revista faeba educação e contemporaneidade

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Revita faeba educação e contemporaneidade - representações sociais

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Page 1: Revista Faeba Educação e contemporaneidade
Page 2: Revista Faeba Educação e contemporaneidade

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB

Reitor: Lourisvaldo Valentim da Silva; Vice-Reitora: Amélia Tereza Santa Rosa MarauxDEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS IDiretor: Antônio AmorimPrograma de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC – Coordenador: Elizeu Clementino de Souza

CONSELHO EDITORIAL

Conselheiros nacionaisAdélia Luiza PortelaUniversidade Federal da BahiaAntônio AmorimUniversidade do Estado da BahiaCipriano Carlos LuckesiUniversidade Federal da BahiaEdivaldo Machado BoaventuraUniversidade Federal da BahiaElizeu Clementino de SouzaUniversidade do Estado da BahiaJaci Maria Ferraz de MenezesUniversidade do Estado da BahiaJacques Jules SonnevilleUniversidade do Estado da BahiaJoão Wanderley GeraldiUniversidade de CampinasJonas de Araújo RomualdoUniversidade de CampinasJosé Carlos Sebe Bom MeihyUniversidade de São PauloJosé Crisóstomo de SouzaUniversidade Federal da BahiaKátia Siqueira de FreitasUniversidade Católica de SalvadorMarcos Silva PaláciosUniversidade Federal da BahiaMaria José PalmeiraUniversidade do Estado da Bahia eUniversidade Católica de SalvadorMaria Luiza MarcílioUniversidade de São PauloNadia Hage FialhoUniversidade do Estado da Bahia

Paulo Batista MachadoUniversidade do Estado da BahiaRaquel Salek FiadUniversidade de CampinasRobert Evan VerhineUniversidade Federal da BahiaWalter Esteves GarciaAssociação Brasileira de Tecnologia Educacional /Instituto Paulo FreireYara Dulce Bandeira de AtaídeUniversidade do Estado da Bahia

Conselheiros internacionaisAdeline BeckerBrown University, Providence, USAAntônio Gomes FerreiraUniversidade de Coimbra, PortugalEdmundo Anibal HerediaUniversidade Nacional de Córdoba, ArgentinaEllen BiglerRhode Island College, USAFrancisco Antonio LoiolaUniversité Laval, Québec, CanadaGiuseppe MilanUniversitá di Padova – ItáliaJulio César Díaz ArguetaUniversidad de San Carlos de GuatemalaLuís Reis TorgalUniversidade de Coimbra, PortugalMarcel LavalléeUniversité du Québec à Montréal, CanadaMercedes VillanovaUniversidade de Barcelona, EspañaPaolo OreficeUniversitá di Firenze - Italia

GRUPO GESTOREditora Geral: Yara Dulce Bandeira de AtaídeEditor Executivo: Jacques Jules SonnevilleCoordenadora Administrativa e Financeira: Jumara Novaes Sotto Maior.Antônio Amorim (DEDC I), Elizeu Clementino de Souza (PPGEduC), Nadia Hage Fialho, Sueli Ribeiro Mota Souza

Coordenadoras do n. 32: as professoras doutoras Maria de Lourdes Soares Ornellas e Sandra Regina Soares (UNEB)Os/as pareceristas ad hoc dos números 31 e 32: os/as doutores/as Ana Celia da Silva (UNEB), Angela Meyer Borba (UFF), AntonioMarcos Chaves (UFBA), Bernardete Gatti (FCC/PUC-SP), Célia Dórea (UNEB), Clarilza Prado de Sousa (FCC/PUC-SP), DomingosBarros Nobre (UERJ), Dominique Colinvaux (UFF), Elizabete Conceição Santana (UNEB), Ivany Pinto (UFP), Jader Janer MoreiraLopes (UFF), Katia Maria Santos Mota (UNEB), Liana Gonçalves Pontes Sodré (UNEB), Lígia Pellon de Lima Bulhões (UNEB), LucieneMaria da Silva (UNEB), Maria Cristina Martins (UFSE), Maria de Lourdes Soares Ornellas (UNEB), Maria Olivia de Matos Oliveira(UNEB), Marinalva Lopes Ribeiro (UEFS), Rejane de Souza Fontes (UERJ), Sandra Regina Soares (UNEB). Os/as Doutorandos/asGlaucineide do Nascimento Coelho (UFRB), Ronaldo Crispim Sena Barros (UNEB). A mestre Karina de Oliveira Santos Cordeiro (UNEB).Revisão: Regina Helena Araújo Soares; Bibliotecária (referências): Jacira Almeida Mendes; Tradução/revisão: Eric Maheu.Capa e Editoração: Linivaldo Cardoso Greenhalgh (“A Luz”, de Carybé – Escola Parque, Salvador/BA); Secretaria: MariaLúcia de Matos Monteiro Freire.

REVISTA FINANCIADA COM RECURSOS DA PETROBRAS S.A.

Page 3: Revista Faeba Educação e contemporaneidade

Revista da FAEEBA

Educaçãoe Contemporaneidade

Departamento de Educação - Campus IDepartamento de Educação - Campus IDepartamento de Educação - Campus IDepartamento de Educação - Campus IDepartamento de Educação - Campus I

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

ISSN 0104-7043

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 2009

Page 4: Revista Faeba Educação e contemporaneidade

Tiragem: 1.000 exemplares

Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade / Universidade doEstado da Bahia, Departamento de Educação I – v. 1, n. 1 (jan./jun.,1992) - Salvador: UNEB, 1992-

Periodicidade semestral

ISSN 0104-7043

1. Educação. I. Universidade do Estado da Bahia. II. Título. CDD: 370.5 CDU: 37(05)

Revista da FAEEBA – EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADERevista do Departamento de Educação – Campus I(Ex-Faculdade de Educação do Estado da Bahia – FAEEBA)

Publicação semestral temática que analisa e discute assuntos de interesse educacional, científico e cultural.Os pontos de vista apresentados são da exclusiva responsabilidade de seus autores.

ADMINISTRAÇÃO: A correspondência relativa a informações, pedidos de permuta, assinaturas, etc.deve ser dirigida à:

Revista da FAEEBA – Educação e ContemporaneidadeUNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIADepartamento de Educação I - NUPERua Silveira Martins, 2555 - Cabula 41150-000 SALVADOR – BAHIA - BRASILTel. (071)3117.2316E-mail: [email protected]

Normas para publicação: vide últimas páginas.E-mail para o envio dos artigos: [email protected] da Revista da FAEEBA: http://www.revistadafaeeba.uneb.br

Indexada em / Indexed in:- REDUC/FCC – Fundação Carlos Chagas - www.fcc.gov.br - Biblioteca Ana Maria Poppovic- BBE – Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília/INEP)- Centro de Informação Documental em Educação - CIBEC/INEP - Biblioteca de Educação- EDUBASE e Sumários Correntes de Periódicos Online - Faculdade de Educação - Biblioteca UNICAMP- Sumários de Periódicos em Educação e Boletim Bibliográfico do Serviço de Biblioteca e Documentação -Universidade de São Paulo - Faculdade de Educação/Serviço de Biblioteca e Documentação.www.fe.usp.br/biblioteca/publicações/sumario/index.html- CLASE - Base de Dados Bibliográficos en Ciencias Sociales y Humanidades da HemerotecaLatinoamericana - Universidade Nacional Autônoma do México:E-mails: [email protected] e [email protected] / Site: http://www.dgbiblio.unam.mx- INIST - Institut de l’Information Scientifique et Technique / CNRS - Centre Nacional de la RechercheScientifique de Nancy/France - Francis 27.562. Site: http://www.inist.fr- IRESIE - Índice de Revistas de Educación Superior e Investigación Educativa (Instituto deInvestigaciones sobre la Universidad y la Educación - México)

Pede-se permuta / We ask for exchange.

Page 5: Revista Faeba Educação e contemporaneidade

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 1-250, jul./dez. 2009

S U M Á R I O

9 Editorial

10 Temas e prazos dos próximos números da Revista da FAEEBA – Educação e Contempo-raneidade

EDUCAÇÃO E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

15 Apresentação: as representações sociais e a educaçãoMaria de Lourdes Soares Ornellas; Sandra Regina Soares

19 Pensamento mítico e representações sociaisEugênia Coelho Paredes

27 As representações sociais no campo das polifonias entre afetividade e a educaçãoIvany Pinto

35 Las transformaciones en las representaciones de los docentes universitariosClaudia Finkelstein

49 O trabalho docente nas representações de professores do ensino superior privadoIvonete Barreto de Amorim; Sandra Regina Soares

61 Representações sociais de estudantes de licenciatura sobre o ensino universitárioMarinalva Lopes Ribeiro; Anna Virgínia Araújo

73 Aportes de la investigación sobre representaciones sociales acerca de la profesionalizacióndocente: una exigencia contemporáneaSusana Seidmann; Sandra Thomé; Jorgelina Di Iorio; Susana Azzollini

83 Representações sociais de estudantes de licenciatura sobre a profissão e a profissionalidadedocenteMarli André; Márcia Hobold

95 Identidade docente e gênero: representações de estudantes de pedagogia e de professoresKarla Karlburger Moreira Lassala; Alda Judith Alves-Mazzotti

105 Representação social sobre o trabalho docente: um estudo através do Procedimento deClassificação Múltipla e da Análise de SimilitudeClaudia Maria de Lima; Yoshie Ussami Ferrari Leite; Célia Maria Guimarães; Edsonde Castro Quintanilha; Maria Suzana De Stefano Menin; Alberto Albuquerque Gomes;Juliana Ap. Matias Zechi; Alessandra de Moraes Shimizu

119 Representação social do professor-sujeito: um estudo sobre seu endereço e adereçoMaria de Lourdes Soares Ornellas

129 As representações sociais como analisador da emergência de uma nova profissão emeducação: o caso dos agentes de desenvolvimento no QuébecFrançois Larose; Dany Boulanger; Yves Couturier; Johanne Bédard; Serge J. Larivée

Page 6: Revista Faeba Educação e contemporaneidade

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 1-250, jul./dez. 2009

235 ATAIDE, Yara Dulce Bandeira. Armas e armadilhas: vida e morte atrás das grades.Salvador: Eduneb, 2008.José Carlos Sebe Bom Meihy

237 MARINHO, Mônica Benfica. A carreira da prostituta militante: um estudo sobre o papel daspráticas institucionais na construção da identidade da prostituta militante da Associação dasProstitutas da Bahia. Tese, UFBA, 2007.

238 FERREIRA, Simone de Lucena. Possibilidades para a educação em rede com a TV digitalno Brasil. Tese, UFBA, 2008.

239 TEZANI, Thaís Cristina Rodrigues. Gestão escolar: a prática pedagógica administrativa napolítica de educação inclusiva. 2008. Tese, UFSCar, 2008.

240 JESUS, Francineide Pereira de. A complexidade do ser humano no processo de formaçãode professores. Dissertação, PPGEduC/UNEB, 2008.

241 NUNES, Jacy Bandeira Almeida. Cartografia das representações sociais de professoressobre a educação ambiental no ensino médio: sentidos manifestos nos ditos e não ditos.Dissertação, PPGEduC/UNEB, 2008.

242 FONSECA, Adriana de Castro. Disciplinando o corpo de Alice: maravilha e controle naescola contemporânea. Dissertação, UFJF, 2009.

RESENHA E RESUMOS DE TESES E DISSERTAÇÕES

243 Normas para publicação

147 Representações de ludicidade entre professores de educação infantilMarilete Calegari Cardoso; Cristina d’Ávila

161 As representações sociais de adolescentes sobre os afetos na relação professor-aluno esuas implicações no processo ensino-aprendizagemLuciana Rios da Silva

175 Protagonismo juvenil e representações sociais: o jovem na condução do carro de JagrenáMaria de Fátima Moura Pereira

187 Diversidade, preconceito e exclusão à luz das representações sociaisMary Rangel

197 Representações sociais da violência: educação, sujeitos, tramas e dramasPaulo Batista Machado; Suzzana Alice Lima Almeida

211 Representações sociais docentes sobre a mídia: aproximações e distanciamentosMaria Olívia de Matos Oliveira

221 Um certo Nordeste: representações sociais de universitáriosClarilza Prado de Sousa; Lúcia Pintor Santiso Villas Bôas

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 1-250, jul./dez. 2009

C O N T E N T S

11 Editorial

12 Themes and Time Limit to Submit Manuscript for the Next Volumes of Revista da FAEEBA– Education and Contemporaneity

EDUCATION AND SOCIAL REPRESENTATIONS

15 Presentation: Social Representations and EducationMaria de Lourdes Soares Ornellas; Sandra Regina Soares

19 Mythical Thought and Social RepresentationsEugênia Coelho Paredes

27 The Social Representations in the Field of the Multiple Voices between Affect and EducationIvany Pinto

35 Transformations in the Representations of the University ProfessorsClaudia Finkelstein

49 Teaching in Representations of Private University ProfessorsIvonete Barreto de Amorim; Sandra Regina Soares

61 Social Representations of Students from Lecturing Courses about the College TeachingMarinalva Lopes Ribeiro; Anna Virgínia Araújo

73 Contributions of the Research on Social representations upon Teaching as a Profession: acontemporary demandSusana Seidmann; Sandra Thomé; Jorgelina Di Iorio; Susana Azzollini

83 Prospective Teachers´ Social Representations on Teaching as a ProfessionMarli André; Márcia Hobold

95 Teaching Identity and Gender: Representations of Education’s Students and TeachersKarla Karlburger Moreira Lassala; Alda Judith Alves-Mazzotti

105 Social Representations of Teaching: a study through the Multiple Classification Procedureand the Analysis of SimilarityClaudia Maria de Lima; Yoshie Ussami Ferrari Leite; Célia Maria Guimarães;Edson de Castro Quintanilha; Maria Suzana De Stefano Menin; AlbertoAlbuquerque Gomes; Juliana Ap. Matias Zechi; Alessandra de Moraes Shimizu

119 Social Representation of the Teacher-Citizen: a study on its localization and adornmentMaria de Lourdes Soares Ornellas

129 The Social Representations as an Analysing Tool for the Birth of a New Profession inEducation: the development agents’ caseFrançois Larose; Dany Boulanger; Yves Couturier; Johanne Bédard; Serge J. Larivée

Page 8: Revista Faeba Educação e contemporaneidade

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 1-250, jul./dez. 2009

147 Transformations in the Representations of the University ProfessorsMarilete Calegari Cardoso; Cristina d’Ávila

161 Teenagers Social Representations about Affects in the Teacher-student relation and itsImplication in the Learning-Teaching ProcessLuciana Rios da Silva

175 Youth Protagonism and Social Representations: young people conducting Jagrená carMaria de Fátima Moura Pereira

187 Diversity, Prejudice and Exclusion, in the Light of Social RepresentationsMary Rangel

197 Social Representations upon Violence: educations, subjects, narratives and tragediesPaulo Batista Machado; Suzzana Alice Lima Almeida

211 Teaching Social Representation Upon Media: approximations and distanciationsMaria Olívia de Matos Oliveira

221 A Certain Northeast: social representation of universitary studentsClarilza Prado de Sousa; Lúcia Pintor Santiso Villas Bôas

BOOK REVIEW AND THESIS ABSTRACTS

235 ATAIDE, Yara Dulce Bandeira. Guns and Traps: life and death behind bars. Salvador:Eduneb, 2008.José Carlos Sebe Bom Meihy

237 MARINHO, Mônica Benfica. The Militant Prostitute Career: a study about the role ofinstitutional practices in the construction of a militant prostitute’s identity from Bahiaprostitutes association. Ph.D.thesis, Tese, UFBA, 2007.

238 FERREIRA, Simone de Lucena. Possibilities for Network Education through DigitalTelevision in Brazil. Ph.D.thesis, UFBA, 2008.

239 TEZANI, Thaís Cristina Rodrigues. School Management: the pedagogical practice in theadministrative policy of inclusive education. 2008. Ph.D.thesis, UFSCar, 2008.

240 JESUS, Francineide Pereira de. Human Being Complexity in the Process of Teachers’Formation. Master thesis, PPGEduC/UNEB, 2008.

241 NUNES, Jacy Bandeira Almeida. Cartography of the Social Representations of Teachersabout Environmental Education in High schools: meanings manifested utterly and non-utterly.Master thesis, PPGEduC/UNEB, 2008.

242 FONSECA, Adriana de Castro. Disciplining Alice´s Body: wonder and control in contemporaryschool. Master thesis, UFJF, 2009.

247 Instructions for publication

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 2009 9

EDITORIAL

EDUCAÇÃO E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS é o tema do número 32da Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade. Para a elaboraçãodo número, recebemos a valiosa colaboração de duas professoras, especialis-tas no tema das representações sociais e colegas no Programa de Pós-Gradu-ação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC/UNEB: as ProfessorasDoutoras Maria de Lourdes Soares Ornellas e Sandra Regina Soares. Comamplo conhecimento das pesquisas e dos pesquisadores acerca do assunto,foram convidadas para serem as coordenadoras deste número. Nessa função,elas fizeram uma ampla divulgação da temática, dentro e fora do país, e conse-guiram reunir uma equipe de pareceristas ad hoc, a fim de avaliar os cerca de40 textos recebidos para fins de publicação. A partir disso, acompanharam deperto os diversos passos da avaliação, resultando na seleção de dezoito artigos,aprovados para serem publicados.

O motivo central para estudar a relação entre representações sociais eeducação consiste no fato de que essas representações orientam as condutas ecomunicações, como informam diversos autores deste número. Enquanto sis-temas de interpretação do real, as representações sociais intervêm em proces-sos variados, como a difusão e assimilação dos conhecimentos, o desenvolvimentoindividual e coletivo, a definição das identidades pessoais e sociais, os proces-sos de transformação social. Desse modo, as representações sociais se confi-guram como uma forma de conhecimento do senso comum, elaborada ecompartilhada socialmente, constituída de informações, conteúdos cognitivos,ideológicos, prescritivos ou normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões,imagens concernentes a um determinado aspecto da realidade, que permitemao indivíduo situar-se no grupo ao qual pertence, compreender e explicar arealidade, guiar seus comportamentos, justificar suas condutas. Assim, as re-presentações sociais têm tudo a ver com a educação.

Finalizando este número, uma resenha e seis resumos de teses de doutora-do e dissertações de mestrado, a fim de divulgar os autores e suas pesquisas noâmbito nacional.

O Grupo Gestor

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 200910

Temas e prazos dos próximos números

da Revista da FAEEBA:

Educação e Contemporaneidade

Enviar textos para Jacques Jules Sonneville – [email protected]

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 2009 11

EDITORIAL

EDUCATION AND SOCIAL REPRESENTATION is the theme of the volume32 of the Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade. This volumebenefited from the valorous collaboration of two researchers, specialists of thetheme, and part of the UNEB graduate programs in Education: Maria de LourdesSoares Ornellas e Sandra Regina Soares. They have made an ample publicitywithin and outside Brazil, and have succeeded in joining a team of text evaluatorsto analyze the nearly 40 texts received for publication, which resulted in theselection of 18 papers approved to be published.

The central motive to study the relation between social representations andeducation resides in the fact that these social representations guide acts andcommunication as various authors in this volume show. Acting as realityinterpretation systems, social representations influence diverse processes likeknowledge diffusion and assimilation, individual and collective development,definition of individual and social identity, as well as social transformationprocesses. In this way, social representations reveal themselves as a modalityof common sense knowledge, socially elaborated and shared, throughinformations, cognitive, ideological, prescriptive and normative contents, as wellas through beliefs, values, attitudes, opinions and images relatives to some aspectof reality, which enables to situate oneself in the group to which one belongs, tounderstand and explain reality, guide behavior, and justify acts. Socialrepresentation have thus everything to do with education.

Completing this volume, a review and six PhD’ and master’s thesis, willcontribute to publicize the authors and their researches.

The editors

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 200912

Email papers to Jacques Jules Sonneville – [email protected]

Themes and terms for the next journals

of Revista da FAEEBA:

Educação e Contemporaneidade

Page 13: Revista Faeba Educação e contemporaneidade

EDUCAÇÃO EREPRESENTAÇÕES

SOCIAIS

Page 14: Revista Faeba Educação e contemporaneidade
Page 15: Revista Faeba Educação e contemporaneidade

15Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 15-18, jul./dez. 2009

Maria de Lourdes Soares Ornellas; Sandra Regina Soares

APRESENTAÇÃO:

as representações sociais e a educação

Maria de Lourdes Soares Ornellas *

Sandra Regina Soares * *

A revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade ocupa-se, nessenumero 32, dos saberes da representação social e da educação. Na últimadécada, o estudo das representações sociais tem lugar e posição na educação,observando-se um número cada vez maior de pesquisas que enlaçam essesdois campos, o que pode contribuir para a construção de uma nova escuta noque se refere aos processos subjetivos que interagem na educação.

Kaës1 (2001), ao pensar sobre representação social, elabora a hipótese deque a representação é um trabalho de lembranças daquilo que está ausente,que está em falta. Por ser falta, Moscovici2 (1978) diz ser um conceito queescapa. Os artigos, aqui apresentados, em algum momento escapam ao que oautor quer dizer com esta ou aquela palavra ou mesmo a inscrição da suaformação discursiva.

Para o mesmo autor, o conceito de representação social é polissêmico, é umsaber do senso comum e se situa fundado nas dimensões de informação, ima-gem e atitude. Deste modo, podemos observar que, na maioria dos dezoito arti-gos, os conceitos de representação social estão enodados e as abordagensdiferenciadas são singulares e complementares. Os autores revelam que o atode escrever é subordinado a uma construção teórica no sentido de captar oobjeto de estudo na sua especificidade e no seu agalma3 .

Solicitamos ao leitor que nos acompanhe nesta tentativa inicial, híbrida, deunir representação social e educação, sem perder de vista que efeitos inusita-dos e ambivalentes podem lhe surpreender. A fala dos autores enlaça a teoriada representação social com a educação tal como um palco em que a melodia

* Doutora em Psicologia da Educação. Professora titular da Graduação e Pós-Graduação emEducação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Coordenadorado Núcleo de Estudos em Afetos e Representações Social (NEARS). Líder do grupo de pesqui-sa Gepe(rs) (Grupo de pesquisa em psicanálise e educação e representação social). Psicanalista.Endereço para correspondência: Rua Silveira Martins, 2555, Cabula – 41150-000 Salvador/BA.E-mail: [email protected]* * Doutora em Educação pela Université de Sherbrooke-Qc-Canadá. Pós-doutorado em Edu-cação pela UNISINOS. Professora do Departamento de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, Campus I.Líder do grupo de pesquisa CNPq - Docência Universitária e Formação de Professor-DUFOP.Endereço para correspondência: Rua Silveira Martins, 2555, Cabula – 41150-000 Salvador/BA.E-mails: [email protected] / [email protected] KAËS, R. Psicanálise e representação social. In: JODELET, D. (org.). As representaçõessociais. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001. p. 67-68.2 MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978.3 Objeto de desejo, brilhante, galante, termo que vem de gal, brilho, no antigo francês. Lacan utilizaesta expressão no Seminário 8 – A transferência (1993, p. 139)

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16 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 15-18, jul./dez. 2009

Apresentação: as representações sociais e a educação

adentra a nossa ausculta e vários arranjos fazem parte dessa partitura, mas abusca da harmonia se impõe, posto que não há desejo desses dois construtosrevelarem-se em um.

Os artigos foram organizados em quatro blocos. O primeiro bloco reúnedois textos que desenvolvem reflexões sobre a teoria das representações soci-ais, destacando sua relação com outros fenômenos sociais. Assim, o texto Pen-samento mítico e representações sociais, de autoria de Eugênia Coelho Paredes,discute a importância do estudo do pensamento mítico para o campo das repre-sentações sociais, pois ambos são formas de pensamento social, situam-se naesfera simbólica, orientam as condutas sociais e os processos de “mitização”atuam na produção e manutenção das representações sociais. O texto apre-sentado por Ivany Pinto, intitulado As representações sociais no campo daspolifonias entre afetividade e a educação, se propõe a analisar o papel dadimensão emocional na construção das representações sociais em especial nocontexto educacional. Formula que as interações e as emoções vividas na in-fância e na juventude deixam marcas, difíceis de ser alteradas, que interferemna construção das representações sociais dos sujeitos; entretanto um processoeducativo baseado em interações afetivas, de respeito e aceitação do educan-do, pode contribuir para ressignificar essas representações sociais.

O segundo bloco integra três textos que apresentam resultados de pesqui-sas sobre as representações sociais no âmbito da educação superior. O primei-ro, Las transformaciones en las representaciones de los docentesuniversitários, de autoria de Claudia Finkelstein, discute a repercussão natransformação das representações sociais acerca do fazer docente da experi-ência vivida no programa de formação para a docência universitária, desenvol-vido na Faculdade de Odontologia da Universidade de Buenos Aires. O segundotexto, de Ivonete Amorim e Sandra Soares, O trabalho docente nas repre-sentações de professores do ensino superior privado, analisa as represen-tações de professores sobre o trabalho docente em duas instituições de ensinosuperior privado, tendo como referência as perspectivas de proletarização e deprofissionalização do trabalho docente. O terceiro texto, Representações so-ciais de estudantes de licenciatura sobre o ensino universitário, apresen-tado por Marinalva Lopes Ribeiro e Anna Virgínia Araújo, identifica, a partir deuma discussão sobre as bases epistemológicas do ensino, que a formação inici-al não contribuiu eficazmente para a ressignificação das representações sobreo ensino, construídas ao longo da sua trajetória escolar.

O terceiro bloco congrega seis textos que discutem a profissão e a profissi-onalização do professor da escola básica. Susana Seidmann, Sandra Thome,Jorgelina Di Iorio e Susana Azzollini, no texto Aportes de la investigaciónsobre representaciones sociales acerca de la profesionalización docente:una exigencia contemporánea, apresentam os resultados de uma pesquisarealizada com professores da escola primária de Buenos Aires, que colocamem relevo a problemática contemporânea da profissionalização docente. MarliAndré e Márcia Hobold, no seu texto intitulado Representações sociais deestudantes de licenciatura sobre a profissão e a profissionalidade docen-te, considerando a importância, para as instituições formadoras, de conhecercomo os futuros professores concebem a profissão docente, revelam as moti-

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17Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 15-18, jul./dez. 2009

Maria de Lourdes Soares Ornellas; Sandra Regina Soares

vações, expectativas e angústias que fazem parte dessas representações. KarlaKarlburger Moreira Lassala e Alda Judtih Alves Mazzotti investigaram a de-terminação da questão de gênero na representação de estudantes e professo-res sobre ser professor, cujos resultados aparecem no texto Identidadedocente e gênero: representações de estudantes de pedagogia e de pro-fessores. Claudia Maria de Lima et al., integrantes da equipe de pesquisado-res coordenada por Maria Suzana S. Menin, relatam, no texto RepresentaçãoSocial sobre o trabalho docente: um estudo através do Procedimento deClassificação Múltipla e da Análise de Similitude, os resultados de umapesquisa que objetivou identificar os elementos constituintes e a dinâmica daorganização das representações sociais de estudantes universitários sobre otrabalho docente. Maria de Lourdes Soares Ornellas, no texto Representaçãosocial do professor-sujeito: um estudo sobre seu endereço e adereço, apartir de uma pesquisa com professores da rede municipal de ensino sobre oprofessor-sujeito, evidencia importantes aspectos imagéticos, cognitivos, afeti-vos e sociais presentes na sala de aula e, ainda, o endereço e adereço desseprofessor sujeito metaforizados nessa representação. Encerrando esse bloco,encontra-se o texto dos autores canadenses François Larose, Dany Boulan-ger, Yves Couturier, Johanne Bédard e Serge J. Larivée, intitulado As repre-sentações sociais como analisador da emergência de uma nova profissãoem educação: o caso dos agentes de desenvolvimento no Quebec, queidentifica indícios de construção de uma RS desta profissão, envolvendo aespecificidade das competências, finalidades e prescrições de seu exercícionos serviços sociais e de saúde, numa perspectiva de apoio à resiliência sociale escolar de crianças em condições socioeconômicas desfavoráveis.

O quarto bloco é constituído de sete textos que analisam aspectos diversosdo contexto educativo. O primeiro texto, Representações de ludicidade en-tre professores de Educação Infantil, de autoria de Marilete Calegari Car-doso e Cristina d’Ávila, discute a importância da inserção da ludicidade naformação e prática de professores, considerando sua natureza potencializado-ra do processo de aprendizagem em contraposição à lógica da racionalidadetécnica que prevalece nessa formação. O segundo texto, Representação so-cial de adolescentes sobre os afetos na relação professor-aluno, de Luci-ana Rios da Silva, tendo em vista que os afetos prazerosos ou desprazerososestão necessariamente presentes no processo educativo, enfatiza a importân-cia dos afetos para o aperfeiçoamento dessa relação, na perspectiva de umaeducação mais reflexiva. O terceiro texto, de Maria de Fátima Moura Pereira,Protagonismo juvenil e representações sociais: o jovem na condução do‘carro de Jagrená’, aborda a práxis do educador de projetos sociais voltadospara a formação de sujeitos participativos e autônomos, na representação dejovens integrantes desses projetos. O quarto texto, Diversidade, preconceitoe exclusão à luz das representações sociais, de autoria de Mary Rangel,retrata um estudo que fundamenta a importância para a educação da temáticada diversidade e da formação para a convivência em condições mais humanase inclusivas e busca compreender, pela via das representações sociais, comose constroem os preconceitos que estão na base da exclusão. O quinto texto,de Paulo Machado e Suzzana Alice Lima Almeida, Representações sociais

Page 18: Revista Faeba Educação e contemporaneidade

18 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 15-18, jul./dez. 2009

Apresentação: as representações sociais e a educação

da violência: educação, sujeitos, tramas e dramas apresenta resultados deum estudo sobre a violência, que visou identificar, dentre outros aspectos, comosujeitos em diferentes contextos sociais representam o papel da educação es-colar em face desse fenômeno social, ou seja, até que ponto o acesso ou dis-tanciamento a essa educação explica a violência. O sexto texto,Representações sociais docentes sobre a mídia: aproximações e distanci-amentos, de autoria de Olivia Mattos, contempla o papel da mídia na educaçãoescolar e defende que sua introdução nas escolas por si só não é sinônimo deinovação; pressupõe que sua utilização esteja vinculada a objetivos claros, sen-do importante conhecer as representações dos professores. Por fim, o texto deClarilza Prado de Sousa e Lúcia Pintor Santiso Villas Bôas, intitulado Um cer-to Nordeste: representações sociais de universitários, partindo da consta-tação de que o “Nordeste” é um espaço construído historicamente e que, adespeito de contemplar diferentes elementos, como religião e turismo, se am-para em uma realidade comum representada socialmente, analisa os referen-ciais que identificam o Nordeste na representação de estudantes de diferentescursos e regiões do país.

Os textos aqui reunidos não expressam a totalidade das abordagens nemdos posicionamentos teóricos-metodológicos das pesquisas na área de educa-ção e representações sociais. Por certo, os autores dos trabalhos esperam queas idéias apresentadas estimulem, de alguma forma, o debate sobre os seusaspectos mais importantes.

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Eugênia Coelho Paredes

PENSAMENTO MÍTICO E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Eugênia Coelho Paredes *

* Doutora em Psicologia pela USP. Doutora em Ciências Sociais pela PUCSP. Pos-Doutorado em Psicologia Social – LEPS,Maison des Sciences de l’Homme, Paris, França. Professora Emérita da Universidade Federal de Mato Grosso. Coordenadorado Grupo de Pesquisa em Educação e Psicologia. Orientadora de Mestrado e Doutorado. Endereço para correspondência:Instituto de Educação, Salas 25 e 65, Cidade Universitária, Universidade Federal de Mato Grosso, Avenida Fernando Correa daCosta, S/N – 78060-900 Cuiabá, MT. E-mail: [email protected]

RESUMO

O interesse deste artigo é mostrar que estudos acerca de representações sociaispodem ser realizados fora das considerações habituais entre pensamento científico esenso comum. Moscovici, Jodelet, De Rosa, Kalampalikis e Paredes, todos em 2009,mostram a importância, tanto quanto a pertinência de se levar em conta a dupla,pensamento mítico e representações sociais.

Palavras-chave: Pensamento mítico – Representações sociais – Pesquisa

ABSTRACT

MYTHICAL THOUGHT AND SOCIAL REPRESENTATIONS

This article aims to show that studies concerning social representations can be madeout of the habitual considerations between scientific thought and common sense.Moscovici, Jodelet, De Rose, Kalampalikis and Paredes (2009), show the importanceas much as the pertinence of taking into account the couple mythical thought andsocial representations.

Keywords: Mythical thought – Social representations – Research

1. Introdução

Quando Serge Moscovici publicou seu trabalhoseminal, La psychanalyse, son image et son pu-blic (1961), abriram-se fronteiras para novos es-paços de trabalho dentro da Psicologia Social.Estabelecendo seu estudo a partir de um conjuntode dados que provinham do campo científico, deuchance a que muitos de nós trabalhássemos, du-rante anos a fio, na passagem que relaciona ciên-cia e saberes do senso comum.

Moscovici jamais esteve desatento a outras for-mas de pensamento que operassem como gerado-

ras, mantenedoras ou modificadoras de represen-tações sociais, dentre as quais se inclui o mítico.

[...] identificar mito e representações sociais, trans-ferir as propriedades psíquicas e sociológicas doprimeiro às segundas, sem nada a mais, torna a secontentar com metáforas e aproximações falaciosasaqui, onde, ao contrário, é necessário delimitar bemuma face essencial da realidade. Esta aproximaçãocômoda freqüentemente tem por objetivo depreciarnosso ‘senso comum’ mostrando seu caráter inferi-or, irracional e errôneo ao extremo; o mito não é, porisso, elevado à sua verdadeira dignidade. (MOSCO-VICI, 1976, p. 42, apud JODELET, 2009, p. 45-6).

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Pensamento mítico e representações sociais

A rigor, já desde a primeira edição do estudosobre a Psicanálise, e na segunda, de 1976, Mos-covici tratou do assunto, sem, contudo, instigarmuitos entusiasmos, a não ser, mais recentemente,quando, sob a direção de Denise Jodelet, NikosKalampalikis (2007) concluiu sua tese de doutora-do, tratando de mitos relativos à sua terra natal1 edesdobrou o assunto em diversas comunicações.Annamaria Silvana de Rosa estudou as idéias míti-cas carreadas pela noção de loucura, gravadas emdesenhos, especialmente os infantis, com extensaamostragem tomada em vários países. Denise Jo-delet assumiu o encargo de verificar, analisando asrelações entre as figuras da mulher e do lobo, comobrotam e vicejam pensamentos míticos na socie-dade contemporânea. Os três estudos se encon-tram reunidos em um livro, que mereceu prefácioescrito por Moscovici2 . Na mesma publicação,existe também um capítulo de minha autoria, noqual um mito Kamaiurá, do Alto-Xingu, mostra seupoder na condução de comportamentos e estabe-lecimento de normas para convivência com o gru-po. É principalmente neste que vou me demorar.

2. Representações sociais e mitos

Lendo Denise Jodelet:

Os modelos das representações sociais afirmam seucaráter prático, como grade de leitura e guia de con-duta. Com os mitos dos Kamaiurá nós descobrimosoutras modalidades de relação das representaçõescom a prática. Eles ilustram bem o caráter de repre-sentação em ato que é geralmente reconhecido nomito. De um lado, as idéias, as significações e osvalores são traduzidos imediatamente em ações. Nãose trata apenas de mise en intrigue os eventos eatores em uma narrativa. Os sentimentos, os dese-jos, as expectativas de desempenho de papéis esta-tutários, as aspirações de poder ou à satisfação deprazeres, as decisões são dados naquilo que fazemos personagens das histórias. (2009, p. 28).

é possível descortinar o amplo horizonte que sedisponibiliza às investigações que tomem como ful-cro – ponto de apoio e alavanca – o pensamentomítico.

Mas, a mesma pensadora interroga: “Como apli-car às representações que se desenvolvem no mun-do contemporâneo uma noção que foi construída,

inicialmente, a propósito de sociedades ou culturasafastadas no espaço e no tempo?” (2009, p. 31).

É ela quem apresenta algumas das diversaspossibilidades:

Certas características do mito facilitam o jogo doimaginário, do qual se podem encontrar ilustraçõesem diversas produções culturais contemporâneas.Por seu estilo, suas imagens, suas cores, o mito atin-ge a imaginação e se presta a identificações, comodemonstram os casos de mitificação de atores, decantores e outros personagens people, como LadyDiana, que se tornam objeto de culto e servem demodelos de vida. A própria ciência pode tornar-seum objeto de construção imaginária e fornecer omaterial para novos mitos, como aparece nas obrase filmes de ficção científica. Um trabalho sobre asrepresentações da ciência, sobre os saberes cientí-ficos difundidos, reconstituídos e mesmo antecipa-dos, produz formações de caráter mítico e persona-gens que adquirem um estatuto mítico. (2009, p. 54-5).

Depois de se dedicar a investigações que lida-ram com a loucura, o corpo feminino, o imagináriosul americano, a música, tantos e tão diversifica-dos assuntos com os quais instigou outros estudos,fomentou a ação de grupos internacionais de pes-quisa e foi construindo suas teorizações de que tan-tos se servem, Jodelet vem-se dedicando, nosúltimos tempos, ao estudo dos mitos que se insta-lam no tempo corrente.

Sabendo que não é possível encontrar, nas socieda-des contemporâneas, criações míticas semelhantesàs que se observa nas sociedades tradicionais, sepode arriscar a falar de representações sociais comdimensão mítica ou de processos de mitização naprodução de representações sociais. É por isto queproponho analisar as obras que, produzidas pormulheres, trazem à cena em suas narrativas a figuralendária do lobo, emprestada do imaginário social.Propondo uma assimilação entre o lobo e a mulher,estas narrativas geram uma representação da mu-lher com um caráter mítico, no sentido em que pro-põem uma nova visão de gênero que se exigeespecífica. Trata-se de imagens que as mulheres fa-

1 Les Grecs et le mythe d’Alexandre. Etude psychosocialed’un conflit symbolique à propos de la Macédoine.2 Pensamento mítico e representações sociais, organiza-do por Eugênia Coelho Paredes e Denise Jodelet, Cuiabá,EdUFMT/EdIUNI, 2009, publicado com recursos da FAPEMAT– Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso.

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zem de si mesmas, de representações às quais elasaderem, para exprimir, em dado contexto histórico,traços que caracterizam um destino comum, uma po-sição comum diante do mundo. (2009, p.56-7).

As razões de Jodelet para se dedicar à temáti-ca são apresentadas:

A relação entre mito e representação social chama aatenção não apenas porque se trata de duas formasde pensamento social que se pode comparar, tal comose faz a propósito do pensamento do senso comume do pensamento científico. Mas também porquemito e representação social remetem à esfera simbó-lica e podem ser analisados do ponto de vista desua contribuição à vida social. (2009, p. 40).

Nikos Kalampalikis (2009, p. 102-3) recoloca aquestão:

Para Barthes o mito contemporâneo é um discursoem torno do qual se constrói todo um sistema decomunicação. O mito moderno não é somente umconceito, nem uma idéia; é um modo de comunica-ção, é uma forma. Naturalmente, a esta forma se im-põem condições sócio-históricas particulares, paraque seu uso social permita sua transformação emmatéria mítica. De acordo com o mesmo autor, o mitonão é moldado pelo objeto da sua mensagem, maspela maneira como ele profere esta última. Ele admiteque o mito obedeça a limites formais e não substan-ciais. O semiólogo francês retoma a consideraçãode Durkheim a propósito da idéia de independênciaentre conteúdo e forma míticos. De acordo com omesmo autor, na relação entre o mito e seu objeto, oconteúdo mítico não impõe limites ao mito; existeuma espécie de independência entre conteúdo e for-ma mítica, e somente esta última desempenha umpapel limitativo. A determinação do mito, de acordocom o mesmo autor, não depende do objeto de re-ferência, mas da maneira segundo a qual a mensa-gem se manifesta. Esta mensagem tem certamenteuma base histórica, pois o mito, ele próprio, é umdiscurso histórico3 . O mito moderno perdeu seucaráter arcaico de enunciado pelo viés dos grandesrelatos. Doravante, é a comunicação social que oproduz sob a forma de uma mensagem. O mito sen-do uma mensagem, ele pode ser formado tanto nodiscurso social oral e escrito (fraseologia, estereoti-pia, senso comum), quanto por uma massa ilimitadade significantes (fotografia, pintura, cinema, publi-cidade, etc.); assim ‘(...) o mito desaparece, mas elecontinua a ser ainda mais insidioso, o mítico.’ (BAR-THES, 1993b, p. 1183). Esta concepção do mito mo-

derno veiculado, canalizado, inventado pela comu-nicação social confirma análises recentes na socio-logia da comunicação as quais postulam queprecisamente as ‘cerimônias televisivas conferem umestatuto mítico aos seus protagonistas’. (DAYAN;KATZ 1996, p. 202).

Kalampalikis prossegue no que me parece serum chamamento inarredável aos pesquisadores quese alojam em quaisquer sociedades e culturas:

Nós consideramos o mito como uma produção men-tal social que tem a sua historicidade, sua funciona-lidade e seu simbolismo. Ela veicula até nossos dias,um modo de pensamento, uma herança cultural am-pla, um arquivo histórico, uma bagagem lexical euma fraseologia (tanto na literatura quanto na lin-guagem do cotidiano, o senso comum) 4 . O mito nosinteressa do ponto de vista da Psicologia Socialcomo forma simbólica do saber cultural fazendo par-te das nossas representações e sustentando práti-cas comuns. Seu lugar de ancoragem e de predileçãoquanto à sua pesquisa se encontra no nosso casopreciso no campo mnemônico da identidade, a me-mória cultural, lá onde o histórico, a identidade e ocultural se cruzam e se mesclam, lá onde a ameaçaexterior é sentida e vivida como um ultimatum aopróprio ser. (2009, p. 104).

Annamaria Silvana de Rosa, de modo provoca-dor, indica outra vertente às possibilidades:

A pergunta é a seguinte: como representações ar-caicas e míticas, não-socializadas (pertencentes aodomínio de representações coletivas), tomam formano imaginário contemporâneo e, especialmente, comoelas se manifestam em crianças pequenas com umaautonomia tão surpreendente da socialização, trans-missão e elaboração do conhecimento? Como po-demos explicar representações sociais fora doscírculos visíveis da gênese social e da elaboraçãodo conhecimento? (2009, p.125).

De Rosa relembra, também, partes importan-tes do discurso moscoviciano sobre o tema:

A frase ‘mitos científicos’ confunde da mesma for-ma que um quadrado redondo ou uma religião ateís-

3 Nota oferecida por Kalampalikis: “Reencontramos uma con-cepção similar do mito contemporâneo em Lévi-Strauss quandoafirma “Nada se assemelha mais ao pensamento mítico que aideologia política” (1958, p. 231).”4 Nota oferecida por Kalampalikis: “Toda uma mitologia estádepositada em nossa linguagem”, escrevia Wittgenstein em 1982(p. 22).”

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Pensamento mítico e representações sociais

ta. Ela aponta para o paradoxo que temos de consi-derar como sendo o ponto de partida desta psicolo-gia. Na verdade, gostamos de relegar mitos aopassado. Nos gabamos pelo fato de eles terem sidoeliminados pela ciência. Eles são os resquícios deum sistema de pensamento arcaico que tentou clas-sificar a informação da realidade e aplicar suas pró-prias explicações como origens e personificações:agora podemos explicar muito melhor os fenôme-nos. (MOSCOVICI, 1992, p. 3, apud DE ROSA, 2009,p.136-7).

E depois:

Apesar do extraordinário progresso e difusão dasciências, os mitos que se acreditava terem sido subs-tituídos não só não foram eliminados como estãoprosperando atualmente. (...) A morte térmica uni-verso, a dualidade entre as partes esquerda e direitado cérebro, Homem neural, com H maiúsculo, a mor-te do pai: sabemos que estas não são descobertascientíficas, mas mitos e derivações e não desviosdos anteriores. Quanto aos criadores de mitos nomundo moderno, um belo grupo de ganhadores doPrêmio Nobel pode ser encontrado entre eles. Tudoisso pode ofender, eu sei. Vamos confessar que ascoisas seriam mais fáceis se alguém pudesse dizerque existem os mitos, que retrocedem por um lado, ea ciência, que avança por outro. Aqui, a banalizaçãoe o homem na rua elaborando mitos; ali, a ciêncialutando contra eles. Mas nós temos de encarar osfatos. O mesmo homem que produz mito e tambémdescobertas científicas acaba sendo um paradoxoque se apresenta à psicologia. (MOSCOVICI, 1992,p. 4, apud DE ROSA, 2009, p. 136-7).

Finalmente, se ainda restarem motivos a quais-quer hesitações, é bem o caso de ver qual o lugarem que Moscovici coloca o pensamento mítico: “Éfato que mythos e logos são os dois thematas so-beranos da nossa cultura.” (2009, p. 13).

3. O que é mito, o que um mito querdizer?

Por certo que mito é um conceito polissêmico.Duas bandas crescem, lado a lado, em sua per-cepção e interpretação: de um, perfilam-se os queo têm como história com significados que dirigema vida de um povo; de outro, aqueles que o consi-deram criação fantasiosa, apartada de qualquerverdade histórica.

Do ponto de vista antropológico, o mito é umanarrativa que fundamenta as noções de mundo,explicando os dados da natureza e prescrevendoos modos de existir em sociedade. Ele permite,afinal, um conhecimento de si mesmo e disseminaordenações para conduzir comportamentos. Tra-tando-se de uma história que procede de temposimemoriais, como no caso dos mitos indígenas, con-funde-se com a própria noção de história de umpovo, ao qual concede retículas de formação à suaidentidade grupal, ancorada na memória coletiva.

Isso poderia conduzir à conclusão de que osmitos se constituam em representações coletivas.Todavia, quando nos acercamos de seus narrado-res e ouvintes, bem se pode perceber que a narra-ção se faz qual história viva, sujeita a transforma-ções de variadas ordens, perfilando-se entre osformadores, mantenedores e modificadores de re-presentações sociais dos grupos em que circulam.Ampliando e aprofundando o contato, se pode in-ferir que mitos indígenas sejam fonte e meio deveiculação das representações, e, por fim, conteú-do delas mesmas.

Enfim, o mito atua no processo de socialização,explica o sentido da vida e do mundo (CAMPBE-LL; MOYERS, 2007), serve de guia aos compor-tamentos.

A atualização do mito se dá, quer pela repeti-ção da narrativa, que atravessa as gerações, emque pesem as mudanças do entrecho, quer pelosrituais que lhe são conexos, muitos dos quais seconsolidam em festejos. As comemorações recu-peram os enredos e, trazendo-os de volta, reavi-vam seus mandamentos.

Os relatos míticos, em algumas das sociedadestribais brasileiras, vicejam em um território habita-do por ágrafos. Aos povos desprovidos de escrita,ou ainda mal introduzidos a ela, as repetições orais,e assim também as comemorações, têm importân-cia vital para a continuidade das histórias e doscódigos de convivência que elas arrastam consigo.

Entre os Kamaiurá, no Alto-Xingu, no centrode sua aldeia, eqüidistante das ocas, localiza-se acasa das flautas, também dita a casa dos ho-mens, onde se reúnem, ao anoitecer, os mais ido-sos e experientes varões. O catálogo de mitos,absolutamente interiorizados, e evocados sob a re-ferência que recita como nossos avós nos ensi-

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naram, é repassado em busca de soluções paraalguma circunstância que esteja a merecer julga-mento e decisão. Quase se poderia dizer que osmitos se apresentam qual código de leis, do qual seservem os decisores da ordem tribal.

A caminho da Lagoa de Ipavu, à vista das ocas,foi edificada a Escola Mawaiaká5 , na qual, ideal-mente, os mitos são repetidos à guisa de esclareci-mento sobre a história do povo, reportando-se aotempo passado em que se deu a instituição da so-ciedade Kamaiurá, feito de Mavutsinim e dos he-róis civilizadores6 .

Todavia, as recitações acompanham atividadesdiárias, estando presentes em diversos lugares.

[...] ouvir mitos é um evento que pode estar espalha-do por todo o espaço da aldeia, sem dia ou horacertos para acontecer. Por exemplo, o pai pode fazera recitação ao correr de uma refeição. Ou, as crian-ças, sempre por perto, os podem escutar enquanto amãe prepara a alimentação da família. Talvez elessejam companheiros às caminhadas pelo mato, àspescarias, ao labor de tecer as redes, ou ao senta-rem-se, descuidados de preocupações, ao cair danoite, sob um céu que se põe repleto de estrelas.(PAREDES, 2009, p. 209).

Dentre os rituais mais conhecidos, destacam-se o Kwaryp e os que se referem às mulhereschamadas Iamaricumá. O primeiro, festejo quecelebra de forma consecutiva a morte e a vidamerece, regularmente, exposição na media. Es-tendendo as homenagens a mortos ilustres da so-ciedade brasileira, como Leonardo Villas Boas, em1966, ou Roberto Marinho, 2003, o Kwaryp ganhaalcance na imprensa, o que o torna bastante co-nhecido. Notícias sobre as Iamaricumá são maisescassas, quando existem.

4. O relato de um mito7 , seguido porsuas repercussões na vida cotidiana

Por ocasião da cerimônia em que são furadas as ore-lhas dos meninos, os homens da tribo prepararam-se para ir buscar, em pescaria coletiva, os peixesdemandados para a alimentação.

Às mulheres coube a habitual tarefa de preparar ali-mentos requeridos pelos pescadores, composta,principalmente, de beijus.

No dia aprazado para o retorno dos homens, delesnão havia sinal.

As mulheres remeteram, então, um enviado, que, aoretorno lhes dissesse o que estava ocorrendo e quecausava o atraso.

Das notícias havidas, ainda não suspeitavam elasde qualquer procrastinação.

Passado um tempo, novamente seguiu o mensagei-ro, retornando com notícias de que os maridos vol-tariam em breve.

Já aborrecidas, e, em seguida iradas, as mulheres sereuniram para decidir acerca das providências quedeveriam tomar.

Decidiram se desocupar de suas incumbências ha-bituais e se puseram a dançar e cantar no pátio cen-tral da aldeia. De tanto que dançaram seus pés,batendo forte no terreiro, ali produziram depressões.

Uma nova empreitada do enviado lhes trouxe a notí-cia de que seus maridos, sem se preocupar com apesca, estavam se transformando em animais selva-gens.

Furiosas, sentindo-se desprezadas, abandonadas,elas decidiram empreitar os serviços de um tatu ca-nastra, que, com suas longas unhas, começou a ca-var no buraco feito ao correr das danças.

As bailarinas e cantoras, inteiramente devotadas àssuas novas atividades, deixaram ao léu os filhoshomens e começaram a ensaiar sua saída através dotúnel produzido pelo tatu.

Entrando e saindo, saindo e entrando, experimenta-vam uma nova via física e simbólica para deixar aaldeia.

O mensageiro advertiu aos homens que suas mu-lheres se preparavam para partir, o que resultou em

5 O nome Mawaiaká tem origem em um mito, cujo título éYpawua ypy het, denominado em português O surgimento deIpavu. A narrativa, feita por Takuman Kamaiurá, informa queMawaiaká, teria sido uma aldeia indígena que se localizava aon-de agora é a Lagoa de Ipavu. A história encontra-se documenta-da na segunda caixa de DVDs, de um total de três, cada umacontendo uma dupla de mídias. No conjunto cujo título é Je NeY’Pya Poroneta, Mitos Kamaiurá 2, o primeiro DVD contémimagem e som, na língua kamaiurá, e legendas em português.(vide PAREDES, 2007).6 Como ensina Carmen Junqueira, particularmente em Os índi-os de Ipavu.7 O mito das Iamaricumá, aqui sintetizado, deriva das versõesobtidas junto aos narradores Koka e Mapulu Kamaiurá, entre osanos de 2003 e 2006.

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imediato retorno deles. Debalde. As mulheres nãoderam ouvidos às repetidas súplicas que fizeram paraque ficassem e reassumissem seus deveres.

Entrando pelo túnel, elas se foram, reaparecendoperiodicamente em aberturas na superfície, nas quais,ao partir novamente, deixavam como guardas ani-mais que consideravam temíveis, como morcegos emarimbondos, aos quais competia impedir qualqueravanço dos homens.

Adornadas pelos enfeites e emblemas masculinos,dentre os quais o arco que lhes apequenava um seio,seguiam, determinadas, em sua marcha.

Decididas, espalhavam em seu percurso, o kuritsé, hojedenominado urucum feminino, produto que se encar-regava de endoidecer aqueles cujos sentidos atingia.

Em seu caminho, as Iamaricumá visitavam algumasaldeias, nas quais os homens proibiam sua vista àsmulheres locais. Inutilmente, porque estas engros-savam o rol das caminhantes.

Muito longe, ao cabo de vasta caminhada, as mu-lheres estabeleceram um novo lugar de morada.

O mito, aqui tão resumido, apresenta aos seususuários, inicialmente, dentre os papéis sociais doshomens e mulheres, aqueles referentes à produ-ção de alimentos de que se vale a tribo. Enquantoos primeiros se encarregam da coleta, elas devemlidar com as tarefas relativas à transformação dosprodutos de serventia à subsistência.

A seguir, a obediência e submissão feminina seespelham no envio de um mensageiro masculino,que, indo à busca dos pescadores, não romperia ocírculo da reserva com que os homens deveriamser tratados.

Após, o enredo assevera que o descumprimen-to de responsabilidades equipara os homens a sel-váticos, desprezíveis.

A revolta que se instala no grupo feminino per-mite-lhe, em caráter excepcional, a utilização dosadereços, adornos e armas de uso habitual mascu-lino. Apartadas do ordinário, as mulheres reinven-tam suas identidades, e se lançam ao desempenhoda independência e da insubmissão.

Esses detalhes mostram alguns dos itens queregem as relações entre os grupos de gênero natribo, caminhando até mesmo ao domínio da ex-cepcionalidade. De fato, é esta faceta que vai per-mitir, nas comemorações anuais, uma espécie de

comportamento desabrido, revolucionário, do gru-po feminino.

Por ocasião da festa, as habituais condutas desubmissão concedem lugar a que mulheres se ne-guem a seus homens, e ofereçam, claramente, asmarcas de sua insatisfação, que esta jamais semostra, ao correr do ano, nem mesmo através dedissimuladas lágrimas.

Afloram, então, as razões de inquietude, con-trariedade e amargura que tenham sido coleciona-das. De modo insolente e mesmo áspero, asmulheres exercem a independência e o arbítrio cujasforças recolhem da saga das Iamaricumá. No pro-cesso de inversão dos comportamentos, o grupomasculino se recolhe em aceitação passiva e atéalgo respeitosa.

É tempo para as insurreições e afrontas, é mo-mento para as desforras.

As ações femininas se espalham e atingem atémesmo a outras mulheres. Há poucos anos, diz-se,vigorosa surra teria sido aplicada a uma mulher queexercia, na região, importantes e necessárias fun-ções na área de saúde. Os murmúrios davam notí-cias de que ela não se furtava a namoros com oshomens indígenas. Pouco tempo depois, uma inteli-gente e operante jovem branca, que muito contri-buiu para o projeto educacional da tribo, e de quemse dizia manter relações estreitas com um manda-tário, foi sumariamente deportada. Ao que indicamos relatos, o homem Kamaiurá, alvo dos fuxicos emexericos, com rapidez e discrição se retirou doterritório tribal, consciente de que não se alterca comas Iamaricumá, tampouco se lhes impede as deci-sões e feitos. A inversão encontra seu lugar!

À vista de tais exemplos, não há como negara força de um mito na condução dos comporta-mentos dentro do território em que tem curso asua narrativa. De modo claro se estabelece que opensamento mítico seja fonte privilegiada à ma-nutenção de representações sociais que se mos-tram vigorosas ao determinar de relações ecircunstâncias.

Entretanto, o status dos enredos míticos se en-contra em rota de mudança.

É certo que os narradores trilham caminhos emque os relatos míticos se adaptam a diversas cir-cunstâncias. Mantendo a linha central do entre-cho, eles refazem alguns detalhes e aspectos do

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mito, adaptando-o a novidades que se inauguramna vida tribal. As modificações até se podem atara características pessoais do narrador, entre asquais costumam ser determinantes o gênero e aidade. Ao narrador idoso interessam mais os da-dos referentes aos personagens masculinos, en-quanto às mulheres são importantes as caracterís-ticas dos comportamentos femininos. Outroexemplo se pode referir ao fato de que mereçamênfase aspectos jocosos ou lúdicos quando os en-redos se voltam às crianças, no intuito de fazê-losmais atraentes e, assim, angariar ampliada aten-ção da gurizada.

Disso resulta que coletar mitos se mostre ta-refa exigente, no sentido de que diferentes ver-sões carecem ser buscadas, para que se processeum trânsito mais bem fundamentado à compre-ensão de seus elementos focais. Recolher e com-preender mitos, preferencialmente uma coleçãodeles, perscrutando-os tanto quanto possível peloponto de vista de seus usuários, amplia as dificul-dades de se lidar com tal e importante aspecto dacultura8 .

Não bastasse tudo isso, no caso dos Kamaiuráainda existem outros estorvos, decorrentes das atu-ais condições de relacionamento com a sociedadenacional brasileira. Cresce o número de visitantes,ditos civilizados, à Aldeia de Ipavu; amplia-se o nú-mero de indígenas Kamaiurá que se dirigem às ci-dades.

De outras formas, o estilo de vida urbana se en-tremete no cotidiano tribal, através da alfabetizaçãodas crianças, jovens e adultos, e, de modo ainda maispotente, pela via dos programas televisivos presen-tes em inúmeras ocas, tão logo anoitece.

Os heróis oferecidos pelas imagens e sons queaportam, de certa forma substituem detalhes, aose intrometer, enquanto fonte de explicações, nasnarrativas míticas. Ao contador idoso, algumasvezes um tanto alquebrado, se contrapõem as fi-guras jovens e destemidas dos heróis televisivos,que oferecem novos enredos ao imaginário social.Assim é que antigas razões começam a ceder es-paço a novas modalidades para perceber o mun-do. Mais do que isso, o modo afável de conviverdos Kamaiurá, tão característico da sociedade, sedepara com a agressividade que rege as relaçõesurbanas.

Grave, instala-se outra ordem de problemas.

Também é necessário notar que as telenovelas re-tratam os índios de modo preconceituoso, tantasvezes obrando em desrespeito à dignidade dos po-vos indígenas. Um dos veios da afronta ou descon-sideração consiste em mostrá-los como portadoresde costumes e crenças rudimentares, muitos dosquais relacionados aos seus mitos.

Fecha-se um círculo amargo: a televisão cria dese-jos, mas, simultaneamente, informa que os novosdesejantes não alcançarão o paraíso. Ao negar va-lor aos mitos da cultura indígena, em troca lhes en-trega os novos mitos da modernidade, reforçandosentimentos de inferioridade, de subalternidade.Mais do que o mais forte dos ventos fortes, empurrapara fora da cultura as razões seculares para algu-mas das práticas cotidianas. Quanto tempo será pre-ciso para que isso mostre uma mudança completano panorama tribal? Tempo, tempo, tempo... (PARE-DES, 2009, p. 225)

Muitas vezes, soluções recentemente introdu-zidas operam de modo a apresentar elementos des-concertantes à vida cotidiana. O deficiente aparelhode rádio que propicia contato com serviços urba-nos de saúde, relação da maior importância ao de-sempenho da assistência que alguns rapazesindígenas prestam, acabou por merecer, como epí-teto, a designação Mavutsinim - ninguém menosdo que o herói fundador da sociedade.

Aos jovens que trabalham no sistema de aten-dimento à saúde se juntam outros, com variadosníveis de escolarização, o que os coloca em rotade confronto com os homens idosos, detentores dosaber tribal - quase unanimemente ágrafos.

Os líderes tribais, os pajés, os contadores dehistórias, os costumes, os desejos e as necessida-des, estão em processo de serem percebidos demodo diferente. Na esteira se realocam às repre-sentações sociais que regem visões de mundo, desi mesmos, das relações a serem entretidas.

Os Kamaiurá, até agora, têm conseguido evitarcisões e rupturas, assimilando as mudanças em rit-mo um tanto lento, que faculta a manutenção doestilo de vida comungado. Quem os visitar no futu-ro, imediato e posterior, haverá de presenciar e

8 Ver, por exemplo, o capítulo denominado Mitos Kamaiurá,escrito por Carmen Junqueira, no livro Pensamento mítico erepresentações sociais.

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26 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 19-26, jul./dez. 2009

Pensamento mítico e representações sociais

descrever, por conseqüência, as transformações naordem das representações sociais que balizam avida da sociedade alto-xinguana.

5. Arrematando

Para encerrar o relato que se dedicou a espe-lhar, de modo conciso, os resultados de uma pes-quisa realizada no Xingu, eu me repito:

Sua possível riqueza se verte em instigações aosque possam vir a se comover com as histórias quesustentam culturas que precederam a contempo-raneidade, e que continuam a existir. Tomara pos-sam os leitores ver nesta via um rico veio parainvestigar as origens de algumas das nossas cren-ças, atitudes, opiniões - enfim, das representa-ções sociais que colorem nossas vidas. (PARE-DES, 2009, p. 244).

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PAREDES, E. C. Je Ne Y’Pya Poroneta: mitos Kamaiurá 2. Direção de Eugênia Coelho Paredes, Produção de GPEP/CNPq. Edição, legendagem e autoração de Maria Antonia Martins Galeazzi. Cuiabá: Grupo de Pesquisa em Educa-ção e Psicologia do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, 2007. 1DVD, (52’27m). Color. Som direto em kamaiurá e legendas em português. Textos em kamaiurá e português, 74’07”.

PAREDES, E. C.; JODELET, D. (Org.). Pensamento mítico e representações sociais. Cuiabá: EDUFMT, 2009.

Recebido em 28.04.09Aprovado em 08.05.09

Para concluir, é hora para retomar Moscovici.

Se quisermos justificar a relação entre mitos e repre-sentações sociais e torná-la, por assim dizer, plausí-vel, é necessário supor que os mitos, que sãoanteriores cronologicamente, unificam as represen-tações sociais. Eles são, por assim dizer, o cimentodo mundo representado, da confiança na realidadedeste. Em seu primeiro grau de existência, e de certaforma cronológica, um mito confere a qualquer re-presentação e a qualquer ação que se segue o seuvalor coletivo e o seu sentido relativo em uma esca-la de representações. Daí resulta, não somente umconjunto relativamente fechado em si mesmo e coe-rente, como também uma expectativa de coerência ede ação. É por este motivo que as representaçõesconstituem modelos e exemplos a serem seguidospara a condução social e dos quais não se podeafastar sem lhes sacrificar a coerência. (MOSCOVI-CI, 2009, p. 21).

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Ivany Pinto

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NO CAMPO DAS POLIFONIAS

ENTRE AFETIVIDADE E A EDUCAÇÃO

Ivany Pinto *

* Doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP. Docente, Pesquisadora e Vice-Diretora do Instituto de Ciências da Educação daUniversidade Federal do Pará. Endereço para correspondência: Universidade Federal do Pará, Rua Augusto Corrêa 01, Guamá,Cx.Postal 479 – 66075-110 Belém/PA. E-mail: [email protected]

RESUMO

Neste artigo, abordamos a Teoria das Representações Sociais no campo das polifoniasentre a emoção e a educação, na perspectiva de Moscovici, Jodelet, Banchs eMaturana. Por fim, falamos sobre a contribuição da Teoria das Representações Sociaispara o campo da educação. A metodologia que utilizamos foi a da pesquisa bibliográfica.O estudo aponta que a Teoria das Representações Sociais, inaugurada por Moscovici(1978), é uma forma de conhecimento sobre os saberes partilhados pelos grupossociais que tanto estruturam sujeitos quanto suas realidades sociais. A articulaçãoentre as representações sociais e a dimensão afetiva emocional reside em considerarque a emoção está presente no processo de construção destas representações e viceversa. A educação, segundo Maturana (1998) se constitui em um processo deconvivência com o outro, e este processo aproxima e transforma um e outro ao fazercom que ambos aprendam a conviver em sociedade. O estudo das representaçõessociais oferece uma contribuição significativa para a área da educação, quanto aosconhecimentos que orientam o processo educativo, sua estrutura, seus mecanismos esuas leis quanto à forma de pensar e agir dos atores envolvidos nesse processo.

Palavras-chaves: Representações sociais – Afetividade – Educação

ABSTRACT

THE SOCIAL REPRESENTATIONS IN THE FIELD OF THE MULTIPLEVOICES BETWEEN AFFECT AND EDUCATION

In this paper, we discuss the Social Representations Theory in the field of the multiplevoices between emotion and education, in the perspective of Moscovici, Jodelet,Banchs and Maturana. Finally, we explore the contribution of the Theory of the SocialRepresentations in the field of the education. We use bibliographical research. Thestudy shows that the Theory of the Social Representations, inaugurated by Moscovici(1978), is a knowledge form about knowledge shared within social groups whichmold both subjects and their social realities. The articulation between socialrepresentations and the affective dimension means considering that emotion is presentin the process of construction of these representations and vice versa. Education,according to Maturana (1998), is constituted in a process of living with the other one.This process approximates and transforms I and the other as both learn to coexist insociety. The study of social representations offers a significant contribution for education

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As representações sociais no campo das polifonias entre afetividade e a educação

as the knowledge that guides the educative process, its structure, mechanisms andlaws about the process actor’s way of thinking and acting.

Keywords: Social Representations – Affect – Education

A seleção de caminhos a serem percorridos paraa construção e visibilidade do objeto de pesquisa é odesafio que nos inquieta, nos últimos cinco anos. Essedesafio nos faz perseguir práticas que possam darconta não somente do seu delineamento, mas dasdimensões em que esse objeto se corporifica.

Uma das opções de ordem teórica e metodoló-gica feitas para tal fim foi o trabalho com os signi-ficados partilhados, expressos pelo discurso. Essetrabalho conseguiu revelar as propriedades espe-cíficas atribuídas pelos grupos sociais a um deter-minado objeto. Essas propriedades cumprem afunção de balizadores de sentidos que orientam ospensamentos, os sentimentos, as ações e as con-dutas destes grupos, sem os quais não conseguiri-am preencher as lacunas de sua inscrição mental.

Neste artigo, abordaremos as representaçõessociais no campo das polifonias entre a emoção ea educação. Na perspectiva de Moscovici, Jode-let, Banchs e outros afins, o campo polifônico dasrepresentações sociais institui-se para uma possí-vel articulação com a dimensão afetiva emocional,na perspectiva de Maturana ao levar em conside-ração a emoção na educação humana.

O desafio da elaboração deste texto se lançapara a autora; pois esta tessitura prescinde da uti-lização cuidadosa de tintas e pincéis que, por entretraços e rabiscos, possam colorir e delinear for-mas e significados consistentes para que o leitor-ouvinte seja mais um a aceitar o convite paraadentrar no campo das polifonias entre as repre-sentações sociais, emoções, e a educação.

A Teoria das Representações Sociais tem sidoa interlocutora e companheira com a qual compar-tilhamos de suas concepções e proposições meto-dológicas para encaminhar olhares investigativossobre determinados fenômenos psicossociais.

Essa teoria, inaugurada por Moscovici (1978),é uma forma de conhecimento sobre os saberespartilhados pelos grupos sociais que tanto estrutu-ram os sujeitos quanto suas realidades sociais. Osenso comum das elaborações mentais, decorren-tes das interações dos grupos sociais, é fundamen-

tal para se entender a racionalidade das ações in-dividuais e coletivas dos sujeitos. Além disso, ou-tras dimensões, como a emoção e a educação, seinscrevem nesta atividade de representar a reali-dade e orientar condutas sobre ela.

O conhecimento sobre as representações soci-ais, portanto, se situa na zona de interseção entre apsicologia e a sociologia. Dessa forma, os fenô-menos adquirem caráter psicossocial, uma vez quesubsidiam a construção do sujeito na sua individu-alidade e coletividade, bem como a materialidadede sua existência. Neste sentido, a relação do su-jeito com o(s) outro(s) é(são) imprescindível(veis)para o seu desenvolvimento e sua aprendizagem.

O entrelaçamento entre sujeitos pela via dassuas interações promove trocas e faz com que suaspremissas afirmativas se reorganizem e geremoutros saberes para funcionarem como elos namontagem de cadeias de sentidos, necessária tan-to para a organização interna-externa do sujeitoquanto para a sua vida.

Ao fazer a opção de efetivar pesquisas à luz daTeoria das Representações Sociais, algumas preo-cupações se fazem presentes sobre o campo psi-cossocial na perspectiva das interações, comuni-cações e informações, das quais o sujeito éconstituidor e constituído. Uma delas é com a apre-ensão da complexidade que envolve os fenômenospsicossociais, por entendermos que a lógica quesustenta o pensamento sobre as representaçõessociais precisa dessa compreensão para construiro objeto, alvo da pesquisa.

Essa é uma preocupação que compartilhamoscom aqueles pesquisadores que dialogam com aTeoria das Representações Sociais e visam ultra-passar a leitura do que ali se encontra, enquantoaparência sobre um determinado fenômeno.

Essa apreensão da complexidade que envolveos fenômenos psicossociais não é uma tarefa sim-ples, pois a complexidade de um fenômeno do pontode vista da apreensão de suas múltiplas facetas éda ordem da impossibilidade de abarcá-las em suastotalidades.

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Ivany Pinto

Daí que uma representação social não pode serconfundida com o fenômeno que suscitou a suaorigem. Ela, ao mesmo tempo em que desnuda umadas faces do fenômeno, deixa outras na espera devir a ser um objeto de futura investigação. Somen-te a posteriori será possível descortinar outras di-mensões que a sensibilidade, o olhar, a intuição nãoconseguiram decodificar.

Os universos de partilhas e elaborações de pen-samentos entre os sujeitos sobre a vida cotidiana“geram um conhecimento implícito, subjacente aonosso comportamento e às nossas atitudes sociais,sem que habitualmente sejamos conscientes de-les.” (POZO, 2002, p. 201). Esses conhecimentossistematizam e dinamizam culturas nos diversossegmentos sociais, ou seja, são regras e valoresque regulam atitudes comportamentos e sentimen-tos de sujeitos para com seus grupos de pertença.

A pesquisa das representações sociais de umgrupo de sujeitos sobre um fenômeno tem a fun-ção de produzir um conhecimento sistematizadosobre o saber consensual do qual esse fenômenose reveste. O contexto, neste cenário, é impres-cindível para entendermos o jogo de figura e fundoque dão corpo e expressão ao objeto.

Essa referência se processa a partir da cons-trução do objeto de pesquisa que segue as matri-zes conceituais dessa teoria. Um traço aqui, outroali, uma curva, um tracejado, um zigue-zague numdesenho lógico e mágico. Assim, iniciamos a cons-trução de imagens sobre um objeto que se liga aossentidos, aos contextos, aos valores que permeiamo dia a dia de um grupo social.

Essas imagens e seus respectivos sentidos comas quais montamos a realidade estão para além dasimples memória partilhada pelo grupo sobre osobjetos que o cercam. Elas são capazes de orien-tar a ação dos sujeitos. Os objetos são transpostospara o campo do imaginário e revestidos de senti-dos que corporificam a sua materialidade.

Neste sentido, a construção da realidade se in-sere no campo do irreal, uma vez que ela se pro-duz na tela mental do imaginário coletivo(MAFFESOLI, 1984). A vida social, segundo esseautor, é tecida nas malhas do imaginário, do simbó-lico, do lúdico e da emoção. Esse conjunto é quemantém a vida dos sujeitos, em que pese as pres-sões dos poderes sociais constituídos. A rede soci-

al é a sua essência simbólica e o imaginário repre-senta a evidência dessa inscrição vivida pelas so-ciedades complexas. Essa complexidade abrigauma pluralidade de dimensões simbólicas que com-põem a vida social.

Toda a sociedade possui imaginário, afirmaPantaglean (1990), o qual se constitui por um con-junto de representações cuja fonte são as múlti-plas experiências, como, por exemplo: os sonhos,os desejos, as utopias, as repressões, os jogos, asartes, as festas, os espetáculos, a consciência docorpo e os involuntários da alma.

O imaginário, para Durand (1988), é o centrode referência de toda a produção humana. Nele seconstituem as produções, atitudes e opiniões e ou-tros recursos próprios da capacidade imaginativa.A manifestação do imaginário se dá pelo arranjode símbolos e imagens, por meio dos quais o sujei-to revela seus saberes.

O símbolo é uma representação, um signo quetorna possível as idéias ausentes. Ele é uma con-venção, com o qual o significante e o significadomantêm uma relação de complementaridade e per-muta ao materializar aqueles objetos que, até en-tão, eram estranhos para aquele grupo.

Cabe observar que o objeto de pesquisa ali-menta também uma complexidade tal e qual a deseu fenômeno. Antes do recorte de uma de suasfacetas para investigação, cabe o seguinte ques-tionamento: este fenômeno social pode ser umobjeto de representação social para um grupo?Dito de outra forma, este fenômeno é familiar paraesse grupo?

Encontraremos essas respostas ao compreen-dermos que um fenômeno social pode ser um ob-jeto de representação social e, portanto, passívelde estudo, se ele fizer parte da realidade socialdaquele grupo. Se, consequentemente, os pensa-mentos, os sentimentos que o grupo nutre sobreele orientarem suas práticas. Significa que umarepresentação social é sempre de um grupo sobrealguma coisa.

Para complementar essa concepção, destaca-mos Jodelet, principal colaboradora de Moscovici,que, diante de seus estudos teórico-metodológicosobre a Teoria das Representações Sociais, afir-ma que uma representação social possui cinco ca-racterísticas:

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As representações sociais no campo das polifonias entre afetividade e a educação

• é sempre a representação de um objeto;• tem um caráter de imagem e a propriedade de

poder intercambiar o sensível e a idéia, apercepção e o conceito;

• tem um caráter simbólico e significante;• tem um caráter de construção e reconstrução;• tem um caráter autônomo e criativo (JODE-

LET, 1986, p.478).Em resumo, ao se pensar nas representações

sociais como um processo de apropriação do objetoprovindo de um fenômeno social, pensa-se tambémque esse objeto deve ser um elemento do camporelacional de um grupo. Implica dizer que não existerepresentação sem existir a relação entre sujeito eobjeto. Toda a representação possui uma imagem eum significado e, portanto, é simbólica, construtorae reconstrutora, autônoma e criativa.

Essas características assinalam que a represen-tação social é uma forma de conhecimento quemodela o objeto, utilizando-se de vários recursos,como: os lingüísticos, a comunicação, as ações eos materiais (JODELET, 1989).

Quanto aos campos de estudo das representa-ções sociais, Jodelet (1989) destaca três pergun-tas básicas que delineiam este campo: 1) Quemsabe e de onde sabe? 2) O que e como se sabe? 3)Sobre o que se sabe e com que efeito?

Estas questões sinalizam pistas não somentepara a caracterização do grupo social, alvo de es-tudo, como também para a forma como esse gru-po lida com os conhecimentos partilhados, osorganiza e os materializa para servir de referênciaem suas práticas.

Essas perguntas correspondem, respectivamen-te, às seguintes dimensões de estudo: “1) produ-ção e circulação das Representações Sociais; 2)processo e estado das representações sociais; 3) oestatuto epistemológico das representações soci-ais” (SÁ, 1998, p. 32).

Quanto à primeira dimensão, as condições deprodução e circulação das representações sociaispossuem seus referenciais na “cultura, linguagem,comunicação e sociedade” (SÁ, 1998, p. 32). Estadimensão trata da investigação da relação entre ocontexto sócio-cultural e o aparecimento e a pro-pagação das representações sociais.

A segunda dimensão – o processo e estadodas representações sociais – trata da investiga-

ção do que é pensado sobre determinado objeto,foco das representações sociais (discurso, regis-tros, práticas) para, posteriormente, deduzir seuconteúdo, sua estrutura e a análise dos processosformadores das representações sociais, bem comosua lógica e sua possível transformação (SÁ,1998).

Por fim, a terceira dimensão, o estatuto episte-mológico das representações sociais, trata do es-tudo das relações entre as representações sociaise a ciência, ou seja, entre o pensamento natural,aquele produzido no cotidiano, e o pensamento ci-entífico.

Essas três dimensões do campo das represen-tações sociais se articulam e, portanto, a pesquisadesenvolvida nessa área deve mantê-la dentro dopossível (SÁ, 1998).

É fundamental que compreendamos como umfenômeno estranho para um grupo social se trans-forma em familiar a partir das imagens (forma) esignificações (conteúdo) que o grupo atribui a ele.Moscovici nomeia esse processo, respectivamen-te, de objetivação e ancoragem a essa prática deelaboração exercida pelo trabalho cognitivo, queperpassa os corações e os fazeres dos sujeitos.

Após a abordagem de alguns fundamentos dasrepresentações sociais, importantes para o seucampo de investigação, perguntamos: qual o papelda dimensão emocional na construção das repre-sentações sociais e de que forma a educação seintegra nessa construção?

O estudo sobre o papel das emoções na cons-trução das representações sociais ainda é limita-do. Banchs aponta que as representações sociaistêm sofrido criticas pelo fato de não explicar “opapel que a experiência privada e afetiva, quer di-zer, a subjetividade individual, pode jogar na elabo-ração das representações” (1995, p. 97).

Essa dúvida ou lacuna quanto à explicação so-bre o papel das emoções se amplia, por um lado,para a escola americana de psicologia social. Poroutro, os teóricos que se intitulam construcionistas(VALENCIA, PAÉZ e ECHEBARRIA, 1988), aoenfatizar acentuadamente a dimensão social, his-tórica, dinâmica e construtiva da realidade, atribu-em à emoção um papel cognitivo presente nanarrativa de grupos sociais e, portanto, atribuem aela um caráter coletivo.

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Ivany Pinto

Desse modo, as emoções estão presentes e sãoelos fundamentais no processo de construção derepresentações sociais, pois o ato de representarsó se torna necessário quando a idéia sobre algumobjeto ou alguém se vincula ao afetivo-emocional.Implica em dizermos que a dimensão afetiva é parteativa na representação..

Entendemos que a critica sobre o papel dasemoções nas representações sociais reside muitomais por elas serem pouco enfatizadas nos estu-dos sobre as representações sociais do que propri-amente a sua negação enquanto uma dimensãoimprescindível na construção das RS’s.

Se a representação é elaborada a partir da pac-tuação de um grupo social e resulta em uma ela-boração mental que consolida um conhecimentoque passa a assumir uma função determinante nomodo como esses sujeitos se constituem e cons-troem a realidade, é evidente que as emoçõesestão presentes desde o início desse processo deconstrução.

Significa que as interações que integram o es-tabelecimento de vínculos para a construção degrupos possuem a dimensão emocional. Como nosdiz Maturana (1977), a emoção é basilar na histó-ria humana, pois remete à nossa origem. As inte-rações necessitam da emoção para a regularidadede condutas humanas. Sem o componente emoci-onal, o que existe são encontros casuais própriosdos comportamentos de bandos encontrados na vidade outras espécies de animais.

Ao aceitar o desafio de elaborarmos este texto,propusemo-nos à utilização meticulosa de tintascujas tonalidades delineassem, a partir de traços erabiscos, as formas e os significados que pudes-sem desvelar o papel das emoções na construçãodas representações sociais. Assim estamos seguin-do e, dentre as abordagens sobre as emoções, nos-sos rabiscos se utilizam das tintas com as quaisMaturana imprime significados sobre as emoçõesenquanto componente essencial da manutenção dasinterações dos grupos humanos. Esse tom podefornecer uma contribuição, sem a pretensão deesgotar essa discussão, mas a validade está em sereiterar o pensamento sobre a emoção enquantoum componente do processo de construção dasrepresentações sociais de um grupo sobre um de-terminado fenômeno.

Muito embora Maturana enfatize o fenômenobiológico como fonte primária das emoções, dasinterações e demais comportamentos da espéciehumana, não significa que a natureza biológica daespécie humana esteja submetida à determinaçãodo sistema orgânico e seu processo de maturação.Maturana (1998) deixa claro que a natureza bioló-gica humana é perpassada pela história da linha-gem hominídea a que pertencemos. Logo, em suaconcepção, a biologia humana é transformada pelacultura.

O humano se constitui no intercruzamento doracional com o emocional. A linguagem é um com-ponente da emoção e, segundo este autor chileno,além da função de comunicar, intercambiar idéias,opiniões e significados, tem a função de partilharemoções e mediar a dimensão emocional que per-passa a vida de grupos sociais.

O amor e a rejeição são duas emoções queMaturana considera pré-verbais, uma vez que aexistência de ambos antecede a comunicação.Tanto a rejeição quanto o amor são concebidoscomo viscerais. Fazem parte da história e da evo-lução humana e no entanto, na visão deste teóri-co chileno, essas emoções não são antagônicas.São faces de uma mesma moeda e o oposto dasduas é a indiferença.

Uma articulação com o lugar que ocupam es-sas emoções na construção das representaçõessociais pode ser pensada a partir do pensamentodeste autor, do ponto de vista das imagens e signi-ficados que grupos sociais partilham sobre deter-minados objetos ou acontecimentos ou aindapessoas e/ou grupos. As atitudes de aproximaçãoou rejeição desses grupos sobre um objeto ou acon-tecimento devem ser levadas em consideração nacomposição das representações sociais. Assimcomo também o tempo de transformação de umfenômeno estranho em familiar e sua valoraçãopor um determinado grupo. Tanto as atitudes deaproximação ou rejeição quanto o tempo de trans-formação do estranho em familiar indicam marcasdas emoções que compõem imagem-objetividadee significado-ancoragem que o grupo atribui a umfenômeno.

Significa que as premissas básicas da hierar-quia das preferências de um grupo fundam-se naemoção e, portanto, a elaboração mental de ima-

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As representações sociais no campo das polifonias entre afetividade e a educação

gens e significados opera a partir da emoção, sejaela consciente ou não.

Cumpre notar que as emoções, na concepçãode Maturana (1998), são sistemas dinâmicos cor-porais que determinam o campo de ações onde osgrupos se movimentam. Dessa forma, quando aemoção varia, o campo de ações se transforma.Este é um outro ponto da teoria desse autor quepodemos utilizar para pensar sobre as emoções nocampo das representações sociais na perspectivada orientação de condutas. Significa que, quandoas emoções sobre um determinado objeto se trans-formam, a conduta em relação a ele sofre altera-ções, assim como o campo de ação.

Podemos então atribuir mudanças também nasrepresentações sobre esse objeto. Estas se pro-cessam de acordo com as emoções que lhe dãosuporte. Portanto, a dimensão racional que orientaa lógica das ações humanas se constitui a partir dadimensão emocional.

Até aqui evidenciamos alguns aspectos de arti-culação entre as representações sociais e o lugardas emoções nesse processo de construção deimagens e significados partilhados pelos grupossociais sobre um fenômeno. Perguntamos: ondecabe a educação neste cenário, como um terceiroelemento do campo de polifonias que ousamos ra-biscar?

Adiantamos que as representações sociais searticulam no campo da educação e ambas no cam-po das emoções. Se a educação se constitui emum processo de convivência com o outro e esseprocesso aproxima e transforma um e outro, aofazer com que ambos aprendam a conviver emsociedade, então, como diz Maturana, “a educa-ção como “sistema educacional” configura ummundo, e os educandos confirmam em seu viver omundo que viveram em sua educação” (1998,p.29).

Assim ocorre com os educadores. Estes reatu-alizam as histórias de sua educação em suas práti-cas de educadores. Significa que “a educação comosistema de formação da criança e do adulto, temefeitos de longa duração que não mudam facilmen-te” (MATURANA, 1998, p.29).

As interações e as emoções vividas na infânciae na juventude são concebidas por esse neurobió-logo como marcas que acompanham o homem ao

longo da vida. Elas servem de base para a compo-sição de representações sociais tanto de criançasquanto de jovens sobre as coisas que estão nomundo.

A educação traz a possibilidade de que a crian-ça desenvolva o respeito por si mesmo e pelo ou-tro a partir da convivência. Contudo, é importanteque nós, educadores, “vivamos nosso educar demodo que a criança aprenda a aceitar-se e respei-tar-se, ao ser aceita e respeitada em seu ser”, por-que assim aprenderá a aceitar e respeitar os outros(MATURANA, 1998 p.30).

Para esse autor, o respeito e a aceitação a si eao outro são balizadores da educação. A reflexãosobre os fazeres é que propicia mudanças nosmodos de viver o cotidiano. Ela é a cor que impri-me saberes. Maturana destaca que é impossívelinterpretar a realidade cindida daquilo que faze-mos. A realidade não fala, somos nós, sujeitos hu-manos, que representamos o mundo, a realidade eas coisas.

A construção de novos saberes depende da re-flexão sobres os erros e/ou enganos, que se inter-põem aos fazeres para, dessa forma, construirnovas formas de viver consigo e com o outro.

Podemos pensar na possibilidade de reconstru-ção, se assim cabe nomear, de representações so-ciais de sujeitos a partir do processo educativo,desde que a interação com o outro seja de respeitoe aceitação sobre o que o sujeito educando é e oque vive.

O discurso e a prática devem ter consonância,para Maturana, pois, na maioria das vezes, esque-cemos que amar, respeitar o desejo e as diferen-ças de si e do outro devem fazer parte de umconjunto de ações nas quais a legitimidade de si edo outro é constituída na convivência. A responsa-bilidade emerge na medida em que refletimos so-bre as conseqüências de nossas ações. A liberdaderevela-se quando optamos por esta ou aquela con-seqüência decorrente de nossas ações. Quando nãopodemos modificar nossas escolhas (fazeres), fi-camos impedidos de superar fazeres e formas deviver a condição humana.

Para a área da educação, o estudo das repre-sentações sociais oferece uma contribuição sig-nificativa para se pensar sobre os conhecimentosque orientam tanto o processo educativo, sua es-

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Ivany Pinto

trutura, seus mecanismos e suas leis quanto à for-ma de pensar e agir dos atores envolvidos nesseprocesso.

A importância do estudo da teoria das repre-sentações sociais e sua aplicabilidade no campoda educação reside em compreender, a partir dapesquisa, os operadores psicossociais das condu-tas de grupos, assim como estruturas simbólicasde sujeitos que estão envolvidos no processo edu-cativo, no caso, pais e filhos, professores e alu-nos. Assim também os mecanismos pelos quaisos fatores sociais agem sobre os processos edu-cativos e modificam seus resultados (GILLY,1989).

As representações sociais relativas à educa-ção, escola, professores, alunos... não são inde-pendentes de outros sistemas de representaçõesexistentes nos demais segmentos sociais. Significaque essas representações participam da dinâmicapsicossocial dos extra-muros da escola.

Considerações finais

Para finalizar, após percorrer uma trajetória queobjetivou dar forma e corpo às representações so-ciais no campo das polifonias entre a emoção e aeducação por entre alguns traçados e rabiscos,compreendemos que a emoção e a educação sãodimensões importantes e presentes no campo dasrepresentações sociais. A orientação de condutasde grupos sociais se inscreve em uma cadeia deimagens e significados na qual a emoção, os pen-samentos, a linguagem, a convivência e os fazeresconsolidam a construção de conhecimentos paradar sentido e orientação à vida dos grupos.

O campo de discussão não se fecha aqui e,portanto, o desafio de mais um soa para a autoracomo um convite para a continuidade e o aprofun-damento destas e outras questões importantes parao avanço dos estudos da Teoria das Representa-ções Sociais.

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Recebido em 03.05.09Aprovado em 23.05.09

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LAS TRANSFORMACIONES EN LAS REPRESENTACIONES

DE LOS DOCENTES UNIVERSITARIOS

Claudia Finkelstein *

* Magíster en Formación de Formadores, FFyL-UBA. Profesora Adjunta de la cátedra de Didáctica de Nivel Superior. Facultadde Filosofía y Letras, UBA, Argentina. Dirección: Puán 480. E-mail: [email protected]

RESUMEN

Este artículo presenta algunos hallazgos encontrados en una investigación realizada enla Facultad de Odontología de la UBA, en el marco de la Maestría en Formación deFormadores, cuyo propósito estuvo centrado en indagar las transformaciones en lasprácticas de enseñanza que se han operado en los docentes de dicha casa de estudiosa partir de su paso por la Carrera Docente, e identificar posibles regularidades. Suinterés se suscita en que, la formación de docentes universitarios es hoy en día, sin lugara dudas, eje de preocupación en todas partes del mundo, en la medida que ésta esconsiderada una de las variables importantes a la hora de elevar la calidad de la enseñanzade los futuros profesionales. Siguiendo la lógica cualitativa, se han analizado dos casosen profundidad que en donde es posible encontrar semejanzas y diferencias respecto alas transformaciones en las representaciones acerca del ser docente en los espaciosdiferenciados de la formación (el espacio del teórico y el de la clínica), la formación y suvinculación con la biografía escolar y la socialización profesional.

Palabras clave: Transformaciones – Representación – Representaciones acerca dela formación – Habitus docente

ABSTRACT

TRANSFORMATIONS IN THE REPRESENTATIONS OF THEUNIVERSITY PROFESSORS

This article presents some findings from a research realized in the Faculty of Dentistry,UBA (Argentina), in the context of the Master in teachers’ formation. We intendedto investigate the transformations occurred in the practices of education of teachersof the ABA through their steps along the Educational Career, and to identify possibleregularities. Our interest is due to the fact that nowadays the training of universityprofessors is, without a doubt, a subject of worry everywhere of the world, in themeasure that it is considered to be one of the important variables when is it expectedto raise the quality of the education of the future professionals. Following the qualitativelogic, two cases have been analyzed in depth, where it is possible to find similaritiesand differences with regard to the transformations in the representations brings overof the educational being in the spaces separated from the formation (theoretical andclinical), the training and its bond with school biography and professional socialization.Keywords: Transformations – Representation – Educational representations –Teachers’ Habitus

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Este artículo presenta parte de los hallazgosencontrados en una investigación realizada en elmarco de la Tesis de la Maestría en Formación deFormadores dirigida por la Dra. Elisa Lucarelli cuyoobjetivo fue indagar las transformaciones en lasprácticas de enseñanza operadas en docentes dela Facultad de Odontología de la UBA que hubie-ren realizado el programa sistemático de formaci-ón docente, intentando identificar regularidades ydificultades respecto a estas transformaciones re-alizadas en las prácticas de enseñanza.

Uno de los ejes de interés de la investigación secentró en la indagación de las transformaciones enlas representaciones acerca del ser docente, de laformación y su relación con la biografía escolar yla socialización profesional, operadas en docentesde dicha Facultad, que presentaré a continuación.

La preocupación por mejorar la calidad de laenseñanza de los futuros graduados es hoy en díaun tema central en las universidades de nuestropaís y del mundo. Desde esta perspectiva, la for-mación del docente universitario cobre relevancia,no sólo desde el punto de vista de su actualizaciónacadémica sino y muy especialmente en la forma-ción pedagógica. En este sentido, la formación dedocentes universitarios es hoy en día, sin lugar adudas, eje de preocupación en todas partes delmundo. Rodríguez Rojo (2000, p.16) señala que “lapalabra que pudiera definir al movimiento que seobserva preocupado por la docencia universitaria,tal vez pudiera ser la de emergente.”

Como en otras partes del mundo, la Universi-dad de Buenos Aires no está ajena a esta proble-mática y ha implementado en sus UnidadesAcadémicas diferentes Programas de Formaciónpara sus docentes que han adoptado diversas par-ticularidades en cada una de ellas.

Quisiera referirme en esta oportunidad a la ex-periencia desarrollada en la Facultad de Odontolo-gía, a través de la implementación de la CarreraDocente. La misma es responsabilidad del Áreade Educación Odontológica y Asistencia Pedagó-gica. La profesionalización del docente de odonto-logía supone no sólo una formación disciplinartotalmente diferente a su formación de base, sinoque implica la revisión y probablemente la recon-versión de modelos docentes que han sido elabo-rados a lo largo de la biografía escolar1

Si bien el plan de Formación es del año 1985, apartir de 1999 se realizó un cambio de encuadre enla Carrera Docente abandonando una postura tec-nicista2 que primó en la formación durante mu-chos años, hacia un enfoque clínico de formación;éste pone el énfasis en la posibilidad de retornosobre sí de los alumnos y la revisión de los modelosde formación y desempeño docente, haciendo es-pecial hincapié en los procesos de reflexión acer-ca del rol, las dificultades, etc.

El enfoque clínico supone que el trabajo de for-mación es un trabajo sobre sí mismo. Este “retor-no sobre sí” (FILLOUX, 1996) que contienepensamientos, sentimientos, percepciones, sobreuno mismo, sólo pueden realizarse por mediaciónde otro. Es en la relación entre sujetos, en la inter-subjetividad que se posibilita este proceso, que esa la vez, interno y externo al sujeto. Es conocersedesde el reconocimiento del otro. Este enfoque sepreocupa por entender un sujeto singular y suponeuna escucha diferente de lo que siente el sujeto yla posibilidad de teorizar. Implica ahondar en la re-lación de formación y trabajar sobre el deseo, laculpa, el miedo, la angustia y también con lo inte-lectual. Supone revisar si existe el deseo de serformado o, si este deseo en realidad, no apareceen la percepción de quien va a formarse.

Trabajar sobre la problemática de las transfor-maciones me lleva a pensar qué significan estastransformaciones en la perspectiva de los sujetosimplicados. La capacidad de cambiar es subjetivay está sujeta en gran parte al deseo de hacerlo.Souto (2002) señala que la transformación se dasobre algo ya existente en el sujeto. Esto significaque hay que establecer algún tipo de confrontaci-ón con el estado anterior y por ende, una disponibi-lidad a reflexionar y comparar entre el estado“inicial” y el actual (VEZUB, 2004).

En este sentido, la Carrera Docente apunta agenerar la posibilidad de reflexión del quehacer1 La biografía escolar refiere a interpretar las acciones de losdocentes son producto de las matrices internalizadas durante susexperiencias como alumno.2 Se refiere a la concepción que asume que la didáctica se basa enel como hacer de un modo universal, ahistórico, desvinculadosdel contexto de producción. Se prioriza lo metodológico a modode receta, desvalorizando el contenido sin contextualizar cadasituación de acuerdo a su particular entorno social global,institucional y a las características particulares de los actores.(LUCARELLI, 2004)

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docente. Esto significa como hipótesis que, en elsujeto que pasa por el programa de formación,debería existir cierta disposición a someter a aná-lisis sus prácticas de enseñanza. Si no existe estaposibilidad, las transformaciones que pudieranplantearse producto de la CD carecerían de sig-nificación para el docente y serían vistas comoexternas a él.

Este espacio formativo es altamente valoradoinstitucionalmente y por los Profesores Titulares,quienes manifiestan explícitamente los cambiosque ellos visualizan en los docentes que pasan poreste programa de formación. Sin embargo, desdemi rol de asesora pedagógica3 , al recorrer las di-versas cátedras de la Facultad, observo que sellevan a cabo, en muchas de ellas, prácticas deenseñanza que no facilitan la apropiación de lossaberes por parte de los alumnos, implementadaspor docentes que han realizado la CD. No obs-tante, en su transcurrir como alumnos, han reali-zado interesantes procesos de reflexión y hanllegado a proponer transformaciones en sus prác-ticas de enseñanza en sus diferentes dimensio-nes. Estas “regresiones” que se dan en susdesempeños cotidianos provocan interrogantesacerca del impacto real que producen los Progra-mas de formación a nivel de cambios permanen-tes en estas prácticas.

Los antecedentes teóricos que trabajan la te-mática de la formación de profesores señalan engeneral el bajo impacto de los programas de for-mación (GIMENO SACRISTÁN, 1992), y el pro-ceso de convertirse en profesor (BULLOUGH,2000). Es interesante que para Bullough, en gene-ral los alumnos que aprenden a ser profesores pa-san por las prácticas sin cambiar sus perspectivasiniciales y mantienen sus creencias en tanto laformación no las cuestione. Estas funcionan comoconocimiento tácito, teorías inválidas y pragmáti-cas que construyen la base de su práctica profesi-onal. Una vez convertido en Profesor estascreencias se refuerzan y se manifiestan en un es-tilo de enseñanza relativamente estable. Ahora bien,en general, los autores que trabajan la temática dela formación docente señalan el bajo impacto delos programas de formación en relación con la in-cidencia de la socialización profesional (primeraetapa de trabajo como docente) y de la biografía

escolar en la determinación de los estilos de de-sempeño. (TERHART, 1987; ZEICHNER y TA-BACHNIK, 1981). Estas últimas instanciasparecieran operar fuertemente en la consolidaciónde los estilos de actuación Andreozzi (1996)4 .

Los casos que se presentan en este trabajo,parten de una particularidad: los docentes realizanla CD cuando ya se han desempeñado dos añoscomo mínimo en esta función5 . Esto marca dife-rencias a la hora de pensar la capacidad de recon-versión de prácticas habituales en ellos, ya que elprograma de formación se inserta luego de la soci-alización profesional.

Desde la perspectiva que plantea Ickowicz(2004) en un trabajo de investigación realizado enla Universidad del Comahue sobre los trayectosde formación de los docentes universitarios que nohan realizado formación de grado, los profesoresse inician en esta práctica al realizar sus primerasexperiencias como Ayudante de Trabajos Prácti-cos. Esta investigadora describe dos modelos quepueden resultar de interés: el modelo artesanal, vin-culado a la formación en el trabajo y el escolar oformal que delimita un recorrido sistematizado. Esel primero el que prima en estos docentes, hasta elmomento de incluir como etapa formativa la CD.Este entramado entre trabajo y formación va ge-nerando procesos fuertes de socialización. Estemodelo se caracteriza, a grandes rasgos, por laelección mutua entre el maestro y el discípulo, lasprácticas de enseñanza se adecuan a las dificulta-des que se van presentando, se basa en la experi-encia y la enseñanza y aprendizaje se desarrollanen el propio ámbito de producción.

El modelo escolar, en este caso, estaría repre-sentado por la CD con la peculiaridad que los do-centes ya han atravesado instancias de formaciónasistemáticas y de tipo artesanal. Esto supone tam-bién una originalidad, en la medida que estos docen-tes – una vez que han finalizado la CD – combinanen sí mismos los dos modelos formativos.

3 Desde 1999 me desempeño como Asesora Pedagógica de laFOUBA4 Andreozzi (1996) define estilos como conjunto de disposicionesrelativamente invariantes que caracterizan el desempeñoprofesional de un sujeto en situación real de trabajo.5 Por reglamentación de la CD de la FOUBA para poder accedera la CD hay que tener dos años de antigüedad en el cargo.

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Como se realizó la investigación

Elijo la lógica cualitativa en tanto entiendo quepermitirá la comprensión del objeto a investigar.Esta elección se basa en que esta lógica permiteacceder a las estructuras de significados propiosde los contextos en que ellos se producen. Remi-te a trabajar con el paradigma interpretativo, quese basa en la comprensión de los fenómenos y enla imposibilidad de generalizar y predecir. Desdeesta perspectiva, el investigador no puede recu-perar la perspectiva de los participantes del pro-ceso investigativo sin participar – aunque seavirtualmente – en los contextos en los que se dala acción a analizar. De este modo el lugar delinvestigador, sus percepciones y apreciacionesforman parte de los datos que el investigador ten-drá que considerar. En este caso en particular, miimplicación es directa ya que actualmente formoparte como subcoordinadora del Área de Educa-ción Odontológica y Asistencia Pedagógica de laFacultad de Odontología.

Se analizaron dos casos en profundidad de do-centes pertenecientes a una cátedra del último añode la carrera de grado de Odontología, la cátedrade Odontología Integral Niños, que han realizadola Carrera Docente con una antigüedad no mayora dos años. Esta selección se realiza en funcióndel marco teórico y de los antecedentes que dancuenta de los procesos que se realizan en los pro-fesores a lo largo del tiempo. Estimo que este lap-so es suficiente como para permitir cristalizar lastransformaciones que podrían haberse producidoal realizar la Carrera Docente y al mismo tiempo,no es demasiado largo como para que se produz-can retracciones ocasionadas por la fuerza de loinstituido.

El dispositivo de recolección de la informacióncombinó entrevistas en profundidad (inicial y deanálisis) y observaciones de clases tanto teóricascomo sesiones de clínica a cargo de dichos docen-tes. Sin embargo, luego de realizar la primera en-trevista y realizar la observación de la clase teórica,se notaron diferencias entre la narrativa de la do-cente del Caso I y lo observado. En la entrevistaesta docente refiere a haber percibido cambiosrealizados por haber cursado la CD en su estilo dedesempeño respecto al modo de coordinar y su-

pervisar a los alumnos. Esta percepción contrastafuertemente con lo observado en tanto la clase esexpositiva de corte tradicional. La finalidad en cu-anto a los interrogantes que se plantean a los alu-mnos no concuerda con los propósitos declaradospor la docente en su entrevista.

A partir de esta situación, me pregunté si el es-pacio curricular de la clase teórica posibilitaba, porsus características que se implementen los cambi-os a que refería esta docente. Para permitir la tri-angulación de fuentes observé también el espaciocurricular de la clínica en donde cada docente su-pervisaba a un grupo de alumnos de manera autó-noma, es decir que ellas mismas no debíansupervisar con docentes de mayor jerarquía, lasdecisiones que adoptaban en relación con los alu-mnos. También realicé una Entrevista a la Profe-sora Titular de la cátedra (como informante clave).Este abordaje estuvo orientado a la triangulaciónde fuentes.

¿Que prácticas transforman los docen-tes universitarios?

Desde un punto de vista más general, a partirde los casos analizados, es posible encontrar se-mejanzas y diferencias no sólo en los modos deestas dos docentes de encarar y llevar a cabo susprácticas de enseñanza sino también en las repre-sentaciones acerca de la formación y en la per-cepción que ambas tienen acerca de las transfor-maciones que se derivan de su paso por la CD.

Ambas tienen gran experiencia docente en lacátedra (una desde el año 1988 y la otra desde1983), ambas egresaron de la Carrera Docenteen el año 2003. Cumplen funciones semejantesen tanto las dos coordinan un pequeño grupo dealumnos a su cargo en el espacio curricular de laclínica y son responsables de determinados teóri-cos que les son asignados previamente. Recono-cen una doble motivación para realizar la CD: porun lado, el impulso generado por quien fuera elProfesor Titular en ese momento y por el otro uninterés personal que aparece como más genuinoen la docente del Caso I en donde hay un recono-cimiento explícito de la necesidad de cambiar suaccionar docente.

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Este punto diferenciado de partida parecesustantivo ya que se advierte que en esta docentehay una posibilidad de reflexión sobre su modali-dad docente, lo que da cuenta de un retorno sobresí misma. Filloux (1986:57) señala “en la medidaen que uno piensa sobre lo que hace, sobre su sig-nificación, sobre los fracasos que uno vive, es apartir de esta reflexión que uno puede autoformar-se como formador”. He aquí una condición sinequa non para todo proceso formativo, la posibilidadde reflexionar, de retornar sobre sí mismo.

En el Caso II, no parece ser nuclear esta pro-blemática en tanto, como se advierte en todos sustestimonios, en esta docente no hay un reconoci-miento pleno de dificultades que dieran lugar a lanecesidad de encontrar alternativas para modifi-carlas (entre ellas una posibilidad: la CD). Es apartir de esta diferencia, que se considera queambas docentes hacen recorridos diferenciados conalgunos puntos en común.

Si bien se analizaron en profundidad los dife-rentes tipos de transformaciones que surgieron apartir del análisis realizado del material empírico,en esta presentación, voy a centrarme en trans-formaciones en las representaciones acerca delser docente en los espacios diferenciados de laformación (el espacio del teórico y el de la clí-nica); la formación y su vinculación con la bi-ografía escolar y la socialización profesional.

En dable realizar algunas aclaraciones: en pri-mer lugar, me refiero a los espacios diferenciadosde la formación en tanto institucionalmente la or-ganización horaria de todas las asignaturas queforman parte de la carrera de grado de Odontolo-gía determinan tiempos distintos para las clasesteóricas y la clínica. Las clases teóricas se carac-terizan por ser espacio de formación en donde seprivilegia la transmisión de contenidos por parte delos profesores a cargo (generalmente el ProfesorTitular o los Profesores Adjuntos de la cátedra).Prima la exposición como estrategia de enseñan-za. Los alumnos reciben la información y esporá-dicamente responden a las preguntas formuladaspor los docentes. La interrogación didáctica queprevalece se plantea con fines de control y evalu-ación de los estudiantes. No se pregunta para ge-nerar reflexión ni producción conjunta deconocimiento. Es posible que esto sea consecuen-

cia de la operación de la cultura institucional6 (FER-NÁNDEZ, 1998) en tanto ésta delimita modos deactuar específicos para este espacio curricular queregulan el comportamiento de forma tal que losmismos aparecen como la única manera posiblede actuar.

El espacio de la clínica se caracteriza por elalto grado de variabilidad, impredictibilidad, inme-diatez para la toma de decisiones y falta de conti-nuidad. Es un contexto con un alto grado deincertidumbre respecto a las posibilidades realesde anticipar contenidos y experiencias de aprendi-zaje. En estas condiciones un docente, un pequeñogrupo de alumnos y un paciente conforman un es-cenario complejo sujeto a variadas presiones, unade ellas, el tiempo que es percibido siempre comoescaso - asociado al rápido paso del paciente en laclínica, al conflicto que genera en los docentes eltratamiento de los contenidos curriculares, a la di-ficultad para generar espacios de encuentro dondelos estudiantes puedan compartir sus experiencias,etc. (IRBY, 1995).

Cuando indago sobre las representacionesacerca la formación y su vinculación con labiografía escolar y la socialización profesio-nal parto de la idea de que estas representacionesregulan el accionar docente de manera no siempreconsciente. Hablar acerca de ellas (a través de lasentrevistas) permite explicitar sus supuestos y laideología de la enseñanza7 (BALL, 1994) quesubyace.

6 Lidia Fernández (1998, p.29) define cultura del siguiente modo:“En función de su historia particular, de las características desus miembros, de la singularidad del ambiente en que funciona yde los recursos con que cuenta, cada establecimiento hace unaversión singular de las instituciones generales. Esta versiónincluye: un lenguaje, un conjunto de imágenes sobre la instituciónmisma, sus tareas, los distintos roles funcionales y cada una desus condiciones, un conjunto de modalidades técnicas para elcumplimiento de las tareas que hacen a su producción ymantenimiento; una particular forma de plantear y resolver lasdificultades, de manejar el tiempo y el espacio, los recursos y lasrelaciones con el ambiente; una manera de ordenar las relacio-nes de los individuos entre sí en lo referente a la tarea, losintercambios efectivos y el gobierno institucional”7 Ball define a la ideología de la enseñanza como las creencias eideas acerca de las características de la enseñanza que seconsideran esenciales, se incluyen aspectos cognitivos yvalorativos, supuestos sobre la naturaleza del conocimiento, lastareas que deben realizar enseñantes y alumnos, criterios paraevaluar el rendimiento, etc. Se inserta en una red de concepcionesdel mundo social y político.

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Aquí se hace necesario incluir el concepto derepresentación social (MOSCOVICI, 1984), entanto marca un punto de inflexión entre lo psicoló-gico y lo social. Las representaciones compartidasen toda institución actúan como reguladoras de lasacciones, organizadoras del pensamiento y condi-cionantes de las relaciones intersubjetivas y de latarea que desarrollan los sujetos. Como construc-ción social son el resultado de los estados menta-les de un grupo social que piensa en común y varíande una organización social a otra; su especificidadestá dada por tres cuestiones fundamentales: sepresentan como impuestas al sujeto desde lo exte-rior con carácter obligatorio, no surgen de los indi-viduos aisladamente, sino que se configuran por laacción colectiva, es decir que son más que la sumade las individualidades, y se agrupan siguiendo suspropias leyes.

Las representaciones sociales se presentan devariadas maneras: pueden ser imágenes que con-densan un conjunto de significados, sistemas dereferencia que permiten interpretar lo que sucedeo que dan sentido a lo inesperado, categorías clasi-ficatorias de fenómenos, circunstancias, sujetos oteorías. Son, en definitiva, una forma de conocimi-ento social, una forma de interpretar la realidadcotidiana y a su vez, las actividades mentales de-sarrolladas por los sujetos para fijar posiciones fren-te a acontecimientos y objetos. Desde el punto devista individual se ordenan en fantasías o fantas-mas, en complejos y en imagos.

Para presentar los hallazgos, comenzaré porreferirme a las Transformaciones en las repre-sentaciones acerca del ser docente en los es-pacios diferenciados de la formación (el espaciocurricular del teórico y el de la clínica).

La docente del Caso I manifiesta su percepci-ón acerca de lo que es ser docente y de las trans-formaciones que ha tenido en su accionar docentea partir de su paso por la CD. Sus testimonios in-forman de ello:

D: A mí la CD me cambió mucho sobre todo en larelación con los alumnos, no encerrarme en que yoera solo la coordinadora del grupo, la jefa del gru-po sino abrirme a las expectativas de ellos. (…)Ahora los escucho, no les digo qué tienen qué ha-cer. Tengo paciencia. Antes no. Les largaba de unami diagnostico o la forma correcta del tratamien-

to. Ahora puedo bancarme que se equivoquen sinenojarme y sin decirles “la posta”. Me parece queme importa menos lucirme yo con mi sapiencia. Talvez antes era más insegura y tenía necesidad dedemostrar que yo sabía y por eso se los decía. Aho-ra .... me importa más que aprendan, que me diganporqué hacen las cosas, que justifiquen, no queprueben porque sí. (Entrevista inicial. Caso I)

Sus expresiones refieren a la aceptación del roldocente como dinámico, sujeto a modificaciones(en este caso por haber cursado la CD) y pasiblede reflexión por parte de la protagonista. Dan cu-enta de qué significa para ella ser docente, del tra-tamiento del error como indicador del proceso delalumno y de la posibilidad de descentración del roldel docente en el proceso de enseñar para poderincorporar al “otro”.

Fernández (1985) trabaja dos enfoques que sus-tentan el desempeño docente y que son los supu-estos que implican concepciones acerca deldocente, del alumno y el tipo de vínculo entre ellos.En uno de ellos, el enfoque centrado en el alumno,el formador pasa a ser orientador y guía del proce-so del formado. Para aprender el alumno debe re-alizar alguna actividad y participar en todos losmomentos del proceso. El docente es un expertoque guía sin ser única fuente de información. Elalumno es visto como un ser potente Creemos queeste enfoque se acerca a las representaciones deesta docente prioritariamente vinculado con el es-pacio curricular de la clínica.

En este punto puede resultar de interés incluirla perspectiva de Perrenoud (1995) que trabaja elconcepto de habitus8 aplicándolo específicamen-te a la formación de los enseñantes. Plantea quelas acciones desarrolladas por los sujetos son con-sideradas “naturales” en tanto no hay una profun-da reflexión acerca de sus causas y del por qué seactúa de determinada manera. Intenta mostrar queuna parte importante de la acción pedagógica ape-

8 Retoma de Bourdieu (1988) el concepto de habitus que planteala representación, como producto del habitus. Este tiene suorigen en las posiciones sociales de los sujetos o grupos queestán dadas por la distribución del capital económico y culturalde modo tal que quienes ocupan posiciones similares,posiblemente compartan intereses y disposiciones semejantesy es predecible que produzcan representaciones y prácticastambién similares. Son sistemas de disposiciones duraderas perono inmutables.

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la a un habitus personal o profesional más que asaberes. Este accionar se funda sobre las rutinas osobre una improvisación reglada. Una parte de losgestos del oficio son rutinas que sin escaparse com-pletamente a la conciencia del sujeto, suponen lapuesta explícita de saberes y de reglas. En la ges-tión de la urgencia, la improvisación se regula pormedio de esquemas de percepción, de decisión yde acción que movilizan débilmente el pensamien-to racional y los saberes explícitos del actor.

Podría plantearse en este caso que los saberesadquiridos en la CD transformaron el habitus queoperaba de modo inconsciente antes del procesode formación. Estos nuevos saberes se han trans-formado en esquemas de acción y de algún modoactualmente se han vuelto “naturales”.

Al referirse a lo qué es ser docente en el espa-cio de los teóricos, su representación se encuentraligada por un lado a aspectos vinculares con el alu-mno que implica reflexión acerca del uso de la au-toridad que supone de por sí el rol docente y porotro a acompañar al alumno en su formación. Estoes reconocido como aprendizaje logrado en la CD.

El espacio destinado a las clases teóricas estáimbuido de representaciones ligadas a que es serbuen profesor en este espacio curricular (los alu-mnos y los otros docentes esperan que sucedan enese espacio determinadas cosas y no otras) y quées ser buen alumno en este espacio (hay que par-ticipar respondiendo las preguntas del docente ohaciendo aportes particulares). Probablemente lafuerza institucional de lo instituido9 en relación aeste espacio opere en sus representaciones.

Pareciera que la representación del ser docen-te en los teóricos refiere al enfoque centrado en eldocente (FERNÁNDEZ, 1985). Esto supone unmodelo en donde el docente brinda información,siendo su función principal el ser informante y exa-minador. Es poseedor y transmisor de la “verdad”.El alumno es el receptáculo que la recibe sin inten-tar modificarla. Incluso, sin poder hablar. De estemodo la relación docente-alumno, formador-forma-do se reduce a la recepción y emisión de informa-ción en donde este último deposita en el primero lacapacidad de reflexión y de autonomía generándo-se una situación de dependencia.

La representación del formador en este casoremite al padre omnisciente de la infancia (KAËS,

1968). El docente es el único poseedor de la ver-dad, indiscutible y que se impone. Está ligado auna representación del docente como autoridadcientífica y por ende, la enseñanza es un procesode transmisión. Se concibe a los alumnos comoreceptores de ese saber y al conocimiento comoexterno al sujeto. En este sentido, la formación serelaciona con la superación de pruebas para ad-quirir ese conocimiento y también con la fantas-mática de la madre nutricia. A nivel inconsciente laformación se vincula con el imago materno y supoder. El estudiante es complementario en su de-seo de ser nutrido pero al mismo tiempo manifiestala ilusión de devorar al docente para absorber supoder y su saber. Este saber puede ser usado comomodo de control. El saber y el poder van juntos.Por otro lado, el saber es patrimonio de unos po-cos. El alumno es pasivo y sólo puede ser copia dequien lo forma hasta dónde éste se lo permita.

Es interesante observar cómo, para la mismadocente, cambia la representación del ser docentede acuerdo con el ámbito de desempeño del mis-mo, delineando modelos de actuación contradicto-rios. Podríamos pensar nuevamente en la fuerzade los instituido y la sensación de impotencia fren-te a toda posibilidad de cambio (en el espacio cur-ricular del teórico los alumnos no pueden incluirreferencias a sus casos clínicos, no se puede im-plementar otro tipo de estrategia de enseñanza) yla depositación de esta imposibilidad en los otros –los alumnos – los otros docentes.

Enriquez (1996) afirma que todo acto de for-mación refiere a una serie de modelos explícitosmarcados por el deseo de omnipotencia y el te-mor/deseo a la impotencia. Plantea como uno delos modelos el de alumbrador (partero) que tratade hacer nacer, de facilitar el desarrollo o la actu-alización de potencialidades reprimidas o inhibidas.Se basa en sostener el respeto incondicional al otro,en acercarse con una actitud empática, de modode garantizar que el otro se convierta potencial-mente en lo que es y que aún no ha podido mani-

9 Castoriadis (1983) habla de un “imaginario social efectivo”(instituido) y de un “imaginarios social radical” (instituyente).Lo instituido refiere a lo que está hecho, organizado, estructurado.Lo instituyente refiere a lo que desafina a lo instituido, al cam-bio, desafía lo que ya está organizado para cambiarlo. La tensióninstituido – instituyente se manifiesta en todas las dimensiones:la personal, la institucional, la social.

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festar. Se trata que el formador pueda crear unclima de confianza para permitir que emerja la ver-dadera forma. Basado en las ideas de Rogers su-pone la idealización del otro, (ya que implica que elotro esté dispuesto a entrar en esta relación y pro-gresar) y su sobreprotección (en tanto el alumnose enfrenta a una madre nutricia que permite lle-gar a la autonomía). No se permiten la ambivalen-cia o el rechazo y esto trae aparejado un gransentimiento de culpa por parte del estudiante.

La representación de esta docente respecto alrol desempeñado en el ámbito de la clínica bien po-dría vincularse con la descripción precedente. Deesta manera, la carrera docente aparecería comoinstituyente y provocadora de cambios en la repre-sentación acerca del ser docente en el espacio de laclínica. Este espacio curricular, menos sujeto a de-terminaciones institucionales puede ser, y de hecholo es, objeto de reflexión y cambio. Este modelo pro-puesto se acerca al enfoque centrado en el alumno(FERNÁNDEZ, 1985), en donde el formador pasaa ser orientador y guía del proceso del formado.

La representación aquí estaría vinculada con eldeseo de formar, ligado a la pulsión de vida. Se de-sea crear, modelar. Así mismo la tendencia a defor-mar se encuentra siempre presente y representa lapulsión de muerte. Esto se vincula a que en todoaprendizaje – al significar un cambio, siempre hayuna renuncia. Hay algo que muere para dar lugar alo nuevo. Por otro lado, aparece una representaciónvinculada a la superación de pruebas en donde ladocente acepta que el alumno es un ser independi-ente y que será formado por su mediación. Esto lepermite al docente la constitución de buenos objetospor identificación introyectiva.

Como hemos visto, ocurre todo lo contrario conlas representaciones vinculadas al ser docente enel teórico. Esta contradicción podría tener que vercon lo planteado por Filloux (1996) en el sentido deque toda formación supone ir al encuentro de vie-jos hábitos, vencer las resistencias que se tenganpara aceptar conocimientos nuevos. En este caso,tal vez en la docente hayan operado en su procesoformativo realizado en la CD resistencias muy fuer-tes para construir un nuevo rol en este espacio. Aldecir de este autor “uno se instruye contra algo,quizás hasta contra alguien y por supuesto contrasí mismo” (FILLOUX, 1996, p.57).

Finalmente, el reconocimiento de esta docentede los aspectos gratificantes de ser docente seencuentran también vinculados a acompañar elproceso formativo del alumno.

La docente del Caso II se percibe a sí mismacon “vocación docente”, comprometida con la ta-rea docente, “flexible”, estableciendo un vínculocon los alumnos que excede el rol docente y seacerca un poco al rol materno. Las representacio-nes acerca de la formación inciden en las relacio-nes que mantienen formadores y formados en todoproceso de formación. Si bien no son las únicasque regulan las prácticas pedagógicas definen engran medida las características que asume cadasituación particular.

Para Käes (1968) la situación de formación seconfunde con el universo maternal y la represen-tación del conocimiento se liga al alimento. De estemodo la formación se representa como control,creación o modelado. El formador es identificadocon la madre que nutre y protege o por el contra-rio, que niega el alimento a sus hijos y los rechaza.Es probable que al tener un accionar diferenciadocon los alumnos según la representación construi-da10 , ambas representaciones hayan estado pre-sentes en la situación que se analiza.

Enriquez (1996), en su planteo teórico, desarro-lla modelos de formadores. Uno de ellos refiere adar una buena forma. Esta docente alude a estemodelo en la dimensión de tipo estático basado en elsupuesto que los sujetos tienden a mantener un com-portamiento ordenado que les permite orientarsehacia una buena forma que es similar para todos.Esto supone que el formador mismo encarna la bu-ena forma que los formados tratarán de imitar o in-troyectar. Se convierte en un ideal que hay queinteriorizar. Enriquez (1996) señala que este modelosupone despojar al formado de su propia experien-cia, de sus vivencias, angustias, dudas para ser sus-tituidas por una forma estática y repetitiva.

10 La docente del Caso II construye una representación diferen-ciada de los alumnos en el espacio de la clínica. Recurre a unacategorización elaborada previamente en función de la historiacompartida con ese alumno y opera en consecuencia. Esto de-termina diferentes tipos de actuación según se trate en surepresentación de “buenos alumnos”, (son los que realizan lasprácticas odontológicas de manera “correcta”, es decir,coinciden con lo que sería su forma de actuar), o “alumnosmenos dotados” (los que “no saben”), a quienes les indica preci-samente cómo actuar.

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Al referirse a lo qué es ser docente en el es-pacio de los teóricos, su representación se encu-entra ligada a un espacio sin conflicto, donde setransmiten los contenidos y se realizan preguntascon un doble objetivo: en primer lugar para evitarque los alumnos se duerman y en segundo paraque piensen. Pareciera que las representacionesde este espacio responden al enfoque “centradoen el docente” (FERNÁNDEZ, 1985) caracteri-zado por brindar información y donde el estudian-te deposita en el docente la capacidad reflexiva yde autonomía.

Por otro lado, su representación acerca del do-cente en el espacio curricular de la clínica refierea un docente que orienta, guía al alumno, monito-rea su accionar y lo obliga a volver sobre sus co-nocimientos previos. Sin embargo las observacionesdan cuenta que no siempre sucede lo que la do-cente percibe. Las observaciones realizadas mu-estran claramente que esta docente realizapreguntas pero para corroborar el procedimientorealizado y da indicaciones precisas acerca de lapráctica clínica a realizar sin indagar los presupu-estos de los alumnos.

Se podría afirmar que el modelo representadopor esta docente se acerca más al enfoque centra-do en el alumno, en donde el formador pasa a serorientador y guía del proceso del formado. Cuandose intenta llevar adelante este modelo, para el for-mador se plantea un conflicto entre el modelo ad-quirido y el que se intenta desarrollar. Asumir elcambio de posición supone que en el proceso deformación se ha renunciado a aquellas partes de síque no quieren formarse o deformarse.

Dados los datos empíricos, es probable que estono se haya realizado completamente en el procesoformativo de esta docente (en la CD) y que primeuna representación de sí misma que no concuerdacon su accionar pedagógico. Podría aventurarseque los saberes adquiridos en la CD y la capacidadreal de esta instancia formativa para someter areflexión el habitus que operaba de modo inconsci-ente han sido poco efectivos.

A continuación se abordarán las representaci-ones acerca de la formación y su vinculacióncon la biografía escolar y la socialización pro-fesional.

Kaës (1968) trabaja las representaciones acer-ca de la formación; éstas pueden encontrarse enestado incorporado, al ser interiorizadas por mediode los procesos de socialización primaria y secun-daria, o en estado objetivado, es decir, en produc-ciones culturales: productos materiales, elementosprescriptivos, elementos expresivos y las accionesy prácticas cotidianas de enseñantes y alumnos.

Mastache (1993) advierte sobre la dificultad decambiar el sistema de representaciones debido aque se incorporan en la socialización primaria –como las referidas a la formación – y por tanto,tienen efectos duraderos.

En los testimonios producidos por la docentedel Caso I se observa el peso que adquiere subiografía escolar en la consolidación de su sistemade representaciones. Pareciera ser que el impactoque esta produjo, fundamental en cuanto al futurodesempeño profesional del docente en términos deTerhart (1987), opera como referente permanenteen esta docente. Sus referencias hacia figuras for-madoras de la primera infancia (maestras) handejado una fuerte impronta que ella reconoce ensu actual accionar como docente. Valoriza atribu-tos ligados a aspectos vinculares y de personalidady reconoce a la formación que como un procesoque va más allá de la enseñanza. Estos modelosoperaron como fuente de identificación a tal puntode desear seguir la docencia como profesión.

No obstante, la socialización secundaria produ-ce modificaciones a nivel de las representaciones.Las representaciones acerca de la formación enlos formadores están mediatizadas no sólo por lasocialización primaria sin también por el procesode socialización secundario como educador. La ins-titución que lo forma transmite representaciones yno sólo saberes para su formación.

D: ...Y acá en la Facultad... Mi madrina de beca dela Facultad era de esa cátedra... y ella me ayudómucho. Ella me pidió que me quede en la cátedracuando me recibí, me quedé un tiempo... aprendí.(Entrevista inicial. Caso I)

Desde esta perspectiva podemos destacar elpeso de la socialización profesional como fundantede las representaciones. Se observa que las figu-ras que han sido objeto de identificación positiva yhan sido importantes en la construcción de su bio-

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grafía escolar han operado a través de dos tipos deaspectos: por un lado, están las figuras que hanaportado rasgos valorizados respecto a cuestionestales como la dulzura, la manera de ser y hablar,enseñar para la vida que refieren a contenidos quevan más allá de los específicos de la enseñanza.

Por otro lado, se reconocen las figuras que hansido influencias en su proceso formativo en el ám-bito de la Facultad, las que han aportado rasgosligados directamente con la enseñanza (comen-zar como ATP para ir aprendiendo a ser docente,hacer cursos, la CD y “estar” con los alumnosestableciendo un vínculo). Estos rasgos aparecenvalorizados en la propia percepción de su estilode desempeño, y reconocidos como producto desu proceso de formación en la CD. Sus testimo-nios dan cuenta que en este caso, la CD produjoun impacto percibido por la docente en su modelode relación con los alumnos y en la identificacióndel otro como diferente y con características queremiten a tiempos y estilos de aprendizaje dife-renciados.

Otro hecho a destacar es el proceso de reflexi-ón sobre sí misma que pareciera se permite estadocente. En este sentido, Filloux (1996) afirma quelo esencial del proceso formativo en un formadores el nivel de retorno sobre sí mismo que éste pue-da hacer. A partir de tomar conciencia de lo queocurre en su relación con el formado, puede reali-zar ese retorno reflexivo sobre sí mismo.

Finalmente se puede decir que las representa-ciones tanto individuales como colectivas tienenaspectos latentes y aspectos manifiestos. Estosúltimos o conscientes ocultan en grado diverso lassignificaciones inconscientes. Los aspectos laten-tes o fantasmáticos se pueden analizar a partir desus aspectos manifiestos u objetivados. Una partedel aspecto inconsciente puede hacerse conscien-te por medio de un proceso reflexivo. Los testimo-nios recogidos de esta docente permiten advertirdel impacto que provoca el dispositivo de recolec-ción de información – especialmente la entrevistade devolución en su proceso reflexivo funcionandoa modo de toma de conciencia de cómo operó laCD en el cambio producido por la docente.

Importa recordar que desde el punto de vistade las representaciones específicas respecto a laformación Käes (1968) considera que ellas inci-

den en las relaciones que mantienen alumnos ymaestros y entre sí con la tarea. Condicionan losvínculos psicológicos – identificaciones y afectos– y los técnicos, ocasionando que las prácticas yrelaciones pedagógicas dependan en gran partede las representaciones acerca de la formaciónque estén operando. A su vez, estas representa-ciones dependen de las fantasmáticas que expre-san y de sus relaciones entre los aspectosmanifiestos y latentes. Se analiza la incidencia delas representaciones de la formación en estasprácticas y sus posibilidades de cambio en funci-ón del predominio de la sumisión, la defensa o laelaboración del fantasma.

El proceso reflexivo que realiza esta docentepodría permitir la elaboración de la dimensión fan-tasmática produciendo la superación de las angus-tias vinculadas a las diferentes fantasmáticas y laposibilidad del cambio entre los contenidos de larepresentación. De este modo la docente recono-cería al educando como un ser que se forma porsu mediación y que no es su posesión. Se facilita laelaboración de la problematización de las relacio-nes y de la situación pedagógica.

Las entrevistas y observación realizados dejanver que esta docente reconoce al alumno comootro diferenciado, con potencialidades, a quien pu-ede acompañar desde una posición de seguridaden sí misma y donde prima el deseo de formar porsobre el de deformar. (Kaës, 1968). Ya se ha seña-lado el valor que para este autor adquieren los pro-cesos de socialización primaria y secundaria en laconstrucción de las representaciones acerca de laformación.

En los testimonios producidos por la docente delCaso II se advierte que el peso más fuerte queopera en consolidación de su sistema de represen-taciones está ligado a la socialización secundaria.Las figuras formadoras que han configurado partede su biografía escolar las reconoce en la formaci-ón universitaria. Valoriza aspectos vinculados conlo emocional y lo vincular. El trato con el alumno esdestacado como importante pero no hay aspectosrelacionados directamente con la enseñanza.

Por otro lado, también distingue a figuras quehan sido importantes en la etapa de socializaciónprofesional (TERHART, 1987). Hay reconocimi-ento hacia figuras que operaron de acompañantes

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en su trayecto inicial en la docencia en la cátedra.Valoriza atributos ligados a aspectos vinculares yde personalidad. Probablemente estas figuras sehayan constituido en modelos de identificación. Nohay referencias a modelos sustantivos en etapasanteriores de su formación.

Tampoco esta docente percibe modelos quehayan influido en la constitución de su estilo de in-tervención actual.

E: Había algo previo a la CD en que te sintierasmenos segura como docente, algo que hubierasquerido cambiar?D: La verdad desde lo personal, la verdad que no.Pero bueno, no lo digo por pedantería, yo los teó-ricos siempre tuve alguna persona que me dijo quebien esto, (…) pero muchas veces tuve la satisfac-ción que alguien te diga, no desde el compromi-so… (Entrevista inicial. Caso II)

Pareciera que la percepción de su modalidad ala hora de enseñar en especial en el espacio curri-cular de los teóricos es constitutiva. Podría pen-sarse que para esta docente no hay registro decómo se construye un estilo a la hora de enseñar,tampoco hay percepción del punto de inicio, por lotanto tampoco lo hay respecto figuras que hayaninfluido en este trayecto. Así mismo, la cátedra yla Facultad aparecen como espacios muy valoriza-dos que permiten el desarrollo personal.

Puede resultar de interés introducir en este pun-to la conceptualización realizada por Lidia Fernán-dez (1988) acerca de las formas de relación quelos individuos mantienen con los establecimientosinstitucionales. Los sujetos establecen con la insti-tución una pertenencia formal que deriva de la po-sición que se ocupa en el sistema de distribuciónde responsabilidades (que supone cierto grado dediscrecionalidad e implica un cierto grado de ena-jenación). Esta autora retoma lo planteado por Ar-gyris (1976) que afirma que la pertenencia implicaun intercambio entre los factores de inversión y losde retribución. En la medida que se mantengan enequilibrio disminuyen las posibilidades de conflictoy crisis en relación con esta pertenencia.

Por otro lado, se establece también una perte-nencia fantasmática, que supone que el estableci-miento se configura para el sujeto como espacioimaginario donde operaran fenómenos de circula-ción fantasmática y resonancia y también puede

ser utilizado como defensa contra ansiedades detipo arcaico. El sujeto entonces, a partir de ese in-terjuego configura una imagen que organiza y re-gula la estructuración de su pertenencia. Al mismotiempo, la comparte en ciertos rasgos y cualidadescon los demás miembros.

E: Como te definirías como docente?D: Es una gran vocación en principio. Yo siempredigo que la Facultad es como mi segunda casa, sibien estoy y dedico tiempo... porque no son sólolas horas que estoy los jueves, uno tiene siempreuna serie de tareas, en distintos horarios, otroscursos, y demás. Pero a mí la Facultad me abriómuchas puertas. Yo lo siento desde adentro. No sési me entendés. No son puertas de éxito. Son puer-tas internas. Yo digo que toda la seguridad queuno puede tener, toda la experiencia, toda esta cosade grupo de pertenencia y de contención a mí melo dio la Facultad, me lo dio la cátedra (...) paramí yo lo hago con un gran compromiso. (Entrevistainicial. Caso II)

Es un espacio que es como una “segunda casa”,que “abre puertas internas”, contiene, aporta a laexperiencia. Demanda gran compromiso, esfuer-zo, tiempo, renuncias. Aparentemente, el equilibrioentre los factores de inversión y de retribución semantiene estable.

Por otro lado, los aspectos identificados comogratificantes tienen que ver con el aprendizaje delos alumnos y el reconocimiento de sus pares.

Finalmente, como se ha señalado precedente-mente, la representación acerca de la formación,se vincula tanto a la madre que nutre y protege y ala que niega el alimento a sus hijos. Esto se susten-ta en el modo diferenciado de operar con los alum-nos, en función de la representación construida.Ya se ha hecho referencia a los conceptos verti-dos por Mastache, quien afirma que el sistema derepresentaciones no es inmutable, puede cambiar,pero para que esto suceda es necesario que se in-troduzcan nuevas representaciones - por ejemploa través de un nuevo dispositivo formativo.

A pesar que la CD podría haber operado enese sentido, en la medida que no hay conciencia dela necesidad del cambio, su impacto es nulo. Deeste modo se impide la elaboración del fantasma.

En cuanto a las representaciones respecto alser docente, la protagonista de este caso, mani-

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fiesta un doble modelo materno (KÄES, 1968).Es tanto la madre que nutre y protege como laque niega el alimento y rechaza a sus hijos. De-pende del tipo de alumno que haya construidoen su representación. Desde la perspectiva deEnriquez (1996), adhiere al modelo de la “buenaforma” en la dimensión de tipo estático y repeti-tivo. Es esta docente quien encarna esta buenaforma que los estudiantes deberán imitar o in-troyectar.

Por otro lado, también esta representación esdoble respecto a los modelos de actuación depen-diendo de los espacios en donde se actúe. En elespacio curricular del teórico, responde al enfoque“centrado en el docente” (Fernández, 1985). Encambio, en el espacio curricular de la clínica semanifiestan ambos, el que acabo de citar y el “cen-trado en el alumno” (Fernández, 1985) donde el rolpredominante es guiar, orientar y monitorear al es-tudiante. Sin embargo, como ya he mencionado, elimplementar este modelo puede resultar conflicti-vo ya que generalmente hay una contradicciónentre el modelo adquirido y el que se intenta desar-rollar. Esto implica hacer un proceso interno quesupone renunciar a aquellas partes de sí que noquieren formarse o deformarse.

Ya se ha planteado la duda que esto suscita enel investigador y que se haya instalado en la do-cente de este caso, una representación de sí mis-ma que no concuerda con su estilo de intervención.

Finalmente, unas palabras en relación con laspropias representaciones de las protagonistas delos casos frente a su proceso de formación.

Como lo señala Kaës (1986) las situaciones deformación pueden ser vividas como expresión dela pulsión de vida (deseo de ser formado, de cam-biar) y de la pulsión de muerte (deseo de permane-cer intacto, de no morir, en tanto aprender implicacambiar, perder algo). Puede aventurarse que ladocente del Caso I está signada por la pulsión devida, en tanto reconoce cambios y transformacio-nes a partir de su proceso formativo.

Podría decirse, en cambio, que probablementeen la docente del Caso II operó la resistencia alcambio, (a ser formado, a aprender). Esto tal vezhaya generado la emergencia del fantasma de laautoformación, como una forma de negar la identi-ficación con el formador y controlar la angustia

derivada de la de-formación que podría generarseen su proceso de formación.

Para seguir pensando

A partir de los casos analizados es posible en-contrar semejanzas y diferencias en la percepciónque ambas docentes tienen acerca de las transfor-maciones que se derivan de su paso por la CD.

Es posible que la diferencia en el punto de ini-cio en ellas opere como un punto de inflexión quede alguna manera ha condicionado el proceso for-mativo. La posibilidad de reconocer aspectos amodificar en el accionar docente determina de al-guna manera el aprovechamiento de la instanciaformadora de la CD en cuanto a su potencial ins-tituyente.

Como ya se ha señalado, las transformacionessiempre refieren a la capacidad de cambiar, que essubjetiva y aluden al orden del deseo. Los testimo-nios de ambas docentes difieren al respecto: ladocente del Caso I manifiesta esta necesidad decambio a partir de sus reflexiones sobre ese esta-do inicial y por ende, al elegir pasar por la CD comoforma de modificar aquellos aspectos que no en-cuentra satisfactorios de sus prácticas de enseñan-za, percibe modificaciones concretas.

En cambio, la docente del Caso II parte delsupuesto que posee una especie de “don natural”para ejercer este rol y no encuentra aspectos desus prácticas de enseñanza que le resulten imperi-osos cambiar. Consecuentemente, el reconocimi-ento explícito de transformaciones operadas porsu paso por la CD es escaso. Iniciar un procesoformativo, como es la CD supone plantearse enqué se quiere ser formado, y cuál es el cambioesperado. Pareciera entonces que esta última do-cente ha realizado un proceso adaptativo que le hapermitido ajustarse mejor, al menos desde el nivelde lo consiente, a su trabajo como docente sin plan-tearse conflicto alguno.

La docente del Caso I, al haber podido realizarun proceso reflexivo- un retorno sobre sí puede re-conocer transformaciones en variados aspectos desus prácticas y sus representaciones. No ocurre lomismo con la docente del Caso II. Por ende su noreconocimiento de transformaciones es válido en lamedida que seguramente, refleja la realidad, es de-

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cir, no ha habido cambios sustantivos en su modo deoperar ni de concebirse como docente.

La capacidad generadora de transformacionesde los programas formativos requiere de de quie-nes pasan por este espacio formativo, estar en dis-ponibilidad para cambiar, para realizar un trabajoconsciente y no siempre gratificante acerca deconcepciones sobre el enseñar, el aprender, el ser

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Recebido em 13.03.09Aprovado em 12.06.09

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O TRABALHO DOCENTE NAS REPRESENTAÇÕES

DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO

Ivonete Barreto de Amorim *

Sandra Regina Soares * *

* Pedagoga. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado daBahia, Campus I. Endereço para correspondência: Endereço: Rua Dr. Hosannah de Oliveira, 72. Edifício- Paradise Hill, Alto doItaigara – 41.815.215. E-mail: [email protected]** Doutora em Educação pela Université de Sherbrooke-Qc-Canadá. Pós-doutorado em Educação pela UNISINOS. Professo-ra do Departamento de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade doEstado da Bahia, Campus I. Endereço para correspondência: Rua Silveira Martins, 2555, Cabula – 41150-000 Salvador/BA. E-mail: [email protected] / [email protected]

RESUMO

A pesquisa de que trata o presente artigo objetivou conhecer as representações deprofessores do ensino superior privado sobre o trabalho docente nesse nível de ensino.Os participantes do estudo são professores de duas instituições de ensino superiorprivado na Bahia. Os dados foram coletados por meio de entrevista semi-estruturadae da Associação Livre de Palavras (ALP) e tratados conforme a análise de conteúdodo tipo temática (BARDIN, 1977). A discussão dos resultados indica que os elementosdas representações dos participantes que emergem dos dados se relacionam a duasdimensões: uma que contempla a questão do estatuto social e profissional (condiçõesde trabalho, regime de trabalho etc.), e outra que envolve o fazer docente, o exercícioconcreto do processo ensino-aprendizagem. Quanto à primeira dimensão, os elementosdas representações dos participantes variam em função da instituição em que atuam.No que concerne à dimensão do fazer docente, os dados indicam uma grandeconvergência, independente da instituição, de alguns elementos das representaçõesacerca do trabalho docente no ensino superior privado.

Palavras-chave: Trabalho docente – Ensino superior privado – Representações sociais

ABSTRACT

TEACHING IN REPRESENTATIONS OF PRIVATE UNIVERSITYPROFESSORS

This article presents part of the discussion of a research results whose objective wasto investigate private university professors’ representations about teaching. Theparticipants of the study are professors of two private universities in Bahia. The datahad been collected by means of half-structured interview and by free associations.The deriving data of the interview technique had been dealt with in accordance withthe analysis of content of the thematic type (BARDIN, 1977). Results indicate thatthe elements of participant representations who emerge of the data relate to twodimensions: one that deals with social and professional statute (conditions of work,

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work load); and the other whose focus is teaching practice, the concrete exercise ofthe teaching-learning process. Concerning the first dimension, the elements ofparticipants representation vary in function of the institution where they act. Regardingthe second dimension, data indicate a great convergence, independently of the institution,in relation to some elements of the representations concerning teaching in universities.

Keywords: Teaching work – Private higher education institutes – Socialrepresentations

Introdução

O ensino superior privado faz parte do proces-so de institucionalização tardia da universidade noBrasil. As instituições privadas, geralmente de na-tureza confessional ou filantrópica, adotaram ca-racterísticas muito semelhantes às universidadespúblicas, assumindo, gradativamente, a pesquisa eimplantando programas de pós-graduação strictosensu.

Entretanto, o caráter e o papel das instituiçõesde ensino superior privado vêm se modificando nosúltimos vinte anos. A partir da década de 1990, nocenário internacional e nacional, verificou-se umaexpansão significativa dessas instituições, não maiscomo universidades, mas como instituições isola-das que oferecem, principalmente, cursos que exi-gem menores investimentos em equipamento,pessoal e funcionamento, possibilitando o acesso aesse nível de ensino “de categorias menos repre-sentativas, como mulheres, minorias étnicas e es-tudantes de famílias de baixa renda ou de áreasrurais” (UNESCO, 1999, p. 32).

No Brasil, de acordo com os dados do MEC/INEP, Sinopse 1995-2004, o número de instituiçõesprivadas, em 1995, era da ordem de 684, e o daspúblicas equivalia a 210. Em 2007, dados do SI-NAES indicam que as instituições públicas passa-ram para 257, enquanto as instituições privadastiveram seu número aumentado para 2.141. Den-tre essas, a grande maioria era particular, ou seja,com fins comerciais e lucrativos, e minoritariamenteconfessionais, filantrópicas e comunitárias, carac-terísticas que, até então, distinguiram esse tipo deinstituição. Conforme a mesma fonte, ainda no anode 2007, as instituições privadas eram responsá-veis pela matrícula de 3.260.967 estudantes, en-quanto as públicas assumiam o contingente de

1.192.189 estudantes matriculados. Em decorrên-cia, o número de professores do ensino superior,no país, passou de 131.641, em 1990, para 292.504,em 2005. Desse total, 194.471 atuavam em insti-tuições privadas, significando, em percentual, 66%do número de professores em exercício.

A expansão do ensino superior privado de na-tureza particular (designação do MEC para dife-renciar o ensino privado com fins lucrativosdaqueles de natureza confessional, filantrópica ecomunitária) expressa a consolidação do ideárioneoliberal que preconiza, dentre outros aspectos, omercado como regulador da sociedade global, pou-ca intervenção do governo no mercado de traba-lho, economia baseada em empresas privadas,privatização das empresas estatais, livre circula-ção de capitais internacionais. Esse ideário esta-beleceu as condições políticas e ideológicasfavoráveis à privatização do ensino superior emdiversos países do mundo, inclusive no Brasil, de-terminando, como registra Boaventura de Souza(2005), a transformação da educação superior emnegócio, a partir da difusão da idéia de que a uni-versidade pública (assim como Estado) é irrefor-mável, e a verdadeira alternativa está na criaçãodo mercado universitário.

Essa política privatista da educação superiorenvolve duas perspectivas que se retroalimentam:uma delas se configura pela redução do financia-mento, pelo Estado, das instituições públicas, a ou-tra se caracteriza pelo estímulo à implantação doensino superior privado empresarial. O trecho aseguir extraído do documento“La enseñanza su-perior: las lecciones derivadas de la experien-cia”, ilustra bem essas duas perspectivas:

... a introdução de uma diferenciação no ensino su-perior, ou seja, a criação de instituições não univer-sitárias e o aumento de instituições privadas, podem

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contribuir para satisfazer a demanda cada vez maiorde educação superior e fazer com que os sistemasde ensino melhor se adequem às necessidades domercado de trabalho (...). A experiência demonstraque, se se quer que as instituições estatais melho-rem sua qualidade e eficiência, os governos deve-rão efetuar reformas importantes no financiamentoa fim de mobilizar mais recursos privados para o en-sino superior em instituições estatais (BANCOMUNDIAL, 1995, p.31 e 69).

Essas agências financeiras, preocupadas em as-segurar a expansão do capital, procuram alinhar ainstituição de ensino à empresa, pressionam paraque os governos reduzam o investimento financeirona universidade pública e que essa ultrapasse a cri-se financeira mediante a geração de receitas pró-prias, através de parcerias com o capital, e alteremsua legislação de forma a facilitar a criação de ins-tituições privadas particulares, nacionais e interna-cionais. A proposta, em andamento, é de eliminaçãogradativa da distinção entre a universidade públicae a universidade privada voltada para o lucro, trans-formando essa instituição em empresa.

Uma proliferação de leis, decretos, portarias,conforme Sguissardi (2004), constroem as basespara a implantação gradativa do modelo de univer-sidade neoprofissional, heterogênea e competitivaque, aos poucos, vem-se configurando a partir doajuste neoliberal da economia e da reforma do Es-tado dos anos 90, a exemplo da Lei de Diretrizes eBases (9394/96), da Lei das Fundações (8.958/94)e das diversas portarias e decretos, que instituemnovas relações entre Estado, empresas e universi-dade, da Lei n.11.079/04, que ampara normas ge-rais para licitação e contratação de parceriapúblico-privado, possibilitando a utilização de re-cursos públicos por instituições privadas, da lei n.11.096/2005, que institui o programa Universidadepara Todos – PROUNI, considerada como umaforma de fortalecer o segmento privado mercanti-lista, pois a vaga do educando é negociada comisenção de um conjunto de impostos, marcando aredução do papel do Estado.

Esse conjunto de textos legais adotados pelogoverno brasileiro, em consonância com as regrasdeterminadas pelas agências financeiras interna-cionais, estabeleceu uma dinâmica que vem alte-rando o modelo de universidade pautado na

indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensãopara o modelo pautado na diferenciação das insti-tuições: isoladas, centradas no ensino, e as univer-sidades, com responsabilidade de desenvolver aarticulação entre pesquisa-ensino-extensão. Essadiversificação instaura uma divisão e hierarquiza-ção entre os docentes em função de diferentescondições de trabalho e salário, fragmentando aidentidade do docente da educação superior. Umaparcela, composta daqueles que atuam nas univer-sidades, em especial os que têm título de doutor eatuam nos programas de pós-graduação e, portan-to, desenvolvem ensino e pesquisa, ainda mantéma “centralidade” do status e do prestígio do pro-fessor universitário, a despeito da crise financeira,institucional e política dessa instituição. Enquantooutra parcela, majoritária, se situa na “periferia”,caracterizada pela precarização do trabalho docente,atuando, de forma geral, no ensino superior priva-do. Essa nova realidade naturalmente irá impactarnas representações acerca da docência da educa-ção superior.

Nesse contexto complexo e contraditório, foiempreendida esta pesquisa, de natureza qualitati-va, que objetivou conhecer as representações deprofessores sobre o trabalho docente no ensinosuperior privado. Os dados foram coletados pormeio de entrevista semi-estruturada e AssociaçãoLivre de Palavras (ALP). Essa última consiste naprodução espontânea de termos evocados por meiode palavras estímulo, especialmente escolhidas emrelação ao objeto de estudo e que, conforme DeRosa (1988), têm potencial para fazer emergir asdimensões latentes que estruturam o universo se-mântico específico das representações estudadas,em função de seu caráter projetivo.

Os dados oriundos da técnica de entrevista fo-ram tratados de acordo com a análise de conteúdodo tipo temática (BARDIN, 1977), desde que pos-sibilite uma compreensão mais aprofundada dassignificações que possuem os participantes sobreos aspectos em estudo. Após a identificação dasunidades significativas de conteúdo nos depoimen-tos de cada sujeito, essas unidades de sentido fo-ram agrupadas por dimensões de análise.

Os sujeitos do estudo foram cinquenta e oitoprofessores que atuam em duas instituições deensino superior privado, uma delas em funciona-

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mento na Bahia, há muitas décadas, e outra, a par-tir do ano de 2004, denominadas neste estudo, res-pectivamente, instituição A (IA) e instituição B (IB).Desse contingente, que respondeu a ALP, apenasdoze foram entrevistados. Seis são professores doscursos de Licenciatura em Pedagogia, três da ins-tituição A e três da instituição B. Outros seis sãoprofessores dos cursos de Ciências Contábeis; damesma forma, três atuam na instituição A e três nainstituição B. Dentre todos, nove são do sexo fe-minino e três são do sexo masculino. No que con-cerne à titulação, três são especialistas, oito mestrese um doutor.

Na medida em que o presente estudo tem comofoco as representações que docentes da educaçãosuperior possuem do seu próprio trabalho, em es-pecial no contexto de instituições privadas, escla-recer o conceito de representação tem umaimportância fundamental, pois se constitui comomeio de apreender os significados atribuídos pelosparticipantes a esse objeto, isto é, ao trabalho do-cente no ensino superior privado.

O conceito de representação social

O ser humano, desde que nasce, é instigado aconhecer, a apreender o contexto em que está in-serido para adaptar-se, resolver os problemas comque se defronta a todo momento e dominar física eintelectualmente a realidade. Esse processo seconcretiza pela via da representação. Só é possí-vel decodificar o seu entorno se o sujeito o interio-riza mentalmente, ou seja, se constrói umarepresentação mental do objeto que o desafia.Conforme Jodelet (1989), representar ou se repre-sentar é um ato de pensamento pelo qual um sujei-to se reporta a um objeto. Isso significa que nãoexiste representação sem objeto quer seja umapessoa, uma coisa, um evento material, físico ousocial, um fenômeno natural, uma idéia, uma teo-ria, real ou imaginária. A representação, enquantoato de pensamento pelo qual se estabelece a rela-ção entre sujeito e objeto, tornaria este último sim-bolicamente presente, a despeito de sua ausênciae mesmo inexistência eventual.

Todavia, como afirmam diversos autores(ABRIC, 1994; JODELET, 1989), a representa-ção não é um simples reflexo da realidade, mas

uma organização significante que reestrutura a re-alidade integrando, ao mesmo tempo, as caracte-rísticas do objeto e do sujeito. Jodelet (1989)acrescenta que a representação assume a marcado sujeito e de sua atividade de reconstrução e in-terpretação do fenômeno ou objeto em questão, oque confere à representação um caráter construti-vo, criativo, autônomo e de expressão do sujeito.As representações são formadas a partir da inte-ração dialética entre o individual e o social, entre aatividade psicológica e as condições sociais. Por-tanto, “elas são ligadas a sistemas de pensamentomais largos, ideológicos ou culturais, a um estadode conhecimentos científicos e à esfera da experi-ência privada e afetiva dos indivíduos”1 (JODE-LET, 1989, p. 35). Assim, a psicologia social, coma contribuição decisiva de Moscovici (1976), a partirde seu trabalho sobre as representações de psica-nálise, agrega à discussão sobre a representação ofato de que o nível social dá suporte e determina onível das manifestações individuais.

O caráter social atribuído às representaçõespode ser explicado sob diferentes ângulos: deter-minações do contexto social no processo de pro-dução das representações e de seus conteúdos, deserem produzidas por grupos sociais, não por indi-víduos isolados, e de formação das condutas e deorientação da comunicação social. O ângulo dadeterminação do contexto social no processo deprodução das representações é sublinhado porRouquette et Rateau (1998, p.17), quando afirmamque o conteúdo das representações “resulta de umaelaboração lenta que não é independente dos mo-vimentos profundos da sociedade, dos modos deprodução de sua riqueza e de sua organização po-lítica”2 . Jodelet (1989) destaca a importância dasredes de comunicação midiáticas ou informais naelaboração e difusão das representações sociais,constituindo um a via de influência e mesmo demanipulação social.

1 “elles sont reliées à des systèmes de pensée plus larges,idéologiques ou culturels, à un état de connaissances scientifiques,comme à la condition sociale et à la sphère de l’expérienceprivée et affective des individus”.2 “resulte d’une élaboration lente qui n’est pas independente desmouvements profonds de la société, des modes de production desa richesse et de son organisation politique”

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Concernente ao ângulo que atribui o caráter so-cial das representações à condição de serem pro-duzidas no interior de grupos e não por indivíduosisolados, cabe considerar que as imagens e repre-sentações produzidas pelo indivíduo sobre os obje-tos e fenômenos, aos quais tem acesso, setransformam em representações sociais quandoexprimem o contexto social mais amplo, se ajustame reajustam mediante as trocas e interações entreos membros dos grupos a que pertencem (BONAR-DI; ROUSSEAU, 1999). Nessa perspectiva, arti-culando o social e o individual, Abric (1994) registraque as representações sociais são construções so-ciocognitivas, nas quais o componente cognitivo serefere ao sujeito ativo e a seus mecanismos psicoló-gicos de elaboração da representação, e o compo-nente social concerne ao contexto ideológico e aolugar do indivíduo ou do grupo no sistema social. Acoexistência dessas duas lógicas, conforme o autor,explica por que a representação integra, simultane-amente, aspectos racionais e irracionais e, ainda,contradições aparentes. Ademais, releva destacar,como faz Moscovici (1976, p. 66, tradução nossa),que elas “são organizadas de maneira fortementediversa conforme as classes, as culturas ou os gru-pos e constituem tantos universos de opinião quan-tos os de classes, culturas e grupos existentes”3

O ângulo que atribui o caráter social das repre-sentações às funções de formação e orientaçãodas condutas e comunicações é considerado porMoscovici (1976) como o mais significativo. Jode-let (1989) afirma que, enquanto sistemas de inter-pretação do real, as representações sociaisintervêm, também, em processos variados, a exem-plo de: difusão e assimilação dos conhecimentos,desenvolvimento individual e coletivo, definição dasidentidades pessoais e sociais, formas de manifes-tação dos grupos e de transformações sociais.

Abric (1994) identifica quatro funções das re-presentações sociais: de saber; identitária; de ori-entação e de justificação. Saber é a funçãoprimeira das representações na medida em que,como afirma Moscovici (1976), elas são uma for-ma de saber popular, uma compreensão própria ecoerente dos fenômenos, que permite, aos atoressociais, traduzir e decodificar conhecimentos as-similando-os ao seu universo, transformando oestranho em familiar.

A função identitária permite situar os indivídu-os e grupos no contexto social mediante a elabora-ção de uma identidade pessoal e social gratificante,em consonância com normas e valores sociais de-terminados. As representações que definem a iden-tidade de um grupo desempenham um papelimportante para o controle social que o coletivo dogrupo exerce sobre seus membros.

A função de orientação dos comportamentos edas práticas sociais remete ao caráter prescritivodas representações, pois elas, refletindo o contex-to social e ideológico mais amplo, estabelecem oque pode e o que não pode ser feito pelos mem-bros do grupo, ou, no dizer de Abric (1994, p. 17),“Ela define o que é lícito, tolerável ou inaceitávelnum contexto social dado”4 . Ademais, conforme oautor, a representação produz um sistema de inter-pretações prévias e expectativas em relação à re-alidade, que são transformadas pelos mecanismosde seleção e filtragem das informações, visandoajustar essa realidade à representação prévia, oque determina que a existência de uma represen-tação anterior a uma situação ou interação definao “jogo” antes mesmo que ele se inicie, ou seja,“as conclusões são colocadas antes mesmo que aação se inicie”5 (ABRIC, 1994, p.17).

A função de justificação das representaçõessociais permite aos sujeitos e grupos explicar aposteriori as condutas e práticas assumidas, sen-do suscitada, em especial, nas relações entre gru-pos, justificando e contribuindo para a manutençãodas diferenças sociais e da distância entre esses.Como ilustra Abric (1994, p.18), “... na situação derelações competitivas vão ser progressivamenteelaboradas representações do grupo adversário,visando lhe atribuir características justificando umcomportamento hostil a seu respeito”6 .

A construção e a reconstrução de representa-ções sociais, como vimos, sempre motivadas pelanecessidade dos sujeitos e grupos, de tornar deter-

3 “sont organisées de manière fort diverse selon les classes, lescultures ou les groupes et constituent autant d’univers d’opinionsqu’il y a de classes, de cultures ou de groupes”4 “Elle définit ce qui est licite, tolérable ou inaceptable dans umcontexte social donné”.5 “les conclusions sont posées avant même que l’action ne débute”.6 “dans la situation de rapports compétitifs vont êtreprogressivement élaborées des représentations du groupe adverse,visant à lui attribuer des caractéristiques justifiant uncomportement hostile à son égard”.

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minados objetos (teorias científicas, fenômenossociais, etc.), estranhos e abstratos, em algo fami-liar e concreto, se verificam graças a dois meca-nismos de pensamento: a ancoragem e a objetiva-ção. O mecanismo da ancoragem transforma oobjeto estranho e desafiante, por meio de ações decodificação, classificação, categorização e com-paração desse novo aos modelos e teorias prévias.Esse mecanismo mental não é, de forma alguma,puramente intelectual, “mas reflete uma atitudeespecífica para com o objeto, um desejo de defini-lo como normal ou aberrante. É isso que está emjogo em todas as classificações de coisas não-fa-miliares – a necessidade de defini-las como con-formes, ou divergentes, da norma” (MOSCOVI-CI, 2003, p.65).

O mecanismo de objetivação visa tornar con-creto o abstrato, a partir da associação do concei-to ou elemento estranho a imagens familiares, oque pressupõe uma comparação, pois, como afir-ma o autor: “Comparar é já representar, encher oque está naturalmente vazio de substância. Temosapenas de comparar Deus com um pai e o que erainvisível, instantaneamente, se torna visível em nos-sas mentes” (MOSCOVICI, 2003, p.72).

Em síntese, conforme Jodelet (1989), as repre-sentações sociais se configuram como uma formade conhecimento do senso comum, elaborada ecompartilhada socialmente, constituída de informa-ções, conteúdos cognitivos, ideológicos, prescriti-vos ou normativos, crenças, valores, atitudes,opiniões, imagens concernentes a um determinadoaspecto da realidade, que permitem ao indivíduosituar-se no grupo ao qual pertence, compreendere explicar a realidade, guiar seus comportamentos,justificar suas condutas.

Os elementos que compõem as representaçõessociais, conforme diversos estudos (ABRIC, 1989;GUIMELLI, 1994), possuem uma organizaçãoparticular. Assim, alguns deles, pela frequência desua aparição no discurso e pela natureza das liga-ções que estabelecem entre os demais elementos,ocupam um lugar central. Eles configuram a signi-ficação da representação e constituem seu núcleocentral, mais estável e mais resistente às mudan-ças, por exemplo, as atitudes e crenças a respeitodo objeto da representação. Para Abric (1994), deacordo com a natureza do objeto e a finalidade da

situação, o núcleo central poderia assumir duas di-mensões diferentes. Nas situações cuja finalidadeé operatória, por exemplo, nos contextos de ativi-dade profissional, o núcleo central assumiria umadimensão funcional integrando os elementos maisimportantes para a realização da tarefa. Nos con-textos em que estão fortemente presentes aspec-tos de ordem afetiva, social ou ideológica, o núcleocentral assumiria uma dimensão normativa inte-grando, por exemplo, uma norma, um estereótipoou uma atitude fortemente marcada.

Os outros elementos da representação, deno-minados de periféricos, constituídos de interpreta-ções de informações, julgamentos e estereótiposformulados a propósito do objeto da representa-ção, são organizados hierarquicamente em tornodo núcleo central. Eles constituiriam, conforme oautor, a parte mais facilmente acessível da repre-sentação social, aquela de interface entre o núcleocentral e a situação concreta. Cumprem basica-mente três funções: de concretização, de regula-ção e de defesa. A função de concretizaçãoconfigura-se na medida em que esses elementospermitem a ancoragem das representações soci-ais na realidade, tornando-as compreensíveis etransmissíveis. A função de regulação permitiria àrepresentação social adaptar-se às transformaçõesdo contexto, sem alterar seus fundamentos. A fun-ção de assegurar a defesa e adaptação das repre-sentações sociais à realidade seria determinada,principalmente, pelo contexto imediato e pela ex-periência vivida dos sujeitos.

Assim, as representações são atos do pensa-mento que orientam as práticas e, ao mesmo tem-po, são determinadas pelas práticas sociais.Portanto, representações e práticas se engendrammutuamente, sendo impossível, como afirma Au-tes (1985, apud ABRIC, 1994), dissociar a repre-sentação, o discurso e a prática.

As representações de professores doensino superior privado sobre o tra-balho docente

As representações acerca do trabalho docentena educação superior, no contexto atual de diversi-ficação do caráter das instituições desse nível deensino, parecem ser alvo de um processo de mu-

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dança, como sinalizam os dados desta pesquisa.Esses revelam que os depoentes não mais reco-nhecem a representação, hoje, na representaçãoque lhes orientou na opção de ingresso no ensinosuperior. Essa representação concebia o trabalhodocente como possuidor de um status profissional,entendido como sinônimo de ascensão social e deprestígio profissional. Status atribuído ao saláriomais elevado, à idéia de que esse professor fazparte de uma elite de cientistas e ao prestígio soci-al da instituição. Assim, o ingressar nesse universoera um sonho, como ilustra a fala: sonhei durantemuitos anos ser professor de ensino superior,era participar de uma elite. Sonho de integraruma elite de intelectuais, cientistas bem remunera-dos, enfim, de ascensão profissional.

As representações sociais, em outros termos,as representações compartilhadas pelos membrosde grupos sociais ou profissionais, são o resultadode uma elaboração lenta intimamente associada aosmovimentos da sociedade, à sua organização polí-tica, a seus modos de produção econômica e aoestágio dos conhecimentos científicos, assim comoà esfera da experiência privada e afetiva dos indi-víduos (JODELET, 1989). Nessa perspectiva, cabedestacar que a representação do professor da edu-cação superior como membro de uma elite de ci-entistas e profissionais se construiu associada aocontexto político e social mais amplo no qual a edu-cação superior era, basicamente, assumida pelauniversidade pública ou pela universidade privadaconfessional. Essa instituição, de origem medieval,teve, historicamente, um caráter elitista, tanto nocontexto internacional quanto nacional.

Na modernidade, assumiu duas funções essen-ciais, a de formar profissionais de alto nível a fimde contribuir para o desenvolvimento do projeto denação de cada país e a de produzir conhecimentopela via da pesquisa em consonância com o mode-lo de universidade proposto por Humboldt na Ale-manha, no início do século XIX. Apesar dessas duasfunções não terem, na prática, se traduzido em um“casamento perfeito”, como sinalizam diversosautores (HUGHES, 2008; PAOLI, 1988), interes-sa, neste estudo, destacar a significativa concor-dância nos discursos dos docentes universitários,assim como nos documentos dessas instituições,acerca do princípio da indissociabilidade entre o

ensino e a pesquisa como distintivo do status deuniversidade que, provavelmente, contribuiu paraa construção da referida representação de traba-lho docente nesse nível de ensino.

Essa representação do professor da educaçãosuperior como membro de uma elite de cientistas eprofissionais, contudo, aparece nos depoimentos dosparticipantes como coisa do passado, o que sinali-za a emergência gradativa de outras representa-ções sobre esse trabalho. Como indica Moscovici(2003), as representações sociais, depois de ela-boradas, ganham vida própria, circulam, se articu-lam, se repelem, são transformadas e podem darorigem a outras representações, cujo entendimen-to não pode prescindir, como afirma o autor, daapreensão da sua historicidade. “Como conseqü-ência disso, para se compreender e explicar umarepresentação, é necessário começar com aquela,ou aquelas, das quais ela nasceu” (p.41).

Os aspectos que emergem dos depoimentosacerca do trabalho docente do ensino superior pri-vado, aportados pelos participantes, ao que tudo in-dica, situam-no entre os contextos de proletarizaçãoe de profissionalização, como veremos mais adian-te. Antes, convém explicitar, brevemente, como es-tamos entendendo cada um desses contextos.

A perspectiva de proletarização do trabalhodocente coloca em destaque a crescente degra-dação e desqualificação desse trabalho, resultan-tes da alienação do processo de concepção dotrabalho e da perda do controle sobre sua ativida-de, que concorrem para a identificação da ativi-dade ocupacional docente com as subcondiçõesdo trabalho assalariado fabril, submetido aos prin-cípios da administração empresarial, baseados nadivisão do trabalho, na centralização do processode tomada de decisões e em formas sofisticadasde controle do trabalho docente. Expressam-seem medidas como planejamento por objetivos,módulos instrucionais, formas padronizadas dediagnóstico e avaliação, ensino programado porcomputador que visam garantir a eficiência edu-cacional (COSTA, 1995).

A perspectiva da profissionalização aparececomo contraposição à tese da proletarização dotrabalho docente com base no argumento de que,dado o caráter desse trabalho, voltado para sereshumanos, inevitavelmente boa parte das decisões

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implicadas são de responsabilidade do professor.Assim, mesmo diante das tentativas de padroniza-ção e de controle externo, a alienação do profes-sor do processo de concepção e planejamento doseu trabalho é impossível, impedindo uma identifi-cação mais estreita com o trabalho fabril (JIMÉ-NEZ, 1991, apud COSTA, 1995).

Tardif e Lessard (2007, p.17) sustentam que “lon-ge de ser uma ocupação secundária ou periféricaem relação à hegemonia do trabalho material, o tra-balho docente constitui uma das chaves para a com-preensão das transformações atuais das sociedadesdo trabalho”, dentre outras razões, pois, na socieda-de da informação e do conhecimento, são funda-mentais os conhecimentos formais, as informaçõesabstratas e as tecnologias. Em consequência, asprofissões e semiprofissões, que controlam o conhe-cimento teórico, técnico e prático necessário às de-cisões, às inovações, ao planejamento das mudançassociais e à gestão do crescimento cognitivo e tecno-lógico, se expandem e se tornam mais valorizadas.Ademais, as atividades ocupacionais cujo “objeto detrabalho” são seres humanos, e, por conseguinte,desenvolvem um trabalho interativo, passam por umprocesso de crescente elevação de seu status.

As representações dos participantes, em espe-cial da instituição B, tendem a conceber o trabalhodocente como mais próximo da perspectiva da pro-letarização, em função de diferentes aspectos,como se pode perceber nos depoimentos:

A mais valia em cima do empregado, então qual é odesafio que eu acho? Você diz o seguinte, já nãotem mais trabalho escravo nesse país. O quê? Épior do que no tempo que teve. Onde o empresáriosó quer tirar de você. Cada dia afunila seu salário(Kayan, Cont. IB).

O que você sente em salas apertadas com 60 alu-nos que você não pode nem andar na sala direitoentão a gente se sente mesmo acuado. Hoje educa-ção virou negócio e como negócio, o empresárioinveste seu capital e quer remunerar seu capital, éessa visão hoje (Tafarel, Cont. IB).

A instituição não reconhece o nosso trabalho, estámais preocupada com o aspecto financeiro, sãogrupos empresariais (Plínio, Cont. IB).

A extinção do recesso (...) isso me incomoda muito,porque aí não está se pensando na dimensão hu-

mana, está se pensando no lucro, está se pensandoem escravizar o professor. (...) Eu acho que nãovale a pena, porque é um trabalho que você faz,mas que a instituição não reconhece. Você podeser demitido de uma hora para a outra. (...) Mesinto muito insegura, a política é muito agressivaeu acho que você pode estar nesse semestre e nãoestar no outro (Uine, Ped. IB).

Eu gostaria de trazer, na verdade, o sentimento deque nós somos descartáveis. Isso me dá uma sensa-ção de impotência muito grande (Pamila, Ped. IB).

Passar o cartão de ponto, o horário de entrada, ohorário de chegada, cumprir horário sem necessi-dade, isso me deixa muito chateada, porque a pro-dutividade não quer dizer apenas se você está nainstituição (Rosilda, Ped. IA).

Esses depoimentos, pronunciados com notadaemoção, principalmente da parte dos participantesda instituição B, indicam a força do sentimento dedesprestígio e de desvalorização profissional nasrepresentações que parecem estar em via de cons-trução. Como testemunham os participantes dapesquisa, os docentes “periféricos” da educaçãosuperior são substituíveis com frequência, perma-necendo, portanto, fora das discussões sobre asdimensões que desenham os rumos do ensino su-perior, alienados em relação ao ser e agir no traba-lho. Essa alienação ganha maior dimensão dianteda falta de organizações profissionais ou de classeque reflitam sobre essa realidade laboral e siste-matizem suas necessidades e proposições de en-frentamento da deterioração do trabalho docente,isso porque, como afirma Veiga (2006, p.472), a“identidade profissional se constrói com base nosignificado dos movimentos reivindicatórios dosdocentes e no sentido que o profissional confere aseu trabalho, definindo o que se quer, o que não sequer e o que se pode como professor”.

Esse desprestígio também é percebido pelosdepoentes da instituição A, embora não seja senti-do com a mesma intensidade. Assim, mesmo sereconhecendo, principalmente, na perspectiva daprofissionalização, em especial devido à compre-ensão de possuírem relativa autonomia e controledo seu trabalho e por se sentirem mais segurosnessa instituição, apesar de igualmente contrata-dos como horistas, comungam com a compreen-são dos demais participantes de que o professor

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do ensino superior vivencia uma situação de perdade prestígio, pois tem que atuar em várias institui-ções para complementar o salário, não tem condi-ções para desenvolver pesquisa, e de que atendência de todas as instituições do ensino supe-rior privado, mesmo as reconhecidas como filan-trópicas, é assumirem a lógica empresarial, a ênfaseno lucro e a visão do estudante como cliente.

A diferença de sentidos atribuídos ao despres-tígio por parte dos pesquisados das duas institui-ções privadas de ensino superior visadas nesteestudo guarda relação com a natureza específicade cada uma e com as práticas que elas oportuni-zam. A instituição A tem natureza filantrópica, lon-ga tradição de formação de profissionais reco-nhecida na sociedade, e sua fundação é anteriorà década de oitenta e, portanto, à onda neolibe-ral. Digno de nota é que, mesmo vivenciando pro-blemas financeiros e explicitando críticas ao re-gime de trabalho, dentre outras, os professoresdessa instituição, participantes da pesquisa, se sen-tem profissionais com status, valorizados e me-nos submetidos a controles empresariais e puniti-vos, como ilustra o depoimento:

... nós estamos passando por uma fase difícil, emtransformação, mas em relação ao acadêmico nóssempre tivemos muita liberdade para atuar em salade aula, e no dia que isso não acontecer, realmenteperde a característica de ensino, então autonomiaé o ponto fundamental (Nina, Cont. IA).

A instituição B, de natureza privada comercial,criada na década de 2000, por sua vez, parece de-senvolver uma gestão marcadamente empresarial,em que os professores se sentem, principalmente,como fonte de lucro e destituídos de qualquer au-tonomia para desenvolver seu trabalho, o que ficaevidenciado nos depoimentos.

Essa tensão entre a proletarização e a profissi-onalização da docência, em outros termos, a coe-xistência nas representações dos participantes deelementos referentes a lógicas aparentemente dis-tintas, está presente, também, nos dados oriundosda associação livre de palavras (ALP), a partir dotermo indutor “trabalho docente no ensino superiorprivado”, realizada com cinquenta e oito professo-res dos cursos de pedagogia e contabilidade dasduas instituições. A palavra dedicação reuniu maior

número de adeptos e teve a ordem de evocação7

menor, ou seja, foi mais prontamente lembrada, oque poderia indicar, conforme Vergès (1989, 1992),a sua centralidade, em relação às demais, nas re-presentações desses participantes. Além dessapalavra, aparece na mesma condição, e remeten-do ainda à perspectiva da profissionalização do-cente, as palavras compromisso e pesquisa.Entretanto, algumas palavras que reuniram ummenor número de adeptos e que tiveram ordem deevocação alta remetem para a perspectiva da pro-letarização, por exemplo: exploração, competiti-vidade e instabilidade.

Fica evidente a ambiguidade presente nas re-presentações dos sujeitos da pesquisa na medidaem que a maioria das palavras oriundas da ALP,que obtiveram maior frequência e menor ordemde evocação, sinaliza para o sentido de reconheci-mento da profissionalidade da docência, isto é, paraa compreensão da existência de saberes profissio-nais específicos do campo da pedagogia universi-tária, mas os dados da entrevista tendem para osentido oposto, da proletarização. Com efeito, ossaberes pedagógicos não foram destacados pornenhum dos participantes. Em contrapartida, qua-tro deles registraram a importância de dominar osconteúdos da matéria e um destes sinaliza a im-portância de dominar outros conhecimentos.

Nesse sentido, essas representações se distan-ciam do que tem sido formulado por diversos auto-res (CUNHA, 2006; MARCELO GARCIA, 1999,TARDIF, 2002), que argumentam em favor dacomplexidade da docência atribuída, dentre outrosaspectos, ao fato de envolver condições singularespara seu exercício e de exigir uma multiplicidadede saberes, competências e atitudes que precisamser apropriados e compreendidos em suas relações.Entre esses saberes, Tardif (2002) destaca: sabe-res e ações de ordem técnica visando à combina-ção eficaz dos conteúdos, dos meios e dos objetivoseducacionais; saberes e ações de natureza afetivaque aproximam o ensino de um processo de de-

7 A ordem de evocação, ou seja, o ranking de aparecimento dostermos apresentados pelos participantes, a partir da palavraindutora, e a freqüência, número de vezes que cada termo écitado pelo conjunto dos participantes, articulados fornecempistas acerca dos termos que constituem o núcleo central darepresentação social do fenômeno em estudo.

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senvolvimento pessoal; saberes e ações de cará-ter ético e político, sintonizados com uma visão deser humano, de cidadão e de sociedade.

Apesar da ausência de elementos que indiquemo reconhecimento desses saberes fundamentais naconfiguração da profissionalidade do docente daeducação superior, em especial nos dados da en-trevista, boa parte dos participantes defende, comoatributos necessários à sua ação como docente daeducação superior, a relação entre ensino e pes-quisa e a relação teoria e prática. Reconhece aresponsabilidade desse professor na formação dosestudantes: geral, profissional e como cidadãos, oque se evidencia nestas falas:

... é de uma responsabilidade e de uma dimensãoimensa o papel que o profissional exerce, então acontabilidade enquanto professor, a gente podeinfluenciar a ação do indivíduo no planejamentoda carreira dele, orientando o que ele pode fazermelhor, incentivando a cultura, o estudo ou po-dendo fazer o contrário também, estar denegrindoa imagem dele dizendo que o que ele aprende nãoserve, que ele não consegue aprender nada (Tafa-rel, Cont. IB).

... é você incentivar, motivar, desenvolver nele ascompetências, as habilidades; mostrar para aque-le estudante que ele tem um longo caminho pelafrente, que ele não deve parar ali, que ali é apenasmais um degrau da vida dele e incentivar para queele cresça cada vez mais (Nina, Cont. IA).

É uma trama, porque o professor ele tem uma res-ponsabilidade muito grande, ele está formando umcidadão, então se ele não está comprometido, seele não tem essa responsabilidade com o que elefaz, ele não vai ser um bom professor. Um professornão pára de estudar, ele tem que estar sempre seatualizando, ele tem que estar sempre buscandocoisas novas (Eva, Cont. IA).

Eu posso melhorar ainda mais a relação com o ou-tro. Então o meu compromisso, o que faz um bomeducador, um bom professor, é o compromisso com odesenvolvimento do outro não importa a disciplinae o nível de ensino. O compromisso com o cresci-mento do outro é que me faz feliz (Petrina, Cont. IA).

Para os alunos os professores contam muito! Poisdão a régua e o compasso na vida deles, contammuito, contribuem muito, pode até ser que existaum conflito nas relações, mas dão realmente a ré-

gua e o compasso no trabalho (...) O trabalho do-cente envolve um trabalho material, um trabalhocognitivo, um trabalho com o outro, é um trabalhointerativo, um processo reflexivo (Maiana, Ped. IA).

O reconhecimento de tamanha responsabilidadequanto à formação dos estudantes, aliado ao distan-ciamento em relação aos saberes específicos dadocência, nesse nível de ensino, parecem explicaroutro elemento das representações, em processo deconstrução, acerca do trabalho docente do ensinosuperior, qual seja, o mal-estar diante do que deno-minam de falta de interesse e de estudo dos estu-dantes, de descaso em relação à aula, dedescompromisso diante da sua formação, de fal-ta de competências cognitivas para estar no en-sino superior, a infantilidade, a queixa etc. Assim,frente à idealização do seu papel social e às dificul-dades dos estudantes concretos, que têm diante desi na sala de aula, o empenho na preparação de uma“boa aula” não é suficiente para possibilitar a esseprofessor partir do ponto em que os estudantes seencontram e contribuir para gerar as aprendizagenspretendidas. Esse hiato, ainda pouco compreendidopelos próprios professores, além de sinalizar um dis-tanciamento da perspectiva da profissionalização,parece provocar sentimentos dolorosos, como re-vela o testemunho: o sentimento de angústia sónão aumenta, porque os estudantes já chegamcom essa deficiência, como alguns mal sabemescrever, mal sabem formular frases, uma idéia.

Em contrapartida, dentre os aspectos aponta-dos pelos participantes que geram um bem-estarno trabalho docente, destaca-se a existência de umaboa relação com os estudantes, traduzida no en-volvimento e interesse do estudante na aprendiza-gem, no reconhecimento por parte dos estudantesdo saber e da contribuição do professor, e na afe-tividade na relação professor-estudante.

Considerações finais

A pesquisa em foco oportunizou-nos identificarum processo de mudança das representações dotrabalho docente do ensino superior e conheceralguns elementos das representações em proces-so de construção acerca desse objeto, de profes-sores que atuam nas instituições de ensino superiorprivado, participantes deste estudo.

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Os elementos das representações dos partici-pantes sobre seu próprio trabalho no contexto doensino superior privado, que emergem dos dados,parcialmente apresentados neste texto, sugerem aexistência de duas grandes dimensões: uma quecontempla a questão do estatuto social e profissio-nal (condições de trabalho, regime de trabalho, etc.)e outra que envolve o fazer docente, o exercícioconcreto do processo de ensino-aprendizagem.

Concernente à primeira dimensão, os elemen-tos variam de uma instituição para outra. Aindaque inseridos num contexto mais amplo similar, qualseja de mercadorização do ensino superior priva-do, a história de cada instituição, as práticas degestão, a forma como se relacionam com os pro-fessores – se os reconhecem como profissionais,que têm certa autonomia, ou como trabalhadoresprodutivos8 – elas oportunizam, definem variaçõesnas representações dos participantes. Assim, en-quanto para os participantes da instituição A, aênfase nessa dimensão está colocada na percep-ção de que são reconhecidos como profissionaispela instituição e que gozam de certa autonomiaacadêmica, para os participantes da instituição B,um dos componentes essenciais dessa dimensão éa situação de exploração e de perda de controle doseu trabalho. A consciência individual dessa condi-ção de exploração não parece redundar na buscade formas de sua superação a partir da articulação

entre os pares, da reflexão coletiva sobre essa re-alidade. Os depoimentos dos participantes não vãoalém da denúncia. É forte o sentimento de descon-fiança, de receio e de crítica aos pares.

Quanto à dimensão do fazer docente, parecehaver uma grande convergência em relação a al-guns elementos, em especial à capacidade de inte-ragir com os discentes, ao domínio dos conhecimen-tos disciplinares, à compreensão do papel doprofessor na formação mais ampla dos estudantese à importância da relação entre ensino e pesquisa.A grande maioria dos participantes não reconhecea necessidade de dominar saberes específicos dadocência, apesar de ter dificuldade de lidar com di-versas situações concretas na sala de aula, por faltadesses saberes e dessa formação específica. As-sim, sem a consciência da complexidade da docên-cia, sem uma formação própria para seu exercício esem espaços de construção e afirmação da sua pro-fissionalidade9 , os professores parecem ficar maisfacilmente reféns das determinações da administra-ção gerencial da instituição, distanciando-se da pers-pectiva da profissionalização da docência.

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8 Trabalhador produtivo assumido aqui no sentido definido porMarx: “Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital”(MARX, 1988, v. II, p.101). Para o autor (1988, v. II, p.102),ser trabalhador produtivo não significava “sorte” e sim “azar”.9 O termo profissionalidade faz referência à natureza mais oumenos elevada e sistematizada dos saberes e capacidades utiliza-das no exercício profissional, conforme Bourdoncle (1991).

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Recebido em 16.06.09Aprovado em 16.07.09

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESTUDANTES DE

LICENCIATURA SOBRE O ENSINO UNIVERSITÁRIO

Marinalva Lopes Ribeiro *

Anna Virgínia Araújo * *

* Doutora pela Université de Sherbrooke, Canadá. Pós-doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos –UNISINOS, São Leopoldo/RS. Mestre em Educação pela UFBA. Professora titular do Departamento de Educação da Univer-sidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. Endereço para correspondência: UEFS - Departamento de Educação, AvenidaTransnordestina, S/N, Novo Horizonte, Caixa Postal 252 e 294 – 44036-900 Feira de Santana - BA. E-mail:[email protected]** Especialista em Educação. Professora Substituta do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira deSantana - UEFS. Endereço para correspondência: UEFS - Departamento de Educação, Avenida Transnordestina, S/N, NovoHorizonte, Caixa Postal 252 e 294 – 44036-900 Feira de Santana - BA. E-mail: [email protected]

RESUMO

O estudo objetivou compreender as representações sociais dos estudantes concluintesdos cursos de licenciatura de uma universidade pública da Bahia sobre o ensinouniversitário no processo de formação de professores. Os dados foram coletadosmediante a técnica Associação Livre de Palavras (ALP), realizada no processo dedois grupos focais organizados com a participação de dezessete estudantes. Essesinformantes evocaram quarenta e quatro palavras, cujos sentidos estariam associadosao termo indutor: ensino universitário. Após o tratamento dos dados, evidenciaram-se os elementos que provavelmente constituem o núcleo central dessas representações,a saber: aprendizagem, professor, troca, conhecimento, aluno. No entanto, aoanalisarmos, também, os elementos que constituem o sistema periférico das referidasrepresentações, constatamos uma evidente contradição indicativa de que a formaçãouniversitária não foi suficiente para transformar as representações criadas ereproduzidas durante a vida escolar desses sujeitos.

Palavras-chave: Ensino universitário – Representações sociais – Formação deprofessores

ABSTRACT

SOCIAL REPRESENTATIONS OF STUDENTS FROM LECTURINGCOURSES ABOUT THE COLLEGE TEACHING

The study aimed at understanding the social representations of the about-to-be-graduated students from the lecturing courses of a public university in the State ofBahia about the college teaching in the process of teachers training. The data wascollected by using the technique of Free Association of Words (F.A.W.), performedin the process of two focal groups organized with the participation of seventeenstudents. These informants came up with forty-four words of which the meaningswere associated with the inductive term college teaching. After the treatment of the

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data, the elements that probably constitute the central core of these representationswere put into evidence; they are: learning, teacher, interchange, knowledge, student.However, when we analyzed the elements that constitute the peripheral system ofthe representations referred to above, we became aware of the existence of an evidentcontradiction, indicating that the college training wasn’t enough for undergraduatestudents to transform the representations that were created and reproduced duringthese individuals’ school life.

Keywords: College teaching – Social representations – Teachers training

Introdução

Este trabalho visa comunicar os resultados deuma pesquisa de metodologia qualitativa, com usode alguns procedimentos estatísticos, que objeti-vou compreender as representações sociais deestudantes concluintes dos cursos de licenciaturade uma universidade pública acerca de ensino noseu processo de formação, enquanto professores.Para a consecução desse objetivo, examinamos osconceitos de ensino e suas bases epistemológicas,os modelos conservador e emergente de práticaeducativa e o conceito de Representações Sociais,teoria formulada pelo francês Serge Moscovici.Após fazermos uma breve descrição dos procedi-mentos metodológicos utilizados na pesquisa, apre-sentamos e discutimos os achados na empiria. Porfim, apresentamos as considerações conclusivas.

O ensino e sua base epistemológica

O ensino, uma das tarefas mais representati-vas, universais e complexas da ação docente, temsido expresso por uma série de verbos como: ensi-nar, instruir, orientar, apontar, guiar, dirigir, treinar,formar, amoldar, preparar, doutrinar e instrumen-tar (GIL, 2007), que indicam uma diversidade desentidos para essa prática. Assim, diversos auto-res se esforçam para defini-la. Para García (1999),o ensino é uma atividade intencional, desenvolvidanum contexto organizado e institucional, a qual pres-supõe uma interação entre formador e formando,objetiva a mudança e contribui para a profissiona-lização de sujeitos. Nessa prática, o autor salientaa participação consciente e a boa vontade explíci-ta dos sujeitos envolvidos no processo de consecu-ção dos objetivos traçados.

Para Rios (2006), o ensino formal, ou seja, en-quanto uma ação intencional e organizada que searticula à aprendizagem, é um exercício de media-ção que se produz na relação com os alunos, con-siderando o saber que eles já possuem e a realidade,de modo a estimulá-los a posicionarem-se critica-mente diante do instituído e a modificá-lo, caso sejanecessário. Quer dizer, o ensino é um ato de cria-ção e de recriação.

Hargreaves (2004) destaca o ensino como umtrabalho de transformação, de estímulo à criativi-dade e à inventividade para desenvolver no estu-dante a capacidade de desencadear as transfor-mações e enfrentá-las. Este trabalho envolve,dentre outros, o desenvolvimento da aprendizagemcognitiva profunda, da utilização da pesquisa e dotrabalho em equipes e em redes.

Esses autores comungam com as idéias da ne-cessidade de interação entre professores e estu-dantes, de movimento do processo e da possibili-dade de mudança, de transformação, de recriaçãoda realidade a partir do ensino. O ensino, nessaótica, portanto, está longe de se “dar”, está longede ser uma técnica gerada para produzir resulta-dos aceitáveis nas provas, mas, como afirmam Rios(2006) e Heargreaves, (2004), é algo que se faz notrabalho conjunto dos professores com seus alu-nos, cuja missão social é moldar a vida e transfor-mar o mundo.

Vale ressaltar que não se pode compreender oensino sem considerar a base epistemológica naqual ele está fundado, pois o modelo pedagógicovai ser estruturado a partir de um modelo episte-mológico. Mesmo quando o professor não tem cla-reza sobre as teorias e concepções que embasama sua prática, elas estão presentes em suas açõesna sala de aula. Nesse sentido, Becker (2001, 2002)

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propõe três diferentes formas de conceber a rela-ção entre ensino e aprendizagem a partir de trêsmodelos pedagógicos: a pedagogia diretiva, comsua base epistemológica no empirismo; a pedago-gia não-diretiva, com sua base epistemológica noapriorismo ou inatismo; a pedagogia relacional,baseada epistemologicamente no construtivismo.Sem pretender fazer uma apresentação exaustivadesses modelos, citaremos, a seguir, algumas dassuas características fundamentais.

Empirismo, segundo Matui (1995), é uma teo-ria epistemológica que considera o conhecimentocomo algo externo; vem de fora mediante os sen-tidos ou as experiências. Com efeito, refere Be-cker (2001) que o conhecimento (conteúdo) vemdo mundo do objeto (meio físico ou social) para serestocado através dos sentidos, na sua grade curri-cular. Na perspectiva empirista, o ensino se dácentrado no professor que dita, fala, decide, ensi-na, pois crê que somente ele pode produzir algumnovo conhecimento no aluno. Este, por sua vez, sóaprende se o professor lhe ensina, lhe transfere oconhecimento. Assim, o papel do aluno é escutarpassivamente, executar ordens em silêncio, quieto,repetindo quantas vezes forem necessárias, atéaderir em sua mente o conhecimento transmitidopelo professor. Do ponto de vista epistemológico,a prática do professor está baseada na crença deque o aluno é uma folha de papel em branco, umatabula rasa que ainda não recebeu inscrições, aqual é preenchida com os conhecimentos que sãodepositados em sua mente.

Segundo Becker (2001), apriorismo é originadodo termo a priori, quer dizer, aquilo que é postoantes como condição do que virá depois. A pers-pectiva apriorista que, segundo Matui (1995), tam-bém é conhecida como racionalismo, idealismo,inatismo e pré-formismo, considera que o conheci-mento é algo que o indivíduo traz, ou inato ou pro-gramado, em sua bagagem hereditária. Essabagagem inata seria submetida ao processo matu-racional de forma pré-determinada ou a priori. Éimportante lembrar que o apriorismo se opõe aoempirismo na medida em que relativiza a experiên-cia, pois, nessa epistemologia, toda a atividade deconhecimento é exclusiva do sujeito, absolutizando-o. A base do apriorismo é, portanto, que o sujeitoestá para o objeto, sem a interferência do meio.

Nesse modelo, fica difícil visualizar a práticade sala de aula, consequentemente o ensino, pois oconhecimento é centrado no aluno, que aprendepor si mesmo. O professor é despojado de sua fun-ção, uma vez que o pólo do ensino é desautorizado,na medida em que o pólo da aprendizagem é tor-nado absoluto. A relação de ensino e aprendiza-gem não consegue fecundar-se mutuamente, demodo a causar prejuízo para ambos os pólos. Oprofessor pode, no máximo, auxiliar a aprendiza-gem do aluno, despertando o conhecimento que elejá traz (BECKER, 2001).

A epistemologia construtivista propõe que o co-nhecimento não seja dado como algo terminado,acabado. Ao contrário, ele se constitui pela intera-ção do indivíduo com o meio físico e social pela for-ça de sua ação e não por qualquer dotação prévia,na bagagem hereditária, como era defendida peloapriorismo. Em síntese, no construtivismo o sujeitoe o objeto não são estruturas separadas, mas cons-tituem uma só estrutura pela interação recíproca.

Um dos pressupostos do construtivismo é quenossa estrutura cognitiva está configurada por umarede de esquemas de conhecimentos, os quais de-pendem do nível de desenvolvimento e dos conhe-cimentos prévios do sujeito aprendente. Taisesquemas são revisados, modificados, enriqueci-dos, adaptados à realidade, tornando-se cada vezmais complexos. Nesse sentido, a fim de propiciarque o estudante seja ativo e protagonista na cons-trução do conhecimento, é fundamental que o pro-fessor exerça um papel igualmente ativo, pois éele quem dispõe das condições para aquele acio-nar seus conhecimentos prévios, favorecendo suaatividade mental que passa pelos processos de equi-líbrio, desequilíbrio e re-equilíbrio, processos essesque não têm efeitos apenas cognitivos, mas inci-dem no auto-conceito e na maneira de o estudanteperceber a universidade, o professor, seus colegase a maneira de se relacionar com eles.

O professor, na perspectiva construtivista, nãoacredita no ensino em seu sentido conservador, emque ele transmite, por força do ensino, o conheci-mento, de forma linear. Ao contrário, numa relaçãodialética, o professor, além de ensinar, aprende aquiloque o estudante já construiu até o momento, querdizer “quem ensina aprende ao ensinar e quem apren-de ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 23).

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A abordagem dessas epistemologias remete-nosao conceito de paradigma na perspectiva de Kuhn(2007, p. 221), para o qual “um paradigma é aquiloque os membros de uma comunidade partilham e,inversamente, uma comunidade científica consisteem homens que partilham um paradigma”. A partirdessa compreensão, os modelos pedagógicos eepistemológicos que relacionam o ensino e a apren-dizagem revelam, também, a sistematização de idéi-as, teorias, modelos, padrões compartilhados quefundamentam a prática educativa dos professorese permitem a explicação de certos aspectos dessarealidade. Já que o ensino se expressa na práticaeducativa, consideramos pertinente analisar os seusmodelos que, como refere Behrens (2003), são: oconservador e o emergente.

Modelo conservador de prática de en-sino

O modelo conservador, segundo Behrens(2003), Becker (1993, 2001), Freire (1996), Libâ-neo (1985), Lucarelli (2000), Moraes (1997), Ma-tui (1995), Mizukami (1986), Sordi (2000), revelauma postura pedagógica de valorização do con-teúdo humanístico e da cultura geral. Todavia, ca-racteriza-se pela reprodução do conhecimento eapresenta-se como um processo austero, conser-vador, cerimonioso que tem como função prepararintelectual e moralmente os estudantes.Vejamos,com base nesses autores, como se configura, nes-te modelo, o ensino.

O ensino pautado no modelo conservador, me-diante o método indutivo, enfatiza aulas expositi-vas, demonstrações e sistematização da matériade forma sequencial, lógica, ordenada, desvincula-da das outras disciplinas, do corpo do curso e darealidade. Tal concepção de ensino valoriza, prin-cipalmente, a variedade e quantidade de noções,conceitos, informações, a repetição dos conteúdose a memorização destes pelo aluno. Tanto a expo-sição quanto a análise são feitas pelo professor. Oprocesso de ensino considera, em geral, os seguin-tes passos: a preparação do estudante, a apresen-tação de pontos chave, a associação do conheci-mento novo com o já conhecido por meio dacomparação e abstração, a generalização e a apli-

cação por meio da explicação de fatos adicionais eou resolução de exercícios.

Vale acrescentar, a partir das idéias de Sacris-tán e Pérez Gómez (1989), que esse ensino magis-tral não apenas produz aprendizagens querapidamente são esquecidas, nem só utilizam ummétodo que desconsidera a personalidade criado-ra do aluno sem estimulá-lo intelectualmente, fa-zendo com que ele fracasse ou não adquiramotivações para aprender; o ensino magistral é,também, o recurso de reprodução de uma socie-dade hierarquizada, na qual se estimula a obediên-cia, a disciplina e a ordem de superiores, paraconseguir cidadãos mais dóceis e menos críticosdo poder estabelecido.

Na universidade, de acordo com Gil (2007),Hargreaves (2004), Pimenta e Anastasiou (2002),García (1999) e Gauthier (2006), no modelo de prá-tica educativa conservador, o ensino, geralmente,é uma tentativa de ensaio e erro, pautado na re-produção dos processos pelos quais o professorpassou ao longo de sua própria formação comoestudante, mediante contatos ininterruptos com seuspróprios professores (fase de pré-treino) e em pa-lestras, nas quais algumas pessoas ouvem alguémexpor um determinado assunto. A sua autoridadevai-se construindo justamente em cima do acúmu-lo de conhecimentos que consegue adquirir e dasegurança em transmiti-los. Representado dessaforma, o ensino, centrado na pessoa do professor,em suas qualidades e habilidades, foi-se naturali-zando nas representações sociais e servindo demolde para guiar os comportamentos dos profes-sores. No entanto, afirma Hargreaves (2004, p.41),“Os professores que não se mantêm aprendendopor mais do que tentativa e erro são um risco paraseus alunos”.

Como já assinalamos anteriormente, ensinar éuma atividade complexa, especialmente na univer-sidade, hoje, quando são cobrados do professoruniversitário um repertório de conhecimentos pró-prios ao ensino, ou seja, de conhecimentos, de ha-bilidades e de atitudes (saberes disciplinares,curriculares, das ciências da educação, da tradi-ção pedagógica, experienciais, da ação pedagógi-ca), que antes não eram exigidos para a docência,em especial os saberes da ação pedagógica legiti-

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mados pela pesquisa e pela própria atividade dosdocentes. Os professores universitários são pes-quisadores do seu campo específico de conheci-mento, e o fazem com propriedade, mas grandeparte não aprendeu nem discute com os seus pa-res os saberes profissionais específicos dessa pro-fissão, de modo a potencializar aprendizagenssignificativas nos estudantes (GAUTHIER, 2006).Com efeito, garante Rios (2006), para alguns, en-sinar e refletir têm sido coisas desacreditadas ou,pelo menos, de importância menor.

O modelo de prática educativa emer-gente

O modelo de prática educativa emergente, deacordo com Behrens (2003), estabelece uma ali-ança entre vários paradigmas, a exemplo do pa-radigma holístico, da abordagem progressista, doensino como pesquisa e da instrumentação da tec-nologia inovadora, que têm em comum a produ-ção do conhecimento. Esse modelo, conformediversos autores (BEHRENS, 2003; BECKER,1993, 2001; CUNHA 2005; FREIRE, 1998; LI-BÂNEO, 1985; LUCARELLI, 2000, MASETTO,2003; MATUI, 1995; MORAES, 1997; MIZUKA-MI, 1986), concebe o ensino conforme descrito aseguir.

O ensino baseado no modelo emergente temcomo enfoque a construção de competências pro-fissionais (técnica/pedagógica, política e humana)dos estudantes e está alicerçado no diálogo e naconstrução gradativa do conhecimento. Baseadoem uma prática pedagógica crítica, reflexiva etransformadora, é capaz de estabelecer o equilí-brio e a interconexão entre os pressupostos teóri-cos e práticos. Para isso, o professor pode proporprojetos criativos e transformadores que propici-em a aprendizagem significativa e as relações pes-soais e interpessoais do ser humano, por acreditarna capacidade dos estudantes e na legitimidade deseus sentimentos e emoções.

Embora alguns professores universitários ain-da desenvolvam práticas educativas baseadas natransmissão de conhecimentos, pautadas apenasem deveres, tarefas, no programa da disciplina queministram e nos critérios de aprovação e reprova-

ção dos estudantes, há, também, docentes que, ten-do mudado essa representação histórica das fun-ções do professor, se preocupam com asnecessidades e interesses desses sujeitos, com odesenvolvimento de novas habilidades, atitudes ecomportamentos, com a formação da pessoa hu-mana, principalmente no que diz respeito a comolidar com outras pessoas, de modo a propiciar con-dições para eles aprenderem algo, ou seja, se edu-quem. Nesse sentido, como afirma Gil (2007, p. 7),“à medida que a ênfase é colocada na aprendiza-gem, o papel predominante do professor deixa deser o de ensinar, e passa a ser o de ajudar o alunoa aprender”.

Para finalizar nossa reflexão sobre a ação deensinar a partir dos modelos de prática educativa,recorremos a Pimenta e Anastasiou (2002) e Rios(2006), quando defendem que ensinar é um proje-to coletivo, um trabalho conjunto que envolve umaparceria entre professores e alunos numa novaperspectiva do ensinar e aprender na sala de aula.Isso pressupõe um compromisso da conquista doconhecimento com posicionamentos de sedução,parceria e solidariedade.

Um olhar sobre a teoria das represen-tações sociais

De acordo com Sá (1996), o termo representa-ções sociais refere-se à teoria, ao conceito, e, tam-bém, aos fenômenos que acontecem no conjuntoda sociedade, quer dizer, toda vez que um saber égerado e comunicado e se torna parte da vida co-letiva de um determinado grupo social, ou para re-solver algum dos seus problemas ou ainda paraexplicar algum evento, diz respeito ao estudo dasrepresentações sociais (RS).

Associadas a uma sociedade em constante pro-cesso de transformação, segundo Moscovici (1978),as RS são guias que permitem ao sujeito dar senti-do à sua conduta, compreender a realidade a partirde seu próprio sistema de referências, adaptar-see definir seu lugar no grupo social.

É Jodelet (2001, p. 22) quem formula uma defi-nição que nos parece mais clara para representa-ção social: “é uma forma de conhecimento,socialmente elaborada e partilhada, com um obje-

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tivo prático, e que contribui para a construção deuma realidade comum a um conjunto social”.

A Teoria das Representações Sociais (TRS)tem como alicerce o senso comum, ou ainda, osaber ingênuo, natural, quer dizer aquele saber pro-duzido e adquirido pelos indivíduos em processosde conversações, gestos e interações que estabe-lecem em sua vida cotidiana, os quais vão aos pou-cos circulando e se cristalizando num dado gruposocial, tornando-se um código comum que servepara a formação de condutas (práticas sociais) epara a orientação das comunicações sociais. Cabenotar que, nesse processo, o indivíduo se constituicomo sujeito de forma ativa, reconstituindo o obje-to representado.

Embora o próprio Moscovici (1978) afirme quea representação seria um conceito perdido, pois, aciência moderna não levava em consideração osenso comum, Jodelet (2001) mostra que essa for-ma de conhecimento diferenciada do saber cientí-fico, devido a sua importância na vida social e àpossibilidade de elucidação dos processos cogniti-vos e das estruturas sociais é, também, legítima.Além disso, considerando o referencial da ciênciamoderna, para a qual a neutralidade era pressu-posto para se pesquisar, compreender o mundo,estabelecer princípios e regras para a sociedade,as RS, ao contrário, têm como finalidade tornarfamiliar algo não familiar, ou a própria não-familia-ridade, na medida em que motivam e facilitam atransposição de conceitos e teorias para o planodo saber imediato.

O mecanismo de estruturação das RS se dámediante duas faces indissociáveis como no casode uma moeda: a face figurativa e a simbólica.Enquanto aquela tem a função de exprimir facil-mente a elaboração mental de um indivíduo ou gruposobre um determinado objeto, a face simbólica atri-bui sentidos a essa imagem, de acordo com o seusistema de crenças e valores pré-existentes. As-sim, dois processos sócio-cognitivos originam asRS: objetivação (passagem de conceitos ou idéiaspara esquemas ou imagens concretas); ancoragem(classificar, rotular e dar nome – dar sentido)(MOSCOVICI, 2003).

Além dessa grande teoria psicossociológica,Jean-Claude Abric, em 1976, fundamentado na

idéia de que os elementos das RS são hierarqui-zados e que toda representação é organizada emtorno de um núcleo central, criou a teoria do nú-cleo central (NC), com papel descritivo e expli-cativo complementar. O NC organiza os elemen-tos da representação e lhe dá sentido. É oelemento mais estável da representação, o quemais resiste à mudança e, portanto, assegura asua perenidade. Apesar disso, as RS têm carac-terísticas contraditórias, pois são, ao mesmo tem-po, estáveis e móveis, rígidas e flexíveis, consen-suais e, também, marcadas por diferençasinterindividuais. Para dar conta dessa contradi-ção, a teoria do NC admite a existência de umsistema periférico que contextualiza as determi-nações do NC, resulta em flexibilidade, mobilida-de e expressões individualizadas das RS.

Considerando que o conteúdo representacional doensino universitário, partilhado por licenciandos, inter-fere nas atitudes que esses sujeitos desenvolvem du-rante o curso de formação para professores, podendointerferir em sua prática profissional em sala de aula,resolvemos usar como referencial teórico ateoria das representações sociais (TRS) de SergeMoscovici. Enfocamos este estudo na compreensãodas representações de ensino universitário dos con-cluintes de diversos cursos de licenciatura de umauniversidade pública da Bahia, e na estrutura dessasreferidas representações.

Os procedimentos metodológicos

Para compreender as representações dos es-tudantes concluintes dos cursos de licenciaturasobre ensino, optamos por uma pesquisa des-critiva de abordagem qualitativa com o uso deprocedimentos estatísticos. Para coletar os da-dos, utilizamos as técnicas Associação Livre dePalavras (ALP) e Grupo Focal. Este reúne deseis a doze pessoas e um animador, a fim dediscutir, de forma estruturada, um assunto par-ticular. É uma das técnicas de pesquisa das maispopulares em ciências sociais e em marketing.Apesar de ser flexível, de baixo custo e rápido,o grupo focal apresenta certas limitações, comoa possibilidade de viés, o desvio ou domínio dasdiscussões por um dos participantes e dificul-

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dades no momento da análise (GEOFFRION(2003). No desenvolvimento desta pesquisa,organizamos dois grupos focais, um com a par-ticipação de dez e outro com a participação desete estudantes matriculados no último semes-tre dos cursos de licenciatura de uma universi-dade pública, que voluntariamente aceitaramparticipar da pesquisa.

A Associação Livre de Palavras (ALP) é umatécnica projetiva que consiste em solicitar aos par-ticipantes que escrevam os substantivos, adjetivos,verbos e expressões sinônimas de um determina-do termo indutor. No caso deste estudo, cuja inten-ção foi destacar a possível estrutura interna darepresentação de ensino, ou seja, o universo se-mântico relacionado a essa representação e seupossível núcleo central, a aplicação prática da téc-nica consistiu em solicitar aos participantes do Gru-po Focal que evocassem, isto é, trouxessem àlembrança, seis palavras e expressões relaciona-das ao termo indutor “ensino” e os registrassemem um formulário impresso.

No campo educacional a ALP tem sido utili-zada por diversos autores (MACHADO, 2005;NÓBREGA e COUTINHO, 2003; PAREDESe LIMA, 2005; SOUZA e SILVA, 2005; VER-GÈS, 1989, 1992). Como vantagem, a ALP pos-sibilita a apreensão de conteúdos implícitos oulatentes de forma descontraída e espontânea nainteração entre os sujeitos participantes do gru-po focal. Vale ressaltar, todavia, que essa técni-ca também apresenta desvantagens, dentre asquais a difícil interpretação, caso seja tomadaisoladamente, e a dificuldade em se distinguir,nas associações produzidas, aquelas que sãoorganizadoras da representação, ou seja, as queapresentam características de centralidade(OLIVEIRA et al, 2005). Esse limite pode serminorado mediante o cruzamento da frequênciade aparecimento dos termos registrados pelossujeitos a partir da associação livre e o rankingde aparecimento desses termos (VERGÈS, 1989,1992). Evidentemente, tal hipótese não é aceitapela totalidade dos estudiosos interessados napesquisa da estrutura de uma representação, aexemplo de Abric (1994). No entanto, concor-damos que o fato de enunciar um termo em pri-

meiro lugar, denota que tal termo está mais aces-sível na memória do sujeito, de modo a repre-sentar a importância que lhe é atribuída no seuesquema cognitivo.

Análise e discussão dos dados

A partir do termo gerador ensino, os partici-pantes dos grupos focais evocaram 44 diferentespalavras. Considerando apenas aquelas que fo-ram repetidas pelo menos duas vezes, calcula-mos a mediana da frequência das evocações, cujoresultado foi cinco (5) e, em seguida, a medianada ordem de evocação das palavras citadas porcada sujeito, cujo resultado foi três e meio (3,5).Em seguida, organizamos o quadro de quatro ca-sas (Vide QUADRO).

Como se pode notar, no quadrante superior es-querdo, estão as palavras que podem constituir onúcleo central das RS de ensino universitário:aprendizagem, professor, troca, conhecimen-to, aluno; o quadrante superior direito ficou va-zio, por falta de elementos que tivessemfrequência superior a 5 e média de evocação maiorque 3,5; os elementos intermediários, situados noquadrante inferior esquerdo, são: cultura, trans-missão, diálogo, dinamismo, construção, mé-todo. Por fim, os elementos periféricos, aquelesmais afastados do núcleo central, são constituí-dos dos seguintes termos: educação, interação,escola, amor, vida, estudo, reflexão, dedica-ção, experiência.

Na busca dos sentidos dos elementos que pro-vavelmente compõem o núcleo central das repre-sentações de ensino, percebemos que elasparecem estar ancoradas em elementos indica-dores de uma ação pedagógica que privilegia tan-to o modelo epistemológico empirista, centradono professor, que transfere o conhecimento paraos alunos, quanto no modelo construtivista, no qualo conhecimento seria constituído na interação (tro-ca) entre o aluno ativo e protagonista do proces-so de aprendizagem e o objeto do conhecimento,com a mediação do professor. Como vimos ante-riormente com Gil (2007), se a ênfase recai naaprendizagem, há uma modificação do papel doprofessor.

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Nos demais quadrantes, que tanto podem ali-mentar quanto ameaçar o núcleo central (NC),destacam-se outros termos que confirmam essacontradição, própria das representações sociais:transmissão e método contrapondo com cultura,construção, diálogo, amor, vida, reflexão, inte-ração, elementos tão defendidos por uma pers-pectiva de ensino emergente.

Essa incoerência no discurso dos participantesnos faz pensar na possibilidade de que os sistemasde crenças e de representações de estudantes uni-versitários que estão se graduando em professo-res das variadas áreas do conhecimento, construí-dos sobre o ensino ao longo de suas vidas, aindaestão enraizadas e que, portanto, essa formação,durante quatro a cinco anos, não tenha sido sufici-ente para transformá-los.

Além do que foi posto acima, o discurso dosparticipantes nos instiga a arriscar outros sentidos:

é possível que a prática pedagógica desses futurosprofessores, em conformidade com essas repre-sentações e com a crise de paradigmas a qual es-tamos vivenciando, esteja oscilando como o pêndulode um relógio: ora privilegie a valorização da expe-riência e da cultura dos seus alunos, de modo aestabelecer com eles um diálogo amoroso funda-mentado na humildade e de modo a provocar areflexão sobre formas de produção e de preserva-ção da vida, enfim, estabelecer com esses sujeitosformas de interação respeitosa que se efetive naconstrução e reconstrução deles mesmos e domundo; ora esteja baseada em perspectivas teóri-cas que privilegiem a autoridade e a transmissãode conhecimento pelos professores a estudantespassivos; ora esteja baseada em perspectivas tec-nicistas, pautadas em pressupostos como eficáciae eficiência, que privilegiem novos processos ins-trucionais, quer dizer, o método de ensinar.

QUADRO - Os traços salientes daspalavras evocadas em relação a ensino

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De fato, as representações custam a se trans-formar, o que ocorre, prioritariamente, via as práti-cas e da periferia para o núcleo central. Se essapremissa for verdadeira e, analisando os elemen-tos que compõem o quadrante destinado aos ele-mentos periféricos das RS de ensino, nãosurpreende que o movimento via a transformaçãodessas RS já esteja acontecendo, na medida emque os elementos que o constituem são palavras-chave de práticas e concepções de ensino emer-gentes, embora tenham sido as menos frequentese não prontamente evocadas pelos participantesda pesquisa.

Considerações finais

Objetivávamos, com este estudo, compreenderas representações sociais de estudantes dos cur-sos de licenciatura de uma universidade públicaacerca de ensino no seu processo de formaçãoenquanto professores.

As RS dos graduandos, participantes deste es-tudo, sobre ensino, parecem estar centralizadasnos termos: aprendizagem, professor, troca, co-nhecimento e aluno. Já no sistema periférico dasrepresentações em apreço, aquele que, segundoa teoria das RS, tanto pode alimentar quanto ame-açar o núcleo central, destacam-se termos queevidenciam uma grande contradição, que é pró-pria das representações sociais, já que, como mos-tramos anteriormente, elas comportam, ao mesmotempo, elementos indicadores de estabilidade ede mobilidade, de rigidez e de flexibilidade. As-sim, os sujeitos da pesquisa evocaram: transmis-são e método contrapondo com cultura,construção, diálogo, amor, vida, reflexão, in-teração, elementos esses constituintes de pers-pectivas de ensino antagônicas.

A análise dos dados nos leva a crer, portanto,que as RS de ensino desses futuros profissionaisestejam ancoradas em elementos reveladores deuma ação pedagógica que privilegia dois modelosepistemológicos: o empirista, centrado no profes-sor que detém o conhecimento e o transfere paraos alunos, e o modelo construtivista, que tem comopremissa a construção da aprendizagem pelo alu-no ativo e protagonista em interação (troca) com

o objeto do conhecimento, com a mediação doprofessor.

Concordando com Gauthier (2006), quandoafirma que o ensino na formação é responsávelpela constituição de um manancial de saberes,no qual o professor se abastece para resolverproblemas específicos do ensino na sala de aula,concluímos que essa formação ainda não ajudouo licenciando a criar bases epistemológicas fir-mes nas quais possa formalizar os saberes e ashabilidades específicas do exercício do magisté-rio. Assim, paradoxalmente, as RS dos licenci-andos participantes deste estudo, ora parecemfirmar-se na tradição pedagógica que povoa asrecordações de sua infância e poderiam perma-necer até o início da formação docente, ora pa-recem firmar-se numa epistemologia construti-vista, que inspira uma pedagogia relacional, naqual os sujeitos da aprendizagem constroem oconhecimento numa relação dialética, em quetanto o professor quanto o aluno aprendem. Aoque parece, então, o ensino universitário, no quediz respeito à formação de professores, não temcumprido o objetivo primordial que é a mudançade representações, de atitudes e de práticasconstruídas ao longo das experiências de vidados sujeitos e contribuir para a construção derepresentações de ensino alternativas a esse mo-delo estandardizado.

Como propõe Cunha (1999), a universidade éconvocada a formar professores cujo trabalho es-teja alicerçado numa epistemologia emergente; te-nham autonomia para buscar soluções para os seusembates; valorizem os alunos enquanto sujeitoscontextualizados, autônomos, envolvidos com suasexistências, suas escolhas e suas responsabilida-des; adotem uma didática contextualizada. Nessesentido, urge uma formação que instigue a cons-trução do pensamento crítico-reflexivo sobre a prá-tica educativa vivida na trajetória de formação, paraque os futuros professores da escola básica pos-sam fazer a ruptura com as representações soci-ais construídas no senso comum sobre o ensino.Somente assim eles podem construir suas práticassobre novas bases epistemológicas e, consequen-temente, contribuir para a elevação do nível deaprendizagem dos alunos da escola básica.

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Recebido em 27.04.09Aprovado em 25.05.09

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APORTES DE LA INVESTIGACIÓN SOBRE REPRESENTACIONES

SOCIALES ACERCA DE LA PROFESIONALIZACIÓN DOCENTE:

UNA EXIGENCIA CONTEMPORÁNEA

Susana Seidmann *

Sandra Thome **

Jorgelina Di Iorio ***

Susana Azzollini ****

* Doctora en Psicología. Prof. Titular Regular de Psicología Social Cat. I. Facultad de Psicología, Universidad de Buenos Aires.Directora de la Maestría en Psicología Social Comunitaria (UBA). Directora del proyecto UBACyT P051. Directora EquipoAsociado al Proyecto de Investigación “Representações Sociais de estudantes universitários (pedagogia e licenciatura) sobre otrabalho do professor”, Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade - Educação (CIERS-Ed) yFundación Carlos Chagas, San Pablo, Brasil. Dirección: Juramento 2828 2° B (CP 1428) – Ciudad Autónoma de Buenos Aires,Argentina. E-mail: [email protected]** Lic. en Pedagogía. Maestranda en Psicología Social Comunitaria, Facultad de Psicología, Universidad de Buenos Aires.

Becaria de investigación Universidad de Belgrano. Ayudante de primera interina de Psicología Social Cat I, Facultad dePsicología, UBA. Jefa de Trabajos Prácticos, Cátedra Psicología Social, Universidad de Belgrano. Investigadora enRepresentaciones Sociales en UBA y Universidad de Belgrano. E-mail: [email protected]*** Lic. en Psicología. Doctoranda en Psicología, Facultad de Psicología, Universidad de Buenos Aires. Becaria de investigación,Conicet. Ayudante de primera interina de Psicología Social Cat 1, Facultad de Psicología, UBA. Ciudad Autónoma de BuenosAires, Argentina. E-mail: [email protected]**** Dra. en Psicología, Investigadora Adjunta del Conicet, Prof. Adjunta de Psicología Social Cat. I y Prof. de Postgrado

(Facultad de Psicología, UBA), Directora del proyecto de Investigación UBACyT P429, Investigadora formada en proyectode Investigación UBACyT P051. E-mail: [email protected]

RESUMEN

Es enorme la brecha entre el “educador requerido” por el siglo XXI y el “educadordisponible” por la formación propia del XX. En el marco de los procesos de reformaseducativas que se iniciaron en la década de los ’90, el profesionalismo adquirió espe-cial importancia. Considerando que la problematización de la profesionalización do-cente involucra la consideración de las opiniones, valoraciones, creencias ysignificaciones de los propios docentes - representaciones sociales - acerca de suactividad y del contexto en el cual ésta se lleva a cabo; se realizó un estudio exploratoriocon el objetivo de describir el contenido de la representación social del trabajo docen-te que tienen los maestros de escuela primaria. Se realizaron 10 entrevistas a profesoresde ese nivel en la Provincia de Buenos Aires. Se realizó un análisis cualitativo através del análisis de las categorías emergentes de los discursos. Las dimensionesprincipales son: vocación, trabajo asalariado y profesionalismo. Se concluye que éstasse corresponden con la themata Ego/Alter y que en el proceso de objetivación apare-ce una tensión entre la vocación entendida como “apostolado” y el trabajo asalariadoen la que el rol docente surge desvalorizado e impotente. El carácter dialogal de lathemata se resemantiza a partir del discurso sobre la profesionalización.

Palabras clave: Representaciones sociales – Profesionalización docente – Identidad

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ABSTRACT

CONTRIBUTIONS OF THE RESEARCH ON SOCIAL REPRESENTATIONSUPON TEACHING AS A PROFESSION: A CONTEMPORARY DEMAND

There is a huge gap between the needed educator for the 21st century and the presenteducator resulting from the 20th century formation. Thinking critically about the teachers´formation, besides the objective aspects, like mastering and having a practical andtheoretical aptitude in the own work field, professional autonomy, having the capacity oftaking decisions, of anticipating the consequences of those decisions and of evaluatingcritically the action, involves the consideration of opinions, appraisals, beliefs, attitudes,expectations and the main meanings of the own teachers – social representations –about the main aspects of their activity and the context in which it takes place. Thesereasons motivated an exploratory research about the social representations ofprofessional teaching in primary school teachers in the province of Buenos Aires,Argentina. An intentional sample was selected whose size was determined by the criteriaof informational saturation. The results show that the professional level of teaching is asecondary attribute of the idealized aspects, like the vocation and the commitment,which show the ideological aspect of the social representations.

Keywords: Social representations – Professional teaching – Identity

1. Introducción

Abordar la representación social de la docencia,a partir de la mirada de los maestros, implica consi-derar la potencia del entramado de significados teji-do en un contexto de relaciones cada vez máscomplejo. Los cambios sustantivos en la política, laeconomía y la cultura someten a la escuela a unconjunto de demandas que se traducen en nuevasexigencias para el perfil profesional docente.

En el marco de los procesos de reformas edu-cativas que se iniciaron en la década de los ’90en diferentes países de América Latina (TOR-RES, 2000), el profesionalismo adquiere especialimportancia. Sin embargo, Dubet (2004) destacaque sólo algunas de las mutaciones con que laEscuela se enfrenta se deben a políticas neolibe-rales. Según refiere, nos encontramos con unadeclinación de una forma escolar canónica, don-de la vocación cambia de naturaleza, pasando deuna identificación a determinados valores de unmodo clerical a una realización subjetiva vincula-da a la competencia profesional según el ethosprotestante del trabajo:

Este cambio de naturaleza de la vocación implica undesplazamiento de la legitimidad profesional. El tra-

bajo docente se volvió más profesional con el alar-gamiento de la formación pedagógica, el desarrollodel trabajo en equipo, la afirmación de una experticiay de una ciencia pedagógica a través de la didáctica.La Escuela deja de ser “un orden regular, sea éstelaico, para convertirse en una burocracia profesio-nal” (DUBET, 2004, p.1).

Desde una perspectiva histórica-antropológi-ca, Batallán (2007) señala que en el análisis deltrabajo docente se entrecruzan la significación queéste tiene para quienes lo ejercen, con el sustratohistórico y político sobre el cual dicha identidadse refunda permanentemente. Según la autora,“la noción de profesión aplicada a una actividadsupone en términos generales un conocimiento pri-vativo en un campo de saber cuya calidad se rigepor parámetros estipulados por la comunidad deoficio, de acuerdo a la tradición de su ejercicio”(p.17). En este sentido, para los docentes, su iden-tidad en tanto maestros está ligada a la particularlabor de enseñar o conducir el proceso pedagógi-co y esta especificidad es la fuente de su legitimi-dad social, dotando a su práctica cotidiana de unsentido público.

Efectivamente, Vaillant (2004, 2006) destaca queel concepto de profesión es socialmente construi-

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do como resultado de un marco ideológico que in-fluye en una práctica laboral, ya que las profesio-nes son legitimadas por el contexto social e históricodonde se desarrollan. Sostiene que la profesionali-zación docente está asociada a un desempeño au-tónomo, con responsabilidad sobre la tarea que sedesempeña y que estos rasgos no se legislan perose construyen a partir de la confluencia de treselementos: la existencia de condiciones laboralesadecuadas, una formación de calidad y una gesti-ón y evaluación que fortalezca la capacidad de losdocentes en su práctica laboral.

En cambio, Tenti Fanfani (2006) considera ala docencia como una “cuasi profesión”. Por unlado, comparte o posee las tres características queWeber (1919) describe para definir las profesio-nes –preparación académica específica; autono-mía en el ejercicio de su actividad áulica y prestigioy reconocimiento social –, pero por el otro, a di-ferencia de lo que sucede con las profesiones li-berales clásicas, los docentes son trabajadoresasalariados que desarrollan su actividad en con-textos institucionalizados, están sometidos al con-trol jerárquico, no eligen a “sus clientes” y laposibilidad de carrera no depende exclusivamen-te de su desempeño.

No obstante, las competencias docentes reque-ridas para hacer frente a las demandas de las soci-edades modernas, de sistemas escolares descen-tralizados e instituciones escolares autónomas,implican, como sugiere Burke (1996), un profesio-nalismo entendido como dominio y aptitud teórico-práctica en el propio campo de trabajo, autonomíaprofesional, capacidad para tomar decisiones in-formadas, para anticipar las consecuencias de esasdecisiones y para evaluar críticamente la acción.

En cuanto a las investigaciones acerca de laconstrucción de la identidad profesional del docen-te, Tenti Fanfani (2005), en un estudio comparati-vo entre Argentina, Brasil, Perú y Uruguay, abordólas actitudes y expectativas de los docentes sobresu rol profesional, las nuevas tecnologías y otrosaspectos que configuran la carrera docente. En-contró que los cambios producidos en las políticasde profesionalización resultan ineficaces porquedescuidan la cultura de los actores y se presentansiempre más inclinados al cambio de las estructu-ras. Según refiere, un cambio en la subjetividad de

los docentes, y por lo tanto en sus prácticas, re-queriría un horizonte de tiempo largo y un conjuntode predisposiciones y competencias específicamen-te orientadas a la negociación, la discusión y elacuerdo.

Duschatzky (2007), con una metodología parti-cipativa, indagó sobre los modos de producción dela escuela contemporánea, utilizando el conceptode “maestro errante”, para dar cuenta de la exis-tencia de nuevas prácticas docentes que surgende las exigencias de la realidad, pero que no seinscriben en los marcos institucionales vigentes.

Batallán (2004), desde una perspectiva etno-gráfica, puso de relieve aspectos que impiden a losdocentes definirse a sí mismos como sujetos deuna transformación escolar. Según la investigado-ra, eso ocurre debido a la relación que se estable-ce entre la noción del sujeto de la enseñanza a serdisciplinado y una concepción de poder que gene-ra la emergencia de sentimientos autocondenatori-os. Se suma a eso la existencia de una devaluacióndel conocimiento escolar, que al ser equiparado conuna información hecha a la medida del aprendiz ytransmitido uniformemente en etapas prefijadas porel sistema educativo, no hace más que colocar almaestro en un lugar de transmisor de un saber pro-ducido por otros.

Es decir que, para analizar el quehacer docentees necesario considerar las opiniones, actitudes,valoraciones, expectativas, imágenes y significaci-ones de los propios docentes acerca de los aspec-tos sustantivos de su actividad y del contexto en elcual ésta se lleva a cabo. Una manera de abordar-los es a través del estudio de las representacionessociales en su génesis, estructura y transformaci-ón. Éstas resultan una vía para la comprensión delpapel de la inscripción de los sujetos – docentes –en un orden social y en una historicidad. Tambiénpara la construcción social de las interpretacionesque se producen en el marco de una cultura (JO-DELET, 2000).

2. Objetivo

Describir el contenido de la representación so-cial del trabajo docente que tienen los maestros ymaestras de escuela primaria, así como tambiénlos procesos de objetivación y anclaje.

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3. Metodología

En el ámbito de una investigación mayor coor-dinada por el Centro Internacional de Estudos emRepresentações Sociais e Subjetividade – Educa-ção – CIERS-Ed. y con el apoyo de la FundaciónCarlos Chagas, San Pablo, Brasil, del LaboratoireEuropéen de Psychologie Social y de la Maisondes Sciences de l´Homme, París, Francia, sobrelas representaciones sociales de futuros profeso-res (estudiantes de pedagogía y profesorado) acer-ca de la docencia, el presente trabajo se enmarcadentro de un proyecto de una investigación asocia-da, desarrollado en la Universidad de Belgrano,Buenos Aires, Argentina. Se trata de un estudioexploratorio y descriptivo con abordaje cualitativotitulado: “Las prácticas docentes y su representa-ción social en maestros bonaerenses de nivel pri-mario de enseñanza”.

Para esto se seleccionó una muestra intencio-nal, no probabilística, de diez docentes de nivel pri-mario de enseñanza de la Provincia de BuenosAires, distribuida por cuotas de sexo y tipo de ins-titución (escuela pública o escuela privada). Teni-endo presente que el énfasis de la investigación

cualitativa está centrado en el “examen en profun-didad de los significados operantes, más que en larepresentatividad y la posibilidad de reproducción”(BANISTER; BURMAN; PARKER et al, 2004,p. 26).

Desde una perspectiva cualitativa y procesualen el estudio de las representaciones sociales, seutilizó la entrevista en profundidad como técnicade recolección de datos. Los mismos fueron siste-matizados y codificados a partir de la construcciónde categorías emergentes, con el soporte técnicodel software ATLAS.ti.-Versión WIN4.1 Esto per-mitió una caracterización de los contenidos de lasrepresentaciones sociales, facilitando así, el regis-tro de los indicadores de objetivación y anclaje delas mismas.

4. Resultados

El material de las entrevistas se agrupó en diver-sos núcleos temáticos, en función de las evocacio-nes de los entrevistados. Tal como se muestra en latabla 1 (Número de menciones relativo a los ejestemáticos), se distinguen tres dimensiones principa-les: vocación, trabajo asalariado y profesionalidad.

Tabla 1: Número de menciones relativo a los ejes temáticos

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La vocación incluye los aspectos idealiza-dos de la práctica docente, los motivos de la elec-ción profesional y el mandato social sobre el roldocente.

Algunos fragmentos de las entrevistas son ilus-trativos de este eje:

… quien elige la docencia es porque realmente legusta, no va por la plata. Obviamente que uno nova por la plata, si no, no habría docentes. (Mujer,35 años, antigüedad 10 años).

La docencia es después de mis dos hijos lo quemás amo en la vida (…) tuvo que ver con quienfue mi maestro de 7mo grado que para mi era comoidolatrado (…) yo me engancho a dar clases y seme va el cansancio, es algo similar a lo que tepasa cuando te subís a un escenario (…) Para mila docencia es parte de mi vida, mucho más queuna profesión o un medio de vida. (Hombre, 42años, antigüedad 20 años)

…en la película Patch Adams (…) dice que hacermedicina es mucho más que mejorar la muerte, quetiene que ver con mejorar la calidad de vida (…)ésa es la profesión como para equiparar con ladocencia. (Hombre, 26 años, antigüedad 5 años)

Lo que más me gusta es que uno con los chicoshace milagros, porque trabajas con personas queson auténticas, que te dicen la verdad, que te de-muestran cariño, que te dicen cuando las cosas lesgustan o no les gustan, y eso para mí es fantástico(…) Eso de sentir como uno es el que lo introduceen todo un mundo distinto al enseñarle a leer y aescribir. (Mujer, 38 años, antigüedad 20 años).

Me paguen lo que me paguen, no tiene precio, y,creo que se lo trasmito a todo mundo, porque, dehecho, mucha gente me lo dice. (Mujer, 35 años,antigüedad 12 años).

Cuando cierro la puerta y estoy frente a ellos, escomo que el mundo afuera deja de existir para mí.Es como una magia. Todo se transforma. Te olvidásde todo, de los problemas, de las cosas malas, po-nés toda tu energía en lo que hacés. (Mujer, 30 años,antigüedad 7 años)

Yo le diría que si quiere estudiar para ser maestratiene que tener mucha responsabilidad y tiene quequerer mucho a los chicos y tenerles mucha paci-encia, porque si es una persona nerviosa, impaci-ente, mejor elegir otra cosa, porque con los chicoshay que dedicarse, entregarse de corazón, con

amor, lo demás casi viene solo, siempre hay unamanera de enseñar y los chicos aprenden segúncomo una les enseña. (Mujer, 30 años, antigüedad 7años)

… yo creo que uno siempre puede hacer más. Encualquier realidad, la realidad de la escuela pri-vada, la de la escuela estatal, la de la villa mise-ria, siempre se puede hacer más, solamente hayque comprometerse… (Mujer, 35 años, antigüedad12 años)

Como se puede observar, la dimensión vocaci-ón, desde la mirada de los maestros, alude fuerte-mente a los aspectos afectivos y vinculares comoindicadores para ellos del nivel de compromiso ydedicación inherentes al trabajo docente. Por otrolado, también aparecen sentimientos omnipotentesfusionados a lo que ellos definen como la finalidadde la tarea docente.

El trabajo asalariado alude a los aspectos másheterónomos de la cotidianeidad del docente: de-pendencia institucional, verticalidad jerárquica, cul-tura organizacional de la institución escolar ycondiciones laborales reales:

Me enojo mucho con mis colegas que se dedican ala docencia porque no les queda otra cosa, o por-que es muy común en la carrera de la docencia, esmuy fácil una inserción laboral, porque durantemucho tiempo, eran pocos años de estudio, no sé sila salida laboral y rápida… (Mujer, 35 años, anti-güedad 12 años).

Yo creo que lo ideal sería que el sueldo docentefuese más alto, que permitiera trabajar un turno (…)trabajar cuatro horas a cargo del grupo y cuatrohoras para hacer este tipo de cuestiones, perfeccio-namientos… (Mujer, 35 años, antigüedad 12 años)

Está el que ve la docencia sólo como una salidalaboral, es el que no innova nunca, año tras añoda lo mismo. El que si no lo mueven de grupo mejor,porque total ya tiene todo armado. En realidad esdocente como podría atender un kiosco, es lo mis-mo. (Hombre, 42 años, antigüedad 20 años).

El docente no decide muchas de las cosas que tie-ne que hacer, las deciden los directivos (…) y des-pués los inspectores (…) este tipo de cosas son lasque van golpeando un poco la iniciativa, las ga-nas de hacer algo, las convicciones se ven así ace-chadas por esta realidad. (Hombre, 35 años,antigüedad 7 años).

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Hay maestras que van a trabajar porque son pocashoras, están ahí como si nada, cobran su sueldo ycomo si nada se van. No es que uno no tiene quecobrar. Nadie va a trabajar gratis, porque es untrabajo como otro cualquiera, y uno tiene sus com-promisos para cumplir… (Mujer, 30 años, antigüe-dad 7 años)

A los únicos a los que no se nos pregunta, cuestiona,sobre qué queremos charlar, debatir, trabajar, du-rante esta jornada donde supuestamente el foco estápuesto en nuestro trabajo, en nuestra especificidad,es, recae en la responsabilidad de una persona quees ajena a veces a la escuela. Entonces uno se sienterealmente ajustando una tuerca de una máquina queno conoce. (Hombre, 35 años, antigüedad 7 años).

Pero no fue fácil tomar la decisión (…) estaba comobastante desprestigiada la docencia y además eltema era: te vas a morir de hambre (…) ganan dospesos con cincuenta (…) te va a pasar como alviejo de historia, nadie le da pelota…. (Hombre, 42años, antigüedad 20 años)

… desde el gobierno hacen mucho para que se de-valúe, desde la falta de recursos para poder traba-jar como corresponde, los sueldos no dignos,comentarios que se hacen en los medios de comu-nicación... (Mujer, 38 años, antigüedad 20 años).

Estos fragmentos sobre el trabajo asalariadoindican el malestar docente relativo a la cultura ins-titucional de la que forman parte los maestros. Éstaaparece como un condicionante externo de la prác-tica, como si ellos no fuesen coproductores de estamisma cultura.

La profesionalidad incluye una mirada críticadel docente hacia una práctica contextualizada, lanecesidad de capacitación permanente, creatividady autonomía al interior del aula y correspondenciaentre las aspiraciones profesionales y las políticaspúblicas. En palabras de los entrevistados/as:

… me gustaría por ejemplo, tener acceso, tiempopara hacer perfeccionamientos, talleres, otro tipode cosas para profesionalizarme más, que, bueno,es prácticamente imposible. La otra realidad tam-bién es, bueno, las personas que les gustaría cono-cer, perfeccionarse, o no cuentan con el dineronecesario porque la mayoría de los perfecciona-mientos buenos son realmente costosos (…) Tengomuchas amigas que trabajan en escuelas estatalesque dicen, ah!, bueno, hago lo que puedo, si másno se puede acá adentro. Entonces, eso es desgano

por parte del docente, una realidad. (Mujer, 36años, antigüedad 18 años).

… ser responsable, querer formarse y no solamentequedarse con lo que nos da la formación del profe-sorado, o que nos dan las instancias formales denuestra formación, sino poder indagar más, jun-tarse con otros para conocer. (Hombre, 35 años,antigüedad 7 años).

Hoy te encontrás con alumnos que salen recibidoscon el título y que hasta unen palabras pero nisiquiera saben hacer una separación correcta depalabras, entonces, ¿Vos podes enseñar lo que nosabés? es imposible (…) Lamentablemente se notaesta pauperización de cómo salen formados losdocentes. (…) [aunque la] tomo como algo transi-torio. (Hombre, 42 años, antigüedad 20 años).

… yo no creo en los grandes cambios que se propo-nen desde las reformas educativas sino que se tratade formar mejor a los maestros y darles mejores opor-tunidades…. (Mujer, 38 años, antigüedad 20 años)

… hay que tener conciencia de lo que uno estáhaciendo, y a la vez cuestionarse constantemente.Eso porque los errores que uno cometa si bien nose van a fijar definitivamente en un alumno, si bienno es que si uno cometió un error para siempre, esapersona va a repetirlo, por suerte. Si está buenoque uno pueda revisarlo, modificarlo y ser en defi-nitiva un docente que esté mejor para eso, para elalumno, para la sociedad… (Hombre, 35 años, an-tigüedad 7 años).

… a veces parecería que uno está más cumpliendocon determinados ritos que carecen de sentido, tan-to para el trabajador, para el docente, como para elalumno, y que es ahí donde la escuela empieza aperder peso. (Hombre, 42 años, antigüedad 20 años)

… realmente logré muchas cosas en todos estosaños y me doy cuenta también que a medida que vapasando el tiempo estoy como más… experimenta-da, no sé como decirlo, y resuelvo situaciones queal principio parecían no tener solución (…) cam-bié radicalmente en como evaluar, en realidad to-mar la evaluación como parte del aprendizaje y nosimplemente para saber si aprueba o no aprueba(…) pero, por ahí no es lo más común y a veces mechoco contra las opiniones del resto de la gente,pero, bueno… (Mujer, 38 años, antigüedad 20 años)

… particularmente desde que soy maestro no vi uncambio tan rotundo. Me parece que se están vien-do en estos últimos años, especialmente en los últi-

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mos tres, cuatro años, los resultados de políticasmás profundas que fueron destruyendo la escuelapública, llámese la Ley Federal de Educación, quefue destruir un proyecto de educación que si bienno tendía a que la sociedad fuera justa e igualita-ria, tenía otra visión de lo que era un ser humano.Me refiero a la ley 1420 que fue literalmente pasa-da por arriba, digamos, donde era claro que laeducación era laica, gratuita e libre y pasó a seresto… (Hombre, 35 años, antigüedad 7 años)

… lamentablemente en educación nunca hay cri-sis, ¿por qué? Porque como que los docentes ten-demos a hacer que enseñamos, los chicos a hacercomo que aprenden, las escuelas como que edu-can, la sociedad como que respeta las escuelas yen realidad nadie hace nada y claro, nunca se en-tra en la crisis. Podemos hablar de crisis sanitaria,crisis energética, pero nunca hablamos de crisisen la educación y es real esto (…) creo que la edu-cación en la Argentina hace años que viene encrisis (…) y cada vez la crisis es más profunda…(Hombre, 42 años, antigüedad 20 años)

… creo que si los Estados no tienen en cuenta enlos presupuestos anuales, este tipo de cosas, comolas construcciones, mejoramiento de las escuelas,los aumentos salariales, yo creo que la desvalori-

zación es, no hay escapatoria, ¿no? (…) el maes-tro tiene que ver todo con todo, que el maestro estécorriendo de un colegio a otro para poder llegar aun presupuesto que le permita vivir hace que eldocente no se pueda perfeccionar, hace que el do-cente rinda menos en su trabajo, bueno, no es lomismo trabajar en un lugar que trabajar en tres…hace también que muchas veces no se comprometa,que no se sienta reconocido (…) son como muchascuestiones, yo creo que lo económico como políti-ca de Estado tiene mucho que ver. (Mujer, 36 años,antigüedad 18 años)

La profesionalización se presenta polarizadaentre las aspiraciones e intereses individuales y loque debería ser planificado desde las políticas edu-cativas. Sin embargo, no sólo tienen impacto a ni-vel de una superación personal, sino también deprestigio social. Asimismo, las respuestas de losentrevistados y entrevistadas dejan entrever quelas posibilidades de transformación son dialécticas,es decir, del sistema educativo y del educando a lavez que del propio docente.

A continuación se presenta la red de relacionesentre las tres dimensiones consideradas donde,además, se presentan las subcategorías subordi-nadas a éstas. (Gráfico 1)

Gráfico 1: Foccus Network sobre “Trabajo Docente”

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En el gráfico precedente se visualizan las dosetapas del análisis inductivo de datos, textual y con-ceptual, ambos basados en reducciones inclusivasdel material relevado. El triángulo central, constitui-do por las categorías Vocación, Trabajo y Profesi-ón, permite pensar cómo, en las expresiones de losentrevistados, el trabajo docente está apuntalado enla relación y asociación entre dichos aspectos, loscuales serían constitutivos de su práctica, lo cual nolimita el predominio de algunos sobre los otros.

Dicho análisis conceptual sólo fue posible a par-tir de la codificación textual del material, que per-mitió definir, a posteriori, cada una de las categorías.En este sentido, al hablar de Vocación se hace re-ferencia a la idealización de su rol, a la definiciónde su tarea, a su biografía escolar, al reconocimi-ento por parte de los otros, a los motivos sobre laelección profesional y a la imagen del docente. ElTrabajo está definido por la cultura institucionalen la que se despliega su práctica, la desvalorizaci-ón del rol, la mirada de los otros, las relaciones consus pares, los sentimientos de malestar, el tipo dedependencia institucional – pública o privada – ylas condiciones laborales. Finalmente, la Profesi-ón, se define a partir de las menciones a prácticascontextualizadas, evaluaciones críticas de la prác-tica, referencias a las políticas educativas, en tantoaspectos no inmediatos del espacio áulico y capa-citación o perfeccionamiento.

5. Conclusión

La prevalencia en los discursos de los partici-pantes de las dimensiones vocación-trabajo-profe-sión revela el contenido de la representación socialdel trabajo docente.

El polo vocación-trabajo, a modo de imán, rese-mantiza la práctica docente en el sentido que la pre-senta como una polaridad (“cielo” o “infierno”,bueno-malo, placentero-displacentero). El mayornúmero de menciones para Trabajo (44%) se mani-fiesta en tensión con las menciones sobre Vocación(26%). Es decir, para los maestros, dar cuenta de lacondición del trabajo docente en su realidad asalari-ada sería afirmar, desde el rechazo, la cuestión vo-cacional. De esta manera, la idealización aparececomo un mecanismo de defensa colectivo que lespermite a los maestros continuar con una tarea do-

cente en una realidad adversa: bajos salarios, exce-siva carga horaria de trabajo, cambios incoherentesde políticas educativas, violencia escolar, desdibuja-miento de las relaciones institucionales.

Otro aspecto de dicho mecanismo de defensaes la themata sobre la que gira el contenido de larepresentación social: Ego/Alter; siendo el “verda-dero” docente asociado a la vocación y conside-rando a quienes asumen el rol como un trabajo,como desprovistos de los atributos identitarios ne-cesarios para desempeñarlo.

Por otro lado, la Profesión, como alternativa dela vocación, aparece como una resemantizaciónthemática que podría apuntar a las posibilidades deemergencia de nuevas representaciones.

El eje temático de la profesionalización/profe-sión aparece anclado en una polarización entre losaspectos relativos a la vocación como sostén delquehacer docente, basado en los mandatos soci-ales de los otros significativos, y la necesidad decapacitación asociada a un malestar docente efec-tivizado en la práctica cotidiana, que es vivida enuna dimensión de mayor complejidad, relacionadacon la conciencia crítica de la realidad.

Con relación al proceso de objetivación, la pro-fesionalización se construye alrededor de los pro-cesos que vinculan el ejercicio de la docencia conroles idealizados en la Vocación – otorga recono-cimiento del otro, aspectos relativos a la tarea y lasdisposiciones psicológicas necesarias para la mis-ma – en contraposición con las prácticas que semanifiestan en la Profesión – evaluación crítica dela misma, políticas educativas – y el Trabajo queaborda tanto los aspectos desvalorizados de la ex-periencia docente, las condiciones laborales y lacultura institucional.

Los procesos inherentes a la construcción deesta representación social revelan los altos nivelesde contradicción que la constituyen, en la cual unaforma de atemperar aquellos aspectos negativos ycríticos de la práctica real es sobrellevarlos conidealizaciones extremas.

6. Discusión

En el proceso de objetivación aparece unatensión que sería constitutiva del núcleo figurativode las representaciones sociales. Es decir que, a

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Susana Seidmann; Sandra Thome; Jorgelina Di Iorio; Susana Azzollini

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partir del contenido sobre la vocación surge la ima-gen de la docencia como apostolado (Ego), a par-tir del trabajo asalariado aparece un rol docentedesvalorizado e impotente (Alter), y finalmente, lasuperación de esa supuesta contradicción se hacepresente desde el contenido sobre la profesionali-zación, que da lugar a la emergencia de una ima-gen docente de potencia y cambio.

Estos aspectos se fueron seleccionando y com-binando de manera tal que, como sostiene Tedes-co (2000), la lucha por la definición dominantedel oficio docente todavía supone combinacionesvariables de esos tres elementos – vocación, tra-bajo asalariado y profesionalidad – los cuales sehacen presentes en la cotidianeidad de la prácti-ca docente.

Desde el punto de vista del anclaje, las contra-dicciones emergentes aluden al propio carácterfundacional de la profesión, donde el peso que tie-nen las representaciones relacionadas a la vocaci-ón y a las cualidades morales del docente seexplican por la función que se asigna al sistemaeducativo en el momento constitutivo del Estado yla sociedad capitalista moderna (TEDESCO, 1986).En este sentido, podríamos considerar el discursoemergente de la vocación filtrado en la idealizaci-ón frecuente del rol docente como un discurso deautolegitimación y todavía en busca de reconoci-miento social.

En este sentido, es necesario destacar que elreconocimiento social y sus diferentes formas deinteracción constituyen uno de los themata bási-cos que generan representaciones sociales de in-dividuos y grupos (MARKOVÁ, 2006). Elreconocimiento social y su negación comprendenvariaciones de las dos tendencias dialogales, Ego yAlter, que pueden expresarse en “nosotros” y“ellos” como los poseedores o no de las cualidadesnecesarias para el desempeño del rol docente.

Como indica Jovchelovitch (2000), lo social en-gendra en su dinámica determinantes históricos,políticos y económicos que, aunque posea límites,también constituye un espacio para trascender fron-teras institucionalizadas y para instituir nuevas fron-teras. O sea, es desde esta perspectiva, que se podríaavanzar hacia nuevas representaciones acerca dela docencia, ya que la dimensión objetiva y la di-mensión subjetiva del fenómeno de las representa-ciones sociales se tejen en este entramado.

En el nuevo escenario de las políticas educati-vas que propugnan la calidad de la educación poni-endo énfasis en la “profesionalización” docente, losaportes de la investigación en representacionessociales permiten develar que la construcción so-cial de la identidad del trabajo docente excede elplano de las orientaciones político-académicas, yencuentra su complejidad dentro de la propia coti-dianeidad del mundo escolar.

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Recebido em 28.04.09Aprovado em 26.04.09

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESTUDANTES DE

LICENCIATURA SOBRE A PROFISSÃO E A

PROFISSIONALIDADE DOCENTE

Marli André *

Márcia Hobold * *

* Doutora em Educação. Professora do “Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação” daPontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Endereço para correspondência: PUC-SP, Rua Ministro Godói, 969,sala 4E15 – 05014-901 São Paulo. E-mail: [email protected]** Doutora em Psicologia da Educação. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade da Região de Joinville –UNIVILLE. Endereço para correspondência: Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, Rua Campus Universitário, s/n, Bom Retiro – 89201-974 Joinville/SC. E-mail: [email protected]

RESUMO

Com o presente trabalho objetivou-se conhecer as representações de estudantes doscursos de licenciatura de uma instituição privada do sul do Brasil. O principalinstrumento de coleta de dados foi o questionário que buscou conhecer os motivos eas expectativas em relação à futura profissão. Os sujeitos da pesquisa foram 100estudantes matriculados no primeiro ano do curso de licenciatura de diferentes áreas.Os resultados do questionário mostraram que a grande maioria dos futuros professoresse sente motivada a buscar uma formação que os prepare para fazer com que seusalunos sejam capazes de aprender. Revelaram, em seus depoimentos, que sua escolhaprofissional teve o apoio de seus pais. Seus amigos, no entanto, criticam sua decisãoprofissional pela baixa remuneração, pelo desprestígio social e pelas eventuaisdificuldades com os alunos que frequentam a escola hoje. Na questão em que osestudantes podiam se expressar mais livremente, surgiram posições heterogêneasentre uma visão idealizada e romântica da profissão e uma consciência das dificuldadesa serem enfrentadas.

Palavras-chave: Profissão docente – Licenciatura – Representações.

ABSTRACT

PROSPECTIVE TEACHERS´ SOCIAL REPRESENTATIONS ONTEACHING AS A PROFESSION

The main objective of this paper is to know how students from a big private universitylocated in the South of the country represent teaching. A survey type of questionnairewas used to both describe the group of 100 students and to disclose their views,motifs and expectations towards their future profession. The results showed that themajority of the students feel themselves motivated to find new teaching methods sothat most of their pupils will be able to learn. When talking about their professionalchoice, the students report that they received family support, but their friends were

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very critical of their choice, based on the following reasons: teaching is a badly paidprofession, has low social prestige and to teach children and young nowadays is notan easy task. Data from the opened question revealed both romantic and idealizedviews as well as realistic and objective perspectives concerning the future teachingprofession.

Keywords: Teaching profession – Teacher education – Social representations

Introdução

Realizar pesquisas que permitam conhecercomo os futuros professores percebem, entendeme explicam a profissão docente é uma tarefa re-levante, pois com base nos dados obtidos, as ins-tituições formadoras podem ter um ponto departida para construir seu projeto político peda-gógico. Isso permitirá que as disciplinas e demaisatividades da formação inicial sejam planejadasde modo a que os futuros professores possamconfrontar suas expectativas e crenças sobre aprofissão docente com os conhecimentos a queforem expostos no curso.

Embora se reconheça a relevância da temáti-ca, estudos que se disponham a investigar as per-cepções, os modos de entendimento ou asrepresentações dos estudantes dos cursos de li-cenciatura sobre a profissão docente são aindabastante escassos no cenário educacional brasilei-ro (ANDRÉ, 2000)

Os cursos de licenciatura têm um papel funda-mental na socialização profissional e na constru-ção da identidade dos professores. É o momentoem que os modelos de práticas docentes pré-exis-tentes são aprimorados, remodelados, apreendidose/ou refutados, seja por meio dos conhecimentosque são veiculados nos cursos de formação, sejapelas experiências, interações, vivências variadasàs quais, nessas situações, os estudantes são ex-postos. Como ressalta Imbernón (2001), é na for-mação inicial que o futuro professor deve aprenderas bases para construir um conhecimento pedagó-gico especializado.

A formação inicial tem, assim, um peso consi-derável na construção da profissionalidade docen-te, ou seja, no desenvolvimento de saberes,habilidades, atitudes, valores que constituem a es-pecificidade do ser professor.

A profissionalidade é construída por meio dassituações exteriores da profissão que são, de algu-ma maneira, interiorizadas pelos docentes e repre-sentadas na sua ação profissional. Há, neste caso,uma internalização da exteriorização dos concei-tos e das concepções advindas do campo profissi-onal da docência. As internalizações não sãoneutras ou simplesmente absorvidas, elas são res-significadas pelos indivíduos e constituem a essên-cia profissional (GIMENO SACRISTÁN, 1995).

O presente texto busca identificar elementosdas representações de estudantes de licenciaturas,futuros professores, sobre os conhecimentos es-pecíficos da profissão docente ou sobre a profissi-onalidade. Discute inicialmente os conceitos deprofissionalidade docente e de representações so-cais que servem de filtro para a leitura dos dados.Descreve, em seguida, os procedimentos metodo-lógicos e, na sequência, apresenta os resultados daanálise.

Profissão e profissionalidade docente

O vocábulo “profissionalidade” surge na Itáliaentre os anos 1960 e 1970, no contexto dos movi-mentos sindicais dos trabalhadores para fazer frenteàs mudanças na organização social do trabalho epara reivindicar o reconhecimento das qualifica-ções profissionais, como afirma Dadoy (1986, ci-tado por MATHEY-PIERRE e BOUDONCLE,1995, p. 138). É um termo ainda em construção,assumindo em algumas situações uma certa ambi-guidade, pois serve tanto para a luta dos trabalha-dores para valorizarem as sua qualificações, quantoaos empresários para conseguirem melhores re-sultados e maior eficiência. De modo geral, falarem profissionalidade é falar de um “conjunto desaberes e de saber fazer, novos ou não, que sãoestruturados e mobilizados por uma pessoa ou um

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grupo em função de um fim, num lugar e num tem-po determinado, quase sempre em uma situaçãonova”, diz Courtois (apud MATHEY-PIERRE eBOURDONCLE, 1995, p. 142-143). O mesmoautor explica ainda que a profissionalidade leva emconta a história do indivíduo (pessoal, social, cultu-ral...) e que, contrariamente à qualificação, elaapela explicitamente à motivação, ao sistema devalores dos indivíduos, ela transfere para o âmbitoprofissional o que seria considerado do domínio“privado”.

As discussões sobre profissionalidade docentesurgiram muito recentemente na área de educa-ção, no contexto das reformas educacionais e nosentido de valorização da prática docente. Um dosautores que, de certa maneira, introduziu essa te-mática no Brasil foi Gimeno Sacristán (1995, p.65), que formulou a seguinte definição: “Entende-mos por profissionalidade a afirmação do que éespecífico na acção docente, isto é, o conjunto decomportamentos, conhecimentos, destrezas, atitu-des e valores que constituem a especificidade deser professor.”

Na concepção do autor, a profissionalidade re-veste-se de um caráter multifacetado, já que en-volve elementos das dimensões cognitiva, afetiva,psicomotora e axiológica. Ele chama, assim, a aten-ção para o importante papel do sujeito no desen-volvimento da profissionalidade.

No entanto, ele enfatiza que a discussão da pro-fissionalidade não deve se circunscrever ao pro-fessor, mas deve ser “parte integrante do debatesobre os fins e as práticas do sistema escolar”(p.65). Ou seja, ele lembra que o sistema escolar éum importante fator a ser considerado, seja por-que é onde se concretiza a ação docente, seja por-que há vários determinantes desse sistema queextrapolam o desempenho pessoal.

Popkewitz (1986, apud Gimeno Sacristán,1995) declara existirem três fatores que contri-buem para a prática pedagógica do professor, istoé, fatores que constituem o fazer docente. O au-tor considera o contexto propriamente pedagógi-co, o contexto profissional dos professores e ocontexto sócio-cultural. O primeiro, representadopela efetiva prática da docência, constitui-se pe-las experiências adquiridas no fazer pedagógico,diário ou de rotina. O segundo refere-se ao con-

texto da classe docente, ou seja, o fazer individu-al que se torna coletivo e é pinçado para o campoindividual. Em outras palavras, a classe de pro-fessores legitima determinadas ações que consti-tuem o específico de ser professor. O terceiroaspecto é representado pelo contexto sócio-cul-tural, ou seja, os conteúdos e os valores eleitospela própria cultura e legitimados pela sociedadecomo o acervo fundamental para a formação dosestudantes. Estes conteúdos e valores referenci-am a prática docente e são validados pelos pro-fessores. Certamente que, nas suas interaçõessociais e na realização de seu trabalho, o profes-sor ressignifica esses aspectos, porém, são elesque alicerçam a prática pedagógica.

Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) associam oconceito de profissionalidade docente ao de pro-fissionalização. Para esses autores, a profissiona-lidade é um processo interno, que consiste naaquisição de conhecimentos específicos que sãomobilizados nas atividades docentes. Já a profis-sionalização é um processo externo que se refe-re ao profissionismo ou profissionalismo eenvolve a reivindicação de status dentro da divi-são social do trabalho, que requer negociações porgrupo de atores no intuito de reconhecimento pe-rante a sociedade das qualidades específicas, com-plexas e difíceis de serem aprendidas.

Para Contreras (2002), a profissionalidade serefere às qualidades da prática profissional dosprofessores em função das exigências do trabalhoeducativo. Nessa perspectiva, falar de profissio-nalidade significa, “não só descrever o desempe-nho do trabalho de ensinar, mas também expressarvalores e pretensões que se deseja alcançar e de-senvolver nessa profissão” (p. 74).

Entende-se, com base nesses vários autores quea profissionalidade docente é o conjunto de conhe-cimentos, habilidades, atitudes e valores que com-põem a competência do professor. Estes aspectosconstituem a subjetividade profissional, que são asexperiências apreendidas e acionadas no cotidianoescolar. É um ‘saber fazer’ construído por meio dereferenciais externos, no qual interferem variadoselementos dos campos profissional, político, pes-soal, sociocultural, porém, se torna um saber pró-prio e único. Esse saber não se refere somente àprática, mas também à maneira de postar-se dian-

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te da profissão e entendê-la na interação e contri-buição social, ética e política.

Muitos fatores concorrem para a constituiçãoda profissionalidade docente, tais como os pesso-ais e profissionais, os cognitivos e afetivos, os indi-viduais e coletivos. Esses múltiplos aspectos afetame constituem as experiências escolares, familiares,profissionais, que compõem o repertório do ‘saberfazer’ de um professor, no qual estão incluídos co-nhecimentos, valores, habilidades, modos de per-cepção e de compreensão da realidade que o cerca.

Tomar esse repertório como objeto de estudotorna-se fundamental tanto para o próprio docen-te, que pode decidir se quer ou não modificá-lo nadireção desejada, quanto para os formadores deprofessores, que podem extrair daí elementos paraaperfeiçoar suas práticas formativas. A teoria dasrepresentações sociais parece-nos ser um instru-mental teórico e metodológico muito adequado paraesse tipo de investigação, pois permite uma apro-ximação ao mundo vivido dos sujeitos, ao seu modoparticular de entendimento da realidade.

As representações sociais funcionam como umsistema de interpretação da realidade que orientaas relações do sujeito com o meio físico e social edeterminam seus comportamentos e práticas.

Para adentrar o campo das representações so-ciais, apoiamo-nos em Moscovici (1978, p.57), quediscute o conceito de representações, como “o quere-presenta um ser, uma qualidade, à consciência,quer dizer, presente uma vez mais, atualiza esseser ou essa qualidade, apesar de sua ausência ouaté de sua eventual inexistência”. Ao nos propor-mos a estudar as representações dos futuros pro-fessores sobre a profissionalidade, pretendemosreunir conceitos, experiências que pertençam aregiões distintas de atividades e de discursos soci-ais, como nos diz Moscovici, para buscar esclare-cer um pouco mais a profissionalidade docente.

De acordo com Moscovici (1978), as represen-tações sociais não apenas guiam as ações, mastambém remodelam e reconstituem os elementosdo meio ambiente em que ocorrem tais ações, in-tegrando-as em uma rede de relações que se vin-culam aos objetos, fornecendo as noções teóricase os fundamentos que tornam essas relações está-veis e eficazes.

A teoria das representações sociais nos ensinaque existem, por parte dos estudantes de licencia-tura, uma série de conhecimentos sobre o ser pro-fessor, que não são propriamente acadêmicos, masadvém da cultura, de suas experiências anteriorescomo alunos, das práticas e conversações cotidia-nas (MOSCOVICI, 2003). Esses conhecimentosdo senso comum podem coexistir com os conheci-mentos profissionais adquiridos no curso de for-mação ou podem oferecer obstáculos a novasaprendizagens.

Daí a importância de investigarmos como osfuturos professores compreendem sua profissão eque expectativas desenvolvem em relação ao ma-gistério, ou seja, que elementos estão presentes emsuas representações da profissão docente.

Procedimentos metodológicos

O principal instrumento de coleta de dados foio questionário, aplicado no ano de 2006 a 100 estu-dantes de licenciatura de uma universidade comu-nitária do sul do país, que estavam concluindo oprimeiro ano. A aplicação do questionário ocorreuem sala de aula, após a apresentação do objetivosda pesquisa, bem como da assinatura de Termo deConsentimento Livre e Esclarecido.

O instrumento utilizado foi o mesmo que vemservindo de base para cerca de 30 grupos de pes-quisadores, de universidades brasileiras e estran-geiras, vinculados ao Centro Internacional deEstudos em Representações Sociais e Subjetivida-de – CIERS-Educação. Os estudantes tiveram tem-po suficiente para concluírem, individualmente, asrespostas.

Os questionários eram compostos por três par-tes: a primeira tratava de associação livre; os estu-dantes escreviam quatro palavras que lhe vinhamà mente quando eram mencionadas, nessa ordem,as seguintes palavras: DAR AULA, ALUNO ePROFESSOR. A segunda parte, composta de 20questões tinha o formato de “carta” que o estu-dante preenchia para ser enviada a um amigo ou auma amiga. A terceira parte visava caracterizar oaluno, seus dados pessoais e socioeconômicos.

Para fins do presente texto foram considera-das as questões do perfil do estudante e as seis

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últimas questões da “carta” a um amigo. Cadaquestão oferecia quatro opções de escolha, segui-das de um espaço para justificativa da resposta. Aúltima questão era aberta, possibilitando livre ma-nifestação.

Caracterização dos licenciandos

Os dados extraídos do perfil do estudante per-mitiram fazer uma caracterização do grupo. Den-tre os 100 licenciandos, 07 não preencheram osdados do perfil. Entre os 93 respondentes 16 eramda Matemática, 25 de Letras, 20 de História, 14de Ciências Biológicas e 18 de Educação Física.Todos cursavam o primeiro ano da licenciatura, agrande maioria (88) no período noturno. Os de-mais (05) estavam matriculados no período damanhã e eram alunos do curso de licenciatura emEducação Física.

Quanto ao gênero, os estudantes estavam dis-tribuídos da seguinte forma:

Deste modo, do total de respondentes, 28% sãodo sexo masculino e 72% do sexo feminino, situa-ção que comprova que nos cursos de formação deprofessores a grande maioria é composta por es-tudantes do sexo feminino.

Quanto à “faixa de idade” o questionário per-mitiu verificar que 41 estudantes (44%) tinhamentre 17 e 19 anos; 32 (35%) entre 20 e 23 anos;16 (17%) tinham entre 24 e 30 anos; e os restantes(03) tinham acima de 31 anos. Um estudante nãoassinalou nenhuma das quatro alternativas. O quechama a atenção nesse quadro é o grande númerode estudantes com menos de 20 anos. É um grupomuito jovem.

Quanto à “cor de pele” 81 licenciandos consi-deraram-se brancos, 07 pardos, 02 negros, 01 ama-

relo, um assinalou “pardo” e “indígena” e 08 nãoresponderam à questão.

O “estado civil” dos licenciandos ficou assimdistribuído: 76 solteiros, 13 casados e/ou casadase/ou com união estável, 01 separado (desquitado,divorciado), 01 se identificou como “amasiado”, 08não responderam e 01 assinalou duas opções: “sol-teiro” e “casado e/ou casada e/ou em união está-vel”. Esses resultados são compatíveis com ajuventude do grupo.

Quanto à escolaridade das mães dos licencian-dos, 19 estudaram até a 4ª série; 21 até a 8ª série;15 completaram o ensino médio; 05 tinham o ensi-no médio incompleto; 18 o curso superior comple-to; 07 o superior incompleto; 07 assinalaram a opção“outra” e especificaram curso técnico e/ou pós-graduação (especialização e mestrado); 05 nãoresponderam à questão.

Já as respostas para a “escolaridade do pai”ficaram assim distribuídas: 16 só estudaram até a4ª série; 17 até a 8ª série; 24 tinham o ensino mé-dio completo; 06 o ensino médio incompleto; 15 osuperior completo; 08 o superior incompleto; 04assinalaram a opção “outra”, especificando que 02pais concluíram especialização e 02 um curso téc-nico; 02 assinalaram a opção “não sei”; 08 nãoresponderam à questão.

Os dados de escolaridade mostraram que hámuito pouca diferença entre mães e pais: a maiorparte completou ou está completando o ensinomédio, o que indica que os filhos, de modo geral,terão oportunidade de atingir um nível mais eleva-do de escolaridade do que seus pais.

Para a questão “sua família contribui finan-ceiramente para sua manutenção?”: 24 respon-deram que “não”, 68 assinalaram o “sim” e 08 nãoresponderam. Isso retrata que a maioria dos estu-dantes depende financeiramente dos pais.

Na questão em que os licenciandos tinham queindicar qual a renda mensal da família, computan-do os ganhos de todos os membros, inclusive osseus, observou-se a seguinte distribuição das res-postas: 21 assinalaram “até 03 salários mínimos”;48 “de 03 a 10 salários mínimos”; 14 “de 11 a 20salários mínimos”; 02 “de 21 a 30 salários míni-mos”; 01 “mais de 30 salários mínimos”; 06 assi-nalaram “não sei” e 08 não responderam. Grande

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parte dos estudantes (74%) é originária de famíli-as que se situam nas camadas médias da popula-ção: percebendo até 10 salários mínimos.

Diante da questão “em sua casa, você temcomputador conectado à Internet” 75% dos es-tudantes responderam afirmativamente, 22% dis-seram que não e 09 deixaram a questão em branco.Esse índice parece muito bom, em especial se com-parado à população brasileira e se for consideradoo nível socioeconômico da maioria dos estudantes.

Motivações para a escolha da profis-são docente

Na questão que objetivava conhecer as moti-vações dos licenciandos para a docência, 80 estu-dantes assinalaram que se sentiam “desafiados abuscar novos métodos de ensino”; 05 se mostra-ram “descrentes do processo de ensino” e 15 sesentiam “num impasse entre o desafio da busca eo desânimo por não atingir meus objetivos”.

Esses dados revelaram uma atitude positiva dagrande maioria dos estudantes (80%) para enfren-tar os desafios que, eventualmente, encontrarão noensino. Mostram-se dispostos a investir em novasformas de ensinar, provavelmente porque acredi-tam que, com isso, poderão atender mais efetiva-mente as crianças e jovens que têm acesso à escola.

A grande maioria dos estudantes do primeiroano da licenciatura parece valorizar aquilo queRoldão (2007) considera a atividade específica daprofissão, o ensinar. Mas qual seria a concepçãode ensino desses estudantes? A ação de ensinar,segundo a autora, nos remete a uma série de en-tendimentos históricos e conceituais, um campo detensões entre o “professar um saber” e o “fazeroutros se apropriarem de um saber”. Na primeiraconcepção, ensinar é entendido como uma formatradicional de transmitir informações acumuladasao longo da história da humanidade e, na segunda,o ensinar é concebido como a capacidade de mo-bilizar o aprendiz para querer aprender, o que re-quer um vasto campo de saberes.

Segundo Roldão (2007):

A função de ensinar, nas sociedades atuais, e reto-mando uma outra linha de interpretação do concei-to, é antes caracterizada, na nossa perspectiva, pela

figura da dupla transitividade e pelo lugar de medi-ação. Ensinar configura-se assim, nesta leitura, es-sencialmente como a especificidade de fazeraprender alguma coisa (a que chamamos currícu-lo, seja de que natureza for aquilo que se quer veraprendido) a alguém (o ato de ensinar só se atualizanesta segunda transitividade corporizada no desti-natário da ação, sob pena de ser inexistente ou gra-tuita a alegada ação de ensinar) (grifos da autora,2007, p. 95).

Será necessário, pois, que, no curso de licenci-atura, essas concepções sejam debatidas, para quenão se reforce uma concepção tradicional de ensi-no como transmissão, que leva em conta apenasum dos lados do processo, o do professor. É im-portante que se destaque a dupla transitividade doato de ensinar, como enfatiza Roldão (2007), emque ensinar é fazer com que o aluno aprenda.

Os dados também revelaram que 15% dos es-tudantes se sentem “num impasse entre o desafioda busca e o desânimo por não atingir meus objeti-vos”. Isso significa que os estudantes não estãomuito seguros sobre o que farão no futuro. Seriainteressante investigar melhor as razões dessasrespostas. Seria decorrente da visão negativa comque a escola básica é hoje retratada na mídia? Se-riam os baixos salários que não atrairiam os jo-vens? Seria uma clara decorrência da desvaloriza-ção social do professor da educação básica? Épossível que várias dessas razões expliquem asrespostas desse grupo.

Ainda houve cinco licenciandos que responde-ram que se sentem “descrentes do processo deensino”. Vale a pena acompanhar esses estudan-tes ao longo do curso para verificar se essa opi-nião persiste ou se sofre modificações.

De modo geral, as respostas dos estudantes,futuros professores revelam uma motivação posi-tiva para o ensino e uma disposição para encontraralternativas que ajudem os alunos a se apropria-rem dos conhecimentos, a aprender.

Expectativas quanto ao Futuro da Pro-fissão

Quanto à questão “se eu fosse dar um conse-lho para você que quer ingressar no magistério eudiria”: 61% dos estudantes assinalaram a respos-

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ta: “seus alunos aprenderão se você estiver prepa-rado”; 38% assinalaram “não deixe escapar o so-nho de ensinar a seus alunos” e um estudanteassinalou as duas alternativas. A alternativa “nãoespero muito dos alunos” não foi assinalada pelosrespondentes.

Verificamos que a maioria optou por uma res-posta bastante objetiva, que valoriza o preparo pro-fissional do professor e sinaliza a crença nacapacidade de aprendizagem do aluno. Chama aatenção, no entanto, o número de respondentes queescolheu a opção que enuncia uma visão românti-ca: o “sonho de ensinar”. Será que o curso vai aju-dar a mudar essa visão?

Na próxima questão, os estudantes deveriamdizer sim ou não para o seguinte enunciado: “mi-nha família acha que fiz uma boa escolha profissi-onal”. Dentre os 100 estudantes, 83% responderamafirmativamente e 16% disseram que não.

As justificativas dos estudantes para as respos-tas de que suas famílias não acham a docênciauma boa escolha profissional incidiram sobre a baixaremuneração e a desvalorização do magistério comoprofissão. Um dos estudantes mencionou, inclusi-ve, que iria trancar a licenciatura no final do ano ecomeçar outro curso.

Quanto aos 83% que disseram ter o apoio dafamília em sua escolha profissional, as justificati-vas foram as mais variadas, mas houve certa con-centração nas respostas de que seus familiarestinham alguma atividade ligada à educação, comopode ser ilustrado pela resposta de um estudante:“Meu pai é professor, e minha mãe está na fa-culdade de pedagogia também, eles deixaramem aberto a opção para meu futuro, e é issoque eu quero”.

Houve também respostas que deixaram eviden-te a valorização, por parte dos pais, do papel doprofessor, como, por exemplo: “Eles vêem o pro-fessor como o pilar da sociedade”. Esse tipo devisão pode ter um efeito muito positivo, reforçandoa importância do professor, mas corre o risco desituar apenas no docente a responsabilidade pelaqualidade do ensino. Sabe-se que há muitos fato-res envolvidos no sucesso ou no fracasso escolar,advindos das políticas públicas, da gestão da esco-la, das condições institucionais. Caberá aos cursosde formação trazer à tona essa reflexão para não

reforçar uma visão simplista e unilateral que podeestar presente nas representações dos estudantes.

Também foram dadas justificativas que deno-tam uma visão quase ideológica da profissão, talcomo: “estarei envolvida no aprendizado dosalunos, serei o passado/presente e o futuro de-les, farei parte do que eles irão se tornar”. Tam-bém houve justificativas românticas, fundamentadasna afetividade, como “ser professor é uma pro-fissão maravilhosa, mas exige muito amor”.

Por fim, houve uma justificativa que mostra alicenciatura como um momento transitório para umadefinição profissional a mais longo prazo, como éilustrado pela seguinte resposta: “depois de for-mada pretendo fazer um mestrado em engenha-ria industrial, para trabalhar em empresas” .

Quanto a questão: “meus amigos falam que serprofessor” vale/não vale a pena, 79% das respos-tas indicaram que “não vale a pena” , 19% que“vale a pena”, um não respondeu e outro assinalouas duas respostas. As justificativas de que ser pro-fessor “não vale a pena” se concentraram na bai-xa remuneração e no incômodo na profissão. Nagrande maioria das respostas, os estudantes men-cionaram que os amigos alertam para a desvalori-zação da profissão. Algumas respostas ilustrarama opinião dos amigos: “não ganha bem e é maltratado pelos alunos e pelas escolas”; “os alu-nos são rebeldes e pagam muito mal para osprofessores”; “porque é uma profissão muitomal remunerada e sem estrutura (principalmentea rede pública), isso torna a profissão cansati-va”; “essa profissão não é reconhecida pelasociedade, não tem valor nem para a popula-ção, nem para o governo”.

Os amigos que apoiam a escolha profissionaldos estudantes, dizem acreditar na realização pro-fissional, assim como, na “nobreza” da profissão:“só através dela você se realiza como pessoa,e é como o vinho quanto mais velho melhor”;“acreditam que o professor é nobre e diferen-cia-nos dos demais”; “na verdade porque elesacham que vida de professor é fácil, principal-mente para os concursados”.

Constata-se que as opiniões dos pais e dosamigos divergem quanto à escolha profissional doslicenciandos. Apesar das justificativas serem, pra-ticamente as mesmas, quanto à desvalorização do

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profissional da educação, nos quesitos de baixosalário e de desvalorização social da profissão,os familiares (83%) apoiam a decisão dos estu-dantes, enquanto seus amigos os desencorajam(79%).

Na questão em que os estudantes deviam es-colher qual a profissão que mais se aproximava àde professor, as respostas ficaram assim distribuí-das: médico - 14; padre/pastor - 05; advogado -03; pedreiro 11; engenheiro - 01; psicólogo - 47; 12estudantes escolheram outra profissão, dentre asquais: dona de casa, vinicultor, trabalhador autôno-mo, artista, político, veterinário e sociólogo; e 07estudantes não responderam. Assim, para a maio-ria, a profissão de professor está mais próxima àdo psicólogo ou à do médico. Isso revela que, dealguma forma, eles percebem a docência como umcampo em que se aplica um tratamento.Como afirmam Tardif e Lessard (2005, p.65), hádiferenças entre a profissão docente e a do médi-co ou do psicólogo:

Os professores trabalham com grupos de alunos,com uma coletividade pública, ao passo que os mé-dicos e terapeutas trabalham na maior parte do tem-po em ambientes restritos, protegidos, com um sócliente de cada vez. O fato de trabalharem com cole-tividades apresenta dois problemas particularmen-te: a questão da equidade do tratamento e o controledo grupo. .

Tendo 61% dos estudantes relacionado à pro-fissão de professor às de médico e psicólogo, seránecessário um trabalho no curso de licenciaturapara que estes percebam as diferenças e se tor-nem conscientes do caráter interativo da profissãoe de sua dimensão pública e coletiva.

A última questão da “carta” era totalmente aber-ta e requeria que os estudantes deixassem umamensagem para seu amigo ou sua amiga. Dos 100respondentes, 69 completaram a consigna: “gosta-ria ainda de dizer que...”, o que mostra que elesgostaram do tipo de instrumento ou que ainda ti-nham algo a dizer.

A análise das respostas abertas possibilitou or-ganizá-las em quatro grupos: a) visão idealizada daprofissão; b) crença na função social da docência;c) satisfação com a opção pela licenciatura e do-cência; d) dúvidas quanto à opção.

Visão idealizada da profissão

Nesse grupo foram reunidas tanto as respostasque atribuíam à iniciativa pessoal do professor e àsua tenacidade o sucesso da profissão, quanto asque indicavam uma visão romântica da profissão.Cerca de 30 dos 69 respondentes escreveram umamensagem que podia ser incluída nessa categoria.Termos como motivação, garra e dedicação foramrecorrentes nas falas dos estudantes.

Para ser um professor que saiba motivar seus alu-nos, é preciso que primeiro ele esteja motivado eacredite naquilo que ensina.

Mesmo sabendo de todos os obstáculos que ireiencontrar, tenho a certeza que darei melhor de mimpara ajudar na formação de nossas crianças e ado-lescentes.

Pretendo ir a fundo e não me decepcionar comminha profissão. Quero ter garra e conseguir che-gar lá.

Esta profissão é a que escolhi para a minha vida enão vou desistir independente das dificuldades.

Pretendo que todos os desafios que aparecerãopossam ser cumpridos.

Irei me dedicar a minha profissão, para ser umaprofissional capaz e competente.

Vou me preparar para ser uma ótima professora.

Para ser um bom professor, você tem que gostar ese dedicar à profissão.

Mesmo desapontado com o atual sistema edu-cacional brasileiro, um estudante diz:

Apesar de não acreditar no sistema de ensino noBrasil, irei tentar ser um ótimo professor.

Para uma boa parte do grupo de estudantes, oser professor está fundamentalmente ligado a umesforço pessoal. Parece que força de vontade,gosto pela atividade e dedicação serão suficien-tes para alcançar o sucesso profissional. É evi-dente que o gosto pela atividade, a motivação e adedicação são ingredientes necessários para oexercício profissional. Mas não são certamentesuficientes. Há conhecimentos específicos, porexemplo, sobre como se dá o processo de aquisi-ção da escrita e o raciocínio matemático que são

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absolutamente imprescindíveis para o professordas séries iniciais. E outros, de natureza pedagó-gica, psicológica, curricular, socioantroplógica quedevem fazer parte da formação. Será que os pro-fessores formadores estão atentos a esse modode pensar dos estudantes de licenciatura? E o quefarão diante disso?

Crença na função social da docência

Nessa categoria foram reunidas aquelas men-sagens que imputam à docência um papel funda-mental no desenvolvimento de uma sociedademelhor e mais justa. Alguns exemplos podem ilus-trar essa visão:

Vale a pena pensar no futuro da sociedade, não so-mente no seu e da sua família.

O professor deve saber lidar com as diferentes clas-ses sociais que vão aparecer dentro da sala de aula.

Precisamos unir forças para uma nação mais digna,por isso devemos nos empenhar para sermos dife-rentes e melhores a cada dia.

Ser professor é muito importante e necessário para asociedade, pois os educadores são responsáveispelo aprendizado dos outros.

Sou brasileiro e nunca desisto! Por isso acreditona evolução da educação e na transformação donosso país.

Apesar das dificuldades, o fato de estar contribuin-do para uma sociedade mais justa compensa as de-savenças.

Ainda que encontremos muitas dificuldades no ma-gistério, sem o professor nenhuma outra profis-são existiria. Para tudo isso é necessário aprender eensinar, papel de poucos heróis.

Esse último depoimento desperta preocupaçãoporque atribui superpoderes à profissão o que re-vela uma visão mistificada da realidade, que preci-saria ser submetida a uma severa análise crítica.

Nos vários depoimentos acima, pode-se obser-var tanto uma atribuição redentora à educação, comose fosse a salvadora da pátria, como um reforço aoimportante papel sociopolítico do professor. É lou-vável que os estudantes enfatizem a dimensão polí-tica da docência, mas se deve investigar melhor se

essa é uma posição construída pelo estudante ou seé uma reprodução dos discursos ouvidos na famíliaou mesmo no curso de formação.

Além disso, cabe indagar se os estudantes queatribuem à docência uma importante função socialtêm consciência dos inúmeros fatores que concor-rem positiva ou negativamente para a sua efetiva-ção. Se isso não ficar muito claro, há o risco dejogar toda a responsabilidade pelo sucesso ou fra-casso escolar nas costas do professor ou de qual-quer outro fator isolado, o que se aproximaria dasobservações do senso comum.

Pode-se concluir que essas concepções dos li-cenciandos acerca do professor e da profissãodocente expressam aquilo que faz parte do imagi-nário social, que é marcado pela “gênese e desen-volvimento histórico da função docente” e pelos“discursos que circulam no mundo social e culturalacerca dos docentes e da escola”, como muitoapropriadamente afirmam Garcia, Hypólito e Viei-ra (2005, p.54).

Caberá aos formadores do curso de licenciatu-ra fazer emergir essas opiniões e possibilitar queos futuros docentes possam submetê-las à análisecrítica com base nos conhecimentos profissionaisveiculados nas disciplinas e demais atividades for-mativas.

Vale a pena pontuar ainda alguns aspectos queemergiram na análise das repostas abertas do ques-tionário, como a satisfação ou a dúvida quanto àescolha da profissão docente.

Satisfação com a opção pela licenci-atura/docência

Seis estudantes deixaram uma mensagem quemostrava sua satisfação com a escolha realizada,bem como com a formação recebida na universi-dade comunitária.

Estou realizada sendo uma profissional da edu-cação.

Adoro meu curso e estou satisfeita com ele.

Não troco o curso por outro, pois estou decididana minha escolha.

Adoro o curso que estou fazendo e pretendo utili-zar outros métodos de aprendizagem, para fazer

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com que todos tenham um ótimo desempenho pro-fissional.

“Estou muito contente com a minha escolha e nãome arrependo disso.

Uma dessas estudantes demonstrou expectati-va de encontrar no curso as condições para atuarna profissão:

Mesmo assim, quero aprender e faço o curso por-que gosto. Só vou saber como é lecionar quandoestiver preparada.

Dúvida quanto à opção

Três estudantes manifestaram, em seus depoi-mentos, preocupação, e mesmo indecisão, sobre aescolha profissional:

Descobri que não é o que eu quero para a minhavida profissional.

Infelizmente não tenho certeza que fiz a melhor es-colha, pois vejo colegas que se formaram na meta-de ou em um terço do tempo que estudei e que sãomelhores remunerados e reconhecidos pelos esfor-ços, mas tenho esperança que alguém enxergue queum país depende da educação do seu povo.

Não pretendo lecionar para ensino fundamentalou médio, somente para curso superior.

Essa indecisão por parte de apenas três estu-dantes é até surpreendente porque é muito peque-na, em especial se considerarmos que a maioriados estudantes ingressou muito jovem na universi-dade e ainda estava no primeiro ano.

Em síntese

Os dados de caracterização dos alunos de li-cenciatura indicam que a grande maioria é muitojovem, pois 79% têm menos de 23 anos. Outro

dado ainda mais surpreendente é que 44% en-contram-se na faixa etária entre 17 e 18 anos.São jovens que vivem com os pais e deles depen-dem financeiramente. Essa informação tem queser seriamente considerada pelo curso de forma-ção, já que se trata de um grupo que está pratica-mente no final da adolescência. Daí surge umdesafio sobre como planejar e desenvolver suaformação profissional.

Ao registrar as opiniões da família e dos ami-gos sobre a sua opção pela docência, os estudan-tes parecem repetir os discursos que circulam namídia e no senso comum, tanto sobre a importân-cia da profissão quanto sobre as eventuais dificul-dades que encontrarão no seu exercício. Cabe aocurso de formação um papel fundamental na des-construção dessas idéias gerais e na construçãode uma real profissionalidade docente.

A análise das respostas abertas sobre como osestudantes concebem a profissão revelou certaheterogeneidade: ora uma visão romântica e idea-lizada do ensino e da educação, ora uma crença nafunção social da docência. Talvez isso se deva aofato de estarem apenas iniciando um longo pro-cesso de construção da sua profissionalidade. Oque desponta, nesse momento, são idéias origina-das de sua experiência enquanto aluno e dos dis-cursos que circulam na mídia e em outros espaçosda sociedade.

Os elementos identificados por esta pesquisacomo constituintes das representações dos estu-dantes de licenciatura podem ser muito úteis à ins-tituição, que poderá tomá-los como desafios pararevisão do projeto político pedagógico e para o de-lineamento de práticas formativas voltadas ao aten-dimento da realidade concreta dos estudantes e dasescolas e para o desenvolvimento de uma profissi-onalidade comprometida com uma educação dequalidade para todos.

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Recebido em 30.04.09Aprovado em 30.05.09

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IDENTIDADE DOCENTE E GÊNERO: REPRESENTAÇÕES

DE ESTUDANTES DE PEDAGOGIA E DE PROFESSORES

Karla Karlburger Moreira Lassala *

Alda Judith Alves-Mazzotti * *

* Mestre em Educação pela Universidade Estácio de Sá. Endereço para correspondência: Universidade Estácio de Sá. Av.Presidente Vargas, 642, 22º andar. Centro – 20071-001 Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]* PhD em Psicologia da Educação. Vice-Reitora de Pós-Graduação, na Universidade Estácio de Sá. Endereço para correspon-dência: Universidade Estácio de Sá. Av. Presidente Vargas, 642, 22º andar. Centro – 20071-001 Rio de Janeiro. E-mail:[email protected]

RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi analisar e comparar as representações de “professor”construídas por alunos e alunas de Pedagogia de Universidades do Estado do Rio deJaneiro, tendo, como hipótese, que essas representações seriam diferentes em funçãodo gênero. Como suporte teórico, adotou-se a Teoria das Representações Sociais emsua abordagem estrutural. O estudo usou parte da base de dados de uma pesquisasobre representações do trabalho docente, desenvolvida pelo Centro Internacional deEstudos em Representações Sociais e Subjetividade – Educação, reanalisando essesdados por gênero. Foram também realizadas entrevistas com grupos masculinos efemininos de docentes. Os resultados indicaram que, embora no núcleo central deambas as representações figure o elemento educador, no grupo feminino o sentidodesse elemento é matizado pelo termo dedicação, tradicionalmente atribuído à docênciados primeiros anos e que também figura no núcleo, levando à conclusão de que asrepresentações dos grupos são diferentes. A análise dos sistemas periféricos,responsáveis pela operacionalização e manutenção de estabilidade do núcleo, confirmaessa conclusão, uma vez que aponta forte carga afetiva na prática docente no grupofeminino, destoando do sentido profissional atribuído ao trabalho docente pelo grupomasculino.

Palavras-chave: Representação Social – Gênero e docência – Identidade docente –Trabalho docente

ABSTRACT

TEACHING IDENTITY AND GENDER: REPRESENTATIONS OFEDUCATION’S STUDENTS AND TEACHERS

The objective of this research was to analyze and to compare the representations ofteacher constructed by Education students from Universities of Rio de Janeiro. Wehad as hypothesis, that these representations would vary in function of gender. TheSocial Representation’s theory in its structural approach was adopted as theoreticalsupport. The study used part of the database about representations of the teaching

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task, developed by the International Center of Studies in Social Representations andSubjectivity – Education, revisiting these data through the gender grid. Interviewswere also done with groups of male and female teachers. Results indicated that,although the central nucleus of both representations shows the element educator, inthe female group the direction of this element are modified by the term dedication,traditionally attributed to the teaching of the first years and also present in the nucleus,leading to the conclusion that the representations of both groups are different. Theanalysis of the peripheral systems, responsible for the practice and stability of thenucleus, confirms this conclusion, since they point out a strong affective aspect ofteacher’s practice in the female group, contrasting with the attributed professionaldirection of teaching in the male group.

Keywords: Social Representation – Gender and teaching – Teacher’s identity –Teacher’s work

Introdução

A chamada crise da identidade docente vemsendo debatida no meio acadêmico há algumasdécadas. Questões referentes aos modelos de for-mação do magistério, à eficácia das políticas edu-cacionais, aos conhecimentos consideradosnecessários ao trabalho docente, dentre outros, sãopesquisadas e discutidas sem que se constatemavanços significativos. Velhos problemas persistem,como deficiências na formação, baixos salários,desvalorização profissional e péssimas condiçõesde trabalho. Para sair deste impasse, torna-se ne-cessário pensar a identidade docente, desvelandoo amálgama determinações históricas e sociais,materiais e simbólicas, que a constroem.

No que se refere aos modelos de formação domagistério, apesar do intenso debate sobre os cur-sos de Pedagogia e as Licenciaturas, que remontaao início dos anos 80, tais esforços não resultaramem melhorias significativas na prática docente ouna valorização dos profissionais da educação.Quanto às políticas públicas para a educação im-plementadas no Brasil a partir da década de 90, osresultados são ainda menos animadores. Compro-missos assumidos com organismos internacionaisde financiamento, no sentido de expandir a educa-ção básica sem aumentar os investimentos na mes-ma proporção, sobrecarregaram os professorescom um grande número de novas funções; e, paragarantir maior controle na efetivação das priorida-des, tais políticas estabelecem regras de orienta-

ção e controle do trabalho docente, que diminuemdrasticamente a autonomia do professor, contribu-indo para a desprofissionalização do magistério.(FREITAS, 2003, 2007; OLIVEIRA, 2003; SAN-TOS, 2004). Para Tardif (2007, p.41), essa deter-minação externa se estende aos conteúdosveiculados nos cursos de formação, uma vez que,para esse autor:

Os saberes científicos e pedagógicos integrados àformação dos professores precedem e dominam aprática da profissão, mas não provêm dela (...), entreos professores, essa relação de exterioridade semanifesta através de uma nítida tendência a desva-lorizar sua própria formação profissional, associan-do-a à “pedagogia e às teorias abstratas dosformadores universitários”. Em suma, pode-se dizerque as diferentes articulações (...) entre a práticadocente e os saberes constituem mediações e meca-nismos que submetem essa prática a saberes queela não produz nem controla.

Assim, o professor vive atualmente um para-doxo: ao mesmo tempo em que é apontado comofigura central na construção de uma sociedademais justa, favorecendo a construção de novosparadigmas éticos e culturais, seu ofício nuncafoi tão desvalorizado (NÓVOA, 2000). Esse mo-vimento, ao mesmo tempo em que ressalta a com-plexidade do trabalho docente, no que se refereàs novas demandas feitas à prática pedagógica,resulta em desqualificação do magistério e dete-rioração da confiança do professor em seus pró-prios conhecimentos.

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O impacto deste cenário na identidade docentevem causando enorme desconforto aos professo-res, especialmente ao primeiro segmento do ensi-no fundamental (1º ao 5º ano), que apontam váriosfatores como responsáveis pelo que foi denomina-do mal estar docente (ESTEVE, 1999): descom-passo entre a formação recebida e a realidade dasescolas; perda da autonomia na orientação de seupróprio trabalho; falta de ajuda da família, que trans-feriu à escola até mesmo a responsabilidade pelasocialização básica das crianças; desinteresse edificuldades dos alunos no que se refere aos con-teúdos escolares; responsabilização pela baixa qua-lidade do ensino público; desprestígio social doprofessor e da própria educação escolar; baixossalários; acúmulo de tarefas que consideram des-viadas de sua função; e importância crescente defontes alternativas de acesso à informação com oadvento de novas tecnologias; entre outros. Esseconjunto de fatores seria responsável pela imagemsocial que os professores percebem ter – incom-petentes e “pobres coitados” – o que degrada suaidentidade profissional, provocando neles sentimen-tos de menos valia e desamparo (ALVES-MA-ZZOTTI, 2007a, 2007b, 2008a). A profundadesvalorização da profissão se evidencia no aumen-to da evasão de professores em exercício, bem comona diminuição da procura pelo magistério, seja noscursos de Pedagogia, seja nas Licenciaturas.

Apesar da força desses determinantes exter-nos, sobretudo o distanciamento entre a formaçãoe a prática e a precarização subjacente às políticaseducacionais dos anos 90, a desprofissionalizaçãodo magistério tem sido consistentemente associa-da à feminização da profissão docente (ALVES-MAZZOTTI, 2008a; BRUSCHINI; AMADO,1988; CARVALHO, 1996; HYPOLITO, 1991;LOURO, 2001; SANTOS; LUPORINI, 2003,KULESZA,1998).

Cabe lembrar que, até o século XIX, os profes-sores das escolas primárias no Brasil eram prati-camente todos do sexo masculino, uma vez que aformação de professores para aquele nível nascevinculada aos tradicionais Liceus, destinados à for-mação das elites masculinas, o que irá influenciaras primeiras iniciativas de criação de Escolas Nor-mais, que ainda resistiam à co-educação (KU-LESZA, 1998). Esta situação foi se modificando

muito lentamente ao longo do século XIX e, so-mente com a separação dos Liceus por volta daúltima década do século XIX, as Escolas Normaispassam a ser prioritariamente destinadas às mu-lheres. Castelo Branco (1995, apud KULESZA(1998, p.70) registra que as razões para o início doprocesso de feminização do magistério podem servistas de forma eloquente no discurso do governa-dor do Piauí, ao reabrir, em 1910, a Escola Normalno Estado, anteriormente ligada ao Liceu, só parao sexo feminino:

Duas razões principais atuaram no meu espírito parasemelhante preferência. A primeira e a mais podero-sa foi a natural aptidão para desempenhar melhoresta função que a mulher possui; mais afetiva que ohomem, ela está, por isso, muito mais apta a ensinarcrianças e acompanhar-lhes os primeiros albores dainteligência. A segunda razão foi a exiguidade dosvencimentos que o Estado oferece aos professores.Com a carestia atual de vida, é absurdo pensar emobter os minguados ordenados do orçamento. Amulher, porém, mais fácil de contentar e mais resig-nada, e quase sempre assistida pelo marido, pelo paiou irmão, poderá aceitar o professorado e desempe-nhá-lo com assiduidade e dedicação, não obstantea parcimônia da retribuição dos serviços.

Aqui já se observa o primado da afetividade,com a “vocação natural”, a dedicação, o amor àscrianças e a capacidade de doação excessivamentevalorizadas e associados a uma naturalização do“feminino”, em detrimento de uma visão profissio-nal do magistério, vinculada ao domínio de saberesespecíficos. O processo de feminização do magis-tério surge, portanto, de modo intencional e atrela-do à desprofissionalização e aos baixos salários.

No limiar do século XX, a presença feminina jádominava largamente a docência nas primeirasséries, e com ela, disseminava-se a idéia de que,para ser professora dos primeiros anos de escola-ridade, as qualidades mais importantes são aque-las ligadas a uma naturalização do feminino, ou seja,a vocação, o amor, a doação e a dedicação às cri-anças, relegando-se a um longínquo segundo planoo conhecimento dos conteúdos e das técnicas deensinar. Embora a imagem e a posição social damulher em nossa cultura tenham mudado muito dofinal do século XIX para cá, esses sentidos do tra-balho docente nas primeiras séries, instituídos àque-

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la época, parecem se manter até hoje. Coerente-mente, a feminização do magistério tem sido usa-da para manter a distribuição desigual de prestígioe de salário em comparação a outras profissões,contribuindo para uma representação profissionalesvaziada.

No entanto, até a década de 90, a relação en-tre a presença maciça das mulheres no magisté-rio e a desprofissionalização foi pouco exploradanas pesquisas, principalmente no que se refere àsimplicações dos estereótipos de gênero, na cons-trução da identidade docente. Novaes (1984) jáalertava que o predomínio feminino no magistérioprimário contribuiu para a desvalorização profis-sional, uma vez que as mulheres historicamenteocuparam uma posição subalterna em nossa cul-tura. Em outras palavras, a representação da do-cência dos primeiros anos de escolarização comouma atividade inerente à vocação feminina, pau-tada pelas práticas domésticas, legitima e perpe-tua a desprofissionalização do magistério,refletindo-se na identidade docente (SANTOS,2008; SILVA, 2006). E o que é mais grave, essarepresentação parece estar sendo assumida erealimentada pelas próprias professoras.

Pesquisas realizadas por Alves-Mazzotti (2004,2006, 2007a, 2008a, 2008b) com professoras doprimeiro segmento do ensino fundamental (1ª a 4ªséries), sobre a representação de identidade e otrabalho docente têm consistentemente indicado acentralidade por elas atribuída à dedicação e aoamor às crianças ao falar de seu trabalho. Para aautora, esses sentidos parecem se apoiar em doismecanismos: em primeiro lugar, no entender dasprofessoras, a formação não as capacitou a lidarcom o aluno real, aquele que encontram atualmen-te nas escolas; segundo, esses alunos são “caren-tes de tudo”, então, elas “têm que ser tudo, mãe,psicóloga, assistente social”. A sensação de nãoter sido preparada para enfrentar os desafios pos-tos pela realidade dos alunos, aliada às precáriascondições de trabalho, tende a produzir nas pro-fessoras um forte sentimento de insegurança, o qualé reforçado pelo desprestígio social vivenciado naprofissão. Tal situação parece induzi-las à adoçãode mecanismos defensivos que as levam a enfati-zar a afetividade, descrevendo a tarefa docentecomo algo quase sublime, o que se concretiza nos

sentidos atribuídos à dedicação e ao amor, quesão, então, naturalizados como essenciais à identi-dade desse profissional.

Vários outros autores (ALVES, 2006; CERI-SARA, 2002; ONGARI; MOLINA, 2003; SILVA,2006) têm manifestado preocupação quanto à pos-sibilidade de as professoras dos primeiros anosescolares combinarem referenciais domésticos eprofissionais, trazendo para a escola característi-cas das práticas domésticas e da maternagem.Como afirma Carvalho (1999, p.13):

Em especial as professoras das quatro primeiras sé-ries do ensino fundamental parecem ter uma relaçãocom os alunos marcada com o vínculo afetivo e apersonalização, com grande autonomia de decisãono interior de sua própria sala de aula e pouca aten-ção aos temas mais abrangentes em discussão noconjunto da escola, levando a falar da existência,nas séries iniciais, de uma forma marcadamente fe-minina de organizar o trabalho e relacionar-se comos alunos.

Concluindo, desde o final do século XIX se dis-semina a idéia de que, para ser professora dos pri-meiros anos de escolaridade, as qualidades maisimportantes são aquelas ligadas a uma naturaliza-ção do feminino, relegando-se a um longínquo se-gundo plano o conhecimento dos conteúdos e dastécnicas. A precariedade da formação e as políti-cas dos anos 90, ao não favorecerem a profissio-nalidade, parecem levar as professoras a manterema ênfase no afetivo. É a “lógica do amor” de quefala Lopes (2008) ao analisar a profissionalidadedos docentes portugueses, o que indica que estesentido da docência é não apenas de longa dura-ção, mas transcultural, uma constatação que é tam-bém corroborada pelos trabalhos de Tardif eLessard (2008), no Canadá, e de Seidmamn, Tho-mé, Di Iorio e Azzolini, (2008), na Argentina.

Cabe enfatizar que a aparente permanência, notempo e no espaço, da relação entre a presençamaciça de mulheres no magistério das primeirasséries escolares e determinadas característicasatribuídas à docência nesse nível de ensino não levaa admitir uma “natureza feminina”. O termo “gê-nero”, que designa a dimensão socialmente cons-truída das identidades e das relações entre homense mulheres, é utilizado pelo movimento feministajustamente para se contrapor ao determinismo bi-

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ológico, acentuando o caráter fundamentalmentesocial e histórico das distinções baseadas no sexo(LOURO, 2007).

Entretanto, no interior pensamento do feminis-ta e das teorias de gênero, persiste o debate entrepartidários da igualdade entre homens e mulherese os defensores da diferença. Como explica Car-valho (1999), os defensores da igualdade movem-se no campo dos direitos civis fundamentais e nosvalores centrais da modernidade, enquanto defen-sores da diferença, entre os quais se destacamNancy Chodorow e Carol Gilligan, enfatizam, combase em estudos psicanalíticos e cognitivos, as di-ferenças psicológicas entre homens e mulheres ea influência da maternação na formação das per-sonalidades universalmente diferentes de meninose meninas (CARVALHO, 1999). A questão daconstrução sócio-histórica das subjetividades mas-culina e feminina e suas relações com atributos econdutas está, portanto, ainda em aberto.

Diante da problemática aqui brevemente expos-ta, esta pesquisa teve como objetivo analisar e com-parar as representações sociais de professorapresentadas por alunos e alunas do primeiro anode Pedagogia de Universidades do Estado do Riode Janeiro. Por suas raízes na cultura, suas rela-ções com as práticas e as identidades sociais, bemcomo por seus aspectos simbólicos, as representa-ções sociais constituem um valioso instrumentalpara a compreensão desta questão.

Abordagem teórico-metodológica

A opção por alunos de Pedagogia, ao invés deprofessores em exercício, deveu-se ao fato de quehá muito poucos docentes do sexo masculino atu-ando no primeiro segmento do ensino fundamen-tal, o que tornaria sua localização por meio de umabusca nas escolas muito difícil. Por outro lado, con-távamos com a possibilidade de trabalhar com da-dos de alunos de Pedagogia, futuros professoresdaquele segmento, obtidos em uma pesquisa doCentro Internacional de Estudos em Representa-ções Sociais e Subjetividade – Educação (CIERS-Ed), o que foi feito.

A teoria das representações sociais, adotadaneste estudo, foi introduzida por Moscovici (1978),que propõe um modelo capaz de dar conta dos

mecanismos psicológicos e sociais que atuam naprodução das representações, bem como de suasoperações e funções, permitindo relacionar intera-ções sociais, processos simbólicos e condutas. Se-gundo Moscovici (1978, p. 28), a representaçãosocial é “um corpus organizado de conhecimentose uma das atividades psíquicas graças às quais oshomens tornam inteligível a realidade física e soci-al, inserem-se num grupo ou numa ligação cotidia-na de trocas e liberam os poderes de suaimaginação”. Jodelet (2001, p. 22), principal cola-boradora de Moscovici, define as representaçõessociais como “uma forma de conhecimento social-mente elaborada e partilhada com um objetivo prá-tico e que contribui para a construção de umarealidade comum a um conjunto social. Nesse sen-tido, elas são concebidas como um saber geradoatravés de comunicações da vida cotidiana, com oobjetivo prático de orientação de comportamentosem contextos sociais concretos”.

Dentre as vertentes atuais da teoria, optamospela abordagem estrutural das representações pro-posta por Jean Claude Abric (1998) que consideraque toda representação está organizada em tornode um núcleo central (NC) que determina, ao mes-mo tempo, sua significação e sua organização in-terna. Os outros elementos da representaçãoconstituem o sistema periférico (SP), que é a parteoperatória da representação. Sendo mais sensívelàs características do contexto imediato, o SP cons-titui a interface entre a realidade concreta e o NC.

Este estudo utilizou os resultados de um teste delivre evocação1 e de uma questão aberta disponibi-lizados por um banco de dados do Centro Internaci-onal de Estudos em Representações Sociais eSubjetividade–Educação (CIERS-Ed). Esses dados,correspondentes a 287 sujeitos, foram re-analisa-dos por gênero, constituindo-se dois grupos, (um com258 mulheres e outro com 29 homens). Após a en-trevistas em dois grupos de professores, separadospor gênero, com três sujeitos cada, a fim de testar acentralidade do núcleo central e aprofundar a com-preensão da representação de professor, favoreci-

1 O teste de livre evocação de palavras consiste em solicitar aosujeito que escreva as primeiras palavras que lhe ocorram aoouvir a expressão indutora apresentada pelo pesquisador. A se-guir, pede-se que ele indique as duas palavras mais importantes,dentre as que escreveu, ordenando-as.

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da por meio da interação grupal. As respostas dapergunta aberta do questionário e os resultados dosgrupos de discussão foram submetidos à análise deconteúdo (BARDIN, 1977).

Os dados do teste de livre evocação de pala-vras em cada grupo foram tratados com o softwa-re EVOC, que identifica possíveis elementos donúcleo central, considerando a freqüência (F) e aordem da média de evocação (OME) das pala-vras. Os resultados são distribuídos em dois eixosortogonais com as palavras de maior freqüência emenor OME, situadas no quadrante superior es-querdo, correspondendo ao núcleo central. As quese situam no quadrante superior direito são consi-

deradas “periferias próximas” ao núcleo central, eas do quadrante inferior esquerdo constituem aperiferia propriamente dita. No quadrante inferioresquerdo se situam os elementos de contraste, osquais são de mais difícil interpretação, podendo in-dicar mudanças em curso na representação ou aexistência de sub-grupos.

Resultados e discussão

No que se refere ao sexo feminino, os resulta-dos do teste de livre evocação tratados com o sof-tware EVOC deram origem à estrutura apresen-tada a seguir.

2 Para diferenciar os registros de cada discurso, foi utilizada umasigla para cada grupo, com a respectiva distinção de sexo: (AF)para questionário aluno feminino, (AM) para aluno, masculino,(PF) para professor, feminino e (PM) para professor, masculino.

Tabela 1: Estrutura da representação social de professor para estudantes do sexo feminino

A Tabela 1 indica que o Núcleo Central (NC) éconstituído por dois elementos: educador e dedi-cação. O elemento educador apresenta grandesaliência, posto que sua frequência é superior aotriplo da correspondente à dedicação, o outro com-ponente do núcleo. A importância do elemento edu-cador é ilustrada pelas falas das estudantes econfirmada pelas professoras que participaram daentrevista em grupo, as quais têm todas mais deuma década de prática:

O educador é quem inicia o homem em qualquerprofissão. O desenvolvimento de uma sociedade

consciente depende da fala de um educador emsala de aula. (AF)2

Educador é o formador, né? Então eu acredito queele vá além do educar enquanto transmitir conteú-do, ele forma realmente uma pessoa... ele tem apossibilidade, principalmente nas séries iniciais,de promover a formação até de personalidade, decaracterísticas de personalidade. (PF)

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A centralidade do termo educador está asso-ciada ao elemento dedicação. A idéia de dedica-ção é destacada em vários estudos sobre identidadee trabalho docente, como, por exemplo, os de Al-ves-Mazzotti (2007, 2008a, 2008b). Essa autoraafirma que as professoras consideram que ser pro-fessor hoje requer muita dedicação e força devontade para superar carências das crianças e afalta de recursos que encontram nas escolas. Oaluno é, portanto, o referente de dedicação. Note-se, ainda, que na periferia próxima se encontra otermo amigo(a) com forte tendência à centralida-de, uma vez que tem frequência muito alta (N=79)e ordem de evocação no limite da centralidade(>=2,4), o que reforça a coloração afetiva do ter-mo dedicação. As falas que se seguem parecemconfirmar esse sentido de dedicação:

O ato de educar é um ato de amor. É necessário queo educador plante dentro da sala de aula a semen-tinha da afetividade, da emoção, da alegria... (AF)

Para ser professor você tem que gostar e se dedi-car... Buscar sempre o melhor de você e de seusalunos... Vencer os desafios com caráter e orgulho.(AF)

A profissão do magistério exige muita abnegaçãoe dedicação e as crianças merecem nosso esforçode todo coração. (AF)

Louro (2001) afirma que a representação da pro-fessora dedicada, que compõe a imagem maternalda docência, faz com que esta atividade perca seucaráter profissional, pois, sendo movida por doaçãoe amor, a prescinde da discussão salarial. Nesta vi-são, o magistério é a “vocação natural” das mulhe-

res, própria das habilidades de mãe que são atribuí-das pela cultura a todas as mulheres. Esse sentidoda profissão docente é assimilado por muitas dasestudantes, uma vez que, embora a palavra voca-ção não figure na estrutura de representação deprofessor, ela está explícita, como atributo associa-do à dedicação e ao dom, em mais de 100 depoi-mentos sobre a escolha da profissão, que aparecemnos questionários respondidos pelas alunas:

Para ser professor é necessário que haja uma vo-cação e dedicação verdadeiras. (AF)

Ser professor é um dom e nem todos nasceram comesse dom... (AF)

Para compreender melhor os sentidos dos ele-mentos do NC, é necessário analisar sua relaçãocom o sistema periférico, já que este é o responsá-vel por sua concretização no cotidiano, atribuindo-lhe um sentido prático, bem como por protegê-lo,mantendo sua estabilidade (FLAMENT, 1994).Note-se que os elementos conhecimento (N=25)e amor (N=24) aparecem com freqüências maisaltas e muito próximas, podendo-se especular seisto pode significar, como sustentam muitos auto-res, que o segundo é facilitador da aprendizagemdo primeiro. Da mesma forma, paciência (N=18)e atenção (N=17) são requisitos fundamentais parao exercício da docência dedicada. Pode-se, ainda,inferir que a frequência do elemento amigo (N=79)remete a um forte investimento afetivo na relaçãoprofessor/aluno, que pela própria definição, extra-pola a dimensão profissional.

A seguir, a possível estrutura da representaçãosocial de professor para os estudantes homens.

Tabela 2: Estrutura da representação social de professor para estudantes do sexo masculino

A Tabela 2 indica que o NC é constituído porelemento único, educador, sendo sua freqüênciapraticamente o dobro do segundo termo mais fre-qüente, aula (N=12)

Afirmações referentes a educador indicam que,diferentemente do que ocorre com o sexo femini-no, este termo é permeado pela idéia da qualidadedo trabalho docente para os futuros professores:

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O professor é uma referência dentro de uma comu-nidade ou cidade, ele deve ser uma referência paraatual e futuras gerações. (AM)

Como educador é muito bom você ver um aluno nocomeço do ano sabendo quase nada e no final verque já sabe bastante, graças ao nosso trabalho. (AM)

A análise do sistema periférico parece justifi-car a conclusão de que o elemento educador temsignificado diferente no grupo masculino. À exce-ção de amigo, todos os demais elementos – auto-ridade, conhecimento e profissional, são clara-mente relacionados à profissionalidade docente.

Quanto às entrevistas com os grupos de do-centes femininos e masculinos, realizadas com ob-jetivo de testar a centralidade das representaçõesdos estudantes, adotou-se o seguinte procedimen-to: foi mostrada, inicialmente, a tabela referenteaos estudantes do mesmo gênero do grupo entre-vistado, esclarecendo-se o significado dos diferen-tes quadrantes e indagando se concordavam ou nãocom a representação apresentada. Nessa etapa,os discursos dos professores foram muito simila-res aos dos estudantes. Em um segundo momento,foi exposta a estrutura da representação social deprofessor apresentada por estudantes do gênerooposto. Em ambos os grupos, a comparação pro-vocou grande impacto.

No grupo de professoras, foi unânime a reaçãode levar as mãos ao rosto, em sinal de espanto. Afala que se segue ilustra a posição do grupo:

Muito forte essa diferença, eu vejo como questãocultural mesmo, de costume da gente de reproduzircoisas de lá de trás, de heranças culturais. (PF)

No grupo de professores, a comparação dasestruturas provocou uma grande pausa durante aqual o grupo aparentemente buscava explicaçõesmais racionalizadas, como a que se segue:

Eu tenho dois focos diferentes para ver isso. Um delesé pela própria questão biológica da diferença entrehomem e mulher, principalmente a questão dos hor-mônios onde na mulher a mudança é mais rotineira,inclusive ao longo do dia. E outra também é pelaquestão social. Não sei qual delas tem maior peso naformação do homem e da mulher ao longo da vida.Que são criados, infelizmente de forma muito diferen-te, o homem pra ser superior e a mulher pra aceitar. Aeducação dos dois é muito diferente. (PM)

Pode-se aqui constatar que a biologização dasdiferenças entre homens e mulheres permeia for-temente as relações sociais. Ou seja, a partir dasdiferenças sexuais, vários atributos são creditadosa essa diferença, servindo de base para verdadei-ras “teorias” sobre diferenças de comportamen-tos, aptidões e habilidades sociais:

Olha, pelo que eu to entendendo, na visão dasmulheres sobre a educação, o negócio é mais ma-ternal e não numa visão mais profissional... Tantoque aqui nem tem a palavra profissional. (PM)

Para o grupo de professores, a comparação dasestruturas parece estar em consonância com asrepresentações que circulam em nossa sociedadesobre a construção das diferenças de gênero e queinterferem diretamente na formação de identidadee de prática docente:

Veja o seguinte: eu sou profissional, posso amar oque faço mas nem por isso vou tratar dessa forma,vou pegar no colo ou vou ficar chorando. (PM)

Pode-se aqui constatar a biologização das dife-renças entre homens e mulheres, uma vez que, apartir das diferenças sexuais, vários atributos sãocreditados a essa diferença, servindo de base paraverdadeiras “teorias” sobre diferenças de compor-tamentos, aptidões e habilidades sociais:

Isso tudo (apontando ambas as representações)acaba afetando a gente. Uma mãe de aluno nãofala com um professor de Educação Física da ma-neira como fala com a professora do filho. Não falade jeito nenhum. (PF)

Até porque professor voltado pra área dos peque-nos quase a gente não vê. O pessoal fica naquela:ah, porque ainda precisa de muitos cuidados (fazo movimento de aspas na palavra cuidados), jáfica meio assim. (PF)

Conclusões

A comparação do NC das representações apre-sentadas pelos grupos masculino e feminino indicaque, embora o elemento educador figure em am-bos, o grupo de alunas agrega a este elemento osentido de dedicação, tradicionalmente atribuído àfunção docente por associação à representação dofeminino em nossa cultura. De acordo com Abric

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(1998), dois grupos só têm a mesma representaçãose os NC forem idênticos; quando eles são diferen-tes, as representações são diferentes, o que leva àconclusão de que docentes do sexo masculino e fe-minino têm representações diferentes acerca do queé ser professor. As diferenças marcantes encontra-das no sistema periférico das representações dosdois grupos reforçam esta conclusão, ao mostrar querepresentação dos professores, tal como é operaci-onalizada na prática escolar, tenderá a ser bem di-ferente do que ocorre com as professoras.

Partindo-se do pressuposto teórico segundo oqual o sistema periférico organiza-se com elemen-tos reguladores que visam resguardar a estabilida-de do NC e “traduzi-lo” para as práticas cotidianas(ABRIC, apud SÁ, 1998) parece válido concluir,com base nas diferenças encontradas entre os gru-pos considerados, que o gênero, de um lado, é for-jado pelas práticas sociais, e de outro as orienta nomesmo sentido, perpetuando o círculo vicioso. Emoutras palavras, os sentidos que figuram no siste-ma periférico da representação de professor, apre-sentada pelo grupo de alunas – como ajuda, amor,atencioso, paciência – parecem influenciados pelanaturalização dos atributos ditos femininos, mas,por outro lado, ao orientar suas práticas, elas re-

forçam os estereótipos e desprofissionalização ne-les implicada.

Os resultados desta pesquisa mostram que, seas marcas do gênero têm ecos em todos os espaçossociais e em todas as atividades humanas, tais re-percussões interferem diretamente nas condutas eescolhas dos sujeitos, inclusive no exercício profis-sional. O estudo permitiu explicitar como os senti-dos vinculados ao ser professor(a) historicamenteconstruídos na cultura, mesmo os que carregamconotações derrogatórias para o sujeito, são apro-priados; por uns, de modo aparentemente inconsci-ente, por outros, com finalidades defensivas, parasuprir deficiências de toda ordem (políticas, institu-cionais, pessoais e outras), as quais os impedem deassumir plenamente suas verdadeiras funções.

Finalmente, esta pesquisa (re)afirma, assimcomo vários estudos anteriores, que o eixo de es-tudos das relações de gênero necessita aprofun-damento pelos profissionais da educação, sobretudona formação daqueles que trabalharão diretamen-te com os anos iniciais da educação básica, bus-cando a desnaturalização dos estereótiposrelacionados à docência nas primeiras séries doensino fundamental, passo essencial à construçãoda profissionalidade docente.

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Recebido em 27.05.09Aprovado em 2705.09

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REPRESENTAÇÃO SOCIAL SOBRE O TRABALHO DOCENTE:

um estudo através do Procedimento de Classificação

Múltipla e da Análise de Similitude

Claudia Maria de Lima *

Yoshie Ussami Ferrari Leite **

Célia Maria Guimarães ***

Edson de Castro Quintanilha ****

Maria Suzana De Stefano Menin *****

Alberto Albuquerque Gomes ******

Juliana Ap. Matias Zechi *******

Alessandra de Moraes Shimizu ********

* Professora Doutora em Psicologia do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – UNESP de São José do Rio Preto.Endereço para correspondência: Rua Roberto Simonsen, 305 UNESP – 19060-900 Presidente Prudente/SP. E-mail:[email protected]** Professora Doutora em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP de Presidente Prudente. Endereço paracorrespondência: Rua Roberto Simonsen, 305 UNESP – 19060-900 Presidente Prudente/SP. E-mail: [email protected]** Professora Doutora em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP de Presidente Prudente. Endereço paracorrespondência: Rua Roberto Simonsen, 305 UNESP – 19060-900 Presidente Prudente/SP. E-mail: [email protected]*** Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP de PresidentePrudente. Endereço para correspondência: Rua Roberto Simonsen, 305 UNESP – 19060-900 Presidente Prudente/SP. E-mail:[email protected]**** Professora Titular em Psicologia da Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP de Presidente Prudente. Endereço para correspondência: Rua Roberto Simonsen, 305 UNESP – 19060-900 Presidente Prudente/SP. E-mail:[email protected]***** Professor Doutor em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP de Presidente Prudente. Endereço paracorrespondência: Rua Roberto Simonsen, 305 UNESP – 19060-900 Presidente Prudente/SP. E-mail: [email protected]****** Professora Mestre em Educação da Faculdade de Presidente Venceslau – UNIESP. Endereço para correspondência:Rua Roberto Simonsen, 305 UNESP – 19060-900 Presidente Prudente/SP. E-mail: [email protected].******* Professora Doutora em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP de Marília. Endereço para corres-pondência: Rua Roberto Simonsen, 305 UNESP – 19060-900 Presidente Prudente/SP. E-mail: [email protected]

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo caracterizar as representações sociais deestudantes universitários sobre o trabalho docente, buscando identificar seus elementosconstituintes e compreender a dinâmica da sua organização. Os sujeitos foram 19estudantes de segundo ano de cursos de licenciaturas e de Pedagogia. A coleta dosdados ocorreu por meio da aplicação do Procedimento de Classificação Múltipla(PCM) que usou 25 palavras que foram as mais expressivas para representar otrabalho docente através de levantamento anterior. As classificações das palavraspelos sujeitos no Procedimento de Classificação Múltipla (PCM) foram estudadasatravés da Análise de Similitude. Os resultados indicam que os estudantes em formaçãoainda apresentam uma visão idealizada e romântica do exercício da docência e um

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distanciamento considerável da futura atuação como exercício profissional. Por outrolado, mostram o estabelecimento de relações entre aluno e compromisso, o que podeestar indicando a elaboração de conhecimentos e visões que aproximam osrespondentes de componentes concretamente presentes e necessários ao exercícioprofissional da docência. Por fim, percebemos que as representações sociaisencontradas entre os futuros professores revelam a força da cultura, da história doscursos de formação de professores para educação básica no Brasil.

Palavras-chave: Trabalho docente – Representações sociais – Procedimento deClassificação Múltipla – Análise de similitude

ABSTRACT

SOCIAL REPRESENTATIONS OF TEACHING: a study through theMultiple Classification Procedure and the Analysis of Similarity

This study aims to characterize the social representations of university students uponteaching, trying to identify its constituents and understand the dynamics of itsorganization. The subjects were 19 sophomore students of teaching degree coursesand pedagogy. Data collection occurred through the application of the MultipleClassification Procedure(MCP) using 25 words that were the most expressive torepresent teaching, obtained through previous survey. Classifications of words bythe subjects in Multiple Classification Procedure (MCP) were studied through theAnalysis of Similarity. The results indicate that students in training still have a romanticand idealized vision of the practice of teaching and a considerable distanciation withtheir future professional practice. On the other hand, they show the establishment ofrelations between students and commitment, which may indicate the development ofknowledge and insights that brings close the respondents to present componentsspecifically required for the practice of teaching. Finally, we found that socialrepresentations among future teachers show the strength of culture, of the history ofteacher training courses for basic education in Brazil.

Keywords: Teaching – Social representations – Multiple Classification Procedure –Analysis of Similarity

Introdução

A formação de professores tem-se constituídopalco de inúmeras pesquisas e debates ao longodos anos. Muito se fala do caráter dessa forma-ção, bem como dos seus problemas decorrentes.Um dos problemas mais fortemente apontados dizrespeito à fragmentação dos processos formativosdo professor. Tal fragmentação, pautada pelo prin-cipio da racionalidade técnica1 traduz-se por meiode currículos desarticulados, em que não há umaintima relação entre conhecimentos disciplinares epedagógicos.

Segundo Rodrigues (2005, p. 4), historicamen-te, a formação de professores no Brasil esteve:

... caracterizada pela desarticulação das questõesenfrentadas no cotidiano pelos profissionais da edu-cação, com ênfase nas habilitações e suas especifi-cidades. A concepção que permeia essa propostade formação é orientada pela Pedagogia tecnicista edo primado dos estudos psicológicos e pela psico-

1 A racionalidade técnica é uma perspectiva de formação quesupõe a atividade educativa como sendo uma aplicação rigorosade princípios e leis gerados na investigação científica. Herdadado Positivismo, consolidou-se no Brasil a partir dos anos 1970(GÓMEZ, 1998).

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logia condutivista. Os cursos privilegiam a forma-ção de um técnico-especialista e de um transmissorde conhecimentos, garantida pelo livre acesso aosmétodos e técnicas de ensino preconizados na épo-ca. Aliada a uma herança positivista, a relação teoriae prática caracteriza-se por um distanciamento rara-mente transposto. A Pedagogia tecnicista baseia-senum modelo de racionalidade técnica que separateoria e prática, reflexão e ação, conteúdo e forma,ensino e pesquisa. Enfim, separa quem planeja equem executa.

Os professores, nessa perspectiva, são concebidoscomo meros executores, cabendo-lhes apenas apli-car corretamente as técnicas para atingir os fins pre-determinados. Objetiva-se o controle cada vez maisburocrático do trabalho do professor.

Nos últimos anos, o ordenamento legal temmodificado essa situação, ao menos nos aspectosde políticas educacionais, uma vez que, com a vi-gência das diretrizes curriculares das diferentes li-cenciaturas2 , incluindo nessas a da Pedagogia,tem-se proposto um modelo em que se pretendediminuir a dicotomia “teoria e prática”.

Entretanto, Saviani (2008) aponta que a des-peito das mudanças legais, atualmente, os proces-sos formativos no ensino superior configuram doismodelos de formação de professores. Num deles,priorizam-se os conteúdos culturais-cognitivos; aformação de professores se limita à cultura geral eao domínio específico dos conteúdos da área deconhecimento correspondente à disciplina que oprofessor irá lecionar. Noutro modelo, considera-se que a formação dos professores só se completacom o efetivo preparo pedagógico-didático. O pri-meiro modelo é o que tem predominado nas Uni-versidades e demais instituições brasileiras doensino superior.

Recentemente, os cursos de formação de pro-fessores para educação básica passaram a refor-mular seus currículos impulsionados pelas exigênciasdas novas diretrizes para os cursos de licenciatura ede Pedagogia. O debate nacional a respeito do con-teúdo das diretrizes aponta perigos para os cursosformadores relacionados à qualidade e identidadeda formação dos professores com possíveis conse-quências negativas aos objetivos da escola. Libâ-neo (2006, p. 848) tece críticas contundentes àsdiretrizes para os cursos de Pedagogia:

A Resolução do CNE, pela precária fundamentaçãoteórica com relação ao campo conceitual da Peda-gogia, pelas imprecisões conceituais e pela descon-sideração dos vários âmbitos de atuação científica eprofissional do campo educacional, sustenta-senuma concepção simplista e reducionista da Peda-gogia e do exercício profissional do pedagogo, oque pode vir a afetar a qualidade da formação deprofessores de educação infantil e anos iniciais.Mantém a docência como base do curso e a equi-valência do curso de Pedagogia ao curso de licen-ciatura, não se diferenciando das propostas daComissão de Especialistas elaborada em 1999 (queincorporou as idéias defendidas pela AssociaçãoNacional pela Formação dos Profissionais da Edu-cação) e do Fórum de Diretores de Faculdades/Centros de Educação das Universidades PúblicasBrasileiras (FORUMDIR) (de 2005). Avança poucono esclarecimento das dúvidas com relação a am-bigüidades e confusões já existentes na legisla-ção, já que: a) não contribui para a unidade dosistema de formação; b) não inova no formato cur-ricular de uma formação de educadores que atendaàs necessidades da escola de hoje; c) interrompe oexercício de autonomia que vinha sendo realizadopor muitas instituições na busca de caminhos al-ternativos e inovadores ao curso em questão. Portudo isso, não ajuda na tarefa social de elevaçãoda qualidade da formação de professores e do ní-vel científico e cultural dos alunos das escolas deensino fundamental.

Em relação às diretrizes curriculares para asdiferentes licenciaturas, o panorama também é maisde criticas e preocupação do que de perspectivasde transformações positivas em relação ao tipo deformação que se processa nas universidades:

No contexto em que foram produzidas, de grandesembates sobre as políticas de formação de profes-sores dos anos FHC, as diretrizes provocaram mo-vimentos diferenciados, contraditórios, no desen-volvimento e materialização da organizaçãocurricular em cada IES, dependendo das concep-ções norteadoras dos currículos e da história e tra-jetória das relações entre as áreas específicas da

2 Resolução CNE/CP n. 1, de 15/5/2006 institui as DiretrizesCurriculares Nacionais para os cursos de graduação em Pedago-gia e Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº001/2002. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais paraa Formação de Professores da Educação Básica, em nível supe-rior, curso de licenciatura de graduação plena.

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licenciatura e as faculdades/centros e departamen-tos de educação.

Em várias universidades, os centros de educação e,portanto, os estudos do campo da educação e osestudos pedagógicos foram alijados da responsabi-lidade pela formação dos professores, rebaixandoas exigências do campo da teoria pedagógica na or-ganização curricular. Tais procedimentos, permitidospelo conteúdo das diretrizes, em relação à cargahorária e o tempo de duração, ao espaço destina-do aos estudos do campo da educação, diluídosnas horas destinadas aos conteúdos científicos cul-turais e a concepção de práticas e estágios super-visionados, que descaracteriza o ensino comoatividade essencial, vão se revelando como um re-baixamento na qualidade da formação teórica, nocampo das Ciências da Educação, mas também nocampo das áreas específicas, na medida em que apre-sentam uma nova concepção de ensino que tende asecundarizar o conhecimento teórico e sua media-ção pedagógica (..). (FREITAS, 2007, p. 1211).

Diante desse debate, estudos têm mostrado quemudar a legislação educacional é insuficiente paraa mobilização de posicionamentos e compreensõessobre o trabalho docente dos sujeitos envolvidos.Verifica-se, dessa maneira, que há outros fatoresque devem ser objeto da análise de processos for-mativos: a representação social é uma delas.

Estudar as representações sociais que futurosprofessores elaboram sobre o trabalho docente éum meio de podermos avaliar como temos realiza-do a formação inicial na universidade, de modoparticular neste momento em que os cursos for-madores de professores foram alterados pelas no-vas diretrizes curriculares. Mas, também, favorecea compreensão da elaboração que o futuro profes-sor faz sobre seu trabalho e a identificação queconstrói a respeito do que é/como é ser professor;são aspectos-chave que moverão suas escolhas,ações e interações como professor.

Sendo assim, ao considerarmos as questõesrelativas à formação do futuro professor, é neces-sário que admitamos a complexidade e a pluralida-de de relações e de vínculos envolvidos, visandonão reduzir a compreensão, a explicação que sebusca. Se é verdadeiro que quem ensina é porta-dor de códigos específicos cuja apropriação é ne-cessária a quem aprende, do mesmo modo, o aluno

detém um saber sobre si e sobre o mundo e pormeio deste interage e se situa. Esse conhecimentoprecisa ser conhecido e reconhecido pelos forma-dores como condição para o estabelecimento efe-tivo de trocas com os pares e com o alunofuturamente.

Baseando-se, principalmente, em Moscovici(1978) e Jodelet (1989), Guimarães (2005) sintetizaque as representações sociais são elaborações psi-cológicas e sociais, construídas pelos indivíduos ecom os indivíduos e possuem uma dupla função:tornar familiar o que é estranho/ameaçador e per-ceptível o que é invisível. É o conhecimento habitu-almente denominado de espontâneo, ingênuo,vulgar, do senso comum ou pensamento natural poroposição ao pensamento científico.

Moscovici (1978, 1984b) denomina esse tipo deconhecimento de prático. Explica que ele se cons-titui a partir de nossas experiências, das informa-ções, dos conhecimentos e modelos de pensamentorecebidos e transmitidos por intermédio da cultura,da educação e da comunicação social. Por isso,em muitos dos seus aspectos é conhecimento so-cialmente elaborado e compartilhado.

O conceito de representação social, segundo omodelo teórico unitário de Moscovici (1978, 1984a,1981), designa uma forma de conhecimento espe-cífico, o saber do senso-comum, cujos conteúdosmanifestam a operação de processos geradores efuncionais socialmente caracterizados.

Num sentido amplo, designa uma forma de pen-samento social. As representações sociais consti-tuem modalidade de pensamento prático orientadopara a comunicação, a compreensão e o domíniodo contexto social, material e ideal. Tanto isso éverdadeiro que apresentam características espe-cíficas em relação à organização dos conteúdos,das operações mentais e da lógica.

Cada indivíduo elabora e lança mão de RS dealgo que tem relação com o grupo ao qual perten-ce. Não se trata de opiniões sobre o objeto derepresentação ou imagens. As RS explicitam comoum grupo se relaciona com um dado objeto soci-al, servem de guia de ação, orientam a comunica-ção e a relação com o mundo e os outros.Também, oferecem referências para interpreta-ção da realidade e favorecem a construção de

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valores, necessidades, interesses de um mesmogrupo. Diferentes grupos representam um mes-mo objeto segundo uma forma própria. O conhe-cimento apreendido do objeto passa a fazer partedas conversas e aparece na forma de frases, vi-sões, jargões, ditados, preconceitos, estereótipos,soluções etc., tendo um efeito de realidade parao indivíduo (GUIMARÃES, 2000).

Consideramos, portanto, que parte dos saberessobre a docência dos professores em formaçãopodem apresentar-se na forma de representaçõessociais, em que se destacará um consenso na for-ma como essa profissão é conceituada. Esse con-senso destacará os elementos mais centrais dasrepresentações e, através dele, buscaremos inferirquais aspectos culturais, comuns ao grupo dos su-jeitos representantes, são responsáveis pela forçados elementos comuns das representações.

Isto posto, percebemos a necessidade de umacompreensão maior desse contexto de forma apoder modificar os processos formativos e ofere-cer aos alunos e às instituições formadoras umaressignificação do trabalho docente.

A construção da pesquisa

O presente estudo insere-se no âmbito de umgrupo maior de pesquisa – Centro Internacional deEstudos em Representação Social e Subjetividade- Educação (CIERS-Ed) – Fundação Carlos Cha-gas, SP e tem como objetivo geral caracterizar asrepresentações sociais de estudantes universitári-os sobre o trabalho docente, buscando identificarseus elementos constituintes e compreender a di-nâmica da sua organização.

A pesquisa maior do CIERS-ED realiza-se naforma de um estudo longitudinal, seguindo alunosdurante a sua formação. Iniciou-se com a aplica-ção de um questionário a alunos do primeiro anode Pedagogia e outras Licenciaturas com ques-tões de associação livre sobre Professor, Aluno eDar Aula e outra parte, na forma de carta, comvinte questões sobre vários aspectos do trabalhodocente (formação, representações sobre o futuroaluno, os professores, sugestões para melhorar oensino, imagens sobre a profissão, opinião da fa-mília e amigos sobre a escolha da profissão docen-

te) e um conjunto de questões sobre dados de per-fil pessoal e sócio-econômico dos respondentes.

No segundo ano, a pesquisa prosseguiu com aaplicação de outro instrumento, o Procedimento deClassificação Múltipla (PCM), para a investigaçãoda estrutura das representações mais específicassobre a docência dos alunos dos segundos anos deformação a partir das palavras que mais compare-ceram nas questões de associação livre do questi-onário anteriormente aplicado, analisadas peloEVOC (Ensemble de Programmes PermettantL’analyse des Evocations, de Verges; versão 2002)e das que mais se sobressaíram nas análises domaterial do questionário pelo programa ALCES-TE (Analyse Lexicale par Contexte d’ un Ensem-ble de Segments de Texte de Max Reinert, 2005).

Neste texto, apresentamos a segunda etapa dapesquisa acima referida (PCM), realizada naUNESP de Presidente Prudente com estudantesde Pedagogia e Licenciatura. Anteriormente, noprimeiro questionário, havíamos investigado 278alunos, dos Primeiros e Últimos anos, dos cursosde Licenciaturas (Matemática, Física, Geografia eEducação Física) e Pedagogia da FCT/UNESP,campus de Presidente Prudente. Agora, com oPCM, entrevistamos 19 estudantes desses cursos(13 das licenciaturas em Matemática, Física, Geo-grafia e Educação Física e 6 da Pedagogia), nosegundo ano. Esses estudantes haviam respondidoao primeiro questionário.

Procedimento de Classificação Múlti-pla

Segundo Roazzi (1995) o Procedimento de Clas-sificações Múltiplas (PCM) é um dos instrumen-tos para explorar a forma como as pessoascategorizam e elaboram sistemas de classificação.É uma extensão de técnicas anteriores (KELLY,1955, STEPHENSON, 1953, apud ROAZZI, 1995)que buscam provocar a construção de categoriaspelas pessoas e conhecer o modo como se organi-zam. Baseia-se, no entanto, no reconhecimentobastante consolidado na Psicologia de que, ao co-nhecer o mundo, as pessoas fazem classificaçõesa partir de critérios diversos, dados por suas expe-riência pessoais ou grupais e elementos da cultura.

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No campo das representações sociais, o PCM podeser um instrumento útil de investigação, pois de-monstra como indivíduos de um mesmo grupo po-dem estabelecem critérios comuns e partilhadospara conceituar um mesmo objeto através da elei-ção dos mesmos critérios para categorizá-lo. As-sim, o PCM tem um interessante papel em tentarexplicar o consenso que ocorre nas representaçõessociais (ROAZZI, 1995 e 2002).

No caso de nosso estudo, o PCM pode nosmostrar o que há de comum na conceituação dotrabalho docente pelo grupo de estudantes em for-mação entrevistados, destacando a forma da or-ganização dessas representações através doselementos consensuais, mais fortes e, possivelmen-te, também mais centrais da representação.

O PCM é um procedimento no qual se pedeaos participantes da pesquisa que agrupem con-juntos de palavras da maneira que acharem maisapropriada, nomeiem os grupos e justifiquem osconjuntos feitos. Ele contém duas etapas; uma declassificação não-dirigida, no qual os sujeitos for-mam grupos com as palavras que são oferecidasatravés do critério apenas de haver pontos em co-mum entre elas e, a segunda etapa – classificaçãodirigida – na qual o experimentador fornece umcritério para os agrupamentos que o sujeito devefazer; por exemplo, o que mais tem a ver com oconceito a categorizar e o que menos tem a vercom ele (ROAZZI, 1995).

Em nossa pesquisa, apresentamos individual-mente a cada estudante 25 palavras previamenteescolhidas a partir dos resultados do EVOC e doALCESTE realizados em função de questões pro-postas no primeiro questionário. Essas 25 palavrashaviam se mostrado as mais frequentes e signifi-cativas nos dois softwares como mais ligadas aotrabalho docente. (Vide LISTA a seguir).

AJUDAR, ALEGRIA, ALUNO, AMOR,ANGÚTIA, APRENDIZADO, ATENÇÃO,CAPACITADO, COMPANHEIRO, COMPRE-ENSÃO, COMPROMISSO, DEDICAÇÃO,DIÁLOGO, DISCIPLINA, EDUCAÇÃO,EDUCADOR, ENSINAR, ESTUDO, PACIÊN-CIA, PROFISSÃO, RESPEITO, RESPONSA-BILIDADE, SABEDORIA,SALA DE AULA,VOCAÇÃO

Assim, na aplicação individual do PCM, pedi-mos, num primeiro momento, que o estudante agru-passe as 25 palavras em conjuntos, como lhe apr-ouvesse. Após feitos os grupos, deveria nomeá-lose justificar sua constituição. Esse primeiro proce-dimento foi a Classificação Não-Dirigida. Numsegundo momento, pedimos a cada entrevistado quefizesse grupos de cinco palavras; primeiro, deveriaagrupar as que “mais têm a ver” com trabalho do-cente; depois, as que “menos têm a ver”; em se-guida as que “ainda têm a ver”; e, finalmente,“asque ainda não têm a ver”. Esse segundo procedi-mento refere-se à Classificação Dirigida.

Todos os grupos feitos pelos entrevistados fo-ram anotados, assim como suas justificativas naprimeira fase.

As escolhas das palavras pelos sujeitos nesseProcedimento de Classificação Múltipla (PCM)foram estudadas através da Análise de Similitude;um procedimento trazido para a análise de repre-sentações sociais por Flament (BOURICHE,2003).

A técnica de Análise de Similitude busca identi-ficar a organização interna das representaçõessociais a partir do princípio de similitude, isto é, oquanto as pessoas coincidem na forma de repre-sentar um objeto. Por esse princípio, dois itens se-rão mais próximos em sua relação quanto maiorfor o número de sujeitos que os tratem da mesmamaneira e que aceitem ou rejeitem os dois ao mes-mo tempo (BOURICHE, 2003; TAVARES, 2008).Assim, se entre um número X de palavras, algu-mas dentre elas são repetidamente escolhidas numapopulação, veremos que terão um índice de simili-tude alto; enquanto que, se forem escolhidas pou-co frequentemente, seu índice de similitude serábaixo. Em representação social, reconhece-se,numa representação, não apenas uma seleção deelementos constituintes, mas uma organização, umconjunto de relações entre elementos. Essas rela-ções não são transitivas, mas de proximidade e si-métricas. Ou seja, quanto mais os mesmoselementos são sempre afirmados para representaralgo, maior a similitude entre eles e maior coesãona representação (BOURICHE, 2003).

A partir da análise matemática de grafos, se-gundo Bouriche (2003) é possível uma Análise deSimilitude. Esta busca calcular os índices de esco-

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lha das palavras dadas aos sujeitos e as representagraficamente através de uma Árvore Máxima, ouseja, os conjuntos de palavras que contêm as es-colhas mais frequentes no grupo pesquisado, comomostraremos adiante.

Voltando à entrevista com os 19 estudantes (seisde Pedagogia e 13 das Licenciaturas - Matemáti-ca, Física, Geografia e Educação Física) obtive-mos, na primeira fase de Classificação Não-Diri-gida, uma Árvore de Similitude) composta de quatroprincipais ramos ou “grafos”, como são chamados(BOURICHE, 2003 e TAVARES, 2008), os quaisdenominamos:

• Objetos do trabalho docente, com as pa-lavras: educação, diálogo, aprendizado, sala-de-aula, aluno, disciplina e estudo;

• Sentimentos, com as palavras: angústia,alegria, amor, responsabilidade, dedicação,respeito;

• Qualidades, com quatro palavras: compa-nheiro, ajudar, ensinar e educador;

• Profissionalidade, com as palavras: capa-citado, sabedoria, compreensão, profissão, vo-cação, compromisso, paciência e atenção.

Entre os “grafos” foram estabelecidos sinaisindicadores de proximidade entre as palavras.

ÁRVORE DE SIMILITUDE: CLASSIFICAÇÃO NÃO-DIRIGIDA3

3 Os números dentro dos retângulos com as palavras na Árvorereferem-se apenas ao número da palavra na lista das mesmasdadas ao sujeito.

Para a montagem dos grafos e conseqüente-mente, das árvores, procedemos da seguinte ma-neira: em primeiro lugar, retomamos as entrevistasrealizadas, que foram digitadas, apresentando osagrupamentos que os estudantes fizeram e suasjustificativas. A partir daí, iniciamos a construção,organizando as palavras de acordo com sua frequ-

ência e com sua similitude. O índice de similitudefoi obtido através da aplicação de uma fórmula emque o número de ocorrências de um certo par depalavras é dividido pelo total de sujeitos. Quanto

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mais o número tende a 1, maior o índice de simili-tude entre o par de palavras; quanto mais o núme-ro tende a zero, menor o índice.

Através dos índices de similitude nos foi possí-vel construir o grafo usando como sinais indicado-res, os seguintes:

= 0,63= 0,53= 0,42

Esses elementos indicam a maior ou menor li-gação entre as palavras e grafos.

Buscou-se, também, deixar os grafos abertose não fechá-los em círculos, de forma a não re-contar uma mesma ligação entre as palavras emanter caminhos de acesso entre as palavras(“vértices”) dentro dos grafos, além de excluirdos grafos as ligações de menor índice de simili-tude entre as palavras.

Com os dados organizados, pudemos identifi-car quatro grafos com ligações entre si. Em segui-da, realizamos uma leitura das justificativasapresentadas pelos estudantes sobre a composi-ção dos grupos para verificar sua constituição e,em que medida, essas justificativas mais se relaci-onam com as classes de palavras que represen-tam os principais grafos da Árvore de Similitude.

Em relação ao grafo que denominamos Obje-to do trabalho docente, composto das palavraseducação, diálogo, aprendizado, sala-de-aula,aluno, disciplina e estudo, pode-se notar na ár-vore de Similitude que as palavras com ligação maisforte foram sala de aula e alunos; numa intensi-dade um pouco menor apareceram as palavras:aprendizado, ligada a sala de aula e disciplinaligada a aluno e estudo ligada a disciplina. Al-guns estudantes que também visualizaram este gru-po, o denominaram de: “a arte de ensinar”, “salade aula”, “fugindo da escola”, “os deveres de umaluno” , “o lugar onde se aprende”, “objetivo doprofessor”, “dom do professor”, “realidade”, “prá-tica de ensino”, “educação”.

Ao formarem esse grupo, os alunos justifica-ram sua composição, dizendo que essa se referiaao que envolve a educação ou ao que precisa ter

na sala de aula: o estudo e a aprendizagem; ou aoque falta na realidade da escola e que precisariater; ou ainda, o lugar onde se aprende e os deveresde um aluno. Exemplos:

Esse aqui seria mais voltado pra a educação, oque envolve a educação. O nome pode ser ‘A artede Ensinar’. Aqui é o que envolve a arte de ensinar,estudo, sala de aula, aluno. (NT, F, Licenciatura emMatemática)4

Do mesmo jeito que acho que o aluno tem deveres,acho que o professor tem que exercer sua profissãocom sabedoria, compreensão e compromisso sem-pre ajudando o aluno nas suas dificuldades. (A,Licenciatura em Pedagogia)

Uma coisa leva a outra, né? A profissão é cumpri-da na sala de aula e dela faz parte ensinar, educarcom diálogo e responsabilidade respeitando o alu-no e a si mesmo”. (A, Licenciatura em Pedagogia).

Quanto ao grafo de Sentimentos, com as pala-vras: angústia, alegria, amor, responsabilidade,dedicação e respeito, as palavras que aparecemcom mais fortes ligações foram responsabilidadecom dedicação e respeito, responsabilidade comamor e alegria. Alguns estudantes o denominaramde “sentimentos do professor”, “ato de ensinar”,“utopias do ensinar”. Relatam a necessidade do pro-fessor possuir esses sentimentos para atuar na prá-tica em sala de aula, características inerentes aocompromisso profissional necessário ao professor.

Exemplo:

... eu daria o título de “Sentimentos”. São algunssentimentos relacionados a todas as pessoas. (SN,F., Licenciatura em Educação Física).

Imaginei na hora que o professor ta entrando nasala de aula, o que passa na cabeça dele, tudo queele sente. Às vezes, essa angústia é até pelo própriomedo de não conseguir passar o que ele quer real-mente. E pra ser um bom profissional tem que terrespeito, tem que ter amor, tem que gostar do quefaz . Tem que ter estes sentimentos... eu acho... (A, F,Licenciatura em Pedagogia)

Eu acho que para escolher uma profissão é precisode cada uma delas. Para escolher uma profissão épreciso compromisso, responsabilidade, dedica-

4 Para cada participante da pesquisa citado colocamos apenas asigla de seu nome, sexo F ou M e curso a que pertence.

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ção, amor e vocação. São palavras fundamentaisna hora de escolher uma profissão. (D, F, Licencia-tura em Pedagogia)

Os grafos denominados Qualidade e Profissi-onalidade se misturaram nas justificativas dos es-tudantes. Eles aparecem tão juntos que poderíamoscolocar a hipótese de que formam um único grupo.As palavras que aparecem nesses grupos são: com-panheiro, ajudar, ensinar, educador (Qualidades);capacitado, sabedoria, compreensão, profissão,vocação, compromisso, paciência e atenção(Profissionalidade). Nesses grafos, apareceram,com mais fortes ligações as palavras, profissão comvocação e capacitado; assim como as palavrasensinar e educador. Os estudantes denominamesses agrupamentos de “profissão”, “professor”,“educador”, “compromisso do professor”, “habili-dades do professor” e “formação do profissional”.Justificaram que essas palavras representam o queestá mais relacionado à profissão e ao que é precisoter na profissão de educador. Uma das habilidadesque foi mais apontada como necessária à profissãofoi a vocação. Exemplo:

Ai coloquei compromisso, uma coisa que, às vezes, agente vê que falta no professor, não prepara a aulacom tanto amor, né; e capacitação que tem que terpra, ele tem que ter o conhecimento, sabedoria praisso; compreender às vezes as dificuldades do alunoque ta passando por um momento, assim, que não é,difícil daquele pessoal dele, então que ele tem queser mais maleável; o diálogo que tem que ter com oaluno pra não ser aquela aula ali maçante, você vêaquele professor como uma coisa distante não comouma pessoa que ta ali pra te ajudar, pra te ensinar;ai vocação, o cara tem, tem gente que você vê quenão devia estar ali mesmo, sabe; ensinar, que é oque ele faz. Eu separei como se fosse o principal doeducador. (SN, M, Licenciado em Física).

... o professor tem que ter uma formação... ele vaiadquirir a sabedoria (...) estar capacitado, tem queter uma vocação, que já é um dom interior dele,que ele se identifica com aquela profissão, tem queter compromisso. (A, F, Licenciatura-Pedagogia)

Apesar destas fortes ligações entre as palavrasna árvore de Similitude, percebemos que algumasjustificativas não se encaixaram propriamente nosprincipais ramos da Árvore de Similitude porque

misturaram as palavras entre esses ramos. Comoexemplo, temos um estudante que agrupou no gru-po denominado “o educador ideal” as palavraseducador, dedicação, ensinar, vocação, respei-to, compromisso, responsabilidade, paciência,ajudar, capacitado, companheiro e sabedoria,justificando que essas são as características que oeducador deve ter. Segundo o estudante

... ele deve ter vocação primeiro, ele deve ter com-promisso com o que ele vai fazer, ele tem que se dedi-car, ele tem que respeitar os alunos, tem que terpaciência. Eu acho são características fundamen-tais de um bom educador, tem que ser companheiro,ele é um exemplo de sabedoria pros alunos. (Sujeito06, NOME F., Licenciado em Educação Física).

É importante destacar que algumas das liga-ções possíveis entre os grafos ilustram concepçõescentrais dos estudantes sobre o trabalho docente.Por exemplo, ao montarmos a Árvore de Similitu-de a palavra vocação teve uma ligação forte coma palavra profissão e com a palavra capacitado.Já a palavra responsabilidade aparece fortementeligada à dedicação e respeito, como também comamor e alegria. Assim, vocação e amor são vis-tos pelos estudantes como componentes importan-tes para o trabalho docente.

A composição desses grafos nos parece mos-trar uma das faces da representação do trabalhodocente para os alunos pesquisados. Esses futurosprofessores indicam que o local legitimado para oexercício profissional é a escola, em especial, asala de aula, e mostram que o fazer docente estáintimamente relacionado a um compromisso morale social, mais que uma simples atividade profissio-nal que tem suas exigências e limites; ser profes-sor para esses jovens parece ser uma idealizaçãoda finalidade social do seu trabalho. Ao olhar des-se aluno, a atividade docente é envolta numa aurade ações positivas, mas ainda etéreas e com pou-ca relação com as escolas contemporâneas e suascrianças reais.

Roldão (2007, p. 102) se interroga sobre o que éser um professor e o que o distingue de outros pro-fissionais e membros da sociedade. Para a autora:

... o professor profissional – como o médico ou oengenheiro nos seus campos específicos – é aqueleque ensina não apenas porque sabe, mas porque sabe

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ensinar. E saber ensinar é ser especialista dessa com-plexa capacidade de mediar e transformar o saber.

Entretanto, na Árvore de Similitude analisada,para nossos futuros professores, saberes específi-cos do professor inexistem. Os conceitos são cons-tituintes de um universo periférico e que nãotraduzem a especificidade da profissão docente.Ao relacionarem palavras intimamente ligadas aum campo de sentimentos e ainda mais forte, aoestabelecerem um elo entre profissão e vocaçãoparecem nos mostrar que há um chamamento qua-se religioso, um dom natural, para ensinar e queaprender a ensinar pode não ser tão necessário.Ao contrário, pode ser descartado.

Aqui precisamos discutir se futuros professo-res podem entender a futura profissão como qual-quer outro cidadão. Estamos acostumados a ver aprofissão docente como espaço de abnegações, dededicação, de doação. Mas não será essa umaconstrução social e que interessa a manutençãode uma ordem social? Ver a profissão docentecomo resultado de um trabalho de especialista não

daria a esse profissional possibilidades e exigênci-as que poderiam resultar numa modificação dessamesma ordem?

Parece-nos necessário nos questionar sobre aformação desses alunos e de quanto estão sendopreparados para pensar sua profissão. Para Nó-voa (1995, p.12), os professores não estão pron-tos para esses tempos difíceis e paradoxais, emque se exige deles quase tudo, que resolvam to-dos os problemas do mundo, mas lhes oferecepouco ou quase nada. Assim, é preciso que ofe-reçamos aos futuros professores condições depensar sua profissão.

A Classificação Dirigida

Num segundo momento, pediu-se aos estudan-tes entrevistados que agrupassem, em conjuntosde cinco palavras, as que mais tivessem a ver como trabalho docente; depois as cinco que menos ti-vessem a ver. O resultado dessa parte do procedi-mento é apresentado a seguir.

ÁRVORE DE SIMILITUDE: O QUE MAIS TEM A VER COM O TRABALHO DOCENTE

0 0,21 0,16 0,11

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A Árvore de Similitude das palavras que maistêm a ver com o trabalho demonstra dois principaisgrafos que podemos denominar de “Profissionalida-de” e outro “Objetos do trabalho Docente”. Na “Pro-fissionalidade”, notamos com fortes ligações aspalavras capacitado, compromisso e dedicação.Com uma ligação ainda forte, aparecem as pala-vras amor, vocação e respeito, ligadas com com-promisso. Com uma ligação mais tênue aparecemas palavras paciência e responsabilidade ligadascom dedicação; estudo e companheiro ligadoscom capacitado, alegria ligada com compromis-

so e compreensão ligada com amor. Assim, pode-mos concluir que para os estudantes entrevistados,a profissão docente inclui competências e habilida-des do profissional e sentimentos. Com relação aosegundo grafo, percebe-se uma forte ligação entrealuno e educador, e, depois entre aluno, ensinare sala de aula. Segue a ligação entre aprendizadoe aluno, um pouco mais fraca. Ressaltamos, por-tanto, que a palavra aluno aparece como central aotrabalho docente, ligando inclusive os “Objetos dotrabalho docente” com a “Profissionalidade” atra-vés da palavra compromisso.

ÁRVORE DE SIMILITUDE:O QUE MENOS TEM A VER COM O TRABALHO DOCENTE

A Árvore de Similitude das palavras que me-nos têm a ver com o trabalho docente apresentacomo ponto central a palavra angústia, em tornoda qual aparecem com forte ligação disciplina eprofissão. Num segundo momento, também liga-das a angústia, aparecem sala de aula, sabedo-ria, paciência, compreensão e companheiro,todas com o mesmo índice de ligação. Com uma

ligação um pouco mais fraca aparecem aluno eajudar, ligadas a angústia e a palavra vocaçãoligada a ajudar. Constatamos que os estudantesentrevistados, ainda no segundo ano da Pedagogiaou das Licenciaturas, quando solicitados a esco-lher entre as 25 palavras as que não têm a ver como trabalho docente, indicaram a angústia, comosentimento central ligado à Profissionalidade e ao

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Objeto do trabalho do Professor, como algo quenão deveria estar relacionado ao trabalho docente.

Considerações finais

A análise dos dados demonstra que os estudan-tes em formação ainda apresentam uma visão ide-alizada e romântica do exercício da docência e umdistanciamento considerável da futura atuaçãocomo exercício profissional. A negação da angús-tia como componente da atuação profissional do-cente, a exemplo de outras profissões e mesmo davida cotidiana, parece reforçar a idealização daprofissão. Não podemos descartar a importânciade componentes tais como “dedicação”, “respei-to”, “alegria”, “amor” no exercício da docência,assim como não basta ser capacitado e responsá-vel para atender às exigências da profissão, a exem-plo da formação iluminada pela racionalidadetécnica. Por outro lado, como podemos esperar emestudos sobre representações sociais, os dadosdemonstram o estabelecimento de relações entrealuno e compromisso, o que pode estar indicando aelaboração de conhecimentos e visões que aproxi-mam os respondentes de componentes concreta-mente presentes e necessários ao exercícioprofissional da docência na educação básica.

As representações sociais encontradas entre osalunos revelam a força da cultura, da história doscursos de formação de professores para educa-ção básica no Brasil e do exercício da docênciapautados na idéia de vocação e desprendimentopessoal, mas também influenciadas pelo discursorecorrente nos meios educacionais e na literaturada área sobre o valor de ser um professor com-prometido com seu aluno.

Um novo papel vem sendo construído para aformação de professores no Brasil e essa constru-ção traz uma nova concepção de trabalho docentee de professor. Será que a formação inicial teráforça para imprimir mudanças nas representaçõespreexistentes? Será que estamos formando pro-fessores capazes de superar o paradigma da raci-onalidade técnica? A transformação das práticaseducativas consideradas inadequadas às necessi-dades dos alunos dos tempos atuais carece iniciarpela transformação da forma de proceder a for-

mação inicial dos profissionais responsáveis pelotrabalho docente no cotidiano das Instituições deEducação.

Ramos de Oliveira argumenta:

O desenvolvimento pessoal e profissional de umprofessor é um processo complexo e tecido confor-me ele se posiciona em relação a múltiplas e porvezes, contraditórias situações. Para tanto, contri-buem também múltiplos e, por vezes, contraditóriossignificados, pontos de vista, valores morais, cren-ças expressos pelos discursos elaborados por vári-os interlocutores que se situam nos diferentescontextos criados nas instituições sociais, nos vári-os campos científicos, nas legislações, nas experi-ências sindicais etc. (RAMOS DE OLIVEIRA et al.,2006, p.548).

Podemos depreender que investigar as RS queos futuros professores têm do trabalho docentepode contribuir para a construção de um outro pa-radigma de formação do professor e de compre-ensão das motivações docentes; formação queparte de uma outra maneira de compreender o fu-turo aluno e a função do professor, como tambéma função da instituição de educação perante a so-ciedade brasileira.

Ainda a título de considerações finais, gostaría-mos de acrescentar algumas palavras sobre os li-mites do método de obtenção das representações– PCM – e da análise das mesmas – Análise deSimilitude – que utilizamos.

As representações que compareceram nas ár-vores de similitude obtidas demonstram a proximi-dade, similitude, dos elementos das representaçõesque já estavam dados para os sujeitos na lista das25 palavras. Assim, é bom lembrarmos que, noPCM, os sujeitos não escolhem como vão repre-sentar um objeto mas, sim, que critérios usam paraaproximar elementos constituintes das representa-ções já dados.

No nosso caso, as 25 palavras sobre o trabalhodocente já haviam mostrado forte ligação com esteobjeto, pois foram as mais ditas no EVOC ou as demaior significância no ALCESTE. Dessa forma, oPCM levou os participantes da pesquisa a se posi-cionarem em relação a essas palavras e constituí-rem critérios para aproximá-las do objeto, trabalhodocente, ou afastá-las. Pelo PCM pudemos inferirsobre a lógica interna dos sujeitos para selecionar

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os grupos em comum sobre a docência ou os quemais têm a ver e os que menos têm a ver.

A análise de similitude, por sua vez, dá conta demostrar proximidades ou distâncias entre os ele-mentos dados para as escolhas no PCM, mas nãoexplica outras relações entre esses elementos.Segundo Bouriche (2003), a Análise de Similitudenão explica relações de causalidade ou de implica-ção entre os elementos, ou seja, por que estão liga-dos ou em que direção. Apenas mostra que paresde elementos são os mais afirmados em conjuntopor uma população. Ele também não detecta oselementos que são “sinônimos” num conjunto; ouseja, algumas vezes, dois elementos aparecem muitojunto não porque se relacionem, mas porque são

REFERÊNCIAS

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elementos idênticos, sinônimos. Em nosso estudo,não corremos o risco de lidarmos com sinônimos,uma vez que as 25 palavras já haviam se mostradorelevantes no EVOC e no ALCESTE, pois maisafirmadas e significativas. Além disso, uma rela-ção entre elas já seria evidente. O que a Análisede Similitude fez foi destacar, dentre as palavrasdadas, aquelas mais presentes e próximas entre os19 alunos, mesmo que não esclareça a direçãodessa proximidade.

De qualquer forma, mesmo considerando es-ses limites, pensamos ter encontrado, com os pro-cedimentos utilizados, características marcantesdas representações sobre a docência em nossosestudantes.

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Recebido em 24.04.09Aprovado em 25.06.09

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REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO PROFESSOR-SUJEITO:UM ESTUDO SOBRE SEU ENDEREÇO E ADEREÇO

Maria de Lourdes Soares Ornellas *

* Doutora em Psicologia da Educação. Professora titular da Graduação e Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade daUniversidade do Estado da Bahia – UNEB. Coordenadora do Núcleo de Estudos em Afetos e Representações Social (NEARS).Líder do grupo de pesquisa Gepe(rs) (Grupo de pesquisa em psicanálise e educação e representação social). Psicanalista.Endereço para correspondência: Rua Silveira Martins, 2555, Cabula – 41150-000 Salvador/BA. E-mail: [email protected]

RESUMO

Este escrito, nomeado de representação social do professor-sujeito: um estudosobre seu endereço e adereço, pretende mostrar ao leitor que o professor-sujeitotem lugar e posição na sala de aula, portando como endereço seu saber e comoadereço seu agalma. O estudo se assenta na teoria das representações sociaisreferenciada na concepção moscoviciana. Constitui-se de uma pesquisa em andamentoque tem como objetivo apreender as representações do professor-sujeito entre dozeprofessores da rede municipal em exercício no ensino fundamental do município deLauro de Freitas – Bahia. O instrumento de coleta de dados aplicado foi a AssociaçãoLivre ou evocação, é uma técnica projetiva que possibilita ao sujeito trazer à lembrançaalgo que está presente na sua memória. Após a aplicação procedeu-se a análise dosdados coletados, e os resultados mostram que os sujeitos associam o professor-sujeitoem sala de aula como aquele que tem representações falante, comprometido, afetivo,preparado e animado. São representações partilhadas e orientadas pelos aspectosimagéticos, cognitivos e afetivos A análise dessas representações pautou-se em algunsconstrutos da teoria psicanalítica através dos quais se tentou desvelar o que estavano avesso das associações livres realizadas pelos sujeitos da pesquisa.

Palavras-Chaves: Representação social – Professor-sujeito – Construtospsicanalíticos

ABSTRACT

Social Representation of the Teacher-Citizen: a study on its localization andadornment.

We pretend to demonstrate that the teacher have a legitimate place ans position in theclassroom carrying his or her knowledge as localization and its agalma as its adornment.The research is based upon Mocovici’s theory of social representations. It is an on-going research which aims to seize the representations of teacher-citizen of 12 teachersfrom a public primary school in Lauro de Freitas (Bahia, Brazil). We collected datathrough free associations (or evocation) which is a projective technique which turnspossible the remembering of something present in the subject memory. Results showthe subjects associate the teacher-citizens to one which shows to be talkative,engaged, affective, prepared and animated. These are representations shared and

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Representação social do professor-sujeito: um estudo sobre seu endereço e adereço

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guided by the imagetic, cognitive and affective aspects. The analysis of theserepresentations was based on constructs from psychoanalytic theory which tried toreveal what was on the other side of the free associations made by the subjects ofthe research.

Keywords: Social representation – Professor-citizen – Psychoanalytic constructs

Principiar esta escrita falando de representa-ções sociais sobre o professor-sujeito tem uma in-tenção: revelar que este par é fundante para umaescuta do que acontece na escola, nos enlaces fei-tos, desfeitos e refeitos na relação transferencialprofessor-aluno. Esses sujeitos transferem entresi afetos prazerosos e desprazerosos, estes, se bemtrabalhados podem contribuir para a análise dasformas e cores desenhados nos pergaminhos doprojeto pedagógico da escola.

Vale ressaltar que o conceito de representaçãosocial aqui trabalhado se assenta em Moscovici eJodelet, e a análise da fala dos sujeitos é iluminadatomando como referência Freud e Lacan. A re-presentação social é um conhecimento do sensocomum e é formada em razão do cotidiano do su-jeito. É uma abordagem que se encontra hoje nocentro de um debate interdisciplinar, na medida emque se tenta nomear, fazer relações entre as cons-truções simbólicas com a realidade social e dirigeseu olhar epistêmico para entender como essa re-alidade constrói a leitura dos símbolos presentesno nosso cotidiano. Neste entendimento, a fala doautor instiga a reflexão do conceito:

Por representações sociais, entendemos um conjuntode conceitos, proposições e explicações na vida coti-diana no curso de comunicações interpessoais. Elassão o equivalente, em nossa sociedade, aos mitos esistemas de crenças das sociedades tradicionais; po-dem também ser vistas como a versão contemporâneado senso comum (MOSCOVICI, 1978, p. 181).

Essa história, além de sinalizar a origem, pon-tua os terrenos demarcados pela representaçãosocial. Trata-se de um conceito germinado nessacomplexidade, no entanto, não é apenas a somadas contribuições advindas dos estudiosos, é a cons-trução de algo de novo, pretendendo observar umfenômeno básico da realidade cotidiana.

As argumentações de Moscovici (1978) eIbañez (1988) sinalizam duas justificativas para essa

complexidade conceptual: a primeira refere-se aofato de a representação social ser um conceito hí-brido, não pertencendo a uma única área do co-nhecimento, visto que, sua origem vincula-se tantoà sociologia quanto à psicologia – o que leva a pen-sar que a representação social é um conceito psi-cossocial. A outra justificativa deriva da primeira,pois, como os conceitos aglutinados de outras áre-as são mais restritos, uma vez que tratam basica-mente de objetos e não de fenômenos, constituemdimensões imagéticas em relação ao próprio con-ceito de representação social.

Ao estudar o sujeito em processo de interaçãocom outros sujeitos, pode-se dizer que a represen-tação social expressa uma espécie de saber práti-co de como os sujeitos sentem, assimilam,aprendem e interpretam o mundo, inseridos no seucotidiano, sendo, portanto, produzida coletivamen-te na prática da sociedade e no decorrer da comu-nicação entre os sujeitos. Nesta lógica, Jodelet(2001) aprofunda o construto: “As representaçõessociais devem ser estudadas articulando-se ele-mentos afetivos, mentais e sociais e integrando, aolado da cognição da linguagem e da comunicação,as relações sociais que afetam as representaçõese a realidade material, social e ideal sobre as quaiselas intervirão” (p. 41).

É possível pontuar-se que esse conhecimentotem uma base cognitiva e afetiva e que, portanto,não constitui uma categoria bipolar: cognitivo e afe-tivo encontram-se enredados, podendo-se, dessemodo, também afirmar que as representações so-ciais não são saberes articulados apenas ao cogni-tivo, mas que se tecem, de forma dinâmica, em umprocesso histórico que envolve tanto a racionalida-de quanto os afetos.

Pesquisadores da área de educação e fora delamostram-se preocupados em integrar aspectos afe-tivos e simbólicos na elucidação e análise das re-presentações sociais, concebendo que na atividade

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representativa o objeto deixa de existir como tal, parase converter num equivalente dos objetos aos quaisfoi vinculado como uma contingência psicossocial.Moscovici (1978) pensa representação associada àsexperiências subjetivas do sujeito, expressas na co-municação social, simultaneamente como um pro-duto e um processo: “a atividade representativaconstitui, portanto, um processo psíquico que permi-te tornar familiar e presente em nosso universo in-terior um objeto que está distante e, de certo modo,ausente...” (MOSCOVICI, 1978, p. 28).

No papel de sujeitos cognitivos, afetivos, taispesquisadores produzem e comunicam a seus pa-res, incessantemente, suas próprias representações,designadas tanto por conteúdos conscientes comopor processos inconscientes. Nesta compreensão,a fala a seguir explicita o processo:

Identificar a natureza complexa das representaçõessociais implica, inevitavelmente, estabelecer um in-tercâmbio entre intersubjetividades e o coletivo, nacombinação de um saber que não se dá apenas porprocessos cognitivos, mas que contém aspectosinconscientes emocionais, afetivos, tanto na pro-dução como na reprodução das representações so-ciais (LANE, 1993, p. 61).

Na última década, o estudo das representaçõessociais tem espaço relevante na educação e demodo específico na Psicologia da Educação. Ob-serva-se hoje um número cada vez maior de pes-quisas nessa área, o que pode contribuir para aconstrução de um novo olhar no que se refere aosprocessos educativos e subjetivos que interagemna sala de aula.

Aspectos afetivos constituem-se de processossubjetivos que emergem no interior da sala de aulae é possível que a psicanálise possa contribuir comesse debate e que as representações sociais deprofessor-sujeito apontem para a escola que que-remos construir. O mestre da psicanálise acalen-tava um sonho de que a psicanálise pudesse umdia vir a contribuir com a sociedade como um todoe, especialmente, com a educação; acompanhavaos movimentos sociais e desejava que a psicanáli-se pudesse estender-se a outras áreas do conheci-mento. A partir daí a psicanálise, ainda quesutilmente, ousou adentrar os muros da escola.

A psicanálise, por sua vez, não tem receitassobre o que deve ser feito na escola, mas pode

refletir sobre o que tem sido feito e contribuir naescuta do discurso do professor e do aluno. Arti-cular psicanálise e educação é um grande desa-fio, e o fato de a psicanálise se oferecer comoum importante fundante do instrumento da escu-ta é o que lhe permite, muitas vezes, contribuirpara a leitura do mal-estar vivido pelo professorno contexto educativo.

“O mal-estar na escola”, observam Outeiral eCerezer (2003, p. 1) “tem diversas faces para se-rem olhadas e pensadas: é como se olhássemosum cubo, que tem seis faces, como sabemos, massó podemos, de um determinado lugar, ver três fa-ces, é necessário que nos desloquemos para quevejamos todas as faces.”

É pela escuta cuidadosa dos sintomas presen-tes no mal-estar na sala de aula, por parte do pro-fessor, que penso que algumas fronteiras sãopossíveis entre psicanálise e educação. Uma es-cuta que deve ser feita na sala de aula é a rela-ção transferencial que se estabelece entreprofessor e aluno.

Para engatar uma conversa sobre o que o titulodesse estudo suscita, faz-se pertinente dizer queas representações sociais deste estudo foram apre-endidas tomando-se como referência a consigna:o professor-sujeito deve ter endereço e adereço.Tarefa não tão simples, práxis que se principia talcomo o grafite e o papiro nas mãos da criança:começa com as garatujas, em seguida estas dãolugar a rabiscos e estes se revelam em algumasinscrições e imagens que são representadas naconstituição desse manejo do professor-sujeito.

Lacan (1978) diz que cada sujeito constrói suasubjetivação em três tempos lógicos: tempo dever, compreender e concluir. Assim posto, peçolicença ao mestre para parafraseá-lo quandomarco o tempo (i)lógico do professor: o tempo deadvir, o tempo de decifrar e o tempo de nome-ar. O primeiro tempo (tempo de ver) fala das pri-meiras inscrições do laço com o Outro, advém dodesejo de experimentar; a sala de aula é a cordabamba, um véu, que ainda não tem forma, tama-nho e cor. É o começo...

O segundo tempo, o decifrar, tem a conotaçãode que há algo que se insinua, há um desvelamentodo seu lugar de professor, do seu processo laboral,da relação professor-aluno. O terceiro tempo se

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presentifica pela relação pulsional de nomear.Nesse tempo, o professor faz um salto, porque seautoriza professor, registra na lousa sua nomeaçãoe escuta ser chamado de professor por seus parese por um número expressivo de alunos. Nessemomento, tem como representações o seu ende-reço nomeado de Sujeito suposto saber (Sss)1 en-gendrado na sala de aula e seu adereço é vistopelo agalma2 , brilho que possivelmente tem no ins-tante em que optou em tornar-se professor. Esseagalma faz movimento na sala de aula na medidaem que professor e aluno enlaçam-se, e tornam-sesujeitos do processo de aprender. Nesse instante,faz-se fundante discorrer sobre alguns filósofos epsicanalistas, os quais se debruçaram sobre o cons-truto sujeito.

Inspirado em Montaigne, Descartes constrói asbases da metafísica do sujeito no século XVIII eeste advento epistemológico deixa marcas fundan-tes na filosofia ocidental. Nesse tempo, a filosofiado sujeito é inaugurada pela significante razão evai até o século XIX. No momento em que Des-cartes anuncia o seu cogito ergo sum (penso logoexisto), cunha essa inscrição na filosofia do sujei-to. Lacan (1978) subverte no penso onde não soue existo onde não sou pensado, ou seja, eu nãopenso, eu não sou, fazendo incidir a negativa, onão, sobre o eu, dessusbstanciado, e, assim, des-constrói o sujeito, demonstrando, em ultima análi-se, que ele, o sujeito, não é nem será, retirandodessa forma, do campo psicanalítico, a visão onto-lógica que incluía o sujeito substanciado.

Lacan escreveu o Seminário 8 - A transferên-cia e nos fez entrar no enigma do amor de transfe-rência. O objeto a não se coloca como um objetocujo atributo pode satisfazer o desejo por sua pre-sença ou o frustrar por sua ausência, sua função éser causa de desejo. O brilho fugaz do agalma nãoé representado na sua completude, não é a lumino-sidade totalizante a que Heidegger se referiu.

Este conceito, que tem origem na religião, vemdo grego agallein, que significa adereço, aquilo queserve para enfeitar. É um objeto precioso de poderbenéfico ou maléfico, traduzido por ornamento,brilho que, para Lacan, é o objeto causa de desejo,o objeto a. O objeto de desejo é parcial e é perdi-do, como bem pode ser visto quando Alcibíadescompara Sócrates com a estatueta grotesca de

Sileno e se encanta com o agalma que parece verem Sócrates. Referindo-se a esse tempo, citadopor Kaufmann, Lacan pontua: “Nessa época, ob-jetos desse gênero eram também receptáculos,caixas de jóias; o agalma é portanto não apenasobjeto precioso, mas também objeto escondido nointerior, enfim, como objeto de oferenda, ele é aquilocom que se pode captar, seduzir a atenção divina”(KAUFMANN, 1996, p. 16).

Esse objeto, que se aproxima de sedução e ena-moramento, abriga em seu interior, escondido, oobjeto de desejo, o agalma. Não é a beleza dele,nem a ascese, que Alcibíades deseja, mas esseobjeto único, esse agalma que ele viu em Sócratese do qual Sócrates o desvia, porque sabe que não otem. Se, por um lado, é pela transferência que opsicanalista é investido da posição de Grande Ou-tro e se implica como aquele que possui um agal-ma; por outro, o professor se vê como um objetoparcial, por ser o objeto do desejo do aluno. O agal-ma do professor é visto pelo seu aluno como cla-rão na sala de aula, num momento evanescenteque marca no objeto o enigma do real inscrito noseu saber ainda que não sabido.

O referido seminário indaga sobre o agalma,esse objeto galante, escondido no interior desseSileno grotesco que o personagem atópico de Só-crates representa. Por essa via, encontro um frag-mento do diálogo em O banquete, de Platão, parapensar sobre o que se passa na sala de aula, sa-bendo-se de antemão que o tema do qual trata Obanquete é: de que serve ser sábio sem amor?Lacan emprega os termos erastès e erômanos,inspirado na relação professor-aluno, que se es-tabelecia em Atenas, ressignificando-os para sereferir à relação analisante x analista e pergunta:O que se passa no amor ao nível desse par eras-tès (sujeito do desejo, da falta) e erômanos (nopar é o único que tem alguma coisa)? Nesse sen-tido, tomo de empréstimo esses dois termos e aquitento metamorfoseá-los na relação transferenci-al que se passa entre o aluno e o professor, lugar

1 Lacan utiliza esta nomeação para dizer que o sujeito (paciente)atribui um saber ao analista. Um saber a respeito do seu gozo(LACAN, 1993, p. 87).2 Objeto de desejo brilhante, galante, termo que vem do “Gal”,brilho, no antigo francês. J. Lacan utiliza esta expressão noSeminário 8 – “A transferência” (1993, p. 139)

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e posição em que se encontra seu endereço. Nasala de aula, o aluno (erastès) está no lugar e naposição daquele a quem algo lhe falta, que queraprender, quer saber e, supostamente, pensa po-der encontrar suas respostas na fala do profes-sor. A posição do professor (erômânos) éconfortável, posto que é demandado pelo aluno efaz semblante de ter supostamente algo a ofere-cer, ou seja, mostra-se como sujeito de um supos-to saber e esse Sss sabe, conhece o manejo decomo articular com o objeto com vistas a susten-tar a transferência, singular para o processo deaprender.

Enquanto dialogo com meus alunos na universi-dade, tanto em nível de graduação como na pós-graduação, na tentativa de seguir uma disciplinaintelectual, me interrogo se é possível fazer presen-tificar-se um outro nível de discurso na sala de aulae que este seja endereçado e adereçado ao profes-sor-sujeito? Foi pensando nessa indagação que prin-cipiei uma pesquisa a qual está em andamento, com12 sujeitos, meus orientandos de TCC (trabalho deconclusão de curso) que atuam em escolas publicasmunicipais do ensino fundamental.

O construto teórico no qual me apoio é a teoriadas representações sociais, tendo claro que o rigormetodológico é indispensável à consecução da pes-quisa. Esse rigor não diz respeito apenas ao cum-primento das etapas, mas também à adequação dasmesmas ao aporte teórico e ao objeto em estudo,bem como aos instrumentos de análise.

Abric (1994) e Sá (1996) falam que os proce-dimentos de coleta e análise de dados é ainda umdesafio para o pesquisador. Vários são os méto-dos e as técnicas de coleta utilizados no campodas representações sociais. A técnica da Associ-ação Livre, também chamada de evocação, é uma

produção verbal, significa o ato de evocar, ou seja,trazer à lembrança algo que está presente na me-mória do sujeito. A técnica é um antigo teste pro-jetivo que tem utilidade, tanto em PsicologiaClínica, quanto em pesquisas de Psicologia Soci-al. Vários teóricos aplicam essa técnica por duasrazões: a primeira, pelo fato de apreender demaneira descontraída e espontânea, os discursosmanifestos e latentes e a segunda, pelo fato de seobter o conteúdo semântico de forma rápida, re-duzindo limites.

No campo das representações sociais, a técni-ca da associação livre consiste em solicitar ao su-jeito que produza palavras que possam imaginar apartir de uma ou mais palavras indutoras. Nessesentido, Oliveira (2003, p. 03) argumenta:

O caráter espontâneo, portanto menos controla-do aliado à dimensão projetiva desta produção,deveria permitir o alcance, mais fácil e rapidamen-te do que numa entrevista, dos elementos queconstituem o universo semântico do termo ou doobjeto estudado. A livre associação permite a atu-alização de elementos implícitos ou latentes queseriam suplantados ou mascarados nas produçõesdiscursivas.

Ao convidar esses sujeitos para essa investiga-ção, socializei o objeto o qual se referencia no titu-lo desse artigo e, em seguida, apliquei a técnica daAssociação Livre, bastante utilizada em pesquisasas quais se reportam a representação social. Aconsigna pautou-se pela formação discursiva: Leiaas palavras abaixo. Faça uma associação livree escreva ao lado de cada uma delas quatropalavras que vêm à sua cabeça. Em seguida,faça um círculo na palavra mais importantepara você e escreva o porquê. Os sujeitos rece-beram uma ficha assim estruturada:

Professor-sujeito ____________ ____________ ___________ ____________Sala de aula ____________ ____________ ___________ ____________Aprendizagem ____________ ____________ ___________ ____________

Escreva porquê: ________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Após análise das respostas, chegou-se à seguin-te enunciação: com relação às palavras escritaspelos sujeitos, nove deles concentraram-se na pa-lavra professor-sujeito e as palavras circuladasversaram sobre: falante, comprometido, afeti-vo, preparado, animado.

Com relação ao porquê, oito sujeitos se referi-ram: a) quando o professor fala, passa afeto ese prepara para enfrentar a sala de aula e estaganha vida. b) o professor precisa ser prepara-do, estudar e trazer seu saber para a sala deaula com vontade de brilhar. c) o professor-sujeito não é rude, é afetivo e isso contribuipara o aluno aprender. d) Admiro muito o pro-fessor que é carismático, prende a atenção doaluno na sala de aula, sabe ensinar. e) o pro-fessor precisa brilhar para o aluno se encan-dear. Observo que estas palavras circuladasrevelam o endereço e adereço do professor sujei-to. Escrevem seus porquês e ressaltam a sala deaula como um lócus de ensino, o qual tem endere-ço e adereço. Ao se reportarem ao professor afe-tivo, carismático e que brilha, revelam o adereçodo professor sujeito. Adereço refere-se ao agalma(palavra grega) do professor, ou seja, o brilho quedeve ter, o que favorece, no caso da sala de aula, oaluno aprender.

Freud chamou a psicanálise de pós-educação,afirmando que ela é que vem depois, mesmo queessa educação tenha feito o que fez e seus efeitos.Na escola, o professor-sujeito deve deixar desve-lar na relação transferencial novas práticas teóri-cas e epistemológicas e não perder o endereço noespaço em que pode cair na tentação de confundirsujeito com indivíduo.

As elaborações de Freud sobre o sujeito não seconfundem com a inteligência do individuo, o sujei-to não é sua inteligência, não está no mesmo eixo,é excêntrico. Esta é, para Lacan, a metáfora tópi-ca – o sujeito está descentrado com relação aoindivíduo. Este sujeito é um outro, quer dizer seriauma outra cena (MAGALHÃES, 2004, p. 68).

A citação convida-nos a traçar a diferença edemonstrar que o individuo e o sujeito estão embases opostas. O vocábulo vem do grego indivi-duum e pode ser pensado como indivisível. Doponto de vista lógico, individuo é um ser representa-

do por aquele que admite predicados, ou seja, é umser humano indiviso. É uma espécie qualquer, or-gânica ou inorgânica, que constitui uma unidadedistinta (FERREIRA, 1999, p. 1120).

Para a filosofia, o indivíduo é o Um, que se re-fere ao único, supõe a união de duas bandas for-mando uma unidade completa (LALANDE, 1996,p. 56). Quem se autoriza chamar-se de sujeito? Ovocábulo “sujeito”, do latim subjectum, seu princi-pal conceito foi cunhado por Aristóteles. Mais tar-de, Freud afirma que o sujeito se funda no desejo eLacan complementa afirmando que esse sujeito dodesejo é um efeito da imersão do filho do homemna linguagem. A linguagem é condição do incons-ciente (...). O inconsciente é a implicação lógicada linguagem: com efeito, não há inconsciente semlinguagem (LACAN, 1970, p. 180).

O sujeito revela-se num outro campo, no cam-po simbólico, não se constitui enquanto uma unida-de, é dividido fendido, é falante, faltante, desejante,incompleto e traz nas suas Formações do Incons-ciente o sonho, ato falho, chiste, fantasia, sintoma,os quais estão assujeitados ao inconsciente.

Mesmo os sujeitos encontrando o endereço eadereço do professor-sujeito, este está dividido;segundo Lacan (1978), é dizer que só há sujeitoem ser falante (o fala-ser, le parletre). É a ordemdo significante que causa o sujeito, estruturando-onum movimento de divisão que faz advir o incons-ciente. O conceito de sujeito em psicanálise impli-ca no próprio desconhecimento deste em relaçãoàquilo que o determina, ou seja, o inconsciente. Essarelação de desconhecimento é constituinte do su-jeito e permite articular várias polissemias possí-veis de se pensar a cultura, a civilização, seja naarte, na ciência, na educação, na política ou nasrelações professor-aluno. A noção do inconscienteainda é estranha à educação, pois é difícil convivercom a idéia de que possa existir um saber do qualnada se sabe, mas sustenta a verdade do desejotanto de aprender quanto de ensinar. As bases filo-sóficas da contemporaneidade estão assentadas emindagações pontuais que envolvem as representa-ções sociais do professor-sujeito e seu endereço eadereço se desenham na indagação: se o profes-sor é sujeito, qual o endereço e adereço da suaverdade em sala de aula?

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Para tentar falar algo sobre essa indagação, tra-go um pequeno filete da canção do cantor e com-positor Caetano Veloso: você diz a verdade e averdade é seu dom de iludir.3 O dizer do poetacoincide com o dizer da representação social e odizer da psicanálise. A representação, segundoMoscovici, é um conceito que escapa, ou seja, éum conceito que quando pensamos que já capta-mos, desliza, escapa. Para a psicanálise, a palavraé ambígua, e o sentido, ao mesmo tempo que ilumi-na, oculta a verdade. A verdade é sempre parcial,é da ordem do impossível dizê-la na sua totalidade.

Dizer que a verdade é não-toda significa pre-cisamente que ela não mais deve ser buscada narelação entre um significado e um referente, comobem faz o professor não sujeito. Faz-se precisotrabalhar o sujeito do discurso na sala de aula naperspectiva de que é o simbólico que constitui oprofessor-sujeito falante, o qual vai falar de um sa-ber faltante.

O ato de educar expressa, em sala de aula, quehá um que sabe (o professor) e outro que não sabe(o aluno). A representação social do professor quenão é sujeito se configura naquele que transmite oconteúdo, repetindo os autores, é o disciplinadordas regras, é aquele que desconhece a singulari-dade de cada aluno. Esse jeito de ser professorfunciona como porta-voz de saberes e conhecimen-tos e faz do aluno objeto, ainda que este, possivel-mente, se rebele e reinvente seu próprio semi-saber.

Urge que emerja em ato a nomeação de pro-fessor-sujeito que, objetivado e ancorado em re-presentações sociais de falante, comprometido,afetivo, preparado e animado, encontra na suamaestria o real, ou seja, aquilo que não cessa denão se inscrever.

Tanto ensinar como aprender é um ato de de-sejo. Entre o sujeito que ensina e o sujeito que apren-de há um movimento pulsional que enoda os elos:real, simbólico e imaginário, os quais estruturamesse professor- sujeito que é movido pelo desejoinconsciente.

Por essa via Kupfer acrescenta:

Sem dúvida. O professor é também um sujeito mar-cado pelo próprio desejo inconsciente. Aliás, é exa-tamente esse desejo que o impulsiona para a funçãode mestre. Por isso, o jogo todo é muito complicado.Só o desejo do professor justifica que ele esteja ali.

Mas, estando ali, ele precisa renunciar a esse desejo(2001, p. 94).

Enquanto pesquisadora, indago: a representa-ção social de professor-sujeito contida no ensaiodessa estudo coloca afeto como efeito de colche-te para sustentar seu endereço e adereço? Nessesentido, Birman tenta articular:

O estatuto dos afetos ocupa uma posição contro-vertida na filosofia de Descartes, na medida em queestaria entre pólos do corpo e do sujeito, como lu-gar de passagem entre um registro e outro. Comoidéias confusas e não simples, marcadas pela obs-curidade e não pela clareza e luminosidade, os afe-tos não teriam a consistência dos pensamentos.(2005, p. 162).

Esse dizer do autor me faz pensar que o signifi-cante afeto da época em que se remete estava nocampo da fragilidade e lançado no limbo, como fo-ram as várias tentativas de colocar os aspectos sub-jetivos do sujeito também nesse lugar. Em Lacan,esse sujeito só recebe uma definição consistente apartir do seu texto Subversão do sujeito e a dialé-tica do desejo no inconsciente freudiano (1960).Em 1960, Lacan disse: “Um significante, é o querepresenta o sujeito para um outro significante”. Emseguida, esse dizer foi modificado para o seguinte:“Esse sujeito é o que esse significante representa, eeste só representa algo para um outro significante”.

As últimas décadas do século XX foram mar-cadas pela falta de pulsão na palavra do Outro epôde-se afirmar o anúncio de um certo desenhoque tem forma e cor de ceticismo. A palavra “uto-pia” que foi enodada pelo real, simbólico e imagi-nário do contexto ocidental, desde a RevoluçãoFrancesa, saiu da letra escrita, da letra falada e daluta do sujeito no mal-estar da civilização. O ideá-rio de felicidade prometida pelo iluminismo, peloqual o sujeito teria a condição de organizar umasociedade próxima da igualitária, desde quandopudesse ter o domínio da razão modelada na ciên-cia, obscureceu, e esse fato parece expressar odesamparo em que o sujeito se vê enredado.

Nessa lógica, Birman analisa:

Não é por acaso, certamente, que assistimos nosdias de hoje a um vigoroso processo de reevangeli-

3 Verso da música Dom de iludir, de Caetano Veloso.

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zação do mundo, através do qual se retorna à reli-gião como busca de proteção face ao desamparo.Busca-se, assim, uma visão de mundo reassegura-dora que possibilite proteção ao sujeito frente aomedo do indeterminado e ao acaso (BIRMAN, 2005,p. 229).

As representações sociais do professor-sujei-to, apreendidas nas falas dos sujeitos da investiga-ção, revelam que na sala de aula esse professor,em que pese ser sujeito, não é todo, mas é clivado,sujeito da falta; o objeto, causa de desejo4 , emer-ge, embora se encontre perdido. Tenta-se se apro-ximar desse objeto, mas esse objeto escapa, porqueseu saber também é não-todo.

É possível dizer que as representações sociaisdo professor-sujeito fazem a critica à transmissãodo saber da ciência. Para os pesquisadores que secolocam no lugar de professor-sujeito, fazer ciêncianão é necessariamente estar produzindo pesquisa epontuo essa formulação tomando como marco epis-temológico a concepção de que a ciência que o ca-pital fomenta é uma ciência em que a produção doobjeto de consumo é endereçado a um indivíduo,que porta o adereço do descartável, subverte a lógi-ca do sujeito do inconsciente, incompleto e eleva oindivíduo ao estado de racionalidade plena.

As representações sociais do professor-sujeitotem endereço (o saber produzido na sala de aula)e também adereço agalma (desejo, escuta, estilo erelação). É o professor que discute com o aluno odiscurso do mestre e o quanto este pode ou nãocontribuir na produção do conhecimento. Nessesentido, Pereira (2008, p. 200) nos convida a en-contrar a função do mestre:

Todo mestre, todo professor, todo governante, denossos tempos, se insistir no prolongamento injus-tificado de sua função ou no seu igualamento ao paiprimeiro (e a Deus), o máximo que forjarão a si é olugar de paródia. Se não admitirem o impossível de

tudo saber, essa impostura, própria da sua função,torna-se parodístico e derrisório.

O autor, nessa fala, insinua que, em grandemedida, o professor é aquele que se assemelhaao pai e impõe essa posição derrisória no ato deensinar. Quando os sujeitos desse estudo circu-lam as palavras falante, comprometido, afeti-vo, preparado e animado, representações querevelam uma posição de arrodeio, movimento,transito, na busca desse professor-sujeito. Nessemomento é possível que o lugar de paródia se pre-sentifique e, assim, possa emergir o outro lugar: ode professor-sujeito. As representações sociaisde professor-sujeito expressas pelos sujeitos desteestudo estão ancoradas na concepção do profes-sor que fala, que se compromete, que é afetivo,preparado e animado. Desse modo, metodologi-camente, a técnica de Associação Livre teve comoobjetivo os sujeitos apreenderem o professor-su-jeito a partir de uma composição preexistente. Éuma organização que é ao mesmo tempo simbóli-ca e imagética e orienta a informação sobre oobjeto de estudo.

A representação social, ao estudar a ação doprofessor na sala de aula, expressa um saber prá-tico de como os sujeitos do estudo sentem, assi-milam, apreendem e nomeiam o que é ser profes-sor-sujeito. São representações partilhadas nacomunicação, orientadas no sentimento de per-tença e metaforicamente similar a uma dobradi-ça, significante que se move num gesto de semi-abrir e semifechar para dar passagem aoprofessor-sujeito até a sala de aula, portando nasua algibeira o endereço e o adereço, marcas ins-critas originadas no mal-estar na civilização e navida cotidiana.

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4 Definição de Lacan: o objeto, causa de desejo, é a causa da faltado sujeito. (CHEMAMA, 2007, p. 279).

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François Larose; Dany Boulanger; Yves Couturier; Johanne Bédard; Serge J. Larivée

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AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO ANALISADOR

DA EMERGÊNCIA DE UMA NOVA PROFISSÃO EM EDUCAÇÃO:

o caso dos agentes de desenvolvimento no Québec

François Larose *

Dany Boulanger **

Yves Couturier ***

Johanne Bédard ****

Serge J. Larivée *****

Tradução: Anderson Araújo-Oliveira1

* Doutor (Ph.D) em Educação. Professor na Faculdade de educação, Université de Sherbrooke, CRIE-CRIFPE-CREAS.Endereço para correspondência: 2500 boul. de l’Université, Faculté d’éducation, Local A7-119, Sherbrooke (Québec-Canadá)J1K 2R1. E-mail: [email protected]** Doutorando em educação. Université de Sherbrooke, CRIE-CRIFPE. Endereço para correspondência: 2500 boul. de

l’Université, Faculté d’éducation, Local A7-356, Sherbrooke (Québec-Canadá) J1K 2R1. E-mail: [email protected]*** Doutor (Ph.D) em Serviço social. Professor na Faculdade de Letras e ciências humanas, Université de Sherbrooke, CRIE-

CRIFPE. Endereço para correspondência: 2500 boul. de l’Université, Faculté de Letras e ciências humanas, Local A5-313,Sherbrooke (Québec-Canadá) J1K 2R1. E-mail: [email protected]**** Doutor em Pedagogia. Professora na Faculdade de educação, Université de Sherbrooke, CRIE-CRIFPE. Endereço para

correspondência: 2500 boul. de l’Université, Faculté d’éducation, Local A7-111, Sherbrooke (Québec-Canadá) J1K 2R1. E-mail: [email protected]**** Doutor (Ph.D) em Pedagogia. Professor na Faculdade de ciências da educação, Université de Montreal, GREASS-

CRIFPE. Endereço para correspondência: 90, ave. Vincent-d’Indy, Faculté des sciences de l’éducation, Local C-344, Montréal(Québec-Canada) H2V 2S9. E-mail: [email protected] A revista da FAEEBA agradece a Anderson Araújo-Oliveira, doutorando em Educação na Université de Sherbrooke/Québec, Canadá,pela tradução para a língua portuguesa que fez do presente texto, possibilitando a sua publicação neste número sobre Educação eRepresentações Sociais.

RESUMO

Este artigo discute as condições que marcam o aparecimento e a estruturação deofícios e de profissões no campo da educação em um momento em que se repensa aarticulação entre a escola, a família e a comunidade. Para tanto, definimos os atributosde uma representação social (RS) e o que a distingue da representação enquantocaracterística cognitiva individual e buscamos demonstrar sua pertinência teórica pormeio de um estudo realizado com agentes de desenvolvimento em meio escolar ecomunitário, profissão relacional emergente no Québec. Identificamos maisprecisamente os indícios de construção de uma RS dessa profissão, a especificidadedas competências às quais ela recorre, as suas finalidades, bem como as prescriçõesassociadas ao seu exercício na interface entre três sistemas complexos que são aescola, a família e a comunidade.

Palavras-chaves: Representações sociais – Relação escola, família, comunidade –Metodologia – Estatística textual – Gênese das profissões

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As representações sociais como analisador da emergência de uma nova profissão em educação: o caso dos agentes de desenvolvimento...

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ABSTRACT

THE SOCIAL REPRESENTATIONS AS AN ANALYSING TOOL FOR THEBIRTH OF A NEW PROFESSION IN EDUCATION: the development agents’case

In this paper we analyse the objective and subjective conditions of development oftrades and professions within the education field while the relationships between theschool, the family and the community is being restructurated. First, we define thesocial representation (SR) construct by differentiating it from the psychologicalrepresentation a personal cognitive construct and, therefore, we demonstrate theutility of the SR construct when studying a common sense knowledge corpus producedby practioners of a new trade, the development agents in school and community inQuébec. Further on, we describe what are the indications of the construction of a SRfor this new trade, the specificity of the skills and knowledges associated and theprescriptions related to its realization in interface of various complex systems such asschool, family and the community.

Keywords: Social representations – School, family and community relationship –Methods – Textual data analysis – Professions’ origins

Em voga nos últimos vinte anos, nas ciênciashumanas e sociais, a teoria das representaçõessociais (RS) encontrou múltiplos usos em pesqui-sa, sobretudo no campo das ciências da educação.No entanto, faz-se mister constatar que a utiliza-ção abundante do constructo de RS e a ampliaçãode seu sentido e de sua definição, feito por váriosautores, conduziu a uma perda progressiva de seuvalor heurístico. Isso sem contar com os errosmetodológicos cometidos por numerosas pesqui-sas que recorrem a este constructo. Assim, porexemplo, num estudo sobre as RS dos professoresquebequenses em relação aos alunos deficientes ea sua integração escolar, Kabano (2001) generali-zava à profissão, ou seja, a cerca de 64.000 pro-fessores regulares do pré-escolar, do primário e dosecundário, os resultados tirados de 29 entrevistasrealizadas com professores de somente dois des-ses níveis de ensino. A análise do discurso realiza-da confundia assim representações individuais(esquemas cognitivos ou imagens mentais própri-os a um indivíduo) e RS; esta última constituindo-se como o somatório das primeiras.

Neste artigo, veremos, em primeiro lugar, comose constrói de maneira específica uma RS e comoesse constructo se distingue de outros conceitosprocedentes da sociologia ou da psicologia, como

é o caso dos conceitos de representação mental,de crença e de percepção. Em um segundo mo-mento, demonstraremos a pertinência teórica des-se constructo. Para isso, apresentaremos algunsresultados de um estudo realizado com agentes dedesenvolvimento em meio escolar e comunitário,profissão relacional emergente no Québec. Nóstrataremos também das condições que marcam onascimento e a estruturação de ofícios e de profis-sões no campo da educação em um momento emque se repensa a articulação entre a escola, a fa-mília e a comunidade. Em seguida, apresentare-mos alguns resultados da análise do discurso deagentes de desenvolvimento e de diferentes inter-ventores das redes de educação, de saúde e deserviços sociais com os quais esses agentes inte-ragem a fim de verificar a existência de indícios deuma provável RS que defina, ao mesmo tempo,este ofício emergente, a especificidade das com-petências solicitadas, bem como suas finalidades eas prescrições associadas ao seu exercício. Ter-minaremos este artigo propondo uma reflexão so-bre a possibilidade de emergência de uma novacategoria de atores no domínio periescolar2 , namedida em que a função exercida situa-se menos

2 Complementar do ensino escolar

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de um ponto de vista da compensação de tarefasescolares por unidades profissionais externas mas,sobretudo, no plano da organização das interfacesentre os sistemas complexos que constituem a es-cola, a família e a comunidade.

As RS: o que são e o que não são

Para Kant, os objetos do nosso conhecimentosão apenas representações mentais, pois o conhe-cimento direto da realidade em si mesma não nosé possível (DICKERSON, 2004). No entanto, foigraças a Durkheim (1898) que o conceito de re-presentação adquiriu suas letras de nobreza, inici-almente no seio da sociologia e, mais tarde, empsicologia. Para este autor, a representação com-preende um vasto universo de formas mentais (ci-ências, religiões, mitos, espaços, tempos, etc.), deopiniões e de conhecimentos sem distinção. Nestaperspectiva, esse conceito equivale ao conceito deidéia ou de sistema, sem especificação de suascaracterísticas cognitivas. Durkheim recorre tam-bém ao conceito de representações coletivas paraanalisar diferentes fenômenos sociais, postulandoa possibilidade de explicá-los a partir das repre-sentações e das ações que elas possibilitarão aosindivíduos de diferentes categorias sociais. Piaget(1936, 1950, 1960), por sua vez, vai introduzir umaruptura importante com relação aos trabalhos deDurkheim, mostrando que, mesmo se as represen-tações coletivas exercerem um certo efeito sobreas representações individuais, o indivíduo – pormeio do seu desenvolvimento – adquire uma auto-nomia no que concerne a suas próprias represen-tações, tanto em relação ao seu processo desocialização como em matéria de cognição. Essasrepresentações evoluem em função das relaçõessucessivas que o sujeito estabelece com a socie-dade. Sendo assim, Piaget remete em questão opressuposto durkheiniano, segundo o qual existiriauma homogeneidade nas representações transmi-tidas de uma geração à outra numa coletividademais ou menos ampla.

Em psicologia, a representação forma a rela-ção simbólica entre o ambiente externo e o nossomundo mental. Quando codificamos nossas expe-riências no mundo, construímos representações que

vão desempenhar um papel essencial na nossacompreensão e nas nossas aprendizagens futuras.A representação forma assim uma síntese cogniti-va dotada de globalidade, coerência, constância eestabilidade. Ela é o produto de um processo deconstrução individual a partir da ação do real so-bre nossos sentidos, das propriedades neuropsico-lógicas da memória e, por último, das dimensõesafetivas ou ambientais que agem tanto no proces-so de memorização quanto na organização e naativação dos esquemas cognitivos que formam asrepresentações do real (BLIN, 1997; VERG-NAUD, 2007).

Em princípio, as representações cognitivas, bemcomo os esquemas aos quais elas colaboram aconstruir, têm, dentre outras funções, a de orientarnossas condutas. Elas sustentam assim as atitu-des que, apoiando-nos nos trabalhos de Ajzen eFishbein (1980) que retomam os de Allport (1935),definimos como uma variável unidimensional, ouseja, uma predisposição aprendida para reagir facea um objeto ou a uma classe de objetos de maneiraconstantemente favorável ou desfavorável. Nestaperspectiva, se a atitude é estável, a representa-ção que a sustenta e a conduta prevista do sujeitotambém o serão. Tanto a representação como aatitude são características individuais, variáveis depersonalidade. Neste sentido, em contexto de pes-quisa não podemos determinar como invariante asimples soma de representações individuais, prin-cipalmente quando estas últimas resultam das di-mensões cognitivas e de sua mediação em contextode prática, ou seja quando se deseja levar em con-sideração a sua mediação conativa3 .

Os trabalhos de Moscovici (1961, 2000) e, prin-cipalmente, os trabalhos posteriormente desenvol-vidos por Moliner (1995, 2001), Moliner e Martos(2005), Markova (2003) e Howarth (2006) permi-tiram identificar uma dimensão específica do cons-tructo de RS que nos oferece um equivalentecoletivo à noção de atitude. Trata-se de uma fun-

3 Por conação ou mediação conativa compreendemos os pro-cessos que permitem ao indivíduo orientar, controlar e regularas suas condutas, levando em consideração tanto suas compe-tências cognitivas e metacognitivas como a percepção e a aná-lise que ele faz de um contexto ou de uma realidade. Esta defini-ção se insere na perspectiva proposta por Wallon (1945/1989)e Reuchlin (1978).

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ção que é específica às estruturas periféricas dasRS e que permite identificar, dentro de um conjun-to de conhecimentos do senso comum, construídoem função de um objeto social específico, certasdimensões prescritivas que vêm alimentar ou apoi-ar as atitudes individuais e, por conseguinte, per-mitir a identificação de prováveis preditoresestáveis das condutas dos membros de uma dadacoletividade. Nós dispomos, assim, de um instru-mento que possibilita a identificação e a descriçãode certas invariantes no plano dos esquemas co-nativos que podem contribuir para a elaboração ea validação de uma teoria da identidade específicade uma certa categoria socioprofissional, conside-rando-se, todavia, a possibilidade de generalizaçãodessa teoria – a uma classe de profissionais emum dado contexto – que proporciona a qualidademetodológica da investigação em questão.

Do saber experiencial ao saber dosenso comum, um processo de reifi-cação?

Se as RS são conhecimentos do senso comume, deste modo, conhecimentos mais ou menos es-truturados, próprios e específicos a uma categoriasocial, eles são, por conseqüência, o objeto e o pro-duto de um processo de reificação (LAVE; WEN-GER, 1991; TOMPSETT; ALSOP, 2003). Por rei-ficação, nós entendemos um processo de abstraçãode um certo número de propriedades estruturais eespecíficas a um objeto simbólico – por exemplo,os esquemas que compõem, no plano cognitivo, onúcleo central de uma RS – assim como a sua ob-jetivação ou a sua transformação em componen-tes prescritivos comuns determinando o “que fa-zer” individual (atitude) ou coletivo em relação aesse objeto. A leitura da gênese e da evolução deuma RS sob a óptica da reificação da experiênciacoletiva permite assim distinguir o caráter operaci-onal de uma definição bidimensional dos atributosque a compõem (MOLINER, 1995; MOLINER;MATOS, 2005). Nessa perspectiva, uma dimen-são essencialmente cognitiva circunscreve o nú-cleo central e uma dimensão conativa – as estru-turas periféricas – se transformam em vetores daintegração da experiência individual e coletiva no

plano das atitudes e das prováveis condutas dosmembros de uma entidade social em certos con-textos bem definidos.

Vista como um processo de reificação de umsaber do senso comum, a conceitualização da gê-nese de uma RS, nos limites da apropriação de umcorpus coerente de definições conceituais pelosmembros de um grupo socialmente circunscrito,está em harmonia com os papéis que Abric (1994)lhes atribui. Esse autor associa à RS uma funçãode saber, uma função identitária, uma função deorientação ou de prescrição de comportamentosbem como uma função de justificação das condu-tas efetuadas. Na sua função de saber, ela permiteao indivíduo apreender e compreender o mundoque o cerca, tornando-o portador dessa mesmarealidade (HOWARTH, 2006). É favorecendo aaquisição e a integração de conhecimentos numquadro assimilável e compreensível que ela asse-gura esta compreensão do mundo. Os conhecimen-tos assimilados refletem o sistema cognitivo e osistema de valores do grupo ao qual esse indivíduopertence (ABRIC, 1994).

No que diz respeito a sua função identitária, aRS fornece ao indivíduo uma identidade compatí-vel com as normas e os valores de um certo gruposocial (MUGNY; CARUGATI, 1985). Esse indi-víduo constrói sua identidade em referência às re-presentações veiculadas no grupo cujo acesso sedá por intermédio de seus intercâmbios sociais(HOWARTH, 2006). A RS exerce igualmente umafunção de orientação ou de prescrição de compor-tamentos e práticas sociais (ABRIC, 1994). Elafornece um código que ordena e estrutura os obje-tos do ambiente imediato, permitindo que o indiví-duo se oriente no mundo material e social (VOE-LKLEIN; HOWARTH, 2005). A realização dessafunção se apóia em três fatores ou sub-funções(ABRIC, 1994). É em referência às RS que asfinalidades das situações sociais são definidas e éem torno delas que as atividades de um grupo seestruturam. Elas agem, assim, como prescritoresdos comportamentos que um indivíduo terá dentrodo grupo. Elas produzem também um sistema deantecipação e de expectativas que seleciona osobjetos do real. Baseado em suas RS, o indivíduointerpreta as informações acessíveis em confor-

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midade com seu sistema de expectativas. Umafunção similar àquela das atitudes descritas acimapode ser assim identificada.

Por meio de sua função de antecipação, a RSprecede toda interação social, o que equivale a afir-mar que ela dá forma a seu desenvolvimento e queela possibilita a decodificação e a seleção dos seuscomponentes constitutivos (ABRIC, 1994). Eladetermina também a natureza dos intercâmbiossociais, normalizando os objetos e designando asregras solicitadas por estes intercâmbios (ABRIC,1994; VOELKLEIN; HOWARTH, 2005). Ela age,então, como “um sistema que torna certas reaçõese certas decisões mais prováveis que outras” numdado contexto social (RAUDSEPP, 2005, p. 119).Ela exerce, finalmente, uma função de justificaçãodas condutas a posteriori. Para um grupo, o fatode justificar as condutas dos seus membros, apóssua realização, permite manter sua posição face àsociedade da qual ele faz parte, ao mesmo tempoem que colabora com sua diferenciação.

Reificação dos conhecimentos, funçãoidentitária das RS e emergência de umofício ou de uma profissão

A literatura científica coloca em evidência asdiferentes etapas pelas quais um ofício emergen-te – do mesmo modo que uma profissão – devempassar para se constituir como objeto do sensocomum e, desse modo, ser reconhecido no espa-ço público (BLIN, 1997; BOUTHILLIER;O’SHAUGHNESSY, 1997; GRABOT, 2004).Apresentando rapidamente, essas etapas são asseguintes: emergência do ofício, seu reconheci-mento social, proclamação de seus domínios ex-clusivos de competências, profissionalização doofício, emergência de uma disciplina universitáriavisando o estudo dos conhecimentos e das práti-cas profissionais e, por último, construção de umaordem profissional a fim de reconhecer seu esta-tuto de profissão. No centro dessa dinâmica só-cio-histórica, encontra-se a capacidade de umgrupo de indivíduos de delimitar um domínio deação e um campo de conhecimentos e de compe-tências cuja exclusividade é reconhecida tanto pe-los sujeitos que exercem uma dada profissão quanto

por outros profissionais direta ou indiretamente aela ligados (ABBOTT, 2003).

A primeira etapa dessa construção apóia-se nareificação de um certo número de conhecimentosespecíficos e de traços identitários próprios àque-les que a compartilham. Estes conhecimentos, maisou menos estruturados, são reconhecidos e com-partilhados tanto pelos membros da unidade socialem questão quanto pelos atores com os quais elesagem e interagem. Trata-se de conhecimentos deuma dupla natureza. Eles são em primeiro lugar detipo teórico (o corpus que descreve o campo e aespecificidade da função) e, em segundo lugar, detipo prático (o domínio de intervenção e a naturezados gestos postos em prática) (CROSTA, 1998;WENGER, 1998). No exercício dos ofícios ditosrelacionais – como é o caso, por exemplo, do psi-cólogo, do assistente social, do professor etc. –, oreconhecimento da sua especificidade passa pelaemergência de um olhar plural e cruzado efetuado,por um lado, pelos profissionais do ofício em consti-tuição e, por outro, pelos profissionais que exer-cem ofícios ou profissões reconhecidos. Isso só épossível na medida em que os atores compartilhemum mesmo campo de intervenção e que esse olharse exerce tanto sobre a natureza do meio de inter-venção, como sobre a natureza dos seus sujeitos esobre a complementaridade dos gestos profissio-nais postos em prática (COUTURIER, 2004;COUTURIER; CHOUINARD, 2003). Conse-qüentemente, há o aparecimento de um discursoreificado, compartilhado e consolidado pelo efeitodas interações entre os diferentes atores pensadosnão mais como indivíduos isolados, mas como ve-tores de identidades “profissionais”.

A emergência do ofício de agente dedesenvolvimento em meio escolar: ele-mentos de dinâmica histórica

A forma pela qual a intervenção dos professo-res e dos profissionais não docentes acontece nouniverso escolar, bem como a intervenção dos di-versos serviços governamentais dentro e fora des-se universo, reflete uma realidade complexa, aomesmo tempo herdeira da incerteza das prerroga-tivas de profissões mais ou menos instáveis e da

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lógica da intervenção preventiva junto à infância“em situação de risco” na América do Norte (CA-RIA, 2006; CARRIER; DUMAS-LAVERDIÈ-RE; GAGNON, 2006; LAROSE; COUTURIER;BOULANGER, 2007; VAN CUTSEM, 2000). Aconfluência entre a dimensão socioeducativa daintervenção de profissionais não docentes e a di-mensão de socialização específica ao trabalho dosprofissionais do ensino aparece no Québec, des-de o final dos anos 1960, em um contexto marca-do pela introdução das lógicas de práticas deprevenção precoce procedentes da constelaçãode programas do tipo Head-Start nos EstadosUnidos da América (BISSEL, 1971; CONNEL,1994; LAROSE; TERRISSE; BÉDARD; KAR-SENTI, 2001).

Nos anos 1980 e 1990, a presença de profissio-nais não docentes no universo escolar atenuou-seprogressivamente na maioria dos países industria-lizados, ao ponto de se tornarem marginais. Du-rante este período, a quantidade de profissionaisdos ofícios relacionais presentes sistematicamentenas escolas canadenses, tais como os assistentessociais, os psicólogos e os psicopedagogos nãocessou de diminuir, essencialmente por motivoseconômicos (GOUVERNEMENT DU QUÉBEC,1998a, 2006). Tanto no Canadá como em outroslugares, essa tendência consolidou a dinâmica deconfinamento das profissões relacionais em tornode um mandato de intervenção de caráter pura-mente clínico e o quase desaparecimento das rela-ções propícias à emergência de práticas de tipointerdisciplinar entre os atores das redes de edu-cação, de saúde e de serviços sociais (GOUVER-NEMENT DU CANADA, 2001; HINSHAW,1995; LAROSE; TERRISSE; LENOIR; BÉ-DARD, 2004).

Em contexto escolar, essa tendência veio acen-tuar a ruptura das relações estabelecidas entre aescola, a família e a comunidade e conduzir a di-versas tentativas de respostas compensatórias.Assim, na Grã-Bretanha, como nos EUA, viram-se emergir novos “pequenos ofícios da relação”,tal como o de Liaison officer (SANDERS, 2008;VULLIAMY; WEBB, 2003). No Québec, ao con-trário, no lugar dos profissionais reconhecidos as-sistimos antes ao aparecimento e à presençamarcada dos profissionais de ofícios menos reco-

nhecidos, os técnicos em educação especializadaou em serviço social. Essa tendência permitia as-sim liberar os profissionais docentes de um man-dato de intervenção para o qual eles estavam poucoe mal preparados, sem contar que ela implicavaem pouco custo e nenhum vínculo empregatício alongo prazo para as administrações escolares lo-cais (TARDIF; LEVASSEUR, 2004). As conse-qüências deste fenômeno foram numerosas eimportantes, principalmente nas relações hierárqui-cas entre os profissionais do ensino e os outrosinterventores no seio das instituições escolares (LE-VASSEUR; TARDIF, 2005). Paralelamente aoaumento da presença dos técnicos, viu-se emergirum novo ofício relacional, pouco definido a priori,seja no seio das coletividades de implantação dasescolas, seja nas próprias escolas. Esses ofíciostêm funções de animação, de ligação e de media-ção. Eles podem estar centrados nas relações como aluno, ou nas relações entre a escola, as famíliase seus meio-ambientes. Na secção seguinte, nósnos interessamos particularmente pela figura doagente de desenvolvimento em meio escolar.

O agente de desenvolvimento em meioescolar: um ofício relacional situadona interface entre o escolar, o sociale o comunitário

Embora o ofício de agente de desenvolvimentoemerja em diversos países industrializados a partirdos anos 1990, é somente no início dos anos 2000que essa função aparece de maneira sistemáticano Québec. Centrada inicialmente no desenvolvi-mento econômico e social, sobretudo no meio ru-ral, essa função aparece no meio escolar desdeseu início, situada na interseção entre a escola e osserviços oferecidos pela comunidade. Pouco defi-nida em seu começo, essa função se estruturoupouco a pouco em torno de uma certa quantidadede projetos provenientes tanto do meio escolar comocomunitário, tendo como meta principal o restabe-lecimento de relações entre a escola, a família e acomunidade. Dentre estes projetos, podemos citaros serviços sociais e de saúde numa perspectivade apoio à resiliência social e escolar de criançasde meio socioeconômico desfavorecido (BILO-DEAU; BÉLANGER, 2007; GOUVERNEMENT

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DU QUÉBEC, 2003; TERRISSE; LARIVÉE;BLAIN, 2008).

De uma maneira geral, ao agente de desenvol-vimento ou de ligação, independentemente da suaidentidade profissional primária, compete desem-penhar o papel de apoio ao estabelecimento de re-lações entre os profissionais do meio escolar, osprofissionais das redes de saúde e de serviços so-ciais e dos diversos organismos comunitários. Noentanto, essas funções evoluíram em busca do re-conhecimento de um papel de porta-voz da inter-venção socioeducativa junto aos profissionais e aosquadros administrativos dessas redes. De fato, umacurta análise do conteúdo de diversos documentosque descrevem as responsabilidades dos agentesde desenvolvimento, pouco importando a sua fontede utilização, permite identificar certos elementoscomuns:

– a promoção da regulamentação e da res-ponsabilização do meio pelo próprio meio (funçãode apoio ao empowerment dos indivíduos e dascomunidades);

– a mobilização e o acompanhamento dos ato-res sociais, econômicos, institucionais e políticosem torno de projetos comuns;

– a implantação e a animação de projetos, as-sim como a gestão dos momentos de regulamenta-ção entre os diferentes atores;

– o questionamento dos modos de ação con-vencionais dos diversos interventores implicados eo apoio à análise das práticas profissionais.

Estas características se encontram no centrodas descrições articuladas “da profissão” de agentede desenvolvimento no domínio econômico ou co-munitário (NAJIM; VEDELAGO, 2001).

A experiência do programa Família-es-cola-comunidade: ter êxito juntos e agênese de uma identidade profissio-nal

O programa Família-escola-comunidade: terêxito juntos (FECRE) preconiza a construção e aoperacionalização, no interior de uma escola pri-mária, de Planos de Sucesso da Escola (PSE)4

por equipes locais5 , compostas de membros daescola, de interventores da comunidade e de pais

de alunos. Esses planos são construídos e orienta-dos em função da escolha de um fator de sucessoespecífico para cada um dos cinco eixos visados(criança, família, escola, classe, comunidade), a fimde inscrever numa perspectiva integradora à açãode diferentes atores (professores, interventoresescolares não docentes, interventores das redes desaúde e de serviços sociais, representantes da co-munidade, pais de alunos, etc.). Os Planos de Su-cesso da Escola devem ser construídos numaperspectiva de duração de cinco anos e ser avalia-dos anualmente pelo conjunto dos parceiros.

Esse programa situa-se, assim, indiretamente, nastendências de transformação da intervenção socio-educativa inscritas na evolução que permite passarde uma relação cliente-especialista para o estabele-cimento de uma relação de parceria, reconhecendo,ao mesmo tempo, as competências dos profissio-nais ligados à escola, bem como as dos profissionaisde diversas redes que intervêm junto às crianças eà suas famílias. Ele utiliza a construção do objeto daintervenção como ponto de partida para o estabele-cimento de uma intervenção profissional de caráterinterdisciplinar (LAROSE; BÉDARD; TERRISSE;COUTURIER, 2004; TERRISSE; LAROSE; COU-TURIER, 2003), inscrevendo-se numa lógica de“empowerment” e de resiliência social e escolar(TERRISSE; LEFEBVRE; LAROSE, 2001). Aeste propósito, o programa FECRE reconhece aimportância do capital social e da sua aplicação, ins-crevendo a intervenção educativa e socioeducativanuma lógica de redes interligadas no centro da qual

4 No Québec, cada escola deve produzir uma planificação permi-tindo concretizar o seu projeto educativo. Esse projeto é cons-tituído pelas orientações teóricas próprias à escola e por umconjunto de objetivos que visam melhorar o sucesso escolar dosalunos. Ele deve incluir também uma planificação das ações quevalorizam suas orientações e que as integre no dia-a-dia da esco-la. Trata-se do Plano de Sucesso da Escola (PSE), que deveapresentar os meios et as modalidades relativas ao enquadramentodos alunos a fim de concretizar a melhoria do sucesso escolardestes últimos, assim como uma descrição detalhada do modo edos meios de avaliação sistemática dos objetivos estabelecidos.O plano de sucesso é avaliado, revisto e, se necessário, atualiza-do anualmente.5 Enquanto a equipe-escolar é composta pelos profissionais domeio escolar, cuja intervenção acontece de maneira exclusivana escola, a equipe local se compõe de representantes da equipe-escolar (direção, professores etc.), dos profissionais das redes desaúde e de serviços sociais et dos organismos comunitários, ten-do por meta a construção e a gestão do Plano de Sucesso daEscola (PSE).

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se encontra a escola (BOTTRELL, 2009; MISU-MI, 2005). Ele se inscreve também numa perspec-tiva de ancoragem das práticas educativas escolaresno interior das práticas sociais de referência dos jo-vens alunos (MARTINAND, 2000; PERRENOUD,2003). É neste sentido que os conceitos de comuni-dade-educativa e de equipe-escolar se articulamnuma perspectiva integradora (GOUVERNEMENTDU QUÉBEC, 1998B). É também numa perspecti-va de apoio ao desenvolvimento das equipes locaise de realização de uma intervenção articulada entrea equipe-escolar e os outros interventores que sedefine o papel principal do agente de desenvolvi-mento.

Alguns dados de pesquisa

No quadro de um estudo visando avaliar o im-pacto do programa FECRE, realizado entre 2006 e20096 , tínhamos por meta – dentre outras coisas –identificar os principais componentes de uma even-tual RS do papel e da identidade dos agentes dedesenvolvimento que intervêm nesse programa. Osdados que serão apresentados nas páginas seguin-tes são tirados do resultado da análise lexicométri-ca de entrevistas realizadas em Maio de 2007 comagentes de desenvolvimento FECRE, bem comodos resultados gerados no âmbito das entrevistasde grupo efetuadas junto a interventores das equi-pes locais FECRE entre outubro e dezembro domesmo ano. A amostragem da primeira entrevistafoi composta por 15 dos 16 agentes de desenvolvi-mento associados às 11 comissões escolares7 e às24 escolas que participaram do programa em 2006-2007. A segunda amostragem foi composta por 283interventores provenientes das 18 equipes locaisque agrupavam o conjunto das escolas participan-tes em 2007-2008. Os agentes de desenvolvimen-to que participaram dessa segunda amostragemforam excluídos da entrevista para os itens especí-ficos ao seu papel e à sua função.

Método de coleta e de análise dosdados

As entrevistas individuais com os agentes dedesenvolvimento foram realizadas por intermédio

de entrevistas telefônicas, de uma duração médiade cinqüenta minutos, abordando os quatro temasseguintes: 1) definição do papel e das competênci-as do agente de desenvolvimento; 2) história e di-nâmica das equipes locais; 3) parceria, colaboraçãoe dinâmica de parceria; 4) e, por último, interaçãoentre os participantes da equipe local. Somente trêsdos cinco itens do primeiro tema serão abordadosnas páginas subseqüentes.

As entrevistas de grupo foram realizadas numcontexto específico a esse tipo de coleta de dadoselaborada pelos pesquisadores do CRIE (Centrode pesquisa sobre intervenção educativa). Antesde tomar a palavra, cada participante se identificade modo que o verbatim constituído permita atri-buir um peso específico ao discurso de cada sujei-to; essa ponderação é levada em conta no momentoda análise estatística do discurso realizada por meiode um modelo de análise fatorial específico8 ,apropriado para tabelas de dados de frequênciasdispersos, Análise Fatorial de Correspondências(AFC)9 (LEBART; SALEM, 1994; LEBART; PI-RON; STEINER, 2003). Neste artigo, só os doisitens do quinto tema da entrevista de grupo, quetrata especificamente do papel do agente de de-senvolvimento, serão abordados.

Resultados

A primeira série de entrevistas foi realizada juntoaos agentes de desenvolvimento. A análise das

6 O estudo intitulado “Étude évaluative des impacts duprogramme “Famille, école et communauté, réussir ensemble”sur la création de communautés éducatives soutenant lapersévérance et la réussite scolaire d’élèves “à risque” au primaire(2006-2009)” foi financiada pelo Fonds Québécois de Recherchesur la Société et la Culture (FQRSC) e realizada sob a direção dopesquisador F. Larose. Os pesquisadores J. Bédard, Y. Couturier,S. Larivée, A. Lenoir, Y. Lenoir e B. Terrisse também colabora-ram nessa investigação.7 Uma comissão escolar é uma entidade jurídica concebida peloMinistério da Educação do Québec à qual este último delegacertos poderes, a fim de administrar, em um dado território, asescolas primárias e secundárias aos níveis organizacional, fi-nanceiro, pedagógico etc.8 Nós apresentaremos um único plano fatorial, pois em seuformato original sua legibilidade é consideravelmente reduzida.9 Para mais informações sobre a utilização da lexicometria noâmbito da análise das RS, convidamos o leitor a consultar ostrabalhos seguintes cuja referência completa consta da lista bi-bliográfica apresentada no final deste texto: Larose et al. (2008);Larose, Grenon, Bédard e Bourque (2009).

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comunalidades do discurso permite constatar di-versas competências contextualizadas que devepossuir o interventor, sobretudo quando este traba-lha no âmbito do programa FECRE. Essas compe-tências são, principalmente, a capacidade de análisede situações, as competências relacionais, o co-nhecimento das particularidades dos meios desfa-vorecidos, o respeito aos diversos parceiros e oreconhecimento da especificidade das suas com-petências profissionais ou individuais. O agente dedesenvolvimento deve também gozar de um fortesenso de organização, de boas capacidades de ani-mação e de sólidas competências metodológicasno plano da investigação, da síntese e da difusãoda informação num formato adaptado aos parcei-ros ou aos indivíduos com os quais ele deve intera-gir. A análise do discurso dos outros interventorescoloca em evidência também diversas qualidadesou competências de ordem pessoal que o agentede desenvolvimento deve possuir de uma maneirageral. As qualidades seguintes são destacadas: eledeve ter uma grande capacidade de escuta, saberse adaptar, ser amável e exercer naturalmente di-versas formas de liderança.

A aplicação dessas competências é contextua-lizada de acordo com o domínio de intervenção doagente de desenvolvimento. Este domínio evolui noritmo da sua inserção no programa e, conseqüen-temente, na equipe local (cf. figura 1). Assim, osinterventores que possuem menos experiência noprograma, ou seja aqueles que participam há ape-nas um ou dois anos (retângulo vermelho), cen-tram sua intervenção no meio escolar. Elesassumem secundariamente uma função de cone-xão com o meio familiar, na medida em que elesasseguram a mobilização e a integração dos paisnas atividades e nos projetos organizados no âmbi-to das atividades escolares. Nessa fase, são ascompetências comunicativas ligadas à difusão dainformação na equipe-escolar, à intenção do pes-soal docente, que são priorizadas.

Em sentido contrário, os agentes de desenvol-vimento que têm três anos ou mais de experiênciano programa assumem sempre essas atividades dedifusão de informação, mas eles focalizam suaatenção, sobretudo, nas funções de organização ede apoio aos projetos iniciados e desenvolvidos a

partir da comunidade na qual a escola se insere(círculo azul). Eles assumem uma atividade deacompanhamento junto aos diversos meios esco-lares, bem como uma função de tradução das ini-ciativas desenvolvidas no âmbito do Plano deSucesso da Escola junto às diversas instâncias ad-ministrativas, dentre as quais podemos citar a co-missão escolar mas também os diversos parceirostanto governamentais como para-governamentais.

A análise do discurso dos outros 266 interven-tores que participaram das entrevistas de grupocom as diferentes equipes locais vem confirmar osresultados acima apresentados. Assim, em respostaà pergunta Como vocês definem o papel do agen-te de desenvolvimento?, os diversos atores o qua-lificam do seguinte modo: o agente de desenvolvi-mento exerce uma função de mobilização, deorganização, de acompanhamento e de informa-ção face às diversas categorias de interventoresrepresentados bem como junto aos organismos aosquais eles estão vinculados. A função de mobiliza-ção se desenvolve na equipe local mas também nacomunidade, em torno de projetos específicos ejunto à família, visando à busca de respostas àssuas necessidades de informação e de formação,bem como às necessidades que são específicas àcriança.

O discurso dos interventores das equipes locaiscoloca em evidência um certo número de compe-tências individuais ou profissionais que permitem oexercício do papel do agente de desenvolvimento.Mais uma vez, essas competências ou qualidadessão coerentes com aquelas que emergiram da aná-lise do conteúdo das entrevistas com os agentesde desenvolvimento. Trata-se, essencialmente, dorespeito para com os diversos atores com os quaiseles interagem, assim como de competências liga-das à comunicação e à organização. O espírito deiniciativa e a capacidade de propor projetos inova-dores, de orientá-los e de exercer uma forma deliderança fazem também parte do discurso (cen-tral) destes sujeitos. Por último, a capacidade deexercer uma função “de transmissor cultural” oufacilitador das interações entre as diversas cate-gorias de interventores e os pais de meios socioe-conômicos desfavorecidos permeiam também odiscurso dos sujeitos entrevistados.

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A última pergunta que completava nossas en-trevistas de grupo era formulada da seguinte ma-neira: Em que a ausência de um agente dedesenvolvimento afetaria o funcionamento devossa equipe local?. A resposta dos sujeitos aessa questão é relativamente unânime. Sem agen-te de desenvolvimento, a existência de equipes lo-cais seria inconcebível. As funções de transferênciade informação à equipe-escolar e à comunidade,por um lado, bem como aos diversos organismosparceiros do programa, por outro lado, não poderi-am ser asseguradas. As administrações escolaresbem como os profissionais das redes de saúde ede serviços sociais não podem assegurar a mobili-zação dos atores e o acompanhamento das ativi-

dades associados aos diversos projetos que emer-gem da aplicação do Plano de Sucesso da Escola.As competências que qualificam o papel do agen-te de desenvolvimento não são inerentes aos ou-tros profissionais com os quais eles interagem, elassão, sobretudo, complementares. Além disso, opapel deste último não é definido nem pela realiza-ção de atividades de natureza clínica – como é ocaso dos profissionais das diversas redes e dosprofissionais não docentes do sistema escolar –,nem pelos limites do campo de intervenção dosorganismos governamentais ou para-governamen-tais. Sem agente de desenvolvimento, as priorida-des do quotidiano conduzem os atores a desenvolveruma intervenção “em silo”, confortando-se na con-

Figura 1: Análise Fatorial das Correspondências entre o discurso dos sujeitos sobre a atividade doagente de desenvolvimento e o ano do seu ingresso no programa.

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cepção de um profissionalidade fechada e, assim,prejudicando diretamente a construção e a pereni-dade de uma intervenção de caráter interdiscipli-nar e integrador.

Discussão dos resultados

Pertinência do constructo de RS para a análiseda gênese de um ofício relacional

Falávamos, no início deste artigo, sobre diver-sas condições necessárias para que pudéssemosconsiderar a gênese de uma representação social,tendo em vista caracterizar uma entidade profissi-onal. No centro destas últimas encontra-se aexistência de uma unidade social que se demarcacomo uma comunidade de práticas e de aprendi-zagens. Com efeito, se as representações sociaissão conhecimentos do senso comum, organizadose estruturados, estes não são homologados por umacomunidade científica. Eles também não são ho-mologados como corpus de conhecimentos, des-crevendo um campo de especialização exclusivoreconhecido do ponto de vista legal ou jurídico. Acapacidade de delimitar uma unidade social bemdefinida, tanto do ponto de vista de suas práticasespecíficas como no plano do seu mandato, permi-te, por conseguinte, presumir a emergência de umdiscurso comum centrado tanto nos objetos comonas condições de exercício da prática profissional.O contexto no qual este estudo foi realizado per-mitia exatamente isto.

De fato, o mandato principal dos agentes dedesenvolvimento, como é descrito no programaFECRE, delimita a área e a natureza do seu cam-po de intervenção. A ausência de reconhecimentosocial da função de agente de desenvolvimentoadiciona-se à heterogeneidade dos perfis de for-mação e das trajetórias profissionais prévias decada um dos interventores. Isso favorece a emer-gência de um discurso e de uma prática fundadosexclusivamente na zona de interação, que é parti-cular à criação do programa FECRE e às ativida-des decorrentes de seus fundamentos. A especifi-cidade do mandato e a área de atuação do ofíciode agente de desenvolvimento, centrada principal-mente na realização das finalidades da equipe lo-cal, é uma garantia da criação de um espaço de

interação com os atores cuja profissionalidade égeralmente reconhecida e cuja zona de interven-ção primordial é externa à equipe local. Neste caso,há criação das condições propícias à emergênciade uma identidade distinta da parte dos agentes dedesenvolvimento. Essa identidade está, assim, fun-dada ao mesmo tempo na comunidade de prática ena coerência das interações com um meio externoao espaço de intervenção para o qual esse ofícionão existe de maneira prévia e precisa.

A necessidade de inscrever a interação numacerta temporalidade, característica fundamental dascondições de emergência de uma representaçãosocial, reflete-se no conjunto dos dados analisadospela evolução observada no discurso que descre-ve a função e as competências específicas aosagentes de desenvolvimento. Assim, a transição deum nível de competência e de uma atividade cen-trada na animação e na mobilização do meio esco-lar para a integração e a mobilização dos recursosda comunidade caracteriza as especificidades dodiscurso proferido tanto pelos agentes em exercí-cio há menos de dois anos, como daqueles queparticipam do programa há mais tempo. Podemosassim supor que esta mesma diferença se trans-creve no plano das funções identitárias, de orien-tação, de prescrição de comportamentos e dejustificação das condutas realizadas.

De fato, como havíamos mencionado anterior-mente, é favorecendo a aquisição e a integraçãode conhecimentos num quadro assimilável e com-preensível que uma representação social asseguraa construção de um esquema comum, permitindoaos indivíduos compreender o mundo que lhes cer-ca. Num contexto profissional, esse esquema dereferência forma o guia de interpretação da mis-são inerente a uma dada função profissional e cons-titui um referencial identitário incontornável, namedida em que seus vetores sejam pares credí-veis, especialistas do contexto e do ofício. Os co-nhecimentos assimilados pelos novos profissionaisrefletem, assim, o sistema cognitivo e o sistema devalor do grupo social ao qual pertencem. Por con-seguinte, esses conhecimentos se tornam direta-mente acessíveis e operacionais.

No modelo de análise das representações soci-ais ao qual recorremos (MOLINER, 1995, 2001;

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MOLINER; MARTOS, 2005), o núcleo centralintegra e articula os elementos cognitivos, descre-vendo e limitando o campo da profissão ou do ofí-cio como ambiente específico e distinto de todooutro universo de intervenção profissional. O agentede desenvolvimento é definido claramente comoaquele que desenvolve as atividades de um ofíciorelacional cujas ações são intimamente ligadas aum conjunto de características individuais de com-petências profissionais fortemente complexas. Oexercício das suas funções de gestão e de mobili-zação depende diretamente das suas competênci-as relacionais, principalmente no que tange àcomunicação e à flexibilidade associada à adoçãode uma atitude respeitosa face às característicasindividuais dos sujeitos, profissionais ou não, comos quais o agente de desenvolvimento se relacio-na. O campo de exercício da profissão não é so-mente delimitado seguindo um princípio territorial,a escola ou o bairro, por exemplo, mas ele é iden-tificado a partir de pontos marcantes que são aszonas de transição da criança em idade pré-esco-lar e primária: a família, a escola, a creche, domesmo modo que os outros ambientes onde a cri-ança transitará regularmente. É o caso, por exem-plo, dos organismos comunitários que oferecemserviços à criança e a sua família e dos meios maisinstitucionais, como a biblioteca municipal ou o cen-tro local de serviços comunitários (C.L.S.C.10 ).

No modelo proposto por Moliner (2001), as es-truturas periféricas das RS são vetores de elemen-tos prescritivos referentes à organização da atitudee, por conseguinte, da conação dos membros deum grupo ou de uma entidade social. No âmbito dopresente estudo, a interação estável entre os agen-tes de desenvolvimento que trabalham no progra-ma FECRE é assegurada, em primeiro lugar, deum ponto de vista territorial, na medida em que osagentes, trabalhando para uma mesma comissãoescolar são convidados a se reunir regularmente.Além disso, a gestão do programa implica anual-mente em um mínimo de cinco encontros nacio-nais, além de encontros conjuntos com as direçõesdas escolas participantes. Em cinco anos de im-plantação do programa, criou-se assim um espaçode intercâmbios de práticas e de discursos, permi-tindo o reconhecimento da experiência construídapor parte das administrações escolares, bem como

a partilha de um saber empírico que permite a identi-ficação de práticas favoráveis (best practices) aoexercício deste ofício. Estas práticas favoráveis sãoentendidas como prescrições do ponto de vista daação pelos agentes de desenvolvimento menosexperientes. Sendo assim, identifica-se ao mesmotempo a partilha de um discurso elaborado em tor-no do sentido e da especificidade do trabalho dosmembros da entidade escolar por um lado e, poroutro lado, a partilha de um corpus de saberesconstituídos na ação que são eles mesmos objetosde um processo de reificação.

O nascimento de um discurso reificado na gê-nese de um ofício relacional

Como havíamos mencionado previamente, agênese de um ofício ou de uma profissão passapor certas etapas. Essas etapas se constituem es-sencialmente em:• emergência do ofício como uma resposta espe-

cializada a uma necessidade reconhecida soci-almente;

• autoproclamação dos campos de competênci-as exclusivos a este ofício e o reconhecimentodiferenciado por pares socialmente reconheci-dos;

• profissionalização, isto é, a sistematização deuma formação visando à qualificação e à certi-ficação das competências necessárias para oexercício desse ofício;

• emergência de uma disciplina universitária cujafinalidade está voltada para o estudo dos co-nhecimentos e das práticas profissionais espe-cíficas e distintas de outros domínios deconhecimentos homologados;

• reconhecimento do seu estatuto pela constru-ção de uma ordem profissional.No centro dessa dinâmica histórica, encontra-

se a capacidade de sistematizar um discurso reifi-cado, circunscrito, referindo-se ao mesmo tempoao campo da profissão, à natureza e aos limites dasua zona de exercício e à especificidade das com-petências pessoais, bem como das habilidades ins-trumentais que qualificam seus membros. Deacordo com os dados que foram apresentados, os

10 No Québec, o CLSC representa um ponto de serviço descen-tralizado que oferece um conjunto de serviços dependentes doMinistério da saúde e dos serviços sociais.

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elementos mencionados parecem estar presentes.Eles sugerem também a existência de um início dereconhecimento social mais amplo que o reconhe-cimento que pode ser exercido pelos agentes dedesenvolvimento desse programa, mas abrangen-te ao conjunto dos profissionais que exercem talfunção no Québec. É ao menos, o que sugere acorrespondência quase perfeita entre competênci-as e habilidades exercidas nos discursos dos agen-tes de desenvolvimento que trabalham no programaFECRE e nos documentos prescritivos de certosprogramas de formação contínua de natureza pro-fissional. É o caso, por exemplo, do programa deFormação de agente de desenvolvimento em meiocomunitário, oferecido desde 2009 pelo Colégio deEnsino Geral e Profissional (CÉGEP) de Rimou-ski. É também neste sentido que se inscrevem asrecomendações da Université Rurale Québécoi-se11 que, em 2007, propunha a criação de uma redede agentes de desenvolvimento do Québec com oobjetivo de facilitar o reconhecimento oficial noâmbito de uma ordem profissional.

À guisa de conclusão

A teoria das representações sociais, ao menosna perspectiva proposta por Moliner (2001), poderevelar-se um instrumento pertinente a serviço doestudo da gênese dos ofícios e das profissões as-sim como da constituição dos conhecimentos quelhes são específicos. A utilização do modelo, cujadescrição resumida apresentamos no início desteartigo, permite ilustrar como os processos de reifi-cação dos conhecimentos de senso comum, tantodo ponto de vista das práticas quanto do discursoque justifica o investimento de um campo de inter-venção, possibilitam a proclamação da profissio-nalidade. Num contexto de reestruturação dasrelações de profissionalidade no campo da educa-ção, particularmente no âmbito das reformas cur-riculares baseadas em distintas interpretações doconstrutivismo (JONNAERT, M’BATIKA e BOU-FRAHI, 2004), parece-nos particularmente inte-ressante dispor de instrumentos teóricos quepermitam investigar o impacto de práticas interdis-ciplinares em domínios de intervenção emergentessituados à margem do sistema proximal do aluno(escola, família, comunidade etc.).

Assim, no caso do estudo das relações entrediscursos internos e externos em relação à especi-ficidade e à profissionalidade das competênciasmanifestadas pelos agentes de desenvolvimento quetrabalham no programa FECRE, a identidade doscomponentes centrais e periféricos das represen-tações dos diversos atores implicados confirma acomplementaridade de vários níveis de leitura. Porum lado, há complementaridade das leituras indivi-duais entre as competências pessoais e as compe-tências profissionais que os sujeitos que exercemtal ofício devem manifestar. Por outro lado, há tam-bém complementaridade entre as competênciasautoproclamadas por parte dos agentes de desen-volvimento e as que são reconhecidas pelos outrosinterventores de profissões reconhecidas, traba-lhando nas diversas redes que oferecem serviçosà criança em idade escolar e a suas famílias.

O recurso à teoria das representações sociaispermite, por conseguinte, ilustrar de maneira parti-cularmente evidente a relação existente entre ascaracterísticas coletivas, neste caso o que qualifi-ca o ofício relacional existente, e as característi-cas individuais que qualificam os vetores dosconhecimentos e das competências que devem sercompartilhados pelo conjunto dos profissionais queexercem tal ofício. Neste sentido, a utilização dateoria das RS oferece uma possibilidade única dedistinguir os elementos que dizem respeito à psico-logia social e aqueles que são da competência dapsicologia geral, escapando, assim, à tendência fre-quentemente constatada segundo a qual existe umaequivalência entre a somatória das característicasindividuais e a inferência de características coleti-vas que qualificam uma entidade social. Na medi-da em que essa distinção é particularmenteimportante no âmbito da análise da intervençãoeducativa ou socioeducativa, tanto na instituiçãoescolar como fora dela, a importância desse ins-trumento conceitual que representa a teoria dasRS não deve ser subestimada. É exatamente a esteexercício que nos lançamos atualmente no quadrodo programa de pesquisa que trata dos processosde transformação aos quais estão sujeitos os dife-

11 A universidade Rural do Québec é uma componente da Universitédu Québec à Trois-Rivières (http://www.uqar.uquebec.ca/chrural/urq/index.htm).

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rentes ofícios relacionais cujas zonas de especiali-zação se cruzam e se sobrepõem no interior doterritório cada vez mais indefinido que constitui aescola. A gênese de um novo ofício, o de agentede desenvolvimento, permitirá o nascimento de umaprofissionalidade reconhecida? Só a história nosdirá. Não obstante, é imprescindível não perder de

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Recebido em 10.06.09Aprovado em 10.07.09

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REPRESENTAÇÕES DE LUDICIDADE

ENTRE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Marilete Calegari Cardoso *

Cristina d’Ávila * *

* Mestre em Educação (UFBA). Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Departamento deCiências Humanas e Letras. Professora de Educação Infantil e Psicologia da Educação na UESB. Endereço para correspondên-cia: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Rua José Moreira Sobrinho, s/nº. Bairro Jequiezinho – 45206.190Jequié/BA. E-mail: [email protected]** Doutora em Educação (UFBA). Pós-doutora em Formação de professores (Universidade de Montreal, Canadá). Professorado Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED/UFBA e do PPGEduC/UNEB. Professora de Didática e Prática deEnsino na UFBA e na UNEB. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus I, Mestradoem Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula – 41150-000 Salvador/BA. E-mail: [email protected]

RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que teve por objetivo identificaras representações de ludicidade construídas por professores de educação infantil darede municipal de Jequié, no Estado da Bahia. Para desenvolver a pesquisa foramobservados os princípios da pesquisa qualitativa e do estudo de caso. Optamos pelaabordagem das representações sociais proposta por Moscovici (2003) e Jodelet (2001),dadas as contribuições significativas dessa abordagem para o estudo da prática escolar.Participaram do estudo seis professoras, sendo utilizados como instrumentos de coletade dados, escritos autobiográficos e entrevistas semi-estruturadas. Os resultadosindicaram diferenças significativas entre as representações de dois grupos: no 1ºgrupo (04 professoras) suas representações acerca da ludicidade revelam o brincarcomo uma atividade de recreação e/ou como artifício pedagógico; no 2º grupo. (02professoras), o lúdico é vislumbrado como experiência interna e externa do sujeito,sendo um agente potencializador do desenvolvimento infantil através da descoberta.

Palavras-chave: Formação de professores – Educação Infantil – Ludicidade –Representações sociais

ABSTRACT

REPRESENTATIONS OF PLAYFULNESS AMONG INFANTILEDUCATORS

This paper presents the results of our research which aimed at identifying therepresentations of playfulness constructed by kindergarden educators in the municipalschool of Jequié (Bahia, Brazil). It is a qualitative case-study. We used the socialrepresentations approach proposed by Moscovici (2003) and Jodelet (2001) whichwe believe important to the study of school practices. We had 6 female teachers assubjects and use autobiographical writing and half-structured interviews to collectdata. The results show significant difference between the representations of 2 groups.

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In the first one, composed by 4 teachers, representations of playfulness reveal playas a diversion activity or as a pedagogical artifice; in the second group composed by2 teachers, playfulness is perceived as an intern and extern experience of the subject,a potential agent of child development through discovery.

Keywords: Teachers’ formation – Kindergarden – Playfulness – Social representations

1. Introdução

A inserção da ludicidade na formação e práticade professores é sem dúvida uma meta basilar deuma proposta inovadora, mas, ao mesmo tempo umatarefa complexa. Os desafios não são poucos, poisparte dos professores demonstram ainda não reco-nhecerem a ludicidade como agente potencializadordo processo de ensino e de aprendizagem, isto é,muitos reproduzem modelos de educação ocidentalmoderna em que predominam o conservadorismo ea racionalização dos meios técnicos.

Lembramos que, para romper com essa con-cepção de educação conservadora, muitos estudi-osos que investigam a ludicidade em várioscontextos (BROUGÈRE, 1998, 2004; MATURA-NA e VERDEN-ZOLLER, 2004; KISHIMOTO,2001, 2007; LUCKESI, 2000, 2005; SANTOS,1997, 2001), ratificam a necessidade dos profes-sores passarem por ações experienciais lúdicas emsuas formações inicial ou contínua. Nesse sentido,a ludicidade tem sido apontada pela atual DCN(BRASIL/CNE/CPNº05/ 2006), em seu artigo 6º1 ,como uma dimensão importante e necessária aoprocesso ensino-aprendizagem dos docentes daEducação Básica, principalmente, em nível de Edu-cação Infantil.

No entanto, a inserção da ludicidade como di-mensão no processo de formação e práticas dosprofessores não é recente. Historicamente, ela vempassando por modelos distintos que vieram acom-panhando as transformações sociais, econômicas,políticas e culturais da sociedade, sendo estes, in-seridos em momentos de mudanças e reformula-ções de propostas educativas como estratégia parasaída de problemas de prática pedagógica. (KISHI-MOTO, 2001).

Recordamos que o primeiro modelo lúdico ins-tituído na educação infantil foi a recreação, sur-

gindo nas escolas maternais francesas, em 19052 ,a partir das idéias de Froebel. No Brasil, a recrea-ção surge com a expansão dos parques infantiscriados a partir dos anos 1920 e 19303 . Todavia,essa concepção nos parece limitada ou, no míni-mo, reducionista. Por detrás dessa idéia está o jogoeducativo e recreativo (atividade física) – o lúdi-co nesse modelo é usado como um recurso ou su-porte para o desenvolvimento físico, cognitivo esocial da criança.

Uma segunda corrente defende o lúdico comouma ação interna (seu sentido psicológico) e natu-ral do sujeito, como uma atitude do sujeito em rela-ção ao objeto, tendo como função justificar o valoreducativo do jogo sem negar sua espontaneidade.Essa concepção defende que as atividades lúdicaspor si mesmas conduzem o sujeito para um estadode consciência plena, ou seja, exige do ser hu-mano uma entrega total do corpo e da mente àatividade. (LUCKESI, 2000).

No terceiro modelo, temos os teóricos que de-fendem o lúdico como uma atividade dotada de sig-nificação social – cultura lúdica. Nessa concepção

1 Art. 6º A estrutura do curso de Pedagogia, respeitadas a diver-sidade nacional e a autonomia pedagógica das instituições, cons-tituir-se-á de: I - um núcleo de estudos básicos que, sem perderde vista a diversidade e a multiculturalidade da sociedade brasi-leira, por meio do estudo acurado da literatura pertinente e derealidades educacionais, assim como por meio de reflexão eações críticas, articulará. (...) e) aplicação, em práticaseducativas, de conhecimentos de processos de desenvolvimentode crianças, adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões físi-ca, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética ebiossocial; (...) k) atenção às questões atinentes à ética, à esté-tica e à ludicidade, no contexto do exercício profissional, emâmbitos escolares e não-escolares, articulando o saber acadêmi-co, a pesquisa, a extensão e a prática educativa;...2 Sobre o lúdico no modelo de recreação ver Brougère (1998,p.113-123).3 Segundo Kishimoto (1993, p.104), a penetração dos jogos derecreação foi iniciada no período imperial, como a instalaçãodas primeiras escolas infantis. Porém, só foi ter seu ponto altonos anos 1920 e 1930.

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o lúdico é qualificado como um espaço social, umlugar de experiência, uma atividade potencializa-dora e interativa para que a criança possa desco-brir, criar e pensar, assim como um elo para asrelações sociais. (KISHIMOTO, 2001; BROUGÈ-RE, 1998).

Para Arroyo (2008) o imaginário dos profes-sores da educação básica carrega os traços daherança da modernidade, mas se instaura na pre-cariedade das condições em que é exercida adocência. No entanto, e segundo o mesmo autor,as crianças de hoje têm ajudado os docentes aquebrarem com a imagem com que as represen-tam e, também, com práticas pedagógicas já ul-trapassadas. Assim, compreendemos que a açãoeducativa é permeada por relações de poder, de-sejos que se fazem com as experiências sociais eculturais, individuais e coletivas, que são acumu-ladas e transformadas ao longo dos fluxos de vidae profissão.

Nesse sentindo, uma inquietação tem sido le-vantada por numerosos pesquisadores quando sepensa no objeto ludicidade na formação e práti-ca de professores de educação infantil, o quenão difere de nossa preocupação, quando bus-camos saber quem é o professor que utiliza obrincar em sua prática, o que faz/como faz, oque pensa/como pensa, o que aprende e de queforma. Em outras palavras, e por reconhecer aimportância dessa dimensão na educação infan-til, é que buscamos conhecer as representaçõessociais sobre ludicidade de professores envolvi-dos no nosso estudo.

Assim, a presente pesquisa teve por objetivoconhecer o que pensam os professores de umadeterminada escola da rede pública do Municípiode Jequié-BA sobre o lúdico na educação infantil.Para isso, começamos discorrendo sobre o con-ceito das representações sociais e como essa teo-ria nos auxiliou em nosso estudo. Para sustentar oconceito de representações sociais, recorremos àsteorias de Moscovici (2003) e Jodelet (2001). Emseguida, procuramos refletir sobre a história do lú-dico na formação de professores de educação in-fantil. Na terceira e última parte do artigo,apresentamos alguns dados encontrados sobre asrepresentações de ludicidade das professoras pes-quisadas.

2. Algumas ponderações sobre oconceito de representações sociais

As reflexões em torno do conceito de repre-sentações sociais tem sido objeto de diversas dis-ciplinas, como: filosofia, sociologia, psicologia social,história, antropologia. O conceito de representa-ção tem possibilitado o estudo de relações comple-xas entre sujeito e sociedade, nas quais serecuperam e evidenciam articulações entre as di-mensões cognitiva, afetiva e social.

Encontramos, no Dicionário de Filosofia (AB-BAGNANO, 2000, p.853), a palavra representa-ção como sendo um vocábulo de origem medievalque indica imagem ou idéia. Já para Japiassú eMarcondes (1996, p, 235), este termo significa:“operação pela qual a mente tem presente em simesmo uma imagem mental, uma idéia ou um con-ceito correspondendo a um objeto externo” (1996,p. 235). E, no Dicionário Houaiss4 , encontramos oseguinte sinônimo para representação: idéia: con-ceito, entendimento, imagem, juízo, opinião.

Na filosofia, encontramos a idéia de represen-tações desde os pré-socráticos que consideravamessa categoria como enganadora, por se tratar deuma opinião comum acerca do mundo. Para Pla-tão, Aristóteles e Descartes, a representação serámencionada a todo tempo, ora como uma formade verdade, ora como conhecimento comum, oracomo forma enganadora de viver a realidade. Po-rém, Kant estabeleceu um significado generalíssi-mo, considerando-o o gênero de todos os atos oumanifestações cognitivas, independente de suanatureza de quadro ou semelhança (ABBAGNA-NO, 2000). Para Kant (apud BRITO, 2007, p. 99),as representações não eram nem verdade nemfalsidade, mas algo intermediário, pois:

Não há dúvida de que todo o nosso conhecimentocomeça com a experiência; do contrário, por meio doque a faculdade do conhecimento deveria ser des-pertada para o exercício senão através de objetosque toquem nossos sentidos e em parte produzempor si próprias representações, em parte põem emmovimento a atividade de nosso entendimento paracompará-las, conectá-las ou separá-las (...). Nenhum

4 Houaiss de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa(2005, p.580)

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conhecimento em nós precede a experiência, e todoconhecimento começa com ela ....

Nesse sentido, “Kant sugere que mesmo quetodo nosso conhecimento comece com a experi-ência, nem por isso todo ele se organiza juntamen-te na experiência, assim sendo, o mundo sensível eperceptível se compõe de representações.” (BRI-TO, 2006, p. 100). E foi dessa forma, portanto, queo termo representação passou a ser usado pela fi-losofia.

Entretanto, de acordo com Arruda (2002), esseconceito de representações cruza as ciências hu-manas e não é patrimônio de uma área em particu-lar. Suas raízes nascem na sociologia de Durkheim5 ,passam pela escola dos Annales e se instalam naHistória Cultural. Diversos conceitos surgem numaárea e ganham uma teoria em outra, ainda quepossuam uma presença marcante na antropologiae na história cultural.

No campo historiográfico, a história culturalvoltou-se para o conceito de Representação, prin-cipalmente a partir dos estudos e das reflexões deRoger Chartier. Segundo Casimiro (2006, p.9-46),Chartier afirma que a história cultural tem por prin-cipal objeto identificar o modo como, em diferen-tes lugares e momentos, uma determinada realidadesocial é construída, pensada, dada a ler. Esse his-toriador conceitua (representação) nesse enfoquee propõe a retomada do conceito de representa-ção num sentido mais particular e historicamentedeterminado, o qual não é desconhecido desde oAntigo Regime6 . De acordo com a autora menci-onada, “para Chartier, as definições antigas apre-sentam dois sentidos: por um lado, a representaçãocomo dando a ver uma coisa ausente, o que distin-gue o que representa do que é representado e, poroutro lado, a representação como exibição de umapresença”. (p. 17).

O conceito de representação, desenvolvido navertente da psicologia social por Serge Moscovici,no final da década de 1950, tem o caráter de fenô-meno cognitivo, cujas bases buscam as relaçõesentre sujeito individual e coletivo, a diversidade e aunidade, entre conhecimento, práticas e suas re-presentações na sociedade.

Para Moscovici (2003), as representações so-ciais são consideradas formas de conhecimento,

geradas na interação com o outro, por isso suacaracterística híbrida e mutável. As formas e osconteúdos que permitem as relações intersubjeti-vas são históricos culturais, transformando-se con-forme as necessidades individuais ou coletivas.Nesse sentido, as representações dizem respeitoao universo de construções, reelaborações dos in-divíduos em relação a um determinado objeto deconhecimento, de acordo com a história de vida,as condições intelectuais e sua relação com o gru-po social. Ele as denominou de representações,dizendo:

... por representações sociais queremos indicar umconjunto de conceitos, explicações e afirmações in-terindividuais. São equivalentes, em nossa socieda-de, aos mitos e sistemas de crenças das sociedadestradicionais; poder-se-ia dizer que são a versão con-temporânea do senso comum. (MOSCOVICI, 2003,p.181).

As representações sociais, como modalidadesde conhecimento prático, guiadas para a comuni-cação e para a compreensão do contexto social,material e ideológico vivido, ou como construçõesexpressivas, são formas de conhecimento que sedemonstram em elementos cognitivos, como ima-gens, conceitos, categorias e teorias. Assim, “o queas sociedades pensam de seus modos de vida, ossentidos que conferem a suas instituições e as ima-gens que partilham, constituem uma parte essenci-al de sua realidade e não simplesmente um reflexoseu”. (MOSCOVICI, 2003, p.173).

Nessa direção, a representação envolve sem-pre um conteúdo mental, um ato de pensamentoque restitui simbolicamente algo ausente ou apro-xima algo longínquo. A teoria pressupõe a subjeti-vidade como estruturada e estruturante do social.O sujeito é ativo, mas suas teorias são dinâmicas.Cada sujeito torna-se representativo da reprodu-ção social do conhecimento.

5 Segundo Jodelet (2001, p.29), a primeira formulação sobrerepresentações foi feita por Durkheim, que “insistia noisomorfismo entre representações e instituições: categorias queservem à classificação das coisas, são solidárias às formas deagrupamento social; as relações entre classes o são face àquelasque organizam a sociedade”.6 Citação apontada pela autora. Dicionário Universal de Furetièrede 1690 (apud CHARTIER, 1988, p. 20).

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No entanto, de acordo com Ribeiro (2006), tor-nar-se representativo não é um processo simples,exige do sujeito a mobilização de recursos cogniti-vos, de um processo de pensamento cujas basessão a memória e os conhecimentos anteriores, oriun-dos da experiência, de vivências e de desenvolvi-mento intelectual, afetivo, físico. ConformeMoscosvici (2003, p.60), nesse processo dois me-canismos estão dialeticamente relacionados: a ob-jetivação e a ancoragem.

Para Machado & Carvalho (apud BRITO,2006, p.96), “a objetivação diz respeito à materiali-zação dos conceitos ou das concepções. Seria oque há de mais forte e mais arraigado na repre-sentação social, enquanto que a ancoragem dizrespeito aos aspectos maleáveis da representaçãosocial que podem ser objetivados ou não. Como arepresentação não é estática, novos elementos vãosurgindo e abalando ou não os conceitos ou con-cepções já arraigados no sujeito.

Assim, e de acordo com as idéias de Moscovici(2003), as representações são concepções. A con-cepção é fruto da vivência coletiva – o sujeito seapropria do mundo externo, sendo que as repre-sentações são conseqüências dessas apropriações.Dessa forma, podemos afirmar que a representa-ção social é coletiva. Uma representação só é re-presentação quando algumas coisas são cristaliza-das nos discursos, nos rituais e na cultura.Justamente por isso estudamos a representação deludicidade como uma Representação Social, bus-cando entender como estas estiveram presentesnas vidas dos professores e nas suas práticas pe-dagógicas atuais.

As representações sociais são aprofundadaspor Denise Jodelet, a partir dos anos 19607 . Asnoções de representação e memória social tam-bém fazem parte dessas tentativas de explicaçãoe irão receber mais atenção a partir dos anos 1980,quando essa teorização passa a servir de metodo-logia variada, como: experimentação em campo elaboratório, por meio de entrevistas, questionáriose técnicas de associação de palavras, análise do-cumental e de discurso etc. (JODELET, 2001).

Para Jodelet (2001, p.20), as representações são“uma forma de conhecimento, socialmente elabo-rada e partilhada, tendo uma visão prática e con-

correndo para a construção de uma realidade co-mum a um conjunto social”. Ela adverte acerca daforma de estudarmos as representações e diz: “asrepresentações sociais devem ser estudadas arti-culando-se elementos afetivos, mentais e sociaisintegrados”. (p.26). Assim, de maneira a fazer jus-tiça à complexidade do conceito, Jodelet acrescentaoutros elementos para esclarecer melhor o termo:

... uma representação social é uma forma de conhe-cimento socialmente elaborada e compartilhada, quetem um objetivo prático e concorre para a constru-ção de uma realidade comum a um conjunto social.(JODELET, 2001, p.08).

Nesse sentido, compreendemos que, para Jo-delet, as representações sociais são fenômenossempre ativados e em (re)construção na vida soci-al. As representações surgem, assim, como a ca-pacidade de dar às coisas uma “nova forma” pormeio da atividade psíquica. Esta envolve uma me-diação entre o sujeito e o objeto-mundo. Como osujeito se insere numa comunidade concreta e sim-bólica, este não está condenado a simplesmentereproduzir essa realidade.

Além disso, essa forma de conhecimento ad-quirido por meio dos processos sociais não é so-mente um produto de características inerentes àmente humana; também não é um simples reflexode influências do meio ambiente. O conhecimentoapresenta-se como uma construção, em que inte-ragem o sujeito psíquico e o mundo exterior. As-sim, a experiência surge como componente principale desafiador de quem pesquisa, de quem pretendeperceber, identificar ou localizar como as repre-sentações sociais (RS) são instituídas e instituido-ras de um dado grupo social.

Jodelet (2001) levanta algumas questões quearticulam essas características e os elementos pro-dutores de uma análise em representações sociais:quem sabe e de onde sabe? O que e como sabe?Sobre o que sabe e com que efeitos?

Os pontos levantados pela autora desembocamem três ordens de problemáticas independentes,que estão incluídas em tópicos de trabalhos teóri-

7 Para situar o leitor, a obra inaugural de Moscovici, foi “Lapsychanalyse, son imagem et son public” (1976), sobre a re-presentação social da psicanálise mantida pela populaçãopariense em fins dos anos 1950. (SÁ, 1996).

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cos e empíricos sobre as representações sociais:a) condições de produção e de circulação das re-presentações; b) processos e estados pelos quaisas RS se encontram; c) estatuto epistemológicodas representações sociais.

No primeiro, encontram-se os espaços cultu-rais, os meios, a linguagem, o trançado social noqual o sujeito interage e apreende conceitos e in-formações; no segundo, se encontra a configura-ção como cognitivamente essas representaçõessão constituídas e evidencia o grau de complexi-dade que envolve essa forma de saber. E o ter-ceiro, ao mesmo tempo em que aponta as questõesepistêmicas, que tratam do conhecimento, do sa-ber e de sua validade (verdade/falsidade), nos

propõe também a orientação do método em re-presentações sociais, na medida em que compro-va pontos comparativos entre o conhecimentocientífico e dito adequado ou do senso comum.(BRITO, 2006).

Sendo assim, por meio do campo conceitual emetodológico das representações sociais, desen-volvemos nossos estudos, buscando identificar asrepresentações de ludicidade que estruturam o gru-po de professores, e que podem se constituir emancoragens facilitadoras de novas práticas. O qua-dro abaixo, baseado em Jodelet (2001) e Brito(2006), indica as questões anteriores e nos trouxeum norte para nosso estudo sobre as representa-ções de ludicidade.

Fonte: Quadro baseado em Jodelet (2001) e Brito (2006)

3. Relembrando um pouco a históriado lúdico na formação dos professo-res de educação infantil

Trazer um pouco da trajetória da ludicidadena formação dos professores é fundamental paraque possamos compreender o processo históricoque envolve a prática dos professores de Educa-ção Infantil. Conforme Nóvoa (apud KISHIMO-TO, 2002, p. 01), “não é importante apenas porque

nos fornece a memória dos percursos educacio-nais, mas, sobretudo, porque permite compreen-der que não há determinismo na evolução dossistemas educativos, das idéias pedagógicas oudas práticas escolares: tudo é produto de umaconstrução social”.

Ao buscarmos, na literatura atual, os estudossobre a história do lúdico na formação e prática deprofessores de Educação infantil no Brasil, perce-bemos o quanto são restritos, já que grande parte

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das referências consultadas abordam a formaçãode professores da Educação Básica, em geral.Segundo Nascimento (2005, p.107), “embora aeducação infantil seja parte integrante da educa-ção básica, sua especificidade é pouco reconheci-da, para não dizer que é desconsiderada.” Talsituação só ratifica que esta temática necessita demaior atenção.

A gênese dos profissionais de educação infantiltem uma trajetória marcada pelo processo de fe-minização do magistério (KISHIMOTO, 1999).Essa formação nos remete a um tempo em quetrabalhar com criança era algo a ser feito de qual-quer maneira ou por qualquer profissional, desdeque fosse mulher e tivesse jeito para lidar com cri-ança. A história dessa formação está relacionadaà organização social estabelecida e ao enaltecimentodas mulheres como profissionais, quase exclusivas,da educação.

De acordo com Tanuri (2000, p.64), a primeiraEscola Normal brasileira para a formação de pro-fessores do ensino primário foi criada na Provínciado Rio de Janeiro pela Lei n° 10 de 1835. O méto-do utilizado era o Lancaster, de origem inglesa ede características conservadoras. O lúdico, então,não era aceito nos espaços educativos, ou, quandomuito, era acolhido na prática dos professores comoatividade de descanso, sendo nominado de recreio.

Na Alemanha, Fröebel rompe com esse tipo deformação tradicional e traça um plano de curso deformação para professores de educação infantil.Com a visão romântica da educação, o pensadordiferenciou a educação infantil do ensino funda-mental e propôs um curso de formação que busca-va a integração entre a teoria e a prática do brincar.A concepção de formação profissional, defendidapor ele, estabelece a compreensão da relevânciado brincar, primeiro, na esfera do adulto, para de-pois chegar ao universo infantil. Das matérias or-ganizadas em sua proposta destacamos: músicas,trabalhos manuais, dobraduras, trabalhos com ma-deira, modelagem com argila, desenho e pintura.(KISHIMOTO, 2007).

No Brasil, em 1883, a formação prática do pro-fessor estaria vinculada às escolas de educaçãopré-escolar, a partir das idéias de Fröebel. Con-forme Kishimoto (2007), Rui Barbosa, no final doImpério, aconselhava um curso de formação de

jardineiras8 , que não chegou a ser disseminado.Assim como um programa, de dois anos, de for-mação para profissionais de creches e escolasmaternais, em São Paulo, proposto por AnáliaFranco. Entretanto, o lúdico surge de forma maisclara na formação dos professores de educaçãoinfantil e ensino fundamental, por volta das déca-das de 1920 a 1930, com o surgimento das Esco-las Normais Superiores e com as idéias da EscolaNova9 . Ressaltamos que o lúdico fazia parte des-sas discussões educacionais, seguindo o métodode Froebel e Montessori, adaptadas às condiçõesdo nosso meio.

Nas décadas de 1945 a 1960, a educação emgeral, assim como a formação de professores nas“Escolas Normais”, passam a ter influência dos es-colanovistas no que diz respeito à formação de téc-nicos da educação (LIBÂNEO, 1997). Desse modo,o lúdico passa a ter outra concepção na formaçãode professores, ou seja, segundo Kishimoto, (1993),o lúdico passa a ser explorado como modalidade deEducação Física, recreação e jogos (recreação comorodas cantadas, atividades com o corpo, com o sen-tido de atividade orientada na busca de objetivos soba supervisão da professora).

Nesse mesmo período, ou seja, nas décadas de1940 e 1950, foi instituído pelo Estado o Programade Proteção ao Pré-Escolar, que designa cursosde formação sob a denominação de “puericultu-ra”, além de criar Centros de Recreação para com-bater problemas com crianças de atitudesantissociais. Além disso, esse mesmo programadefendia que o atendimento das crianças deveriaser prioritariamente de cuidado à saúde. Assim,compreendemos que a concepção lúdica nos cur-rículos das Escolas Normais estava condizente com

8 Jardineira era o nome intitulado às professoras que trabalha-vam com Jardim de Infância. Vale lembrar que, o jardim deinfância, no Brasil, surgiu no Colégio Menezes Vieira, em 1875,tendo como finalidade desenvolver a pedagogia fröebeliana ba-seada no uso do jogo.9 Idéias da Escola Nova, na década de 1920, implementada noBrasil, seguiam a influência de movimentos sociais e políticosno pensamento educacional que aguçavam a esperança e a admi-ração pela educação. As influências desses movimentos e o de-senvolvimento da biologia, psicologia e sociologia foram asbases teóricas da Escola Nova européia e norte-americana, comos princípios científicos de educação e filosóficos da experi-mentação, nos quais John Dewey se destaca como o principalteórico.

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as propostas de educação infantil higienistas e as-sistencialistas, ou seja, professores utilizavam o lú-dico como estratégia educativa e de recreação paracultivar os “bons hábitos de higiene e asseio”, ob-tendo resultado na saúde e produzindo a obediên-cia. (KRAMER, 1995).

Em 1961, é aprovada a Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação Nacional n° 4.024/61, que nãoalterou significativamente o Ensino Normal, vistoque a formação de professores primários continuousendo realizada pelas Escolas Normais e pelos Ins-titutos de Educação. Contudo, algumas mudançasno campo científico, durante a década de 1950, trou-xeram o ressurgimento da educação pré-escolar,através dos trabalhos de Montessori, Piaget e Cla-parède, que influenciaram a prática e a formaçãodos professores. A preocupação com os métodosde ensino reaparecia e o lúdico aparecia como umestratagema ou como um artifício pedagógico.

Conforme Pimenta (2000), a partir de 1968 háo predomínio da tendência tecnicista e a concomi-tante emergência de críticas à pedagogia oficial eà política educacional proposta para sua implanta-ção. A formação dos professores de educação in-fantil nessa tendência traz em seu cerne os cursosde curta duração de Pré-escola e recreacionista,oferecidos pela OMEP (Organização Mundial dePré - Escolar) e COEPRE (Coordenação de Edu-cação Escolar), e de outras instituições com a fun-ção de instruir ou preparar os professores. O lúdiconesses cursos continuava a ser trabalhado comoum “artifício pedagógico”, ou seja, como um ins-trumento motivador da aprendizagem.

A partir da década de 1980, a formação dosprofessores de educação infantil começa a tomarum novo foco. Com a promulgação da Constitui-ção Federal de 1988, com a Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional – LDBEN nº 9.394/96 e com o Plano Nacional de Educação – PNE/2000, essas leis passam a exigir que o magistérioda educação básica tenha “profissionais cada vezmais qualificados e permanentemente atualizados”(PNE, 2000). Tais documentos visavam rompercom a tradição assistencialista e instalar o compo-nente educativo, integrado ao cuidado, proporcio-nando a profissionalização das pessoas quetrabalham nessas instituições.

Nessa perspectiva, a partir da década de 1990até os dias de hoje, surgem nas universidades e emoutros espaços de pesquisa muitos estudos sobre aimportância da ludicidade para a qualidade de vidados sujeitos, sejam eles crianças ou adultos. O en-foque dado ao lúdico na formação dos professorescontinua diverso, mas vigora um acento sobre suasdimensões social e cultural, ou seja, o lúdico passaa ser entendido como uma ação experiencial en-raizada na cultura e na história.

Desse ponto de vista partilham estudiosos, comoLuckesi (2005) e Maturana e Verden-Zoller (2004),que compreendem o lúdico numa perspectiva maispsicológica, de ordem atitudinal e, embora essaconcepção inclua a importância das raízes cultu-rais do jogo, enaltece a ação do indivíduo comoaquele que sente e vivencia internamente a expe-riência lúdica como plena ou inteira. Nessa pers-pectiva o lúdico pode proporcionar às crianças eaos jovens e adultos experiências de auto-forma-ção, caracterizando-se como auto-atividade, en-volvendo descoberta, criação e pensamento, assimcomo um elo para as relações sociais entre ossujeitos.

Atualmente, as Diretrizes Curriculares Nacio-nais para o Curso de Pedagogia (BRASIL/CNE/CPNº05/2006) propõem uma formação que valo-riza o lúdico na formação inicial e continuada dosprofessores da Educação infantil.Nessa mesmaperspectiva, há pesquisadores como Wajskop(2005), Kishimoto (2007), Formosinho (2007), den-tre outros, que vêm defendendo o lúdico na forma-ção dos professores a partir das experiências nocotidiano infantil, ou seja, é necessário que o do-cente insira o brincar em seus projetos educativos,que defenda um ambiente contextualizado, mas quetenha objetivo e consciência da importância de suaação em relação ao desenvolvimento e à aprendi-zagem infantil.

Assim, trabalhar com a formação de professo-res de educação infantil, seja ela inicial ou contí-nua, nos leva a refletir sobre os saberes dessesprofissionais, sobre o lúdico, o corpo, a linguagem,a estética, etc.. Esta formação pode ser uma pos-sibilidade de ressignificar as práticas pedagógicasque foram construídas ao longo das histórias des-ses sujeitos.

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4. Representação de ludicidade encon-tradas na formação e prática peda-gógica de professores de educaçãoinfantil

Para desvelar as representações sobre ludici-dade (apresentadas na entrevista como idéia, opi-nião) percorremos um caminho, no qual buscamosresponder a: o que e como sabem as professorassobre o lúdico e o que pensam sobre ludicidade.Assim sendo, desvelar qual a representação de lu-dicidade dos professores da escola Arco-Íris10 énosso objetivo.

Para Moscovici (2001), as representações sãoconcepções, porque se trata de um fenômeno denatureza essencialmente cognitiva. A concepção éfruto da vivência coletiva – envolvendo o sujeito,sua pertença social com as implicações afetivas enormativas, com a interiorização de experiências,práticas, modelos de condutas e pensamentos, so-cialmente transmitidos pela comunicação social. Aorepresentar alguma coisa ou uma noção, “não pro-duzimos unicamente nossas próprias idéias e ima-gens: criamos e transmitimos um produto gradati-vamente elaborado em inúmeros lugares, segundoregras variadas”. (p.63)

Ao buscarmos o significado da palavra repre-sentação/concepção, encontramos os termos “cri-ação, entendimento, idéia, imagem e percepção”11 .Para nós, ela consiste em algo construído e repre-sentado num processo simultaneamente individual(como resultado da elaboração sobre a nossa ex-periência) e social (como resultado do confrontodas nossas elaborações com as dos outros). As-sim, a representação inclui uma rede de relaçõesque o indivíduo e os grupos estabelecem entre sig-nificados e situações que lhes interessam para suasobrevivência ou sua hegemonia e/ ou reproduçãoda situação.

Desse modo, a representação que adquirimossobre alguma coisa está composta por percepçõesindividuais e coletivas, com perspectivas sociais,convencionais, simbólicas, carregadas de dimen-sões históricas, culturais e políticas. Detectar arepresentação de um grupo significa ter um cami-nho de compreensão do processo histórico dessegrupo. (REDIN, 2004).

No caso desta pesquisa, entendemos que asrepresentações sobre ludicidade das professorassão influenciadas pelas experiências que habitua-ram a reconhecer como tal (formação inicial) etambém pelas representações sociais dominantestransmitidas sobre os modelos de educação maisacentuados na história da educação da criança,seguindo tendências pedagógicas variadas: a ten-dência romântica, tendência cognitivista e a ten-dência sociocultural, para citar as de maior ênfasena educação infantil. (KRAMER, 2002).

Partindo dessa compreensão, afirmamos que asvozes dos sujeitos não podem ser descontextuali-zadas dessa história, que traduz representaçõescristalizadas pelo processo histórico e que se re-fletem em nossas práticas recentes. Apresentamos,abaixo, os discursos de nossos sujeitos – as pro-fessoras Ana, Aline, Alzira, Eti, Márcia e Sandra12

– emitidos durante a entrevista, sobre a represen-tação de ludicidade, diante da pergunta: O que pen-sa sobre a ludicidade na educação infantil?

Nos depoimentos, as seis professoras aponta-ram diferentes representações de ludicidade: numprimeiro bloco, quatro professoras entenderam olúdico como atividade recreativa ou jogo educativo(experiência externa ao sujeito). De outro lado,encontram-se as duas professoras, que entende-ram o lúdico como experiência interna, vivênciainterna do sujeito, atitude do sujeito que vivencia aexperiência e a sugere como fonte de alegria, pra-zer, tensão e desprazer, na dança das polaridadesque nos faz sujeitos de uma ação que integra pen-samento, sentimento e razão.

No primeiro bloco de representações, as pro-fessoras Sandra, Alzira, Ana e Nair pensam o lúdi-co como “Brincar é ensinar brincando”, ou seja, olúdico é visto como um recurso ou suporte paraseduzir a criança. O brincar aqui segue o exemploda tendência romântica, na qual o brincar é conce-bido como uma atividade livre, de recreação – oucomo recurso pedagógico. Nesse modelo, o lúdi-

10 Optamos por utilizar um nome fictício para identificarmos aEscola.11 Dicionário Houaiss, p.153.12 Optamos por não citarmos os nomes verdadeiros das profes-soras envolvidas nessa pesquisa. Assim, criamos nomes fictíciospara identificá-las.

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co é utilizado como meio para introduzir uma ativi-dade física e trabalhar com o corpo. Além disso,ele tem o sentido de levar a criança a atingir osobjetivos estabelecidos pelo professor (BROUGÈ-RE, 1998). Para as professoras Sandra, Alzira eAna o lúdico na educação infantil é:

É ensinar, brincando, tem a parte teórica e a partelúdica. A parte lúdica é mais contar história, dan-çar, brincar, é deitar para assistir um filme. Hoje eutenho consciência que ludicidade proporcionapara criança mais interesse, mais facilidade. Euachei que com o lúdico se tornava mais fácil o quea gente quer passar para elas. (Professora Sandra)

Pra começar, a gente vai brincar com as criançasde amarelinha. Tem coisa melhor de aprender osnúmeros, entendeu? Agora com o lúdico eles nãocansam. Faz com que a criança desperte o raciocí-nio e o gosto pelo estudar. Quando se trabalha deforma lúdica, há um aproveitamento maior dasaulas e um maior aprendizado por parte dos alu-nos. (Professora Alzira)

Trabalhamos com o lúdico para que os alunos te-nham uma aprendizagem significativa. Mas, tenhoaprendido novas música e, brincadeiras, assim háuma grande troca de aprendizagem. (ProfessoraAna)

Nessa mesma linha de pensamento segue orelato da professora Nair, que pensa o lúdico comoum caminho para “ajudar a criança aprender edesenvolver o raciocínio”. Ela relata o seguinte:

... antes de aplicar a atividade, a gente tem queestar usando o lúdico para chegar à atividade. Euuso lúdico com os materiais. Eu faço assim, se ématemática, se é quantidade, aí eu uso dados e aínós vamos brincar e jogar no grupo, depois eu co-loco no quadro os pontos do grupo tal, e outrogrupo. (Professora Nair)

Ao analisarmos os relatos das docentes San-dra, Alzira, Ana e Nair, percebemos que suas prá-ticas derivam de um pensamento voltado para oensino. Isso reflete o problema da pedagogia cen-tralizada na figura do professor interessado empromover atividade educativa lúdica direcionadapara toda a classe. Além disso, essa acepção deinfância e professor romântico provém de um mo-delo de educação infantil conteudista e conserva-dora. (ARROYO, 2008).

Caminhando por outra ótica, o segundo blocode representações provém dos relatos das pro-fessoras Eti e Márcia. As idéias e opiniões da pro-fessora Eti expressam o lúdico como uma atividadeque propicia a plenitude e a experiência. Nesseentendimento, o lúdico é visto como uma ativida-de interna, livre e espontânea pela criança. Obrincar é nomeado como um ato que dá prazer aquem se dispõe a vivenciar essa experiência (LU-CKESI, 2000).

A ludicidade é a plenitude. O fazer plenamente é seenvolver. Esquecer da hora de ir para casa. É nãoquerer ir (...) é quero ficar aqui fazendo (...) é fazerde novo e continuar fazendo, (...) é interação e en-volvimento. É alegria, é o brilho nos olhos (...).Hoje, posso ver o lúdico como uma forma prazero-sa para o educando. Vejo, também, que a criançase desenvolve melhor brincando. (Professora Eti)

Nessa representação, o brincar é visto comouma dinâmica interna do indivíduo, concebendo acriança como um sujeito em constante interaçãocom o meio, se estruturando num processo de de-senvolvimento integral e pleno. Podemos observaressa concepção nas falas de Márcia:

A ludicidade pra mim é uma grande descobertaPorque o lúdico pra mim é aprendizagem, intera-ção com as crianças. Porque a ludicidade pra mimé uma grande integração, relação com meus alu-nos e entre eles, através do brincar, jogar, falar,tocar, sentir. Agora, que estou na educação infan-til que eu fui descobrir o que é ludicidade. (Profes-sora Márcia)

Complementando essa visão, o lúdico nessaconcepção é qualificado como um espaço social,um lugar de experiência, uma auto-atividadeenvolvendo experiência, descoberta, criação e pen-samento, assim como um elo para as relações so-ciais entre crianças, ou entre crianças e adultos(BOUGÈRE, 2004; KISHIMOTO, 2007).

Segundo Kishimoto (2008), a educação dos su-jeitos ocorre no cotidiano, nas redes de relações(conversas em família, na escola, nos círculos deamigos). “Tais espaços devem se tornar locais deaprendizagem e partilha de conhecimentos”. Poresses relatos, podemos perceber que as professo-ras vêem a ludicidade como agente potencializadorde aprendizagem de seus atores e acreditam que a

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ação lúdica integra-se ao mais alto espírito de umaprática pedagógica, pois elas investem na capacida-de de iniciação e a ação ativa e motivadora.

O relato da professora Eti apresenta a pers-pectiva de uma experiência social, ou seja, a pro-fessora compreende o lúdico como uma experi-ência interna enraizada na cultura e história dossujeitos:

O lúdico possibilita à criança interagir com ou-tras crianças, e possibilita a construção de suaautonomia. Levando a criança a entrar num mun-do da imaginação, magia, prazer e alegria. Olha,acredito que o lúdico possibilita a aprendizageme também a partilha; o professor é o mediador, porisso, há essa troca. A gente vai aprendendo, e cadadia é uma experiência nova. (Professora Eti)

Assim sendo, em síntese, interpretamos que,para as seis professoras investigadas, as represen-tações de ludicidade se encontram contidas em doisgrupos de pensamento diferentes:

• Sobre o primeiro grupo (professoras Sandra, Al-zira, Ana e Nair), podemos dizer que suas re-presentações acerca da ludicidade revelam obrincar como uma atividade de recreação e/oucomo artifício pedagógico: é ensinar brincando;

é tornar mais fácil o que a gente quer passar; éauxilio para o raciocínio; é despertar o gostopelo estudo; é um bom emprego às aulas; é umcaminho para atividade.

• Quanto ao segundo grupo (Professoras Márciae Eti), revelam o lúdico como uma atividade dedescoberta e como partilha. Suas representa-ções de ludicidade desvelam: é plenamente seenvolver; é trabalhar com o concreto; é uma

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grande descoberta; é a construção de autono-mia. Seus relatos conjugam uma concepção deludicidade sintetizada entre a idéia de experiên-cia interna do sujeito, enraizada nas práticassocioculturais e determinada historicamente.

No quadro acima, destacamos algumas idéiasexpressivas dos discursos apresentado e criamosuma síntese da representação de ludicidade dosprofessores da escola Arco-Íris (QUADRO II).

A comparação entre as falas das professorasdo primeiro e do segundo grupo parece-nos indicarque o primeiro representa a ludicidade de uma for-ma dicotomizada, ou seja, os sujeitos vêem o apren-der e o brincar de forma isolada. Contudo,percebemos no segundo grupo um conceito maisidealizado de ludicidade – a representação se an-cora numa atividade integral e plena, potencializa-dora do desenvolvimento humano.

5. Considerações finais

Com base nos dados levantados nas análisesde entrevistas e escritas autobiográficas, foi possí-vel destacarmos:

a)a compreensão de que as narrativas dos pro-fessores enriquecem e reforçam as transforma-ções desencadeadas na interação social que se dáno meio profissional; consideramos ainda que, nabusca de um enredo para suas histórias, as narra-doras selecionam, estabelecem relações, organi-zam os fatos, encontram justificativas, clarificamsuas representações sobre a ludicidade em suaspráticas;

b)as representações sobre ludicidade das pro-fessoras são influenciadas por suas experiênciaspregressas e também pelas representações soci-

ais dominantes transmitidas sobre os modelos deeducação mais acentuados na história da educa-ção infantil: tendências romântica, cognitivista e apsicossocial;

c) das representações de ludicidade das pro-fessoras, destacamos: brincar é ensinar brincan-do; brincar é plenamente se envolver; brincar étrabalhar com o concreto; brincar é um maior apren-dizado; brincar é uma grande descoberta; brincaré uma aprendizagem significativa; brincar é a cons-trução de autonomia.

Por fim, mesmo com a ampliação e o desenvol-vimento no campo pedagógico da educação infan-til, entendemos que o último modelo, que aponta obrincar como espaço social ainda não está sendo,efetivamente, colocado em prática na formação dosprofessores pesquisados. Sendo assim, entendemosque esses professores necessitam refletir e dialo-gar mais com seus pares, acerca de suas idéias erepresentações de ludicidade na educação infantil,a fim de que possam ressignificar suas práticaspedagógicas.

Finalmente, compreendemos que a pesquisaparece indicar a falta de implantação de umapolítica voltada à educação infantil na rede mu-nicipal de Jequié, para que a mesma fortaleça oespaço infantil e a formação contínua dos pro-fessores. Portanto, é importante ressaltar que aSecretaria de Educação desse município, junta-mente com as escolas e com as instituições deensino superior, necessita intensificar a dimen-são lúdica na formação inicial e continuada deseus professores, no sentido de trazer o rigorteórico-metodológico da ludicidade para as prá-ticas educativas, assim como reconhecer essadimensão como um aspecto basilar para a quali-dade da educação infantil.

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Recebido em 26.03.09Aprovado em 26.05.09

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Luciana Rios da Silva

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AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ADOLESCENTES SOBRE OS

AFETOS NA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO E SUAS

IMPLICAÇÕES NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM

Luciana Rios da Silva *

* Mestre pelo PPGEduC – Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade, UNEB - Universidade do Estadoda Bahia. Analista Universitário na área de Pedagogia, Universidade Estadual de Feira de Santana. Endereço para correspondên-cia: UEFS - Av. Transnordestina S/N, Novo Horizonte – 44036-900 Feira de Santana/BA. E-mail: [email protected]

RESUMO

A educação contemporânea tem assumido um discurso de respeito às idiossincrasiase de valorização das singularidades. Entretanto, percebe-se, ao longo da história, quenossa vida afetiva tem sido sistematicamente negligenciada em função do aspectocognitivo, nos mais variados ambientes de interação. No contexto escolar, essa situaçãose anuncia em resultados insatisfatórios, decorrentes da cisão entre aspectos cognitivose afetivos. Este estudo investiga as representações sociais de adolescentes sobreos afetos na relação professor-aluno. O locus de pesquisa é uma escola do municípiode Feira de Santana. Os objetivos investigatórios se delineiam na identificação dosafetos existentes no contexto escolar, enfatizando a relação professor-aluno e asimplicações dessa relação no processo ensino-aprendizagem, além da investigaçãodas representações sociais dos adolescentes sobre o afeto. É uma pesquisa deabordagem qualitativa e constitui-se em um estudo de caso, tendo como sujeitos 12adolescentes de ambos os sexos. Como instrumentos de coleta de dados foramutilizados a observação, entrevista e desenho. Após a coleta, todo o material foianalisado à luz da análise do discurso, tendo como resultado as representações sociaissobre os afetos, que se ancoram em: (des)prazer, (des)enlace, desejo de aprender,(in)validar o aprender, professor (in)completo.

Palavras-chave: Afetos – Representações Sociais – Adolescentes – Relação professo-aluno

ABSTRACT

TEENAGERS SOCIAL REPRESENTATIONS ABOUT AFFECTS IN THETEACHER-STUDENT RELATION AND ITS IMPLICATION IN THELEARNING-TEACHING PROCESS

Contemporary education has assumed a discourse of respecting idiosyncrasies andhighlighting singularities. Nevertheless, we can perceived throughout history that ouraffective life has been systematically neglected in favor of the cognitive aspect, in themost varied environments. In school context, this situation produces unsatisfactoryresults, due to split between affect and cognition. This study investigates the socialrepresentations of adolescents about affect in the teacher-student relation. The

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locus of research is a school of the municipality of Feira de Santana (Bahia, Brazil).Our objectives are identifying actual affections in the school context, emphasizing theteacher-student relation and the implications of it in the teaching-learning process, aswell as investigating social representations of adolescents about affect. Our qualitativecase-study research had as subjects 12 adolescents. We collected data throughobservation, interview and drawing. Further on, the whole material was submitted todiscourse analysis. Results show social representations about affects that anchorthemselves in: (dis)pleasure, (dis)union, desire of learning, to (in)validate the learning,(in) complete teacher.

Keywords: Affects – Social representations – Adolescents – Teacher-student relation

A educação está sempre presente, de formadireta ou indireta, na vida dos sujeitos, modifican-do-os em sua relação com o contexto social emque estão inseridos. A sociedade contemporâneatem exigido papéis sociais que se modificam cons-tantemente, devido à sua própria dinâmica. Fala-se em cidadãos “singulares”, “críticos”, preparadospara atuar em vários campos do saber e se atribuià escola a função de formar esses sujeitos. É per-tinente lembrar, que somos dotados de cognição eafeto, de razão e emoção e, para contemplar o quenos tem sido imposto pela contemporaneidade, pre-cisamos de fato, nos ver e sermos vistos como su-jeitos idiossincráticos.

Entretanto, percebe-se que, ao longo da histó-ria, nossa vida afetiva tem sido sistematicamentenegligenciada por nossa cultura. Se olharmos porum prisma hierárquico, podemos perceber que, emgrande medida, é atribuído status de supremaciaàs questões que envolvem o aspecto cognitivo e,relegado a um patamar inferior, os aspectos inter-ligados aos afetos. Essa visão também se refleteno contexto escolar, e o lugar que deveria ser onascedouro do respeito às singularidades, trabalhanuma ótica de supressão do afeto, tratando, de certaforma, os alunos como se fossem iguais.

O presente estudo visa levantar algumas refle-xões em torno da dimensão afetiva, uma questãoque perpassa toda a história da humanidade e quepode ser referendada como um dos grandes enig-mas da vida humana. Suscita muitas indagações equestionamentos, principalmente quando se tratada relação dicotômica (razão e emoção / cognitivoe afetivo) adotada por diversas instâncias, como aescola, embora algumas práticas já demonstrem

perceber que sentir e pensar são ações que não sedissociam.

Tendo em vista que o processo educativo é per-meado por afetos, sejam estes prazerosos ou des-prazerosos, torna-se fundamental seu entendimen-to, pois pode contribuir, de forma significativa, nasrelações entre os sujeitos e conduzi-los a umaaprendizagem reflexiva e articulada com os diver-sos saberes, rumo à construção de uma escola quepossa repensar o professor e aluno enquanto sujei-tos históricos e que atenda as demandas contem-porâneas. Nessa perspectiva, o presente estudoaborda as representações sociais dos alunos ado-lescentes, em relação aos afetos existentes na re-lação professor-aluno no contexto escolar de umainstituição pública situada no município de Feira deSantana – Bahia.

Como principal objetivo para execução da pes-quisa, buscou-se investigar quais as representaçõessociais dos alunos adolescentes sobre os afetos narelação professor-aluno, tendo como suporte, iden-tificar os afetos existentes no contexto escolar,enfatizando as relações entre os alunos e profes-sores, além de analisar as implicações dessas rela-ções no processo ensino-aprendizagem. O estudoteve como sujeitos 12 (doze) adolescentes (06meninos e 06 meninas) estudantes, que moram nasproximidades da escola e que pertencem a umapopulação desfavorecida economicamente. Nestaescrita são apresentados alguns conceitos que fa-cilitam o entendimento sobre afetos e as suas ver-tentes, seguidos de uma discussão sobre a teoriadas representações sociais e sua pertinência; dis-corre-se, por último, a respeito das representaçõessobre os afetos que se fizeram presentes nos dis-

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cursos dos adolescentes e as influências destassobre a aprendizagem dos sujeitos.

As ações, expressões e pensamentos humanosnão podem ser devidamente compreendidos se nãoforem considerados os afetos que os acompanhamem todos os momentos e em todas as situações.Eles compreendem toda a gama de sensações vi-vidas pelo sujeito, que podem ser prazerosas, comoamabilidade, alegria e hilaridade, ou desprazero-sas, como melancolia, antipatia, medo, ódio, ciú-mes, inveja. Todas essas sensações derivam dasrelações de amor e de ódio, com as quais se convi-ve cotidianamente. Muitas vezes, esses dois afe-tos se confundem, se mesclam, se fundem, e, então,ama-se e odeia-se uma mesma pessoa ou situa-ção. Isso significa que vivemos em ambivalência1 ,ou seja, com a presença de sentimentos opostos.

Retomando a noção de ambivalência, Ornellas(2005) define afeto como um conjunto de “fenô-menos psíquicos que se manifestam sob a formade emoções e sentimentos, acompanhados, emcerta medida, da impressão de dor ou prazer, dasatisfação ou insatisfação, do agrado ou desagra-do, da alegria ou tristeza, etc” (p.233). O conceitoelaborado pela autora pode ser metaforicamenterepresentado pela figura do yin e yang2 , que apa-rentemente demonstra oposição, mas que, a partirde uma análise mais aproximada, deixa ver a uniãoe complementaridade entre os opostos, numa idéiade movimento e reciprocidade, assim como a am-bivalência dos afetos, que, em certa medida, legiti-ma uns aos outros.

Trazendo a discussão sobre os afetos para asociedade contemporânea, percebe-se que, aospoucos, o sujeito do cogito, inaugurado pela mo-dernidade a partir de Descartes, aquele que acre-

ditava ser capaz de, pela razão instrumental, co-nhecer a natureza e toda a humanidade, vai se per-dendo e se vendo órfão de suas verdades absolutase de suas certezas, as quais se diluem, à medidaque a sociedade se desenvolve. Homens e mulhe-res contemporâneos produzem e vivem mudançasde valores, de noção de família, educação, religião,nação, entre outros. Vêm perdendo suas referên-cias devido a essa volatilidade e assumem comoverdades o mercado e a moeda, buscando, muitasvezes, encontrar sua identidade nas imagens e re-presentações propostas pela mídia, nas quais opoder do ter é superior ao ser.

Nessa ótica mercadológica, os desejos sãotransformados em necessidades que precisam serprontamente atendidas, a fim de alimentar a sen-sação de uma prometida felicidade promovida peloconsumo. Daí se diz que vivemos numa sociedadedescartável, em que as trocas são feitas por contade uma espécie de saturação e da constante buscapelo novo, acarretando em gradual perda da capa-cidade criativa. Essa necessidade de renovaçãotambém atinge a relação entre as pessoas, pois háuma nova forma de pensar, de julgar, de se relaci-onar, de se casar ou não, de viver a família, a natu-reza, a cultura e a história.

Bauman (2007) apresenta o conceito de vidalíquida3 para caracterizar a sociedade na qual es-tamos vivemos. Para o autor, uma sociedade “lí-quido-moderna” é aquela em que as condições sobas quais agem seus membros mudam num tempomais curto do que aquele necessário para a conso-lidação das formas de agir em hábitos e rotinas. Avida líquida, assim como a sociedade líquido-mo-derna, não mantém a mesma forma por muito tem-po. A subjetividade passa a ter uma novaconfiguração. A existência, entendida como ser-com-os-outros, vai se esgarçando. Os valores ecomportamentos não são os mesmos, dando a im-pressão de que o sujeito contemporâneo tornou-se

1 Ambivalência: a coexistência, em um sujeito, de tendênciasafetivas opostas em relação a um mesmo objeto. (CHEMAMA;VANDERMERSCH, 2007, p. 32).2 Símbolo utilizado pela Filosofia Chinesa, que representa opríncipio da dualidade.3 “A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições deincerteza constante (...) é uma sucessão de reinícios... “(BAUMAN, 2007, p. 8).

Figura 1: yin e yang

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incapaz de fazer investimentos afetivos. Cada umvive sua vida de forma individualista e permanecenuma relação somente até quando estiver conse-guindo extrair algo de interessante para si mesmo.

Lembrando que os sujeitos da pesquisa são es-tudantes que se encontram na adolescência, caberessaltar que, no universo social e cultural em queestão inseridos, também estão presentes exigênci-as em relação às mudanças de comportamentospara as quais muitas vezes ainda não estão prepa-rados. Há uma confusão de papéis, pois, não sen-do mais criança e não sendo ainda adulto, temdificuldade em se definir nas diversas situações deseu contexto social. Para Freud (1989), na fase dapuberdade surgem os primeiros enlaces amorosose os primeiros indícios do desligamento das figurasparentais, o que significa que o adolescente cami-nha na intenção de encontrar sua própria identida-de através do fortalecimento de sua autonomia ena reconstrução dos seus valores.

Torna-se de fundamental importância a aten-ção para as relações que se estabelecem no con-texto escolar do adolescente, se a preocupação sepauta na qualidade do processo ensino-aprendiza-gem. A habilidade de lidar com esse adolescenteestá diretamente relacionada às possibilidades sub-jetivas do professor, que vão muito além de suascapacidades pedagógicas ou de todo seu conhe-cimento de conteúdos. Sua posição é importanteperante o adolescente, visto que sua função sociallhe permite atuar dentro e fora dos muros escola-res, pois, servindo como referência, colabora naformação de cidadãos.

Nesse contexto, é interessante observar o con-ceito psicanalítico de transferência4 , tendo em vis-ta que, ela se produz quando o desejo de saber doaluno se liga à pessoa do professor. Segundo Mor-gado (2002) ao vislumbrar no professor aquele quepoderá provê-lo de conhecimento, o aluno elege-ocomo autoridade e ao ensinar, o professor exercea autoridade que o aluno lhe atribui. Dessa forma,o conteúdo a ser ensinado deixa de ser o centro doprocesso pedagógico e a figura do professor e suasignificação para o aluno é que passam a ser achave para o aprendizado.

Não se pode esquecer que a transferência éum processo inconsciente, portanto, não se esco-lhe racionalmente amar ou odiar esse ou aquele

professor ou transferir sentimentos bons ou ruins,dependendo da situação. A transferência é algo queacontece sem que os sujeitos se dêem conta, quandoo desejo inconsciente busca ligar-se a “formas”(professor, analista) para esvaziá-las de seu valorreal e colocar ali o sentido que a ele interessa.

O interesse deste estudo é investigar o posicio-namento dos alunos através das suas representa-ções sociais sobre a relação professor-aluno, porsua importância no processo de ensino-aprendiza-gem. Sobre as representações sociais, teoria de-senvolvida por Serge Moscovici, é interessanteobservar que:

As representações sociais são entidades quase tan-gíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizamcontinuamente, através duma palavra, dum gesto ouduma reunião em nosso mundo cotidiano. Elas im-pregnam a maioria das nossas relações estabeleci-das, os objetos que nós produzimos ou consumimose as comunicações que estabelecemos... Mas se arealidade das representações é fácil de ser compreen-dida, o conceito não o é. Há muitas boas razões pelasquais isso é assim... (MOSCOVICI, 1978, p. 40).

Uma das razões a que se refere o autor, e tal-vez a mais consistente, é o fato de a representa-ção social ocupar uma posição híbrida, na qual secruzam conceitos de origem sociológica, como acultura e a ideologia, e conceitos de origem psico-lógica, como as imagens e o pensamento, de modoque representação social pode ser legitimada comoum conceito eminentemente psicossociológico.Os percursos que deram origem a essa teoria, têmDurkheim como fonte inspiradora e é fundanteperceber o caráter inovador que Moscovici atri-buiu a sua teoria, à medida que, conforme descre-ve Madeira (2005), contempla o mundo emmovimento, construído na relação permeada pelacultura e pela história.

Numa perspectiva psicossociológica, os sujei-tos são pensadores ativos que interagem entre si eproduzem e comunicam suas próprias representa-ções sobre os diversos âmbitos em que estão en-volvidos. Nesse contexto, Moscovici definerepresentações sociais como um conjunto de con-

4 “A transferência acontece quando o paciente transfere para oanalista afetos e vivências de outros momentos, compartilhan-do fatos de sua vida com aquele que julga possuir um saber capazde ajudar na resolução de problemas.” (KUPFER, 2006, p. 88).

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ceitos, proposições e explicações originadas na vidacotidiana, no curso de comunicações interpesso-ais. (MOSCOVICI, 1978, p. 181). Para o autor,elas são o equivalente, em nossa sociedade, aosmitos e sistemas de crenças das sociedades tradi-cionais e podem também ser vistas como a versãocontemporânea do senso comum.

A teoria das representações sociais recebe con-tribuições de outros pesquisadores que buscaramconceituá-las. Para Jodelet (2001, p. 22), por exem-plo, tais representações se constituem em:

... uma forma de conhecimento socialmenteelaborada e partilhada, com um objetivo prático,e que contribui para a construção de uma realida-de comum a um conjunto social. Igualmente de-signada como saber de senso comum ou aindasaber ingênuo, natural, esta forma de conhecimen-to é diferenciada, entre outras, do conhecimentocientífico.

As representações sociais são constituídas pordois processos denominados por Moscovici de ob-jetivação e ancoragem. A objetivação é, segundo oautor, o ato de “descobrir a qualidade icônica deuma idéia, reproduzir um conceito em uma ima-gem” (MOSCOVICI, 2003, p. 71), ou seja, é tor-nar concreto o que para nós é abstrato. “Aobjetivação faz com que se torne real um esquemaconceitual (...) é reabsorver um excesso de signi-ficações materializando-as” (MOSCOVICI, 1978,p. 110-111). No processo de objetivação, os ele-mentos da representação adquirem materialidadee se tornam expressões de uma realidade vistacomo natural, ou seja, transformam em objeto oque é representado, e ocorre a “coisificação”(MOSCOVICI, 1978, p. 112) do pensamento.

Sobre a ancoragem, pode-se dizer que é o pro-cesso de adequação de algo que nos é desconhe-cido a um paradigma de categoria preexistente emnosso pensamento. Em outras palavras, é quandotrazemos para categorias e imagens conhecidas oque ainda não está classificado e rotulado, trans-formando o que é estranho em algo familiar. “Nomomento em que determinado objeto ou idéia écomparado ao paradigma de uma categoria, ad-quire características dessa categoria e é reajusta-do para que se enquadre nela” (MOSCOVICI,2003, p. 61). Quando atribuímos um nome, possibi-litamos a avaliação e comunicação sobre o fato ou

objeto. Pode-se dizer, então, que ancorar é classi-ficar e dar nome a alguma coisa, com a finalidadede formar opiniões e de facilitar a interpretaçãodas características.

Os processos de objetivação e ancoragem co-laboram na percepção dos conteúdos das repre-sentações sociais e dos seus elementos constitutivos,a exemplo de informações, imagens, crenças, va-lores, opiniões, ideologias, etc, garantindo aos su-jeitos condições de se apropriarem das novidadesque os desafiam. Podemos dizer então que a obje-tivação e a ancoragem são processos que se com-plementam e que colaboram entre si. E na medidaem que a objetivação presentifica a realidade, aancoragem lhe dá significação.

É interessante refletir sobre o fato de que re-presentar alguma coisa é reconstruí-la, retocá-la,transformá-la com marcas pessoais. Como as re-presentações sociais se elaboram no cotidiano dassociedades, Jodelet (1989) considera que elas de-vem ser estudadas, articulando elementos afeti-vos, mentais e sociais e integrando, ao lado dacognição, da linguagem e da comunicação, as re-lações sociais que afetam as representações e arealidade material, social e ideal sobre as quaiselas intervirão.

Portanto, uma das grandes contribuições da te-oria das representações sociais, como proposta parase compreender a construção social da realidade,é enlaçar as dimensões cognitivas, afetivas e soci-ais. É interessante observar que tanto Moscovicicomo Jodelet têm ampliado o interesse sobre a di-mensão dos afetos nas pesquisas sobre represen-tação social, comprovando que essa é umadimensão singular no desenvolvimento dos sujeitose na construção das representações sociais.

No tocante a esta pesquisa, a importância dese conhecer quais as representações sociais queos adolescentes têm sobre os afetos na relaçãocom os professores, se embasa na vertente de es-tas representações constituírem-se em um amplocampo de possibilidades de enlaçamento entre ocognitivo e o afetivo, entre a fala e a escuta, entreprofessores e alunos. Também, na perspectiva depossibilitar um repensar das práticas pedagógicaspresentes no contexto em questão.

A análise do quadro conceitual sobre as repre-sentações sociais conduz ao entendimento de sua

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eficácia em contemplar e explicitar alguns fenô-menos que permeiam o contexto educativo comsuas peculiaridades e complexidades. Para Sá(1998), os fenômenos de representação social “es-tão espalhados por aí” (p. 21), na cultura, nas ins-tituições, nas práticas sociais, nas comunicaçõesinterpessoais e de massa e nos pensamentos indi-viduais, sendo por natureza difusos, fugidios, multi-facetados, em constante movimento e presentesem inúmeras instâncias da interação pessoal.

Nesse ínterim, justifica-se a impossibilidade decaptação direta, completa e definitiva por parte dapesquisa científica dos fenômenos de representa-ção social, visto que, conforme admite Sá (1998)no intuito de exercitar nossa humildade científica,“as realizações da ciência são simples aproxima-ções da realidade” (p. 22). É também nesse con-texto que se encontram as representações sociaissobre os afetos, objeto da pesquisa ora apresenta-da, em que se buscou encontrar quais as represen-tações sociais dos adolescentes sobre os afetos narelação professor-aluno.

Tendo em vista que esta investigação se pautana ênfase ao cotidiano escolar e à subjetividadeexistente nesse espaço, fez-se a opção pelo de-senvolvimento da pesquisa numa abordagem qua-litativa, como um estudo de caso e os instrumentosutilizados para a coleta de dados, a observação,entrevistas e desenhos. A partir dos dados coleta-dos, procedeu-se uma análise minuciosa à luz daanálise do discurso, da qual foram retiradas cate-gorias que dizem respeito à objetivação e ancora-gem das representações dos adolescentes, sujeitosda pesquisa.

Dado o caráter escorregadio do conceito dasrepresentações sociais, que ora se ausenta, ora sepresentifica, utilizou-se um jogo de palavras queconduz a um entendimento fugaz, para nomear asrepresentações sociais que foram manifestadas nodiscurso dos adolescentes, revelando que os afe-tos se ancoram nas representações do (Des)enlace,Professor (in)completo, (Des)prazer, Desejo deaprender e (In)validar o aprender. Os parênte-ses expressam a negação e afirmação da interpre-tação, demonstrando o campo da ambivalência, deEros e Thanatos5 , de prazer e desprazer, como podeser visto nas descrições que se seguem.

1. (Des)enlace

Esta representação diz respeito à relação am-bivalente entre professor-aluno, na medida em queambos convivem com enlaces e desenlaces, como prazer e desprazer no contexto da sala de aula.Para tratar desse tema, é pertinente retomar o con-ceito psicanalítico de transferência, como um vín-culo afetivo que se instaura entre o paciente e oanalista, podendo este vínculo, conforme revela opróprio Freud (1905), estar presente na relaçãoprofessor-aluno.

Em uma relação de transferência, o professoré para o aluno, portador de algo que lhe despertaatenção, tornando-se alvo de seu desejo. Este algopode ser entendido como o saber do professor, que,por sua vez, assume uma grande relevância pe-rante o aluno, adquirindo conseqüentemente po-der sobre este. Tal poder é usado ou não em prolde sua aprendizagem, legitimando assim os enla-ces e desenlaces entre ambos. Levando em consi-deração o que Kupfer (2006) revela ao dizer: “oque se transfere são as experiências vividas primi-tivamente com os pais” (p.88), a fala do sujeito aseguir parece bastante interessante:

O tratamento do professor com o aluno deve serigual ao tratamento de mãe. Porque todo o dia eletá aqui com a gente, pra nos ensinar mais, o quedevemos fazer... Porque na verdade no futuro nósvamos precisar, então tem que ter um tratamentoassim... Muito mais delicado... Esse negócio dequalquer coisa começar logo a brigar com o alunonum... Não acho muito bom. Não acho nem bomnem certo. (S10)

Essa fala ilustra a relação parental que o sujei-to busca estabelecer com o professor, quando emseu discurso compara-o à “mãe”. Observa-se querevela, em suas falas, imagem daquele professorcuidador, com o qual certamente conviveu nas

5 Freud afirma a existência de duas instâncias que permeiam osnossos processos mentais, os quais podem nos conduzir a situa-ções de agrado e desagrado. Em sua teoria, recorreu a dois ter-mos, cuja origem remonta à mitologia grega: Eros e Thanatos.Eros lembra pulsão de vida e lembra a sensação de prazer, quepode ser representada por sentimentos como amor, alegria eamizade, enquanto Thanatos liga-se à pulsão de morte e estáalém do princípio do prazer, por assim dizer, visto que se en-contra representado por sensações como ódio, luto, desprazer,fome.

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primeiras séries do ensino fundamental, trazendo àtona seu imaginário social sobre o papel do profes-sor, a qual se distancia da imagem do docente comoum profissional comprometido, pertencente a umacategoria profissional que busca o reconhecimen-to da sua identidade como tal.

Outras falas também ilustram a importância darelação professor-aluno para o desenvolvimento doprocesso ensino-aprendizagem.

Hoje mesmo, oh... Se alguma professora explicarcom calma... Ensinar a gente, acho que eu tenhomais vontade de aprender, entendeu? Se eu for lá ea professora falar: “Ah, eu já expliquei isso, nãovou falar mais não!”. Aí fica até difícil da genteaprender quando... É mais rígida, dá medo, o medoque atrapalha a gente aprender, a gente pergun-tar... A gente fica com medo de perguntar o que nãoentendeu... Eu acho assim... (S7)

Essa fala retrata a posição desconfortável naqual se encontram os sujeitos, em determinadassituações presentes no seu contexto escolar. Per-cebe-se a presença de um poder legitimado porum autoritarismo em que o professor se vê deso-brigado do atendimento às necessidades do aluno,por já ter supostamente cumprido seu papel aodeclarar: “Ah, eu já expliquei isso, não vou falarmais não!”. O sujeito relata a vivência do medo,um afeto desprazeroso que pode atrapalhar suaaprendizagem.

Dessa idéia emerge a reflexão de que se faznecessária a criação, por parte da escola e dosprofessores, de formas de apoio à aprendizagem,que busquem atrair os alunos, antes que estes de-sistam de aprender o que não estão conseguindo.Alguns sujeitos reivindicam a oportunidade de emi-tir sua opinião, demonstrando que, a partir disso, oprocesso poderá ser mais interessante. Vejamosas falas:

Os alunos... Eu acho que os alunos têm que sermais prestativos com os professores... Expressarsuas opiniões, com eles. Tem um tipo de opiniãoassim, por exemplo: às vezes os professores sabemo que vai fazer, mas fica em dúvidas se faz... Se fazaquilo ou não, se os alunos vão gostar... E achoque os alunos deviam ter uma oportunidade defalar... Sempre falar com os professores, assim: porque você não faz isso ou aquilo dessa forma?...Ficaria legal (...) Tem professor que pergunta se...

É melhor prova ou um trabalho... E aí a gentefala... (S4)

Os sujeitos se expressam sobre o desejo demanter um vínculo afetivo prazeroso com os pro-fessores, um comportamento de ligação, o qualBowlby (2006) considera ser qualquer forma de“comportamento que resulta em que uma pessoaalcance ou mantenha a proximidade com algumoutro indivíduo diferenciado e preferido, o qual éusualmente considerado mais forte e (ou) maissábio” (p.171). O autor considera, ainda, que amanutenção de um vínculo afetivo é entendidacomo uma fonte de segurança e alegria, o que nosfaz acreditar que, por esse motivo, os sujeitos ma-nifestam tanta necessidade de aproximação comseus professores.

2. Professor (in)completo

Nessa representação, o foco situa-se no pro-fessor e em sua imagem a partir das construçõesdos sujeitos. A análise é feita a partir do que ossujeitos consideram e desejam como um “bom pro-fessor”. Segundo Pereira (2001), o uso da expres-são “bom professor” aponta necessariamente parao encontro de um discurso pedagógico idealista,visto que supõe, intrinsecamente, um juízo de valorpor parte dos alunos, além de uma excelência ins-trumental nas atividades do magistério, inerentesao docente6 . Através da fala dos sujeitos, pode-seinferir que esperam do professor que se saia bemem seu ofício, ensinando com certa “competên-cia” seus conteúdos, ao passo que deve estabele-cer uma relação de proximidade com os alunos,conforme ilustram as falas a seguir:

Um bom professor é... Eu tenho uma boa professo-ra, ela também reclama, mas só reclama com moti-vo. É minha professora de matemática, é umaprofessora muito gente boa.... Se adapta muito comos alunos, não anda reclamando muito, não é que

6 A suposição dessa excelência instrumental muitas vezes nãoprocede, devido inclusive às políticas públicas de formação do-cente, que pouco investem na formação inicial e continuada deprofessores. A grande maioria dos profissionais da educação possuicarga horária elevada de trabalho, acumulando, por vezes, vári-os empregos. Este fato se justifica pelos baixos salários ineren-tes à categoria e constitui-se em um fator que dificulta a buscapor uma excelência instrumental.

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ela seja desligada dos alunos, sabe? É porque elaassim... como se diga... tem uma certa intimidadecom os alunos, se interage mais. Todos os alunosgostam dela. É uma professora mais próxima. (S10)

Professor ruim... Assim o professor que entra na salanão respeita o aluno, que mal um bom-dia dá, o pro-fessor já entra, não quer saber o que o aluno tá fa-zendo na sala... se tiver conversando, brincando,deixa o aluno brincar, escreve o assunto no quadroexplica o assunto, e dá o assunto como dado, mes-mo sem o aluno tá prestando atenção, respeitando apresença dele. (S11)

Para os sujeitos, do ponto de vista relacional,esses mestres ou “bons professores” caracterizam-se por gostar do que fazem, por serem calorosos ereceptivos em relação aos alunos e por acredita-rem em seus potenciais. Os sujeitos demonstramaprovação apenas pelo que consideram ser a facepositiva da relação, em que o professor está sem-pre disposto ao atendimento do aluno, em suas ne-cessidades e demandas. Existe por parte dossujeitos, em relação à figura do professor, umaexpectativa de completude, de professores perfei-tos, capazes e competentes em suas práticas.

O adolescente, pela própria condição de estarem busca da sua identidade, é sensível a toda equalquer contradição que parte dos adultos. Busca“imagens ideais”, ou seja, adultos sem falhas comoreferência, fato que o leva a decepcionar-se muitofrequentemente com pais e professores que po-dem tornar-se alvo de suas hostilidades, dado opróprio caráter da natureza humana, de ser falto-sa, não completa e suscetível a imperfeições. Ossujeitos parecem rejeitar os professores que nãose aproximam do seu ideal de “bom professor”.

Em contrapartida, cabe ao professor uma mis-são muito complexa: a de controlar o incontrolável,ou seja, como agradar a todos os alunos se cadaum possui suas singularidades, suas histórias devida? Para isso é importante que o professor nãotenha a pretensão de assumir o total controle desuas ações sobre os alunos, visto que cada um temseu contexto sócio-histórico e, em relação à do-cência, Pereira (2001) chama atenção para o fatode que, nessa profissão, se vive a ambiguidade, poisesbarra nos limites da influência de um sujeito so-bre um outro, das singularidades impossíveis de sedesvelarem.

Portanto, alguns papéis e imagens atribuídos aoprofissional de educação, seja através do imaginá-rio social ou através de sua auto-imagem, acarre-tam-lhe funções para as quais nenhum ser humanose encontra preparado, visto que visitam o campoda perfeição. Pensar em “bom professor”, diantedo que a psicanálise nos revela sobre o sujeito (dafalta, do inconsciente, da ruptura), é percebê-lo comhabilidade para utilizar suas competências instru-mentais na compreensão do mal-estar corrente nasala de aula, como uma possibilidade de cresci-mento para ambos, professor e aluno. Assim, “...não recuar frente ao mal-estar é, ao invés de seposicionar enquanto dono do saber, fazer-se objetopara causar no aluno o seu desejo de saber, produ-zindo assim algo novo, ali, onde havia somente osem sentido”. (PEREIRA, 2001, p. 177).

Achar-se detentor do saber é não admitir-secomo sujeito da falta, da incompletude, do não-todo.É ser arrogante e ir contra a corrente que conduzà necessária educação dialógica, em que existe a“materialidade da ação comunicacional, disponibi-lizando e provocando a participação livre e plural,o diálogo e a articulação de múltiplas informaçõese conexões” (SILVA, 2001, p. 174). Assumindo-se como sujeito da falta, ganha um lugar de desta-que na transmissão e articulação dos saberes, poisconseguirá abrir espaço para seus alunos se mani-festarem, incluindo, desta forma, na sua prática adimensão do desejo.

A partir dessa relação transferencial, o profes-sor torna-se referência nas crenças, nos valores,nas fantasias, nas identificações, nas idealizaçõese por vezes causa no aluno um repensar de suaforma de ser e agir. Este lugar de sujeito ocupadopelo professor move no aluno seu desejo de saber.O “bom” professor consegue perceber, conviver eadministrar as diferenças em sua prática, respei-tando as singularidades presentes na coletividadeda sala de aula, colocando-se em situação de in-completude.

3. (Des)prazer

Essa representação tem como cerne elucidaras construções de cada sujeito a respeito do con-ceito de afeto. Ao perguntá-lhes sobre o que en-

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tendiam por afeto, apenas um revelou não saberdo que se tratava e não ter conceito formado so-bre o assunto. Alguns sujeitos declararam ser oafeto uma gama de sentimentos bons, que trazemprazer e conforto e estão diretamente relaciona-dos às pessoas de quem gostamos. Vejamos asseguintes falas:

Seria... É... Carinho, amor pela pessoa que tá ali...São... Sentimentos bons que... Procuram mostrar agente da forma que cada um é. (S8)

Afetos é... como se fosse um amigo. A pessoa quetem afeto por outra, trata aquela pessoa, como sediz... assim... com carinho. Aí se torna um afeto deuma pessoa por outra, pra mim o afeto é isso. Apessoa ter consideração... É saber tratar aquelapessoa, entendeu? (S10)

Essa forma de reconhecer o afeto como algoque existe apenas no campo do prazer é a mani-festação do conhecimento estereotipado muito co-mum na sociedade. É também interessanteobservar a recorrência nos discursos de que o afe-to é dirigido a algo ou a alguém. Cabe relembrarque o conceito de afeto, embora seja comumenteconhecido como sentimento pertencente ao cam-po do prazer, consiste em uma relação ambivalen-te, em que se acham imbricados o prazer e odesprazer. Ou ainda, relembrando o que defineFreud, pode-se dizer que envolve um jogo cons-tante entre a pulsão de vida e a pulsão de morte,que reflete situações de agrado ou desagrado, asquais são representadas respectivamente, por Erose Thanatos.

Nos adolescentes, devido à própria dinâmica detransformações que vivenciam, essa ambivalênciapode ser claramente identificada em suas relações.Nessa fase, a presença do amor e do ódio na rela-ção com os professores constitui-se em uma cons-tante, decorrente dos fatores que se fazem presentesno contexto da sala de aula, como a imposição delimites por parte do professor, em relação ao com-portamento dos alunos, por exemplo.

O adolescente está em busca de uma ‘imagemideal’, e por conta disso, decepciona-se muito rapi-damente com os adultos que ‘arranham’ essa ima-gem perfeita. O professor, pelo papel importanteque ocupa na vida do adolescente, torna-se um fortecandidato em quem os alunos projetam essa ima-

gem ideal, fato que o deixa suscetível às manifes-tações de desagrado e decepção que partem dosalunos.

Percebe-se através dos discursos que uma pe-quena parte dos entrevistados expressa e destacano afeto também a existência de sentimentos queprovocam desconforto, como a raiva:

Eu acho que é uma forma de... Não é uma forma detratamento, é uma forma de... é tipo um sentimentoque a gente tem, que a gente sente várias coisasassim por determinada pessoa, acho que é uma for-ma de tratamento também... às vezes gosta, às vezespassa raiva. Tudo isso. (S2)

Eu acho que tudo é no tratar bem... às vezes nemtodos os professores tratam mal, mas a gente achaque eles acabam falando uma coisa que a gentenão queria ouvir naquela hora, aí a gente achaque aquilo é o tratar mal às vezes, e é ruim. (S4)

Nos enunciados evidencia-se uma compre-ensão mais ampliada sobre o campo ambivalentede atuação dos afetos. Retomando o conceito apre-sentado por Ornellas (2005), pode-se considerarque o afeto está no campo ambivalente do prazere do desprazer, no campo da ambigüidade e expri-me qualquer estado afetivo, agradável ou penosoque se apresente no cotidiano das pessoas.

Acho que quando o professor reclama com o alu-no, que vê que o aluno tá errado, não reclama pragente se magoar, mas reclama porque a gente táerrado, pra gente se consertar, e quando eles... en-sinam pra gente também, tiram a nossa dificulda-de, é porque estão se preocupando com a gente.(S1)

O discurso do sujeito revela que sua percepçãosobre o afeto supera a já conhecida idéia apresen-tada pelo senso comum, de que afeto é só coisaboa. O sujeito expressa compreender que, mesmoquando o professor, através de sua prática, suscitasentimentos desconfortáveis para os alunos, nãodeixa de manifestar afeto nessa relação. Os sujei-tos também manifestam afetos desprazerosos nasrelações que mantêm com os colegas, como de-monstra a fala seguinte:

... a pessoa fica assim... Se sentindo baixa, menor,sem poder ter um tipo de amizade adequada...Achando que só tem gente assim... importante... Apessoa se sente menor do que as outras já que não

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é capaz de ser como elas... Acha que elas podem tertudo por conta de serem assim. (S7)

Interessante observar que algumas palavrasutilizadas no discurso do sujeito, como “menor”,“adequada”, “capaz’, nos conduzem à reflexãosobre os conflitos identitários pelos quais possa estarpassando. Aparentemente, esse sujeito foi ou estásendo “rejeitado” pelo grupo no qual tentou se in-serir. Por causa disso, sente-se acometido de afe-tos desprazerosos e manifesta isso através da suafala. Tal percepção traz à tona questões da con-temporaneidade, como a banalização do bem-es-tar do próximo e a liquidez das relações, de quenos fala Bauman (2007), que se refletem no com-portamento dos jovens.

Os adolescentes buscam entre si a afirmaçãoda identidade, embora precisem de referências domundo adulto. Agrupam-se geralmente com osiguais, na tentativa de se fortalecer como sujeitose na definição de seus próprios valores. A adoles-cência é também marcada pela instabilidade emo-cional, e esse fato pode conduzi-los a algunsconflitos, inclusive com seus pares. As relaçõesafetivas que o aluno estabelece com os colegas eprofessores no contexto escolar são de grande valorpara seu desenvolvimento como educando e comopessoa. Os afetos apresentam-se como estrutu-rantes para o sujeito, pelo fato de permear todasas ações nas quais se envolvem, daí se pode justi-ficar a preocupação que se deve ter no enlace en-tre os aspectos cognitivos e afetivos no processoensino-aprendizagem.

4. Desejo de aprender

Muito se fala neste estudo sobre a necessidadedo enlace entre aspectos cognitivos e afetivos, vis-to que os afetos, por estarem presentes em todosos momentos de nossas vidas, tornam-se estrutu-rantes para o desenvolvimento nos mais variadosâmbitos. Valorizar esse enlace significa perceberos sujeitos como permeados por subjetividade, en-tendendo que a afetividade e a inteligência cami-nham juntas e, em certa medida, as necessidadesafetivas se tornam cognitivas.

Por essa perspectiva, a psicanálise pode trazergrande colaboração para o processo ensino-apren-

dizagem, tanto para o professor quanto para o alu-no, no sentido de favorecer a compreensão deambos como sujeitos, carregados de historicidade.Através dos seus principais instrumentos de traba-lho, a fala e a escuta, alimenta as relações interati-vas entre os professores, entre os alunos e entreprofessores e alunos, na medida em que estimulaformas colaborativas de aprendizagem. Por esteviés, acontece o enlace entre a emoção e o inte-lecto, entre o sentir e o pensar.

Talvez de forma intuitiva ou talvez seja apenasuma leitura de suas vivências, os sujeitos demons-tram ter ciência da necessidade do enlace entre osaspectos cognitivos, afetivos e sociais no contextoescolar, quando manifestam em suas falas e dese-nhos o desejo de serem vistos e compreendidos,principalmente pelos professores, como pessoas quepensam e sentem, que o sentir pode direcionar opensar e o pensar, por sua vez, pode influenciar osentir.

O sujeito solicita práticas que proporcionem sig-nificado para o conteúdo, práticas que partam docontexto real no qual estão inseridos e que estimu-lem a participação conjunta e interativa entre pro-fessor e aluno, diferente do trabalho mecânicodesenvolvido na sala de aula, “sacralizado” em ro-tina e que demonstra ausência de um planejamen-to dinâmico e vivo que atenda de fato aos alunos ea suas necessidades específicas. Observemos aseguinte fala:

Eu acho que deveria ser assim... A sala não pode-ria ser um museu, porque as vezes a sala parecemais um museu. Mas chamo de museu não é porqueé velho, é que é muito chata a aula... Fica chatoporque os professores entram na sala, conversamassim coisas da matéria, escrevem, escrevem, es-crevem e vão embora... Pra outra sala... Eu achoque deveria ser assim: quando tivesse estudandoum assunto... um exemplo, a segunda guerra mun-dial, aí tem um filme, retratando tipo a segundaguerra mundial, a gente poderia assistir esse fil-me... Poderia comentar sobre o filme, sobre a se-gunda guerra a partir do filme, comentar conver-sando... seria muito melhor. Conversando não sóescrevendo fazendo atividade, atividade e depoisprova... Acho que não deveria ser assim... (S4)

O sujeito expressa, através de seu discurso, quealgumas práticas que podem ser consideradas sim-

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ples, como assistir a um filme, imprimem novos sig-nificados aos conteúdos curriculares apresentadospelos professores. Esse fato suscita a reflexão so-bre a necessidade de se fazer da escola um lugarmais atraente para os alunos, estabelecendo novasrelações entre professor e aluno, em que o primei-ro não apenas assuma o papel de alguém que trans-mite conhecimentos, mas daquele que ajuda os seusalunos a encontrar, organizar e gerir o saber.

Faz-se necessário considerar o ensino-aprendi-zagem escolar como processo que está necessaria-mente imbricado em um movimento interativo,contínuo e dinâmico entre professor e aluno. Perce-be-se nas falas a manifestação da carência de aten-ção por parte dos sujeitos quando clamam peloatendimento do professor. Em certa medida, as fa-las denunciam o abismo que se instala entre ambos:

Quando o professor passa a conversar mais com oaluno, eu acho que ele vai se interessando maispela matéria... Até inibe ele de muita conversa nasala. Ele conversa mais com o professor e vai pen-sando assim em firmar algo na matéria... Eu achoque ele fica com mais interesse de estudar aquelamatéria. Não fica só ali... Na mesma coisa... Eu achoque... muda muito. (S2)

Por que... É como eu falei, se uma professora quetem afeto com o aluno, o aluno vai querer interagirmais, vai querer tirar todas as dúvidas que ele tem,depois vai querer conversar um pouco mais com aprofessora, aí vai aprendendo um pouco mais, aprofessora vai dando mais explicações. (S10)

Observa-se por meio das falas que as relaçõesque se estabelecem com o professor tornam-se,em certa medida, um termômetro para medir o graude interesse do aluno em relação ao conteúdo queestá sendo apresentado. As falas demonstram umaco-relação entre o desejo de aprender e a formacomo o aluno interage e se relaciona com o pro-fessor. Dizem ter maior interesse pelos conteúdosapresentados por aqueles que se mostram maispróximos, numa relação interativa, em que as par-tes dialogam horizontalmente.

Faz-se necessário considerar que todo ser vivoaprende e atribui sentido àquilo que aprende, a par-tir da interação com o seu contexto, ou seja, diz-seque a aprendizagem é relação com o contexto.Nesse sentido, Gadotti (2003) afirma que “para o

educador ensinar com qualidade, ele precisa domi-nar, além do texto, o com-texto, além de um con-teúdo, o significado do conteúdo que é dado pelocontexto social, político, econômico”(p.48). É per-tinente que rompa com o divórcio entre a vida es-colar e o prazer, adotando uma prática educativabaseada na “bidirecionalidade, na participação eexpressão livre e plural das subjetividades” (SIL-VA, 2001, p. 187), ou seja, numa prática dialógicae horizontal.

5. (In)validar o aprender

Essa expressão diz respeito à representaçãoreferente aos processos avaliativos presentes naprática educativa, que muitas vezes assumem afunção de validar ou não o aprendizado do aluno,tendo em vista o caráter utilitarista que lhe é im-posto. Avaliação é um tema bastante abordado noscírculos de discussões que envolvem o cenárioeducativo. Reconhece-se hoje que sua importân-cia para a aprendizagem vai muito além do simplesato de classificar segundo a quantidade de respos-tas certas e erradas que determinam a promoçãoou retenção escolar. Fala-se em avaliação forma-tiva, diagnóstica, as quais, mais do que medir odesempenho na prova, demonstram interesse emcomo esses alunos atuam durante a aprendizagem,permitindo uma reorientação da ação pedagógica,caso haja necessidade.

Para Hadji (2001), “a avaliação torna-se for-mativa na medida em que se inscreve em um pro-jeto educativo específico, o de favorecer odesenvolvimento daquele que aprende, deixando delado qualquer outra preocupação” (p.20). A fun-ção principal da avaliação formativa, então, é con-tribuir para a boa regulação da atividade deensino-aprendizagem. É fundamental ter a noçãode que avaliar a aprendizagem do aluno é tambémavaliar a intervenção do professor e sua prática, jáque o ensino deve ser planejado e replanejado emfunção das aprendizagens conquistadas ou não.

Luckesi (2002) considera, como ato básico daavaliação, o diagnóstico, que se constitui na “ex-pressão qualificada da situação, pessoa ou açãoque estamos avaliando” (p.33), e a partir do qualse parte para uma tomada de decisão para que o

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ato de avaliar se concretize. Tendo em vista queuma avaliação da aprendizagem se constitui numaprática baseada na crença de que o ser humano éum ser em desenvolvimento e em construção per-manente, constata-se que as práticas avaliativaspelas quais passam os sujeitos desta pesquisa de-monstram a visão simplista de aplicação de exa-mes ou provas, com o intuito classificatório deaprovar ou não atitudes diferentes daquelas que seespera do ato de avaliar. As falas nos conduzem àreflexão de que tais exames são pontuais e nãodemonstram interesse pela forma como o educan-do chegou ao conhecimento que será examinado.Vejamos as falas:

Avaliação é prova (...), mas eu prefiro trabalho.Porque a gente estuda os pontos pra prova, e ficasó naquele negócio que tem que estudar pra tiraruma boa nota pra passar, e no trabalho você vaifazendo aos poucos, vai aprendendo aos poucos,sem ter aquela pressa que tem que aprender logopra poder fazer uma prova. Na semana de prova eufico nervosa... Eu fico nervosa... (S5)

Se... Se todas as unidades fosse trabalho seria me-lhor, porque trabalho a pessoa interage mais, en-tende? E também porque pode fazer dentro decasa... Agora prova não, prova tem que ser na es-cola. Tem que ser em no máximo uma aula. Eu achoque trabalho fica melhor. (S10)

De um modo geral, os sujeitos fazem uma rela-ção direta dos termos “avaliação” e “prova”, comose um termo constituísse sinônimo do outro e comose a primeira estivesse apenas restrita à realiza-ção da segunda, ou melhor, como se “fazer prova”fosse a única etapa do processo de avaliação doqual têm consciência, denunciando dessa forma aprecariedade de algumas práticas pedagógicasaparentemente mecânicas, visto que a avaliaçãoda aprendizagem escolar tem as características dapedagogia à qual serve.

Não importa o processo de aprendizagem, ape-nas aquele momento de realização da prova é le-vado em consideração; entretanto, de acordo comos relatos, é importante lembrar que esse momen-to é permeado por afetos desprazerosos, que ge-ram insegurança e podem, de alguma forma,influenciar o resultado da produção com aqueleinstrumento, correndo riscos deste se tornar injus-to, de excluir e de tornar a avaliação estanque.

O problema apresenta-se não porque a prova éutilizada como instrumento de avaliação, mas pelaforma e pelo contexto nos quais é inserida, em queos sujeitos parecem agir como se estivessem pre-ocupados em guardar a informação que estuda-ram até o momento da prova, descartando-o logoem seguida, pois não lhe apresentam significado.A aprendizagem assim se reduz a uma assimilaçãomecânica de conteúdos para realização de provas,com o intuito de serem classificados como “bons”alunos ou não.

Os sujeitos demonstram seu desagrado comessa conotação atribuída às provas e manifestamseu desejo de uma avaliação processual e formati-va, que possa ser realizada com prazer, em queprofessor e aluno se relacionem na busca da me-lhor compreensão e apropriação do conhecimentoe das habilidades necessárias para cada campo dosaber. Cabe relembrar que, para Luckesi (2004),em um verdadeiro processo de avaliação, não in-teressa apenas a aprovação ou reprovação de umaluno, mas sim sua aprendizagem e, consequente-mente, o seu crescimento. Daí ela ser diagnóstica,permitindo a tomada de decisões.

Urge na educação uma mudança de postura,que em vez de dar ênfase ao exame, prime poruma avaliação centrada na aprendizagem dos alu-nos, numa relação dialógica que estimule, inclusi-ve, a auto-avaliação como um recurso para ocrescimento e desenvolvimento do sujeito e a pre-sença permanente da autocrítica, tanto do educa-dor como do educando.

Tais representações expressam o sim e o não,a certeza e a dúvida de cada situação apresenta-da, e sugerem o entendimento de que, para os su-jeitos, os afetos constituem-se como fundantes paraseu processo de desenvolvimento pessoal e inte-lectual, o que evidencia a necessidade de uma re-lação dialógica com os professores, com vistas aserem reconhecidos enquanto sujeitos do seu pro-cesso, que possuem sua história própria, seus de-sejos, suas angústias, seus sonhos e suas perdas.

O discurso dos adolescentes sobre a relaçãoprofessor-aluno desperta um certo ânimo, ao de-monstrar que contraria a ordem instituída pela con-temporaneidade, marcada pelo modelo de relaçõesvoláteis, em que a individualidade rouba o espaçoda singularidade. Esse discurso traz as marcas de

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um sujeito que ainda necessita ser em grupo, ser-com-os-outros. De um sujeito que apesar de natu-ralmente refletir a sociedade em que está inserido,carrega em si o desejo de ser visto com suas sin-gularidades e idiossincrasias.

O aluno precisa encontrar na escola espaçopara interferir, modificar, acrescentar e colaborarna estruturação das práticas pedagógicas, e eleclama por esse espaço que lhe é de direito. Conso-ante a esta idéia, o professor assume o papel de

propositor de atividades criativas, de interrogaçõese diálogos. Em certa medida, os sujeitos revelaramque o desejo de aprender é despertado pela rela-ção que estabelecem com o professor. Por isso, aimportância deste assumir-se enquanto não-todo,sujeito da falta, da incompletude, abrindo, assim,espaço para que seu aluno participe, atribuindoimportância aos seus dizeres, envolvendo-o no pro-cesso que lhe pertence e que diz respeito à suaaprendizagem e à sua vida.

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Recebido em 03.05.09Aprovado em 28.06.09

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PROTAGONISMO JUVENIL E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS:

O JOVEM NA CONDUÇÃO DO CARRO DE JAGRENÁ

Maria de Fátima Moura Pereira *

* Mestre em Educação pelo PPGEduc/UNEB. Psicóloga pela UFBA. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucionalpelo Instituto Sedes Sapientiae/Cetis. Docente autônoma de cursos superiores na área de Educação e Psicologia. Mosaicista edocente na área. Endereço para correspondência: Rua Praia de Copacabana, Centro de Animações, s/n, Sala 01, Vilas doAtlântico – 42700-000 Lauro de Freitas/BA. E-mail: [email protected]

RESUMO

A pesquisa de que trata este artigo, fruto da minha dissertação de mestrado, investigouuma experiência educativa não-formal voltada para jovens, que tem o protagonismojuvenil como eixo de sua proposta pedagógica. Foi realizado um estudo de casoqualitativo, tomando como orientação teórico-metodológica a teoria das representaçõessociais, cujo objetivo era apreender as representações do educador construídas pelojovem, durante seu aprendizado de protagonismo juvenil. Seu objeto de estudo,portanto, delineou-se em torno da práxis do educador como mediador desseaprendizado. As representações então apreendidas revelaram que longe de haver umtrabalho direcionado para que o jovem aprenda a participar e intervir socialmente,isso ocorre como desdobramento da mobilização deste frente às suas condiçõesexistenciais e sua inserção nos diversos segmentos da vida cotidiana. Essasrepresentações encontram-se ancoradas em quatro categorias: o educadorprovocador, escutador, emancipador e enraizador. Este estudo pretende contribuirpara elucidar o papel dos educadores na formação de jovens participativos e autônomos,através do reconhecimento dos aspectos que fundamentam a prática do protagonismojuvenil numa perspectiva crítica.

Palavras-chave: Juventude – Protagonismo juvenil – Educador – RepresentaçõesSociais

ABSTRACT

YOUTH PROTAGONISM AND SOCIAL REPRESENTATIONS: YOUNGPEOPLE CONDUCTING JAGRENÁ CAR

This paper present results from my master’s thesis. We investigated an informaleducational experience destined to youths, which has youth protagonism as the centerof its pedagogical proposal. A qualitative case study was carried out, taking the socialrepresentation theory as theoretical-methodological orientation, with the objective ofperceiving the young people’s educator’s representations, during the learning processof youth protagonism. The object of the study was thus outlined by the educatorpraxis as mediator of this learning process. The representations then perceived revealedthat, far from having a work oriented to incentive young people to learn how toparticipate and to intervene socially, this occurs as a result of the youth mobilization in

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Protagonismo juvenil e representações sociais: o jovem na condução do carro de jagrená

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response to existential conditions and insertion in the different segments of everydaylife. These representations are anchored in four categories : provoker, listener,emancipator and rooter educator. This study aimed to contribute to elucidate theeducator’s role in the formation of participative and autonomous young people, throughthe recognition of the aspects that set up the practice of youth protagonism under acritical perspective.

Keywords: Youth – Young Protagonism – Educator – Social Representations

Introdução

Na década de 90, a preocupação com a ques-tão juvenil passou a ganhar maior visibilidade noBrasil, tanto na mídia como na esfera pública, de-vido ao elevado número de jovens em situação derisco, expostos à violência, tanto como autoresquanto como vítimas. Esses jovens, sobretudo osde baixa renda, foram fortemente afetados pelastransformações que atingiram boa parte do mun-do, dentre as quais merecem destaque a falênciado ideário socialista, a ampliação do capitalismopara boa parte do globo e o avanço da política ne-oliberal que contribuiu para acirrar ainda mais asdesigualdades sociais. Esses fatores – e outros queserão mencionados adiante – constituem o con-texto propício para o fomento de uma crise queperpassa não apenas a esfera sócio-econômica,mas também cultural e moral. O Relatório de De-senvolvimento Juvenil 20031 evidencia esse qua-dro ao fornecer um amplo panorama da juventude2

no Brasil, revelando que os problemas de baixaescolaridade, desemprego e predisposição à vio-lência afetam muitos jovens de classes menos fa-vorecidas, colocando-os numa situação de intensavulnerabilidade social.

Se, desde o século passado, a imagem da ju-ventude esteve fortemente atrelada a um sentimen-to de ameaça à ordem vigente (em decorrência daeclosão dos movimentos juvenis organizados emvárias partes do mundo), a partir dos anos noven-ta, a projeção do jovem não é nada favorável: so-bre a juventude pobre recai o estigma de perigo; esobre a juventude das classes mais favorecidas orótulo de individualistas, hedonistas e alheios aosproblemas sociais (ABRAMO, 1997; SPOSITO,1997). Assim, aos poucos, o tema juventude vai-seimpondo na pauta das políticas públicas, mobiliza-

do por debates em diversos segmentos da socie-dade, como ONGs, universidades, UNESCO e ins-titutos empresariais, sendo marcante a presençados atores juvenis nesse processo (FREITAS, 2005).É nesse contexto que o protagonismo juvenil érecortado como objeto de interesse deste estudo,uma vez que se constitui em uma via de resistên-cia e luta por parte dos jovens, no sentido de trans-formar essa situação.

O que vem a ser protagonismo juvenil? Emsentido amplo, define-se como o envolvimento dojovem na resolução de problemas do seu entorno(escola, bairro, comunidade ou sociedade como umtodo) e nos processos de aprendizagem, voltadospara a construção de conhecimentos e valores.Essa atuação geralmente se dá numa dimensãocoletiva e pode ocorrer de forma autogerida pelospróprios jovens ou co-gerida, mediada pela figurade um educador (adulto ou mesmo jovem). Sãoexperiências que podem acontecer de modo es-pontâneo, a partir da iniciativa dos jovens, ou po-dem ser concebidas como proposta educativa daqual lançam mão algumas Organizações Não Go-vernamentais e fundações empresariais. Essas prá-ticas ganharam impulso a partir de meados dadécada de 90 no Brasil e geraram mobilização em

1 Relatório produzido pela UNESCO que oferece o mapeamentoda situação dos jovens do Brasil nas áreas de educação, renda esaúde, nas diversas unidades federativas do país, a partir da ela-boração do Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDV)(WAISELFISZ, 2004).2 Considerando o caráter multidimensional que envolve o fenô-meno da juventude, essa pesquisa acolheu, para sua definição, ocritério atualmente adotado no Brasil nos meios onde se discutepolíticas públicas para a juventude, que tomam a adolescência ea juventude como fases subseqüentes do desenvolvimento hu-mano. Assim, adolescentes são aqueles sujeitos que se encon-tram na faixa etária que vai dos 12 aos 18 anos e jovens adultosaqueles com mais de 18 anos, não tendo uma delimitação exatapara a finalização dessa etapa.

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torno da temática juvenil, fomentando novas idéiaspara a construção de políticas públicas voltadas paraos jovens (FREITAS, 2003; SPOSITO, 2003).Dentre as inúmeras experiências existentes, valedestacar algumas, tais como: a Ação Educativa(São Paulo), a Aracati – Agência de MobilizaçãoSocial (São Paulo) e a Cipó – Comunicação Inte-rativa (Salvador), nas quais os jovens praticam oexercício da participação democrática, por meiodo diálogo e da parceria com os adultos.

O interesse em compreender o protagonismojuvenil enquanto proposta pedagógica orientou estapesquisa para delinear seu objeto de estudo em tornoda práxis do educador numa experiência educati-va não-formal, através do Centro de ReferênciaIntegral de Adolescentes – CRIA3 – que se pro-põe a provocar os jovens a criarem, se envolve-rem e participarem ativamente de movimentossociais e culturais em seus espaços de convivên-cia. Porém, diferente do que ocorre nas pesquisassobre juventude, em que essa temática é geralmenteinvestigada a partir da ótica do adulto (SPOSITO,1997), este estudo buscou compreender o papel doeducador do CRIA pelo viés da experiência vividapelos próprios jovens, tomando como orientaçãoteórico-metodológica a teoria das representaçõessociais.

1. O carro de Jagrená4 e o cenário dacontemporaneidade

Tal como Giddens (1991), recorre-se aqui àmetáfora do carro de Jagrená para descrever ocontexto e a ambiência nos quais estão inseridosos jovens atualmente.

Os acontecimentos impactantes que marcarama segunda metade do século XX (duas guerras,catástrofes humanas e intenso desenvolvimentocultural e tecnológico) mergulham sobretudo omundo ocidental numa atmosfera de incertezas,fugacidade e pluralidade, uma vez que se desman-cham os “grandes relatos”5 , fragmentam-se ascosmovisões e desaparecem os dogmas e os prin-cípios fixos. As condutas não mais se orientam pelastradições e toda a sociedade passa a viver um cli-ma de imediatismo, já que não possui referênciasno passado (SILVA, 2000). Além disso, o incre-mento crescente do avanço tecnológico, que em-

bora tenha gerado oportunidades construtivas, temsido responsável pela ameaça constante de des-truição (a exemplo da industrialização de guerra),contribuindo para que essa nova ambiência sejasentida por muitos como uma situação fora do con-trole, gerando a sensação de estarem à mercê deum ritmo desenfreado e sem direção. Assim Gid-dens (1991) descreve a metáfora do carro de Ja-grená:

... uma máquina em movimento de enorme potênciaque, coletivamente como seres humanos, podemosguiar até certo ponto, mas que também ameaça es-capar de nosso controle e poderia se espatifar. Ocarro de Jagrená esmaga os que lhe resistem, e em-bora ele às vezes pareça ter um rumo determinado,há momentos em que ele guina erraticamente paradireções que não podemos prever. A viagem não éde modo algum inteiramente desagradável ou semrecompensas; ela pode com freqüência ser estimu-lante e dotada de esperançosa antecipação... E nun-ca seremos capazes de nos sentir inteiramenteseguros, porque o terreno por onde viajamos estárepleto de riscos de alta-consequência. Sentimen-tos de segurança ontológica e ansiedade existencialpodem coexistir em ambivalência (GIDDENS, 1991,p. 140).

No plano econômico, a contemporaneidade estámarcada pela globalização dos mercados e pelainternacionalização do capital, o que tem gerado acrise do desemprego e o aumento da exclusão soci-al. A desempregabilidade deve-se também ao in-cremento crescente de inovações tecnológicas, quefavorecem a ocupação de máquinas no lugar depessoas. A situação do jovem se complica sobre-tudo nas camadas menos privilegiadas, na medidaem que a exigência de uma escolaridade mínima(agora o Ensino Médio) compete com a necessi-

3 O Centro de Referência Integral de Adolescentes – CRIA –lócus desta pesquisa, é uma Organização Não Governamental,criada em 1994, situada em Salvador, cuja proposta artístico-político-pedagógica é o desenvolvimento da cidadania dos jo-vens por meio da arte (teatro, poesia e clow).4 O termo vem do hindu Jagannâth, “senhor do mundo”, e é umtítulo de Krishna. Um ídolo desta deidade era levado anualmen-te pelas ruas num grande carro, sob cujas rodas, conta-se, atira-vam-se seus seguidores para serem esmagados.5 Os “grandes relatos” foram “as concepções sustentadoras dasnormas legais, das instituições, da ação social e dos estilos devida, praticadas pela sociedade civil, pelo Estado e pelo merca-do”, como o positivismo, o marxismo, o liberalismo e a teolo-gia da libertação (COSTA, 2000, p. 82-83).

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dade precoce de trabalhar. Quando não desistecedo de estudar, se debate em tentar conciliar asduas atividades, lutando para vencer o descréditoe a desmotivação de uma escola que não atendeàs suas necessidades. Portanto, desemprego e bai-xa escolaridade são fatores que contribuem para oquadro de vulnerabilidade social em que se encon-tram muitos jovens de baixa renda atualmente.

No plano tecnológico, há que se concordar comSilva (2000), quando diz que “a juventude em par-ticular vem passando por uma “mutação percepti-va” (p. 15), desde que passou a conviver com ocontrole remoto, o videogame e o mouse. Ao per-mitirem aos jovens transitarem pelos diversos ca-nais da TV, a manipular imagens na tela e aadentrarem tecnologias hipertextuais nos compu-tadores, esses recursos inauguraram uma novamodalidade comunicacional denominada pelo au-tor como interativa, que se caracteriza não maispela separação entre emissor e receptor da men-sagem, mas permite a modificação do conteúdodesta pelos interlocutores, por meio do processode intervenção e criação. Silva (2000) se refere aesse receptor “conceptor” como novo especta-dor, ou seja, aquele que não mais aceita passiva-mente o que lhe é transmitido, mas que procurainteragir com a mensagem, produzindo novas men-sagens. O jovem, que já nasceu imerso nessa am-biência digital e que é por excelência um novoespectador, lança um grande desafio para as ins-tituições educativas formais e informais, uma vezque apresentam modificações na sua percepção,no seu modo de aprendizagem e até nos tipos deconhecimentos que mobilizam seu interesse.

Já no plano cultural, recorre-se aqui a Rocha(2005) para descrever a atmosfera de questiona-mento de valores e de aceleração das mudançasque caracteriza os tempos atuais, quando esta res-salta que a contemporaneidade encontra-se impreg-nada pelo preceito de liberdade, acrescentando:“estamos no mundo como diante de uma prateleirade supermercado”. Segundo Silva (2000), isso sedeve ao “desbastamento da figura da instituição (acoisa estável), em todas as suas versões – o Esta-do, a família, a escola e a universidade, o partido –e o esfacelamento das noções de representação edelegação” (p. 52). Essa atmosfera de pluralida-de, heterogeneidade e relativismo requer dos jo-

vens uma capacidade de julgamento e discernimen-to daqueles valores que merecem ser incorpora-dos a favor da satisfação individual e de umavivência coletiva saudável. Mais do que nunca, aspessoas e os jovens, em especial, precisam fazeropções e estabelecer critérios para tal, uma vezque se encontram só, sem os referenciais do pas-sado e das tradições.

Considerando todo esse contexto, o protago-nismo juvenil propõe uma mudança de posiçãocom relação ao carro de Jagrená: sair de sua fren-te para não ser por ele atropelado e passar para asua condução, por meio do envolvimento do jovemem vivências significativas, tanto para ele comopara a coletividade. A idéia de que se tornem oscondutores do carro de Jagrená se justifica, por-tanto, pela conjunção de três imperativos: a cria-ção de novas significações e de autonomia frenteao enfraquecimento dos arcabouços que orienta-vam as condutas (Igreja, política, família, ideolo-gia, educação escolar, mídia de massa, etc); atenderà emergência do novo modelo comunicacional in-terativo, que instaura a necessidade de o sujeitointerferir, modificar e participar da construção dainformação que lhe chega; e de conquistar canaisde expressão para que possam exercitar e organi-zar sua tendência à contestação e à proposição.

2. O protagonismo juvenil na conduçãodo carro de Jagrená

A partir da década de 90, tem sido frequente ouso do termo protagonismo, atrelado a diversosatores sociais, sempre no sentido de ressaltar aparticipação dos sujeitos nos debates e nos pro-cessos decisórios, em distintas esferas da vida so-cial. Ser protagonista significa “tomar as rédeas”da situação, intervir coletivamente no sentido deoperar os processos, as mudanças, as decisões;sair do papel de espectador passivo para o de su-jeito ativo, criador e produtor de ações. Segundo aetimologia, o termo protagonismo se originou apartir da junção de duas palavras gregas: protos,que significa principal, primeiro; e agonistes, luta-dor, competidor (COSTA, 2000). No teatro grego,protagnisté significava o ator principal ou aqueleque ocupava o lugar principal em um acontecimento(FERRETTI; ZIBAS; TARTUCE, 2004).

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A origem etimológica da palavra é, para alguns,um fator que leva à sua rejeição, porque “protago-nismo” sugere o destaque de uns atores sociaissobre outros, descaracterizando seu sentido usual,que envolve o caráter democrático da ação social.Daí ser comum encontrá-lo com outras denomina-ções, como participação, mobilização ou engaja-mento juvenil. Os jovens do CRIA, sujeitos destapesquisa, aderiram à expressão dinamizadoresculturais, para designar a ação sociopolítica quedesenvolvem em suas comunidades. Desde que aquestão juvenil ganhou ênfase na mídia e nas polí-ticas públicas, a frequência com que o termo pro-tagonismo juvenil vem sendo usado resultou emcerta estereotipia e embaçamento do seu signifi-cado. Assim, algumas práticas mantêm coerênciaao atrelarem a construção da cidadania à forma-ção do sujeito crítico, ao passo que outras ocultamuma face conformista e adaptativa, estimulando umativismo acrítico e apolítico. Ultimamente, o pro-tagonismo juvenil vem sendo divulgado como um“método educativo”, cuja metodologia de trabalhovem sendo descrita passo a passo, acarretando umrisco de que esta seja convertida num “receituá-rio”, aplicado de forma simplória e equivocada.Acrescenta Sposito:

Sob o meu ponto de vista, muitas vezes o protago-nismo não espelha, de fato, uma relação com os su-jeitos jovens pautada pela idéia de sua autonomia ecapacidade de participação. Parece tratar-se mais deuma metodologia de ação com o trabalho dos jo-vens do que um princípio ético-político que pressu-põe o reconhecimento dos jovens como atorescoletivos relevantes e, por isso mesmo, com direitoà autonomia. (SPOSITO, apud FREITAS e PAPA,2003, p. 65).

Essa pesquisa compreende “protagonismo”como sinônimo de participação democrática. Por-tanto, como uma prática que deve ser exercidaconsiderando-se a complexidade do contexto soci-al, interligado e interdependente, o que exige umarelação dialógica entre vários atores sociais. Talcomo em algumas propostas educativas, aqui oprotagonismo juvenil aparece descolado do seusignificado etimológico, uma vez que incorpora umacultura de participação coletiva, que se estende porvárias esferas da sociedade. Gohn (2005), já per-cebendo esse processo de descolamento, contribui

com a seguinte declaração: “Recentemente as ci-ências humanas não só se apropriaram do termoator como passaram a utilizar o próprio termo pro-tagonismo para os atores que configuram as açõesde um movimento social” (p. 9). Esse estudo ado-ta, portanto, o protagonismo juvenil numa pers-pectiva crítica, tal como o CRIA (lócus dapesquisa), buscando contribuir para a formação doeducador de jovens, no sentido de desenvolver uma“cultura de participação” nos variados espaços deinserção juvenil.

3. Representações sociais e protago-nismo juvenil: transformando o novoem familiar

A experiência vivida pelos jovens que partici-pam de projetos voltados para a construção da ci-dadania, com ênfase naqueles que tomam por basea proposta do protagonismo juvenil numa pers-pectiva crítica, é para eles nova e singular, na me-dida em que se diferencia em muito de suasexperiências vivenciadas no âmbito da escola ofi-cial. A começar pelo modelo de relação educador-educando, pela interação com o objeto deconhecimento e pela mudança de posicionamentoenquanto sujeito social e político. O que fica maisevidente, ao observar esses jovens em ação, e foio que mobilizou o interesse da pesquisadora parainvestigar o presente objeto de estudo, é o seu en-gajamento prazeroso nas atividades educativas e ocomprometimento em refletir e debater sobre ques-tões sociais, assumindo uma postura participativae propositiva.

A teoria das representações sociais oferece osuporte para compreender que uma experiênciaque é vivida coletivamente, sobretudo quando sur-ge um fato novo no cenário social, gera um saberque é fruto dessa vivência, dessas interações in-terpessoais, desse mútuo ajustamento com a fina-lidade de construir uma visão consensual darealidade, o que vem a ser o conhecimento do sen-so comum. No entanto, não se trata de consideraresse conhecimento como uma somatória de pen-samentos individuais, mas de reconhecer que ele éelaborado socialmente, por sujeitos sociais, o queenvolve uma dinâmica diferente de um agregadode indivíduos (JOVCHELOVITCH, 1995). Numa

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pesquisa de representações sociais não interessao simples levantamento de opiniões individuais, massim a capacidade de o pesquisador apreender adimensão do outro que constitui cada sujeito, poiso conhecimento produzido é compartilhado coleti-vamente. Segundo Sá (1993, p. 27). “trata-se, comcerteza, de uma compreensão alcançada por indi-víduos que pensam. Mas não sozinhos”.

As representações sociais cumprem importan-tes funções na vida das pessoas e dos grupos. Umadelas é o equilíbrio sociocognitivo do grupo social ea manutenção da sua identidade, o que ocorre quan-do o conjunto social se depara com uma novidadee, ao se sentir ameaçado, se mobiliza para torná-lareconhecível. Ao transformar o novo em familiar,as representações orientam as condutas e comu-nicações nas interações intra e intergrupais (JO-DELET, 2001).

Acolhendo a posição de Jodelet (2001) e ado-tando aqui o estudo das representações sociais naperspectiva da corrente processual, esta pesquisase ocupou em descrever o processo de construçãodessas representações através de suas imagens esignificações, pois entende que elas extrapolam aspráticas sociais discursivas, exigindo uma articula-ção de elementos cognitivos, afetivos e sociais. Porisso mesmo, compreende que esses fenômenos nãopodem ser captados de modo direto e completo,motivo pelo qual privilegia a metodologia de pesqui-sa qualitativa e técnicas que possibilitem adentrar ouniverso do simbólico e do subjetivo, a exemplo dosinstrumentos utilizados neste estudo: entrevista semi-estruturada e desenho.

Segundo a corrente processual, as representa-ções sociais são formadas pelos processos de ob-jetivação e ancoragem. A objetivação – ounaturalização – é o processo que permite a materi-alização da representação social, dando ao objetorepresentado uma qualidade icônica, uma imagem,tornando o conceito abstrato. É por meio da objeti-vação que os sujeitos se comunicam, interagem ecompartilham, ancorados pelas representaçõessociais. A ancoragem, por sua vez – ou amarração– possibilita que o estranho, porque novo, seja inte-grado às representações sociais já existentes, resta-belecendo o equilíbrio e mantendo preservada aidentidade do grupo (ORNELLAS, 2001). Para tor-nar esses conceitos mais compreensíveis, na análi-

se dos dados desta pesquisa, as categorias descriti-vas ilustram a objetivação do conhecimento do jo-vem acerca do objeto deste estudo – o educador, asquais foram elaboradas a partir do seu discurso e dodesenho. As categorias interpretativas revelam comoessas representações estão ancoradas. Por exem-plo, a fala de um dos sujeitos da pesquisa – “... umaeducadora, ela faz refletir (...), ela não vai dizer‘Marta, não use drogas’, sem me explicar o por-quê, sem fazer eu refletir o porquê...” – ilustra aobjetivação. A idéia subjacente de que o conheci-mento não é algo pronto, que é construído atravésda interação dos sujeitos e destes com o objeto deconhecimento, ilustra a ancoragem.

A importância de apreender o conhecimento dosenso comum – as representações sociais - ser-ve como um guia para as práticas cotidianas e comoconstrutora de novas realidades sociais, sobretudodesencadeadoras de transformações. Portanto, aoconhecer os processos pelos quais os jovens sujei-tos desta pesquisa objetivam e ancoram os novosconhecimentos advindos da experiência no CRIA,compreende-se seu modo de atuação e comunica-ção no meio (objetivação) e quais os sentidos atri-buídos a esses novos elementos (ancoragem). Asrepresentações sociais apreendidas nesta pesquisapermitirão compreender como o jovem se inscre-ve no mundo a partir dessa experiência e comorealiza a demanda de novos sentidos nos meios emque transita. Além disso, oferecerão subsídios paraque a comunidade de educadores voltada para otrabalho com jovens possa rever sua prática eampliar a compreensão de sua importância para aformação destes.

4. Desenho da metodologia da pesqui-sa

Nove jovens participantes do CRIA foram se-lecionados para serem os sujeitos desta pesquisa.O critério de seleção adotado foi o de maior per-manência na instituição, pois se supunha que quantomaior o tempo de convivência com sua propostaeducativa, mais consistentes seriam as represen-tações sociais construídas pelos jovens sobre opapel do educador no seu aprendizado de prota-gonismo juvenil. As idades variaram de 16 a 19anos, sendo a maioria do sexo feminino (seis) e

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negros (sete), sendo que seis ainda estavam cur-sando o Ensino Médio e três já o haviam concluí-do. Com relação à ocupação, dois disseram estardesempregados, cinco não trabalhavam, ou seja,estudavam ou faziam cursinho, e apenas dois esta-vam trabalhando.

Considerando a diversidade de suportes quepodem expressar o conteúdo das representaçõessociais, optou-se por utilizar instrumentos de cole-ta de dados que possibilitassem uma abertura paraa expressão de elementos cognitivos, sociais e afe-tivos, driblando, assim, o discurso social flutuante ea simples emissão de opiniões. Os instrumentosforam a entrevista individual semi-estruturada e odesenho. O recurso para analisar as falas dos su-jeitos – entrevistas e descrições verbais dos dese-nhos – foi a técnica de análise do discurso, numavertente francesa, a qual estuda o funcionamentoda língua para a produção de sentidos. Segundoessa abordagem, analisar um discurso é ter acessoao modo como o sujeito interpreta a realidade, con-siderando que a natureza discursiva não é linear e,sim, marcada pela opacidade, pelos equívocos epela subjetividade (ORLANDI, 2005). A análisedos desenhos, por sua vez, levou em consideraçãoos aspectos expressivos dos mesmos, ou seja, omodo singular como cada sujeito representou o temaproposto, deixando de lado seus aspectos projeti-vos, o que viria a ser a leitura dos conteúdos in-conscientes neles presentes.

De posse dos dados analisados, foram constru-ídas as categorias descritivas das entrevistas edos desenhos, as quais materializam e comunicamas representações sociais, constituindo-se, por-tanto, em suas objetivações. Como resultado, foipossível conhecer as representações sociais doeducador, que se encontraram ancoradas em qua-tro categorias interpretativas: educador provo-cador, educador escutador, educador emanci-pador e educador enraizador.

6. Conhecendo as representações so-ciais do educador: aquele que orientaa condução do carro de Jagrená

Como o jovem do CRIA representa o papel doeducador que media seu aprendizado de protago-nismo juvenil? O educador apareceu como uma

figura comprometida com a formação pessoal dojovem, o que implica em desenvolver sua autono-mia e sua noção de cidadania, tendo como desdo-bramentos sua implicação e inserção nos diversossegmentos da vida: pessoal, social, político, cultu-ral, familiar, educacional etc. O jovem sujeito des-sa pesquisa assim o representou:

EDUCADOR PROVOCADOR: essa catego-ria traduz o modo como o educador conduz suadinâmica de trabalho com o jovem, prezando poruma metodologia participativa que os leva a: falar,arriscar, refletir, questionar, trabalhar coletivamen-te, querer conhecer (sobre si, o outro e a comuni-dade) e desejar aprender. Esse modelo educativoencontra correspondência com os fundamentos dateoria construtivista, uma vez que considera que oconhecimento não é algo pronto, a lhe ser incutidoa partir de fora: ele é construído, requerendo dosujeito cognoscente uma ação mental, portanto, umapostura ativa diante do objeto de conhecimento.Assim, o educador provocador se constitui parao jovem um desafiador, pois o enreda em situaçõesque lhe exigem autonomia.

Em contrapartida, é o “grupo” o nascedouro eo palco em que se desenvolve a proposta artístico-político-pedagógica do CRIA, a qual privilegia esseespaço de convivência como oportunidade para umfazer coletivo. Sendo assim, o educador provo-cador, ao propor o diálogo e a construção coletiva,não concebe o meio como espaço físico, tal qualPiaget; e sim como espaço importante para fazerdeslanchar o desenvolvimento do sujeito. Esse edu-cador, tal qual L. Vygotsky, valoriza as interaçõessociais ao constatar que o ser humano “se consti-tui na relação com o outro e com a realidade soci-ocultural. O funcionamento psicológico do homemé, pois, moldado pela cultura” (D’ÁVILA, 2003).

Além disso, ao introduzir o jovem na relaçãocom pessoas de diferentes faixas etárias dentro efora do CRIA, esse educador compreende a ne-cessidade de atuar na Zona de DesenvolvimentoPotencial do educando, de modo que os mais ca-pazes possam monitorar as ações dos menos ca-pazes, em direção à resolução de problemáticasque, sozinhos, estes não conseguiriam êxito. A pos-tura desse educador provocador aqui represen-tado pelo jovem, que o leva a refletir, a falar, abuscar respostas, que o quer ativo e autor, também

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se adequa ao modelo comunicacional interativodescrito por Silva (2000) e citado anteriormente.Parece conceber o educando como novo espec-tador, pois se dispõe a criar uma dinâmica grupalque o convida à co-autoria, à intervenção e à cria-ção. Segundo Silva (2000), o educador atual preci-sa se despir da tarefa de ser um transmissor, paraser um arquiteto de percursos, ou seja, disponibi-lizar rotas para a busca e construção de conheci-mentos.

EDUCADOR ESCUTADOR: o jovem se re-feriu à figura do educador como aquele que se in-teressa por ele e se interessa pela sua vida. Nãolimita essa relação ao espaço educativo institucio-nal; adentra o universo do jovem, conhecendo suahistória de vida, acompanhando seu percurso, aco-lhendo suas dificuldades, compreendendo suas in-quietações, revelando um investimento libidinal deambas as partes. Escuta e se implica. Escutar édebruçar-se sobre o outro a fim de reconhecer suasingularidade e ler sua subjetividade; é disponibili-dade interna para o outro, atribuindo-lhe o lugar desujeito.

O educador escutador escuta para conhe-cer a história da vida do educando, o que lhe dásuporte para compreender seu comportamento,suas inquietações pessoais e políticas, respeitar asdiferenças, intervir e adequar a proposta pedagó-gica às suas demandas; escuta para levá-lo arefletir e compreender o seu processo de amadu-recimento e a construção de sua identidade; e aose abrir para as revelações do educando, escuta osaber do outro, driblando a relação autoritária quegeralmente se estabelece entre ambos nos espa-ços formais de ensino.

Percebe-se, portanto, que a escuta não se tra-duz em passividade. Escutar é intervir. É ação, éatribuição de sentido, de significação. Como ex-pressa o jovem, a escuta sugere envolvimento en-tre as partes e investimento mútuo, o que quer dizerimplicação. Barbier (2004) tece com sensibilida-de os meandros desse processo, denominando-ode escuta sensível, acrescentando que “implicar-se consiste sempre em reconhecer simultaneamen-te que eu implico o outro e sou implicado pelo outrona situação interativa” (p. 101). Tanto o educadorcomo o educando são movidos pelo desejo de seimplicarem mutuamente.

A transferência é parte desse processo de im-plicação, pois ela “é o ponto de partida do ato edu-cativo – sua base psicológica possível” (ORNE-LLAS, 2005, p. 55). Na relação transferencial oeducador não é o educador, assim como o educan-do não é o educando (contratransferência), umavez que esses lugares remetem às relações primá-rias com as figuras parentais, incorrendo num des-locamento do afeto (positivo ou negativo) deste paraaquele.

Segundo Ornellas (2005), para que essa rela-ção flua proveitosamente, ou seja, para que ocorraaprendizagem significativa, essa transferência pre-cisa ser prazerosa. Quer dizer, a figura do educa-dor deve remeter a lembranças boas, reeditando“sentimentos de ternura, amizade e respeito”(p.180). Contratransferencialmente, o educadortambém se vê tentado a investir no educando, ins-talando-se aí uma implicação de mão dupla. As-sim, o educando aprende por amor e aprendeporque transfere. Portanto, é na interface da im-plicação e do desejo que a escuta acontece. Aoeducador escutador, uma vez também cativadopelo educando, cabe provocar o seu desejo deaprender, de amadurecer e de intervir em sua rea-lidade social.

EDUCADOR EMANCIPADOR: longe dedelegar para alguém a tarefa da emancipação dooutro, para o jovem sujeito desta pesquisa, o edu-cador se reveste do papel de desenvolver sua vi-são crítica da sociedade e a capacidade de intervirpara transformá-la. Por emancipar entende-se li-bertar da alienação, que reproduz desigualdadesocial e miséria em diversas instâncias: cultural,econômica, política etc. Todo aprendizado que éadquirido no CRIA o jovem transpõe para o tra-balho que desenvolve em sua comunidade. Dela,o jovem se aproxima à medida que explora e ad-quire consciência dos problemas que a atingem,problemas que ele conhece bem, pois os senteem sua pele.

A atividade do Quem Sou Eu/Quem SomosNós6 é o ponto de partida do trabalho realizadopelo educador emancipador, em que o jovem, ao

6 O Quem Sou Eu/Quem Somos Nós é a atividade básica desustentação da proposta político-pedagógica do CRIA, que seconstitui na expressão poético-histórica do jovem sobre si, atra-vés da revelação do seu momento presente.

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compartilhar a história da sua vida e da sua comu-nidade, seu cotidiano, suas raízes históricas e cul-turais, toma consciência de seu lugar na sociedade,se mobilizando para operar mudanças, junto aocoletivo. A mudança, portanto, vem a partir domergulho no próprio contexto em que está inseri-do, ou seja, a partir da problematização de situa-ções existenciais, segundo o ideário freireano.Acrescenta o autor:

Consequentemente, o ponto de partida deve estarsempre nos homens, no seu aqui e agora, que cons-tituem a situação em que se encontram, ora imersos,ora emersos, ora insertados. Somente partindo des-sa situação – que determina a percepção que elestêm – podem começar a atual. Para fazê-lo de manei-ra autêntica não devem perceber seu estado comoinelutável e imutável, mas somente como é, um esta-do que os limita e portanto os desafia... (FREIRE,1980, p. 82).

Tal qual propunha Paulo Freire, é na relaçãodialógica que o processo de conscientização vaisendo gerido, à medida que todos se descobrem“seres inacabados, incompletos, em uma realidadeigualmente inacabada” (FREIRE, 1980, p. 81). Essadialogicidade, que vem a ser o diálogo fundamen-tado numa ação e reflexão crítica, é prática co-mum entre educadores e educandos do CRIA, que,ao convidarem os sujeitos a refletirem sobre suaação, é também práxis, devido ao seu compromis-so intrínseco com a transformação social. Ao inau-gurar essa reflexão coletiva, esse construir junto, oeducador emancipador fomenta uma cultura departicipação nos moldes democráticos, possibilitan-do ao jovem estender esse aprendizado a todas asrelações sociais do seu cotidiano, fazendo disso umimportante elemento na construção de sua subjeti-vidade e identidade (KONTERLLNIK, 1998).

O jovem aprende a dialogar com pessoas dediferentes faixas etárias, com familiares, vizinhos,diretores das escolas e professores... aprende a secolocar em eventos diversos e em espaços públi-cos de debate, nos quais não se limita a ouvir, masopina, pleiteia e propõe. Assim, aprende a compre-ender o diverso e a lidar com as contradições ad-vindas desses contatos.

Esse modelo de trabalho remete às contribui-ções de Moacir Gadotti (1995) quando concebe arelação dialógica nem sempre como uma interlo-

cução agradável e amigável; mas também comooposição de contrários, em que o conflito está pre-sente e deve ser incorporado e enfrentado. Numasociedade marcada por antagonismos, é precisoaprender a lidar com a multiplicidade de interes-ses, e mesmo que o acordo não seja possível, quepossibilite, pelos menos, um pacto (GADOTTI,1995). Esse é o papel do educador emancipadorrepresentado pelo jovem.

EDUCADOR ENRAIZADOR: por enraiza-mento entende-se o reconhecimento e a incorpo-ração do legado cultural fundante do grupo ao qualpertence o jovem. Enraizamento e emancipaçãoandam juntos, uma vez que implicam em desalie-nação à medida que a comunidade se despe dosvalores interiorizados e impostos por outra culturaconsiderada superior. Segundo Freire (1980), es-ses processos culturais alienados decorrem da apa-tia dos sujeitos e da ausência de comprometimentocom seu mundo, o que caracteriza um modo depensar ineficaz, porque dissociado da realidade porele vivida.

A fala do jovem sujeito desta pesquisa revela,nas entrelinhas, quão forte é o sentimento de per-tencimento à sua comunidade, e o quanto a cons-trução de sua identidade passa pelo descobrimentoe afirmação de suas raízes identitárias. LembraDemo:

Nesse sentido, cultura comunitária é a parteira daparticipação. Não há projeto comum de vida, assu-mido em coesão comunitária, sem identidade de gru-po. Esta identidade se forja na cultura de cada um.(...) A comunidade somente reconhecerá como seuaquele projeto que (...) é capaz de revestir-se de tra-ços culturais do grupo. É preciso encontrar o ecoreconhecido de algo que é seu, de algo que se en-caixa na história vivida, de algo que aparece nasdeterminações do dia-a-dia (DEMO, 1996, p. 58-59).

O educador enraizador propicia a aproxima-ção do jovem com sua comunidade, fortalecendoas raízes culturais de cada localidade. Assim, o jo-vem do CRIA reconhece a si num coletivo que écomposto por descendentes de famílias sertane-jas, que migraram para a cidade, com forte influ-ência indígena; como parte de uma territorialidadecom fortes matrizes africanas; reconhece a si nopovo pobre, negro e mestiço, soteropolitano, baia-no e brasileiro; e nas manifestações populares

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Protagonismo juvenil e representações sociais: o jovem na condução do carro de jagrená

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(MILET, 2003). Portanto, o educador representa-do pelo jovem possibilita a este o fortalecimento desua identidade cultural, ao mesmo tempo em quefacilita a ele aprender a viver em dois territórios,sem se desgarrar do seu solo de origem.

7. Considerações finais

Foram essas, pois, as representações sociaisdo educador que o jovem socialmente construiu aolongo de sua experiência no CRIA. Dessas repre-sentações apreende-se uma imagem do educadorenvolta em complexidade e sutilezas tais, que reve-lam o envolvimento deste com a formação integraldo educando, desde a esfera pessoal até a social.Sua sistemática de trabalho e a relação que estabe-lece com o educando fazem com que este se depa-re com sua condição existencial: quem é ele perantea família, perante a escola, a sociedade, a arte, apolítica, perante seu grupo étnico, suas relações deamor e amizade, seu bairro. Sendo assim, as repre-sentações sociais apreendidas revelam que não háum trabalho especificamente direcionado para queo jovem aprenda a participar e intervir no seu entor-no. O aprendizado de protagonismo juvenil ocor-re como desdobramento dessa mobilização dojovem diante de sua condição existencial.

O que movimenta, portanto, o interesse do jo-vem para uma atuação participativa na esfera so-cial é o desejo/necessidade de luta que nasce doreconhecimento da condição de cada um, enquan-to sujeito social. Assim, o veículo de transforma-ção passa a ser as próprias pessoas envolvidas,que apresentam a si mesmas como canal de trocae como ponte para o diálogo (NOVAES, 2002).Sendo assim, a trajetória do processo educativoaqui representado parte do sujeito em direção aooutro, e daí então para a sociedade como um todo.Como numa espiral, parte de dentro para fora, nummovimento de (des)envolvimento: sujeito-outro-sociedade, mas também podendo ocorrer um mo-vimento contrário, tal como sugere a própriadefinição de espiral: “é uma curva que gira em tor-no de um ponto central, afastando-se ou aproxi-mando-se deste ponto, dependendo do sentido emque se percorre a curva”7 . É nessa dialética deacolher e expandir que o educador aqui represen-tado atua.

As representações sociais aqui apreendidassugerem, portanto, a imagem de um educador queao mesmo tempo em que envolve, acolhendo eresgatando a confiança primária, des-envolve, lan-çando o outro em direção ao crescimento. Ao es-cutar e enraizar devolve ao jovem um solo seguro,levando-o a experimentar quão morna é a sensa-ção de pertencimento; e, ao provocar e emanci-par, o encoraja a ser e estar no mundo como sujeitohistórico. Enquanto ator principal, afirma-se comoprotagonista de sua trama pessoal; e, enquantoco-participante, inscreve-se como protagonista datrama social.

O eixo central das contribuições desta pesqui-sa é a consideração do jovem como sujeito de diá-logo e como ator coletivo emergente e relevante,desde que o educador possa assim reconhecê-lo.Busca enriquecer a formação deste, de modo a setornar um articulador de canais de expressão e departicipação do jovem, através do reconhecimentodos aspectos que fundamentam a prática de pro-tagonismo juvenil numa perspectiva crítica.

Com relação à rede oficial de ensino, essa pes-quisa pode contribuir no sentido de ressignificar elegitimar os espaços de participação juvenil que jáexistem dentro dela, alguns dos quais legalmenteinstituídos, porém subaproveitados, como, por exem-plo: organizações informais como atividades espor-tivas, teatro, rádio, jornal e movimentos de protestoscom ou sem intermediação dos grêmios livres; ca-nais institucionais como Conselho Escolar e avalia-

7 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Espiral. Acesso em:06 out. 2007.

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Maria de Fátima Moura Pereira

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ção do rendimento escolar; e algumas práticas indi-viduais de professores em sala de aula, que envol-vem ativamente os educandos nos processos deaprendizagem, desafiando-os a pensar e articular osconteúdos estudados na vida cotidiana.

Este estudo busca contribuir para a ampliaçãoda compreensão do educador acerca do seu pa-pel junto ao jovem na aprendizagem do jogo de-

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mocrático, em que a cultura de participação sejaincorporada ao processo de construção da subje-tividade e da identidade deste (KONTERLLNI-CK, 1998). Ao conhecer e compreender osdesafios da sociedade contemporânea, os educa-dores precisam repensar o seu lugar na educa-ção de jovens e, assim, poder orientá-los nacondução do carro de Jagrená.

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Recebido em 30.04.09Aprovado em 13.06.09

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Mary Rangel

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DIVERSIDADE, PRECONCEITO E EXCLUSÃO

À LUZ DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Mary Rangel *

* Doutora em Educação pela UFRJ, com Pós-Doutorado na área de Psicologia Social pela PUC-SP. Professora Titular deDidática da UFF, atuando na Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação (POSEDUC/UFF). Professora Titular daárea de ensino-aprendizagem da UERJ, atuando na Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Ciências Médicas (PGCM/UERJ). Assessora Pedagógica do La Salle Instituto Abel e Coordenadora Pedagógica dos Cursos de Graduação da UNILASALLE-RJ. Endereço para correspondência: rua Aymorés, 99, São Francisco – 24.360-360 Niterói/RJ. E-mail: [email protected]

RESUMO

O objetivo deste estudo é construir uma argumentação teoricamente fundamentadasobre a importância da atenção aos temas e expressões da diversidade e ao problemada exclusão, associado ao preconceito, observando, nos mecanismos das representaçõessociais, fatores que explicam a sua formação. Essa proposta de estudo é parte dapesquisa sobre “Temas da diversidade na escola e na literatura”, cuja implementaçãono período de 2009 a 2011 tem o apoio do CNPq. A metodologia é recorrente ao ensaio,caracterizado pelo encadeamento de análises fundamentadas, que encaminham esustentam a construção lógica e coerente de uma argumentação teórica e conceitual.De acordo com o estilo ensaístico, as análises não conduzem a conclusões, mas sim aargumentos que fundamentam e ressaltam a proposta de inclusão, realçando a superaçãode preconceitos, em favor do acolhimento à diversidade e do respeito às diferenças, demodo que não se transformem em desigualdades.

Palavras-chave: Diversidade – Preconceito – Exclusão – Representações sociais

ABSTRACT

DIVERSITY, PREJUDICE AND EXCLUSION, IN THE LIGHT OF SOCIALREPRESENTATIONS

The purpose of this study is to build an argument theoretically based on the importanceof attention to themes and expressions of the diversity and to the problem of exclusion,associated to prejudice, observing, in the social representations’ mechanisms, factorsthat explain its formation. This study proposal is part of the research about “Themesof diversity at school and in literature”, which implementation in the period of 2009 to2011 has the support of CNPq. The methodology is recurrent to the one of the essay,characterized by the logical chain of grounded analysis that lead and sustain thelogical and coherent construction of a theoretical and conceptual argumentation.According to the essay style, the analyses do not lead to conclusions, but to argumentsthat underpin and highlight the proposal of inclusion, highlighting how to overcomeprejudice in order to welcome diversity and respect differences, in a way that they donot turn into inequalities.

Key-words: Diversity – Prejudice – Exclusion – Social Representations

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Objetivo e projetos anteriores

Este estudo tem, como objetivo, construir umaargumentação teórica e conceitual sobre a impor-tância da atenção aos temas da diversidade e aoproblema da exclusão, associado ao fator estigma-tizante do preconceito, analisando sua formação àluz da teoria das representações sociais.

A proposta deste artigo é parte da pesquisa so-bre Temas da diversidade na escola e na litera-tura, que está sendo implementada, com apoio doCNPq, no período de 2009 a 2011. Além desseProjeto, três outros, que o antecederam, trouxe-ram motivações a este estudo. O primeiro delesfoi o projeto de pesquisa (implementada, tambémcom apoio do CNPq, no período de 2004 a 2007),que evidenciou questões sensíveis da exclusão ediscriminação de gênero na escola1 . O segundofoi o Projeto do MEC/SECAD, que propiciou aparticipação no Grupo de Discussão da Diversida-de, reunido em Brasília, DF, em 2005, com o pro-pósito de enfatizá-la na atualização dos ParâmetrosCurriculares Nacionais do Ensino Médio (BRA-SIL, 2006). Da mesma forma, a participação naComissão que avaliou os trabalhos que concorre-ram ao 2º Prêmio Construindo a Igualdade deGênero, que deu continuidade ao projeto imple-mentado pela Secretaria Especial de Políticas paraas Mulheres, no interesse de incentivo e publica-ção de estudos (BRASIL, 2007), foi significativa àproposta deste artigo.

A experiência e motivações dos projetos anteri-ores trazem, então, a essas análises, elementos quecorroboram e justificam suas possibilidades e, tam-bém, seu compromisso de contribuir às reflexõessobre a diversidade, o valor da inclusão e a compre-ensão do preconceito que pode prejudicá-la.

A importância educativa de que se reflita sobrea diversidade equivale à importância sociopedagó-gica da formação para a vida e convivência nummundo plural, em condições mais humanas e inclu-sivas, observando-se a necessidade de que o aco-lhimento, a qualificação e o respeito superem, nasrelações sociais, processos, fatores e atitudes ex-cludentes. A partir dessas considerações de valor,apresenta-se o encaminhamento metodológico dasanálises que constituem a argumentação teórica econceitual deste estudo.

Encaminhamento metodológico

O encaminhamento metodológico das análisesé feito no estilo de um ensaio, cujas característicase possibilidades de produção de conhecimento sãorealçadas em estudos como os de Burke (1987),Pinto (1998), Arrigucci Junior (1973), Bauer eGaskell (2002), destacando-se, no gênero ensaísti-co, o encadeamento de análises fundamentadas,que encaminham e sustentam a construção lógicae coerente de uma argumentação teórica e con-ceitual. As análises encadeadas de forma ensaísti-ca não se encaminham na direção de conclusõesdefinitivas, fechadas, mas, ao contrário, propõeme trazem perspectivas a novas investigações e àconstrução de novos argumentos. Nesse sentido,o ensaio exemplifica a referência de Moscovici(1978) às pesquisas como estudos provisórios, anti-dogmáticos e abertos.

Com essa proposta metodológica, inicia-se o en-caminhamento das análises, procurando-se visibili-zar várias faces da diversidade e construir a baseda argumentação sobre a importância de qualificá-las e de compreender o obstáculo da exclusão, as-sociado ao preconceito. Com esse interesse, procu-ra-se, na literatura, sem pretensão de esgotá-la ouatualizá-la, mas apenas a título exemplificativo, te-mas da diversidade, que demonstram o contornoabrangente e multifacetado do mundo plural.

Temas da diversidade na literatura

Na revisão da literatura, observando-se os limi-tes de seu alcance e propósito exemplificativo daabrangência dos temas da diversidade, demonstra-da em aportes de alguns dos estudos significativospublicados nos anos 1990 e 2000, encontram-se,dentre outros, os temas da diversidade socioeco-nômica, do multiculturalismo em seus várioselementos, como os de natureza sociocultural eétnico-cultural, assim como os temas da diversi-dade de características físicas, mentais e de gê-nero, e os temas da biodiversidade.

1 Essa investigação foi recorrente à teoria de representaçõessociais, e suas conclusões recomendaram, sobretudo, uma inves-tigação mais ampla, que resultou no Projeto atual, sobre Temasda diversidade na escola e na literatura.

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Na diversidade socioeconômica, incluem-seaportes dos fatores que a influenciam ou acentu-am, refletindo nas diferenças de acesso aos benssociais, tecnológicos, científicos, culturais, e emcondições de qualidade de vida, na sua concepçãoampla, que envolve condições de trabalho, mora-dia, educação, saúde e lazer.

Assim, no foco da diversidade socioeconômi-ca, incrementam-se as discussões sobre as desi-gualdades que geram conflitos e contradições,desafiando as políticas e os direitos de cidadania(BRASIL, 2004; COSTA, 2001; CERQUEIRAFILHO, 1990; COHEN, 1999; GOMEZ, 2000;RIBEIRO, 1999; CAMPOS; GUARESCHI(Orgs.), 2000; FERREIRA, 2006).

Quanto à diversidade sociocultural, inclui ele-mentos de hábitos, linguagem, condutas, valores,além de outras aproximações, como as que se fa-zem sobre a maneira de ser, estar e produzir cultu-ra no mundo das populações indígenas, rurais,urbanas, assim como dos povos de diversos conti-nentes e, em cada um, dos diversos países, enfim,as identidades culturais e suas manifestações. Aglobalização e a heterogeneidade, os acordos e osconflitos, a opressão hegemônica e a preservaçãoda autonomia dos povos são algumas das ques-tões, na gama das que demonstram a complexida-de das tensões suscitadas nesse campo dediversidade de culturas (HALL, 2005; FORQUIN,1999; MARQUES, 2000; MORGENTHAU, 2003;TRINDADE; SANTOS (Orgs.), 1999).

O respeito e acolhimento à diversidade socio-cultural associa-se ao respeito e acolhimento à iden-tidade que marca o sentido e sentimento políticodas nações.

As culturas nacionais, ao produzirem sentidos so-bre “a nação”, sentidos com os quais podemos nosidentificar, constroem identidades. Esses sentidosestão contidos nas estórias que são contadas sobrea nação, memórias que conectam seu presente comseu passado, e imagens que dela são construídas(HALL, 2005, p. 51).

As relações internacionais requerem a acei-tação e respeito à diversidade sociocultural, emtodas as suas manifestações. Essa é a alternati-va para o diálogo, que aproxima e supera ou mi-nimiza os agentes da violência. É nesse sentidoque Morgenthau (2003) focaliza a discussão da

política entre as nações e seus princípios em fa-vor da paz.

Consideram-se, ainda, na fundamentação doacolhimento à diversidade sociocultural, os estu-dos sobre multiculturalismo, que incluem, em seuselementos de análise, dentre outros, os hábitos, ascondutas, linguagens, religiões, os credos, as cren-ças, raças e etnias, a serem acolhidos e respeita-dos. Essas questões também são contempladas nadiscussão crítica e ampliada do currículo (MOREI-RA; SILVA (Orgs.), 2006; MOREIRA (Org.),2001; MOREIRA (Org.) 2002; SILVA; MOREI-RA (Orgs.), 1999).

A diversidade sociocultural, portanto, reme-te às questões da diversidade étnica e, assim comose observa o valor significativo da cultura comoparte da identidade das nações, ressalta-se, tam-bém, e de modo associado, o valor significativo dascaracterísticas e expressões da diversidade étni-co-cultural, como partes significativas da identi-dade dos indivíduos, que também expressa o seupertencimento a um grupo, um povo, a uma ori-gem, a um sentimento de nacionalidade. Por isso,a diversidade étnico-cultural é tão expressiva erelevante para o ser humano quanto a diversidadebiológica o é para a natureza.

A atenção às questões étnicas é relevante, tam-bém, para a “formulação de currículos intercultu-rais” e a definição de “propostas educativas na epara a diversidade”. Nesse sentido, reconhece-seque “compreender os processos étnicos e suas vin-culações com os processos educativos torna-se,hoje, uma necessidade e possibilidade” (BUS-QUETS; APODACA, 2009, p. 35).

Por isso, é indispensável que se qualifique a di-versidade em suas várias formas e expressões dacultura e das identidades humanas e sociais:

A cultura adquire formas diversas, étnicas, raciais,religiosas, artísticas, e tantas outras, que se mani-festam de diferentes formas através do tempo e doespaço. Essa diversidade se manifesta na pluralida-de de identidades que caracterizam os grupos e associedades que compõem a humanidade. Nesse sen-tido, constitui o patrimônio comum da humanidadee deve ser reconhecida e consolidada em benefíciodas gerações presentes e futuras (UNESCO, 2006)2 .

2 Documento da UNESCO obtido em site. A indicação completaencontra-se nas Referências, ao final do artigo.

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São também enfoques relevantes da diversida-de aqueles das características físicas e mentais,relativas a fatores que se expressam em formasindividuais e singulares de estar, agir, relacionar-se, inserir-se no meio social.

Nesse enfoque da diversidade, incluem-se, por-tanto, as características cognitivas, de elaboraçãoe expressão do conhecimento, orgânicas, de con-formação do corpo, do movimento, ou das possibi-lidades de audição, visão, enfim, das característicasque denotam as necessidades educativas especi-ais advindas de deficiências ou transtornos invasi-vos do desenvolvimento, ou de altas habilidades/superdotação (GLAT; DUQUE, 2003; MET-TRAU, Org. 2003; CARVALHO, 2000; CARVA-LHO, 2004; STAINBACK, 1999; SASSARI,1991; RAICA, 1990; MILLER, 1997).

Nesse percurso pela literatura, procurando-seaportes que possam exemplificar diversos senti-dos e visões da vida e do mundo plural, chega-se àdiversidade de gênero e suas questões relativasaos papéis da mulher, do homem e, portanto, às“demarcações” de feminino e masculino, assimcomo à discussão das identidades homossexuais,que superam, rompem ou transgridem essas de-marcações. Os preconceitos e estigmas são espe-cialmente acentuados nesse âmbito complexo epolêmico de questões, convocando análises e mo-vimentos de natureza sociocultural e política (CRO-CHIK, 1997; FLAX, 1999; LOURO, 2006;MEYER, 2001; SCHMIDT (Org.), 1997; CAE-TANO, 2004).

Vale lembrar que a Secretaria Especial de Po-líticas para as Mulheres (BRASIL, 2007) tem in-crementado estudos e pesquisas através de açõesdo Programa Mulher e Ciência, e que, dentre es-sas ações, encontra-se o Projeto de Estímulo àPesquisa, a partir do qual foi instituído o Prêmio“Construindo a Igualdade de Gênero”, que temrecebido expressiva adesão da comunidade aca-dêmica, demonstrada pela dimensão de inscriçõesde trabalhos em todas as edições do Prêmio.

Também com significativo interesse social eacadêmico, a biodiversidade apresenta-se comotema atual, de significativa relevância. A extin-ção de populações e espécies tem-se constituídoem preocupação crescente, mobilizando fórunsambientais, que discutem o ecodesenvolvimento,

o desenvolvimento sustentável e os fatores queameaçam a vida e a sobrevivência (CADEMAR-TORI, 2006; SABEDOT, 2006; BENSUSAN,2002; BIODIVERSITAS, 2004; CAPOBIANCO,2002) 3 .

Com essa exemplificação de temas da diversi-dade encontrados na literatura, observa-se que,mesmo sem pretender, na revisão feita, um al-cance amplo de estudos, mas apenas exemplifi-cá-los, constata-se que a diversidade é percebida,em seus vários temas e configurações, como valorde expressiva dimensão social, humana e política.

A formação educativa para a aceitação, valori-zação e inclusão da diversidade e diferenças que aconstituem recomenda a compreensão e o enfren-tamento da exclusão e seus preconceitos, que têm,entre os seus processos de formação e consolida-ção, aqueles que encontram explicações nos me-canismos, dimensões e efeitos das representaçõessociais.

Exclusão, preconceito e representa-ções sociais: construindo argumentosem favor da diversidade e da inclusão

Ao introduzir este segmento de análises, é opor-tuno lembrar Castro (2009, p. 137), quando obser-va que “busca-se a integração como inclusão, apartir do reconhecimento da exclusão e da desi-gualdade”. Por isso, é necessário compreender aformação estigmatizante de preconceitos, para for-talecer o valor do acolhimento à diversidade.

Preconceito, estigma e exclusão são processosque geram violência nas ações e relações huma-nas e sociais. Esses processos são reconhecidosnos ambientes sociais e nos ambientes da escola.As preocupações com exclusão promoveram de-cisões, pedagógicas e legais, em favor da educa-ção inclusiva.

A educação inclusiva tem recebido uma espe-cial ênfase nos discursos políticos e acadêmicos,embora, na prática, se reconheça a sua complexi-

3 Demonstra essa dimensão a série de publicações do Ministérioda Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetizaçãoe Diversidade/SECAD, agregadas à proposta de Educação paratodos, incluindo perspectivas como as de Castro (2009) eBusquets; Apodaca (2009), recorrentes na fundamentação dasanálises deste estudo.

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dade, em parte explicada pela abrangência de seustemas e solicitações sociopedagógicas e políticas.

A par dessa ênfase, a discussão acadêmicasobre inclusão focaliza a diversidade e o propósitode que as diferenças, em suas diversas formas eexpressões, não se transformem em desigualdadee exclusão. Entre os focos dessa discussão, en-contra-se o da violência, no seu sentido humano,existencial e social, gerada por processos exclu-dentes associados a preconceitos e estigmas, cujaformação encontra subsídios relevantes na teoriadas representações sociais, na perspectiva psicos-social moscoviciana.

A recorrência às representações sociais reco-menda considerar a sua possibilidade de influir,como estímulo ou resposta, em percepções e com-portamentos. Lembra-se, então, Jodelet (2001),quando assinala, nas representações, o processode elaboração cognitiva e simbólica, influente nopensamento, nas percepções, nos julgamentos e nascondutas sociais.

Quanto aos objetos das representações, Jode-let (2001, p. 22) observa que “...podem ser tantouma pessoa, quanto uma coisa, um acontecimentomaterial, psíquico ou social, um fenômeno natural,uma ideia, uma teoria”.

As representações, portanto, têm caráter sim-bólico, significante e construtivo, no sentido da pos-sibilidade de influírem na ocorrência dos fatos, deacordo com a maneira como são representados. Éo que Jodelet (2001, p. 31) chama de “fabricaçãodos fatos”. Essa questão remete aos mecanismosde formação das representações sociais, especial-mente aos processos de objetivação e ancoragem(MOSCOVICI, 1978).

A objetivação associa-se à materialização deconceitos, à sua expressão em imagens e à forma-ção do núcleo figurativo das representações. Aancoragem associa-se à inserção e consolidaçãodas representações no pensamento social, influin-do no sentido de que novos conceitos ou novas in-formações tenham maior ou menor possibilidadede aceitação por se “ancorarem-se” em represen-tações já consolidadas pela solidez e sustentaçãode seus núcleos.

Desse modo, considerando-se que a imagematrai o olhar e conduz o pensamento para a figuraque representa, o mecanismo da objetivação asso-

cia-se à ancoragem, com um significativo potenci-al de influência na maneira como os sujeitos visua-lizam o objeto e agem em relação a ele.

Conceito e imagem apresentam-se como “duasfaces” de uma mesma “folha de papel” (MOS-COVICI, 1978, p. 65). É com esse entendimentoque Moscovici observa nas representações a facefigurativa e a face simbólica.

A objetivação inclui o processo de naturaliza-ção, pelo qual “... os elementos figurativos setransformam em elementos evidentes e simples”(ANADÓN; MACHADO, 2003, p. 20). Assim, a“fabricação dos fatos”, observada por Jodelet(2001, p. 31), e a “construção da realidade” pelossujeitos, de acordo com suas representações, en-contram, também, explicações e argumentos noprocesso de naturalização:

É a fase na qual as noções, os conceitos abstratosde uma realidade se concretizam. É a construção deum saber que se faz “real” e “natural” em um gruposocial, à medida que um conteúdo esquematizadoou que um modelo figurativo penetra no meio socialenquanto o grupo constrói sua realidade (ANA-DÓN; MACHADO, 2003, p. 20).

A construção simbólica do real, conforme é re-presentado e naturalizado pelos sujeitos, explica-se,também, por vínculos que se estabelecem no inter-câmbio entre percepção e conceito, que “se engen-dram, reciprocamente” (MOSCOVICI, 1978, p. 57).

Ao analisar elementos da percepção do objetodas representações, Vala (1986) observa que oprocesso perceptivo inclui fatores das característi-cas do objeto e da informação dos sujeitos, assimcomo fatores motivacionais, afetivos e sociais, queinfluem nessa informação, assinalando, também,que através da classificação ou categorização doobjeto, os sujeitos organizam e estruturam a suapercepção e seu conceito sobre ele.

Segundo Semin (2001), a categorização pode,também, ser compreendida como efeito das repre-sentações na classificação de objetos, pessoas,acontecimentos, como também na formação deprotótipos.

Reafirma-se, portanto, que, além de se consti-tuírem a partir de percepções da “realidade”, asrepresentações também influem na constituição doreal, na medida em que as percepções consubs-tanciam-se em ideias, expressas em conceitos e

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imagens, que podem determinar estigmas e pre-conceitos, orientando comportamentos, comu-nicações e relações sociais.

A possibilidade de influência em comportamen-tos, assim como de explicação da “realidade”, éconsiderada em estudos como o de Gilly (1980) eVala (1986), como partes das funções das repre-sentações sociais, entre as quais Jodelet (2001, p.35) inclui a de “manutenção da identidade social edo equilíbrio sociocognitivo a ela ligados”.

A compreensão desse processo requer, também,o reconhecimento de que as representações, ao seconstituírem, concomitantemente, como estímulose respostas sociais, tanto podem receber influên-cia, como influir na organização dos grupos e naconfiguração e avaliação de condutas e papéis dosindivíduos que os compõem. Nesse processo, res-salta-se a importância da comunicação.

A comunicação é canal das representações,tanto quanto as representações podem interferirno seu conteúdo e até mesmo no seu vocabulário.Essa interinfluência favorece o compartilhamentode conceitos, visões, critérios pelos quais são jul-gadas as condutas ou os papéis desejáveis, valori-zados, admitidos ou, contrariamente, discriminados(MOSCOVICI, 1978).

A comunicação é, também, um dos elementosdestacados na análise conceitual de Jodelet: “Onreconnaît généralement que les représentationssociales, en tant que systèmes d’interprétation ré-gissant notre relation au monde et aux autres, ori-entent et organisent les conduites e les communi-cations sociales” (JODELET, 1989, p. 36).

O compartilhamento das representações per-mite notar que, em cada expressão pessoal, en-contra-se a formação coletiva de ideias, o queequivale a dizer que as ideias não se formam isola-damente, até porque o sujeito que representa é,por sua natureza, um sujeito social. Spink (1993)subsidia essa reflexão, observando a importânciade que se compreenda como o pensamento indivi-dual se enreda no social e como um e outro seinfluenciam mutuamente.

Pontuando essa mesma questão, Jodelet (1989)esclarece que o social intervém na formação indi-vidual das representações de várias maneiras: pelocontexto em que as pessoas se situam, pela comu-nicação que se estabelece entre elas, pela matriz

cultural, pelos valores ligados à participação dossujeitos em grupos com interesses específicos e àposição que ocupam nesses grupos.

Essa mesma perspectiva é considerada porMoscovici e Doise (1991), quando focalizam re-presentações individuais e representações sociais.Os autores discutem, então, o compartilhamentode ideias, pelas representações, observando-ocomo fator de consenso e de formação de laçossociais que aproximam e identificam os sujeitos emseus grupos. Nesse sentido, Jovchelovitch (2002,p. 65) observa, nas representações, “processos deconstituição simbólica que permitem compreendera possibilidade de influência das representações em(pré)conceitos e condutas sociais...”.

Constata-se, desse modo, que o compartilha-mento de ideias conduz a concepções e avalia-ções comuns, com significativa possibilidade dese tornarem estáveis e ancoradas no pensamen-to, nas crenças, expectativas, atitudes, ações erelações sociais. Esses referentes de análise per-mitem sintetizar os elementos da relação entrerepresentações sociais, preconceito, estigma,como fatores simbólicos que geram e justificam aexclusão social.

Síntese final dos argumentos

A partir das análises anteriores, cuja fundamen-tação permite compreender a possibilidade de in-fluência das representações em (pré) conceitos econdutas sociais, chega-se a uma síntese final (po-rém não conclusiva) dos argumentos construídosem favor da diversidade e da inclusão.

Lembra-se, então, que as representações soci-ais constituem uma forma de conhecimento práti-co, de senso comum, que circula na sociedade. Esseconhecimento se comunica através de conceitos eimagens sobre pessoas, papéis, fenômenos do co-tidiano. Através dos mecanismos de objetivação eancoragem, conceitos e imagens vão sendo acei-tos, naturalizados, considerados verdadeiros. Nopercurso desse mesmo processo, pode-se encon-trar a formação de preconceitos estigmatizantes,justificadores da exclusão de pessoas em cuja iden-tidade, ou identificação social, encontram-se as-pectos que se diferenciam de padrões dominantes,aceitos, compartilhados, valorizados. A exclusão,

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portanto, pode decorrer dos equívocos gerados poresse processo. O confronto das representaçõescom as circunstâncias do mundo real, quando sub-metido a análises críticas e fundamentadas, podedemonstrar esses equívocos.

Com essa mesma perspectiva de análise, Al-ves-Mazzotti, em seu estudo sobre educação eexclusão social, cita Jodelet, quando assinala que“... a atenção está hoje colocada nas representa-ções sociais que fundam os preconceitos, nos pro-cessos de comunicação e nos contextos socio-his-tóricos, em função dos quais seus conteúdos seelaboram” (JODELET, apud ALVES-MAZZOT-TI, 2003, p. 117).

A construção, aceitação e divulgação do pre-conceito estigmatizante e excludente já são, em si,processos violentos. Desse modo, quando se dis-cute violência, como fator de ameaça à vida, nãose pode omitir ou dispensar as suas expressões sim-bólicas em preconceitos que justificam transfor-mar diferenças em discriminações.

Preconceito e estigma são mutuamente recor-rentes. Estigma é marca, é rótulo que pré-identifi-ca pessoas com certos atributos, incluídos emdeterminadas “classes” ou categorias, que se di-versificam de acordo com esses atributos e suas“classificações”, mas são comuns na perspectivade desqualificação e exclusão social. Os rótulosdos estigmas decorrem de preconceitos, ou seja,de ideias pré-concebidas, que podem ser “objeti-vadas” e “ancoradas”, através de suas represen-tações, no pensamento, crenças, expectativassocioindividuais. Compreende-se, desse modo, queos fatos possam ser “fabricados” ou “construídos”de acordo com a forma como são representados.

Assim, percorrendo vários campos das ações erelações sociais, os preconceitos e estigmas alcan-çam, tanto os pobres e os meninos de rua, como osportadores de HIV, os que apresentam deficiênci-as físicas, mentais, psicológicas e aqueles cuja iden-tidade de gênero se diferencia de modelospreconcebidos como socialmente aceitos. E os pre-conceitos (os conceitos prévios ou previamente es-tabelecidos) antecedem os atributos oucaracterísticas pessoais a que se referem.

Portanto, os atributos ou características que jus-tificam o preconceito estigmatizante são previa-mente avaliados, com pouca ou nenhuma oportu-

nidade de análise crítica e consciente, que os asso-cie às circunstâncias reais da vida e das relaçõessociais. Consequentemente, o preconceito é infle-xível, rígido, imóvel, prejudicial à discussão, ao exa-me fundamentado e à revisão do que está pré-es-tabelecido.

Os que constroem ou aceitam preconceitosconstroem e aceitam estigmas. Ambos – precon-ceitos e estigmas – promovem e naturalizam pala-vras ou ações de exclusão. Por conseguinte, essaconstrução pode também ser a origem de proces-sos que violentam os seres humanos, cujas singu-laridades não cabem, ou não se incluem, na moldurada “normalidade” e da “naturalização”.

Sabe-se que a violência não se define somenteno plano físico; apenas a sua visibilidade pode sermaior nesse plano. Essa observação se justificaquando se constata que violências como a ironia, aomissão e indiferença não recebem, no meio soci-al, os mesmos limites, as mesmas restrições oupunições que os atos físicos de violência. Entre-tanto, essas “armas” de repercussão psicológica eemocional são de efeito tão ou mais profundo queo das armas que atingem e ferem o corpo, porqueas “armas brancas” da ironia ferem um valor pre-cioso do ser humano: a auto-estima.

Entre as alternativas de enfrentamento do pre-conceito, destacam-se as análises críticas e situa-das, que encaminham novos significados, ou seja,que argumentam e apoiam ressignificações. Des-sas ressignificações podem surgir novos concei-tos, mais reais, mais consistentes, mais abertos eflexíveis, e portanto mais humanos.

As novas ressignificações por uma vida, umaconvivência e uma consciência social mais inclusi-vas requerem, sobretudo, atitudes que assumam umdos valores mais expressivos dos tempos contem-porâneos: a aceitação da diversidade e, portanto,das diferenças, das especificidades, das singulari-dades. Nesse aspecto de valor, é oportuno conside-rar Moscovici, quando reflete sobre a “relação entreo Eu e o Outro”, que se completam em suas dife-renças, porque “O outro é, ao mesmo tempo, o queme falta para existir e aquele que afirma de outramaneira minha existência, minha maneira de ser”:

... quando pensamos na relação entre o Eu e o Ou-tro, este não é concebido como aquele que não écomo nós, que é diferente de nós. O outro é, ao

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mesmo tempo, o que me falta para existir e aqueleque afirma de outra maneira minha existência, minhamaneira de ser (MOSCOVICI, 2005, p. 13).

Mais uma vez, então, recorrendo à análise crí-tica e fundamentada, que aproxima visões e cons-ciências das circunstâncias reais da vida,reafirma-se a importância humana, existencial,cultural da diversidade em todas as suas expres-sões. Inclui-se, na dimensão dessa importância, oreconhecimento de que cada indivíduo é singular, é

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Assim, o que se argumenta e propõe nesse con-junto de análises é a superação de preconceitos,em favor de avanços no sentido de palavras e ati-tudes de inclusão e de respeito à vida, no seu signi-ficado social pleno, inerente a valores, direitos edeveres, que garantem a dignidade de ser humanoe cidadão.

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Recebido em 30.04.09Aprovado em 30.05.09

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Paulo Batista Machado; Suzzana Alice Lima Almeida

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA VIOLÊNCIA:

EDUCAÇÃO, SUJEITOS, TRAMAS E DRAMAS

Paulo Batista Machado *

Suzzana Alice Lima Almeida * *

* Doutor em Educação, com Pós-Doutorado em Educação. Professor da UNEB – Campus VII. Endereço para correspondência:UNEB – Campus VII, BR 407, s/n – 48970-000 Senhor do Bonfim/BA. E-mail: [email protected]** Mestre em Educação. Professora da UNEB – Campus VII. Endereço para correspondência: UNEB – Campus VII, BR 407,s/n – 48970-000 Senhor do Bonfim/BA. E-mail: [email protected] Este artigo surgiu da investigação desenvolvida pelo Grupo de pesquisa: Representações Sociais, Memória e Educação Contempo-rânea, financiada pela FAPESB, intitulada originalmente de Violência e Criminalidade na Microrregião de Senhor do Bonfim:mapeamento e estudo das representações sociais, e realizada entre 2005 e 2007.

RESUMO 1

Há hoje uma preocupação acentuada com o aumento da violência na Bahia, o quevem despertando a necessidade de estudos de nível científico que contribuam a umenfrentamento mais justo e eficiente da questão. Tomando-se como lócus de pesquisaa microrregião de Senhor do Bonfim e objetivando-se fazer um estudo piloto quepossibilitasse uma aproximação maior com os fenômenos da violência, assim comoidentificar o papel que a educação formal aparece relacionada a esta temática nosdiscursos dos sujeitos envolvidos, identificamos, analisamos e interpretamos asRepresentações Sociais que são enunciadas nas narrativas de grupos sociaisespecíficos. Privilegiamos estratégias metodológicas muito próximas das utilizada pelaetnografia que valoriza a interação sujeito-pesquisador. Visamos contribuir para umaavaliação de planejamentos e ações de enfrentamento da violência, principalmentelevando-se em consideração o papel que as práticas educativas diferenciadas podemexercer nesse cenário. A identificação e análise dessas representações sociais nospermitiram conhecer as normas, os estereótipos, pré-juízos e outros que estão à basedos discursos analisados e, assim, desta maneira, se poderá melhor entender e melhorarações que visem à mudança das práticas de violência. Tentou-se, pois, levantar subsídiosque poderão contribuir para novas formas de enfrentamento do problema, tomando-se como referência os contextos de microrregiões.

Palavras-chave: Violência – Microrregião de Senhor do Bonfim – RepresentaçõesSociais

ABSTRACT

SOCIAL REPRESENTATIONS UPON VIOLENCE: EDUCATIONS,SUBJECTS, NARRATIVES AND TRAGEDIES

There is today a growing preoccupation with the rising of violence in Bahia, whichindicates the need to scientific inquiries which may contribute to counter thisphenomenon more efficiently. Using as locus the micro region of Senhor do Bonfim,

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Representações sociais da violência: educação, sujeitos, tramas e dramas

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 201-214, jul./dez. 2009

we conduct a pilot study trying to understand better phenomenons linked to violenceand the role of formal education in the discourses of the subjects of the researchthrough identification, analysis and interpretation of social representations present inthe narratives of specific social groups. We used a methodology inspired byethnographic research. We aimed to contribute to evaluate planning and actions againstviolence, taking into account especially the role of differentiated educational practices.Identification and analysis of these social representations enabled us to know norms,stereotypes and prejudices which are the base of the analysed discourses. We believethat this way it will be possible to better understand and fight violence. We tried docontribute to new ways of fighting violence within the contexts of the micro regions.

Keywords: Violence – Micro region of Senhor do Bonfim – Social representations

O cenário da pesquisa

A partir da análise dos dados advindos de fon-tes diversas que apontam o crescimento da violên-cia em nosso país e da constatação de que essamesma violência vem se reproduzindo em cidadesde médio e pequeno porte de forma preocupante,a exemplo da microrregião de Senhor do Bonfim –Bahia, e entendendo que o aumento do aparatopreventivo e repressivo ao crime e à violência nãoé capaz, por si mesmo, de responder à complexi-dade deste grave problema social, foi que nos pro-pusemos a fazer um estudo acerca dessa temáti-ca, norteados principalmente pela nossapreocupação de não empreendermos um raciocí-nio simplista acerca da situação, o que nos levariaa estabelecer uma relação mecânica, vinculandopobreza/desigualdade social à violência, já que éconsenso entre os estudiosos mais progressistas aafirmação de que a violência e os fenômenos emque ela se desdobra não podem ser abordados,senão a partir das mediações existentes entre asquestões sociais, históricas e culturais com os re-feridos fenômenos e a partir da articulação com aspolíticas públicas planejadas e operacionalizadas nosespaços macros e micros onde ela se manifesta.Especificando ainda mais o nosso estudo, preocu-pamo-nos em estabelecer relações entre a mani-festação da violência, as representações sociaissobre este fenômeno elaboradas pelos sujeitos que,no cotidiano, interagem com essa realidade, e oespaço que a educação ocupa neste cenário.

Fazendo ainda uma maior aproximação com onosso objeto, convém conceituar a violência com

base em Espinheira (2001), que a vê como “umaforma social de ser, um modo de representação devontades, de interesses de indivíduos e grupos soci-ais” (p. 17). Ou, ainda, mais especificamente, como“a utilização da força física ou da coação psíquicae moral por um indivíduo ou grupo, produzindo comoresultado destruição, dano, limitação ou negaçãode qualquer dos direitos estabelecidos das pessoasou dos grupos vitimados” (ORGANIZAÇÃO PA-NAMERICANA DE SAUDE, ORGANIZAÇÃOMUNDIAL DE SAUDE, 1990). Enfim, como afir-ma Michaud (apud WAISELFISZ, 2002),

... há violência quando, em uma situação de intera-ção, um ou vários atores agem de maneira direta ouindireta, maciça ou esparsa, causando danos a umaou mais pessoas em graus variáveis, seja em suaintegridade física, seja em sua integridade moral, emsuas posses, ou em suas participações simbólicas eculturais (p. 45)

Assim, nosso objetivo maior foi realizar um es-tudo de Representações Sociais2 , entendidas comoidéias, crenças, valores e atitudes circulantes, namicrorregião de Senhor do Bonfim, que nos permi-tisse revelar a conexão existente entre as condi-ções sociais das diversas populações municipais,os contextos de violência que os envolvem ou alisão reproduzidos e como a educação formal apa-

2 O conceito de Representações Sociais designa, pois, uma for-ma de conhecimento particular, o “saber do senso comum”.Segundo Moscovici e Hewtone (1984) o senso comum tem umduplo sentido. De um lado, ele se apresenta como um corpo deconhecimentos saídos de tradições partilhadas e alimentadaspela experiência e as interações sociais e, de outro lado, estecorpo é atravessado por imagens mentais e elementos de teoriacientífica transformados para servir à vida quotidiana.

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rece em seus discursos associada à violência. Atéque ponto o acesso ou distanciamento à educaçãoescolar pode ser vinculado à manifestação de vio-lência? Quais os espaços/tempos dos diferentessujeitos atores/autores sociais que costumam vin-cular com mais intensidade os fenômenos da vio-lência com o acesso à educação? Enfim, quais asrepresentações sociais que os diferentes sujeitostêm sobre a violência?

Jodelet (1989) afirma que o conhecimento dosenso comum é uma maneira de interpretar, deconceituar a realidade cotidiana. Esse pensamentonão se constrói no vazio, enraíza-se nas formas enas normas da cultura e ganha corpo a partir dastrocas cotidianas. Assim, afirma-se que esseconhecimento é construído socialmente. Na suadefinição, Jodelet (1984, p. 361) recorda-nos anoção de conhecimento socialmente construído:

O conceito de Representações Sociais (RS) designauma forma de conhecimento específico, o saber dosenso comum, cujos conteúdos manifestam a ope-ração de processos gerais e funcionais socialmentemarcados, ele designa uma forma de pensamentosocial. Assim, as RS servem para interpretar os fe-nômenos, bem como para orientar as comunicaçõese as práticas sociais. A esse respeito, a autora cha-ma também a atenção para a função antecipadora ejustificadora destes fenômenos simbólicos.

A partir desses elementos, propomos a seguin-te definição: a representação social é a construçãosocial de um saber comum (do senso comum), ela-borado pelas e nas interações sociais, através dosvalores, das crenças, dos estereótipos etc., com-partilhado por um grupo social relativo a diferentesobjetos (pessoas, acontecimentos, categorias, ob-jetos do mundo e, no caso que nos preocupa, vio-lência, criminalidade, vítima, agressor etc.) e dandolugar a uma visão comum das coisas.

Os trabalhos sobre representações sociais so-freram várias transformações e é impossível apre-sentar aqui todos os debates e as revisões quecaracterizaram essa evolução. Salientamos que onosso estudo limitou-se a considerar a representa-ção social como produto. É necessário, além disso,recordar que, com essa concepção das represen-tações sociais como produto de uma atividademental, encontramos a abordagem centrada nosconteúdos. Nesta perspectiva, nos preocupamos

em destacar como os grupos constroem a realida-de, integrando-a ao seu sistema de valores. Assim,analisamos o sentido dos conteúdos observadosnuma população dada, a população da microrre-gião de Senhor do Bonfim. Trata-se, por conse-guinte, do estudo das normas, das atitudes, dospré-julgamentos do grupo em relação a um objetoespecífico: a violência.

Nossa orientação de investigação foi centradano conteúdo das representações sociais, conformesalientado, privilegiando estratégias metodológicasmuito próximas das utilizada pela etnografia quevaloriza a interação sujeito-pesquisador, a subjeti-vidade do um e do outro e a consideração do con-texto. Por isso, as entrevistas livres ou semi-estru-turadas, a “enquête” no terreno e a análisequalitativa ocuparam um lugar central. Partindo-se do princípio de que os sujeitos da pesquisa sãoaqueles que detêm as informações de que precisa-mos para atingir os objetivos propostos, elegemoscomo sujeitos do nosso estudo três grupos ou cate-gorias de pessoas: o primeiro foi o grupo dos pro-fissionais que atuam diretamente e oficialmente noenfrentamento da violência – juízes, promotores,delegados e policiais militares – e representam oque chamamos de a face institucional das açõesde combate à violência; o segundo grupo foi o depessoas que chamamos de “mediadores” ou in-termediários – advogados, líderes de associaçõesde bairro, agentes comunitários, coordenadores oudiretores de entidades do terceiro setor, e religio-sos – já que se posicionam como sujeitos encarre-gados de refletir e de intervir a partir da interaçãoentre “grupo institucional ou oficial” com os “auto-res da violência e presos”; o terceiro grupo foi odos que cometem a violência e, por isso, perdem odireito à liberdade: os presos.

Apresentamos, então, os resultados da investi-gação, por categorias, salientando que à medidaque lidávamos com os dados coletados através deentrevistas, confirmávamos que nos encontráva-mos diante de três discursos com RepresentaçõesSociais sobre a violência, na maioria das vezes dis-tintas, com algumas aproximações apenas nos gru-pos que chamamos de institucional e intermedi-ário, embora os distanciamentos se manifestassemde forma geral quando, em suas narrativas, incluí-am o papel da educação formal no cenário.

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1. As Representações Sociais sobreviolência dos sujeitos que integram oquadro institucional de enfrentamen-to da violência e o papel da educa-ção, ou: do caos à ordem

Nessa categoria, foram entrevistados ao todo18 sujeitos, sendo 03 juízes, 04 promotores, 07 de-legados e 04 policiais militares. A natureza da abor-dagem nos permitiu identificar esse grupo comosendo um grupo formado por pessoas que exer-cem a sua profissão e cargos enquanto porta vo-zes do Estado e da Lei, o que nos sugeriu aconstrução de representações sociais específicase decorrentes desse pertencimento.

Parece-nos importante ressaltar, inicialmente,que os sujeitos que compõem esse grupo, ao re-presentarem socialmente a violência, associam for-temente essa realidade à condição social dossujeitos que a praticam. Palavras como pobres,negros, desempregados, famílias sem acesso àeducação formal integram os seus discursos. Estaconstatação aparece principalmente quando estessujeitos são convidados a apresentar os autores daviolência. Sobre isso, lembramos as compreensõescirculantes que tendem em associar a pobreza aatos violentos, retirando a violência do contextomais amplo onde são produzidas as suas causas e,por isso mesmo, essas representações sociais ten-dem a produzir mais exclusão e estigmas sobregrupos que já são historicamente marginalizados.Um olhar mais atento sobre essa situação tende aderrubar vários mitos ainda correntes, que já fa-zem parte daquelas “verdades” que, de tão “sabi-das”, nem mais são discutidas.

Um estudo desenvolvido por Zaluar et al. (1994)acerca das estatísticas de mortalidade no Brasil,conclui pela inexistência de qualquer associaçãoentre as taxas de mortalidade por homicídios e apobreza. Dizem os autores:

Junto à média nacional de mortes violentas ficaramSanta Catarina, Alagoas, Paraná e Acre, dois esta-dos da rica Região Sul de onde partiram muitos mi-grantes com destino às Regiões Centro-Oeste eNorte, bem como um estado da pobre Região Nor-deste, injustamente famoso pela violência que neleexistiu no passado. Bem abaixo das médias nacio-nais, para abalar as convicções dos dogmáticos,

estão os Estados mais pobres do país: Maranhão,Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pará, Paraíba eBahia. O gráfico dos Estados modifica-se quandose excluem os acidentes e os suicídios. (p. 3)

Esta realidade e o fortalecimento dos estereóti-pos, entre quem pratica o crime e quem é a vítima,advêm também do maniqueísmo propagado pela mí-dia, que faz uma associação da pobreza à violência.Existiria, segundo a mídia, um grupo social violento(pobres) e outro que teria que se defender (ricos).Percebe-se que este conteúdo reducionista apareceassociado também às representações sociais de vio-lência, nos discursos dos sujeitos representantes dasinstituições formais que lidam diretamente com a vio-lência e a criminalidade. Eis as falas de alguns sujei-tos entrevistados nesse grupo:

Olha, na verdade, os atores mais implicados, nóstemos observado que é sempre aquele, vou usar umjargão: preto, minto, negro, a gente não pode maisusar preto, os negros, aqueles socialmente pobrese normalmente aqueles sem alfabetização. Se agente for fazer um relato, por exemplo, desses (...)anos que estou aqui, eu nunca tive ninguém ricopreso, nem cometendo um crime desse tipo de vio-lência assim de exacerbar, de chamar atenção. Vocêtem pessoas de classe abastada, mas você não vêesse tipo de crime. (Juiz 1)

Geralmente o perfil dessas pessoas, são pessoasque não tiveram instrução adequada, não tiveramacesso à educação completa e muitas vezes pornão ter opção, optam pelo caminho da marginali-dade (...). (Promotor 1)

Um elemento relevante para ser refletido nestetrabalho conforme o nosso objetivo proposto, alémde tantos outros que a investigação nos possibili-tou, é a atribuição à educação formal – a escola –com o papel “salvacionista” e redentor dos pro-cessos de crescimento ou manifestação da violên-cia. A idéia de que “Abrir uma escola é fecharuma prisão”, segundo Victor Hugo (CHESNAIS,1999, p. 4), aparece de maneira acentuada nos seusdiscursos. Essa realidade retira também o olhar dacomplexidade do fenômeno da violência, na medi-da em que reduz a sua prevenção ao papel da co-munidade escolar, conforme discursos conserva-dores na compreensão do papel da escola.

Conforme aponta Ariès (1981, p. 185), na Fran-ça, a criança bem educada:

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... seria o pequeno burguês. Na Inglaterra, ela setornaria o gentleman, tipo social desconhecido an-tes do século XIX, e que seria criado por uma aristo-cracia ameaçada graças às public schools, como umadefesa contra o avanço democrático. Os hábitos dasclasses dirigentes do século XIX foram impostos àscrianças de início recalcitrantes por precursores queos pensavam como conceitos, mas ainda não os vi-via concretamente. Esses hábitos no princípio fo-ram hábitos infantis, os hábitos das crianças bemeducadas, antes de se tornarem os hábitos da elitedo século XIX, e, pouco a pouco, do homem moder-no, qualquer que seja sua condição social.

Assim como na época pós-medieval, parece-nos que o espaço dos “fora da lei” é aquele reser-vado para quem não está na escola e a represen-tação institucional da ordem passa, sobretudo, pelacondição de se formar os “bem educados”, ordei-ros e não violentos a partir do papel domesticadore disciplinador que a escola deverá ter como mis-são, tomando-se como referência os valores soci-ais hegemônicos na sociedade.

Salientamos que qualquer processo de interven-ção deve abranger questões macro-estruturais,conjunturais, culturais, relacionais e subjetivas, bemcomo focalizar a especificidade dos problemas, dosfatores de risco e das possibilidades de mudança,e não atribuir responsabilidades somente para umainstituição em que já pesam desafios urgentes eemergentes em decorrência do atual modelo desociedade e do seu dinamismo de símbolos que aescola precisa acompanhar.

Mas, apesar desta evidência, há também a com-preensão do simplismo que atravessa esta associ-ação entre os sujeitos “institucionalizados”; umpolicial militar salientou na sua fala que “de umaforma geral, os órgãos de segurança no Bra-sil, eles associam a marginalidade às classesmais desfavorecidas da população” (PolicialMilitar 4).

Parece-nos importante salientar que essas re-presentações vêm associadas a discursos aparen-temente mais progressistas, ancoradas nospressupostos dos estudos da sociologia, antropolo-gia, política, história e da psicologia social. Em umprimeiro olhar, menos atento, podemos perceberalusões aos promotores da violência como vítimasde um modelo de sociedade em que a matriz soci-

oeconômica não dá oportunidade para todos; abor-dam também a questão cultural e apresentam osagressores como “vítimas desta sociedade”. So-mente percebemos os estereótipos circulantes in-corporados nas suas representações sociais, quandoexercitamos as reflexões, contextualizando os sen-tidos e significados da violência atribuídos por es-ses sujeitos, principalmente quando apresentam osautores da violência e, por isto mesmo, entende-mos os elementos presentes nas representaçõessociais identificados como ilustradores também demodelos de violência simbólica, mas que são natu-ralizados no convívio social e, portanto, divulgadose repetidos.

Zaluar (1999, apud SANTOS et al., 1998),baseando-se nas idéias de Foucault e Bourdieu,afirma:

Podemos, deste modo, considerar a violência comoum dispositivo de excesso de poder, uma práticadisciplinar que produz um dano social, atuando emum diagrama espaço-temporal, a qual se instaura comuma justificativa racional, desde a prescrição de es-tigmas até a exclusão, efetiva ou simbólica. Esta re-lação de excesso de poder configura, entretanto, umarelação social inegociável porque atinge, no limite, acondição de sobrevivência, material ou simbólica,daqueles que são atingidos pelo agente da violên-cia. (p.38)

Outro elemento que aparece forte nas repre-sentações sociais de violência desse grupo é a com-preensão de que a violência é “inerente à naturezahumana”. Transita em muitos momentos em seusdiscursos a referência de uma idéia de violênciaque é determinada pela própria condição humana,naturalmente violenta e, por isto mesmo, a violên-cia “nunca vai acabar”. A relação da violência comoum fenômeno histórico-social, construído em soci-edade e que, portanto, pode ser desconstruída pas-sa despercebida.

Sobre isto afirma Minayo (1999):

Estudos de Chesnais (1981) e Burke (1995) reafir-mam a idéia de que não se pode estudar a violênciafora da sociedade que a produziu, porque ela se nutrede fatos políticos, econômicos e culturais traduzi-dos nas relações cotidianas que, por serem constru-ídos por determinada sociedade, e sob determina-das circunstâncias, podem ser por eladesconstruídos e superados. Da mesma forma tra-

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balham com a idéia da inteligibilidade do fenômeno,tratando-o de forma complexa, histórica, empírica eespecífica, porque, na verdade, a violência não é umente abstrato. Quando analisada nas suas expres-sões concretas permite ser assumida como objetode reflexão e superação. E, por fim, na medida emque a definem como “uma relação humana”, com-preendem-na também como um comportamentoaprendido e culturalizado que passa a fazer partedos padrões intrapsíquicos, dando a falsa impres-são de ser parte da natureza biológica dos sereshumanos. (p. 5)

Nessa perspectiva, acentuamos o elementocontraditório presente nos seus discursos. Ora, sepor um lado a escola aparece com o papel de re-dentora e promotora da resolução dos problemasdos atos violentos praticados pelos “sujeitos vio-lentos”, há aqui a apresentação de modelos de sub-jetividades estáticos, inertes, condenados a praticara violência desde o seu nascimento, onde, nestaperspectiva, o fatalismo da violência é fato dado,inevitável e, portanto, a escola salvacionista desa-parece e esvazia a sua importância nesse cenário.

Outra representação social da violência queaparece nos discursos dos sujeitos entrevistados,principalmente quando são convidados a falar so-bre as consequências da violência, é a palavramedo. Algumas falas salientam a sensação deinsegurança e o sentimento de impotência dian-te do quadro de violência que se apresenta no meiosocial.

Sobre este aspecto, Njaine et al. (1999) salien-tam o papel unilateral dos meios de comunicaçãono trato com a disseminação do medo para tratardos fenômenos da violência:

Desse modo, a televisão e demais meios de comuni-cação são instrumentos, dispositivos culturais esociais. Quando nesses meios circulam informaçõessobre o tema violência, é de forma banalizada, ge-rando muitas vezes um clima de pânico e medo nasociedade. Assim, socializa-se um modo de ver e deinterpretar o fenômeno, que distorce a realidade, hi-pertrofia os fatos através da espetacularização danotícia e da estética das imagens, desvia o foco daatenção para o perigo imaginário que se restringe elocaliza em certos tipos de sujeitos e nas camadas eespaços sociais menos favorecidos. Ao gerar infor-mações sobre violência, a mídia reproduz, de certomodo, o processo de transmissão dessas informa-

ções efetuado pelos órgãos oficiais do governo,onde o sentido dos diversos tipos de violência queocorrem na sociedade e, principalmente da violên-cia estrutural, é desfeito ou desrealizado, conformetrata Sodré (p. 192).

Dessa forma, percebe-se que o grupo social maisvitimizado, “apavorante” ou o “marginal” é aquelesocialmente excluído da festa do consumo, despro-vido dos símbolos que caracterizam o “cidadão debem”, revestido pelos signos da pobreza, como serjovem, negro e morar em morro ou periferia da ci-dade, sendo identificado como bandido e, ainda, forada escola. O fato de ser jovem ou adulto, do sexomasculino também representa risco para esse gru-po social. Não nos parece estranho relacionar osaltos índices de analfabetismo no país que atingemprincipalmente jovens e adultos da nossa sociedade,devido principalmente às histórias de negação dedireitos e de exclusão, sobretudo para homens emulheres trabalhadores que não tiveram acesso àeducação formal, conforme nos apontam várias ediversas fontes da nossa literatura.

Essas representações sociais também apare-cem nos discursos dos intermediários (sociedadecivil), embora com diferença no seu conteúdo, con-forme acentuaremos mais adiante.

Outros elementos importantes foram acentua-dos nesta categoria, mas, por ora, pareceu-nos ur-gente elucidar estes aspectos abordados, já queconsideramos a emergente necessidade de enfra-quecermos mitos e estereótipos, que mais ajudama reproduzir e a reforçar a violência no nosso meiodo que enfrentá-la e combatê-la.

Apresentaremos agora algumas característicasdas representações sociais identificadas a partir dodiscurso dos intermediários (sociedade civil), aotempo em que procuraremos dialogar com os resul-tados aqui apresentados, à luz da teoria que nos deusuporte nos estudos sobre a temática pesquisada.

2. As Representações Sociais da soci-edade organizada e/ou intermediári-os sobre a violência e o papel daeducação: a conscientização

Para os intermediários, os atores da violênciasão mais associados aos jovens e/ou adolescen-tes, desempregados, policiais militares, familiares

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(independente de classe social), pessoas que nãopossuem qualificação profissional e homens ma-chistas.

Percebemos claramente que há uma mudançasignificativa no foco ou na compreensão em rela-ção ao que dizem os sujeitos institucionais acer-ca de quem são os autores da violência – apesarde termos constatado também aproximações nosdiscursos quanto às adjetivações dadas aos “sujei-tos violentos”. Assim, aparecem também palavrascomo marginais, bandidos, meliantes, delin-quentes e criminosos nos seus discursos. Istoimplica diretamente na dimensão valorativa apre-endida no meio social que orienta a formação dasrepresentações sociais e, consequentemente, aconduta desses sujeitos para lidar com o tema; esteé um pressuposto básico para estudarmos e enten-dermos o nosso objeto de estudo.

Há nesta categoria uma relação também ex-pressa da violência ao papel da educação, emboraa dimensão valorativa dessa relação seja ampliadae mais voltada para uma educação que extrapola oespaço escolar e que acontece na totalidade dassituações em que essa experiência é vivida. Sali-ente-se que o fundamental dessa experiência cons-titutiva do ser cultural do homem se situa no planodas relações sociais em que ele está envolvido aolongo da sua vida.

Nesse sentido, um fato que nos parece rele-vante evidenciar aqui, é a alusão aos policiais mili-tares como autores também da violência e o papel(de)formativo que experiências “deseducativas”são capazes de provocar. Eis a fala de um lídercomunitário:

A meu ver, o sistema penal, o sistema punitivo ado-tado socialmente hoje, ele é um grande responsá-vel por retroalimentar a violência. O sistemamontado... A idéia de punição que se tem hoje, aocontrario de resolver a situação de violência, elavem alimentando a construção da violência. O sis-tema penal, ele vem apenas reafirmar as estruturassociais, que gente tem de desigualdade social, deracismo... Basta a gente olhar para que quem estáhoje dentro das cadeias: preto, pobre, prostituta,favelado... São estas as pessoas que estão na ca-deia. Isto demonstra como nossa sociedade vê aviolência. Ao meu ver, muitas vezes estas pessoassão as vítimas e, na verdade, o sistema interpreta eexclui. Escolheu-se excluir: pretos, pobres, prosti-

tutas e favelados. Estas pessoas não são dignas deviver conosco, então, a gente tranca elas na ca-deia, a gente exclui, tira do nosso campo de vista.Eu acho, a meu ver, que este é o grande problema.E ao levar à cadeia, a gente retroalimenta. Os pre-sídios, as cadeias, elas são universidades do cri-me. Ao invés de construir algo melhor, elas destroema dignidade humana, degeneram o ser humano,quando estas pessoas retornam ao convívio soci-al... Enfim. Então, acaba..., não são reeducadas(Líder comunitário 8 – grifos nossos)

Constatamos nesse discurso uma alusão a umespaço formal de educação específico, a universi-dade; território mitificado em nossa sociedade exa-tamente pelo papel que tem de produzir ereferenciar o conhecimento cuja credibilidade le-gitima e organiza muitas práticas sociais, ou seja,um espaço educativo com poder e de poder, é as-sociada ao potencial que os presídios têm de pro-duzir mais violência.

Segundo Pino (2007):

É a consciência da necessidade de estabelecer e deviver essas relações que constitui a razão de baseda não-violência. Educar para a “não violência” é,portanto, ajudar as novas gerações a encontraremas razões suficientes para não optar pela violênciaque ameaça inviabilizar essas relações. A questãoentão é saber quais são essas razões e qual é seupoder de persuasão para evitar a violência (p. 780).

Segundo Zaluar (1999), estas compreensõescríticas em torno do papel da polícia e os dispositi-vos de poder surgiram em decorrência da influên-cia e apreensão, na sociedade brasileira, dopensamento de Marx e Foucault, quando veio àtona a crítica feita aos “crimes do capital e aosdispositivos de violência do Estado”. Afirma a au-tora: “(...) a combinação Marx/ Foucault teve, semdúvida, eficácia explicativa naqueles mecanismosdo poder estatal e poder disciplinar mais evidentes:a polícia e a prisão (...)” (p.4).

Percebemos também nessa categoria dos in-termediários que os sujeitos, ao representaremsocialmente a violência, salientam um distancia-mento à associação com a pobreza, diferente dasrepresentações elucidadas pelos institucionais,embora haja referência a questões sociais perpas-sando as manifestações de violência. Além disto,os adolescentes e jovens são apontados como auto-

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res principais e há uma referência forte à violênciacontra a mulher em decorrência das questões degênero que perpassa a cultura nacional, baseadaem uma sociedade patriarcal. Assim, percebemosuma forte tendência, nos discursos desses sujeitos,com preocupações mais atreladas às questões hu-manas/ interpessoais, sociais e culturais que nosapontam para a particularidade e histórias de vidaespecíficas que os fazem atribuir sentidos aos fe-nômenos da violência e relacioná-la ao papel daeducação. Suas vivências e experiências sugerem,inclusive, que os órgãos governamentais respon-sáveis pouco sabem sobre essa outra realidade comque eles/elas lidam e convivem.

Hirsch (1973, apud MINAYO, 1999) afirma,sobre isto:

Os conflitos interpessoais registrados pela polícianão refletem o verdadeiro nível de ocorrência desteevento entre a população, tendo em vista que a mai-oria deles sequer chega ao conhecimento desta ins-tituição. Boa parte dos seus protagonistas sãoconhecidos, vizinhos ou parentes das vítimas. Seusmotivos demonstram claramente o elevado nível deviolência que perpassa as relações entre os sereshumanos, o baixo limiar de tolerância ao outro, aausência de diálogo na resolução dos problemas, adesvalorização da vida, enfim, o elevado nível deestresse nas relações interpessoais. (p. 8)

O Agente Social inclui em seu discurso o papelda educação, associadoo ao papel da família comocentralidade das políticas públicas para o combateà violência e traz elementos com carga emocionalforte para falar da violência:

... é, é, é... A gente fechar porta, porque antigamen-te, que a gente percebia que as pessoas ficavamsentadas nas suas calçadas, as pessoas se relacio-navam mais, as pessoas se amavam mais. E hojeelas sentem medo uma das outras. A gente sentemuito medo. A gente, que trabalha diretamente coma família, porque o foco da assistência, da educa-ção, de todas as políticas hoje é..., é a família. Acentralidade de tudo que há tem que ser na famí-lia. A gente percebe que esta violência tem destru-ído a família, tem destruído as amizades, temdestruído a..., a..., uma atividade comunitária. Aspessoas estão ficando muito individualistas. O piorque a violência tinha..., está fazendo a gente “setrancar.” (Agente social 2)

É importante que se diga que este quadro deviolência não pode ser compreendido integralmen-te, sem que se lance mão de determinados termose conceitos como desigualdade, injustiça, corrup-ção, impunidade, deterioração institucional, viola-ção dos direitos humanos, banalização e poucavalorização da vida e o papel da educação nessecenário, conforme acentuam os discursos dos in-termediários.

Outros mais poderiam ser listados, entretanto,mais do que fazer um “inventário” da ampla gamade fatores que configuram o quadro de violênciasocial que hoje se enfrenta neste país, é importan-te lembrar as palavras de Arendt (1994). Para essaautora, a resposta para a violência destrutiva dopoder está na severa frustração de agir no mundocontemporâneo, cujas raízes estão na burocratiza-ção da vida pública, na vulnerabilidade dos gran-des sistemas e na monopolização do poder, que secaas autênticas fontes criativas. O decréscimo dopoder pela carência da capacidade de agir em con-junto (por meio de democracias realmente partici-pativas) é um convite à violência. Assim, “aviolência, sendo instrumental por natureza, é raci-onal. Ela não promove causas, nem a história, nema revolução, nem o progresso, nem o retrocesso;mas pode servir para dramatizar queixas e trazê-las à atenção pública” (ARENDT, 1994, p. 37).

Outro Agente Social, falando sobre a importân-cia dos conselhos, faz a relação do papel da edu-cação formal, a escola, para lidar com os problemasda violência.

Os conselhos têm o papel fundamental porque éatravés dos conselhos onde se criam políticas pú-blicas, então políticas públicas na educação po-dem ser formuladas no sentido de que os professo-res passam conhecimentos dos fenômenos, possamter reconhecimento dos indicadores de violênciapossam trabalhar essa questão da violência na salade aula, possam compreender e possam inclusiveidentificar e estar encaminhando pra rede essaquestão da violência e a prevenção como um todo,então a mesma coisa é o conselho da saúde formu-lar políticas públicas voltadas pra saúde no senti-do de bom atendimento, um atendimento humani-zado daquela criança vítima de violência. (AgenteSocial 4)

Isto nos faz retomar ao que afirma Pino (2007):

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Pode-se dizer então que, se a escola, como outrasinstituições sociais, muito pode fazer para incenti-var a compreensão por parte dos alunos dos valo-res realmente humanos, livres de qualquer afetaçãomoralista, capazes de fornecer razões para não optarpelo uso da violência no intuito de viver uma socia-bilidade humana, ela tem também que repensar suafunção numa sociedade em constante mudança(p.782)

Percebemos ainda que, associada à violência,nas narrativas dos intermediários, aparece tambéma palavra medo, no mesmo sentido que os sujeitosinstitucionalizados atribuíram nos seus discursosapresentados. O medo paralisador, que traz consi-go o sentimento de impotência e novas formas deindividualismo vivenciadas a partir do isolamentoque “destroi a atividade comunitária” (Agentesocial 2).

Isto nos faz lembrar que a violência afeta demodo indistinto o cotidiano e a vida da sociedade, eo medo, que é produzido e construído através dasmúltiplas formas de manifestação da violência, al-tera drasticamente as relações entre as pessoas,normas e padrões de educação e, portanto, intro-duz um novo padrão de segregação urbana e demodelos de organização escolar. É o que Bauman(1998) afirma que será chamado de a “Era da In-segurança”. Ou seja, quanto maior a ênfase nasegurança de um mundo dividido entre nós e osoutros, maior a sensação de risco. Segundo esseautor, “a utopia de uma comunidade segura tem[hoje] um alto custo. E ele é pago pela sociedadecom o redirecionamento dos investimentos em edu-cação, saúde, trabalho e previdência social paraarmas e presídios”. (p.48)

Não é incomum vermos os muros das escolassendo aumentados, as janelas gradeadas e os cade-ados intensificados, que nos lembram os sistemasprisionais, conforme já nos apontava Foucault (2004).Essa sensação de pavor “destrói a atividade co-munitária”, conforme nos aponta o Agente Social2, e retira da escola o seu potencial inalienável deser promotora da socialização e, portanto, de garan-tir experiências formativas a partir dos interessescoletivos que extrapolam os seus muros.

Ferraz (2000, p. 15) acentua que:

A compra de proteção tem significado investir numa“sensação”- com muita proteção e possivelmente

nenhuma segurança de fato, na medida em que aspolíticas públicas são voltadas apenas para “con-seqüências”, são repressivas contra a populaçãopobre e miserável, e suprimem as questões fundan-tes do crescimento dessa violência como a exacer-bada concentração da renda que abandona mais de50 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza.Porque, em primeiro lugar, é a riqueza crescente, enão a pobreza, que sustenta o crescimento da vio-lência.

Assim, ressaltamos o problema que se amplianesses modelos que ilustram uma suposta prote-ção: a ampliação da segregação entre os que es-tão de “dentro” e os que estão “de fora” dos murose grades.

Há ainda mais visibilidade da diferença no en-foque e conteúdo das representações sociais so-bre violência nesses dois primeiros gruposanalisados (institucionais e intermediários), princi-palmente quando são convidados para elencar aspropostas para o enfrentamento da violência. Aeducação aparece com papéis diferentes, em es-paços diferentes, sobretudo no enfoque conceitualou, mais precisamente, no que diz respeito à con-cepção de educação que ilustra as suas representa-ções sociais.

Para os primeiro grupo, as soluções aparecematreladas basicamente a compromissos com a de-manda de ordem, o temor da não unidade, a idéiarecorrente da totalidade ou do consenso, o ideal daordem e do equilíbrio e o papel da escola salvacio-nista, ou seja, soluções atreladas a abordagens quese aproximam dos ideais de organização social bempróprios das estruturas mais conservadoras/positi-vistas do nosso país. Esta situação nos faz lembrarZaluar (1999, p.11), quando afirma que “a reflexãosobre o que é violência e os seus múltiplos planos esignificados, depende do agente e da ótica adota-da, o que redunda quase sempre em apontar osmales a serem combatidos, tendo em vista a cono-tação negativa que a palavra carrega.”

Para o segundo grupo – a sociedade civil ou osintermediários – apareceram sugestões de enfren-tamento embasadas em formas alternativas, pre-ventivas ou democráticas de lidar com a questãodo crime. Em outras palavras, o movimento nessadireção, dependeria de um processo de educaçãopermanente para as novas formas de viver, de pres-

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tar contas, de construir formas democráticas eparticipativas de controle, de exigir a segurançacomo um bem coletivo ou público.

Passaremos agora à integração e análise dosresultados, incorporando a categoria que denomi-namos como O discurso dos presos. Neste seg-mento faremos uma apresentação dos elementosque ilustram as representações sociais sobre vio-lência e o papel da educação, conforme aparecemnas suas narrativas, identificadas a partir das en-trevistas e dos mapas mentais aplicadas com ossujeitos (re)conhecidos como “promotores” da vi-olência. Acentuamos que essa condição é legiti-mada e legalizada pela própria situação de vida no“cárcere”, cujo modelo caracteriza a punição ime-diata para os autores da violência de acordo com anossa estrutura e organização social.

3. As Representações Sociais dos pre-sos e o papel da educação, ou: “a ca-deia é uma escola, só não aprendequem não quer”

É basicamente neste sentido que os sujeitos sobcustódia apresentam a experiência vivida no cár-cere. A cadeia passa, neste sentido, a ocupar olugar da educação formal que muitos deles não ti-veram assegurada ao longo da vida. Há uma lacu-na inquietante nos seus discursos em relação aoespaço da educação relacionado com a violência,diferentemente do que acontece com o discursodos outros sujeitos da nossa pesquisa, apresentadonas categorias anteriores. Assim, procuramos, nestesegmento, elucidar as representações sociais deviolência a partir da perspectiva de quem está “dolado de dentro das grades”, cujo território delimitasaberes e compreensões de realidade que estãoalheios à perspectiva de quem vê e significa a vio-lência estando do “lado de fora”.

Entendemos que as duas categorias anteriores(institucionais e sociedade civil) possuem caracte-rísticas próprias na formação das suas representa-ções sociais sobre a violência e o lugar da educa-ção nessa realidade, já que no espaço/tempoampliado desses grupos há similaridades e diferen-ças que se cruzam e definem as suas formas derepresentar. Abordaremos agora outro espaço/tem-

po, limitado, que define as compreensões de reali-dade/violência elaboradas pelos sujeitos que nelehabitam: a prisão! Lugar mistificado, tempo “re-tardado”, lugar assombrado, tempo paralisado: o“não lugar” para quem está de fora, portanto redu-to dos antecipadamente condenados a serem tam-bém os “não sujeitos” ou “não gente”. Apresenta-mos, então, uma reflexão sobre o lugar reservadoe significado por aqueles que cometem crimes,transgridem leis, ultrapassam limites, rompem, pe-los atos, um suposto pacto social

O estudo das representações sociais dos sujei-tos/presos sobre a violência surge em meio a suaprópria situação de passar pela privação da li-berdade; essa condição aparece como referenci-al nos sentidos e significados elaborados porpessoas que até pouco tempo estavam usufruindoda companhia da família e de amigos ou, até, de-sempenhando seu trabalho, que têm histórias devida. Isto nos mostrou que ter que se adaptar auma forma diferente de vida, permanecer em umlugar isolado do mundo externo, necessitando con-viver com pessoas de níveis diferentes, torna-seuma situação muitas vezes difícil de ser suportada.Convém buscarmos inicialmente, em Tavares (2004,p. 4), reflexões que apontam a situação dos presose do encarceramento no país:

Quando ele se torna um presidiário típico (caso nãotenha se tornado antes um típico jovem infrator as-sassinado – uma exclusão literal), as condições ex-cludentes continuam intactas na organização sociale se fazem presentes, também, ainda que de outrasformas, nas relações sociais travadas na instituiçãodo encarceramento. Quando ele cumpre sua pena ese torna um ex-presidiário típico, a sociedade à qualele deverá retornar ainda mantém suas condiçõesexcludentes intactas. O que estamos querendo dizeré que a prisão, nas condições socioeconômicas ouprisionais brasileiras, até pode mudar alguma coisano indivíduo que nela vive, mas não altera a pers-pectiva com a qual o detento convive, a de que ascondições sociais do seu passado estarão nova-mente presentes no seu futuro.

Nesse contexto, um aspecto importante, queaparece nas representações sociais dos presos, éreferente à relação estabelecida com a polícia nosseus significados produzidos sobre a violência den-tro do cárcere. Percebemos que há situações dú-

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bias que atravessam os seus discursos: em algunsmomentos há um reconhecimento dócil e obedien-te ao trabalho dos policiais: “Fazem seu trabalho”;ou até mesmo com olhar normalizador para as prá-ticas de castigos que são também elucidados: “APolícia aqui, eles fazem de uma maneira, elestrabalham certo, eles só agem de uma maneiranas pessoas que estão abusando dos poderesdeles, é o trabalho deles, polícia, batem nos queprovocam.” Conforme já apontamos, esses doisdepoimentos – similares em três dos entrevistados– reforçam o discurso foucaultiano de que a vigi-lância, o controle e a punição passam a ser vistoscomo algo normal e resultante de processos disci-plinares necessários.

Além disto, essa realidade nos remete a Cer-teau (1996), quando se refere ao espaço como “umlugar praticado”. Diz o autor: “existem tantos es-paços quantas experiências espaciais distintas (...)por operações que, atribuídas a uma pedra, umaárvore ou a um ser humano, especificam ‘espa-ços’ pelas ações dos sujeitos históricos” (p.202).Entendemos, pois, que o espaço da cadeia, a partirdas vivências cotidianas dos presos, é entendidocomo um espaço de ensino aprendizagem, tal qualacontece nas instituições formais de educação quetrazem consigo os ranços do papel e dos modelosdisciplinadores no cerne da sua fundação; ou seja,o “espaço transformado em lugar”, conforme ex-pressão do mesmo autor.

Castro (1991, p. 57).também demonstra comoa violência perpassa as relações no interior daspenitenciárias:

Menos conhecidas são as formas sutis de violên-cia, constitutivas mesmo da rede de relações sociaisque atravessa sujeitos posicionados de modo dife-rente na estrutura social da prisão. (...) Referem-se amecanismos, estratégias, táticas, tanto de controleda massa carcerária por parte da equipe dirigente,quanto de construção de experiência: a de domina-ção e sujeição daqueles que vivem sob tutela e abri-go da prisão. (...) aqueles (mecanismos, estratégias,táticas) estão profusamente presentes no interiordo universo simbólico, compartilhado de modo am-bivalente por dirigentes e seus subordinados.

Em outros momentos, os presos, ao se referi-rem à polícia, evidenciam críticas à atuação pelafalta de cuidado e pelo uso da violência. Ao todo,

cinco presos salientaram esta situação. Além dis-to, dos oitos presos entrevistados, somente um dis-se confiar na justiça. A afirmação “A maiorjustiça é a de lá de cima...” (Preso 6), proferidapor um dos presos e que aparece também nas fa-las de outros detentos, sugere a compreensão deque aqui, na terra, não há perspectiva de resoluçãodos problemas de forma justa para todos. Afirmaoutro preso:

... a justiça humana pra mim é isso que eles estãofazendo com a gente, eu não confio nela, e nãoconfio nos homens quando estão dirigindo o pro-cesso, encaminhar para fazer alguma coisa por mim.Primeiramente a gente confia em Deus; na Justiçados homens, o senhor sabe como é...” (Preso 8).

Sobre isto, Tavares (2004, p. 10) tambémacentua:

A idéia de preso reproduzida pela mídia e pelo sensocomum não comporta o sistema prisional previsto pelalei, haja vista o estudo realizado por Caldeira (1991),em São Paulo, que demonstra a vinculação da noçãode direitos humanos a “regalias para bandidos”, en-cerrando uma opinião pública contrária aos direitoshumanos. Além disso, pode-se acrescentar que, numpaís em que há uma alta taxa de exploração, é neces-sário que a situação da prisão seja muito pior que asituação dos simples desfavorecidos, isto é, “é preci-so que a prisão seja terrível para que ninguém queirair para lá” (PINHEIRO, 1985, p. 67). Se a opinião públi-ca é contrária a “benefícios” para presos, não se po-deria esperar que passasse pelo interesse dos agen-tes políticos governamentais implantar o sistemaprevisto pela lei, cujo custo é elevadíssimo. Dessemodo, é politicamente improvável a mudança na ins-tituição penal, a não ser que se transforme toda umaforma de pensar o condenado e a pena, assim comoas relações sociais e o crime.

Desta forma, ressaltamos que as organizaçõesde práticas de aprendizagens específicas que sãoformadas no interior das prisões se apresentamcomo operações concretas de sobrevivência nes-sa suposta escola da vida, conforme indicaçõesapresentadas a partir das narrações sobre o cotidi-ano, apresentadas pelos presos.

Outro elemento importante que veio à tonaquando nos aproximamos mais dos presos, foi aconstatação de que esses sujeitos não são “crimi-nosos terríveis”; mas não são também inocentes;

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são, sobretudo, pessoas, com toda a complexidadeenvolvida: dinâmica psíquica, social, com vida pes-soal e familiar, com expectativas de vida e, geral-mente, com histórias de sofrimento, carências eexclusão.

Acreditamos que uma barreira é formada devi-do ao “não lugar” que ocupam e isto geralmentenos impede de ver a pessoa que ali está, o queocorreu com ela, com sua vida pessoal e tambémem que condições concretas os presos podem vi-ver. Nos mapas mentais analisados dos presos, ossentidos e significados atribuídos à prisão, apare-cem, na maioria das vezes, palavras como: famí-lia, liberdade, trabalho, filhos, tristeza, vida...Há um forte conteúdo emocional nos seus discur-sos. Isto nos faz lembrar a associação que se fazda violência com a “natureza humana violenta” nosdiscursos da categoria anteriormente analisada, ados “institucionalizados”; nos quais, segundo suascompreensões, quem pratica a violência é natural-mente predestinado ou determinado para praticá-la. Ou seja, as pessoas destituídas de “humaniza-ção” ou desumanas, portanto, são excluídos dasoportunidades de terem maiores investimentos pú-blicos em projetos educativos formais dentro dospresídios ou cadeias espalhadas por todo o país.As experiências são ainda incipientes e tímidas.

Sequeira (2006) afirma:

Minha experiência me mostra que o crime é um atohumano, um ato predominantemente do homemcomum. Portanto, não cabe o uso excessivo dapsicopatologia; não acredito que tenhamos milnovos perversos ao mês em São Paulo. É funda-mental humanizar o crime (LACAN, 1950/1998),deixar de colocá-lo como ato não humano, por maiscruel que seja o delito; seu autor é o homem, noexercício de sua humanidade, o que nos remete àprodução histórica e social dos processos de sub-jetivação (670).

A proposição de Foucault (FOUCAULT 1999;2004; MOTTA, 2006), quanto à vigilância e aocontrole sobre os corpos e indivíduos, se faz pre-sente em diversos momentos dos discursos dospresos, seja qual for o comportamento deles: querquando se mostram dóceis e disciplinados diantede um controle que lhes tira a possibilidade de cir-cular, de serem eles mesmos, quer quando reagem

àquilo que consideram uma violência injustificadaque lhes é imputada pelo poder de polícia.

Assim, nessa categoria, salientamos as repre-sentações sociais sobre violência que permeiam avida daqueles que violaram os direitos e as leis. Énecessário evidenciar que essas representaçõessociais identificadas foram elaboradas no espaço/tempo próprio que configuram atualmente as suasvivências, mas evidenciamos também que as suashistórias de vida trazem marcas de sujeitos que vi-veram cotidianamente sob a violação de seus di-reitos e das mesmas leis que hoje transgridem. Issotraz à tona a necessidade de refletirmos acerca darelação entre violência, crime e modelo de socie-dade que vivemos. Não podemos simplificar nemusar os conteúdos reducionistas presentes no en-godo ideológico de que os presos ou condenadossão monstros e de que os criminosos são o exem-plo da estrutura de personalidade perversa. Preci-samos caminhar mais, ir além do discurso prontosobre o transgressor da lei e ir além dos precon-ceitos, a fim de possibilitar uma intervenção realnos problemas que “permeiam” a produção da cri-minalidade e da violência no nosso país, estado emicrorregião.

Esta é uma posição política e, portanto, tam-bém humana, cuja produção histórica, social e cul-tural pode ser perfeitamente reescrita. À esperados confortos e milagres de Deus, conforme acen-tuamos como elemento presente nas representa-ções sociais dos presos e presas, estas salientambem a ausência dos laços sociais e de ações con-cretas e educativas de homens e mulheres quedeveriam dar sustentação à vida de todos nós, su-jeitos atores e autores. Essas ações, por serem frá-geis ou inexistentes, não garantem valores mínimosde pertencimento e filiação. Assim, ser filho de Deuse merecedor de vida digna e justiça somente noplano divino parecem ser um caminho mais seguroe bem mais fácil de acreditar!

Algumas considerações necessárias

Nosso estudo evidenciou discursos representa-cionais que contribuem para o aprofundamento dasreflexões em torno da segurança e a atribuição dossentidos para a educação formal dos sujeitos en-

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volvidos, tomando-se como contexto e referênciaa microrregião de Senhor do Bonfim, no semi-ári-do baiano, norte do estado da Bahia. Percebe-seque as Representações Sociais são contidas emcontextos específicos (os representantes oficiais,os intermediários entre o oficial e a sociedade e os

presos), que ressaltam idéias, valores e juízos nu-ançados nas falas analisadas e nos convidam paraa ampliação do debate sobre a temática como con-dição e proposição para o enfrentamento da vio-lência que transita, sem distinção, nos várioscenários estudados.

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Recebido em 20.05.09Aprovado em 20.06.09

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Maria Olívia de Matos Oliveira

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOCENTES SOBRE A MÍDIA:

APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS

Maria Olívia de Matos Oliveira *

*Doutora em Educação. Professora titular da UNEB do Curso de Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação emEducação e Contemporaneidade – PPGEDUC, Departamento de Educação – Campus I. Endereço para correspondência:Universidade do Estado da Bahia – UNEB, DEDC I, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula – 41150-000 Salvador/BA. E-mail:[email protected]

RESUMO

O professor, ao chegar à escola, traz junto com sua bagagem, experiências erepresentações diversas sobre o mundo que o rodeia. Um dos objetos de representação/conhecimento desse professor é a mídia que está presente, de forma direta ou indireta,nas suas interações sociais. O estudo ora apresentado, ainda em fase inicial, pretendeinvestigar como os professores da educação de jovens e adultos de uma escola públicada Bahia se apropriam da mídia e as representações que fazem sobre ela no espaçoescolar, pois o discurso midiático participa de um processo constante de construçãoda realidade desses sujeitos, sustentando novas formas de pensar e agir. Tudo issonos instiga a investigar os processos de recepção das tecnologias de modo geral edas mídias, em particular, em docentes que trabalham com os segmentos maisduramente excluídos do sistema público da educação. São muitos os desafios postosà nossa frente, ao longo do presente estudo: acreditar nas possibilidades educativasda mídia, coragem para (des)construir algumas certezas nas quais estamos aindaancorados e flexibilidade para apreender as RS dos professores de jovens e adultoscom vistas a desvelar como esses se apropriam das tecnologias presentes nas suaspráticas de sala de aula e fora dela.

Palavras-chave: Mídia – Mediação pedagógica – Representações Sociais –Formação docente

ABSTRACT

TEACHING SOCIAL REPRESENTATION UPON MEDIA:APPROXIMATIONS AND DISTANCIATIONS

When a teacher comes to school, he brings his baggage of experience andrepresentations along. One of the representation/knowledge objects of this teacher isthe Media, which is present directly or indirectly in his social interactions. This qualitativeand descriptive study, still in its initial phase, plans to investigate how the teachersseize on Media and the representations they make about it in the school space, becausethe media discourse is part of the process of reality construction of these subjects,supporting new ways of thinking and acting. All of this leads us to investigate theprocesses of technology and media reception in a general way. Specifically, we workedon the teachers who work with the most excluded segments of the public educational

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Representações sociais docentes sobre a mídia: aproximações e distanciamentos

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system. We are confronting many challenges believing in the Media educationalpossibilities, having courage to build/ destroy certainties we are attached to andflexibility to learn the social representations of teachers for young people and adultsprompt to reveal how they seize on the present technologies in their practices in theclassroom and out of it.

Keywords: Social Representations – Media – Educational mediation – Teacher training

Introduzindo a temática

O professor, ao chegar à escola, traz, junto comsua bagagem de experiências, representações so-bre o mundo, que se traduzem em expectativas oudescontentamentos com relação aos mais varia-dos aspectos da sua vida pessoal ou profissional.

Um dos objetos de representação/conhecimentodesse professor é a mídia, que está presente de for-ma direta ou indireta nas suas interações sociais.

O estudo ora apresentado pretende investigarcomo os professores da educação de jovens e adul-tos se apropriam dos recursos midiáticos que a es-cola lhes disponibiliza e suas representações sobrea mídia no espaço escolar. Este estudo1 , ainda emfase inicial, tem por objetivo sistematizar uma pro-dução científica que possibilite entender as condi-ções de interação e recepção desses sujeitos coma mídia. Questões como as que se seguem serãoobjeto de investigação: Quais as expectativas dosprofessores quanto á introdução da tecnologia edos recursos midiáticos na escola? Que sentido tema aprendizagem através de computadores? Quepensam sobre televisão/vídeo e sua introdução naescola? Como se apropriam das tecnologias queestão presentes no seu cotidiano? Como esses re-cursos midiáticos se inserem no dia a dia dessesprofessores?

Para dar conta dessas questões decorrentesde opções teóricas, a autora se fundamentou navertente latino-americana dos estudos de recep-ção que têm como principais representantes Mar-tín-Barbero (2002, 2007) e Orosco (2006), nosestudos culturais da pedagogia que posiciona osmeios de comunicação no âmbito da cultura (SI-MON, GREEN e BIGUM, 1995), nos aportes daTeoria das Representações Sociais de Moscovici(1997-1998, apud ORNELLAS, 2007, 2008) e nosestudos histórico-culturais de Vygotsky (1982)

sobre mediação. O respaldo para escolha meto-dológica a autora encontrou no conceito de dialo-gia de Bakthin (1997) e de diálogo como instru-mento de conscientização e emancipação emFreire (1996).

A pesquisa é um estudo em andamento do tipoqualitativo-descritivo, envolvendo professores doturno noturno de EJA, de uma escola estadual emLauro de Freitas, Bahia2

Nossa intenção é que este projeto contribua paraconsolidar a formação do educador de EJA, possi-bilitando uma relação de dialogia com os jovens eadultos e orientação aos professores para o uso deuma proposta diferente de ensino com metodologi-as inovadoras, que favoreçam a reflexão de práti-cas mais ajustadas à realidade desses sujeitos emprocesso de escolarização tardia.

A formação reflexiva do professor: umponto de partida

Vivemos atualmente um tempo globalizado, demomentos contraditórios, em que o estado fragili-zado abdica de suas tradicionais funções de prote-ção ao cidadão, submete-se ao capital e põe emrisco o emprego e a própria sobrevivência dos ci-dadãos3 . Por outro lado, caminhamos para umamaior consciência dos riscos ambientais a que es-tamos expostos e as redes sociais que estão sendoconsolidadas pela internet, podem viabilizar essa

1 Este estudo se insere no Projeto: Formação Reflexiva do Pro-fessor de Educação de Jovens e Adultos (EJA): inquietações,questionamentos e perspectivas, cuja vigência é de 2008-2010,com apoio da FAPESB.2 Esses sujeitos serão convidados a participar de forma espontâ-nea de nossa pesquisa. Vamos utilizar questionários e entrevistaslivres a partir de temas geradores3 Essas discussões foram viabilizadas na “V Conferencia Inter-nacional de E. D. J. A.”, celebrada em Hamburgo em 1997.(IOVANOVICH, 1997)

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consciência planetária consciente e inconsciente,essencial no contexto atual.

No entanto, com o incremento do fluxo da in-formação e da comunicação também se aprofun-dam as desigualdades sociais. Os destinatários dasdesigualdades sociais também estão entre as esta-tísticas dos excluídos digitais. Por esse motivo faz-se necessária a implementação de políticas quelevem em conta a inclusão dos segmentos em quese encontram os mais desassistidos socialmente dasações das políticas públicas.

Isso implica em assumir o desafio de recons-truir um projeto educativo que reconheça a diver-sidade e a necessidade de fortalecer a educaçãode jovens e adultos. Significa, também, levar emconsideração as singularidades dessa modalidadede ensino, as necessidades e expectativas dos jo-vens e adultos que não tiveram condição na idadeadequada de completar a sua escolarização bási-ca. Os estudos e diagnósticos mostram a inexis-tência de diretrizes e a descontinuidade de políticaspúblicas nesse setor, pois são políticas de governoe não de estado. (FÁVERO, 2006)

Uma primeira aproximação ao problema é adiscussão de questões ligadas a aspectos intra eextra-escolares, a saber: 1) o reconhecimento dossaberes e experiências trazidos pelos jovens e adul-tos em suas várias formas de aprendizagem; 2) o(re)exame da pertinência e validade dos conteú-dos veiculados pelos sistemas de ensino; 3) o con-texto institucional e pedagógico em que acontecemas práticas dos professores de EJA; 4) a metodo-logia aplicada e os recursos disponibilizados para odesenvolvimento das atividades; e 5) os aspectosrelacionados à gestão administrativa e pedagógicadas escolas onde se desenvolvem as classes deEJA. Muitas discussões a nível nacional e interna-cional têm sido travadas, tentando discutir e equa-cionar esses polêmicos aspectos.4

No entanto, qualquer discussão deve passarnecessariamente pela formação reflexiva do pro-fessor. Nóvoa (2000), com muita propriedade, cha-ma a atenção para a necessidade de se criaremlógicas de trabalho coletivo dentro das escolas, apartir das quais – através da reflexão, da troca deexperiências e da partilha – é possível dar origema uma atitude reflexiva por parte dos professores.Acrescenta ainda o autor que a ação reflexiva do

professor deve ser centrada nas escolas e na or-ganização dos próprios professores e envolve acompreensão do conhecimento, a capacidade dereorganizá-lo e de fazer a sua transposição para asala de aula.

Sacristán (1995), no entanto, aponta algunsobstáculos à ação reflexiva do professor ligadaao período de formação, segundo ele, não favo-rável à condição reflexiva, referindo-se, também,ao contexto organizacional escolar como um as-pecto que não favorece o trabalho de partilha in-telectual. Além disso, o referido autor coloca adificuldade de detectar irregularidades passíveisde controle e investigação no espaço escolar. (SA-CRISTÁN, 1995).

As incertezas e questões apontadas pelos au-tores supracitados levam-nos a uma reflexão so-bre os processos de construção da identidade esobre as propostas de currículo dos cursos de pe-dagogia, base da formação docente, bem como aidentificação das especificidades que delineiam operfil do educador que atua na educação de jovense adultos5 .

Tal atitude levará à exclusão de conteúdos irre-levantes, acumulados nos currículos ao longo dahistória das instituições escolares, e à inclusão deoutros tantos não contemplados tradicionalmente,mas demandados pelos sujeitos da aprendizagem.

Dentre as limitações com que se defrontam osprocessos de formação permanente e sistemáticade professores da EJA, sobressai a descontinuida-de político-administrativa, caracterizada por políti-cas inadequadas e pela falta de avaliaçõessistemáticas.

Por outro lado, os professores que atuam nes-sa modalidade de ensino precisam apropriar-sede conhecimentos que lhes possibilitem uma re-flexão sobre o perfil do alunado de EJA6 , assim

4 Segundo Iovanovich (2003), a análise crítica dos aspectosrelevantes do fato educativo, permitirá determinar a oportuni-dade e a profundidade da transformação que operará no terrenoda prática docente e a instituição educativa de pertinência.5 Formação de educadores de Jovens e adultos. I Seminário Na-cional. Disponível em: http://www.forumeja.org.br-un-files-Relatorio%20Final%20do%20Seminario.doc. Acesso em: 16/08/086 Fávero (2006) coloca que, como parte das responsabilidadesde enfrentamento dos desafios históricos nessa modalidade deensino, impõe-se a discussão das especificidades dos sujeitos daaprendizagem de EJA.

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como precisam adquirir competências cognitivase sociais7 que o habilitem a exercitar sua docên-cia cidadã.

Pesquisas evidenciam que o nível de formaçãodo professor de jovens e adultos, no Brasil, comoem outros países8 , para a utilização das tecnologi-as, bem como de recursos midiáticos em sala deaula9 , é inadequado, apesar dos resultados quantoà receptividade dos alunos serem surpreendentes10 ,mostrando que segmentos socialmente excluídos ecom pouca escolaridade adquirem muito rapida-mente competências que lhes proporcionam auto-nomia do ponto de vista digital.

Tais resultados nos instigam a investigar os pro-cessos de recepção das tecnologias de modo gerale das mídias, em particular, com os professores deEJA que trabalham nas escolas estaduais de Lau-ro de Freitas.

Pelo exposto, torna-se necessário, reverter osatuais processos de formação docente, pois essestêm-se revelado um campo de práticas educativasdescontínuas e desarticuladas com a realidade dosalunos de EJA.

As representações sociais e a mídia

Os meios de comunicação de massa permeiamtodas as relações sociais na contemporaneidade,pois a produção e circulação das mensagens nasociedade atual depende das atividades das indús-trias de mídia. Essa explosão da mídia11 nos incitaa discutir o espaço que essa tem ocupado na cons-tituição das relações sociais.

Segundo Coimbra, “a mídia é um dos mais im-portantes equipamentos sociais no sentido de pro-duzir esquemas dominantes de significação einterpretação do mundo”. (COIMBRA 2001, p. 29).Os discursos por ela tornados visíveis participamde um processo constante de construção da reali-dade dos indivíduos, sustenta formas de pensar eagir dos sujeitos sociais, constrói verdades, fabricaestereótipos, controla a opinião pública e faz gerarnas pessoas e grupos o sentimento de pertença econsumismo12 . Tal consumismo, através da publi-cidade, atua fortemente, seduzindo e impondo, deforma subliminar, algumas representações sociais.(GOMES, 2001).

Os meios de comunicação de massa13 estãoimpondo um novo senso comum, formas de pensare agir para manter em funcionamento os interes-ses capitalistas dos conglomerados midiáticos aosquais pertencem. Nesse sentido, tais meios (MCM)se tornam instrumentos de uma nova coesão soci-al, impondo a fabricação, reprodução e dissemina-ção de representações sociais que fundamentam acompreensão que os grupos sociais têm de si mes-mos e dos outros, isto é, sua visão social e a auto-imagem. (GOMES, 2001).

Discutir, portanto, a relação entre mídia e re-presentações sociais é fundamental na medida emque a formação das representações sociais dependeda qualidade e do tipo de informações que a mídiadisponibiliza sobre determinado objeto social paraos sujeitos. São determinantes a influência socialdo meio, no sentido de pressionar o indivíduo a uti-lizar informações dominantes do grupo, sem des-

7 Rilza Cerqueira Santos, na sua tese de doutorado em constru-ção, investiga esses conceitos em gestores e professores. Ascompetências cognitivas relacionam-se à organização do pen-samento, enquanto que as competências sociais dizem respeitoà consciência social e à capacidade de administrar relaciona-mentos.8 Vide http://www3.usal.es/tutorpea/

9 Apesar do despreparo docente, algumas pesquisas na Espanha,como é o caso da realizada pela Dra Carmen Villar, com adultosna faixa etária entre 40 e 70 anos, surpreende quanto ao nívelde aceitabilidade das tecnologias.10 Os alunos se alfabetizam com muita rapidez. A concepção dealfabetização digital aqui colocada implica em emancipação di-gital. O verdadeiro sentido da emancipação digital diz respeito aaspectos relacionados não apenas ao livre acesso de todos àsinformações, mas à mobilização de uma infra-estrutura digitalde políticas públicas concretizadas em projetos que levem àmelhoria das condições de existência das comunidades mais ca-rentes. (MATOS OLIVEIRA, 2006, p.2)11 A mídia, entendida em sentido amplo, abrange aqui os meiosde comunicação como: cinema, imprensa, rádio, rádios comuni-tárias, televisão, vídeos e a produção caseira de vídeos, o espe-táculo nos programas de auditório e nos esportes etc.12 Um exemplo disso são as mensagens publicitárias de cervejaque continuam vendendo a imagem do consumo desse produtocom mensagens que sugerem alegria, felicidade, poder, charme evalorização. A fragilidade do estado neo-liberal mostra a falta decontrole sobre o capital e o conglomerado midiático, represen-tado pelas poderosas cervejarias. O resultado disso é o aumentoexagerado do consumo do produto e suas implicações na saúdepública.13 Os meios de comunicação de massa (MCM). segundo Adorno,são chamados equivocadamente de cultura de massa. O teóricocrítico da escola de Frankfurt sugere a mudança conceitual dotermo cultura de massa para industria cultural, pois, segundoele, não é a massa responsável pela sua produção. A massa seapropria dessa cultura através dos meios de comunicação, quehoje são sustentados por conglomerados midiáticos.

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cartar naturalmente outras variáveis relacionadasàs características individuais do sujeito, aspectosespecíficos do objeto e atitudes singulares que cadasujeito adota diante da informação14 .

As proposições de Moscovici (1978) abrem no-vas perspectivas nas ciências sociais, na medida emque suas formulações ressaltam os processos cog-nitivos coletivos, afetivos e sociais, identificando asdimensões que permeiam a apropriação dos conhe-cimentos científicos e ideológicos, transformando-os em realidades sociais e instrumentos próprios deuma coletividade, no estabelecimento da comunica-ção social e integração interpessoais.

Moscovici busca explicitar como os saberes, aonível social, permitem à coletividade processar umdado conhecimento veiculado pela mídia, transfor-mando-o numa propriedade impessoal, pública, quepermite a cada sujeito manuseá-lo e utilizá-lo deforma coerente com os valores e as motivaçõessociais da coletividade à qual pertence. Há, pois,uma relação entre sistemas de comunicação e re-presentações sociais.

Na definição de Moscovici, a representação socialrefere-se ao posicionamento e localização da cons-ciência subjetiva nos espaços sociais, com o senti-do de constituir percepções por parte dos indivídu-os. Nesse contexto, as representações de um objetosocial passam por um processo de formação enten-dido como um encadeamento de fenômenos intera-tivos, fruto dos processos sociais no cotidiano domundo moderno. (GOMES, 2001, p.1).

Segundo o citado autor, as representações so-ciais sinalizam a presença da consciência subjeti-va nos espaços sociais, fruto de processos sociaisdo contexto em que esses indivíduos se inserem.

A representação social é concebida por Mos-covici como sistema de recepção de novas infor-mações sociais e essas são, indubitavelmente,fornecidas pelos meios de comunicação de massa.Esses meios tentam criar, mudar ou cristalizar ati-tudes e opiniões nos indivíduos15 . Dessa forma, éimportante analisar como o pensamento do indiví-duo se enraíza no social e como um e outro sofremmudanças mútuas.

O termo representação aqui tratado é concebidocomo o conhecimento do senso comum formado pe-las experiências cotidianas do sujeito. Ornellas (2007,

p.169) coloca que as representações sociais expres-sam um saber prático de como os sujeitos assimilame interpretam a realidade produzida coletivamente einserida no seu cotidiano A autora citada apresenta oconceito de Moscovici sobre o assunto:

Por representações sociais, entendemos um conjun-to de conceitos, proposições e explicações na vidacotidiana no curso de comunicações interpessoais.Elas são equivalentes em nossa sociedade aos mi-tos e sistemas de crenças das sociedades tradicio-nais; podem também ser vistas como a versãocontemporânea do senso comum (MOSCOVICI,1978, apud ORNELLAS, 2007, p. 168).

Ao situar as representações sociais no âmbito dosenso comum, Ornellas (2007) justifica que as repre-sentações dos professores expressam um saber prá-tico e esse saber ilustra como os sujeitos recebem einterpretam as mensagens da mídia no dia a dia. Sãomarcas de inserção desses sujeitos no ecossistemacomunicacional16 , como também descreve com mui-ta propriedade Martín-Barbero. (2007).

Os professores e suas representaçõessobre a mídia

As representações docentes sobre a mídia17 ,no presente estudo, expressam-se nas comunica-ções e nas condutas dos professores que, intera-gindo com alunos e colegas docentes constroem asua aceitação /negação sobre os meios de comu-nicação. Nesse sentido, os professores também sãoinfluenciados pela mídia em termos incidentais oufuncionais e esses expressam essas representa-ções numa multiplicidade de espaços: quando sãoconvidados a dizerem algo em reuniões, quando

14 Importante, portanto, considerar as três dimensões das repre-sentações sociais: imagem, atitude e informação.15 Nesse mundo retribalizado, desenhado por McLuhan, as pes-soas passam a ser constantemente massacradas por inúmeras evariadas informações, vindas de todas as partes do mundo,impactando as relações sociais.16 Termo utilizado por Martín-Barbero como sinônimo decibercultura.17 De todas as mídias, a TV, sem dúvida, ainda é o meio decomunicação social mais usado nos dias de hoje, apesar do cres-cimento do computador, mais acessível ás classes mais privile-giadas da sociedade. A mixagem de linguagens em forma de tex-to, imagem e som, vai ajudar o aluno a aguçar curiosidade, pos-sibilitando ao indivíduo ter acesso a informações, utilizandoferramentas que a tecnologia vem oferecendo.

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estão desenvolvendo suas aulas, ou até mesmoquando adotam determinados materiais didáticosna sala de aula, quando interagem com os alunosou deixam de fazê-lo.

Para identificá-las, não basta ouvir o que osprofessores têm a dizer, mas é preciso igualmenteobservar como agem no cotidiano da sala de aulae escutar suas vozes: as representações dos pro-fessores são entendidas aqui como “fatos de pala-vras e de prática social” e estão presentes emdiversas ações que realizam em sala de aula.18

(LEFEBVRE, 1983, apud CARDOSO, 2003, p.26). As representações formam-se entre o conce-bido, que constitui o ideário e o discurso teóricodos sujeitos sobre o saber a ser criado e divulgadoe o vivido, que é formado pela vivência singular decada sujeito, bem como pela vivência coletiva esocial num contexto específico

Estudar as representações dos professores sig-nifica reconhecer que as representações são soci-ais e espelham, ratificando ou retificando, asrelações que definem suas identidades numa dadatotalidade social

As mídias como atores sociais e seupapel na construção de subjetividades

Uma nova compreensão das relações entreComunicação e Cultura, iluminada pelos referen-ciais teóricos de Martín-Barbero19 , trazem umavisão paradigmática diferente para interpretar osmeios de comunicação e sua significação social. Aidéia estereotipada de cunho funcionalista, que le-gitima à mídia a responsabilidade de decadênciamoral, alienação e difusão de ideologias conserva-doras, é relativizada pelo citado autor. SegundoMartín-Barbero, as relações entre comunicação ecultura são complexas e multifacetadas em que omeios não são apenas dominadores e os cidadãosseus consumidores passivos (MARTÍN-BARBE-RO, 2002, apud OROFINO, 2005, p. 57).

Por outro lado a significação social das mídiasestá mudando no sentido da sua capacidade derepresentar o social, de exercer uma função soci-alizadora e formadora de culturas políticas e deacompanhar as mudanças. (MARTÍN-BARBEROe REY, 2004, p.73).

Martín-Barbero ainda coloca que, no campo dacultura, o erudito, o massivo e o popular não po-dem ser compreendidos separadamente (2004, p.59) e, portanto, no interior da cultura de massacoexistem produtos que pertencem à lógica da cul-tura dominante e outros que correspondem a de-mandas simbólicas do espaço cultural do dominado(MARTÍN-BARBERO, 2007). Não há uma lógi-ca fixa dominador-dominado, mas um jogo de ne-gociação e de tensão permanentes. Nesse sentido,os meios de comunicação podem possibilitar a in-serção cultural dos segmentos excluídos, fazendocom que esses sujeitos resistam á ideologia subja-cente aos meios de comunicação e possam produ-zir outras narrativas, como frisa, com propriedade,Martín-Barbero (2007, p. 02):

... a singularidade da sociedade atual não é a intro-dução de novas máquinas, mas o aparecimento deum novo ecossistema comunicacional onde comu-nicação/informação se constitui no motor mais efi-caz de inserção das culturas no espaço/tempo.

Pelo exposto, podemos afirmar que a mídia estápresente no cotidiano dos docentes, criando e multi-plicando representações. Nesse sentido, a culturada mídia tem um papel predominante na construçãodas subjetividades desses sujeitos docentes.

Todos somos tomados pela informação audio-visual televisiva20 , que invade as nossas casas,nossa comunidade e a nossa cidade.

Segundo Orosco (2005), o que está acontecen-do é um fenômeno em que a lógica tradicional dalinguagem escrita está-se modificando por outra: ado hipertexto, do digital. As nossas capacidadesampliam-se para construir conhecimento através dediferentes linguagens, não somente a linguagem orale escrita, mas também a linguagem visual e digital.

No entanto, essa linguagem não pode ser trata-da separadamente, reduzindo-se apenas a uma

18 Para Henri Lefebvre (1983, apud CARDOSO, 2003, p. 26) asrepresentações são fatos ou fenômenos de consciência, indivi-dual e social que acompanham uma palavra – ou uma série depalavras – e um objeto – ou uma constelação de objetos – emuma sociedade e uma língua determinadas.19 A América Latina, pela sua diversidade temporal e cultural, setransforma em lugar privilegiado de pesquisa para Martín-Barbero20 A televisão, o mais impactante meio de comunicação queintegra todas as classes, entra no cotidiano das famílias, se enra-íza na sociedade brasileira, mostrando que uma produçãomidiática pode ser capaz de integrar o país e fornecer ao Brasila construção da sua identidade nacional.

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questão fonética, semântica ou semiológica, acres-centa com propriedade o referido autor. A lingua-gem não pode ser interpretada pelo padrão linearemissão-recepção (estímulo e resposta), pois osestímulos e as respostas não ocorrem isoladamen-te. No processo de comunicação, o receptor in-corpora e modifica a mensagem originalmenteemitida pelo emissor.

Os estudos críticos de recepção da Mídia, en-cabeçados por Orosco (2005), são também fun-dantes para a educação, na medida que procuramentender as transformações que os meios de co-municação exercem no sistema educativo. Há,segundo o autor, uma idéia errônea de que os mei-os de comunicação não devem ultrapassar os mu-ros da escola. No entanto, Orozco 21 sugere que“a possibilidade de aprender é muito mais amplaque a possibilidade de ensinar”.

Isso nos leva a pensar na importância de supe-rar as relações tradicionais de aprendizagem: alu-no como receptor passivo em oposição àsinterações que hoje podem ser propiciadas pelosmeios de comunicação, onde o aluno é ativo, autô-nomo e sujeito da sua aprendizagem.

Vygotsky, nessa mesma linha, aponta paraa linguagem enquanto ferramenta do pensa-mento, pois sem ela as representações nãoacontecem. Para ele, o sujeito se constituicomo tal na sua relação com o outro; relaçãoesta mediada pela linguagem. Também pelautilização da linguagem, as transformações deprocessos psicológicas elementares em fun-ções psicológicas superiores se realizam pormudanças não só quantitativas mas qualitati-vas, numa síntese dialética imersa na culturae na história, como frisa Vygotsky (1978).Portanto, a linguagem é o processo criado (eaperfeiçoado) pelo homem para internalizaçãoda cultura, construção de si e de sua subjetivi-dade.” (FREITAS, 2009, p.4)

Bakthin (1997-1998), com seu conceito de di-alogia, também mostra a importância da linguageme o papel do diálogo como um objetivo a ser atingi-do face à incomunicabilidade da nossa era (p.6) edefende uma comunicação mais horizontal e linearentre os sujeitos. Nessa mesma linha, Freire vê odiálogo como instrumento de conscientização eemancipação e advoga a importância da interven-

ção pedagógica dialogada a partir da realidade vi-vida pelos sujeitos.

A mediação envolve a partilha e o diálogo dosprofessores com seus alunos. É preciso pois, avan-çar na compreensão do papel mediador do profes-sor e as contribuições teóricas de Vygotsky sobremediação muito podem ajudar.... O citado autormostra o sujeito constituído na relação com o ou-tro, não se reduzindo a um mero reflexo passivo domeio. Nessa perspectiva alinha-se ao pensamentode Martín-Barbero, quando este afirma que, namediação produzida pelos meios de comunicação,o receptor não é passivo, reage, oferecendo resis-tências e, por esse motivo, o processo de comuni-cação é um jogo de negociação e de tensãopermanente. É necessário, pois, que o professorpossa neste momento exercer o seu papel de me-diador no processo de aprendizagem, possibilitan-do que através da mídia os jovens e adultos possamproduzir na escola outras narrativas diferentes dasproduzidas na escola tradicional.

Vygotsky antecipou, na sua teoria, o papel dosinstrumentos e signos disponibilizados na culturadigital como mediadores entre o homem e o mun-do. A televisão, o rádio, o computador conectadona internet propiciam aos jovens e adultos a cons-trução de novos modos de pensar e de posicionar-se num mundo qualitativamente diferente deoutrora. A mediação supõe interação e diálogo.Exige um professor mediador preparado para pro-piciar essas interações com os sujeitos, pois as in-terações com a mídia são entre sujeitos e não comos meios. Isso significa diferenciar os espaços ondeacontecem as mediações e as formas de comuni-cação que se situam entre os sujeitos e os meiosde comunicação. Os meios introduzem novas pau-tas porque refletem, antes de mais nada, as mu-danças que acontecem nas instâncias sociais:família, trabalho, relações com a religião etc.

Para Orosco, a escola, a família, a igreja e obairro são cenários socioculturais diferenciados queagem como mediadores no processo de recepçãoda mídia, fornecendo novos sentidos sociais e si-nalizando para os usos sociais dos meios, comoveremos a seguir

21 Guillermo Orozco Gómez. Disponível em: http://midiativa.org.br/index.php/pais/content/view/full/3169. Acesso em: 15 out. 2008

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E esses meios de comunicação afetam a per-cepção que aos alunos oriundos de diferentes con-textos culturais têm de si mesmos, apresentandomodos alternativos de construir suas identidades.(MARTÍN-BARBERO, 2002)

Mídia e mediações no espaço escolar

O termo mediação tem várias acepções. Aquitrazemos o significado de mediação emprestadode Martín-Barbero: “mediação significava que en-tre estímulo e resposta há um espesso espaço decrenças, costumes, sonhos, medos, tudo o que con-figura a cultura cotidiana.” (MARTÍN-BARBE-RO, 2000, p.175)

Como um dos mais importantes teóricos críti-cos da comunicação social o citado autor mostra aexistência de um discurso social produzido pelamídia22 que circula em volta da escola e de outrosespaços não formais de educação, não consensu-ado pelos professores que não estão preparadospara fazerem essa mediação.

MARTÍN-BARBERO23 enfatiza que “não negaa importância dos meios, mas diz que é impossívelentender a importância e sua influência nas pesso-

as, se não se estuda como as pessoas se relacio-navam com os meios”. As reflexões do referidoautor geraram o fortalecimento da temática da re-cepção como referência para se estudar o proces-so de comunicação, sobretudo na educação.

A escola é o local de recepção crítica da mídia.Por isso torna-se importante ampliar os espaçosde ressignificação da narratividade e dos conteú-dos que a transmitem na própria vida social. Se-gundo Orozco (2005), a visão distorcida, segundoa qual os meios de comunicação só servem paradivertir e não para educar, deve-se à ausência damediação da escola.

O conceito de mediação do autor nos permitecaptar a comunicação social na interação entre oespaço da produção e o do consumo, evidenciandocomo acontecem as representações dos sujeitos adepender do espaço que ocupa e das característi-cas das instituições a que estejam vinculados. Hádiferentes tipos de mediação, segundo Orosco: indi-vidual, situacional, institucional e vídeo-tecnológica.A escola e seus professores ainda não se encon-tram preparados para realizar a mediação instituci-onal, afirma Orosco, cuja Teoria das MúltiplasRepresentações encontra-se a seguir representada:

Mapa Conceitual das múltiplas mediações, segundo Orosco (apud OROFINO, 2005)24

22 Os meios de comunicação, em especial a TV, que “ promoveu a integração nacional e contaminou o modo de olhar dos cidadãos”(BUCCI, 2000, apud TOSCHI, 2005, p.41), vêm produzindo importantes modificações nas subjetividades discentes, porém osprofessores não se dão conta disso.23 Jesús Martín-Barbero em Diálogos Midiológicos – 6 Comunicação e mediações culturais em entrevista a Claudia Barcelos24 Mapa conceitual elaborado pela autora do artigo

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À guisa de conclusão

Vivemos hoje uma sociedade marcada por pro-fundas mudanças nos meios de informação e co-municação, sociedade imersa em novas linguagens,marcada por signos e hipertextos25 .

O sistema escolar vem enfrentando todas es-sas mudanças com reformas na tentativa de dri-blar recursos insuficientes e os professores desuperarem suas crises e contradições: desmotiva-ção dos estudantes, desorientação e incertezas.

A incorporação tecnológica e das mídias nasescolas é lenta, principalmente em países como onosso, mesmo porque as tradicionais instâncias deformação, como escola e família, vêm pouco apouco sendo superadas por outros processos decomunicação de massa que surgem e provocamimpacto nas representações dos sujeitos. Os alu-nos, sobretudo aqueles de classe menos favoreci-da, que convivem com a pobreza e miséria no seucotidiano também convivem com um fluxo de in-formações cada vez mais veloz e com uma mídiacada dia mais sedutora por suas mensagens ima-géticas, sem contudo muitos estímulos à reflexão.Torna-se, portanto, necessário trazer para odebate crítico a maneira como as mídias en-tram na escola e suas possibilidades de usono espaço escolar.

Os novos meios e canais de comunicação nãopodem ser panacéia para resolver os problemasdo fracasso escolar, pois sua eficácia não depende

só da sua potência tecnológica de transmissão,manipulação ou interação da informação, mas dasua inserção no currículo, das relações que esta-beleça com as outras áreas do conhecimento e damediação que os professores possam exercer nes-se processo.

A literatura, em geral, nos permite afirmar que,para inovar ou mudar a situação nas escolas, nãobasta apenas utilizar a multimídia na educação ouincorporar meios, mas é necessário que esses ins-trumentos estejam a serviço de objetivos claros,em função dos alunos que vão recebê-los e deum professor que saiba fazer uso deles. Enquan-to mediadores do processo de aprendizagem dosalunos, o rito de passagem do paradigma tradicio-nal para o paradigma midiático-digital deve serfeito.

No entanto, alguns desafios se interpõem á nos-sa frente de pesquisadores: reconhecer que somoseternos aprendizes, ter coragem para (des)construiralgumas certezas nas quais estamos ancorados eflexibilidade para apreender as RS dos professo-res com vistas a desvelar como se apropriam dastecnologias que estão presentes nas suas práticasde sala de aula e fora dela.

25 Os hipertextos rompem a linearidade dos materiais impres-sos, facilitando a construção da narrativa literária e informati-va dos sujeitos. Castels diz: “Assim o hipertexto não é produzidopelo sistema de multimídia usando a Internet como um meiopara nos atingir a todos. É, em vez disso, produzido por nósusando a internet para absorver expressão cultural no mundo damultimídia e além dele.” (2001, p. 166).

REFERÊNCIAS

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Leitura).

FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Uma teoria social do desenvolvimento e da aprendizagem. Disponível em: http://saladeaulainterativa.pro.br/moodle/file.php/11/lic Uma_teoria_social_do_desenvolvimento_e_da_aprendizagem.pdfp.1-14. Acesso em: 03 de jan. 2009.

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Representações sociais docentes sobre a mídia: aproximações e distanciamentos

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UM CERTO NORDESTE:

representações sociais de universitários

Clarilza Prado de Sousa *

Lúcia Pintor Santiso Villas Bôas * *

* Doutora em Educação. Coordenadora do Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais, Subjetividade eEducação (CIERS-ed) da Fundação Carlos Chagas. Pesquisadora Sênior. Professora da PUC-SP. Endereço para correspondên-cia: Av. Prof. Francisco Morato, nº 1565, Jd. Guedala – 05513-900 São Paulo/SP. E-mail: [email protected]** Doutora em Educação: Psicologia da Educação. Pesquisadora do CIERS-ed da Fundação Carlos Chagas. Bolsista CAPES -processo 4348-08-7. Endereço para correspondência: Av. Prof. Francisco Morato, nº 1565, Jd. Guedala – 05513-900 SãoPaulo/SP. E-mail: [email protected]

RESUMO

O estudo, realizado com 1029 universitários dos cursos de Enfermagem, Engenharia,Medicina, Pedagogia e Serviço Social de instituições públicas e privadas das cincoregiões brasileiras, procurou identificar como o Nordeste era representado no mapado Brasil e as características apontadas, na região, em relação aos seguintes aspectos:imigrações, manifestações culturais, tipo de economia, relevância histórica, religião,razões de escolha quando indicado como local de preferência, informações sobre aregião e naturalidade. O tratamento dos dados exigiu uma multiplicidade deprocessamentos e análises. Para questões abertas, estudo do desenho e dos mapaselaborados pelos estudantes, foi realizada a análise de conteúdo e empregado oprograma ALCESTE. Procedeu-se a uma pré-codificação das questões, o que permitiuum processamento a partir dos programas SPSS e CHIC para investigar a relação desimilitude e implicação entre as categorias identificadas. Os resultados apontaramque as representações dos estudantes sinalizam uma naturalização da pobrezaeconômica e da riqueza cultural do Nordeste que, no entanto, não se traduz em umconflito mobilizador de crítica, indicando uma visão idealizada dessa região.

Palavras-chave: Representações Sociais – Nordeste – Brasil

ABSTRACT

A CERTAIN NORTHEAST: social representation of universitary students

The research was conducted with 1,029 students of the university courses in Nursing,Engineering, Medicine, Education and Social Service from public and private institutionsof the five Brazilian regions. The objective was to identify the representations ofNortheast on the Brazilian map and the characteristics of this region concerning thefollowing issues: immigration, cultural events, type of economy, historical relevance,religion, reasons for choice when indicated as a place of preference, informationabout the region and origin. Data processing required a multitude of processing andanalysis. For open questions, the design and analysis of the maps prepared by studentswas conducted to analyze content using the program ALCESTE. There was a pre-

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coding phase which enables the use of SPSS and CHIC to investigate the relationshipand involvement of similarity between the categories identified. Results showed thatthe student’s representations indicates a naturalization of economic poverty and culturalrichness of the Northeast. However, this naturalization does not produces neither aconflict nor critical approaches which indicates a kind of idealized image of the region.

Keywords: Social Representations – Northeast – Brazil

Introdução

O Nordeste, como região do território nacio-nal1 que reúne, inicialmente, os Estados do Mara-nhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,Pernambuco, Alagoas e o território de Fernandode Noronha, foi instituído, oficialmente, pelo IBGE(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nadécada de quarenta sendo, posteriormente, incluí-dos, nesse limite espacial, a Bahia e Sergipe.2

O conceito de Nordeste não é apenas uma re-alidade concretamente construída (PENNA, 1992)como também uma invenção recente na históriado país criada a partir da “... reelaboração das ima-gens e enunciados que construíram o antigo Norte,feita por um novo discurso regionalista” (ALBU-QUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 40), que se iniciano começo do século XX de modo a substituir aantiga geografia brasileira distribuída entre Nortee Sul.3 Segundo Martins, essa “invenção” teve tam-bém o objetivo de acompanhar “.... a própria es-truturação do aparato estatal e a formulação dapolítica oficial de planejamento no âmbito regionale local” (1990, p. 54), uma vez que a definição deseus limites espaciais sofre a interferência da cria-ção do Banco do Nordeste do Brasil, na década de50, quando surge a idéia do “Polígono das Secas”e, posteriormente, com a criação da SUDENE (Su-perintendência para o Desenvolvimento do Nor-deste), em 1959.

Pensar o Nordeste como um espaço inventadoem um determinado contexto histórico, originado,como ressalta Albuquerque Júnior, “... por uma tra-dição de pensamento, uma imagística e textos quelhe deram realidade e presença” (1999, p. 66), érefletir, necessariamente, sobre as representaçõessociais originadas e veiculadas a partir desse pro-cesso de legitimação que naturalizaram a idéiaNordeste ao apagarem as diversidades preexisten-

tes; processo esse que, de acordo com Martins(1990), teve como fator primordial a elaboraçãode um conceito oficial e científico de Nordeste queteria sido decisivo para a conformação prática deum discurso sobre essa região.4

Contudo, não é o objetivo deste artigo analisaro modo como o Nordeste foi historicamente cons-truído ou mesmo naturalizado. A intenção é, justa-mente, partindo dessa constatação, analisar comoos referenciais territoriais instituídos historicamen-te são representados socialmente por universitári-os nordestinos e não nordestinos.

1 O conceito de região como sinônimo de “região natural” oumesmo como um espaço caracterizado por indicadores com-postos a partir de determinados índices, tais como renda, produ-ção agropecuária etc., tem sido atualmente substituído, sobretu-do a partir da chamada geografia crítica, pela idéia de que aorganização espacial se constitui como uma categoria social e,nesse sentido, o conceito de “região” passa a ser compreendidocomo “a categoria espacial que expressa uma especificidade,uma singularidade, dentro de uma totalidade: assim, a regiãoconfigura um espaço particular dentro de uma determinada or-ganização social mais ampla, com a qual se articula.” (AMADO,1990, p. 8). É nesse sentido, portanto, que o conceito de “re-gião” será adotado no presente artigo.2 Segundo Albuquerque Júnior (2003), a emergência do conceitoNordeste começa a tomar forma nos anos 20 do século passado,surgindo como um termo que designava a área de atuação daInspetoria de Obras contra as Secas (IFOCS), criada em 1919.Ainda de acordo com este autor, “Neste discurso institucional,o Nordeste surge como a parte do Norte sujeita às estiagens e,por essa razão, merecedora de especial atenção do poder públi-co federal. O Nordeste é, em grande medida, filho das secas;produto imagético-discursivo de toda uma série de imagens etextos, produzidos a respeito deste fenômeno, desde que a gran-de seca de 1877 veio colocá-la como o problema mais impor-tante dessa área. Estes discursos, bem como todas as práticasque este fenômeno suscita, paulatinamente instituem-no comoum recorte espacial específico, no país.” (1999, p. 68).3 Vale ainda lembrar que, em relação à distinção Norte/Sul, “...em muitos estados do Brasil ainda há uma confusão na denomi-nação do nordestino, que constantemente é chamado de nortis-ta, inclusive os próprios nordestinos migrantes, residentes emSão Paulo, no tocante a sua autodenominação.” (SULPINO,2002, p. 110).4 Para mais informações sobre como esse discurso se constituiuem termos regionalistas e históricos, ver Martins (1990).

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Nesse sentido, duas direções foram estuda-das ainda que, para fins de análise, elas não se-rão apresentadas em separado: a auto-atribuiçãoe a alter-atribuição, uma vez que os dados foramelaborados por nordestinos e não-nordestinos ain-da que se considere que a definição e delimitaçãodo “nós” passa, necessariamente, pela diferenci-ação do “eles”.5

Não se trata, portanto, de realizar uma descri-ção geográfica dos elementos tidos como regio-nais, mas sim, a partir de um recorte específicodentro de um estudo mais amplo, analisar o Nor-deste como um atributo da nacionalidade que cons-titui o ser social e que, embora faça referência adiferentes perspectivas (religião, turismo etc.) en-contra-se amparada em uma realidade comum,representada socialmente. Isso porque, consoanteLindoso (2006), ao se representar o Nordeste, en-tram em cena imagens que falam por ele, como aseca, a terra rachada, o cactus etc., de modo que o“texto Nordeste” se apropria do imaginário paraser tecido.

Vale destacar que se empregam aqui as repre-sentações sociais como um processo de constru-ção de saberes sociais que “... aglutinam aidentidade, a cultura e a história de um grupo depessoas. Elas se inscrevem nas memórias sociaise nas narrativas e modelam os sentimentos de per-tença que reafirmam a membros individuais suainserção em um espaço humano.” (JOVCHELO-VITCH, 2008, p. 175).

Isso porque, de acordo com Bezerra de Mene-zes, “O homem não é um ser abstrato, que vive emlevitação, mas se enraíza em espaços determina-dos, espaços que vêm assim a funcionar como su-porte de comunicação, de interrelação, deorganização, de sentido e, enfim, de fecundidade:terra matriz e motriz. O homem ‘pertence’ a umespaço. ‘Ser de um certo [sic] lugar’ não expressavínculo de propriedade, mas uma rede de relações”(1987, p. 188), em que as representações sociais,ao emergirem de um determinando contexto soci-al, apresentam uma ação estruturante ao mesmotempo em que são socialmente estruturadas.

Assim, tanto a auto-atribuição de certos refe-renciais de identidade, como a alter-atribuição, atu-am como elementos de reconhecimento tendo,nesse processo, uma grande importância:

... as práticas sociais e culturais, enquanto manifes-tações que podem ser interpretadas e valoradas di-ferentemente pelo próprio grupo e pelos váriossetores que entram em contato, pois tais signos sãocompreendidos pelos outros conforme os esque-mas de percepção e apreciação de que dispõem. Eos esquemas culturalmente disponíveis fornecemcomo base para a atribuição de uma identidade regi-onal, os elementos reconhecidos como típicos. (PEN-NA, 1992, p. 75).

É nessa perspectiva que se procura, neste arti-go, analisar se seria possível identificar, nos diasde hoje, continuidades ou rupturas em relação aosdiscursos fundadores do Nordeste, investigando,incluso, como essas continuidades ou rupturas seconformam. Em outros termos, o artigo aqui apre-sentado relata um estudo sobre o Nordeste comoobjeto de representações sociais e tem, por objeti-vo, compreender como os referenciais territoriaisinstituídos historicamente são representados soci-almente pelos universitários e como as identidadesnordestinas são simbolicamente representadas emsituações determinadas.

Os resultados apresentados nesta pesquisa, re-alizada com 1029 universitários do primeiro ano doscursos de Enfermagem, Engenharia, Medicina,Pedagogia e Serviço Social de instituições públi-cas e privadas das cinco regiões brasileiras, visamcontribuir para um espaço de reflexão teórica econceitual no campo das representações sociais epara o desenvolvimento de estudos sobre o imagi-nário do Brasil a partir dessa perspectiva.

As análises aqui realizadas são parte de umprojeto mais amplo promovido pelo LEPS – Labo-ratoire d´Études en Representations Sociales Fon-dation da Maison des Sciences de l´Homme (Paris,França), que envolveu pesquisadores do Brasil, daFrança, do México e da Venezuela. No Brasil, oreferido projeto derivou da pesquisa matriz “Ima-ginário e representações sociais de jovens univer-sitários sobre o Brasil e a escola brasileira”, quecontou com a coordenação nacional da Profa. Dra.

5 Evidentemente que a análise dos dados prioriza o estudo dosreferenciais alter-atribuídos e auto-atribuídos ao Nordeste pelosparticipantes da pesquisa, ou seja, não se pretende apontar o queseria “típico” do Nordeste, pensando-o como um elemento isoladoe homogêneo, mas antes apontar os caracteres distintivos dessaregião de acordo com os universitários da pesquisa realizada.

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Clarilza Prado de Sousa (Fundação Carlos Cha-gas) e com a coordenação internacional da Profa.Dra. Angela Arruda (Universidade Federal do Riode Janeiro), realizada na Fundação Carlos Chagase patrocinada pela Fundação de Amparo à Pesqui-sa do Estado de São Paulo (FAPESP).

O estudo mais amplo foi realizado com o obje-tivo de analisar, sob diferentes perspectivas, a ques-tão nacional. No recorte dos dados realizado, aquestão do Nordeste foi investigada sob um ângu-lo específico, fazendo aflorar o particular. Assim,enquanto a pesquisa matriz permitiu estudar assemelhanças em relação ao Brasil (ARRUDA;ALBA, 2007), o recorte “Nordeste” permitiu cap-tar as diferenças e a multiplicidade com o intuitode observar quais são os referenciais de identida-de disponíveis e acessados pelos universitários dosdiferentes cursos, quando se trata dessa região, ese estes referenciais são alterados de curso paracurso.

Apresentação da pesquisa

A pesquisa matriz contou com universitários de17 a 24 anos, de ambos os sexos, dos primeirosanos dos cursos de Enfermagem, Engenharia,Medicina, Pedagogia e Serviço Social, de 23 Insti-tuições de Ensino Superior, sendo 9 públicas e 14privadas, localizadas em sete estados (Pará, Per-nambuco, Bahia, Goiás, Rio de Janeiro, São Pauloe Rio Grande do Sul), perfazendo o total de 1029sujeitos participantes da pesquisa.

A escolha dos cursos universitários dos respon-dentes levou em conta as carreiras com certa si-militude na formação, currículo e composição denível social da clientela nos países pesquisados, vi-sando maior aproximação dos resultados dos da-dos coletados no Brasil com aqueles coletados emoutros países. Assim, para considerar o nível soci-oeconômico foram determinados dois grupos decursos: o primeiro grupo foi formado por estudan-tes dos cursos de Medicina e Engenharia, consti-tuindo o grupo em que os participantes possuemmaior condição econômica; o segundo grupo foiconstituído pelos alunos dos cursos de Pedagogia,Serviço Social e Enfermagem, correspondendo aosalunos que possuem menor condição econômica.

Quanto a este item, estudos realizados no Brasil(GOLDSTEIN, 2001; BRANDÃO, 2000; PAS-TORE; SILVA, 2000; FRANCO; MANDARINO,2002; CUNHA, 1975; SILVA; HASENBALG,2000) apontam alguns critérios, tais como família,escolaridade, etnia etc., como influentes no desem-penho escolar do indivíduo, o que permitiu traçarsimilitudes entre os cursos quanto ao nível socioe-conômico dos alunos.

De fato, a aplicação do questionário de perfilpermitiu traçar uma caracterização ampla de todogrupo quanto ao gênero, à religião, cor auto-atribu-ída e nível socioeconômico, utilizando o chamado“critério-Brasil” de acordo com as orientações daAssociação Brasileira dos Institutos de Pesquisade Mercado, o que acabou por confirmar os estu-dos acima referenciados, ao indicar que os univer-sitários do curso de Medicina (29,7%) têmporcentagem mais alta de nível socioeconômico,seguidos dos de Engenharia (24,85). Inversamen-te, são os alunos dos cursos de Pedagogia e deEnfermagem que possuem a maior porcentagemde alunos no nível socioeconômico, compreendi-dos como das classes D e E, respectivamente 35%e 27,4%.

No processo de coleta dos dados, além da apli-cação de um instrumento de perfil, foram utiliza-dos dois questionários visando caracterizar asrepresentações sociais e o imaginário sobre o Bra-sil destes alunos. No primeiro desses questionári-os, era solicitado aos estudantes que desenhassemo mapa do Brasil sem se preocupar com sua exa-tidão, apenas indicando como imaginavam que elefosse. A seguir, solicitava-se que desenhassem oulocalizassem os elementos que consideravamcomo os mais prototípicos do país. Por fim, inda-gava-se o porquê deles considerarem que esseselementos representavam o Brasil e o que era oBrasil para eles.

No segundo questionário, eram apresentadosvários mapas administrativos do Brasil com ape-nas seu contorno, nos quais era solicitado que osrespondentes fornecessem informações referen-tes à distribuição da riqueza e das atividades eco-nômicas; às manifestações culturais e religiosas;às populações de migrantes estrangeiros e aosgrupos étnicos; aos locais que guardam relevân-

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cia para a nossa história; aos estados e capitaisde que se lembram, aos lugares pelos quais têmpreferência e aos lugares que conhecem. Tam-bém foram propostas frases para preenchimento

e ainda algumas perguntas para explicitar a ilus-tração de alguns dos mapas. Os mapas referiam-se tanto à dimensão imaginária, como à cognitivae à afetiva.

O tratamento dos dados coletados exigiu umamultiplicidade de processamentos e análises.Para questões abertas, análise do desenho e dosmapas elaborados pelos sujeitos, foi realizadauma análise de conteúdo e, a seguir, empregadoo programa ALCESTE (Analyse Lexicale parContexte d’un Ensemble de Segments de Tex-te). Procedeu-se, ainda, à pré-codificação dequestões, o que permitiu um processamento apartir dos programas SPSS (Statistical Packa-ge for The Social Sciences) e CHIC (Classifi-cation Hiérarchique Implicative et Cohésitive)com o propósito de investigar a relação de simi-litude e implicação entre as categorias identifi-cadas.

Neste texto serão destacados apenas os dadosque permitam analisar o recorte aqui proposto, ouseja, o Nordeste.

O Nordeste na visão dos estudantesda pesquisa

A representação social possui três dimensões:informação, atitude e o campo de representaçãoou a imagem, segundo propõe Moscovici. Comoafirma o autor, “... a informação relaciona-se coma organização dos conhecimentos que um grupopossui a respeito de um objeto social.” (1978, p.67); a atitude refere-se à orientação positiva ounegativa em relação ao objeto de representação,no nosso caso, o Nordeste. O campo, ou represen-tação, “... remete-nos à idéia de imagem, de mo-delo social, ao conteúdo concreto e limitado dasproposições atinentes a um aspecto preciso do ob-jeto da representação.” (1978, p. 69). Ainda deacordo com Moscovici (1978), são essas três di-mensões – informação, atitude, campo de repre-

Tabela 1 - Distribuição do número de alunos, segundo o curso frequentadoe o nível socioeconômico

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sentação –que permitem a visão do conteúdo e dosentido das representações sociais.

Levando isso em consideração, o presente es-tudo, ao procurar identificar as representações so-ciais de universitários sobre o Nordeste, analisa oquanto e como os participantes da pesquisa co-nhecem sobre o objeto de representação a ser in-

vestigado, qual o nível de conhecimento que evi-denciam sobre o Nordeste, além de analisar atitu-des e imagens que fazem desse objeto. Nas análisesrealizadas, fica claro como essas três dimensõesse entrelaçam e como a informação tem um papelfundamental na definição da imagem das repre-sentações sociais sobre Nordeste.

Tabela2 – Estados e capitais do Nordeste assinalados correta-mente no mapa do Brasil segundo o conjunto dos participantes

Os dados identificaram que, para os estudan-tes consultados, o Nordeste é, sobretudo, a Bahia.Ao solicitar aos respondentes que indicassem, emum mapa administrativo do Brasil, os Estados bra-sileiros com a sua respectiva capital, observou-se que a Bahia e o Amazonas foram os Estadosque obtiveram o maior índice de acertos (59,09%e 55,98%, respectivamente) sendo seguidos de-pois por São Paulo (49,17%) e Rio de Janeiro(48,2%).

A mesma tendência de resultados se repetequando se solicita aos alunos que indiquem o nomedos Estados que eles julgam possuírem maior in-formação. Dentre os assinalados, a Bahia é o queapresenta o maior número de referências (45,38%),seguida de Pernambuco (17,78%). Vale ressaltarque participaram da pesquisa estudantes de uni-versidades pernambucanas em igual proporção àde universidades baianas.

Ao se indagar qual o Estado que eles conhe-cem do Nordeste, mais uma vez é o Estado daBahia que é mencionando, parecendo indicar umametonímia em que se toma um Estado pelo todo.

Isso é mais intrigante justamente pelo fato do Es-tado da Bahia que, segundo os dados é represen-tativo do Nordeste, foi um dos últimos a integraradministrativamente essa região. Também o Esta-do da Bahia é o citado como o mais visitado pelosestudantes (29% das respostas), seguido de Sergi-pe (10%) e de Pernambuco (7,8%).

O estudo permitiu analisar também se os alu-nos tinham uma referência territorial correta detodas as regiões do Brasil. A análise dos desenhose das respostas mostrou que, em linhas gerais, com-parando-se os lugares assinalados no mapa comos nomeados pelos participantes, há uma tendên-cia (89,5%) de indicar a região correta. Ou seja, olugar numerado no mapa corresponde à regiãodescrita pelos participantes, o que permite afirmarque, grosso modo, os participantes da pesquisa têmuma noção espacial do mapa do Brasil distribuídopor região, ainda que a distribuição pelos Estadosbrasileiros não evidencie esse conhecimento, hajavista que, exceção feita aos estudantes das uni-versidades pernambucanas, a região Nordeste apa-rece representada pela Bahia.

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A análise da congruência entre o local assinaladono mapa e a nomeação desse local de acordo com aimportância atribuída pelo participante da pesquisa éapresentada na Tabela 4 abaixo. Tal congruência per-mite afirmar que, de modo geral, os estudantes têm

uma noção espacial do mapa do Brasil distribuído porregião, o que permite avaliar a informação que elestêm acerca dessa questão. Este aspecto é muito im-portante na medida em que permite acatar, com mai-or confiabilidade, as escolhas feitas.

Tabela 3 – Estados sobre os quais o conjunto dos partici-pantes afirma ter informação

Ao pedir aos alunos que indicassem, nos mapa,as regiões que consideravam mais importantes paraa história do Brasil, numerando em ordem crescen-te de importância de 1 a 5 (1 = o mais importante),observa-se, nos dados apresentados na Tabela 5,que há uma concentração de respostas no Nordes-te enquanto que, nas demais escolhas, há certa dis-persão dos resultados. Ainda é preciso assinalar que,

mesmo na segunda escolha, quando a região Su-deste aparece em primeiro lugar, ela é seguida no-vamente pela região Nordeste e que somente naterceira escolha, observa-se que as outras regiõessão assinaladas como de importância histórica. Naterceira escolha, aparece a região Sudeste em pri-meiro lugar, seguida pela região Sul, como mais im-portantes para a história do país.

Tabela 4- Análise da congruência entre o local assinalado no mapa e a nomeação deste local

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Aos alunos que apresentaram as respostas or-ganizadas na Tabela 5, acima indicando as regiõesque apresentavam maior importância para a histó-ria do Brasil, também se solicitou que indicassem,na região, os lugares ou o Estado que apresentas-sem maior importância histórica. A análise dos da-dos apresentados na Tabela 6 deixa claro apredominância do Nordeste como um todo e, es-pecificamente, a ênfase no Estado baiano. Tomandoapenas os dados dos alunos que escolheram, emprimeiro lugar, a região Nordeste, verifica-se que

sua preferência é dada, em primeiro lugar, para oNordeste como um todo, sem mencionar um lugarpreciso, em seguida, de acordo com a tendênciageral, indicam o Estado da Bahia. Há, no entanto,pequena diferença nesse grupo quanto à escolhade acordo com os cursos. Assim, Engenharia, Pe-dagogia e Serviço Social elegem, com maior por-centagem de referências, o Estado da Bahia edepois o Nordeste; enquanto que, nos de cursos deEnfermagem e de Medicina, ocorre o contrário:primeiro é citado a Bahia e depois o Nordeste.

Tabela 5 - Frequência e porcentagens das respostas dos alunos, segundo escolha do lugarconsiderado como mais importante para a história do Brasil e o curso.

Tabela 6 - Distribuição das respostas dos alunos, segundo a apresentação dos nomes doslugares mais importantes para a história do Brasil e o curso - resultados preliminares

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Clarilza Prado de Sousa; Lúcia Pintor Santiso Villas Bôas

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Realizou-se também a análise da justificativados participantes quanto ao porquê da importânciahistórica indicada. Ao investigar o conteúdo destasrespostas, considerando que a questão indagavasobre a história do Brasil, procurou-se verificar seos alunos caracterizavam a dimensão temporalcomo argumento justificatório da importância. Ob-servou-se, no entanto, uma característica particu-lar, evidenciando que a dimensão temporal queatravessa as respostas dos sujeitos mescla, na jus-tificativa, o tempo passado, presente e futuro. As-sim, as repostas incluem desde características dopassado como “fundação do Brasil” e “índios/pri-meiros habitantes”, como aspectos do presenterelativos ao folclore, às artes e à geografia. Noentanto, quanto ao futuro, as expectativas de de-senvolvimento, mesmo que vagas, são apontadaspara o Estado da Bahia

As análises realizadas quanto às manifestaçõesculturais revelaram que, para 57% dos participan-tes, a região Nordeste é a que apresenta mais im-portância no que tange às manifestações culturais,independentemente do curso, da região em que eleé oferecido ou mesmo do Estado de nascimentodos universitários. Assim, dos 581 universitários queassinalam a região Nordeste como sendo de maiorrelevância cultural, estes, ao especificarem suasrespostas, nomeiam o Estado da Bahia que apare-ce citado por 25,6% dos universitários. Faz exce-ção aos alunos da região Sul, sobretudo os nascidosnos Estados de Santa Catarina e Rio Grande doSul, para os quais tanto o Nordeste quanto o Sul seequivaleriam em termos de relevância cultural.

O Nordeste, para os participantes da pesquisa,é uma região em que estaria presente uma grandevariedade de manifestações culturais que podemser categorizadas da seguinte forma: 1. cultura,estilo de vida, costumes; 2. culturas locais; 3. ar-tes; 4. artesanato; 5. música, danças, cantos e fes-tas; 6. literatura, mídia; 7. manifestações religiosas,crenças e crendices; 8. festas regionais ou sazo-nais, festivais, shows, feiras e eventos; 9. folclore,lendas e mitos; 10. arquitetura, turismo e pontosturísticos; 11. culinária, alimentos, produtos regio-nais típicos e bebidas; 12. história.

Dentre as categorias acima, 49% dos partici-pantes da pesquisa destacam, em primeiro lugar,como sendo representativas da região Nordeste as

manifestações culturais relacionadas à culinária,alimentos, produtos regionais típicos e bebidas, se-guidas do carnaval e de danças e festas regionaiscom 26%, respectivamente, das escolhas e, emterceiro lugar, com 24% das escolhas estão o arte-sanato, a música, danças, cantos e festas, inclusi-ve as regionais ou sazonais.

A pesquisa envolveu consultas sobre a visão dacomposição étnica de cada Estado. Assim, consul-tados sobre a população imigrante que integrariaos Estados do Nordeste, observou-se que, para 37%dos participantes da pesquisa, o Nordeste seria aregião que apresenta o maior número de descen-dentes de africanos em geral, seguido de portu-gueses (20%) e de holandeses (15%).

Em relação à representação que se tem do ní-vel sócio-econômico da região, notou-se que, para70% dos participantes da pesquisa, o Nordeste secaracteriza como uma região habitada majoritaria-mente por pobres e miseráveis; 14,7% indicaramque não há aí nem ricos, nem pobres e apenas15,3% identificaram o Nordeste como região emque moram os considerados muito ricos. Ao pro-curar explorar a visão que tinham das atividadeseconômicas desenvolvidas na região, registrou-seque 76,2% dos participantes apontam o turismocomo a mais relevante atividade na região, segui-da da cultura da soja e da cana-de-açúcar com44,9% das escolhas e da cultura de frutas e horta-liças (36%).

Os resultados até aqui apresentados permitemdiscutir algumas conclusões e compreender a di-nâmica das representações sobre o Nordeste dosalunos participantes da pesquisa. Passa-se a apre-sentá-las a seguir.

Algumas considerações finais

Pode-se afirmar que, para os participantes dapesquisa, a representação social do Nordeste está,sobretudo, ancorada na imagem e nas informaçõesque os alunos têm do Estado da Bahia. A análisedos lugares mais importantes para a história doBrasil parece corroborar essa hipótese interpreta-tiva uma vez que a região Nordeste é assinaladano mapa por 56,3% dos participantes como a demaior relevância histórica. No entanto, quando sesolicita uma especificação desses lugares ou regi-

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Um certo nordeste: representações sociais de universitários

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ões, observa-se que, além do Nordeste (42,14%das escolhas), o Estado da Bahia com 39,5% éindicado como o lugar que simboliza essa relevân-cia histórica. Parece não haver uma discriminaçãoentre os estudantes de outros Estados entre os di-ferentes Estados do Nordeste e, mesmo entre osestudantes do Norte, a região Nordeste é simboli-zada pelo Estado da Bahia.

Observa-se, no entanto, que o Nordeste apre-senta-se descrito com manifestações culturais frutode uma região “pura”, livre das influências estran-geiras, onde a nacionalidade se preserva, não sen-do associada ao desenvolvimento econômico. Talvisão poderia indicar uma resistência à civilizaçãoe à modernidade, apresentando o Nordeste comoo local onde se mantém o mito fundador. Segundo

Barbalho (s/d), o Nordeste, supostamente por nãoestar corrompido pelos valores da modernidade,abrigaria aquilo que, um dia, foi a “alma” do povobrasileiro.

As representações dos estudantes sobre o Nor-deste indicam uma naturalização da pobreza econô-mica e riqueza cultural que, no entanto, não se traduzem um conflito mobilizador de crítica. Há quase umromantismo tradicional e sedimentado na descriçãodo Nordeste que não abre espaço para outras vi-sões de modernidade e conflitos econômicos. Asinformações que o aluno tem da Bahia, neste senti-do, vem corroborar essa visão. O conhecimento daBahia, generalizado para o Nordeste, é um conheci-mento folclórico, simplificado, do turista eventual,mas de grande valorização da Bahia e dos baianos.

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Clarilza Prado de Sousa; Lúcia Pintor Santiso Villas Bôas

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Recebido em 12.05.09Aprovado em 12.06.09

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RESENHAE RESUMOSDE TESES E

DISSERTAÇÕES

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235Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 235-236, jul./dez. 2009

ATAIDE, Yara Dulce Bandeira. Armas e armadilhas: vida e morte atrás das grades.Salvador: Eduneb, 2008. 228 p.

José Carlos Sebe Bom Meihy *

Guns and Traps: life and death behind bars

O livro “Armas e armadilhas: vida e morteatrás das grades” de Yara Bandeira de Ataídeecoa como um grito. Desafiando o suposto de quea arte imita a vida, a montagem do texto sugereum contrário, a vida imitando a arte. Sim, por-que, de regra, tem faltado aos acadêmicos alterna-tivas para a captação de circunstâncias da vidareal no limite da lógica humana. A ficção e o jorna-lismo, nesses casos, têm assumido papel de pro-motores de imagens, visões e crítica: tudo baseadoem fatos, mas sem as referenciações derivadasdos protagonistas. Mas, eis que, em meio a filmes,seriados de televisão, romances, crônicas e textosjornalísticos em geral, algo novo desponta. Antes,vale dizer que toda a produção sobre o tema é elo-giável, e o que se reclama mais se refere ao papelda academia que evita ou não sabe como assumirtemas em que o cruel/social é matéria. É verdadeque não faltam indicações teóricas do tipo Fou-cault, ou Goffman, mas sempre são sobre casosdistantes no tempo e no espaço.

Yara Bandeira de Ataíde, no Brasil, tem se res-ponsabilizado por ferir o vazio que, de regra, ape-nas reconhece o exótico, exuberante e lúdico como“popular”. Antes trabalhando com temas incômo-dos como “meninos de rua”, “famílias de rua” eagora com “presos”, abre caminho para reflexõesque tanto são relevantes pela importância teóricacomo pela abordagem social. E então temos resul-tados convidativos para pensar o papel do intelec-tual que se responsabiliza por inscrever o trabalhoacadêmico além de funções didáticas ou registroshistóricos. E tudo ganha foros de militância.

Conduzido com fundamento metodológico rigo-roso, em cada uma das nove histórias se escon-

dem surpresas que autorizam os contadores a seassenhorearem não do próprio futuro, mas de seupassado. E que pretéritos! Nesse olhar causal quese ampara em raízes profundas, reside a mágicado casamento entre o embasamento da históriaoral de vida e a fundamentação do ser excluí-do. A sequência de casos torna a leitura galopantee, no ritmo, transparece a fatalidade de ser margi-nal. São histórias de tirar o fôlego de leitores quepensam ter noção de detalhes da vida bandida. Aperplexidade convida a pensar no dilema da árvo-re e da floresta, pois cada história é única, masapenas se explica no conjunto que reúne tramasque tem como identidade o crime.

Ainda que, no livro, os capítulos não se distin-gam, pode-se dizer que há duas partes distintasque se complementam: uma primeira com as his-tórias dos detentos, escritas na primeira pessoa,e, outra em que “olhares” são lançados: testemu-nhas, polícia e justiça. Sobretudo, chama a aten-ção o fato da autora se posicionar. As considera-ções finais dão conta do vazio institucional e dapresença positiva do estado na vida de jovens.Trata-se daqueles casos em que os fatos não ca-bem em si e evocam avessos, contrários, oposi-ções àquelas sagas que terminam bem e absol-vem a sociedade. E a cadeia – precisamente aPenitenciária Lemos de Brito e, depois, a Casado Albergado – serviram de cenário para umaaventura que envolveu, como cidadãos, alunosinteressados em dimensionar o fazer acadêmicoem atividade prática.

A montagem do texto, começando pelas histó-rias pessoais, é ardilosa. Tombamos nos detalhesque nos conduzem a duas responsabilidades: de

* Doutor em História Social. Diretor do Núcleo de Estudos de História Oral – NEHO, Universidade do Estado de São Paulo– USP. Endereço para correspondência: Av. Professor Lineu Prestes, 338, Campus da Cidade Universitária, USP, Departamen-to de História/FFLCH – 05508-000 São Paulo/SP. E-mail: [email protected]

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236 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, p. 235-236, jul./dez. 2009

ATAIDE, Yara Dulce Bandeira. Armas e armadilhas: vida e morte atrás das grades. Salvador: Eduneb, 2008. 228 p.

quem é a culpa? e o que fazer agora? Ao arti-cular condições de vida, situações de limites fami-liares, ingresso no mundo do crime e surpresas docotidiano bandido, a autora nos joga no atilado es-paço do relativo. A leitura proposta na velocidadenarrativa do cotidiano supera qualquer previsibili-dade e como que nos rouba o direito de continuarcomo meros observadores. Uma grave questão quese coloca é a sutileza das individualidades. Todossão diferentes e apenas se vêem igualados pelafatalidade da justiça, da pena, do destino prisional.Mas a pergunta incontida nesse texto/denúncia vaimais longe: o que a sociedade faz com aqueles aquem Bauman chamou de “refugos humanos”?Sim, como dando alma ao livro “Vidas desperdi-çadas” (Jorge Zahar, 2005), o que temos é umaexemplificação nacional, bem brasileira, dos efei-

tos arguciosos do capitalismo em sua face globali-zada. O medo, a insegurança, a falta absoluta deperspectiva, tudo junto faz com que “o lixo” sejaprogressivamente exposto.

E o livro aborda homossexualismo, estupros, todotipo de violência interpessoal, mas não deixa deapontar solidariedade, esperança e até uma rela-ção de solidariedade que reproduz, na cadeia, cer-ta ética ou organização consuetudinária. Diria quedois aspectos me chamam atenção: o fato das con-versões religiosas e a timidez frente ao mundo queos exclui. Sei que outros aspectos ambientam aleitura, tenho certeza de que cada um terá seu pólode indignação, mas isto é motivo para convidar lei-tores a abrir as páginas desse texto que, no fundo,é sobre a liberdade cidadã ou sobre o direito deigualdade na sua conquista.

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MARINHO, Mônica Benfica.* A carreira da prostituta militante: um estudo sobre opapel das práticas institucionais na construção da identidade da prostituta militanteda Associação das Prostitutas da Bahia. 2007, 212f. Tese (Doutorado) – Programa dePós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.* *

* Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia. Professora adjunta do Departamento de Educação daUniversidade do Estado da Bahia, Campus II – Alagoinhas/BA. Endereço para correspondência: UNEB, Rodovia Alagoinhas-Salvador - BR 110, km 03 – Cx Postal 59 Alagoinhas/Ba. E-mail: [email protected]** Orientadora: Dra Miriam Cristina Marcílio Rabelo (UFBA); Data: 14 de março de 2007; Banca: Dra Elisete Schwade

(UFRN), Dra Leonor Graciela Natansohn (UFBA), Dra Maria Gabriela Hita (UFBA), Dra Maria Lígia Rangel Santos (UFBA).

O estudo teve como objetivo compreender o pro-cesso de construção da identidade da prostituta mem-bro da Associação das Prostitutas da Bahia (Aprosba),e como as práticas da instituição que colocam emfuncionamento procedimentos, regras, normas e co-municações participam dessa construção. Partimosdo pressuposto de que as práticas institucionais queconformam a Aprosba são transformadoras de iden-tidades, e que o processo comunicacional, seja inter-pessoal ou mediado pelas tecnologias de comunicação,é um elemento central de tais práticas. Tomando comouniverso de investigação a Associação das Prostitu-tas da Bahia, definimos como técnicas de coleta dedados a observação participante com a produção derelato etnográfico, entrevistas e história de vida. Bus-camos recuperar o processo de constituição da asso-ciação e exploramos sua estrutura organizacional,evidenciando a idéia de que existe uma reorganiza-ção pessoal que se dá com base no funcionamentoda instituição. Dedicamo-nos a investigar o processode comunicação de uma identidade estigmatizada.Discutimos o campo da atuação da Aprosba na cons-trução de uma nova imagem da prostituta, apontandotemas e lutas que marcam a posição de militantes enão militantes. Investigamos o papel da mídia na cons-trução da identidade de militante e, de forma especí-fica, o seu uso como prática institucional. Enfim, aoconsiderarmos a militância como meio de superaçãoda prostituição, enquanto forma cultural, envolvida emuma significação marginal, mostramos como as mili-tantes da Aprosba, na apropriação e produção daspráticas institucionais, foram produzindo uma signifi-cação positiva do que é ser prostituta, mesmo queatravés de ações prenhes de ambigüidades.

Palavras-chave: Prostituição – Identidade – Prá-ticas Institucionais – Comunicação

ABSTRACT: The militant prostitute career: a studyabout the role of institutional practices in theconstruction of a militant prostitute’s identity fromBahia prostitutes association. (PhD thesis).

The study had as objective to understand the cons-truction process of identity of the members prostitutesfrom Bahia Prostitutes Association (Aprosba), and howthe practices of the institution and their procedures,norms, rules and communication are part of that cons-truction. We started supposing that the institutionalpractices from Aprosba are identity transformers, andthat the process of communication, either interpersonalor through the communication technologies, is a cen-tral element of such practices. Having the Bahia Prosti-tutes Association as a universe of investigation, wecollected data through observation with the producti-on of an ethnographic report, interviews, and life his-tory. We seeked to recover the process of constitutionof the association, and we explored its organizationalstructure making clear the idea that there is a reorgani-zation of people that is based on the functioning of theinstitution. We investigated the process of communica-tion of a stigmatised identity. We discuss the spacefulfilled by Aprosba in the construction of a new imageof the prostitute, pointing issues and struggles that markthe position from militants and not militants. We inves-tigate the media role in the construction of the militantidentity and, especially, its use as institutional practice.Finally, considering participation as a way to overcomeprostitution as a marginal cultural form, we show howthe Aprosba militants, in the ownership and productionof the institutional practices, have been producing apositive significance about what is being a prostitute,even through ambiguous actions.

Keywords: Prostitution – Identity – InstitutionalPractices – Communication

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238 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 2009

FERREIRA, Simone de Lucena∗ . Possibilidades para a educação em rede com aTV digital no Brasil. Salvador, 2008. 232f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdadede Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.∗∗

* Doutora em Educação (UFBA). Mestre em Educação (UFSC). Professora da Universidade Tiradentes (Unit). Membro doNúcleo de Pós-graduação em Educação (NPED/Unit). Endereço para correspondência: Av. Murilo Dantas, 300 Bloco F sala 06,Farolândia – 49032-490 Aracaju-SE. E-mail: [email protected] (Blog: http://trocandoideias.wordpress.com)** Tese orientada pelo Prof. Dr. Nelson De Luca Pretto. Data da defesa: 12/12/2008. Banca Examinadora: Prof. Dr. AugustoCesar Rios Leiro (UFBA), Profª. Dra. Alessandra Santos de Assis (UFBA), Prof. Dr. Lucídio Bianchetti (UFSC), Prof. Dr.Sérgio Amaral (UNICAMP), Profª Dra. Maria Roseli Gomes Brito de Sá (UFBA).

No Brasil, o Sistema Brasileiro de Televisão Di-gital (SBTVD) foi instituído por meio do Decreto4.901/2003, que estabelece a formação de uma redepara a educação a distância e a promoção da inclu-são social. No entanto, esses objetivos foram su-plantados pelos interesses econômicos das grandesemissoras de televisão do país que influenciaram ogoverno na sua escolha por um modelo de TV digi-tal que inviabilizou a concretização desses objeti-vos. Diante desse cenário, buscou-se, como objetivodesta pesquisa, analisar as potencialidades da TVdigital no Brasil e identificar os elementos necessá-rios para a sua utilização nos sistemas de educação,na perspectiva de construção de redes digitais decomunicação aberta e descentralizada, que possibi-litem uma produção colaborativa e o compartilha-mento de saberes e culturas. Assim, investigamosos aspectos político, econômico, tecnológico e edu-cacional do SBTVD e a implantação da TV digitalem Portugal. Identificamos também as possibilida-des de utilização do Serviço de Apoio ao Professorem Sala de Aula (SAPSA) na educação. Como re-sultado deste trabalho, constatamos a potencialida-de da TV digital na formação de redes decolaboração necessárias para o desenvolvimento daeducação. Cabe igualmente aos responsáveis pelossistemas de educação e a nós, educadores, eviden-ciarmos que queremos uma TV digital que possibili-te a construção de redes colaborativas, cujoselementos estruturais sejam a interatividade, o usode interfaces livres e a conectividade, de maneiraque possibilitem aos sujeitos serem interagentes naprodução de culturas, saberes e educações.

Palavras-chave: TV digital – Educação – Redesde colaboração

ABSTRACT: Possibilities for NetworkEducation through Digital Television in Brazil.(PhD THESIS).

Brazilian Digital Television System (BDTS) wasestablished by means of Decree 4.901/2003 whichestablished the formation of a network for distanceeducation and the promotion of social inclusion.Nevertheless, these objectives were supplanted by theeconomic interests of the large television broadcastersof the country who influenced the government in thechoice of a model of digital TV incompatible with herealization of these goals. Given this situation, thepurpose of this study was to analyze the potential ofdigital TV in Brazil and to identify the elements requiredfor its use in the education systems from theperspective of construction of digital communicationnetworks and decentralization that would allowcollaborative production and the sharing of knowledgeand cultures. We thus investigate the political,economic, technological and educational aspects ofBDTS and the implantation of digital TV in Portugal.We also identify the possibilities for use of the Serviceto Support Teachers in the Classroom in education.We conclude in favour of the potential of digital TV inthe formation of the collaboration networks neededfor the development of education. It is also up to thoseresponsible for the education systems and to us asteachers to indicate that we want a digital TV thatallows the construction of collaborative networkswhose structural elements are interactivity, the use offree interfaces and connectivity in a form that permitsthe subjects to be involved interactively in theproduction of cultures, knowledge and educations.

Keywords: Digital TV – Education – Collaborationnetworks

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239Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 2009

TEZANI, Thaís Cristina Rodrigues∗ . Gestão escolar: a prática pedagógica administrativana política de educação inclusiva. 2008. 291f. Tese (Doutorado em Educação) – Programade Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, 2008.* *

* Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (USFCar); Licenciada em Pedagogia. Endereço paracorrespondência: Rua Antonio Jesus Rigo 1-16, Jd. Guadalajara – 17030-150 Bauru/SP. E-mail: [email protected]* Orientadora: Profa. Marisa Bittar e co-orientador Prof. Waldemar Marques (UFSCar); data: 20 de outubro de 2008; bancaexaminadora: Profa. Dra. Maria Cristina Hayashi (UFSCar); Profa. Dra. Fátima Denari (UFSCar); Profa. Dra.Ana Maria FreireMarques Palma Almeida (UNESP); Profa. Dra. Sandra Eli Sartoreto Martins (UNESP).

A tese tem como tema a análise dos saberes queenvolvem a prática pedagógica e administrativa coti-diana de gestores escolares que atuam com a pro-posta de construção de um sistema municipal deeducação inclusiva, enquanto política pública educa-cional. Realizou-se pesquisa qualitativa do tipo etno-gráfico aplicada à educação, norteada pela questão:“Quais são os saberes e fazeres que subsidiam a prá-tica administrativa e pedagógica da gestão escolardiante da construção da escola inclusiva?”. Seus ob-jetivos foram: acompanhar a trajetória da gestão es-colar diante da proposta de educação inclusiva emtrês escolas do ensino fundamental de uma cidade deporte médio do interior do estado de São Paulo; iden-tificar os pressupostos teóricos e filosóficos da práti-ca administrativa e pedagógica cotidiana do gestorescolar e o seu papel diante da construção da escolainclusiva. Suas etapas foram: 1) revisão de literatura:a) pesquisa qualitativa do tipo etnográfico aplicada àeducação; b) princípios de autonomia, planejamento,descentralização; c) formação do gestor escolar e d)relação entre gestão escolar e a construção da esco-la inclusiva; 2) coleta de dados nas escolas; 3) descri-ção e categorização dos dados levantados e 4) análisee interpretação dos resultados. Para o desenvolvi-mento da metodologia, foram utilizadas observaçõesdos participantes, entrevistas semi-estruturadas, aná-lise dos documentos oficiais das escolas, fotografiasdo espaço físico. Conclui-se que há inexistência deprojeto político-pedagógico construído coletivamen-te; dificuldade no desenvolvimento de ações coorde-nadas e adaptadas às realidades; problemas derelacionamento interpessoal; um fosso entre a pro-posta política, o discurso político pregado e a práticapedagógica cotidiana.Palavras-chave: Política pública educacional –Gestão escolar – Educação inclusiva – Etnografia

ABSTRACT: School Management: thepedagogical practice in the administrativepolicy of inclusive education. (PhD thesis).

The thesis is about knowledge analysis involvingthe practice of everyday teaching and administrativeschool administrators who work with the proposedconstruction of a municipal system of inclusive educationas a public policy education. We use an ethnographicqualitative research applied to education, guided by thequestion: “What are the knowledges on which are basedthe educational and administrative practice of schoolmanagement before the construction of inclusive school”.Our objectives were: to follow the trajectory of the schoolmanagement in the light of the proposed inclusiveeducation in three schools of basic education in a medium-sized city of the state of São Paulo, identifying thetheoretical and philosophical assumptions of the practiceof everyday teaching and administrative manager schooland its role in front of the building of an inclusive school.The steps were: 1) review of literature: a) an ethnographicqualitative research applied to education, b) principles ofautonomy, planning, decentralization, c) training of schoolmanagers and d) relationship between school managementand the construction of the inclusive school, 2) datacollection in schools, 3) description and categorization ofdata collected and 4) analysis and interpretation of results.To develop the methodology, we have used observationsof the participants, half-structured interviews, analysis ofofficial documents from the school and photography. Weconclude to: the lack of a political-pedagogic project builtcollectively; the existence of difficulty in the developmentof coordinated actions adapted to reality, of problems ofinterpersonal relationships, and to an abyss between theproposed policy, the political discourse preached andeveryday teaching.

Keywords: Public educational policy – Schoolmanagement – Inclusive education – Ethnography

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240 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 2009

JESUS, Francineide Pereira de∗ . A complexidade do ser humano no processo deformação de professores. Salvador, 2008. 179f. Dissertação (Mestrado em Educação)– Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade. Universidade doEstado da Bahia (PPGEduC/UNEB). Salvador, 2008∗∗

* Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC/UNEB. Pedagoga e Especi-alista em Supervisão Escolar pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Professora Substituta da UEFS – Universidade Estadual deFeira de Santana/BA, e da UNEB – Universidade do Estado da Bahia, Campus V – Santo Antonio de Jesus/BA. Endereço paracorrespondência: Av. João Durval Carneiro, 1236, Brasília – 44062.450 Feira de Santana/BA. E-mail: [email protected]** Orientador: Professor Dr. Jacques Jules Sonneville (UNEB); data: 04 de setembro de 2008; banca examinadora: Profa. Dra.Maria de Lourdes Soares Ornellas (UNEB), Profa. Dra. Bernardete Angelina Gatti (FCC; PUC/SP).

A pesquisa tem como objetivo compreender de quemaneira a complexidade do ser humano pode ser re-conhecida, entendida e considerada efetiva e sistema-ticamente nos cursos de formação docente na educaçãocontemporânea a partir dos princípios da Teoria daComplexidade proposta por Edgar Morin. Trata-se dareforma do pensamento que rompe com a visão frag-mentada e reducionista da realidade, causada pela com-partimentalização do conhecimento, passando aconsiderar a noção de multidimensionalidade dos fatose fenômenos complexos. Esta pesquisa foi desenvolvi-da em colaboração com vinte alunos do Curso de Li-cenciatura Plena em Pedagogia – Educação Infantil eSéries Iniciais do Ensino Fundamental, da Universida-de Estadual de Feira de Santana, e que também sãoprofessores que atuam no interior das escolas das re-des pública e particular de ensino. Numa abordagemqualitativa, analisamos os dados através de diários for-mativos elaborados pelos alunos-professores e de umgrupo focal, ambos como recursos importantes deaproximação do real. Concluímos que compreendera formação e o exercício profissional do professorem sua multidimensionalidade deve ser levado a sé-rio e traduz um desafio complexo frente à realidadecontemporânea. Desse modo, será preciso reconhe-cer a complexidade da vida pessoal, profissional e doprocesso formativo docente em sua multidimensio-nalidade, romper com o conhecimento compartimen-talizado e fragmentado nos espaços formativos dadocência e de atuação profissional, assumindo umapostura dialógica e buscando entender os elementosque se entrelaçam e definem nossa maneira de ser eestar na profissão docente e no mundo, numa açãodinâmica e permanente.Palavras-chave: Formação docente – Complexi-dade do ser humano – Pensamento complexo –Prática educativa

ABSTRACT: Human Being Complexity in theProcess of Teachers’ Formation. (Masterthesis).

Our research aims at understanding how the humanbeing complexity may be effectively recognized,understood and considered, in teachers formationprograms, on the base of Edgar Morin’s Theory ofcomplexity. This theoretical framework is aboutreforming the way of thinking which promotes afragmented and atomistic view of reality, provoked byknowledge compartmentalization, trying to considerthe notion of multidimensionality of complex facts andphenomenons. This research was realized with thecollaboration of twenty students of the PedagogyProgram at the Universidade Estadual de Feira deSantana (Bahia, Brazil), all of them teachers in publicand private primary schools. Through a qualitativeapproach, we have analyzed data through formativediaries elaborated by the students-teachers as well aswith the help of a focus group, in both case trying tobe as realistic as possible. We conclude thatunderstanding formation and the professional dailywork in its multidimensionality must be consideredseriously and represents a complex challenge in viewof contemporaneous reality. In this way, it will benecessary to recognize the complexity of personal andprofessional life and of the teachers formative processin its multidimensionality, to break away fromcompartmentalized and fragmented knowledge in thespaces of formation and teaching, adopting a dialogicposture and, finally, trying to understand the elementswhich define our way of being a teacher and being inthe world, in a dynamic and permanent action.

Keywords: Teachers formation – Human beingcomplexity – Complex thinking – Educative practice

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241Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 2009

NUNES, Jacy Bandeira Almeida. Cartografia das representações sociais deprofessores sobre a educação ambiental no ensino médio: sentidos manifestosnos ditos e não ditos. 2008. 150f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programade Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade. Universidade do Estado daBahia (PPGEduC/UNEB). Salvador, 2008.∗∗

O objetivo deste estudo consistiu-se em com-preender os sentidos socialmente instituídos e com-partilhados que o professor do ensino médio atribui/ancora/legitima em relação à educação ambientale suas implicações nas significações que os alunosarticulam para as questões socioambientais. A ques-tão que desencadeou o processo de investigaçãofoi: Como os sentidos, manifestos nos ditos e nãoditos dos professores sobre a educação ambiental,no ensino médio, repercutem no quefazer educati-vo sobre as questões socioambientais? Propôs-se:ampliar o horizonte teórico-metodológico sobre asquestões socioambientais; gerar elementos filosó-fico-conceituais sobre as categorias: Sentido, Ima-ginário Social e Educação Ambiental; mapear osditos e não ditos que permeiam os sentidos anco-rados em relação à Educação Ambiental no ensinomédio; e identificar as representações sociais dosdocentes e discentes sobre Educação Ambiental.Pesquisa explicativa que se propôs a elucidar oobjeto no Centro Educacional Deocleciano Barbo-sa de Castro, unidade escolar da rede pública es-tadual de Jacobina, Bahia. Para a coleta, optou-sepor questionários e entrevistas. A análise de dis-curso auxiliou na interpretação e representação dosdados. Os resultados demonstraram que os senti-dos manifestados nos ditos e não ditos dos profes-sores evidenciaram um mapa intelectual comfragilidades que repercutiram nas significaçõesexpressas pelos alunos e o entrelaçamento explíci-to com a pedagogia do consenso, uma concepçãoconservadora das estruturas socioeconômicas vi-gentes, o que compromete o desvelar crítico e re-flexivo da realidade.

Palavras-Chave: Sentidos – Educação Ambi-ental – Imaginário Social – Representações Sociais

* Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC/UNEB. ProfessoraMultiplicadora do Núcleo de Tecnologia educacional – NTE/14 – IAT/SEC. Professora de Metodologia da Pesquisa no CampusIV - DCH/Jacobina – UNEB. E-mail: [email protected]** Orientador: Prof. Dr. Jorge Luis Zegara Tarqui (UNEB); data: 29 de outubro de 2008; banca examinadora: co-orientadoraProfa Dra Maria de Lourdes Ornellas Farias (UNEB), prof. avaliador Dr. George Gurgel de Oliveira (UFBA).

ABSTRACT: Cartography of the SocialRepresentations of Teachers aboutEnvironmental Education in High schools:meanings manifested utterly and non-utterly. (Master thesis).

This study aims at understanding the sociallyestablished and shared meanings that high schoolteachers attribute/anchor/legitimate in relation toenvironmental education and its implications to thesignificance that the students articulate to the socioenvironmental issues. The question which triggered theprocess of investigation of this study was: how do themeanings, manifested in what was uttered and non-uttered by the teachers about the environmentaleducation in high schools, reflect on the educativepractice on the socio environmental issues? It wasproposed to: broadening the theoretical-methodologicalhorizon about the socio environmental issues; generatingphilosophical-conceptual elements about thesecategories: Meaning, Social Imaginary and EnvironmentalEducation; mapping the “uttered and non-uttered”elements which permeate the meanings anchored inrelation to the Environmental Education in high schools;and identifying the socio representations of teachers andstudents on Environmental Education. An explanatoryresearch proposed to elucidate the object in the CentroEducacional Deocleciano Barbosa de Castro, a scholasticunity from the public state education in Jacobina (Bahia.Brazil) Questionnaires and interviews were use for datacollection. Discourse Analysis helped in the datainterpretation and representation. The results showedthat the meanings manifested in the “uttered and non-uttered” elements of the teachers evidenced a map withweaknesses that affected the meanings expressed by thestudents and the explicit interlacement with the Pedagogyof consensus, a conservator conception of the existingsocioeconomic structures, and that compromises thecritical and reflexive elucidation of the reality.Keywords: Senses – Environmental Education – SocialImaginary – Social Representations

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FONSECA, Adriana de Castro∗ . Disciplinando o corpo de Alice: maravilha e controlena escola contemporânea. 2009. 101f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programade Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federalde Juiz de Fora. 2009.∗∗

* Mestre em Educação. Professora dos Cursos de Educação Física da Faculdade Metodista Granbery de Juiz de Fora – MG.Endereço para correspondência: Rua Vitória, 185, Jardim da Serra – 36039.040 Juiz de Fora/MG. E-mail: [email protected]** Orientadora: Profa Dra Sônia Maria Clareto (UFJF); data: 17 de abril de 2009; banca examinadora: Prof. Dr. João BatistaFreire da Silva (UDESC), Prof. Dr. Jader Janer Moreira Lopes (UFF), Profa Dra Lea Stahlschmidt Pinto Silva (UFJF).

A instituição escolar exerce sobre as criançasum controle naturalizado, legitimado em forma decódigos disciplinares, estatutos, normas internas,regimentos e outros dispositivos. Cada passo em di-reção à aprendizagem dos conteúdos é minuciosa-mente planejado, previsto e controlado. Os corposinfantis, usinas de movimento e expressão, são, pou-co a pouco, docilizados. Para os diferentes, as puni-ções; para os que não se deixam enquadrar, os rótu-los: inadequados, incapazes, incompetentes –repetentes. Este trabalho, construído a partir de pes-quisa de campo em uma escola da rede municipalde Juiz de Fora – MG, dialoga com minha vivênciacomo professora de Educação Física em escolaspúblicas e particulares e com autores ligados ao tema;e se propõe a estudar a resistência e aceitação dascrianças frente às ações de disciplinarização do corpono espaço escolar. Foram utilizados como procedi-mentos metodológicos observação e entrevistas comprofessores e alunos sobre os temas estudados, alémde construção de notas de campo e notas de campoexpandidas. O fio condutor da escrita da disserta-ção é a história de Alice no País das Maravilhas, deLewis Carrol. Crianças e infâncias são temas estu-dados a partir de Ariès, Benjamin, bem como emBujes, Corazza e Vorraber; temporalidade e infân-cia em Kohan, Kastrup e Larrosa; disciplina, podere controle em Foucault, Freire e Veiga-Neto; o cor-po em Vigarello, Soares e Sant’Anna; o espaço es-colar em Lara e Clareto.

Palavras-chave: Crianças – Espaço escolar –Disciplinarização do corpo – Poder

ABSTRACT: Disciplining Alice´s Body:wonder and control In contemporaryschool. (Master thesis)

School, as an institution, exerts on children aninstitutionalized, naturalized and legitimated controlthrough discipline codes, statutes, internal norms,regiments and other devices. Each step toward learningis minutely planned, previewed and controlled. Infantilebodies, factory of movement and expression, are,progressively subjected. For the different ones,punishments; for those who don’t allow themselvesto be squared, labels: inadequate, incapables,incompetents – repeaters. This research, based infieldwork in a public school in Juiz de Fora – (MinasGerais, Brazil), dialogs with my experience as a PhysicalEducation Teacher in public and private schools andwith theoreticians linked to the subject. We proposeto study children’s resistance and acceptance of bodydisciplining in the school space. We collected datathrough observation and interviews with teachers andstudents and used expansive field notes. The centralthread of the research writing is Lewis Carrol’s Alicein Wonderland. Children and childhood are themesstudied in Ariès, Benjamin, and Bujes, Corazza eVorraber; temporality, childhood in Kohan, Kastrupand Larrosa; discipline, power, control in Foucault,Freire and Veiga-Neto; body in Vigarello, Soares eSant’Anna and school space in Lara and Clareto.

Keywords: Children – School space – Body´s disciplining– Power

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243Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 2009

Revista da FAEEBA: Educação e ContemporaneidadeISSN 0104-7043

Revista temática semestral do Departamento de Educação I – UNEB

Normas para publicação

I – PROPOSTA EDITORIAL

A Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade é um periódico temático e semestral,que tem como objetivo incentivar e promover o intercâmbio de informações e resultados de estudos epesquisas de natureza científica, no campo da educação, em interação com as demais ciências sociais,relacionando-se com a comunidade regional, nacional e internacional. Aceita trabalhos originais, queanalisam e discutem assuntos de interesse científico-cultural, e que sejam classificados em uma dasseguintes modalidades:- ensaios: estudos teóricos, com análise de conceitos;- resultados de pesquisa: texto baseado em dados de pesquisa;- estudos bibliográficos: análise crítica e abrangente da literatura sobre tema definido;- resenhas: revisão crítica de uma publicação recente;- entrevistas com cientistas e pesquisadores renomados;- resumos de teses ou dissertações.

Os trabalhos devem ser inéditos, não sendo permitido o encaminhamento simultâneo para outroperiódico. A revista recebe artigos redigidos em português, espanhol, francês e inglês, sendo que ospontos de vista apresentados são da exclusiva responsabilidade de seus autores. Os originais em francêse inglês poderão ser traduzidos para o português, com a revisão realizada sob a coordenação do autor oude alguém indicado por ele.

Os temas dos futuros números e os prazos para a entrega dos textos são publicados nos últimosnúmeros da revista, assim como no site www.revistadafaeeba.uneb.br, ou podem ser informados peloeditor executivo a pedido. Também será publicada, em cada número, a lista dos periódicos com os quaisa Revista da FAEEBA mantém intercâmbio.

II – RECEBIMENTO E AVALIAÇÃO DOS TEXTOS RECEBIDOS

Os textos recebidos são apreciados inicialmente pelo editor executivo, que enviará aos autores aconfirmação do recebimento. Se forem apresentados de acordo com as normas da Revista da FAEEBA:Educação e Contemporaneidade, serão encaminhados para os membros do Conselho Editorial ou parapareceristas ad hoc de reconhecida competência na temática do número, sem identificação da autoriapara preservar isenção e neutralidade de avaliação.

Os pareceres têm como finalidade atestar a qualidade científica dos textos para fins de publicação e sãoapresentados de acordo com as quatro categorias a seguir: a) publicável sem restrições; b) publicável comrestrições; c) publicável com restrições e sugestões de modificações, sujeitas a novo parecer; d) nãopublicável. Os pareceres são encaminhados para os autores, igualmente sem identificação da sua autoria.

Os textos com o parecer b) ou c) deverão ser modificados de acordo com as sugestões do conselheiroou parecerista ad hoc, no prazo a ser definido pelo editor executivo, em comum acordo com o(s) autor(es).As modificações introduzidas no texto, com o parecer b), deverão ser colocadas em vermelho, paraefeito de verificação pelo editor executivo.

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244 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 2009

Após a revisão gramatical do texto, a correção das referências e a revisão das partes em inglês, o(s)autor(es) receberão o texto para uma revisão final no prazo de sete dias, tendo a oportunidade de introduzireventuais correções de pequenos detalhes.

III – DIREITOS AUTORAIS

O encaminhamento dos textos para a revista implica a autorização para publicação. A aceitação damatéria para publicação implica na transferência de direitos autorais para a revista. A reprodução totalou parcial (mais de 500 palavras do texto) requer autorização por escrito da comissão editorial.

Sendo a Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade um periódico temático, será dadapreferência à publicação de textos que têm relação com o tema de cada número. Os outros textosaprovados somente serão publicados numa seção especial, denominada Estudos, na medida dadisponibilidade de espaço em cada número, ou em um futuro número, quando sua temática estiver deacordo com o conteúdo do trabalho. Se, depois de um ano, não surgir uma perspectiva concreta depublicação do texto, este pode ser liberado para ser publicado em outro periódico, a pedido do(s) autor(es).

O autor principal de um artigo receberá três exemplares da edição em que este foi publicado. Para oautor de resenha ou resumo de tese ou dissertação será destinado um exemplar.

IV – ENCAMINHAMENTO E APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS

Os textos devem ser encaminhados exclusivamente para o endereço eletrônico do editor executivo([email protected]). O mesmo procedimento deve ser adotado para os contatos posteriores. Aoencaminhar o texto, neste devem constar: a) a indicação de uma das modalidades citadas no item I; b) agarantia de observação de procedimentos éticos; c) a concessão de direitos autorais à Revista da FAEEBA:Educação e Contemporaneidade.

Os trabalhos devem ser apresentados segundo as normas definidas a seguir:

1. Na primeira página devem constar: a) título do artigo; b) nome(s) do(s) autor(es), endereços residencial(somente para envio dos exemplares dos autores) e institucional (publicado junto com os dados emrelação a cada autor), telefones (para contato emergencial), e-mail; c) titulação principal; d) instituição aque pertence(m) e cargo que ocupa(m).

2. Resumo e Abstract: cada um com no máximo 200 palavras, incluindo objetivo, método, resultado econclusão. Logo em seguida, as Palavras-chave e Keywords, cujo número desejado é de, no mínimo,três e, no máximo, cinco. Traduzir, também, o título do artigo e do resumo, assim como do trabalhoresenhado. Atenção: cabe aos autores entregar traduções de boa qualidade.

3. As figuras, gráficos, tabelas ou fotografias (em formato TIF, cor cinza, dpi 300), quando apresentadosem separado, devem ter indicação dos locais onde devem ser incluídos, ser titulados e apresentar referênciasde sua autoria/fonte. Para tanto, devem seguir a Norma de apresentação tabular, estabelecida peloConselho Nacional de Estatística e publicada pelo IBGE em 1979.

4. Sob o título Referências deve vir, após a parte final do artigo, em ordem alfabética, a lista dos autorese das publicações conforme as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Vide osseguintes exemplos:

a) Livro de um só autor:BENJAMIM, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1986.

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b) Livro até três autores:NORTON, Peter; AITKEN, Peter; WILTON, Richard. Peter Norton: a bíblia do programador. Tradução deGeraldo Costa Filho. Rio de Janeiro: Campos, 1994.

c) Livro de mais de três autores:CASTELS, Manuel et al. Novas perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

d) Capítulo de livro:BARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA Joaquim (Org.).Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 168-198.e) Artigo de periódico:MOTA, Kátia Maria Santos. A linguagem da vida, a linguagem da escola: inclusão ou exclusão? uma brevereflexão lingüística para não lingüistas. Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade, Salvador, v. 11, n.17, p. 13-26, jan./jun. 2002.f) Artigo de jornais:SOUZA, Marcus. Falta de qualidade no magistério é a falha mais séria no ensino privado e público. O Globo, Riode Janeiro, 06 dez. 2001. Caderno 2, p. 4.g) Artigo de periódico (formato eletrônico):TRINDADE, Judite Maria Barbosa. O abandono de crianças ou a negação do óbvio. Revista Brasileira deHistória, São Paulo, v. 19, n. 37, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 14 ago. 2000.h) Livro em formato eletrônico:SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, 1999. v. 3. Disponível em: <http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm>. Acesso em: 19 out. 2003.i) Decreto, Leis:BRASIL. Decreto n. 89.271, de 4 de janeiro de 1984. Dispõe sobre documentos e procedimentos para despachode aeronave em serviço internacional. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo, v. 48, p. 3-4, jan./mar, 1984. Legislação Federal e marginalia.j) Dissertações e teses:SILVIA, M. C. da. Fracasso escolar: uma perspectiva em questão. 1996. 160 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdadede Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.k) Trabalho publicado em Congresso:LIMA, Maria José Rocha. Professor, objeto da trama da ignorância: análise de discursos de autoridadesbrasileiras, no império e na república. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORDESTE: históriada educação, 13, 1997. Natal. Anais... Natal: EDURFRN, 1997. p. 95-107.

IMPORTANTE: Ao organizar a lista de referências, o autor deve observar o correto emprego dapontuação, de maneira que esta figure de forma uniforme.

5. O sistema de citação adotado por este periódico é o de autor-data, de acordo com a NBR 10520 de2003. As citações bibliográficas ou de site, inseridas no próprio texto, devem vir entre aspas ou,quando ultrapassa três linhas, em parágrafo com recuo e sem aspas, remetendo ao autor. Quando o autorfaz parte do texto, este deve aparecer em letra cursiva e submeter-se aos procedimentos gramaticais dalíngua. Exemplo: De acordo com Freire (1982, p.35), etc. Já quando o autor não faz parte do texto, estedeve aparecer no final do parágrafo, entre parênteses e em letra maiúscula, como no exemplo a seguir:A pedagogia das minorias está à disposição de todos (FREIRE, 1982, p.35). As citações extraídas desites devem, além disso, conter o endereço (URL) entre parênteses angulares e a data de acesso. Paraqualquer referência a um autor deve ser adotado igual procedimento. Deste modo, no rodapé das páginasdo texto devem constar apenas as notas explicativas estritamente necessárias, que devem obedecerà NBR 10520, de 2003.

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6. As notas numeradas devem vir no rodapé da mesma página em que aparecem, assim como osagradecimentos, apêndices e informes complementares.

7. Os artigos devem ter, no máximo, 50 mil caracteres com espaços e, no mínimo, 30 mil caracteres comespaços; as resenhas podem ter até 5 páginas. Os resumos de teses/dissertações devem ter, no máximo,250 palavras, e conter título, número de folhas, autor (e seus dados), palavras-chave, orientador, banca,instituição, e data da defesa pública, assim como a tradução em inglês do título, resumo e das palavras-chave.

Atenção: os textos só serão aceitos nas seguintes dimensões no processador Word for Windows ouequivalente:

• letra: Times New Roman 12• tamanho da folha: A4• margens: 2,5 cm• espaçamento entre as linhas: 1,5;• parágrafo justificado.

Os autores são convidados a conferir todos os itens das Normas para Publicação antes de encaminharos textos. Deste modo, será mais rápido o processo de avaliação e possível publicação.

Para contatos e informações:

AdministraçãoE-mail: [email protected]. 71.3117.2316

Editor executivoE-mail: [email protected]. 71.3264.7666 / 71.9987.6365

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Revista da FAEEBA: Educação e ContemporaneidadeISSN 0104-7043

Semestral thematic journal of the of Education Faculty I – UNEB

Norms for publication

I – EDITORIAL POLICIES

The Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade is a thematic and semestral periodicwhich have for objective to stimulate and promote the exchange of informations and of results of scientificresearch, in the field of education, interacting with the other social sciences, interconnected to the regional,national and international community.

The Revista da FAEEBA receive only original works which analyze and discuss matters of scientificand cultural interest and that can be classified according to one of the following modalities:- essays: theoretical studies with analysis of concepts;- research results: text based on research data- reviews of literatures: ample critical analysis of the literature upon some specific theme;- critical review of a recent publication;- interviews with recognized researchers;- abstract of PhD and master thesis.

Submitted works should be unpublished and should not be submitted simultaneously to other journal.Papers written in Portuguese, Spanish, French and English are received. Views published remain theirauthors’ responsibility. Texts originally in French and English may be translated into Portuguese andpublished after a revision made by the author or by someone he has suggested.

Themes and terms of the futures volumes are published in the last volumes are also available on-lineat www.revistadafaeeba.uneb.br. In each volume, appears also the list of academic journals with whichthe Revista da FAEEBA have established cooperation.

II – RECEIVING AND EVALUATING SUBMITTED WORKS

Texts submitted are initially appreciated by the Editor which will confirm reception. If they are editedin accordance with the norms, they will be sent, anonymously so to assure neutrality, to other member ofthe editorial committee or to ad hoc evaluators of known competence .

Evaluators’ reports will confer the submitted work scientific quality and class them in four categories: a)publishable without restrictions b) publishable with restrictions; c) publishable with restrictions andmodifications after new evaluation; d) unpublishable. Evaluators’ reports are sent anonymously to the authors.

In the b) or c) case, the works should be modified according to the report’ suggestion in the termsdetermined by the editor in agreement with the authors. Modifications made should appear in red so as topermit verification.

After the grammatical revision of the text, the correction of the bibliography, and the revision of the part inEnglish, the authors(s) will receive the text for an ultimate opportunity to make small corrections in a week.

III – COPYRIGHTS

Submitting text to the journal means authorizing for publication. Accepting a text for publication implythe transfer of copyrights to the journal. Whatever complete or partial reproduction (more than 500

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hundreds words) requires the written authorization of the editorial committee. As the Revista da FAEEBA:Educação e Contemporaneidade is a periodic journal, preference will be given to the publication of textsrelated to the theme of each volume. Other selected approved text may only be published in a specialsection called Studies depending of available space in each volume or in a future volume more in touchwith the text content. If, after a year, no possibility of a publication emerges, the text can be liberated forpublication in another journal if this is the will of the author.

The main author of a paper will receive three copies of the volume in which his paper was published.The author of an abstract or a review will receive one.

IV – Sending and presenting works

Texts as well as ulterior communication should be sent exclusively to the e-mail address of the editor([email protected]). In should be explicited initially a) at which modality the text pertains; b) ethicalprocedures; c) copyrights concession to the Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade.

Works should respect the following norms:

1. In the first page, should appear: a) the paper’s title; b) authors’ name, address, telephones, e-mail; c)main title; d) institutional affiliation and post.

2. Resumo and Abstract: each with no more than 200 words including objective, method, results andconclusion. Immediately after, the Palavras-chave and Keywords, which desired number is between 3and 5. Authors should submit high quality translation.

3. Figures, graphics, tables and photographies (TIF, grey, dpi 300), if presented separately should comewith indication of their localization in the text, have a title and indicates author and reference. In thissense, the tabular norms of tabular presentation, established by the Brazilian Conselho Nacional deEstatística and published by the IBGE in 1979.

4. Under the title Referências should appear, at the end of the paper, in alphabetic order, the list ofauthors and publication according to the norms of the ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).See the following examples:

a) Book of one author only:BENJAMIM, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1986.

b) Book of two or three authors:NORTON, Peter; AITKEN, Peter; WILTON, Richard. Peter Norton: a bíblia do programador. Tradução deGeraldo Costa Filho. Rio de Janeiro: Campos, 1994.

c) Book of more than three authors:CASTELS, Manuel et al. Novas perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

d) Book chapter:BARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA Joaquim (Org.).Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 168-198.e) Journal’s paper:MOTA, Kátia Maria Santos. A linguagem da vida, a linguagem da escola: inclusão ou exclusão? uma brevereflexão lingüística para não lingüistas. Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade, Salvador, v. 11, n.17, p. 13-26, jan./jun. 2002.f) Newspaper:SOUZA, Marcus. Falta de qualidade no magistério é a falha mais séria no ensino privado e público. O Globo, Riode Janeiro, 06 dez. 2001. Caderno 2, p. 4.g) On-line paper :

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249Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 18, n. 32, jul./dez. 2009

TRINDADE, Judite Maria Barbosa. O abandono de crianças ou a negação do óbvio. Revista Brasileira deHistória, São Paulo, v. 19, n. 37, 1999. Available at: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 14 ago. 2000.h) E-book:SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, 1999. v. 3. Disponível em: <http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm>. Acesso em: 19 out. 2003.i) Laws:BRASIL. Decreto n. 89.271, de 4 de janeiro de 1984. Dispõe sobre documentos e procedimentos para despachode aeronave em serviço internacional. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo, v. 48, p. 3-4, jan./mar, 1984. Legislação Federal e marginalia.j) Thesis:SILVIA, M. C. da. Fracasso escolar: uma perspectiva em questão. 1996. 160 f. Dissertação (Mestrado) –Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.k) Congress annals:LIMA, Maria José Rocha. Professor, objeto da trama da ignorância: análise de discursos de autoridadesbrasileiras, no império e na república. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORDESTE: históriada educação, 13, 1997. Natal. Anais... Natal: EDURFRN, 1997. p. 95-107.

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