faces e dimensões da contemporaneidade

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  • COMUNICAO, INTERCULTURALIDADE E ORGANIZAES:FACES E DIMENSES DA CONTEMPORANEIDADE

  • Chanceler

    Dom Jaime Spengler

    Reitor

    Joaquim Clotet

    Vice-Reitor

    Evilzio Teixeira

    Conselho Editorial

    Jorge Luis Nicolas Audy | Presidente

    Jeronimo Carlos Santos Braga | Diretor

    Jorge Campos da Costa | Editor-Chefe

    Agemir Bavaresco

    Ana Maria Mello

    Augusto Buchweitz

    Augusto Mussi

    Bettina S. dos Santos

    Carlos Gerbase

    Carlos Graeff Teixeira

    Clarice Beatriz da Costa Shngen

    Cludio Lus C. Frankenberg

    rico Joo Hammes

    Gilberto Keller de Andrade

    Lauro Kopper Filho

  • COMUNICAO, INTERCULTURALIDADE E ORGANIZAES:FACES E DIMENSES DA CONTEMPORANEIDADE

    porto alegre2015

    CLUDIA PEIXOTO DE MOURAMARIA APARECIDA FERRARI(ORGANIZADORAS)

  • EDIPUCRS 2015

    DESIGN GRFICO [CAPA] [DIAGRAMAO] RocketPub

    REVISO E EDIO DE TEXTO Waldemar Luiz Kunsch

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Ficha catalogrfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informao da BC-PUCRS.

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reproduo total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas grficos, microflmicos, fotogrficos, reprogrficos, fonogrficos, videogrficos. Vedada a memorizao e/ou a recuperao total ou parcial, bem como a incluso de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibies aplicam-se tambm s caractersticas grficas da obra e sua editorao. A violao dos direitos autorais punvel como crime (art. 184 e pargrafos, do Cdigo Penal), com pena de priso e multa, conjuntamente com busca e apreenso e indenizaes diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

    EDIPUCRS Editora Universitria da PUCRS

    Av. Ipiranga, 6681 Prdio 33Caixa Postal 1429 CEP 90619-900 Porto Alegre RS BrasilFone/fax: (51) 3320 3711E-mail: [email protected]: www.pucrs.br/edipucrs

    C741 Comunicao, interculturalidade e organizaes : faces e dimenses da contemporaneidade [recurso eletrnico] / Cludia Peixoto de Moura ; Maria Aparecida Ferrari orgs. Dados Eletrnicos. Porto Alegre : EDIPUCRS, 2015 326 p.

    Modo de Acesso: ISBN 978-85-397-0684-6 e-book - pdf

    1. Comunicao Organizacional. 2. Interculturalismo. 3. Transculturao. 4. Contemporaneidade. I. Moura, Cludia Peixoto de. II. Ferrari, Maria Aparecida.

    CDD 658.45

  • SUMRIO

    PRLOGO .................................................................................................................9

    INTRODUO ........................................................................................................ 13

    PARTE 1 - COMUNICAO, INTERCULTURALIDADE E ORGANIZAES .................23

    DA INTELIGNCIA INTELIGIBILIDADE CULTURAL: TECNOLOGIA DIGITAL, AO COLETIVA E COMUNICAO NOS NOSSOS DIAS ................................................................................................25SHIV GANESH

    COMUNICAO INTERCULTURAL: PERSPECTIVAS, DILEMAS E DESAFIOS........................................................................................... 43MARIA APARECIDA FERRARI

    PARTE 2 - GESTO DA DIVERSIDADE: ENTENDENDOA CULTURA COMO CAPITAL SIMBLICO E COMUNICACIONAL NAS ORGANIZAES ........... 65

    DIVERSIDADE NAS ORGANIZAES: ENTRE A RIQUEZA CULTURAL E A DISPUTA POLTICA...................................................67PEDRO JAIME DE COELHO JR

    COMUNICAO E DIVERSIDADE: CENRIOS E POSSIBILIDADES DA COMUNICAO INTERCULTURAL EM CONTEXTOS ORGANIZACIONAIS ....................................97DENISE COGO

  • ATIVISMO E ATIVISTAS NA INTERNET: REFLEXES SOBRE MOTIVAES PARA LUTAS SOCIAIS NO MARCO DA MULTITERRITORIALIDADE E DO TRANSCULTURALISMO ............................................................................... 117LARA NASI

    SUJEITOS EM DILOGOS NOS PROCESSOS INTERCULTURAIS .......................................................................... 135MARLENE MARCHIORI

    PARTE 3 - ABORDAGEM INTERCULTURAL NA GESTO E NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL ................................................. 147

    CULTURA DA APARNCIA E INTERCULTURALIDADE: UMA PERSPECTIVA A PARTIR DO GRUPO BRICS .............................................149LETICIA VELOS0

    MENTALIDADE GLOBAL E A ATUAO EM MERCADOS INTERNACIONAIS: AS EMPRESAS BRASILEIRAS ESTO PREPARADAS? ................................................................. 171GERMANO GLUFKE REIS E CLAUDIA FRIAS PINTO

    REPRESENTAES SOCIAIS E AMBIENTE INTERCULTURAL NAS ORGANIZAES .............................................................193JANANA MARIA BUENO E MARIA ESTER DE FREITAS

    PARTE 4 - A COMUNICAO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS EM DISTINTOS CONTEXTOS CULTURAIS ..................................... 213

    O PROCESSO DE COMUNICAO NA ATUAO INTERNACIONAL DA EMBRAPA .................................................. 215GILCEANA SOARES MOREIRA GALERANI

  • ESTRATGIA DE COMUNICAO INTERNACIONAL DO ITA UNIBANCO ............................................................ 223PAULO MARINHO

    PARTE 5 - INTERCULTURALIDADE, DIVERSIDADE E ORGANIZAES .................233

    O PARADOXO ENTRE O POLITICAMENTE CORRETO E O DISCURSO DA DIVERSIDADE NAS ORGANIZAES ............... 235MRCIA GARON

    COMUNICAO INTERCULTURAL: CONTRIBUIES PARA A GESTO INTERNACIONAL DE ORGANIZAES QUE ATUAM NO CONTEXTO GLOBAL ............................ 249ANA CRISTINA PILETTI GROHS

    PARTE 6 - PRMIO ABRAPCORP DE TESES E DISSERTAES .............................279

    INTERNET, ORGANIZAES E SUJEITOS: NOVOS PROCESSOS DE VISIBILIDADE E INTERAO NO CENRIO DA MIDIATIZAO SOCIAL .........................................................281DAIANA STASIAK

    EXPLORANDO O ASTROTURFING: REFLEXES SOBRE MANIFESTAES DE PBLICOS SIMULADOS E SUAS DINMICAS ............................................. 303DANIEL REIS SILVA

  • PRLOGO

    Atemtica do VIII Congresso da Abrapcorp trouxe baila a dis-cusso sobre aspectos da interculturalidade, que, de acordo com alguns pesquisadores, considerada como muito atual, enquan-to outros a veem como um campo j tratado h muito tempo, uma vez que as sociedades humanas sempre foram alvo do estudo das relaes entre pessoas de diferentes culturas e continentes. Inseri-la na ordem do dia desse evento teve como objetivo reforar, junto aos pesquisadores e alunos da rea da comunicao, que no possvel pensar em processos comunicativos sem contextualizar as aes humanas em um determi-nado territrio ou local e sem compreender as origens dos grupos.

    Comunicao, interculturalidade e organizaes: faces e di-menses da contemporaneidade foi o tema desenvolvido durante os cinco dias do evento. Dois dias foram dedicados ao curso avanado Comunicao organizacional e globalizao, ministrado a alunos de programas da ps-graduao por Shiv Ganesh, professor da Massey University, de Auckland, na Nova Zelndia. E os outros trs dias confi-guraram o congresso propriamente dito, com a participao de pesqui-sadores internacionais e nacionais de renomada trajetria acadmica, alunos e profissionais do mercado.

    Uma das justificativas para a abordagem dessa temtica foi a constatao de que muito escassa a produo nacional e latino-ame-ricana no campo de estudo das relaes entre comunicao e cultura. A existncia de investigao cultural interdisciplinar que possa ser identi-ficada com uma tradio latino-americana dos estudos culturais ainda muito tmida. A isso podemos acrescentar outro problema: a pouca difuso, na Amrica Latina, de bibliografia que trate dos estudos cultu-rais, independentemente do contexto geogrfico onde sejam praticados.

    Nesse contexto, vale ressaltar que a Amrica Latina aglutina um vasto elenco de heterogeneidades culturais, pluralidades tnicas, diver-sidades econmicas, experincias diferentes e desigualdades estrutu-rais. Se a anlise se detiver no Brasil, ocorre o mesmo, uma vez que exis-tem muitos brasis dentro desse pas- continente, conformando uma

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    cultura brasileira original, com suas ricas especificidades. Portanto, re-fletir sobre o Brasil e a Amrica Latina representa uma construo sem-pre incompleta, pois qualquer tentativa de uniformizar essas diversida-des no seria uma proposta coerente e sensata. Ao contrario, a ideia procurar identificar as diferenas, entend-las e respeit-las, aceitando as idiossincrasias de cada povo e de cada regio.

    Nesse sentido, o VIII Congresso da Abrapcorp pode ser considera-do como um divisor de guas, um momento precursor de anlise sobre a interculturalidade como interface que deve ser discutida e entendida, principalmente frente s situaes presentes nos dias de hoje. No caso brasileiro, por exemplo, a chegada dos imigrantes documentados ou no, sejam eles bolivianos, haitianos, senegaleses ou de outras naciona-lidades tem demonstrado que as diferenas no so ignoradas, mas, ao contrrio, so exacerbadas e evidenciam que a prtica da diversidade algo presente no discurso, mas que no cotidiano no funciona.

    O grande legado das apresentaes e discusses que tiveram lugar no congresso foi fixar a mente na importncia da interface que deve existir entre as reas do conhecimento. A interdisciplinaridade , sem duvida, a chave para entender os outros, assim como os processos comunicativos. O campo da comunicao s tem sentido quando est em relao com a antropologia, a sociologia, a filosofia, a psicologia, a histria e outros campos mais, pois como processo as relaes entre as pessoas dependem da comunicao e dela surge (ou no) a interao.

    Como resumo dos debates, ficou claro que a interculturalidade sempre existiu, ou seja, as relaes entre os diferentes povos sempre ocorreram, tanto por meio das transaes mercantilistas, quanto por meio das conquistas polticas-geogrficas. O que hoje inovador, nessa relao, a compreenso da comunicao intercultural, uma vez que estamos diante de um novo paradigma, entendido como um modelo de criao de sentido comum ou comunitrio e como forma de perceber a realidade. Apesar de vermos o mundo como, majoritariamente, inter-cultural porque o fenmeno da globalizao colaborou para o avano das tecnologias e as relaes se tornaram quase que instantneas , ve-mos que essa no tem sido a percepo dominante de muitos governos e das empresas. Da a necessidade de entender por que os governos e as

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    organizaes muitas vezes atuam de maneira contrria a todos os prog-nsticos que nos so dados a conhecer.

    Dentro da opo que inaugurou a coleo Rede Abrapcorp, com as contribuies do congresso anterior, a presente obra apresentada em formato de e-book, elaborado digitalmente pela Editora da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (Edipucrs). Com ela, a dire-toria da gesto 2012-2014 da Abrapcorp encerra suas atividades, dei-xando mais este legado, que, sem dvida, colaborar para o desenvolvi-mento da rea da comunicao.

    S nos resta agradecer o apoio dado a esse evento pelas agncias de fomento pesquisa, como a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes) e a Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp), alm de patrocinadores como a Petrobrs e a Vale S.A. Tambm merece registro a contribuio do Conselho Federal de Profissionais de Relaes Pblicas (Conferp). O ciclo de nossa atuao se fechou com a abnegada colaborao da comisso organiza-dora do VIII Congresso e dos colegas docentes da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A propsito, deixamos registrado aqui nosso cordial reconhecimento a essa renomada e produtiva instituio que, comemo-rando em 2014 quarenta anos de seu Curso de Relaes Pblicas, abriu suas portas para acolher os pesquisadores brasileiros e internacionais nesse evento. Sem dvida, o VIII Congresso da Abrapcorp se constituiu em mais um marco das reas de comunicao organizacional e de rela-es pblicas.

    As organizadoras

  • INTRODUO

    AS RELAES INTERCULTURAIS NO MUNDO GLOBALIZADO

    Como entender as relaes interculturais no mundo globalizado? As organizaes esto prepara-das para gerir seus recursos humanos na dimenso da diversidade? A cultura tem sido encarada como capital simblico e comunicacional nas organiza-es? As empresas brasileiras esto estruturadas para atuar em distintos contextos culturais? Essas fo-ram algumas das indagaes presentes nas palestras e discusses do VIII Congresso Brasileiro Cientfico de Comunicao Organizacional e Relaes Pblicas, realizado no ano passado pela Abrapcorp. A presente obra resulta desse evento, que teve como tema central Comunicao, interculturalidade e organizaes: fa-ces e dimenses da contemporaneidade. Ela brinda o leitor com um material indito, contemporneo e muito valioso, medida que foi produzido por pes-quisadores da rea da comunicao e de reas que fa-zem interface com ela, sendo a interdisciplinaridade o mecanismo que propicia e torna possvel o olhar e a percepo intercultural tanto para o pesquisador quanto para o profissional do mercado.

  • C omunicao, interculturalidade e organizaes: faces e dimen-ses da contemporaneidade, fruto do oitavo congresso anual da Abrapcorp, realizado em maio de 2014, na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paran, traz as reflexes dos conferencistas e de pesquisadores que tm se dedicado a pensar sobre as imbricaes existentes entre os processos culturais e comunicacionais na sociedade contempornea. Entregamos um conjunto de quinze captulos selecio-nados, os quais, distribudos ao longo de seis sees, abordam de forma transversal a temtica do congresso, oferecendo ao leitor o contato com importantes autores contemporneos que oferecem novas perspectivas sobre as interfaces entre a comunicao e a interculturalidade.

    CoMUNICao, INterCUltUralIDaDe e orgaNIZaeS

    A Parte 1 do livro abre com dois textos que propiciam uma viso ampla da temtica principal do congresso. Aspectos como o fenmeno da globalizao, a complexidade organizacional e comunicacional na era da onipresena digital e a conexo com conceitos relacionados diversidade e interculturalidade nas organizaes so discutidos em dois captulos.

    Shiv Ganesh, professor da Massey University, de Auckland, na Nova Zelndia, com o capitulo Da inteligncia inteligibilidade cultural: tec-nologia digital, ao coletiva e comunicao nos nossos dias, apresenta duas abordagens que tratam de deslocar o paradigma da inteligncia para o paradigma da inteligibilidade da cultura, pois segundo o autor, a postura do homem perante o mundo deve ser a de cosmopolita enrai-zado. O texto, utilizando conceitos contemporneos, refora a profunda hibridicidade da cultura e a multiplicidade radical da cultura, ressaltan-do o quo comparativo o entendimento do mundo pelo homem.

    Maria Aparecida Ferrari, com o texto Comunicao intercultural: perspectivas, dilemas e desafios, prope apresentar conceitos e proces-sos relacionados diversidade, cultura e interculturalidade no mbito da sociedade globalizada. Sendo a realidade organizacional to comple-

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    xa, necessrio o aporte das diversas disciplinas das cincias sociais, com suas especificidades, para permitir um melhor entendimento da realidade contempornea. Dessa forma, os assuntos tratados nesse ca-ptulo se relacionam entre si, uma vez que a comunicao e a cultura so dimenses inseparveis que atuam em sinergia.

    geSto Da DIVerSIDaDe: eNteNDeNDo a CUltUra CoMo CapItal SIMBlICo e

    CoMUNICaCIoNal NaS orgaNIZaeS

    A Parte 2 traz quatro captulos, reunindo autores que traaram suas trajetrias nos estudos culturais, na diversidade, no preconceito, nos mo-vimentos de ativistas e na disputa poltica. Eles mostram como, na atuali-dade, importante se debruar, cada vez mais, sobre a realidade compos-ta de elementos que influem nos relacionamentos interpessoais e grupais e que geram novos modos de vida e de valores nos cidados.

    Pedro Jaime de Coelho Jr., no captulo Diversidade nas organiza-es: entre a riqueza cultural e a disputa poltica, inicia suas reflexes com duas perguntas: Qual a resposta do mundo empresarial no Brasil s presses realizadas pelo movimento negro? De que maneira foi produzi-da essa resposta? A partir das referidas questes o autor faz uma anlise primorosa sobre a diversidade nas organizaes, enfatizando a questo racial e ressaltando a tenso que esta estabelece entre a riqueza cultural e a disputa poltica.

    Denise Cogo, com o capitulo Comunicao e diversidade: cenrios e possibilidades da comunicao intercultural em contextos organiza-cionais, parte, na sua argumentao, apontando para quatro cenrios atuais de mobilizaes por direitos culturais no Brasil, com o objetivo de refletir sobre os conceitos de multiculturalismo e interculturalidade. A autora busca situar algumas possibilidades e limites da comunicao intercultural em contextos organizacionais que estejam em consonn-cia com as demandas relacionadas diversidade cultural trazidas por esses novos cenrios.

    Lara Nasi, com o seu capitulo Ativismo e ativistas na internet: reflexes sobre motivaes para lutas sociais no marco da multiterri-torialidade e do transculturalismo, verifica quais so as contribuies da comunicao intercultural para a gesto internacional dos negcios. Apresenta uma reflexo sobre os elementos que constituem e interferem

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    no processo de comunicao intercultural. A autora identifica e prope quatro eixos de anlise sobre a comunicao intercultural e conclui que a maior contribuio do processo de comunicao para a gesto inter-nacional das organizaes construir um ambiente de aprendizagem contnua, na qual a diversidade deve ser fonte de aproximao, criativi-dade e desenvolvimento sustentvel.

    Marlene Marchiori, no capitulo Sujeitos em dilogos nos proces-sos interculturais, discute a interculturalidade como processo, no qual se torna primordial o entendimento da presena dos sujeitos em inte-rao. Segundo a autora, os processos interacionais nos quais os sujei-tos se encontram em dilogo so processos possveis de experincias de aproximao relacionados interculturalidade. Se vislumbrarmos a interculturalidade como processo, h uma exigncia de se olharem os sujeitos em conversaes e essa perspectiva dialgica empodera a co-municao para criar ou construir o mundo social, incluindo o eu, o outro e as relaes entre eles.

    aBorDageM INterCUltUral Na geSto e No aMBIeNte orgaNIZaCIoNal

    A Parte 3, composta de trs captulos, trabalha, mediante o uso de constructos, situaes reais que colocam em destaque a cultura como pano de fundo para entender as representaes sociais, a cultura da aparncia, como forma de comunicao de consumo, e os contextos internacionais como arena de disputas culturais. Os autores articulam seus conceitos de forma a apresentar a realidade e como a interao ocorre ou no ocorre em distintos loci corporativos.

    Letcia Helena Medeiros Veloso, com o seu capitulo Cultura da apa-rncia e interculturalidade: uma perspectiva a partir do grupo Brics, busca entender o contexto atual, de globalizao, ps-modernidade e interculturalidade, por meio de um olhar sobre como grandes corpo-raes transnacionais vm atuando nos pases do gurpo Brics, princi-palmente no que diz respeito gesto de pessoas que se originam de diferentes culturas. A autora pensa a cultura como algo situado na esfe-ra da imagem, da aparncia, do corpo mesmo e suas implicaes dessa conceituao para se pensar interculturalidade.

    Germano Glufke Reis e Claudia Frias Pinto, no capitulo Mentalidade global e a atuao em mercados internacionais: as empresas brasilei-

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    ras j esto prontas?, defendem que, para uma empresa multinacional operar e competir internacionalmente, no basta construir uma rede de atividades que adicionem valor, mas necessrio que os gestores de-senvolvam uma mentalidade global (global mindset). Para os autores, a mentalidade global um estado de esprito que permite aos gestores compreender um negcio ou mercado sem se restringirem s fronteiras entre pases. Para que a empresa multinacional seja bem-sucedida em um contexto global, os gestores de empresas multinacionais precisam desenvolver perspectivas globais e integradoras e ter uma viso abran-gente, no paroquial, da empresa e das suas operaes, alm de um pro-fundo entendimento do seu prprio negcio e do pas.

    Janana Maria Bueno e Maria Ester de Freitas, no capitulo Representaes sociais e ambiente intercultural nas organizaes, propem que a anlise do ambiente intercultural por meio das repre-sentaes sociais possibilita a identificao do contexto. Tambm dis-cutem sobre a utilizao de um arcabouo terico-metodolgico que auxilie na compreenso da dinmica do ambiente intercultural, espe-cialmente no que diz respeito aos relacionamentos interpessoais no ambiente organizacional.

    a CoMUNICao DaS eMpreSaS BraSIleIraS eM DIStINtoS CoNteXtoS CUltUraIS

    A Parte 4 traz as experincias de internacionalizao de duas renomadas organizaes brasileiras, uma pblica e a outra privada. Os dois captulos revelam como duas empresas, a Embrapa e o Itau-Unibanco conduziram o processo de internacionalizao de seus ne-gcios e servios. Observa-se que a conduo dos negcios foi pautada por estratgias de reconhecimento do pas hospedeiro, assim como da cultura local.

    Gilceana Soares M. Galerani, no capitulo O processo de comuni-cao na atuao internacional da Embrapa, apresenta a empresa, sua atuao no exterior, a estrutura e a rede de comunicao. Em sua expo-sio, mostra os desafios, as estratgias e as atividades de comunicao descritas em plano especfico para auxiliar no fortalecimento das rela-es com parceiros internos, lideranas e comunidade cientfica inseri-dos no ambiente internacional em que pontua a empresa.

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    Paulo Marinho, no capitulo Estratgia de comunicao interna-cional do Ita Unibanco, descreve as estratgias de internacionalizao do Ita-Unibanco e a participao da rea da comunicao corporativa nesse processo. Com exemplos prticos, o autor apresenta uma sntese das principais mtricas usadas na medio da imagem e da reputao do banco em outros pases. Observa-se que no processo de internacio-nalizao o banco buscou estabelecer estratgias especficas de comu-nicao para em um contexto diverso entender a cultura local e agir de forma global.

    INterCUltUralIDaDe, DIVerSIDaDe e orgaNIZaeS

    A Parte 5 traz dois captulos que contribuem com novos olhares para a temtica da interculturalidade. A questo do comportamento or-ganizacional versus a cultura nacional e a anlise de dois casos de empre-sas que se instalaram em outros pases, mostram que preciso basear a comunicao em estratgias simtricas e ter como foco a aprendizagem continua no contexto da contemporaneidade.

    Mrcia Garon, no seu capitulo O paradoxo entre o politicamente correto e o discurso da diversidade nas organizaes, inspirado na pers-pectiva da complexidade, identificou que a adoo de comportamento e linguagem politicamente corretos neutralizam a espontaneidade e a criatividade esperadas das diferenas. Outra descoberta o paradoxo entre a retrica da valorizao da diversidade e a prtica conduzida por treinamentos que padronizam e anulam as diferenas.

    Ana Cristina Piletti Grohs, com o capitulo Comunicao inter-cultural: contribuies para a gesto internacional de organizaes que atuam no contexto global, traz uma reflexo sobre os elementos que constituem e interferem no processo de comunicao intercultural. Apresentando duas situaes reais, a autora identificou e props quatro eixos de anlise sobre a comunicao intercultural e conclui que a maior contribuio do processo de comunicao para a gesto internacional das organizaes construir um ambiente de aprendizagem contnua, na qual a diversidade deve ser fonte de aproximao, criatividade e de-senvolvimento sustentvel.

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    prMIo aBrapCorp De teSeS e DISSertaeS

    A Parte 6 apresenta as pesquisas ganhadoras do Prmio Abrapcorp de Teses e Dissertaes de alunos de Programas de Ps-Graduao do Brasil. O prmio, institudo em 2014, tem como misso fomentar a pes-quisa cientfica, promover jovens pesquisadores e divulgar as produes mediante as redes de pesquisa. A exemplo do presente volume, todos os livros dos futuros congressos da Abrapcorp traro os estudos premia-dos, como forma de prestigiar a produo cientifica das reas de comu-nicao organizacional e de relaes pblicas.

    Daiana Stasiak, no capitulo Internet, organizaes e sujeitos: novos processos de visibilidade e interao no cenrio da midiatizao social, apresenta uma sntese de sua tese de doutorado, Comunicao organizacional sob a perspectiva da midiatizao social: novos proces-sos de visibilidade e interao na era da cibercultura, defendida em 2013 no Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade de Braslia, sob a orientao da Prof. Dra. Christina Maria Pedrazza Sga. A autora faz uma reflexo sobre a comunicao organizacional dian-te da perspectiva da midiatizao social e aponta que os processos comunicacionais esto sendo realizados de forma cada vez mais au-tnoma, tanto pelas organizaes quanto pelos sujeitos, sendo essas mudanas, em grande parte, possveis pela consolidao da internet enquanto meio de comunicao. O objeto de pesquisa emprica foi a Universidade Federal de Gois.

    Daniel Reis Silva, no capitulo Explorando o astroturfing: refle-xes sobre manifestaes de pblicos simulados e suas dinmicas, apresenta os principais pontos de sua dissertao de mestrado, defen-dida em 2013 no Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a orientao do Prof. Dr. Mrcio Simeone Henriques. Para o autor, o astroturfing pode ser compreendido como a criao de uma manifestao de um pbli-co simulado. A partir de uma perspectiva relacional da comunicao, a pesquisa reflete sobre a prtica, entendendo-a como uma complexa e aberta tentativa de influenciar a opinio pblica que pode, inclusive, mobilizar pblicos. A prtica oferece um posicionamento bsico para os sujeitos agirem como parte daquele pblico que j estaria se mani-

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    festando. Ao mesmo tempo, traz apelos que incentivam os sujeitos a as-sumirem tal posio dentro de um quadro de sentidos, ou seja, a agir.

    ***

    A temtica abordada no congresso de 2014 da Abrapcorp e foca-da nesta obra, Comunicao, interculturalidade e organizaes: faces e dimenses da contemporaneidade, estabeleceu um marco de anlise que reforado por todos os textos aqui reproduzidos. As organizadoras da obra acreditam que o contedo apresentado amplie a viso de mundo de pesquisadores e acadmicos para desenvolver futuros estudos, alm de incentivar os profissionais de mercado a que utilizem as pesquisas acadmicas como base de sustentao para seus projetos de comunica-o intercultural.

    Claudia Peixoto de Moura1

    Maria Aparecida Ferrarii2

    1 Ps-doutora pela Universidade de Coimbra (Portugal) e doutora em Cincias da Comunicao pela Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo (ECA-USP). Docente do Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social e do Curso de Relaes Pblicas da Faculdade de Comunicao Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (Famecos/PUC-RS). Foi presidente da Associao Brasileira de Pesquisadores de Comunicao Organi-zacional e de Relaes Pblicas (Abrapcorp), na gesto 2012-2014. 2 Doutora em Cincias da Comunicao pela Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo (ECA-USP), onde docente na graduao e ps--graduao do Departamento de Relaes Pblicas, Propaganda e Turismo. E professora visitante de vrias universidades latino-americanas. Coautora dos livros Relaes pblicas: teoria, contexto e relacionamentos; Relaciones pblicas: naturaleza, funcin y gestin de las organizaciones contemporneas; e Gestin de relaciones pblicas para el xito de las organizaciones. Foi diretora editorial da Associao Brasileira de Pesquisadores de Comunicao Organizacional e de Relaes Pblicas (Abrapcorp), na gesto 2012-2014.

  • PARTE 1

    CoMUNICao, INterCUltUralIDaDe e orgaNIZaeS

    Dois preceitos crticos associados comuni-cao intercultural podem ajudar a entender a atual complexidade organizacional e comunicacional na era da onipresena digital, demonstrando como elas constroem um sentido altamente comparativo do mundo: a hibridicidade e a multiplicidade radical da cultura. Esses dois preceitos ressaltam quo compa-rativo o nosso entendimento do mundo. A ecologia dos meios digitais facilitou tal comparao, deline-ando a transformao dos elementos fundamentais da ao coletiva. Tento atar todos esses cabos soltos para elaborar uma crtica da noo popular de inte-ligncia cultural, defendendo, eventualmente, a ne-cessidade da inteligibilidade cultural: um processo de base local, ainda que cosmopolita, para se encontrar o sentido do mundo social e suas profundas contra-dies. Nesse processo, ressalto o papel fundador da comunicao intercultural no apenas para a resolu-o das mais pertinentes questes de comunicao organizacional e relaes pblicas dos nossos dias, mas tambm como condio essencial para o estudo da comunicao em si.

    Shiv Ganesh Extrado do captulo 1

  • | 1 | DA INTELIGNCIA INTELIGIBILIDADE CULTURAL: TECNOLOGIA DIGITAL, AO COLETIVA E COMUNICAO NOS NOSSOS DIAS1Shiv Ganesh2

    RESUMO

    O texto apresenta duas abordagens para deslocar o paradigma da inteligncia para o paradigma da inteligibili-dade da cultura, uma vez que a postura do homem perante o mundo deve ser a de cosmopolita enraizado. Trs ques-tes so respondidas no decorrer do texto: quais so os con-ceitos e que tipo de vocabulrio necessrio para tratar das mudanas contemporneas de dimenso ssmica? Que tipo de impacto produzem as mudanas contemporneas sobre

    1 Texto traduzido do original em ingls por Maria Angela Ferrari.2 Shiv Ganesh nasceu em Bombaim, ndia. bacharel em Sociologia pela Universidade de Nova Delhi, ndia. Em 1994 concluiu o mestrado no Instituto Tata de Estudos de Cincias Sociais, na cidade de Bombaim. Trabalhou na Tata Company por alguns anos. Em 2000 concluiu o doutorado na Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, sob a orientao do Prof. Dennis Mumby. Exerceu a funo de docente de 1995 a 2000 na Universidade de Purdue e de 2000 a 2005 na Universidade de Montana, ambas nos Estados Unidos. De 2009 a 2013 foi professor assistente na Waikato University, na Nova Zelndia. De 2013 at o momento diretor do Departamento de Comunicao, Jornalismo e Marketing da Massey University, na cidade de Auckland, Nova Zelndia. Entre 2010 a 2013 foi editor-chefe do Journal of International and Intercultural Communication. Desde 2012 um dos diretores da International Association of Business Com-munication (IABC). E-mail: [email protected].

    mailto:[email protected]

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    a ao coletiva e a prtica da comunicao diria? Como entendemos a prtica eficaz e a tica da comunicao no centro de uma crise ecolgica, poltica e tecnolgica? O texto refora a profunda hibridicidade da cultura e a multi-plicidade radical da cultura, ressaltando o quo comparati-vo o entendimento do mundo pelo homem.

    Palavras-chave: Interculturalidade; Diversidade; Ao coletiva; Inteligibilidade cultural; Tecnologia digital.

    A poca atual est caracterizada por mudanas ssmicas. O flu-xo da tecnologia, as convulses polticas e a crise econmica acabaram por alterar o panorama cultural e organizacional de forma jamais imaginada (Stohl; Ganesh, 2014). Nos ltimos anos, a Grcia, a Turquia, a Sria, o Brasil, a ndia, Hong Kong e os Estados Unidos foram apenas alguns dos pases que vivenciaram srias, ainda que momentneas, comoes de grandes propores alimentadas pe-las tecnologias digitais onipresentes. Paralelamente, o trabalho em si est cada vez mais precrio e arriscado para as pessoas, medida que as instituies tradicionalmente estveis em que se sustentavam, tais como a administrao pblica, as empresas e at mesmo os sindicatos, so fustigados por foras globais (Neilsen; Rossiter, 2008). E, em meio a esses transtornos, a humanidade se depara com perspectivas cada vez mais tenebrosas no mbito da sustentabilidade da ecologia do nosso planeta em termos de clima, alimentos, poluio e recursos naturais (Ganesh; Zoller, 2014).

    Tais fenmenos so extremamente importantes para os acad-micos da comunicao. No obstante, os conceitos que orientam o seu trabalho, como cultura ou organizao, continuam a ser moldados por teorias desenvolvidas h vrias dcadas (Stohl, 2001) e que so reco-nhecidas mais pelo seu bairrismo do que pela sua habilidade de expli-car o mundo. Mais especificamente, preciso reformar urgentemente as ideias, sejam elas populares ou acadmicas, da cultura em si, para que seja possvel tratar dos importantes temas distpicos da atualidade. Neste trabalho proponho tratar desses pertinentes temas, colocando as

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    seguintes questes: quais os conceitos e que tipo de vocabulrio pre-cisamos para tratar das mudanas contemporneas de dimenso ss-mica? Que tipo de impacto produzem as mudanas contemporneas sobre a ao coletiva e a prtica da comunicao diria? E, por ltimo, como entendemos a prtica eficaz e a tica da comunicao no centro de uma crise ecolgica, poltica e tecnolgica?

    Antes de mais nada, gostaria de apresentar dois preceitos crticos associados comunicao intercultural que, a meu ver, podem ajudar a entender a atual complexidade organizacional e comunicacional na era da onipresena digital, demonstrando como elas constroem um sentido altamente comparativo do mundo. Logo, demonstrarei como a ecologia dos meios digitais facilitou tal comparao, delineando a transformao dos elementos fundamentais da ao coletiva. Em seguida, tento atar todos esses cabos soltos para elaborar uma crtica da noo popular de inteligncia cultural, defendendo, eventualmente, a necessidade da inteligibilidade cultural: um processo de base local, ainda que cosmo-polita, para se encontrar o sentido do mundo social e suas profundas contradies. Nesse processo, ressalto o papel fundador da comuni-cao intercultural no apenas para a resoluo das mais pertinentes questes de comunicao organizacional e relaes pblicas dos nossos dias, mas tambm como condio essencial para o estudo da comuni-cao em si.

    DOIS PRECEITOS CRTICOS ASSOCIADOS COMUNICAO INTERCULTURAL:

    HIBRIDICIDADE E MULTIPLICIDADE

    Garam masala considerado um tempero autenticamente in-diano e um ingrediente bsico na cozinha de qualquer restaurante in-diano em todo o mundo. A sua receita varia, dependendo de quem o prepara. Pode conter gros de pimenta, pimenta tipo malagueta, co-minho, cravo, coentro, canela, macis (macis ou maciz, mace em ingls, a membrana que envolve o caroo da noz moscada) e cardamomo. Ainda assim, ao considerarmos as origens de cada componente desse produto genuinamente indiano, um resultado diferente emerge. A pi-menta malagueta foi cultivada na sia depois de Colombo ter desco-berto que os povos americanos j a cultivavam h sculos. O cominho era cultivado no Mediterrneo e no Oriente Mdio antes de chegar

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    ndia, tendo passado pelo Ir e o Afeganisto. O cravo chegou ndia atravs das Ilhas Molucas, hoje parte da Indonsia. At mesmo o co-entro mais nativo do sul da Europa e no norte da frica e sudeste da sia do que da ndia. A canela tambm foi, provavelmente, importada da China. S a pimenta em gros tem origem, aparentemente, no sul da ndia e no Sri Lanka. Outra ironia que garam masala utilizado muito mais no norte do que no sul da ndia.

    Esse exemplo histrico-culinrio mostra que o mundo , e sem-pre foi, intercultural, e que todas as culturas so, definitivamente, h-bridas. O que pode parecer uma essncia cultural simples , invariavel-mente, um encontro muito mais complexo de fatos, relaes, lugares e discursos. Isso significa, tambm, que temos que entender a ideia de autenticidade cultural como algo muito mais problemtico. J h tempos, os estudiosos da comunicao e cultura disputam a questo e, ao faz-lo, frequentemente resgatam ideias de tericos ps-coloniais. Marwain Krady (2005), por exemplo, explorou exaustivamente as ideias de hibridicidade de Homi Bahbha, chegando at a chamar de hibridi-cidade a lgica cultural da globalizao em si. Existem, no obstante, muitas razes para crer que a hibridicidade no apenas emblemtica de uma cultura global catica, mas tambm que a hibridicidade pro-funda uma especificidade da prpria cultura. E, conforme o exemplo acima demonstra, somente a anlise histrica pode relevar a natureza hbrida de todas as culturas: nesse sentido, toda cultura a histria de encontros interculturais.

    Se quisermos reconfigurar o conceito de cultura de forma a ressal-tar a hibridicidade, poderamos ser levados a depreender que uma cul-tura autntica ou original no existe. Mas essa uma postura insusten-tvel, tanto do ponto de vista moral quanto do poltico, no contexto dos movimentos e dos povos indgenas e da violenta histria colonial que culminou no distanciamento das pessoas do seu lugar, e da destruio de culturas inteiras com base em argumentos etnocntricos e econmi-cos (Zinn, 1980). Do ponto de vista da hibridicidade profunda, a prpria autenticidade mais compreendida no como uma propriedade ima-nente, mas como uma relao, uma ligao particular entre as pesso-as, local e ambiente, em lugar de algo original em si mesmo. Os maoris em Aotearoa, na Nova Zelndia, por exemplo, afirmam a exclusividade da sua indigenicidade no com base no fator de sempre terem existido,

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    mas sim por serem o primeiro povo, porque a sua histria em relao terra mais profunda, mais intensa do ponto de vista histrico, e pr--colonial, ao contrrio dos neozelandeses pkehas. Um exemplo de tal exclusividade a palavra kaitiakitaga, que significa tutela e preservao. Trata-se de um conceito que engloba as atitudes maoris com respeito terra e ao lugar; mais especificamente, a sua postura com relao a como os recursos devem ser levados em considerao. Kaitiakitanga est em clara contradio com a noo de propriedade que prevalecente em muitas culturas ocidentais, e uma viso de vida e relao com um lu-gar que holstica, no-individual e no mercantilizada. Assim, no de surpreender o fato de que, historicamente, os Maori tenham liderado os movimentos de oposio minerao, ao desmatamento e explorao petrolfera no seu pas.

    Um segundo preceito fundamental quando se trata de cultura, que ajuda a reconfigurar o conceito de cultura e torn-lo mais til a uma anlise dos nossos dias, o adgio amplamente utilizado segundo o qual as identidades culturais no podem ser facilmente equaciona-das com a identidade nacional ou tnica. Ou seja, as culturas no so facilmente integradas, mas sim mltiplas, radicalmente mltiplas, de fato. Quais seriam, por exemplo, as especificidades da cultura ameri-cana? De vrios pontos de vista, a cultura dos Estados Unidos reple-ta de paradoxos inclui impulsos repressivos e autoritrios que culmi-naram em uma srie de guerras e ocupaes na sequncia da Segunda Guerra Mundial; mas tambm inclui um fermento contracultural sem limites, que deu origem a movimentos cujos efeitos agora considera-mos direitos adquiridos, inclusive o movimento feminista e os direitos civis. Do mesmo modo, identidade cultural e identidade religiosa no so idnticas. A ndia, por exemplo, frequentemente considerada uma nao hindu; no entanto, ela alberga uma das maiores diversida-des religiosas dentro de um pas.

    As culturas se desenvolvem no apenas ao redor de uma identi-dade nacional, mas tambm apoiadas na identidade tnica, religiosa, de gnero, sexualidade, classe, idade, e um sem-nmero de outras ca-tegorias sociais (Denzin, 1997). nesse sentido que, quando nos referi-mos a uma cultura em particular, estamos nos referindo a muitas outras subculturas e contraculturas que existem em relao umas s outras. Nossas prprias identidades pessoais so produto da sobreposio de

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    todas essas foras: idade, sexualidade, gnero, poltica e ocupao, bem como etnicidade e nacionalidade (McCall, 2006), e nenhuma reproduz uma nica cultura: assim, somos todos multiculturais mesmo no in-terior de ns mesmos, e reproduzimos e atuamos identidades tnicas, profissionais, sexuais, de gnero e de classe.

    Ambos esses preceitos a profunda hibridicidade da cultura e a multiplicidade radical da cultura ressaltam o quo comparativo o nosso entendimento do mundo. A prpria ideia de um mapa, por exem-plo, traduz o sentido de onde estamos e de como nos localizamos com relao a outras partes do mundo. nesse contexto que os meios de comunicao desempenham um papel ecolgico central na formao da cultura: definem os horizontes da nossa experincia e constroem um profundo senso comparativo do mundo nossa volta assim, so uma parte constitutiva da nossa ecologia cultural.

    ECOLOGIA DOS MEIOS DE COMUNICAO E AO COLETIVA

    Marshall McLuhan, o consagrado terico canadense, postulava que a criao da imprensa tinha transformado a mente humana, justa-mente porque a letra escrita alargava os horizontes da experincia hu-mana (McLuhan, 1964). No me considero um literalista de McLuhan, pois defendo que as suas ideias so mais bem interpretadas como forma de entender a histria e a cultura do que a microdinmica do compor-tamento humano de per se. Considerava a inveno da imprensa por Johannes Gutenberg, no sculo XV, por volta de 1439, algo revolucion-rio justamente porque permitiu a produo e a circulao da letra es-crita em escala jamais vista. Com a circulao da Bblia de Gutenberg, a viso da religio pelas pessoas foi transformada, pois permitiu a unifor-mizao das ideias em torno da religio e ofereceu s pessoas um pon-to central de referncia; com o tempo, transferiu o poder do clero aos leigos. Na verdade, e conforme apontou Benedict Anderson, a imprensa teve um impacto transformador no apenas no mbito da religio, mas tambm no comrcio, pois a circulao facilitada de preos das merca-dorias levou a uma agilizao do comrcio, da o termo capitalismo da imprensa (Anderson, 1991).

    Outros marcos importantes na agilizao da transmisso da infor-mao incluem o telgrafo, popularizado e comercializado na Inglaterra

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    por William Cooke e Charles Wheatstone (Duguid; Brown, 2000). O tel-grafo, em particular, possibilitou pela primeira vez que a informao se deslocasse com maior velocidade que as pessoas, e foi a primeira indica-o de que, um dia, o nosso senso de espao viria a desmoronar: assim, alterou a forma como nos comunicamos e atuamos coletivamente. Os meios de comunicao eletrnicos tambm causaram enorme impacto transformador na nossa ecologia cultural (Poster, 1995). Na dcada de 1980, por exemplo, os estudiosos dedicaram-se a estudar a forma como a televiso tinha transformado a cultura (Postman, 1985). No entanto, foi com o advento da comercializao da internet que os meios de co-municao digitais comearam verdadeiramente a produzir o tipo de efeito ecolgico sobre a cultura em geral, a exemplo do que a televiso e a imprensa tinham realizado em dcadas passadas (Abbate, 1989). A digitalizao, particularmente, causou notvel impacto ecolgico sobre a forma em que nos comunicamos e atuamos coletivamente.

    As culturas digitais permitiram o que socilogos como Ulrich Beck (2000) e Roland Robertson (1997) denominaram o colapso do espao e do tempo, duas dinmicas essenciais da globalizao. Esses socilogos popularizaram a ideia de que a distncia entre os lugares realmente des-moronou e tornou-se imaterial medida que nos comunicamos instan-taneamente e cada vez mais com pessoas do outro lado do mundo. Este adgio, j amplamente disseminado, tem duas importantes implicaes. A primeira tem a ver com a maior velocidade da comunicao e a j dis-seminada expectativa de que a comunicao tem que ser instantnea e ao mesmo tempo de fcil manipulao, promovendo a circulao de grandes quantidades de informao a custos praticamente inexistentes. A informao, de certa forma, tornou-se fluida; ela flui, vaza das organi-zaes; quer ser livre.

    A segunda importante implicao est associada reflexividade global. Reflexividade consiste na conscincia do indivduo em contex-to. A reflexividade global significa que entendemos nosso lugar e nossa identidade, e a nossa conscincia com relao ao mundo em geral: uma maior conscientizao da interconectividade contempornea. De fato, Robertson (1997) defendeu que a reflexividade global que gera as ide-ais de global e local, j que, sem o global, no haveria local.

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    Para Bruce Bimber, Andrew Flanagin e Cynthia Stohl (2012) os meios de comunicao digitais se tornaram onipresentes: esto por todo lado, so parte de nosso complexo tecido cultural. Isto significa, primeiramente, que os meios de comunicao digitais tornaram-se correntes. Exatamente como uma tubulao, ou como uma caneta: s percebemos a sua existncia quando desaparecem, ou quando no fun-cionam bem. Significa, tambm, que esses meios so de longo alcance: tm impacto importante nas nossas vidas, quer os utilizemos ou no. Poderamos estabelecer a analogia das cidades que so construdas em torno dos automveis: no preciso dirigir um automvel para viver em uma cultura de automveis. Exatamente como a televiso transformou radicalmente o panorama cultural global, implicando consequncias para todas as pessoas, quer assistam televiso, quer no.

    A onipresena digital alterou definitivamente o panorama da ao coletiva, a forma como nos engajamos e nos comunicamos com os outros para produzir resultados sociais satisfatrios. Em geraes passadas, era preciso contar com grandes organizaes formais para se engajar em algum tipo de ao coletiva, pois os indivduos, sozi-nhos, no tinham a capacidade de arcar com os custos da coordenao e comunicao (Ganesh; Stohl, 2010). Precisvamos de grupos, asso-ciaes profissionais, sindicatos e grandes organizaes que estavam em condies de realizar aquilo que ns, enquanto indivduos, no podamos: organizar, disseminar informaes, praticar lobby, aplicar presso eficaz junto aos polticos ou outros grupos, promover campa-nhas e conquistar visibilidade.

    Hoje, no entanto, os custos de coordenao e de comunicao so praticamente inexistentes; esto incorporados na arquitetura pon-ta a ponta dos meios de comunicao digitais. Consequentemente, as organizaes de ao coletiva esto se transformando. A ao coletiva promovida pelas organizaes deu lugar a outras formas de ao social, mais espontneas, ad hoc, temporrias e volteis, o que permite ao indi-vduo conectar-se a outros indivduos enquanto indivduos, e no mais por meio de grupos sociais. o que estudiosos como Lance Bennett e Alexandra Segerberg (2013) chamam de ao conectiva, em lugar de co-letiva. A ao conectiva prevalece especialmente no ativismo. Os grupos de ativistas de hoje so de curta durao; os ativistas podem unir-se em

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    torno de uma causa, rapidamente promover um problema, para logo dissolver-se com a mesma rapidez.

    Enquanto alguns acadmicos discutem intensamente a questo do ativismo como uma rede de redes, tratando de fenmenos como a Primavera rabe em termos hiperblicos como uma Revoluo do Facebook, outros assumem uma postura um tanto mais ponderada diante do poder transformador das redes sociais (Ganesh, 2001). O impacto transformador dos meios de comunicao digitais sobre a nossa habilidade de nos organizar coletivamente no est evidenciado apenas no ativismo: tambm nitidamente visvel no aparecimento de novas identidades e formas ocupacionais, tais como o empreende-dorismo. Os empreendedores, afinal, so pessoas que no necessitam de organizaes e instituies para funcionar: so agentes livres, so visionrios e assumem riscos; e o ambiente digital lhes oferece a infra-estrutura para tal. A exemplo dos estudos sobre os ativistas, entender o comportamento empreendedor requer, em muitos casos, a destrui-o das fronteiras entre a comunicao interpessoal e organizacional: quer seja ativista, quer seja empreendedor, o indivduo se transforma em organizao. A despeito do exposto, as organizaes continuam a ter a sua importncia, particularmente como forma de conferir uma identidade s pessoas; mas j no operam como antes. E isto suscita uma questo fundamental para os pesquisadores: as tecnologias di-gitais oferecem a energia para um compromisso de longo prazo que, sabemos, o precursor de todo tipo de mudana? Ou simplesmente extraem energia dos esforos de mudanas sociais, produzindo o que chamamos de cliquetivismo e ativismo preguioso?

    DA INTELIGNCIA INTELIGIBILIDADE

    At agora, discutimos como as culturas so tanto profundamente hbridas quanto mltiplas; os meios so parte de nossa ecologia cultu-ral; e em uma cultura digital onipresente, o nosso ambiente muito mais voltil, catico e individualista, e estamos propensos a ser altamente reflexivos do ponto de vista global. Examinaremos agora como essas ideias podem impactar e transformar algumas das principais imagens no campo da comunicao intercultural. A principal imagem que gos-taria de discutir a inteligncia cultural (CQ), que nos ltimos dez ou

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    doze anos ganhou popularidade. Vejamos, antes de qualquer coisa, o conceito geral de inteligncia cultural, para logo discutir algumas das suas limitaes e sugerir algumas alternativas.

    Inteligncia cultural um conceito relativamente recente, nasci-do no sculo XXI. O termo apareceu pela primeira vez em 2003, cunha-do por Christopher Earley e Soon Ang (Earley; Ang, 2003), alcanando destaque nos crculos acadmicos e organizacionais com a publicao de um breve artigo sobre o tema, de autoria de Christopher Earley e Elaine Moskakowski (2004) na Harvard Business Review; posteriormen-te, esses estudiosos se esforaram por popularizar o conceito, at que se tornou um elemento essencial de muitos programas de treinamento em gesto dirigidos sensibilizao cultural (consulte, por exemplo, o site do Centro de Inteligncia Cultural, www.culturalq.com), e tema de importantes programas de pesquisa em muitas universidades em todo o mundo (Dutta, M.; Dutta, D., 2013). As muitas definies de inteligncia cultural do prova do interesse suscitado pelo conceito. Earley e Moskakowski (2004, p. 139) falam de uma habilidade aparen-temente natural da pessoa que imita gestos culturais desconhecidos ou inequvocos. Para Ang et al. (2007, p. 336), trata-se de uma capa-cidade do indivduo de funcionar e gerir de forma eficaz ambientes culturais diferentes.

    Os mesmos autores Ang et al. (2007) propem um modelo rele-vante que se desdobra nos componentes metacognitivo/estratgico, cognitivo/do conhecimento, motivacional e comportamental. Este quadro referencial de quatro componentes estratgia, conhecimento, motivao (popularmente conhecido como propulsor) e comportamen-to (popularmente conhecido como ao) j se tornou essencial para os treinadores e pesquisadores no exerccio de medir CQ. Vale a pena exa-minar um conhecido questionrio de CQ em detalhes para tentar iden-tificar os vieses do modelo.

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    Tabela 1.1 O CQS dos quatro componentes em vinte pontos.

    COMPONENTE MEDIDA

    Estratgia CQ

    MC1: Sou consciente do conhecimento cultural que utilizo na interao com pessoas de outras culturas.

    MC2: Adapto o meu conhecimento cultural na inte-rao com pessoas de uma cultura que desconheo.

    MC3: Sou consciente do conhecimento cultural que utilizo na interao intercultural.

    MC4: Verifico se o meu conhecimento cultural acertado, medida que interajo com pessoas de outras culturas.

    Conhecimento CQ

    COG1: Conheo os sistemas jurdico e econmico de outras culturas.

    COG2: Conheo as regras (por ex., vocabulrio, gramtica) de outros idiomas.

    COG3: Conheo os valores culturais e as convices religiosas de outras culturas.

    COG4: Conheo os sistemas de unio pelo matrim-nio em outras culturas.

    COG5: Conheo o panorama das artes e do artesa-nato de outras culturas.

    COG6: Conheo as regras para expresso de com-portamentos no-verbais de outras culturas.

    Motivao CQ

    MOT1: Gosto de interagir com pessoas de outras culturas.

    MOT2: Tenho certeza de que consigo sociabilizar--me com pessoas de uma cultura que desconheo.

    MOT3: Tenho certeza de que consigo lidar com o es-tresse de adaptao a uma cultura nova para mim.

    MOT4: Gosto de viver em culturas que desconheo.

    MOT5: Estou certo de que posso me acostumar aos hbitos de compras em uma cultura diferente.

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    Comportamento CQ

    BEH1: Mudo o meu comportamento verbal (por ex., sotaque, tom) quando uma situao intercultural o exige.

    BEH2: Uso pausas e silncio de forma diferente, segundo a situao intercultural.

    BEH3: Vario a velocidade do meu discurso quando uma situao intercultural o requer.

    BEH4: Mudo o meu comportamento no-verbal quando uma situao intercultural o exige.

    BEH5: Mudo as minhas expresses faciais quando uma situao intercultural o exige.

    Fonte: Ang, Soon et al., 2007.

    Mesmo aps um exame muito rpido da tabela, quatro vieses emergem. Primeiramente e, possivelmente, no vis mais bvio, CQ percebida como uma caracterstica individual mais do que uma qua-lidade interacional, estrutural, contextual ou cultural, e as limitaes associadas a isso so, talvez, mais evidentes nas crticas de compe-tncia que demonstram que a comunicao e o comportamento com-petentes no so essencialmente um resultado de eficcia individual, j que so produzidos por um contexto cultural. Kurt Fischer et al. (1993), por exemplo, em um reconhecido estudo sobre a ecologia das mentes, desafiaram a ortodoxia dominante da psicologia do desenvol-vimento, alegando que a competncia no um atributo de uma pes-soa individualmente; , isso sim, o contexto que uma parte da ao, percepo, pensamento e conhecimento de uma pessoa (Fischer et al., 1993, p. 96). Consequentemente, separar a habilidade individual do contexto, e avaliar como as pessoas respondem ao contexto, em vez de se concentrar em como os contextos podem determinar o que se considera uma habilidade, o primeiro erro da maior parte das abordagens baseadas nas competncias.

    Em segundo lugar, a escala acima deixa claro que a ideia de cul-tura em QC esttica e imutvel. Isto em, pelo menos, dois aspectos. Primeiro, e associado ao exposto acima, enquanto a escala avalia como

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    os indivduos so capazes de mudar em resposta cultura, no leva em conta at que ponto o entendimento do indivduo sobre a cultura em si dinmico. Isto problemtico em uma era de inexorvel interconecti-vidade, em que os indivduos, eles mesmos, so organizaes, e em que o fluxo e a volatilidade so a norma. Em segundo lugar, a escala tambm reproduz uma ideia esttica e imutvel ou at mesmo essencializa-dade cultura e de diferenas culturais, por no avaliar em que medi-da os indivduos podem historicizar a cultura, apreciar a hibridicidade profunda e afastar-se das noes objetivadas de diferenas culturais e enxergar as culturas em si como produes da diferena.

    Em terceiro lugar, a escala preserva a noo de cultura como algo singular e integrado. Isto vale, principalmente, no caso dos itens 1-6 de COG, apresentados na Tabela 1.1. Esses itens, particularmente, equa-cionam cultura com nacionalidade, partindo do princpio de que so as culturas, por exemplo, e no os Estados-nao que possuem sistemas jurdicos e econmicos e sistemas de unio pelo matrimnio. Tambm, uma noo integracionista de cultura fica evidente nesses itens, pois simplesmente avaliam se os indivduos conhecem o sistema de unio pelo matrimonio, ou os sistemas religiosos, em vez de avaliar, por exem-plo, se os indivduos tm conhecimento das mltiplas modalidades de unio pelo matrimnio, ou dos diferentes sistemas de convices reli-giosas numa determinada regio.

    Em quarto lugar, e em virtude da individualizao da intelign-cia cultural, a escala (ou mesmo a prpria noo de CQ) apresenta os problemas culturais unicamente em termos de inteligncia cultural e cognitiva. Ao faz-lo, no leva em conta o fato de que os problemas culturais so problemas estruturais e normativos, que transcendem as habilidades individuais e comunitrias. Mohan Dutta e Debalina Dutta (2013) defendem que a tica dos problemas culturais no algo a ser tratado exclusivamente pelo treinamento de CQ da empresa. discut-vel, por exemplo, que os colonizadores europeus em diferentes partes do mundo tivessem um elevado nmero de problemas de CQ; e, na verdade, um alto ndice de CQ era, provavelmente, uma condio da prpria colonizao.

    Sugiro, ento, que consideremos culturas no em termos de in-teligncia, mas sim em termos de inteligibilidade. A necessidade de

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    inteligibilidade, por si s, faz sentido quando consideramos a cultura em si em termos hbridos e diferenciados, e aceitamos que a comuni-cao e os processos culturais so cada vez mais incoerentes dentro do mundo global e da onipresena digital. Nesse contexto, a inteligibili-dade um processo mais profundo de encontrar sentido no mundo e no nosso lugar dentro dele. Na nossa era de cultura digital, a inteligi-bilidade um conceito carregado, pois vivemos no centro do caos e da complexidade organizados.

    Alm disso, e como decorrncia do caos e da complexidade orga-nizados da atualidade, como decorrncia da coliso de vises do mun-do divergentes, e como decorrncia das complexidades da reflexividade global, torna-se necessrio, mais do que nunca, entender que a comu-nicao intercultural eficaz , em si, um conceito carregado de valor. A eficcia sempre calibrada a partir de um determinado conjunto de va-lores e vises do mundo. Pensemos, por exemplo, que em uma viso do mundo fundamentalista, a dominao e a supremacia so valores subja-centes ao que se poderia chamar comunicao intercultural eficaz. Em uma viso pluralista do mundo, por outro lado, os princpios da coexis-tncia, aceitao de diferenas culturais, competncias, adaptao, in-tegrao e assimilao so subjacentes ideia da comunicao intercul-tural eficaz. Se, no entanto, conforme proponho, assumimos uma viso do mundo crtica, a incerteza e o inesperado no tocante s diferenas culturais cobram importncia. Em uma era em que somos convidados a atuar sobre as diferenas culturais, quando fcil estigmatizar minorias religiosas na Nova Zelndia como consequncia de atos de retaliao ocorridos no mesmo dia na Frana, e quando o discurso pblico se po-lariza antes mesmo que possamos entend-lo, precisamos estar treina-dos para questionar a real profundidade dessas diferenas construdas, trat-las como provisrias e sujeitas a mudanas, e entender a cultura como mltipla e interseccional.

    CONSIDERAES FINAIS

    No dia 15 de dezembro de 2014, a cidade de Sydney, na Austrlia, sofreu um profundo trauma quando um extremista religioso fez dezoi-to refns num caf no centro da cidade, matando dois deles. Enquanto uma parte do discurso pblico se polarizou imediatamente e aglutinou

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    os sentimentos antimuulmanos, uma maravilhosa hashtag se espalhou como um vrus no Twitter, juntamente com o abominvel #sydneyseige: #illridewithyou. A australiana Rachel Jones observou quando pediam a uma jovem muulmana que tirasse o seu vu em uma estao de trens, correu atrs dela e se ofereceu para acompanh-la no transporte pbli-co em um momento em que a populao reagia com fria diante do tiro-teio. Isto se converteu em uma campanha das redes sociais, e a hashtag #illridewithyou foi utilizada por milhares de australianos para expressar a sua solidariedade em um momento de angstia de muitas comunida-des muulmanas do pas. O fato de que as pessoas pudessem reconhecer e relativizar as diferenas culturais e religiosas demonstra que os pbli-cos podem ser extremamente complexos do ponto de vista cognitivo no tocante cultura; , pois, tarefa da investigao acadmica discutir e nutrir essa complexidade.

    Nesse esprito, sugiro duas abordagens para deslocar nosso pa-radigma da inteligncia para a inteligibilidade da cultura, de caminhar em direo inteligibilidade: uma postura tica e uma habilidade. Primeiramente, nossa postura perante o mundo deve ser a de cosmo-politas enraizados. O cosmopolitismo refere-se a uma moralidade abar-cadora, um sentido de unidade transcendente e de unicidade. Assim, porque as razes assinalam ateno e laos a um determinado lugar, existe uma tenso entre os termos razes e cosmopolitismo. No obstante, o cosmopolitismo enraizado faz com que nossa ligao ao nosso prprio lugar nos permita desenvolver a preocupao pelo outro. Consequentemente, precisamos estar ligados a um lugar, com um senso sofisticado do mundo nossa volta (Kymlicka; Walker, 2012).

    Um bom exemplo de cosmopolitismo enraizado o movimento Cidades em Transio, uma ao comunitria pr-ativa que trabalha com o problema das mudanas climticas e do pico da explorao do petrleo. A iniciativa foi inaugurada na cidade de Totnes, em Devon, Inglaterra em 2006/2007 por Rob Hopkins e seus colegas. O movimento reconhece a necessidade de se trabalhar em termos de polticas locais e nacionais e em sistemas de governana que no esto dando muitos resultados em termos desses srios problemas mundiais, e sugere um modelo de mudana criativa, com base em princpios de pensamento positivo e investigao apreciativa. Entre as iniciativas promovidas pelo movimento esto atividades da comunidade criativa tais como jardina-

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    gem de guerrilha, bancos de horas, moedas urbanas, jardins coletivos e esquemas de carona solidria. O tipo de reflexividade desse movimento extremamente interessante: o que est subjacente no uma refle-xividade apenas global, mas tambm ps-global: uma conscientizao da desconexo iminente, alm do aumento da integrao. Trata-se da perfeita ilustrao da ideia de que, se no estivermos ligados a um lu-gar, provavelmente nos esqueceremos das nossas histrias imperfeitas e violentas. Se no olharmos para alm de ns mesmos e de nossas ime-diaes, jamais conheceremos o nosso lugar no mundo.

    Uma segunda mudana de que precisamos para poder transitar da inteligncia inteligibilidade pode residir numa habilidade. Cynthia Stohl e Shiv Ganesh (2014) sugerem que dadas a complexidade, imprevi-sibilidade e volatilidade do lugar onde o indivduo se encontra em rela-o aos outros no sistema global, a competncia de comunicao mais importante um tipo de gesto da coerncia em que os indivduos, as comunidades e as organizaes devem navegar e dominar para tratar dos diferentes nveis de interao que compem nosso complexo meio cultural. Os atores contemporneos devem ser capazes de gerir, simul-taneamente e dentro de discursos e culturas mltiplas, a sua posio dentro de ambientes difusos e deslocados, mantendo e solidificando as fronteiras sociais fragmentadas, chamando as vozes ps-coloniais a participar e filtrando quantidades cada vez maiores de informao, sem descuidar a gesto dos fluxos de informao crtica. A gesto da coe-rncia opera no nexo da comunicao interpessoal/organizacional, no apenas no sentido de reas de sobreposio e interseco, mas tambm, e justamente, porque, de muitas maneiras, os indivduos se tornaram organizaes. uma habilidade que o ambiente exige e que permite aos atores comunicar e gerir, simultaneamente, a agncia individual e a re-presentao organizacional.

    Munidos desses dois elementos uma tica e uma habilidade , talvez possamos estar mais bem equipados para encarar os desafios, as distopias e as oportunidades dos nossos dias.

    REFERNCIAS

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  • | 2 | COMUNICAO INTERCULTURAL: PERSPECTIVAS, DILEMAS E DESAFIOSMaria Aparecida Ferrari1

    RESUMO

    O presente captulo tem como objetivo trazer dis-cusso algumas contribuies que envolvem a comunica-o, a interculturalidade e as organizaes, tema central desenvolvido no VIII Congresso da Abrapcorp, em 2014. Esses trs temas emergem em um momento no qual a so-ciedade observa uma mudana de paradigma, que tem al-terado as relaes interpessoais e grupais entre pessoas de diferentes partes do mundo. A proposta apresentar, de forma didtica, como os conceitos, processos e contextos organizacionais no mbito da sociedade globalizada se re-lacionam mostrando que a comunicao e a cultura so di-menses inseparveis que atuam em permanente sinergia. Sendo a realidade organizacional to complexa, necess-rio que nos debrucemos sobre as diversas disciplinas das ci-ncias sociais que, com suas especificidades, permitem um

    1 Doutora em Cincias da Comunicao pela Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo (ECA-USP), onde docente na graduao e ps--graduao do Departamento de Relaes Pblicas, Propaganda e Turismo. Co-autora dos livros Relaes pblicas: teoria, contexto e relacionamentos; Relacio-nes pblicas: naturaleza, funcin y gestin de las organizaciones contemporneas; e Gestin de relaciones pblicas para el xito de las organizaciones. Foi diretora editorial da Associao Brasileira de Pesquisadores de Comunicao Organiza-cional e de Relaes Pblicas (Abrapcorp), na gesto 2012-2014.

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    melhor entendimento da referida realidade. Dessa forma, o conceito de interdisciplinaridade vital para analisar, me-diante mltiplas perspectivas, o fenmeno organizacional.

    Palavras-chave: Comunicao; Cultura; Interculturalidade; Diversidade; Comunicao intercultu-ral; Dilogo cultural.

    No contexto da globalizao, o aumento das migraes e o crescimento das cidades, os desafios conexos com a preserva-o da identidade cultural e o fomento do dilogo intercultu-ral adquirem uma nova projeo e tornam-se mais urgentes.

    (Unesco, 2009)

    As sociedades e as organizaes contemporneas passam por um dilema intercultural medida que esto expostas a uma plura-lidade de vises sobre diferentes contextos, principalmente de-correntes dos processos de internacionalizao que foram facilitados pela tecnologia, pela abertura das economias e pelos processos migra-trios. Portanto, o estudo da interculturalidade pode ser comparado a um cenrio ou um pano de fundo, que flui e influi no relacionamento das sociedades e organizaes dentro e fora de suas fronteiras geogrfi-cas. Essa metfora do pano de fundo, mostra que necessria a adoo de uma perspectiva sistmica, em que a cultura e a comunicao so dimenses sinrgicas que no funcionam em separado.

    Um dos aspectos mais importantes para o estudo da intercultura-lidade a identificao dos processos comunicacionais que, ao lado da cultura, estabelecem as bases para o dilogo cultural entre as pessoas e nas e entre organizaes com seus pblicos e as demais instituies.

    A anlise da comunicao intercultural precisa ir alm da simples comparao entre culturas, assim como do levantamento entre seme-lhanas e diferenas. importante identificar de que forma a comu-nicao intercultural gerenciada; se, primeiro, se espera que um dos interlocutores se adapte ao contexto cultural do outro, ou se se procura

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    conseguir uma comunicao consensual que satisfaa as partes em in-terao. A segunda viso resulta ser mais eficaz, pois promove modelos de gesto da comunicao de mo dupla, visando estabelecer formas de dilogo que facilitem a compreenso mtua, estimulem relaes de confiana e contribuam para as trocas em diferentes dimenses, como a cultural, a poltica, a social e a comercial.

    O presente texto pretende tratar, de forma didtica, os conceitos que levam compreenso da comunicao intercultural. Para chegar at o nosso objetivo, preciso visitar alguns constructos que, como pe-as de um caleidoscpio, do forma e consistncia ao entendimento da comunicao intercultural. E isso s ser possvel apresentando o fe-nmeno da globalizao, a identidade e a mundializao da cultura, a cultura como cimento das sociedades e organizaes, a comunicao como processo inerente vontade do homem e a comunicao e o di-logo intercultural como resultado da corrente sinrgica que envolve os conceitos aqui mencionados.

    GLOBALIZAO, INCERTEZAS E COMPLEXIDADE

    O conceito de globalizao j passou por inmeras definies com diferentes acepes, como as que destacavam os aspectos econmicos, os polticos, os sociais, os culturais, principalmente na dcada de 1980. Para os crticos mais radicais, a globalizao no devia ser considerada como um fenmeno que tenha decorrido naturalmente dos avanos do modo de produo capitalista, mas que surgiu de uma poltica delibe-rada a qual vem sendo formulada e organizada por governos dos pases ricos, empresas multinacionais, agncias internacionais, com apoio os-tensivo da mdia mundial (Wanderley, 2006).

    A viso tradicional de globalizao estava relacionada aos proces-sos de homogeneizao. Hoje, a viso mais crtica e provocadora trata de conceituar a globalizao como um processo impulsor da heteroge-neidade. A referida noo de heterogeneidade est vinculada aos pro-cessos de hibridizao (Garca-Canclini, 1999). Dessa forma, a globaliza-o e a hibridizao passam a ser duas dimenses inseparveis que vo permitir as mesclas culturais.

    Para Ulrich Beck (1999), a globalizao significa os processos, em cujo andamento os estados nacionais veem a sua soberania, sua identi-

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    dade, suas redes de comunicao, suas chances de poder e suas orienta-es sofrerem a interferncia cruzada de atores transnacionais.

    Otvio Ianni (2005) afirma que a globalizao um processo econmico, financeiro, tecnolgico e cultural e que precisa ser enten-dido no s como modo de produo ou de organizao da economia, mas tambm de pens-la como um processo civilizatrio. Para o autor, a globalizao um fenmeno que transcende as esferas mais tang-veis das interaes entre os povos e pases e altera as relaes sociais e culturais, instaurando novas maneiras de comportamento na socie-dade, gerando o que o autor prope como um processo civilizatrio (Grunig; Ferrari; Frana, 2011).

    Garca-Canclini (1999) dizia que a outra cara da globalizao eco-nmica e tecnolgica a interculturalidade e que a globalizao no supe inevitavelmente uniformidade. Amin Maalouf (apud Rodrigo Alsina, 2004) afirmou que a poca atual ocorre entre a harmonizao e a dissonncia, mostrando que, se afirmamos com tanta paixo as nos-sas diferenas, porque somos cada vez menos diferentes. Isso se d porque o contato com pessoas de culturas diferentes aumentou muito, quer pelo avano das tecnologias, como tambm pelos fluxos migrat-rios, entre outros fatores. E, quanto mais tratamos de entender e concei-tuar a globalizao, mais prximos estamos da dimenso intercultural, como fruto do referido fenmeno e que ocorre mediante os contatos interpessoais, como tambm se manifesta, sobretudo, por meio das in-dstrias culturais.

    Miquel Rodrigo Alsina (2004, p. 57) afirma que um paradoxo ver que, em um mundo aparentemente to bem informado, a incerteza no para de crescer e que com mais informao aumente nossa ignorncia porque comeamos a saber o que no sabamos. Essa incerteza pode ser relacionada ao enfoque desenvolvido por Grunig, Ferrari e Frana (2011), quando tratam do conceito de vulnerabilidade, explicando que uma situao de fraqueza ou debilidade na qual as organizaes se encontram diante de eventos que podem colocar em risco sua perfor-mance, causados por ambientes de intensa competitividade e riscos. O fato de as incertezas e vulnerabilidades estarem mais presentes no dia a dia das pessoas faz com que os indivduos se tornem mais conscientes de sua prpria complexidade social e Edgar Morin (1997), quando trata

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    da complexidade, prope fazer uma aproximao que nos mostra a di-versidade e a complexidade da realidade.

    Mohammed Elhajji (2006, p. 9), com relao ao conceito de globa-lizao, afirma que ele

    no deve ser entendido em relao ao globo terrestre, mas sim no sentido da globalidade de uma ao ou de um proces-so, ou seja, a sua realizao ou a sua vivncia simultnea em mltiplos pontos do espao. essa equao que possibilita o surgimento efetivo e concreto das culturas e identidades transnacionais, fundadas numa origem comum (muitas ve-zes mtica), mas dialeticamente (in)dependentes, em contra-dio, negao ou negociao dos quadros organizacionais estatais e territoriais tradicionais.

    A teoria da globalizao, por meio de seus principais formuladores, no deixou de chamar a ateno sobre essa correlao dialtica existente entre o processo de globalizao e a tendncia generalizada de des/reter-ritorializao e de reenraizamentos locais, particulares e transnacionais.

    No ser aqui, neste texto, que esgotaremos as possibilidades de definir a globalizao e sua importncia para entender a sociedade e os processos interculturais, mas com certeza ela aumentou os pontos de interao e de frico entre as culturas, originando tenses, fraturas e reivindicaes relativas identidade, que podem se converter em fontes potenciais de conflito. importante reforar que a tecnologia foi um dos fatores impulsores do processo de globalizao, medida que as pessoas passaram a ter maior acesso s informaes e os relacionamentos entre as pessoas e organizaes tambm se alteraram. As relaes passaram a ser baseadas em uma infinidade de informaes que empoderaram as pessoas, as quais, por sua vez, passaram a influenciar seus pares e, dessa forma, as organizaes e instituies perderam a centralidade de suas decises, uma vez que todos podem influir nas trajetrias organizacio-nais. E, nesse contexto, observamos que a pirmide de influncia est se subvertendo. Por sculos a elite governantes, executivos ou qualquer outra entidade que estivesse no topo das hierarquias emitia, de for-ma unidirecional, suas mensagens repletas de codificaes e sedues para atingir um pblico-alvo passivo, sem voz e massificado. Existe uma apropriao de recursos por parte das pessoas que nasce com o advento

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    da sociedade em rede. Enfim, o fenmeno da globalizao est a a nos desafiar para a descoberta de novos modelos e paradigmas em todo o contexto da atividade humana. A seguir, apresentamos alguns dos ele-mentos que compem o caleidoscpio da cultura.

    IDENTIDADE E CULTURA COMO BASES PARA O ENTENDIMENTO INTERCULTURAL

    A noo de identidade essencial para o estudo da intercultura-lidade. Para Jean-Pierre Warnier (2000, p. 16), a identidade definida como o conjunto dos repertrios de ao, de lngua e de cultura que permitem a uma pessoa reconhecer sua vinculao a certo grupo social e identificar-se com ele. Com isso entendemos que a cultura e a lngua so elementos primordiais da identidade de uma sociedade e que influi no relacionamento com pessoas de outras culturas e outros ambientes sociais. No cenrio da globalizao da cultura, um mesmo indivduo pode assumir identificaes mltiplas que mobilizam diferentes ele-mentos de lngua, de cultura, de religio, em funo do contexto.

    Segundo Denys Cuche (2002, p. 182) a identidade uma constru-o que se elabora em uma relao que ope um grupo aos outros grupos com os quais est em contato. Dessa forma, para o autor, a identidade existe sempre em relao a uma outra, pois faz parte da complexidade do social e isso ocorre por causa de seu carter multidimensional e din-mico. Na mesma linha Rodrigo Alsina (2004, p. 55) diz que a identidade uma construo cultural fruto da socializao e da interao social, o que mostra que para ambos os autores que a identidade construda pela comparao e diferenciao.

    A reflexo de Stuart Hall (1993, p. 45) tambm segue na mesma perspectiva, apontando que a identidade sempre vista da perspectiva do outro. Sua proposio nos leva considerao de que as identidades s podem ser vislumbradas no que tm a dizer sobre si e sobre o seu outro, na relao com o outro. Hall (2011) afirma que urgente a ne-cessidade de repensar o entendimento sobre identidade, uma vez que ao longo do tempo as sociedades foram marcadas por transformaes que influenciaram a forma de compreender os sujeitos e sua cultura. Como j mencionamos, em seus textos o autor trabalhou com a ideia de que toda identidade mvel e pode ser redirecionada, indicando ele a possibilidade de usar o termo identificao ou processo identitrio para

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    compreender, de maneira mais significativa, as representaes que for-mam e transformam as culturas, os sujeitos e os espaos. Ao adotar a identificao, Hall defende que nenhuma identidade fixa ou imvel e que no somos capazes de encontrar verdades absolutas sobre as iden-tidades (Polleto; Kreutz, 2004).

    Cuche (2002, p 176) afirma que a cultura pode existir sem cons-cincia de identidade, ao passo que as estratgias de identidade podem manipular e at modificar uma cultura, que no ter ento quase nada em comum com o que ela era anteriormente. Antes de definir a inter-culturalidade, recomendvel primeiro refletir sobre o conceito de cul-tura, reforando que ambos os constructos, cultura e interculturalidade, esto baseados em estudos cognitivos e de comunicao.

    Usado essencialmente pela antropologia, o conceito tradicional de cultura tem sido questionado por diversos pesquisadores diante das profundas mudanas que ocorrem no mundo. Porm, no podemos dei-xar de mencionar uma das definies clssicas elaborada por Edgard Schein (1986, p. 47), que define cultura como

    um conjunto de pressupostos bsicos que um grupo inven-tou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptao externa e integrao interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados vlidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relao a esses problemas.

    Do ponto de vista mais tradicional da antropologia, cultura refe-re-se a sistemas de significados compartilhados e por meio dos quais os diferentes grupos sociais compreendem e estruturam suas vidas indivi-duais e coletivas e o mundo material que os rodeia. Assim, a cultura se-ria caracterstica de grupos definidos em termos de sua especificidade e associada a uma sociedade e a um territrio. Cultura assim percebida como espacialmente especfica: grupos diferentes ocupariam espaos distintos e representariam culturas particulares e nicas.

    Hoje, tratamos a cultura como um processo em mutao, com-plexo e criativo, que pode ser abordada de mltiplas maneiras; e, como decorrncia de sua peculiaridade, no h consenso entre os estudiosos sobre a sua definio. Justificamos essa nova abordagem pela exposio dos indivduos aos processos de globalizao que os coloca em embates

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    diante das diferenas culturais, de estilo de vida e de pensamento. Os indivduos e os diferentes grupos diante do cenrio a que so expostos produzem respostas distintas ao prprio fato da diferena que, por cau-sa da globalizao, parece cada vez mais bvia. Portanto, hoje as socie-dades vo aprender a lidar com as diferenas, mais do que em qualquer outro momento histrico.

    Hall (2011, 2003) e Shiv Ganesh (2015) concluem que a cultura opera para constituir os sujeitos em um sistema de representaes com-partilhadas e, como refora Hall, o correto seria falar de culturas e no de cultura, uma vez que existem diferentes culturas.

    Ganesh (2015) por meio de um exemplo histrico-culinrio ga-ram masala, um tempero autenticamente indiano que contm gros de variadas pimentas e especiarias que chegaram de distintas partes do mundo mostrou que o mundo , e sempre foi, intercultural, e que to-das as culturas so, definitivamente, hbridas. E que somente a anlise histrica pode revelar a natureza hbrida de todas as culturas e, nesse sentido, toda cultura a histria de encontros interculturais. Nenhuma cultura reproduz uma nica cultura; somos todos multiculturais, mes-mo no interior de ns mesmos, e reproduzimos e atuamos identidades tnicas, profissionais, sexuais, de gnero e de classe. A cultura o estudo das relaes entre elementos em um modo de vida global e um proces-so onde ocorrem as lutas por significados (Hall, 2003).

    Cultura, segundo Grunig, Ferrari e Frana (2011, p. 139), pode ser compreendida como

    a maneira de entender um determinado contexto e de nele atuar. Ela o resultado da experincia humana, ou seja, pr-pria de cada sociedade, na qual as ideias ou premissas do sentido ao mundo e tambm permitem a interao entre os elementos que a compem.

    Se a noo de cultura bsica para o entendimento do compor-tamento das pessoas em determinado contexto social, a cultura nacio-nal faz parte do universo para compreender e lidar com as diferenas que surgem nas interaes entre fronteiras. Como consequncia natural da integrao econmica e da globalizao, aumenta a necessidade e a busca por modelos prticos que expliquem as diferenas entre crenas

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    culturais, bem como atitudes e comportamentos baseados nos ambien-tes empresariais de diferentes culturas.

    A cultura se relaciona com a comunicao. A comunicao permi-te que a cultura no seja algo esttico, mas sim um processo de constan-te reafirmao e tambm de redefinio. As relaes entre a cultura e a comunicao so to complexas que at mesmo express-las difcil: ao mesmo tempo em que a comunicao permite a existncia da cultura, a cultura condiciona a forma de comunicarmos.

    Outro ponto relevante a destacar que as prticas comunicativa e de gesto dos relacionamentos das organizaes ocorrem em um con-texto multicultural e, dessa forma, as organizaes latino-americanas devem ser compreendidas por suas caractersticas prprias, que difi-cilmente so as mesmas dos pases desenvolvidos. Essa leitura cultural obriga o pesquisador a analisar a realidade latina de maneira particular, de acordo com os elementos da cultura local.

    OLHARES PARA A INTERCULTURALIDADE E O MULTICULTURALISMO

    Na sequncia didtica proposta no incio do nosso texto, a inter-culturalidade o tpico que amplia a discusso sobre a importncia da cultura, revisitada no item anterior, assim como a comunicao que tra-taremos em seguida.

    A interculturalidade significa a relao entre pessoas de distin-tas culturas e, na verdade, ela se produz desde os incios da huma-nidade, medida que pessoas de culturas diferentes se relacionaram ao longo da histria. Para compreender melhor as especificidades das terminologias, separamos e comparamos o conceito de multicultura-lismo e de interculturalidade.

    Segundo Lvia Barbosa e Letcia Veloso (2007), o multiculturalis-mo e a interculturalidade so dois conceitos que merecem ser diferen-ciados um do outro. De acordo com as autoras, a noo de multicultu-ralismo vai alm das polticas identitrias, pois trata das questes da diferena e da identidade sob a rubrica do reconhecimento da diferen-a. Esse conceito inclui no s identidades pessoais, mas tambm temas mais abrangentes, como as polticas multiculturais, os dilemas ticos re-lacionados diversidade cultural e tnica, os conflitos interculturais e a questo da integrao (individual e social) a novas comunidades polti-

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    cas multiculturais e transnacionais. Tambm enfatiza a coexistncia de vrios diferentes no interior de um mesmo espao e ao mesmo tempo, sem a necessidade de interao, com uma interao limitada ao mnimo necessrio para a operao da vida cotidiana ou, ainda, circunscrita dimenso pblica e jurdica. Rodrigo Alsina (1997) entende por multi-culturalismo a coexistncia de distintas culturas em um mesmo espao real, miditico ou virtual. O multiculturalismo marcaria o estado, a situ-ao de uma sociedade plural a partir do ponto de vista de comunidades culturais em identidades diferentes.

    J o conceito de interculturalidade, segundo Barbosa e Veloso (2007) enfatiza o oposto: que a comunicao entre os diferentes que habitam em um mesmo espao ao mesmo tempo se d pela necessidade do estabelecimento de uma base comunicacional comum, a partir de sua mtua compreenso a respeito do que, naquele determinado con-texto, deve ser o centro da comunicao. No caso especfico das empre-sas transnacionais, o que est no centro da comunicao so os objeti-vos do negcio e a melhor forma de atingi-los. Rodrigo Alsina (1997, p. 13), por sua vez, afirma que a interculturalidade faz referncia a uma dinmica que ocorre entre as comunidades culturais. E Estrella Israel (apud Rodrigo Alsina, 1997, p. 20) parte do pressuposto de que um fato que a realidade na qual vivemos multicultural, plural e diversa. Tentar que seja intercultural nos leva ao desenvolvimento de dispositi-vos comunicativos interculturais.

    Segundo Rodrigo Alsina (2008, p. 131), a interculturalidade um conceito relacional e, como tal, pode servir para estabelecer pontes en-tre culturas, disciplinas e teorias, porque a interculturalidade um olhar que busca o cruzamento com outras culturas, disciplinas e teorias.

    Ainda que quisssemos criar tipologias ou modelos culturais, todas as propostas seriam imprecisas para analisar o indivduo que se encontra mergulhado na sua cultura e nos processos comunicativos frutos dos cenrios nos quais ele se encontra. Apesar da dificuldade de mensurar os comportamentos, Rodrigo Alsina (2008) apresenta, no Quadro 2.1, uma proposta para entender as transformaes do espao e dos indivduos por meio de trs estgios, ou, como diz o autor, de trs mundos como resultado do processo cultural. Ele afirma que os mun-dos monocultural, multicultural e intercultural coexistem na atualidade

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    construindo vises de mundo que conformam nossa maneira de pensar, sentir e atuar (Rodrigo Alsina, 2008, p. 142).

    Quadro 2.1 Os mundos monocultural, multicultural e intercultural

    MONOCULTURAL MULTICULTURAL INTERCULTURAL

    Desinformao Informao