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  • 8/3/2019 24- Cristo - Pietro Ubaldi (Volume Revisado e Formatado em PDF para impresso e encadernao em folha A4)

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    CRISTOPREFCIO ................................................................................................................................................. 1

    I. TUDO-UNO-DEUS ................................................................................................................................. 3II. O FENMENO DA QUEDA ................................................................................................................ 5III. A VIA CRUCIS DE CRISTO .............................................................................................................. 7IV. A NOVA FIGURA DO CRISTO ......................................................................................................... 9V. O CHOQUE ENTRE SISTEMA E ANTI-SISTEMA ........................................................................ 12VI. NECESSIDADE MITOLGICA ...................................................................................................... 16VII. O MTODO DA NO VIOLNCIA .............................................................................................. 19VIII. O CICLO INVOLUTIVOEVOLUTIVO ..................................................................................... 22IX. JUSTIA SOCIAL ............................................................................................................................ 25X. O SERMO DA MONTANHA........................................................................................................... 27XI. POBRES E RICOS ............................................................................................................................. 31XII. O IDEAL NA TERRA ...................................................................................................................... 33XIII. A ORIGEM DA JUSTIA SOCIAL .............................................................................................. 35XIV. A ECONOMIA DO EVANGELHO ............................................................................................... 38XV. VALORES TERRENOS ................................................................................................................... 40XVI. VALORES ESPIRITUAIS .............................................................................................................. 45XVII. FINALIDADES DA VIDA............................................................................................................. 48XVIII. OFENDIDO E OFENSORSEUS DESTINOS ......................................................................... 51XIX. A NOVA TCNICA DE RELAES SOCIAIS ........................................................................... 55 XX. PRINCPIO DA RETIDO ............................................................................................................. 60CONCLUSO .......................................................................................................................................... 65

    Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse)...........................................................................................................pgina de fundo

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    Pietro Ubaldi CRISTO 1

    CRISTOPRIMEIRA PARTE

    A FIGURA DE CRISTO

    PREFCIO

    O presente volume dividido em duas partes: a primeira dizrespeito figura do Cristo, a segunda, ao Evangelho e os pro-blemas sociais. Do Cristo se fala frequentemente nos 24 volu-mes da Obra. assim que no presente livro, o ltimo deles, soexpostos apenas os aspectos do tema no tratados anteriormen-te. Na segunda parte, exposta, deduzida do Evangelho, a dou-trina de Cristo, sobretudo no seu aspecto social, aquele quemais interessa ao nosso mundo moderno.

    Cristo e a sua doutrina so, neste volume, apresentados emforma diferente daquela tradicional, baseada no amar e no crer.Aqui, em vez desta, quisemos adotar a psicologia dos novostempos, baseada no pensar e no compreender. Damo-nos contade que hoje vivemos em plena crise religiosa, sendo esta umacrise de crescimento espiritual, pela qual o homem est de me-nino se tornando adulto, assumindo a respectiva forma mental.Acompanhamos este desenvolvimento, apresentando um Cristoe sua doutrina vistos com os olhos de um mundo mais maduro,que, entrando na era da inteligncia, no pensa mais com basenos impulsos instintivos do subconsciente, levado pelo senti-mento e pela f, mas sim de modo consciente e controlado, se-guindo a razo e o conhecimento.

    Desta atitude nasceu um estilo que, diferente daquele tradi-cional e cego conformismo, feito de crtica, para levar tudoem conta. Expusemos assim ao leitor as mais variadas dvidas,para apresentar-lhe depois a soluo. Submetemos o Evangelhoa esta crtica, mas para melhor compreender, e no para demo-lir; para desbastar e chegar ao essencial, e no para destruir; buscando encontrar o consistente, que no cai com o tempo,sendo que, se alguma coisa cair, para poder ser reconstrudamais aderente realidade. Esta franqueza poder perturbar asvelhas formas mentais. Mas, sem uma nova e mais substancialinterpretao, o Evangelho pode, em alguns pontos, parecerinaplicvel ao mundo moderno e ser, por isso, liquidado comodoutrina intil vida. Procuramos, dessa forma a risco desermos julgados pouco ortodoxos colocar-nos no momentohistrico atual, que impe em todos os campos uma renovao.

    Depois disso, procuramos colher no Evangelho, para l da

    letra, aquilo que no muda com o tempo, por ser constitudo se-gundo os princpios estabelecidos pela lei de Deus. Um deles o princpio da evoluo, que leva a uma contnua superao defases da inferior superiorno desenvolvimento da vida. Alei da evoluo, sobre a qual nos baseamos, um princpio bio-lgico comprovado e universalmente aceito, capaz de nos ofe-recer uma slida base para a interpretao do Evangelho. Pu-demos, assim, eliminar a acusao de envelhecimento movidaquela doutrina, que caminha h dois mil anos.

    Assim, enquanto o mundo est voltado a contestar e demolirtudo, procuramos aqui levar avante o trabalho positivo do cons-trutor, sem o qual, fora de apenas contestar, corremos o riscode permanecer no vazio, sem diretrizes, que so, todavia, ne-

    cessrias vida, ou ento de ficar somente com os deplorveissub-rogados das diretrizes tradicionais, submetendo-nos a umretrocesso involutivo, em vez de realizar um progresso. Outrorausava-se o mtodo do autoritarismo e da aquiescncia, hojetende-se ao da liberdade e da responsabilidade. O Evangelho,tendo sido dirigido ao homem menino de ento, h de ser relido

    e entendido com a mente do homem adulto de hoje, cujos pro-blemas no so mais os mesmos daquela poca.

    Isto no apenas possvel, mas tambm constitui a exign-cia de progresso imposta pela prpria lei da vida, que lei dedesenvolvimento. O homem se ufana em apontar suas verdadescomo inalterveis, mas inaltervel apenas o princpio da suacontnua transformao. Todavia as verdades ditas absolutasso indispensveis no somente para estabelecer a referncia eo ponto final de chegada, mas tambm para dar um mnimo deestabilidade s posies que se sucedem ao longo do caminho,a fim de regular sua prpria evoluo. Isto implica, portanto,relatividade de compreenso e de juzo a respeito daquelasverdades. Assim, compreensvel escandalizar-se em relao fase precedente mais atrasada, o que seria impossvel, se aque-la fase no estivesse superada, de maneira a poder ser vista ejulgada a partir de uma fase mais avanada. Enquanto se vivemergulhado num dado plano de evoluo, do qual se faz parte,no se percebem as diferenas que permitem o confronto, por-que elas s podero ser vistas de um diferente ponto de vista,no sendo possvel tambm, por esta razo, perceber seus res-pectivos defeitos, porque no foram ainda experimentadas suastristes consequncias. Sendo assim, uma vez que, naquele grauinferior, tais defeitos servem vida, eles podem ser julgadoscomo virtudes, enquanto algo considerado moral num determi-nado nvel poder ser reputado imoral, passando-se a um nvelmais avanado. Permanecendo imersos em uma dada formapsicolgica, no podemos compreender certos atos como err-neos. Somente quando se sai fora daquela forma mentis, es-tas mesmas aes podero ser diversamente avaliadas, sendoento condenadas e evitadas.

    Isto acontece em relao prpria posio biolgica de ca-da sujeito e ao nvel alcanado. Assim, por exemplo, o corajosoassaltante, outrora considerado como heri, pois era til para aconquista e a defesa, comea a ser considerado hoje um delin-quente, porque surgiu o conceito de pecado social, segundo o

    qual a virtude consiste, ao invs, em no prejudicar o prximo.A evoluo uma construo na qual todos estamos trabalhan-do, elevando-nos assim sempre mais.

    Este volume sobre Cristo e sua doutrina acompanha, portan-to, os novos tempos, sendo racional e positivo para quem sabepensar e quer compreender, no excluindo, e sim, pelo contr-rio, procurando levar a este nvel quem segue a psicologia dosentimento e da f. Alis, livros deste tipo sobre Cristo no fal-tam. Aqui, porm, em vez de contrapormos as duas formasmentais, procuramos conservar o bem e a verdade que existe navelha, iluminando-a com a nova, em via de afirmao. Estamos,pois, em fase de transio, e este livro a acompanha, procuran-do ajudar o novo a nascer do velho.

    Alguns podero escandalizar-se com certas afirmaes, queso novas hoje, mas que, amanh, sero aceitas por todos. Naminha longa experincia de vida, isso aconteceu repetidas ve-zes, sendo que o fato se repete com frequncia crescente. As-sim, este livro, que poder hoje parecer batalhador, tem, porm,a funo de purificar e, mesmo podendo ser julgado por algumcomo condenatrio, ele na realidade visa apenas apontar o de-senvolvimento. Todavia, no se trata de um livro de contempla-o, e sim de luta. Est voltado, porm, a uma finalidade feliz,porque o trabalho de demoliose assim vier a parecerfina-liza-se com a reconstruo. Seu contedo no se dirige a ne-nhum determinado grupo humano, e sim Lei, visando a unifi-cao, e no a diviso, por isso no tende ao separatismo, pois

    se volta em direo ao Sistema. Com efeito, aquela lei apre-sentada no como abstrao teolgica ou mera aspirao msti-ca, mas sim como fato positivo e racionalmente controlvel,sendo demonstrada como realidade biolgica, que a todos nsestrutura e que se poder experimentalmente analisar. verda-de que, deste modo, a figura do Cristo tende a ser em parte

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    2 CRISTO Pietro Ubaldi

    desmistificada, porm ela, se perde algo como criao de arte ebeleza potica, ganha em compensao muito mais em veraci-dade e, portanto, em aceitao.

    Atinge-se assim uma interpretao do Cristo no s reser-vada a quem cr, mas tambm a quem pensa; um Cristo paraadultos, visto no s pela f, mas tambm com a lgica e a ra-zo, bem mais convincentes, porque mais adequadas mentali-dade positiva do homem moderno; um Cristo que tambm oateu pode levar em considerao, porque lhe proposto deacordo com os termos da sua forma mental. Tal universalidadede resultados conduz unificao, o que um progresso.

    Portanto este livro uma tentativa para canalizar a revolu-o interior que j est em ato, secundando-a, mas em forma decontinuao do passado, como sua complementao e enrique-cimento, no caminho da evoluo. Apresentamos, ento, umCristo logicamente implantado na estrutura fsico-espiritual denosso universo, de maneira que o homem novo possa continuara utilizar, de forma mais adequada aos novos tempos, a ideiasalvadora por Ele oferecida.

    assim que deixamos de lado o aspecto humano do Cristo,para v-lo, sobretudo, em seu aspecto csmico e divino, comorepresentante do Pai, vindo para nos fazer conhecer a Sua lei,para nos ensinar e nos ajudar a subir a Deus, levando-nos con-sigo do Anti-Sistema ao Sistema.

    O presente volume representa o termo conclusivo de uma

    Obra de 24 volumes, perfazendo cerca de 10.000 pginas. Tra-ta-se de um longo caminho, do qual este livro constitu a fasede maturao hoje alcanada, guisa de coroamento, atravs detodo aquele percurso.

    Trata-se do resultado de quarenta anos de trabalho, que vaide 1931 a 1971, desenvolvendo-se concomitantemente stransformaes histricas deste perodo, do qual acompanhouo desenvolvimento desde o velho conservado-rismo estticoat ao nosso tempo de abertura. A Obra, antes da chegada des-

    tes novos rumos, foi desde o seu incio inspirada no espritode renovao, hoje atual, sendo at mesmo, no comeo, con-denada por erros que, hoje, no so mais considerados co-mo tais. Ainda assim, a despeito de sua condenao, ela foi proftica, porque hoje se revela bem mais realizada do que poderia ter sido previsto. Podemos, portanto, acreditar que,resultando deste modo inserida no momento histrico atual,esta Obra tenha nascido em funo dele.

    possvel agora dizer que a Obra est cumprida, bastando,para deduzir isto, observar o ritmo musical segundo o qual elase desenvolveu e agora se conclui. Tendo nascido no Natal de1931, a Obra terminou neste Natal de 1971. So exatamentequarenta anos de trabalho, situados no centro do Sculo XX,

    entre os seus primeiros trinta anos (1901 a 1931) e os seus trin-ta anos finais (1971 a 2.000). Estes quarenta anos podem serdivididos em dois perodos de vinte anos cada um. No primeirodeles, foi escrita na Itlia a primeira obra, at 1951, poca damudana de seu autor para o Brasil. No segundo perodo, foiescrita no Brasil a segunda obra, at 1971.

    A Obra foi iniciada na metade da minha vida, aos quarenta ecinco anos de idade. A minha vida de trabalho vai, assim, doscinco aos oitenta e cinco anos. Na primeira metade, que vai doscinco aos quarenta e cinco, cumpriram-se quarenta anos de pre-parao, atravs de vrias vicissitudes. A segunda metade, quevai dos quarenta e cinco aos oitenta e cinco anos, compreendeos quarenta anos de compilao da Obra. Assim, aps um per-

    odo de preparao igual ao de sua execuo, ela foi iniciadaprecisamente na metade da minha vida de trabalho.Na introduo ao volumeProfecias, terminado no Natal de

    1955, apontei o ritmo dos quatro perodos de vinte anos queconstituam a minha vida. Observei ento que o primeiro ia doscinco aos vinte e cinco anos (1891-1911); o segundo, dos vinte e

    cinco aos quarenta e cinco (1911-1931); o terceiro, dos quarentae cinco aos sessenta e cinco (1931-1951), e conclu, portanto,que o ltimo perodo da minha vida deveria ser dos sessenta ecinco anos aos oitenta e cinco anos (1951-1971). O controle daltima parte desta contagem somente podia ser feito hoje. Pois bem, esta ltima etapa sucedeu como fora previsto em 1955.Naquele ano, escrevia no referido volume Profecias (Gnese daII Obra): O atual quarto e ltimo perodo da minha vida deverdurar at se completar os meus oitenta e cinco anos. O meu tra-balho dever durar, aqui no Brasil, at o ano de 19711.

    H outra coincidncia. A Obra se iniciou com as Mensa-gens Espirituais, que vo de 1931 (Natal) a 1933 (Pscoa).Tais mensagens param nesse ano, que marca o XIX Centen-rio da Morte de Cristo, para continuarem depois, guisa deum ritmo decenal, com uma mensagem em 1943 e outra em1953 (esta ltima apareceu apenas na edio mais recente deGrandes Mensagens).

    Uma harmonia assim, no previsvel e s percebida agora,quando ela aparece visvel, depois de terminado o trabalho,manifestando-se independente do meu conhecimento e vontadeenquanto escrevia a Obra, faz pensar na presena de uma menteoculta organizando e dirigindo todo este trabalho, sendo justa-mente a harmonia o fato que caracteriza a positividade da Leinas suas obras de tipo benfico.

    Esta ideia me conforta. As teorias desenvolvidas na Obraas apliquei e vivi. Assim, tendo-as experimentado, sinto com justificada razo que elas so verdadeiras. Alm disso, htambm o fato de que, durante quarenta anos, em meio a ummundo revolto pelas guerras, a Obra continuou a se desenvol-ver diria at com exatido cronomtrica vencendo milobstculos, enquanto no s desmoronavam naes e desapa-reciam personagens que com ela tiveram relacionamento, mastambm se dava minha transferncia para o hemisfrio oposto.Este fato revela que a Obra sustentada por uma fora interiore dirigida por um princpio de ordem, condies estas tpicasda Lei, as quais no se coadunam com o acaso, que, por serdesordem, , portanto, incapaz de manter tal ordem duranteto longo perodo. Ora, onde existe ordem deve existir umalei, ento, quando se verifica, como neste caso, que ela nodepende de nossa vontade, clculos ou previses, no se podedeixar de pensar que esta ordem provenha de outra fonte.Quem compreendeu a Obra sabe muito bem onde se encontrae de onde provm esta ordem. Naturalmente, poder parecerousado afirm-lo. Porm nos encontramos aqui perante um fa-to, sendo, portanto, lcito e natural procurar uma explicaoque satisfaa a razo e o sadio desejo de compreender.

    Natal de 1971.

    1 De fato, uma vez concludo o seu trabalho, o autor faleceu aos 85 anos,dois meses aps o trmino do presente volume, em 29.02.1972. (N. da E.)

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    Pietro Ubaldi CRISTO 3

    I. TUDO-UNO-DEUS

    Os novos conceitos. Deus Uno e Trino. Os trs momentosda Trindade. A criao do Sistema. O Filho: 3a pessoa daTrindade. O nosso universo. A Queda e o Anti-Sistema.

    O ciclo involutivo-evolutivo. O dualismo Sistema eAnti-Sistema. A imanncia de Deus. A Lei.

    Propomo-nos, em primeiro lugar, a compreender o signifi-cado do fenmeno da presena de Cristo na Terra. Faamos istodo mesmo modo pelo qual colocamos o problema no prefcio,empregando o mtodo da lgica e dos processos da indagaoracional, em substituio ao do mistrio e da f, tradicional-mente adotado, mas, sempre que possvel, conduzindo-os lado alado e complementando-os. No usamos este ltimo mtodoporque no mais adaptado forma mental moderna, que, paraaceitar uma verdade, exige antes de tudo compreender, enquan-to no passado bastava apenas crer.

    Desse modo, aplicamos essa nova linguagem no ortodoxa,porque nos dirigimos, sobretudo, aos ateus e s mentes positi-vas, habituadas a controlar a aceitabilidade de cada afirmao.Dirigimo-nos aos que no acreditam, pois eles nos parecemmais necessitados de serem convencidos. Mas, para chegar atanto, necessrio usar sua prpria linguagem e saber compre-ender as justas exigncias de sua forma mental.

    Samos da vida tradicional tambm porque os novos temposso diferentes. Um novo modo de pensar est generalizando-se.No vivemos mais na poca em que uma coisa era verdadeiraapenas porque assim tinha falado quem possua autoridade.Usar tais mtodos hoje, para quem deseja ser ouvido, contra-producente. Falar claro, com sinceridade e convico, a me-lhor maneira para convencer.

    Por isso tivemos de apresentar a figura do Cristo vista soboutros aspectos que lhe dizem respeito. Trata-se de questesno tradicionais, porm mais racionais em relao evoluo

    da vida, de modo que a figura do Cristo possa sobreviver ecumprir a sua funo em nosso novo mundo, to diverso dopassado. Por isso levamos em conta at mesmo as objees dosdescrentes materialistas, desde que razoveis e sinceras. Vere-mos, portanto, que esse modo de pensar aflora em vrios pontosdeste volume. E permitimos sua livre entrada, a fim de que oleitor pudesse, imparcialmente, encarar todos os aspectos daquesto, inclusive aqueles sobre os quais tem sido tradicional-mente imposto o silncio.

    Nascero, ento, dvidas e contrastes, porque esta exposi-o no segue apenas um nico ponto de vista nem colima parauma s concluso preconcebida. Poder, assim, verificar-se umchoque entre diferentes perspectivas de viso. Com efeito, este

    um livro de batalha, nascido numa poca de lutas, feito para pensar, e no para descansar. Sendo assim, o esforo de res-ponder as questes, visando solucionar os problemas, muitasvezes deixado ao leitor, para que a verdade alcanada no sejaapenas uma ddiva gratuita, mas sim consequncia de uma sualaboriosa e, portanto, merecida conquista.

    Num clima de revoluo como o atual, que invade todos oscampos, o conformismo se resolve em contestao, enquanto ono conformismo est na disciplina e na obedincia. Para al-canar a mais completa viso possvel do Cristo, era mais queoportuno ouvir tambm as vozes discordantes. assim que,neste escrito, no apresentamos a figura do Cristo na sua formaclssica convencional, aquela preferida, mas sim a do contro-

    verso Cristo da contestao. Prossigamos por ordem e come-cemos por nos orientar.Para o leitor poder admitir muitas das afirmaes sobre as

    quais nos baseamos, necessrio lembr-lo que elas foram de-monstradas nos 23 volumes da Obra que antecedem este aqui.Neste livro, s podemos nos limitar a resumir num quadro sin-

    tico a teoria geral da Obra, que constitui a base dessas afirma-es. O nosso trabalho de ndole intuitiva foi conduzido commtodo dedutivo, partindo de princpios gerais, para descer de- pois aos particulares. Uma vez neste nvel, operou-se ento, afim de compensar a unilateralidade daquele mtodo, um controleracional analtico, capaz de confirmar a verdade das conclusesalcanadas. Reportemo-nos, ento, aos princpios gerais.

    Falando de Cristo, no se pode deixar de falar tambm deDeus. Comecemos, portanto, pelas origens: No princpio era o

    Verbo (...). Embora definido como mistrio, aquele Deus Unoe Trino deve conter, dentro da sua veste mitolgica, um fundoracional inteligvel. Deste mesmo tipo dever ser a nova teolo-gia, se quisermos que nela possa sobreviver a substncia da an-tiga. No negamos, portanto, a trindade, mas sim procuramosexplic-la. No sei se o mistrio obrigatrio, tornando heresiao desejo de compreend-lo. Mas certo que Deus no pode de-sejar a ignorncia de suas criaturas, culpando-as por procura-rem a luz. Aceitar sem compreender pode ter sido virtude nopassado. Hoje, porm, no mais.

    A Divindade se distingue em trs momentos, os quais cons-tituem a sua trindade.

    No primeiro momento, Deus uma inteligncia que pensanuma ideao abstrata, efetuando a concepo da Lei, com aformulao do plano e dos princpios que regularo o funcio-namento da existncia do Todo. Neste momento, estamos aindana fase da concepo mental.

    No segundo momento, Deus uma vontade que realizaaquela ideao abstrata. Passa-se, assim, da concepo da Leiao seu funcionamento, da formulao do plano sua atuao.Este momento representa a fase da ao.

    No terceiro momento, Deus a sua obra realizada, na qual aideao abstrata, impulsionada por uma vontade realizadora, al-canou sua expresso final e definitiva num organismo que fun-ciona segundo a ordem pensada e desejada pelo prprio Criador.

    Assim a ideia, por meio da ao, atinge a sua realizao. Eis

    ento que, na Trindade do Tudo-Uno-Deus, temos trs momentos:I -Pensamento

    II -AoIII -Realizao

    correspondentes aos seus trs aspectos:

    I -Inteligncia que concebeII -Vontade que executa

    III -Obra realizadaDisto resultam os trs modos de existir do mesmo Tudo-

    Uno-Deus, como:

    I -Esprito (concepo)II -Pai (verbo ou ao)

    III -Filho (o ser criado).Nestes trs momentos, aspectos ou modos de ser, o Tudo-

    Uno-Deus permanece sempre idntico a si mesmo. Eis qualpode ser o ntimo significado do mistrio da Trindade, escon-dido durante sculos sob o vu do mito. Quem quiser apro-fundar este tema o encontrara desenvolvido nos livros Deus eUniverso e O Sistema.

    A expresso final da obra de Deus, idealizada num primeiromomento, a Criao, na qual aquela obra realizada. Eviden-temente, em cada um dos trs momentos, encontramo-nos dian-te do mesmo Deus, que no muda intimamente na sua substn-cia. Resulta, portanto, lgica e compreensvel a equivalnciadestes trs modos de ser do Tudo-Uno-Deus, estando em per-

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    4 CRISTO Pietro Ubaldi

    feita harmonia com a tradicional imagem das trs pessoas daTrindade. Elas, com efeito, so iguais e distintas, porque so amesma pessoa em trs aspectos e momentos diversos. Tendoque se expressar em termos antropomrficos, com a figura da pessoa, para ser compreensvel pela forma mental comum, atradio no podia faz-lo de forma melhor.

    Este o processo pelo qual nasceu a Criao, que foi cha-mada de Filho, sendo este gerado pelo Pai e permanecendosempre idntico a Deus. Nem podia ser de outra forma, porqueDeus necessariamente tudo. Se Ele no fosse tudo, havendo apossibilidade de existir algo fora e alm Dele, Deus no seriamais Deus. No podia, portanto, acontecer seno uma criaono seio de Deus, em Seu interior, tirada Dele prprio, que oTudo, porquanto nada pode existir que no seja Deus.

    Depois da criao, o Tudo-Uno-Deus continuou a existir,mas de um modo diferente do anterior, no mais como um todohomogneo, indiferenciado, mas sim como um sistema orgni-co, formado de elementos (criaturas) e disciplinado pela Lei,funcionando ordenadamente. Neste sistema, Deus permaneceucomo inteligncia central diretora (1o momento) e como vonta-de realizadora (2o momento), ambos os aspectos manifestadosatravs da Lei, que constitui o cdigo pelo qual regido e regu-lado o funcionamento do organismo da criao (3o momento).Assim a Lei sintetiza a Trindade, contendo seus trs momentos.

    A criao realizada foi, portanto, constituda por um sistemaorgnico de elementos hierarquicamente coordenados, depen-dentes da mente e da vontade de Deus, que permaneceu no cen-tro do sistema, com funes diretivas. Este pensamento, por serconstitudo pelas foras que levam sua atuao, tambm rea-lizador. Assim o regulamento da existncia permaneceu codifi-cado por princpios estabelecidos pela Lei, que resulta constitu-da por aquele pensamento e por sua vontade de realizao.

    At aqui, permanecemos numa fase de perfeio. A obra deDeus, produzida por Ele, efeito desta nica causa determinan-te e no podia ser seno perfeita, conservando a natureza de sua

    causa. A originria unidade indiferenciada de Deus conservousuas qualidades, permanecendo ntegra no seu novo aspecto deunidade orgnica. Atravs desta elaborao interior, tudo conti-nuou a ser Deus.

    Esta criao, em seu estado de origem, ns chamamos deSistema. Dado que esta palavra se repetir frequentemente, nsa expressaremos com a letra maiscula S. No S, os seres existi-am em perfeita harmonia, no estado de puros espritos, porqueeram constitudos da mesma substncia de Deus. Aqui, conce-bemos este estado em forma de S como derivado de um ato cri-ador, o qual j vimos em que consiste. Tal concepo se adapta tradicional, segundo a qualpelo fato de, na sua forma men-tal, o homem estar habituado a observar que nada pode nascer

    seno de um ato semelhante e, por isso, no saber pensar de ou-tra maneiraadmite-se um ato criador.Ficou impressa no ser a realidade da origem divina da qual

    ele derivou. Assim todos procedem do Pai e constituem o Filho,que o terceiro modo de existir do Tudo-Uno-Deus.

    Pode-se compreender agora a razo pela qual, aqui, afirma-mos que Cristo realmente Filho de Deus. Ele, como criaturado S, derivada do Pai, era da mesma substncia de Deus. Sendoassim, podemos dizer que Ele era a 3a pessoa, pois constitua o3o momento da Trindade. Torna-se deste modo admissvel Eleser Deus, uno com o Pai, que o Verbo criador, ao qual o Filhoe, portanto, cada criatura deve a sua gnese. Compreende-se en-to o fato de Cristo se referir constantemente ao Pai com um

    sentido de unidade e identidade, falando de regresso ao seioDele. Isto porque os espritos do S so sempre Deus, ainda queno seu 3o modo de ser, como Filho.

    A criao alcanada com o S obra perfeita de Deus, porisso no pode ser identificada com o nosso universo, pois estese apresenta com caracteres opostos. Nosso universo material,

    enquanto o S espiritual. Em nosso mundo encontramos a de-sordem, a ignorncia, o erro, o mal, a dor, a revolta, a morte,todas elas qualidades negativas. Tal criao assim imperfeitano pode ter sido obra de Deus. Ela parece muito mais algo decorrupto, de enfermo, de invertido, levado aos antpodas do S ede sua perfeio. Se Deus representa o polo positivo do ser, onosso mundo representa o negativo.

    Nos dois volumes: O Sistema e Queda e Salvao, explica-mos exaustivamente como este fato se deve a uma revolta deuma parte do S e do seu consequente desmoronamento. Foi as-sim que nasceu o ciclo involutivo-evolutivo, cuja primeira parte,a involuo, representa a descida do esprito na forma matria ecuja segunda parte, a evoluo, representa o retorno ascensionalda matria ao esprito, pelo qual se realiza o regresso ao S, ou aDeus. Ns, neste nosso mundo, estamos percorrendo a segundafase do ciclo, aquela reconstrutiva. Com a queda nasceu o relati-vo e o seu transformismo. Assim a unidade de origem subdivi-diu-se no dualismo, no qual estamos imersos. Mas aquela uni-dade ser reconstituda pela evoluo, que leva tudo de volta aoS. Desse modo, em nosso universo, o ser existe para se redimirda queda, resgatando-se do erro cometido perante a Lei e, assim,reintegrando-se na sua perfeio perdida. Dessa forma, o mal se-r sanado e o Deus-Sistema permanece imutvel na sua perfei-o, acima do parntese da queda-salvao.

    O que foi chamado de Criao pelo homem, diz respeito formao da matria, sendo esta para ele a prpria realidade.Tal criao o resultado do processo involutivo esprito-matria, que representa o desmoronamento de uma parte douniverso espiritual (S) criado por Deus, originando assim ouniverso fsico (estrelas, planetas, luz, energia etc.). O compa-recimento dos seres viventes aconteceu depois, por evoluo,ao longo do caminho da ascenso. Explica-se assim a formaoe a razo de ser de nosso universo, o significado e o escopo dasua existncia. Ento a criao atribuda a Deus pelo homemno a verdadeira criao, que a do S, mas sim o desmoro-

    namento involutivo de uma parte dela, ao qual justamente sedeve a gnese de um antiuniverso, cujas qualidades se revelamopostas s da criao efetuada por Deus. por isso que cha-mamos Anti-Sistema a este antiuniverso. Assim como fizemoscom a palavra Sistema, tambm abreviamos aqui esta outra,Anti-Sistema, com as duas letras maisculas AS.

    Encontramo-nos, portanto, num universo material excludodo S e sujeito, por issoa fim de reingressar neleao trabalhodo transformismo evolutivo, presente em tudo o que existe. En-contramo-nos, assim, num relativo em movimento, que guia-do por uma lei e conduzido para uma meta, orientado por umponto de referncia, em relao ao qual tudo se move.

    Eis ento que o Todo constitudo por dois sistemas dua-

    lismo no qual, com a revolta e a queda, cindiu-se o S. Temosassim a parte que permaneceu perfeita (S) e a parte que se cor-rompeu com a queda (AS). Possuindo qualidades opostas s doS, o AS um sistema emborcado, levado do positivo ao negati-vo. O centro do S continuou sendo Deus, enquanto o centro doAS tenta em vo se constituir em outro centro, o Anti-Deus(tambm chamado Satans), mas no passa de um pseudocen-tro. A este impedida qualquer afirmao, porque ele, sendo fi-lho da revolta, uma inverso ao negativo. Quem, pois, verda-deiramente comanda, tambm no AS, Deus, que se exprimepela Sua lei, a qual assegura o funcionamento de nosso univer-so. Vemos esta lei sempre em ao entre ns, o que nos mostraa presena de Deus. Ele permaneceu sendo o centro do Todo,

    tanto da parte sadia (S) como da parte doente (AS). A criatura,com a sua revolta, somente conseguiu emborcar a si mesma,no o S. E a presena de Deus no AS benfica, porque lhe di-rige a evoluo, constituindo assim a sua redeno, que o ca-minho de sua salvao. Esta, desse modo, fica garantida, o que indispensvel, pois, sem a redeno, a obra de Deus estaria

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    perdida. Tal coisa impensvel, porquanto seria como admitir apossibilidade de um Anti-Deus afirmar-se definitivamente, con-trapondo o seu poder a Deus, que h de ser absoluto e univer-sal, no podendo ser dividido com ningum.

    Tivemos de explicar tudo isto atravs de um resumo da teo-ria contida nos volumes anteriores. A descida de Cristo Terra,sua pregao e sua doutrina ficariam incompreensveis, se noestivessem ligados a este jogo de contrastes entre S e AS. Paraentender Cristo, necessrio sentir a imanncia de Deus nestemundo, que a Ele ficou sujeito como emborcamento ao negati-vo, e compreender que, apesar de contrastada pelas foras doAS, a Lei continua dominando tambm no AS, como o prprioCristo nos testemunha com as suas constantes referncias e ape-los ao Pai. pela presena de Deus e de Sua lei no AS queCristoa eles ligado e neles se apoiando pde afirmar-se noinferno terrestre, situado no polo oposto do ser. Isso, portanto,somente se deu porque, ao Seu lado e dentro Dele mesmo, ha-via Deus e a sua lei para sustent-Lo. por isso que Cristo,sendo fora positiva e, portanto, mais potente do que qualquerfora negativa, pde desafiar o mundo e venc-lo.

    Tudo isso que acabamos de falar no uma ordem de fen-menos experimentalmente reproduzveis e controlveis. ne-cessrio, todavia, levar tais afirmaes em considerao, se qui-sermos saber algo sobre as primeiras origens de tudo o que exis-te. Apesar de tais fenmenos no serem experimentalmente con-trolveis, eles no deixam, porm, de s-lo racionalmente. Exis-te, portanto, o fato de estarem eles, com a interpretao que lhesdemos aqui, encaixados lgica e analogicamente no funciona-mento dos fenmenos ao nosso alcance, de cujas causas primei-ras nos do assim uma explicao ainda no disponvel cin-cia, trazendo, mesmo que no os resolva, uma orientao para osproblemas, os quais no se resolveriam nunca se no existissemcomo problemas. Este seu concomitante entrosamento na feno-menologia conhecida, completando-a na parte ainda ignorada, uma prova de sua veracidade, que poder ser assumida pelo me-nos como hiptese de trabalho, a fim de servir de diretriz nabusca de uma explicao mais completa e profunda para os fe-nmenos, em relao quela alcanvel hoje em dia.

    II. O FENMENO DA QUEDA

    Uma aproximao mais exata, que explica melhor asorigens dofenmeno da Queda. O problema da perfeio,

    liberdade e conhecimento da criatura no Sistema.

    A encarnao e a paixo de Cristo no podem ser explica-das seno em funo do dualismo positivo e negativo entre Se AS, involuo e evoluo, fenmenos que se constatam e sedemonstram. Conforme explicamos acima, o que se costumachamar de Criao, no a formao do S, mas sim a do nos-so universo fsico, resultado da queda do esprito na matria,do S no AS. Cristo se inseriu plenamente neste fenmeno, nosentido de ter-se proposto a corrigi-lo, impulsionando o ho-mem para o S, atravs da redeno. A obra de Cristo consisteem reerguer a humanidade para o Alto, endireitando tudo quefoi emborcado pela queda, para eliminar seus efeitos. A re-deno esta obra de salvamento.

    Nos volumes antecedentes, a fim de no nos arredarmos denossa habitual positividade, apresentamos sob forma de hipte-se a nossa interpretao de ter a origem da Queda consistido narevolta. Com efeito, tal revolta no suscetvel de provas, po-dendo-se apenas deduzi-la das suas consequncias, o nico fatopor ns experimentvel. Contudo esta a nica hiptese logi-camente satisfatria, capaz de explicar o porqu daquelas con-sequncias. Ela explica muitos dos fatos com os quais nos de-paramos, apresentando-se com um elevado grau de veridicida-de, de modo que, se no quisermos aceit-la, seremos foradosa continuar mergulhados nas trevas do mistrio.

    Nestas explicaes, temos de considerar que difcil parans, seres humanos, imaginar o comportamento de seres cons-titudos apenas de pensamento abstrato, vivendo em outrasdimenses, sem matria e sem os respectivos meios sensrios.Trata-se de um plano de existncia extremamente afastado donosso, no espao e no tempo, estando, por isso, fora do alcan-

    ce de nossas normais capacidades de controle. Nem mesmo asnossas capacidades mentais nos permitem atingir o fundo dofenmeno. Cabe-nos reconhecer, ento, que a nossa compre-enso do mesmo s pode ser feita por aproximaes. Deve-mos, contudo, admitir que ela tambm progressiva em rela-o ao nosso grau de evoluo. Torna-se razovel, portanto,admitir que ela se desenvolva com o tempo e prepare para oamanh uma interpretao mais avanada e perfeita. Eis que,tambm na sua relatividade, cada interpretao tem a sua uti-lidade. assim que, atrados agora pelo aprofundamento damisso do Cristo, voltamos com mais maturidade ao assuntoda Queda (j tratado no volume O Sistema), para tentarmosdela uma aproximao ainda mais exata. Reportemo-nos, en-

    to, s primeiras origens da criao, s quais tudo, inclusive ofenmeno do Cristo, est ligado.Deus tudo. Nada pode existir alm de Deus. Para criar,

    Deus no podia deixar de recorrer substancia de que Eleera feito.

    Com esta substncia, Deus criou as criaturas, e assimnasceu o S.

    Inquirimos alhures acerca da admisso ou no de uma pri-meira criao, considerando a possibilidade de ter Deus consti-tudo eternamente o organismo do S. Mas, tendo ou no havidotal criao, o S constitui o fato incontestvel perante o qual nosencontramos, qualquer que tenha sido sua origem.

    Deus livre e perfeito. Ento a criatura, sendo da mesma

    substncia, tambm deve ser livre e perfeita.O S um organismo constitudo de elementos hierarquica-mente ordenados.

    Cada ser perfeito dentro dos limites da individualidadeque o constitui e define.

    O princpio de Deus afirmativo: EU SOU.

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    Os seres, enquanto elementos do Seu organismo, tambmpodem afirmar: eu sou, mas apenas dentro dos limites da suaindividualidade.

    No entanto os seres que se rebelaram ordem da Lei trans-puseram tais limites e, por isso, de elementos do S (+) inverte-ram-se em elementos do AS ().

    Isto foi possvel porque o ser era livre, qualidade esta queele, por ser feito da Substncia de Deus, jamais poder perder.

    Com o S, Deus no criou uma mquina automtica comfuncionamento determinstico, mas sim um organismo de sereslivres como Ele. No sendo possvel suprimir a liberdade, nose pode eliminar a possibilidade do erro. O S era feito de sereslivres, e no de autmatos.

    Objeta-se que Deus perfeito e, portanto, no podia criarseno elementos perfeitos, impossibilitados de errar.

    Respondemos, todavia, que um elemento fundamental daperfeio a liberdade. A perfeio no mecnica e determi-nstica, no podendo ser obtida pela eliminao da liberdade,com a criao de autmatos. A perfeio consiste em concedera liberdade a um ser consciente e responsvel, que saiba livre-mente autodirigir-se e aprender a reerguer-se, em caso de erro.

    Confrontemos as duas perfeies: 1a) Uma obra feita deelementos automticos, sem liberdade, que no erram porqueno possuem a liberdade de errar; 2a) Uma obra feita de sereslivres, que, por isso, podem errar, mas que permanecem vincu-lados lei de Deus, sujeitos s suas sanes, mesmo dolorosas, pelas quais so constrangidos a se redimir. Qual dessas duasobras mais perfeita?

    isso que se verifica no ciclo involutivo-evolutivo, onde aperfeio maior de Deus se manifesta no poder curativo da do-ena. Assim o fim da Queda se resolve com a reconstruo daparte invertida do S e com a aquisio, por parte dos espritosrebeldes, de uma nova experincia, que elimina para sempre apossibilidade de novos erros.

    Perguntamos novamente, ento, qual a obra mais perfei-

    ta: aquela que no se pode deteriorar, ou aquela que, mesmose deteriorando, possui em si os meios para voltar ao seu es-tado de perfeio? A vida imperfeita, porque est sujeita adoenas e morte, ou perfeita, porque sabe a cada momentoressurgir das doenas e da morte? Estas no conseguem abso-lutamente matar a vida, que permanece vitoriosa. Embora talcondio possa parecer uma fraqueza da vida, um elementofundamental para a sua contnua renovao, o que permite asua ascenso evolutiva.

    Devemos, portanto, reconhecer que a Criao, mesmo con-tendo a possibilidade de erros, perfeita, pois o fator liberdade,ao invs de diminuir, aumenta aquela perfeio.

    Sendo a Queda um erro devido ignorncia, surge outra ob-

    jeo, questionando-se como podia a criatura estar sujeita ig-norncia, se ela era feita da substncia de Deus, que oniscien-te? Ora, a criatura possua o conhecimento, mas somente dentrodos limites da sua prpria individualidade. necessrio recor-dar que ela, fazendo parte do organismo do Todo, regido poruma ordem, constitua apenas um elemento hierarquicamentefechado dentro dos confins estabelecidos pela disciplina da Lei.

    assim que o seu conhecimento no superava estes limites.Alm destes, aquele conhecimento terminava, havendo apenasignorncia para o ser. Ora, onde h ignorncia existe possibili-dade de erro. Assim se explica a revolta. Os rebeldes no sabi-am o que aconteceria como consequncia de sua rebeldia. Elesacreditavam que, aumentando a afirmao do seu eu sou, po-

    deriam tornar-se maiores e mais poderosos. No sabiam que,pelo contrrio, a Lei, sendo estruturada para reagir a qualqueratentado contra a sua integridade, conduz cada tentativa decrescer fora dos limites positivos a um emborcamento no nega-tivo, dando origem ao dualismo e criando o AS. Os seres nosabiam disso, razo pela qual se aventuraram na zona da sua

    prpria ignorncia. Pelo fato de estarem no S, eles viam a Leisomente na sua posio de ordem e obedincia, e no no estadode desordem que advm da desobedincia, porque tal condiono existe no S, desconhecendo eles a funo da Lei contra aviolao. Tendo eles entrado numa zona de ignorncia, incorre-ram em erro. Foi assim que, para querer crescer como eu sou,acabaram por se emborcar no eu no-sou, decaindo no AS,onde a liberdade se tornou escravido, a vida se tornou morte ecada qualidade se inverteu no seu contrrio.

    Podemos imaginar que tenha acontecido algo semelhante aoprocesso de desenvolvimento em nosso organismo das clulasdo cncer. Estas querem viver como clulas rebeldes, permane-cendo fora da ordem e da disciplina do organismo sadio (S). Defato, elas se multiplicam ao negativo (AS), em sentido antivital,movendo-se para a morte.

    Agora que estamos no AS, no nos dado usar como pontode partida e de referncia para a reconstruo da completa li-berdade, perfeio e conhecimento seno a sua posio negati-vaa nica que possumosna forma de escravido, imperfei-o e ignorncia. assim que no temos outro meio para con-ceber a qualidade positiva do S, a no ser referindo-nos s qua-lidades negativas, prprias do AS, operando sobre elas um en-direitamento ao positivo, capaz de corrigir a inverso ao nega-tivo verificada com a Queda.

    Uma ltima observao para maior esclarecimento do fe-nmeno da Queda. O S um organismo baseado na ordem ena disciplina. O ser devia dar prova de respeit-lo e assim,conforme a justia, tornar-se merecedor de permanecer felizna eternidade. Eis que j existia potencialmente no S uma prova de compreenso, obedincia e fidelidade, atravs daqual a criatura deveria demonstrar, como era indispensvel,que sabia viver como ser livre, mas responsvel, na disciplinaem que se baseava a organicidade do S. Esta prova foi supe-rada pelos elementos obedientes, com a sua adeso Lei, naqual permaneceram enquadrados, e est sendo superada agora

    pelos elementos rebeldes, que devero, para isso, percorrertodo o ciclo involuo-evoluo. Deste modo, no final, osdois tipos sero vitoriosos, merecendo e adquirindo com issoo direito de se tornarem cidados do S.

    Na Criao, portanto, estava includa a possibilidade de umaqueda, tanto que, quando esta se verificou, a Lei no foi tomadade surpresa, mas, pelo contrrio, entrou imediatamente em fun-cionamento com o novo sentido, mostrando com isso ter previs-to tudo. De fato, como se estivesse seguindo um plano pr-ordenado, a Lei, to logo o fenmeno se iniciou, canalizou-o nociclo involutivo-evolutivo, disciplinando-o tambm, para poderassim levar o ser salvao, com o retorno ao S. Eis que naunidade do S havia a possibilidade do dualismo, ciso que ago-

    ra devemos sanar e reabsorver, retornando unidade. Que aevoluo avana nesta direo provado pela sua tcnica cons-trutiva de unidades coletivas e sua tendncia a conduzir tudo aoestado orgnico. Mas eis que nem sequer a revolta teve o poderde afastar o ser do domnio de Deus, porque ela no destruiu aordem, mas apenas a emborcou numa ordem de tipo oposto, qual o AS est sujeito, embora em posio invertida ao negati-vo. Com efeito, o AS no seno um caos submisso Lei, umadesordem dirigida pela ordem de Deus.

    Concluindo, no quisemos oferecer da Queda uma teoriadefinitiva, mas apenas uma hiptese capaz de explicar os fatosinsofismveis que temos em mos. Essa a melhor explicaoque conseguimos at aqui. Ela no cria e no destri nada, nada

    subtraindo ou acrescentando aos fatos. Se no quisermos aceit-la, aqueles fatos permanecem, porm sem explicao.Em outras palavras, no pretendemos esgotar o assunto, mas

    apenas esclarecer com mais exatido o fenmeno da Queda, procurando tornar mais satisfatria a nossa compreenso dassuas origens. Esforamo-nos em dar-lhe, na forma mental do

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    homem de hoje, a representao (acreditamos) mais provvel eaceitvel, sem pretendermos que ela seja a definitiva, pormconscientes de haver superado as velhas representaes mitol-gicas, hoje inaceitveis, e de ter dado assim mais um passo paranos aproximarmos da verdade. Ora, o mundo caminha e ama-nh saber mais, sempre mais. Contudo, se bem que mais embaixo, os predecessores exploram um caminho til, preparandocom ele este progresso, ao qual, de outra maneira, faltaria o in-dispensvel ponto de apoio para o novo salto.

    III. A VIA CRUCIS DE CRISTO

    A Lei ordem e justia. A Redeno gratuita. O sacrifciode um inocente que paga as culpas dos outros.

    Por via de regra, os livros sobre Cristo tratam dos aconteci-mentos de sua vida terrena, segundo a narrao dos evangelhos.A ns, pelo contrrio, interessa conhecer o Cristo na sua essn-cia, para compreender o significado da sua descida Terra e dasua Paixo, bem como as suas relaes com a Lei e com o pla-no divino da redeno. Formulamos, ento, as seguintes per-guntas: Quem era o Cristo? O que Ele quis fazer? Quais eramos fins que se propunha alcanar?.

    Foi para melhor responder a estas perguntas, enfrentandoa fundo o problema, que quisemos tratar em primeiro lugardos fenmenos fundamentais do ser, abordando a primeiracriao e a Queda, para poder depois enquadrar nelas a figurae a obra de Cristo.

    No Captulo XIV, A essncia do Cristo, do volumeDeus e Universo, escrevi na Itlia, em 1942, e publiquei noBrasil, em 1954, estas palavras: Sinto que nestas pginas seacerca a viso do conceito da essncia do Cristo numa pri-

    meira aproximao, preldio de uma compreenso mais pro-funda, que alcanar seu pice no ltimo volume, coroamentode toda a Obra. Ao concluir o referido captulo, eu confi r-mava: Encerro esta viso sobre a essncia do Cristo, primei-ro esboo de vises maiores. Tinha conscincia assim, desdeaquela poca, que minha compreenso do assunto constitua-se num fenmeno em evoluo.

    Chegamos hoje (em 1970) quele ltimo volume e, com ele,quela pr-anunciada mais profunda compreenso. Tal consci-ncia, ento apenas pressentida e anunciada, definiu-se agoracom maior preciso, graas ao amadurecimento alcanado nodecorrer dos doze volumes da II Obra, que nos fornecem agoranovos elementos de juzo, dos quais no dispnhamos antes.

    Com efeito, a nossa viso do Cristo no tinha ainda superado ainterpretao religiosa tradicional, da qual era um derivado.Naquela fase de desenvolvimento do pensamento da Obra, noera ainda possvel um mais exato enfoque da questo. Percor-rendo o caminho que eu segui, o leitor poder realizar tambmpara si prprio o mesmo processo de maturao que me trouxeat aqui. Na II Obra, ele encontrar um conjunto de escritos queredundam numa escalada de argumentos convergentes para es-tas ltimas concluses, de modo especial no que concerne re-lao entre S e AS, Lei e sua tcnica funcional. Estes novosconceitos nos oferecem outros pontos de referncia, ignoradosanteriormente, o que nos permite vislumbrar mais vastos hori-zontes e, assim, levar em conta na argumentao tambm as ob-

    jees positivas dos crticos descrentes. No estado atual de nossas investigaes e demonstraes,podemos afirmar a presena de uma lei que dirige o funciona-mento de tudo o que existe. A existncia objetiva de tal lei no questo filosfica ou ato de f, no afirmao arbitraria gra-tuita ou construo mtica, no mistrio aceito por tradio ouverdade imposta por autoridade, mas sim uma realidade efetiva,racionalmente provada e experimentalmente controlada, umavez que ela, conforme podemos verificar, est presente e vigoraem todo tempo e lugar.

    Tomando por base e como novo ponto de referncia esteconceito, a colocao dos problemas se torna mais exata, a suasoluo resulta mais exaustiva e a viso da verdade, porque ra-

    cionalmente mais aprofundada, faz-se mais completa. Apare-cem ento elementos de juzo diversos, antes ignorados. Po-dem ser explicadas assim, sem neg-las, algumas afirmaesteolgicas que, de outro modo, permanecem misteriosas. pe-lo fato de serem impostas como mistrio que elas so repelidas por muitos, como inaceitveis. Ao passo que, assim, muitas

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    verdades religiosas adquirem consistncia e com isso durabili-dade, porque elas resultam expressadas como verdades racio-nais e positivas, e no apenas construes mticas, que, comotais, acabam mais cedo ou mais tarde sendo superadas porconstrues mais avanadas.

    Esta lei fixou as normas e constitui o impulso motor do fun-cionamento de nosso universo, o AS, que dominado pelo S,cujo centro Deus. assim que na realidade fenomnica, emtodas as suas dimenses e nveis evolutivos, desde o mais bai-xo, a matria, at o mais alto, o esprito, constatamos que tudo regulado, sem arbtrios e excees, por leis inviolveis, pelasquais tudo previsvel e calculvel. Uma vez compreendida alei de um fenmeno, podemos estar seguros que ele continuara se verificar na forma por ela estabelecida. Imaginemos o queaconteceria ao nosso universo, se os fenmenos no obedeces-sem a uma disciplina, seguindo o seu curso como foi preestabe-lecido. Tudo desmoronaria no caos, por um desencadeamentode conflitos entre movimentos desordenados. Os fatos que co-nhecemos nos dizem, pelo contrrio, que isso no acontece. Eno h razo para admitir que os fenmenos morais e espiritu-ais devam estar isentos daquela regulamentao universal, sen-do submetidos a um regime de tipo diverso.

    Para poder reger tudo com tal ordem, a Lei deve ser mate-maticamente justa. Isto no impede que exista tambm o amor.Este, porm, no pode violar a ordem e emborcar a justia, por-que isso geraria o caos e a injustia, o que anti-Lei. O amorno pode existir seno enquadrado no seu setor, em posio su-bordinada aos equilbrios fixados pela Lei.

    Sendo assim, podemos afirmar que injusto, contrrio leide Deus, um inocente pagar pelas culpas dos outros, enquanto justo, conforme a lei de Deus, cada um pagar as suas prpriasculpas. ainda mais injusto que tais culpados aproveitem dabondade daquele inocente, para fazer dele, perante a divina jus-tia, um bode expiatrio, eximindo-se assim do pagamento queos espera. Esta no poderia ser seno uma moral invertida, pro-

    duto do AS, de tipo anti-Deus. Tal atitude, perante a moral doS, isto , perante Deus, um emborcamento e uma culpa.Disto se segue que no lcito para o homem porque in-

    justo e imoral pretender fazer-se redimir pelo sacrifcio deCristo. O esforo da subida do AS para o S deve pertencer aoser que, com o seu erro, provocou a descida do S no AS. Trata-se de cumprir o trabalho daquela ntima elaborao que sechama evoluo, o qual no pode ser delegado para outros,porque ele consiste na transformao de si mesmo. imposs-vel que eu possa mudar a mim mesmo, pensando com o crebrode outro, e aprender, fazendo outro sofrer a lio que deve cor-rigir a mim, que cometi o erro. como se eu mandasse ao hos-pital outra pessoa, a fim de que ela receba o tratamento necess-

    rio para curar o meu organismo, ou ento encarregasse outro defrequentar, em meu lugar, o meu curso escolar, para poder meinstruir. No entanto acredita-se em tais absurdos, porque taisusurpaes e escapatrias agradam ao comodismo humano.No se trata, alis, seno de instintivos produtos do subconsci-ente. Mas em tais coisas no pode acreditar quem compreendeuque a divina lei de justia inviolvel. Basta pensar um poucopara ver a desordem que reinaria no campo moral, o emaranha-do de injustias e o conflito de valores que resultaria, se taisabusos fossem possveis sem uma proporcionada reao corre-tiva por parte da Lei, encarregada de restabelecer a ordem e ajustia, castigando o culpado!

    No obstante isto, o cristianismo nos apresenta um Deus

    inocente, que desce Terra para pagar os pecados dos homens.Ora, esta uma contabilidade que no resiste exata justia dalei de Deus. O cristianismo reconheceu no homem uma culpade origem e a necessidade de um pagamento desta dvida jus-tia divina. Como procuramos demonstrar em outros de nossosvolumes, isso que corresponde verdade. De fato, cada um

    paga a sua prpria dvida mediante o esforo evolutivo. O queno se sustenta perante a justia da Lei a ideia propugnada pe-lo cristianismo, segundo a qual o pagamento das nossas dvidaspode ser feito por outro, que no tem obrigao alguma de faz-loporque inocentea favor de quem no inocente.

    H ainda outro fato que no corresponde quela justia,constitudo pela desproporo entre o preo pago e a culpa co-metida. Cristo, com menos de 24 horas de martrio, teria paga-do as culpas de bilhes de homens, quem sabe por quantos mi-lnios, includos os futuros. Objeta-se que se trata da dor de umDeus. Ora, antes de tudo, pode ser esse Deus submetido dor,se esta s uma qualidade do AS, prpria de um estado cor-rompido do S? admissvel que Deus se reduza a tal estado decorrupo? Alm disso, lcito nos perguntarmos se e por que ador de um Deus deveria valer mais do que a dor de um homem,como se este, quando sofre, sofresse menos de quanto o poderiaum Deus? Pareceria mais lgico e mais justo, ento, que, parapagar as culpas de bilhes de homens por tantos milnios, fossenecessria a dor de bilhes de homens por outros tantos mil-nios. Apenas assim as contas se encaixam, no somente porqueo pagamento proporcionado culpa, cumprindo a cada ser re-alizar o esforo para regressar ao S, mas tambm porque pesaapenas sobre cada um a culpa de sua queda no AS. Pode-seimaginar qual desordem se instauraria na justa moral da Lei,caso fosse possvel a falsa hiptese da sbita extino de tal d-vida, perante um ganho no justificado, sem o proporcional es-foro. Quo enorme caos se verificaria na srie dos fenmenostodos orientados num progressivo sentido evolutivose fossedado um instantneo e enorme salto em direo ao S. Isso vio-laria a necessria gradatividade da ascenso. E, se o escopo daevoluo h de ser visto como a reconstituio de todas as qua-lidades perdidas, um salto to brusco, pelo fato de suprimir umaconsidervel etapa do caminho evolutivo, levaria de vez s por-tas do S seres que, por no terem evoludo o suficiente, no es-tariam de modo algum reconstitudos, encontrando-se, portanto,imaturos para regressar a ele.

    Compreende-se, ento, porque esta ideia de redeno gratui-ta, concedida por Deus a seres que no a mereceram e que notm nenhuma inteno de ganh-la, sendo prodigalizada custade um inocente, demanda certo grau de inconscincia e de ego-smo para ser aceita. Tal modo de conceber a redeno tipi-camente antropomrfico, refletindo a forma mental prpria dascriaturas do AS. Estas podem pensar da forma que mais lhesagrade. Isto, porm, no afeta em nada a Lei, que continua afuncionar conforme a justia de Deus.

    compreensvel e perdovel que o homem do passado setenha deixado levar por impulsos do subconsciente, mas istono mais perdovel hoje, quando ele est saindo da menori-

    dade. chegada a hora de ver em Cristo no apenas o seu amore sacrifcio, que outrora tanto nos confortava, mas tambm, an-tes e sobretudo, um exemplo de justia que nos induza a cum-pri-la, e no a nos evadirmos dela. Chegou a hora do homem secolocar com sua conscincia perante o dever de evoluir atravsdo seu prprio esforo, de reconhecer a sua posio, de com-preender a sua responsabilidade e de assumi-la ele prprio pe-rante a Lei, sem sub-rogaes ilcitas.

    injusta mas historicamente explicvel esta ideia do sacrif-cio de um inocente que paga as culpas dos outros. Alis, pode-sedizer que a Paixo de Cristo integra-se na tradio. Na Bbliasurge continuamente a ideia de sacrifcio, base da aliana comDeus, como se Ele estivesse exigindo ser pago de uma dvida

    para com Ele, contrada pelo homem em troca da divina prote-o que lhe era concedida em contrapartida. Ento o sacrifcio,alm de material e cruento, continha tambm os conceitos deexpiao de culpas e de propiciao da Divindade. Estes concei-tos permaneceram atravs do tempo, mas foram desmateriali-zando-se de sua expresso fsica, purificando-se do aspecto san-

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    guinrio. triste ver quo forte importncia tiveram nas religi-es do passado a matana de uma vitima e o espargimento deseu sangue, bem como quo difcil se livrar da lembrana demtodos to ferozes para se aproximar da Divindade. Eles se re-finaram, mas ainda no se cancelaram, embora tendam a se puri-ficar, at desaparecerem com a evoluo espiritual do homem.

    Estes conceitos, embora tenham sido reduzidos ao estadomais imaterial e incruento possvel, continuam presentes na Eu-caristia, ainda hoje concebida como sacrifcio. De fato, emborade forma invisvel e simblica, nela se fala de corpo e de san-gue, o que constitui uma recordao e um vestgio dos antigossacrifcios feitos pelo homem involudo, ainda remanescentesno fundo das representaes do rito. Do martrio do corpo e doespargimento do sangue de que era vido o passado ficou ape-nas a ideia. Porm mesmo esta dever desaparecer nas religiesmais civilizadas do futuro, em direo s quais preferimos diri-gir o olhar, porque nelas o homem descobrir outros mtodosespirituais, para se avizinhar da Divindade.

    IV. A NOVA FIGURA DO CRISTO

    A nova figura do Cristo. A distncia entre Deus e homem. Osignificado do exemplo dado por Cristo. Reaproximar os

    dois termos, para que aquele exemplo seja imitvel. Cristoreintegrado no S. As velhas construes mticas e o novoconceito de Deus. A grandeza de Cristo, Filho de Deus.

    Estamos delineando uma nova figura do Cristo, de modoque ela aparea sempre mais completa na sua forma racional.Como se v, estamos nos afastando do tradicional triunfalismodo Cristo-Deus, conceito egocntrico no qual Deus colocadoa servio do homem, para nos aproximarmos assim de uma in-terpretao mais racional, capaz de nos dar uma melhor com-preenso para o fato de sua vinda Terra.

    Com esta finalidade, procuramos diminuir a distncia entreos dois termos, Deus e homem, aproximando estes dois concei-tos. Na verdade, existe entre eles uma distncia intransponvel,sobretudo quando se concebe Deus no mais antropomorfica-mente, mas sim como um pensamento regulador e diretor, tantodo funcionamento do seu organismo (S) como, de maneira indi-reta, do nosso universo (AS). Ora, um Deus assim concebido

    jamais poder reduzir-se s insignificantes e retrgradas dimen-ses do homem de hoje. , com efeito, inconcebvel o amesqui-nhamento de to imensa potncia dentro de to obtusos limites, pois, tamanha desproporo contradiz o perfeito equilbrio daLei. Uma precipitao involutiva desde to excelsa altura, causadeste espantoso regresso, que no seja merecida por quantos asofrem, uma hiptese absurda na ordem divina das coisas.

    H demasiada distncia entre as dimenses dos dois termospara que possamos uni-los. No existe nenhuma ponte capaz depermitir uma conjuno to completa entre a natureza absolu-tamente espiritual de um Deus e aquela prevalentemente mate-rial do homem ao nvel bestial do involudo, como se revelouna feroz matana do corpo de Cristo. Este fato, sobre o qual se

    baseia a Paixo de Cristo, mostra-nos do que capaz o homema cujo tipo se pretende supor que Deus tenha desejado fundir-se. Tudo isto faz pensar que semelhante humanizao de Deusno seja seno um produto do subconsciente, resultando de umorgulho instintivo, que teria levado divinizao do homem.Perguntamo-nos, ento, que valor espiritual pode ter tal massa-cre fsico? Que ensinamento poder depreender-se de seme-lhante espetculo? Que estmulo de ndole moral poder omesmo constituir, se ele de fato exprime, sobretudo, os pioresinstintos do homem? E o animalesco episdio ainda apontadocomo exemplo, para que todos o vejam. Constituir isto, por-ventura, algo a imitar, quando exprime o triunfo das foras domal, com a vitria do Anti-Deus sobre Deus?

    Ora, o escopo da encarnao do Cristo no podia ser redi-mir gratuitamente a humanidade, pois se tratava sobretudo de,com o Seu exemplo, ensinar ao homem como ele deve fazer para se redimir com seu prprio sacrifcio. Ento, em vez deum ser cujas dimenses transcendessem os limites de nossasmedidas normais, constitudo segundo um modelo absoluto,situado nos antpodas do relativo em que vivemos, era neces-sria a descida Terra de um ser menos distante do nvel hu-mano. Como se poderia propor, para ser imitado, o modelo deum ser cuja natureza, sendo totalmente diversa da nossa, nooferecesse aquela similaridade que permite o irmanamento?Tal modelo estaria situado fora do processo evolutivo, en-quanto, no caso em questo, era necessria a presena de um

    ser que, por t-la percorrido antecipadamente, conhecesse amesma via crucis da evoluo que cumpre ao homem trilhare sobre a qual, alis, ele j se encontra a caminho.

    Era, em suma, necessrio um Cristo que, como ns, j ti-vesse experimentado as dores da evoluo, pelo menos at aonosso nvel, e no um mrtir extemporneo, descido do Cu

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    para, em poucas horas de sofrimento, resolver o apocalpticoproblema da reintegrao do AS no S, sem ter percorrido todoo caminho necessrio para isso, o mesmo que a todos os serescumpre percorrer. O ato de no se sujeitar a esta disciplinano passaria de uma tentativa de evaso da linha estabelecidapela Lei, para se alcanar a salvao. Trata-se de um longocaminho, que leva milhes de anos para percorrer, implicandouma tenaz labuta e uma lenta maturao. Esto em jogo fatosque no se improvisam e problemas que no se resolvem comum rpido martrio, demasiadamente breve para servir como

    uma escola capaz de operar uma verdadeira reconstituio es-piritual da humanidade decada.

    Que as coisas sejam como foi aqui explicado agora ficaprovado pelo fato de que, aps o sacrifcio de Cristo, a reden-o operada assim por Ele permaneceu um fato terico. Comefeito, salvo algum lento melhoramento devido evoluo, oqual no significa redeno, a humanidade continua sendosubstancialmente a mesma de antes. Aconteceu ento que osacrifcio de Cristo deixou de fato intacta, como devia, a len-tido do processo evolutivo, no perturbando a ordem fixada pela lei de Deus. Nem o resultado podia ser outro, porqueaquela lei no comportaria tal violao, como teria ocorrido,se, mediante um sbito salto para frente, tivesse sido suprimi-da aquela lenta mas profunda elaborao que toda a verdadei-ra redeno implica e exige.

    Eis ento que o exemplo nos dado por Cristo h de ter outrosignificado, devendo representar algo de mais prximo ao ho-mem. Isto implica, por exemplo, no conhecimento dos proble-mas humanos por parte de Cristo, que, tendo estado nas mes-mas condies, teria experimentado as provas do AS. Somenteassim reaproximados, postos na base de tal similaridade decondies, possvel entre Cristo e o homem um verdadeiroirmanamento, mediante a mais profunda compreenso por partedeste ltimo. S desse modo Cristo pode tornar-se um dos nos-sos, constituindo-se num mestre capaz de nos ensinar, porque

    Ele mesmo fez aquilo que aponta a ns como realizvel e queum Deus jamais poderia ter feito nem tencionado fazer.Eis como se delineia a nova figura do Cristo, mais harmo-

    nizvel com os fatos e com a lgica dos mesmos, conforme alei de Deus. A Paixo de Cristo no permanece ento um fatofora da Lei, pois constituiu para Ele a ltima e conclusiva fasede um normal e longo processo de maturao evolutiva. As-sim, tudo fica dentro da ordem e da lgica da Lei. Deste mo-do, aquela paixo no pode ser confundida com uma improvi-sao sem antecedentes preparatrios, mas torna-se logica-mente comparvel ao ltimo anel de uma cadeia, constituindoo momento decisivo do definitivo passo em frente, justamenteaquele no qual o ser, lanando-se para fora do AS, reentra no

    S, como coroamento de um precedente e imenso trabalho dematurao que alcanou o seu cumprimento. Assim, tudo secompreende e fica conforme a Lei. Cristo ento nosso irmoe mestre, tendo como tal o direito de se erigir em exemplo,porque fez aquilo que cada um de ns, obedecendo como Ele lei de Deus, dever fazer.

    A essncia do exemplo de Cristo est no fato de que o pro-grama e a razo da existncia consistem em sair do AS parareingressar no S. Este , para todos, o momento do retorno aoPai. Cristo viveu este momento e nos mostrou como isso secumpre. Ele chegou primeiro. Ns chegaremos depois, cadaum no seu tempo. No h outra coisa a fazer seno segui-Lo.Ele se colocou frente na marcha da evoluo. Pliades de

    santos, heris, mrtires e gnios O seguiram mais ou menosdistantes Dele, mais ou menos prximos daquele momento re-solutivo, que o retorno ao Pai.

    Ento Cristo como um general que, seguido por um exr-cito de evoludos, coloca-se na dianteira para desafiar o mundodo AS. Ele enfrentou o inimigo e fez, primeiramente Ele, aquilo

    que todos devero fazer e faro para cumprir e resolver o cicloinvolutivo-evolutivo. Ele tem o direito de se colocar comoexemplo, cabendo-lhe a funo de modelo, porque a Sua Paixono se reduz ao suplcio de poucas horas que nos limitamos acomemorar, mas se projeta nos milnios que cada um de nsdeve viver. Ela se condensa num clice bem mais amargo, queconsiste em ter de sofrer todas as provas, fadigas e dores doAS, absorvidas hora por hora, at assimilar toda a lio.

    Ento a glria da ressurreio assume em Cristo um novosignificado, porque no se reduz apenas Sua sobrevivnciaaps a morte, mas constitui, sobretudo, uma vitria definitivasobre o AS, equivalendo, assim, a um retorno glorioso ao Pai,sob outra forma de vida, na qual a morte deixar de existir.Trata-se de uma csmica inverso de posies do AS para o S.Afirma-se ento, com a salvao, o triunfo final do S ao trmi-no do ciclo S-AS-S.

    No se pode culpar o passado por no ter sabido compreen-der a misso de Cristo nesse mais profundo sentido. Por nopossurem o conceito de evoluo, os nossos antepassados noestavam em condio de entender o Cristo nesta mais profunda perspectiva. Graas a tal conceito, podemos entender Cristosem a necessidade de recorrer a incompreensveis mistrios,impostos em nome de um mal-entendido conceito de f. Apre-sentada sob esta nova luz, a realidade do Cristo deixa de ser en-carada sob a exclusiva perspectiva de uma religio, para assu-mir todos os caracteres da universalidade, comprovveis porleis biolgicas positivas.

    Assim sendo, Cristo nos aparece vivo em toda a sua lgica,para nos dizer: Fazei como Eu fiz. O que Eu fiz, vs tambmpodereis faz-lo. No fui apenas um prodgio descido do Cu,com poderes excepcionais, mas pertenci vossa prpria raa.Fui homem como vs, mas, em virtude de meu incansvel la- bor ascensional, alcancei o S, regressando ao seio de Deus erealizando assim o meu destino, que tambm o de todos vs.Eu j percorri o caminho que vs estais agora percorrendo.

    Conheo, porque j as vivi, vossas provaes e dificuldades. luta dura, mas Eu tambm a enfrentei, mostrando-vos a quetriunfo ela conduz. Eu voltei a ser perfeito no S, que se consti-tui da pura substancia de Deus. Resolve-se assim o grandeproblema da salvao. Este o caminho, no h outros cami-nhos. Com o ltimo feito da Paixo, paguei a derradeira parce-la justia da Lei e me ergui do AS ao S, como no final deveracontecer com cada um de vs.

    Assim, Cristo se avizinha muito mais de ns. Ele viveu anossa mesma realidade biolgica e soube super-la. J expe-rimentou as nossas fadigas, por isso as compreende. Ele foinosso companheiro em nossa mesma labuta e fez deverasaquilo que cumpre a ns fazer ainda. No foi a Sua paixo

    uma mera representao simblica. Por intermdio de Sua vi-da terrenacoroamento de muitas vidas de preparaoCris-to realizou plenamente a Sua redeno, ressurgindo totalmen-te liberto e regressando ao Pai. Aquela paixo se explica comoo ltimo degrau de uma imensa escalada, constituindo o atofinal de um drama csmico, o mesmo que envolve a humani-dade de todos os tempos.

    Na Paixo de Cristo, temos dois momentos culminantes. Oprimeironegativo a sua morte na cruz, significando a l-tima vitria do AS sobre um ser que lhe escapa, concedendoesta vitria ao AS, para liquidar a parcela final de sua dvida justia da Lei. O segundo momentopositivo consiste emsua ressurreio nos cus, significando a plena vitria sobre o

    AS por parte de um ser que lhe escapa, para reingressar defi-nitivamente no S.O reviramento da pedra sepulcral significa a libertao do

    esprito, com a sua vitria final sobre a matria, representandoassim a converso do AS no S. Com isso, Cristo nos ensina quea meta ltima da vida est no Cu, e no no mundo, sendo este

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    apenas um meio a ser utilizado para aquele fim, como uma es-cola e um itinerrio para voltar a Deus. Cristo nos ensina queestamos percorrendo uma grande estrada e que a salvao estem avanar. A redeno consiste na evoluo, que a transfor-mao da nossa natureza de tipo AS na de tipo S.

    Assim concebido, Cristo se nos apresenta como algo bemmais imitvel, por ter percorrido a nossa mesma estrada. Eleno representa um caso isolado, imensamente distante do nos-so. No se poderia propor como exemplo para o homem quemno fosse semelhante, apresentando-se em condies totalmentediferentes. Insistimos sobre este assunto, porque importantecompreend-lo. A tradicional interpretao da descida do Cristotem o sabor de uma mirabolante construo mtica, apta a ali-mentar a fantasia, mas alheia realidade, porque pouco condi-zente com a faculdade que nos permite compreender o funcio-namento de todas as coisas. Isto torna incompreensvel o pro- blema daquela descida, fato este contraproducente no terrenodas convices, porque, quando no se pode demonstrar, torna-se necessrio recorrer ao mistrio e depois ao mtodo da impo-sio pela f, o que no convence. A realidade, pelo contrrio,mostra-nos a presena de uma lei constante e inviolvel, quemantm a ordem em todo tempo e lugar.

    Alm disso, a realidade nos oferece um conceito de Deusdiverso daquele Deus pessoal. Este parece mais uma nossa cri-ao antropomrfica, como resultado de uma deificao do bi-tipo humano. Tal conceito menor se alcana tomando como ponto de partida e de confronto o homem, e no o universo.Trata-se de uma criao de tipo mtico, produto da mesma for-ma mental dos pagos. A nosso ver, Deus ao mesmo tempo oTodo e a mente que dirige seu funcionamento, sendo, portanto,algo que transcende todas as nossas dimenses terrenas. Destetodo, o organismo humano no representa seno uma parte in-finitsima. Por isso ela, que limitadssima, nunca poder con-ter aquele todo, porquanto o que finito no pode conter o infi-nito, assim como num tomo no pode caber o sistema solar,

    nem faz sentido impor tal absurdo por f. Em vez disso, ns precisamos de um Deus que sirva para todas as criaturas douniverso, e no s para o homem.

    Ora, no seio da ordem do Todo, difcil imaginar que revo-luo haveria com a descida desse Deus, tornando-se muito di-fcil admitir que o ser mximo do organismo do Todo possaassumir a forma de um de seus mnimos elementos. Este con-ceito era aceitvel quando o homem no seu orgulhojulga-va-se o centro do universo e o nico escopo da criao. Mashoje j se comeou a compreender que, se existem seres pen-santes espalhados nos infinitos planetas do universo, eles tam-bm esto sujeitos mesma lei de evoluo, portanto o fim dacriao no somente o homem, tornando-se lcito perguntar a

    ns mesmos quantos bilhes de vezes deveria encarnar-se o fi-lho de Deus, para redimi-los todos. Alm disso, como poss-vel uma descida involutiva to grande, a ponto de conseguircobrir a distncia que separa Deus do homem? Ser que nonos damos conta do intransponvel abismo que os separa e daimpossibilidade de fundi-los num nico ser? Perante a frreadisciplina da Lei, necessria para regular o funcionamento doTodo, semelhante hiptese da descida de um Deus acarretariaum deslocamento catastrfico, significando uma espcie deatentado anrquico, que seria apontado e exaltado como exem-plo aos olhos do homem. No nos damos ainda conta de que ouniverso um organismo, funcionando segundo regras prees-tabelecidas, sendo que nada pode deslocar-se nele sem que isso

    traga consequncias inevitveis. Parece, todavia, que a desor-dem precisamente o sinal do homem, de acordo com os prin-cpios do AS. Com efeito, para o mundo, a potncia e o valoresto na desordem, e no na ordem. Esta ideia, que consiste emfazer descer Deus na Terra, para Ele se encarnar como homem,no ser, ento, uma espcie de repetio da primeira tentativa

    do ser de se tornar igual a Deus, repetindo a atitude de revoltacom a qual teve origem sua precipitao no AS?

    Ento a figura do Cristo que nasce destas consideraesquer parecer-nos uma representao bem mais inteligente,aproximando-se daquilo que Ele verdadeiramente foi. Esta mu-dana de perspectiva fazia-se necessria. Estamos habituados auma interpretao esttica do Cristo, definitivamente fixada,enquanto a realidade da vida nos proporciona interpretaescada vez mais adequadas, de acordo com a evoluo realizada por ns e, portanto, tambm pelo instrumento que possumospara conceb-las. Acontece, porm, que a nova figura do Cris-to, apresentada aqui, pode escandalizar o misonesmo dos con-servadores, por no ser aquela tradicional. Todavia esta novafigura mais racional e, portanto, mais aceitvel pela mentemoderna. Por isso bem provvel que esta seja a representaoque o homem se far do Cristo no futuro. Alm disso, conside-rando bem, podemos desde j afirmar que ela no diminui emnada a Sua grandeza.

    Perguntamos, ento, quem maior? Quem tem o conheci-mento, por no o ter perdido, ou quem, tendo-o perdido, soubeempreender o trabalho de reconquist-lo? Quem permaneceuperfeito, porque ficou estacionrio no S, ou quem enfrentou afadiga de reconstruir a sua perfeio no S, atravs das laborio-sas experincias do AS?

    Perguntamos, tambm, quem vale mais? Quem no cometeuqualquer dano, ou quem, tendo-o cometido, o consertou?Quem, no tendo pecado, no caiu, ou quem, havendo pecado,se redimiu? Quem conhece apenas as vias do bem, permane-cendo na posio originria, ou quem, alm das vias do bem,conheceu tambm as do mal e, em vez de permanecer estacio-nrio no S, percorreu todo o ciclo S-AS-S, tendo aprendido a sereintegrar na sua posio de origem?

    Os dois tipos so igualmente grandes, se bem que em posi-es e por razes diversas. Eis ento que interpretar o Cristodeste novo ponto de vista nada retira sua grandeza e valor.

    Tratemos agora de esclarecer outra questo. Contra esta in-terpretao pode-se objetar que ela nega ao Cristo a sua maiorqualidade, dada pela condio de ser Ele o Filho de Deus. En-tretanto ns no negamos que Cristo seja o Filho de Deus. Defatocomo j explicamos neste e nos antecedentes volumestodos os seres nascidos da primeira criao, o S, eram filhos deDeus, feitos de Sua mesma substncia. Somos todos, portanto,como Cristo, filhos de Deus. Apenas ocorreu que esta inalien-vel qualidade ofuscou-se sem, contudo, destruir-se paraaqueles que se precipitaram no AS, sendo justamente a tarefada evoluo reconduzi-los sua pureza original.

    Ns no negamos, mas afirmamos ainda com maior decisoque Cristo verdadeiramente o Filho de Deus, porque da Sua

    Paixo e morte Ele foi reintegrado no S, retornando posiona qual Ele havia sido gerado e qual, em virtude de sua natu-reza, fazia jus. O fato de ter regressado o qualifica, agora semrestries, como o Filho, ou seja, como terceiro aspecto da Di-vindade (o ser criado). Eis, portanto, que Cristo permanece Fi-lho de Deus desde a Sua primeira origem, sendo-o tambm atu-almente, pois, dessa forma, Ele est igualmente situado no S,como parte integrante do mesmo. O fato de ter atravessado oAS, em vez de ter descido diretamente dos Cus (S), no impe-diu a Cristo de ter nascido como Filho de Deus, nem de retornarcomo tal ao seio do Pai, exatamente na posio de origem. Ens todos somos destinados a regressar nossa posio originalos mais sbios e maduros, primeiro, e os outros, depois ca-

    bendo aos primeiros, mais avanados e gloriosos, mostrar ocaminho a seguir aos que ficaram atrs, como Cristo fez.O nosso escopo no demolir. Queremos apenas compre-

    ender melhor o Cristo, penetrando at verdade que se escondeatrs da lenda. Desejamos mostr-lo sob uma forma mais racio-nal e compreensvel, porque um Cristo ilgico e entretecido de

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    mistrios no seria tomado em considerao pelas novas gera-es, terminando por ser posto de lado. Ns queremos, pelocontrrio, que Ele permanea vivo entre elas. E, para isto suce-der, sabemos que, antes de tudo, necessrio explicar tudo comclareza e sinceridade.

    V. O CHOQUE ENTRE SISTEMA E ANTI-SISTEMA

    A Paixo almejada, por qu? Uma conta a pagar justiado Pai. O regresso do ser a Deus. A recusa de Cristo de ser

    rei. Judas, Ans, Caifs, o Sindrio, Herodes, Pilatos,a multido, Barrabs e Cristo. A morte.

    Observemos mais de perto o comportamento de Cristo, pa-ra melhor compreender o significado da Sua Paixo. Pareceque Ele se tenha querido expor a todo custo, porque, enquantoprovocava a ira dos seus inimigos, dizendo-lhes sem rodeiosas mais escaldantes verdades, tendo dessa forma desencadea-do a guerra, no preparou nada para lev-la avante ou, pelomenos, para se defender. Com isto, Cristo nos fez ver quo perigoso na Terra dizer a verdade, quando, depois de nostermos engajado na batalha, no permanecemos suficiente-mente armados para sustent-la e venc-la. Dizer a verdade,ento, um luxo reservado aos fortes e negado aos fracos. ECristo, depois de se ter colocado em posio to perigosa,abandonou-se nas mos dos seus inimigos, que outra coisano desejavam para poder assim liquid-lo. Aparentemente,de duas coisas uma: ou Cristo no conhecia as leis biolgicasdo nvel evolutivo humano, que so de luta para o sobrepuja-mento recproco, ou ento queria dissuadir-nos de dizer a ver-dade, mostrando-nos com o seu exemplo quo perigoso sejadiz-la em tal ambiente e como, portanto, seja mais aconse-lhvel calar-se ou mentir. O fato que Cristo desafiou as leisda vida de nosso plano e estas o mataram.

    Todavia estas duas hipteses a primeira baseada na igno-rncia e a segunda na falta de senso moral no se sustentam, porquanto so evidentemente inconciliveis com a figura doCristo. Poder-se-ia apresentar ainda uma terceira hiptese, se-gundo a qual Ele seria movido por uma firme vontade de suic-dio. Sem dvida, v-se de sua conduta que ele agira em plenaconscincia e completa liberdade de escolha. Ele conhecia bem

    a aflio que o esperava, entretanto nada fez para evit-la. Pe-rante Pilatos, Ele se calou. Acusado, Ele no se defendeu, en-quanto, anteriormente, com a sua decidida conduta, provocara aSua condenao. Com efeito, entregou-se sem reagir aos solda-dos que o prenderam, tendo proibido Pedro de defend-Lo. Es-tes fatos parecem confirmar uma vontade de suicdio, deduzveldo fato de ter assumido posies que Ele sabia perigosssimas.Poderamos dizer que Cristo atirou sobre Si mesmo o Seu mar-trio, ou praticamente o tenha procurado, e que tenha sido Eleprprio o primeiro a quer-lo.

    Ento, se Cristo o quis, isto significa que aquele martrio ti-nha para Ele uma importncia decisiva, a qual o justificava,anulando assim a hiptese do suicdio. Ele no aceitou passi-

    vamente, mas escolheu aquele caminho. Por qu? No se podedizer que Ele fosse um fraco e que disso se tenham aproveitadoos fortes e os malvados, para fazerem Dele uma vtima. Ele osdesafiou frontalmente, com coragem, desmascarando-os aber-tamente. E, quando foi acusado, no se pode dizer que Ele noteria sabido defender-se, desde que o quisesse. Ele teria podidoser rei do seu povo ou ento um libertador poltico. Tudo pare-cia conspirar em Seu apoio neste sentido, pois as multides Oseguiam e O aclamavam. Mas Ele escolheu, pelo contrrio,uma coroa de espinhos, entrelaada de insultos e de aflio. Oque significa tal loucura? Alis, como podia ser louco um ho-mem que deu provas de tanta sapincia?

    Cristo, completamente rebelde vontade do mundo, cons-

    tantemente se refere, pelo contrrio, vontade do Pai, subme-tendo-se a esta com extrema deciso. Deste lado havia algo aque o Cristo estava vinculado e que o impelia para a cruz. Eraeste o impulso que o empurrava naquela direo? Ele no eraum inconsciente, ignaro do fim ao qual ia sendo levado, no en-tanto no tentava parar. H na conduta de Cristo algo misterio-

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    so, um motivo recndito, que, sendo diferente daqueles co-muns, pelos quais so movidos os homens, devemos descobrir.

    A primeira coisa que salta aos olhos de um atento observa-dor de Cristo-homem a sua coragem viril, sua revolucionriapotncia inovadora, sua capacidade de arrastar as massas. Elese comporta como um rei e, consciente das consequncias, de-safia os poderosos desse nvel, tanto no campo religioso comono poltico, devendo ser tratado como rei, mesmo sendo issofeito pelo avesso, com uma coroa de espinhos e com os dizeres:Rei dos Judeus sobre a cruz. At Satans o trata como rei,

    oferecendo-lhe um reino, mas Cristo o repele como tentador.Cristo no se deixa levar at Paixo por inrcia. Ele no

    dominado pelas circunstncias adversas, pelo contrrio, pareceque as conhece e as secunda, como se soubesse que o assaltodas foras do mal o leva realizao de seus prprios fins.Cristo obedece ao Pai, mas, com isso, como se comandasse, pois obedece a si mesmo, uma vez que sua vontade coincidecom a do Pai. Os poderosos da Terra que querem matar o Cristoficam assim logrados por um mal-entendido, porque, em vez defazerem seu prprio jogo, acabam por fazer o de seu inimigo,Cristo. Este os utiliza ento para alcanar seus prprios esco- pos, totalmente desconhecidos para aqueles. Temos nisto umexemplo da utilizao das foras do mal postas a servio dasforas do bem. Trata-se aqui de um caso cuja negatividade aca-ba tornando-se um instrumento das foras positivas no seu tra-balho de reconstruo.

    Postos ento de lado os sujeitos humanos que contriburamquais pobres inconscientespara o desenrolar-se das forasconvergentes da Paixo de Cristo, desconhecidas por eles,no resta como causa de tudo seno a vontade do Pai, da qualCristo havia feito a Sua prpria vontade. O Pai no O obrigade modo nenhum, mas Cristo que tem conscincia da neces-sidade de obedecer-Lhe. o prprio Cristo que, perante a or-dem estabelecida pela Lei, reconhece a absoluta necessidadede Seu sacrifcio, cumprindo-o com conhecimento de causa.

    Assim, de um lado, permanece firme um princpio de ordem e,de outro, emerge a necessidade de um sacrifcio. Havia, pois,uma conta entre os dois, e Cristo devia pag-la justia do Pai.Era esta, portanto, que exigia tal pagamento, cumprindo aoCristo efetu-lo, cnscio de Seu dever.

    Qual era ento a dvida que Cristo devia pagar Lei? Se-riam, como se diz, os pecados dos homens, que Cristo endos-sava, deixando a estes apenas a tarefa de comet-los? Mas, seo pagamento de Cristo era efetuado para cumprir um ato de justia perante a Lei, como possvel que o mesmo redun-dasse num ato de injustia, pelo qual Ele teria de pagar, comseu prprio sofrimento, as culpas dos outros? Assim sendo, oPai, em razo do Seu princpio de justia, deveria ter exigido

    o pagamento por parte dos homens, porque as culpas eramdeles, e no de Cristo. Como ento, ao contrrio, exatamente para aplicar o Seu princpio de justia, o Pai exigiria queaquelas culpas fossem pagas por um inocente? Como podeDeus se contradizer a tal ponto? Num regime de ordem, nemao amor lcito sobrepor-se justia, para violar aquela or-dem. Neste caso, no se trata mais de amor, e sim de anar-quia, rebelio e desordem de tipo AS.

    Uma tentativa de salvar Cristo do martrio no vem do Pai,que chega at o ponto de abandon-lo no momento do martrio,quando Ele estava na cruz. Uma tentativa dessas no vem doPai, o amigo, mas de Satans, o inimigo. E Cristo repele aquelatentativa guisa de uma tentao. O que significa este fato, pe-

    lo qual s as foras do mal se preocupam em salvar Cristo domartrio? Significa que aquela era uma salvao falsa, enquantoa verdadeira consistia na cruz. E Cristo responde: No queresque eu beba do clice que o Pai me reservou?. Assim, Satans,o inimigo, propunha-lhe evitar o martrio que o Pai, o amigo,lhe oferecia. Portanto a salvao de Cristo estava na Paixo.

    Aquela Paixo significa um choque entre S e AS, entre a po-sitividade do primeiro (Deus), que quer superar e vencer a nega-tividade do segundo (anti-Deus). Mas o choque se d em plenoAS, ao nvel onde a negatividade forte, estando bem plantadaem sua prpria casa. Isto explica porque a Paixo de Cristo noplano humano, que est situado ao nvel de AS, foi massacrebestial. Explica tambm como, logo depois de ter sado do cam-po da negatividade do AS, para ingressar no da positividade doS, aquela mesma Paixo se torna gloriosa apoteose. A Paixo deCristo , ento, devida a um ltimo assalto do AS contra um

    elemento que lhe foge, para reingressar no S, constituindo aomesmo tempo no s a libertao deste ser em relao ao AS,mas tambm o seu triunfo no S. Esta a razo no s da atrozcrucificao, mas tambm da gloriosa ressurreio. A primeirarepresenta o mtodo prprio do AS, pelo qual este se acirra con-tra o homem que est para retornar purificado ao seio de Deus.Mas a zona de domnio do AS est delimitada, sendo que, tologo Cristo lhe ultrapassa os confins, aquela negatividade perdetodo o poder sobre Ele. Neste momento, Cristo volta a ser cida-do do S, passando a viver em outro tipo de universo.

    Eis que a Paixo de Cristo nos mostra o maior fenmeno daexistncia j experimentalmente vivido, que a superao evo-lutiva do AS, pela qual o ser sai deste, para reingressar vitorio-so no S. O fenmeno bilateral, pois interessa simultaneamen-te ao AS e ao S, uma vez que se realiza ao negativo no primei-ro e ao positivo no segundo. Cristo alcanava uma posio deavanadssimo nvel biolgico, que ns todos deveremos atin-gir. Assim, Ele nos pde mostrar a tcnica de realizao dapassagem dos mais altos planos do AS para o S. Eis que a Pai-xo de Cristo significa o retorno do ser a Deus, depois de terpercorrido todo o ciclo involuo-evoluo. Com tal perspecti-va, como poderia o Cristo recusar-se Paixo, quando sabiaque, atravs dela, caminhava no para a morte, mas sim parauma vida bem mais esplendorosa?

    Ento Cristo um elemento de nosso tipo AS, mas to avan-

    ado no caminho percorrido por todos ns, que superou o nossomundo e pde assim reingressar no S. Com isso, Ele nos mostraaquilo que todos ns, mais cedo ou mais tarde, deveremos fazer.Da o valor do seu exemplo, porquanto se trata de um indivduosituado nas nossas mesmas condies, que, todavia, realiza umapassagem normal, em posio de perfeito enquadramento dentroda ordem da Lei. Isto no mito, e sim realidade. Da o seu va-lor positivo. Provavelmente, Cristo tenha feito parte de uma hu-manidade muitssimo evoluda, j bastante prxima do S, tendodescido dela nossa humanidade involuda, para sujeitar-se auma prova purificadora feroz, muito alm do que poderia com-portar Sua demasiadamente elevada humanidade.

    Talvez a culpa qu