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ALINE ESPOSÓRIO DO NASCIMENTO A EDUCAÇÃO FÍSICA NA CONTEMPORANEIDADE: A SIMPLIFICAÇÃO E VULGARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA Corumbá-MS 2013

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ALINE ESPOSÓRIO DO NASCIMENTO

A EDUCAÇÃO FÍSICA NA CONTEMPORANEIDADE: A SIMPLIFICAÇÃO E

VULGARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Corumbá-MS

2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

ALINE ESPOSÓRIO DO NASCIMENTO

A EDUCAÇÃO FÍSICA NA CONTEMPORANEIDADE: A SIMPLIFICAÇÃO E

VULGARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Corumbá – MS

Julho - 2014

A EDUCAÇÃO FÍSICA NA CONTEMPORANEIDADE: A SIMPLIFICAÇÃO E

VULGARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Trabalho de Curso submetido à Universidade

Federal de Mato Grosso do Sul como parte dos

requisitos necessários para a obtenção do Grau de

Licenciado em Educação Física. Sob a orientação

do professor Dr. Fabiano Antônio do Santos.

Corumbá-MS

2014

Dedico este trabalho a todos os meus familiares –

mãe, irmãos e sobrinhos - em especial: A minha

sobrinha MARIANA.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os professores que contribuíram

diretamente para minha formação acadêmica e

nas minhas escolhas tomadas, em especialmente:

A Professora Maria Lucia Paniago Lordelo Neves.

A minha família que me apoiou direta ou

indiretamente nos estudos.

Ao orientador Prof. Drº. Fabiano Antônio dos

Santos.

Aos meus colegas e amigos pelo companheirismo e

disponibilidade para me auxiliar em vários

momentos.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo trazer à discussão, a partir da revisão das contribuições da

literatura sobre a temática da Educação Física na contemporaneidade: a simplificação e

vulgarização da Educação Física escolar. Para essa discussão, parto do pressuposto de que o

objetivo da Educação Física é contribuir para a formação de alunos críticos e autônomos.

Nesse sentido, ressalto a importância da veiculação de conhecimentos teórico-práticos, por

meio do resgate de sua construção histórica pelo conjunto dos homens. Desenvolvo a

discussão tratando do resgate da Educação Física escolar contemporânea a partir de sua

configuração histórica e seu papel na escola, estabelecendo a relação entre esta área do

conhecimento e a emancipação humana. Para isso busquei na revisão da literatura os

elementos que contribuem para a discussão da temática em pauta. Concluímos que a escola, a

educação e a Educação Física pode contribuir para a formação de alunos conscientes da

realidade nesta sociedade, possibilitando a superação desta, a partir da supressão da

simplificação e vulgarização do conhecimento.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Física. Simplificação. Vulgarização

Sumário AGRADECIMENTOS .................................................................................................................... 5

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 8

1 A configuração histórica da educação física .............................................................................. 10

1.1 Revisitando o processo histórico da educação física, como elemento determinante para a

compreensão de sua configuração na contemporaneidade. ......................................................... 10

1. 2 Alguns aspectos da prática da Educação Física escolar na contemporaneidade ................ 16

1. 3 O papel da Educação Física no contexto escolar ................................................................... 18

2 Educação Física escolar e emancipação humana .......................................................................... 23

Considerações Finais ........................................................................................................................... 26

Referências Bibliográficas .................................................................................................................. 27

8

INTRODUÇÃO

Inicialmente, parto do pressuposto de que o objetivo da Educação Física é contribuir

para a formação de alunos críticos e autônomos. Nesse sentido, ressalto a importância da

veiculação de conhecimentos teórico-práticos, por meio do resgate de sua construção histórica

pelo conjunto dos homens. Isso se fará buscando uma Educação Física que proporcione aos

alunos elementos que garantam-lhe autonomia, propiciando aos mesmos a consciência crítica

de suas escolhas na perspectiva de superação da sociedade contemporânea. Entretanto, essa

perspectiva, inclui questões sociais e problematização do dia-a-dia do aluno, da escola e da

sociedade, buscando, assim, um tratamento didático-pedagógico que contemple a sua

totalidade e sua dinâmica, no sentido de contribuir com a aprendizagem, reflexão, formação e

intervenção do indivíduo crítico nesta sociedade. Para tanto, é necessário considerar a atual

fase da Educação Física1 escolar, pois a mesma está cada vez mais pautada na simplificação e

vulgarização do conhecimento. Logo, a Educação Física escolar não disponibiliza ao aluno

uma visão crítica/questionadora, como apontarei no decorrer deste trabalho.

Tenho como objetivo discutir a Educação Física escolar na contemporaneidade,

destacando os possíveis, aspectos da simplificação2 e vulgarização

3 do conhecimento dessa

área. Mais especificamente, procuro apontar a importância da história da educação física para

entender a configuração da atual Educação Física escolar; assim como identificar a relação

sociedade capitalista e educação/educação física escolar; além de buscar compreender o papel

do professor na Educação Física escolar, a partir da identificação de seu papel na sociedade

contemporânea. Portanto, é primordial compreender até que ponto a educação física interfere

no contexto escolar, o que leva às questões: será que a disciplina Educação Física é realmente

necessária na escola? Os professores da área de educação física também estão sujeitos ao

trabalho explorado, isto é, até que ponto a sua forma de conceber o homem e o seu corpo no

mundo não interfere na sua prática educativa? 1 O termo “Educação Física” será utilizado em maiúsculo quando se referir especificamente a uma

disciplina escolar, isto é, para não se confundir com a Educação Física no geral. 2 Diz respeito ao conhecimento construído socialmente e tratado de forma simples, isto é, aquele

conhecimento do qual se extrai apenas aqueles elementos indispensáveis para formação para o

trabalho, subtraindo-se os conhecimentos necessários à autoconstrução do indivíduo na formação

humana. 3 O sentido de vulgarização do conhecimento se expressa pelo desprezo àquilo que se construiu

historicamente pelo conjunto dos homens e que, transmitido às novas gerações, se transformou em

patrimônio do gênero humano.

9

Para isso, tenho como pressuposto que compreender qualquer criação humana, só é

possível a partir do processo histórico de como os homens constroem suas relações em

sociedade. Nesse sentido, entendo que vivemos em uma sociedade de classes, em que as

relações entre os homens são determinadas pela exploração do trabalho alheio, isto é,

exploração do homem pelo homem. Diante disso, a educação/educação física, como uma das

dimensões desta sociedade, está sujeita às mesmas condições das demais nas relações sociais

estabelecidas.

A opção metodológica para este trabalho foi a revisão de literatura, que teve como

fontes: artigos, livros, teses e relatório de estágio obrigatório, a partir de pesquisa em revistas

eletrônicas, acervo bibliográfico e banco de dissertações e teses, que tratassem direta ou

indiretamente o tema em pauta. Posteriormente, as obras foram divididas conforme suas

relevâncias e inter-relação com outros temas, com o objetivo de mesclar as ideias afim de

concluir o trabalho. Em seguida, foram selecionadas e lidas as obras de autores que discutem

e/ou fundamentam o tema aqui proposto, com o objetivo de levantar as questões já apontadas

pelos estudos desta temática, considerando também experiências pessoais – Estágio

Obrigatório – na Educação Física escolar, como dados empíricos para a consecução deste

trabalho.

Este trabalho foi dividido em duas seções que levarão ao entendimento do tema

abordado no presente texto. Na primeira destas seções – “A configuração histórica da

educação física” – está em pauta a construção da atual Educação Física escolar, porém, fez-se

necessário discutir os primeiros indícios da educação física, em seguida discutir alguns

aspectos da Educação Física escolar na contemporaneidade e o papel da Educação Física no

contexto escolar. E na segunda seção tratei das possibilidades da emancipação humana através

da transmissão dos conhecimentos produzidos pelos homens e transmitidos de geração em

geração que podem contribuir para a superação da sociedade contemporânea.

Entretanto, antes de se discutir o papel da Educação Física escolar e alguns aspectos

da prática da Educação física escolar na contemporaneidade, é preciso compreender quais os

indícios e caminhos tomados por esta disciplina até os dias atuais. Onde se originou? O que

era inicialmente exigido/contemplado? Estas são algumas das questões que se pretende tratar

na seção seguinte.

10

1 A configuração histórica da educação física Nesta seção, abordarei questões que tratam da importância do embasamento teórico

histórico – história da educação física – assim como o papel da educação física escolar nos

dias de hoje e alguns aspectos da Educação Física escolar na atualidade. Este embasamento é

de grande relevância, pois o mesmo auxiliará no entendimento da atual simplificação e

vulgarização da educação física escolar. Portanto, ressalto que os tópicos abaixo

fundamentam-se nos autores: Boscato e Kunz (2007); Cardoso et al. (2012); Escobar e

Taffarel (1994), Mello (2009); Mészáros (2008), Nascimento (2012, 2013 e 2014); Quelhas e

Nozaki (2006); Soares (1993 e 2004); e Vitor Marinho de Oliveira (2004). Assim entendo,

que esses autores e essas autoras fornecem os dados necessários sobre os assuntos que estão

sendo proposto.

1.1 Revisitando o processo histórico da educação física, como elemento determinante

para a compreensão de sua configuração na contemporaneidade.

Para entender a Educação Física escolar em sua configuração até a atualidade, é

preciso revisitá-la, mesmo que brevemente, do ponto de vista histórico, uma vez que para

compreender sua existência na escola, torna-se necessário elucidar como foi se

desenvolvendo, o que facilitará a compreensão das práticas pedagógicas que a permeiam.

De acordo com Oliveira (2004), todas as atividades humanas nas comunidades

primitivas dependiam do movimento, da força física, resistência, do desenvolvimento das

atividades corporais com a finalidade de sobreviver – era uma questão de vida ou morte.

Entretanto, isso acontecia de maneira inconsciente, mas é neste período que podemos verificar

os primeiros registros da força física humana sendo exercida para manter-se vivo, isto é, as

lutas constantes pela sobrevivência garantiam ao homem primitivo uma certa vantagem diante

dos menos resistentes/mais fracos.

Seus constantes deslocamentos em busca de moradia faziam com que caminhassem

por várias horas, às vezes dias. Oliveira (2004) salienta que nessas longas caminhadas

também haviam momentos em que se precisava correr, saltar, nadar e tudo isto exigia um

preparo físico, uma resistência que poucos dispunham. Lutavam, ainda, contra as intempéries

do tempo; travavam lutas, muitas vezes desiguais, por uma mulher ou contra animais por

território ocupado por eles e por alimento. Estava decretada a lei do mais forte. Era

considerado líder àquele que se sobressaísse, que fosse mais forte/resistente. É a partir dessas

condições (a necessidade de sobrevivência) que podemos considerar a origem da educação

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física. As condições de existência daquele período, são assim explicadas por Oliveira (2004,

p. 06):

[...] o homem dependia de sua força, velocidade e resistência para

sobreviver. [...] No começo, ainda absolutamente nômades, a caça e a pesca

eram a base da sua economia. Posteriormente, iniciaram-se num processo de

sedentarização, quando começaram a dominar as técnicas rudimentares de

agricultura e domesticação dos animais. Em qualquer um destes momentos,

foi necessário o aprimoramento das habilidades físicas para a otimização de

gestos e a construção de ferramentas que possibilitassem maior sucesso nas

práticas de sobrevivência.

No curso histórico do desenvolvimento humano, novas necessidades foram

configurando as atividades físicas mais significativas para o homem antigo, além dos embates

pela terra, a busca por alimentos, etc., como as danças que, até então, eram praticadas por

todos os povos como forma de expressão dos sentimentos, assim como suas qualidades

físicas.

As danças representavam um papel fundamental no processo da Educação,

na medida em que se faziam presentes em todos os ritos que preparavam os

jovens para a vida social. Este fato evidenciava-se nas danças rituais a partir

do culto, pois a religião era a única preocupação sistemática na educação

primitiva. (OLIVEIRA, 2004, p. 07).

Como caráter ritualístico, destaca-se a crença dos primeiros povos de que o exercício

corporal, presente nas danças, produziam uma excitação interior capaz de aproximá-los aos

deuses. Além disso, as danças estavam ligadas ao processo de educação, uma vez que estavam

presentes em todos os ritos de passagem dos jovens para a vida social (OLIVEIRA, 2004).

Os jogos também cumpriam um papel social de grande relevância para os primeiros

povos. Era permitido que as crianças participassem e, assim, imitando as atividades dos

adultos, era uma forma de prepará-las para a vida adulta. Entre as atividades pré-esportivas de

maior importância para os homens antigos podemos destacar o salto em altura, a corrida, os

jogos que envolviam velocidade ou com a bola.

A partir do momento em que o homem se sedentarizou, seu tempo de ócio (de lazer)

aumentou levando ao surgimento de uma concepção esportiva para as atividades, que, até

então, eram praticadas apenas por razões utilitárias, guerreiras ou ritualísticas.

Com o passar do tempo, os povos primitivos foram se desenvolvendo e alguns

conseguiram atingir um estágio de desenvolvimento civilizatório suficiente para que se

considerasse iniciado um novo período da história, a Antiguidade Oriental. Nesse período, os

12

exercícios físicos (agora mais apurados) continuaram em evidência - exercícios físicos de

ordem guerreira, terapêutica, esportiva e educacional. Entretanto, a religião sempre serviu

como pano de fundo em todas as civilizações orientais.

A China é detentora da mais antiga história do esporte, sem dúvida, a que mais

influenciou a educação física no extremo Oriente. Os chineses além de serem hábeis

caçadores, lutadores, nadadores, praticantes de esgrima, hipismo e de um esporte que mais

tarde será conhecido como futebol (o tsu-chu), também foram os primeiros povos a

associarem o movimento humano aos cuidados médicos. Criaram o mais antigo sistema de

ginástica terapêutica que se tem notícia, o Kong-Fou. O Kong-Fou era conhecida como a arte

do homem em que a pessoa executava movimentos em diversas posições tomando cuidado

com a respiração e de acordo com a doença a ser tratada (OLIVEIRA, 2004).

A Índia é considerada a nação com maior grau de elevação espiritual da humanidade.

Este título se deve às práticas hindus entre elas, a yoga. A yoga não era vista somente como

uma ginástica onde se aprendia posições e exercícios de respiração, mas como um conjunto de

doutrinas que busca a purificação do corpo, a integração física, intelectual e emocional através

da meditação.

É importante destacar que, neste período da história humana, vários povos

destacaram-se pelos treinamentos rigorosos dados aos seus cidadãos como forma de preparo

para a guerra, entre eles, os egípcios, os sumérios, babilônios e assírios. Eram povos

evoluídos culturalmente (hábeis na engenharia, astrologia e matemática), dotados de grande

resistência física e muita religiosidade. Os treinamentos militares constantes dados aos seus

cidadãos proporcionavam corpos admiráveis, força física e resistência. Pode-se afirmar que

foram as primeiras práticas esportivas diversificadas que se tem notícia, uma vez que além das

lutas eram praticados a natação, o remo, o atletismo, entre outros.

Neste momento, a atividade física não está somente ligada a intelectualidade e a

espiritualidade. A preocupação com um corpo bonito também começa a ser desenhada, bem

como a vitalidade, a destreza, a saúde e a força. Assim, a civilização grega marca o início de

um novo ciclo da história da educação física no mundo civilizado ocidental. Assim, “[...]

Apesar de não ter o mesmo peso em todo o decorrer da sua história, as atividades físicas

sempre puderam ser consideradas como elemento característico na escalada cultural [...]

(OLIVEIRA, 2004, p. 10).

Foi nesta época que os gregos criaram os Jogos Olímpicos. À princípio, estes jogos

eram associados a jogos fúnebres, uma vez que eles eram celebrados em homenagem a

13

alguém já falecido, e contavam com oito provas - corrida de carros, luta, arco e flecha, etc.

(OLIVEIRA, 2004).

Tempos depois surgiram os grandes Jogos Gregos no qual toda a comunidade

poderia participar. Estes jogos não só eram festas populares como também faziam

homenagens aos deuses com a prática das competições atléticas, literárias e artísticas. A

forma como os espartanos eram educados levavam os seus atletas a vencerem a maior parte

das provas disputadas superando atletas igualmente bem treinados de Atenas.

A história da educação física ateniense é igualmente significativa. Em Atenas, seus

cidadãos se destacavam em exercícios como a ginástica e o atletismo. Porém, a educação

ateniense não tinha o treinamento predominantemente militar que caracterizou a vida

espartana. Desta forma, segundo Oliveira (2004) a formação do homem ateniense estará

voltada a uma formação completa (de um ser humano com formação total) e não apenas

preparado e treinado para a guerra “[...] Os seus locais para a prática esportiva, comparáveis

aos de hoje, serviam não apenas à Educação Física como também para a formação intelectual

do povo, salvo os escravos” (OLIVEIRA, 2004, p. 12).

O período humanista é o momento da história grega que marca o aparecimento dos

primeiros grandes filósofos do mundo ocidental. Junto com a Filosofia, surge também a

Pedagogia com a finalidade de realçar o caráter mais racional e intelectual da educação

humana. Salienta que, neste período, a educação física ainda recebe destaque no plano

educacional grego, contudo a sua concepção não é mais a mesma, “[...] A concepção de

educação era baseada na comunhão do corpo e do espírito, o que a tornava a mais humanista

de todas” (OLIVEIRA, 2004, p.12).

O posterior declínio da civilização grega faz aumentar o constante desinteresse pelo

culto ao físico e à estética e, consequentemente, provocando reflexos em toda a sua cultura.

“Os atletas começaram a especializar-se prematuramente, contrariando os objetivos, estéticos

e de saúde que foram tão tenazmente perseguidos durante séculos” (OLIVEIRA, 2004, p.13).

Tem início, nesse período, a universalização da educação voltada para o

desenvolvimento intelectual dando origem, também, a profissionalização e ao utilitarismo do

esporte. Torna-se cada vez mais evidente a queda do sonho humanista que tomava conta do

esporte grego. Este declínio pode ser contemplado em Roma.

Ludus tinha a conotação de treinamento ou de jogo, não implicando

necessariamente competição. Os participantes desses jogos eram atletas

profissionais que nem de longe podiam ser comparados aos padrões éticos e

estéticos dos seus colegas gregos. A ginástica perdeu o sentido do belo,

14

prestando-se apenas para formar um protótipo de virilidade (OLIVEIRA,

2004, p.14).

Os exercícios físicos surgem na Europa – no contexto escolar -, no final do século

XVIII e início do século XIX, na forma de jogos, ginástica, dança, equitação, destacando-se

em toda sociedade capitalista, que tanto desejava moldar o homem capitalista. Transformá-lo

em um novo homem, mais forte, mais ágil, mais resistente (Oliveira, 2004).

Neste período o trabalho físico estava muito ligado aos cuidados físicos e

extremamente higienistas como tomar banho, lavar as mãos, entre outros. Essa preocupação

com a construção do novo homem capitalista traz à tona a real necessidade de se cuidar de

uma sociedade no qual o corpo em ação é sinônimo de lucro, de força de trabalho para as

indústrias instaladas. Segundo Soares (2004, p. 33), no

[...] século XIX, a burguesia europeia, particularmente aquela dos países

centrais da dupla revolução, já dispunha de elementos suficientes para

afirmar que a força física de uma nação interfere em sua prosperidade. Já

havia, naquele momento, o entendimento por parte dos proprietários dos

meios de produção de que o vigor físico dos trabalhadores era essencial para

o avanço do capital.

Os primeiros exercícios físicos surgem em forma de ginástica tendo como autor

conhecido o francês Amoros. Suas pesquisas fundamentavam-se essencialmente em estudos

fisiológicos, médicos e musicais. Aqui, Soares (2004, p. 62-63) descreve tudo que era

preconizado nas lições de ginástica:

1° - Exercícios elementares ritmados [...] com o objetivo de [...] ativar os

movimentos respiratórios.

2° - Exercícios de marchar e correr [...]

3° - Exercícios de saltar em profundidade, altura e largura, em todas as

direções, para a frente, para os lados, e para trás [...]

4° - Exercícios de equilibro ou de passagem sobre pinguelas, barra fixa ou

oscilante, horizontal ou inclinada, a cavalo ou de pé [..]

5° - Exercícios de transposição de obstáculos naturais[...]

6° - Exercícios das mais diversas lutas [...]

7° - Exercícios de trepar em escada vertical ou progredir em escada

horizontal, fixa ou oscilante [...]

8° - Exercícios de nadar [...]

9° - Exercícios para transpor um espaço determinado [...]

15

10° - Exercícios, parado ou em movimento, com habilidade, segurança, de

suspender corpos de conformações [...]

11° - Exercícios de prática da esferística antiga e moderna, atlética e militar

[...]

12° - Exercícios de tiro ao alvo, fixo ou móvel.

13° - Exercícios de esgrima, a pé ou a cavalo, exercícios para manejo de toda

espécie de arma branca.

14° - Exercícios de equitação; fazer o treinamento no cavalo de pau e repeti-

lo depois, com o animal.

15° - Exercício para a pratica das danças pírricas ou militares e das danças

de sociedade [...]

Estas quinze lições de ginástica nos dão a noção do caráter utilitário dos exercícios

propostos. Havia uma preocupação exacerbada com o desenvolvimento da força física, a

agilidade, a destreza e a resistência, qualidades fundamentais tanto para o trabalho quanto

para a defesa de um país.

Entretanto, segundo Oliveira (2004, p. 18-20), é a partir do século XVIII, que a

educação física passa a fazer parte do currículo escolar. No século XIX, quando ocorreu a

Revoluções Industrial e a Revolução Francesa, que surgem quatro correntes, que

caracterizaram a Educação Física escolar daquela época – corrente alemã, nórdica, francesa e

inglesa. Está última, era a única que tinha a prática esportiva fundamentada na esfera

pedagógico-social, pois, as outras correntes se fundamentavam principalmente como método

terapêutico, ou seja, a prevenção e manutenção da saúde.

Em 1929, no Brasil, afirma Soares (2004) que, o Ministério da Guerra constitui uma

comissão formada por civis e militares. Essa comissão tinha como finalidade elaborar um

projeto de lei determinando que as escolas primárias deveriam incluir a ginástica em seus

currículos. Esse projeto determinava, ainda, que a Educação Física fosse praticada por todos

os brasileiros. É preciso salientar que este projeto criado não teve a intenção de sugerir que as

aulas fossem ministradas e sim reforçar a necessidade e obrigatoriedade da existência do

ensino, para a valorização e desenvolvimento do corpo do homem patriota. Entretanto, não

havendo pessoas capacitadas para ministrar tais aulas, suboficiais do exército (totalmente

despreparados do ponto de vista pedagógico e científico) foram escalados.

É preciso ressaltar que, nesse período, revela-se o auge da militarização na escola,

uma vez que os instrutores físicos militares adotavam métodos rígidos de disciplina,

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hierarquia e controle. O foco é construir homens obedientes, disciplinados, submissos e

extremamente hierarquizados socialmente (SOARES, 2004).

Em meados de 1980 surgem técnicas renovadoras pautadas na Psicomotricidade, isto

é, no movimento humano. A ideia agora era estimular o desenvolvimento psicomotor de

maneira a desenvolver as aptidões motoras e promover mudanças de ideias, sentimentos e

hábitos (SOARES, 2004).

Porém, Oliveira (2004) diz que, somente em meados de 1990 é que a educação física

começa a adquirir maior reconhecimento pela sociedade vindo a se tornar na atividade que

conhecemos atualmente. Portanto, segundo Escobar e Taffarel (1994, p. 9),

[...] é preciso colocar a visão histórica que coloca a atividade prática do

homem, o trabalho, e as relações objetivas materiais, reais, dos homens com

a natureza e com os outros homens como centro da explicação do real.

Após ter passado por longo processo de transformação, uma vez que se iniciaram

durante o período do homem primitivo, como meio de sobrevivência, esses movimentos

corporais foram expandindo a sua importância, até vir a se configurar na atual Educação

Física escolar. Nesse sentido, podemos perceber a importância da história da educação física e

assim comparar a atual Educação Física escolar como o que se da mesma. A escola, o espaço

socialmente instituído, e para o qual foi destinada a tarefa de garantir a reprodução do

conhecimento acumulado, de geração para geração, organizada em locais e com instrumentos

específicos, através de conhecimento socialmente construído.

1. 2 Alguns aspectos da prática da Educação Física escolar na contemporaneidade

As experiências na disciplina de Estágio Obrigatório (NASCIMENTO 2012, 2013 e

2014) mostraram-me que a educação, e, por conseguinte, a Educação Física têm sido

consideradas, no decorrer do seu desenvolvimento histórico, como um meio de preparar os

trabalhadores para a intensificação da produção de mão de obra para o mercado de trabalho da

sociedade na qual nos encontramos, ela – a Educação Física – passa a ser vista dentro da

escola como uma aula recreativa ou para tirar a tensão dos alunos, isto é, não prioriza a

aprendizagem teórico-prática do aluno, menos ainda dá tratamento critico aos conhecimentos,

ou seja, estabelece a relação entre eles a partir da realidade social.

Entendo que a consequência social de uma ação pedagógica descompromissada pode

levar boa parte dos professores de Educação Física a serem vistos apenas como uma pessoa

17

encarregada de “divertir” os alunos com aulas recreativas. Essa marca/senso comum da área,

acaba acarretando uma compreensão simplificada e vulgarizada sobre o desenvolvimento das

atividades lúdicas de forma descomprometida com o fenômeno jogo/brincadeira, como algo

insignificante nas aulas (NASCIMENTO, 2012, 2013 e 2014). Boscatto; Kunz (2007, p.103),

também trazem para a discussão a questão de que

[...] algumas ações pedagógicas que se limitam à improvisação ou

simplesmente em uma atuação profissional desinteressada por parte de

alguns docentes, os quais detém-se a determinados “modismos” passageiros

e, nesta análoga, enquadra-se o ditado popular: “largar a bola para os alunos

jogarem”. Essas práticas de ensino, certamente, barram muitas possibilidades

autônomas e criativas dos sujeitos em detrimento de formas de intervenção

pedagógicas que se colocam a serviço da ideologia, que mantém o atual

sistema [...]

CARDOSO et al., (2012), reforçam esse entendimento, afirmando que há falta de

metodologia ao desenvolver e planejar as aulas, demonstrando que a disciplina é apenas um

passatempo para as crianças no seu período escolar, sem nenhum tipo de acompanhamento do

desempenho da disciplina. Essa postura de alguns professores de Educação Física, fruto do

contexto histórico da área, acaba generalizando o caráter descompromissado da ação escolar.

Isso fica evidente a partir das observações realizadas nos estágios obrigatórios

Em contrapartida, segundo Mello (2009), as atividades lúdicas desenvolvidas com os

alunos não precisam ser apenas formas de distração ou de entretenimento para o gasto de

energia, mas podem ser meios para contribuir e enriquecer a sua formação integral, isto é,

“[...] como acesso, por parte do indivíduo, aos bens, materiais e espirituais, necessários à sua

autoconstrução como membro pleno do gênero humano [...]” (TONET, 2012, p.80). Diante

disso, as brincadeiras/jogos/manifestações lúdicas, oportunizadas nas aulas, exigem o

emprego de elementos pedagógicos para avançar nos níveis de aprendizagem sobre os

conhecimentos da área, com a intenção de repercutir na vida do aluno. Para que isso se

realize, é essencial um compromisso ético e organizacional do professor que, em parte, passa

pelo seu planejamento e pelas suas escolhas dos assuntos/metodologias, mas

fundamentalmente, passa também, pela concepção de sociedade que orienta o seu trabalho.

Dessa perspectiva, podemos pensar em uma Educação Física que possa contribuir

para a superação do atual modelo de sociedade, ultrapassando a exploração do homem pelo

homem como caminho para a concretização dessa uma outra sociedade, a sociedade

emancipada das relações capitalistas de produção, considerando-a como elemento

fundamental na formação de indivíduos críticos. Na Educação Física escolar, segundo o

18

Coletivo de Autores (1992, p. 38), tratamos de uma reflexão pedagógica sobre a cultura

corporal que, em uma perspectiva crítica, deveria discutir “[...] o acervo de formas de

representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história [...]”. Esse

assunto requer a compreensão da cultura corporal que engloba, além dos conteúdos

tradicionais (voleibol, basquetebol, futebol, handebol, atletismo), temas como: malabarismo,

mímica, o conjunto das modalidades esportivas, lutas, ginástica, danças, jogos entre outras

manifestações.

Carmo (1987, p. 46), afirma:

O professor, o conteúdo, a escola e aluno, precisam ser entendidos não só de

forma unitária, mas, de forma inter-relacionada; porque se nós não

buscarmos esta compreensão, à luz de uma consciência de classe, estaremos

correndo o risco de torná-los em fenômenos estanques e desintegrados. Esta

forma de pensar em nada vai contribuir para delinear uma pedagogia da

Educação Física transformadora.

Também na afirmação de Oliveira (2004), a Educação física escolar pode contribuir

para a formação de homens críticos, autônomos e conscientes, pois assim o aluno terá

consciência da realidade nesta sociedade. O que permitirá escolhas pautadas no mundo

concreto e não escolhas idealizadas aos implícitos e explícitos interesses da sociedade. Não

basta ao ensino da Educação Física escolar apenas selecionar conteúdos, mas é necessária

uma preparação didático-pedagógica, onde se proporcione ao aluno atividades criativas,

coletivas e que desenvolvam a crítica da realidade concreta, contribuindo, dessa forma, para a

autonomia do aluno. Para isso, torna-se necessário romper com a visão reducionista de que a

Educação Física escolar pauta-se na competência técnica esportiva.

1. 3 O papel da Educação Física no contexto escolar

Conhecendo a história e compreendendo como ela ocorreu, não se pode negar que a

Educação Física escolar atual sofre influências do seu processo histórico. Assim,

[...] é fundamental compreender que a educação física, não é um fenômeno

social isolado, mas faz parte da totalidade social através da qual a história

dos homens se realiza. [...] Esta, portanto, não é um produto natural, mas sim

o resultado do processo histórico através do qual os homens, a partir do seu

trabalho, constroem a si mesmos e à sociedade em que vivem (MELLO,

2009, p. 09).

19

Assim, entendo que cabe ao professor de Educação Física proporcionar o

desenvolvimento da consciência crítica do aluno, fazendo-o perceber-se como dono de seu

destino e descobridor de um mundo de possibilidades e realizações, o que possibilitaria a

promoção de sua emancipação do capital. Entretanto, atualmente, vem sendo muito discutido

o papel do professor de Educação Física na escola. Sua prática (a do professor de Educação

Física) tem gerado críticas e reflexões.

Práticas que por um lado buscam desenvolver o homem integral e por outro lado

priorizam o culto ao corpo em atividades equivocadas, utilitaristas4 e teorias brilhantes, mas

com práticas vazias e excludentes.

Entretanto, de acordo com Mello (2009, p. 11),

Este problema não é apenas da Educação Física, mas de todo o sistema

escolar, ao perder a sua especificidade em relação à transmissão do

conhecimento como forma de reforçar comportamentos que colaboram, ou

ao menos não se constituam em obstáculos ideológicos à reprodução da

sociabilidade estabelecida.

Mas então, como resolver um problema ocasionado por discursos vazios e práticas

distorcidas? Como detectar o problema? Qual é o problema?

As respostas a essas questões serão possíveis somente se compreendermos que o ser

humano é um ser essencialmente social, isto é, não conseguimos viver isolados. Assim, a

educação, tal como a educação física, são um fenômeno humano produzido como tantos

outros e resultantes de um processo histórico. Segundo Tonet (2012, p. 16 e 17), “[...] a

função hegemônica da educação é a de preparar os indivíduos para se inserirem no mercado

de trabalho. Pois, nesta forma de sociabilidade, o indivíduo vale enquanto força-de-trabalho e

não enquanto ser humano integral”.

Neste sentido, verificamos que, ao longo de todo o processo histórico social, a

educação física se mostrou presente e fundamental para o desenvolvimento humano em todas

as formas de sociedade. O que se faz necessário é entender em que momento ela deixou de ser

uma atividade de fundamental importância no processo de educação integral do indivíduo,

para se transformar em uma atividade “complementar” no modelo de sociedade na qual nos

encontramos.

Talvez a resposta mais correta tenha sido respondida por Mello (2009, p. 10):

4 É o aprisionamento dos indivíduos envolvidos em funções utilitaristas dos direcionamentos pré-determinados

por uma sociedade regida pelo capital, o que os priva de qualquer poder de decisão que implica no destino de

suas vidas.

20

[...] a Educação Física tal qual a conhecemos hoje, expressa, de alguma

maneira, a forma como os seres se relacionam no modo societário capitalista.

As modificações de seu conteúdo e da forma de aplicá-los, bem como as

disposições legais desta disciplina no âmbito escolar, tendem a obedecer à

lógica das modificações dessa organização social.

Isto é, se hoje a educação física prioriza o culto ao corpo belo, magro, com formas

definidas é porque em algum momento deixamos de vislumbrar o nosso corpo como sendo

algo a ser cuidado de forma integral.

Segundo Mello (2009), desde as primeiras discussões sobre a disciplina de Educação

Física no âmbito escolar, seus conteúdos sempre se pautaram nas ciências biológicas, voltadas

para o desenvolvimento da aptidão física, higiene e formação moral do trabalhador. Portanto,

não cabe mais uma Educação Física escolar marcada por discursos utópicos e práticas alheias

às nossas reais necessidades; não cabe mais a formação de professores despreparados, sem as

condições necessárias para oferecer aos seus alunos um mundo de descobertas.

Não é incomum encontrarmos professores de Educação Física com discursos

impecáveis sobre a importância da educação física para o homem. Entretanto, estes mesmos

discursos vêm sendo disseminados juntamente com uma prática sem nexo – incoerente e

negligente – no contexto escolar (NASCIMENTO, 2012, 2013 e 2014).

O que se tem feito é ignorar as potencialidades do corpo, submetendo-o a exaustivas

repetições de séries e bate bolas com o simples propósito ou de passar o tempo ou de

descobrir novos talentos esportivos ou o direcionamento para o mercado de trabalho, por meio

de exercícios meramente utilitaristas.

À luz das políticas públicas para o ensino da Educação Física, os Parâmetros

Curriculares Nacionais da Educação Física (PCN EF) sistematizam situações de ensino e

aprendizagem que afirmam garantir aos alunos o acesso a conhecimentos práticos e

conceituais. Segundo este documento, “A Educação Física escolar deve dar oportunidades a

todos os alunos para que desenvolvam suas potencialidades, de forma democrática e não

seletiva, visando seu aprimoramento como seres humanos” (BRASIL, 1998, p. 29).

Acredita-se que mudando a ênfase na aptidão física para uma concepção mais

abrangente, que contemple todas as práticas corporais, possa-se contribuir para a

aprendizagem escolar e a valorização da prática pedagógica desses professores.

Trata-se, portanto, de localizar em cada uma dessas modalidades (jogo,

esporte, dança, ginástica e luta) seus benefícios humanos e suas

possibilidades de utilização como instrumentos de comunicação, expressão

21

de sentimentos e emoções, de lazer e de manutenção e melhoria da saúde

(BRASIL, 1998, p. 29).

Neste sentido, qual seria o papel do professor e do aluno no âmbito escolar? Segundo

Soares (1993), o ideal seria que todos se relacionassem de maneira que os objetivos a serem

alcançados fossem os mesmos, bem como a forma de alcançá-los. Isto é, não importa se você

é o professor ou o aluno, o importante é que ambos tenham consciência de que o

desenvolvimento integral do ser humano é indiscutivelmente essencial. Mas como ensinar? E

a grande questão aqui é, o que ensinar? De acordo com Carmo (1987, p.45), seria

importante que o professor tivesse sempre em mente que a Educação Física implica antes de

tudo uma ação educativa e como tal, um ato político.

A reflexão a respeito da prática é fundamental para o trabalho do professor, mas a

mesma não vem sendo, na maioria das vezes, almejada na formação dos professores. Assim, a

Educação Física escolar vem sendo vista cada vez mais como disciplina que não contribui

para o conhecimento do aluno ou disciplina na qual se aprende determinada técnica esportiva

(QUELHAS e NOZAKI, 2006, p. 80). O professor não é um técnico e, portanto, não pode se

limitar a determinado assunto ou conhecimento. Ao contrário, ele pode exerce o trabalho de

contribuinte para o conhecimento esclarecido da atual sociedade, podendo a assumir suas

responsabilidades pedagógicas e políticas, sua atuação pode contribuir para o conhecimento

crítico e autônomo do aluno, preocupando-se em tornar o conhecimento de que trata a

Educação Física mais significativo e emancipador.

Pautada nos estudos de Leontiev (2004), Mello (2009, p. 100) afirma que a

apropriação do conhecimento legado de geração para geração

[...] é imprescindível, mas ela não deve ser a finalidade última do processo

educativo. Este consiste ao mesmo tempo na apropriação do construído e na

formulação das novas condições individuais e sociais para atuar frente à

nova realidade posta.

Também não se pode perder de vista quem são os alunos de hoje e como podemos

contribuir para que se tornem indivíduos na busca da superação da sociedade de classes. É

preciso, antes de tudo, considerar a qualidade e a quantidade de experiências vividas por cada

um, os valores, os estereótipos, os preconceitos que influenciam os interesses e motivações de

cada um de nós. Além disso, pensarmos, também, em formas de fazer com que este aluno se

perceba como transformador da realidade, que nem sempre vem colaborar para o seu

desenvolvimento.

22

Todavia, segundo Carmo (1987, p.45):

[...] torna-se imprescindível para o professor buscar desenvolver uma prática

consequente, atingente, uma ação pedagógica em que não apenas se fale

sobre educação, mas que conduza a uma prática consequente em termos de

ativar a crítica, o conflito, a contradição, e atingente no sentido de superar a

estagnação, a subserviência, a legitimação do poder da classe dominante, em

busca de uma formação efetiva, eminentemente crítica, de seus alunos.

Embora seja uma referência, a formação para o trabalho não deve ser meta almejada

pela escola. A Educação Física escolar deve dar oportunidades a todos os alunos para que

eles possam desenvolver plenamente suas habilidades e potencialidades de forma5 autônoma,

coletiva, como condição necessária para se chegar à superação do sistema do capital.

Portanto, segundo Bracht, o professor de Educação Física precisa superar

[...] a visão positivista de que o movimento é predominantemente um

comportamento motor. O movimento é humano, e o Homem é fundamente

um ser social. Precisa superar a visão de infância que enfatiza o processo de

desenvolvimento da criança como natural, e não social. Fala-se da criança

em sim, e não de uma criança situada socialmente e historicamente. Fala-se

da natureza da criança, e isto é ideológico na medida que encobre as

diferenças produzidas pela condição social destas crianças. [...] Superar a

falsa polarização entre diretividade e não-diretividade. [...] Um outro

equívoco que precisa ser superado, é o de que devemos simplesmente

ignorar a cultura dominante, que nesse entendimento não serve à classe

dominante. Não podemos simplesmente negar a cultura dominante a cultura,

e sim permitir que a classe dominada, em dominando a cultura dominante

possa reconstruí-la a partir de suas necessidades e interesses. [...] os

professores de Educação Física superar também a ideia, [...] de que nas aulas

de Educação Física não deve falar, ou seja, não se deve sentar e discutir com

os alunos o que está se fazendo, sob o argumento de que a aula de Educação

Física deve ser “prática” (entende-se adestramento). (1986, p. 186-188)

Entretanto, as ações transformadoras do professor, devem ir no sentido de

oportunizar a tomada de consciência do aluno sobre suas necessidades reais de existência,

proporcionando, dessa forma, as condições de se tornarem homens emancipados. Vale

ressaltar, que tais necessidades não podem ser atendidas em uma sociedade de dominantes e

dominados, em uma sociedade cuja necessidade prioritária é a obtenção de lucro. Nesse

sentido, entendemos que o papel fundamental da educação/Educação Física escolar é

possibilitar ao aluno a compreensão de determinados conhecimentos sociais, conhecimentos

esses que possam contribuir no processo de emancipação humana.

5 Alunos pensantes, criativos e questionadores, o que pode possibilitar sua atuação como transformadores da

sociedade na qual se encontra.

23

2 Educação Física escolar e emancipação humana

Considerando o que já foi discutido nas seções anteriores sobre a educação física e

levando em conta minha experiência nos Estágios Obrigatórios, a Educação Física escolar tem

se configurado como um dos instrumentos de disciplinamento do aluno e adestramento do

corpo para o mercado de trabalho. Dessa forma, ela vem desempenhando papéis no

desenvolvimento da sociedade, pautada no modelo educacional de cada época, ou seja,

contribuindo para a conservação dos interesses da classe dominante na sociedade capitalista.

Assim, é possível perceber o verdadeiro papel que cumpre a Educação Física escolar na atual

sociedade. Portanto, propiciar o conhecimento que permita compreender a realidade social,

torna-se uma tarefa importantíssima para a educação/Educação Física que leve à superação da

sociedade de classes.

Mas isso não se trata só de construir o conhecimento, e sim de fazer a crítica ao que

foi produzido historicamente pelos homens, na perspectiva dominante, em suas variadas

formas, e de construir um outro conhecimento - de caráter crítico transformador, rumo a

liberdade plena. Entretanto, segundo Tonet (2012), temos que nos preocupar para não cairmos

na forma essencialmente limitada, parcial e equivocada de liberdade burguesa, ou seja,

liberdade que está pautada nas relações burguesas desta sociedade. Portanto, pode-se afirmar

que é a emancipação humana que representa o patamar mais elevado da liberdade humana. E

decorrente disso, toda atividade educativa que requeira contribuir na formação de indivíduos

aptos e inteiramente livres deverá estar pautada na emancipação humana, que tem como

fundamento o ato do trabalho o mais livre possível, ou seja, o trabalho associado6. Pois é

nesse espaço de trabalho que os indivíduos realizarão de maneira ampla as suas reais

potencialidades, podendo ser, de fato, senhores do seu próprio destino.

A partir desse entendimento concordamos com Tonet (2012, p. 71-73), sobre os

cinco requisitos, com os quais a educação que podem contribuir para a emancipação humana:

6 Segundo Tonet (2012, p. 21), o trabalho associado “permite superar todas as formas estranhadas de relações

entre os homens geradas pelo capital ou por ele apropriadas e subsumidas. Ao trabalharem associadamente, as

relações entre os homens passarão a ter o caráter de relações entre pessoas e não entre coisas; já não haverá

relações de exploração e de dominação; todos os indivíduos terão a possibilidade de apropriar-se da riqueza

coletivamente produzida e, ao mesmo tempo, de desenvolver as suas potencialidades, contribuindo tanto para a

sua realização como para a do gênero humano. Deste modo, o trabalho associado implica que a produção seja

voltada para o valor-de-uso, ou seja, para o atendimento das necessidades humanas”.

24

[...] o primeiro destes requisitos é o conhecimento sólido e profundo da

natureza da emancipação humana, que é o fim que se pretende atingir. Um

segundo requisito [...] é o conhecimento do processo histórico real, em suas

ndimensões universais e particulares. Um terceiro requisito está no

conhecimento da natureza essencial do campo específico da educação. Um

quarto requisito consiste no domínio dos conteúdos específicos, próprios de

cada área do saber. Tanto daqueles que integram as ciências da natureza

quanto daqueles que abrangem as ciências sociais e a filosofia. Um quinto e

último requisito para uma prática educativa emancipadora encontra-se na

articulação da atividade educativa com as lutas desenvolvidas pelas classes

subalternas, especialmente com as lutas daqueles que ocupam posições

decisivas na estrutura produtiva.

Partindo desses cincos requisitos, a prática pedagógica nas aulas Educação Física

terá um papel fundamental para a emancipação humana. Esse papel diz respeito a

contribuição de tais requisitos para “[...] uma ação educativa que tenha por objetivo contribuir

para a emancipação humana” (TONET, 2004, p.133), que passa pela formação de homens

verdadeiramente livres e construtores de sua própria história.

Portanto, a Educação Física escolar poderá proporcionar uma apropriação de

conhecimento do ser humano em sua totalidade para uma emancipação humana, afim da

transformação da sociedade atual, pois isso se trata do próprio destino da humanidade e é do

conhecimento sobre a realidade social, que o aluno necessita se apropriar para intervir rumo à

emancipação humana (TONET, 2004, p. 140).

Mas, segundo Lessa e Tonet (2004, p. 67),

[...] justamente por ser uma rigorosa necessidade, por mais livre que seja, o

trabalho emancipado, ele não é, ainda, a forma superior da liberdade. [...] o

trabalho emancipado não será jamais, a atividade humana mais livre

possível, será apenas e tão somente a forma de trabalho mais livre possível.

Entretanto, é importante destacar que para uma Educação Física escolar, que busque

a superação desta sociedade, o conhecimento próprio dessa área merece ser tratado de forma

que envolva toda a complexidade das relações que os homens estabelecem entre si, conectada

com a realidade. Nesse sentido, a liberdade plena como fundamento da emancipação humana,

será o objetivo do professor, ao disponibilizar ao aluno todo o conhecimento que lhe permita,

a partir da compreensão da realidade, o caminho para a superação da sociedade regida pelo

capital.

Enfatizando, Tonet (2012, p. 53), diz que o ponto de partida de Marx é que o ser

social que se define pela práxis, ou seja, pela síntese entre objetividade (realização da

25

consciência) e subjetividade (consciência), entre exterioridade e interioridade. Assim, os

homens superarão esta forma de sociabilidade como sendo um imperativo tanto para a sua

sobrevivência como para um desenvolvimento mais pleno da humanidade. E cuja efetivação

depende de decisões dos próprios homens, ou seja, fazer uma transformação da sua própria

consciência, de organizar e de dispor em lutar a favor de todos aqueles que em meio à

sociedade capitalista são um obstáculo em sua própria realização pessoal. Entretanto, isso nos

leva a outro princípio, que é a provisoriedade do conhecimento, partindo da ideia de que nada

é definitivo e absoluto, tratar o conhecimento a partir do seu início mostrará para o aluno que,

durante o processo histórico, ele se modifica e que como ele se manifesta hoje, uma vez se

manifestava de outra forma, contribuindo para que o aluno se identifique como sujeito

histórico.

Nesse sentido, para Tonet (2012, p. 57-58) importa

[...] buscar compreender o processo histórico, a natureza e a lógica do

capital e do capitalismo, a crise atual do capital, a história da sociedade

brasileira e sua articulação com a crise atual do capital, vale dizer,

compreender cada parte da realidade social como um momento de uma

totalidade maior em processo, tudo isto são requisitos indispensáveis para a

realização de atividades educativas que contribuam não para formar

cidadãos, ainda que críticos, mas indivíduos que se engajem na luta pela

construção de uma sociedade de homens livres.

Diante disso, em relação à educação, seria importante que a mesma contribuísse para

que o homem se tornasse livre e consciente de suas ações. Portanto, a Educação Física

escolar, poderá contribuir para o conhecimento crítico e transformador da sociedade.

Passando a estabelecer relações que permitam ao aluno, através das aulas, perceber o ser

humano em sua totalidade, isto é, a Educação Física escolar poderá proporcionar uma

apropriação, por parte do aluno, de conhecimento do ser humano em sua totalidade para uma

possível emancipação humana, a fim da transformação da sociedade atual. Isso se trata do

próprio destino da humanidade, como o conhecimento sobre a concreta realidade social e é

desse conhecimento que o aluno necessita se apropriar para futura emancipação humana. E

para isso, tanto a escola como os demais setores sociais, devem proporcionar a reflexão sobre

as razões para a explicação da realidade do atual sistema. Que a escola cumpra de forma

competente sua função social e que o aluno ao passar por ela possa se apropriar de

conhecimentos significativos, a fim de contribuir para o processo de transformação da

sociedade.

26

Considerações Finais

A partir das considerações decorrentes deste trabalho, é possível perceber que torna-

se indispensável – por parte do professor – a ampliação do conhecimento construído

socialmente e acumulado historicamente, a ser transmitido aos alunos. Conhecimento este que

direcione a apropriação do entendimento da realidade social no sistema do capital, ao qual

estão sujeitos. Assim, o professor propiciará a reflexão e compreensão desta sociedade.

Porém, ainda persiste o pensamento, pautado no senso comum, de que a Educação Física

escolar se resume na realização de aulas sem fundamentação teórica e desconectada do mundo

real, priorizando-se, de forma generalizada, a prática pela prática – o famoso rola a bola - e a

esportivização. Esta última gera seletividade de cunho exclusivamente esportivo,

desconsiderando outros conhecimentos relevantes7 que compõem a sua construção histórica, o

que implica na simplificação e vulgarização do conhecimento.

Isto é percebido quando aos alunos são sonegados conhecimentos significativos na

aula de Educação Física. Esses conhecimentos poderiam, ao contrário, serem profundos de

maneira a dominá-los, com a finalidade de possibilitar a superação da sociedade regida pelo

capital. Isso permitiria ao professor de Educação Física o desenvolvimento de conhecimentos

significativos quanto ao interagir, sentir, movimentar-se, pensar, disputar, criar, a fim de

possibilitar o pensamento crítico.

Toda atividade educativa que, do ponto de vista do professor, venha contribuir para

formar indivíduos comprometidos em construir uma sociedade, em que a “[...] formação

integral seja possível [...]” deverá estar sempre presente em suas aulas. Isso estaria resgatando

o comprometimento com o “[...] caráter radical crítico e revolucionário”. Envolve também,

desenvolver atividades educacionais que incentivarão “[...] as pessoas a participarem

ativamente das lutas sociais e que estas estejam [...]” envolvidas “[...] na transformação

radical da sociedade[...]”. Inspirado no pensamento marxiano, afirma Tonet (2012, p. 83-85):

“[...] as ideias apenas transformam a mente, o que certamente é muito importante. Mas, para

7 O esporte é importante e relevante no contexto escolar, porém, não deve ser o caráter fundante da Educação

Física.

27

que transforme a realidade, é necessário que elas se tornem força material e isso se dá através

da ação prática”.

Assim, pode-se pensar nas possibilidades emancipadoras para a Educação Física.

Pensar no sentido de transformar a atual sociedade, isto é, uma Educação Física escolar para

além da simplificação e vulgarização do conhecimento.

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