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LETRASLIBRAS|83 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Wanilda Maria Alves Cavalcanti

APRESENTAÇÃO

Cara (o) aluna (o)

Iniciando um novo ciclo de estudos, a Universidade Federal da Paraíba incorpora aos cursos que já

oferecia, mais um que representa a atenção ao seu papel na sociedade em busca de oportunidades para

todos.

O Curso de Letras / Libras incorpora mais incursões no mundo científico através da produção de

pesquisas e elaboração de materiais voltados para a educação de surdos, formando profissionais capazes de

atuar nesse campo.

A disciplina Fundamentos da Educação de Surdos traz consigo uma base, na qual os conteúdos se

articularão e com eles esperamos que produzam conhecimentos nos quais circulem os principais aspectos que

representam a realidade dos surdos no Brasil.

Para entender essa visão de forma mais clara é necessário conhecer alguns aspectos da trajetória de

como a educação foi sendo proposta para os surdos trazendo um cenário que mantêm uma articulação direta

com o conceito de homem/surdo que foi vivenciado em cada ocasião. Esta visão foi aproximando!se do jeito

de ser surdo, substituindo a proposta mais curativa da deficiência para uma outra voltada para a identidade

constituída pelos próprios surdos.

Portanto, podemos dizer que a teia de aspectos que compõe os fundamentos da educação se baseia

na história cultural, na língua de sinais, na identidade surda, nas leis, na pedagogia surda que remontam a

experiências já vivenciadas e delas foram tiradas lições para que sejam adotadas formas renovadas de ver e

trabalhar com a educação de surdos.

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A fim de oferecer oportunidades para todos aqueles que participem dessa formação apontamos os

seguintes aspectos que direcionarão nossas reflexões a partir desse momento.

Sumariamos esses estudos que trazem os seguintes pontos:

1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

2. LEGISLAÇÃO E SURDEZ

3. POLÍTICAS SOCIAIS E EDUCACIONAIS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO

4. MODELOS PARA EDUCAÇÃO DE SURDOS

5. CULTURA, IDENTIDADE X EDUCAÇÃO DE SURDOS

Seguindo este desenho estaremos diante de noções que certamente nos levarão às principais

dificuldades que atravessam as questões educacionais/sociais da vida do surdo. Por outro lado, tentamos

trazer um conteúdo de forma a proporcionar uma fácil compreensão por parte daqueles que estarão cursando

o Letras/Libras.

Desse modo a Universidade Federal da Paraíba espera estar cumprindo o seu papel na sociedade,

resgatando as possibilidades restritas a poucos centros acadêmico contribuindo para a formação de

profissionais, para a nova realidade da vida escolar, ou seja, o contato com a diversidade.

Trazemos então os principais objetivos que nos orientarão no percurso que pretendemos alcançar com

os estudos nessa disciplina.

Objetivo Geral

Conhecer os fundamentos filosóficos, culturais, históricos, sociais que devem nortear a

educação de surdos, a fim de que possamos verificar a língua de sinais como veiculadora da

construção da identidade surda na aquisição de conhecimentos e na interação com a

sociedade.

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Objetivos Específicos

Refletir sobre a educação de surdos no Brasil

Destacar a importância da língua de sinais como base para a educação de surdos

Apresentar os fundamentos da educação de surdos

Apresentar a legislação brasileira voltada para a educação de surdos

Promover a discussão entre a educação de surdos, cultura, língua de sinais e língua

portuguesa.

Estimular a discussão sobre a construção da identidade surda em uma sociedade de

ouvintes.

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UNIDADE 1

TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Considerando que não há presente sem passado não poderíamos deixar de conhecer, embora

brevemente, a trajetória da educação de surdos para entender melhor as tendências que atualmente são

adotadas.

Os acontecimentos refletem uma realidade social, política e histórica que influenciaram a adoção de

posições e se fizeram sentir na formação da identidade dos surdos.

No momento em que nos propomos a trazer uma visão geral dessa história para tentar compreender

como foram engendradas, estaremos resgatando parte dela.

Na antiguidade, podemos falar que os gregos e romanos não consideravam os surdos como pessoas

competentes. Ao contrário, eles eram isolados da sociedade sob o argumento de que, segundo Moura, 2000,

p.16:

[...] o pensamento não podia se desenvolver sem linguagem e que esta não se desenvolvia

sem a fala. Desde que a fala não se desenvolvia sem a audição, quem não ouvia, não

falava e não pensava, não podendo receber ensinamentos e, portanto, aprender .

Na Idade Moderna, no século XVI, o médico italiano Girolamo Cardamo, declara que os surdos podiam

receber instrução. Ele afirmava que essas pessoas podiam ser ensinadas a ler e escrever sem fala. Muitos

outros educadores procuraram criar condições para que o surdo se comunicasse como foi o caso de Pedro

Ponce de Leon, Juan Pablo Bonet, Abade L’ Epée dentre outros.

A maioria desses educadores buscou alternativas para atender demandas da sociedade como foi o caso

de Ponce de Leon, por exemplo, que ensinou surdos a falar, ler, escrever, rezar, etc. Nessa ocasião a pessoa

“muda” não era reconhecida perante a lei, pois no caso de serem primogênitos perderiam o direito ao título e

a herança. Por conseguinte a força do poder financeiro, e, dos títulos se constituíram os grandes

impulsionadores do oralismo, na época, pois era através da fala que o indivíduo tinha representação na

sociedade.

Seguiu!se a essa proposta aquelas que trouxeram os sinais como forma de comunicação, e, em outros

casos iriam representar os sons da fala de uma forma visível através do que se chamou alfabeto digital, usado

para ensinar a ler, associado à leitura dos lábios e a manipulação dos órgãos fonoarticulatórios e pelo ensino

de diferentes posições para a emissão do som.

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A Idade Contemporânea trouxe a visão clínica [...] equivocada quanto aos seus princípios, que procurava

a todo custo acabar com aquilo que não podia ser tratado, curado na maioria das vezes (MOURA, 2000, p.26).

A única forma de “salvar” o surdo seria através do uso da fala, pela restauração da audição, pois se ela fosse

restaurada, a fala também o seria.

No entanto, os insucessos obtidos através dessa proposta não foram suficientes para convencer a

maioria desses educadores oralistas. Apesar disso, o médico Jean Itard após dezesseis anos de tentativas e

experiências frustradas de oralização de surdos sem conseguir atingir os objetivos desejados, rendeu!se ao

fato de que o surdo pode ser educado através da língua de sinais.

O Congresso de Milão realizado em 1880 declarou a superioridade do método oral puro sobre o uso de

sinais o que provocou uma grande polêmica entre professores ouvintes e surdos (a estes não foi permitido

votar), em defesa do oralismo e da língua de sinais, tendo esta última sido batida na preferência da grande

maioria de professores ouvintes.

A partir desse evento que teve o maior impacto na educação, se considerarmos os cem anos de sua

hegemonia, os surdos foram subjugados às práticas ouvintistas. Ficou legitimado que apenas a língua oral

deveria ser aprendida pelos surdos, sendo a língua de sinais considerada como prejudicial para o

desenvolvimento dessa criança.

Um grande processo de mudança se desencadeou e foi logo adotado pela maioria das escolas, em

oposição à educação do século XVIII. Naquele momento acreditava!se que o surdo poderia desenvolver!se

como os ouvintes aprendendo apenas a língua oral. Desse modo, a oralização passou a ser o principal objetivo

da educação da criança surda e para que ela pudesse dominar essa forma de comunicação passava a maior

parte de seu tempo recebendo treinamento oral e se dedicando a este aprendizado (GOLDFELD, 1998).

Estamos diante de uma perspectiva que destacava a visão clínica da surdez e através da reabilitação da fala e

treinamento auditivo buscavam “curar’ os surdos.

Portanto, essa idéia deu origem ao modelo educacional denominado oralismo que durante um século

se manteve como proposta principal para a educação de surdos. Com a adoção desse modelo educacional

foram abandonadas cultura e identidade surdas. Desse modo, as idéias pregadas pelo oralismo orientavam

que os surdos deveriam ter uma identidade comum com os ouvintes, ou seja, a língua.

O 2º, o 3º e 4º Congressos Internacionais do Surdo realizados em Chicago, Genève e em Paris, em

1893, 1896 e 1900, respectivamente, decidiram!se a favor de um sistema combinado de instrução e/ou pelo

oralismo puro, mantendo a situação preconizada pelo Congresso de Milão.

No começo do século XX já se ouvia falar dos insucessos do oralismo, trazendo consigo outras

conotações para os surdos, ou seja, quando não progrediam na oralidade, eram considerados deficientes

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mentais. Essa constatação nos sugere que o problema da surdez e suas conseqüências estava ligada ao

próprio surdo.

Somente a partir da década de 60 deste século a língua de sinais começou a ser (re)conhecida

especialmente depois dos trabalhos de William Stokoe, lingüista americano, que retomou a questão dos sinais

e apresentou a língua de sinais, como uma língua legítima, com estrutura própria.

O final do século XX e o início do século XXI parecem ter criado novas oportunidades para a

reconstrução da história cultural dos surdos, com a valorização da língua de sinais, com a possibilidade de

construção da identidade surda, decorrente do respeito às diferenças.

Reflexão

A história da educação de surdos mostra diversas mudanças que ocorreram ao longo do

tempo. Podemos afirmar que os primeiros movimentos de educação de surdos datam do

século XVI. Eles saíram do isolamento que lhes era imposto e participaram da vida das demais

pessoas. Com essa atitude desencadearam transformações que resultaram na legitimação do

seu direito em viver de acordo com suas necessidades, ou seja, usar sua língua, manifestar

sua identidade.

Conceitos

Oralismo ! O ensino para surdos baseado na comunicação oral

Visão clínica – Através da visão clínica os surdos são categorizados pelos graus de surdez e

não pelas suas identidades culturais. A fala seria a única possibilidade de viver bem na

sociedade. Ela vê (em) os surdos como pacientes que necessitam serem tratados através de

exercícios terapêuticos ( treinamento auditivo, exercícios de preparação do órgãos do

aparelho fonador, etc.)

Ouvintismo – (...) conjunto de representações dos ouvintes a partir do qual o surdo está

obrigado a olhar!se e narrar!se como se fosse ouvinte” (SKLIAR, 1998, p.15).

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Referências para leituras complementares

FERNANDES, E. (Org) Surdez e Bilingüismo. Porto Alegre: Mediação, 2005.

LANE, H. A máscara da benevolência: a comunidade surda amordaçada. Lisboa: Instituto Piaget, 1992.

SACKS, O. Vendo Vozes: uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1990.

SKLIAR, C. Educação & exclusão: abordagens sócio!antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Editora

Mediação, 1997.

__________ Atualidade da Educação Bilíngüe para surdos: interfaces entre Pedagogia e Lingüística. Porto

Alegre: Mediação, 1999, v.2.

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Unidade 2

LEGISLAÇÃO E SURDEZ

A fase de ausência quase total de leis que amparassem principalmente os direitos lingüísticos do surdo

foi amplamente modificada. Com o reconhecimento da Libras ( língua brasileira de sinais) no país, observou!se

uma intensa movimentação que culminou com determinações governamentais expressa através de leis ,

decretos que desse modo começaram a fazer parte da vida de todos os cidadãos que freqüentam a sociedade

brasileira, renovando planejamentos.

Os direitos lingüísticos dos surdos estão agora amparados pelas políticas públicas que se manifestam

através da garantia de acesso e permanência desse aluno dentro das escolas regulares de ensino, embora na

prática nem sempre possamos identificá!las.

Portanto, a proposta de inclusão de surdos nas escolas mais próximas de suas residências representou

um primeiro passo para o exercício de cidadania.

A estruturação da educação de surdos nos moldes propostos pelo modelo inclusivista, traz o

bilingüismo3 como orientador das ações que devem se desdobrar daí, marcaram mudanças radicais na vida do

surdo e da escola que teve a incumbência de implantar um trabalho pedagógico voltado para a efetivação

dessa proposta.

A Lei 9394/96 no seu artigo 1º ! passa a vigorar acrescida do art. 26!B que afirma “Será

garantida às pessoas surdas em todas as etapas e modalidades da educação básica, nas redes

públicas e privadas de ensino, a oferta da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, na condição de

língua nativa das pessoas surdas”.

O MEC/SEESP promoveu reuniões e câmaras técnicas que tiveram como produto o documento

“Diretrizes para a Educação de Surdos” que buscaram viabilizar a proposta pedagógica que deveria ser

veiculada nas escolas.

A Lei Federal 10.436, de 24 de abril de 2002, reconhece a língua de sinais em todo o país. Ela foi

regulamentada e os fundamentos foram publicados através do decreto governamental 5.626 de 22 de

3 Bilingüismo é o uso que as pessoas fazem de diferentes línguas em diferentes contextos sociais. O bilingüismo para

surdos traduz-se na aquisição da Libras como primeira língua e da língua portuguesa como segunda.

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dezembro de 2005, tornando obrigatório o uso da língua de sinais não somente para os surdos, mas também

para os professores que atendem esses alunos além de disciplinar a presença de intérpretes de Libras.

Esse decreto provocou muitas mudanças especialmente nas instituições formadoras de professores

que tendo de cumprir o que essa lei determinava, foi trazendo a Libras para as instituições de ensino superior,

disseminando o seu uso, e conhecendo!a cada vez mais através da geração de pesquisas.

Esse decreto determinou a inclusão da Libras como disciplina curricular assim proposto :

Art. 3o ! A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de

formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e

nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do

sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios.

§ 2o A Libras constituir!se!á em disciplina curricular optativa nos demais cursos

de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação

deste Decreto.

Ainda neste decreto, no capítulo III aparecem recomendações sobre a formação do professor de

Libras e do instrutor de Libras assim explicitadas:

Art. 4o ! A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino

fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível

superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras/ Libras ou em Letras:

Libras/Língua Portuguesa como segunda língua.

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Art. 9o A partir da publicação deste Decreto, as instituições de ensino médio que

oferecem cursos de formação para o magistério na modalidade normal e as

instituições de educação superior que oferecem cursos de Fonoaudiologia ou de

formação de professores devem incluir Libras como disciplina curricular, nos seguintes

prazos e percentuais mínimos:

I ! até três anos, em vinte por cento dos cursos da instituição;

II ! até cinco anos, em sessenta por cento dos cursos da instituição;

III ! até sete anos, em oitenta por cento dos cursos da instituição; e

IV ! dez anos, em cem por cento dos cursos da instituição.

Parágrafo único. O processo de inclusão da Libras como disciplina curricular deve

iniciar!se nos cursos de Educação Especial, Fonoaudiologia, Pedagogia e Letras,

ampliando!se progressivamente para as demais licenciaturas.

A par dessas medidas que determinavam orientações para a educação, a Lei 10.098, de 19 de

dezembro de 2000, cria condições de acessibilidade na comunicação. Ela se refere aos meios

essenciais de participação social.

O artigo 17 desta lei explica sobre [...] a eliminação de barreiras na comunicação e a criação

de mecanismos que tornem acessíveis os sistemas de comunicação para garantir o direito de acesso à

informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer (

PERLIN e STROBEL, 2008,p.30).

Vale salientar ainda que a acessibilidade para surdos também deve ser garantida pela

presença do intérprete de Libras que consta desta mesma lei no seu artigo 18.

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Outras leis e decretos complementam essa ação de garantia da acessibilidade tais como o

decreto 5.626/2005, e certamente surgirão novas possibilidades, na medida em que as condições

para a inserção cada vez mais ampla de surdos na sociedade determinarão à necessidade de novas

medidas que complementarão as que já existem.

Para conhecer mais algumas leis, decretos, pareceres e declarações vinculadas à questão dos

direitos do surdo, podemos nomear:

LEIS

Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Lei nº 8069/90 ! Estatuto da Criança e do Adolescente ! Educação Especial

Lei 10.098/94 ! Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da

acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e

dá outras providências.

Lei 10.436/02 ! Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais ! Libras e dá outras

providências.

DECRETOS

Decreto Nº 186/08 ! Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em 30 de março de 2007.

Decreto nº 6.949 ! Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007

Decreto Nº 6.094/07 ! Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas

Compromisso Todos pela Educação

Decreto Nº 6.215/07 ! Institui o Comitê Gestor de Políticas de Inclusão das Pessoas

com Deficiência – CGPD

Decreto Nº 6.571/08 ! Dispõe sobre o atendimento educacional especializado

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Decreto nº 5.626/05 ! Regulamenta a Lei 10.436 que dispõe sobre a Língua Brasileira

de Sinais – LIBRAS

Decreto nº 2.208/97 ! Regulamenta Lei 9.394 que estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional

Decreto nº 3.298/99 ! Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe

sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência,

consolida as normas de proteção, e dá outras providências

Decreto nº 914/93 ! Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência.

Decreto nº 3.952/01 ! Conselho Nacional de Combate à Discriminação

Decreto nº 5.296/04 ! Regulamenta as Leis n° 10.048 e 10.098 com ênfase na

Promoção de Acessibilidade

Decreto nº 3.956/01 – (Convenção da Guatemala) Promulga a Convenção

Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as

Pessoas Portadoras de Deficiência

PORTARIAS

Portaria nº 976/06 ! Determina critérios de acessibilidade a eventos do MEC

Portaria nº 1.793/94 ! Dispõe sobre a necessidade de complementar os currículos de

formação de docentes e outros profissionais que interagem com portadores de

necessidades especiais e dá outras providências

Portaria nº 3.284/03 ! Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas

portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de

reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições.

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RESOLUÇÕES

Resolução CNE/CEB nº 2/01 ! Normal ! Institui Diretrizes Nacionais para a Educação

Especial na Educação Básica

Resolução CNE/CP nº 1/02 ! Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de

Professores

AVISO

Aviso Circular nº 277/96 ! Dirigido aos Reitores das IES solicitando a execução

adequada de uma política educacional dirigida aos portadores de necessidades

especiais

DOCUMENTOS INTERNACIONAIS

Convenção da ONU Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Carta para o Terceiro Milênio

Declaração de Salamanca

Convenção da Guatemala

Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes

Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão

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Reflexão

A educação inclusiva significa um novo modelo de escola em que é possível o

acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e

discriminação, até então utilizados, são substituídos por procedimentos de

identificação e remoção de barreiras para a aprendizagem. Para tornar!se inclusiva, a

escola precisa formar seus professores e equipe de gestão, rever as formas de

interação vigentes entre todos os segmentos que a compõem e nela interferem.

Precisa realimentar sua estrutura, organização, seu projeto político!pedagógico, seus

recursos didáticos, metodologias e estratégias de ensino, bem como suas práticas

avaliativas. A proposta de educação inclusiva implica, portanto, um processo de

reestruturação de todos os aspectos constitutivos da escola, envolvendo a gestão de

cada unidade e dos próprios sistemas educacionais. (GLAT, 2007, p.16 e 17.

Referências para leituras complementares

____________MEC, Lei de Diretrizes e Bases para a Educação ! 9394/96.

Declaração de Salamanca

(http://lerparaver.com/legislação/internacional salamanca.htm)

Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001

( http:// presidência.gov.br/civil 03/LEIS 2001/L10172.htm)

Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002

(http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL/LEIS/2002/L10436.htm )

GLAT, R. (Org.) Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007.

PERLIN, G. e STOEBEL, K. Fundamentos da Educação de Surdos. Florianópolis: Editora da UFSC, 2008.

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Unidade 3

POLÍTICAS SOCIAIS E EDUCACIONAIS:

DA EXCLUSÃO À INCLUSÃO

As tendências adotadas pelo movimento inclusivista vieram no bojo das mudanças que foram

ocorrendo, ao longo dos tempos. Desde a Grécia se preconizava a eliminação sumária daqueles que não

apresentavam condições físicas e mentais similares às demais pessoas, até chegar a uma reviravolta nessa

concepção, na qual se tenta valorizar, acreditar no ser humano capaz de superar os desafios de viver na

sociedade.

Vivemos no nosso país uma realidade que não pode ser entendida se não conhecermos um pouco da

trajetória, pela qual, pessoas com necessidades especiais passaram ao longo dos séculos.

Com os movimentos sociais, embora ocorrendo paulatinamente, algumas mudanças, foram sendo

identificadas na história da humanidade que a seu modo, e no seu tempo foram sendo desencadeadoras de

novas formas de ver esses indivíduos. Passamos da exclusão total para outras formas de participação que na

época, não representaram o respeito ao direito de ser cidadão. Nessa ótica, podemos interpretar a exclusão

como um processo dinâmico da calar grupos sociais, total ou parcialmente. Portanto, trata!se de aplicar

políticas que determinam “quem está dentro e quem está fora” (FERNANDES, 2005, p.89).

Nessa trilha, a segregação foi sendo imposta, trazendo para aqueles de quem estamos falando a

possibilidade de sobreviver fisicamente, mas sem a qualidade de vida e participação esperada. Nesse

momento essas pessoas podiam participar da sociedade embora sendo sempre mobilizadas para reunir!se ao

grupo de pessoas que como elas possuíam a mesma dificuldade.

Seguiu!se a esse movimento, a integração que representou um passo adiante nessa caminhada em

direção a uma maior participação na sociedade. Nesse momento ainda se percebia que “estar juntos” não

podia acontecer de forma plena.

Finalmente na segunda metade do século XX, a idéia de reunião de todos começa a se materializar

através da inclusão entendida como o direito de todos de participar da sociedade que deve estar preparada

para recebê!los.

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Educação inclusiva se refere a “educação para todos” e não apenas para aqueles que

apresentam algum tipo de necessidade especial. A inclusão supõe que sejam oferecidas para

todos aqueles que vivem e participam da sociedade condições para superar limitações

encontrando novos caminhos.

Essa mudança radical nas propostas de uma sociedade para todos foi alavancada no ano de 1994,

quando representantes de oitenta paises reunidos na Espanha, elaboraram a assinaram a Declaração de

Salamanca que trouxe para a sociedade uma nova ordem de participação dos seus membros.

As recomendações contidas nessa declaração trouxeram para as escolas uma nova forma de combater

a discriminação, trazendo para elas responsabilidade extensiva a toda a sociedade. Se antes parecia que a

deficiência era um problema individual agora muda de foco, ou seja, aponta para uma responsabilidade

compartilhada por toda a sociedade, tendo na escola um dos seus principais representantes.

Essa escola deve acolher todas as crianças, independentemente de sua condições físicas, intelectuais,

sociais, emocionais ou lingüísticas ( PERLIN e STROEBEL, 2008).

Na esteira dessas observações a LDB 9394/96 ( Lei de Diretrizes e Bases da Educação contempla a

maioria desses pontos.

LDB 9394/96

CAPÍTULO V

DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Art. 58 Entende!se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a

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modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de

ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular,

para atender as peculiaridades da clientela de educação especial.

§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços

especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for

possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.

§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa

etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades

especiais:

I ! currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para

atender às suas necessidades;

II ! terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para

a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração

para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;

III ! professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para

atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados

para a integração desses educandos nas classes comuns;

IV ! educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em

sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de

inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins,

bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística,

intelectual ou psicomotora;

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LETRAS LIBRAS| 102

V ! acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis

Para o respectivo nível do ensino regular.

Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de

caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com

atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo

Poder Público.

Parágrafo único. O Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação

do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública

regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo.

Diante dessas sugestões identificamos que a sociedade através da escola não tem cumprido as

recomendações que essa lei sugere principalmente se considerarmos o capítulo de Educação Especial,

destacando principalmente a questão da inserção dessas pessoas preferencialmente na rede regular de

ensino, e a provisão de condições que precisam acontecer para que possamos falar de que possam ser

supridas as necessidades de acesso e permanência de pessoas com necessidades especiais nas escolas.

A não observância desses artigos alimenta a manutenção da intolerância, seja ela, religiosa, étnica,

sexual, política, sócio!econômica. Um traço físico pode ser interpretado tanto como uma questão cultural

tanto quanto uma questão médica. E, diante da diversidade de destinos que eles podem ter os que forem

pegos nas redes de significações culturais podem construir suas identificações (CAMPELO, 2002).

No caso dos surdos serem incluídos nas redes de significações patológicas, provavelmente, serão

excluídos, discriminados e condenados a serem pessoas deficientes.

Na tentativa de neutralizar essa perspectiva a escola deve pautar suas ações nas diferenças expressas

pelo pertencimento a grupos culturais e étnicos, nas crenças, idéias e ideologia, bem como nas capacidades

intelectuais e habilidades expressas pelos alunos. Nesse caso impõe!se o exercício de uma prática da

diferença, reconhecendo desse modo, a complexidade humana. Em caso contrário, estamos diante de um dos

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LETRAS LIBRAS | 103

mecanismos da intolerância que diante de outros diferentes, difunde!se a crença de que eles, ou não pensam,

ou não sentem, ou não reagem como nós. (CAMPELO, 2001).

Entendida assim como desviante, a tendência será sempre procurar nas crianças os sinais e sintomas

do seu desvio. Ao contrário, se acreditarmos e trabalharmos no sentido de superação das dificuldades desse

aluno, estaremos descobrindo novas maneiras de realização. Portanto não é a presença física dessas pessoas

nas escolas/sociedade, que representa o atendimento das suas necessidades (sejam surdos, cegos,

surdocegos, deficientes mentais, etc.).

É preciso ir mais além, pois uma visão que mantenha restrições, por algum motivo, de pessoas

diferentes, significa que talvez estejamos “criando” barreiras mais difíceis de serem superadas do que as

limitações podem levar aqueles que as apresentam.

O desvelamento de novas possibilidades para a educação do surdo, por exemplo, pode significar na

perspectiva adotada pelo modelo brasileiro não apenas uma questão lingüística. Para além da língua de sinais

e do português. Essa escola não pode ser traduzida como espaço monolingue, ao contrário, o confronto se faz

necessário para que se constitua uma verdadeira educação: multilingüe e multicultural. Nesse sentido as

políticas públicas devem não apenas projetar ações que possibilitem a existência de uma estrutura que

viabilize a participação desses alunos nas salas de aula, mas devem ser impulsionadoras do seu cumprimento.

Referências para leituras complementares

GLAT, R. (Org,) Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007.

PERLIN, G. e STROEBEL, K. Fundamentos da Educação de Surdos. Florianópolis: Editora da UFSC, 2008.

SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 2002, 4 ed.

SKLIAR, C. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.

SOARES, M.A.L. A educação do surdo no Brasil. Campinas: EDUSF, 1999.

WRIGLEY, O. Política da Surdez. Washington: Gallaudet University Press, 1996.

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LETRAS LIBRAS| 104

Unidade 4

MODELOS PARA EDUCAÇÃO DE SURDOS

A história de educação de surdos mostra que sua trajetória foi marcada por uma diversidade de

opiniões que ao longo desse tempo foi se modificando. Sabemos que os surdos foram alvos desde o início

da Idade Moderna de dois tipos de atenção: a médica e a religiosa.

Naquela ocasião a chamada “surdo!mudez” se constituía, conforme cita Soares (1999) um desafio para

a medicina, pois estava ligada a anomalia orgânica. Por outro lado a ajuda para aqueles que não podiam

ouvir, nem falar, fazia parte dos preceitos religiosos.

No entanto, os avanços da ciência e a participação de pais e amigos dessas pessoas foram

determinantes para que essa percepção fosse mudando. A atuação dos médicos que foram se

interessando pela educação de surdos foi marcada por uma prática essencialmente pedagógica voltada

para que o surdo adquirisse algum tipo de conhecimento.

Gerolamo Cardano, que era matemático, médico e astrólogo italiano, desenvolveu investigações sobre

a condutibilidade óssea, foi o primeiro educador de surdos. Segundo Soares (1999, p.17) afirmou “a mudez

não se constituía um impedimento para que o surdo adquirisse conhecimento”. Desse modo, começaram

a serem empregadas formas diversas para trabalhar com o surdo.

Segundo essa autora, apesar das diferenças entre os motivos que encaminharam as ações educativas

na Itália e na Espanha, no século XVI, e na Holanda, Inglaterra e Alemanha, no século XVII, e início do

século XVIII as práticas exercidas por esses médicos e religiosos na educação de surdos, são bastante

semelhantes, no que diz respeito ao ensino através da escrita. Nesse sentido, a presença da escrita nos

diferentes métodos utilizados pelo oralismo teve como objetivo a aquisição da fala.

A partir daí modificações foram sendo introduzidas na educação de surdos e que podem ser resumidas

nos seguintes modelos educacionais:

ORALISMO

COMUNICAÇÃO TOTAL

BILINGUISMO

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LETRAS LIBRAS | 105

4.1. Oralismo

O Congresso de Milão, em 1880, representou o marco para a adoção do oralismo como a única via de

realização do surdo. Nesse congresso foi decidido por votação dos professores (excetuando os professores

surdos), segundo Goldfeld (1998) que apenas a língua oral deveria ser aprendida pelos surdos e a língua de

sinais naquela ocasião era considerada prejudicial para o desenvolvimento da criança surda.

Essa concepção gerou uma mudança radical nas escolas do mundo inteiro que abandonaram

qualquer expressão através de sinais para concentrar!se na oralização, principal objetivo da educação de

crianças surdas.

Para atingir esse fim, como já mencionamos, a maior parte do tempo previsto para o trabalho com

essas crianças era dedicado ao treinamento oral, afim de que pudessem dominar a língua na modalidade

oral. Essa opção foi dominante no mundo inteiro até a década de 60, ocasião em que William Stokoe,

lingüística americano, demonstrou que a língua de sinais era uma língua como qualquer outra, com todas

as características das línguas orais e que seriam adquiridas naturalmente pelo surdo.

Existem diversas metodologias de oralização, entretanto, um ponto comum entre elas é a estimulação

da audição residual, detectada através de exames audiológicos e trabalhada após a adaptação de aparelho

de amplificação sonora individual (AASI). Esse aparelho amplifica os sons, possibilitando que o surdo

consiga melhorar sua capacidade de escutar.

O uso desses aparelhos vai depender da avaliação audiométrica que classifica a surdez em diversos

graus:

Leve

Moderada

Severa

Profunda

Audiometria: é um exame da audição realizado por meio de instrumentos de avaliação da

capacidade para apreender os diferentes sons da fala e classificar a surdez nos diversos graus

acima mencionados.

Após essa avaliação os profissionais adotavam um dos diversos métodos dentre os quais passamos a citar:

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LETRAS LIBRAS| 106

Os métodos orais incluem duas abordagens:

1) unissenssorial – prioriza a audição como principal via sensorial a ser estimulada e desse

modo conseguir que o surdo oralize. Tendo em vista esta abordagem podemos citar,

dentre outros, dois métodos : acupédico e audiofonatório.

2) multissensorial – utiliza várias vias sensoriais como recursos a serem trabalhados para

chegar a oralidade. Como métodos que adotaram essa perspectiva podemos citar :

aural, verbotonal.

Esses métodos apostam no treinamento da audição como principal recurso para atingir o objetivo de

oralizar o surdo.

Mais recentemente podemos falar do implante coclear (chamado popularmente de ouvido biônico) que

começa a fazer parte das opções disponíveis para os surdos. Nesse caso, após a cirurgia o surdo passa a

”ouvir” se toda a intervenção for bem sucedida.

As principais técnicas a serem trabalhadas nos métodos orais são:

Treinamento auditivo

Leitura orofacial

Desenvolvimento da fala

Treinamento auditivo

Propõe que através da estimulação auditiva o surdo possa reconhecer e discriminar ruídos, sons

ambientais, sons da fala. Associado a esse trabalho é essencial a utilização de AASI e também dos aparelhos de

amplificação de mesa durante as sessões de atendimento (GOLDFELD, 1998) .

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LETRAS LIBRAS | 107

Leitura orofacial

É a utilização de recursos visuais na fala como facilitadores do processo de comunicação (GOLDFELD,

1998). Através da leitura orofacial é possível identificar a palavra falada produzida através de movimentos

articulatórios por parte do emissor.

Portanto, é um instrumento necessário para o surdo, e, com ela tenta!se que ele entenda a mensagem do

interlocutor a partir da leitura que faça dos lábios, da face , dos movimentos e posições dos órgãos

articulatórios.

É importante considerar que não temos visibilidade de todos os fonemas produzidos e desse modo muitos

dos sons emitidos não são identificados claramente, portanto, somente através do contexto do que é dito,

pode!se fazer a complementação da ideia.

O desenvolvimento da fala

São exercícios realizados para a mobilidade e tonicidade dos órgãos fonoarticulatórios na fonação, lábios,

mandíbula, etc, além de exercícios de respiração e relaxamento.

Após a preparação dos órgãos fonatórios deve!se partir das produções espontâneas para irem se

transformando essas produções em autênticas fonações e em palavras (AGUDO; MANSO; MÈNDES y

MUÑOZ,2001).

O desenvolvimento da linguagem

Paralelamente a todo esse trabalho, a linguagem se mantêm nesse contexto como o elemento no qual

essas intervenções são efetivadas. Por esse motivo alguns desses métodos sugerem estratégias específicas que

identificaremos de forma sucinta

Dentro da perspectiva oralista, Simonek e Lemes (1990) afirmam que o desenvolvimento da linguagem

tem início nos primeiros meses de vida quando a criança começa a produzir as primeiras palavras, sempre

auxiliada pelo AASI e pela estimulação auditiva. Sua linguagem deve seguir as mesmas etapas da criança

ouvinte.

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Ainda segundo as autoras acima mencionadas, que sugerem na p. 78 (1990) “Assim estimuladas as

palavras!frase, frases de dois elementos, verbos básicos e a estrutura gramatical correta. Seguindo estas

etapas, a criança surda chegará a um rendimento lingüístico satisfatório”.

Uma estratégia que perdurou durante os anos áureos do oralismo foi a Chave de Fitzgerald, que se

propunha a organizar a linguagem ordenando os elementos que compunham a frase, colocadas em um

quadro, que dava a ideia de um esquema que teria de ser seguido, embora não incluísse a possibilidade de que

o aluno criasse novas estruturas.

Mais recentemente, outra forma utilizada por métodos orais, dentro desse mesmo modelo foi o

Organograma da Linguagem que constitui!se de um conjunto de símbolos (figuras geométricas) que

representam a estrutura frasal. Segundo Goldfeld (1998, p.79 ) o círculo representa o núcleo do sujeito; o

quadrado simboliza o predicado e o triângulo pode representar o complemento verbal ou complemento

nominal. Dessa forma, a estrutura da língua vai sendo organizada partindo inicialmente de associações com

essas figuras.

A sua utilização representou uma possibilidade de criar condições para que essa criança entendesse como

a língua portuguesa se estruturava. No entanto, nem mesmo seu emprego conseguiu que os surdos

chegassem a compreender como se organizam as frases na língua portuguesa de forma clara.

E, a partir da década de 60 do século XX, como já comentamos, a língua de sinais começou a ganhar novo

espaço na comunicação de surdos especialmente nos Estados Unidos com o surgimento da Comunicação Total

que pretendeu promover antes de tudo, a comunicação ! surdo x ouvinte.

4.2 Comunicação Total

A Comunicação Total surgiu depois que a publicação de William Stokoe comprovou que a língua de

sinais era uma língua legítima tal qual uma língua oral.

Ela propõe uma maneira diferente de perceber o surdo, ou seja, como um indivíduo diferente,

não deficiente e, a denominação “deficiente auditivo” usada pelos oralistas foi substituída

por outra, “Surdo”.

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A Comunicação Total defende a utilização de qualquer recurso lingüístico, seja a língua de sinais, a

linguagem oral ou códigos manuais, para facilitar a comunicação (GOLDFELD, 2002). O aprendizado de uma

língua não é objetivo principal da Comunicação Total.

No Brasil a Comunicação Total, além da LIBRAS ( Língua Brasileira de Sinais) utiliza ainda a

datilologia (alfabeto manual), o cued speech ( sinais manuais que representam os sons da

língua portuguesa) o português sinalizado (língua artificial que utiliza o léxico da língua de

sinais com a estrutura sintática do português e alguns sinais inventados para representar

estruturas gramaticais do português que não existem na língua de sinais); o pidgin!

(simplificação!da gramática de duas línguas em contato, no caso , o português e a língua de

sinais) (GOLDFELD, 2002, p.40 e 41).!

A Comunicação Total recomenda o uso simultâneo destes códigos manuais com a língua oral. Essa opção é

denominada bimodalismo e cria uma terceira modalidade, que emprega inadequadamente a língua de sinais,

já que a mesma, tem gramática diferente da língua portuguesa.

4.3. Bilinguismo

O pressuposto que norteia esse modelo é que o surdo deve ser bilíngüe, ou seja, ele deve adquirir como

língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a

língua na oficial de seu país na modalidade oral e/ou escrita. Autores como Sanches (1993) acredita ser

necessário para o surdo adquirir a língua de sinais e a língua oficial do seu país apenas na modalidade escrita e

não oral.

Skliar (1999) comenta que a educação bilíngüe não pode ser neutra nem opaca. Ela deve se constituir

como consciência política, para entender a educação dos surdos como uma prática de direitos humanos

concernentes aos surdos; a coerência ideológica para discutir as assimetrias do poder e do saber entre surdos

e ouvintes e a análise de natureza epistemológica das representações colonialistas sobre surdez e surdos.

Essas línguas não devem ser utilizadas simultaneamente para que suas estruturas sejam preservadas.

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LETRAS LIBRAS| 110

O surdo, para os bilinguistas não precisa almejar uma vida semelhante ao ouvinte, podendo

aceitar e assumir a surdez ( GOLDFELD, 2002).

Um dos princípios mais importantes desse modelo de ensino é que os surdos formam uma comunidade,

com cultura e língua próprias. A língua de sinais deve ser aprendida em contato com adultos fluentes.

Muitos fatores ainda comprometem a adoção do bilingüismo, ou seja, falta a estrutura recomendada para sua

utilização. A escola pública, geralmente, ministra suas aulas em português, por professores ouvintes que na sua grande

maioria não domina a língua de sinais. Por outro lado o número insuficiente de intérpretes que não estão presentes em

todas as salas de aula, durante todo o tempo, assinala outra dificuldade na viabilização dessa forma de promover o

conhecimento nas salas de aula. Ao mesmo tempo temos de esclarecer que mesmo contando com essa presença do

profissional intérprete, ela não garante a apreensão do conhecimento.

Para o bilinguismo o domínio da língua de sinais é mais fácil para que o surdo perceba estes aspectos

na língua oral, já que tem exemplos da língua de sinais para se guiar.

REFLEXÕES

Dentre os modelos que foram expostos acima, o bilingüismo adotado nas últimas

décadas parece oferecer melhores condições para a aquisição da

comunicação por surdos. Sabemos que esse modelo está ocupando um grande espaço no cenário

científico mundial, em paises como EUA, Canadá, Suécia, Venezuela, Israel, entre outros países que

desenvolvem muitas pesquisas sobre surdez e abordagem bilíngüe (GOLDFELD, 2002).

Considerando que no Brasil o ensino tardio da Libras,nas escolas acrescentam mais

dificuldades à questão principal da perda auditiva. Segundo Fernandes (2005) os surdos, em

sua grande maioria, crescem em famílias de pais que falam e ouvem o português e não

adquirem esta língua precocemente. Desse modo, freqüentando escolas em que o ensino é

realizado em língua portuguesa, com pouquíssimos professores que dominam a Libras,

resultam em aquisições mais tardias. Portanto, o não compartilhamento dessas duas línguas

desde a infância, não atende as principais recomendações desse modelo uma vez que a

presença do intérprete de Libras não garante a aprendizagem.

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LETRAS LIBRAS | 111

Referências para leituras complementares

AGUDO, J.D.M.; MANSO, J.M.M; MÉNDEZ, M,J.R.; MUÑOZ, A.S. Intervención en Audición y Lenguaje: casos

prácticos. Madrid: Ed. EOS Universitária, 2001.

FERNANDES, E. (Org.) Surdez e Bilingüismo. Porto Alegre: Mediação, 2005.

GOLDFELD, M. Fundamentos de Fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Editora Guabara Koogan, 1998.

SANCHES, C. Vida para os surdos. Revista Nova Escola. Rio de Janeiro: Abril, 1993.

SIMONEK, M.C. & LEMES, V.P. Surdez na Infância, Diagnóstico e Terapia. Rio de Janeiro: Soluções Gráficas

Design Studio, 1997.

SKLIAR, C. A localização política da educação bilíngüe para surdos. In: Atualidades para educação bilíngüe para

surdos. Porto Alegre: Editora Mediação, 1999.

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LETRAS LIBRAS| 112

Unidade 5

CULTURA, IDENTIDADE x EDUCAÇÃO DE SURDOS

Pensar na educação de surdos nos leva de pronto a refletir sobre as peculiaridades que esse grupo de

pessoas apresenta diante da limitação auditiva que interfere largamente na visão de mundo que elas

possuem. Não estamos tratando de uma questão resolvida quando falamos de identidade surda, como afirma

DORZIAT (2009).

Ainda segundo a autora, o debate inócuo até então realizado orbitava em torno dos conceitos de

deficiência e reabilitação que não traziam questões que devem permear a intervenção educacional para a

surdez, considerando questões políticas, culturais, lingüísticas, e de identidade. Elas transmitem valores

culturais que motivam a troca de experiências sobre ser surdo, mostrando a riqueza dessa cultura.

Seguindo a sugestão de Perlin e Stroebel (2008) passamos a falar de concentrações de surdos,

principalmente, destacando suas principais características. As diversas lutas encetadas por essas comunidades

sejam no seu lugar de origem e/ou em outras localidades, alavancaram os ganhos políticos pelo respeito aos

seus direitos.

Sejam reunidos em família, associações, em instituições religiosas, pequenos grupos de lazer, trabalho,

trouxeram conquistas até bem pouco tempo não possíveis de imaginar. Desse modo cada grupo foi se

constituindo como comunidade surda distinta de qualquer outra localidade. Reunidos, eles foram se

fortalecendo e aos poucos foram ganhando espaço na sociedade hoje representada pelos seus órgãos

representativos, na esteira do movimento inclusivista que, com maior divulgação começou a ser objeto de

reflexões em diversas instâncias.

Capturando a influência da inclusão escolar como citou Glat (2007, p.16) “o reconhecimento desse

movimento como diretriz educacional prioritária na maioria dos países, dos quais o Brasil passou a ser

sentido”. Para tal fim, ela afirma que:

[...] o respeito à responsabilidade dos governos e dos sistemas escolares de cada

país com a qualificação de todas as crianças e jovens no que se refere aos conteúdos,

conceitos, valores e experiências materializadas no processo de ensino-aprendizagem

escolar tendo como pressuposto o reconhecimento das diferenças individuais de qualquer

origem.

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Nessa ótica e diferindo do modelo médico, o modelo educacional propunha o emprego de recurso e

métodos de ensino mais eficazes proporcionando às pessoas com deficiência, ainda como afirma Glat ( 2007) ,

maiores condições de adaptação social, auxiliando!a a superar , pelo menos em parte, as dificuldades

cotidianas.

CONCEITO

Modelo educacional

A ênfase não era mais na deficiência intrínseca do indivíduo, mas sim nas condições do meio

em proporcionar recursos adequados que promovessem o desenvolvimento e a

aprendizagem.

Deixamos, portanto, a lógica do binarismo, normal/anormal criando movimentos que contribuam para

o apagamento da diferença na medida em que os dispositivos clínicos sejam afastados. A lógica global não

auxilia muito nesse processo. Ao contrário, o espaço das certezas, das regras e das padronizações instigados

pela ideologia dominante, fixa as culturas locais em identidades rígidas disseminando a ideia de culturas

globais hegemônicas provocando desconforto frente aos diversos papéis a serem assumidos pelos sujeitos na

atualidade ( DORZIAT, 2009).

Algumas conseqüências são inevitáveis no cenário atual, como mostra Hall (1997) a desintegração do

conceito de identidade única; reforçamento das .identidades locais pela via da resistência à globalização e a

aceitação de um inevitável hibridismo nas identidades. Desse modo reforçando as identidades locais é possível

desmistificar a imagem de unificação em torno do modelo capitalista liberal.

“No entanto, o contexto multifacetado coloca esses sujeitos frente a situações muito diversificadas,

exigindo deles a incorporação de diferentes papéis sociais, o que demanda uma organização menos rígida” (

DORZIAT, 2009, p.18). Nesse sentido se adotamos um discurso que possa evitar a expressão do poder,

estaremos na trilha para iniciar um processo de desvendamento das sinuosidades do poder, desconstruindo a

lógica existente para criar uma nova lógica de convivência social

Seguindo a ótica da autora, as identidades ao invés de apagadas, são vistas no contexto complexo que

envolve comportamentos, crenças, valores.

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LETRAS LIBRAS| 114

Segundo Skliar (2003, p 47), a única opção possível para que a alteridade não fique aprisionada entre a

condição e o estado do ser ou não ser deve ser a de uma temporalidade denominada estar sendo.

Por apresentar dificuldades em se adequar a esse padrão baseado num ouvinte único, a pessoa surda

foi ao longo do tempo patologizado, obrigado a se submeter aos mais diferentes tratamentos terapêuticos,

visando sua normalização. Terapias de fala, treinamentos de restos auditivos, técnicas para adquirir a leitura

orofacial são algumas das iniciativas para normalizar essas pessoas (DORZIAT, 2009).

Na contramão desse conceito, a adoção do modelo inclusivista trouxe a possibilidade concreta de

aceitação da diferença pelas políticas públicas. A possibilidade de uso da língua de sinais foi sendo

paulatinamente inserida nas escolas. Apesar dessa inserção ainda detectamos contradições decorrentes da

cultura majoritária, e, nesse sentido a Libras toma corpo apenas no aparato legal que mascara a continuidade

das políticas homogêneas e unilaterais.

Incluir uma criança surda em salas regulares é um desafio particularmente difícil, devido ao que pode

ser considerado como uma diferença lingüística irrecuperável, em relação aos demais alunos.

No sistema educacional brasileiro apesar de esforços já empreendidos, os programas de capacitação

de professores para atuar junto aos surdos se revelaram até o momento como ineficientes, se considerarmos,

principalmente, a comunicação empregada por essas crianças, a língua de sinais.

Sem as condições de fazer a leitura orofacial esperada pelos professores que por sua vez não dominam

os conhecimentos fundamentais para que possa compreender o aprendizado de uma criança com audição

ausente. Estaremos assim diante de um obstáculo que os sistemas escolares ainda não conseguiram eliminar,

pois em sala de aula os conhecimentos são transmitidos em língua portuguesa.

Esse professor espera que o aluno surdo possa dar conta da comunicação em língua portuguesa, seja

tentando articular lentamente para que o aluno surdo possa fazer a leitura orofacial e, desse modo

compreender os aspectos do léxico e do semântico da língua portuguesa, ou ainda deixando para que o

intérprete de Libras resolva essa questão. Nesse caso sem as condições adequadas o surdo não poderá obter

desempenho acadêmico em níveis satisfatórios ( FERNANDES, 2005).

A escola precisa ir adquirindo os padrões preconizados pelas políticas públicas e, deixar de camuflar

alguns dos padrões que tenta encobrir. Nesse sentido,

[...] as comunidades surdas devem propiciar um lugar de afirmação de política, de

troca de experiências, que podem desfazer rótulos que por si só contribuem para a

perpetuação de uma visão circunstancial das situações, mostradas nas falas dos próprios

surdos (DORZIAT, 2009, p.25).

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LETRAS LIBRAS | 115

A organização de processos em direção a uma verdadeira política da diferença, segundo Larrosa e

Skliar ( 2001) desconstroi as idéias que vem do mundo ouvinte.

Em sendo assim, a escola parece continuar negando a existência da diferença, seja na forma de

comunicação seja na forma de aquisição dos saberes, não levando em consideração a cultura daquelas

pessoas que mostram peculiaridades que certamente exigiriam dessa instituição uma atenção especial para as

necessidades desse aluno.

A tarefa de ressignificação do ato pedagógico não é fácil, porque requer uma renovação dos padrões

até então adotados, pois muitas vezes conservando modelos tradicionais, deixam de incorporar estratégias

que serviriam para que o surdo avançasse no processo de aquisição do conhecimento.

Como já comentamos anteriormente, alguns aspectos merecem destaque especial, pois temos de

considerar que, por exemplo, no caso da Libras , adquirida como primeira língua vai influenciar diretamente na

aquisição da língua portuguesa. Nesse caso, a avaliação de textos escritos por surdos deve levar em

consideração o fato de que é um aprendiz de segunda língua que sofre a influência da primeira língua

especialmente quando se trata de uma língua visuo – espacial com características bem distintas da língua

portuguesa. Não considerando essa perspectiva, de um modo geral, a língua portuguesa é ensinada para

surdos como se fosse para ouvintes, o que certamente vai provocar interpretações distorcidas sobre o texto

escrito por ele. Apesar da presença do intérprete de Libras nas salas de aula essa situação ainda não foi

minimizada, pois diante do exercício de um papel que não foi devidamente esclarecido, e por esse motivo gera

expectativas incoerentes com as possibilidades de sua atuação.

Portanto, em um cenário onde ainda não contamos com profissionais em número sequer razoável

para atuar em todas as salas de aula, sejam: intérpretes de Libras, professores bilingues, professores surdos,

de fato não podemos falar de um contexto inclusivista, na sua essência.

O desafio que nos colocamos consiste basicamente em buscar outros parâmetros em que “as ações

sejam reinventadas sob outra lógica” que em nada contribuem para as mudanças que são necessárias.

Portanto temos de substituir as tendências tecnicistas na educação de surdos por uma nova versão na qual a

língua de sinais alcança o verdadeiro lugar que deve ocupar, juntamente com profissionais que possam influir

definitivamente para a concretização dos princípios bilinguistas.

Estudos de muitos teóricos tais como Quadros (1997, k2006,2007,2008,2009); Karnopp ( 2005);

Fernandes (2005), Ferreira Brito, (1993) dentre outros, mostram que os surdos podem aprender a ler e

escrever em português sem aprender a pronunciar esse idioma, da mesma forma que se aprende uma língua

estrangeira escrita sem saber pronunciar suas palavras.

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LETRAS LIBRAS| 116

Desse modo, estaremos defendendo o multiculturalismo, como um real respeito à diversidade cultural

dos surdos.

Para que as crianças surdas possam compartilhar as práticas culturais do contexto

social dos ouvintes cujos símbolos que impregnam a cultura só vão se revestir de

significado para as crianças surdas se houver interações sociais e comunicativas

significativas que possam decodificar símbolos (FERNANDES, 2005, p.92).

O sistema público brasileiro reconhece a diferença lingüística do surdo como importante fator de

identidade cultural, valorizando a língua de sinais, mas ainda busca estratégias eficazes para ensiná!la nas

escolas, a exemplo de tantos outros países.

A escola deve, conhecer, aceitar e valorizar essas diferenças, entendendo!as dentro do prisma

multicultural. Desse modo foi necessário eliminar práticas exclusivistas que operaram tanto tempo nas

escolas, dentro da ótica médico!clínica , e que utilizavam a patologização individual do aluno como uma

maneira de segregação e adotar a participação desse ser diferente com sua cultura, valores, e peculiaridades

para aprender, distintas daqueles que ouvem.

CONCEITOS

Identidade cultural – é uma forma de distinguir os diferentes grupos sociais e culturais entre

si. A identidade cultural pode ser melhor entendida se considerarmos a produção da política

da identidade, que também dá origem a esta metodologia da educação de surdos.

Multiculturalismo – é o estabelecimento de níveis de respeitabilidade e

garantia de igualdade de direitos humanos às pessoas com diferentes origens, crenças, etnias,

gêneros; uma convivência pacífica entre os membros pertencentes a grupos minoritários e os

grupos majoritários de uma comunidade social sem qualquer discriminação (FERNANDES,

2005, P.91).

Comunidades surdas – Não é somente composta por pessoas surdas, há também sujeitos

ouvintes – membros da família, intérpretes, professores de surdos, amigos e outros que

participam e compartilham os mesmos interesses em comuns em uma determinada

localização (...) Em que lugares? Geralmente em associações de surdos, federações de surdos,

igrejas e outros ( STROEBEL, 2008, p.29).

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Referências para leituras complementares

DORZIAT, A. O outro da educação: pensando a surdez com base nos temas identidade/diferença, currículo e

inclusão. Petrópolis: Vozes, 2009.

FERNANDES, E. Surdez e bilingüismo. Porto Alegre: Mediação, 2005.

GLAT, R. (Org.). Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2007.

HALL, S. Identidades Culturais na pós!modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.

LARROSA, J. & SKLIAR, C. ( Orgs.) Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte:

Autêntica, 2001.

SACKS, O. Vendo Vozes: uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

SKLIAR, C. Pedagogia (improvável) da diferença. E se o outro não estivesse ai?. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.