a encadernação

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  • 7/22/2019 A Encadernao

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    A Encadernao

    Dorothe de Bruchard

    Proteger e preservar o objeto livro um cuidado constante desde o incio de sua histria. Osegpcios, por exemplo, protegiam as bordas de seus rolos de papiro com tiras coladas. J osantigos gregos e romanos costumavam envolv-los em capas de pele ou pano ou, em setratando de obras mais valiosas, em bibliotecas, (biblio + theka, cofre para livros), ou seja,cilindros de madeira, pedra ou metal onde se acomodavam vrios rolos (ao lado). A prtica de

    encadernar os livros para melhor conserv-los foi uma decorrncia natural da passagem do rolo para o cdex, quefoi se sistematizando no Imprio Romano partir do sculo I.

    Os primeiros livros eram compostos de folhas simples de pergaminho, mais tarde de papel, dobradas duas vezese reunidas em cadernos (de quaterni, quatro pginas de que resultava a dobradura), costurados na dobra comnervos. Os cadernos eram por sua vez costurados a flexveis tiras de couro em ngulo reto com o dorso. Maistarde, a folha tornou-se maior e era dobrada mais vezes.

    O pergaminho tendia a ondular e, para manter as folhas planas, criou-se o hbito de prend-las entre duastabuletas de madeira. O passo seguinte foi prender a essas tabuletas as pontas das tiras que j prendiam oscadernos, a seguir cobrindo com couro as tabuletas ao mesmo tempo que o dorso, criando-se assim a lombada.Estavam dados os princpios da encadernao tal qual a conhecemos.

    At o Renascimento, os livros no eram guardados em p, mas deitados nas prateleiras ou mesas. Suas capas

    continham espcies de calombos, feitos de metal ou pedra incrustada, que os mantinham erguidos acima dasuperfcie, driblando a umidade. A lombada, pouco visvel, no continha o ttulo, sendo este escrito em etiquetas,no raro protegidas por chifre transparente, atadas capa. Para evitar a ondulao do pergaminho, fechos e

    brochas nas bordas das tabuletas mantinham o livro bem fechado.

    Esta nova aparncia plana do livro evidentemente favorecia sua ornamentao.Em Roma e na Grcia, esta geralmente consistia na aplicao de medalhes com efgies de membros da realeza.O cdex, porm, est sobretudo ligado ao estabelecimento do cristianismopor muito tempo, e por vriasrazes, entre as quais a econmica, o rolo permaneceu associado literatura pag, e o cdex crist. A princpioum formato pobre, o livro plano foi contudo se transformando, com a expanso e crescente poder da Igreja,num suporte privilegiado para verdadeiras obras de arte. Reclamava S. Jernimo numa epstola, no sculo IV:

    Tinge-se o pergaminho de cor de prpura, traam-se letras com ouro lquido, revestem-se de gemas os livros,mas totalmente nu diante de suas portas, Cristo est morrendo.

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    Capa do Cdigo de St. Emeran (870),em ouro e pedras preciosas.

    capa em prata dourada do sc. VI(28 x 23 cm), encontrada em

    Antiquia, Turquia.

    Pois os livros sagrados se tornavam inapreciveis obras de arte, primeiro no Oriente e, atravs de Bizncio,difundidos por todo o Imprio Romano nos primeiros sculos do cristianismo: as encadernaes, executadas porartistas, utilizavam placas de marfim ou metais como cobre e prata, e traziam incrustaes de pedras preciosas,ouro macio, ou pintura em esmaltes coloridos guisa de ornamento. Este meio luxuoso de valorizar a palavradivina manteve-se pela Idade Mdia, notadamente durante a Renascena Carolngia ou o Imprio Otoniano.

    No sculo X, j com a escrita e a feitura do livro basicamente restritas aos mosteiros, uma ornamentao austerasubstitui as pesadas capas de metal e marfim. So utilizadas tabuinhas de madeira, revestidas com couro (decervo, asno, porco, vitela...).

    Evangelho de S. Joo(sc. VII), pertencente

    a S. Cuthberth. Aornamentao, comlinhas pintadas em

    azul e amarelo sobrecouro vermelho, traz

    os entrelaoscaractersticos do

    estilo celta.

    O couro, mido, era marcado com rosetas ou flores gravados na ponta de uma barra de ferro tubular. Estesinstrumentos ainda so chamadosferros, embora hoje sejam de cobre. Os primeiros ferros foram inspirados nosestilos clssicos romano e bizantino, mas no sculo XII incorporaram o os motivos e estilo da arte gtica. A

    partir de ento, acompanhariam os movimentos e tendncias das artes ornamentais em cada poca e regio.

    Ferros do estilo gtico-monstico. Ao lado,

    capa em couro marrom doBartolomeus, (finaldo sc. XV). As cantoneiras e fechos so de

    cobre. O adorno no estilo monstico consistiageralmente em traados de 3 filetes grossos,

    formando quadrados e retngulos em meio aosquais estampavam-se os ferros, completado

    com pregos, cantoneiras e fechos.

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    Entre o sc. XIII e XVIII, floresce na Espanha, por influnciamoura, o estilo mudjar. Seus ferros tm forma de cordas

    retorcidas, e permitem infinitas combinaes geomtricas. Oresultado, belssimo, uma capa muito adornada, com poucos

    claros.

    Com o advento da imprensa, no sculo XV, e a crescente demanda e difuso do livro, tem incio uma erabrilhante para a encadernao, que entra definitivamente na categoria das obras de arte. Por outro lado, como emmuitos outras reas, a passagem da Idade Mdia para a Era Moderna significou passar da idade corporativa paraa da propriedade privada: as encadernaes agora deixam os mosteiros para os atelis especializados, que

    trabalham por encomenda de abastados mecenas, biblifilos e colecionadores.

    A arte de encadernar contava com algumas inovaes tcnicas: surgiam as rodas de desenho contnuo, assimcomo ferros apropriados s cantoneiras. Difundia-se tambm, por esta poca, o uso do papelo em substituio stabuletas de madeira, o que deu mais leveza s capas, e difundia-se a tcnica da dourao.

    A nova arte rapidamente floresceu na Itlia, pas que trouxe do Orientea tcnica da dourao, que dali se estendeu para outros pases europeus.Quem primeiro teve seu nome associado a um estilo foi Aldo Manucio,o clebre impressor humanista, que rompia definitivamente com os

    pesados padres anteriores.As encadernaes aldinas, sbrias e elegantes, utilizavam vinhetasornamentais concebidas e gravadas para a tipografia (ferros ao lado),estampadas em dourado sobre o couro, acompanhadas de filetesgofrados. Este estilo permitia a execuo de flores simtricos e asmais variadas combinaes geomtricastcnica adaptada da arterabe-mourisca.

    A Itlia ainda ofereceu vrios estilos, que ficaram conhecidos no pelonome do encadernador, mas pelo do proprietrio do livroMaioli, ou

    Canevari, por exemplo, ambos biblifilos e mecenas que promoveram as artes do livro.

    Grolier, visconde d'Aiguisy (1479-1565), era tesoureiro real alm de mecenas. Francs, trouxe de suas freqentesviagens Itlia seu entusiasmo pelo trabalho de Aldocomeou utilizando os prprios ferros aldinos, massoube a partir deles chegar a uma infinidade de modelos em forma de folha, que vazou e listrou, criando

    belssimo efeito.

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    Ferros utilizados porGrolier

    Capa deDe Vita Leonis Decimi Pont, deP. Jovius (1549), encadernado por

    Claude de Picques para Jean Grolier.

    Em baixo, a divisa do biblifilo:IoGrolieri et amicorum, (para Grolier eseus amigos).

    A partir do sculo XVII, na seqncia do incentivo s artes e ao livro oferecidos pelos reis mecenas Francisco I eHenrique II, a Frana firmava-se como grande centro da encadernao artstica, papel que vem mantendo at osdias de hoje. Primeiro pas a adotar o uso do marroquim, o qual, aliado tcnica da dourao, propiciou obras degrande refinamento, deixou grandes nomes e belos estilos como, por exemplo, Padeloup, ou Le Gascon, cujosferros eram desenhados com linhas pontilhadas.

    O estilo La Fanfarre floresceu a partir de 1570 e se estendeu pelo sculo seguinte. Seus principais artesos

    foram "os ve", Nicolas e Clovis, pai e filho, encadernadores e douradores do Rei. O novo estilo decorativo, deexecuo complexa, consistia em ramos de louro e palmeira, de flores, combinados em desenho geomtrico eacompanhados de espirais e volutas variadas. Era tambm muito usado o filete duplo ou triplo noenquadramento.O nome, Fanfare, foi cunhado pelo escritor e biblifilo Charles Nodier, no sculo XIX, quando Thouvenin"relanou" o estilo para encadernarLa Fanfare des Courves Abbadesques.

    Ferros do estilo Fanfare Capa de uma edio de Herdoto para Jacques

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    Auguste de Thou (1553-1617).

    Capa em mosaicotcnica que utilizarecortes de couro de cores variadas, embutidosou superpostosrealizada por Augustin du

    Seuil para a edio deDaphnis et Chlopertencente ao Regente (1718).

    No sculo XVIII, muitas mulheres, alm deleitoras e escritoras, eram colecionadoras de

    livroscomo, por exemplo, Mme dePompadour. Elas naturalmente influenciaram aarte da encadernao, nesta poca do rococ.

    Acima, capa doLe Temple de Gnide, deMontesquieu (Paris, 1772), encadernado no estilo

    Dentelle(Rendado)que se caracteriza porconfigurar uma espcie de renda nas bordas dacapa. No centro, as armas reais, cujo unicrnio

    foi representado pelo encadernador por umcavalo com um chifre improvisado.

    Ferros usados pelas vrias geraes da famliaDerme, de que Jacques Antoine (1696-1760)foi dos mais ilustres representantes. Embora de

    influncia barroca, foram habilmenteestilizados e formam um conjunto leveosDerme foram os grandes difusores do estilodentelle, embora trabalhassem tambm com

    outros padres.

    Ao lado, a capa de Teatro Jesuitico, (1654), emque mesmo o pssaro ao centro foi inteiramente

    composto de pequenas curvas.

    A Inglaterra s tardiamente, durante o perodo da Restaurao, passou a desenvolver estilos prprios deencadernao, contribuindo desde ento com trabalhos admirveis e inconfundveis.

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    A capa desta edio de 1704 daHistory of the

    Great Rebellion, de Clarendon, bem demonstracomo o comrcio florescente com o Oriente Mdiofavoreceu a influncia, na ornamentao inglesa,

    da arte oriental, notadamente dos tapetespersas.Executada em estilo Cottage Roof(o nome

    se deve forma retangular com 2 tringulas naspontas, que lembra um telhado visto de cima),

    apresenta os motivos florais to caros aos ingleses.

    O mais antigo exemplo deencadernao em estilo neo-clssico

    (1762)trata-se da capa doprimeiro volume de The Antiquitiesof Athens, de J. Stuart e N. Revett,

    realizada em marroquim vermelho ebordas douradas.

    Capa de The English Garden (1783), concebida segundo um mtodoabsolutamente inovador por William Edwards e seus filhos James e John, os"Edwards of Halifax". Imagens eram pintadas no verso do pergaminhotransparente especialmente preparado, ao qual se acrescentava um fundo em

    papel branco. Alm do bonito efeito, este mtodo impedia que a capa sesujassea pintura ficava protegida, e bastava limpar o lado externo com um

    pano mido.

    O sculo XIX, com todas as transformaes decorrentes do avano da tecnologia, trouxe algumas mudanascruciais apresentao do livro. Estes, antes vendidos sem capa e mandados encadernar pelo proprietrio, soagora trazidos a pblico em forma de brochuracom capas de papel, onde a possibilidade de impresso a coresmotivou um desenho grfico mais elaborado. Aparecem tambm as encadernaes industriais, com revestimentoem tecido e ferros padronizados. Nada disto, entretanto, afetou a arte da encadernao, que manteve-se comotrabalho artstico, em nada concorrendo com a produo em grande escala.

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    Capa de Sans Famille, de Hector

    Malot, para a coleo infanto-juvenil de J. Hetzel et Cie,editores (1878), impressa emdourado e preto sobre tecido

    azul.

    Fundador da Doves Press,T.J.Cobden-Sanderson passou a

    dedicar-se arte daencadernao por sugesto da

    Sra. William Morris. Partidriodos ideais do movimento Arts& Crafts, foi neste estilo quedesenhou seus prprios ferros,

    com motivos basicamenteflorais. Teve na encadernao opapel que coube a William

    Morris na ediovalorizando o trabalho artesanal

    em detrimento da produoindustrial.

    Paul Bonet (1889-1971), belga radicado em Paris, foi um dos maioresexpoentes da encadernao deste sculo. Criou, entre outros, o estilo radiante,

    no qual linhas aparentemente paralelas criam a sensao de 3 dimensesatravs de variaes imperceptveis. Acima, uma encadernao sua para

    Dionysius Halicarnassus (1480).

  • 7/22/2019 A Encadernao

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    Direitos reservados: Dorothe de Bruchard, 1999

    Reproduo proibida

    Problemas causados por GutenbergPeter Burke

    O ex-librisDorothe de Bruchard

    O Livro de papelArnaldo Campos

    A escrita, espelho dos homens...Ladislas Mandel

    Acerca da ImprensaGrard de Nerval.

    A Forma das LetrasMaria Ferrand e Joo Manuel Bicker.

    A Folha de RostoDorothe de Bruchard.

    Colecionismo: o desejo de guardarVera Regina Luz Grecco

    Um Livro de HorasAs Riqussimas Horas do Duque de Berry

    Os livros na Idade MdiaJacques Verger (excerto)

    Observaes sobre a histria do livroSandra Reimo

    http://escritoriodolivro.com.br/apresentacao/curriculo.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/burke.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/burke.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/ex-libris.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/ex-libris.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/arnaldo.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/arnaldo.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/ladislas.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/ladislas.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/nerval.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/nerval.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/letras.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/letras.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/rosto.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/rosto.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/colecionismo.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/colecionismo.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/horas.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/horas.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/idademedia.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/idademedia.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/sandra.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/sandra.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/index.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/index.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/sandra.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/idademedia.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/horas.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/colecionismo.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/rosto.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/letras.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/nerval.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/ladislas.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/arnaldo.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/ex-libris.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/historias/burke.htmlhttp://escritoriodolivro.com.br/apresentacao/curriculo.html