’, sendo forçados a imitá-los e a se esforçarem em parecer ouvintes”. (p.

247)

Assim sendo, a filosofia de educação associada a esta perspectiva, firma a

aprendizagem da língua oral da comunidade ouvinte, na qual o surdo se insere,

argumentando que só com a oralidade o indivíduo surdo poderá integrar-se na

sociedade ouvinte e caminhar para a normalização (FREIRE, 2006; MELRO, 2003;

VALENTE, CORREIA e DIAS, 2005), ou mesmo se comunicar com os pais, quando

estes são ouvintes (FREIRE, 2006). Para quem assume esta abordagem, a língua

de sinais poderá ser aprendida na fase adulta do surdo por opção mas, até lá, a

utilização de gestos é proibida (MELRO, 2003; VALENTE, CORREIA e DIAS, 2005),

devendo a língua oral ser introduzida o mais cedo possível (FREIRE, 2006).

Segundo Moura (2000), durante cerca de cem anos houve uma

predominância do Oralismo (1880 - 1980), sem resultados satisfatórios quanto ao

15 O “etnocentrismo ouvintista”, para Skliar (1998), a partir de uma evolução histórica, seria a ideia de sujeitos surdos tendo que se moldar nos padrões ouvintes, isto é, tendo que imitar os ouvintes no falar, agir e ouvir.

35

desenvolvimento da fala e da aprendizagem dos surdos. Durante esse tempo a

flexibilidade do Método Oralista acontece quando os estudiosos começam a

comparar o desempenho acadêmico entre alunos surdos e alunos ouvintes, com

uma discrepância de aprendizagem se revelando persistente e acentuada

(VALENTE, CORREIA e DIAS, 2005). Surge, então, o que ficou conhecido como

Método Bimodal, proposta que permitia a utilização simultânea dos gestos e da fala,

que tinha o objetivo de “facilitar a aprendizagem da língua oral, mas utilizando agora

o gesto como ponto de partida” (FREIRE, 2006, p. 45), havendo uma

correspondência entre o gesto e a palavra (língua oral). Com este novo método, o

desempenho acadêmico e nível de desenvolvimento dos alunos surdos se tornaram

superiores em relação aos indivíduos sujeitos ao método oral, aumentando as

críticas a este último.

Mesmo com a melhoria no aprendizado do surdo, houve controvérsias a este

novo método, o qual Sacks (1998) criticou apontando para a impossibilidade de se

fazer corresponder a cada sinal uma palavra da língua oral. Quadros (1999),

linguista e estudiosa da língua de sinais, faz uma crítica a este novo método, e

afirma sobre a impossibilidade de usar, em simultâneo, as duas línguas, sem que a

estrutura de uma, ou de ambas, seja alterada. Para Valente, Correia e Dias (et

al2005) a crítica incide no impedimento do surdo de usar sua língua materna, a

língua de sinais com as características especificas que lhe são próprias, e não

apenas de usar gestos como auxiliares na aprendizagem da língua materna de uma

maioria ouvinte. A partir de todas estas controvérsias deu-se início a novas

discussões sobre a educação do surdo, surgindo então o Modelo

Socioantropológico.

O Modelo Socioantropológico surgiu no início do século XX, com a

insatisfação das comunidades surdas em relação ao método oralista. Neste período,

as comunidades surdas lideraram vários movimentos sociais (AFONSO, 2007, p. 52)

otimizando seu processo de surgimento. Segundo esta concepção, a surdez é

valorizada, pois é vista como diferença e “o surdo como membro de uma

comunidade linguística minoritária, na medida em que usa uma língua diferente

daquela que é usada pela maioria ouvinte” (VALENTE, CORREIA e DIAS, 2005: p.

84).

36

Nesta perspectiva, há uma ruptura com as conotações pejorativas e redutoras

da deficiência e da patologia (AFONSO, 2007; FREIRE, 2006; VALENTE, CORREIA

e DIAS, 2005). De acordo com a filosofia de educação associada a esta perspectiva,

procura-se garantir que os surdos tenham, em primeiro lugar, acesso à língua de

sinais, uma vez que essa é a língua materna adequada a quem faz parte da

comunidade surda (CARVALHO, 2007; FREIRE, 2006; MELRO, 2003; VALENTE,

CORREIA e DIAS, 2005). Para este modelo, a língua de sinais é considerada central

no Bilinguismo16 e a língua oral (falada ou escrita) uma segunda língua

(CARVALHO, 2007; FREIRE, 2006).

O modelo socioantropológico, de acordo com Skliar (1997), diz respeito à

outra forma, oposta, de entendimento da surdez e das pessoas surdas. O modelo

enfatiza que os surdos constituem um grupo minoritário de pessoas que se agrupam

para discutir e opinar sobre suas vidas, não apenas porque tem em comum o fato de

não escutar, mas porque constituem um grupo social, cultural e necessita partilhar

um entendimento e apreensão do mundo, o que se traduz pelo reconhecimento,

legalização e utilização da língua de sinais pelas sociedades nacionais.

Vários estudos na área da antropologia indicam que a comunidade surda

passou a se organizar, produzir, desenvolver e autorizar as línguas de sinais em

todo o mundo e mesmo após a proibição no século passado, os sinais eram usados

pelos surdos como língua, pois para eles, ela já tinha um status de língua. Neste

século e a partir deste modelo, se começa a pensar, discutir e pesquisar sobre uma

educação bilíngue, que leva em conta a necessidade de socialização da criança

surda o mais cedo possível na comunidade de seus pares e também na comunidade

ouvinte, permitindo que ela encontre arquétipos com os quais possa se identificar,

abandonando a ideia da ausência, dando relevância apenas para aquilo que faz com

que os surdos sejam diferentes: na língua, cultura, identidade e socialmente

(THOMA e LOPES, 1998). De acordo com Machado (2002), a visão

socioantropológica da surdez, pelo seu caráter inovador e único, ainda está em

construção.

16 Bilinguismo para Quadros (2000), refere-se a proposta educacional bilíngue que reconhece a língua de sinais como primeira língua e mediadora da segunda: a língua portuguesa. “Quando me refiro ao bilinguismo, não estou estabelecendo uma dicotomia, mas sim reconhecendo as línguas envolvidas no cotidiano dos surdos, ou seja, a Língua Brasileira de Sinais e o Português no contexto mais comum do Brasil.” (2000, p.54).

37

A partir do modelo socioantropológico descortinou-se novos desdobramentos

em relação à educação da pessoa surda. Para Thoma e Lopes (1998), é a partir

desta diferenciação que se começa a pensar em uma educação voltada à língua

gesto-visual fluente nos indivíduos surdos e à necessidade de apresentar à pessoa

surda condições de apreender o mundo que a cerca por meio da construção,

produção e identificação de sua própria identidade, cultura e linguagem. Deixa de

lado a ideia da incapacidade e da deficiência e põe em pauta o que faz com que os

surdos sejam diferentes linguística e socialmente, dando à sociedade um novo

referencial, o Modelo Sociocultural.

O Modelo Sociocultural da surdez considera os aspectos sociais, linguísticos

e culturais dos surdos. Neste ponto de vista, a surdez não é identificada como uma

deficiência, pois os aspectos legítimos do surdo são enaltecidos, ou seja, sua

criatividade, atenção, interesse, habilidade e cognição. Também pelo uso de sua

língua diferenciada e a sua capacidade de adaptação, ocorrendo em décadas de

lutas ao favorecimento da inclusão. De acordo com essa concepção, a surdez se

distingue por experiências visuais com uma forma diferenciada e única de

estabelecer a realidade histórica, política e social do indivíduo. (QUADROS, 2003: p.

88)

A partir de pesquisas científicas sobre a surdez, emergiram variados

movimentos de grupos minoritários que buscavam, por meio de denúncias contra a

discriminação, seus direitos. Direito a sua própria identidade, por serem diferentes

em sua essência e natureza. Essas lutas formaram um intenso movimento

multicultural que tomou forma e se alastrou, chamando a atenção da sociedade,

fazendo com que esta transformasse o seu olhar para o social e o cultural desses

grupos. Neste sentido, um novo grupo de surdos se constituiu mudando o conceito

de “ser deficiente”, relacionado ao sentir-se deficiente, tendo total consciência do

que lhe falta, ou seja, na concepção da palavra, como se isto as definisse e

caracteriza-se. Dessa forma, o pensamento que se concretiza é de que todos os

obstáculos residem no ambiente no qual estão inseridos e não em si como ser

humano. O pesquisador Behares (1993, p. 20) define este novo indivíduo surdo

como uma pessoa que “por portar um déficit auditivo, apresenta uma diferença em

relação ao padrão de normalidade esperado” devendo estabelecer uma identidade

38

que lhe será própria de forma a “se integrar na sociedade e na cultura na qual

nasceu”.

A diferença entre o Modelo Clínico-terapêutico e o Modelo Sociocultural, é

que no primeiro, o insucesso na aquisição e desenvolvimento da língua oral padrão,

é conferido à deficiência do indivíduo, a qual restringe as capacidades de abstração,

comunicação, socialização e cognição. No segundo, as dificuldades são remetidas

aos fracassos dos métodos de educação, que se mostram inadequados em

favorecer o desenvolvimento do sujeito, necessitando ser aprimorados. Para isto,

tem-se a importância da língua de sinais como instrumento fundamental para que a

educação do surdo se efetive, modificando não somente os preceitos filosóficos

embutidos neste processo, como também as práticas educativas e o processo de

relação e inter-relação dos indivíduos surdos com seus familiares (ALMEIDA, 2000),

trazendo à tona concepções do Modelo Sociolinguístico.

No Modelo Sociolinguístico, de acordo com Skliar (1997), a fundamentação

teórica e cultural defende que a língua de sinais deve ser considerada como primeira

língua, ocasionando competências comunicativas e cognitivas do indivíduo surdo,

tendo como princípio que a deficiência auditiva não lhe impede adquirir

competências linguísticas e cognitivas. Desta forma, a língua de sinais deve ser

utilizada para transmissão de todo e qualquer conteúdo escolar para que o surdo se

sinta respeitado em sua condição única, além de favorecer o aprendizado da

segunda língua, neste caso a Língua Portuguesa, dando a oportunidade de

aprendizado e conhecimento e lhe oportunizando a integração em um mundo

bilíngue e bicultural que o cerca. Nas escolas regulares a entrada e permanência de

surdos adultos mesclados com crianças surdas, tem papel relevante neste contexto,

pois além dos adultos surdos tornarem-se modelos linguísticos para os que ainda

não têm um desenvolvimento comunicativo com a língua de sinais, também são

referências afetivas, sociais e culturais para os que ainda se sentem relegados por

sua condição.

Este modelo ainda traz um fator primordial que é retirar do canal oral-auditivo

(membros constitutivos da fala e audição) a responsabilidade do indivíduo surdo não

ter habilidades linguísticas, de comunicação e cognitivas. Em seu livro Slomski

(2000) comenta que o modelo sociolinguístico tem o Bilinguismo como organizador

39

metodológico, considerando o indivíduo surdo possuidor de uma primeira língua

(língua de sinais), que é o instrumento de acesso aos processos de aprendizagem

de antigos e novos conhecimentos, à informação, à cultura e ao reconhecimento de

uma segunda língua que lhe pode servir de apoio em qualquer contexto do qual

participe na comunidade maior de ouvintes.

Neste aspecto, a língua passa a ser a diferença no desenvolvimento do

indivíduo surdo, em todos os aspectos (lazer, trabalho, escola etc.), pois possuindo

uma língua própria, consegue uma integração à comunidade ouvinte, de forma a não

acentuar sua deficiência, mas ressaltar sua diferença e diversidade nas áreas

sociais, de comunicação e cultural. Almeida (2000) afirma que não há patologia ou

mesmo uma diferença inferior entre o surdo e o ouvinte, apenas uma desigualdade a

ser considerada, que é a língua de sinais como recurso próprio para interagir com o

meio, o que permite aos surdos expressarem-se.

Outros autores como: Behares (1997); Fernandes (1990) e Quadros (1997)

acreditam que os surdos desenvolvem a visão como um canal sensorial para o

processo de construção de conhecimento, pois são privados do sentido da audição,

necessitando de uma língua diferenciada, na qual, alcancem um nível de

comunicação tão eficiente quanto o dos ouvintes, que garanta o desempenho de

todas as funções de uma língua reconhecida pela Linguística. Para esses autores,

na perspectiva sociolinguística de surdez, devemos pensar uma educação para

surdos que pondere suas características sociais, descartando a área clínica e a

constante vontade de caracterizar a surdez como patologia clínica. A semelhança de

aprendizagem e desenvolvimento do surdo com o ouvinte é tarefa que só muito

recentemente vem sendo alcançada e está além de ser consonância entre a maioria

dos envolvidos, pois a forma de pensar essa educação está atrelada a outras

representações relacionadas aos surdos e à surdez.

O Modelo Sociointeracionista, para Coll e Gillièron (1987, p. 30), tem como

objetivo compreender como o sujeito se constitui enquanto sujeito cognitivo e

produtor de conhecimentos. Em concordância com este pensamento, está De

Lemos (1995, 1996), que compreende a linguagem humana como constitutiva do

sujeito, focalizando então as interações entre os interlocutores e os modos como se

desenvolvem as práticas discursivas. Este autor, ainda comenta que a língua, na

40

perspectiva sociointeracionista, não é um sistema de que o sujeito se apropria para

usá-la, mas é reconstruída na atividade de linguagem.

No contexto linguístico, a perspectiva sociointeracionista, para Perlin (1998) é

de que a língua existe constituída de signos e significados, para a comunidade

ouvinte, a partir da condição auditiva, e que o sujeito surdo tem dificuldades de

utilizar-se de todos os signos e significados dos vocábulos dos ouvintes,

principalmente de variados conhecimentos e significados, mantendo uma

compreensão limitada, pois as duas línguas têm na sua utilização signos visuais. O

suporte linguístico para este modelo educacional é o de estabelecer um

comportamento bilíngue para as crianças surdas, considerando a língua de sinais

como primeira língua (L1) e a língua portuguesa como segunda língua (L2).

O posicionamento aqui suscitado, sobre o modelo sociointeracionista, permite

inferir que o ensino para o indivíduo surdo, baseado somente na oralização, pode

limitá-lo à pronúncia de palavras isoladas, prejudicando o ensino das variadas áreas

de conhecimentos, uma vez que a repetição de palavras isoladas e a aquisição de

um número reduzido no vocabulário não constitui um aprendizado de uma língua,

fala e comunicação, apenas desenvolve a produção de um ‘minidicionário’ deficitário

de uma língua sem significado para o sujeito, tornando-se o obstáculo principal

deste modelo.

A explanação das bases epistemológicas que fundamentam a Educação de

sujeitos surdos tornou-se necessária para a compreensão do que os estudiosos

consideram obstáculos de linguagem e comunicação dos alunos surdos no processo

de inclusão escolar e ensino e aprendizagem da matemática, apontando diretamente

para os seguintes pontos-chave:

As divergências entre língua portuguesa e linguagem matemática;

O uso do modelo Oralista como forma de comparar o individuo surdo ao ouvinte;

Desconhecimento de como se trabalhar com os sujeitos surdos;

Formações iniciais e continuadas deficitárias de profissionais que trabalham com alunos surdos, em relação ao contexto atual;

Falta de capacitação de docentes para o uso da língua de sinais como primeira língua;

41

A não efetivação do ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para

os alunos surdos e em relação ao ensino de Matemática;

A quantidade reduzida de sinais matemáticos no dicionário trilíngue (Capovilla);

A existência de poucos sinais específicos matemáticos no Dicionário Trilíngue da Língua Brasileira de Sinais (CAPOVILLA; MAURICIO; RAPHAEL, 2013);

A crescente disseminação de vídeos-aulas para o ensino de Matemática na internet por pessoas não autorizadas pelos órgãos competentes (Secretaria de Educação Especial, Ministério da Educação, Coordenadoria de Educação Especial etc.) ou por comunidades surdas17;

O ensino de Matemática para sujeitos surdos priorizando a oralização.

Após um desvelar de possíveis obstáculos que podem ser entraves para que

o indivíduo surdo adquira conhecimentos, entre eles os conceitos matemáticos, é

relevante comentar a necessidade de novas pesquisas voltadas para este grupo de

indivíduos.

3.2. Revisão bibliográfica

Realizei a revisão da literatura em forma de estudos/pesquisas produzidos em

livros, artigos, dissertações e teses, em relação aos estudos feitos sobre a

linguagem, o ensino de surdos e o ensino de matemática, selecionados a partir de

três categorias: a linguagem e o ensino de surdos; a linguagem e o ensino de

Matemática; e a relação entre o ensino, a língua de sinais, língua portuguesa e a

linguagem matemática. Essa escolha criteriosa foi feita com a intensão: primeira - de

organização de um quantitativo de estudos realizados, em relação às línguas (de

sinais e portuguesa) e linguagem (matemática) as quais nos propusemos a

pesquisar, e nos proporcionasse condições de visualizar e refletir sobre os

resultados já existentes nesta área; e segunda – para auxiliar nas interpretações das

informações e análises.

17 A pesquisadora tem conhecimento de vídeos-aulas de conteúdos matemáticos postados na internet, que possuem reconhecimento por serem produto de pesquisa na área da Educação Especial e também por terem sido realizados por instrutores surdos formados em Matemática, um exemplo é a pesquisadora na área de Matemática e professora surda, Zanúbia Dada.

42

a) A linguagem e o ensino de surdos

Os estudos estabelecidos e direcionados para a melhoria do ensino,

aprendizagem e inclusão do surdo, não promovem diretamente essa melhoria e,

mesmo tendo relatos de benefícios nesses trabalhos, os pontos em questão ainda

coexistem como “eternas” dificuldades que merecem novas interferências, sendo

eles: a relação professor ouvinte/aluno surdo; o uso da língua de sinais como

primeira língua para o surdo e a língua portuguesa escrita como segunda língua; a

falta de capacitação de professores para trabalhar com esta clientela; falta de

material adaptado; mudanças nos critérios avaliativos, entre outros.

Dentro deste contexto amplo de Inclusão, a Educação de Surdos e a

linguagem são temas bastante pesquisados sobre diversos prismas, com estudos

como os de:

Fernandes (1990), que apresenta uma pesquisa realizada com surdos, onde

pôde observar: dificuldades com o léxico; falta de consciência de processos

de formação de palavras, desconhecimento da contração de preposição com

o artigo; uso inadequado dos verbos em suas conjugações, tempos e modos;

uso inadequado das preposições; omissão de conectivos em geral e de

verbos de ligação; troca do verbo ‘ser’ por ‘estar’; uso indevido dos verbos

‘estar’ e ‘ter’; colocação inadequada do advérbio na frase; falta de domínio e

uso restrito de outras estruturas de subordinação.

Neste estudo, a pesquisadora percebeu que a ausência da audição impede o

contato direto com a linguagem oral, gerando prejuízos no desenvolvimento

emocional, comunicativo, do pensamento, e educacional do surdo.

Considerando que a aquisição da linguagem é um fator primordial para a

organização e formação do pensamento, qualquer dificuldade cognitiva

prejudicaria a ampliação da percepção de mundo, abstração e generalização,

impossibilitando ao surdo o conhecimento necessário do mundo em que vive.

Os resultados dos estudos de Fernandes (1990) indicam que o atraso da

linguagem do surdo advém também da dificuldade em lidar com o abstrato,

uma vez que a linguagem é um processo complexo que possibilita a

abstração do conhecimento; a dificuldade cognitiva levaria o surdo a ter um

43

pensamento mais concreto, dificultando a apreensão/compreensão de

significados abstratos; a dificuldade de apreensão/compreensão de

conhecimentos subjetivos do mundo e dos objetos restringe a aquisição de

linguagem do surdo; e a principal dificuldade do surdo em relação à escrita

está relacionada à falta de domínio lexical, levando-o apresentar alterações

sintáticas, morfológicas e semânticas, prejudicando a estrutura textual,

resultando em um texto sem coesão e coerência.

Souza (1996: p. 1) tem uma concepção bakhtiniana de linguagem para

discutir ocorrências registradas pela pesquisadora em sala de aula, em

relação ao professor ouvinte e o aluno surdo e das ideias de “Foucault (1992),

em busca dos fios ideológicos, deixados nas teorizações sobre a natureza da

linguagem ao longo do tempo, a partir dos quais foi possível a construção

discursiva do objeto Língua de Sinais”. Esta autora situa a gênese da

linguagem no plano da ‘dialogia’, como Bakhtin (1929/1992), e insiste na

necessidade de professor e aluno compartilharem uma língua comum.

Souza (1996: p. 10), também discute “o processo recíproco e dialético de

(re)construção da língua e da subjetividade”, “tomando como objeto de

reflexão as imagens que alguns surdos evidenciam ter sobre sua linguagem”.

Esta autora defende a ideia de que os desafios vindos da língua de sinais

postos à linguística poderiam ser convertidos em ferramentas para a

elucidação de alguns mistérios sobre a natureza da linguagem. Em suas

conclusões Souza (1996) argumenta que existem muitas dificuldades de

compreensão de conceitos pelos alunos surdos e que “os estudos linguísticos

em sinais, e a nossa própria compreensão sobre o processo de produção de

sentido”, seriam enriquecidos com a aplicação do programa bakhtiniano aos

estudos das línguas de sinais, atualmente subsidiados quase que

exclusivamente pela teoria inatista18.

18 A abordagem Inatista proposta Noam Chomsky traz a proposta de que os seres humanos já nascem com uma espécie aparelho de carácter biológico, a capacidade de se desenvolver a fala não seria determinada por estímulos do meio em que o indivíduo está inserido, e sim pela herança genética que segundo ele é comum a toda espécie humana, que também é responsável pelo desenvolvimento da linguagem, e que possui uma estrutura gramatical universal. Chomsky usa o conceito de gramática Universal, para tentar explicar a organização das línguas nos seus aspectos em comum “de acordo com essa proposta, a criança tem uma Gramática Universal (GU) inata que contém as regras de todas as línguas, e cabe a ela, criança, selecionar as regras que estão ativas na

44

Para Góes e Souza (1997) a utilização da língua de sinais vem sendo

reconhecida como um caminho necessário para a efetiva mudança nas

condições oferecidas pela escola no atendimento educacional de alunos

surdos. As autoras afirmam que apesar de haver várias questões contrárias

dentro da discussão nessa área, ambiguidades e indefinições nas propostas,

pode-se perceber uma tendência à afirmação da necessidade do uso da

língua de sinais para a escolarização do surdo. Neste sentido, consolidar esta

ideia é um desafio para os educadores, pesquisadores, estudiosos.

Um dos maiores problemas, de acordo com Góes e Souza (1997), é como se

pode lidar com a participação de duas línguas nas experiências escolares de

alunos surdos. O trabalho dessas autoras traz um estudo realizado com

crianças surdas na aquisição da Libras e em processo inicial de

conhecimento da linguagem escrita em uma instituição especial. O estudo foi

embasado na abordagem histórico-cultural, nas proposições de Vygotsky, e

foi julgado pelas autoras tão relevante quanto qualquer outro realizado com

alunos surdos em escolas regulares de ensino.

Os resultados do estudo de Góes e Souza (1997) fortalecem o argumento da

importância da língua de sinais no trabalho educacional com a criança surda

e sugerem que a participação de instrutores surdos fluentes nessa língua é

imprescindível para a melhoria da escolarização da criança surda e para suas

possibilidades linguístico-cognitivas sejam concretizadas. Em relação ao

ensino da escrita, a partir do uso dos sinais, o estudo aponta para um

aumento no interesse pela escrita e uma motivação sobre a compreensão de

suas características e funções sociais não apenas nas atividades, de

"tradução" - do texto escrito para os sinais e vice-versa, mas principalmente

por que ocorre um jogo de interpretação e explicitação de significados do

texto com base nos sinais e, além disso, “é em sinais que as crianças

conversam, corrigem-se, negociam e elaboram sobre a escrita”.

Skliar (1998), em sua obra ‘A Surdez: um olhar sobre as diferenças’, comenta

que foram mais de cem anos de práticas (desde o II Congresso Internacional

língua em que está adquirindo”. (Santos, 2002, p. 221). Nesta teoria, a prática escolar não importa, pois restringe aquilo que o aluno já conquistou. O desenvolvimento biológico é que é determinante para a aprendizagem. A educação terá o papel de aprimorar o educando.

45

de Milão, em 1880), do modelo oralista, quando o tempo de interação e de

identificação entre os surdos de diferentes idades era escasso, evitando-se

contágios "gestuais" entre os alunos. Esse autor afirma que os adultos surdos

presentes nas instituições de ensino eram isolados ou levados a cumprir

tarefas longe das crianças surdas para evitar o convívio entre ambas e, com

isso, evitar a propagação dos gestos.

Segundo este autor, para a correção e normalização do sujeito surdo, era

necessário disciplinar seu comportamento com o intuito de produzir surdos

aceitáveis para a sociedade ouvinte, ou seja, moldar surdos para que se

assemelhassem aos ouvintes. Skliar (1998) afirma que existiam alguns

pressupostos para isso como: os filosóficos, que consideraram a oralidade

como sinônimo de abstração e o gestual como sinônimo de obscuridade do

pensamento; os religiosos, que davam grande importância à confissão oral; e

os políticos, com a necessidade de eliminação dos linguajares já dominantes

nos séculos XVIII e XIX. O autor esclarece que o principal objetivo deste

período foi a aquisição da língua oral e todas as outras necessidades se

tornaram objetivos secundários, tais como a aquisição da língua escrita, a

aprendizagem de conteúdos escolares e a integração ao mundo do trabalho,

sendo estes objetivos condicionados a um improvável futuro educativo.

Lacerda (1998) teve como objetivo do seu estudo apresentar um pouco da

história da educação do surdo, focalizando principalmente as propostas

educacionais oralistas, a comunicação total e o bilinguismo e suas

implicações pedagógicas neste caminhar histórico. Esta autora salienta que

no período da Idade média a figura do preceptor era muito frequente no

contexto educacional. As famílias nobres e influentes que tinham filho(s)

surdo(s) contratavam os serviços de professores/preceptores para que a

ele(s) ensinassem a falar e, consequentemente, tivessem direitos legais, os

quais eram tirados daqueles que não falavam.

Lacerda (1998) comenta que nas tentativas iniciais de educar o surdo, além

da atenção dada à fala (oralidade), a escrita também desempenhava papel

fundamental. Os alfabetos digitais eram inventados pelos próprios

professores e amplamente utilizados, com o argumento para o uso desses

46

alfabetos, de acordo com a autora, de que o surdo não podia ouvir a língua

falada, mas podia ler com os olhos.

Neste período, Lacerda (1998) explica que muitos professores de surdos

iniciavam o ensinamento de seus alunos com a ‘leitura-escrita’ e depois

instrumentalizavam diferentes técnicas para desenvolver outras habilidades

(leitura labial, articulação das palavras etc.).

O resultado relatado por esta autora nos mostra que é possível constatar que

as três principais abordagens de educação de surdos - oralista, comunicação

total e bilinguismo coexistem, tendo adeptos nos diferentes países. Essas

abordagens têm seus pontos positivos e negativos, abrindo brechas para

reflexões em busca de um caminho educacional que de fato favoreça o

desenvolvimento pleno dos sujeitos surdos.

Dentre as investigações citadas, os pontos que denotam muita discussão em

relação às dificuldades da plena inclusão do surdo na escolaridade giram em torno

da “linguagem e comunicação” do indivíduo surdo.

b) A linguagem e o ensino de Matemática

As pesquisas em relação ao ensino e aprendizagem da Matemática enfatizam

as interações linguísticas entre professor, aluno e conhecimento em sala de aula

como as de:

Garnica (1992, p. 7), que estuda a linguagem a partir da interpretação de

textos matemáticos na sala de aula, e a análise das possibilidades de

transformar esta atividade do professor num processo hermenêutico, se

baseia na hermenêutica de Paul Ricoeur, que tem a linguagem como

discurso, uma manifestação das compreensões do ser humano e o texto é

concebido como um discurso registrado por meio da escrita, e a leitura por

sua vez é vista como a compreensão do que é expresso por uma linguagem e

não apenas a decodificação de traços grafados no papel.

A dificuldade de compreensão de textos matemáticos é potencializada pela

quantidade de conexões simbólicas, podendo levar a interpretações

realizadas de modo puramente tecnicista. O autor cita Machado, sobre a

47

combinação da linguagem natural com a linguagem formal no texto

matemático, apontando dificuldades em relacionar termos matemáticos como

o do cotidiano e usa o exemplo do termo ‘corpo’ para isso – [corpo] da

álgebra e [corpo] humano, e ainda acrescenta que o texto matemático rejeita

a incorporação de significados atribuídos cotidianamente a termos e

expressões. Sobre isso, traz o seguinte questionamento: “como ultrapassar

esse aspecto meramente apresentacional do texto matemático?”.

Garnica (1992: 28), em uma de suas orientações, trata de buscar incorporar a

língua materna à matemática, para a leitura do mundo, possibilitando ao

aluno uma visão da Matemática diferente da platônica. Após suas análises, o

autor, continua esclarecendo a importância das duas linguagens (língua

materna e matemática), mas defendendo que, em alguns casos, a linguagem

artificial da matemática seria melhor empregada do que a linguagem natural.

Entre as conclusões de Garnica (1992), encontramos a possibilidade de uma

análise hermenêutica dos textos matemáticos, o aluno se distancia da

linguagem simbólica matemática por pensar que ela dificulta a compreensão

dos conceitos matemáticos, as linguagens natural e gráfica têm significado

para o aluno, é de competência do professor apontar momentos em que o

uso da linguagem formal matemática é adequada, ou seja, mostrar a real

importância do uso correto das duas linguagens (linguagem natural e

linguagem matemática) durante o ensino de Matemática. Além dos resultados

o autor ainda apresenta uma proposta pedagógica de ação hermenêutica com

o texto de matemática, apontando para um fluxo dialógico em sala de aula

entre “aluno ↔ professor ↔ texto”. A proposta discute o cumprimento rigoroso

e sequencial do programa organizacional da disciplina de Matemática e

sugere a necessidade da escrita, pelos alunos, usando como referencia os

autores, Snyders e Danyluk. (GARNICA, 1992: 162)

Machado (1993), em sua obra, nos apresenta uma investigação sobre as

possibilidades que a língua materna, como a primeira língua que

aprendemos, tem em mediar o ensino de Matemática desde as séries iniciais,

e também de proporcionar algumas diferenças entre a matemática ocidental e

48

oriental, com comentários sobre o pensamento lógico e a estrutura das

geometrias.

Neste sentido, o autor primeiramente discute afirmativas do “senso comum”

que atribuem à Matemática características como: ser exata e abstrata,

justificadas por suas aplicações práticas; e ser inata à capacidade de

desenvolver o raciocínio e a capacidade para apreendê-la (1993: p. 29). Após

isso, Machado (1993) nos apresenta a língua como um sistema complexo se

comparado a um código, pois no código o sistema (regra) de codificação

preexiste, diferente da língua, em que o sistema (regra) de codificação,

constitui-se conjuntamente com o uso. Para este autor, assim como a língua

não se restringe a um código, a matemática não pode ser restrita a uma

linguagem formal.

Em seus apontamentos finais Machado (1993: 127) afirma que “a

aprendizagem de cada uma das disciplinas [referente à língua materna –

Língua Portuguesa - e à Matemática] deve ser considerada como a

elaboração de um instrumental para um mapeamento da realidade, como a

construção de um sistema de representação” e que a linguagem matemática

usada em sala de aula é hibrida fruto de um cruzamento da própria linguagem

matemática com a linguagem natural.

Santos (1995: p. 10) defende, em sua pesquisa, que a linguagem seja

valorizada como instrumento de comunicação do conhecimento matemático e

a importância desse uso em sala de aula, sendo defensor “da opinião

definitiva e clara do papel indispensável da linguagem no processo de

construção e transmissão do conhecimento através do seu aproveitamento

planejado no ensino-aprendizagem de Matemática”. Durante todo o seu

trabalho, este autor tem como foco principal de atenção a necessidade de um

cuidado com as linguagens matemática e materna, considerando-as

fundamentais no processo de ensino-aprendizagem.

Santos (1995: p. 18) comenta sobre o papel da linguagem dentro de algumas

tendências em educação matemática, como: a Modelagem Matemática - para

reconhecer a Matemática que se encontra no cotidiano, o autor considera que

a linguagem comum e a linguagem matemática desempenham um papel

49

fundamental no desenvolvimento do trabalho de modelagem e na resposta

que “a Matemática oferece à questão original”; a Etnomatemática – sua

defesa vai em relação à linguagem como “indispensável” para estabelecer

vínculos entre as diversas matemáticas que devem ser valorizadas. O autor

se referencia em D’Ambrósio, para comparar a passagem da etnomatemática

para a Matemática e a passagem da linguagem oral para a escrita; a

Resolução de Problemas – cita Polya para explicar a função da linguagem,

exemplificando que o enunciado verbal dos problemas deve ser bem

compreendido pelo aluno; e o Laboratório de Ensino – diz o autor, “a

linguagem se faz presente nas fases do registro, da simbolização e da

axiomatização” (1995: 21).

Após esta introdução das tendências, Santos (1995) apresenta considerações

sobre suas concepções a respeito de ‘comunicação’ e ‘linguagem’, que são

os temas centrais de seu trabalho. O autor admite que: “a linguagem é um

sistema de signos socializados” (p. 32) e trabalha com o termo sentido, que

parece ser usado como sinônimo de significado, e a noção de signo e

significado. Sobre a ‘comunicação’, Santos, comenta que irá:

Se atentar especialmente para a codificação cuidadosa e elaborada da língua comum como fator importantíssimo e indispensável para que se possa, simultaneamente ao uso de outros códigos (aqui inclui-se a linguagem matemática) e canais de comunicação próximos da compreensão dos alunos, estabelecer o entendimento verdadeiro das mensagens difundidas nas aulas de matemática (SANTOS, 1995: 35).

Santos (1995) admite a língua comum e a linguagem natural, como sistemas

de códigos para a transmissão de mensagens por meio de um canal. Estes

sistemas de códigos, para o autor, tem possibilidade de uma ação de

transcrição, interpretação ou tradução de um código por parte do receptor da

mensagem, desde que esse tenha acesso ao código (regra) usado, ou seja,

“a partir do momento em que os signos a serem utilizados são conhecidos

pelo aluno, a definição matemática estabelece-se com êxito” (p. 40). Para

confirmar este pensamento, Santos entende a linguagem e o sentido das

palavras dadas por seu uso e se baseia em Vanoye (apud SANTOS, 1995:

41) quando explana que “não existe um sentido comum genuíno, mas sim

uma espécie de acordo implícita sobre o uso e a aplicação das palavras”,

neste sentido, “a linguagem se aprende pelo seu próprio uso”, como

50

compreender conceitos e princípios, identificar padrões, resolver problemas,

comunicar ideias etc.

Para finalizar seus estudos, o autor, seleciona e organiza elementos próprios

a alguns conteúdos matemáticos, para estruturar um planejamento de aulas

com a intenção de dar atenção especial à linguagem e à comunicação. Um

exemplo desta seleção é a palavra ‘função’ que tem vários significados

atribuídos pelos alunos, que devem ser aproveitados como estimuladores de

discussão, porém o professor não pode perder de vista a importância com

que a ideia rege este conceito matemático (p. 90). Para Santos, a introdução

de qualquer assunto matemático e o esclarecimento do que lhe compete só é

possível com profundo conhecimento e as devidas correções do professor,

devendo este se dispor a discorrer com os alunos sobre as simbologias e a

terminologias utilizadas, até se convencer da apropriação dos significados

pelos alunos.

Em Menezes (1999), encontramos a verificação das linguagens de sala de

aula e no abordar da linguagem matemática nos seus diversos níveis de

elaboração, conforme a competência daqueles que a utilizam. Este autor

aponta inicialmente a matemática como metaciência que, com linguagem

própria, perpassa diversas ciências.

Para este autor, o que interessa mais é a linguagem da sala de aula, uma vez

que sua investigação se concentra no insucesso escolar na Matemática e não

na linguagem matemática propriamente dita. O modelo de comunicação

utilizado por Menezes em seus estudos é o de Jakobson que pressupõe a

transmissão de informações, no caso do emissor e do receptor que partilhem

de um mesmo código (regra) para codificar e decodificar a mensagem e poder

ser transmitida.

O autor comenta que a linguagem matemática específica dos matemáticos é

mais precisa/rigorosa do que a linguagem matemática utilizada em sala de

aula. Desta forma, para Menezes, a existência da ‘linguagem matemática’ se

ramifica a partir da linguagem que cada grupo dela se utiliza, de diferentes

formas. Este autor concorda com Machado (1993), quando se refere à

51

Matemática como híbrida, ou seja, uma mistura entre a linguagem matemática

de sala de aula e a linguagem natural.

Além das pesquisas citadas aqui existem outras que se concentram nas

dificuldades existentes no ensino da disciplina Matemática, ou mesmo aquelas que

tratam de novas estratégias e metodologias que contribuem para a solução desses

problemas, ou ainda, propostas de metodologias que se dizem diferenciadas,

relacionadas ao ensino e à aprendizagem de Matemática.

c) A relação entre língua de sinais, língua portuguesa, linguagem

matemática e o ensino.

Ao buscarmos pesquisas sobre a relação entre a língua de sinais, língua

portuguesa, linguagem matemática e o ensino, não foram encontrados nenhuma que

relacione todos estes aspectos e o sujeito surdo, que são do nosso interesse nesta

pesquisa. Encontramos algumas pesquisas com o sujeito surdo que se referem à

conexão de duas linguagens específicas com o ensino, as quais resumi nos blocos a

seguir:

A linguagem de sinais e a linguagem natural: Veiga e Couto (2006/2007),

sobre o projeto de um material educativo para auxiliar crianças surdas no

processo inicial de aquisição do Português escrito como segunda língua;

Leme (2010) sobre os processos de ensino da linguagem escrita para

crianças surdas como importante instrumento de representação e apropriação

de signos e significados socialmente constituídos, sendo este um instrumento

cultural complexo e essencial para a formação do ser surdo em uma

comunidade majoritariamente ouvinte; Duarte e Padilha (2012) sobre a

análise de publicações de livros e materiais didáticos para o ensino de

LIBRAS, enfocando a representação da escrita da Língua Portuguesa para o

ensino de Língua de Sinais.

A linguagem de sinais e a linguagem matemática: Pimenta (2010), sobre o

processo de construção do conhecimento matemático mediado pela

linguagem de sinais e o material concreto soroban; Silva (2012), sobre a

proposta de um cenário de representações entre a língua de sinais – Libras

voltada para a comunicação matemática e como aplicá-la nos trabalhos de

52

matemática para surdos; Moreira (2013) sobre a produção de sinais

matemáticos por alunos surdos da 5ª série do Ensino Fundamental para

serem utilizados no ensino de conteúdos matemáticos.

A linguagem natural e a linguagem matemática: Bianconi (2002) explica a

linguagem matemática e o raciocínio lógico por trás dos textos matemáticos,

comparando a estranheza da linguagem matemática a partir de aproximações

com textos literários; Jacomelli (2006), sobre explorar diferentes registros de

representação, em particular a linguagem natural e a linguagem algébrica

identificando em duas coleções de livros didáticos exercícios propostos

contemplando conversão entre uma linguagem e outra, a partir da Semiótica

de Duval; Silva e Nogueira (2011) sobre o entrelaçamento entre a linguagem

comum e a linguagem matemática, em releituras de informações e de

resultados de pesquisa sobre o processo de aquisição de escrita numérica

em crianças surdas.

Em relação ao entrelace entre as três linguagens (linguagem de sinais,

linguagem natural e linguagem matemática) e o ensino para efetivação do ensino de

Matemática para o sujeito surdo, como explicitado anteriormente, não encontrei

pesquisas/estudos que trouxessem algum resultado em que pudéssemos nos

concentrar, citar ou mesmo discutir neste texto, nos apresentando a constatação de

que promover um estudo com esta temática seja um campo vasto e produtivo para

esta e futuras pesquisas. Passaremos, então, às escolhas fundantes que

subsidiaram nossa pesquisa.

3.3. Wittgenstein: uma escolha teórica

Este trabalho discorre a respeito da Linguagem, um tema complexo, repleto

de desafios e possibilidades. Esse tema é um dos mais férteis campos de discussão

da Filosofia, Pedagogia, Matemática e Psicologia, sendo um dos principais objetos

de estudo da linguística, provocando intensas reflexões e discussões por parte de

estudiosos contemporâneos. Recordamos alguns autores que foram os precursores

em estudos nesta área com a intensão de destacar os diversos olhares de

53

pesquisas e apresentar em que sentido a linguagem foi adotada nesse estudo em

particular.

Os estudiosos da área da Educação Especial e os teóricos das áreas da

Linguagem e da Matemática, dialogam, discutem, chegando a ficar do mesmo lado

por um período curto ou longo de tempo, e outros ainda que a cada debate se

distanciam de forma a distratar, refutar o que se tinha como tema de debate. Um

exemplo, a ser citado, em relação a essas discussões sobre Linguagem e

Matemática, está na ideia de Frege de fundar a matemática sobre a lógica, tomando

por base sua linguagem ideográfica, e Russell, Wittgenstein e Carnap, filósofos que

o sucederam, usaram a lógica como instrumento de trabalho. Após esses filósofos,

surgiram diversos projetos de esclarecimento da linguagem científica e da linguagem

comum.

Os estudiosos e pesquisadores clássicos não tomaram a linguagem como

objeto principal de seus estudos, mas fizeram uso dela para construir teorias e

filosofias. Os estudos sobre linguagem adquirem importância e são sistematizados a

partir do início do século XX, com os pesquisadores Saussure e Wittgenstein

(WEEDWOOD, 2005; ARAÚJO, 2004; KRISTEVA, 1999). Mesmo com a iniciativa

destes filósofos, apenas se aceita o fato de que existem inúmeras tentativas de

compreensão do que se pode ou se deva entender por linguagem. Para Kristeva

(1969), embora a linguagem, há séculos, tenha se tornado um dos objetos de

pesquisa da ciência linguística, ainda pode ser considerada recente. Com isso, a

linguagem tem registros de múltiplas manifestações vindas de estudos com

pesquisadores sob diversas óticas.

Um dos primeiros estudiosos, sobre a linguagem, foi Wilhelm Von Humboldt

(1800 apud MARCONDES, 2009), que em uma carta afirmou: “a linguagem é o

meio, se não absoluto, ao menos sensível, pelo qual o homem dá forma [bildet] ao

mesmo tempo a si mesmo e ao mundo, ou melhor torna-se consciente de si mesmo

projetando um mundo que lhe é externo”. Outro estudioso desta área é Saussure

(1916), que assevera ser a linguagem somente uma parte determinada e essencial

da língua, e que as duas, linguagem e língua, não se confundem. Este autor ainda

se refere à linguagem como multiforme – por se manifestar por diversos modos, e

54

heteróclita – por se afastar das regras da analogia gramatical, se referindo à língua

como sendo a parte social da linguagem.

Os pesquisadores como Franchi (1977: p. 32), linguista brasileiro inspirado

em Humboldt (1800), trazem a linguagem em um de seus aspectos fundamentais

como:

um meio de revisão de categorias e criação de novas estruturas. Nesse sentido a linguagem não é somente um processo de representação, de que se podem servir os discursos demonstrativos e conceituais, mais ainda uma prática imaginativa que não se dá em um universo fechado e restrito, mas permite passar, no pensamento e no tempo, a diferentes universos mais amplos, atuais, possíveis, imaginários.

Lyons (1987), por sua vez, comenta ser a linguagem aplicável não apenas às

línguas: Inglês, Português, Espanhol etc., mas, também, a sistemas de notação

como o sistema dos matemáticos chamados de “linguagens artificiais e não

naturais”, além de outros sistemas humanos que são chamados de linguagem; tais

como a linguagem de sinais, a linguagem corporal. Em Cassirer (2003, p.51), “a

linguagem nunca designa simplesmente os objetos como tais, mas sempre

conceitos formados pela atividade espontânea do espírito”.

Existem muitos outros estudiosos nesta área, mas pensaremos a linguagem,

nesta pesquisa, de acordo com a visão de Wittgenstein (1979), que concebe a

linguagem como uma atividade típica do ser humano, um hábito. Este filósofo

austríaco comenta que falar de linguagem é falar de parte de uma atividade, de

parte de uma forma de vida, entendendo forma de vida como a junção entre cultura,

visão de mundo e linguagem de cada indivíduo, ou seja, uma prática humana, jogos

de linguagem. Entendendo que esses jogos são parte integrante das formas de vida,

logo se percebe que ele está sujeito a mudanças, assim como toda prática que nos

envolve como seres humanos. Desta forma, podemos considerar que os jogos de

linguagem estariam sujeitos a critérios pragmáticos, podendo ser modificados com o

passar do tempo, ou conforme o grau de interação que proporcionam, ou qualquer

outra coisa e chegando ao ponto de alguns jogos poderem ser esquecidos ou

substituídos por outros mais completos e melhores.

Neste sentido, Wittgenstein afirma que é justamente isso que pode, e vai

acontecer com o passar dos tempos, ou seja, nós podemos modificar determinados

jogos, descartar outros, ou mesmo criar outros, dependendo da importância que tais

55

jogos tiverem para nós e para o meio onde os empregamos (WITTGENSTEIN, 2000,

§ 23).

Com a escolha teórica feita sobre o foco principal da pesquisa, a linguagem

que permeia a sala de aula inclusiva, tendo como atores sujeitos surdos e ouvintes e

adotando como principal referencial teórico Ludwig Wittgenstein em seu segundo

momento, ou seja, o de sua obra póstuma Investigações Filosóficas (1979),

direciono minha atenção às ideias deste autor que darão subsídios para as análises

dos jogos de linguagem que existem ou são construídos na sala de aula inclusiva no

ensino de conteúdos matemáticos.

O que Wittgenstein expõe sobre a linguagem, nada tem a ver com definições

fechadas, fixas, mas, sobretudo, a possibilidade de expor sobre ela em

determinadas ocorrências, contextos. Assim, este estudioso nos proporciona

condições de trabalhar com algumas de suas ideias, como suporte fundante para

concepções e discussões que serão elaboradas nesta pesquisa, como principais os

jogos de linguagem e regras e secundário as formas de vida, as quais serão

explicitadas a seguir de maneira a familiarizar o leitor com essas noções.

3.3.1. JOGO DE LINGUAGEM EM WITTGENSTEIN

Na obra de Wittgenstein (1979) encontramos a ideia de jogo de linguagem,

que será a principal noção utilizada neste estudo, como uma combinação de

palavras, atitudes e formas de comportamento, compreendendo o processo de uso

da língua em sua totalidade. É por meio dos jogos de linguagem que os sujeitos

aprendem na infância a usar as palavras e expressões. Esse aprendizado do sujeito

não é pura e simplesmente o aprendizado de uma palavra ou expressão, o que

Wittgenstein chamou de ‘linguagem primitiva’, mas um jogo de linguagem completo

e complexo, o uso de determinada expressão linguística em um contexto

determinado e com regras determinadas para obter certos fins.

Wittgenstein (1979) comenta que, mesmo uma linguagem primitiva, como no

caso da linguagem que as crianças aprendem a falar e usar as palavras, são jogos

de linguagem. O autor comenta que “é um daqueles jogos por meio dos quais as

crianças aprendem a sua língua materna. Chamarei esses jogos de “jogos de

56

linguagem”, e falarei muitas vezes de uma linguagem primitiva como de um jogo de

linguagem”. (Wittgenstein, 1979: p. 12§7). Outro exemplo que ilustra este

pensamento do filósofo diz respeito à comunicação entre um construtor e seu

ajudante:

a linguagem deve servir para o entendimento de um construtor A com um ajudante B. A executa a construção de um edifício com pedras apropriadas; estão à mão cubos, colunas, lajotas e vigas. B passa-lhe as pedras, e na sequencia em que A precisa delas. Para esta finalidade, servem-se de uma linguagem constituída das palavras “cubos”, “colunas”, “lajotas”, “vigas”. A grita essas palavras; - B traz as pedras que aprendeu a trazer ao ouvir esse chamado. – Conceba isso como linguagem totalmente primitiva”. (WITTGENSTEIN, 1979: p. 10§2)

Utilizando estes exemplos, Wittgenstein, confirma sua ideia de que o jogo de

linguagem refere-se aos diversos modos de uso das palavras. O filósofo sugere,

ainda, que imaginemos a multiplicidade de jogos de linguagem que podem existir,

coexistir ou serem construídos em variados contextos:

Imagine a multiplicidade dos jogos de linguagem por meio desses exemplos e outros: Comandar e agir segundo comandos- Descrever um objeto conforme a aparência ou conforme medidas- Produzir um objeto de acordo com uma descrição (desenho)- Relatar um acontecimento- Conjeturar sobre o acontecimento- Expor uma hipótese e prová-la- Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e diagramas- Inventar uma história; ler- Representar teatro- Cantar uma cantiga de roda- Resolver enigmas- Fazer uma anedota; contar- Resolver um exemplo de cálculo aplicado- Traduzir de uma língua para outra- Pedir, agradecer, maldizer, saudar, orar. (WITTGENSTEIN, 1979: 19, § 23)

Podemos perceber, então, pela ideia de jogos de linguagem, que Wittgenstein

nos coloca, que a oralidade, os gestos e a tradução entre línguas também são

considerados jogos de linguagem e desta forma, podemos antecipar um leque de

possibilidades que podem acontecer ao se trabalhar com a língua de sinais, a língua

portuguesa e a linguagem matemática.

A ideia de jogo de linguagem é bastante discutida por Wittgenstein (1979: p.

40§71), que aponta a ausência de um “conceito” ou “limites” para a palavra jogo,

como podemos perceber na passagem; “Você pode indicar os limites? Não. Você

57

pode traçar alguns: pois ainda não foi traçado nenhum”, mas “podemos – para uma

finalidade particular – traçar um limite” e este limite será útil apenas “para esta

finalidade particular”, o filósofo ainda completa afirmando que “o conceito ‘jogo’ é um

conceito com contornos imprecisos”. Nesta conjuntura, podemos perceber a

complexidade e diversidade dos inúmeros jogos de linguagem existentes entre

surdos e ouvintes.

Ao elaborar a ideia de jogo de linguagem, Wittgenstein (1979) o associa com

outra ideia, que ele chamou de formas de vida, que pretende acentuar, por um lado,

o caráter prático da linguagem, isto é, de que a linguagem é uma atividade e, em

contrapartida, que esta é uma atividade do ser humano, pois “comandar, perguntar,

contar, tagarelar, pertencem à história de nossa natureza assim como andar, comer,

beber, jogar” (p. 20§25). O filósofo afirma que “o termo ‘jogo de linguagem’ deve

aqui salientar que o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma

forma de vida” (1979, p. 18§23).

3.3.2. FORMAS DE VIDA EM WITTGENSTEIN

Gottschalk (2008, p. 80) explica que o jogo de linguagem é uma forma de

atividade social, sendo parte de uma forma de vida. Wittgenstein utiliza a expressão

para “designar nossos hábitos, costumes, ações e instituições que fundamentam

nossas atividades em geral, envolvidas com a linguagem”. Aqui, esta autora se

aproxima sutilmente de uma definição de cultura. Ao usarmos a linguagem, estamos

agindo em um contexto social, e nossos atos são significativos e eficazes apenas na

medida em que correspondem às determinações destas formas de vida. Da mesma

forma, Glock (1998: p. 229) afirma que os nossos jogos de linguagem são partes

fundantes de nossa forma de vida, “as práticas gerais de uma comunidade

linguística”. Os jogos de linguagem são parte de uma totalidade de linguagem, que

se forma dentro de situações sociais, e estão ligadas a contextos, às formas de vida:

“e representar uma linguagem significa representar-se uma forma de vida”

(WITTGENSTEIN, 1979: p. 15§19).

As formas de vida podem ser consideradas como fundamento para as nossas

práticas linguísticas, uma vez que se apresentam como pano de fundo sobre os

quais se desenvolvem os jogos de linguagem, fornecendo uma regularidade nas

ações e nos modos de uso das expressões linguísticas. Para Wittgenstein (1979: p.

58

20§27) “somos educados, treinados para perguntar”, ou seja, para reagir de uma

determinada forma, em determinado contexto, com isso espera-se que as palavras

sejam acompanhadas de um determinado comportamento adequado, como

exemplo, espera-se que determinada reação ocorra frente a um comando (ordem,

pedido etc.), e essa reação, esse comportamento, é comum a todos que participam

de um jogo de linguagem. Um exemplo do filósofo a este respeito é o jogo de

linguagem entre o construtor e seu ajudante, apresentado anteriormente.

O uso da linguagem faz com que uma determinada forma de vida se constitua

no modo como as palavras, expressões e gestos são utilizados, consequentemente,

guiados com regras distintas, nas quais atividades não linguísticas também se

encontram interligadas, e essa diversidade de usos Wittgenstein (1979) denomina

de jogos de linguagem. Outra ideia enfatizada pelo filósofo, ao relacionar a

significação linguística com o uso da palavra em um jogo de linguagem, é o fato de

que os jogos de linguagem são atividades, formas de vida, guiadas por regras,

reafirmando o estilo social inegável da linguagem, pois toda atividade

convencionada por regras é uma prática social.

3.3.3. O USO DE REGRAS EM WITTGENSTEIN

O uso da linguagem, no sentido dado por Wittgenstein, implica domínio e uso

de regras, pois a aplicação correta de um termo significa que se age de acordo com

as regras estabelecidas pelo contexto de sua aplicação. O descuido de tais regras

contraria o seu uso apropriado no contexto determinado, tornando sua aplicação

sem sentido para este contexto especificamente, mas podendo ser utilizado em

outros contextos. A possibilidade de agir de acordo com regras aponta para a ideia

de que o indivíduo compreende o jogo de linguagem do qual esta participando.

Compreender torna-se, então, a expressão de uma capacidade, uma prática, um

hábito.

Neste estudo, focalizamos a análise nos jogos de linguagem entre sujeitos

surdos e ouvintes durante o ensino de conteúdos matemáticos. Nas análises,

poderemos compreender que dificuldades se manifestam durante os jogos e como

59

os jogadores se mobilizam para minimizar ou mesmo sanar estas dificuldades na

busca da compreensão dos conceitos matemáticos.

O docente, que se encontra em sala de aula e participa dos jogos que nela se

efetivam, tem uma imensa carga de responsabilidade, pois é ele que apresentará as

regras durante o ensino, e estas regras utilizadas, mesmo tendo um significado

lógico, terão sentidos diferenciados considerando a compreensão dos alunos e o

contexto utilizado, como afirma Silveira (2008: p. 95):

A regra muda conforme o contexto, na perspectiva do aluno, mas, do ponto de vista lógico, a regra é sempre a mesma. Esse fato mostra ao professor que a regra que ele ensina pode ter um sentido diferente para o aluno e a regra compreendida num contexto pode ser compreendida diferentemente em outro contexto.

Gottschalk (2008), estudiosa de Wittgenstein, comenta em relação aos

contextos que, para o filósofo, estas regras devem ser compreendidas não apenas

como possibilitando simplesmente a ação e expressão do sujeito, mas também

permitindo a participação e interpretação dos diversos universos de contextos

discursivos do qual participa e que é no uso da linguagem que os falantes seguem

regras, não apenas linguísticas, mas também, pragmáticas. Considerando a sala de

aula inclusiva, a linguagem e o ensino de matemática, podemos identificar, de

partida, a presença de três manifestações linguísticas diferentes: a língua

portuguesa (ordinária); a língua de sinais (gestual); e a linguagem matemática

(codificada), constituindo uma particularidade nos jogos de linguagem entre

indivíduos surdos e ouvintes.

Estas manifestações linguísticas, que ocorrem na sala de aula inclusiva, são

partes de jogos de linguagem distintos. Neste estudo, consideraremos como jogos

de linguagem distintos os que se referente à linguagem matemática, familiar àqueles

que têm ou tiveram alguma formação matemática, que fazem a instrução da

Matemática, ou já tiveram um contato prolongado com a linguagem matemática - o

uso de regras, símbolos e gramática própria; a língua portuguesa, comum ao meio

do qual os ouvintes participam naturalmente e com o qual estão acostumados a

jogar, ou seja, o modo de usar a linguagem nas situações do cotidiano; e a língua de

sinais, comum aos sujeitos da Comunidade Surda (surdos), seus familiares e o jogo

que acontece entre os usuários, estudiosos da língua de sinais e simpatizantes

60

aprendizes19. Estes jogos possuem regras de uso, de hábitos dos jogadores, que

trazem em suas formas de vida e que são evidenciadas no jogar. Estas

manifestações linguísticas são provenientes de experiências vivenciadas pelos

sujeitos, experiências que identificam e significam o mundo, neste caso, o contexto

no qual estão inseridas. Sendo assim, há jogos dentro de jogos, jogos que criam

outros jogos e os jogos que se transformam durante o jogar e, mesmo que os

jogadores não saibam jogar todos os jogos que existem entre estas línguas, se

adaptam a cada jogo mediante seu reconhecimento das regras, das formas de vida,

de seus usos e hábitos já experimentados ou que ainda podem ser futuramente

experienciados.

Segundo Wittgenstein (1979), as expressões linguísticas têm significado nos

diferentes jogos de linguagem que são formações complexas de linguagem e de

usos das palavras. Estas expressões possuem uma gramática própria encontrada

nesses jogos de linguagem que obedecem a regras. As regras do jogo dizem

respeito não somente aos signos linguísticos, mas, também, aos participantes da

linguagem, aos objetos, às ações, ao contexto. Portanto, considerar o significado

das expressões nos jogos de linguagem é considerá-lo do ponto de vista de seu uso,

isto é, como parte natural das ações humanas. Surdos ou ouvintes todos participam

em variadas ações, variados usos de expressões, utilizando para isso variadas

regras.

O uso da linguagem, no sentido dado por Wittgenstein (1979), nas suas mais

variadas naturezas, implica domínio e uso de regras, pois a aplicação correta de um

termo denota que se está agindo de acordo com as regras estabelecidas por

determinado contexto, e negligenciar tais regras contraria seu uso apropriado,

acarretando possivelmente falta de sentido em sua aplicação.

Salientamos que as análises do material empírico serão pautadas nos jogos

de linguagem distintos, já comentados acima, suas particularidades e regras

utilizadas em sala de aula no ensino de conteúdos matemáticos, utilizando como

pano de fundo as formas de vida dos sujeitos pesquisados.

19 Simpatizantes aprendizes, no texto, diz respeito a todos os sujeitos ouvintes e surdos que estão se alfabetizando na língua de sinais, e ainda tem dificuldades com a gramatica e as regras de uso.

61

IV - UMA MISCELÂNEA DE LINGUAGENS

4.1. Língua de Sinais: uma protagonista especial

A primeira manifestação linguística que apresentaremos vem da afirmação de

uma identidade e particularidade específica, o ser surdo, instituído por sua língua

específica, a língua de sinais, no Brasil, Língua Brasileira de Sinais - Libras. A língua

de sinais, como Stokoe (1969) descreve, vista como um sistema completo é

semelhante ao português, inglês ou a qualquer outra língua. Seus elementos se

combinam entre si, de modo visual em vez de auditivo. Essas combinações (sinais)

possuem significados como os vocábulos ou fonemas. Suas construções combinam

sinais que, por sua vez, expressam ideias completas e complexas.

As línguas de sinais, como qualquer língua oral, possuem sua própria

estrutura linguística, isto é, compreendem a gramática em seus diversos níveis:

morfológico, sintático, semântico e pragmático. Em relação ao aprendizado e

processamento das marcações morfossintáticas da língua, por ser uma língua

visuoespacial, a língua de sinais usa, frequentemente, de recursos imagéticos

(visuais) e não-manuais (do corpo, do rosto, das mãos) para realização das

marcações morfêmicas e sintáticas. Quadros e Karnopp (2004, p. 60) afirmam que

duas das funções das expressões não-manuais (ou corporais e/ou faciais) na Libras

são: a “marcação de construções sintáticas e diferenciação de itens lexicais”. Em

relação às marcações morfêmicas na língua de sinais, Nascimento e Correia (2011)

afirmam que essa função cabe aos classificadores, que aparecem como gestos, e

funcionam na substituição, especificação, descrição e qualificação de referentes, e

incorporação das ações.

Os classificadores são geralmente utilizados para especificar o movimento e a

posição de objetos e pessoas, ou ainda, para descrever o tamanho e a forma de

objetos. De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 93), os classificadores se

definem como “formas complexas em que a configuração de mão, o movimento e a

locação da mão podem especificar qualidades de um referente”.

Os princípios gerais de significação da língua de sinais são iguais aos das

línguas orais, existindo a tradução de quaisquer assuntos e conceitos, sejam eles

62

concretos ou abstratos. As pesquisadoras, da língua brasileira de sinais, Quadros e

Karnopp (2004), afirmam que a diferença básica entre língua de sinais e língua oral

diz respeito à estrutura simultânea de organização dos elementos das línguas de

sinais. Enquanto as línguas orais são lineares, isto é, apresentam uma ordem linear

entre os fonemas, nas línguas de sinais, além da linearidade, os parâmetros (a

estrutura mínima da língua de sinais) são utilizados simultaneamente. Em relação à

língua portuguesa, a língua de sinais é considerada, pela maioria da comunidade

ouvinte, como apenas gestos, mímicas ou pantomimas, incapazes de expressar

conceitos abstratos. Hoje, ainda há preconceito, desconforto e desconhecimento

sobre esta língua, prejudicando assim a sua divulgação e, consequentemente, o seu

reconhecimento dentro da sociedade. (GESSER, 2009)

A visualidade da língua se distingue imediatamente no ato do uso, em que se

substitui o som da voz pelos movimentos manuais. Esse costume de usar as mãos

para representar letras, palavras, ou o ato de soletrar palavras já era praticado pelos

egípcios, romanos, gregos e hebreus. Durante a Idade Média os monges

beneditinos espanhóis, na tentativa de conservar seu voto de silêncio, organizaram

um alfabeto datilológico20, ou manual, com intuito de comunicar-se entre si. Com o

passar dos anos, surgiram, na Europa, vários alfabetos datilológicos de uma só mão

e, na Inglaterra, um segundo alfabeto que utilizava duas mãos, para ser sinalizado.

No século XVI, educadores surdos e educadores ouvintes que ensinavam os surdos

passaram a utilizar esse alfabeto no ensino. (HORTÊNCIO, 2005)

A difusão do alfabeto datilológico gerou a suposição de que seu uso já seria a

própria língua de sinais, dando a noção de universalidade. No entanto, o alfabeto

manual é apenas um suplemento, que alguns profissionais intérpretes chamam de

empréstimo da língua portuguesa para a língua de sinais e vice-e-versa. Este

alfabeto tem funções específicas como a soletração de palavras da língua oral

(substantivos próprios, siglas, termos inexistentes na língua de sinais etc.). O

alfabeto manual utilizado no Brasil possui vinte e sete formatos, de configuração

diferente, sendo que cada configuração equivale a uma letra do alfabeto português,

inclusive o “ç”.

20 Alfabeto datilológico, também chamado de alfabeto manual, que é utilizado para soletração de palavras, substantivos próprios e é constituído de configurações de mãos que representam as letras do alfabeto da língua portuguesa (DALCIN, 2005: p. 79).

63

Figura 1: Alfabeto Datilológico ou Manual

Fonte: Unimed.coop (2014)

A origem da Língua Brasileira de Sinais – Libras pode ser considerada

francesa, pois remonta, de acordo com Hortêncio (2005), da fundação da Escola de

surdos de Paris, pelo abade Charles Michael de L´Epée, educador de surdos do

século XVIII. Para a instrução dos indivíduos surdos, L´Epée combinou o alfabeto

datilológico dos beneditinos, com os sinais que aprendeu com os surdos que viviam

nas ruas de Paris e componentes da língua francesa. Esse método foi denominado

pelo abade de ‘Método Combinado’, dando origem à Língua Francesa de Sinais.

Este método era utilizado na Escola de surdos de Paris, onde Eduard Huet se

educou e mais tarde foi professor.

Strobel (2006: p. 89) confirma esta origem, quando narra a vinda de Eduard

Huet (1822-1882) para o Brasil. Este professor surdo, com conhecimentos de

metodologia de ensino para surdos adquiridos na Escola de surdos de Paris, chegou

ao nosso país no ano de 1855, e no dia 26 de setembro de 1857, Eduard Huet

concretizou a fundação do Instituto Imperial de Surdos‐Mudos, que atualmente é

reconhecido como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). No Instituto, os

alunos recebiam instrução em língua de sinais francesa e em português (PERLIN,

2002). Esta mistura francesa e portuguesa que deu a origem ao que conhecemos

hoje como Língua Brasileira de Sinais – Libras.

64

Na contemporaneidade, a Libras ganhou seu real espaço na sociedade, por

conta dos movimentos surdos em prol de direitos. Após a legalização da língua

aprovada primeiramente pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, Lei

Federal n.º 10.436/2002 (LEI ORDINÁRIA), de 24 de abril de 2002 que dispõe sobre

a Língua Brasileira de Sinais – Lei de Libras, e o Decreto n.º 5.626/2005

regulamenta a lei nº 10.436, e que dá outras disposições sobre acréscimos à língua

brasileira de sinais – Libras, aprovado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – FENEIS, define

que a Língua Brasileira de Sinais – Libras, após a aprovação legal, dá direito aos

surdos de se comunicarem em sua própria língua, e abre total condição para a sua

instrução a qualquer pessoa interessada pela comunicação com esta comunidade.

Para ser autorizada, a Libras teve que se adequar as estruturas de qualquer língua

reconhecida, estando composta de todos os componentes pertinentes às línguas

orais, como morfologia, sintaxe, semântica, pragmática e outros elementos,

preenchendo assim, os requisitos científicos para ser considerado instrumento

linguístico de poder e força.

A força e o poder das línguas, no falar, expressar desejos, sentimentos,

ordenar, até mesmo em atos simples como chamar e orar, também são

evidenciados durante o diálogo e comunicação entre sujeitos. É comum

cumprimentarmos dizendo ‘oi’, ‘bom dia’, ‘boa tarde’ ou ‘boa noite’, quando

encontramos alguém conhecido e, quando desconhecemos, é comum também

perguntarmos o nome, para que em outras ocasiões de encontro possa nos referir a

ela. Quando isto acontece na língua de sinais, denominamos de sinal pessoal ou

somente sinal. Costuma-se dizer que se trata de um ‘apelido em sinal’, ‘nome em

Libras’, ou ‘nome visual’ que pode ser uma característica visual do indivíduo que o

identifica, um hábito repetitivo (a forma de pentear os cabelos, segurar a bolsa,

enrolar os cabelos no(s) dedo(s) etc.) ou um objeto que a pessoa use por um

período longo de tempo (aparelho nos dentes, brincos, mochila, etc.).

O sinal é uma maneira de batizar ou autorizar, a participação deste indivíduo

na comunidade surda. Mesmo que o ouvinte possua o seu sinal, deverá sempre, na

primeira apresentação para um sujeito surdo soletrar seu primeiro nome ou o nome

completo e depois o sinal. Para esta soletração usamos o alfabeto datilológico,

65

também chamado alfabeto manual, que representa as letras do alfabeto da língua

portuguesa. O alfabeto manual teve origem pela necessidade de representar as

letras de forma visual e era usado principalmente para ensinar pessoas surdas a ler

e escrever.

O alfabeto manual é composto por configurações de mãos, formações em

uma das mãos que representam cada letra do alfabeto. Estas configurações, como

são chamadas, fazem parte dos Parâmetros da língua de sinais. Os parâmetros são

unidades mínimas do léxico da língua de sinais, que juntos formam o sinal

(vocábulo). Os parâmetros surgiram da investigação de Stokoe (1960, apud Cruz,

2008), acerca dos aspectos estruturais da American Sign Language (ASL). Ele

comprovou que cada sinal apresentava três partes independentes: a configuração

de mão, locação (ou ponto de articulação) e o movimento. Hust (1993, apud Cruz,

2007), propõe que esses três parâmetros principais são fonemas que se constituem

em morfemas, assim como os formados nas línguas orais.

Na língua de sinais, para formarmos um sinal são necessários, no mínimo,

três parâmetros que não carregam significados quando isolados. Os Parâmetros se

subdividem em Primários e Secundários. Os Parâmetros Primários constituintes dos

sinais são: configuração de mão (CM), locação de mão (L) ou ponto de articulação

(PA) e movimento (M). Para se produzir um vocábulo na língua de sinais são

necessários três dos parâmetros, e cada mudança de um dos parâmetros resultará

em uma mudança de significado do vocábulo, formando assim um par mínimo. No

trabalho de Ferreira Brito (1995, p. 36 – 41) a estrutura da Língua Brasileira de

Sinais é constituída de parâmetros primários e secundários que se combinam de

forma sequencial ou simultânea. Para esta autora parâmetros primários são:

Configuração das mãos (CM) – é o formato que a mão toma para a realização

de um sinal. Ferreira Brito (1995) propôs 46 configurações de mão, mas a

tabela de configurações mais recente é de 2010, divulgada pelo grupo de

pesquisas do instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, com a

colaboração do Ministério da Educação - MEC e a Secretaria da Educação

Especial – SEESP, contendo 79 configurações;

66

Figura 2: Configurações de mãos.

Fonte: Grupo de Pesquisa do Instituto Nacional de Educação de Surdos/MEC (2010)

Locação (L) ou Ponto de articulação (PA) – é uma região que abrange o

corpo e o espaço em frente ao corpo com as áreas próximas em relação à

lateralidade, onde os sinais são articulados. Como em outras línguas de

sinais, o espaço de enunciação é uma localidade que contém todos os pontos

dentro do raio de alcance das mãos (janela) em que são articulados os sinais.

Esses sinais articulados no espaço são de dois tipos, os que articulam

apenas no espaço neutro, sem necessariamente tocar no corpo e os que

tocam em uma parte do corpo como: a cabeça, a cintura e os ombros

(FERREIRA BRITO, 1995);

67

Figura 3: Espaço de Locação.

Fonte: Ferreira Brito & Langevin (1995)

Dentro do espaço onde a língua de sinais se efetiva, pode-se determinar um

número limitado de locações, sendo que algumas são pontuais em uma parte do

corpo humano como a ponta do nariz e outros mais abrangentes, como a frente do

tórax ou da cabeça. O espaço ideal é o que se estabelece entre interlocutores

durante um diálogo. Este espaço de diálogo pode ser deslocado e/ou reduzido. Um

exemplo desta situação ocorre quando um indivíduo dono do discurso faz um sinal

para um indivíduo receptor, que está fisicamente se distanciando ou já se encontra

distante e, o espaço de enunciação será alterado.

Karnopp (1994; 1999a) e Quadros (2008) afirmam que a realização dos sinais

em Libras envolve praticamente todo o corpo e descrevem divisões de locações nas

regiões do corpo como: tronco, cabeça, braços e mão, com o acréscimo do espaço

neutro. Estas divisões estão dispostas no quadro abaixo:

Quadro2: Locações da Libras.

Cabeça Tronco Braços Mão Espaço neutro Topo da cabeça Testa Rosto Parte superior do rosto Parte inferior do rosto Orelha Olhos Sobrancelhas Nariz Boca Bochechas Queixo

Pescoço Ombro Busto Estômago Cintura

Braço Antebraço Cotovelo Pulso

Palma Costas das mãos Lado do indicador Lado do dedo mínimo Dedos Ponta dos dedos Dedo mínimo Anular Dedo médio Indicador Polegar

Acima da cabeça Lateral direita Lateral esquerda A frente do corpo

Fonte: Quadros e Karnopp (2005: p.58)

68

Movimento - é um parâmetro complexo que pode envolver uma vasta rede de

formas e direções, desde os movimentos internos da mão, os movimentos do

pulso, os movimentos direcionais no espaço até conjuntos de movimentos no

mesmo sinal. O “movimento que as mãos descrevem no espaço ou sobre o

corpo podem ser em linhas retas, curvas, sinuosas ou circulares em várias

direções e posições”. (FERREIRA BRITO, 1995).

Algumas variações no movimento são significativas na gramática da língua de

sinais. Podemos exemplificar esta afirmação com os sinais em Libras de ‘faculdade’

e ‘fevereiro’ - mês, que se diferenciam apenas pelo movimento.

Figura 4: Sinais que se opõe ao movimento

Fonte: Scielo (2014)

A exemplificação mostra que a modificação de qualquer dos parâmetros na

língua de sinais, no caso do exemplo o parâmetro movimento, pode modificar

radicalmente o significado distinto de um sinal. As mudanças do movimento servem

para diferenciar itens lexicais, que são como unidades mínimas de significação, para

traduzir entre línguas, ou para aprender uma nova língua. Segundo Ferreira Brito

(1990) citado por Quadros e Karnopp (2004), o movimento pode estar nas mãos,

pulsos e antebraços e a sua direção pode variar em: unidirecionais; bidirecionais ou

multidirecionais.

Outra classificação e de acordo com a maneira - que descreve a qualidade, a

tensão e a velocidade do movimento; e a frequência - que se refere ao número de

repetições de um movimento. Observe o quadro abaixo para reconhecer todas as

categorias do Movimento:

Faculdade Fevereiro (mês)

69

Quadro 2: Categorias do Parâmetro Movimento

CATEGORIAS DO PARÂMETRO MOVIMENTO NA LÍBRAS TIPO Contorno ou forma geométrica: retilíneo, helicoidal, semicircular, sinuoso, angular, pontual; Interação: alternado, de aproximação, de separação, de inserção, cruzado; Contato: de ligação, de agarrar, de deslizamento, de toque, de esfregar, de riscar, de escovar ou de pincelar; Torcedura do pulso: rotação, com refreamento; Dobramento do pulso: para cima, para baixo; Interno das mãos: abertura, fechamento, curvamento e dobramento (simultâneo/gradativo). DIRECIONALIDADE Direcional: - Unidirecional: para cima, para baixo, para a direita, para a esquerda, para dentro, para fora, para a lateral inferior esquerda, para a lateral inferior direita, para a lateral superior esquerda, para a lateral superior direita, para específico ponto referencial; - Bidirecional: para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, para dentro e para fora, para laterais opostas – superior direita e inferior esquerda. - Multidirecional: circular e semicircular, podendo agregar dois movimentos simultaneamente (semicircular/ retilíneo, circular/bidirecional, etc.). Não-direcional: MANEIRA Qualidade, tensão e velocidade: - contínuo - de retenção - refreado FREQUÊNCIA Repetição: - simples - repetido Fonte: QUADROS e KARNOPP (2004, p. 56).

Estudos posteriores aos realizados por Stokoe acrescentaram mais dois

aspectos às unidades mínimas, considerados também de grande relevância. São

eles: a Orientação da Mão e Expressões não-manuais. O parâmetro orientação da

mão, diz respeito ao direcionamento da palma da mão, que nos estudos iniciais de

Stokoe (1960), não foi considerada como um parâmetro distinto. Por definição,

orientação é a direção para a qual a palma da mão aponta na produção do sinal. A

pesquisadora Ferreira Brito (1995, p. 41), em língua de sinais brasileira, e Marentette

(1995, p. 204), em língua de sinais americana, enumeram seis tipos de orientações

da palma da mão na língua brasileira de sinais: para cima, para baixo, para o corpo,

para frente, para a direita ou para a esquerda.

70

Os componentes não-manuais são elementos de suma importância ao lado

dos parâmetros primários e secundário, pois existe a possibilidade de que as

expressões não-manuais, como expressão facial e movimento de corpo, possam vir

a ser consideradas novos parâmetros devido ao valor na distinção de significado.

Para Quadros, Pizzio e Rezende (2007), as expressões faciais possuem duas

funções distintas nas línguas de sinais: para expressar emoções, assim como nas

línguas faladas, e para marcar estruturas gramaticais específicas, como as

concordâncias e orações relativas, servindo para diferenciar funções linguísticas,

uma característica única das línguas de sinais. As expressões faciais/corporais ou

não-manuais são cruciais para o entendimento real do sinal, servindo para dar a

entonação em língua de sinais.

As expressões não-manuais no nível morfológico estão relacionadas ao grau

de intensidade; possuem função adjetiva, posto que podem ser incorporadas ao

substantivo independente da produção de um adjetivo, conforme exemplo na Figura

5, na qual é exemplificada o grau de intensidade na língua de sinais. Embora estas

sinalizações estejam presas a um determinado sinal, Quadros, Pizzio e Rezende

(2007) não seccionaram sinais para serem exemplificados.

Figura 5: Expressão não-manual do sinal trabalhar quanto ao grau de intensidade.

Fonte: Scielo (2014)

As expressões não-manuais que constituem componentes lexicais marcam

referência específica, referência pronominal, partícula negativa, advérbio e grau

(Figura 5) ou aspecto. Ferreira Brito e Langevin (1995) expressam um quadro

representativo com as principais expressões não-manuais conhecidas.

NORMAL MAIS INTENSO MAIS INTENSIDADE QUE O

NORMAL

71

Quadro 3: Expressões não-manuais da Libras

Rosto

Parte superior

• sobrancelhas franzidas

• olhos arregalados

• lance de olhos

• sobrancelhas levantadas

Parte Inferior

• bochechas infladas

• bochechas contraídas

• lábios contraídos e projetados e sobrancelhas franzidas

• correr da língua contra a parte inferior interna da bochecha

• apenas bochecha inflada

• contração do lábio superior

• franzir nariz

Cabeça

• balanceamento para frente e para trás (sim)

• balanceamento para os lados (não)

• inclinação para frente

• inclinação para o lado

• inclinação para trás

Rosto e cabeça

• cabeça projetada para frente, olhos levemente cerrados, sobrancelhas franzidas;

• cabeça projetada para trás e olhos arregalados.

Tronco

• para frente

• para trás

• balanceamento alternado dos ombros

• balanceamento simultâneo dos ombros

• balanceamento de um único ombro

Fonte: Ferreira Brito e Langevin (1995)

A Língua Brasileira de Sinais é organizada espacialmente e tem uma

estrutura gramatical tão complexa quanto às línguas orais. Para Quadros e Karnopp

(2004, p.127), é um desafio que apresenta inúmeras dificuldades para linguistas

analisar alguns aspectos da sintaxe de uma língua de sinais, por não conseguirem

visualizar um sistema visuoespacial, e sim oral-auditivo. A organização espacial da

Libras apresenta possibilidades de estabelecimento de relações gramaticais

espaciais em variadas formas, como também o estabelecimento nominal e o uso do

72

sistema pronominal que são essenciais para as relações sintáticas. De acordo com

Quadros (1997, p. 127) qualquer enunciação em língua de sinais apresentada no

discurso, demanda o estabelecimento de uma locação no espaço de sinalização,

observando várias restrições, que podem ser dados por meio de indicação ostensiva

(o ato de apontar em relação aos pronomes).

As enunciações em línguas de sinais podem ser reconhecidas por meio de

transcrições na língua portuguesa escrita. A Libra por ser uma língua visuoespacial

não possui oralidade, nem tampouco uma escrita. A escrita que é utilizada em

alguns países como os Estados Unidos recebe o nome de Sign Writing. Esta forma

de escrita foi desenvolvida em 1974 pela dançarina Valerie Sutton. Este sistema de

escrita de línguas sinais expressa os movimentos, as forma das mãos, as marcas

não-manuais e os pontos de articulação.

Figura 6: O alfabeto em Sign Writing.

Fonte: ProjetoFreedom2talk (2014)

Este sistema de escrita não é muito difundido no Brasil, restando como tipos

de reprodução da língua de sinais, o registro de imagem (vídeo). Sendo assim, para

transcrever a Libras utiliza-se um sistema de transcrição, que é usado por

professores, tradutores e pesquisadores baseado numa forma de Glosa21 com

palavras da língua portuguesa para representar aproximadamente enunciados da

Libras. Para esta transcrição existem várias convenções, mas apresentaremos

algumas das convenções trabalhadas por Felipe e Monteiro (2001), pois serão as

que utilizaremos nas transcrições das análises desta pesquisa:

21 O termo Glosa neste contexto será entendido como uma palavra que representa uma tradução aproximada do significado de outra.

73

Os sinais em Libras serão representados por uma glosa (sistema de

anotação) da Língua Portuguesa em letras maiúsculas.

Exemplos: ESTUDAR, ANDAR, TER.

O alfabeto manual não possui um sinal, as configurações soletradas no

datilológico serão apresentadas pela palavra separada por hífen, letra por

letra.

Exemplos: M-A-R-I-S-A; HOTEL P-A-R-A-Í-S-O.

Em Libras não há desinências para gênero (masculino e feminino). O sinal,

representado por palavra da língua portuguesa que possui marcas de gênero,

está terminado com o símbolo @ para reforçar a ideia de ausência e não

haver confusão.

Exemplos: EL@ (ela, ele), AMIG@S (amigos ou amigas).

Após esta apresentação resumida da língua de sinais é correto afirmar a

discrepância que existe entre a língua portuguesa e a língua de sinais, mesmo nesta

breve exposição. Neste sentido, queremos que o leitor entenda que as duas

estruturas linguísticas não se confundem, por mais que existam estruturas

semelhantes.

4.2. Linguagem de Sinais, Linguagem Natural e Linguagem Matemática: uma

mistura possível.

A Língua de Sinais se assemelha à Língua Portuguesa em vários aspectos e

se diferencia em tantos outros, porém alguns aspectos se sobressaem no contraste

entre as duas modalidades, visuogestual e oral-auditiva; entre eles, temos a

iconicidade e a arbitrariedade do signo linguístico, conceitos que se estabelecem, na

constituição do signo linguístico. Nas línguas de sinais, muitos sinais são definidos

iconicamente, tornando-se uma característica das linguagens gestuais, o que não

ocorre nas línguas orais, pela natureza do canal em que as duas modalidades

linguísticas acontecem, visuogestual e oral-auditivo. Strobel e Fernandes (1998: p.

7) trazem este conceito de iconicidade como:

SINAIS ICÔNICOS - Uma foto é icônica porque reproduz a imagem do referente, isto é, a pessoa ou coisa fotografada. Assim também são alguns

74

sinais da LIBRAS, gestos que fazem alusão à imagem do seu significado. [...] Isso não significa que os sinais icônicos são iguais em todas as línguas. Cada sociedade capta facetas diferentes do mesmo referente, representadas através de seus próprios sinais, convencionalmente [...].

A articulação das unidades da língua gestual permite uma representação

icônica de traços semânticos do referente, na modalidade oral-auditiva, e a

articulação das unidades da oralidade produzem sequências que não evocam os

traços semânticos do referente, o que explica o caráter imotivado ou arbitrário do

signo linguístico nas línguas orais e nestas, a relação entre o significante (imagem

acústica /fônica) e o significado é arbitrário, isto é, não existe nada na forma do

significante que seja determinado pelas propriedades da substância do conteúdo

(significado). A definição de arbitrariedade, para Strobel e Fernandes (1998: p. 7),

está na definição:

SINAIS ARBITRÁRIOS - São aqueles que não mantêm nenhuma semelhança com o dado da realidade que representam. Uma das propriedades básicas de uma língua é a arbitrariedade existente entre significante e referente. Durante muito tempo afirmou-se que as línguas de sinais não eram línguas por serem icônicas, não representando, portanto, conceitos abstratos. Isto não é verdade, pois em língua de sinais tais conceitos também podem ser representados, em toda sua complexidade.

A arbitrariedade para estes autores se encontra em todas as línguas orais

naturalmente, mas não deixam de existir nas línguas de sinais necessariamente por

sua forma de existência. Outro aspecto relevante na língua de sinais é a

simultaneidade nas categorias linguísticas. De fato, não surpreende que

mecanismos simultâneos sejam produtivos nas línguas de sinais, diferentemente

das línguas orais, em que os mecanismos são primordialmente sequenciais. No

entanto, a codificação do falante em relação ao que está sendo descrito - nas

línguas de sinais, as expressões não-manuais, em sincronia com o movimento

manual, e nas línguas orais, a utilização da entonação e intensidade de voz, em

sincronia com os segmentos fônicos - em particular a distinção entre os tipos frasais:

interrogativo, exclamativo, negativo, imperativo, proporciona uma situação em que a

simultaneidade se manifesta em ambas as modalidades. Ferreira Brito (1995: p. 12)

sugere, em relação a este tema, que essas línguas devem ser analisadas “como

parte do que é central à gramática de uma língua e não apenas enquanto fator

paralinguístico ou periférico”.

Em relação à linguagem Matemática, a iconicidade, a arbitrariedade e a

simultaneidade são atos incomuns em se tratando das construções simbólicas; esta

75

linguagem não possui expressões ou entonações que gerem qualquer uma dessas

características evidentes em línguas orais e gestuais, por se tratar de uma

linguagem e não língua. A Matemática tem suas restrições em sua organização

símbolo – significado. São comuns as situações em que ouvimos expressões como:

“a matemática tem uma linguagem abstrata”, “a linguagem matemática é de difícil

compreensão aos alunos”, “a linguagem matemática é rigorosa”. Reconhecemos a

Matemática como tendo uma linguagem própria, isso não quer dizer que em toda a

sua ‘organização’ tenha estruturas que consigam ser comparadas a similaridades

das línguas existentes.

A linguagem matemática é simbólica e codificada, quando necessário, se

apropria da linguagem natural (língua portuguesa) para que seja compreendida

pelos sujeitos que a utilizam. Na definição de Granger (1974), a relação entre a

língua natural e a Matemática ocorre por meio da função que cada um exerce em

nosso cotidiano. Todo matemático utiliza a linguagem matemática em cooperação

mútua com sua língua natural, dotando os símbolos de significados, porém esta

combinação também pode trazer algumas dificuldades ao aprendizado de

Matemática. Essas dificuldades que se evidenciam, em vários estudos, encontram-

se localizadas na compreensão dessas linguagens (matemática e de sinais)

traduzida para a linguagem natural (portuguesa), na modalidade oral - o professor

pronuncia comandos orais relacionados a um conhecimento especifico

matemático22; e na modalidade escrita – quando os alunos relacionam

equivocadamente regras nos comandos diretos e contextualizados de atividades de

cálculo23, podem ocasionar barreiras que comprometam diretamente o

desenvolvimento de competências matemáticas. Lacerda e Silveira (2013: p. 3),

concordando com Granger, comentam que:

A linguagem natural, pelo fato de ser polissêmica, pode provocar ambiguidades de sentido, ou seja, o professor diz uma coisa e o aluno entende outra. No entanto, a linguagem matemática apresenta alguns aspectos que dificultam sua interpretação. Ela é objetiva, rigorosa e lógica, enquanto que o aluno e o professor se expressam de acordo com suas subjetividades.

22 Exemplos: X pertence ao conjunto dos inteiros, tal que X é maior que menos cinco e menor que zero; sete mais oito, é igual a quinze, então coloquem o cinco em baixo e sobe um; a diferença entre um número e seu cubo; etc. 23 Exemplos: – 2 – 3 = + 5 - generalização indiscriminada - menos com menos dá mais; 32 = 6 - generalização indiscriminada – multiplicação da base pelo expoente; etc.

76

Percebemos a partir do que expressam os autores, que ao unir as duas

linguagens podemos clarificar ou obscurecer a compreensão dos alunos em relação

ao ensino de Matemática, pois cada linguagem pode provocar equívocos e

dificuldades e, acrescentando a isto, a fragmentação que ocorre durante o ensino de

cada uma delas, teremos como resultado inúmeros obstáculos no ensino e na

aprendizagem.

Wittgenstein (1979), na obra Investigações Filosóficas, publicada post-

mortem, nos fornece elementos para pensarmos no caráter produtivo da linguagem,

por meio do uso que fazemos das palavras. Para o filósofo, a significação das

palavras está intrinsecamente ligada ao uso que delas fazemos em diferentes

situações e contextos. Assim, não existiria a linguagem, mas simplesmente

linguagens, ou seja, “diferentes usos das expressões linguísticas em diferentes

jogos de linguagem” (CONDÉ, 1998: p.92). Desta forma, as expressões linguísticas

compõem um fenômeno social e, como tal, compreende as comunidades

linguísticas, no caso da comunidade surda que tem uma linguagem especifica e

apresenta diferentes recursos expressivos.

Quadros (1995, p. 1) ressalta que “os sinais, em si mesmos, normalmente não

expressam o significado completo do discurso. Este significado é determinado por

aspectos que envolvem a interação dos elementos expressivos da linguagem”, e os

“surdos utilizam a expressão facial e corporal para omitir, enfatizar, negar, afirmar,

questionar, salientar, desconfiar e assim por diante”, proporcionando uma

interpretação/tradução tão complexa quanto a língua portuguesa e a linguagem

matemática.

A afirmação da língua de sinais como primeira Língua dos surdos, para

Fernandes (1990), leva-nos a refletir no cotidiano de aprendizagem em sala de aula,

no uso da língua portuguesa em sua modalidade escrita, que se pauta no

desempenho ortográfico do aluno. Santos & Navas (2002) comentam neste sentido

que a escrita não é uma ciência exata, mas um registro do conhecimento humano

que é visualizado.

Os autores que corroboram com este pensar se direcionam à ideia de

letramento para o surdo. Um desses autores é Skliar (2002), que diz ser necessário

se deixar atravessar por outras línguas sem querer impor antes a sua, avaliando o

77

papel da escrita da língua de sinais como de suma importância para o

desenvolvimento do surdo, defendendo para isso o uso da Sign Writing, como uma

modalidade linguística que tem existência, e ao negá-la, está se negando a

possibilidade real de registro, elaboração e reelaboração de acontecimentos vividos

em suas comunidades a partir de sua identidade. Em complemento a esta ideia,

Lodi, Harrison & Campos (2002, p. 39) salientam que “o que pode ser dito em

LIBRAS em nada se relaciona como o processo de escritura em português”, que

devemos “centrar o ensino apenas no aspecto gramatical não basta para formação

de sujeitos letrados, pois o acesso à escrita só será pleno quando ela for tratada e

concebida como prática social de linguagem, cultural, social, histórica e

ideologicamente determinada” (Lodi; Harrison; Teske, 2003: p. 44).

A autora surda Stumpf (2002, p. 63) defende com veemência esta questão ao

afirmar que “a escrita de sinais está para nós, surdos, como uma habilidade que

pode nos dar muito poder e construção e desenvolvimento de nossa cultura”,

permitindo escolhas e participação na sociedade, na qual ainda “temos ficado à

margem, sem poder nos apropriar dessa representação”, pois durante toda a

civilização ocidental, nunca tivemos uma escrita própria, tendo que viver na

dependência da escrita e leitura de outras línguas, que não nos compreendem. A

autora complementa dizendo: “Nós surdos precisamos de uma escrita que

represente os sinais visuais-espaciais com os quais nos comunicamos, não

podemos aprender bem uma escrita que reproduz os sons que não conseguimos

ouvir”.

As dificuldades do aluno surdo na escrita e leitura da língua portuguesa se

refletem também no ensino de outras áreas de conhecimento como a Matemática.

De um modo geral, tal lacuna no aprendizado matemático pode implicar em

equivocadas interpretações de enunciados. Desta forma, para que exista um

intercâmbio linguístico – língua portuguesa, língua de sinais e linguagem matemática

– necessitamos garantir o mínimo de condições para este alunado, neste caso, o

uso de sua língua materna (Libras) e um (a) intérprete para cada área específica de

conhecimento, pois assim ele, o surdo, terá componentes que possam elucidar, ou

mesmo melhorar a compreensão do que está sendo ensinado nas atividades

desenvolvidas em sala de aula, e na tradução e interpretação de seus significados.

78

V – UM MUNDO DE DESCOBERTAS

5.1. Primeiras descobertas

A presente pesquisa teria um período estipulado de oito meses, com

possíveis alterações, iniciando no primeiro semestre de 2013. Os alunos nos eram

familiares, pois havíamos iniciado uma prévia no ano anterior, 2012 (setembro,

outubro e novembro), no qual eles se encontravam finalizando as atividades do 2º

ano do Ensino Médio. O grupo de surdos, da turma em questão, era composto de

sete alunos que foram acompanhados durante este primeiro período, porém um

deles foi remanejado para outra instituição e outro ficou retido no 2º ano, com um

saldo de aprovados de cinco alunos que fizeram parte do estudo. Houve também

modificações com os alunos ouvintes em função de saídas, reprovações e

permanência, e também mudanças de professor, que não era o mesmo que se

encontrava na turma composta para o trabalho.

Com o conhecimento prévio sobre os alunos, foi fácil nos aproximarmos

novamente, e durante as observações seguintes pudemos verificar melhor as

características de organização e seleção/recrutamento dos alunos surdos, em

relação aos alunos ouvintes, já comentados anteriormente (p. 29). Este

recrutamento será considerado, pela pesquisadora, como uma preparação prévia,

um hábito, um uso, para futuros jogos de linguagem matemáticos, ou seja,

particularidades na forma de vida do sujeito surdo, que preveem comportamentos

prematuros dos alunos ouvintes, ou neste caso, organizações preliminares, do que

chamaremos de “regras particulares” como uma preparação prévia para futuros

jogos de linguagem matemática, entre alunos surdos e alunos ouvintes. Estas

organizações preliminares derivam do grupo de surdos, escolhidos para a pesquisa,

e estão dispostas, nas falas dos alunos surdos obtidas de conversa informal em sala

e expostas a seguir:

A Seleção – Os alunos surdos promovem uma seleção, ou recrutamento

de alunos ouvintes para constituir seu círculo de amizades. Esse recrutar é

“premeditado” pelos alunos surdos. Eles observam e escolhem os

candidatos que têm facilidade e habilidade na disciplina Matemática;

79

Pesquisadora: Por que só as alunas C1 e C2 sentam ao seu lado?

Aluna C–EL@S24-DUAL (apontando para C1 e C2) SENTAR PERTO / AMIG@

AGORA / EL@S-DUALSABER MATEMÁTICA /INTELIGENTE.

Tradução - [Elas (apontando para C1 e C2) agora são minhas amigas e sentam perto

de mim. Elas são inteligentes porque sabem Matemática.]

A Adaptação - Após o recrutamento os alunos ouvintes passam por um

período de adaptação onde o aluno surdo lhe ensina termos matemáticos

na língua de sinais, que serão aproveitados em diversos momentos

futuros. Este ensino da língua de sinais é fragmentado, pois somente terá

como função a colaboração no ensino disciplinar;

Pesquisadora: Por que você está ensinando sinais matemáticos para o aluno B?

Aluno E– EL@ (B2) APRENDER SINAL MATEMÁTICA / FUTURO AULA / EL@

ENSINAR MATEMÁTICA EU USAR SINAL.

Tradução - [Ele (aponta para o aluno B2) aprende o sinal matemático (na língua de

sinais) e em uma aula futura, ele me ensina Matemática com o sinal que eu

ensinei.].

A Reserva - O aluno surdo tem uma variação na quantidade de colegas

ouvintes recrutados, pois se um jogador for descartado por algum motivo

interno ou externo à sala de aula – exemplos: faltas constantes,

desavenças entre o grupo etc. – ele deve ter outro jogador como reserva.

Pesquisadora: Por que ela não é sua amiga?

Aluna A – ELA (G) AMIGA-NÃO / FALTAR – MUITO / BRIGAR-EU.

Tradução - [Ela não é mais minha amiga, porque falta muito e discutiu/brigou

comigo].

A aluna G, se tornou uma ex-amiga, deixando de fazer parte da pesquisa,

pois foi eliminada da reserva.

24 Página 74

80

A Apropriação amiga – O aluno surdo, do grupo, que tem dificuldades de

comunicação com os alunos ouvintes se apropria das informações, a partir

de seus próprios pares. Esta apropriação das informações,

conhecimentos, tem aprovação prévia dos componentes do grupo de

surdos.

Pesquisadora: Por que o aluno D não conversa com os alunos ouvintes?

Aluna E – ELE FALAR-NÃO / LIBRAS SÓ / SABER-NÃO PORTUGUÊS / NÓS-

GRUPO / AJUDAR SEMPRE.

Tradução - [Ele (aluno D) não sabe falar (oralizar) e não sabe língua portuguesa.

Ele só sabe Libras. Nós o ajudamos sempre.]

Wittgenstein (1979), em Investigações Filosóficas, se empenhou em mostrar

que o significado das palavras tem relação com o seu uso em um determinado

contexto. Em se tratando dos alunos surdos, com as quais demonstramos - a

seleção de seus pares para os futuros jogos de linguagem, uma forma de vida, uma

organização das condições preliminares, uma preparação prévia do contexto – aula

de matemática - a se realizar em sala de aula. Contexto que, para o filósofo, é onde

o uso que se faz das palavras (sinais) é fundamental para sua significação. Não

basta termos a definição da palavra relacionando à imagem mental (objeto); para

significá-la, é preciso igualmente elucidar os usos possíveis de tal palavra, no

contexto, uma vez que a linguagem tem função prática na vida do ser humano.

Nesta situação, parece-nos que os surdos estão preparando as cenas para

um espetáculo, produzindo suas falas e arrumando seus cenários, que seus

contextos hipoteticamente já existem e suas palavras já foram elucidadas, só

restando o início dos jogos. A possibilidade de agir de acordo com regras é

previamente organizada, caracterizando que o jogador reconhece e compreende o

jogo. Compreender torna-se, então, a expressão de ter capacidade, ter uma técnica

que nada requer além de seu próprio desempenho, consequentemente, o que

compreende as regras do jogo deve ser capaz de esclarecê-las. E os

esclarecimentos podem ser fornecidos por meio de exemplos, definições, atitudes ou

ações (Wittgenstein, 1979). Aquele que participa do jogo segue suas regras e, neste

caso, seu desempenho é a expressão de seu saber. Não há paradigma ideal para

81

nossas elucidações ou para o próprio uso de regras. A diversidade das regras se

estende até onde pode ser estendida a nossa prática da linguagem.

Os conceitos considerados nessa organização prévia do cenário do jogo de

linguagem comprova a existência de um futuro jogo, que poderá ter ‘regras

particulares’ se tornando também ‘particular’. Wittgenstein (1979, § 199) sugere que

seguir regra é uma prática, um costume, um hábito, ponderando ao expor que “não é

possível um único homem ter seguido uma regra uma única vez”, não é possível

também “uma única comunicação ter sido feita, uma única ordem ter sido dada ou

entendida uma única vez etc. - Seguir uma regra, fazer uma comunicação, dar uma

ordem, jogar uma partida de xadrez, são hábitos (usos, instituições)”.

Seria então correto afirmar que os alunos surdos em sua forma de vida, a

partir dos jogos de linguagem, estão construindo usos, rotinas, hábitos, a partir:

De uma práxis diferenciada que, de certa forma, manipula

determinadas regras de jogos de linguagem;

De que a compreensão das regras de linguagem para os surdos, em

relação aos ouvintes, é atribuída àquele cujo desempenho se adapta

ao contexto estabelecido;

Do agir, premeditadamente, ser um critério do qual o surdo se apropria

para chegar a usos corretos de algumas regras de jogos de linguagem;

Do jogador surdo, compreender determinadas regras de uso de uma

expressão antecipadamente, em um determinado contexto/jogo,

podendo ser capaz de elucidá-las.

Em nossa compreensão, é viável e proveitoso o entendimento dos jogos de

linguagem entre surdos e ouvintes, que consideramos particulares, após a

compreensão de seus critérios de construção.

5.2. Organização das ideias

Os conceitos considerados para este trabalho foram: o Estudo Analítico da

Circunferência (equação reduzida) e Números Complexos.

82

Esta seção traz o entrelaçamento da língua de sinais, língua portuguesa e

linguagem matemática, nos discursos de surdos e ouvintes no ensino de Matemática

a partir dos níveis: i) os jogos de linguagem entre indivíduos surdos e ouvintes

na sala de aula inclusiva; e ii) o uso de regras de linguagem no ensino de

conteúdos matemáticos, apresentados a seguir.

5.3. Níveis de análise dos jogos de linguagem

5.3.1. OS JOGOS DE LINGUAGEM ENTRE SUJEITOS SURDOS E OUVINTES

A partir das interações linguísticas instituídas entre os sujeitos de pesquisa,

procuramos levantar as categorias de análise confrontando os jogos de linguagem

(os jogos que se apresentaram no dialogar entre os falantes da língua de sinais, da

língua portuguesa e da linguagem matemática) na tentativa de verificar suas

contribuições na compreensão e na significação de conceitos matemáticos.

Por certo, as explanações aqui realizadas serão nossas interpretações, a

partir de nossas leituras, observações e reflexões, assim como as nossas, outras

são sempre possíveis. Não pretendemos com as análises esgotar a possibilidade de

que outras interpretações de fenômenos possam surgir, mas sim assinalar as que se

tornaram relevantes para a nossa apreciação.

Os grupos de jogos de linguagem, escolhidos para análise, partiram dos

sujeitos surdos e ouvintes selecionados. Os agrupamentos, aqui organizados, foram

eleitos como nossas categorias de investigação. Tentamos organizá-los de acordo

com as classes de fenômenos levantados, a partir dos jogos de linguagem

registrados.

Os jogos de linguagem foram analisados de acordo com os fragmentos das

aulas de Matemática, sendo apresentados posteriormente com as devidas

discussões. Os fragmentos são referentes a esclarecimentos ou fixação dos

conteúdos matemáticos citados anteriormente e, dentro dessas situações, foram

eleitas as transcrições que podem ilustrar os jogos de linguagem considerados

‘particulares’.

83

Gostaríamos neste momento de esclarecer que todas as falas que aparecem

neste estudo, referentes aos sujeitos de pesquisas, são de responsabilidades dos

próprios sujeitos, ou seja, foram transcritas na íntegra, não sendo modificadas. Em

relação às transcrições dos alunos surdos foram feitas com as estruturações a partir

da gramaticidade da língua de sinais, com sua tradução específica na língua

portuguesa. Quanto à intérprete e os alunos ouvintes quando falam em língua de

sinais, não foi feita a mesma tradução dos alunos surdos, por entendermos que se

eles falam em língua portuguesa não haveria a necessidade de duas traduções para

chegar novamente à língua portuguesa. Também queremos deixar claro, que os

conhecimentos matemáticos corretos ou equivocados do professor, expressos aqui,

provem de sua formação e/ou estudos próprios, não havendo nenhuma interferência

da pesquisadora.

a) O surdo, o professor (P) e a intérprete (I) - “o ver, o interpretar e o

compreender”.

Nesta categoria, o jogo de linguagem se estabeleceu na construção das

regras pelos alunos surdos, a partir do jogo de linguagem matemático apresentado

por (P) e sinalizado por (I), ou seja, a linguagem matemática e a língua de sinais em

consonância. Neste caso, os jogos de linguagem em língua de sinais entre alunos

surdos e a intérprete são marcados pela mistura da língua portuguesa com a

linguagem matemática. A representação da linguagem matemática, não apenas na

oralidade, mas na modalidade escrita da língua portuguesa e na língua de sinais, foi

intermediada pela intérprete em uma posição de fronteira no reconhecimento desta

relação linguística.

A posição “privilegiada” da intérprete vem da condição de ser ouvinte,

graduada em Matemática e intérprete de Libras, de poder transitar nas três áreas de

abrangência deste jogo linguístico. Porém, este privilégio veio com uma carga

extensa de responsabilidades, pois a tradução e a interpretação desta relação

linguística traziam dificuldades citadas pela intérprete, durante entrevista informal,

registrada em áudio, que são:

84

(I) – Posso dizer a você que a posição em que me encontro em alguns momentos

me deixa mais angustiada do que feliz, não que eu esteja me queixando,

mas.......sabe, as pessoas esperam tanto.....os alunos surdos esperam que eu

interprete “tudo” e que por isso eles vão entender “tudo” (a professora fez as duas

palavras tudo colocando aspas com os dedos)........o professor acha que como sou

formada em Matemática eu vou conseguir passar tudo também, e ainda mais como

sou ouvinte vou conseguir dar conta de fazer com que todos os alunos aprendam

tudo.

Neste momento a professora passa a mão na cabeça com aparência de

cansada e continua:

(I) – Eles (alunos surdos, alunos ouvintes e o professor) não conseguem enxergar as

dificuldades que estão aqui (aponta para a escola e para a sala)......o tempo todo,

como o fato de eu ter inicialmente que entender e substituir todos os sinais

matemáticos dados pela intérprete anterior, isso leva tempo e os surdos se

aborrecem e não querem mais continuar mudando, mas eu digo que os sinais

convencionados por mim irão ficar por todo o ano, tudo bem que, às vezes, acabo

adotando alguns sinais que a outra intérprete deu para não irritá-los, mas alguns

sinais matemáticos que eles me mostram, vamos combinar, fico me perguntando de

que buraco será que saiu, e se realmente a intérprete tem competência no que faz.

Outra coisa é que na língua portuguesa tem palavras com vários significados e

alguns desses significados (polissemia) serem extremamente abstratos e de difícil

interpretação na língua de sinais.

Percebemos na fala da intérprete a angústia de ter que dar conta das

necessidades de manter os jogos de linguagem entre todos os participantes. Mesmo

sendo uma das atribuições do intérprete “efetuar comunicação entre surdos e

ouvintes [...] por meio da Libras para a língua oral e vice-versa” uma das atribuições

do tradutor e intérprete, no exercício de suas competências, como está expresso no

Art. 6o da lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010 que regulamenta a profissão de

tradutor e intérprete da Libras. Também era inegável a insatisfação da intérprete ao

falar de sua antecessora em relação aos sinais matemáticos utilizados pelos alunos

surdos.

85

As falas seguintes da intérprete se reportam a questão da diferença

polissêmica da língua de sinais e da língua portuguesa, diferenças essas que

dificultam o seu trabalho tanto com a interpretação da língua de sinais para a língua

portuguesa quanto destas para a linguagem matemática, tendo que fazer as

interpretações do sentido das línguas e linguagem pelo uso adequado ao contexto,

ou seja, ter cuidado com as impossibilidades das traduções literais.

(I) - Sabe?......na língua de sinais tem também isso (se referindo à polissemia), mas

é diferente.......vou te dar um exemplo; o sinal de laranja, é o mesmo sinal de sábado

e da cor alaranjado.......o sinal é igual em tudo, mas tem três significados diferentes,

outro exemplo é o sinal de irmão e igual, também é o mesmo em tudo, mas a

diferença é que reconhecemos imediatamente o contexto em que são

falados.........como posso dizer pra você que vou viajar no alaranjado ou na laranja

(risos) ficaria sem sentido.....não é?.....você me entendeu?

- Ou como vou dizer a camisa dela é irmão da minha, claro que não.......ela é

igual.....oras....não é? Esse reconhecimento imediato na língua de sinais do

significado não ocorre na língua portuguesa e pior interfere na tradução da

linguagem matemática.......como por exemplo, quando eu fui fazer a interpretação

sobre as casas decimais.......fiz a interpretação da exposição do professor e o aluno

disse que compreendeu, eu fiquei feliz.....e tal.....mas quando foi para resolver o

exercício o professor falou pula uma casa.....e eu interpretei casa........aí o aluno

surdo me olhou....fez uma expressão de dúvida e perguntou que casa? Eu tenho

que pular uma casa? Quem tem que pular a casa? O número?.......caramba me senti

idiota naquele momento, ou seja, não é tudo que pode ser traduzido literalmente na

língua de sinais, não é tudo que tem tradução.

- Na realidade, a diferença de significado de palavras ou sinais nas línguas

(polissemia) e a falta de tradução de determinados conceitos, significados, sentidos,

trazem inúmeras dificuldades, no fim das contas, às vezes tenho que ouvir,

ressignificar mentalmente e traduzir as coisas, tanto da língua portuguesa para a

língua de sinais, como também da linguagem matemática para a língua de sinais,

mas vou ser sincera: o mais complicado é fazer a tradução da linguagem

matemática para a língua portuguesa e daí para a língua de sinais. Nesses

86

momentos, eu tenho que redobrar os meus cuidados para não assassinar nenhuma

das línguas e nem a Matemática, como o povo está acostumado a dizer. (risos)

Esta fala da profissional nos deixou atentas no sentido de como se dariam os

jogos de linguagem a partir desses entendimentos, o que procurar nos jogos? Como

saber se os alunos estavam aprendendo os conteúdos ensinados? Mas a professora

pediu desculpas pelo desabafo e procurou nos tranquilizar com as seguintes falas:

(I) – Você deve estar pensando, que eles não aprendem então. Mas eles são, às

vezes, mais inteligentes e rápidos no aprendizado do que os ouvintes. Tudo se

resume no “quem” interpreta e no “como” é feita essa interpretação. Não tô dizendo

que sou a banbanban na arte de interpretar, mas que eu com os anos fui

aprendendo a lidar com o surdo, a entender e pensar como ele.......acredita que eu

até sonho falando em Libras (risos)........eu testei formas e métodos de ensinar.

Observei, aprendi e agora consigo fazer uma interpretação que leve o aluno surdo a

exercitar o pensamento, interpretar as ações e aprender o que eu falo, em sinais, é

claro. Isso a gente não aprende de um dia pro outro, como a maioria das pessoas

pensa; é preciso anos de convivência com as comunidades surdas, com os surdos.

Ao finalizar sua fala, a intérprete, me olhou e disse: “vai começar minha

alegria”, os alunos e o professor entraram na sala. Este jogo que iria começar tinha

uma nova expectativa, a intérprete amava o que fazia e isso se refletia nos jogos em

que ela participava.

Na fala abaixo, (P) apresenta, por meio de atividade matemática do apostilado

produzido, a fixação do conteúdo ‘Equação da Circunferência’ em sua forma

reduzida, a qual o aluno deveria recordar os passos do cálculo apresentado em uma

aula anterior, para conseguir chegar à solução da questão.

1) Verifique a posição do ponto P em relação à circunferência (x + 1)2 + (y -

2)2 = 13, nos seguintes casos:

a) P1 (3, 3)

b) P2 (1, -3).

(P) – Repete a equação da circunferência [(x - a)2 + (y - b)2 = R2........coloca bem

aqui....ó] (gesto ostensivo para o quadro).

87

A língua portuguesa escrita, durante este momento teve a contribuição, do

gesto ostensivo de (P), o ato do professor em apontar para o quadro com a intenção

de apresentar algo, neste caso, a linguagem matemática.

- Vocês estão prestando atenção? (expressão não-manual – cenho

franzido).....agora resolve por comparação....assim... Primeiro vocês ‘vão’ comparar

o debaixo com o de cima....

(x - a)2 + (y - b)2 = R2

(x + 1)2 + (y - 2)2 = 1

Então - a = + 1......colocar o -1....aqui (gesto ostensivo).

Para (P), o gesto ostensivo bastava como uma afirmação de cada passo dado

que acompanhava sua explicação, como se este transmitisse toda a gama de

informações imbricadas no uso das regras matemáticas, ou seja, oralidade em

consonância com o gesto. E (I) ao iniciar a interpretação da fala de (P) foi

interrompida pela aluna E.

Aluna E - ESPERAR / ENTENDER.

Tradução - [Espere, estou entendendo].

(I)25 - Você não quer que eu faça a interpretação?

Aluna E - PRECISAR-NÃO / ENTENDER PROFESSOR.

Tradução - [Não precisa, eu entendendo o professor].

(Pesquisadora) - Você já conhece o assunto?

Aluna E – VER SEMANA-PASSADO....(I) ENSINAR / LEMBRAR-EU > (I) SABER

(intensidade) / ENSINAR ÓTIMO / SURDOS TODOS ENTENDER > TAMBÉM

LEMBRAR-EU / ANO-PASSADO POUCO / O-QUE LEMBRAR-NÃO (I) ENSINAR.

25 As falas da intérprete (I) e dos alunos ouvintes com os alunos surdos em língua de sinais serão transcritas diretamente para a língua portuguesa, por acharmos que não há a necessidade de duas traduções.

88

Tradução – [Vi semana passada, (I) me ensinou. Eu lembrei. (I) saber muito, ela é

ótima para ensinar, todos os surdos a entendem. Eu também lembrei um pouco do

ano passado, e o que eu não lembro, (I) me ensina].

Esta aluna, como foi citada anteriormente, é repetente nesta série por ter

parado de frequentar as aulas por motivo de doença, mas demonstra manter um

conhecimento matemático apreendido no ano anterior. A aluna, em questão, teve

aulas com outro professor de Matemática e ajuda de outra intérprete neste período,

mas não deixou de exaltar a competência da intérprete.

Quanto à participação da Aluna E, no jogo de linguagem, com apoio nas

ideias de Wittgenstein, podemos afirmar que esta aluna compreende o significado

das palavras de (P), pois se mostra capaz de agir de acordo com a regra explicada

por (I). Quando se ensina o significado de uma palavra ou sinal não se ensina uma

essência correspondente a isso, mas sim, o modo como pode ser aplicado. Essa

aplicação depende de uma série de critérios que são determinados pelo jogo de

linguagem que se está a jogar. Portanto, o significado do jogo em questão será

determinado pelas regras que condicionam este agir, as quais estão

convencionalmente ligadas ao contexto, linguístico e extralinguístico, de

comunicação.

A Aluna E observava a explicação de (P) com atenção, e parece

compreender, reconhecer, alguns símbolos matemáticos escritos no quadro,

referentes à questão. Durante a comparação entre as equações, é perceptível a

dúvida no semblante da aluna, como se ela não tivesse entendido a ação, mas logo

que (P) começa a atribuição dos valores, a aluna olha para (I), aponta para o quadro

e balança a cabeça afirmativamente, dando sinal de compreensão do que estava

acontecendo. (P) percebendo o sinal da aluna para (I), também continua sua

explanação. Essa atitude da aluna E só parava quando ela não conseguia

reconhecer o que estava acontecendo, nem pela leitura labial e nem pela escrita

matemática no quadro, pedindo imediatamente a interferência de (I).

Uma parte da compreensão do jogo, pela aluna, ocorre a partir do que ficou

retido na memória, do lembrar, do já ter feito, exercitado, como se efetuava o

cálculo, a partir da similaridade entre operação e atividades. O treinar fornece essa

compreensão e distinção das etapas do cálculo, o que favoreceu a aprendizagem

89

matemática da aluna. Wittgenstein (1979) chama atenção para a importância do

treino no aprendizado de uma linguagem. Este autor comenta a existência de um

terreno preparatório que não pode ser ignorado, que é o ato de treinar. Sem o treino

não há o que explicar, e nem como produzir os significados.

O jogo continua entre os alunos surdos:

Aluno B – FALAR ELE, QUE?

Tradução – [O que ele está falando?]

Aluna A – SILÊNCIO! / VOCÊ ENTENDER-NÃO / VER!? / FÁCIL!? / LEMBRAR-

PASSADO AULA/ (I) ENSINAR.

Tradução – [Silêncio! Você não entendeu? Veja!? É fácil!? Lembra da aula passada,

(I) nos ensinou].

Aluna C – SIM / LEMBRAR-EU / MAS TER PRESTAR-ATENÇÃO, POR QUE

LEMBRAR-NÃO TUDO.

Tradução – [Sim, eu lembro, mas não de tudo, por isso tenho que prestar atenção]

A aluna A consegue compreender o jogo que estava acontecendo por já ter

sido instruída em outro momento, pela intérprete. A aluna C também entende uma

parte do jogo, mas reconhece a necessidade de dar atenção para as regras que lhe

faltavam. Neste sentido, Silveira (2008: p. 94) afirma que o “cálculo, a gramática e os

jogos de linguagem”, obedecem a regras e o “sentido das palavras utilizadas em tais

regras está no uso e também na maneira como esse uso se entrelaça com a nossa

vida”.

(P) - Então nós vamos ter: a = - 1. Assim como o x.....e o - b = - 2, multiplica por -

1......(aponta ostensivamente para o quadro e depois escreve) b = 2 .......e o raio ao

quadrado é igual a 13. Então o centro aqui equivale a -1 e 2 e o raio vale a raiz

quadrada de 13......Bom! Achamos o centro do raio.

O professor (P) continua a apresentação da resolução do quesito: a), em um

passo a passo explicativo entre: o falar e apontar para o quadro; e o falar olhando

para os alunos, não dando importância ao fato de ter em sala alunos surdos, pois

tinha consciência da presença da intérprete próximo a eles. Porém, os alunos surdos

90

não conseguiam fazer uma leitura labial completa, por causa desta postura do

profissional, passando a se basear nos jogos de linguagem tidos em aulas anteriores

com (I), sobre o conteúdo.

No caso do aluno B, em relação à explicação apresentada, foi diferenciada

dos seus colegas, necessitando de uma nova organização e reconhecimento de

regras do jogo.

Aluno B – LEMBRAR-NÃO / SABER-NÃO.

Tradução – [Não lembro. Não sei].

Aluno A – VC / TER PARAR BRINCAR / PESTAR-ATENÇÃO SEMPRE

Tradução – [Você tem que parar de brincar e prestar sempre atenção].

Nesse ínterim ocorre a interferência de (I)

(I) – Preste atenção (fala para a Aluna A), eu explico para ele.

– (apontando para (P)) Ele está apenas colocando valores nesta equação (aponta

para o caderno a operação (x - a)2 + (y - b)2 = R2). Vamos trocar – a = 1 e – b = - 2,

mas o a e o b não podem ser menos (negativo) ..........lembra? Tem que ser mais

(positivo).

Aluno B – VERDADE

Tradução – [Verdade].

(I) – Então, o que nós fazemos?

Aluno B – SABER-NÃO

Tradução – [Não sei].

(I) – Multiplicamos por (- 1), assim os valores continuam igual26, mas os sinais

trocam. Lembra-se de fazer isso outras vezes.

Aluno B – SIM / LEMBRAR-EU / AGORA SABER.

26 Nesta explicação a fala da intérprete deveria ser de que a ‘expressão ou igualdade continua verdadeira’, mas acreditamos que ela modificou sua fala para tentar simplificar a sinalização para melhorar a compreensão pelo aluno.

91

Tradução – [Sim, eu lembro. Agora já sei].

(I) – Então como fica a questão com os valores trocados e já com a multiplicação por

- 1.

Aluno B – ESPERAR (escreve no caderno e depois aponta para a questão (x + 1)2

+ (y - 2)2 = 1) / CERTO?

Tradução – [Espera, está certo?].

(I) – Sim. Agora olhe para a do professor, é igual a sua?

Aluno B – SIM / AGORA ENTENDER-EU

Tradução – [Sim. Agora eu entendi].

Continuando a explicação, (P) complementa a resolução da questão:

(P) – O primeiro passo foi feito, achar o centro e o raio. Agora vamos ao segundo

passo, achar a distância do centro a esses pontos aqui....(gesto ostensivo para o

quadro) .

- Agora temos que determinar a distância do ponto ao centro, se é interno ou externo.

- A distância vai ser: √( � − )² + ( � − )² ......A distância do centro da P1 vai ser

esse X aqui (aponta para o quadro), no caso esse X é 3.

Aluno D – (chama (I) e aponta para o professor) ELE CONTINUAR QUESTÃO A?

Tradução – [Ele continua na questão “a”?]

(I) – Sim. Por quê?

Aluno D – PENSAR / RESPOSTA JÁ / ACABAR QUESTÃO.

Tradução – [Pensei que com a resposta, já tinha acabado a questão]

(I) – Não, o professor apenas terminou a primeira etapa da equação.

- Você não entendeu nada?

Aluno D – SIM / VOCÊ ENSINAR PASSADO / MAS / PENSAR ACABAR.

Tradução – [Sim, você ensinou, mas eu pensei que já tinha acabado]

92

(I) – Então, você não entendeu tudo. Preste atenção na questão novamente e me

diga se ela já acabou? Ou se esta faltando fazer alguma coisa?

Aluno D – OK! (o aluno fica um tempo olhando para a questão e finalmente sinaliza)

Tradução – [Ok! ]

(I) – E então a questão já acabou?

Aluno D – NÃO / AGORA PROFESSOR TROCAR LETRA < NÚMERO / DEPOIS

TER RESULTADO.

- EU CONFUNDIR / QUANDO TROCAR-ELE / LETRA < NÚMERO / POR QUE

TER: X, A, Y, B, Xp, Xc, Yp, Yc / MUITA LETRA.

Tradução – [Não, agora o professor troca a letra pelo número e depois terá o

resultado].

- [Eu me confundo quando ele troca, o número pela letra, por que tem x, a, y, b, xp,

xc, yp, yc. Muitas letras].

(I) – Mas ele tem que fazer a troca para poder chegar ao resultado, eu já expliquei

isso para você.

Aluno D – SABER-EU / VOCÊ FAZER DIFERENTE / FÁCIL.

- ELE DIFÍCIL / ENTERDER-NÃO / FALAR / ESCREVER < APONTAR QUADRO /

CONFUNDIR (intensidade).

Tradução – [Eu sei, você faz diferente, é fácil].

- [Ele faz mais difícil, não entendo, ele fala, escreve e aponta o quadro, muito

confuso].

O aluno D não consegue acompanhar o professor, por que não identifica sua

leitura labial completa, além do gesto ostensivo e as expressões não-manuais (facial

e corporal), pois lhe falta uma complementação linguística para reconhecer as

regras de linguagem que estão sendo utilizadas, sua percepção do jogo é

fragmentada. Wittgenstein (1979) salienta que uma regra fragmentada deixa de ser

regra e passa a ser ‘palavra sem sentido’, e apenas o gesto ostensivo não dá

93

suporte para um entendimento geral do que se está comunicando, calculando,

ocasionando resíduos que precisam de esclarecimentos futuros, uma

complementação oral ou escrita. Desta forma o aluno diz que a maneira como a

intérprete explica é mais ‘fácil’, por ele conseguir reconhecer a língua de sinais como

forma comunicativa, conseguindo participar de um jogo que ele distingue, jogo de

língua de sinais, e com este inicia uma compreensão ainda deficitária do jogo de

linguagem matemático.

b) O surdo e a intérprete - “um jogo silencioso”

Nesta organização linguística, os pares têm conhecimento que podem trocar

ideias sobre os hábitos, usos e contextos, contudo, no momento em que um dos

pares não compreende um conceito durante o diálogo, há a necessidade de um dos

jogadores ensinar, explicar o significado, naquele contexto. Consequentemente, o

jogo tem que ser reorganizado, devendo mudar imediatamente suas regras. Para

Wittgenstein, se o sujeito está inserido em um jogo de linguagem, para participar

dele, é preciso, então, que este sujeito conheça e compreenda as regras que

existem no jogo. O filósofo afirma que cada jogo de linguagem tem suas regras

específicas e essas regras não estão contidas em um manual ou catálogo, são

aprendidas, simplesmente, jogando-se o jogo. Somente os jogadores de um

determinado jogo são capazes de especificar sua dinâmica interna.

Em nossa compreensão, se as regras são aprendidas ao se jogar o jogo,

então os jogadores podem fazer uso desse conhecimento em contextos

semelhantes, consciente ou inconscientemente. Sabemos que não existe apenas

um jogo a ser jogado, mas vários que podem se complementar, se sobrepor, ou

mesmo se anular, desta forma procuramos outros jogos na sala de aula que

pudessem complementar as nossas análises, para isso iniciamos uma conversa

informal com a intérprete, enquanto os alunos estavam resolvendo as questões do

apostilado utilizado pelo professor, sobre o fato de que todos os surdos do grupo, de

alguma maneira, conseguiam entender as atividades matemáticas que estavam

sendo exercitadas pelo professor.

94

Estes jogos de linguagem, que podemos considerar como isolados, ocorreram

no interagir linguístico de (I) e os alunos surdos, baseado em um compartilhar de

ideias, significados e cooperação. Os atores falam sobre a mesma coisa e usam

regras linguísticas que são compreendidas por todos.

Lacerda (2009) destaca que, para um intérprete ser compreendido, é

essencial que conheça o tema que interpretará, no caso das disciplinas específicas,

que de preferência seja formado na área, mas que também tenha domínio de

técnicas de interpretação e que conheça antecipadamente os termos técnicos que

serão usados, ou seja, ter um contato prévio com o conteúdo que será ministrado.

Neste sentido, Zanúbia Dada (2007), professora surda que atua no ensino de

Matemática em Campo Grande – MS, corrobora com o pensamento de Lacerda, e

acrescenta que os intérpretes, por reconhecerem a falta de sinais na área de

Matemática, usavam sinais convencionados e combinados com seus alunos surdos;

com isso, podem trazer problemas para o intérprete seguinte que atuará com esses

alunos ou com o professor caso seja surdo, pois esses alunos, a partir de cada

intérprete que utilizavam sinais diferentes para um mesmo conteúdo, vão encontrar

dificuldade na aprendizagem.

Vejamos, a seguir, a ilustração deste jogo, com a apresentação de outra

atividade do apostilado do professor (P) sobre a equação reduzida da circunferência.

Nesta atividade da 9ª questão, tem ao todo 30 quesitos, mas o professor selecionou

somente a 14ª para resolver na sala, pois o sinal de saída estava próximo de soar.

9) Exercitar:

14 – Determine a equação reduzida da circunferência de centro C(1, 1) e

que passa pelo ponto P(3, -1):

(P) – Agora todo mundo prestando atenção e vamos relembrar novamente sobre a

equação reduzida da circunferência.

- Vamos iniciar pelo gráfico, pra vocês terem uma visão do que tem que relembrar. Tenho o centro C e o ponto P, a distância de C a P, nada mais é que o raio dcp.

Então dcp = R.

95

Aluno D – ELE FALAR RÁPIDO / ENTENDER-NÃO-EU NADA.

Tradução – [Ele fala rápido, eu não entendi nada].

Aluna A – CALMA / FÁCIL / VOCÊ TER PRESTAR ATENÇÃO / ERRAR-NÃO.

Tradução – [Calma, é fácil. Você tem que prestar atenção, não vai errar].

(I) – Olhe cada etapa do exercício e você vai perceber que é fácil.

(P) – (o professor continua a explicação) Então:

dcp = √ − ² + − ² R = √ − ² + − − ² R = √ ² + ²

R = √

- Vocês entenderam até aí.

- Vamos então para a segunda etapa, como está pedindo a questão. Vamos resolver a equação reduzida da circunferência.

Aluno D – ENTENDER-NÃO NADA.

- ELE ESCREVER (aponta para = √ − ² + − − ²) DEPOIS RESPONDER

(aponta para = √ ² + ²) / SABER-EU 22 = 4 / COMO RESPOSTA QUESTÃO

IGUAL (apontou para √ ).

Tradução – [Não entendi nada].

dcp P

C

x

y

96

- Ele escreveu = √ − ² + − − ² depois respondeu = √ ² + ². Eu sei que

22 = 4, como a resposta da questão é igual √ .

(I) – Calma, vamos devagar. Preste atenção. Primeiro nós substituímos os valores = √ − ² + − ². Xa por 1e Xb por 3, depois troca ya por 1 e yb por -1.

Então fica = √ − ² + − − ². Você entendeu agora?

Aluno D – SIM / DEPOIS?

Tradução – [Sim, e depois?].

(I) – Agora é só resolver, você acha que consegue?.

Aluna D – CALCULAR 1 – 3 = -2 / CERTO? / ESCREVER = √ − ² + − − ². Tradução – [Efetuo 1 – 3 = -2, certo? Escrevo = √ − ² + − − ²]. Aluno B – DEPOIS / FAZER O-QUÊ?

Tradução – [E depois a gente faz o quê?].

(I) – Agora faça o jogo dos sinais entre – (- 1). Você sabe fazer o jogo dos sinais?

Aluno B – SIM / - e - = + / CERTO? / RESPOSTA 1 + 1 = 2 / TAMBÉM.

- AGORA ENTENDER – EU / RESPOSTA= √ ² + ². - / MAS / POR QUÊ? √ / RESPOSTA CERTA = √ + / DEPOIS = √ ACABAR.

Tradução – [Sim, é menos (–) com (–) é igual a (+), certo? Então a resposta é 1 + 1

= 2 também].

- Agora eu entendi a resposta = √ ² + ². - Mas, por que então √ . A resposta certa é = √ + e = √ e acabou.

(I) – Muito bem, é isso mesmo. Agora você tem que pensar, tem raiz quadrada de 8?

Aluno B – NÃO.

97

(I) – Então, agora olhe para a resolução do professor e tente ver o que ele fez para

resolver isso.

Aluno B – OK! (o aluno olhou para o quadro por alguns segundos, depois rabiscou

em seu caderno, então falou)

- ELE COLOCAR 2 FRENTE √ / FICAR 2 DENTRO √ / RESPOSTA IGUAL √ /

CERTO?

Tradução – Ok! Ele colocou o número dois na frente da raiz e o outro ficou dentro

da raiz, e a resposta vai ser igual a √ . Certo?

(I) – Não pode, lembra que você resolveu e deu 8. Como você fez não tem resposta

então. Calma, vamos tentar outra coisa.

- Você tem o 8 como resposta, me diga de que outras maneiras eu posso escrever o

número 8.

Aluno B – OITO (o aluno escreveu no caderno e mostrou para (I)).

Tradução – Oito

(I) – Não com palavra, em forma numérica. Vou dar exemplos: 4 + 4; 5 + 3; 12 – 4; e

9 - 1. Agora mostre outros.

Aluno B – 6 + 2; 7 + 1; 10 – 2.

(I) – Bom! Nós mostramos com adição (mais) e subtração (menos). Agora pense em

uma multiplicação entre dois números que o resultado seja 8.

Aluno B – (o aluno pensou durante, mais ou menos, um minuto e respondeu) 8 x 1.

(I) – Muito bem, pense em outra multiplicação.

Aluno B – (o aluno não pensou muito e respondeu) SABER-NÃO.

Tradução – [Não sei].

(I) – Você tem certeza?

Aluno B – SIM

98

(I) – Se você multiplicar 2 por 4, quanto é o resultado?

Aluno B – (o aluno respondeu imediatamente) 8.

(I) – E 4 x 2, quanto dá?

Aluno B – TAMBÉM 8.

(I) – Então √ pode ser escrita = √ . . Certo?

Aluno B – SIM

(I) – Como é uma multiplicação, nós podemos separar esta raiz em duas √ . Assim √ . √ . Certo?

Aluno B – SIM

(I) – Então o que você faria agora? Olhe para a resposta do professor.

Aluno B – (o aluno olhou, pensou e escreveu no caderno, como ficaria) √ . √ = 2. √ . IGUAL RESPOSTA PROFESSOR / AGORA ENTENDER-EU. OBRIGADO!

Aluno B – (o aluno resolveu a questão e respondeu) [Está igual a do professor.

Agora eu entendi. Obrigado!].

Enquanto (I) ajudava o Aluno B, o professor já havia terminado a questão e o

sinal havia tocado, mas a intérprete não se abalou e continuou a explicar

pacientemente para o aluno o passo a passo da resolução, fazendo isso até o final

da questão. Esta ilustração nos lembra de Glock (1998, p. 226), quando denominou

de prática de ensino, que seria um dos sentidos que Wittgenstein daria a jogo de

linguagem. Para este autor, Wittgenstein explica no sétimo parágrafo de sua obra,

Investigações Filosóficas, os jogos de linguagem, como maneiras de se usar

palavras (signos) mais simples do que as utilizadas na linguagem diária e essas

palavras estariam na sua forma ‘primitiva’ de linguagem, como as que uma criança

começa a utilizar inicialmente. Como exemplo temos: o apontar e nomear da mãe,

um objeto qualquer, para seu filho, tentando levar a criança a relacionar o nome

proferido ao objeto, ou compreender o seu significado e o seu uso (WITTGENSTEIN

, 2000, § 1).

99

O ensino feito por (I) pode ser considerado uma dessas práticas de ensino em

relação ao aluno surdo e, como prática, é importante para o ensino deste aluno, pois

ele ainda se encontra em um vocabulário matemático primitivo. Neste sentido, Glock

(1998) afirma que as práticas de ensino são importantes para Wittgenstein, pelo fato

de que tais práticas mostram traços particulares do uso que fazemos das palavras.

Mesmo se tratando de formas primitivas de linguagem, esses jogos de linguagem

devem ser completos, pois são partes de nossas formas de vida.

c) O surdo e o aluno ouvinte - “negociação de interesse”

Os jogos de linguagem ocorreram na mudança de jogadores e, quando (I) não

se encontrava presente na sala, os alunos ouvintes se tornavam os jogadores,

trazendo outros hábitos, outras formas de vida, para os usos das linguagens. O

aluno ouvinte se apresenta como novo jogador, e o surdo oferece uma negociação

de interesse27 para este colega, ou seja, o ouvinte será instruído na língua de sinais

(sinais matemáticos) com a condição de lhes ensinar os conceitos (regras de

linguagem) matemáticos. Nesse caso, as regras do jogo de linguagem irão se

organizando, sendo apreendidas, a partir do que cada jogador reconhece das

regras: do jogo de língua de sinais, do jogo de língua portuguesa, do jogo de

linguagem matemática e no uso de cada uma no contexto da sala de aula. Neste

jogo de linguagem, o jogador que não estiver familiarizado com a forma de vida dos

componentes do jogo, terá dificuldades em compreender algumas regras.

As terças e quintas são os dias que (I) não atendia a turma, que foi foco da

pesquisa, por trabalhar em outra instituição de ensino, também com a mesma

função de intérprete. Nestes dias, os alunos surdos se veem obrigados, quando

necessário, da colaboração, quanto à relação de interesse com o ouvinte de utilizar

os alunos ouvintes, recrutas, para a interpretação, já comentados anteriormente, que

foram selecionados e alfabetizados pelos alunos surdos. Os dois episódios, a seguir,

ilustram dois momentos relacionados a este jogo de linguagem que se constrói na

sala de aula inclusiva. O primeiro, diz respeito a uma atividade da equação da

circunferência e o segundo de uma atividade de números complexos.

27 Refiro-me com a nomenclatura negociação de interesse, a ação do aluno surdo de ensinar ao ouvinte a língua de sinais, sinais da língua e sinais matemáticos em troca de informações, explicações sobre determinado conteúdo matemático.

100

Os jogos de linguagem entre os alunos surdos e ouvintes aconteciam em

língua de sinais, com a complementação pela leitura labial e língua portuguesa

escrita, porém as falas dos alunos ouvintes foram aqui transcritas diretamente na

tradução da língua portuguesa escrita, pois acreditamos não haver a necessidade de

retraduzir duas vezes essas falas.

O professor (P) escreve no quadro a seguinte questão da 2ª página do

apostilado:

8) Dada uma circunferência de equação 25)4()5( 22 yx , verifique a

posição relativa do ponto P(9, 7) em relação à circunferência dada.

(P) Vou dar a vocês um minuto para resolver esta questão.

Aluno B2 – Hei professor? Tá com graça não é? Eu ainda vô interpretar tudinho

para meu parceiro aqui.....dá um desconto....ele demora a resolver.....que tal dez

minutos?

Aluna E1 – É verdade professor, eles demoram a fazer a questão, porque a gente

tem que explicar desde o início em sinal e eu ainda tô aprendendo, algumas coisas

peço pra Aluna A me ajudar.

(P) – Vamos lá galera. É só substituição. Tá ok! Mas só dez minutos, temos quatro

questões pra resolver e vocês “todos” (apontando também para os alunos surdos) já deveriam saber resolver o exercício. Vamos lá comecem logo.

Aluna A – PROFESSOR FALAR O-QUE? / PARECER RAIVA.

Tradução – [O que o professor falou? Ele parece com raiva]

Aluno B2 – Pra gente ser rápidos. Acabar logo.

Aluna C – ELE GOSTAR-NÃO SURDO.

Tradução – [Ele não gosta de surdo].

Aluna E1 – Gosta sim, ele está mais ou menos estressado. Mas ele é legal.

Aluna A – EU SABER.

Tradução – [Eu sei]

Aluno A1 – Parô......vamos resolver logo a questão que ele tá pedindo.....todos

olhando pra cá (apontando para os surdos).

101

- Devemos calcular a distância entre o ponto P e o centro O e verificar se é interno,

externo ou pertence à circunferência. Vocês lembram como fazer, eu e a Aluna E1,

já ensinamos vocês. Eu não lembro todos os sinais, mas ela (Aluna E1) vai ajudar.

Da equação reduzida da circunferência, temos:

X0 = 5 e y0 = 4 → O(5, 4)

r2 = 25 → r = 5

Aluno D – RESPOSTA JÁ? / ISSO O OU 0?/ ENTENDER-NÃO.

Tradução – [Já é a resposta? Isso aqui é um O ou um 0? Não entendi].

Aluna E1 – Calma. Primeiro você pega a fórmula e troca os números pelas letras.

Esse O é o mesmo que C de centro que o professor sempre coloca. Hoje ele

colocou O.

Aluno A1 – Eu falei, é só trocar: x0 = 5, o y0 = 4 e o r2 = 25. Agora é só resolver.

Aluno B – (R) TER-NÃO TROCAR / APARECER FIM QUESTÃO.

Tradução – [O r não tem para trocar, só aparece no fim da questão]

Aluna E1 – O r é o resultado. Quem você quer achar?

Aluno B – dp,o.

Aluna E1 – Muito bem, mas dp,o é r. dp,o é a distância entre o ponto P e o centro O, lembra?

Aluno D – LEMBRAR-EU / (P) FALAR AULA-PASSADO.

Tradução – [Eu lembrei, (P) falou na aula passada].

Aluna E1 – Assim, como a distância entre o centro O e o ponto P é igual ao

raio.........é só olhar dp,o = r.

Aluno A1 – Ta, ta.......agora vamos resolver. √ − + − = √ + = √ + = √ =

102

- Vocês viram que nós primeiro trocamos os números pelas letras, depois

resolvemos parte por parte da equação. Agora eu pergunto: vocês entenderam?

Aluno D – ENTENDER / AGORA FÁCIL / TODA EQUAÇÃO IGUAL?

Tradução – [Eu entendi, agora é fácil. Todas as equações são iguais?].

Aluna B2 – Não, algumas são fáceis, mas outras são muito difíceis.

Os alunos ouvintes conseguiram produzir um jogo acessível em língua de

sinais para os alunos surdos. Este jogo é consequência das relações sociais e

afetivas entre os sujeitos envolvidos e esta interatividade exercitada cotidianamente

torna as regras de um jogo de linguagem mais acessíveis aos seus jogadores e, o

reconhecimento dos participantes do jogo. Em Wittgenstein, podemos perceber este

jogar com gestos e palavras analogamente quando ele comenta:

Como é curioso: gostaríamos de explicar a nossa compreensão de um gesto através da sua tradução em palavras, e a compreensão das palavras traduzindo-as para um gesto. (Somos assim atirados de um lado para outro, quando tentamos descobrir onde reside realmente a compreensão) E, na realidade, explicaremos as palavras por um gesto e um gesto por palavras. (1989, p. 61)

Estes jogos estão repletos de organizações linguísticas apropriadas ao grupo,

ou seja, uma linguagem semelhante, até certo ponto, “linguagem de jovem”, de

indivíduos com semelhanças de gostos e atitudes, roupas, filmes, namoro etc., que

colaboram na comunicação entre os componentes.

5.3.2. O USO DE REGRAS NO ENSINO DA EQUAÇÃO DA CIRCUNFERÊNCIA E

NÚMEROS COMPLEXOS

a) O conteúdo Equação da circunferência

Esta análise foi pensada tomando por base as regras de linguagem

matemática que se apresentam no ensino do conteúdo Equações da Circunferência

(Equação reduzida), ou seja, no jogo de linguagem entre sujeitos surdos e ouvintes

(aluno surdo, (P), (I) e alunos ouvintes) que estão presentes nas formas de vida de

sala de aula, tendo inicialmente a apresentação do conteúdo por (P);

103

(P) - Circunferência é o conjunto de todos os pontos de um plano equidistante de um

ponto fixo, desse mesmo plano, denominado centro da circunferência:

- Assim, sendo C(a, b) o centro.........o ponto de caneta vermelha no meio da

circunferência.....dá pra ver?....... e P(x, y) um ponto qualquer da circunferência, a

distância de C a P(dCP) é o raio dessa circunferência. Então:

- Então, (x - a)2 + (y - b)2 =r2 é a equação reduzida da circunferência.

- Essa equação permite que a gente construa qualquer circunferência, basta ter as

coordenadas do centro e o raio.

Aluna A – PORQUE LETRAS VÁRIAS? ENTENDER-NÃO.

Tradução – [Porque várias letras? Não entendo].

Aluna E – PONTO [P] TER (x, y) / MAS TER-NÃO Px OU Py FÓRMULA?

Tradução – [O ponto P tem (x, y), mas não aparece um Px ou Py na fórmula].

Aluno B – ONDE [R] GRÁFICO

Tradução – [Onde está o r no gráfico]

(I) – As letras são para representar cada item da fórmula.

- Se vocês prestarem atenção somente o r (raio), o professor esqueceu de colocar

no desenho, mas é aquele pedacinho de reta ((I) aponta para o quadro), a distância

do ponto vermelho no centro (C) até o outro ponto vermelho (P)........procurem as

outras letras no desenho; vejam se estão todas lá.

Aluna C – TER-NÃO [D] e [R].

104

Tradução – [Não tem as letras d e r].

(I) – A letra “r” eu já falei.....é o raio e a letra “d” quer dizer “distância” ......é da

sigla dCP (distância entre o centro e o ponto).........na fórmula dCP = r.......se vocês

olharem para o gráfico dCP é a mesma coisa que o raio ..........o pedacinho de reta

que eu mostrei.

- O que vocês têm que prestar muita atenção é na equação que ele marcou com a

cor azul......vocês vão decorar....por que ele vai fazer muitos exercícios......sempre

com essa equação.

Aluno D – ENTENDER-EU NADA / COMO DECORAR?

Tradução - [Eu não entendi nada. Como eu vou decorar?].

Aluno B – ESCREVER-EU MÃO / SEMPRE AULA MATEMÁTICA / LEMBRAR

Tradução – [Eu vou escrever sempre na mão, nas aulas de Matemática, para

lembrar]

(I) – (risadas) Calma, não precisa, o professor sempre vai escrever no quadro,

quando for resolver uma questão. A apostila tem muito exercício........O que eu disse

é que vocês irão treinar tanto, repetir, repetir, que vão acabar decorando.

Aluna C – ALÍVIO / JÁ ESTAR-EU MEDO.

Tradução - [Que alívio. Eu já estava com medo].

Aluno A1 – O problema não é lembrar a equação é saber usar (risadas).

Aluna E2 – Verdade (risadas).

O professor dando continuidade à aula.

(P) - Observação importante pessoal......Quando o centro da circunferência estiver

na origem (C(0,0)), a equação da circunferência será x2 + y2 = r2.

- Agora vamos ver a classificação a partir da posição de um ponto em relação a uma

circunferência. Em relação à equação reduzida da circunferência - (x - a)2 + (y - b)2 =

r2, o ponto P(m, n) pode ocupar as seguintes posições:

- Quando o ponto P é exterior à circunferência....Ele tá fora da circunferência

pessoal. Aqui....aqui....aqui (o professor desenhou vários pontos com segmentos de

retas em várias posições fora da circunferência)

105

- Quando o ponto P pertence à circunferência......Quando o ponto faz parte da

circunferência.......Ele fica em cima da linha. Bem aqui (apontou para o quadro), mas

poderia ser em qualquer dessa linha azul?

- E quando o ponto P é interior à circunferência......Ele fica na parte de dentro da

circunferência. Tão vendo aqui? (apontou para o quadro).

- Agora façam esse resuminho, para ser mais fácil de lembrar.........para determinar a

posição de um ponto P(m, n) em relação a uma circunferência, basta a gente

substituir as coordenadas de P na expressão (x - a)2+ (y - b)2 - r2........para saber se

o ponto P é:

Exterior à circunferência se (m - a)2 + (n - b)2 - r2> 0;

Pertence à circunferência se (m - a)2 + (n - b)2 - r2 = 0;

Interior à circunferência se (m - a)2+ (n - b)2 - r2< 0.

- Vamos ver um exemplo. Bem ‘facinho’, pra vocês:

106

1) Determine a equação na forma reduzida da circunferência de centro (3, 5) e raio

igual a 2.

- Bom........Começa sempre assim: (x - a)2 + (y - b)2 = r2.......Só pra lembrar.....sempre

que vocês forem resolver alguma questão da equação reduzida da circunferência,

anotem primeiro a fórmula....assim é mais fácil, e vocês vão acabar se acostumando.

- Muito bem.....agora só falta resolver......quem é o centro?

Alunos – 3 e 5 (os alunos surdos também responderam em Libras)

(P) – Quem é o raio?

Alunos – 2 (os alunos surdos também responderam em Libras)

(P) – Então é só substituir os valores e resolver......fácil......Vamos lá!

(x - 3)2 + (y - 5)2 = 22

(x - a)2 + (y - b)2 = 4

- Pronto.....ta aí a resposta.

Aluna A – SÓ?

Aluno D – ACABAR?

Tradução – [Acabou?]

(I) – (risadas) Calma, essa é a primeira questão......e o professor falou que ia ser

fácil.

Aluna C1 – Ei professor é essa que vai cair na prova (risadas).

Aluno A1 – Se continuar assim vai ser o primeiro ano que vou tirar 10 em

Matemática (risadas).

Aluna E – VERDADE? ACABAR?

Tradução - [Verdade? Acabou?].

(P) – Agora que todos vocês (apontando para os surdos) já sabem

resolver......vamos exercitar.

Aluna B2 – Eu sabia que era bom demais pra ser verdade. (risos)

Nota-se que os alunos surdos, após a explanação do professor, na língua

portuguesa (leitura labial), não foi o suficiente para dar todos os esclarecimentos

necessários sobre os detalhes necessários para se chegar à fórmula da equação;

107

faltaram informações que prejudicavam o entendimento desse alunado, pois

confundiam no momento da resolução. Estas falhas deixaram um incômodo nos

alunos surdos, que não foi notado, por nós, nos alunos ouvintes, ou seja, para os

alunos ouvintes o uso da língua portuguesa nas modalidades escrita e oral foi

suficiente para o entendimento das regras explicitadas pelo professor. Para os

alunos surdos houve a necessidade de uma complementação com a interpretação

de (I) em língua de sinais. Percebemos, também, que durante as brincadeiras entre

o professor e os alunos (surdos e ouvintes), o jogo de linguagem ocorreu de forma

leve, com todos compreendendo o significado das palavras.

Analisar o significado das palavras, gestos, entonação, símbolos, consiste em

situá-los nos jogos em que são empregados e observar o seu uso pelos

participantes em determinados jogos. Analisar o sentido das palavras consiste em

analisar o uso das regras dentro dos jogos segundo quem joga e realiza lances

lícitos ou ilícitos dentro desses jogos. Assim como o exemplo do jogo de xadrez,

dado por Wittgenstein (2000), onde é enfatizado que a importância não são as

figuras das peças, mas a maneira como funciona o jogo, a tática, o uso, os lances,

também na linguagem o que parece ser importante, para este autor, são as funções

que as palavras podem exercer nos diversos jogos de linguagem e a função das

regras em mostrar o ‘como’ e o ‘para quê’ usá-las, além de mostrar em que

circunstâncias isso poder ser feito.

Os jogos são jogados de acordo com regras, e tais regras podem ser mais ou

menos expressas com clareza ou mais ou menos desenvolvidas durante o jogar.

Essas regras definem o que é ou não válido, segundo os objetivos que podem ser

alcançados. Para Wittgenstein (2000, §§ 54, 82), essas são regras de uso, regras

pragmáticas que constituem os jogos, que tornam possíveis as ações praticadas por

quem joga.

b) O conteúdo Números Complexos

Este segundo conteúdo, assim como o primeiro, foi introduzido por (P) em

forma de exposição oral e a escrita no quadro. Para iniciar o conteúdo, (P) comentou

sobre a história e depois foi explicando sobre as regras básicas do assunto.

108

(P) – O homem, na antiguidade, sempre procurava resolver equações, mas ele

chegou a um ponto, em um determinado período, em uma determinada época onde

ele caiu em uma equação deste tipo aqui........vamos pegar..... x2 + 4 = 0.....e aí essa

equação se resolveria assim: x2 = 4.....aí a gente teria.....x = √− é aí que tá o

grande problema....porque a resolução desta equação é x = ±√− , só que essa raiz

não existe no conjunto dos números reais, e naquela época só tinha o conjunto dos

reais......Então essa equação aqui (apontou para o quadro), não tinha solução, ou

seja, não existe raiz quadrada de número negativo.....então essa resposta ficaria: x =

±√− , não existe no conjunto R.

- O que o homem fez para resolver este problema?.......Ele tinha que resolver essa

equação.......Ele pensou o seguinte.......olha só.....vocês tão vendo esse – 4 aqui?

(gesto ostensivo). Eu posso escrever como 4.(-1) ........por que 4 vezes -1 é igual a -

4.......então eu vou pegar x = ±√ . − .

Aluno D – ENTENDER-EU NADA / COMO DECORAR?

Tradução - [Eu não entendi nada. Como eu vou decorar?].

Aluna A – CALMA / PROFESSOR / ESTÁ / INICIAR EXPLICAR. VOCÊ NERVOSO

– MUITO.

Tradução – [Calma, o professor ainda está no início da explicação. Você é muito

nervoso.]

Aluno B2 – Olhando pra aluna A. Não precisa se preocupar, nós estamos aqui para

ajudar e a (I) também.

Aluna E1 – É verdade. Apontando para o aluno B2. Diz pra ele que eu sei sobre o que

o professor está falando. Quando ele terminar a (I) explica tudo de novo.

Aluno D – SLÊNCIO / (I) GOSTAR-NÃO / NÓS (grupal) CONVERSAR / ELE

(apontando para (P)) EXPLICAR QUADRO / TODOS (olhando para os colegas

surdos) ATENÇÃO=PRESTAR.

Tradução – [Silêncio. (I) não gosta que nós conversemos quando Ele ((P)) explica

no quadro. Todos prestem atenção.]

109

(P) - Eu também posso tirar as raízes separadamente......então beleza.....fica √ . √− .....bom....quanto é a raiz quadrada de 4, pessoal?

Alunos - 2 (os alunos ouvintes responderam oralmente e os alunos surdos

responderam em sinais).

(P) – Beleza.....então agora fica x = ± 2 e o -1 continua na raiz √− . Agora vejam

como fica: x = ± 2.√− .

Aluna A – FÁCIL AGORA / MAS / DEPOIS TUDO DIFÍCIL.

Tradução – [Agora é fácil, mas depois tudo vai ficar difícil.]

(I) – Não é difícil, vocês apenas tem que prestar muita atenção. Tenham calma.

(P) - Quando ele chegou aqui, não tem mais pra onde ir, por que a raiz de -1 (√− )

não tem solução......aqui foi onde surgiu a unidade imaginária.

- Um matemático chamado Leonhard Euler.....chamou a raiz de menos um, de

unidade imaginária e representou pela letra “i” .......e foi aqui então que surgiu o

conjunto dos números complexos.....e também a solução desta equação........que só

é possível no conjunto dos números complexos.

- Assim a equação x = ± 2. √− ......ficou x = ± 2.i , x = 2i e x = - 2i. O i a gente

chama de unidade imaginária.....ele é a raiz de -1....beleza?........vocês entenderam?

Aluna A – DIFICÍL – NÃO / EU ENTENDER

Tradução – [Não é difícil. Eu entendi.]

Aluno B2 – Eu sabia que vocês iam entender, não é difícil. Eu acho chato, mas o que

se pode fazer. (risadas)

(P) - E agora vamos ver a representação algébrica de um número complexo......mas

o que quer dizer a representação algébrica de um número complexo......bom.....nós

vamos ter que criar uma outra equação aqui. Vamos pegar: x2 + 2x + 5 =

0......beleza?

110

(P) - É......mas a gente tem que resolver né?.......vocês já fizeram isso várias

vezes....né pessoal?.....vamos lá então......pra resolver a gente vai aplicar a fórmula

de Bhaskara.....é uma equação do segundo grau, né?

- Vai ficar o seguinte: � = − ±√ 2−4, ou seja, � = − ±√∆

.......bom!....então fica: (a

partir deste momento o professor começou a resmungar baixo, fazendo as contas,

sendo entendido apenas pelos alunos que estavam o mais próximo do quadro e

depois de uns segundos confabulando, falou)....fica � = − ±√− 6 tá ok?

- Então nós temos � = − +√− 6 e � = − −√− 6

......quando chegou na raiz quadrada de

número negativo......a gente já viu o que o homem fez pra resolver este problema,

né?

Aluno B – ELE FALAR / AGORA / O QUE?

Tradução – [Do que ele está falando agora?]

Aluna C – EU SABER-NÃO / PENSAR CONTINUAR ASSUNTO

Tradução – [Eu não sei, pensei fosse continuar o assunto.]

(I) – Calma, (P) continua falando sobre o mesmo assunto, mas está mostrando outra

forma de representar o número complexo. Prestem atenção.

Aluno B – LEMBRAR – EU / APRENDER ANO PASSADO / FAZER ANO - ESTE

TAMBÉM.

Tradução – [Eu lembro. Aprendi no ano passado. Ainda fazemos este ano.]

(P) - Assim aqui fica � = − +√− 6. − e � = − −√− 6. −

, tendo de resposta � = − + √ − e � = − − √ − ..........e a raiz de -1 nas duas respostas,

depois do nosso querido Euler, que representou com letra i que chamou de

imaginária........deixou a questão assim: � = − +4i e � = − −4i

......que dá pra gente

melhorar, colocando o 2 em evidência vai ficar 2.(-1 + 2i)........a gente fatora esse

cara aqui (gesto ostensivo)......vocês estão entendendo?.......há! pessoal, isso vocês

já viram várias vezes.......agora fica: � = . − + � e � = . − − �

finalizando....a gente

111

vai cortar este 2 com este 2, por isso eu fatorei, para simplificar e vou ficar com: � = − + � e � = − − �........bom, aqui eu tenho o número complexo representado

na sua forma algébrica........por que a forma algébrica de um número

complexo......anota aí que isso é importante tá?

- A gente representa desta maneira: � = a + �........aí vocês vão me perguntar: o que

é isso professor? Aí eu digo.....eu tenho uma parte real, aqui hó? (gesto ostensivo) e

tenho uma parte imaginária.....assim a e b são números reais, e o i é a unidade

imaginária.

Aluno B1 – Viram como é fácil, não tem o que errar.

Aluna C – PARECER FÁCIL / MAS ESPERAR EXERCÍCIOS.

Tradução – [Parece fácil, mas vou esperar os exercícios.]

(I) – Não se preocupem, (P) fez bem devagar, se vocês (apontando para os alunos

surdos e ouvintes) prestaram atenção vão resolver tudo direitinho.

Aluna A1 – É só ter calma quando for resolver as questões.

(P) - Uma observaçãozinha.......quando o número for só o imaginário como este

(escreve no quadro a equação � = − �), a gente chama de número imaginário puro,

porque não tem a parte real......quando for o contrário eu não tiver a parte

imaginária......então o número é real....oras.....é obvio, né?

- Bom, esses são os números complexos que surgiram da resolução dessas

equações que envolviam raízes quadradas negativas.......Agora como nós já

conhecemos o i, vamos ver as potências dele.

- Vamos pegar as potencias de i com expoente natural e aí a gente vai ver uma

coisa muito bacana que acontece aqui. Vamos lá.....A primeira potência é i0....nós

sabemos que qualquer número, qualquer elemento elevado a 0 (zero) dá sempre 1,

né?

- Então i0 = 1. Se eu pegar i¹ vai dar i, porque quando o expoente é 1 dá o próprio i.

Agora 1² vai dar -1 por quê? Lembra lá da raiz de -1 é i, ou seja, o resultado de uma

raiz quadrada é o numero que ao quadrado vai dar o que tá lá dentro da raiz. Então,

se a √− = i, significa que i² é igual a -1, então, tá aqui (gesto ostensivo). Agora

112

quando você pegar i³ vai ser o i². i = - i. Agora olha que bacana, quando eu pegar o i4

não é exatamente i². i² = i4? É né? Então é o mesmo que dizer -1. -1 = 1, sim ou

não? Sim né! Olha que bacana! O i5 é como o i4. i = i e o i6 = - 1 porque ele vai

sempre se repetir né? O i7 = -i tá ok? Eu sempre vou ter essa repetição aqui, vou

marcar aqui, ó! (gesto ostensivo)

- Olha o seguinte, a maioria das questões sobre números complexos envolve só os

expoentes de i e é bem fácil de resolver isso, por exemplo, se uma questão pedir.

Qual expoente de i19 =....... Como a gente vai fazer? Ai vocês dizem: há professor,

eu tenho que fazer as potências do i até o 19? Ai eu respondo é claro que não. Bom,

se acontece essa repetição aqui (aponta para a tabela no quadro) é só a gente fazer

o seguinte: dividir o expoente por quatro e o resto da divisão é expoente que a gente

vai ter ali, então, se meu expoente é 19, vamos dividir. o resto é 3,

então, o expoente do i vai ser i3 e o meu resultado é – i, viu?! Tudo isso é bem

tranquilo de fazer, e a divisão é sempre por 4, mas se vocês perguntarem: ah

professor, se a divisão der zero, for exata. Eu respondo: então o i tem expoente 0 e

o resultado é 1.

Aluno D – GOSTAR – EU / SER FÁCIL.

Tradução – [Eu gostei, é fácil.]

Aluna C – ESPERAR EXERCÍCIOS.

Tradução – [Vou esperar os exercícios.]

(I) – Concordo com a aluna C, esperem os exercícios. (risos)

Percebemos que durante a explanação de (P), inicialmente os alunos surdos

ficaram receosos em relação as dificuldades que poderiam ter, mas reconhecendo, a

partir do passo a passo dado pelo professor, que existiam pontos de

i0 = 1 i4 = 1

i1 = i i5 = i

i2 = -1 i6 = -1

i3 = -i i7 = -i

(P) - Sempre vai se repetir 1, i, -1, -i.......é só

repetir 1, i, -1, -i.......e de novo....... 1, i, -1, -i.......

113

reconhecimento, que algumas vezes os professores de sala não se atentam. Tenor

(2008. P. 58/9) comenta que;

para refletirmos sobre a aprendizagem tanto de ouvintes como de surdos, é importante conhecermos as práticas pedagógicas adotas com esses alunos e a concepção de linguagem subjacente a elas. Os professores parecem não considerar o conhecimento que a criança surda [...], construído a partir da participação em práticas sociais que envolvem a linguagem.

Esses conhecimentos interferem no ensino de forma positiva, em alguns

momentos, como na situação em sala acima descrita. Em Wittgenstein (2003), a

matemática ou, melhor dizendo, o jogo de linguagem matemático, como parte do

repertório da nossa gramática, indica condições de sentido e significado que podem

ser produzidos numa prática inclusiva de sala de aula. As regras de sentido, que

direcionam o jogo implicam regularidades para uma nova visão do real diferente do

que poderia ser visto pela língua portuguesa, língua de sinais ou por qualquer outro

jogo linguístico. O jogo de linguagem matemático é diferenciado do jogo real das

formas de vida dos alunos surdos e ouvintes. Essas regras dos jogos de linguagem

matemática podem não ser compreendidas no ensino em sala de aula por este

motivo.

114

VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa contribuiu para a minha compreensão na relação

linguística entre língua de sinais, língua portuguesa e linguagem matemática,

utilizada por sujeitos surdos e ouvintes em uma sala de aula inclusiva. Teoricamente

me respaldei nas ideias do filósofo austríaco, Ludwig Wittgenstein, principalmente

com sua ideia de jogos de linguagem tratada em sua obra Investigações Filosóficas.

Para Wittgenstein, a visão da linguagem é uma multiplicidade de diferentes

atividades, diferentes usos em diferentes contextos. Neste sentido, o nosso objetivo

foi “analisar os jogos de linguagem entre sujeitos surdos e ouvintes e sua

colaboração para a compreensão e ressignificação de conceitos matemáticos em

uma sala de aula inclusiva”.

Mais precisamente procurei responder as seguintes questões de pesquisa:

- Que jogos de linguagem existem ou são construídos entre sujeitos surdos e

ouvintes na sala de aula inclusiva no ensino de conteúdos matemáticos?

- Como esses jogos de linguagem contribuem para a compreensão de

conceitos matemáticos?

Os sujeitos participantes deste estudo foram: cinco alunos surdos, sete alunos

ouvintes, um professor de Matemática e uma intérprete de Libras. Sob os moldes de

uma pesquisa qualitativa em educação, foi realizada esta investigação, cuja

produção de dados se deu por meio de observações em sala de aula, questionário,

entrevistas e diário de campo. As observações e entrevistas realizadas com os

participantes foram registradas em áudio e vídeo. Das aulas de Matemática

observadas foram selecionados episódios para serem analisados. A partir desses

episódios, discutimos os jogos de linguagem entre surdos e ouvintes produzidos em

sala de aula inclusiva visando à compreensão de conceitos matemáticos. Os

registros das falas dos participantes, em áudio e vídeo, foram transcritos na íntegra

e de maneira fiel.

Antes de dissertar sobre as análises dos episódios, devo relatar sobre as

observações que antecederam a pesquisa propriamente dita, algumas

características foram marcantes nestas observações, que acredito serem relevantes

e que se refletem nos episódios que serão descritos. As características a que me

115

refiro são as de escolha dos participantes ouvintes pelos sujeitos surdos em um jogo

inicial de relação de interesses que, a meu ver, privilegiaria na abstração do

conhecimento o próprio sujeito surdo.

Estas características se subdividiram em:

Seleção – em que os alunos surdos são observados por um período de tempo (esse

período variou para cada sujeito ouvinte, por questões de relação de afinidade,

amizade) e só então são escolhidos, por sua habilidade em Matemática, para

fazerem parte de um grupo seleto de colaboradores para o ensino e aprendizagem

do surdo sobre conceitos matemáticos, quando necessário;

Adaptação - em que esses alunos ouvintes passam por uma alfabetização em língua

de sinais, priorizando os sinais matemáticos, para usos futuros em situações em que

a intérprete não se encontrava na sala durante as aulas de Matemática;

Reserva – a escolha pelo sujeito surdo de dois ou mais colegas ouvintes que

deveriam servir como um jogador reserva caso o titular não se fizesse presente nas

aulas de Matemática, e mais, caso o aluno titular por algum motivo perdesse sua

posição, somente retornaria à mesma, se e somente se, os reservas também

perdessem sua posição;

Apropriação amiga – nível em que os surdos com dificuldades de comunicação se

apropriam das informações de seus pares surdos, essas informações são referentes

a tudo o que ocorre em sala de aula, com prioridade nas aulas. Esta colaboração se

faz com reconhecimento e autorização de todos do grupo.

Estas características observadas no início da pesquisa demonstram uma

organização prévia de jogos de linguagem que seriam efetivados futuramente.

Assim, pude perceber alguns pontos importantes como: o primeiro, uma práxis

diferenciada pode de certa forma, manipular determinada regra de jogos de

linguagem, ou seja, o interesse dos sujeitos surdos em se preparar, ter subsídios

(recrutas) para participar dos futuros jogos de linguagem matemáticos que se

realizariam em sala de aula; o segundo, que a compreensão das regras de

linguagem para os surdos, em relação aos ouvintes, é atribuída àquele cujo

desempenho se adapta ao contexto exigido, ou seja, as condições de participarem

desses jogos reconhecendo suas regras no uso da língua de sinais pelos ouvintes, a

116

partir de seus colaboradores, os surdos; o terceiro, esse agir premeditadamente é

um critério do qual o surdo se apropria para chegar a usos corretos de algumas

regras de jogos de linguagem; e o quarto, que o jogador surdo compreende

determinadas regras de uso de uma expressão, em um determinado contexto/jogo,

podendo ser capaz de elucidá-las, quando sua experiência de formas de vida na

língua de sinais e na convivência com sujeitos surdos e ouvintes lhe dá condições.

Outro aspecto observado durante a pesquisa foi o cuidado da intérprete

quanto a uma disputa velada de comando do grupo surdo, entre as alunas A e E, de

forma que não interferisse nos jogos de linguagem, consequentemente no ensino e

aprendizagem dos conceitos matemáticos.

Após estes argumentos, me direciono à apresentação do resultado das

análises dos episódios selecionados, nos agrupamentos em que foram organizados:

i) Os jogos de linguagem entre sujeitos surdos e ouvintes: este nível de análise

demonstra a relação entre a interpretação do aluno ouvinte para o aluno surdo, na

tradução da língua de sinais para a língua portuguesa em que a linguagem

matemática necessita de cuidados, e a interpretação literal de palavras com vários

sentidos pode confundir o surdo ocasionando dificuldades, ou seja, a polissemia da

língua portuguesa sendo diferente da língua de sinais pode levar o aluno surdo a

equívocos, portanto, a intérprete deve procurar suprir esta necessidade com outros

recursos, como o uso de sinônimos e a explicação detalhada da regra de uso da

palavra no contexto.

Outra questão que parece interferir no ensino de matemática para surdos é a

dificuldade da tradução da linguagem matemática na língua de sinais, a escassez de

sinais matemáticos específicos em Libras, e o interminável contrato feito entre

intérpretes e alunos surdos com diferentes sinais diferenciados, o que dificulta a

organização do ensino e da tradução.

Em relação ao professor de Matemática, era notória a incapacidade em lidar

com os alunos surdos, pois a postura profissional do mesmo se resumia à fala

direcionada para o quadro ou durante a sua locomoção durante a aula, ao passar a

responsabilidade que lhe cabia a outros (intérprete e alunos ouvintes), tinha

inúmeras dificuldades em se fazer entender na leitura labial pelo surdo.

117

Outro ponto na análise, diz respeito ao uso do gesto ostensivo, o ato do

apontar para se evidenciar determinado jogo. Este gesto ajuda no entendimento do

surdo em determinadas situações de fixação de conceitos matemáticos, mas o que

pude perceber é que só ocorria este entendimento quando o aluno surdo tinha uma

lembrança de um jogo de linguagem semelhante ocorrido em outro momento e

contexto, ou seja, o ato do treino de determinadas regras de um jogo levam a um

resgate do jogo.

Também nas análises percebi que a alfabetização dos ouvintes em língua de

sinais colabora com o ensino, por não haver nenhuma disputa de interesse. Esta

colaboração para o ensino de conceitos matemáticos beneficia não somente o

surdo, mas também o ouvinte que passa o ano aprendendo a língua de sinais e

repetindo o que lhe foi ensinado, reforçando o aprendizado tanto da língua de sinais

como dos conteúdos matemáticos.

No segundo nível de análise. ii) O uso de regras no ensino da equação da

circunferência e números complexos. Neste nível conseguimos perceber que

somente a leitura labial não é suficiente para o reconhecimento de determinadas

regras, significados; desta forma, se torna imprescindível o uso da língua de sinais

para esta compreensão.

Outro resultado neste nível é a compreensão do sujeito surdo das regras do

jogo de linguagem em relação as regras matemáticas, quando estas são bem

esclarecidas em língua de sinais, bem informadas, ou se tornam efetivas a partir do

treinar, exercitar este jogo em sua forma escrita, juntando a isso a leitura labial e a

observação visual.

Verifica-se, sobremaneira, que em uma sala de aula inclusiva, como em

qualquer ambiente, contextos, onde se tem relações, interações humanas, existe

uma variedade e multiplicidade de jogos de linguagem. E estes jogos trazem,

também, variadas formas de aprendizagem organizadas e mantidas pelos alunos

surdos, devemos atentar então, para um pensar diferenciado em nossas ações

quanto às práticas pedagógicas e formações continuadas. Consequentemente,

devemos também pensar o papel que atribuímos à linguagem nesses diversos

contextos e, ao olharmos para estes contextos linguísticos repensar a transformação

de determinados conceitos ou mesmo preconceitos concebidos durante uma

118

formação profissional docente repleta de lacunas, reorganizando e refletindo sobre

nossas futuras práticas, priorizando o aprendizado para todos, sem exceção

(deficientes, “normais”, indígenas, quilombolas etc.). Em contrapartida, compreender

a existência de outras formas de expressar a linguagem matemática, neste caso, em

língua de sinais, associada a ‘formas de vida’ dos sujeitos surdos, no sentido de

avaliar nossas ações, visando à colaboração para o ensino e aprendizagem desses

sujeitos.

A inclusão do aluno surdo na atualidade deve ter como ponto principal a

integração deste aluno em salas regulares, sendo disponibilizados subsídios para

que ele tenha condições de permanência, como o intérprete, que intermedia a

comunicação entre o aluno surdo e os indivíduos ouvintes, reconhecendo suas

especificidades linguísticas e culturais. Estimamos que, por meio desta investigação,

foi possível compreender esta atuação do intérprete e sua importância dentro deste

palco escolar, e também de outras atuações como a dos alunos ouvintes que

tiveram uma participação relevante para o ensino e aprendizagem dos alunos

surdos, e como estas implicações e influências foram determinantes na

aprendizagem de conteúdos matemáticos.

Com esse estudo, percebemos a existência de jogos de linguagem variados

entre os componentes da sala de aula inclusiva e que a presença de intérpretes

formados nas áreas específicas de conhecimento, garante ao menos um

reconhecimento linguístico e uma relação satisfatória e justa de ensino e

aprendizado. Pois, a linguagem matemática que se apresenta em sala de aula é

fruto do encontro entre manifestações de várias naturezas, possui e se constitui por

semelhanças com outras formas de comunicação, como a língua portuguesa, a

língua de sinais, a linguagem do matemático profissional, a linguagem das

representações pictóricas, etc.

Esperamos que esse estudo seja um impulsionador para outras pesquisas

sobre a relação linguística existente no ensino de alunos surdos e ouvintes, no

ensino não somente da Matemática, mas também de outras áreas de conhecimento

acadêmico como: as dificuldades encontradas nos cálculos específicos da

Matemática, Física, Química e Biologia; também como se daria o ensino e a

aprendizagem de fórmulas específicas dessas mesmas áreas, já que a língua de

119

sinais, por ser ainda muito jovem em relação a língua portuguesa, e estar em

expansão ainda não comporta algumas especificidades. Entendemos que ainda há

muito a ser desvendado e construído, para chegarmos a uma educação que

verdadeiramente atenda aos alunos surdos e ouvintes.

120

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128

STUMPF, Mariane Rossi. Transcrições de língua de sinais brasileira em Sign Writing. In: LODI, Ana Claúdia Balieiro.; HARRISON, Kathryn Marie Pacheco; CAMPOS, Sandra Regina Leite de. & TESKE, Ottmar. (Org.) Letramento e minorias. Porto Alegre: Mediação, 2002. SOUZA, Regina Maria de. Que palavra que te falta?: linguística, educação e surdez. São Paulo: Martins Fontes, 1998. TÁLAMO, Maria de Fátima Gonçalves Moreira. A Pesquisa: recepção da informação e produção do conhecimento. Datagramazero: Revista de Ciência da Informação, Rio de Janeiro, 5, 2, abr. / 2004. TENOR, Ana Claudia. A Inclusão do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de professores da rede municipal de ensino de Butucatu. Dissertação de Mestrado em fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo: SP, 2008. THOMA, Adriana da Silva. Os Surdos na Escola Regular: Inclusão ou Exclusão? Reflexão e Ação - Santa Cruz do Sul, v.6, n.2, p. 41-54, jul./dez., 1998. THOMA, Adriana da Silva; LOPES, Maura Corcini. (Orgs.). A Invenção da Surdez: cultura, alteridade e diferença no campo da educação. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004. P. 74 – 82 VALENTE, Ana; CORREIA, Maria João; DIAS, Rui. (2005). Surdez: Duas realidades interpretativas. In: COELHO, Orquídea (Ed.), Perscrutar e escutar a surdez (pp. 81-90). Porto: Edições Afrontamento/CIIE. VEIGA, Diogo Lean; COUTO, Rita Maria de Souza. Multi-trilhas: um jogo para auxiliar crianças surdas no processo de aquisição de segunda língua. Relatório de Projeto de Pesquisa PIBIC – Período 2006/2007. WEEDWOOD, Barbara. História concisa da Linguística. 4. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. WITTGENSTEIN, Ludwig Joseph Johann. Investigações Filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. 12 ed. São Paulo: Nova Cultural, Coleção: Os Pensadores, 1979. _____. Fichas (Zettel). Lisboa: Edições 70, 1989. _____. Gramática filosófica. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Loyola, 2003.

129

APÊNDICE

130

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

APÊNDICE 1

Data: _____/_____/______.

Nome: ________________________________________________________.

QUESTÕES DO PERFIL

1– Gênero: Masculino ( ) Feminino ( )

2- Faixa Etária:

( ) 21-25 anos ( ) 26-30 anos ( ) 31- 35 anos ( ) 36-40 anos

( ) 41-45 anos ( ) 46-50 anos ( ) Acima de 51 anos.

3 – Escolaridade

( ) Graduação (Incompleto). Curso: _______________________________________

( ) Graduação (Completo). Curso: ________________________________________

( ) Pós-graduação (Incompleto)___________________________________________

( ) Pós-graduação (Completo)____________________________________________

4 – Tempo de serviço como professor?

( ) Menos de um ano ( )1-5 anos ( ) 6-10 anos ( )11-15 anos

( ) 16-20 anos ( ) 21-25 anos ( ) Acima de 26

5 – Série(s) em que faz o trabalho de apoio e interpretação atualmente?

No ensino fundamental: __________________________________________________

No ensino Médio: _______________________________________________________

Caro(a) Intérprete,

Este instrumento tem como objetivo obter informações para um estudo que contribuirá para a discussão acerca da Língua de Sinais Brasileira (Libras), Língua Portuguesa e Linguagem Matemática, buscando colaborar com os posicionamentos de pesquisadores existentes nesta área de pesquisa. Nesse sentido, sua colaboração é de grande valor para o bom êxito da pesquisa. As informações obtidas terão caráter confidencial, ou seja, sua identidade será preservada, não sendo divulgada qualquer informação que possa levar a sua identificação.

131

6- Em que tipo de escola você faz seu trabalho de apoio/interprete:

( ) Pública Estadual ( ) Pública Municipal ( ) Privada ( ) Conveniada

7- Para ser professor de apoio/intérprete você fez algum curso de formação continuada em Educação

Especial ou LIBRAS?

( ) sim ( ) não

7.1- Em caso afirmativo, quem promoveu essa formação e qual foi a carga horária?

_____________________________________________________________________

8- Como você avalia essa formação?

( ) insuficiente ( ) regular ( ) boa ( ) ótima

8.1- Você sugeriria outra?

( ) sim. Qual?__________________________________________________________

( ) não

9- A partir de sua observação como se dá a aceitação do(s) aluno(s) surdo(s) nas salas de

aula?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

______________________________________________________

10- O professor de sala tem recebido orientação para trabalhar com o(s) aluno(s) surdo(s)?

( ) sim ( ) não

10.1- Quem efetiva estas orientações?

__________________________________________________________________________

________________________________________________________________

11– Você acha que os aluno(s) ouvintes receberam bem o(s) aluno(s) surdo(s)?

( ) sim ( ) não

12- Qual é a opinião do(a) professor(a) de Matemática em relação ao(s) aluno(s) surdo(s)?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

___________________________________________________________

13– O(s) aluno(s) surdo(s) participa(m) efetivamente das aulas de Matemática apresentadas

pelo(a) professor(a)?

( ) sim ( ) não. Por que?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________

132

14- O(a) professor(a) repete a explicação do conteúdo matemático apresentado quando o(s)

aluno(s) surdo(s) não compreendem inicialmente?

( ) sim ( ) não

15- O(a) professor(a) estimula o(s) aluno(s) ouvintes a se comunicarem com o(s) aluno(s)

surdo(s)?

( ) sim ( ) não 16- O(a) professor(a) trata o(s) aluno(s) surdo(s) sem distinção em relação aos alunos

ouvintes?

( ) sim ( ) não

17- Marque qual(is) da(s) opção(s) o(a) professor(a) de Matemática executa para melhorar

seu trabalho em sala de aula:

MARQUE QUANTAS OPÇÕES ACHAR

NECESSÁRIO

NOÇÕES DE COMO TRABALHAR COM O(S) ALUNO(S)

SURDO(S)

Coloca o(s) aluno(s) surdo(s) nos primeiros lugares da sala para

facilitar a compreensão da linguagem;

Procura falar sempre de frente para o(s) aluno(s) surdo(s);

Evita falar depressa ou devagar, conservando um ritmo de fala

natural;

Evita movimentar-se em sala enquanto dá uma explicação;

Proporciona oportunidade para que o(s) aluno(s) surdo(s) se

expresse(m) sempre que quer(em) ou seja necessário;

Verificou no inicio das aulas se o aluno tem e utiliza sempre a

prótese auditiva;

Verifica se o(s) aluno(s) surdo(s) compreende(ram) cada explicação ou tarefa ministrada em aula fazendo perguntas ao final das mesmas.

Obrigada!

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REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

APÊNDICE 2

Data: _____/_____/______.

Nome: ________________________________________________________.

QUESTÕES DO PERFIL

1– Gênero: Masculino ( ) Feminino ( )

2- Faixa Etária:

( ) 21-25 anos ( ) 26-30 anos ( ) 31- 35 anos ( ) 36-40 anos

( ) 41-45 anos ( ) 46-50 anos ( ) Acima de 51 anos.

3 – Escolaridade

( ) Graduação (Incompleto). Curso: ________________________________________

( ) Graduação (Completo). Curso: _________________________________________

( ) Pós-graduação (Incompleto)___________________________________________

( ) Pós-graduação (Completo)____________________________________________

4 – Tempo de serviço como professor?

( )Menos de um ano ( )1-5 anos ( ) 6-10 anos ( )11-15 anos

( ) 16-20 anos ( ) 21-25 anos ( ) Acima de 26

5 – Série(s) em que está lecionando atualmente?

No ensino fundamental: __________________________________________________

No ensino Médio: _______________________________________________________

6 – Quais as séries que você já lecionou matemática?

Caro(a) Professor(a),

Este instrumento tem como objetivo obter informações para um estudo que contribuirá para a discussão acerca da Língua de Sinais Brasileira (Libras), Língua Portuguesa e Linguagem Matemática, buscando colaborar com os posicionamentos de pesquisadores existentes nesta área de pesquisa. Nesse sentido, sua colaboração é de grande valor para o bom êxito da pesquisa. As informações obtidas terão caráter confidencial, ou seja, sua identidade será preservada, não sendo divulgada qualquer informação que possa levar a sua identificação.

134

No ensino fundamental: __________________________________________________

No ensino Médio: _______________________________________________________

No ensino Superior: _____________________________________________________

7- Tipo de escola que trabalha:

( ) Pública Estadual ( ) Pública Municipal ( ) Privada ( ) Conveniada

8- Você tem alguma formação em Educação Especial?

( ) sim ( ) não

8.1- Em caso afirmativo, quem promoveu essa formação e qual foi a carga horária?

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

_________________________

9- Como você avalia essa formação?

( ) insuficiente ( ) regular ( ) boa ( ) ótima

9.1- Você sugeriria outra?

( ) sim. Qual?__________________________________________________________

( ) não

10. Quais dessas deficiências e/ou distúrbios estão inclusos na escola que você trabalha?

( ) Deficiência Mental ( ) Deficiência Auditiva ( ) Condutas Típicas

( ) Altas habilidades ( ) Deficiência Visual ( ) Deficiência Física

11. Como estão inseridos os deficientes auditivos na escola que você trabalha?

( ) São agrupados por série nas salas de aula

( ) São da mesma série, mas colocados em salas separadas

( ) São colocados nas séries por ordem de matricula

( ) Não tem uma forma de colocação especifica

( ) Outros ____________________________________________________________

12. Que tipo de metodologia relacionada a comunicação você utiliza em sala de aula com os

alunos surdos

( ) Oralização (valoriza a oralidade como forma de comunicação)

( ) Comunicação Total (valoriza todas as formas possíveis para se fazer compreender)

( ) Bilinguismo (valoriza o uso da LIBRAS em primeiro lugar e a Oralização em segundo

plano)

( ) Não utilizo nenhuma

13- Que tipo de dificuldades em relação ao ensino de Matemática você enfrenta em sala com os alunos

ouvintes?

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

______________________________________________________________________________

135

11- Você observou alguma(s) dificuldade(s), relacionadas ao ensino de Matemática, semelhantes nos

alunos surdos?

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

______________________________________________________________________________

12- Como você se comunica com seu aluno surdo durante as aulas de Matemática?

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

______________________________________________________________________________

13- Você fez alguma adaptação no seu material didático para trabalhar com o(s) aluno(s) surdos?

( ) sim. Quais?_________________________________________________________

( ) não

14- Você recebe assessoramento para o desempenho de suas atividades pedagógicas com

o(s) aluno(s) surdo(s)?

( ) sim. Quais?_________________________________________________________

( ) não

16. Como é o comportamento dos alunos em relação ao surdo na sala de aula?

( ) de ajuda ( ) de Indiferença ( ) de Hostilidade

( ) outro(s) ___________________________________________________________

QUESTÕES ESPECIFICAS

12. Qual o rendimento do(s) aluno(s) surdo(s) nas aulas de Matemática?

( ) ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) insuficiente

13. Que causas você atribui a este rendimento?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

1- Quando você ensina os conteúdos de Matemática, as aulas são:

( ) Começando pela definição seguida de exemplos e exercícios

( ) Começando com uma situação problema para depois introduzir o conteúdo

( ) Criando um modelo para situação e em seguida analisando o modelo

( ) Iniciando com jogos para depois sistematizar os conceitos

( ) Outra(s): __________________________________________________________

136

2- Para fixação dos conteúdos de Matemática você costuma:

( ) Apresentar uma lista de exercícios para serem resolvidos

( ) Apresentar jogos envolvendo o assunto

( ) Solicitar que os alunos resolvam os exercícios do livro didático

( ) Não propõe questões de fixação

( ) Solicita que os alunos procurem questões sobre o assunto para resolver

137

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APÊNDICE 3

Data: _____/_____/______.

QUESTÕES DO PERFIL

1. Nome: _____________________________________________________________

2. Idade:_______ Escola: ________________________________________________

3. Você tem dificuldade em aprender matemática?

( ) sim ( ) Não

4. Você gosta da Disciplina Matemática?

( ) sim ( ) Não

Por que? _____________________________________________________________

5. Suas notas na Disciplina Matemática geralmente são (média: 5,0):

( ) acima da média ( ) na média ( ) abaixo da média

6. Você se distrai com frequência nas aulas de Matemática?

( ) sim ( ) não

Por que? _____________________________________________________________

7. Qual das operações matemáticas você tem mais dificuldade em efetuar?

Adição ( ) Subtração ( ) Multiplicação ( ) Divisão ( )

8. Você tem domínio da tabuada?

( ) Sim ( ) Não

9. Você costuma estudar os conteúdos de Matemática:

Caro(a) Aluno(a),

Este instrumento tem como objetivo obter informações para um estudo que contribuirá para a discussão acerca da Língua de Sinais Brasileira (Libras), Língua Portuguesa e Linguagem Matemática, buscando colaborar com os posicionamentos de pesquisadores existentes nesta área de pesquisa. Nesse sentido, sua colaboração é de grande valor para o bom êxito da pesquisa. As informações obtidas terão caráter confidencial, ou seja, sua identidade será preservada, não sendo divulgada qualquer informação que possa levar a sua identificação.

138

( ) sim ( ) não ( ) só na véspera da prova

10. O que você acha do professor de Matemática?

__________________________________________________________________________

________________________________________________________________

11. Você consegue entender a explicação dos conteúdos matemáticos dada pelo professor?

( ) sim ( ) Não

Por que? _______________________________________________________

12. Você tem acompanhamento de interprete durante as aulas de Matemática?

( ) sim ( ) Não

13. Os alunos ouvintes ajudam você nas atividades de matemática?

( ) sim ( ) Não

14. Você entende a linguagem matemática que o professor usa nas aulas?

( ) sim ( ) Não

15. Você entende a linguagem matemática que o(s) aluno(s) ouvinte(s) usa(m) para lhe

explicar os conteúdos na aula?

( ) sim ( ) Não

139

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APÊNDICE 4

ROTEIRO PARA ENTREVISTA

1 - Você recebeu alguma orientação para trabalhar com aluno(s) surdo(s)?

2 - Que tipo de orientação você gostaria de receber?

3- Para você trabalhar com aluno(s) surdo(s) você precisou modificar sua prática docente e

sua metodologia?

4- Você acha que para atender o(s) aluno(s) surdo(s) em salas regulares é importante ter a

colaboração de um profissional especializado?

5 - Você encontrou dificuldade(s) em receber aluno(s) surdo(s) em sua sala de aula?

6 - Você acha que os demais alunos de sua classe receberam bem o(s) aluno(s) surdo(s)?

7 - Você acha que o(s) aluno(s) surdo(s) consegue(m) se adaptar bem nas classes

regulares?

8 - Em sua opinião como deveria ser selecionado(a) o(a) professor(a) de classe regular para

atender aluno(s) surdo(s)?

9- Você consegue se comunicar e compreender a linguagem do(s) aluno(s) surdo(s)?

10- Os alunos ouvintes conseguem se comunicar com o(s) aluno(s) surdo(s)?

11. O(s) aluno(s) surdo(s) realiza(m) prontamente as atividades ou limita(m)-se a esperar

pela ajuda dos colegas e professores para a realização das atividades?

12. Nas atividades de Matemática, há comunicação entre o(s) aluno(s) surdo(s) e a

professora e de que forma isso acontece?

13. Como é a relação dos alunos ouvintes com o(s) aluno(s) surdo(s)?

Caro(a) Professor(a),

Este instrumento tem como objetivo obter informações para um estudo que contribuirá para a discussão acerca da Língua de Sinais Brasileira (Libras), Língua Portuguesa e Linguagem Matemática, buscando colaborar com os posicionamentos de pesquisadores existentes nesta área de pesquisa. Nesse sentido, sua colaboração é de grande valor para o bom êxito da pesquisa. As informações obtidas terão caráter confidencial, ou seja, sua identidade será preservada, não sendo divulgada qualquer informação que possa levar a sua identificação.

140

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APÊNDICE 5

ROTEIRO PARA ENTREVISTA

1. O que você acha do ambiente físico de sala de aula?

2. Como é a relação da professora para com o(s) aluno(s) surdo(s) e ouvintes em termos de

comunicação, afetividade, aceitação?

3. Ao fazer as explicações dos conteúdos, como age a professora em relação o(s) aluno(s)

surdo(s)?

4. Essa explicação acontece via oralidade ou por meio da LIBRAS?

5. Como é a forma de comunicação utilizada pelo(a) professor(a) e pelos alunos ouvintes

para se comunicarem com o(s) aluno(s) surdo(s)?

6. Qual é a forma de comunicação utilizada pelo(s) aluno(s) surdo(s)?

7. Será que o(s) aluno(s) surdo(s) está(ão) entendo a explicação dada pelo professor em

relação aos conteúdos abordados?

8. A professora percebe quando o(s) aluno(s) surdo(s) está(ão) apreendendo o conteúdo de

forma significativa?

9. O(s) aluno(s) surdo(s) demonstra(m) à professor que não entende(m) a mensagem

quanto à realização das atividades? E, como o faz?

10. Quantos amigos(as) ouvintes você tem na sala de aula?

11. Como você seleciona suas amizades entre os alunos ouvintes?

12. Você entende a linguagem matemática que o(a) professor(a) usa para lhe explicar os conteúdos na

aula?

Caro(a) aluno(a) surdo ou ouvinte,

Este instrumento tem como objetivo obter informações para um estudo que contribuirá para a discussão acerca da Língua de Sinais Brasileira (Libras), Língua Portuguesa e Linguagem Matemática, buscando colaborar com os posicionamentos de pesquisadores existentes nesta área de pesquisa. Nesse sentido, sua colaboração é de grande valor para o bom êxito da pesquisa. As informações obtidas terão caráter confidencial, ou seja, sua identidade será preservada, não sendo divulgada qualquer informação que possa levar a sua identificação.

141

13. Você entende a linguagem matemática que o(s) aluno(s) ouvinte(s) usa(m) para lhe explicar os

conteúdos na aula?

14. Como o professor avalia as atividades desenvolvidas pelo(s) aluno(s) surdo(s)?

15. Como a surdez é vista dentro do contexto da escola?