Ética, educação e contemporaneidade 02-03.doc

Upload: cecilia-mier

Post on 13-Oct-2015

14 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Sumrio

2Prefcio

2Apresentao

2Parte I tica e educao: questes informacionais

31.1 tica e Educao

61.2 A escola como formada da (des)iluso

101.1Educao, conscincia e tecnologia

141.4 Sociedade, poder e informao

181.5 O papel da escola na sociedade da informao

23Parte II tica e educao: questes polticas

232.1 Movimentos sociais como espaos de formao

282.2 A educao como mediadora entre a liberdade individual e a homogeneizao dos sujeitos

312.3 Conscincia e contradio: produo de alimentos e a fome na Amrica Latina

342.4 Desigualdade social no contexto do crescimento econmico: a inveno da pobreza mdia

362.5 O Estado e a conformao dos sujeitos

39Parte III tica e Educao: questes filosficas

393.1 A razo da espcie

413.2 O sujeito ps-moderno

433.3 Incluso e democracia

453.4 Literatura: a arte entre a letra e o leitor

463.5 A comunicao para alm da linguagem

48Consideraes finais

48Referncias

Prefcio

Apresentao

Parte I tica e educao: questes informacionais

1.1 tica e Educao

Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta,

que no h ningum que explique e ningum que no entenda. Ceclia Meireles

El objeto de nuestra investigacin, no es saber qu es la virtud

sino cmo ser buenos,y este es el nico provecho que sacaremos.

Por consiguiente, debemos estudiar la forma correcta de obrar.

Aristteles. O

El fuego arde igual em la Hlade que em Persia

pero las ideas de los hombres sobre el bien y

El mal varan de um lugar a outro.

AristtelesPor tica entende-se a parte da filosofia quebusca refletir sobre o comportamento humano na sua relao com outro, com a natureza e consigo mesmo. No possvel compreender a tica fora da filosofia, pois seu carter reflexivo-hermenutico de natureza filosfica. Como parte da filosofia, a tica um tipo de saber que se tenta construir racionalmente, utilizando para tanto o rigor conceitual e os mtodos de anlise e explicao prprios da Filosofia (CORTINA; MARTINEZ, 2005, p. 9). Numa sociedade fundada nos pilares do racionalismo, a tica assume papel importante porque sua natureza filosficapossibilita pensar a conduta humanalevando-se em contatoda sua complexidade. De origem grega (ethos), esta palavra se difere da moral, muito emborao senso comum as tome como sinnimas e ambasreferem-se aos costumes, leis, condutas, tradies, instituies. papel da tica, portanto, levar o homem ao entendimento das questes relacionadas conduta humana principalmente as que no esto ao alcance da moral. Isso porque, sendo a moral um conjunto de comportamentos de um determinado grupo, sociedade, povo em um dado momento histrico, nem sempre sua natureza doutrinria capaz de responder aos dilemas advindos das relaes interpessoais. Considerando a tica uma categoria filosfica e a filosofia um verdadeiroquestionamento sistemtico sobre a realidade, o questionamento da tica : "Como devo agir perante o outro?". Portanto, enquanto a tica prope um questionamento, uma reflexo, a moral responde, apresenta os indicativos orientadores do comportamento humano na sociedade. Por isso, a moral relativa, especfica e propositiva. A tica questionadora, universal e ponderativa.

Otema docomportamento humano na sociedade sempreesteve presente nos projetos educacionais das sociedades modernas. Ainculcao de valores do mundoadulto estabelecido nas novas geraes, a manuteno do equilbrio social, a conteno dos impulsos instintivos, so questes que se impem como vantajosas e indispensveis para a sociedade atravs de umaformao moral quese torna bastante exequvelna escola.Entretanto, isso no se traduzsomente na transmisso de um conjunto de valores tidos como legtimos dos professores para os alunos, mas em toda sua estrutura e organizao.Ou seja,alm do currculo, a estrutura fsica com seus muros, portes, grades e cadeados; a dinmica das relaesquase nunca horizontalizadasque se estabelecem entre os sujeitos (direo, professores, demais servidores e alunos); o controle mediante formulrios, horrios, recompensas e punies, eventos e atividades; o exerccio de poder e as tenses advindas desse exerccio; enfim, so elementos que traduzem a natureza da formao para uma moralidade estabelecida como desejvel.

Mais importante do que pensar os valores morais como algo a ser ensinado na escola pens-los como consequncia de um processo de reflexo e autonomia intelectual dos sujeitos. Kant e Piaget foram dois pensadores que trouxeram contribuies importantes para o desenvolvimento da construo de uma moralidade que no estivesse exclusivamentefundada na repetio e na transmisso.

A contribuio kantiana pode ser entendida a partir de seu "imperativo categrico",representado pela seguintesentena: Age segundo a mxima que possa simultaneamente transformar-se como lei geral (KANT, 1977, p. 69 apud FREITAG, 1989, p. 11). A base deste pensamento a criao de elementos a priori e racionais orientadores de toda e qualquer deciso. Para tanto, Kant buscou nas leis naturais uma mxima que pudesse ser utilizada para responder, universalmente, a pergunta que constitui a base da tica (Como agir perante o outro?). O senso de universalidade da lei presente no imperativo categricocontrape a noo de que os dilemas devam ser resolvidos exclusivamente a posteriori, isto , atravs do julgamento da ao j realizada. Para Kant, toda ao humana est determinada por leis universais da natureza (KANT, 2004), e o homem, nessa natureza no deve se deixar conduzir pelo instinto, mas seus atos devem estar mediados pela razo. Piaget, por sua vez, pensou a moralidade humana fundada no conceito de desenvolvimento, muito presente em sua "Epistemologia Gentica". Assim, o desenvolvimento moral seria conduzido de um estado de ausncia de regras (anomia), para a imposio verticalizada das regras (heteronomia) at a conscincia (autonomia) da legitimidade das regras enquanto orientadoras da ao. Esse desenvolvimento se daria na criana desde sua primeira infncia podendo chegar autonomia j na adolescncia. O nvel da autonomia moral, para Piaget, racional e consciente. Alm dos fatores internos do sujeito, o ambiente social tambm determinante para a construo de uma moralidade autnoma, pois a gnese dessa moralidade "d-se atravs de processos interativos da criana com o mundo social" (FREITAG, 1989, p. 27). S mediante o processo reflexivo e interativo a criana desenvolveria seus mecanismos de julgamento moral.

Essas duas contribuies tericas so fundamentais para se pensar o papel da escola na formaoda moralidade socialatravs do desenvolvimento de uma atitude ticanos alunos. Sobretudo hoje, quando outras instituies, como a famlia, por exemplo, no esto cumprindo com sua funo moralizante. A ideia de universalidade da regra, fortemente influenciada pelo pensamento filosficokantiano um desafio a ser conquistado numa sociedade ensimesmada e voltada para o individualismo. Nesse sentido, a escola tem um duplo desafio: desenvolver uma atitude tica nos alunos e enfrentar as mensagens que chegam de fora e que contradizem os princpios que ela ensina. Agir com tica pensar que somos parte de um todo e nossas aes s podem ser vlidas se puderem se generalizar como atitude universal. Isto s pode ser transmitido s crianas e adolescentes atravs das prprias condutas ticas do mundo adulto. Se estabelecermos a necessidade de construir uma sociedade tica devemos estar dispostos a atuar em princpio e no em consequncia, ou seja, nossas aes devem ser guiadas por estas mximas. Antes de mentir, preciso chegar concluso de que a mentira pode se generalizar a ponto de no haver mais necessidade de julgar a ao de mentir. Pensar tambm o desenvolvimento moral como algo que se desdobra em processos mediados pelo ambiente e controlados por fatores internos outro argumento fundamental para justificar a importncia do lugar que deve ocupar a reflexo sobre a tica nas escolas.A noo de que os valores no so ensinados, mas desenvolvidos est tambm no cerne do pensamento de Piaget acerca da moralidade. O papel da escola , sobretudo, perceber que cada sujeito tem sua prpria estrutura interna e que tambm sntese de sua histria pessoal, sempre marcada por conflitos e consensos que se desdobram naturalmente no cotidiano. Portanto, o desafio da educao oportunizar espaos verdadeiramente democrticos onde os sujeitos em formao possam participar e construir a partir de seus referenciais morais para consolidar princpios que nortearo suas condutas ao longo de suas vidas. Definitivamente a escola deve converter-se em um espao de constante discusso e debate, envolvendo os prprios alunos e adolescentes na mediao de conflitos cotidianos que foram gerados a partir da prpria interao dos sujeitos. Partindo do concreto, atravs do envolvimento, haver maior efetividade resultando na construo de referncias ticas e morais.

Texto Complementar

Conceitos preliminares da Metafsica dos CostumesImmanuel KantO conceito de liberdade um conceito racional puro e que por isto mesmo transcendente para a filosofia terica, ou seja, um conceito tal que nenhum exemplo que corresponda a ele pode ser dado em qualquer experincia possvel, e de cujo objeto no podemos obter qualquer conhecimento terico: o conceito de liberdade no pode ter validade como princpio constitutivo da razo especulativa, mas unicamente como princpio regulador desta e, em verdade, meramente negativo. Mas no uso prtico da razo o conceito de liberdade prova sua realidade atravs de princpios prticos, que so leis de uma causalidade da razo pura para determinao da escolha, independentemente de quaisquer condies empricas (da sensibilidade em geral) e revelam uam vontade pura em ns, na qual conceitos e leis morais tm sua fonte.

[...]

Um imperativo uma regra prtica pela qual uma ao em si mesma contingente tornada necessria. Um imperativo difere de uma lei prtica em que uma lei efetivamente representa uma ao como necessria, mas no considera se esta ao j inerente por fora de uma necessidade interna ao sujeito agente (como num ser santo) ou se contingente (como no ser humano), pois quando ocorre o primeiro desses casos no h imperativo. Por conseguinte, um imperativo uma regra cuja representao torna necessria uma ao que subjetivamente contingente e assim representa o sujeito como aquele que tem que ser constrangido (compelido) a conformar-se regra. Um imperativo categrico (incondicional) aquele que representa uma ao como objetivamente necessria e a torna necessria no indiretamente atravs da representao de algum fim que pode ser atingido pela ao, mas atravs da mera representao dessa prpria ao (sua forma) e, por conseguinte, diretamente. Nenhuma outra doutrina prtica capaz de fornecer exemplos de tais imperativos, exceto aquela que prescreve obrigao (a doutrina dos costumes). Todos os demais imperativos so tcnicos, e so, sem exceo, condicionais. O fundamento da possibilidade dos imperativos categricos o seguinte: no se referem a nenhuma outra propriedade da escolha (pela qual algum propsito possa ser atribudo a ela), salvo simplesmente a sua liberdade.

KANT, Immanuel. A metafsica dos costumes. Bauru, SP: EDIPRO, 2003. Para debate e reflexo

1. Es posible pensar la escuela cmo un lugar dnde el sujeto conciba la libertad como um principio regulador que tenga como fin ltimo la bsqueda del bien comn por sobre el bien individual?

2. Ms all del currculum que otras estratgias seran necesarias para hacer esto posible?3. Qu acciones concretas puede adoptar un docente para encarnar este modelo? Proposta de atividadePedro se da cuenta a um compaero de clase copiando en el examen del vestibular. Ante esta situacin se le presenta la disyuntiva de avisarle al profesore o hacer de cuenta que no se dio cuenta y seguir com su examen como si nada pasara. Finalmente resuelve avisarle al profesor que el compaero est copiando.

1. El problema que enfrenta Pedro es um dilema moral o tico?;2. En el lugar de Pedro hubiese hecho lo mismo? por qu?;3. Cul hubiese sido para usted uma conducta moralmente correcta?4. Cul hubiese sido para usted uma conducta ticamente correcta?

1.2 A escola como formada da (des)iluso Que la vida del hombre es solamente um sueoya se Le h ocurrido a bastantes,y a mi tambin

me acompaa por todas partes este sentimiento.

GoetheO

Ser la felicidad producto de la fantasia?

GoetheA crena, j cristalizada na mentalidade coletiva, de que para "ser algum na vida" preciso atingir um nvel elevado de escolarizao, reflete a incapacidade do Estado em ampliar as oportunidades de acesso educao formal. Ainda que a expectativa de grupos socialmente desfavorecidos no tenha acompanhado de forma igualmente proporcional aintensificao desse mito, as velhas geraes insistem em inculcar nas geraes subsequentes acrenanum messianismopedaggico que coloca a escola como redentora. Em suma,a elevao do nvel cultural, tanto do indivduo quanto da sociedade, constituir-se-ia num mrito alcanvel unicamente por meio do itinerrio formal acadmico. H a um sentido mitolgico, messinico e quase proftico que se traduz nas seguintes sentenas: "estude que um dia voc vai chegar l...", "Quem no estuda no tem futuro". Este imaginrio se v reforado por declaraes como, por exemplo, a Declarao Mundial sobre Educao para Todos, realizada em Jomtien, Tailndia, em 1990, onde se reconhece que a educao um direito fundamental de todos, homens e mulheres, de todas as idades e no mundo inteiro. A educao pode contribuir para a construo de um mundo mais seguro, ou mais saudvel, mais prspero e ambientalmente mais limpo e que ao mesmo tempo favorece o progresso social, econmico e cultural, a tolerncia e a cooperao internacional. A conscincia de que a educao uma condio indispensvel, ainda que no suficiente para o progresso pessoal e social, observando que os saberes tradicionais e o patrimnio cultural autctone tm uma utilidade e uma validade por si mesmo e que neles enrazam a capacidade de definir e de promover o desenvolvimento e que preciso uma adequada educao bsica, fundamental para fortalecer os nveis superiores da educao e da formao tcnica e tecnolgica e por consequncia, para alcanar o desenvolvimento autnomo e reconhecimento da necessidade de oferecer s geraes presentes e vindouras uma viso ampla da educao bsica e um renovado compromisso em favor dela, para fazer frente amplitude e complexidade do desafio (JOMTIEN, 199O). Essa perspectiva responsvel pela construo de um conceito de educao fundado na negao da realidade objetiva em detrimento de um modelo ideal sociedade e indivduo. O papel da educao o de conformao, quando muito, de transposio um para outro estado j prescrito, seja na teoria, seja na tradio. Essa noo de educao confronta seu sentido essencial, traduzido em seu potencial transformador ou qui confrontante. Jorge Larrosa (2001) chama a ateno para o tempo porvir intrnseco na educao que nada mais do que a elucidao das possibilidades que se revelam ou deveriam se revelar no processo educativo atravs de um pensamento que se considera

que a educao , em muitos casos um processo em que se realiza o projeto que o educador tem sobre o educando, tambm o lugar em que o educando resiste a esse projeto, afirmando sua alteridade, afirmando-se como algum que no se acomoda aos projetos que possamos ter sobre ele, como algum que no aceita a medida de nosso saber e de nosso poder, como algum que coloca em questo o modo como ns definimos o que ele , o que quer e do que necessita, como algum que no se deixa reduzir a nossos objetivos e que no se submete a nossas tcnicas (p. 15)No parece ser esta uma condio de nossas escolas. O estado de conformao a que esto submergidas essas instituies revela que em tempos onde deveriam florescer contradio, construo, criatividade e sonhos esto surgindo experincias marcadas por anacronismos e precariedade, evidenciando sua insuficincia como ambiente de afirmao do esprito.

A sala de aula tem se tornadoum rito de passagem, uma pirueta no palco de um espetculo de apoteose cada dia menos deslumbrante. Para alm dos muros penitencirios da escola a vida segue o seu curso normal, sem pressa, sob o rtmodos interesses e circunstnciasde toda ordemque no constam nos currculos. como se nossas crianas mudassem de canal toda vez que entrassem na sala de aula, para sintonizar uma faixa sem conexo direta com a realidade.

Mas a iluso no um produto consumido apenasem tempos de consumismo. As razes histricas da formao dopovo latino-americano constituem a gnese do processo de negao de umaidentidade que se tem dificuldade em assumir. Muitos episdios confirmam este pressuposto. No Brasil, a recente chegada de um trabalhador ao poder s foi possvel depois de mais de duas dcadas de aprendizado. Tal trabalhador conseguiu entender que o povo no bom de autoimagem. Foi preciso melhorar seu aspecto: reordenar a arcada dentria, amaciar e grisar o cabelo, moderar o discurso, sofisticar o vesturio e assumir a imagem de um empresrio opressor combinada como slogan"paz e amor"para ganhar a confiana do povo.

Na escola, onde nascem as iluses,a capa do caderno que as crianas usam para registrar os contedos escolares traz estampada uma beleza que no oriunda de sua cultura, mas que legitimada porque para isso essas crianas so educadas. Nos desfiles cvicos, so eleitas as crianas de pele clara e cabelos louros para relembrar os heris e esquece-se de advertir que a histria tambm escrita de mentiras. Ensina-se os alunos a atirar o pau no gato e depois transversaliza-se o tema tica na tentativa de construir uma cultura de no-violncia e se esquece de que o mais importante construir uma cultura de paz. Na escola pblica, responsvel pela educao dos filhos dos trabalhadores, a escassez de recursos impe o compartilhamento solidrio de tudo: lpis, lanche, ambientes e projetos. Professores so mais mal preparados e mal remunerados. A iluso reside no fato de que por ter a maior e mais importante misso (transformar realidades individual e social), o potencial transformador da escola pblica bem mais reduzido. Ao passo que na escola privada, onde os filhos das famlias mais aquinhoadas estudam, o currculo oculto fundamenta-se na pedagogia da superao, da competio de resultado nico (vitria) e da luta de classes sem batalha. Cada aluno tem seu prprio material, seu dinheiro para escolher seu prprio lanche na cantina e em casa conta com pais e reforo escolar para suas atividades. Para cada uma dessas escolas, h um sentido diferente de educao. Enquanto na primeira o sentido de educao voltado para a transformao conservadora, na outra, o sentido o da conservao transformadora. Esse dualismo, fundamental para o desequilbrio entre as geraes que constituem os projetos sociais de futuro, se confronta com uma educao que se prope verdadeiramente transformadora e se fundamenta na conscincia de que o ser humano inacabado e deve ser cnscio dessa incompletude. A ideia de formao deve ser rejeitada, porque quem forma fica formado, concluso e pronto. No deve ser por acaso que a trajetria dos filhos dos trabalhadores mais curta, evadem mais cedo e concluem (se formam) seus estudos em menos tempo, atravs de programas de formao profissional, tcnica e, em geral, de nvel mdio. Numa perspectiva contrria, afirmava Gramsci que O proletariado necessita de uma escola desinteressada. Uma escola que oferea criana a possibilidade de formar-se, de fazer-se homem, de adquirir os critrios gerais indispensveis para o desenvolvimento de seu carter. Uma escola que no hipoteque o porvir da criana, obrigando a sua vontade. Sua inteligncia e sua conscincia a seguir caminhos preestabelecidos. Uma escola de liberdade e de livre iniciativa e no uma escola de escravido e mecanicidade. A escola profisssional no deve converter-se em uma incubadoura de pequenos monstros aridamente instrudos para um ofcio, desprovidos de ideias gerais, de cultura geral e de alma, sin ms dotes que el ojo infalible y la mano firme. (BETTI, 1981, pgina 80, traduo nossa).Porm, fato que o poder de convencimento e persuaso da escola sempre foi questionvel. J num mundo delimitado por ambientes virtuais, o espao escolar convencional no consegue maiscompetir com o ciberespao. Algumas escolas oscilam entre uma desero pedaggica (quando condenamingenuamentea aplicao e uso das novas tecnologias na escola)e um pedagogismomecatrnico(quando aderem eufricas a essas inovaes sem a devida compreenso).

Mas h de se reconhecer a incomensurvel competncia da escola em educar nossos filhos para a iluso. O imediatismoalucingeno da grande farsa capitalista sem dvida a maior demonstrao dacompetncia tcnica da pedagogia contempornea. O que h de mais impressionante no modelo capitalista sua extraordinria capacidade de ensinar competio para alguns e a solidariedade para outros. A, com esse maniquesmo pernicioso, matm-se odomnio das foras e dosinteresses em nome de uma pseudomanuteno do equilbrio social. O que de fato mantm a ordem social estabelecida so as iluses que ensinamos, e que cujo ensinamento reproduzimos cegamente. A iluso sim o contedo mais consistente no discurso de pais e professores que so, como dizia Durkheim, a personificao da autoridade de regra.Quando voltamos nossos ensinamentos para a construo de uma "conscincia" em nossos filhos e alunos estamos mesmo indicando as bases para a formao do medo e da subservincia. Assim a iluso:socialmente legtima porque ajudamos a constru-la; moralmente correta porque redunda em ordem; e psicologicamente eficaz porque gera uma ligeira sensao de tranquilidade. Esse o mais poderoso contedo ensinado na escola, na famlia, na igreja e na vida. Sem a iluso, a existncia humanapode resultar numa experincia concreta e real. Sem a famlia, a religio, as instituies sociais e, sobretudo, a escola, a iluso no poder ser ensinada e renovada. A estaremos condenados liberdade. E isso noseria iluso...Penssar a escola como o lugar onde se possa fomentar as iluses de que outro mundo seja possvel parece mais difcil de cumprir para algumas escolas que para outras. Para algumas, o desafio se impe em poder pensar o justo equilbrio entre promover a mudana e a frustrao que ela no to possvel quanto parece. Para outras, o desafio ser gerar a conscincia de que a mudana das condies materiais dos sujeitos menos favorecidos termina redundando em benefcio da sociedade como um todo e que uma mais justa redistribuio dos recursos tanto materiais como culturais o melhor caminho. Texto Complementar

O discurso da qualidade e a qualidade do discurso

Mariano Fernndez Enguita

Se existe hoje uma palavra em moda no mundo da educao, essa palavra , sem dvida, qualidade. Desde as declaraes dos organismos internacionais at as conversas de bar, passando pelas manifestaes das autoridades educacionais, as organizaes de professores, as centrais sindicais, as associaes de pais, as organizaes de alunos, os porta-vozes do empresariado e uma boa parte dos especialistas, todos coincidem em aceitar a qualidade da educao ou do ensino como o objetivo prioritrio ou como um dos muito poucos que merecem considerao. A qualidade se converte assim em uma meta compartilhada, no que todos dizem buscar. Inclusive aqueles que se sentem desconfortveis com o termo no podem se livrar dele, vendo-se obrigados a empreg-lo para coroar suas propostas, sejam l quais forem. Qualquer proposio relativa a conversar, melhorar ou mudar isto ou aquilo, no importa o que seja, deve explicar-se em termos de qualidade. Da mesma forma que, em campos mais amplos, as medidas polticas devem ser justificadas em virtude da democracia (ou do socialismo, conforme o pas) e as econmicas em funo do controle de preos ou do aumento do emprego, mesmo no caso em que conduzam, respectivamente, restrio das liberdades ou da soberania popular ou ao aumento da inflao e do nmero de desempregados. De um simples termo ou expresso, transforma-se assim no eixo de um discurso fora do qual no possvel o dilogo, porque os interlocutores no se reconhecem como tais seno atravs de uma linguagem comum.

Converte-se, alm disso, em uma palavra de ordem mobilizadora, em um grito de guerra em torno do qual se devem juntar todos os esforos. Por sua polissemia pode moblizar em torno de si os professores que querem melhores salrios e mais recursos e os contribuintes que desejam conseguir o mesmo resultado educacional a um menor custo; os empregadores que querem uma fora de trabalho mais disciplinada e os estudantes que reclameam maior liberdade e mais conexo com seus interesses; os que desejam reduzir as diferenas escolares e os que querem aumentar suas vantagens relativas. Entretanto, o predomnio de um expresso nunca ocioso ou neutro. A problemtica da qualidade esteve sempre presente no mundo da educao e do ensino, mas nunca havia alcanado antes esse grau de centralidade. Ela vem substituir a problemtica da igualdade e a da iguladade de oportunidades, que eram ento os coringas deste jogo.

GENTILI, Pablo A. A.; SILVA, Tomaz Tadeu da. Neoliberalismo, qualidade total e educao. 11 ed. Petrpolis, Vozes, 2002.

Para debate e reflexo

1. Compartiendo la afirmacin de que es imperativo que los sujetos transiten la educacin formal, cmo pueden incluirse a los sujetos que el sistema formal de enseanza fue dejando por el camino?2. Cmo se puede re establecer la confianza en la educacin como canal de movilidad social?

3. Las reformas educativas han tenido en cuenta los aspectos antes mencionados? Proposta de atividadeCharles Dickens en Frauds on the Fairies, Household Words, impreso el 1 de octubre de 1853 expresaba: en una poca utilitarista es un asunto de gran importncia que se respeten los cuentos de hadas. Una nacin sin fantasia, nunca puede ocupar, y nunca ocupar un gran lugar bajo el sol.

1. Qu papel cumple la fantasia en la educacin?

2. Considera que las ilusiones pueden generar falsas expectativas y al no cimplirse decepcin y frustracin?3. Es posible pensar en un equilbrio entre la utopia y la realidad que permita a los sujetos ser capaces de que outro mundo es posible, desarrollando em ellos adems mecanismos para tolerar la frustracin?

1.1 Educao, conscincia e tecnologiaAs mquinas so feitas por homens, elas contribuem para formar e estruturar o funcionamento das sociedades e as aptides das pessoas, elas muitas vezes efetuam um trabalho que poderia ser feito por pessoas como voc ou eu.

Pierre Lvy

As mudanas trazidas pelas novas tecnologias, principalmente a partir dos ltimos anos sculo XX, foram decisivas para alterar no somente os padres de interao dos sujeitos em seus ambientes de trabalho, convvio e interao, como tambm para ressignificar a prpria realidade. O uso das tecnologias que pressupem um computador, uma conexo em rede e um programa (software), consideradas novas tem se tornado o elo mediador de diferentes atividades humanas nos mais diferentes espaos: de compras a sexo, de cultura a terrorismo,h umavirtualizaoascendentena realidade que operada, principalmente, na rede mundial de computadores. Filas, caminhadas, encontros, buscas, transaes financeiras, tudo isso ganhou novo sentido com as novas tecnologias de comunicao e informao.

A tendncia humana virtualizao no parece privilgio da atualidade. As pinturas rupestres no interior das cavernas deixadas por nossos antepassados indicam uma relativa disposiode encontrar formas de representao de objetos, fatos eideias.Essas representaes grficas que evidenciam sinais da presena humana em diferentes lugares do mundo no passavam de uma tentativa de virtualizao do real dos primeiros homindeos. Parece haver a uma necessidade premente de criar uma realidade paralela a real, seja para represent-la, seja para substitu-la.

A virtualizao, que sob o ponto de vista tcnico chamado de digitalizao, alcanou sua hegemonia na sociedade da informao pela capacidade converter todas as linguagens em apenas uma: a informtica. Esse processo, de carter cultural e histrico, se potencializou com a Internet, se tornando irreversvel e definitivo na sociedade planetria, isso porque as aplicaes da Internet so amplas e irrestritas. A exploso da rede se explica porque ela nunca serviu apenas para fins militares. Ao contrrio, ela sempre servia a redes cientficas, institucionais e pessoais que cruzavam no s o Departamento de Defesa, mas tambm a Fundao Nacional de Cincia, as principais universidades ligadas pesquisa e ncleos de gerao de ideias especializados em tecnologia nos Estados Unidos. (SANTAELLA, 2003, p. 87).

Na educao, a revoluo provocada pela rede mundial de computadores inegvel. O acesso informao cada dia mais abundante alterou decisivamente nossos padres de aprendizagem. A liberdade para o erro, a experimentao, o acesso irrestrito informao e a compresso para fins de armazenamento fizeram com que professores e alunos tivessem suas funes definitivamente redefinidas, pois os processos de mudanas j se despontavam desde a massificao da informao atravs do rdio e da televiso e depois a midiatizao da cultura com o cinema, fax, telefone at culminar a digitalizao muito bem representada pela Internet.

por isso que o meio virtual representa nossosentimento de potncia que se configura na tentativa de duplicao da realidade: o mundo real e o mundo virtual. como seo real, este objetivo, material e natural a que pertencemos fosse insuficiente e pequeno demais para ns. Comotemos a sensao de sermosgrandes, poderosos e, portanto, potentes, precisamos criar uma nova realidadecapaz de caber nosso ego. No entanto, a virtualizao do real no se d apenas na forma de um paralelismo alternativo. O real tambm sofre influncia do virtual. Quando enviamos um email, por exemplo, encerramos a mensagem sempre com um "Abrao", "Beijos" para interlocutores que dificilmente tero seus corpos envoltosnos nossos, muitomenos sero tocados por nossos lbios numa despedida fortuita. Os perfis que preenchemos em diferentes sites no garantem a veracidade das informaes que prestamos. Para alguns, estaspodem ser excelentesoportunidades de assumirem um "eu ideal, muito diferente do "eu real. Os provedores de Internet, em seus portais de notcias,fornecem uma verdadeira ditadura da informao, reduzindo a realidade a uma pauta depoucos caracteres, com muito mais contedo privado que pblico. O imediatismo da rede e suacapacidade de comprimir dados e fazer com que sons e imagens operem numa mesma linguagemtornaram tudo banal e contingente. Uma importante descoberta cientfica s terrelevncia se puder ser transformada em um vdeo de no mximo sete minutos, para ser acessada mundialmente. Vdeos, textos, msicas, imagens convergem para um regime de intercomplementaridade e colaborao nunca antes visto. A Internet j est se tornando extenso de nossa inteligncia, com seu extraordinrio potencial de busca e renovao da informao. J no mais conseguimostrabalhar numa mquina sem que esteja conectada rede, pois com ela, realizamos vrias atividades ao mesmo tempo: conferimos a previso do tempo, conversamos instantaneamente com nossos contatos, pagamos nossas contas, ouvimos msica e ainda anunciamos ao mundo nosso estado de esprito com pouco mais de uma centena decaracteres em apenas um click.

O mundo at se tornou menor com a Internet. Hoje temos a impresso de que o Japo est circunscrito nossa vizinhana, aChina logo ali e o presidente do Brasil Barack Obama,face aovolume de informaesem escala planetriaque recebemos. Comovemos-nos mais com umjovem louco que invade uma escola nos Estados Unidos e extermina vrios inocentes do que com nossos crimes domsticos, que no so editados e publicadosde acordo com os contornos darede.

Nossanova identidade nessa sociedade planetria, interconectada e interdependenteleva o signo arroba. Ao mesmo tempo em que nos sentimos ligados uns aos outros, somos tomados por uma indiferena afetiva que se traduz na incapacidade da tecnologia de substituir o afeto, o contato e as reaes que transcendems palavras digitadas, muito embora programasde comunicao instantnea tentem minimizar este dficit com seusemotions eos neologismos digitais como um "kkkkk", "#$%&&" e outros.

Masa dimenso mais perigosa desse novo cenrio social e humano altamente tecnologizado est no controle. Todos ns, pordiferentes motivos,preenchemos quase todos os dias formulrios indicando nossos "perfis", nosso padro de consumo, nossas caractersticas bsicas e aptides, quevo desdegnero a renda familiar. Essas informaes ficam hospedadas em servidores que jamais saberemos seus endereos. Basicamente, acreditamos que constituem bancos de dados para fins comerciais, mas o fato que jamais descobriremos o verdadeiro fim a que tais informaes se destinam. Podem mesmo estar a servio de grupos financeiros altamente consolidados que controlam massas de consumidores mundo afora para venderem seus produtos. Mas tambm podem servir como base para formulao de estratgias polticas, culturais eideolgicasemescala planetria, afinal, os provedores, as redes de relacionamentos, no tm fronteiras.Dessa forma, o panoptismo descrito por Foucault toma uma nova dimenso, o olhar est em toda parte em movimento (Foucault, 2005) e somos ns mesmos que nos fazemos visveis. Os dispositivos disciplinares que falava Foucault tem a ver com instituies de recluso (crceres, hospitais, escolas) que eram necessrias para normalizar, isto , por cada um no lugar que lhe corresponde. Arquitetonicamente eram espaos desenhados para que cada um dos internados/prisioneiros se sentissem constantemente vigiados. Este espao fechado, recortado, vigiado, em todos seus pontos, onde os indivduos esto inseridos em um lugar fixo, onde os menores movimentos se vem controlados, onde todos os acontecimentos esto registrados, (...) onde o poder se exerce por inteiro, de acordo com uma figura hierrquica contnua, onde cada indivduo est constantemente localizado, examinado e distribudo entre os vivos, os enfermos e os mortos tudo isso constitui um modelo compacto do dispositivo disciplinar. (FOUCAULT, 2005, pg. 201, traduo nossa).

Agora, a existncia das redes sociais permite a existncia de outros mecanismos de controle e disciplinamento que se fazem menos visveis, porm no menos eficientes. Sem ter conscincia deles estamos sendo constantemente vigiados e nem sequer sabemos quem nos vigia. Neste sentido, a visibilidade uma armadilha (FOUCAULT, 2005). uma condio que se abate sobre a existncia dos sujeitos deste sculo XXI, onde o privado mais pblico que o prprio pblico, que agora de to digitalizado, est reservado aos servidores, administradores e controladores que com suas senhas, definem o que ser visvel e o que ser deletado nesse grande oceano de informao que o mundo virtual. O papel da educao ser sempre levar os sujeitos a conscincia cada vez mais ampla dessa condio a que esto submetidos. Desvendar os paradoxos dessa sociedade da informao, elucidar as contradies entre o acesso e o tratamento, entre o que publicizado e o que ficar sempre sob sigilo, numa verso ps-moderna das grandes bibliotecas reservadas aos mosteiros medievais.

Texto Complementar

Em defesa da obra

Bernardo Carvalho

[...]Pode soar como piada, mas o mandamento oficial do Google Dont Be Evil (No seja mau). Google e democracia passam a ser sinnimos. E assim, para o bem da humanidade, assumindo o papel de entidade suprema e legisladora, a empresa se sente no direito de digitalizar e oferecer gratuitamente tudo o que estiver publicado no mundo, sem a autorizao dos autores, que, sem terem sido avisados de nada, devem tomar a iniciativa de se manifestar a tempo no caso de no concordar com a publicao gratuita de seus prprios livros. [...]. Faz sentido que, nesse mesmo mundo, a ideia do fim do artista, do trmino do gnio criador, individual e da arte como provocao subjetiva e idiossincrtica, em nome de uma criatividade generalizada e socializante, tambm seja promovida por uma parte influente da crtica, sob pretextos polticos e sociais. Se alegam que o artista individual, o autor de uma obra de exceo, um aspecto anacrnico e reacionrio do romantismo, porque de certo modo isso tambm serve a um necessidade de sobrevivncia da crtica, que precisa de se sobrepor ao seu objeto de estudo, negado-lhe autonomia. o que justifica a passagem do foco do artista para o curador, e o curador reivindicar o papel de coautor de exposies. [...]. No entanto, num pequeno texto (Autor morto ou artista vivo demais?) publicado na Folha de S. Paulo, ainda em 2003, Rancire explicou que, ao contrrio do que se convencionou chamar de culto do autor, a noo de gnio bem mais complexa e est originalmente ligada ao conceito da obra como expresso de uma formao annima. O gnio no apenas a representao de uma individualidade uma fora annima o atravessa e termina por se expressar. A sentena de morte do autor, contudo, repetida h trinta anos por filsofos e crticos, nunca impediu nenhum artista de reivindicar seus direitos; deve, portanto, ser reavaliada luz da informtica. O que aconteceu desde ento? Segundo Rancire, o que sobrou do autor no mundo contemporneo justamente a ideia de propriedade. Mas essa propriedade j no pode se referir obra, seja porque j no se acredita em originalidade, seja porque a obra resultado da combinao de elementos de outras obras preexistentes, como no caso dos DJs, seja porque a obra se tornou conceito, como no caso das artes plsticas. [...]Rancire mostra e a que as coisas ficam mais interessantes, no que diz respeito literatura que a autobiografia vem resolver esse impasse, fazendo as duas propriedades coincidirem: Hoje o autor por excelncia supostamente aquele que explora o que j lhe pertence, a sua prpria imagem. A propriedade migrou da obra para a biografia, para a vida do artista. S resta ser autor da sua vida privada e express-la como obra. O autor hoje o que explora a sua prpria imagem. Os blogs e pginas pessoais na internet so a expresso generalizada e vulgarizada desse fenmeno. [...].

Se a obra for reduzida vida e visibilidade do autor, compreensvel que j no possa haver herdeiros de um autor morto. Tambm compreensvel que a obra, j no sendo exceo, tampouco exista, uma vez que foi igualada vida, ao que comum a todos. Ao autor s resta tornar-se vez mais pblico. No um acidente que no exista autocrtica na internet, a no ser como disfarce de mais autopromoo. essa lgica que, encobrindo os interesses corporativos, justifica o fim dos direitos autorais individuais, segundo valores subjetivos da obra, em nome de uma medida baseada em critrios quantitativos de mercado. Como tudo o que existe agora tambm deve existir na internet, o que no acessado simplesmente inexiste. o destino da exceo. [...]. CARVALHO, Bernardo. Em defesa da obra. Revista Piau, n 62, pags 52 55, novembro/2011. Para debate e reflexo

Proposta de atividade

1.4 Sociedade, poder e informao Ningn hecho puede ser cierto o existir

y ninguna afirmacin uerdadera, sin una razn suficiente

para que sea as y no de otro modo;

aunque con mucha frecuencia estas razones

permencen ocultas para nosotros.

Gottfried LeibnizJ se tornou lugar-comum dizer que vivemos a sociedade da informao. Certamente porque em nenhum outro momento da histria da humanidade o acesso informaotenhasido toirrestringvel como agora.Em algumas situaes, temos a impresso de que vivemoso avesso do acesso,pois o bombardeio dirio deinformao atravs de diferentes meiosnos leva a perguntar se de fato temos "acesso", no sentido de acessibilidade, ou "acesso", no sentido patolgico. O volume de informao que chega na forma oral, escrita, audiovisual, imagtica etc. tal queat suspeitamos que seja para que uma informaooculte outra.

Em sentido tcnico, informao" um conhecimento inscrito (registrado) em forma escrita (impressa ou digital), oral ou audiovisual, em um suporte" conforme afirmaLe Coadic (2004), terico da Cincia da Informao. A informao , portanto, a base para vrias atividades humanas. Constitui o sal da terra da existncia humana no mundo, o que pressupetanto sua compreenso quanto sua construo e reconstruo e por que no dizer desconstruo.

Mas a informao e seuuso estabelecem forterelao com outro aspecto da condio humana: o poder. O poder, que pode ser compreendidoem sentido filosfico, poltico, econmico, social e cultural tem na informao uma relao de dependncia. Numa guerra, por exemplo, alm do disparo de fuzis e canhes, informaes so bombardeadas com o intuito de atingir a opinio pblica.Um exrcito de jornalistas, editores, profissionais de diferentes mdias so convocados para dar conta de uma outra guerra: a do convencimento, cuja principal munio a informao. Sero sempre duas guerras paralelas: uma que provoca o derramamento de sangue...; outra que encampada para justificar ou combater aquela.

"O poder sempre reflexo e fora de uma ideia-ideal", afirma Thomas Ransom Giles, em seu livro"Estado, Poder, Ideologia".Umaideia que se traduz numa informao. Mas no somente o contedo da informao que conta, mas tambm sua forma, o agente que a transmitee o contexto no qual transmitida.Imagine uma declarao de amor proferidafora de contexto, por uma terceira pessoa,atravs de um vdeo noYouTube. Certamente oobjetivo especfico desta informaono ser alcanado e poder, inclusive, gerar um resultado avesso ao inicialmente pretendido.

Outro exemplo uma informao da rea econmica, transmitida semo respeito linguagem financeira prpria, com o objetivo de causar um impacto sobre instituies financeiras como bancos ebolsa de valores.Semadevida ateno forma,ao contexto e aos processos de transmisso,uma informao, ainda que tecnicamente bem produzida,se torna incua evazia de poder.

Autoridades, polticos, celebridades, jornalistas etodos aqueles queprecisamsustentar umaimagem pblicaparecem bem conscientes da importncia da informao e sua influncia na conquista, manuteno e destruio de estruturas depoder. Isso porque poder, numa sociedade materialista, poder econmico. E sendo a informao poder, seu uso devido condio para manuteno ou no do poder de dominao.

H tambm outro aspecto igualmente importanteda relao entre informao e poder: a contrainformao. Trata-se uma pseudoinformao, elaborada e transmitida com a inteno deescamotear uma informao verdadeira. simples: se o porteiro do prdio orientado a transmitir a informao de que um morador no se encontra em seu apartamento, o cobrador no ter outra opo seno dar meia volta. Como se trata de uma falsidade,a contrainformao normalmente transmitida na forma oral,para evitar eventuais comprovaes (ainda que seja possvel uma gravao em udio).

No mbito do poder, tanto poltico como econmico, a contrainformao est mais presente do que imaginamos. So inmeras informaes sendo transmitidas com o objetivo de confundir a opinio das pessoas, sem correspondncia alguma com a verdade dos fatos. A invaso do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003,provavelmente seja o caso clssico mais recentedo uso de umacontrainformao. Sob o pretexto de que oIraque estaria desenvolvendo armas de destruio em massa, os Estados Unidos justificaram sua ao militar naquele pas. Apesar do forte argumento, nenhuma arma qumica de destruio em massa fora encontrada.

A contrainformao tem tambm um aspecto implcito; informao verdadeira tambm utilizada para escamotear outra informao verdadeira. Na poltica muito comum ver personalidades respondendo uma pergunta com uma resposta certa, mas que s se aplica a uma outrapergunta, que em geral no foi feita.Com isso,no so acusados de faltar com a verdade, no entanto sempre fogem das perguntas espinhosas a que so submetidos.

Numa sociedade democrtica, o uso/desuso da informao no matria acadmica, mas torna catedrtico o que logo cedo aprende a lidar com ela. So pessoas muitas vezes destrudas pela informao e mais tarde, seja pelo analfabetismo informacional do povo, seja pela destreza com que lidam com os meios de produo e circulao da informao, acabam ressurgindo das cinzas frteis nas quais verdades e falsidades foram cultivadas. E do lado de c, nos deleitamos com a ingnua sensao de que temos acesso informao. Mas o poder da informao em mudar a vida dos sujeitos relativo. Sozinha, a informao no capaz de promover transformao, mas tampouco sem ela a transformao pode se consolidar efetivamente. Segundo Le Coadic, a informao comporta um elemento de sentido. um significado transmitido a um ser consciente por meio de uma mensagem inscrita em um suporte espacial temporal (p. 04, 2004). A noo que o autor apresenta para o conceito de informao engloba elementos essenciais para a discusso sobre o seu potencial transformador na vida das pessoas. Ao considerar que a informao comporta um elemento de sentido, o autor acredita que se a informao no contiver densidade semntica, isto , correspondncia com algum elemento da realidade, ser uma informao incua e, portanto, no ser informao. Outro aspecto que no fenmeno informacional, este significado (denso de semntica) transmitido a um ser consciente. Para alm dos usos polticos do termo, conscincia tambm um fator de transformao, embora no seja esta conscincia poltica, no sentido defendido pelos tericos marxistas, mas a uma conscincia sobre processos bsicos da existncia humana, como por exemplo, a relao de causa e efeito entre elevao do nvel cultural (inclusive atravs da escolarizao formal) e a melhoria das condies materiais de vida.

A informao, portanto, s seria capaz de transformar a vida das pessoas se houvesse uma poltica, no somente de transmisso da informao, mas de seu uso consciente, como base do processo de construo do conhecimento sobre a realidade. A transmisso da informao para um ser no-consciente tornar-se-ia, inclusive, contraproducente, gerando resultados bem diferentes dos almejados.

Mas a informao mediada pode se tornar objeto de sentido para processos de tomada de deciso. Para fundamentar a importncia da comunicao mediada, recorremos contribuio de Harold Lasswell, com seu conhecido esquema: Quem? Diz o que? Em que canal? Com que efeito? A noo de Lasswell para o processo de comunicao sistmica, porque relaciona sua teoria com a ideia do organismo social. O organismo social se estrutura segundo funes que se somam num todo de modo a manter o equilbrio de seu funcionamento diante da troca de estmulos com o meio exterior (DEMTRIO, 2003, p. 03). A funo da comunicao, neste organismo, garantir o equilbrio social, porque se torna um instrumento de mudana ou de controle, dependendo dos interesses a que sirva. Da o controle dos canais de comunicao, na esperana de organizar-se a ateno do conjunto da comunidade, de tal forma a limitarem-se as respostas quelas consideraes favorveis posio de poder das classes dominantes (LASSWELL, 1978. p. 106, apud DEMTRIO, 2003, p. 04). A comunicao exerce, portanto, uma funo orgnica na sociedade, isto , ela inteiramente funcional. Sua responsabilidade est em vigiar, informar e apontar eventuais distores na ordem social estabelecida. A relao informao-poder no somente dada pelo acesso informao, mas tambm pelo uso que se faz dela com os canais de divulgao. Nesse sentido, quem se encontra nas altas esferas de poder, sejam polticas (governos), econmicas (conglomerados, multinacionais) tendem, por sua vez, gesto dos meios de comunicao orais e escritos atravs dos quais possvel difundir a informao que consideram pertinente para apoiar suas aes. Isto , a informao que se divulga pode justificar estratgias polticas e econmicas fazendo chegar uma verso dos fatos que nem sempre real, mas que, sem dvida, permite contar com o apoio da opinio pblica.

Afirmar que hoje o acesso informao mais democrtico pode ser uma considerao correta, sempre que este acesso se refira a real possibilidade de contar com diferentes enfoques do mesmo fato que nos permitam criar uma opinio prpria do fenmeno. De outra forma no fazemos mais que replicar interpretaes que outros fazer por ns. Texto Complementar

Linguagem e ideologiaJoo Bosco MedeirosA propaganda reflete os valores da ideologia dominante, aqueles em que a sociedade acredita. Ela mostra uma forma de ver o mundo. Por isso, so comuns nas peas publicitrias ideias como: valorizao do sucesso, do belo, do bem educado, do moderno, da juventude, do tradicional, do moderno, do requinte, da moda, do status, dos carros novos, do alto padro, da classe, da elegncia, do xito no amor. [...]As palavras, isoladas do contexto (no interior de um dicionrio, por exemplo), so neutras, mas contextualizadas, expandem valores, conceitos, preconceitos, ou seja, perdem a neutralidade e passam a veicular ideologias. Assim, at mesmo o nome de uma simples rua no apenas designativo, referencial; o nome veicula ideias, valores. Suponham-se, por exemplo, os vrios nomes de generais designativos de rodovias brasileiras: Dutra e Castelo Branco. Em geral, tais nomes foram escolhidos para que as pessoas se lembrassem quo significativos so na histria brasileira (vistos, evidentemente, segundo determinada ideologia). s vezes, a seleo vocabular procura substituir palavras mais duras por outras mais agradveis, os chamados eufemismos, que tm em vista dourar a realidade. dentro desta perspectiva que se podem encontrar Rodovia dos Imigrantes, Rodovia dos Trabalhadores. Tais expresses visam mostrar como uns e outros so valorizados na sociedade brasileira... Hoje, por exemplo, comum a expresso neoliberal utilizada em substituio economia de mercado, ou capitalismo. A expresso, mais agradvel, conota liberdade, valor muito bem visto na sociedade desde que tal liberdade no v alm de parcas reivindicaes. A troca de palavras por outras que soam mais simpticas visa provocar reao emocional positiva no destinatrio, e isto se revela um procedimento retrico.

Um publicitrio, se tico, tem conscincia de tais fatos e foge dos eufemismos, rompendo a cadeia de ideologia. Um jornalista, cujo comportamento se regula pela tica, procura nomear os objetos pelo nome que tm, informando seus leitores da ideologia que veiculada por meio de determinadas expresses. As relaes, portanto, entre signo, persuaso e ideologia so estreitas. A forma da linguagem utilizada identifica a forma como se v o mundo, como se pensa a sociedade.

O signo persuasivo, e o da propaganda o por excelncia, visa alterar comportamento e passar-se como nica verdade. Alm disso, a sociedade valoriza a eficincia, o sucesso, o bem-sucedido, o campeo, o aluno competente, o homem que acumula bens materiais, o graduado, o ps-graduado, o doutor, o bem apessoado, o loquaz, o eloquente, o produtivo, o primeiro, a patente, o triunfante. No se permite questionar a validade de tais conquistas nem a natureza de tais competncias. E aqui entra a palavra para justificar todo um sistema de ideias. Ela usada para mistificar, para encobrir, para mascarar interesses, para transmitir aura de neutralidade. No atual momento, o governo X procura transmitir a ideia de que so malignos os que no pensam como ele. Sua verdade a verdade de todos. So inimigos, so atrasados, so provincianos todos os que no aceitam suas ideias. Se o governante cientista social, intelectual dos mais renomados, conhecido no mundo inteiro, procura transmitir a ideia de que o planejamento e a administrao se fazem segundo modelos cientficos, inquestionveis, portanto. Os recursos retricos contribuem para tornar o discurso deglutvel. Assim que pululam, nos textos que o governo veicula metforas, metonmias, hiprboles, eufemismos, circunlquios, raciocnios redundantes, banais (acacianos).

MEDEIROS, Joo Bosco. Redao empresarial. 7.ed. So Paulo: Atlas, 2010. Pgs. 39-40. Para debate e reflexo

Proposta de atividade

1.5 O papel da escola na sociedade da informao Ya anadie le importan los hechos.Son meros puntos de partida para la invencin y el razonamiento,

Em las escuelas nos ensean la duda y el arte del olvido.

Jorge Luis BorgesAs transformaes sociais experimentadas pela humanidade desde os sculos XVI e XVII, alm de estabelecer novos parmetros para materializao da sobrevivncia humana e social, constituem, ainda hoje, referncias para se compreender algumas contradies prprias de nossa sociedade. A industrializao como forma de produo, o estabelecimento de novosmodelos para a reproduo cultural, a crena na cincia, o consumo como marca da individualidade social, a luta poltica, novas formas de configurao das identidades, tudo isso so, entre outros, elementos que vieram, no necessariamente ao mesmo tempo, para impor padres sociais e culturais balizadores. Alm disso, a urbanizao da sociedade facilitou processos de massificao dos sujeitos e novos locus de dominao foram sendo criados.

Nestecontexto de massificao dos sujeitos, as individualidades vo-seesvaindo e o sujeito passa apertencer auma estrutura da qual no conhece mais que uma parte e as formas de trabalho que se adotam o convertem em pea de uma grande engrenagem. Aos poucos o sujeito vai perdendo a capacidade de relacionar-se com elementos para alm do imediato, perdendo assim sua possibilidade de crtica e visualizao destas novas formas de dominao que emergem das novas formas de organizao social.

A consequncia , portanto, uma viso sempre incompleta da realidade. Uma noo precria, protegida por uma sensao de oniscincia que se alimenta do volume inumervel de informao que circula livremente numa sociedade que se autointitula do conhecimento. Entretanto, preciso considerar que "a mera disponibilizao crescente da informao no basta para caracterizar uma sociedade da informao. O mais importante o desencadeamento de um vasto e continuado processo de aprendizagem" (ASSMANN, 2005, p. 16), o que ainda no se constituiu num eixo norteador das polticas pblicas em educao de diferentes pases ainda no plenamente desenvolvidos.

Em diferentes campos da sociedade, estratgias de massificao e controle so testadas, facilitando a reproduo de estruturas sociais que no refletem um modelo verdadeiramente democrtico de sociedade. Um bom exemplo disso o poder massificador dos meios de comunicao e suasvariantes tecnolgicas representadas pelas redes digitais.

possvel afirmar que vivemos no mundo da informao, onde o acesso a diferentes fontes algo mais democrtico, pois muita informao nos chega atravs de diferentes formas. Mas essa condio gera um problema: no possvel processar a informao que recebemos na mesma velocidade em que produzida e, portanto, no podemos analis-la criticamente. Desta forma, se produz uma alienao pela falsa crena de que a informao est ao alcance de todos e para todos.

Nesse sentido, pensar nas funes que a escola deve cumprirno sculo XXI requer pensar tambm na possibilidade de gerar novos espaos onde se reflita sobre estas questes. Ou seja, mais que pensar na escola como esse lugar no qual se recebe informaes primrias (ainda que paraas classesmenos favorecidas continue cumprindo esta funo), pens-la como o lugar onde se possam gerar as ferramentas para fazer bom uso da informao que se encontra disponvel.

A compreenso de que o mundo se tornou menor, interconectado e estruturado em rede refora a ideia de que estamos prximos do apogeu da globalizao. Segundo Daniel (2003), a globalizao um processo econmico e financeiro, mas constitui-se, principalmente, como um processo cientfico e tecnolgico. Esse movimento de interconexo cientfica e cultural planetria potencializou-se com a Internet, que permite a conexo em rede entre diferentes seres humanos, aumentando, ainda mais, as possibilidades de interao e trocas de indivduo para indivduo, principalmente. No campo especfico da produo cientfica, a exploso da informao atravessando culturas, continentes, barreiras de todos os tipos imps a necessidade de organizao da disseminao do conhecimento produzido, fator que justifica o surgimento de novos campos de trabalho, como o profissional da informao, com competncias e habilidades requeridas para lidar com toda complexidade deste novo cenrio que tem como base o processamento e tratamento da informao. Por processamento da informao entende-se os modos pelos quais os indivduos absorvem, assimilam, interpretam e organizam suas experincias (FARIA et alli, 2005). Trata-se, portanto, de uma atividade que se realiza no plano cognitivo. Enquanto que por tratamento da informao compreendemos todas as atividades realizadas nos subsistemas de entrada da informao num SRI (Idem, p. 55). a atividade desempenhada pelos profissionais da informao. Entretanto, h uma estreita relao entre a atividade de processar e tratar a informao. A organizao da informao, baseada no armazenamento para fins de recuperao, fundamental para que possamos processar as informaes que esto registradas em suportes. O trabalho do professor enquanto profissional da informao num contexto altamente irrigado por informaes de todos os tipos e nveis de complexidade, em diferentes suportes mas, sobretudo em suportes digitais, determinante para melhorar o aproveitamento e utilizao do conhecimento humano codificado.

O problema que se coloca que rede mundial de computadores est baseada em uma lgica bem diferente daquela em que os profissionais da informao esto mais acostumados a atuar. Trata-se de uma perspectiva no-linear e instvel do ponto de vista do documento, enquanto hospedeiro da informao. Essa lgica, remonta concepo do hipertexto, estrutura a partir da qual as informaes ganham contornos de dinamicidade e est relacionada, desde sua origem, forma como pensamos. Embora um tanto extensa, a citao abaixo, do livro Leituras do hipertexto de Wandelli (2003), refora claramente esta ideia.

O cientista da computao Vannevar Bush lanou, no artigo intitulado As we may think, publicado em julho de 1945, algumas ideias fundamentais do que viria, duas dcadas mais tarde, a ser conhecido como hipertexto. Preocupava-o a discrepncia entre as engenhosas tcnicas humanas de armazenamento de conhecimento (enciclopdias, fichrios, arquivos, bibliotecas, microfilmes) e as inadequadas ferramentas para acessar as informaes. Partindo do princpio de que a mente opera por associao, Bush concebeu um invento futuro e imaginrio (o Memex, um ensaio das atuais ferramentas de procura), em que ele poderia construir uma trilha de seu interesse em meio ao labirinto de informaes disponveis, consultando, de forma mecnica e com velocidade exemplar, seus livros, discos e palestras. (p. 33)

Alm disso, essa nova tecnologia trouxe implicaes importantes para o processamento da informao, isto , a forma como a informao apropriada no plano cognitivo, porque provocou enormes possibilidades para a pesquisa criativa, transformando os modos de tratar, acessar e construir conhecimento, conforme destaca Assmann (2005). A compreenso de que a dimenso fsica (documento) est relacionada dimenso metafsica (informao) uma habilidade que o professor neste contexto de conhecimento globalizado no deve deixar de apresentar. Isso porque, num mundo globalizado, a informao fluida e desterritorializada, pois estando em formato digital e on-line est aprisionada em um paradoxo: se por um lado assume um carter de universalidade, por outro, instvel e de credibilidade discutvel, porque no h segurana total quanto sua origem, autoria e solidez epistmica. Organizar a informao num terreno marcado pela abundncia e dinamicidade , sem dvida, o maior desafio do professor como um profissional da informao que se prope atento s demandas do Sculo XXI. A simples ateno a procedimentos tcnicos que tambm fazem parte das competncias do professor no deve ser seu principal input, mas a capacidade de criar, aprender e desenvolver novos conceitos, produtos e servios baseados estritamente no conhecimento (FARIA et alii, 2005, p. 8), condio que se aproxima mais da atividade de processamento, do que de tratamento da informao, fator que caracteriza bem o papel do professor enquanto tambm um profissional da informao.

Como j dissemos anteriormente, o problema do sculo XXI no est no acesso informao seno no uso que se faz dela, em como se processa, em como se analisa. Restabelecer as funes da escola neste cenrio parece primordial. Em sculos anteriores a escola era o lugar onde se tinha acesso informao. Quem no estava dentro de uma instituio educativa dificilmente teria acesso informao que ali se distribua. Como agente de socializao, a escola adquiria uma importncia capital na distribuio do conhecimento. Desde ento, a escola tinha um poder em relao informao que foi se perdendo. Hoje em dia se pode afirmar que muitas vezes a informao a que se tem acesso na escola obsoleta. Nesse sentido, continuar acreditando que a escola seja o lugar por excelncia onde se distribui a informao , no mnimo, ingnuo. O papel que hoje deve cumprir a escola j no mais o de distribuidora da informao e conhecimento, mas o de fornecer mecanismos de anlise da informao que se encontra ao alcance da mo. Fornecer as ferramentas necessrias para que os sujeitos, sufocados pela avalanche de dados e informao que recebem diariamente, atravs de diferentes vias, pode contribuir para o desenvolvimento de uma criticidade que lhes permita selecion-la, process-la e interpret-la. Texto Complementar

O impacto da mdia nas sociedades modernas

Pedrinho A. Guareschi e Osvaldo Biz H um fenmeno que perpassa, nos dias de hoje, todas as camadas da sociedade como se fosse gua para o peixe, o ar que respiramos: essa realidade a mdia. Se formos comparar nossa poca com a de 30 ou 40 anos atrs vamos constatar uma diferena palpvel. que muitos, por no terem vivido aquela poca, no tem possibilidade de imaginar como a sociedade de ento. [...]

A acelerao incomparvel do fluxo de informao, da transmisso de formas simblicas e de contedos cognitivos e emocionais, est entre as importantes transformaes ocorridas nas ltimas dcadas do sculo XX. A realidade de hoje exige, cada vez mais que os sujeitos saibam lidar com uma imensa gama de informaes que invadem diariamente sua vida cotidiana, de uma forma desconhecida para as geraes mais antigas.

Lidar com o impacto desse fluxo acelerado de informaes e, principalmente, dadr-lhes um significado, ou seja, interpret-las, integrando-as em sua viso de mundo, hoje uma tarefa inevitvel dos sujeitos modernos. Os pensadores da educao, diante da possibilidade de acesso quase infinito s informaes, concordam que a grande tarefa da educao preparar os jovens para que consigam selecionar, fazer a pergunta, conseguir discernir o que querem. Quem faz uso da Internet pode ter, hoje, informaes sobre quase tudo e instantaneamente.

Mas uma coisa a Internet no pode oferecer: mostrar o que mais importante, o que interessa, que prioridade se deve estabelecer. A Internet pode dar todas as respostas, mas no consegue fazer a pergunta. O que necessrio mostrar por onde navegar, a que ponto chegar, quando parar. Fala a pergunta orientadora, a pergunta que liberta.

A prpria poltica, nos ltimos anos, perdeu seu locus histrico, o espao pblico das ruas e praas, onde os cidados se reuniam para discutir suas ideias. Hoje ela se d quase integralmente atravs da mdia, o que confere aos rgos de comunicao um considervel poder de convencimento (THOMPSON, 2003).

O consumo dos produtos da mdia, especialmente a eletrnica, representa hoje o principal espao de ocupao do tempo livre da populao. O acesso informao, crucial nos nossos dias, depende da relao do indivduo com os veculos de comunicao. O que Bourdieu afirma sobre a televiso pode ser estendido aos outros meios de comunicao:

E, insensivelmente, a televiso que se pretende um instrumento de registro torna-se um instrumento de criao da realidade. Caminha-se cada vez mais ruma a universos em que o mundo do social descrito/prescrito pela televiso. A televiso se torna o rbitro do acesso existncia social e poltica (BOURDIEU, 1997, p. 29).

[...]A distncia hoje encurtou. H alguns anos faziam-se planos detalhados para se fazer uma viagem de mil quilmetros. Hoje a fazemos numa hora. Tomamos caf em um continente, almoamos num segundo e vamos dormir num terceiro. Para determinadas atividades, a distncia, praticamente, desapareceu. Os jornais que demoravam horas, ou dias, para chegar aos destinatrios, so agora repassados eletronicamente e impressos perto do local onde so vendidos. Essa quase supresso da distncia influi no apenas na constituio de nosso ser, mas em praticamente todas as instncias da sociedade. [...]

GUARESCHI, Pedrinho A. Mdia, educao e cidadania: tudo o que voc deve saber sobre a mdia. Petrpolis, RJ: Vozes, 2005. Pgs. 37 64. Para debate e reflexo

Proposta de atividade

Parte II tica e educao: questes polticas 2.1 Movimentos sociais como espaos de formaoEl sueo de uno es parte de la memria de todos.Jorge Luis BorgesOs movimentos sociais como fenmenos de estudo nas cincias sociais nascem na dcada de 1960 luz de manifestaes da sociedade civil contra a guerra do Vietn nos Estados Unidos e na Europa Ocidental em prol dos direitos civis.Nesse momento, os encarregados de analisar e estudar os fenmenos sociais necessitaram novos parmetros para explicar os fatos que estavam acontecendo.As teorias sociais at este momentodesenvolvidas no proporcionavam parmetros aplicveis a estas realidades.A teoria da anomia de Durkheim, por exemplo, nose aplicava aos indivduos que participavamdestes movimentos.Os protestos que se originavam nesta poca eram provenientes de grupos formados por indivduos bem integrados sociedade, que se organizavam com o nico propsito de lutar por um objetivo comum e concreto. Surge assim a teoria dos movimentos sociais como fenmeno de estudo, buscando dar explicaes a novos fenmenos.A marcha iniciada pelos povos indgenas desde a cidade de Trindade, provncia de Beni, no dia 15 de agosto de 2011, nosremete existncia, presena e manifestao dos movimentos sociais.Embora desta vez a notcia chega at ns no como um sinal de apoio s manifestaesiniciadaspor este grupo,o fato que essa afirmao vai contra as atuais medidas tomadas pelo presidente da Bolvia, Evo Morales, um importante lder indgena, que antes de se tornar presidente participou ativamente desses movimentos.A notcia, neste sentido, no se refere histria e formas de mobilizao e protesto desses movimentos, e as conquistas que obtiveram, mas simo fato de que acrise poltica na Bolvia poderiaser causa disso, como evidenciado, entre outras coisas, pela renncia do ministro da Defesa, o Ministro do Interior e Vice-Ministro da Administrao Interna. Tendo em vista quea informaofoi dessa forma apresentadapelos meios de comunicao, convm recuperar ento a histria dos movimentos sociais, em especial no caso da Bolvia. Voltar o olhar para a Bolvia torna-se interessante pelas caractersticas particulares que se pode observar no momento de analisar as formas de organizao e manifestao que surgem como reao ao processo de instalao das polticas neoliberais do final da dcada de 1980 e as repercusses que teve na sociedade. O forte impacto na economia local boliviana funcionou como um elemento dinamizador no processo de surgimento dos novos movimentos sociais. Por sua vez, as novas modalidades no campo econmico permearam fortemente as relaes trabalhistas desarticulando as organizaes sindicais, marcando assim a necessidade de busca de novas formas de organizao e manifestao. Desta forma, se foram combinando paulatinamente velhas demanda com novas formas de manifestao. Junto com esses processos, as formas de conceber a cidadania tambm foram sendo objeto de transformao, tanto no campo terico, buscando dar explicao s novas formas, como tambm no campo da sociedade civil, gerando um campo frtil no qual emergiram estas mudanas. Na Bolvia se conjugaram, desde o final do sculo XX, por um lado, o deslocamento, produto da globalizao e do modelo de organizao fordista; e por outro, um processo de declnio do Estado, promovendo o estouro de uma crise societal e, com isso, o surgimento de novos movimentos sociais, que entre outras coisas, demandam uma nova concepo da cidadania poltica, civil e econmica e, assim, a necessidade de restabelecer a agenda do governo.

Aparecem neste cenrio os novos movimentos sociais como uma nova forma de interveno no espao pblico e poltico no institucionalizado, marcando uma mudana na relao que se vinha articulando entre a sociedade civil e o Estado. Ou seja, os sujeitos, que no tinham os canais privilegiados para dialogar com o Estado, encontraram outros mecanismos para apresentar suas demandas na agenda de governo. Por sua vez, estes novos movimentos sociais comeam a se separar de sua associao histrica com o movimento operrio, movendo-se no limite entre as organizaes sociais e as manifestaes espontneas. Esta separao se deve, entre outras coisas, aos mecanismos de manifestao: para o movimento operrio a greve era a principal ferramenta, por isso, os novos movimentos tero que encontrar novas formas. Em outras palavras, Paul Wilkinson afirma que Um movimento social um esforo coletivo deliberado de promover mudanas em alguma direo e por qualquer meio, sem excluir a violncia, a ilegalidade, a revoluo ou a retirada a uma comunidade utpica (...). O compromisso do movimento social com a mudana e a razo de ser de sua organizao se baseia na violao consciente, o compromisso normativo com os objetivos e crenas do movimento e a participao ativa por parte dos seguidores ou membros do mesmo (LEDESMA, 1994, pg. Xx, traduo nossa).

As diferenas de enfoque destas anlises variam desde sua caracterizao como motins, revoltas ou rebelies a distintas formas de ao coletiva ou conflito social (LEDESMA, 1994). Desde 1960 as perspectivas de anlises se foram modificando desde a psicologia de massa, passando pelos estudos de Tilly e Tarow, analisando-os como mobilizao de recursos e desde final dos anos de 1970 e comeo dos anos 1980 aparece Melucci com sua anlise de identidade.

As mobilizaes na Bolvia podem ser analisadas combinando-se dois enfoques. Por um lado, o enfoque proposto por Charles Tilly e Sidney Tarrow, como os principais expoentes da teora da mobilizao de recursos. Por outro lado, convm voltar a ateno ao enfoque de Alberto Melucci e seu paradigma da identidade.

A mobilizao de recurso utilizada pelos movimentos indgenas como aluso a suas aes coletivas. Convertendo-se em criadores de smbolos e recursos que do sentido a suas demandas sociais. Os movimentos sociais na Bolviva colocaram em cena um conjunto de smbolos indgenas: a wipala (bandeira indgena), os mantos vermelhos e verdes (vestimenta das autoridades originais), a folha de coca, a saia e os awayus multicoloridos (pea txtil utilizada tradicionalmente pelas mulheres indgenas). Tais movimentos tm sido exitosos devido a capacidade de produzir repertrio de ao coletiva. Um repertrio um acmulo de experincias de aes com aquilo que os atores sociais se mobilizam (MAMAMI, 2004). A outras formas de ao coletiva originrias dos movimentos sociais so agregadas uma pluralidade de formas de ao. Como define TillyUm movimento social uma srie continuada de interaes entre os detentores do poder e as pessoas que se declaram com xito porta-vozes de uma base social (eleitorado) que no dispe de representao formal; ao longo desta tenso, os porta-vozes fazem reivindicaes pblicas a favor de mudanas na distribuio e no exerccio do poder, e respaldam essas demandas com manifestaes de apoio (AUTOR, ANO apud LEDESMA, 1994, pg. 65)A continuidade das formas de manifestao um desafio para que uma organizao se constitua em um movimento social. O risco que enfrentam muitos deles nascer como movimento e enfraquecer-se uma vez que alcanam o objetivo que os aglutinou. por isso que Melucci define os movimentoso sociais como uma forma de ao coletiva (a) baseada na solidariedade (b) que leva um conflito, (c) que rompe o limite do sistema (LEDESMA, 1994 pgina??).

Nesse sentido, os movimentos sociais bolivianos, em especial o caso dos guerreiros dgua, tem conseguido superar o imediatismo e continuar se organizando mesmo tendo alcanado a meta inicial.

A continuidade sem dvida tem sido posvel graas ao sentido que os tem permitido definirem-se e identificarem-se. Alm disso, conseguiram ressignificar smbolos ancestrais e com isso reconstruirem-se, revalorizando muitos elementos dos povos originais. Consolidando sua cultura, conseguiram desestabilizar a cultura poltica dominante. A identidade que esto configurando explica a fora que adquirem.

Toda ao coletiva no uma mera ao instrumental ou entrega herica sem sentido, seno os movimentos sociais criam uma espcie de corpo de poder baseado nos smbolos (...). O corpo dos smbolos a estrutura de significados ou representaes, sentidos, manifestados no jogo de tecido de mensagens, imagens ancoradas em objetos fsicos. Isto podemos observar nos movimentos indgenas na Bolvia, exemplificando com a whipala, a folha de coca, os pututus, os awayus, as imagens dos lderes histricos (...) e a venerao a lugares sagrados. Esses, aos serem parte deste jogo de tecido de smbolos, detm a fora subjetiva com o intuito de definir quem somos (RAMIREZ, 2004, pg. XX, traduo nossa) assim que na Bolvia a mobilizao de recursos vem acompanhada de smbolos e identidades. A mobilizao de recursos refere-se estratgia de ao para alcanar um determinado objetivo. Nos anos 1990, um novo cenrio poltico retoma a necessidade de fixar os olhos sobre o tema dos movimentos sociais.Desta vez, a intensificao da aplicao do modelo econmico neoliberal gera um resultado inesperado: os povos nativos da Amrica Latina, em defesa dos recursos naturais, conseguem organizar e lutar por seus direitos. O sucesso desta mobilizaomonumental foi,em grande parte, porque esses grupos foram capazes de trazer suas formas de organizao da comunidade para as formas de organizao e protesto. Entre as formas mais proeminentes de organizao est a ayllu, que se refere a todos os indivduos ou as famlias unidas por laos determinadospor uma origem comum, que lhes d um senso de comunidade e, sobretudo, d-lhes um sentimento de pertena a essa comunidade. Os bloqueios de estradas, como uma das formas que os novos movimentos sociais encontraram para se fazerem visveis, tambm remetem s fomras de organizao comunitria,pois para sustent-los por um bom tempo utilizam um sistema de rodizo de turnos, como uma organizao tambm derivada das comunidades. As comunidades indgenas conseguiram aglutinar algumas outras organizaes da sociedade civil: sindicatos organizados, estudantes, profissionais, ativistas, defensores do meio ambiente, entre outros.Conseguindo fundir em torno de um objetivo comum e concreto: expulsar a empresa Aguas del Turan de Cochabamba, devolvendo o usufruto da gua s comunidades. A Guerra da gua,como ficou conhecido este movimento, se converteu com isso no primeiro marco da histria dos movimentos sociais, na primeira vitria.

Como consequncia destas mobilizaes, a empresa privatizadora foi finalmente expulsa de Cochabamba.Mas talvez o mais importante ainda tenha sido o impulso que tiveram estas comunidades para reivindicar outras demandas pormuito tempo adiadas. Este exemplovolta a explicitaro poder que tem os meios de comunicao em relao forma e apresentao da informao. A mesma notcia pode dar conta da vitalidade de um grupo de indivduos que seguem organizados e s aparecem em cena quando encontram um elemento comum que novamente os aglutina, o que pode ser tomado como a debilidade de um representante queuma vez eleito deixa de tomar parte do coletivo a que pertencia. Por isso, tambm no devemos esquecer a importncia que tem a educao, tanto em termos de acesso informao e conhecimento, como aos diversos enfoques de um mesmo fenmeno. Texto Complementar

Desconstruindo a cultura nacional: identidade e diferena

Stuart HallEste texto volta-se agora para a questo de saber se as culturas nacionais e as identidades nacionais que elas constroem so realmente unificadas. Em seu famoso ensaio sobre o tema, Ernest Renan disse que trs coisas constituem o princpio espiritual da unidade de uma nao: ... a posse em comum de um rico legado de memrias..., o desejo de vivem em conjunto e a vontade de perpetuar, de uma forma indivisiva a herana a herana que se recebeu (RENAN, 1990, p. 19). Devemos ter em mente esses trs conceitos, ressonantes daquilo que constituiu uma cultura nacional como uma comunidade imaginada: as memrias do passado; o desejo por viver em conjunto; a perpetuao da herana. Timothy Brennan nos faz lembrar que a palavra nao refere-se tanto ao moderno estado-nao quanto a algo mais antigo e nebuloso a natio uma comunidade local, um domiclio, uma condio de pertencimento (BRENNAN, 1990, p. 45). As identidades nacionais representam precisamente o resultado da reunio dessas duas metades da equao nacional oferecendo tanto a condio de membro do estado-nao poltico quanto uma identificao com a cultura nacional: tornar a cultura e a esfera poltica congruentes e fazer com que culturas razoavelmente homogneas, tenham, cada uma, seu prprio teto poltico (GELLNER, 1983, p. 43). Gellner identifica claramente esse impulso por unificao, existente nas culturas nacionais:

... a cultura agora o meio partilhado necessrio, o sangue vital, ou talvez, antes, a atmosfera partilhada mnima, apenas no interior da qual os membros de uma sociedade podem respirar e sobreviver e produzir. Para uma dada sociedade, ela tem que ser uma atmosfera na qual podem todos respirar, falar e produzir; ela tem que ser, assim, a mesma cultura (GELLNER, 1983, PP. 37-8).

Para dizer de forma simples: no importa quo diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gnero ou raa, uma cultura nacional busca unific-los numa identidade cultural, para represent-los todos como pertencendo mesma e grande famlia nacional. Mas seria a identidade nacional uma identidade unificadora desse tipo, uma identidade que anula e subordina a diferena cultural? [...]

Em vez de pensar culturas nacionais como unificadas, deveramos pens-las como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferena como unidade ou identidade. Elas so atravessadas por profundas divises e diferenas internas, sendo unificadas apenas atravs do exerccio de diferentes formas de poder cultural. Entretanto como nas fantasias de eu inteiro de que fala a psicanlise lacaniana as identidades nacionais continuam a ser representadas como unificadas. Uma forma de unific-las tem sido a de represent-las como a expresso da cultura subjacente de um nico povo. A etnia o termo que utilizamos para nos referirmos s caractersticas culturais lngua, religio, costume, tradies, sentimento de lugar que so partilhadas por um povo. tentador, portanto, tentar usar a etnia dessa forma fundacional. Mas essa crena acaba, no mundo moderno, por ser um mito. A Europa Ocidental no tem qualquer nao que seja composta de apenas um nico povo, uma nica cultura ou etnia. As naes modernas so, todas, hbridos culturais. ainda mais difcil unificar a identidade nacional em torno da raa. Em primeiro lugar, porque contrariamente crena generalizada a rao no uma categoria biolgica ou gentica que tenha qualquer validade cientfica. h diferentes tipos e variedades, mas eles esto to largamente dispersos no interior do que chamamos de raas quanto entre uma raa e outra. A diferena gentica o ltimo refgio das ideologias racistas no pode ser usada para distinguir um povo do outro. A raa uma categoria discursiva e no uma categoria biolgica. Isto , ela a categoria organizadora daquelas formas de falar, daqueles sistemas de representao e prticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto frouxo, frequentemente pouco especfico, de diferenas em termos de caractersticas fsicas e corporais, etc. como marcas simblicas, a fim de diferenciar socialmente um grupo de outro. [...]. Esse breve exame solapa a ideia da nao como uma identidade cultural unificada. As identidades nacionais no subordinam todas as outras formas de diferena e no esto livres do jogo de poder, de divises e contradies internas, de lealdades e de diferenas sobrepostas. Assim, quando vamos discutir se as identidades nacionais esto sendo deslocadas, devemos ter em mente a forma pela qual as culturas nacionais contribuem para costurar as diferenas numa nica identidade. HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. 10 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. Para debate e reflexo

Proposta de atividade

2.2 A educao como mediadora entre a liberdade individual e a homogeneizao dos sujeitos Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta,

que no h ningum que explique e ningum que no entenda.

Ceclia MeirelesNo incio do sculo XX nascem discursos que, em contraposio razoiluminada e ideia de progresso que imperava no sculo XIX, fornecem eixos centrais para uma nova elaborao discursiva. Herdeiras da teoria marxista, estas linhas de pensamento pem em evidncia a posio que o sujeito ocupa nestas sociedades industrializadas, as quais o condenam e o limitam atravs de sua condio de classe. Estes novos discursos buscam explicar como os modelos poltico-econmicos vo permeando a subjetividade e configuram um tipo de ser humano cidado conforme estes modelos. No possvel, por exemplo, pensar no desenvolvimento da indstria em pleno vigor da revoluo industrial sem um sujeito fragmentado preocupado com sua sobrevivncia em meio a um cenrio que o renega a uma msera participao em meio cadeia produtiva. Junto com a economia e a poltica, o mbito cultural desempenha um papel determinante neste desenvolvimento. Cultura aqui entendida no somente como expresso artstica, mas tambm como convenes explcitas e implcitas de convivncia em uma sociedade. Nesse sentido, a partir de Freud que fica evidenciado como a cultura na qual o sujeito est inseridolimita suas pulses e desejos. A Psicanlise afirma que o sujeito tem como objetivo conseguir a felicidade e mant-la, o que para Freud no s implica ampliar o prazer,comotambm evitar a dor. A cultura indicar, de vrias maneiras, que coisas geram felicidade no contexto de uma sociedade. As normas que regulam os vnculos recprocos entre os seres humanos, isto , a cultura, se edificam sobre a renncia das pulses. Sem dvida, estas pulses e desejos esto mediados pela cultura na qual est inserido o sujeito. Muitas das necessidades que hoje entendemos serem bsicas foram criadas para isso. Estas correntes de pensamento tentam analisar at que ponto o sujeito pode liberar-se dessas condies. assim que, influenciado por estas correntes de pensamento, Erich Fromm analisa a necessidade de que o sujeito consiga libertar-se das formas alienadas das sociedades de consumo. Para Fromm, o elemento mais alienante destas sociedade o consumo. Afirma que a natureza do sujeito no estaria determinada pelas condies econmicas e que poderia libertar-se tambm de suas pulses e seus interesses egostas, transcendendo-os atravs das relaes amorosas com os outros. Aplicar estas linhas de pensamento ao contexto educativo um desafio, sobretudo em relao s normas de convivncia e seu efeito nos sujeitos quetemseus desejos reprimidos. Este seria o elementofundamental para se conviver em harmonia com os outros.A educao sem dvida deve gerar as condies necessrias para uma melhor convivncia entre os sujeitos e para isso deveria, em primeiro lugar, promover sua viabilidade. Entender que todos devem estar orientados simplesmente por instintos e desejos ver o outro como sujeito em segundo plano o que contribui para que o ser humano se converta em um ser incapaz de gerar vnculos sociais. Nesse sentido, fundamental pensar em modelos alternativos de conformao dos sujeitos que no estejam to agarrados ao consumo, essa forma contempornea de materializao de pulses e desejos. Em tempos onde nada duradouro, o sujeito deve estar preparado para as mudanas frenticas. Torna-se necessrio alguns fundamentos que o encoraja a enfrentar estas mudanas, para faz-las pelo menos suportveis. Estes fundamentos, ou ferramentas que devemos lanar mo, podem ser variados e neste ponto que reside a diversidade, o respeito alteridade e por outras formas de pensar e ver o mundo. Convm, quem sabe, voltar os olhos a concepes que nos coloquem novamente frente a frente com a possibilidade de sonhar e que nos resgatem a utopia. Que nos permitam suportar o mal-estar originado pelos limites que nos impe a cultura e os desejos e instintos individuais. Imersos no problema da educao, devemos ter a capacidade de captar dos discursos, o que nos permite melhorar a condio da humanidade como tal, e darmos conta de que h outros discursos que nos tiram a possibilidade de ter como limite o outro, nosso semelhante, o que se encontra ao nosso lado. Se isso possvel, no devemos ficar impressionados com naes que massacram outras culturas com o objetivo de defender um modelo nico de ver e interpretar o mundo. Ser consciente do outro ser por um momento o outro, implica que atuemos pensando no outro, que pensemos por um momento que somos o outro e que nossas aes se voltaro para ns mesmos. Este o limite que deveramos respeitar e que, no entanto, o mais difcil de alcanar porque sempre encontramos mecanismos que nos fazem justificar nossas aes, que nos fazem acomodar nosso discurso de maneira a aliviar nossas conscincias e assim estarmos vazios do valor que um dia nos permitiria olharmos ao espelho sem ter que cobrirmos com os vus que produzem uma imagem parcial de ns mesmos. Somente quando formos capazes de sentir como o outro, pelo outro e atravs do outro seremos completamente livres.

Os discursos sobre respeitar a diversidade, a heterogeneidade, se chocam sistematicamente com o objetivo da educao desde a modernidade: homogeneizar os sujeitos. Por um lado, ento, se espera que o sujeito consiga satisfazer seus desejos e pulses e que seja visto como um ser nico, onde suas ideias e opinies sejam respeitadas. Contudo, por outro lado, buscam e conseguem o objetivo contrrio. Quando falamos em educao torna-se difcil concretizar os discursos na prtica. Isto , como o currculo,consolidao do ideal poltico pedaggico, pode tornar realidade estes discursos e tornar possvel o respeito e o desenvolvimento da diversidade dos sujeitos em um plano de convivncia mediada pelo outro. Texto Complementar

Indivduo e processo de individuao

Paulo Meksenas

O desenvolvimento histrico-cultural da humanidade tem sido um longo processo que procura diferenciar o indivduo da sociedade. Ou seja, caminhamos da inexistncia da noo de individualidade, em que a pessoa se confundia ao todo social, para chegar cada vez mais a momentos em que o indivduo se diferencia desse corpo. Nesse sentido, o desenvolvimento da civilizao tambm um processo de individuao. [...]

No plano histrico, o momento em que encontramos uma referncia noo de indivduo est na origem da civilizao ocidental: a Grcia no perodo clssico. No grego, indivduo atomon: parto do todo, partcula primeira que possibilita a formao do corpo social. A traduo latina do termo nos coloca diante de um lxico mais conhecido: individuum. O conceito grego e sua traduo latina designam, portanto, o homem tomado isoladamente, indivisvel, singular: o tomo social do qual a sociedade tem sua origem. [...]

Apenas no momento em que a diviso social do trabalho atinge grau de complexidade, esto criadas as condies histricas para a emergncia da conscincia do ser indivduo. Assim o foi nas sociedades escravistas, sobretudo no bero da civilizao ocidental: a Grcia. Nesse momento o excedente econmico expropriado dos seus produtores pro mecanismos de explorao e dominao, contribuindo para que a minoria da populao se afirme como proprietria e desenvolva a noo de individualidade. Tal noo se manifesta nos direitos cidadania.

A condio para o reconhecimento dos direitos cidadania organizava-se em funo da posse dos bens econmicos e pela possibilidade de disp-los com liberdade. Com isso abre-se o caminho para a participao poltica em sociedade. Tal contexto diferencia essa minoria dos demais (mulheres, escravos, estrangeiros). E, quanto mais se diferenciavam os proprietrios dos no-proprietrios, mais estavam presentes as condies histricas para o desenvolvimento da individualidade.

Os espoliados, marginalizados e no-cidados passam a representar a prpria anttese da individualidade: so proibidos de assumir uma personalidade, no decidem sobre o seu corpo, e o seu passado destrudo junto com o seu nome, sobrenome e bens prprios. Com isso, notamos que a ideia do indivduo aparece colocada ao exerccio da cidadania: uma cidadania restrita casta dominante, que se afirma pela negao do outro, o dominado. [...]No plano formal, com o capitalismo, a noo de indivduo e o processo histrico de individuao chegam ao ponto extremo de sua realizao. A sociedade industrial, assentada no trabalho assalariado, necessita que o homem aparea na sua singularidade de vendedor livre e espontneo de sua fora de trabalho. Nesse contexto, tambm no plano poltico, as democracias liberais colocam como base do projeto de sua realizao o discurso da igualdade jurdica, em que o Estado deve zelar pelo indivduo e pela garantia ao direito de propriedade; afirma-se a noo de que a defesa dos interesses de cada indvduo vital para a existncia da prpria sociedade. O poder de representao deve garantir o exerccio da cidadania de cada um dos indivduos que compem o corpo social.

Nesse contexto, surge a histria a primeira vinculao do processo de individuao com a educao. Produzindo a iluso de que a ascenso social ocorre por meio da ascenso na educao, caba a esta ltima desenvolver as potencialidades de cada indivduo. Nas a noo liberal de indivduo.

A noo liberal da individualidade subordina radicalmente o todo s partes: o interesse geral da humanidade se realiza medida que o interesse individual se realiza. O indivduo se confunde com o