03- as noúres - pietro ubaldi (volume revisado e formatado em pdf para encadernação em folha a4)

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8/7/2019 03- As Noúres - Pietro Ubaldi (Volume Revisado e Formatado em PDF para Encadernação em Folha A4)

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AS NOÚRES I. PREMISSAS ............................................................................................................................................................ 1 

II. O FENÔMENO ........................................................ .............................................................. ................................ 5 

III. O SUJEITO ............................................................. .............................................................. .............................. 15 

IV. OS GRANDES INSPIRADOS ............................................................... ............................................................ 19 

V. TÉCNICA DAS NOÚRES ............................................................ ............................................................... ........ 34 

VI. CONCLUSÕES ....................................................... .............................................................. .............................. 44

Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse).................................................................................... página de fundo 

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 1

AS NOÚRES

Técnica e Recepção das Correntes de Pensamento

“Não sabemos senão em razão da nossa faculdade de recepção”. 

PITÁGORAS

I. PREMISSAS

Cada século tem uma característica dominante que lhe é pró-pria, especializando-se numa criação particular que parece a ra-zão de ser desse tempo; e é justamente o produto dessa criaçãoque sobrevive, transmitido aos séculos porvindouros. O nosso éo século dos nervos. Parece até que nossos pais não os possuí-am; pelo menos, assim nos aparecem em sua vida sem agitações,em sua calma, que nós já não conhecemos nem quando repou-samos, tanto que, frequentemente, nos acreditamos enfermos;mas, então, todos estamos doentes. Os nervos, porém, não sãoapenas irritabilidade, inquietude, insaciabilidade; não têm, fe-lizmente, só o aspecto visto pela ciência  – o pseudopatológicoda neurose – mas possuem uma face ainda não percebida, o as-pecto evolutivo de uma nova criação biológica: o psiquismo.

Em nossa época atual, o tipo humano está deslocando suafuncionalidade do campo muscular para o campo nervoso epsíquico. Algures, desenvolvi este tema, mas devo agora a elevoltar, porque, se representa o terreno sobre o qual se apoianossa vida, em que se agita nossa luta e nossa conquista se rea-liza, é também o cenário em que se enquadra e se justifica oproblema presente neste volume de ultrafania1. Não se trata,portanto, de um fenômeno casual: é momento substancial e lo-gicamente situado no curso da evolução biológica e das ascen-sões espirituais humanas. No caso específico da mediunidade,não poderia deixar de influir a repercussão daquele caso geral,que condiz com o momento de acelerado transformismo que

em nosso planeta atravessa hoje a evolução biológica, em suamais alta fase humana, evolução que, em torno de sua mais ex-celsa criação, febrilmente se afana.

E a mediunidade se modificou com o transformar-se de to-das as coisas; devia, primeiramente, transformar-se na maisevidente manifestação da alma humana. Apresentou-se a me-diunidade, no cenário do mundo atual, através da observaçãocientifica, sob a forma de mediunidade física, de efeitos mate-riais, com características musculares, tais como eram as mani-festações predominantes do espírito humano nas grandes mas-sas, até o nosso século; hoje, no entanto, tornou-se ultrafania,isto é, uma mediunidade superior, evolutivamente mais desen-volvida – mediunidade de efeitos psíquicos. Uma vez que tudo

evolve, e a evolução nunca se processou tão vertiginosamentecomo hoje, também a mediunidade deve conhecer sua ascen-são. De quanto isso é verdadeiro, também por minha íntima eprofunda experiência, direi mais adiante.

Desse modo, até hoje, tem a mediunidade evolvido, emmuitos casos, desde a forma física de manifestações materiaisaté à forma psíquica de manifestações intelectuais. E tanto, quea primeira forma se apresenta aos nossos olhos, agora mais ex-perimentados e mais habituados a examinar o mistério, comoqualquer coisa cada vez menos assombrosa e menos probató-ria. Cada vez mais se dissipa a mania do maravilhoso; nossacrescente sensibilidade analítica vai tendo sempre menos ne-cessidade do choque que o prodigioso provoca; sempre e me-

nos nos abala o espetáculo das levitações, dos “apports”, dasmanifestações acústicas, óticas e táteis. Ao passo que tudo isso

1 Ultrafania: de ultra, lat. “além”, e fania (faneia), grego: “luz”. Ultra- fania: luz do além, do plano espiritual superior, produzida pelas noúres(correntes de pensamento) (N. do T.).

é deixado à experimentação científica – que, de resto, já há de-cênios se move sempre no mesmo círculo, do qual parece nãosabe sair nem para concluir nem para progredir  – a mente hu-mana pede um alimento mais substancial, um contato maiselevado, uma nutrição conceptual que a sustente diretamente.E eis-nos em plena ultrafania.

Cada um sente, mais ou menos distintamente, em meio àtranstornante explosão de uma nova sensibilidade nervosa e es-piritual, entre ímpetos de nervosismo e irritabilidade (erronea-mente considerados patológicos, e que, ao invés, são um novomodo de sentir, que já não suporta as velhas formas da vida,mas impõe novas), cada um sente revelar-se em si o fenômeno,que é substancial, em meio àquelas escórias e desvios; é umanova capacidade de sentir o pensamento, de perceber à distân-cia. E tudo isso já não se perde no fantástico, mas aparece comointuição, pressentimento de um real estado futuro, estado do serhumano hipersensível, que transmite e registra correntes depensamento, noúres2, e o faz relacionando-se com seres que pa-recem irreais porque imateriais, mas que estão vivos e presen-tes, porque sabem dar de si manifestações aos nossos mais sen-sibilizados e aperfeiçoados meios perceptivos.

O tema que vou desenvolver, se pode parecer avançado para

os nossos dias, amanhã será de domínio científico, e é tambémde interesse atual para a grande maioria que apenas começa aagitar-se. E começa, porque é inegável a necessidade de um re-torno ao espírito. Não é somente retorno de reação ao materia-lismo, não é apenas um reflexo de cansaço em face de uma ori-entação que se mostrou impotente, com seus meios e métodos,para chegar a uma conclusão. É uma retomada, em cheio, como

  jamais arrostada na história, com as armas de uma ciênciaaguerrida de experiências; é uma revolução que avança, trove-

 jando, das profundezas do espírito, que quer saber e deliberar, afim de guiar-se conscientemente na vida. E esta palavra  – espí-rito – transporta-se das igrejas e das religiões e aparece franca-mente no grande ambiente social e vibra na política, nas insti-

tuições, nas leis, nas crenças e nas obras do mundo.Paralelamente, o fenômeno ultrafânico se aprimora e se vi-goriza. Este período pós-bélico (embora seja difícil o juízo paraquem está imerso nessa própria época) é indubitavelmente gran-de na história por uma febre de criações universais que, emboraresistências e lutas, se preparam para lançar as bases de uma no-va civilização. Nesta nossa época, surge a ultrafania, como ma-nifestações de força espiritual, agindo em colaboração com asforças superiores que guiam o mundo em sua atual laboriosa as-censão. Parece que, nesta agitação geral, que é fragmentação erestauração de pensamento, também as correntes de pensamentoque circundam o ambiente humano intervêm, ativas e operosas,para guiar e iluminar. É natural que uma deslocação de forças

psíquicas excite outras deslocações, porquanto nada é isolado nouniverso, e os fenômenos das forças psíquicas obedecem àsmesmas leis de coordenação e de equilíbrio a que obedecemtambém as leis da matéria e das forças inferiores. E a vida, que

 jamais pode extinguir-se (isso seria um absurdo lógico e cientí-fico), é natural que se comova e desperte, até nas suas formasimateriais, se percutida pelo eco das vicissitudes humanas, quenaquela imaterialidade se continuam e se completam.

E, então, pela convergência de duas forças, isto é, a sensibi-lização da consciência humana, a superar os últimos diafrag-mas, e a atração dos altos centros de pensamento, que se voltampara a Terra pela lei de equilíbrio, de bondade e de missão – en-tão, a ultrafania assume o poder de grande inspiração, ativa e

consciente. O fenômeno mediúnico eleva-se ainda mais. Deixa-mos atrás a mediunidade física. Superamos a mediunidade de

2  Noúres –  neologismo formado de dois elementos gregos: nous (pen-samento, espírito, inteligência) e rhéo (correr, fluir). significando, pois,“correntes de pensamento” (N. do T.). 

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2 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

efeitos intelectuais que se manifestam na inconsciência do mé-dium, cujo “eu” é adormecido e momentaneamente eliminado.Falarei, neste volume, de um tipo de mediunidade intelectualainda mais elevado, uma mediunidade inspirativa consciente,operando em plena luz interior, em que o sujeito receptor co-nhece a fonte, analisa-lhe os pensamentos, com ela sintoniza e aela se assemelha, buscando-a pelos caminhos da afinidade; me-diunidade ativa, operante, fundida no temperamento do indiví-duo, emanação normal na sua personalidade; mediunidade a talponto límpida no seu funcionamento, na consciência deixadaem seu estado normal, que é possível, através de um exame in-trospectivo, realizado racionalmente, com os critérios científi-cos da análise e da experimentação, reconstituir a técnica do fe-nômeno inspirativo, tendo por base fatos e estados vividos, de-duzidos diretamente da observação.

Com esta definição realista do problema, a hipótese e aafirmação gratuita de que o pensamento registrado pela mediu-nidade inspirativa provém do subconsciente humano são auto-maticamente excluídas, porquanto todos os fatos que tenho vi-vido em mim e objetivamente notado como observador impar-cial, falam em sentido completamente diverso. Aquela hipóteseexcluída não merece, portanto, uma refutação explícita. E todoo desenvolvimento da técnica do fenômeno será seguido preci-samente com referência a uma fonte por completo distinta daconsciência do médium receptor.

O mundo do além aparecerá tão vivo através da descriçãode minhas sensações, que adquirirá o caráter duma realidade ci-entífica. Como vê o leitor, não estou aqui a expor baseando-meem indagações teóricas, nem me refiro a opiniões ou interpreta-ções alheias, nem me interessa alardear erudição. Toco o fenô-meno com as mãos e relato quanto me disseram minhas sensa-ções e minha experiência direta.

◘ ◘ ◘ Saio, cheio de impressões ainda recentes, duma experiência

novíssima. A 23 de agosto de 1935, às 11 horas da noite, aca-

bava de escrever A Grande Síntese, em Colle Umberto, Perusa,na torre de uma casa de campo, à mesma pequena mesa ondequatro anos antes, no Natal de 1931, noite alta, havia iniciado a primeira das mensagens de “Sua Voz”. 

Quatro anos de superprodução intelectual, de intenso dramainterior, de hipertensão, de sublimação psíquica, de sublimaçãoespiritual, emergindo da cinzenta monotonia do magistério, es-forço diário que me é imposto no cumprimento do dever de to-dos, de ganhar a vida com o próprio trabalho.

Quem me sustentara no árduo trabalho de uma tão intensaprodução? Uma fé profunda se assenhoreou de mim, arrastando-me com uma febre de altíssima paixão. Este é o segredo daafirmação de um escrito3: havê-lo, antes de tudo, vivido profun-

da e intensamente, de modo a fazer dele o espelho de uma faseda vida; haver nele, todo, lutado e sofrido, conceito por concei-to, e oferecê-lo vibrante como a alma, palpitante como foi o fe-nômeno interior que o gerou. O leitor sente, embora inadverti-damente, esta sinceridade e alegra-se em poder satisfazer o ins-tinto humano de mergulhar nas profundezas do mistério de outraalma. Naqueles escritos, não ofereci o produto de estudos exte-riores à minha personalidade e dela separáveis; pelo contrário,dei-me totalmente, qual hoje sou, na fase de maturação que atin-gi no meu caminho evolutivo. E, expondo aqui, sem disfarce, asprofundas vicissitudes de uma alma, substancialmente relato ahistória do espírito humano, na qual o leitor se achará mais oumenos a si mesmo. Narro o eterno drama das ascensões huma-

nas. Anatomizo, refletido no meu caso particular, mas concretoe vivido, o fenômeno cósmico, que é de todos.Se aqueles escritos têm uma história própria, exterior e visí-

 3 O autor se refere a A Grande Síntese, escrita de 1932 a 1935, duranteos breves períodos de férias escolares do Prof. Ubaldi (N. do T.).

vel, que facilmente pode ser encontrada na imprensa e que nãoé oportuno repetir, existe toda uma história interior, que eu vivino silêncio e na solidão, a história da maturação do meu espíri-to, para que pudesse atingir este momento  –  talvez esperado epreparado há milênios – momento de sua maior realização.

É útil conhecer esta história interior, tanto quanto a exterior,para que se possa enquadrar o fenômeno da recepção inspirati-va e das “noúres”, de que nos ocuparemos agora: fenômenocomplexo, em que intervêm elementos morais, espirituais e bio-lógicos, cuja solução implica a dos mais vastos problemas douniverso, fenômeno que não se pode, por isso, isolar de todosos fatores e elementos concomitantes. É um fenômeno concre-to, inseparável do fato qual eu o vivi, e não se pode reduzi-lo,sem mutilação, à estrutura linear de uma simples hipótese vi-bratória de transmissão e recepção de ondas.

Este é o meu caso; dele não posso prescindir, portanto. Seé particular (e do particular ascenderemos, através dos fatos,ao geral), é também real, isto é, pertence em grande parte àcategoria dos fenômenos controláveis pelo método objetivo daobservação. Creio que seja meu primeiro dever ater-me a essarealidade objetiva.

Objetividade, fria análise científica, mas profundidade deintrospecção simultaneamente, para penetrar e solucionar estemistério do supranormal que tenho vivido. Estas confissões,que devo fazer porque vão permitir a compreensão daqueles es-critos, aclaram o fenômeno e podem, portanto, ser úteis a essanascente ciência da alma, que, eu o sinto, é a ciência do futuro.Estudo imposto pelo dever, embora possa parecer autopromo-ção; estudo difícil, porquanto o supranormal foi mal compreen-dido pela ciência, que o quer relegar ao patológico, confundin-do-o com o subnormal; estudo não bem interpretado pelo públi-co, que, no vórtice totalmente exterior da vida moderna, ignoracompleta ou quase completamente esta segunda vida do espíri-to, não sabe ver bem e desfigura o problema, porque o enxergade um plano de consciência diverso e inferior. Difícil estudo es-

te, porque nenhum auxílio me pode chegar do mundo dos ho-mens, porque o saber terrestre não sabe dar-me uma direção emmeu caminho, nem me dizer algo que me dê a solução destesproblemas; mas difícil principalmente em si mesmo, porque osupranormal, até nos momentos excepcionais em que se revelamais poderosamente, parece querer esconder-se nas vias de or-dem natural, como se o esforço de exceção que supera o co-mum fosse continuamente detido, refreado e encoberto pela leiuniversal, que quer parecer invariável.

Nada estou pedindo aos meus semelhantes. Sei que nadatêm para me dar. Estou só e sozinho permaneci diante dosmaiores mistérios, de que nem ao menos suspeitam. Tenho vi-vido de ousadias, de prostrações, de lutas e de vitórias que, no

espírito de meus semelhantes, que meu olhar tem examinadopor toda parte, quase nunca encontro. Sou feito de dor e nãoaceito, não quero para mim, triunfos humanos, e, isso, não pormérito meu, mas porque, espontaneamente, o centro de minhaspaixões se encontra distante das coisas terrenas. Tenho amado,estremecido e sofrido sozinho, diante do infinito, numa sensa-ção titânica de Deus. Tenho agarrado pela garganta as inferio-res leis biológicas da animalidade, para estrangulá-las e supe-rá-las. Tenho vivido minhas afirmações como realização bio-lógica, antes de formulá-las em palavras.

Sob as aparências de uma vida simples e uniforme, tenhovivido as grandes tempestades do espírito humano e já me habi-tuei a olhar, sem tremer, nas profundezas vertiginosas do infini-

to. É por isso que posso empreender o estudo do fenômeno ins-pirativo, sem profundos sinais de cultura preexistente, sem pre-conceitos ou referências, com a alma solitária e nua diante dofenômeno, livre e independente de qualquer ideia humana,tranquilo e virgem de espírito, como na aurora da vida.

Bem sei que o mistério científico é protegido pelas forças

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 3

da Lei e, algures, já o disse por que4. Estou, porém, acostu-mado a violar essas proteções; direi melhor, acho-me em par-ticularíssimas condições, em minha fase evolutiva, de extremasensibilização perceptiva, que me possibilitam sentir além dolimite dado e não superável pelo método racional e objetivoda ciência moderna. Conheço esse método, conheço a sufo-cante psicologia dos chamados intelectuais de profissão, dacultura que repete eternamente o passado, que comenta e ana-lisa, que nada cria, que pesa e mata o espírito.

Estou nos antípodas. Detesto a bagagem embaraçante dosconhecimentos elementares e considero um crime desperdiçarenergias psíquicas para armazenar e conservar o que deve serconfiado às bibliotecas. Sou livre e devo sê-lo para poder vo-ar, leve, rápido, destilando intelectualidade, não como esma-gadora mole de sabedoria, mas num sentido de orientação,que possa cingir todos os conhecimentos humanos, como avista domina as coisas.

Do Natal de 19315 até agosto de 19356, decorreram quatroanos em que ao meu espírito afloraram, progressiva e metodi-camente, profundos estados psíquicos, após lenta incubação,culminando na maturação de minha personalidade eterna. Ex-porei, porque é necessário à compreensão do fenômeno inspi-

rativo por mim vivido, os estados psíquicos que precederameste período e que constituíram sua preparação; exporei, emseguida, a maturação em mim, em forma clara e ativa, de umanova psicologia e a produção que a continuou, explicando co-mo, sem qualquer preparação volitiva e consciente, abando-nando-me a esses estados de espírito até então desconhecidosmeus, pude eu desenvolver um trabalho intelectual correspon-dente a um plano lógico de desenvolvimento, ao qual não sepode negar uma ideia diretiva, uma proporção de partes e mei-os em face de um alvo conhecido e desejado, mas desde oprincípio estranho à minha consciência habitual.

É científico colocar o fenômeno no seu ambiente. É neces-sário fazer preceder esta parte descritiva à outra, em que me

aproximarei da substância do fenômeno, para explicar-lhe a es-sência e o funcionamento, até que desponte a compreensão dotípico fenômeno inspirativo.

Naquela noite de agosto, uma fase de minha vida se en-cerrava. A vida é verdadeiramente um caminho, e, nas vicis-situdes de cada dia, a alma elabora o seu destino. A vida éuma deslocação contínua do ser no tempo. Não se entendaeste, no entanto, como ritmo de movimentos astronômicos,redutíveis há anos, dias etc.; isso não é senão a medida exte-rior do ritmo, convencional e cômoda. A substância do tem-po é o transformismo fenomênico, que, no mundo humano, éevolução da vida e do espírito. Percebo que deve soar estra-nhamente a expressão desta minha psicologia interior neste

nosso mundo hodierno, todo projetado para o exterior, emque as criaturas tendem a olhar para as outras, e não para simesmas. Hoje, esse meu tempo está cumprido. Aqueles es-critos se espalharam pelo mundo.

Naquela noite de agosto, eu me encontrava só. Distante, afamília vozeava em torno da mesa de jantar. Minha filha mechamava do terraço: “Papai, vem brincar!”. Mais longe ainda, oimenso silêncio do campo adormecido. O mundo não via e nãocompreendia. Eu estava só.

A ideia tem seu ritmo de divulgação, deve vencer obstá-culos psicológicos e práticos, canalizar-se pelos caminhos daimprensa, superar como força a inércia psíquica do ambiente,

4 Ver  A Grande Síntese, Cap. XLIII, “As novas sendas da ciência”(N. do T.). 5 Data da 1a das Mensagens Espirituais (N. do A.).6 Fim da composição de  A Grande Síntese. Sua 1a edição foi publi-cada em fascículos pela revista Ali dei Pensiero de Milão, de janeirode 1933 a setembro de 1937 (N. do A.).

enxertar-se nas correntes espirituais do mundo. Uma vez, po-rém, desfechada a centelha do pensamento, a ideia é uma for-ça lançada e, como o som e a luz, caminhará sozinha, ten-dendo a difundir-se na proporção da potência do centro gené-tico, a multiplicar-se por ressonâncias infinitas no coraçãodos homens. A lei de todas as coisas marca o ritmo tambémdeste fenômeno, que deve ter o seu tempo.

Estava sozinho naquela noite, em face do fato consumado,da obra7 a que me havia dado totalmente, a que havia dado meu“eu” maior, qual sou na eternidade. Tremia diante de uma visãoimensa, completa finalmente agora, diante de um pensamento ti-tânico que me havia redemoinhado durante quatro anos, numatempestade sobre-humana, não percebida exteriormente. Exulta-va na satisfação perfeita de um profundo instinto biológico, pre-parado em minha eterna evolução, instinto inconsciente e abso-luto como o de uma mãe que dá a vida a seu filho. Sentia havertocado, finalmente, um vértice de minhas ascensões, sentia ha-ver obedecido e triunfado ao mesmo tempo, cumprindo minhamissão e função de cidadão do universo, inclinando-me ao co-mando da grande lei de Deus. A flor, fecundada por uma vida desofrimentos, havia nascido; eu não vivera, portanto, e não sofre-ra tanto, em vão. Minha vida, tão difícil, havia dado um frutoque a valorizava, minha paixão incompreendida pudera explo-dir-se na criação de uma obra de bem. Ao meu coração, que ha-via suplicado simpatia e compreensão, a que o mundo não quise-ra responder, respondeu uma voz do infinito. Essa voz me to-mou pela mão, guiando-me pelos caminhos do mistério, ajudan-do-me a ascender a novas fases de consciência. Deu-me a visãodeslumbrante da Divindade. Inebriou-me com o cântico dasgrandes leis da vida. Fez-me sentir o princípio das coisas. Mara-vilhou-me com a sensação do choque das forças cósmicas. Ani-quilou minha natureza humana e me fez renascer numa naturezasuperior, numa vida mais alta, em que eu chorava, cantava eamava, em harmonia com todas as criaturas irmãs.

Despertei de um sonho maravilhoso, potente e dulcíssimo,

de um êxtase profundo cuja recordação não se apaga, para des-cer novamente à triste realidade humana. Minha visão seria,mais tarde, compreendida e sentida por outros. Mas eu a vivera,primeiramente, na forma do contato mais imediato, por sensa-ção direta, sem leitura e sem palavras, sozinho, com aquela voz,disperso numa magnificência única de beleza, sob um poder deconceito esmagador, num ímpeto de paixão arrasador, arrebata-do a um grau supremo de sublimação de todo o meu ser. Eu ha-via vivido todo aquele escrito, como concepção e como drama,como sensação e como paixão. Cada palavra, cada pensamentohavia transformado uma gota de meu sangue, havia arrancadoum pedaço de minha alma. Naquela noite, olhava para mimmesmo estupefato, corpo exânime, mas revigorado de eterna

mocidade no espírito. Exultante e prostrado, olhava aquele li-vro, saído de minha pena, não sei de que resplandecente fonte,através de minha alma extasiada; aquele livro escrito sem pre-meditação e sem preparação, tão estranhamente desejado pelodestino. E perguntava a mim mesmo se ainda estava sonhandoou estava louco; a mim mesmo perguntava que significavamessas coisas maravilhosas para minha vida e para a vida domundo. Olhava a obra concluída, à qual fora loucamente lança-do por um impulso mais forte do que eu, e que havia levado atermo sem saber e sem desejar, porque um centro, diverso daminha consciência normal, sabia e desejava por mim.

Naquela noite, eu senti, transfundido em mim, o poder dequem comprimiu o universo num monismo absoluto, de quem

encontrou o caminho das causas no dédalo dos efeitos. A es-finge que mata quem revela o mistério me haveria aniquilado?Não. Eu havia obedecido, e por mim velava a suprema autori-dade da Lei. Eu não havia violado, mas respondido; havia se-

 7  A Grande Síntese (N. do A.).

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4 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

cundado, sem rebeldia, o novo equilíbrio dos tempos madu-ros. Naquela noite, a cabeça em chamas, achava-me no paro-xismo da minha festa de espírito.

O meu ser estava todo imerso numa onda de pensamen-tos, ressonante de vibrações, que por tanto tempo me haviamalimentado.

A vida continuava a mesma, supremamente indiferenteem torno de mim, no seu curso milenário, obedecendo à suaeterna lei.

Cantavam os grilos pelos campos, dormiam as plantas, e asestrelas cintilavam. Pelo espaço, os mesmos silêncios das anti-gas noites egípcias; no coração dos homens, as mesmas paixõespré-históricas. No entanto algo de extraordinário acontecera:em minha alma, a eterna evolução rejubilava-se pela maturaçãode uma sua fase mais alta. E dos longes do universo eu percebiaressonâncias, em resposta a esse secreto júbilo. Júbilo de meuser, que mais se avizinhara da lei de Deus, júbilo da lei deDeus, que se tornara mais real em mim.

Passou o tempo. Tranquilizou-se depois minha alma, etornei a descer do meu paraíso ao inferno da psicologia hu-mana corrente. Aquele estado de hipertensão psíquica sere-nou, e voltei a ser o homem comum e normal que se movi-menta na vida, ensinando na escola, onde a normalidade psí-quica e nervosa é posta seriamente à prova, cada dia. Sei mui-tíssimo bem o que é essa normalidade que a ciência quer ne-gar aos hipersensitivos da minha espécie e sei bem usá-la emminha defesa, onde esta me é imposta. Simplicíssimo! Bastadescer biologicamente aos instintos primordiais, reduzir-sepsíquica e espiritualmente, manifestando-se nas formas menosevolvidas de vida física e passional, e a criatura se torna nor-mal, compreendida e admitida entre os semelhantes.

Estou escrevendo à distância de um ano daquela noite demáxima tensão e do mais intenso êxtase. Quero retornar ao fe-nômeno com a mente fria do positivismo científico, com a psi-cologia demolidora da dúvida, com a inteligência normal e ob-

 jetiva da maioria dos leitores. Volto normal: quero usar a formamental dos meus semelhantes. Regresso ao fenômeno com adesconfiança de que, parece, a ciência deve estar sempre arma-da para sua garantia e seriedade. Desconfiança de mim mesmo,natural agora que me movo no mundo sensório e ilusório danormalidade, agora quando raciocino e controlo; mas absurdaquando navegava seguro nos braços da inspiração. E vou sernormal, isto é, duvidoso e incerto, avançando às apalpadelas,por hipóteses, enquanto puder, porque, a um dado momento, sequisermos resolver este problema das noúres, terei que abando-nar estes métodos de cegos e surdos, para lançar-me ao coraçãodo problema com o método intuitivo. Estou colocando minhaalma, novo holocausto de mim mesmo, na mesa anatômica da

ciência, para que o bisturi desapiedado da observação lhe sondeo interior, não importa quais sejam as conclusões. Depois, emelhor do que eu, outros se darão ao esforço da análise e toma-rão a responsabilidade de um juízo.

Considero, porém, após a compilação dos escritos8, devermeu este de narrar, de descrever sinceramente o que senti evivi, ainda que me enganasse, mas eu mesmo é que devo fazê-lo  –  embora este meu novo esforço possa parecer objetivaroutros fins  –  porque só eu posso saber e dizer com exatidãomuitas coisas que os outros não poderão jamais deduzir senãoatravés de minhas declarações.

O leitor, porém, compreende o absurdo de qualquer menti-ra para atingir mesquinhos objetivos humanos, porquanto mi-

nhas palavras revelam, à evidência, em que mundo distante dohumano eu me agito; o leitor compreende como a sinceridadeé necessária em meu trabalho e como seria absurdo usar o in-finito, em que eu tenho vivido, a serviço do finito, dos peque-

 8  A Grande Síntese (N. do T.).

nos propósitos humanos.Por isso não tenho sentido este novo escrito senão como um

novo dever. Proponho-me, pois, fornecer os dados, o mais pos-sível objetivos, para o estudo do fenômeno deste meu particulartipo de mediunidade e particular sistema de conceber e escre-ver, o que será, pelo menos, um exemplo interessante para osanais biopsíquicos. A obra aí está, como fato concreto, analisá-vel como construção de pensamento e produto do fenômeno.

Aquém, no entanto, desse resultado, processou-se toda umatransformação e maturação de minha personalidade, e existeum imenso mundo meu, cuja descrição é necessária para escla-recer a origem e fazer compreender a íntima natureza do es-crito, não acessível, certamente, à primeira vista; e tanto maisque, de um modo geral, ele será acareado justamente com apsicologia chamada normal, que está muitíssimo longe de pos-suir os meios de intuição necessários para penetrar a substân-cia fenomênica ou descer a profundidades.

Será também esta a história de uma alma, e o leitor vê-la-áagitar-se, palpitante de novas paixões; será espectador de umintenso drama espiritual em que se movem, vivas, as forças e osprincípios das leis cósmicas.

Procurarei comunicar a “minha” sensação do fenômeno, fa-zendo sentir como vibraram em mim essas forças do espírito,que tão frequentemente escapam à percepção comum e quemuitos negam porque não sabem senti-las.

Procurarei fazer viver esta nova vida muito maior que eu te-nho vivido, este rapto dos sentidos que me tem dado a sensaçãodo paraíso e que me permitiu, demoradamente, ausentar-me dapesada atmosfera terrestre. Existe também, em tudo isso, algode supremamente fantástico e aventuroso, embora conduzidocom seriedade científica.

Aqui está todo um ser que se movimenta, coração e inteli-gência, num espasmo de humanidade e de super-humanidade,que não pode deixar de despertar ressonâncias noutras almas. Eaqui são postos de frente os mais graves problemas da psique e

do espírito, e dessa superdelicada ciência do futuro, em que sefala de ondas-pensamento, de ressonâncias intelectivas, de cap-tação de correntes psíquicas, de atrações e simpatias entre osmais distantes centros vibratórios do universo.

Aqui se defronta um novo método de pesquisa científica porintuição e uma nova técnica de pensamento, que circunda osproblemas por espiras concêntricas, comprime-os em ângulosvisuais progressivos, afronta-os por visões de concepção polié-drica, aproximando-se sempre, cada vez mais, de sua íntima es-trutura, até desnudá-los em sua essência.

Problemas científicos profundos, do futuro, que eu antecipoe investigo para resolvê-los. Existe no fenômeno complexidade,riqueza de aspectos e, simultaneamente, um frescor de verdade;

e por ser apresentado como realidade vivida, interessa não só aocientista, mas também ao filósofo e ao artista. No momento dasconclusões, eu saberei ascender em minha psique de intuição ecom ela arrojar-me ao mistério, que não poderá resistir-me.

No fenômeno há também um lado místico e religioso,porque ele se realizou numa atmosfera de fé intensa e de gra-ça espiritual; existe nele um amor todo dirigido para o Alto,como no misticismo, e que pode recordar (embora muito delonge e que se me perdoe a recordação) o amor como SãoFrancisco o sentiu na Verna.

Para compreender-me, seria necessário saber como vivo,como penso, como sofro, como amo.

É absurdo estudar os fenômenos abstratamente, separados

da atmosfera em que nasceram e se desenvolveram. A reali-dade nos apresenta casos concretos, que, para serem verda-deiros, devem ser particulares. Se queremos tocar com a mãouma realidade, devemos deter-nos no particular. É, porém, noparticular do meu caso que irei encontrar as leis gerais do fe-nômeno inspirativo, comuns a muitos outros casos que ob-

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 5

servarei ao lado do meu.O mundo tem necessidade destas revelações íntimas. Pelo

menos, a literatura se enriquecerá de algo verdadeiro, vivido,substancial, e isso já é muito. O mundo precisa destas afirma-ções de espiritualidade, necessita de quem grite, em tempos dematerialismo e egoísmo desenfreados, a grande palavra da al-ma; de quem dê, em tempos de apatia e indiferença, exemplo defé vivida; de quem repita, em forma científica e moderna, asgrandes verdades esquecidas. E esta é vida, vida de espírito, amais possante, a mais intensa que se possa imaginar. E, se, em

lugar de usar os termos vagos das religiões, precisarmos osproblemas da alma, analisando-a e anatomizando-a, então a de-terminação em pormenores do aspecto de tais fenômenos nãopoderá senão reforçar os princípios, como atualmente a presen-ça dos aparelhos radiofônicos não permitirá à maioria duvidarda existência das ondas hertzianas.

Aqui prossigo em minha luta pela afirmação do espírito, aúnica coisa que me tem parecido digna de valorizar uma vida,luta que considero, doravante, como missão.

Luto para que estas realidades mais profundas sejam vistas,para que estas concepções, altamente benéficas individual esocialmente, desçam à vida de cada dia e lhe comuniquemaquela esperança, aquele sopro de fé, tão necessários, sobretu-do nas penas do trabalho e da dor. Será este um romance degênero novo, um drama superlativo em que se acossam as vi-cissitudes de minha alma.

Tenho vivido muito intensissimamente e ainda tenho muitopara dizer. Criei o hábito de quem tem pressa, isto é, de dizertudo do modo mais simples, mais breve, mais sincero.

Nestas páginas, nasceu em mim um fio de pensamento, quetomou uma direção e se desenvolve. Não sei aonde poderá che-gar. Segui-lo-ei e convido o leitor a segui-lo comigo. E começo.

II. O FENÔMENO

Senti e observei em mim a marcha do fenômeno em seudesenvolvimento interior e exterior, permanecendo ele, assim,individuado no seu aspecto dinâmico  –  gênese, desenvolvi-mento e plenitude – até ao seu produto concreto: o pensamentofixado em escritos, que são o documento, sempre suscetível deobservação, último termo do fenômeno, o resultado definitivodo processo terminado.

Relatei esta cronistória pessoal, embora necessária à com-preensão do fenômeno, mas não me cabe repeti-la aqui. Agoravamos observar o fenômeno, não mais no seu desenvolvimentono tempo, mas em sua profundidade, para pesquisar-lhe e des-cobrir-lhe a técnica, isolando-a num dos momentos culminantese mais intensos: a recepção da minha última obra.

Minha tarefa e meu método são objetivos; anatomizo porseções diversas, trabalhadas primeiro longitudinalmente, nadireção do tempo, e depois verticalmente, em profundidade.O leitor compreende que a recepção, que se estendeu por trêsverões9, implica necessariamente na repetição de normasconstantes, consuetudinárias, na formação de um verdadeirométodo receptivo.

É minha tarefa, agora, descrever as condições de ambientee de espírito exigidas, os estados psíquicos vividos, o compor-tamento de meu ser físico e psíquico, considerado como meiodo fenômeno, precisando todos os fatores que para o mesmopossam ter concorrido.

E isso, para individuar as características, definir o tipo e, fi-

nalmente, encaminhar-nos ao descobrimento da lei daquele fe-nômeno. Operarei indutivamente, pelo menos nas primeiras fa-ses da pesquisa, remontando dos efeitos às causas, do particular

9   A Grande Síntese, iniciada em 1932, foi escrita nos três verões de1933, 1934 e 1935 (N. do A.).

ao geral, do relativo ao princípio das coisas. Quando este méto-do não mais for suficiente para resolver os problemas, eu metransporei, num voo, ao método da intuição, de modo que o lei-tor possa vê-lo, aqui, não só descrito, mas operante na soluçãodas questões mais complexas.

O tipo de inspiração emotiva, em mim, é diferente do tipode inspiração intelectiva. Minha mediunidade, verdadeira fun-ção de vida, não é fenômeno de tipo imóvel, mas se transformacom a minha evolução. No primeiro caso, são mobilizados oscentros nervosos afetivos do coração; no segundo, os centrosnervosos intelectivos do cérebro. Atravessando estes dois tiposde inspiração, vivi em dois centros de vida distintos, nos quaisse condensavam todas as minhas sensações.

Não insisto no primeiro caso, que é particularmente o dosmísticos, porque a produção que dele resulta, embora em lógicodesenvolvimento, não é um verdadeiro organismo conceptual. Is-so pode deixar duvidosa a ciência, porquanto o “eu” se expressanos vagos termos do sentimento, e poderiam os céticos achar fa-cilmente um modo de introduzir, na interpretação, um despertarde estados de subconsciência, com distorção e translação de ima-gens psíquicas, concluindo, finalmente, com o patológico da neu-rose. Não me refiro, naturalmente, a quem crê, sente e raciocina.Conheço bem, no entanto, o contrário – a mentalidade preconcei-tuosa de certa ciência catedrática e oficial, e é a esta que aludo.

Agora, quando nos achamos diante de um tratado em que osentimento é relegado a plano secundário e se enfrentam e re-solvem problemas que aquela ciência provou ser incapaz de re-solver, porquanto, por concepções arbitrárias, absurdamente ossituou, aquela ciência não poderá refugiar-se muito facilmentena hipótese do patológico; o fenômeno mediúnico inspirativo,revolucionando, como método de pesquisa, o passado, não po-derá senão resplandecer em toda a sua beleza. Se me abandono,em certos momentos, ao meu lirismo, no ímpeto das impres-sões, ele é sempre circunscrito e controlado por uma fria razão,que é minha garantia, é sempre refreado por uma subversão de

psicologia, que em mim é rápida e instintiva e que me leva aver de cada ideia o seu contrário, e a demolir o que não é bemfirme, com a psicologia destruidora do ceticismo científico. Afusão entre fé e ciência, tão auspiciada, já se completou em meuespírito; visão única na substância, e de uma a outra eu passo  unicamente por uma mudança de perspectiva visual ou de foca-lização de meus centros psíquicos.

◘ ◘ ◘ Abaixemos, portanto, as luzes e entremos no templo do

pensamento. Vamos penetrar num mundo de vibrações delica-das, de formas fugidias, que o pensamento cria e destrói, mun-do de fenômenos evanescentes e sutis e, no entanto, reais.

A insolubilidade de muitos problemas talvez seja motivada

 justamente pela maneira errônea de situá-los: a solução é mui-tas vezes impedida pelo próprio preconceito, embora inconsci-ente; a conclusão já é dada pela primeira posição do problema.

Aproximamo-nos da gênese do pensamento. Talvez todo ofenômeno do pensamento não seja senão um fenômeno mediú-nico de ressonância noúrica e ambos possam reluzir-se aomesmo princípio, de modo que muitas diferenciações precon-cebidas, que prejudicam a visão substancial do fenômeno, nãoterão sentido.

Virão à luz expressões audazes e desconcertantes, mas que-ro levar à superfície da consciência  – onde tudo é claro, sensí-vel, racional  –  estes mistérios evanescentes das profundezas;quero medir este, quase direi, singular pensamento radiofônico,

que tão estranhamente emerge dos abismos.Desçamos às profundezas desse oceano que existe no íntimode nossa personalidade psíquica.

Começo do exterior, da superfície, da descrição do am-biente. Não posso escrever em qualquer lugar. Num ambientede desmazelo, desordenado, desarmônico, não asseado, novo

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6 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

para mim, não impregnado de minhas longas pausas no meuestado de ânimo dominante, não harmonizado com a cor psí-quica de minha personalidade, não posso escrever senão mal ecom esforço. Eis-me, ao contrário, em meu pequeno gabinete,ambiente de paz, onde os objetos expressam minha própriapessoa, onde a atmosfera é ressonante de minhas vibrações etudo, por comunhão de vida, está sintonizado com meu tem-peramento. Por aí me deter longamente para pensar e escre-ver, saturei as paredes, a mobília e os objetos de um particulartipo de vibração, que agora a mim retorna como uma músicaque harmoniza o meu pensamento.

Este é o primeiro problema: harmonização, que me permitea seleção de correntes e a imersão nelas; esses delicadíssimosestados de consciência não posso atingir senão num oásis depaz, através de um processo inicial de isolamento vibratório doviolento ruído do mundo.

Antes de lançar-me à exploração do supranormal, tenho ne-cessidade de encerrar-me, para minha ajuda e proteção, nesseinvólucro de vibrações simpáticas, harmônicas, leves, comonum veículo que me permita flutuar no oceano das vibraçõescomuns da vida humana, que são densas, sufocantes, cegas.

É noite, aproximadamente dez horas. É ótima hora, em queminha capacidade receptiva se intensifica, até cerca de 1 h damadrugada, em que diminui, então, por cansaço. Existe um an-tagonismo entre meu pensamento e a forte radiação solar; pare-ce que a luz embaraça minhas funções inspirativas, neutralizan-do as correntes psíquicas que me circundam. Amo as luzes tê-nues, difusas, coloridas, que deixam vaguear os objetos noscontornos indefinidos da penumbra.

Li que quando Chopin improvisava, fazia baixar as luzes e procurava a “nota azul”, que devia ser a nota de sintonizaçãoentre sua alma e a do público.

No meu caso, o público está materialmente distante, masespiritualmente está presente e próximo, e eu o sinto, imenso,estrondeando mil vozes: é a alma do mundo.

Minha solidão está cheia dessas vozes; é um oceano semlimites que sobe em marés, ruge na tempestade, submerge-me elevanta-me em seus vagalhões. Depois se aquieta e escuta, ven-cido por essa potência de pensamento que me arrasta.

Em minha sensibilidade, o pensamento adquire o poder doraio, as correntes espirituais do mundo são tangíveis, essas for-ças sutis são reais, e entre elas vou avançando e navegandocom destreza.

A princípio, sinto-me extraviado, sozinho no vácuo, e im-ploro apoio moral, consentimento, confiança. Peço às menoresharmonizações de ambiente o primeiro auxílio para o impulso;peço um encaminhamento a uma cadeia de simpatias humanas,que funcionem como círculo mediúnico, embora espiritual e

longínquo: uma espécie de caixa de harmonia das minhas res-sonâncias espirituais.Vou subir a uma atmosfera rarefeita, e minha humanidade

tem necessidade de um invólucro de simpatia que a aqueça eproteja, que a auxilie a lançar-se além da zona humana das tem-pestades, onde minha alma se encontra exposta ao embate deforças titânicas. Não se pode imaginar o poder de harmonizaçãoque emana de um ato de bondade; a bondade é uma música queeu respiro e que docemente me impele à corrente. Esta vibramuito mais pela bondade que pela sabedoria: é perfeição moral.

Para conquistar o conhecimento, devo alcançar um estado depurificação, que é leveza espiritual. Apresentam-se, desde agora,as necessárias relações entre evolução e ascensão de um lado, e

mediunidade inspirativa de outro; esboça-se a afirmação de quea verdadeira ciência não pode ser senão missão e sacerdócio.Atingido o indispensável estado de tensão nervosa para

submergir-me na corrente, esta me arrasta; o próprio estado detensão me protege do choque das vibrações inferiores, e o mun-do humano desaparece, distanciando-se de minhas sensações.

Basta a imersão nas noúres para poder absorver-lhe todo o ali-mento energético e atingir o isolamento das correntes inferio-res. Isso constitui felicidade, êxtase, esquecimento de tudo, atéo momento de despertar na consciência normal, em que há umaespécie de penosa turvação de potência perceptiva.

Antes, porém, de estabilizar-me nessa como estratosfera deevolução, enquanto atravesso as camadas inferiores, permaneçovacilante na minha hipersensibilidade, desproporcionada à vio-lência do assalto, muito vulneravelmente exposto ao choque deforças misteriosas. Sinto essas forças vagarem em torno de

mim. Sinto, como sentem todas as formas da vida, o terror, aameaça de um perigo desconhecido nas sombras.

Se, no alto, sou forte, porque sustentado pela corrente, souhumanamente débil cá em baixo, e devo, timidamente e sozi-nho, dar os primeiros passos dessa grande viagem, que implicanuma transformação de consciência. Procuro conseguir isso,auxiliando-me com um processo de progressiva harmonização,que se opera do exterior para o interior. É com a harmonia, co-meçando do campo acústico musical, que consigo vencer asdissonâncias dilacerantes das correntes barônticas10 do mal; uti-lizo a música como primeiro degrau no caminho do bem e daascensão do espírito. Isso estabelece relações, ainda não suspei-tadas, entre música, prece e evolução da alma para o bem.

Harmonizar-me é o meu problema, porque subir significaencontrar a unificação; porque, ascendendo, minha sensibilida-de aumenta e mais sofro por qualquer dissonância.

Um dos tormentos de minha vida é a convivência no tortu-rante estrépito psíquico humano, que só a insensibilidade dosinvoluídos pode suportar. Assim, uso a música como outromeio inicial de sintonização de ambiente, a fim de que me aju-de a saltar da harmonização nesse primeiro plano sensório exte-rior para a minha harmonização nos mais altos planos supersen-sórios; essa música obtenho através do rádio e do radio-fonógrafo, especialmente a melhor música sinfônica, tipo Wag-ner, Beethoven, Bach, Chopin e outros.

Então, lentamente, a percepção sensória do mundo é subs-

tituída por uma diferente, interior, anímica, que tudo sentediversamente.

As harmonias musicais da audição se transformam nas maisprofundas harmonias dos conceitos. Música suave e, em torno,silêncio completo. Luzes moderadas, em tom menor; em torno,tudo escuro. Minha alma é uma chama que arde na noite.

Percebo sua luz e seu cântico, solitários, e eles surgem as-sim, logo que adormece a consciência do dia. Lentamente, ascoisas perdem o seu perfil sensório; então, vejo vibrar seu espí-rito. E ouço a voz das coisas, que cantam. Minha consciênciaadormece para o exterior, meu “eu” morre para as coisas do dia,mas ressuscita numa realidade mais profunda.

É noite avançada. A vida humana repousa em silêncio. São

antagônicas as duas vidas: a do pensamento desperta, enquantoa outra adormece.

E, quanto mais adormecido, mais me torno inconsciente darealidade exterior, volitivamente consumido, ausente do mundode todos, e mais a visão se faz nítida e profunda e mais consci-ente ressurjo nessa lucidez interior.

A sonolência é, portanto, superficial e condiciona o desper-tar num outro estado de consciência, diferente, mais profunda,mas sempre minha, ativa, lúcida. Processa-se uma como con-traversão no funcionamento psíquico humano, à medida que sedistanciam os estados de atenção volitiva que o caracterizam;dá-se uma inversão de consciência, uma conquista de potênciana passividade, tanto que desaparece toda sensação de trabalho

e esforço e se produz num estado de abandono.A vontade, no comum sentido humano, encerrada num cír- 

10  Neologismo formado de elementos gregos: “barós”, pesado, denso,e “ontos”, ser, entidade. Barônticas; provenientes de espíritos de cons-tituição densa (entidades inferiores) (N. do T.).

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 7

culo de conquistas terrenas, é verdadeiramente para mim umestado de vibração involuído e violento, que perturba os maissutis estados vibratórios do pensamento. Os volitivos comuns,se são aptos para dominar, são impotentes em face dessas de-licadas percepções.

Lentamente, então, vou perdendo a sensação física do corpo,embalado por complexos ritmos sinfônicos de uma vasta orques-tração, e adormeço num estado de tranquilidade confiante.

Atravessada essa primeira fase de negação sensória, desper-to além da vida normal, numa outra consciência. Adormentadosos sentidos, desaparecido de minha percepção o mundo concre-to que me circunda, posso abismar-me na vertigem da abstra-ção. Não estou morto, nem passivo, nem inconsciente, porquetodas as sensações da vida retornam, mas com uma potenciali-zação nova e maravilhosa de todas as faculdades de minha per-sonalidade, com um vigor e uma profundeza de percepção eainda com um lirismo de afetividade que antes desconhecia; pa-rece que, somente agora, despida a alma de sua veste corpórea,ela poderia revelar-se inteiramente.

O pensamento regressa, mas com uma sensação de potênciatitânica, com uma profunda lucidez de visão, com uma rapidezvertiginosa de concepção; percebo-o despojado de palavras, emsua essência. Sou possuído de uma sensação de leveza e de li-bertação de véus e limitações; sinto dotada minha consciênciado poder da intuição e do domínio de uma nova dimensão con-ceptual. Despertou-se-me um olhar mais penetrante, que vê ointerior, e não mais somente a superfície que registra nas coisasnão só reflexos óticos, mas também psíquicos; esse novo olhar

  já não é interceptado pela forma, mas penetra diretamente nasubstância, buscando o conceito genético, o princípio que ani-ma e governa as coisas. Vejo, então, o que se encontra além darealidade sensória do mundo exterior, isto é, as forças que omovimentam e lhe mantêm o funcionamento orgânico. Essasforças tornam-se vivas, os fenômenos me aparecem com umavontade própria de existência, uma potência de individualidade

que investe sobre mim e grita: “eu sou”. Cada forma se reveste de um hálito divino de conceito,que eu respiro; é então que sinto, verdadeiramente, que o uni-verso é um grande organismo dirigido pelo pensamento deDeus. Tudo possui, então, uma voz e me fala; todas as forças,todos os fenômenos, toda a vida, desde o mineral, todas ascriaturas de Deus irradiam um cântico, que eu escuto e perce-bo harmonizar-se na sinfonia imensa da criação. Desenvolve-se um colóquio íntimo, que registro; despertaram todas as cri-aturas irmãs, que me olham, dizendo: “Quem és tu que ouves?Escuta-nos, nós te falamos”. 

O colóquio torna-se, então, um imenso amplexo, um perder-se de aniquilamento no seio de uma luz resplandecente. A ciên-

cia é um cântico e uma oração. Abre-se o abismo do mistério, econtemplo: é uma visão, um êxtase. Mais não sei dizer.Não há palavra que possa descrever a vertigem desses esta-

dos de consciência, a potencialidade desses clarões interiores, o júbilo dessa paixão maior que a vida e a morte, a festa desse li-bertar-se do corpo e desse evadir-se da Terra, a sensação deforça e de eterna juventude que emana desses triunfos do espíri-to. Assim imagino o meu paraíso.

Relato essas coisas para inflamar os ânimos, induzindo-os aessas altas paixões, porque desejo que todos encontrem essa vi-da de perene mocidade e o dinamismo incansável que existe nasubstância vibrante do espírito. Esse vórtice de sensações fazperceber, do modo mais palpável, que o espírito existe e que

sua potência suprema não pode morrer.Terminada a visão e a registração, o processo se inverte nu-ma descida: é o retorno à consciência humana. Assim como otranse lúcido e consciente é preparado por uma fase de ador-mecimento, do mesmo modo termina por uma fase de despertar;essa sonolência e esse acordar referem-se à minha consciência

normal, porquanto, em face da minha outra consciência, os ter-mos simplesmente se invertem. Para que uma possa despertar, énecessário que a outra adormeça. Evidentemente, a volta ao es-tado normal dá-me vivíssima sensação de enfraquecimento inte-lectivo, de redução da personalidade, de queda em dimensõesmais involuídas, em que tudo está comprimido entre barreiras eencerrado em limitações: há uma sensação de gigante abatido.

Torno a cair, então, na realidade cotidiana, onde os outrostêm razão, e não eu. A visão desfaz-se, o céu se fecha. Estousozinho. Novamente encontro o trabalho e o cansaço da vida eretomo o peso da minha luta de cada dia.

Tenho, pois, a sensação de que existem em mim duas cons-ciências, colocadas e operantes em planos visuais distintos.Elas se excluem mutuamente e me disputam o campo da perso-nalidade, que não podem possuir plenamente, senão cada umapor sua vez. É necessário, antes, que eu adormeça, como numsonho, e é nesse sonho que o meu eu pode transferir-se à cons-ciência mais profunda.

Estudaremos melhor, a seguir, o significado dessas diferen-tes focalizações e deslocamentos de centro de consciência, por-que aí se encontra a chave de minha técnica receptiva.

◘ ◘ ◘ A rápida descrição dessas minhas sensações, esta narrativa

do meu caso interior, que anteponho para enquadrar o fenôme-no, já basta para fazer nascer na mente do leitor um bom núme-ro de interrogações. A elas daremos gradualmente respostas.

Tive que descrever o fenômeno no seu lirismo, na intensi-dade com que o senti e vivi, e isso para ser verdadeiro e objeti-vo, tendo por fim apresentar fotograficamente o fato interior.Agora, vou deixar de lado meus entusiasmos e encarar o fenô-meno com a diferente psicologia analítica.

Embora esses meus mobilíssimos estados de ânimo, porqueincontroláveis pela observação exterior (embora me sejam ne-cessários), possam reduzir-se a um acontecimento pessoal derelativa importância e também ser discutidos e negados, todavia

resta sempre, tangível e indestrutível, o seu produto: o volumeque foi escrito, com seu conteúdo filosófico e científico, com asolução dos problemas defrontados, com sua técnica de pensa-mento, elementos largamente suscetíveis de observação.

O fenômeno completo, embora encerrado em sua imobili-dade, é uma afirmação realizada, que aí está como testemunho;e os sutis processos de combinações psíquicas que lhe deramorigem podem ser reconstituídos.

Os estados psicológicos acima descritos não foram inúteis,porquanto geraram um efeito, que deve ter uma causa; emborapossam parecer de exaltação, produziram um organismo con-ceptual lógico e profundo. Se o efeito revela a natureza da cau-sa, se ele é uma construção racional, precisa, completa, não é

 justo atribuir sua origem ao acaso ou a uma anormalidade psi-cológica ou patológica; se o escrito supera a potência cultural eintelectiva do escritor, deve existir em algum lugar uma fonteque a tudo isso deu origem.

Conservar-se cético, negar uma causa ao efeito, não perce-ber um liame de proporções entre os dois termos, não é racio-nal nem científico.

Esses meus estados psicológicos ainda representam mais:significam uma nova técnica de pensamento, que pode revoluci-onar os processos psicológicos até agora habitualmente usados.

Este exame que aqui estou fazendo não tem somente a im-portância de um estudo sobre um particular tipo de mediuni-dade, mas é o estudo do grande problema da gênese do pen-

samento, de uma sua novíssima técnica, de um novo métodode pesquisa filosófica e científica. Essa técnica e esse métodoeu os usei largamente e aqui apresento seu primeiro resultado.Denomino-o método da intuição e, como já o tenho adota-do, proponho-o, por ser mais poderoso que o método indutivo-experimental. Este último, creio, já deu seu máximo rendi-

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8 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

mento; também creio ser necessário mudar de sistema, se a ci-ência deseja progredir em profundidade, se quer encontrar suaunidade (agora que está em perigo de pulverizar-se no particu-lar e na especialização), se quer descobrir os princípios cen-trais e obter uma conclusão, após tantos anos de inúteis tenta-tivas. Urge devolver à ciência, que descambou em utilitaris-mo, a dignidade que lhe é própria, levando-a a descobrir nocampo do espírito, guiando-a ao caminho justo da verdade,que o mundo espera e pede há tanto tempo, em vão. Urge ele-var a ciência ao nível da fé, para que se funda com esta e seunifique o pensamento humano. Também esse é o objetivo daobra que recentemente concluí.

Ainda que abstraindo seu conteúdo, que pode ser conside-rado como revelação, o referido escrito permanece íntegro nocampo científico, como realização completa do novo métodode pesquisa. Com este método, sem profunda e especializadapreparação cultural, com rapidez e trabalho relativamente mí-nimo,  pude resolver problemas que os outros métodos nãoconseguiram solucionar11.

O método da intuição é o método da síntese, dos princípios,do absoluto, é o método interior da visão e da revelação; o mé-todo indutivo-experimental é o método da análise, do relativo, é

o método exterior da observação. O segundo é prático, utilitá-rio, mas desperdiça o conhecimento; o primeiro é abstrato, teó-rico, mas toca a verdade absoluta, atinge os princípios univer-sais diretivos dos desenvolvimentos fenomênicos.

Há a considerar também a questão da entidade, ou seja, dotransmissor, questão árdua, para cuja solução teremos, maisadiante, melhores elementos de juízo. Por enquanto, devo ob-servar que, conforme suas próprias declarações, a fonte afirmanão ser uma personalidade no sentido humano. Em sua primei-ra comunicação, Sua Voz  enuncia, realmente, como primeirofato, estas já citadas palavras: “Não perguntes meu nome, nãoprocures individuar-me. Não poderias, ninguém o poderia; nãotentes inúteis hipóteses”. Além disso, tenho lido na imprensa

espírita, repetidamente, que essa impessoalidade do centrotransmissor é mais séria e mais verdadeira do que seu exatodefinir-se numa assinatura, embora esse nome seja dos grandesda história. E é intuitivo que, embora sobrevivendo, a persona-lidade humana deva experimentar mutações que lhe fazemperder seus atributos humanos, seus sinais de identificaçãopsíquica e as características que lhe eram próprias no ambienteterrestre. E isso deve ser mais intensamente positivo quando setrata de entidades que jamais viveram na Terra, ou tambémque sejam tão elevadas que vivam normalmente em dimensõesconceptuais e planos de consciência superiores.

E, se a virtude destes meus estados psíquicos particulares éde me fazer atingir conscientemente esses planos, deverei achar

suficiente falar não de espíritos no sentido comum, mas somen-te de centros emanantes de correntes psíquicas, as noúres, em que justamente se processa minha imersão, correntes que eupercebo, vibrações que registro em minha hiperestesia psíquica.Reconhecer-se-á lógica a necessidade de alteração de perspec-tivas, quando se pensar que longa e estranha viagem seja neces-sário realizar até atingir o outro limite da comunicação.

Por isso meu caso é bem diferente dos tipos comuns de me-diunidade. Não é mediunidade física, de efeitos materiais, quelança mão de centros humanos e subumanos, de caráter barônti-co. Não é mediunidade intelectual inconsciente, em que o mé-dium funciona como simples instrumento e cuja consciência seafasta no momento da recepção. É, porém, mediunidade intelec-

tual consciente no plano superior em que trabalha e para o qualse desloca, na plenitude de suas forças. É, portanto, mediunidade

11 Atualmente, em 1950, as últimas teorias do grande físico e matemá-tico Albert Einstein vêm confirmando plenamente as intuições de há18 anos, de A Grande Síntese (N. do A.).

de tipo mais elevado, e chego quase a duvidar que em tais níveispossa ainda subsistir toda a estrutura da concepção espírita co-mum, ou que a tudo isso se possa chamar ainda mediunidade,porquanto ela coincide e se confunde com o fenômeno da inspi-ração artística, do êxtase místico, da concepção heroica, da abs-tração filosófica e científica, fenômenos todos que possuem umfundo comum e que se reduzem, não obstante as diferenças par-ticulares, ao mesmo fenômeno de visão da verdade no absolutodivino. Nesses momentos, que são chamados, justamente, deinspiração – diz Allan Kardec no seu “Livro dos Médiuns” (pág.245)  –  as ideias abundam, se seguem e se encadeiam por simesmas, sob um impulso involuntário e quase febril; parece-nosque uma inteligência superior vem ajudar-nos e que nosso espí-rito se haja desembaraçado de um fardo. Os homens de gênio, detodas as classes, artistas, cientistas, literatos, são indubitavel-mente espíritos adiantados, capazes de compreender e conceber,por si mesmos, grandes coisas; ora, é precisamente porque os

  julgam capazes que os espíritos, quando desejam executar de-terminados trabalhos, lhes sugerem as ideias necessárias, e, as-sim, na maioria dos casos, eles são médiuns sem o saberem.

Concebo, desse modo, estes meus estados e qualidades co-mo uma sublimação normal de todo o meu ser psíquico, atin-gida por minha natural maturação biológica, que figuro comouma continuação, no campo psíquico, da evolução orgânicadarwiniana. Foi desse ponto de observação, a mim oferecidopor estados de consciência supranormais em face da medianaevolução biológica, mas normais para a fase por mim atingida,que eu pude contemplar a síntese do cosmos. E é por isso que,desse nível biológico, me inspira o maior desagrado a mediu-nidade física, que percebo como algo de violento, sufocante,involuído. Deixo a esse mais áspero trabalho do espiritismo ovalor probatório para a hodierna ciência da matéria, para oscegos do espírito, mas permaneço em minha sensação de re-pugnância e de desagrado.

A minha paixão é, ao contrário, subir, sutilizar-me espiritu-

almente, aperfeiçoar-me sempre como percepção. E esta é acondição de minha mediunidade. Fujo, por isso, do que é terre-no, das formas de vida humana, de todas as manifestações barô-nticas, que arrastam meu espírito para baixo e, ao invés de abri-lo para a compreensão e a luz, o sufocam num cárcere de trevas.

Minha paixão é evadir-me das baixas camadas da animali-dade humana, e essa é minha meta e o significado de minhamediunidade. Quando esta, embora vagando no além, permane-ce em nível humano ou subumano, não tem mais razão de exis-tir para mim, porquanto não mais significa evasão e libertação.Observar o mundo dos vivos ou o mundo dos mortos é paramim problema secundário em face do de minha evolução. Souum exilado na Terra e busco desesperadamente a minha gente e

a minha pátria distante. Meu esforço objetiva reencontrar algode grande que eu já senti ou vivi, um conhecimento, uma bon-dade, um poder que se abalou, não sei como, neste mundo. Meuesforço é para subir, subir moralmente sempre mais, paraaprender sempre melhor a manter-me em equilíbrio estável aonível de consciência representado por essas noúres que eu captoe registro. Procuro simplesmente tornar normal para meus pul-mões a respiração, que é difícil para um ser humano, naquelaatmosfera rarefeita, mas puríssima e esplêndida.

Toquei de leve, neste momento, uma corrente que me de-lineia uma interpretação do fenômeno. Sinto desse modo,muitas vezes, nascerem em mim os mais inopinados concei-tos. Minhas capacidades consistem, portanto, no saber eu mo-

ver-me, em plena consciência, de um plano conceptual huma-no a um plano conceptual sobre-humano; no saber efetuar,com a sonda de minha superconsciência, reconhecimentos nasprofundezas do plano superior e trazer os resultados da in-vestigação à consciência normal, para poder, através desta e emterminologia desta consciência, fazer a comunicação dos

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 9

mesmos, isto é, pô-los em forma racional, compreensível aosmeus semelhantes. Eis o conceito de que falei: a linha quepercorro e ao longo da qual me elevo e desço é a dimensãoevolução (confronte A Grande Síntese,  Cap. “Teoria da evolu-ção das dimensões”), e tudo isso pode acontecer porque meencontro numa fase de transição e transformação entre consci-ência e superconsciência, que ainda me permite oscilar entreas duas fases contíguas de evolução psíquica.

Em face de tudo isso, pode-se ver como se deve abandonar,caso se queira compreender a fundo o problema, o simplismoda ideia de uma entidade que fala mais ou menos materialmenteaos ouvidos do médium. E daí também se compreende a extra-ordinária importância que tem para esta minha qualidade de re-cepção inspirativa – para completá-la, mantê-la, aperfeiçoá-la –  o fator moral; compreende-se que importantíssima função pos-sui, em face dessa minha mediunidade, o fator dor, que refina,educa, purifica; compreende-se como fazem parte integrante dofenômeno e como é necessário dar-lhes um verdadeiro peso ci-entífico, fatores de caráter religioso, ético, espiritual, que a ci-ência acreditou até agora poder ignorar como um não-valor.

No meu caso, por isso, a recepção se realiza por sintoniza-ção, isto é, capacidade de vibrar em uníssono, que se podechamar simpatia, envolvendo o conceito de afinidade de natu-reza. Devo, então, submeter minha natureza humana ao martíriode viver num nível que não é o dela, entregando-se em holo-causto de uma lenta morte; devo saber continuamente realizar,entre as cargas de minha vida humana diária, o esforço de er-guer-me, como consciência, a um nível sobre-humano e nelemanter-me através de uma tensão nervosa esgotante, em quemuitas vezes me abato, caindo humanamente desfalecido. Éatravés de um sofrimento contínuo que eu posso declarar-meuma antena lançada no céu dos antecipadores da evolução. Só ador pode permitir perdoar a audácia destas afirmações.

Referi-me, assim, às notas fundamentais do fenômeno talcomo eu o vivo. Pode ele definir-se como um estado de acentu-

ada hiperestesia psíquica, que me permite a captação conscientede correntes conceptuais emanantes de centros psíquicos queexistem em formas biologicamente superiores e dificilmenteindividualizáveis para o homem, em face de suas limitaçõessensórias e conceptuais. Esses estados podem ser chamadosmedianímicos e são, no meu caso, conscientes, lúcidos, utilizá-veis pela minha possibilidade de retroceder biologicamente aosestados de consciência normal e traduzi-los em forma humanade pensamento; possibilidade, para mim, de oscilar entre essasduas consciências, que são duas fases de evolução biológica nonível psíquico. São capacidades supranormais em face do nívelmédio, mas normais para mim, porque atingidas por normalprocesso evolutivo; capacidades abertas a todos e às quais a

humanidade chegará por via normal de evolução no tempo. Fe-nômeno de sintonização entre os dois centros comunicantes, oque implica afinidade e, de minha parte, a tensão para manter-me num alto nível biológico, expresso neste campo psíquicopor leis morais. Tudo isso eu adoto praticamente como um no-vo método sintético, por intuição, de pesquisa filosófico-científica; tenho-o utilizado, ofereço-o e também seus resulta-dos à ciência, para seus objetivos. No fundo, não é senão o an-tiquíssimo método dedutivo da revelação, que a ciência, atual-mente, trocou pelo método indutivo; é o retorno às fontes daverdade, ao outro extremo visual do conhecimento.

Com este método se introduzem na pesquisa científica fato-res delicadíssimos. Considero absurdo falar, no presente caso, de

gabinetes e experimentações num sentido materialista, porque aprimeira coisa a fazer não é tanto induzir o cientista a estudar ofenômeno com sua psicologia, mas reconstruir, desde os funda-mentos, a psicologia do cientista. Meu fenômeno não pode serapenas objeto de observação, mas é um método científico “ paraa observação”, em que não se procede por verificações exterio-

res e superficiais com meios sensórios e instrumentos apenas,mas se usa a consciência do observador, que é elevada a instru-mento de pesquisa. Procede-se, aqui, por sintonização entre opsiquismo do observador e o psiquismo diretivo do fenômeno; énecessário, em outros termos, que a alma do observador se dilatee expanda do exterior para o interior  e entre em contato com asubstância, o princípio animador do fenômeno, e não somentecom sua forma externa e com o aspecto exterior de seu desen-volvimento. É o estado de espírito do poeta e do místico, desimpatia por todas as criaturas, de paixão de conhecimento parao bem, de visão estética do artista, não mais vagas, mas dirigidascom exatidão científica no campo das concepções abstratas.

Nestas formas de pensamento, sinto que se dilatam os hori-zontes novíssimos da ciência do futuro, sinto que nestes concei-tos que aqui estou expondo está a semente de uma profunda re-volução na orientação do pensamento humano, sinto que esteassunto é o problema fundamental, o mais importante a quepossa dirigir-se hoje a mente humana. Aquém deste estudo, queparece apenas de um caso pessoal, se agita o grave problema doconhecimento humano e dos novos métodos para atingi-lo. Tu-do isso demonstra que a verdadeira ciência, a profunda ciênciaque toca a verdade, só é atingida pelas vias interiores, atravésde um processo de harmonização da consciência com as leis davida e com o divino princípio que tudo rege; demonstra que oscaminhos do conhecimento não podem ser senão os caminhosdo bem, que o saber é um equilíbrio de espírito, que a revelaçãodo mistério não se verifica senão quando se alcança a fase deperfeição moral; demonstra que a ciência agnóstica, amoral, é aciência do mal, que se destrói a si mesma, e que é absurdo, por-tanto, ignorar certos imponderáveis substanciais e prescindir dofator ético na pesquisa; demonstra, finalmente, que a ciêncianão deve ser senão uma ascensão cultural e espiritual tendente àunificação de tudo  – arte, filosofia, religião, saber  – em Deus.Porque a lei de evolução é também lei de unificação.

Com este método, escrevi uma obra que foi publicada como

ditado mediúnico, e isso, se corresponde à verdade, não bastapara fazer compreender todo o fenômeno. Vê-se agora comoesse escrito foi gerado num plano de consciência supranormal eque eu tinha que possuir as qualidades necessárias para sabertransferir-me àquele plano e, assim, poder perceber aquelesconceitos. Meu esforço não foi, na verdade, o esforço culturaldo estudioso, mas um trabalho completamente diverso. Nada delivros, de resto inexistentes em tais campos inexplorados e so-bre tais novíssimas concepções; nenhuma preparação culturalparticular, nenhuma coletânea de materiais, nenhuma pesquisa,no passado, do pensamento alheio, mas um contato imediatocom o problema e com o fenômeno, com uma nova e diferentefocalização de consciência. A libertação do estorvo cultural foi,

pelo contrário, a primeira condição que me permitiu a levezanecessária ao voo, numa espécie de virgindade de espírito, livrede todos os preconceitos de precedentes interpretações alheias.A dificuldade da composição não se assentou no estudo de li-vros, mas na busca do estado de espírito. O fenômeno e sua leime falaram diretamente, sem véus; a verdade me tocou comoum lampejo de concepção instantânea; nenhuma incerteza, ja-mais a tentativa da hipótese. Prendia, num voo, o princípio, semperder-me nunca no dédalo do particular e da análise. Jamaisoscilei na dúvida em que a ciência se debate. Nenhum registronecessário, multiplicado pela observação prolixa e paciente;não mais o comportamento lento e incerto do cego que, paracertificar-se da segurança, deve tocar tudo de todos os lados,

mas um senso da verdade, uma registração rápida de totais,uma potência de síntese que imediatamente conclui. Não maisum mesquinho contato com o fenômeno apenas pela estreita viados sentidos, mas uma comunhão aberta de par em par, umatransposição completa do meu centro consciente ao centro do fe-nômeno, seja ele o menor ou o máximo do universo. Os dois

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10 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

termos que devem compreender-se, observador e fenômeno, euos ponho à mesma altura; não me canso em mudar os casos e ascondições do fenômeno, mas mudo o observador e suas quali-dades perceptivas; restituo sua alma ao fenômeno e o compre-endo. Na transmutação da consciência, sintonizo os íntimosmovimentos vorticosos do meu psiquismo com aqueles queconstituem a essência do fenômeno; reduzimo-nos ambos (eu eo fenômeno, elementos que devem tocar-se) à última e maissimples expressão cinética. Reduzidos, assim, ao mesmo de-nominador, as duas expressões podem comunicar-se, minhaconsciência pode sobrepor-se e coincidir com a consciência dofenômeno. Este método de pesquisa por sintonização fenomê-nica atinge também fenômenos longínquos ou não mais repro-duzíveis, não suscetíveis, portanto, de observação, como, porexemplo, as origens da vida, as dimensões conceptuais etc., fe-nômenos que não podem ser arrostados senão com esses meiosde pesquisa, pois a ciência não os possui.

Nestes estados, não sou apenas consciente, mas tambémativo centro investigador, e não me limito à percepção de noú-res ou correntes de pensamento emanantes de centros psíqui-cos distintos de mim, mas sinto diretamente a grande voz dascoisas, vejo o princípio que as anima, percebo as correntesque delas emanam. É natural que, transferindo-me eu a umplano de consciência mais avançado em evolução, tudo na-quele nível se manifeste em forma de vibração psíquica, por-quanto, nas fases superiores, todo o universo se torna espírito.E tudo abarco porque, se adormeço na consciência normal, naoutra desperto, e esta é muito mais elevada e potente; nestaadquiro uma nova amplitude de visão e de discernimento, vi-são minha, livre e autônoma. Também na percepção e capta-ção de noúres permaneço consciente, examino, exercito umpoder de juízo e de escolha. Daí se pode compreender a quegrau de consciência atinge minha mediunidade e como eudomino completamente o fenômeno em toda a sua extensão,permanecendo senhor de suas possibilidades.

Apresenta-se agora uma delicada questão: saber se o seuproduto é absolutamente meu; em outros termos, a quem cabe apaternidade da minha produção, chamada mediúnica. A questãoé sutil, justamente porque, em tais níveis de consciência, não sóconquisto um particular poder de visão no absoluto, não só per-cebo o pensamento de outros centros, como também, naquelenível, a distinção individualista humana, própria do separatismoimperante nos planos mais baixos de evolução, se anula na uni-ficação, própria dos planos superiores. Já afirmei que a lei deevolução é também lei de unificação. Subindo a superiores di-mensões conceptuais, é natural, portanto, que a individualidadese reabsorva na unidade. Atingindo aqueles planos, eu sinto, naverdade, apagar-se a distinção entre o eu e o não-eu, sinto-me

anulado, fundindo-me e ressurgindo numa unidade mais alta epoderosa, sinto atuar-se a unificação entre mim e o princípioanimador dos fenômenos, não apenas entre mim e as noúres,mas ainda entre mim e os centros de pensamento que as emitem.Ascendendo-se, atinge-se a unificação com o princípio univer-sal, em que a individualidade se aniquila. Meu ser se harmoniza,então, de tal modo com o funcionamento orgânico do universo,que dele não se sente mais separado, unificando-se, fundindo-see perdendo-se no grande incêndio de luz da Divindade.

É para mim difícil reduzir a grandiosidade de sensações des-te fenômeno aos termos do vocabulário mediúnico. Muito maisdifícil porque devo ainda, por amor à verdade, acrescentar que,também nos estratos inferiores de minha consciência, quando o

trabalho lhes era apropriado, este lhes era confiado em colabora-ção harmônica, pela lei do meio mínimo. Alguns, ao julgar-me,procuraram a evidência do fenômeno mediúnico na ausência,em mim, de uma adequada preparação cultural e viram a provadisso no contraste entre minha cultura, amplamente inferior, e oescrito produzido, até ao ponto de considerar que, quando esse

contraste falta, o fenômeno deve ser julgado suspeito. E se es-candalizam por eu abolir, abertamente, no meu caso, essa pre-sunção de completa ignorância como elemento probatório e pordiminuir essa distância entre as capacidades culturais do mé-dium e o produto intelectual. Já falei, porém, sobre sintonização.É evidente, pois, que o centro receptor, para poder entrar emressonância, deve saber elevar-se até atingir um estado de afini-dade qualitativa com o centro transmissor, que tanto pode seruma noúre, como a alma do fenômeno em sua própria expres-são. E, nos assuntos mais modestos, como a compilação de umquadro, de um diagrama, a execução de um desenho, o controlede um cálculo ou de uma fórmula, o desenvolvimento de concei-tos mais simples, o próprio, mas raro, retoque da forma etc., énatural e justo que esse trabalho menor de contorno, serviço se-cundário, seja confiado à psique menor, para deixar, evitandoinútil desgaste de energias, o trabalho central de direção à psiquesuperior, que se reserva à função mais elevada de lançar os pla-nos da obra e iluminar a essência dos fenômenos. Tudo isso cor-responde a um plano lógico de divisão de trabalho.

Ouçamos o que, sobre o assunto, diz Allan Kardec no seu  Livro dos Médiuns: “É possível reconhecer -se o pensamentosugerido, por não ser jamais preconcebido; nasce à medida quese escreve e é frequentemente contrário à ideia que anterior-mente se formara (exatíssimo); pode, além disso, ser superioraos conhecimentos e capacidades do médium (...) Este último,para transmitir o pensamento, deve compreendê-lo e, de certomodo, apropriar-se dele, a fim de traduzi-lo fielmente, e, no en-tanto, esse pensamento não é seu...” (pág. 243). “Todo aqueleque, seja no estado normal, seja no de êxtase, receba, pelo pen-samento, comunicações estranhas às suas ideias preconcebidas,pode ser colocado na categoria dos médiuns inspirados. Esta éuma variedade de mediunidade intuitiva, com a diferença que aintervenção dum poder oculto é aí muito menos sensível, tor-nando-se ao inspirado muito mais difícil distinguir o pensamen-to próprio daquele que lhe é sugerido. O que caracteriza este úl-

timo é, sobretudo, a espontaneidade” (pág. 244).  Leio mais adiante, no mesmo volume (pág. 308 e seguin-tes), uma comunicação de um espírito, que diz: “Quando en-contramos em um médium o cérebro dotado de conhecimentosadquiridos em sua vida atual e o seu espírito rico de conheci-mentos anteriores, latentes, próprios a facilitar-nos as comuni-cações, dele nos servimos de preferência, porquanto, com ele, ofenômeno da comunicação é muito mais fácil do que com ummédium de inteligência limitada e cujos conhecimentos anterio-res sejam insuficientes... Nossos pensamentos não necessitamda vestimenta das palavras... Um determinado pensamento po-de ser compreendido por tais ou quais espíritos segundo seuadiantamento, ao passo que, para outros, esse pensamento, não

despertando nenhuma lembrança, nenhum conhecimento que seabrigue em seu coração ou em seu cérebro, não lhes é perceptí-vel... ”. “Com um médium cuja inteligência atual ou anterior seache desenvolvida, nosso pensamento se comunica instantane-amente, de espírito a espírito. Neste caso, encontramos no cére-bro do médium os elementos apropriados a vestir nosso pensa-mento com a palavra correspondente ao mesmo. Eis porque osensinamentos assim obtidos conservam um cunho de forma ecolorido pessoais do médium. Se bem que os ensinamentos nãoprovenham de modo algum deste, ele influi sempre em suaforma, tanto pelas qualidades quanto pelas propriedades ineren-tes à sua pessoa... ”. “Quando somos obrigados a nos servir demédiuns pouco adiantados, nosso trabalho se torna muito mais

longo e penoso, porque somos coagidos a recorrer a formas in-completas, o que é para nós uma complicação. Sentimo-nos fe-lizes, por isso, quando podemos encontrar médiuns aptos, bemaparelhados, munidos de materiais prontos a serem utilizados.É por essas razões que nos dirigimos de preferência às classescultas e instruídas... e deixamos aos espíritos galhofeiros e pou-

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 11

co adiantados o exercício das comunicações tangíveis, de pan-cadas e transporte...”. Uma importante “observação” encerra,no citado volume (pág. 312), essa comunicação: “Disso deriva,como princípio, que o espírito colhe não as suas ideias, porémos materiais necessários para exprimi-las, no cérebro do mé-dium e que, quanto mais rico é esse cérebro em materiais, maisfácil se torna a comunicação...”. Compreende-se que os espíri-tos devem preferir os instrumentos de uso mais fácil ou, comodizem, os médiuns bem aparelhados, do ponto de vista deles.

No meu caso, portanto, a cultura não somente não deve serexcluída, mas é um instrumento precioso fornecido ao centrotransmissor, como igualmente podem ser a elevação de senti-mentos e a afinidade moral, que é condição de unificação. Mi-nha mediunidade é, portanto, um caso de verdadeira colaboraçãoconsciente e ativa; não é, assim, absurdo que sejam chamados acooperar e a dar todo o seu rendimento os melhores recursos queminha personalidade pode oferecer. Certamente é difícil precisara distinção entre o meu e o não-meu, como também já não sintoa que existe entre o eu e o não-eu. Se eu sou o pedreiro, tereiofertado algum tijolo, tendo sido confiada a mim também aconstrução de alguma parede e o mecânico trabalho cultural quepreenche os interstícios, mas não poderei jamais igualar-me aoarquiteto que concebeu o plano da obra, que lhe traçou as linhas,que por ela sempre velou e ainda assinalou, entre os limites quequis, o meu trabalho menor. Tudo é questão de gradação e demedida. Eu só tive um escopo: o de completar a obra e a ela medei totalmente com a máxima tensão. Era nessa identidade demetas que se processava a unificação entre mim e o centro supe-rior; e aquele eu, que consagrei inteiramente à minha obra, foiconduzido por essa atração do Alto a tal grau de sublimação,que nele não mais encontro o meu pequeno eu normal. Em su-ma: aquela concepção passou, qual novo Pentecostes, como umincêndio através de meu espírito, e todas estas palavras demons-tram quanto, não obstante meu desejo de discernimento, me édifícil reencontrar-me a mim mesmo naquele incêndio.

Durante o desenvolvimento do texto, oscilava eu entre minhaconsciência humana e a outra, superior, que também seria minhanaqueles momentos, conforme as necessidades da compilaçãoimpunham; aterrava e decolava quando era preciso, porquanto oobjetivo era produzir, e não estabelecer distinções. Recordo-memuitíssimo bem como, ao engolfar-me como de hábito, sem osaber, na angústia de difíceis soluções e sem saída visível, a ins-piração me tomava a mão e me guiava, ela só, através do vazioem que sentia perder-me. Uma direção superior, embora inad-vertida e latente, devia estar sempre presente, pois era meu hábi-to arrojar-me, sem preparação, sobre os argumentos mais difí-ceis, ignorando aonde chegaria; e não obstante isso, atingia umbom porto, sempre guiado por um misterioso senso da verdade.

Todas as teorias e desenvolvimentos conceptuais por mim se-guidos não foram, na verdade, meditados; não os compreendi in-teiramente senão depois de escritos; eu não conheço um proble-ma senão depois de completamente exposto, porque, durante oseu desenvolvimento, se processa em minha mente um continuoprojetar-se de luzes, um multiplicar-se de perspectivas inespera-das, um surpreendente pulular de imprevistos. Isso sucede quasesempre, de modo que eu não sei se dito ou escuto, se escrevo ouleio. Só sei que de mim sai esse fio de pensamento contínuo. In-dubitavelmente um controle e um consenso superiores se mani-festam em cada palavra, porque uma dolorosa dissonância feririalogo minha hipersensibilidade, apenas me afastasse da linha deharmonização. A execução inferior me foi confiada, e eu sigo

tranquilo enquanto são suficientes os recursos da consciênciahumana; muitas vezes, porém, numa curva inesperada, numapassagem difícil, sinto-me atemorizado como uma criança per-dida e, então, me uno novamente ao guia. Recordo-me de que nodesenvolvimento da teoria da evolução das dimensões, cheguei aum ponto em que me julguei extraviado, não podendo resistir à

tensão; rompera-se-me o fio do pensamento; a visão se apagaraaos meus olhos; estava desanimado e havia perdido o senso daverdade. A consciência comum nada me sabia dizer, era cega.Foi então que, passeando, numa hora tardia duma noite estival,num terraço, à luz das estrelas, orando e suplicando, vi toda ateoria num lampejo, um esplendor de conceitos sobre o fundocintilante do firmamento. Foi um átimo, porque a visão concep-tual está verdadeiramente além da dimensão tempo.

A intervenção, pois, do fator supranormal é evidente. É pre-ciso somente compreender a complexa estrutura dessa interven-ção e evitar o simplismo que reduz tudo à ação de um espíritosobre os centros psíquicos passivos do médium. Isso justifica aqualificação mediúnica dada ao escrito desde o princípio. As-sim como a compreensão da transmissão radiofônica, emboramuito simples para comparação, presume o conhecimento daeletrotécnica, igualmente, para entender este meu fenômeno, épreciso haver assimilado toda a obra que produzi, como inter-pretação da fenomenologia universal, para poder também situareste caso harmonicamente no seio do funcionamento orgânicodo todo. Atrás destas minhas palavras, como explicação e base,exponho aquele quadro completo, quando falo de minhas duasconsciências e da minha oscilação entre elas, ao longo da di-mensão da evolução, referindo-me à teoria da evolução das di-mensões conceptuais e à fase humana da evolução espiritual. Éracional e científico  –  científico também no sentido da velhaescola materialista – falar de níveis e planos de consciência. Es-tes não são mais que os graus sucessivos, as fases da evoluçãoafirmada por Darwin no campo orgânico e continuadas, logi-camente, no único campo onde uma continuação pode e tem deexistir, isto é, no campo psíquico. Tudo isso corresponde aosconceitos das religiões e aí se encontra traduzido em diversaspalavras, que exprimem substancialmente estes níveis, como“hierarquias angelicais”, ou vários céus, ou “esferas celestes”.É esta unidade fundamental, na profundeza em que tudo se uni-fica e a que permaneço aderente, que me permite, muitas vezes,

mudar de forma e estilo, passando equivalentemente da ciênciaà fé e vice-versa, reduzindo assim os grandes inimigos a ques-tões de palavras, e não de substância.

O fenômeno apresenta, portanto, duas faces e resulta justa-mente de sua conjunção: o lado humano, em que se encontraminha preparação cultural, as qualidades de meu temperamen-to, o meu grau de evolução e a minha capacidade de transferên-cia a um superior plano de consciência; e, no outro extremo, olado super-humano, que desce, se adapta a mim e, ao mesmotempo, me adapta a si, guiando-me e atraindo-me para o alto.Existem, pois, não somente dois centros: um radiante, transmis-sor, e um registrador, receptor; existem também duas atividades,em que ambos os centros, laboriosamente, se acham estendidos

um para o outro, a fim de atingir a unificação, pois a identifica-ção é a fase da comunhão perfeita. Só através da tensão destetrabalho de recíproca aproximação pode estabelecer-se a comu-nicação; por isso, de minha parte, como centro registrador e re-ceptor, dou todo o meu esforço e conheço toda a minha fadigapara alcançar a altitude evolutiva do transmissor e nela memanter. A estação receptora não é, portanto, necessariamentepassiva, como um aparelho radiofônico, mas sim consciente-mente ativa; sabe, investiga, escolhe, lança-se com todas as suasforças para conseguir a captação das noúres, multiplica suasenergias, dá-se completamente, aniquila-se em face da criaçãonascitura. É nesse sentido que em minha obra se encontra todo omeu eu, toda a minha fé, minha paixão, minha pobre cultura; ali

está meu pequeno eu multiplicado pelo infinito, que, com suaatração, me arrebatou para o alto e fecundou meu esforço, cen-tuplicando-lhe o rendimento. Ali está meu pequeno eu, porqueaquela concepção, embora muito longínqua, também se encon-tra na linha de minha evolução, e eu a senti, palpitante, como umsonho, inatingível hoje, de uma perfeição a cujos pés me humi-

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12 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

lho, porque não me encontro amadurecido e careço de forças.Essas noúres superiores estão no meu futuro e me atraem.

Encontram-se na outra extremidade, no segundo termo da co-municação. Devemos entender-nos, desde agora, a respeito doconceito de noúres, que é muito vasto e complexo e que apro-fundaremos no estudo da técnica do fenômeno.

As noúres não são somente correntes psíquicas, uma espéciede pensamento radiante, apenas vestido da onda dinâmica maisdegradada e evolvida, como seu único suporte sensório; são cor-rentes conscientes, que conservam, como as inferiores formasdinâmicas, as qualidades típicas, e nesse caso conscientes, docentro genético. Essas correntes não são senão a expansão da-quele centro e conservam sua consciência e conhecimento. Con-ceitos abismais, porque não sabemos imaginar ondas que possu-am tais qualidades. Porém há mais ainda. Do lado transmissor,não devemos enxergar apenas os centros superevoluídos, maisou menos individualizáveis como personalidade no sentido hu-mano, mas devemos ver também, como já mostrei, a alma dosfenômenos, alma que se manifesta a si mesma, isto é, o psiquis-mo que existe em todos os fenômenos, o princípio e conceitoanimador que os assinala e dirige o transformismo contínuo, oeterno tornar-se. Ainda aqui, é preciso haver compreendido oespírito de meus escritos. Uma pedra também é viva, e existe ne-la um psiquismo animador, concedido pelo conceito divino que,a cada instante, nela se realiza, exteriorizando-se. Por isso, tam-bém uma pedra, ou o mais simples fenômeno químico ou físico,emana noúres e é perceptível como noúres, no meu mais eleva-do nível de consciência. Neste plano, todo o universo se trans-forma em noúres. Desse meu estado psíquico e dimensão con-ceptual que, na profundeza, sente a essência além da forma dascoisas, percebo efetivamente o universo em sua superior dimen-são psíquica, que lhe é própria na escada das fases evolutivas.Basta esta minha mutação de consciência para alterar e deslocartoda a gama de minhas ressonâncias interiores, para me fazerperceber o universo qual é em sua fase superior. A evolução,

que passa do plano físico ao dinâmico e ao psíquico, transformatodo o universo num psiquismo, e em psiquismo ele se torna,como sua real e nova forma de ser, desde que nessa nova dimen-são eu saiba apresentar-me conscientemente. Eis então o quesignifica dizer que todo o universo se transforma em noúres. Éque, realmente, então, tudo que existe exala pensamento, e assimeu sinto o universo nestes meus estados medianímicos, como umpossante organismo conceptual. A verdadeira grande noúre aque me aferro e que registro é a emanação harmônica e orgânicado pensamento infinito de Deus.

Cai, então, naturalmente, o véu dos mistérios, e tudo ex-pressa a substância de seu ser numa espontânea revelação. Nes-sas minhas superelevações de dimensão de consciência, tenho a

visão, nas profundezas de um abismo infinito, desse centroconceptual. As dimensões gigantescas do fenômeno, a grandio-sidade esmagadora do segundo termo comunicante, dariam umasensação de vertigem a quem não houvesse atingido esses esta-dos, como eu, através de longos e lentos exercícios e de matu-ração biológica não se sabe quantas vezes milenária. É necessá-rio, aqui, um equilíbrio mental não comum, porque posto a duraprova; e a objetividade e a minuciosa segurança com que meanaliso demonstram quanto estamos, no caso, distanciados daconsumação neurótica, tão frequentemente invocada pela ciên-cia como explicação de semelhantes fatos.

Sou, assim, lançado num mundo maravilhoso. Possuo, en-tão, uma nova vista, um feixe de sentidos novos e, sem órgãos

físicos, um poder de percepção anímica direta, supersensória.Assim se explica a necessidade daquela espécie de transe queme livra da presença ativa dos sentidos físicos, a fim de queeles não me tornem a chamar à realidade sensória exterior, quenão sabe falar-me senão da forma. Devo realizar, antes de tudo,a tarefa de me libertar dessa estorvante psique racional de su-

perfície, que para os outros é tão fundamental. Não mais vejo,então, o fenômeno no seu aspecto exterior, mas sinto o princí-pio que o movimenta; não vejo, por exemplo, a semente emseus caracteres morfológicos, mas a enxergo na íntima estruturade seu ser, como vontade de desenvolvimento, como presciên-cia do ambiente (instinto) e da meta a atingir; vejo, mais pro-fundamente, o ritmo das infinitas formas do passado e a vonta-de de desenvolvê-las e, mais longe, sinto o grande princípio davida que, naquele tipo, palpita e se exprime.

Quando, no silêncio da noite, completo o processo de ador-mecimento da minha psique sensória, na harmonia e nos tonsmenores das luzes, no fundo da penumbra, ao ritmo submissodas orquestrações sinfônicas, as coisas perdem seu perfil concre-to, o mundo se torna irreal, isto é, ressurge numa realidade dife-rente, e eu sinto o equivalente psíquico e espiritual das formas.Há uma correspondência entre os vários planos de evolução,porque a essência das coisas que destila dos planos mais altos seprojeta como uma sombra nos planos inferiores. E isso é lógico,porque toda unidade está ligada à superior na linha da evolução.

Ora, minha ascensão de dimensões conceptuais me permi-te subir da projeção concreta à substância espiritual. É poressa correspondência entre os diversos planos que se pode fa-lar por parábolas, que o simbolismo pode exprimir os princí-pios abstratos e as realidades mais dificilmente imagináveispara os incultos, traduzindo-as em sua sombra mais densa ouprojeção concreta, que também as ficam possuindo, emboraveladamente. Assim se conseguiu dar expressão, sensorial-mente acessível, à realidade abstrata do superconcebível, tra-zendo-a para o nosso mundo ao revesti-la de um invólucroque a torna tangível. Eu destruo essa redução, subindo a cor-rente em direção oposta, e esse esforço visa a lançar por terraos véus e superar os símbolos, para restituir à luz da compre-ensão a verdade, que neles teve de ocultar-se por exigênciada psicologia humana involuída. Vimos, desse modo, o con-teúdo científico do conceito da Trindade.

No mundo dos fenômenos histórico-sociais, enxergo,atrás dos acontecimentos, a sutil trama em que se tece acausalidade projetada na direção do efeito, vejo o progredirde um conceito até à meta, vejo o fio que sustém como umcolar a série dos episódios e o desenvolvimento lógico queguia o curso do fenômeno histórico.

No mundo da matéria inorgânica, sinto o redemoinhar inte-rior dos átomos, suas atrações e repulsões, seus amplexos porafinidade, o dinamismo de suas correntes elétricas, a combina-ção e a união de seus movimentos planetários em fusões queoriginam os diversos tipos das individuações químicas.

Não adquiro conhecimento dos fenômenos por aquisiçõesculturais particulares e numerosas, através do método comum,

que repete o saber dos outros; mas possuo um senso único deorientação que me abre o caminho da compreensão de todos osfenômenos. Não compreendo como a ciência possa imaginarque, por exemplo, contando cuidadosamente o número das fo-lhas, observando-as e descrevendo-as, se possa chegar ao en-tendimento do princípio da vida das plantas; sinto a absolutaimpotência sintética do método da observação. E, no entanto,qualquer fenômeno, sem multiplicação de casos, traz escrito emsi mesmo a sua lei; basta escutá-la.

O método experimental me dá a impressão da cegueira, queprecisa recorrer ao tato. Na profundeza das coisas existe, indis-cutivelmente, um princípio que as governa; não busco esseprincípio penosamente, pelos longos e laboriosos caminhos da

análise e da hipótese, mas o alcanço por percepção direta, atra-vés de um meu sentido da verdade, um novo sentido de orien-tação conceptual, que sintetiza e supera todos os outros. Avan-ço, assim, por instinto, por contínua registração de totais, semdistrair-me no particular; alcanço o conhecimento por deduções,

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 13

descendo ao particular, desde os princípios que anteriormentehavia percebido e que o contém por inteiro. Jamais tento a lon-ga via que sobe lentamente em direção oposta. Nunca vejo umproblema, ainda que mínimo, isolado, mas sempre relacionadocom a organização de toda a fenomenologia universal e resol-vido em relação a ela. Somente com este método se podia fazeruma síntese e encontrar a unidade.

O uso deste método, a princípio intuitivo e depois dedutivo,é necessário hoje, como método sintético e unitário, para contra-balançar a dispersão do conhecimento, a que chega logicamente,por sua natureza, o método indutivo. Se, com uma mudança ra-dical de direção intelectual, não se reagir contra essa tendência,acentuar-se-á sempre mais o isolamento do saber humano na es-pecialização e na desorientação, em face das causas primeiras.

Este meu estudo encara os males congênitos da ciência mo-derna e se propõe saná-los. Já disse que evolução é unificação;e, se o tempo é o ritmo de uma evolução necessária, deve eletrazer necessariamente unificação. Não pode haver outra metanem outro futuro. É natural que, elevando-me eu evolutivamentea superiores dimensões conceptuais, haja súbita e espontanea-mente encontrado a unidade. O método da intuição é, portanto, ométodo unitário e sintético que deve dar um amanhã à ciência e

ao pensamento humano. Só assim se pode encontrar a unidade,aprendendo as relações entre os fenômenos aparentemente maisdistanciados, mas que, apesar disso, se sentem e se influenciamreciprocamente. O saber moderno se tornou tão gigantesco econfuso, que há necessidade de uma reordenação, de um desfo-lhamento; a ideia múltipla do particular precisa ser reduzida àideia simples, central e sintética, que tudo diz mais brevemente;após haver criado tantas disciplinas, urge saber encontrar os li-ames que as unam, agora que elas tendem a separar-se, a fim defundi-las em uma verdade, que deve ser simples e única. São pe-rigosas essas especializações, hoje tão em moda, mas que nãocorrespondem à realidade dos fenômenos, que nunca existemisolados; são posições falsas essas, em que a mente do estudioso

se afasta para uma ramificação última do mundo fenomênico edo saber humano. Esse separatismo, se é utilitário, acaba fazen-do desaparecer também a visão exata do campo particular da es-pecialização. É preciso permanecer sempre aderente ao tronco ever sempre tudo em função das grandes linhas centrais do orga-nismo universal. E pensar que estas linhas centrais, que servemde base ao conhecimento, a ciência ainda as procura e ainda pre-cisa encontrá-las! Em seu monismo, meu método sintético com-bate esta corrida hodierna para a dispersão conceptual.

De tudo se percebe como racionalmente eu controlo e domi-no meu transe. O acontecimento novo no mundo mediúnico dopresente e do passado, creio que seja justamente este, de haverconduzido o transe a um estado de exatidão científica. No meuestado de imersão nas noúres, minha consciência permanecesempre presente; antes, duplamente presente, como mais pro-funda consciência, que implica uma capacidade de juízo superi-or à normal. Estamos no extremo oposto da comum mediunida-de intelectual passiva e inconsciente. No meu caso há uma in-tensificação de lucidez e potência conceptual, uma dinamizaçãode atividade intelectiva, sendo assim que se deve e somente as-sim que se pode entender minha mediunidade. De outro modo,não poderia nem sequer escrever estas páginas, porquanto nor-malmente recorro, oscilando entre os dois centros, a esta minhapsique superior, que me permite atingir maior altura, apenas adificuldade do problema me faça sentir a necessidade disso.

Disse, de início, que minha mediunidade é progressiva. Suaevolução vai da forma menos consciente, qual era nas primeirasMensagens, à forma sempre mais consciente, qual se manifestana Síntese, que, por sua própria profundeza conceptual, implicaum mais severo controle mental.

◘ ◘ ◘ 

Aludi, no início deste capítulo, às ótimas condições habitu-ais de minha registração mediúnica. Isso não me impede desentir e registrar também em outros ambientes além de meu ga-binete, embora sua escolha tenha sempre importância capital,porque meu ser recebe as vibrações de tudo que o circunda. Àsvezes, aquele lampejar de conceitos explode imprevistamente,ou, também em meio ao estrépito psíquico, já tormentoso paramim, oferecido pela presença de pessoas heterogêneas, umainesperada e inadvertida sensação pode excitar a visão interior.Minha psique já se habituou a essa audição pela qual afloram à

minha consciência concepções imprevistas, que me pareciamdesconhecidas. E, mesmo agora, enquanto escrevo, surpreendo-me com conceitos que me nascem inopinadamente, de modoque não conheço completamente determinado argumento senãoquando terminado o trabalho.

Em ambientes inadaptados, a audição só pode ser desorde-nada e fragmentária. Ambientes bem sintonizados são a mon-tanha, o campo tranquilo e, sobretudo, a solidão dos bosques.As grandes árvores têm, no lento fluir de sua vida, algo detanta sabedoria e de tanto pensamento, que me guiam a umaatmosfera de meditação. A vida vegetal, talvez pela sua natu-reza complementar da nossa vida animal, oferece uma sensa-ção de repouso e de pureza; a vida humana, principalmente

nas grandes e rumorosas aglomerações, traz uma sensação deasfixia. Um ser da minha sensibilidade não pode deixar desentir todas as emanações de cada ambiente. Cada coisa, cadaser tem uma voz que lhe é própria.

Sendo o fenômeno inspirativo de natureza vibratória, nele aharmonização vibratória do ambiente é fundamental. Já expli-quei como preparo a interior harmonização conceptual, partin-do de uma primeira harmonização exterior, ótica e acústica, doambiente, quando trabalho no meu gabinete.

No campo, tudo já é naturalmente harmônico, as formas, ascores, os sons; as luzes do dia se harmonizam no céu e na vege-tação, e harmônico é o pensamento da vida, que, embora na lu-ta, é equilibrado pela convivência.

Todas essas harmonias são para mim caminhos musicaisque me elevam à prece e conduzem à concepção do bem. Porisso nas igrejas há música e canto. Assim como nos teatros sefaz caso das qualidades harmônicas de ressonância acústica, domesmo modo, nos ambientes de oração, que é fenômeno subs-tancialmente mediúnico, as qualidades de ressonância espiritualdeveriam merecer cuidado, como de fundamental importância,caso se deseje que o templo satisfaça sua função de elevar asalmas. Há igrejas espiritualmente mudas e, do ponto de vista davibração psíquica, surdas e desarmônicas; e outras que, apesarde humildes e despidas de adornos, têm suas paredes saturadasdas vibrações de fé que, durante séculos, as gerações entre elasgeraram e projetaram. Minha audição psíquica sente imediata-

mente essas ressonâncias, e minha alma responde a essas ema-nações que as antigas paredes me restituem, nelas infundidaspela alma das gerações que, junto delas, oraram durante sécu-los. E, nesses ambientes, consigo muitíssimo bem minha sinto-nização mediúnica. Um dia a ciência registrará essas absorçõesvibratórias, essas emanações de estados de ânimo, essas corren-tes noúricas, que as paredes podem restituir e de que algunsambientes se acham saturados. Então, uma restauração artísticamais consciente evitará, embora conforme os critérios do olhare do estilo, certas demolições irreparáveis, que destruam a at-mosfera psíquica dos séculos, que pode ser vivíssima, inclusiveem ambiente estilisticamente destoante. Essa atmosfera é a flormais delicada da fé, a mais evanescente, a beleza mais sutil de

um templo, seu maior valor espiritual.O problema das noúres é fundamental também nessas con-cepções de arte. E de outro modo não saberia explicar-me a mo-derna e inconsciente idolatria pelo “300”12, como uma instintiva

12 O “Trecento”, isto é o século XIV, a arte desse século (N. do T.). 

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14 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

busca da alma faminta que pede às velhas paredes as vibraçõesde uma fé outrora poderosa e que hoje parece perdida para sem-pre. De tudo isso se compreende que vacuidade espiritual repre-senta a mentira de certas modernas reconstruções em estilo.

Em lugar algum a sinfonia é tão cacofônica como nas gran-des cidades modernas. Aqui, de perto ou longe, não pode aju-dar-me senão o círculo de simpatias, que, à semelhança do me-diúnico, estreita em torno de mim o anel da compreensão. Nocampo, a beleza da natureza representa uma harmonia imensa eespontânea, que guia à sensação direta do pensamento de Deus.Que ambiente mais harmônico que o da natureza, que em tudoestá sintonizado com o pensamento divino? Que convite maisdoce e poderoso que a vibração em que se organiza o universo?Quando do íntimo dos seres e das coisas se eleva semelhanteemanação, a sintonização é fácil. Nas cidades, tudo isso é des-viado por mil barreiras, e a atmosfera espiritual que se despren-de das massas humanas é baixa e suja, nela dominando senti-mentos de violência, avidez, egoísmo, depressão, sempre desa-gregantes, que roubam energia e impedem o fenômeno. A psi-que do sensitivo é, aí, mais intensamente prejudicada, porque setrata de vibrações de tipo humano, mais próximas, por sua natu-reza, do sujeito e, assim, mais tendentes a uma interferência queas outras dissonâncias da natureza, evolutivamente mais distan-tes, que são, de resto, absorvidas pela potência da ordem uni-versal. Nas cidades, a presença de grosseiríssimas ondas-pensamento é imediata, invasiva; é um assalto de vibraçõesofensivas, de caráter inferior, equivalentes, quanto aos efeitosna registração, aos distúrbios, aos ruídos parasitas e às distor-ções da audição radiofônica.

A recepção inspirativa, para resultar pura, exige uma purezade ambiente, de ânimo, de objetivos. Eis porque é nela funda-mental a purificação do médium, problema de que trataremosseparadamente mais adiante. Toda vibração que fuja do estadode equilíbrio e de elevação moral age como perturbação, apare-cendo como mancha na registração e provocando distorção das

imagens conceptuais. Elevando-se a natureza espiritual do mé-dium, torna-se mais difícil sua ressonância às vibrações baixas,tendentes a inquinar o fenômeno.

A presença de certas pessoas espiritualmente fétidas poderepresentar para o sensitivo um intenso sofrimento. Quando,por necessidade social, ele é obrigado a viver em tais ambien-tes, então sua alma não pode permanecer senão fechada em simesma, nunca se abrindo, só ocupada em defender-se. Não sepode imaginar que condenação seja para ele o ser constrangido,às vezes, a viver no seio de certas imundícies espirituais, ondeele sufoca, ao passo que outros respiram a plenos pulmões. Tu-do é relativo e é questão de sensibilidade.

No caso de minha mediunidade, a natureza da onda psíquica

das noúres que me vêm ao encontro é de tal delicadeza, que seressente de todos os estados psíquicos do ambiente, ou, em ou-tros termos, uma fonte de emanações psíquicas de caráter mo-ralmente baixo tem o poder de deformar a própria onda. É pos-sível obter-se o isolamento, mas à custa de reações, isto é, esta-belecendo um estado reativo que representa para o médium umgrande dispêndio de energias, com prejuízo para a registraçãoque delas necessita Qualquer ruído, qualquer desequilíbrio desintonização, a mínima perturbação de qualquer natureza, so-bretudo se imprevista e repentina, faz precipitar a tensão nervo-sa, às vezes dolorosamente, destruindo a visão com o imediatoreaparecimento do mundo sensório.

Estas afirmações têm uma importância mais ampla que a re-

ferente ao fenômeno que estudamos, porquanto nos abrem hori-zontes novos no campo da ética, dando-nos dela não mais so-mente uma concepção filosófica ou religiosa, mas uma concep-ção científica, isto é, de quantidades avaliáveis como um estadocinético-vibratório da psique humana, que o médium sente qualcentro constantemente irradiante de noúres, de correntes que po-

de definir; e, um dia, a ciência as individuará em suas classifi-cações morais, com registros e medidas exatas.

Em face de tudo isso, pode-se compreender quão tormento-sos esforços a sociedade impõe a esses sensitivos, que, no en-tanto, devem dar gratuitamente, para que não se torne suspeitoo fruto de suas vidas. Têm de permanecer no mundo de todos,onde se deve ganhar com o trabalho o direito de viver; têm desofrer os choques proporcionados à sensibilidade normal, quesão para eles esmagadores. Médium: ser sensibilíssimo e, porisso, vulnerabilíssimo, o que quer dizer desgraçadíssimo. E esteé o verdadeiro e lento martírio que deve completar seu aposto-lado. É natural que a eles, que vivem projetados no futuro e queveem quanto há ainda que progredir, o mundo humano apareçabárbaro, feroz, às vezes pavorosamente inconsciente.

Entretanto, se o dever que nossa época impõe é o de ir aoencontro do povo, este é também o seu primeiro dever, porqueeles se encontram mais no alto. É preciso indicar e abrir os ca-minhos ativos da ascensão ao povo, porque este não sabe e seatira por caminhos que encontra abertos.

Não se pode imaginar que tenacidade de resistência, quemassa de inércia represente o homem médio, justamente o queimpõe as normas da vida social. É de se quebrar a cabeça a ba-

ter contra essa massa bruta de psiquismo humano, tanto maistenaz quanto mais ignorante. Apesar disso, os tempos impõemum nivelamento, que deve ser não por ascensão dos piores, maspor descida dos melhores. Se essa imisção em massa nos direi-tos da vida é a grande obra de civilização moderna dos tempos,desenvolvida em número mais que aprofundada em qualidade,a favor de uma só classe aristocrática, compreende-se a espéciede holocausto, sobre o altar do número, que ela representa paraos tipos de exceção, que lutam sozinhos pela preparação de umdistantíssimo futuro. Se a exceção não é levada em conta, podeter, no entanto, uma fundamental função biológica, espiritual esocial. O sensitivo luta por cumpri-la no seio de uma atmosferasurda, luta por não se banalizar; por não descer, adaptando-se

por repouso; por não se mutilar no nivelamento. E, no entanto,deve descer para promover a elevação do homem médio, a as-censão das classes espiritualmente mais baixas, embora ricas,porque essa é a sua missão. É lei que o alto se incline para obaixo. A fim de que o inferior se eleve, é preciso que o superiordesça, pelo mesmo princípio unificador de fraternidade, atravésdo qual chegam ao sensitivo luzes e auxílios espirituais do Alto.Heroísmo trágico é esta descida, por que subverte as mais sa-gradas forças da alma, mas é simultaneamente ascensão, porqueenvolve o auxílio das forças superiores. Contra essas descidas oespírito se rebela, entretanto deve ele abaixar-se para dar-se,deve esquecer a grande paixão do céu, para fundir-se na paixãohumana, feita de lama e de sangue, oferecendo ao homem igno-rante e sofredor uma centelha roubada ao céu na visão. Por isso,embora seja julgado misantropo, orgulhoso ou louco, tem o di-reito à solidão, para encontrar de novo o céu, para dele recebernovas forças, para reunir-se às hierarquias dos seres superioresque descem em cooperação.

A delicadeza íntima do fenômeno inspirativo, a presençaativa nele (ambiente e sujeito) de fatores que, como a moral,que a ciência sistematicamente ignora, a característica do fe-nômeno consciente (como médium ou noúres), de fenômenoprogressivo, como superior fase de evolução biológica, em cujaelaboração colaboram fatores como espiritualidade e dor, tudoisso define o fenômeno como um tipo a que não são aplicáveis

os habituais critérios de observação e experimentação, que po-dem ser ótimos para outros fenômenos. Não se pode sujeitaraos preconceitos da ciência um fenômeno que, nos seus resul-tados, a domina. Ele não responde ao comando da vontade hu-mana que objetive uma experiência. Em face de uma imposiçãoexterior, ele se fecha e se desfaz.

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 15

O fenômeno está em relação com impulsos e fatores deter-minantes completamente diferentes, tais como uma missão debem ou uma excepcional necessidade do momento histórico,que justifique a intervenção de forças no caminho evolutivo dahumanidade, porquanto não se determina à vontade o tipo que aevolução lança à ribalta da vida. O fenômeno supera, em seuselementos determinantes e em suas finalidades, toda a psicolo-gia da observação e da experimentação, toda a forma mentaloferecida pela psicologia científica dos tempos atuais. Nessesfenômenos, a mentalidade da desconfiança, da dúvida precon-cebida, que é a base da seriedade científica, pode ter poderesinibitórios sobre o fenômeno e estorvar sua verificação.

O fenômeno baseia-se na sintonização psíquica, e a mentedo observador, se não afasta com suas emanações um objeto domicroscópio nem influencia um fenômeno físico ou químico,pode paralisar, todavia, o funcionamento de um fenômeno psí-quico. O fenômeno tem suas defesas e se retira em face daameaça à sua vitalidade, e a ciência, então, não consegue a ob-servação, mas sim sua destruição.

Um mínimo choque pode desagregar esses fenômenos deli-cados, de um psiquismo que, abandonando os velhos caminhostradicionais, se aventura, num voo, por rotas supersensórias. E,no entanto, devem realizar-se no mundo psíquico humano, quemuitas vezes pode ser a mais rebelde e imprópria atmosfera.Basta o estado de ânimo da dúvida para determinar uma corren-te negativa demolidora, ao passo que a fé, qualidade antiobjeti-va por excelência, tem a máxima força criadora. Donde se con-clui que a psicologia de desconfiança, que a ciência empregapor sentido de objetividade, como maior garantia de seriedade,possui, pelo menos sobre os fenômenos que estudamos, poderesdestrutivos. O observador se encontra no ambiente e tambémele é gerador de noúres. E importa que se encontre num estadode confiança, de fé, que atraia, que abra o caminho, aquecendoo ambiente, dando oxigênio ao invés de absorvê-lo. É necessá-ria essa vibração positiva de simpatia, sintonizada, modulada

em uníssono, apta a ser fundida e somada, fator de crescimentoem aliança com as correntes do fenômeno, e não a vibração dis-sonante da dúvida, da má-fé, que subtrai energia ao fenômeno eo lança contra uma corrente deformadora.

Importa que o observador faça um severo exame de suasqualidades psíquicas, porque estas pesam sobre o fenômeno. Éindispensável, coisa inaudita, que ele limpe moralmente suaalma e a do ambiente, como tem cuidado em manter limpa amesa das experiências químicas, a fim de que uma substânciaestranha, entremetida em suas combinações químicas, não lhesaltere o desenvolvimento. No campo psíquico, um estado deânimo presente no ambiente é um elemento que se introduz nacombinação que se estuda e, por isso, tem ele importância. E,

assim como uma operação cirúrgica pode representar graves pe-rigos, se realizada em ambiente contaminado por micróbios pa-togênicos, do mesmo modo é necessária, em nosso campo, a es-terilização psíquica do ambiente. O mundo psíquico tem seusparasitas, seus micróbios patogênicos, suas correntes de vida oude morte, às quais está exposto plenamente o sensitivo quando,alijados os invólucros, se abandona à inspiração, com a almadesnuda. Ele é um organismo vivo, vulnerabilíssimo em sua de-licadeza, e o mínimo choque psíquico, de que o mundo estácheio, constitui para ele uma ameaça e um perigo. Na vidanormal, sua sensibilidade é protegida por um manto voluntáriode indiferença, mas, nesses momentos, a flor, para assenhorear-se da luz, deve abrir-se até às mais íntimas corolas.

Quem não sabe avaliar esses fatores e manejar com prudên-cia essas realísticas forças imponderáveis, quem não se encon-tra provido de adequada sensibilidade e não possui a finurapsíquica apropriada, deve abster-se de intervir nesses fenôme-nos, porquanto não só os deforma ou destrói, como ainda podevibrar dolorosos e prejudiciais golpes contra a sensibilidade do

médium. Trata-se de uma nova e sutilíssima química do futuro,em que se combinarão em novas harmonias ou dissonâncias oselementos de novíssimas e progressivas sinfonias fenomênicas.Se a ciência não souber evoluir e transformar seus métodos,premissas e conceito diretivo, jamais atingirá tais fenômenos.Destrui-los-á, contorcê-los-á, sem compreendê-los. Essa per-cepção inspirativa deve ser entendida como uma prece, poisimplica uma elevação espiritual, que segue a linha das forçasboas do universo, isto é, positivas e criativas.

A visão da verdade é uma ascensão do espírito para a uni-dade. A pesquisa científica, nesse nível, é oração, é religião, ésantidade e não pode prosseguir a não ser sintonizando-se coma harmonia do universo; e isso porque, a certo ponto, a verdadee o bem se identificam e, sem o bem, a verdade não acede aoconhecimento, escondendo-se à investigação humana.

III. O SUJEITO

Já observamos as características fundamentais do fenôme-no inspirativo, movimentando-se em seu ambiente tal qual eu ovivi. Dado que coisa alguma sucede na natureza de modo abs-trato, mas sempre individuada num caso particular da realidadeconcreta, não se pode prescindir do sujeito, entendido comoorganismo físico e psíquico, instrumento através do qual o fe-nômeno se verifica.

De início, importa particularizar para não fugir à verdade.Somente depois poderemos generalizar. É por isso que não iso-lo o fenômeno, separando-o da forma concreta de seu ambiente.E esse conhecimento tenho o dever de oferecê-lo, eu, que maisimediatamente o sinto e possuo, pois os outros só poderão obtê-lo por vias mais remotas e indiretas.

Falei a respeito de ciência. Ora, a verdadeira ciência não po-de ser um fato exterior, mecânico, adaptável a todos, como habi-tualmente acontece hoje; é, pelo contrário, uma qualidade interi-or, um profundo estado de pensamento, em que se deve trans-

formar toda a personalidade. Ela deve mudar a concepção e oregime de vida, o modo de sentir e de agir. É algo imensamentediverso do verniz cultural que, atualmente, com universidades eláureas, se pode aplicar sobre a epiderme de todos e que nadavale, pois, substancialmente, nada modifica; se um indivíduo éum selvagem, continua perfeitamente um selvagem. É um me-canismo exterior utilitário. A verdadeira ciência, porém, é umarealidade profunda, completa, uma reviravolta de alma, uma re-ligião e uma fé, em face da qual ninguém pode sorrir com ceti-cismo nem permanecer agnóstico. A verdadeira ciência é apos-tolado e martírio e não pode nascer da psicologia do lucro.

Tudo isso tive eu de viver para levar a bom termo minhaobra. Se não realizei o esforço de uma preparação cultural no

sentido comum, tive de realizar outro, muito maior, de mudarminha própria personalidade espiritualmente, até ao ponto depoder atingir e tocar as fontes do pensamento. Os cursos cultu-rais eu os realizei dentro de mim mesmo, sozinho, face a facecom o mistério, guiado pelas leis biológicas, sustentado pelasgigantescas forças do imponderável. Não creio nas verificaçõeshumanas. Creio num outro tipo de saber, em que é preciso ser,mais que parecer, e que serve para a eternidade. Creio numa ou-tra sabedoria, em que se movimentam as forças da vida e quenunca pode mentir, porque foi conquistada, a sangrar, na dor. Aforça do conhecimento só é dada a quem muito tem sofrido di-ante de Deus. Certas expressões de fé absoluta, certas frasesaudazes que arrastam, é preciso haver conquistado em face da

eternidade o direito de pronunciá-las. Só quem segue o cami-nho da cruz adquire o direito de julgar.Atrás de minha produção ultrafânica, como certamente

acontece com outros hipersensitivos, se desenvolve toda a his-tória de minha vida eterna, que explode nesta culminância; aí se desenrola todo um drama apocalíptico, em que todas as forças

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16 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

do bem e do mal se desencadearam em torno de mim, lançan-do-se sobre minha alma para dilacerá-la e sublimá-la. Atraves-sei sozinho o ilimitado deserto da desesperação, sem a compre-ensão de ninguém; na louca dança dos egoísmos, ninguém ja-mais soube oferecer um gesto de amor ao meu ser quebrantado.Agora, porém, já venci. Não mais necessito da compreensão daTerra, porque já me chegou a do Céu. Deixo aqui a expressãode orgulho, tal como me escapou, humanamente, no primeiroímpeto, a fim de que minha alma apareça nua, inclusive em suaimperfeição. E agora me inclino, humilhado por tanta felicida-de; inclino-me ante meus irmãos da Terra, porque todos deve-mos iniciar e percorrer o longo caminho.

Eis aqui o sujeito. Minha produção intelectual é a explosãoda minha paixão de bem, constrangida num organismo científi-co, a fim de que se impusesse, assim, à racionalidade humana.

Fazer o bem é a mais difícil das tarefas, e eu a desejei emgrande escala, um bem nascido de meu tormento e que agoracaminhará por si mesmo. Esta é a reação de meu sofrimento: operdão de Cristo. É esta a ideia gigantesca que, na minhaobra, se vestiu de fórmulas e conceitos; esta a paixão que seprendeu numa vestidura racional, da qual se rompe, todavia,dando asas ao escrito. Eis em que se transforma a necessidadede amar quando a alma se identifica com as correntes espiri-tuais da inspiração.

Falei a respeito de sofrimento. De que espécie? Físico e mo-ral, simultaneamente. Para compreender minha personalidade,importa haver assimilado os conceitos expostos em   A GrandeSíntese como conclusões no campo da evolução individual eespecialmente os seguintes: “As sendas da evolução humana”,“A lei do trabalho”, “O problema da renuncia”, “A função dador”, “A evolução do amor”, “Psiquismo e degradação biológ i-ca”. Não os repito. Esses conceitos eu os vivi todos. O ponto devista com o qual a ciência materialista lança ao patológico essestipos de personalidade foi por mim destruído completamente. Osofrimento me vem do esforço de realizar minha evolução espi-

ritual, fundido como me encontro num organismo animal queme arrasta para baixo, constrangido a um trabalho que me in-clina para baixo, localizado numa atmosfera humana que meatrai para baixo. Verdadeiramente, o espírito possui uma forçatitânica para poder realizar seu trabalho em tais condições. Nomeu esforço, conheci horas turvas e horas de derrota. Os impul-sos biológicos do passado são forças reais, que reagem e se lan-çam contra quem queira esmagá-las. Em mim, o espírito, prin-cípio positivo, ativo, que sempre dá gratuitamente, viril na luta,escolheu o maior inimigo  –  as forças da vida  –  das quais oshomens não são senão os executores inconscientes (instintos), equis impor-se à matéria, ao passado sobrevivente na animalida-de, o princípio negativo, passivo, que sempre requer uma com-

pensação utilitária. Não pode pretender ensinar aos outros quemnem ao menos experimentou primeiramente quão difícil é cons-truir-se a si mesmo. Esse esforço, realizado nas profundezas deminha natureza humana, nas raízes dos instintos primordiais,torna indispensável uma tenacidade, um equilíbrio, uma lucidezque se mantêm somente à custa de uma tensão e uma presençade espírito intensos e constantes. Imagina o leitor que significater por antagonista as forças biológicas? Quem vive de instintose não discute a própria natureza humana, quem vive de acordocom os impulsos milenários e se deixa arrastar pela corrente,não pode imaginá-lo. Eu sou, porém, um revolucionário e umrebelde, e todas as forças atávicas se encarniçam em torno doviolador que quer superá-las. Tenho vivido dias de tempestades

em que todos os vendavais do universo pareciam agredir-me. Obem e o mal são forças reais, e, na minha hipersensibilidade,pude medir-lhes todo o ímpeto. Agonizei em poder de correntesbarônticas que desejavam estrangular-me. Disputei e defendi,palmo a palmo, minha estrada, calculando o assalto e a resis-tência, com a estratégia consciente de quem quer dominar e ven-

cer. Foi uma exaustiva guerra de trincheira. Ao mesmo tempoem que me abandonava ao êxtase dos místicos para a ascensão,controlava as posições racionalmente, com objetividade cientí-fica, para consolidar as bases. Não se consegue o voo senãoatravés de longas experiências, em que se deve conquistar umacomplexa técnica. Relatei, em termos científicos, os caminhosdas ascensões espirituais dos místicos. E tudo isso não foi senãoum dos aspectos do meu sofrimento.

Sobre todas essas coisas devo falar porque esclarece minhainspiração, porque esse doloroso esforço de desprendimento danatureza humana inferior, que fui deixando atrás de mim, san-grando, aos pedaços, ao longo do caminho de minha vida, foi acondição daquela inspiração, preparou-a e explica-a. Assim, de-fino seu tipo como um estado de hiperestesia nervosa e super-psiquismo intelectual, atingidos através das vias normais quecontinuam a evolução orgânica darwiniana. Foi através desseesforço de triunfos biológicos que consegui a transformação deminha consciência numa superior dimensão conceptual, que mepermite a visão, o uso do novo método de pesquisa por intuiçãoe a captação de noúres, que estão no centro deste estudo.

Expus as relações entre o desenvolvimento espiritual, a as-censão moral e meu tipo de mediunidade num meu artigo:

“Selbsbeobachtete Medialitat   –  Geistige Entwicklung und sittli-cher Aufstieg ais Faktoren einer hohen Medialitat ”13. Apareceuna “  Zeitschrift fúr Metapsychische Forschung”14, dirigida porSchroder, de Berlim.

Ora, esta chamada mediunidade não é senão a progressivarealização de meu desenvolvimento intelectual, alcançado nãopor vias culturais exteriores, mas por sensibilização, obtidaatravés da purificação moral e orgânica de todo o meu ser físicoe psíquico. Se, como já disse, qualquer emanação barôntica in-quinasse o fenômeno, eu tinha, antes de tudo, de eliminar emmeu organismo a gênese de tais vibrações; devia distanciar-meevolutivamente delas, evitando correspondência, isto é, não en-trando em ressonância com tais ondas, mas, pelo contrário, es-

tabelecendo ressonância com ondas moral e conceitualmentesuperiores. Como se vê, chego à conclusão, coisa que a ciênciaignora, de que a verdadeira cultura é um fato também de carátermoral; que as portas do conhecimento só se abrem a quem sehaja tornado digno dele, dando garantias do bom uso que delefará. Portanto, como essas vitórias biológicas da ascensão mo-ral não se conseguem senão através dum combate titânico con-tra as resistências do misoneísmo atávico, senão quando o espí-rito, num incêndio, se empenha na luta contra as atuais leis bio-lógicas, o fenômeno da inspiração está intimamente condicio-nado àquele doloroso esforço de libertação. Eis porque tive ne-cessidade de falar sobre dor. É justo, é lógico e cientificamenteequilibrado que a maior potência e felicidade que a evolução

confira, deva ser ganha e compensada pelo esforço da conquis-ta. Tive de falar sobre o sofrimento porque ele é condição deascensão espiritual, condição da inspiração, que para mim nãofoi dom gratuito. Por isso este livro sobre as noúres, comoqualquer arrazoado meu sobre mediunidade, deve ser também olivro e o discurso da ascensão moral, da purificação espiritual.

Se algures15 coloquei a dor como base da evolução (reden-ção), aqui devo acrescentar que a dor também está posta comobase da mediunidade inspirativa. Quantos novos fatores, es-tranhos e sutis, devemos considerar, fatores do destino, quenão se determinam à vontade, que não existem nos gabinetesde experimentação!

Para poder avançar na investigação científica e ver no ín-

timo das coisas, é indispensável a sutilização do instrumento de

13 “Auto-observação da Mediunidade” – Desenvolvimento espiritual e as-censão moral como fatores de uma mediunidade mais elevada (N. do T.).14 Revista de Pesquisas Metapsíquicas (N. do T.).15  A Grande Síntese, Cap. 81, “A função da dor” (N. do T.). 

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 17

pesquisa: a consciência. É necessário, portanto, introduzir naciência, se quisermos avançar, não mais apenas microscópios etelescópios, raios e instrumentos, mas bondade de vida e retidãode intenções, como correntes positivas que pesam sobre o fe-nômeno. No meu caso, a relação entre o fator lucidez inspirati-va e o fator pureza moral é tão íntima, que eu poderia traçar umdiagrama para assinalar-lhe o desenvolvimento paralelo; um re-trocesso moral é imediatamente seguido de uma turvação de vi-são intelectual. Profundidade de visão e pureza de registraçãonão se obtém senão impulsionando sempre mais para as pro-fundezas do ser o processo de purificação, justamente para ou-torgar-lhe a capacidade de ressonância e de sintonização, porafinidade, com as noúres mais puras, mais profundas e, por is-so, mais poderosas, mais próximas do centro espiritual do uni-verso. Por isso falei, com referência ao meu caso, de mediuni-dade progressiva, sujeita a um normal processo evolutivo. Po-deria usar a terminologia mística e religiosa, que para mim éequivalente à científica; esta, porém, é mais apropriada a preci-sar e melhor corresponde à mentalidade hodierna. Somenteagora, após estas últimas observações, é possível compreenderplenamente a história do meu caso, exposto de início.

Esse sofrimento meu não é, portanto, patológico; sua nor-malidade é compreensível e justificada pelas condições parti-culares que atravessa minha personalidade, não equilibradacomo a da mediania num ambiente de forças proporcionadas,mas lançada numa fase em que esse equilíbrio sofre desviosviolentos pela introdução, no campo dinâmico de minha vida,de novos impulsos.

Para compreender meu caso, importa compreender a mime a esses problemas, o que não é, pois, uma questão ociosa.Desequilíbrio, portanto? – perguntar-se-á. Mas ele é o primei-ro desequilíbrio do voo que já se equilibrou num equilíbriomais dinâmico e mais ágil; é ele um desequilíbrio que, aindano período de formação, foi por mim guiado, a fim de condu-zi-lo a estes resultados, e cerceado nos limites de uma intensa

produtividade. Sempre dominei esse desencadear de forças,para que não me desorientasse, e a pseudoneurose caiu sub-missa a meus pés; isso significa um equilíbrio e uma potênciamais que normais. E, daquela destruição de animalidade, quedecepa egoísmos, voracidades e paixões, renasci numa vidamaior, numa juventude de espírito que jamais perece. Essa foiminha conquista maior, minha redenção, como Cristo nos in-dicou, atingida na cruz, através da dor. E Ele, primeiramente,obedeceu à Lei, para nos mostrar que, até para Ele, há neces-sidade de segui-la e como ela é sentida tanto mais inviolávelquanto mais alto se sobe na harmonia da ordem divina. Estesconceitos a ciência não pode compreender, mas se encontram,não obstante, nas bases da evolução humana.

“Se ascendemos aos mais altos níveis – diz uma registraçãominha – parece que a velha forma biológica que se atrofia nãomais pode suportar o psiquismo hipertrófico, e surgem desequi-líbrios aparentes, que a ciência, não sabendo compreendê-los,classifica de patológicos, fazendo-os ingressar nas formas daneurose”. Fixemos nossa atenção, pois, a fim de não nos enga-narmos, observando superficialmente e baseando-nos em ape-nas qualquer sintoma; não confundamos, tão levianamente, opatológico com o supranormal, colocando ambos igualmentefora da lei que, só porque é da maioria, é considerada verdadei-ra. Não elevemos, com essa adoração do tipo médio, um mo-numento à mediocridade humana; aprendamos, finalmente, avibrar numa paixão mais elevada, que não seja a do eterno co-

mer e reproduzir-se, orgulhar-se e enriquecer; quebremos deuma vez o ciclo em que se repete sempre a animalidade huma-na! Outra, porém, é a realidade. Cada forma de vida elabora,apenas nascida, suas defesas; e quem abandonou, no caminhodo perdão e do amor, nas pegadas de Cristo, seus ataques e de-fesas não está por isso desarmado e sabe, igualmente, combater

o seu combate. Ele tem o conhecimento e se move num oceanode luz. Embora a agressividade humana estampe em sua alma aderrota de uma hora, ele sente e atrai as forças do universo, temo poder da sinceridade, da verdade, da justiça, luta por um prin-cípio, por um ideal, e aquelas forças se insurgem como por umaviolação de si mesmas e do principio divino que as governa,quando quem fala em nome do bem é esmagado. Quem atiroupara longe de si as armas da luta humana, apodera-se de outras,mais sutis e poderosas, para uma luta mais digna.

Meu sofrimento provém do fato de o espírito, atingido cer-to nível, não saber e não poder mais adaptar-se a viver no cár-cere sensório do organismo corporal. Quer evadir-se a cadainstante de sua prisão, a prisão do ambiente terrestre. É trágicoouvir o cântico da grande pátria distante, invocá-la da terra doexílio e não poder atingi-la. É um contraste maravilhoso e sá-bio de forças, em que o espírito é constrangido a curvar suapotência sobre a matéria para sacudi-la, animá-la, atraí-la con-sigo para o alto, já que não pode desprender-se dela e abando-ná-la. Só esse ambiente denso oferece a resistência necessáriapara fazer dela um campo de exercícios. Eis porque se nasceneste mundo, com um incêndio dentro da alma. Esta deve, en-tão, aquietar seu impulso, estudar o ambiente, analisar-se, ca-nalizar suas forças para uma produtividade real. E, nessa com-pressão de impulso, o espírito se fortalece, se concentra, e aalma, repelida para dentro de si mesma por um exterior quenão a sacia porque não lhe corresponde, parece encontrar nessacompressão a força para descer às profundezas, profundezasestas cada vez maiores, e aí, nas grandes fontes da vida, adqui-rir potência. Então, e só então, quando se é assim pela divinasabedoria introduzido nesse encaixe, retoma-se à força, com aenergia do desespero, o caminho da própria evolução biológicae continua-se a via das ascensões espirituais.

A sabedoria que criou no passado novos órgãos e organis-mos, novos instintos e novas disposições psíquicas, obedeceu aessa mesma lei de necessidade de expansão pela compressão,

necessidade de vida ou de morte. A evolução é uma força irre-freável, e, quando se chega a uma encruzilhada – na época pale-ontológica ou, como atualmente, na fase da evolução psíquica  –  é indispensável escolher: ou avançar ou morrer. Eu tive de avan-çar. Muitos, quando chegar sua hora, deverão fazer o mesmo.

Tudo isso serve para fazer compreender porque, como baseda minha mediunidade, eu coloco, na condição de fundamentais,o caráter de normalidade, enquanto é fenômeno biológico, e o deprogressividade, enquanto é evolução moral. A desarmonia entreo hipertrófico desenvolvimento psíquico e o funcionamento or-gânico, necessariamente levado à atrofia por progressivas redu-ções, traz consigo um contínuo e sutil sofrimento nervoso, nãolocalizado, difuso, mas intenso e incessante, como uma verda-

deira sensação da vida. Por isso a alegria de viver se transferiuinteiramente para o centro psíquico do espírito. O processo depurificação é tão completo e profundo, que atinge também as ín-timas camadas do metabolismo orgânico. Esse processo de re-novação interior, que cria funções novas, dá uma sensação deagonia à vida no nível físico, porque se realiza nas profundezasdo ser; trata-se de uma mudança substancial de formas e de exis-tência; desce até tocar os íntimos movimentos eletrônicos dosátomos e os motos vorticosos que os unem na química celular; éverdadeiramente uma transmutação de órgãos e substâncias emoutras, de diversa composição química e diferente orientaçãoatômica. A substância muda de forma no curso da evolução; éatingida até a alma de sua estrutura cinética. Esta não é apenas

purificação e esforço moral, mas também purificação e esforçoorgânico, que penetra no campo da medicina.Nesses hipersensitivos, a vida orgânica não mais tolera o

grosseiro e violento ciclo vegetativo da vida dos antepassados;paralela a essa hipertrofia de psiquismo, verifica-se uma inadap-tabilidade, não só moral, aos sentimentos dos instintos animais

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humanos, senão também física, a um funcionamento vital indo-lente, dificultoso, absorvente de muita energia, qual o da assimi-lação intestinal, o da respiração, o da circulação sanguínea.

A certo momento da evolução, tudo isso pesa demasiada-mente, tornando-se não mais um veículo de vida, mas uma es-torvante massa que o espírito assaz sutilizado não mais pode ar-rastar, a cujo nível ele não mais sabe descer.

A evolução sempre forneceu exemplos da criação de fun-ções novas. Por que deveria deter-se agora? Pode algo estaci-onar no universo? E, se evolução é ascensão, onde poderá ha-ver criação agora, senão no campo psíquico? Isso é absoluta-mente científico, é a continuação, que importa ver, da ciênciaque todos aceitam.

A medicina fala de atrofias deste e daquele órgão, desen-volvidos nos antepassados e que agora tendem a desaparecer,porque, não mais alimentados pelo uso, lentamente foram pos-tos fora do ciclo do metabolismo orgânico. A função se deslocaao longo da linha da evolução, à medida que o ser progride,abandonando a forma de expressão do passado e plasmandonovas. Para compreender isso, porém, importa haver entendidoque a evolução orgânica darwiniana não é senão o último efeitosensível de uma evolução do psiquismo da vida, que, em pro-

gressivas formas orgânicas, se tem expressado e se exprime. Eao se falar que, um dia, novos órgãos poderão atrofiar-se, issosucederá porque a atrofia terá primeiramente atingido o centropsíquico, interrompendo, desse modo, a alimentação energéticado órgão interessado através das vias nervosas. A evolução or-gânica será sempre a forma exterior de uma evolução psíquicamais profunda, que dirige aquela, e qualquer desvio que estadetermine nos órgãos só se verificará quando já houver realiza-do e estabilizado suas conquistas em planos mais elevados.

Tudo isso devo afirmar porque faço de minha inspiração umcaso de evolução também orgânica. Não posso prescindir, noestudo do fenômeno da captação noúrica, do estudo do orga-nismo em que o fenômeno se processa e das profundas muta-

ções que nele, por isso, se verificam e devem verificar-se. Tudoisso é e deve ser conexo; o meu método de intuição é uma supe-relevação de consciência ao seu limite mais avançado, que secomunica com o outro extremo que, em mim, tende a desapare-cer, abandonado ao passado  – a estrutura e o funcionamento domeu organismo animal. Quanto mais avança o primeiro, maisreage sobre o segundo, modificando-o. O processo de sensibili-zação espiritual tem ressonâncias nos mais baixos níveis domundo orgânico, e a purificação moral, nos níveis elevados, secompleta, igualmente, pela imposição de uma purificação celu-lar, isto é, de células e tecidos, à substância orgânica. É um fatoque, com a alimentação, introduzimos substâncias químicas emnosso organismo, substâncias que depois o constituem. Para osensitivo, então, que tudo percebe como noúres, isto é, comocorrentes de emanação espiritual, certas substâncias, vistas emsua mais profunda essência, são instintivamente repelidas comointoleráveis. A grosseira estrutura normal resiste a muitos ve-nenos, a que o sensitivo não pode resistir. Desloca-se a gamaconsiderada média da tolerabilidade, e algumas substâncias doregime dietético comum se tornam superlativamente tóxicas.Tóxicas porque o organismo sensibilizado consegue percebernas substâncias nutritivas emanações que, antes, não percebia; equando ele houver introduzido em seu organismo aquelas subs-tâncias impróprias, será torturado por aquelas emanações, du-rante seu longo ciclo, que não termina senão com sua elimina-

ção final, através do metabolismo orgânico. Daí a necessidadede observar atentamente os alimentos, pois, pelo mínimo erro,surge uma fonte de novos sofrimentos, além do perigo contínuode prejudicar-se a capacidade receptiva das noúres. O organis-mo do sensitivo é uma orquestra ressonante de correntes espi-rituais, e, no concerto, nada se pode introduzir de heterogêneo,

em especial o alimento, diretamente em circulação. Uma subs-tância dissonante continua emitindo sua voz, sua radiação caco-fônica, enquanto dela permanecerem traços no organismo.

Como já falei, quanto à verificação do fenômeno, a respeitode esterilização psíquica do ambiente, aqui estou falando sobrepurificação celular. E esta deve ser não um fato momentâneo,mas um método dietético constante, um verdadeiro regime devida. Chega-se, assim, por esta via, a tal grau de sintonizaçãocom a harmonia universal, que já não é lícito violá-la senão àcusta de graves sofrimentos, inclusive no campo moral, feito desutis vibrações e atitudes de espírito. Sente-se, então, a culpanão como vantagem, mas como dor.

Pureza! Eis ampliado até ao campo da medicina o sistemados místicos. O alimento jamais foi considerado um amigo dosmísticos, que viviam sempre entre jejuns. A quantidade pesa. Océrebro deve servir a outras funções, atraindo para si a circula-ção e a nutrição do sangue. O sistema nervoso não mais podedescer ao serviço de uma laboriosa digestão acumuladora degorduras. O místico é magro e desejaria ser transparente. E, noentanto, é dinâmico, é um contínuo lampejo de energia. Issomostra que é cem vezes mais vivo e mais jovem. O longo e si-nuoso caminho intestinal, em que o alimento permanece até à

putrefação, lhe traz inevitavelmente uma nota venenosa à sen-sação orgânica da vida. Vencida a quantidade, importa atenderà qualidade, a fim de que o grosseiro sistema de reabastecimen-to dinâmico a que está ligado o psiquismo, dê o maior rendi-mento com o menor prejuízo possível. Tóxico se torna, então,tudo que contêm álcool, as drogas, o fumo, os caldos, a carne(especialmente a que não é branca), tudo que é gostoso e exci-tante ao paladar e não seja simples e puro produto da natureza.As frutas, as verduras, o peixe, o leite fermentam menos. E, de-pois, a vida ao ar livre, em contato direto com o sol e o ar, comas grandes correntes da vida. É ao ar livre que se realiza a sin-tonização psíquica que registra as noúres, é aí que se processatambém a sintonização de todo o organismo com elas. Por isso

o místico também deve ser um esportista ágil e dinâmico, sejaqual for a sua idade; resistente à neve, aos banhos, ao sol, ma-gro, bronzeado, sempre jovem de corpo e de espírito.

A verdadeira saúde é um regime. A medicina hoje preponde-rante é um desvio de princípios por escopo utilitário. Acrescen-tar ao recâmbio orgânico substâncias novas para corrigir exces-sos precedentes, adicionando uma ação violenta para corrigir anatural reação orgânica ao erro cometido anteriormente, é umabsurdo; seria necessário, ao invés disso, não fixar as causas ma-léficas e, quando elas produzissem efeito, pelo menos não flage-lar ainda mais o organismo, e sim dar-lhe tempo para digeri-las.

É, porém, cômodo acreditar no milagre; além disso, os re-médios se vendem, mas os conselhos sábios não se encontramà venda, e custa esforço segui-los. E desse modo se multipli-cam os prejuízos.

Como principio geral, importa dar ao corpo o que lhe é ne-cessário, bem como a uma máquina o seu alimento, o combus-tível, e isso segundo o trabalho que se exige do organismo. Atépoucos anos, a maioria da humanidade só se ocupava em traba-lhos físicos, por isso a carne lhe era necessária e as refeiçõespantagruélicas à Luís XIV podiam ser seu sonho e sua necessi-dade fisiológica. A um tipo de homem, porém, que hoje se vainormalizando com funções preponderantemente nervosas e psí-quicas, aquele sistema é tóxico e, no meu caso, insuportável.Quando o trabalho da vida é quase exclusivamente psíquico, a

alimentação deve ser adequada. Isso é lógico. E direi mais. Diapor dia, conforme o trabalho a realizar, físico ou psíquico, aquantidade e a qualidade da alimentação devem mudar, propor-cionalmente ao determinado trabalho. E se o trabalho é habitu-almente sedentário e intelectual, o regime dietético deve sertambém habitualmente vegetariano.

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 19

Assim, a espiritualidade se completa nos baixos níveis daevolução orgânica e sobre esta reage, dando também ao orga-nismo físico suas qualidades de juventude perene.

A causa da vida, o seu motor, é o espírito. Quanto mais se éespírito mais se domina a decadência senil e se sente que amorte não mata. Envelhece-se, então, na direção de uma juven-tude que é plena de força, porque é festa de espírito.

Envelheço e não morro, morrerei e viverei: sublime expe-riência!

IV. OS GRANDES INSPIRADOS

Realizei o exame de meu caso em seus mais salientes parti-culares. É chegado o momento de sair deste caso individual pa-ra remontar a uma visão mais vasta do fenômeno, observandoos casos de mediunidade inspirativa que a história nos oferece.Semelhanças e pontos de contato permitir-me-ão estabelecer alei do fenômeno melhor que a observação de um só caso.

No precedente estudo de anatomia psíquica, realizei a vivis-secção de minha alma. Era isso necessário para a compreensãode meus escritos mediúnicos, dos quais o presente é o comple-mento e a continuação lógica. O meu caso mediúnico, porém,se desenvolve sobre a perspectiva grandiosa de muitos casosmaiores. Embora distanciados grandemente por importânciahistórica e potência e não obstante as naturais diferenças dadaspelo temperamento do médium, pela natureza particular dascircunstâncias e pelo ambiente imposto ao seu trabalho, todosesses casos têm um fundo único, possuem notas característicascomuns, que renasceram também no meu caso menor. Isso cor-robora minhas afirmações e interpretações do fenômeno com apresente teoria das noúres.

Muitas palavras têm sido usadas para defini-las: inspira-ção, visão, êxtase, rapto dos sentidos, intuição, mediunidade,o demônio, as musas, o espírito, a subconsciência, a super-consciência, etc.

O misticismo, as religiões, o espiritismo, a filosofia, a arte,a psicologia, cada atitude do pensamento humano criou sua ex-pressão e observou de um ponto de vista particular o mesmofenômeno. O místico, o santo, o profeta, o poeta, o artista, o he-rói, o cientista, o inventor, ou, numa palavra, o gênio em todasas suas formas, têm vivido igualmente aquele fenômeno.

É um fenômeno próprio dos grandes avançados na evolu-ção, da qual o gênio não é senão o antecipador que agita o ar-chote do espírito no seio de uma triste normalidade. O fenôme-no é tão universal e antigo quanto o homem; mais ainda, foi

  justamente na Antiguidade que ele foi mais reverenciado,quando o conhecimento se atingia diretamente por revelação eo método intuitivo e dedutivo, que a racionalidade moderna não

mais sabe usar, era muitas vezes o único método de pesquisapara a solução dos problemas e a conquista do saber. A almahumana, então mais virgem, parecia mais próxima das origens,podendo atingi-las diretamente. Hoje, o pensamento se encontradecaído, havendo-se precipitado profundamente na racionalida-de, sem saber reencontrar os princípios. Desses grandes conta-tos espirituais nasceram as revelações.

Entramos, agora, num mundo maravilhoso. O fenômenoda registração inspirativa não se pode encerrar nos limites deum fenômeno científico. Este caso está para a simples capta-ção noúrica como um raio para uma centelha elétrica, pois queo homem é levantado num turbilhão à face de Deus, centroconceptual do universo, que aparece e se revela para assinalar

os destinos do mundo.Se, no meu pobre caso, tive de falar em ascensão espiritual epurificação, quais condições de uma sintonização que não poderealizar-se senão por afinidade, a que vórtice de potência se terárealizado a transumanização desses grandes inspirados que che-garam a ler o pensamento de Deus! E aqui se toca o caso limite

da humana possibilidade de ascensão. Se a recepção noúrica éfenômeno de elevação humana às altas esferas do superconcebí-vel, a que tensão do ser, a que vertigem de altura, a que vérticede potência terá chegado a alma humana nesses casos! E comose torna pequenina e inadequada a ciência, com sua análise, emface desses fenômenos que governam a história do mundo!

Diante dos grandes inspirados, desses gigantes que se mo-veram numa atmosfera de pensamento titânico, em face da po-tência dessas forças vivas do espírito que descem à Terra parafundir-se na história, para dar o sopro da vida às civilizações eorientar o progresso do mundo, diante das revelações que, porcontato espiritual direto, atingiram a verdade das fontes primei-ras do pensamento de Deus, em que se transforma a ciência,com seus métodos exteriores, com seus preconceitos inibitórios,com a incerteza de suas dúvidas e de suas hipóteses? Em que seconverte, em face desses fenômenos que superam completa-mente o homem, a pobre ciência humana, perdida nos tortuososcaminhos da análise e que, no entanto, tudo quer julgar e apri-sionar na pequenina técnica de sua experimentação? A ciência,com seu método, encerrou-se em limites que ela própria traçou,constringindo-se na incompetência, nestes casos em que no fe-nômeno atuam fatores transcendentais.

Nesses casos, as noúres conduziram o homem a uma tãogrande altura ao longo das hierarquias que se elevam e con-vergem para a Divindade, que o fenômeno já não se pode re-duzir a um conceito científico, porque se realiza fora do mun-do e de sua ciência.

As religiões, que significam uma orientação dada pelo Altoao espírito humano, para guiá-lo no caminho de suas ascensões,são uma descida do espírito divino através das revelações. Nofundo delas existe uma única religião, que caminha e na qual,adaptando-se à psicologia dos povos nas formas do tempo, aideia de Deus avança. Avança da Atlântida à Índia, ao Egito, àGrécia, ao monoteísmo da intuição de Moisés, imposto ao povode Israel, a fim de que conservasse a ideia até Cristo, que deve-

ria continuá-la e fecundá-la no Seu Evangelho de amor.Todos os grandes criadores do pensamento humano atingi-

ram por inspiração a mesma fonte única, expressando-a pro-gressivamente sempre mais perfeita: Krishna, Zoroastro, Her-mes, Moisés, Buda, Orfeu, Pitágoras, até Cristo, que supera to-dos. A verdade é uma só. As aproximações humanas é que sãodiversas, sucessivas, proporcionadas ao progressivo desenvol-vimento da evolução psíquica do homem.

Eis porque a ideia de Deus, em sua essência, é um super-concebível. O homem deve limitá-la para reduzi-la ao seu con-cebível, que é para ele a única medida que pode, em seu relati-vo, assinalar-lhe os limites. Esse relativo, porém, se dilata porevolução do sujeito humano, e aquela ideia, portanto, se ampliaparalelamente. Desse modo, a evolução da ideia de Deus é pa-ralela à evolução humana. O Deus do poder e da vingança, deMoisés, torna-se o Deus cristão do amor e do perdão e tornar-se-á o Deus científico da sabedoria; o Deus terrível, que apare-ce entre raios no Sinai, inexorável e tremendo em sua justa vin-gança, completa-se e agiganta-se no gesto mais humano dabondade, aproxima-se da Terra e nela lança, com o Evangelho,a semente da paz de espírito e da convivência social. E, hoje, arude potência da revelação mosaica e a profunda bondade darevelação evangélica se continuam e se fundem na luz da racio-nalidade científica moderna, que também nos tem ensinado apensar e que hoje atinge a hora de sua compreensão. Há, desse

modo, uma contínua proporção entre a descida das noúres, querevelam a Divindade, e a capacidade intelectiva humana. Háuma paralela ascensão do homem e de sua representação con-ceptual do Centro e uma descida progressiva da verdade, porrevelação; uma contínua purificação dos atributos humanos da-quele conceito, à medida que o próprio homem purifica os seus.

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20 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

Em pobres palavras: Deus, verdadeiro centro dinâmico econceptual do universo, conta de Si, através da revelação confi-ada a poucos escolhidos, aquele “quantum” que a criança hu-mana pode compreender, à proporção que vai crescendo; dizer-lhe mais, sobre um conceito sem limites, seria inútil e perigoso.

Devo falar a respeito de Deus porque é justamente desseCentro que desce a mais elevada noúre. Assim, a Divindade seavizinha sempre mais do homem, sempre mais viva e sensivel-mente se torna real em seu coração, despojando-se, pouco apouco, de todas as reduções impostas pela representação huma-na e fazendo-se sempre mais verdadeira, sempre mais transpa-rente, em sua essência, ao espírito humano. Tudo isso é tambémum engrandecimento seu, porque a visão se torna vertiginosa;mas, justamente por isso, ela não é concedida senão gradativa-mente. A ideia de Deus é necessária ao homem; deve estar-lhepróxima para sua vida; deve, para ser útil, proporcionar-se à suacompreensão e necessidade de ação; deve, como representação,manter-se a uma justa distância, que ilumine sem cegar, que serevele e se esconda, ao mesmo tempo.

Assim, o grande conceito desce ao mundo por sucessivasaproximações. Inspirados e revelações se encontram unidos emcadeia, na expressão progressiva de um pensamento único econtínuo que governa o mundo. Existe uma grande noúre quedesce contínua, através de diversos instrumentos, e é essa divi-na unidade de princípio que mantém a continuidade de pensa-mento através dos ciclos das várias civilizações, ciclos que serompem e se reatam. É essa unidade originária, ramificada nopensamento humano, que mantém uma linha verificável e evi-dente de desenvolvimento lógico através das vicissitudes histó-ricas do mundo. Isso prova que é idêntico o centro irradiante eanimador dos vários instrumentos registradores, grandes e pe-quenos, todos coordenados no tempo, sob o mesmo impulso,para a execução da mesma obra da revelação progressiva dopensamento divino. Cada um diz, frequentemente sem saber tu-do, uma como que frase sua, e, da união de todas essas frases,

sairá composto, depois, um discurso cheio de sabedoria.Assim, fundiram-se num só corpo as vozes dos profetas dopovo de Israel na ideia do Messias. Assim, em expressõesmais vastas, reúne-se novamente a visão mosaica (que reduziuao monoteísmo a fragmentação da unidade divina do polite-ísmo), através de todo o cristianismo, ao atual monismo, quenos apresenta a Divindade não só como única, justa e boa,mas realmente palpitante, qual sensível psiquismo animador,presente em todas as coisas.

Moisés teve que imprimir com um ferrete de fogo, na almade seu povo, a ideia de um Deus terrível, que para nós é absur-da e repugnante, pois fomos acariciados pela piedade de Cristo.

Hoje, o terror é desaparecido, tão mitigada foi aquela vin-

gança, que não conhecia piedade, mas subsiste o mistério. Sem-pre menos se pode impor uma fé aterrorizando a mente e muti-lando o conhecimento, e a revelação da bondade é continuada narevelação dos mistérios. Hoje, não se eleva mais apenas o gestodo profeta que diz: “Penitência, para aplacar a ira de Deus”, nemapenas o gesto de piedade que fala: “Bem-aventurados os quesofrem”; dá-se, porém, em termos precisos de razão e de ciência,a explicação da inflexibilidade da justiça divina e da redençãocristã através da dor. Nada foi modificado do pensamento pre-cedente, pensamento perfeito. Mas ele foi continuado. O mesmopensamento, após milênios, é novamente trazido à luz da cons-ciência humana, atualmente saída da menoridade, não mais ape-nas como ato de fé e estado de graça, mas como uma imprescin-

dível necessidade racional, que aquela mesma doutrina “impõe” para os caminhos novos, únicos que, em tempos de perda de fé,permanecem ativos, isto é, os caminhos da racionalidade, que é

 justamente a forma mental do nosso momento. A noúre, em suaprofundidade, traz de novo à luz, mas agora em forma de ciên-cia, o Evangelho, substancialmente esquecido.

Esta é a necessidade dos tempos, a fim de que o Evange-lho seja de novo sentido. Para que a moderna concepção dosaber não se extravie, ela é chamada às origens, fundida comas antiquíssimas intuições dos iniciados e utilizada, no mo-mento da maturidade espiritual atingida, como meio de di-vulgação dos mistérios, entre os quais já não é mais permiti-do hoje esconder a verdade.

Unidade – diz hoje a grande noúre, unidade de religiões e deciência, descoberta de uma consciência unitária de humanidadeem torno de um Deus único, ideia central, que deverá salvar edirigir o mundo na nova civilização do Terceiro Milênio. As-sim, a ciência é recuperada totalmente com a Síntese no cicloevolutivo das revelações, para preparar no seio da humanidadea maturação de uma nova consciência cósmica. O momentohistórico é grave, solene, rico de valores em decomposição e degermens em frenético desenvolvimento, como nos tempos mes-siânicos. Em meu estado de contínua percepção noúrica, sintoas correntes espirituais do mundo e tenho a sensação viva deiminentes e novas orientações do pensamento humano, que aba-terão as resistências de todos os misoneísmos. E me entregueicompletamente às forças do Alto, a fim de lançar, entre muitos,uma semente que germinará.

Observando os ciclos das revelações do passado que maisproximamente se encontram da civilização europeia, vemos deinício um período heroico, que é sublimação de potência davontade, explosão da corrente positiva e masculina da vida  – ociclo mosaico e do profetismo hebreu; depois, o período dabondade, que é sublimação do amor, explosão do princípiooposto da vida, da libertação pelo sacrifício, da redenção pelador. Na primeira revelação, a voz de Deus, virilmente, diz: “Eusou”. Na segunda, a mesma voz redime a mulher e eleva a mis-são criadora do amor. Hoje, a revelação reaparece, equilibran-do-se numa pulsação de retorno, para alimentar e impelir para oalto o princípio masculino, que afirma e de novo diz “Eu sou”,mas não com o terror da força e do mistério, e sim na potência

luminosa da sabedoria.Jamais na história do mundo, a inspiração se apresentou emproporções tão gigantescas como em Moisés, no momento dapromulgação da lei no Sinai. A voz emerge de um fragor de ba-talha, em meio a um terrível desencadear de forças naturais,como condutora de povos e dominadora de paixões; emerge docaos das vicissitudes humanas num ímpeto de potência esma-gadora. A luta entre as forças do bem e do mal assume um as-pecto concreto, desce até à alma dos fenômenos físicos; a terratreme, abrem-se as águas dos mares. Deus é força ante a qualvacilam céu e terra. Indubitavelmente, Moisés transferiu à reli-gião hebraica a sabedoria da iniciação egípcia, que consigo le-vava como esteio. Mas foi a grande voz interior da inspiração

que o sustentou e guiou nos grandes momentos. O pensamentoera, então, densamente revestido de ação e se expressava súbi-to, em ato nos acontecimentos; deveria, pois, possuir em suasorigens a violenta potência energética que lhe permitisse pene-trar as densas camadas da matéria e do espírito humano. A ver-dade devia ser simples, precisa, mas lançada como um projétil ecortante como uma espada, para poder penetrar no duro coraçãodo homem. O profeta tinha de ser um condutor de povos, e seupensamento deveria estar armado de potência humana e sobre-humana. A lei de um Deus único devia impor-se, por seu poder,no seio da idolatria dos vários cultos; devia imprimir-se naconsciência de um povo, em meio à anarquia das nações. A so-litária e dolorida sublimação mística dos santos do cristianismo

ainda não nascera; antes da sutilização na pureza, importavatrovejasse a força, para desbastar o espírito humano.A cosmogonia mosaica é uma rude e imensa construção ci-

clópica, reduzida a linhas essenciais para que fosse compreen-dida; permanece verdadeira até hoje, embora lhe faltem porme-nores de desenho arquitetônico. O gesto criador de Deus é ma-

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 21

terial como o gesto do homem, que projetava no Céu a multi-plicação infinita dos próprios atributos, não sabendo dizer deDeus senão o que a própria evolução psíquica lhe permitiacompreender. Aquele gesto se espiritualiza hoje na voz quedesce para iluminar e animar a ciência, e o pensamento da Gê-nese retorna num mais elevado plano de conhecimento.

A Gênese é o primeiro livro do Pentateuco, a que se se-guem: o Êxodo, o Levítico, os Números e o Deuteronômio, efoi escrito sob a inspiração de Moisés, enquanto vagueava nodeserto com o povo de Israel. Começa com a criação, descrevedepois o dilúvio (submersão da Atlântida), a torre de Babel, ahistória dos patriarcas até José.

O Êxodo é a saída do povo de Israel do Egito e a promulga-ção da lei no Sinai. O espírito de Deus é presente a cada mo-mento. No Cap. XIX do Êxodo, descreve-se um continuo coló-quio entre Moisés e Deus:

01. Ao terceiro mês da saída de Israel da terra do Egito, nessemesmo dia, chegaram à solidão do Sinai.

02. Por isso, partidos de Rafidim e chegados ao deserto do Sinai,estabeleceram nesse lugar os alojamentos, e aí Israel esperou, dian-te do monte.

03. E subiu Moisés a Deus, e o Senhor o chamou do alto do mon-

te, dizendo-lhe: Estas coisas dirás à casa de Jacó e anunciarás aos fi-lhos de Israel. (...)09. O Senhor lhe disse: Virei logo a ti na obscuridade de uma nu-

vem, a fim de que o povo me ouça a falar contigo e creia em ti perpe-tuamente. Pois Moisés havia anunciado ao Senhor a palavra do povo.

10. Ele lhe disse: vai ao encontro do povo e faze com que todos sepurifiquem hoje e amanha e lavem suas vestes.

11. E estejam preparados para o terceiro dia, porque no terceiro diadescerá o Senhor, aos olhos de todo o povo, sobre o monte Sinai. (...)

16. E, ao despontar o terceiro dia, à claridade da manhã, principia-ram a ouvir-se trovões e resplandeceram relâmpagos; e uma densís-sima névoa cobriu o monte, e o vibrante sonido da trompa retumbavafortemente; e o povo, que se encontrava nas tendas, se atemorizou.

17. E havendo-os Moisés conduzido para fora dos alojamentos, aoencontro de Deus, pararam ao pé do monte.18. E todo o Monte Sinai fumegava, porque o Senhor aí descera

em meio ao fogo; e o fumo dele saía como de uma fornalha, e todo omonte infundia terror.

19. E o sonido da trompa pouco a pouco se  fazia mais forte e maispenetrante. Moisés falava e o Senhor lhe respondia.

20. E desceu o Senhor ao Monte Sinai, sobre o próprio cume domonte, e chamou Moisés àquele cume. (...)

25. E Moisés desceu e contou todas as coisas ao povo.E assim nasceu o Decálogo, da palavra pronunciada por

Deus, Cap. XX:01. E o Senhor pronunciou todas estas palavras: (...)

02. Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirou da terra do Egito, dacasa da escravidão.

03. Não terás outros deuses diante de mim. (...)18. E todo o povo percebia as vozes, e os raios, e o sonido da

trompa, e o monte que fumegava; e o povo, assustado e tomado demedo, pôs-se de longe.

Eis a narrativa do momento culminante da mais poderosarecepção noúrica que o homem conhece.

E o espetáculo é verdadeiramente de uma grandiosidade ter-rível. A mole imensa, severa e selvagem do Sinai, a recordar oBrocken16 goethiano, a grande montanha de granito, nua e escu-ra, cujo cimo é o trono de Eloim, circundada de legendas pavo-rosas, ecoando estrondos de trovões; os cumes escondidos nas

16 Brocken (ou Brock)  –  elevada e granítica montanha na Alemanha,onde, conforme as superstições medievais, imperava o chefe das for-ças do mal, o “Senhor Uriano” (Herr Urian) na versão do Fausto deGoethe. Era o local da noite de Valburga (ou Walpurgis)  –   a “Wal-

 purgisnacht” (N. do T.).

tempestades de nuvens a rugir, coruscantes de raios; as faldasdo monte enegrecidas de massas humanas, efervescentes depaixões, lançadas à conquista do próprio destino. Eis o quadrograndioso, o ambiente de sintonização em que se realizou o diá-logo entre o profeta e a voz de Deus e entre o profeta e seu po-vo. A vibração se mantinha na desnuda potência das coisasprimitivas. Era o primeiro grande choque cósmico das forçasespirituais e se converteu numa atmosfera de revolta e de san-gue, sob um céu negro de tempestade, com a matança dos re-beldes idólatras, desobedientes à lei, diante dos quais a ira do

profeta quebra as tábuas de pedra, convicto do direito absolutoda verdade, da comunhão com o Alto, da proteção das forçassupremas. Sem essa presteza e prepotência de ação, jamaisMoisés teria imposto sua autoridade e a nova lei de Deus. A fe-rocidade humana impunha os caminhos do terror.

O contato com a divina fonte se estendeu continuamente, noseio do povo hebreu, através do profetismo.

Este meu pobre estudo sobre o fenômeno inspirativo mani-festa-se, sem que eu o quisesse, com força interpretativa e de-monstrativa deste grande fenômeno histórico e teológico, quefoi considerado pelos apologistas, ao lado dos milagres, como acoluna probatória da verdade do cristianismo. E aqui a ciência,finalmente não mais inimiga, dá sua contribuição.

Se a arte divinatória é comum a todos os povos da Antigui-dade, o profetismo, entre os hebreus, potencializando-se naconcepção monoteísta, se eleva a meio de comunicação diretacom a Divindade, prossegue e traduz o pensamento da eterni-dade na maturação do destino de um povo e, na espera do Mes-sias, do destino do mundo.

Após o Pentateuco, a Bíblia continua e, no livro de Josué,escrito pelo mesmo Josué, sempre por divina inspiração, pros-segue a história do povo de Deus. Moisés morreu, mas o divinocolóquio não cessa.

Nos quatro livros dos Reis falam Samuel e os profetas Gadee Natã. Precisamente no terceiro desses livros, Cap. XIX, háuma referência ao profeta Elias, que, internando-se no deserto,desejava a morte e disse:

“Basta, ó Senhor, toma minha alma”. E se lançou por terra e ado r-meceu; mas eis que o anjo do Senhor o tocou e lhe disse: “levanta-te ecome”. Voltou-se ele e viu, perto de sua cabeça, um pão cozido sob ascinzas e um vaso de água. Então, comeu e bebeu. Fortificado com es-se alimento, caminhou quarenta dias e quarenta noites, até um montede Deus chamado Horebe. Lá chegando, abrigou-se numa caverna. Elogo o Senhor lhe falou dizendo-lhe: “Que fazes tu aqui, Elias?...”. 

E se desenvolve o colóquio. Mais adiante, ainda de Elias fa-la o livro IV dos Reis17, Cap. II:

11. E enquanto caminhavam e conversavam juntos, subitamenteum carro de fogo, com cavalos de fogo, separou um do outro; e Eliassubiu ao céu num turbilhão.

O primeiro livro de Esdras foi por este mesmo, que erade linhagem sacerdotal e doutor da lei de Deus, escrito sobinspiração.

Também o livro de Judite, que se lhe segue, é consideradodivinamente inspirado.

No livro de Jó, este frequentemente profetiza a respeitode Cristo.

No livro dos Salmos, o rei Davi, instrumento do Espírito,profetiza sobre Cristo e escreve hinos maravilhosos, que sãopoesia, profecia, sapiência, oração. Em Davi, o pressentimentodo novo pensamento de Cristo é vivo. Ninguém, antes dele, ha-via ousado falar de Deus com tanto amor e confiança, no seiodo povo hebreu, que entendia a proteção divina como um do-

17 O 4o Livro dos Reis corresponde à divisão da Bíblia Hebraica, deque se serviu o autor. Nas edições grega e latina (a dos Setenta e aVulgata) o antigo livro de Samuel é dividido em dois e igualmente oseguinte, o dos Reis. Assim, o texto citado encontra-se em nossas Bí-blias atuais, no II livro dos Reis, Cap. II – vers. 11 (N. do T.).

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22 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

mínio severo, cheio de terríveis punições. Davi cantava comsua harpa não mais um Deus que subjugava pelo pavor de suascóleras e vinganças, mas um Deus doce e bom que se aproximado homem no esplendor de suas obras:

“Os Céus narram a gloria de Deus e o firmamento anuncia Suasobras. Um dia dirige a palavra a outro dia e a noite a outra noite a re-

lata. Sem palavras, sem discursos, entende-se a sua voz, que se ex- pande por toda a terra e ressoa até aos confins do mundo”.  

Inspirado é o livro dos Provérbios, ditado pela sabedoria deSalomão, livro cheio de sentenças sublimes.

Inspirado foi o livro da Sabedoria, ao mesmo Salomãoatribuído.

Inspirado também é o chamado Eclesiastes.E eis que surge, na Bíblia, Isaias, o primeiro dos grandes

profetas, majestoso nas suas predições referentes ao Messias.Após, fala Jeremias, profeta desde os 15 anos, até depois dadestruição do templo e da cidade de Jerusalém, quando, pros-trado sobre as ruínas da Cidade Santa, deixou rebentar sua dornas Lamentações. Vem a seguir seu discípulo Baruque, tam-bém profeta. Ezequiel começou a profetizar no quinto ano deseu cativeiro na Babilônia; foi o inspirado misterioso, taciturnoe terrível, que viu a destruição de Jerusalém, a dispersão doshebreus e, após, sua volta, a reconstrução da cidade e do tem-plo e o Reino do Messias.

Profecias relativas ao Messias contém o livro de Daniel,por ele mesmo escrito na corte dos reis caldeus. Seguem osprofetas menores: Oséias, Joel, Amós (talvez também mártir),Obadias; Jonas, o náufrago vomitado pela baleia; Miquéias, aquem se deve a célebre profecia sobre Belém-Efrata, onde de-veria nascer o Messias; Naum, que predisse a destruição de Nínive e viu sobre os montes “os pés Daquele que anuncia a boa nova”; Habacuque, que, conforme se crê, foi transportadopor um anjo até Babilônia para dar alimento a Daniel, prisio-neiro na cova dos  leões; Sofonias; Ageu, também profeta doMessias; Zacarias, em quem a profecia da vinda do Cristo se

faz sempre mais clara, precisando seu ingresso em Jerusalém,sua morte, os trinta dinheiros como preço da traição, a destrui-ção de Jerusalém e a perseguição; finalmente, Malaquias, queanuncia claramente a vinda do supremo Mestre.

Por oito séculos, a ideia viva de Deus assim resplandece naalma de um povo, e a mesma luz desce sempre ao mundo, colo-rindo-se diversamente, através de personalidades diversas, masnunca deixa de ser a voz com que Deus clama, chamando oshomens extraviados.

A inspiração se faz auditiva ou visual conforme as disposi-ções do ambiente, mas a corrente é uma só, embora assuma di-ferentes formas de vibração. Existe um pensamento constante,desenvolvido através de recursos diversos e fragmentado no

tempo, mas, apesar disso, coerente e contínuo, testemunhandosua origem de uma fonte única. Essa unidade de ideia mantevecoeso um povo, trabalhado pelas mais venturosas vicissitudes,até ao surgimento de sua flor magnífica  –  Cristo, após o queeste povo se dispersa.

A Bíblia é o mais vasto documento de recepção noúricamundial, atingindo as mais elevadas fontes. O povo hebreu nosdá o exemplo de um fenômeno inspirativo gigantesco, prolon-gando-se por séculos e séculos, funcionando como preparaçãodo evento que daria origem à civilização destinada a governar omundo. Não é possível a dúvida nem a negação em face de fa-tos históricos de tal importância. E o cristianismo foi esperado epreparado por essa elevadíssima mediunidade inspirativa, que

agora estudamos, e desses contatos superiores continuamente setem alimentado e fortalecido no seu exaustivo caminhar.Em face da narrativa bíblica das visões dos profetas, como a

de Isaias, que vê Babilônia destruída, recordando as de São Jo-ão; em face das visões terrificantes de Ezequiel, bem como ou-tras, feitas de luz e de bondade, todas grandiosas; em face des-

sas figuras pensativas de profetas prostrados diante do Infinito,invocando luz e paz para a alma humana em tempestade, eu,que escrevi a demonstração científica da realidade dessas forçastremendas e que as sinto agitarem-se em mim e no mundo, ou-ço estranhas ressonâncias nas profundezas de minha consciên-cia, e me sacode um calafrio de temor. A sabedoria moderna,que matou essa sensibilidade, poderá sorrir ceticamente. Mas,nas lágrimas de Jeremias, no gesto solene de Ezequiel, que pro-fetiza, nessa voz concorde que, desde Isaias até Malaquias, falade Cristo e prossegue até à voz de Joana D’Arc, criando umamártir e salvando a França, sinto algo de tão terrivelmente po-deroso, que não encontro outra postura de espírito além da ora-ção. Tudo mais é inconsciência. Inconsciência num momentoem que a Europa inteira se arma, embora trema diante do espec-tro de uma guerra que sente seria o fim de sua civilização 18.Cada gesto profético é dirigido pela mão de Deus. E a Europaserá dividida, ao longo de uma frente mediana, em duas partes,a da ordem e a da desordem, em que lutarão objetivamente asforças cósmicas do bem e do mal. Se as forças desagregantesdo mal chegarem a vencer as forças construtivas do bem, entãoas portas da Europa desorganizada se abrirão de par em par di-ante da ameaça imensa da Ásia, do dragão gigantesco e terrível,que já levanta a cabeça, mirando a presa suculenta. Enceguece-o, porém, uma luz que se irradia de Roma, centro espiritual domundo. Na Terra e no Céu irrompe uma vastíssima tempestadede pensamento que, em grandes correntes, luta e se lança àconquista da unidade espiritual do planeta.

◘ ◘ ◘ A principal ideia desenvolvida pelo profetismo hebreu, num

ascensional movimento de evidência e poder, foi a ideia da cen-tralidade espiritual de Jerusalém e da vinda do Salvador domundo. Sempre mais nítida se faz essa visão, descendo a por-menores, e nela, na contemplação da doce figura do Cristo, seacalmam as tempestades angustiosas do espírito. Alimentadapela vibrante palavra dos profetas, a imagem messiânica segrava e se agiganta na consciência, até aos últimos tempos, emque se sentia, por toda parte, vaga, mas seguramente próxima, arealização tão esperada e predita.

A história, na plenitude da hora romana, continha os germesdo desfazimento e da ressurreição, como hoje. Os  deuses pa-gãos vacilavam, e o equilíbrio do mundo se deslocava para umnovo eixo. Algo abala a civilização até aos fundamentos, etambém o mundo pagão desperta ao primeiro choque, que ésempre de almas, e o manso Virgílio vê:

Ultima Cumoei venit jam carminis actas, Magnus ab integro soeclorum nascitur ordo, Jam redit et Virgo, redeunt Saturnia, regra; Jam nova progenies coelo demittitur alto.

Tu modo nascenti puero, quo ferrea primum Desinet, ac toto surget gens aurca mundo,Casta, fave, Lucina; tuns jam regnat Apollo.... Aspice, convexo nutantem pondere mundum,Terrasque, tractusque maris, coelumque, profundum;

 Aspice venturo laetantur ut omnia soeclo19 (VIRGILIO, Écloga, IV)

18 Este livro –   As Noúres  – foi escrito no verão de 1936 e publicado,em 1a edição, por U. Hoepli, de Milão, em 1937 (N. do T.). 19  “A última idade da predição de Cumas já chegou;

a grande ordem dos séculos nasce de novo.Já volta a Virgem e os reinos de Satumo.Uma nova progênie desce já do mais alto Céu.Casta Lucina, ampara; teu Apolo já reina.

... Vê como estão de acordo o mundo de pesada abóbadaE as terras todas, e a extensão do mar, e o céu profundo.Vê como tudo se alegra com os séculos por vir”.(Vírgilio, Écloga IV)

Tradução de Ruth Maria Chaves Martins.

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 23

Com Cristo surge, em sua plenitude, um conceito que parecepreparado, de há muito, no passado de toda a evolução espiritualda humanidade. Esta já está amadurecida para subir mais umdegrau em sua ascensão espiritual, e a revelação inicia um novociclo. O conceito de bem e de virtude adquire um novo valor, e ador se sublima na cruz como meio de redenção. É anunciada aboa nova de um novo Reino dos Céus, que está, antes de tudo,no coração dos homens. Atinge-se um novo poder, que Moisésnão possuía: o poder do amor. “Não penseis que vim abolir a Leiou os Profetas; não vim aboli-los, mas completá-los”, disse Cris-to (Mateus, V, 17). A revelação continuava.

Seria absurdo querer reduzir a ideia de Cristo a um fenôme-no inspirativo, de tanto que o transcende, de tão inadequadosque são os recursos da observação e da compreensão humanas,de tão profunda e completa que foi Sua unificação com o centroconceptual do universo. Devido à fraqueza humana, temos ne-cessidade, para nossa compreensão, de fenômenos mais acessí-veis, mais mitigados de potência, menos transparentes de Di-vindade, a fim de que não pareçam cegar.

Tenho sentido, em meus profundos estados inspirativos, aproximidade de Cristo, não o Cristo reduzido à imagem hu-mana, mas um Cristo real, cósmico, um espírito radiante, cen-tro de atração espiritual, em torno do qual gravitam os mun-dos; um Cristo que me inflamou e me tem dado força para vi-ver e trabalhar e a Quem tudo devo. Ele me atrai da vertigemdos céus, para os quais me arrasta, de esfera em esfera, fusti-gando minha carne para que eu possa aligeirar-me e subir,numa visão de sabedoria e de bondade em que minha mentese perde. Outra coisa não sei dizer de Cristo, outra coisa nãosou digno de dizer e calo-me.

Sinto que se aproximam para o mundo acontecimentosenormes e terríveis, sinto um distante fragor de tempestade, umvagalhão que ameaça a grande civilização. E são pouquíssimosos que veem e sabem. Tenho implorado para que se veja e sai-ba. Neste ambiente pesado de ameaças em que louqueja o mun-

do, meu espírito oprimido não repousa senão na doce visão doCristo, que acalma as águas enfurecidas e salva o barco queameaça naufragar. Cristo é verdadeiramente uma força real,sempre presente, a guiar os centros espirituais do mundo, irra-diando Sua luz. Conforto-me com Suas palavras, citadas peloApóstolo João: “Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas, por enquanto, estão acima de vossa compreensão” (João, XVI,12). “Tenho-vos dito estas coisas por comparações. Mas vem ahora em que não vos falarei mais por parábolas, mas aberta-mente vos falarei acerca do Pai” (João, XVI, 25). Eram as pala-vras de adeus. Mas, antes, havia dito: “Eu rogarei ao Pai, e elevos dará outro Consolador, a fim de que permaneça para sem-pre convosco, o Espírito de verdade, que o mundo não pode re-

ceber, porque não o vê nem o conhece; vós, porém, o conhe-ceis, porque ele habitará convosco e estará em vós. Eu não vosdeixarei órfãos; voltarei a vós” (João, XIV, 16, 17, 18). 

Qual será o sinal dos tempos? O descobrimento completodos mistérios, que a revelação dá à mente humana, já amadure-cida pela ciência. Porque, como já dissemos, a revelação é pro-gressiva e proporcionada ao desenvolvimento da inteligênciahumana e o Cristo está com ela sempre presente. É chegada ahora em que a mudança da civilização impõe um passo à frentena lenta e progressiva realização do Reino de Deus na Terra, deque o Evangelho não foi senão o anúncio; impõe sua atuaçãoindividual e coletiva na organização social humana, o adventode Cristo à sociedade, a descida do espírito da verdade, do amor

e da justiça às instituições e à vida dos povos. O Pentecostes,outrora limitado aos escolhidos, se estende agora a todos osdignos pela bondade e maduros pelas forças intelectivas.

O primeiro gigante da revelação cristã é o próprio São João.João, alma profunda, intuitiva e ardente, enamorada e triste,impetuosa e sonhadora; João, que inclinava a cabeça no seio do

Senhor, perdido nos silêncios da contemplação, penetrava opensamento profundo de Cristo por um estado de graça que lhedava o amor. E, até muito depois, até São Francisco, nenhumaforça aproximou tanto de Cristo o homem, abrindo de par empar as portas de seu coração, quanto o amor.

O Apocalipse do apóstolo João foi por ele escrito depois deseu Evangelho, pelo ano 96 de nossa era, no seu exílio da ilhade Patmos. O nome grego “Apocalipse” significa “revelação”.Esta, que havia tomado o homem pela mão, desde o princípio,para acompanhá-lo até ao nascimento de Cristo, agora continu-

ava predizendo os destinos da Igreja, desde seus primeiroscombates na Terra até seu último triunfo no Céu. É uma visãograndiosa, cheia de mistério:

Cap. I01. Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe concedeu, a fim de

fazer conhecer aos seus servos as coisas que cedo devem aconte-cer e que Ele, enviando-as por intermédio do Seu Anjo, significou aoseu servo João.

02. O qual testificou a palavra de Deus e tudo quanto viu de JesusCristo. (...)

09. Eu, João, vosso irmão e companheiro na tribulação, no reino ena paciência de Jesus Cristo, estive na ilha que se chama Patmos,por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus.

10. Fui arrebatado em espírito num dia de domingo e ouvi por de-trás de mim uma forte voz, como de trombeta.

11. Que dizia: escreve o que vês num livro.12. E voltei-me para ver quem falava comigo, e voltado vi sete

candelabros de ouro. (...)13. Escreve, pois, as coisas que viste, as que são e as que devem

acontecer depois destas.A percepção, a princípio auditiva, se transforma em visual.

De quando em quando diz: “Eu vi”. A fonte da grande correntenoúrica, porém, é a mesma, não importando em que forma devibrações sensoriais se materialize para ferir os sentidos. Há umcomando explícito da voz: “Escreve”. Há um aturdimento de

sentidos que faz João cair como morto, mas a voz lhe d iz: “Nãotemas, sou eu, o primeiro e o último”. ◘ ◘ ◘ 

Passam-se os séculos. A voz que havia detido São Paulo naestrada de Damasco repercute numa multidão de mártires. Osprimeiros séculos do cristianismo ecoam de vozes, mas, depois,a tenebrosa Idade Média trabalha duramente para reencontrar asfontes do espírito, e a tradição se quebra.

Como Sócrates tinha o seu gênio, a voz superior que eleouvia falar-lhe interiormente, dando nobilíssimos conselhos,também tinha seu gênio o filósofo Filon. Porfírio e Plotino de-claram possuir num espírito familiar sua fonte de inspiração.Como Maomé ouve a voz do seu arcanjo, igualmente Alarico,

rei dos Visigodos, se dizia inspirado pela voz de um espíritoque o excitava a marchar contra Roma. “Um gênio”, dizia,“sempre me guia: Avante! Avante! Destrói Roma!”. Esta últi-ma voz talvez fosse barôntica, que não se eleva pela nobrezade objetivos morais e sociais nem pureza de inspiração, nãomerecendo, pois, atenção.

As vozes elevadas só se encontram no seio de uma grandefé, quando a inspiração é também missão, apostolado, muitasvezes martírio. Só estas são dignas e me interessam.

Se o fio da revelação se rompera, talvez por razões profun-das, ou talvez só aparentemente, a fé em Cristo não fora destru-ída. A ascensão espiritual, culminando nas figuras dos santosque iluminam em multidão a Idade Média, era contínua e labo-

riosa. As correntes desciam sempre do Alto para os desposórioscom a Terra, fecundando-a. E germinavam exemplos de holo-caustos no esforço por abraçá-las. A grande emanação do Cris-to jorrava ora aqui, ora acolá, como revelação não mais heroicae guerreira, apocalíptica e tonante, mas apaixonada e gentil,amansando a ferocidade dos tempos com a doçura do amor evan-

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24 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

gélico. E surgem almas novas, ardendo em paixões mais eleva-das. A força se desmaterializa num perfume de sentimento. Avoz não mais troveja o fragor das batalhas nem o terrível desti-no dos povos, mas canta as harmonias da criação.

E desponta Francisco de Assis, qual diferente cantor deDeus, que já não é como o rude Moisés, nem o tempestuosoIsaias ou o terrível Ezequiel, nem mesmo o apocalíptico João!Verdadeiramente, com o Cristo, o mundo do espírito se trans-formara. A fé se dulcifica como o cântico de um poeta ou umavisão de artista, como se transmuda em beleza a própria verdadeque se eleva a um plano mais alto. A fé canta e sorri entre os do-ces pintores das escolas umbra e toscana, gorgeante de criançasgraciosas e perfumosas dos suaves semblantes das Madonas. E,seja atingindo poetas, artistas ou santos, é sempre a mesma fonteinspirativa, que desce do Alto e faz do “Trecento” o século dasmais puras criações espirituais. Que importa a forma com queessa inspiração se imprime na matéria? Grande inspirado foiDante, como foi Giotto e depois Rafael. Sempre, onde se mani-festa um pensamento novo, profundo e nobre, o Alto vibra e sedá. O “Trecento” parece uma descida de anjos para rasgar astrevas de um milênio. Foi a primeira dulcificação de costumesna fé cristã, a primeira grande onda de preparação do Reino dosCéus. Falo a respeito de forças reais, presentes e decisivas naevolução da civilização. Falo da minha mística Úmbria, onde,com tanta suavidade, floresceu aquele sonho de fé!

A voz falou pela primeira vez a Francisco (1182 - 1226) emSão Damião, em Assis. Assim relata o acontecimento o Pe. V.Vacchinetti em sua “Vida de São Francisco”: 

“Existia então, como ainda hoje, no declive da montanha (oSubásio, próximo de Assis) uma capela dedicada a S. Damião.São Francisco gostava de recolher-se na penumbra daquelaigrejinha abandonada, a orar diante de um crucifixo. Um dia,estava ajoelhado diante daquela imagem do Redentor... e supli-cava poder conhecer, finalmente, qual fosse a vontade divina aseu respeito. Eis que, então, ainda banhado em lágrimas e com

o coração agitado pelo ardor da oração, tendo os olhos fitos nocrucifixo, o vê avizinhar-se de si, e de seus lábios divinos per-cebe sair uma voz que lhe diz: “Não vês que minha igreja está adesabar? Vai, pois, e restaura-a para mim!”. E por três vezes serepete o amargurado apelo, a divina oração: “Vade igitur et re-

 para illam mihi!”20 (aquela imagem conserva-se ainda hoje naBasílica de Santa Clara, em Assis). A essa voz, Francisco, tre-mendo de espanto e comoção, respondeu com entusiasmo: “Fá-lo-ei de boa vontade, Senhor!” (“Liberter faciam, Domine”). Elogo se levantou, para iniciar o trabalho”. 

Esta é a narrativa:A voz do Alto a descer para salvar os destinos da Igreja. O

impulso de Cristo volta a manifestar-se presente. Esses fenô-

menos de exceção não sucedem ao acaso, mas em momentosparticulares, com objetivos excepcionais. As correntes purasnão descem ao nosso plano para curiosidade científica, masobedecem a equilíbrios profundos, que as guiam para alimentaros valores espirituais do mundo quando estes vacilam.

De há muito, Francisco procurava, mas ainda não se haviaencontrado a si mesmo. Esquecera-se, na quadra alegre da ju-ventude, mas era momentâneo o esquecimento; ao primeirochoque, sua alma desperta, e do íntimo se elevam as realidadesdo espírito, para as quais estava amadurecida. Na prisão dos pe-rusinos e, depois, na enfermidade em Spoleto, as primeiras vi-sões revelam a Francisco o seu verdadeiro ser. Creio que essesprimeiros contrastes interiores sejam o momento psicológico

mais decisivo para a compreensão daquele tipo de personalida-de e de toda a fenomenologia supranormal que se lhe formouem torno. Esses deslocamentos de equilíbrio interior, que con-

20 “Vai, pois, e restaura-a para mim! – como já está escrito, duas linhasatrás, para o vernáculo (N. do T.).

duzem uma alma do mundo a Deus, projetando-a na vertigemda inspiração mística, têm raízes profundas, em que se encontraa chave do mistério. Essas súbitas crises psicológicas não sãosenão o precipitar do equilíbrio biológico normal, em conse-quência de impulsos amadurecidos no eterno. E, como sempre,é necessário estudar e compreender o sujeito para entender ofenômeno. Francisco se isolava no silêncio dos bosques e dosmontes para orar e para ouvir; essa necessidade de solidão, pró-pria dos inspirados, foi para ele fundamental, especialmente nosmais importantes momentos de sua missão.

“Vade igitur et repara illam mihi!”. Nas vizinhanças de S.Damião, o céu e a terra, tudo sorri numa nova luz, como queimpregnado da grande emanação espiritual do santo. A belezanatural parece brilhar em mais profunda beleza de alma. Toda acriação em torno se vivifica no espírito e também ora num im-pulso de fé, dobrando-se em sintonia para alimentar o fenômenode Francisco e de sua vibração de amor a Deus. Nos momentosde sua grande inspiração, a natureza também é chamada a cola-borar, em harmonia de fé e amor, como uma realidade viva, ar-dente, também enamorada de Deus, pois a grande recepção noú-rica é um concerto imenso em que toda a criação canta em Deus.A inspiração dulcíssima do amor de Cristo se verifica, aqui, nãomais entre as tempestades do Sinai, porque a nota de sintoniza-ção é completamente diversa, mas na musicalidade doce da pai-sagem úmbrica, que ainda hoje canta e sobe, simples e mansa,como por humildade, perdendo-se nos esplendores azuis do mis-ticismo. Verdadeiramente, jamais encontrei mais apropriadoambiente de sintonização espiritual que esta paisagem úmbrica.

Francisco, entretanto, não havia compreendido bem. Odespertar de uma alma imersa na carne, embora seja ela forte,não pode ser instantâneo. Seu olhar é, a princípio, exteriortambém nos conceitos, está materializado pelas sensações e, sómais tarde, atinge os profundos significados de espírito. Tam-  bém com Joana D’Arc aconteceu o mesmo. Mas, depois, oambiente se purifica, o contato se faz mais vivo, a percepção

mais transparente. Aqui também, embora preso num turbilhão,o fenômeno é progressivo. Não era, pois, a restauração materi-al da igreja de S. Damião, obtida com o transporte de pedras,mas a restauração espiritual de Sua Igreja o que Cristo indica-va. “Eu não vos deixarei; voltarei a vós”, Ele já havia dito.Voz universal, ativa e presente, infiltra-se no mundo atravésdos caminhos de quem sente, responde e fala, segundo o poderde cada um para ouvi-la. Que evidência deveria, pois, atingiratravés de uma alma como a de Francisco!

Tudo está em relação à capacidade individual, à sensibiliza-ção espiritual, e esta se relaciona com o grau de purificaçãoatingido. Aqui, ressalta em primeiro plano a relação, já notada,entre elevação moral e potência perceptiva da alma, pois impor-

ta um estado de afinidade vibratória para poder obter-se a sin-tonização. Compreendem-se, assim, os três votos franciscanos –  pobreza, castidade, obediência  –  que azorragam no corpo enas paixões toda a animalidade humana.

Para sentir a palavra de Cristo, Francisco devia tornar-sesemelhante a Ele na dor e no amor, e tão intensamente os teveunidos a Ele, que se imprimiram em seu corpo com os estig-mas, no incêndio espiritual da Verna.

No espírito franciscano existe um conhecimento profundodos caminhos desse laborioso esforço da ascensão espiritual.Basta recordar o episódio da perfeita alegria, em que, diantedos ataques mais cruéis e dos decepamentos mais radicais im-postos à natureza humana, Francisco conclui sempre com um

crescendo impressionante de exemplos: “Ó Irmão Leão, escr e-ve que nisso está a perfeita alegria” (“Florinhas”, VII). Masuma verdadeira técnica de ascensão espiritual, uma descriçãodos métodos usados pelo destino para impô-la ao homem, édescrita no Cap. XXV das “Fioretti”. Encontra-se aí narrada,na forma simbólica da época, o esforço do processo evolutivo

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 25

do psiquismo humano, que, em  A Grande Síntese, é explicadocientificamente; concordâncias que reciprocamente se ilumi-nam. Um frade sonha que:

“... ele foi arrebatado e conduzido em espírito a um altíssimo mon-te, junto ao qual se via um precipício muito profundo; e, aqui e ali, pe-nhascos fendidos e lascados, rochas desiguais que se elevavam damassa de pedra; era pavoroso o aspecto do precipício E o Anjo, queconduzia esse frade, empurrou-o, lançando-o precipício abaixo. E ofrade, bamboleando e ferindo-se de pedra em pedra, de calhau emcalhau, finalmente caiu no fundo do precipício, completamente des-

membrado e despedaçado, conforme lhe parecera. E, jazendo, assimdesacomodado, em terra, aquele que o conduzia disse:

 – Levanta-te, que te é necessário fazer ainda uma viagem maior.Respondeu o frade: – Pareces-me um homem imprudente e cruel; vês-me quase mor-

to pela queda que me despedaçou e ainda dizes que me levante!O Anjo, porém, aproximou-se dele e, tocando-o, ligou com per-

feição seus membros, curando-o completamente. E depois lhe mos-trou uma grande planície, coberta de pedras pontiagudas e cortan-tes, de espinhos e sarças, e disse-lhe que seria necessário atraves-sá-la descalço, até ao fim, onde existia uma fornalha ardente, emque ele deveria entrar.

Tendo o frade transposto toda a planície, com grande angústia e

pena, ouviu do Anjo: – Entra nesta fornalha, porque assim te é necessário!Respondeu o frade: – Pobre de mim! Que guia cruel me tens sido! Vês-me quase mor-

to por atravessar esta planície e agora por repouso me dizes para en-trar na fornalha ardente!...

E, olhando, o frade viu em torno da fornalha inúmeros demônios,que seguravam forquilhas de ferro e com estas, porque ele demoravaa entrar, o arrastaram subitamente para as chamas...

... E o Anjo que o conduzia, impeliu-o para fora da fornalha, di-zendo-lhe:

 – Prepara-te para uma horrível viagem, que ainda tens de fazer!Recomendando-se, disse o frade:

 – Ó duríssimo condutor, que nenhuma piedade tens de mim! Vêscomo me queimei na fornalha e ainda me queres levar a uma viagemperigosa e horrível!

O Anjo, porém, tocou-o, e ele se tornou são e forte. Conduziu-o,depois, a uma ponte, onde não se podia passar sem grande perigo,porque era muito frágil e estreita, muito escorregadia e sem parapei-tos; por baixo passava um rio terrível, cheio de serpentes, dragões eescorpiões, que exalavam muito mau cheiro. E disse-lhe o Anjo:

 – Passa esta ponte. De qualquer modo deverás atravessá-la. – Como poderei transpô-la sem cair neste perigoso rio?Respondeu-lhe o Anjo: – Vem após mim e põe o pé onde eu puser o meu e assim pas-

sarás bem.

E o frade acompanhou o Anjo como este lhe havia ensinado echegou até ao meio da ponte, quando, então, o Anjo ausentou-senum voo e se postou no cume de um monte elevadíssimo, muito lon-ge da ponte. Examinou bem o frade o lugar para onde voara o Anjo;viu-se, assim, sem guia e, olhando para baixo, viu os terríveis ani-mais que, do seio das águas, levantavam suas cabeças e abriam asbocas, como se preparando para devorá-lo, se ali ele caísse. Estavatão amedrontado, que não sabia o que fazer ou dizer, porque nãopodia recuar nem avançar. Vendo-se em tão grande tribulação e quenão teria outro refúgio senão somente Deus, inclinou-se e, abraçadoà ponte, e de todo o coração e com lágrimas, suplicou a Deus que,por Sua santíssima misericórdia, o socorresse. Feita a oração, pare-ceu-lhe que lhe nasciam asas, e esperou com imensa alegria que

elas crescessem, a fim de poder voar até onde se encontrava o Anjo.Depois de algum tempo, pelo grande desejo que tinha de abandonar a ponte, pôs-se a voar. Como as asas, porém, não eram suficiente-mente grandes para o voo, ele caiu sobre a ponte como também aspenas. Novamente abraçou a ponte e, como já havia feito, recomen-dou-se a Deus. Terminada a oração, de novo percebeu que lhe nas-

ciam asas; mas, como antes, não esperou que elas crescessem per-feitamente; pondo-se a voar, uma vez mais, antes do tempo: caiu ou-tra vez sobre a ponte, e igualmente as penas. Percebendo que apressa de voar sem que houvesse chegado o tempo próprio era acausa das quedas, começou a dizer a si mesmo: “Quando me nasce-rem asas pela terceira vez, esperarei até que sejam bastante gran-des para que eu possa voar sem cair de novo”. 

E, estando assim a pensar, notou que lhe nasciam asas pela ter-ceira vez, mas esperou que elas crescessem suficientemente. Pare-ceu-lhe que, desde o primeiro surgimento das asas até ao terceiro,haviam decorrido bem cento e cinquenta anos. Finalmente, dessaterceira vez, levantou voo com todas as suas forças e chegou atéonde estava o Anjo e, batendo à porta do palácio que atingira comseu voo, começou a olhar as paredes maravilhosas do palácio; eeram estas tão transparentes, que ele claramente podia ver os corosdos santos e tudo que lá dentro se fazia... E, logo que entrou, sentiutanta doçura, que esqueceu todos os sofrimentos por que havia pas-sado, como se jamais os tivesse sofrido”.  

Eis o caminho da sutilização espiritual, eis o gabinete de ex-perimentação em que se prepararam os estados de ânimo para arecepção das mais elevadas correntes noúricas. Atrás da narrati-va cheia de imagens, sente-se o esforço, a luta, o caso vivido, apercepção direta das forças espirituais da vida, ouve-se o eco dasassustadoras provas da iniciação egípcia, realizadas nos grandestemplos de Tebas ou de Mênfis pelos sacerdotes de Osíris; hánela um senso difuso da ciência do bem e do mal, que a almadolorosamente aprende, como já narravam os mistérios de Elêu-sis na queda da virgem Perséfone, por obra de Eros, no tenebro-so reino de Plutão. E, verdadeiramente, a divina Perséfone, caídano sofrimento do inferno, era o símbolo da alma humana, queexpia na vida e na luta pela sua redenção, que cai e se purificadas baixas paixões e reencontra a visão da verdade. Como jádisse e repito, o fenômeno noúrico que estamos estudando não ésenão o fenômeno da evolução, o fenômeno da ascensão da al-ma humana. Que a ciência não o isole, mas compreenda que é

fenômeno de imensa vastidão, em que se precipita o equilíbriobiológico de todo um passado, estabilizando-se num mais eleva-do equilíbrio de forças espirituais; compreenda que a alma nãoatinge a percepção inspirativa senão através da dolorosa elabo-ração dos milênios. Esse lampejo de intuição, que lhe permitesentar-se no Alto, diante do trono de Deus, finalmente digna deconhecer a verdade, está no ápice da escala da evolução huma-na. Concluo com as “Florinhas” de São Francisco: 

“ A águia voa muito alto, mas, se ela tivesse ligado algum peso às suas asas, não poderia voar muito alto ”. 

A apoteose de Francisco é no Verna. A corrente divina des-ce na nova forma de amor, desejada por Cristo, e a alma deFrancisco não a alcança completa senão na plenitude de sua

maturidade, no fim de seu caminho terrestre:“ Na dura pedra, entre o Tibre e o Arno, Recebeu de Cristo o último sinal,Que seus membros por dois anos levaram.” 21 

Eis, brevemente, a viva narrativa das “Fioretti”: “... e São Francisco, de manhã bem cedo, antes do despontar do

dia, se põe a orar diante da porta de sua cela, volvendo o rosto para onascente... E, estando assim, inflamando-se nessa contemplação,nessa mesma manhã, viu vir do céu um Serafim com seis asas res-plandecentes e flamejantes; e o Serafim, num voo veloz, aproximou-se de São Francisco, tanto que este o pôde discernir, percebendo cla-ramente que tinha diante de si a imagem de um homem crucificado...E, estando assim admirado, foi-lhe revelado por aquele que lhe apa-

recia que, pela divina providência, aquela visão lhe surgia de tal formaa fim de que ele compreendesse que, não por martírio corporal, maspor incêndio mental, teria ele de ser completamente transformado napositiva semelhança de Cristo crucificado.

21  Divina Comédia, canto XI do Paraíso (N. do T.).

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26 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

“Nessa aparição admirável, todo o monte do Verna parecia arder 

em brilhantíssimas chamas, que iluminavam todos os montes e valesem derredor, como se o Sol houvesse descido à Terra; e os pasto-res, que velavam nessas redondezas, vendo o monte incendiado emuita luz em torno dele, tiveram grande medo, conforme depois con-taram aos frades, afirmando que aquelas chamas duraram sobre omonte do Verna por espaço de mais de uma hora. Igualmente, aoesplendor dessa luz, que atravessava as janelas das hospedarias daregião, alguns tropeiros que iam para Romagna se levantaram, cren-

do que já fosse dia, e carregaram seus animais, e, após iniciarem aviagem, no caminho, viram cessar aquela luz e levantar-se o Sol.... “Nessa aparição seráfica, Cristo, que se tor nou visível, falou a

São Francisco certas coisas elevadas e secretas, que jamais em vidao santo quis revelar a ninguém... Desaparecendo a admirável visão,após falar durante muito tempo e em segredo, deixou no coração deSão Francisco um ilimitado ardor de amor divino e, na sua carne,deixou um maravilhoso sinal e imagem de paixão de Cristo...” 

O fenômeno foi tão forte, que assumiu forma visual e au-ditiva e atingiu efeitos físicos permanentes. O espírito do cris-tianismo alcançou no Verna um dos mais elevados vértices desua realização.

Atingido seu ápice espiritual, a vida de Francisco não mais

tinha motivo de continuar sobre a Terra, e cede ao cansaço docorpo, esgotado pelo grande incêndio, e se extingue cantando asharmonias da criação.

 No “Cântico das Criaturas”, a unificação é atingida, a almase harmonizou com a sinfonia do universo, tudo revive no es-pírito, e à grande corrente espiritual do amor de Cristo quedesce ao coração humano responde, em sintonia, o cântico detoda a criação:

“... Louvado sejas meu Senhor, com todas as tuas criaturas, es-pecialmente o senhor irmão Sol que nos dá o dia e nos ilumina...

Louvado sejas meu Senhor, pela irmã Lua e pelas estrelas, queno céu formaste claras, preciosas e belas.

Louvado sejas meu Senhor, pelo irmão Vento e pelo ar, nubla-do ou sereno, e por todo tempo, pelo qual a todas as criaturas sus-tentas.

Louvado sejas meu Senhor, pelo irmão Fogo, com que iluminas anoite. E ele é belo, alegre, robusto e forte.

Louvado sejas meu Senhor, por nossa irmã e mãe Terra...Louvado sejas meu Senhor, por nossa irmã, a Morte corporal, da

qual nenhum homem pode escapar...” Os laudes do Senhor por suas criaturas são o último canto

do grande inspirado, com que a voz interior se cala. A emana-ção radiante do divino centro do universo, as vibrações espiri-tuais cheias de reflexos do princípio animador de todas as cri-aturas e de todas as coisas se fundiram, numa harmonia única,

no espírito daquele que foi, a um só tempo, grande sensitivo,artista, poeta e santo. E o encanto dessa harmonia, na qual to-da a criação canta em Deus, terá tido seu paraíso no Céu comoo fora na Terra.

Falei sobre Francisco com a alma trêmula de veneração eamor, como quem olha um gigante que se encontra na vanguar-da do caminho da vida, que se move nos cimos vertiginosos daperfeição que desejaríamos atingir, mas em face dos quais aspobres forças humanas caem prostradas.

◘ ◘ ◘ Falar sobre todos os inspirados desde a Idade Média até

nossos dias seria um enorme trabalho, que não poderia caber

nas breves páginas deste volume; seria um inútil alarde de eru-dição, fácil de adquirir, de resto, nas páginas de uma enciclo-pédia, além de que, seria ainda um tratado demasiadamentedenso para o leitor. Prefiro vaguear de braços dados às atra-ções de minha simpatia, que me garante, aliás, minha compre-ensão, permitindo-me uma visão mais cálida e mais íntima.

Apareceu, pouco depois de Francisco, em Foligno, uma mu-lher admirável pela sua inspiração, tanto que foi chamada “ma-gistra theologorum”22, embora desfavorecida de estudos: abem-aventurada Ângela de Foligno (1249-1309). Diante de cer-tas verdades elevadíssimas, muitas vezes é melhor sonhar, por-que as descobre mais facilmente o poeta que o cientista, ou en-tão o cientista deve fazer-se poeta, para saber olhar o mundocom a ingenuidade de uma criança.

Há também na vida de Ângela um período preparatório de

maturação, feito de dúvidas e contrastes, da vida mundanaque, numa curva do destino, se modifica em vida de perfei-ção moral. E, nesse momento, também uma voz fala, produzum choque, e o ser se transforma. Existe sempre um momen-to crítico na evolução das almas, em que os equilíbrios pre-cedentes se precipitam para se restabelecer novamente numplano mais alto. O despontar do estado inspirativo parece sera nota fundamental do fenômeno da gênese mística; sempre oencontramos ligado à aparição de estados morais de elevadaperfeição. Reaparecem aquelas relações que já, de início, ob-servamos. Ângela ouviu a voz da inspiração na igreja de SãoFrancisco, em Foligno, a poucos passos de distância de seupalácio, enquanto orava. Aquela voz a inflamou de divino

amor e assinalou a mudança de sua existência para uma vidade pobreza e contemplação. A recordação de Francisco, fale-cido há pouco, era próxima; próxima estava também sua Assis.A vida mundana se transforma em vida de penitente, e, parale-lamente, explode a inspiração. Diz-se que se dirigia à famosabasílica de Frei Elias em Giotto, realizando a pé um trajeto decerca de quinze quilômetros, sempre absorta em meditação.Retornando certa vez a Assis, pouco além de Spello, onde a es-trada começa a subir, ouve o espírito dizer-lhe: “Acompanhar -te-ei até São Francisco, falando contigo, fazendo-te provar di-vinas alegrias... Eu sou aquele mesmo que falava aos apósto-los... sou eu, o espírito... não temas...”. Despertando de seu ê x-

tase ao ingressar no templo, pôs-se a clamar em presença detodos sua sobrevinda visão. Depois concluía como São Paulo,que, arrebatado ao terceiro Céu, confessava: “o olho não viunem o ouvido jamais ouviu as misteriosas palavras...” 23; o con-ceito expresso na tradicional terminologia religiosa permane-ceria verdadeiro, embora traduzido para a moderna nomencla-tura científica, demonstrativa e exata.

Sempre mais purificada pelo sofrimento e pela renúncia,Ângela se torna mulher famosa, como Rosa de Viterbo e Cata-rina Benincasa, filha de Jacó, tintureiro de Fontebranda (S. Ca-tarina de Siena). São inúmeros os casos de pessoas que, sem amínima preparação cultural, muitas vezes analfabetas, sabemargumentar acerca de altos problemas de teologia.

Novamente penso em S. Félix de Cantalice, em S. João deCruz; em Santa Brígida, que afirma haver recebido da voz doCristo as regras da ordem por ela fundada em S. Agostinho, que,nas suas “Confissões”, assevera também a presença de uma vozque o guia. Penso em tantos, que é impossível enumerá-los.

Certos caminhos que se abrem aos humildes parecem deverestar fechados aos sábios. “ Há verdades que se recusam a quemas investiga, para se concederem a quem as sente”, disse Car-los Delcroix. A verdade não se conquista por violência de von-tade, mas por estados de sutil penetração de alma. AcrescentaSchuré, em sua obra “Grands Initiés”, em uma nota à pág. 649:

“Les annales mystiques de tous les temps démontrent que des vé-

rites mora1es ou spirituelles d'un ordre supérieur ont été perçues par certaines âmes d'élite, sans raisonnement, par la contemplation inter-

ne et sous forme de vision. Phénomêne psychique encore mal counu 

22 Mestra de teólogos (N. do T.)23 I Epístola de São Paulo aos Coríntios, 2:9 (N. do T.). 

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 27

de la science moderne, mais fait incontestabie. Catherine de Sienne,filie d'un pauvre teinturier, eut, dès 1'âge de quatre ans, des visionsextrêmement remarquables24”. 

Esses seres excepcionais se elevam na graça divina, absor-vem-lhe a essência e, depois, descem até junto dos homens paradar-lhes a sabedoria e a felicidade de que se inundou seu ser.Tudo isso foi chamado histerismo. Sabe, porém, a ciência o queé histerismo? Se o soubesse, curá-lo-ia. Isso chamo de simplis-mo. E, se desse suposto mal patológico provêm produtos tãoelevados, que se impõem à atenção e veneração do mundo eofuscam a sabedoria humana, se tudo isso é desequilíbrio, ben-dita seja então essa doença, bendito seja esse desequilíbrio, poissão os caminhos daquela luz que não é atingida pelos sentidosdos sãos e dos normais. Pelo contrário, veem-se aqui os sinaisde verdadeira maturidade de espírito, que significa a conquistarealizada dos mais elevados valores morais, individuais e soci-ais, aqueles por cuja conquista a humanidade, ainda involuída,vive sofre e trabalha; tudo isso significa a evolução realizadanos mais altos níveis biológicos, que são os do espírito, de queo homem comum, ainda muitíssimo próximo da animalidade,está imensamente distanciado.

A alma de Ângela maturou-se não no estudo, mas na dor.

Analfabeta, talvez, não deixou ela, diretamente, nenhum es-crito. O evangelista do verbo de sua alta intelectualidade foi oirmão Arnaldo, franciscano de Foligno. Em estado de êxtase,ela lhe falava das coisas elevadas que ouvia e que a palavranão lhe era suficiente para traduzir. Arnaldo escrevia, buscan-do atingir-lhe o pensamento sem consegui-lo e, quando apre-sentava a Ângela o escrito, esta se surpreendia, quase não o re-conhecendo, e dizia: “Disse eu isso? Não te disse isso. Não re-conheço haver pensado como está escrito”. Frequentemente,ficava absorta, durante dias, em suas visões. Também neste ca-so, Cristo é o centro de irradiação; Cristo, que foi precedidopor uma corrente que, no profetismo hebraico, o esperou, ago-ra, no Cristianismo, é seguido por uma corrente que o recorda

e em que revive. Assim, essa insigne mulher da Itália alcan-çou, por elevação de conceito, os mais árduos campos especu-lativos; raciocinava, com engenho sutil e com tranquila subli-midade, sobre a essência da Divindade e sobre Seus mistérios;alcançava, no campo teológico, uma orientação que os sábiosnão possuíam; navegava, segura, num mar de abstrações con-ceptuais que estavam absolutamente acima de seus normaispoderes psíquicos. Voava, assim, por intuição, constituindo-semodelo vivo, ela que era mulher inculta, de teologia mística,de coisas transcendentais do espírito, tanto que foi chamada“magistra theologorum”, isto é, considerada como grandeexemplo de sabedoria mística. Em vida, muitos vinham delonge para conferenciar com ela a respeito de difíceis proble-

mas do espírito e da fé, e, depois de sua morte, recebeu a ho-menagem da ciência e das letras da Itália e da Europa.

Outra grande mulher apareceu logo após, no cenário da vi-da, para influir e impor-se à atenção do mundo: Catarina deSiena (1347-1380). Muitíssimo conhecida, não havendo neces-sidade de se repetir sua história, faz pensar na coroa de delica-das flores que a Idade Média soube produzir. Ávida de solidãodesde criança, nela se refugiava para deliciar-se em suas vi-sões. “O beata solitudo! O sola beatitudo!”, dela também sepoderia dizer. Mas esse isolamento não é vazio, é apenas a bus-

24 Os anais místicos de todos os tempos demonstram que verdadesmorais ou espirituais de uma ordem superior têm sido percebidaspor certas almas de elite, independentemente de raciocínio, pelacontemplação interna e sob a forma de visão. É fenômeno psíquicoainda mal conhecido da ciência moderna, mas constitui fato incon-testável. Catarina de Siena, filha de um pobre tintureiro, desde osquatro anos de idade, teve visões extremamente notáveis”. (Schuré,Os Grandes Iniciados) (N. do T.).

ca de um ambiente apropriado à percepção interior. Aos 16anos, tomava ela o hábito de S. Domingos; iniciada uma vidade sacrifício, a potência visual se apura, intensificando-se asmísticas visões. Alimentada por estas, desce depois ao mundopara fazer o bem. Começou-se, então, a compreender sua per-sonalidade, formando-se em torno dela uma coroa de compre-ensão e de admiração, e ela se dá totalmente à obra de confortomaterial e espiritual; ensina, defende, encoraja. Dilata-se, as-sim, sua vida pública, e daí nasce um vasto epistolário, endere-çado a papas, cardeais, reis, príncipes, capitães mercenários,homens de estado, nobres, homens do povo, grandes damas ehumildes religiosas. Não escreve, embora o houvesse aprendi-do miraculosamente, mas dita, como era uso em seu tempo.Nasce, desse modo, uma volumosa correspondência que, jun-tamente com o “Diálogo”, todo escrito em êxtase, forma ummonumento, admirável pela pureza de linguagem, beleza deimaginação, profundeza de conceito, altitude de perfeição mo-ral. Propaga em torno de si o incêndio de sua elevada paixão einduz, finalmente, o pontífice, exilado na França, a retornar aRoma, realizando assim uma missão política que se assemelhaà de Joana D’Arc, que a biosofia venera como sua patrona.  

Pronuncia Catarina, mais tarde, um discurso no Consistório,em presença do colégio dos cardeais, para salvar a Igreja docisma. Viveu uma vida de lutas e esforços imensos, em que erasustentada pelos seus íntimos contatos com o Alto. Cristo ésempre, como para Francisco, o grande animador dessas vidasque se movimentam como uma emanação de sua força e de seupensamento. Dessa vez, a corrente de pensamento e de paixãodesce para salvar a Igreja em perigo. O fenômeno obedecesempre a uma lei lógica de finalidade, a que se proporciona.Histerismos, pois, também estes que tiveram uma missão soci-al, que inspiraram a arte, que forneceram uma produção literá-ria, que interessaram o mundo, que são venerados pelas multi-dões nos altares entre as coisas santas?

Há um fato que ressalta evidente em todos estes casos, mas

especialmente neste: as correntes noúricas não se manifestam jamais através daqueles que parecem os mais preparados, isto é,os poderosos e os sábios, mas preferem os simples e os humil-des, escolhendo para instrumento os que parecem ser os últimosdos mortais. Característica do fenômeno, que tem seu significa-do, porque a cultura é um preconceito e o poder, uma vontaderebelde, que obstam ao livre fluir das correntes e sua aceitação.

Há uma necessidade de solidão para a busca da sintonizaçãoreceptiva; é a solidão dos anacoretas no deserto, dos eremitasnos montes, dos monges nos claustros; necessidade de silênciosdo mundo, para que neles se possa ouvir a voz da alma. Vêmdepois a dor, a renúncia, que distanciam o espírito da Terra, e,frequentemente, uma progressão de potência receptiva e de cla-

reza perceptiva, proporcionais à purificação atingida através dador e da renúncia. Existe na alma um senso de missão que justi-fica a dor, o esforço, a vida, que anima e sustém o árduo traba-lho do apostolado, que tudo guia ao plano da ação.

Aparece, então, frequente e evidentemente, o momento crí-tico da crise espiritual em que a voz se faz ouvir, distinta, in-flamando a vida e jamais se calando. Verifica-se, simultanea-mente, uma ascensão moral contínua, e, no fundo de tudo, agrande força animadora que fala, que vibra, que inflama é Cris-to. De Moisés aos nossos dias, temos visto, sempre idêntica, es-sa potência de divino pensamento descendo e governando omundo. É uma realidade histórica que não se pode destruir. Efrequentemente há, em face dessa grande força, uma imolação

de todo o ser, um martírio breve ou demorado, de uma vida in-teira. Sempre a mesma dor e a ciência de vencê-la num mundomais elevado, que a mediania não vê. Só isso parece dar o direi-to e a coragem suprema de falar em nome de Deus. Saberá,pois, a evolução, sozinha, resolver o grande problema e obter avitória sobre a eterna inimiga do homem – a dor?

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28 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

É grande o número dos místicos, e, quando dizemos místi-cos, dizemos inspirados; de Santa Clara a Santa Gertrudes, aSanta Teresa (a carmelita de Ávila, reformadora de ordens,célebre por suas visões místicas; 1515-1582), à extática de Pa-ray-le-Monial, que foi comparada ao extático de Patmos; oapóstolo da doçura, João, que havia repousado ao peito doCristo; a mística esposa Margarida Maria Alacoque (1647-1690). Nela, o colóquio com Cristo é contínuo, intenso, dori-do e inefável de alegrias espirituais. Como os profetas e após-tolos, Margarida Maria fala com Deus e recebe uma revela-ção, que transmite à humanidade; mas tudo isso faz humilde-mente, silenciosamente, em afetuoso tom menor. Sua ascen-são se gradua por colóquios sucessivos, em que se revela oplano de sua missão. Por inspiração, recebe mensagens e astransmite, entre as quais uma para o Rei Sol, Luís XIV, quenão a escuta. É uma característica desses séculos, especial-mente na terra latina, essa florescência de mulheres místicas,às quais parece confiada a divulgação do novo sentido deamor trazido por Cristo; a mulher, que não havia aparecido noseio do severo e tempestuoso profetismo pré-cristão, podeagora fazer brotar sua flor de delicadíssima fragrância. O po-ema gentil de Francisco continua, e, através dos séculos, seestende uma sinfonia de almas harmonizadas em torno de umpensamento único e de uma missão constante: fazer reviver oCristo na Terra, mantê-lo presente, a fim de que se realize sua  palavra: “Eu não vos deixarei órfãos; voltarei a vós” (João,XIV, 18). É o novo cântico que continua o profetismo hebreu,o cântico da realização, na Terra, do Reino dos Céus.

Assim, chegamos aos tempos modernos, em que o fenôme-no assume novos aspectos. Poderia referir-me a muitos outros,como Catarina Emmerick, a grande vidente alemã do séculoXIX. E que dizer de Teresa Neumann, de Konnersreuth, a fa-mosa vidente bávara, a estigmatizada, que, nas suas visões, se-gue a paixão de Cristo, revive-a no seu corpo, ouve e repete pa-lavras em grego, hebraico e aramaico, línguas que ela não co-

nhece? Também neste caso, há paixão, amor e dor, sublimaçãono espírito, o elemento moral elevado ao primeiro plano, a vir-tude heroica do sacrifício para o bem dos outros. Existe um tãoprofundo contato espiritual com Cristo, que constitui para Tere-sa sua principal nutrição e substitui o alimento de que, por leiorgânica, todos têm absoluta necessidade de ingerir para viver.

O fato, que é tendência geral dos místicos, de descuidar-sedo alimento material, preferindo o espiritual, faz pensar que,nos mais elevados graus de evolução, o ser possa conseguirseu reabastecimento dinâmico diretamente de fontes imateri-ais, sem ter de percorrer o longo caminho dos órgãos digesti-vos. O estudo, porém, destes problemas colaterais nos levariaa grande distância.

Omiti, para sobre ela falar agora, particularmente, pois quese eleva como cimo solitário entre a multidão dos inspirados,quer pela potência da percepção, quer pela vastidão da missãoe tragédia do martírio, a grande inspirada, a heroína da França,Joana D’Arc (1412-1431). Seu caso, que é inspirativo por ex-celência, se distingue sobre o mesmo fundo místico pelo cará-ter heroico que lhe confere a particular missão imposta pelostempos. Essa distinção nos é necessária para traçar, comexemplos, as notas fundamentais do fenômeno, as mesmas quenos darão a expressão de sua lei.

Observemos como, neste caso, as forças superiores organiza-ram a missão e dispuseram os elementos decisivos na estratégiado destino de Joana. São estes, queiramos ou não, os elementos

que individuam o fenômeno e lhe acompanham o desenvolvi-mento. É a uma consciência das causas, que são essas correntesque iluminam, guiam e querem, que devemos juntar a lógica einegável concatenação dos efeitos. É a essa história interior queeu vejo, a esse drama que se agita nas profundezas da trama his-tórica externa, que todos conhecem, que dou a maior importân-

cia. Lendo novamente, desse modo, a vida de Joana, nos planosmais elevados do espírito, podemos compreendê-la. Para enten-der esses fenômenos, importa haver penetrado a personalidade etoda a vida espiritual do sujeito; é preciso, quando se afrontamessas vidas de missão e de martírio, possuir uma alma sensível aesse mundo de sutis vibrações. De outro modo, seremos incom-petentes como um matemático que quisesse resolver problemassem possuir o senso da matemática. Tal foi Anatole France nasua “Vie de Jeanne D’Arc”. Nesses casos, o pensamento perma-nece negativo e não atinge senão a destruição. Reservamo-nos,porém, para o trabalho mais difícil, que é o de afirmar e criar.

Encontramos novamente aqui, como já vimos em muitosoutros casos, os elementos do fenômeno inspirativo, que o pre-param e o acompanham. Para compreendê-lo, eu o reduzo à suaestrutura essencial, que é um cálculo de forças imponderáveis ereais, provenientes de centros superiores de emanação noúrica,que descem para unir-se e combinar-se com as correntes espiri-tuais da história e do destino individual.

A elevada origem dessas forças, sua proveniência dos maisaltos planos espirituais, não padece dúvida no caso de JoanaD’Arc. Ela havia feito pintar em sua bandeira, de um lado, aspalavras: “De la part de Dieu”, e do outro o moto “Jhesus-

Maria”25

. Este moto ela escrevia em suas cartas, como faziaSanta Catarina de Siena. Isso demonstra que, também aqui, opensamento de Cristo era dominante no espírito de Joana. Elaamava imensamente sua bandeira e a quis a seu lado na catedralde Reims, na plenitude do cumprimento de sua missão política eguerreira, quando da coroação de Carlos VII. Do seu estandartedizia: “Il avait été à la peine, c'était bien raison qu'il fut à l'hon-neur”26 (Proc. 1, 187). A última palavra que Joana pronunciou,na fogueira, em face da morte, quando já não se pode mentir,foi: Jesus. Além disso, aquele “Venho da parte de Deus” é a i n-vocação suprema que traz Deus como testemunha, é o juramentoque empenha toda uma vida até ao martírio. Um instintivo terrorimpede de mentir, de falar em nome de Deus quando disso nãose é digno. Joana, que era uma inspirada e deu sua vida para tes-temunhar a verdade de suas vozes, não poderia deixar de sentirquão tremenda é esta expressão: “Falo em nome de Deus”. 

A Igreja, que jamais, nem sequer no momento de maior ce-gueira, quando Joana foi condenada à fogueira (grande respon-sabilidade moral para a Universidade de Paris), cogitou dequalquer mutilação das capacidades intelectivas humanas, re-correndo à tese de sugestão, histerismo ou neurose na interpre-tação do fenômeno de Joana, só teve uma preocupação, que foia de saber se as correntes provinham do Alto ou do baixo, deDeus ou de Satanás, se eram, pois, da verdade e do bem ou doerro e do mal. Essa é a questão fundamental. E, se, num primei-

ro momento, no processo de condenação de 1431, o sereno jul-gamento é ofuscado por ódios de facção, por interesses, por in-vejas, por erros do clero local, que se impõe, enquanto o papa-do (Eugênio IV) está longe e não informado, a Igreja, em se-guida, talvez na própria impossibilidade de salvar Joana, se dis-pôs à mais completa e explícita reparação no processo de reabi-litação, empreendido quase imediatamente, em 1456. Esse pro-cesso de revisão, iniciado quatro anos antes por vontade doPontífice Calixto III, do Rei Carlos VII e da mãe de Joana, éencerrado com uma sentença de reabilitação, em que a inspira-da já aparece em sua linha de santidade, que a coloca nos ele-vados níveis da inspiração cristã. Finalmente, a própria Igreja,após a beatificação (1909), proclamou a canonização em 1920,

e Pio XI, em 1922, a declarou santa.

25 Assim mesmo, na ortografia da época (Jhesus) (N. do T.).26 “Estivera presente (como ela, Joana) nas horas de sofrimento, as-sim, com mais forte razão, deveria estar presente no instante da glo-rificação” (N. do T.). 

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 29

  No fenômeno inspirativo de Joana D’Arc refulge logo, esempre mais intensa, esta característica, que considerei funda-mental para a pureza da revelação: a altitude espiritual da fon-te. Não nos admiremos da diferente compreensão daquele tem-po. Uma ideia não poderá ser compreendida no seu século seeste é surdo às ressonâncias que ela excita. Quando as almassão surdas a esse gênero de vibrações, então a maioria nega, ofenômeno se refreia numa aparência de falsidade, desapare-cendo no silêncio, para levantar de novo sua voz mais tarde,quando as almas souberem responder. Nem todos os tempossão capazes de compreender. Assim, Joana dormiu quatrocen-tos anos e depois despertou; foi esquecida pela frivolidade doséculo XVIII, negada pelo materialismo, mas despertou na re-ligião e desperta na ciência, que já não pode negar. Quando ostempos são surdos à compreensão, o fenômeno sabe esperar aépoca de sua ressonância, em que, finalmente, a vagarosa almacoletiva haja sabido atingir sua altitude, condição necessáriapara o contato da compreensão.

Esse lado moral, de que a ciência prescinde, é para mimfundamental nesses fenômenos, porquanto é ele que define otimbre das vozes e estabelece o seu valor. A elevação moral dafonte encontra-se espelhada toda no sujeito, no gênero de vidaque lhe é imposto pela inspiração; projeta-se, desse modo, tam-bém em nosso mundo, em atos que são garantia de pureza noú-rica, o sinal que nos garante estarmos longe daquelas horríveiscomunicações barônticas, de que tenho horror como de um in-cubo. E a grandeza moral de Joana é triunfante em todos osmomentos. Sozinha contra todos, ela impõe à França sua salva-ção. É humilde e obediente às suas vozes. Jamais coisa algumasolicita para si, mas dá-se em abnegação completa à sua missãoe, para não renegar sua verdade, afronta o martírio. As mesmasforças do Alto a mantêm nesse caminho de pureza, mas, apenasrealizado o esforço da vitória e dominada a ameaça de um re-pouso entre glórias humanas, elas se ausentam de Joana, fazen-do-a cair numa prisão. A ascensão moral lampeja mais inten-

samente na última fase da missão de Joana, que, logo após aapoteose do triunfo heroico na Terra, é subitamente lançada àconquista da vitória espiritual no Céu. É lei das elevadas cor-rentes o dar sempre ao espírito, tudo negando ao corpo. No ní-vel humano, Joana, combatendo os ingleses, que eram a injusti-ça e a opressão, combatia pela legalidade, que era, então, a basedo poder e a forma que naquele tempo assumia a justiça e, porisso, faz consagrar Carlos VII em Reims. Só um rei assim coro-ado poderia, conforme o conceito da época, governar legitima-mente diante de Deus e dos homens. Joana usa e suporta a guer-ra como um recurso indispensável e um mal inevitável em faceda justiça de seus objetivos. Guerra pela salvação da pátria, pe-la glória de Cristo, pelo triunfo de um princípio de bem coleti-

vo. Joana não é uma partidária da guerra até ao extermínio;embora hábil estrategista, inovadora, rápida, inteligente coman-dante, não amava a guerra, mas a paz. Guerra justa e ofereci-mentos de paz – é o seu sistema. Em suma, embora no infernoguerreiro a que teve de descer para o bem de sua pátria, sua po-sição moral encerra sempre o máximo de altitude que as condi-ções do trabalho imposto permitiam. Elevação que foi de todosos instantes, jamais desmentida, coerente e imutável, elevaçãoque avança até à paixão e ao martírio. Há também uma progres-são ascensional no caminho espiritual de Joana, assinalada pelaintensificação de sua dor. Sofrimento e desapego, também nestecaso, paralelizam com o avanço da perfeição espiritual. Sempreo mesmo processo de purificação, que é sublimação de espírito.

É sempre a dor que põe em relevo a intervenção do Alto, pro-porcionada, em sua intensidade, à altitude da fonte. Superandoas quedas da fragilidade humana, a dor é a garantia indiscutíveldo valor da inspiração, pois o espírito só se aformoseia se é fla-gelado. A ascensão é o esforço de sua reação, a dor é a forçaque o desnuda, o purifica e lhe dá brilho como a um diamante.

Demonstrado este ponto da elevação inspirativa de JoanaD’Arc, da progressão de sua ascensão moral, fenômeno parale-lo a uma intensificação de sua dor, depois de haver recordado,também no presente caso, a relação já descrita anteriormenteentre sofrimento e progresso espiritual, observemos agora comose comportam as suas vozes, como agem quais forças conscien-tes. Qual seja a técnica científica de sua descida é outro pro-blema, de que cuidaremos posteriormente.

No caso que estamos examinando, as correntes noúricas re-velam uma consciência do momento histórico; sua intervençãosupranormal é justificada por uma necessidade excepcional eimpelente; sua ação direta, que guia uma camponesinha, umacriança quase analfabeta, é proporcionada aos eventos, oportu-na, vitoriosa. A causa, portanto, é extremamente inteligente, deuma potência volitiva e compreensiva superior aos homens, in-clusive o escol da época, que formam o fundo cinzento e baixode vileza sobre o qual se move o destino radioso de Joana.

O momento histórico não poderia ser mais trágico para aFrança. Existem uma proporção e uma tempestividade entre elee a obra de Joana, embora o quadro histórico completo de seutempo ela não o pudesse ver, não só porque ignorante, mastambém porque continha ele germens de longínquos desenvol-vimentos, para cuja compreensão seria necessário distanciar-sedo momento contemporâneo e obter aquela visão de conjuntoque somente à distância de séculos se pode possuir. De fato, amissão histórica de Joana não foi compreendida senão muitomais tarde; os contemporâneos, atentos às coisas próximas, emgeral veem pouco ou nada desses destinos de vanguarda.

Naquela época, a civilização europeia, que é civilizaçãocristã, ameaçava ruína. Da Itália, da Alemanha, da Espanha na-da se podia esperar. A Europa está confundida pelo cisma, porcontínuas guerras, e os infiéis ameaçam do Oriente. A França,esgotada pela Guerra dos Cem Anos, entre heresias e pilhagens,está material e espiritualmente prostrada. Importava restituir apaz à Europa, fazer cessar a invasão inglesa, que, submergindo

a França, ameaçava seu destino e sua missão de desenvolvi-mento da civilização europeia. Essas coisas os contemporâneosnão poderiam enxergar. As almas, prostradas por longuíssimase extenuantes lutas, encontravam-se abatidas, e a anarquiatriunfava. Faltava a centelha que reacendesse a esperança e acoragem. Joana responde à necessidade impelente de arrastarpara o Alto a alma coletiva. A história não é feita pelo homem,mas pelas forças imponderáveis que a guiam. E elas intervêmde maneira evidente quando existe um grande motivo e, no casoque examinamos, urgia salvar uma civilização que, criada peloAlto, pelo Alto foi sempre guiada e protegida.

Olhemos mais de perto o momento histórico.Desposada com Carlos VI, Isabel de Baviera, ávida, viciosa

e traidora, tanto quanto louco era o rei, lhe impõe o tratado deTroyes, que, em 1420, abre as portas da França aos ingleses. Orei é abandonado, e Carlos VII, seu filho, vem a ser o Delfim daFrança em 1416. Basta olhar-lhe o retrato. Por amor à vidatranquila, faz-se rebocar, como um peso morto, pesadamentepor Joana, pondo a perder o fruto das conquistas da heroína.

Em 1415, Henrique V da Inglaterra pretende o trono daFrança e se prepara para conquistá-lo, a fim de fazer dele um sóreino com a Inglaterra. A alma da França está dividida por riva-lidades e discórdias de partidos. Os ingleses avançam. Em1420, Carlos VI firma o tratado de Troyes, pelo qual a coroa daFrança passa ao Rei da Inglaterra. Em 1422 Carlos VI morre eCarlos VII torna-se rei, mas não ainda legitimado pela coroação

de Reims, que será obra de Joana. Os pequenos senhores estãodivididos, inconscientes do momento, ambiciosos, passivos di-ante do perigo. Quem salvará a França, governada por um reiirresoluto, empobrecido, abandonado? Urgia uma ação guerrei-ra e política, um impulso que mudasse o curso da história. Esseimpulso não poderia provir de nenhum recanto da Terra.

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30 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

Joana nascera em 1412. Aos 13 anos, em 1425, ouve asprimeiras vozes. Por quase quatro anos, de 1425 a 1429, escu-ta-as, amadurecendo a própria preparação espiritual. E, aodespontar de 1429, a heroína de dezessete anos entra em ação.São quatro rápidas e progressivas etapas: encontro em Vau-couleurs com o capitão Roberto de Baudricourt, encontro emChinon com o Delfim, libertação da cidade de Orléans dos in-gleses, coroação de Carlos VII em Reims. Foi em julho que sedeu essa consagração. Três anos e meio de incubação do fe-nômeno, cinco meses e meio para traduzir o pensamento emrealidade. O impulso, que não poderia originar-se da Terra,desce do Céu. A centelha que faltava à consciência nacionalJoana a encontra no espírito, grande força também nos even-tos políticos. Políticas e guerreiras eram as necessidades domomento, e essa é a forma que assume a inspiração. A fontedas correntes inspirativas não é apenas moralmente elevada,senão também supremamente inteligente.

A obra de Joana, assim, é aqui sentida como força ativa queintervém e atua na história. As noúres, que eram bondade e

  justiça, pensamento e consciência, eram também vontade eenergia de ação. E o caso de Joana não é único. A história,como todos os fenômenos, tem sua meta e se desenrola segun-do um princípio lógico de desenvolvimento. Vejo nesse desen-volver-se de todos os fenômenos, inclusive no histórico, umúltimo termo substancial, que é a força que os movimenta.Existe uma lei de equilíbrio entre os impulsos de todos os fe-nômenos, e todos são imateriais, conexos, obedientes a umaúnica lei central, que é Deus. Nos momentos de depressão nasforças diretivas dos acontecimentos humanos, o vazio do infe-rior na Terra atrai por equilíbrio uma corrente espiritual doCéu, e esta desce por vias inspirativas. Os impulsos do maltêm de ser equilibrados com os do bem. Esta é a lei que faznascerem os heróis, os gênios, os santos, quando urge umamissão redentora. No momento decisivo da crise que ameaçaos sagrados valores do espírito, que sintetizam uma civiliza-

ção, alguma coisa “tem” de nascer. Por isso nasceu Joana.  Cristo, a grande força que havia fundado a civilização cris-tã, velava, sempre presente, pela sua conservação. Desperta,então, o destino e sacode as almas adormecidas. Carlos VII,embora rei, substancialmente era um nada; Joana, não obstan-te ser uma pastorinha, substancialmente era a força que ex-plodia a seu lado.

Na história, entra em ação, nos momentos decisivos, a reali-dade do valor, e não a aparência da posição social. E que dife-rença de armas e de métodos! Joana caminha rápida, reta e segu-ramente, porque maneja as forças do bem, da justiça e da verda-de; o rei e seus cortesãos vão pelas estradas tortuosas da dúvidae da traição, incertos, vazios, desunidos. O espírito e o bem tudo

governam, e Joana os possuía ambos. Ela era uma chama viva;os outros, um archote apagado. Eis o segredo de seu triunfo.A inteligência do centro inspirativo, neste caso de Joana,

não é somente provada pela tempestividade da intervenção, pe-la ação proporcional aos acontecimentos da época, mas tambémpelo desenvolvimento lógico inegável que aquele centro im-prime ao destino de Joana. A inspiração tinha uma finalidadeexata e constante, um plano de ação complexo, que muda denatureza ao longo de seu desenvolvimento e tem um período depreparação para a formação gradual do instrumento.

Observemos de perto como nasce e se desenvolve a inspira-ção de Joana, qual o motor espiritual de toda a sua missão ativa.Reencontraremos muitos dos conceitos já observados. A forma

imposta pelas circunstâncias ao desenvolvimento dessa missão,que é confiada a uma adolescente, não poderia permitir os lon-gos períodos de maturação através da dor, que achamos em ou-tros casos. A distribuição das fases é invertida, e o fator dor étodo condensado no final. E isso porque o primeiro escopo, emordem de tempo, é a salvação da França; o segundo é a purifi-

cação espiritual da heroína. A dor atinge, pois, somente a se-gunda fase do desenvolvimento individual da missão, quando oremate da obra política se deu.

Aos treze anos, no verão de 1425, Joana ouve as vozes no jardim da casa de seu pai. Essas vozes são o “leitmotiv” da vidade Joana, sempre presentes, sobretudo nos momentos mais de-cisivos. Elas se encontram à retaguarda dos fatos, são o centromotor de toda a sua missão. Dos treze aos dezessete anos, doverão de 1425 ao fim de 1428, isto é, três anos e meio dura operíodo de preparação do instrumento, três anos e meio paraque a inspiração se apoderasse inteiramente daquela alma. Ofenômeno é progressivo. Antes que a luta se exteriorize na Ter-ra, através de fatos concretos, deve ela completar-se no espírito,tem de ser antes solidamente estabilizado o equilíbrio interiordas forças motrizes do fenômeno. Eis como Joana descreve suaprimeira percepção das vozes:

“Losque j’avais 13 ans, j’ai eu une Voix de Dieu pour m'a i-der à me gouverner; et la première fois, j'eus grand peur. CetteVoix, vint vers midi, en été, dans le jardin de mon père; jen'avais pas jeuné la veille. J'ai entendu cette Voix sur la droite,du côté de l'église, et je l'entends rarement sans voir une clarté.Cette clarté est du côté oú la Voix se fajt entendre et elle est 

habituellement très vive”27 

 (Proc. 1,52).O primeiro sentimento é de medo, e, também aqui, a primei-ra advertência da voz é: “não temas”  (“ne crains rien”). Maistarde, quando o costume já houver tranquilizado Joana, a voz sefará mais forte e segura, iniciando seus apelos de comando:“Va, va, fille de Dieu, va...”28 e acrescenta: “a missão vem deDeus” (“de la part de Dieu”)29.

As vozes são diversas. A primeira é de São Miguel, o anjoguerreiro, o santo das batalhas, que guia os exércitos. Chegam-lhe depois, em auxílio, como que para proporcionar-se melhor,ameigando-se à feminilidade de Joana, outras duas vozes: S.Catarina e S. Margarida. Existem também aí razões de simpa-tia, de atração e de afinidade de missão.

Esta última santa era representada na capela de Domremy,terra natal de Joana, por uma estátua que ela venerava. A vozguerreira de São Miguel desaparece depois, nos fossos de Me-lun, ao término da missão guerreira da heroína, quando seu des-tino se eleva pelas vias místicas do martírio. Então, somente fa-lam as duas santas do sacrifício e da virgindade.

Joana vê também um resplendor na direção da voz. Ouve,vê, tem até sensações táteis e olfativas; as correntes assumem asmais diversificadas formas de vibrações sensórias, mas, acimade tudo, ela ouve. O ambiente de sintonização está inundado deuma paz idílica, de singela musicalidade campestre, cheia depoesia. Nesse ambiente, as correntes espirituais saturam de suasenergias a alma de Joana, o veículo que devia, depois, comuni-car a transfusão espiritual à alma da França.

Os bosques deviam ser seu ambiente de sintonização prefe-rido, porquanto, durante o processo, imersa em vibrações maisbaixas e opacas, Joana despendeu maior esforço para ouvir e,numa sessão, chegou a dizer: “Se fosse num bosque, ouviriaminhas vozes”. Joana, naqueles três anos e meio de sua prepa-ração espiritual, como camponesa que era, vivera no ambienterural, entre bosques e igrejinhas de aldeias tranquilas, na maisharmoniosa atmosfera vibratória. Nesse ambiente, ela assimila-

27 “Quando eu tinha treze anos, ouvi uma voz de Deus, que buscava d i-rigir-me; da primeira vez, senti grande temor. Essa voz manifestou-sepor volta do meio-dia, no verão, no jardim da casa de meu pai. Eu nãohavia jejuado na véspera. Percebi essa voz à minha direita, do lado daigreja, e raramente a ouço sem que perceba também uma claridade.Essa luz é vista sempre do meu lado, de onde a voz se faz ouvir, e éhabitualmente muito brilhante”. (Processo, I, 52) (N. do T.) 28 “Caminha, caminha filha de Deus, caminha...”. (N. do T.) 29 “Da parte de Deus”. (N. do T.) 

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 31

va as correntes, intensificando suas qualidades de ressonância,aperfeiçoando sua afinidade com as mesmas correntes, até fun-dir-se e tornar-se, ela própria, o impulso que lhe foi transmitido.

A primeira voz se manifesta no jardim da casa paterna, con-tinuando-se o contato, prosseguindo a iniciação, não mais cominterrupções, e sim constantemente, várias vezes por semana,um pouco em toda parte: pelas colinas do Mosa, aonde Joanaconduzia a pastar seu rebanho; sob a árvore chamada “das f a-das”; pelos bosques que cobriam a região; junto das fontes, entreo canto dos pássaros e o perfume das flores, ao som dos sinos,que Joana muito amava e que verdadeiramente, especialmentese grandes, são dotados de uma extraordinária potência de har-monização vibratória. Eram estas as doces vibrações que as cor-rentes espirituais seguiam como vias de descida, como fundo deressonância, constituindo o harmonioso motivo de matéria sobreque se apoiava a sinfonia divina. O concerto devia ser perfeito,sem dissonâncias, até seus ecos longínquos no mundo físico.

Assim descia a noúre ao espírito de Joana, através da vozinterior das coisas boas e doces que se lhe inclinavam em torno,em coroa, oferecendo-se como canais de sintonia. Assim se es-condem na humildade as grandes coisas.

O ambiente das vozes é, pois, quase sempre nos campos eem lugares distantes e solitários, onde Joana gostava de refugi-ar-se. E a campina de Domremy, onde vivia Joana, é ainda hojeverdadeiramente sugestiva pela sua tranquilidade e silêncio.

As vozes, entretanto, falam também na igreja, outro ambi-ente místico excelente, isto é, na igrejinha de Domremy e novizinho santuário de Nossa Senhora de Bermont. Na primeirahavia a estátua de S. Margarida, e, diante dela, Joana orava. Osantuário de Bermont, isolado em silêncios, entre árvores, era oambiente afastado ideal de suas inspirações. A solidão daquelessilêncios era necessária a Joana, a fim de ouvir melhor, e ela abuscava para sua preparação. Ocupada em seu profundo traba-lho interior, sua alma tinha necessidade de paz no exterior.Nesse ambiente, a camponesinha da Lorena teria feito sua pro-

messa solene, aceitando sua missão e comprometendo-se com oCéu a segui-la até ao fim. A história não assiste a essa íntimacena, em que a alma de Joana deve ter falado e talvez tambémlutado longamente com suas vozes. Certamente elas estavampresentes como estiveram no Sinai, em Patmos, em S. Damião.Existe na capela de Bermont um Cristo dorido e amargurado, aCujos pés a jovenzinha deve ter pronunciado o seu sim, um vo-to solene recolhido pelo Cristo moribundo e do qual não maispoderia afastar-se. Aquele voto era também de dor e de paixão.

A lei de Deus desce e se humilha perante o consentimentoda alma, porque, respeitando a liberdade desta, respeita a siprópria. Somente agora Joana, desenvolvida antes de tudo inte-riormente, poderia lançar-se pelos caminhos do mundo. O doce

período das efusões espirituais está terminado. Iniciar-se-á ago-ra a grande batalha da conquista e do martírio.Disse “lutando com suas vozes”. Sim, porque Joana não

aceita passivamente, mas discute e frequentemente resiste às su-as vozes. Ela lhes opõe os raciocínios do seu bom senso, quecalcula as dificuldades tanto quanto as próprias forças. As vozeseram sempre distintas do seu eu, com o qual às vezes colidem,sem se confundirem jamais. Dá-se um encontro entre sua vonta-de humana e a vontade superior, uma como progressiva tomadadesta sobre aquela, mas não existe qualquer violência que anulevontade e liberdade. Se Joana obedece, é porque anteriormentediscutiu, compreendeu, convenceu-se. Forma-se um pacto entredois seres livres, conscientes e consencientes. As forças do Céu

e da Terra são distintas, encontram-se e lentamente se fundemnuma força única. Para isso, foi necessário um longo período deincubação, muito mais longo que o da conquista guerreira e domartírio; um período de preparação invisível, antes que o fenô-meno pudesse explodir em sua maturidade; um processo de pro-gressivo desenvolvimento antes de ele atingir sua plenitude.

Se as duas vontades se põem de acordo, permanecem, to-davia, distintas, como distintos são os trabalhos a realizar. Avontade mais alta e mais sábia permanece na direção e guia; aoutra a segue. No caso de Joana, as vozes não revelam todo oplano, mas, embora demonstrando conhecê-lo completamente,só lhe comunicam, nos momentos oportunos, a parte dele queinteressa à sua execução. O inspirado é, pois, sempre guiadopela mão, como uma criança. A missão é revelada aos poucos,e a comunicação se limita ao mínimo necessário. Parece quaseque as vozes amam esconder no silêncio o que a alma não teriaforça para aceitar, guiando-a, docemente, com o menor dis-pêndio possível de energias.

Observemos como as vozes se comportam na vida de Joa-na. Concluída a tarefa de preparação, Joana é lançada pelasvozes em sua missão e parte no momento justo. Ela não sabeoutra coisa senão isso: “Va, va, filie de Dieu, va...”. As vozes,porém, sabem e precisam, imediatamente, quatro objetivos:Vaucouleurs, Chinon, Orléans e Reims, conexos entre si poruma proporção e lógica de desenvolvimento que ascende auma única meta. Quando as vozes não têm de ser precisas,não o são. Há um acordo entre a sabedoria do Céu e as exi-gências dos acontecimentos.

Elas sabem que Orléans é a chave de toda a posição e que,perdida esta, desabaria a missão, que é de salvar a França dodomínio inglês. Orléans está sitiada desde outubro de 1428. Aoiniciar-se 1429, Joana já se acha em movimento. Reims é o ob-

 jetivo político que não se pode atingir senão numa segunda fa-se. Primeiro, a vitória que permita a legitimação; e, depois, alegitimação que confirme a vitória.

A marcha heroica se desenvolve com uma segurança de guiaque os grandes chefes daquela época não possuíam. Tudo é pre-dito. Joana, no caos, segue reta como uma flecha. “ Mau gradoos inimigos, o Delfim se tornará Rei, e sou eu quem o conduziráà consagração” (Proc. II, 450). Assim afirmou a pequena pasto-ra. Como podia uma tão humilde criatura afirmar isso sem ser

louca e, se era louca, como acertar com tamanha precisão?Em março Joana está em Chinon e reconhece o Delfim entrea multidão dos cortesãos... “ par le conseil de ma voix, qui me lerévelait” (Proc. I, 56). “Quand j'ai vu le Roi pour la première

  fois il y avait là plus de 300 chevaliers et de 50 torches sanscompter la lumiêre celeste. E j'ai rarement des revelations sansqu'il y ait de lumière” (Proc. 1, 75). “ Je l’entends rarement sans

voir une clarté...”30, já havia dito Joana a respeito de sua pri-meira aparição. Ao falar com o Delfim, ela lê no íntimo de seuespírito, atingindo suas secretas dúvidas, isto é, se ele era filholegítimo de Carlos VI e Isabel. E Joana lhe diz que, justamentepor sê-lo, ela o fará consagrar em Reims.

Outro sinal se acrescenta: o miraculoso encontro da espada

enterrada de S. Catarina, coisa que Joana não podia saber e quelhe foi indicada pelas vozes31. Em Orléans, a inspiração sustentaa estratégia e a técnica militar com uma capacidade que Joananão podia possuir e que superava a dos chefes de seu tempo. Empoucos dias, uma camponesa de 17 anos consegue o que não opuderam fazer, em vários meses, os homens aguerridos da épo-ca. Orléans é libertada. As vozes tiveram uma confirmação exa-

30 “Pelo aviso da minha voz, que mo revelou (Processo, I, 50). Qua n-do eu vi o Rei pela primeira vez, lá estavam mais de trezentos cava-leiros, sob a luz de cinquenta archotes, sem contar a luz celeste. Ra-ramente recebo revelações sem que haja manifestação de alguma luz”(Processo, I, 75). Também raramente ouço sem que perceba tambémuma claridade... ”. (N. do A.)31 É uma referência a um fato realmente notável. As vozes disseram aJoana que ela deveria usar, na luta contra os ingleses, a mesma espadade Carlos Martel, que em 732 (sete séculos antes!) expulsara os mu-çulmanos invasores da França na batalha de Poitiers, entre Poitlers eTours. E as mesmas vozes lhe indicaram onde a encontraria, enterradae esquecida, sob o altar de uma igrejinha campestre. (N. do T.)

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32 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

ta. Joana, porém, sabia que era preciso tudo realizar rapidamentee tem pressa de concluir sua missão guerreira. Importava consa-grar no rei a vitória conseguida, completá-la num plano de direi-to. E avança contra Reims. Na tarde de 16 de julho, Carlos VIIentra na cidade, como as vozes haviam predito. Imediatamente,no dia seguinte, um domingo, é realizada a coroação.

“Gentil Rei” – diz-lhe Joana –  “acaba de realizar-se a von-tade de Deus, que queria se levantasse o sítio de Orléans e vosconduzisse a esta sagrada cidade de Reims para receber a San-ta Consagração, mostrando, desse modo, que sois o verdadeiro

rei a quem o reino da França deve pertencer ” (Proc. IV, 186). A França estava salva. As vozes, que haviam atingido seu

primeiro objetivo, já não têm, por algum tempo, a precisão e apotência de Domremy. De fato, com que proveito, se seu obje-tivo é outro? A pucela havia despertado a alma nacional. O des-forço francês por ela preparado avançará e libertará sua pátria.Todas as suas profecias se cumprirão. O ânimo de Carlos VIIressurgirá, e, quatro lustros mais tarde, a França será livre. Erasuficiente aquela centelha. As forças haviam limitado sua inter-venção ao mínimo indispensável.

Depois de Reims, é outro o objetivo das vozes, e para essanova meta se dirigem e com ele se harmonizam. As vozes per-manecem em seu método de dizer, guiar, encorajar e promover

acontecimentos, parceladamente. Aí começa um novo destino deJoana, mas elas não lho revelam; só falarão claramente na Pás-coa de 1430, em Melun. O seu destino sobe, lenta e inadverti-damente, dos triunfos humanos aos triunfos divinos; já não setrata da salvação da França, mas da sublimação da alma de Joa-na através da dor. E sua paixão começa. É uma vitória maior,que deve consolidar a primeira e fazer de Joana uma santa. Pro-gressão ascensional do fenômeno, que o conduz a um limiteimensamente mais elevado, em que o sofrimento, como já vi-mos, é o fator fundamental. Para Joana era necessário consolidare consagrar sua ideia no martírio, que continha algo de maiorque a salvação da França e que, no testemunho da morte, deviaestender-se ao mundo inteiro. Para que Joana, entretanto, pudes-

se realizar sua ascensão, era indispensável, para ela, a falênciade seu triunfo humano; importava que sua grandeza terrena nau-fragasse na traição e no abandono por parte dos ingratos, em fa-vor de quem ela havia lutado. Não devia ser ela quem colhesse,para si, glórias terrestres. Sua glória devia ser seu puríssimo sa-crifício pela França. Recompensas e gozos humanos teriam dis-sipado completamente essa sutil fragrância do espírito.

Uma vez mais, vemos, no fundo de todas as missões, Cris-to a resplandecer, Cristo que atrai a si, na renúncia e no martí-rio, as almas eleitas. Há, pois, um desenvolvimento lógico nointimo progredir do fenômeno; o primeiro cuidado das forçassuperiores foi, assim, despojar a pucela de todos os triunfoshumanos, que naturalmente estavam para envolvê-la, amea-

çando seu triunfo maior. Importava avançar ainda mais. Asvozes, porém, guiam com delicadeza, sem esmagar o espíritocom uma perspectiva imediata, demasiadamente vasta, que odesoriente, que excite revolta ou temor. Elas o encaminhampara a inevitável estrada, conservando-se sempre presentes,embora, às vezes, pareçam ausentes, mas apenas usam a inte-ligente estratégia do silêncio.

Na vida eterna de Joana, era chegada a hora da grande vitó-ria, e importava afrontá-la com uma grande prova, porque é es-ta a lei das almas maduras. Até o fim, as vozes usam a piedadedo mistério, fazem-na entrever a libertação, entendida, porém,num sentido espiritual, não lhe revelando que horrível morte aesperava, justamente a que ela mais temia. Falam-lhe, mas sua-

vizam os caminhos da dor. O Alto, diferentemente dos planosinferiores, conhece essa piedade e, se não pode evitar o sofri-mento, é porque este é parte essencial e integrante da ascensãoque o mesmo Alto deseja, por ser o caminho da felicidade.Quantas coisas sutis e profundas nos ensina esse ponderadoavançar das vozes pelos caminhos do Senhor!

Somente quando a alma adquiriu a força de olhar face a faceo martírio, é que as vozes falam mais claramente Quando Joanafoi capaz de compreender o verdadeiro sentido da sua liberta-ção, só então as vozes lhe disseram: “Encara tudo isso combom ânimo. Não te preocupes com teu martírio. Entrarás, fi-nalmente, no reino do Paraíso”. E isso porque o significadoprofundo do fenômeno que estamos estudando se acha na evo-lução do espírito, no trabalho de sua potencialização que lhe permita, como vimos nas “Florinhas” de Frei Francisco, levan-tar voo para superiores planos de vida.

Vejamos, porém, mais de perto os acontecimentos. Depoisde Reims, a estratégia de Joana é deixada aos seus recursos hu-manos. Ela havia trabalhado no baixo mundo humano, e é leique esse mundo devesse reagir; ela havia triunfado demais e nãopoderia deixar de excitar ciúme e inveja de muita gente. A gran-deza a isolava. Os níveis de consciência humana comuns sãobaixos, e os homens não sabem aliar-se senão por interesse, ra-ramente por um ideal. É natural que o conhecimento limitado deJoana, não mais sustentado pelas forças superiores, tivesse logode despedaçar-se de encontro às astúcias de gente dada a todasas insídias, e ela cai vítima da traição. Os homens eram cegos;só enxergavam o interesse mesquinho, por ser próximo e indivi-dual. Somente as potências do Alto haviam demonstrado uma

superior consciência do momento histórico, dominando no espa-ço e no tempo. Os homens inferiores são, porém, os mais tena-zes e armados de vontade, de astúcia, de mentiras. O plano lógi-co de Joana era de avançar logo sobre Paris e aí concluir a paz,como vencedora. Carlos VII, por quem ela lutava, pessoalmentelhe frustra os planos, preferindo um armistício com Paris e umapaz acomodatícia. Todo o impulso moral dado à França por Joa-na é quebrado: ela é traída pelo seu próprio rei. No momento daação decisiva, que deveria recolher todos os esforços anteriores,o rei vadia e espera. Em setembro, Joana ataca Paris. Aí se dá aprimeira traição. Vários comandantes, não desejando a vitória daempresa, retiram-se da luta. No dia seguinte anuncia-se que éexpressa vontade do rei que se abandone a ofensiva.

E a traição continua. A primeira derrota ofusca a auréola daheroína. O povo quer o triunfo, a esmagadora persuasão do fatoconcreto, que tudo justifica, o delito ou o milagre. Em face daderrota, a santa é transformada em feiticeira. Joana permanececada vez mais sozinha, contra todos. O rei não quer senão man-driar; não cuida de Joana; sonha a paz. Naqueles tempos, nin-guém desconfiava das demolidoras hipóteses do materialismo.Hoje, Joana estaria entre os loucos. Mas, naquela época, só po-deria ser ou feiticeira ou santa. Para os franceses, enquanto lhefoi útil com suas vitórias, era naturalmente uma santa. Para osingleses, por ser inimiga de seus interesses, era uma bruxa, teseque lhes foi querida e que farão triunfar. As nações, como oshomens, acreditam que Deus esteja sempre de seu lado, que

imaginam ser sempre o lado do direito e da justiça. O pior foique, por inveja, os franceses, desde a primeira derrota, começa-ram a considerá-la feiticeira, apertando em torno dela um círcu-lo total e fatal, que finalmente a estrangulará. Entretanto, se osséculos se recordam daquele tempo e de todas aquelas persona-gens insignificantes, é somente em virtude da heroína persegui-da que eles quiseram esmagar. Somente a dor, nunca a astúciaou a força, cria as coisas eternas.

A hora, porém, da maior traição se precipita. O destino to-mou resolutamente um novo caminho, e as vozes voltam a falar.Até então se haviam calado. Em face da derrota de Paris, silên-cio. “Quando caminhava para Paris, não tive revelações de mi-nhas vozes” (Proc. 1, 146); diz Joana: “não foi nem a favor nem

contra a ordem de minhas vozes” (Proc. 1, 169). As vozes dei-xaram, pois, que seu destino de mártir se cumprisse, permitindoque a traição, que o condicionava, prosseguisse, assim comotambém Cristo deixou que Judas o traísse por ocasião da Ceia.Existe, desse modo, um senso de fatalidade no destino, que, umavez fixado em suas causas, não mais se pode interromper.

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 33

As vozes encontram de novo a potência de Domremy, numanova curva decisiva. “  Na semana da Páscoa, quando me en-contrava nos fossos de Melun, foi-me anunciado pelas vozes,isto é, por Santa Catarina e Santa Margarida, que eu cairia

 prisioneira antes da festa de São João e que assim deveria su-ceder; que eu não me surpreendesse, mas recebesse tudo debom ânimo, porque Deus me ajudaria” (Proc. 1, 115-116). Es-távamos em abril de 1430. São um fato verificado esses perío-dos de silêncio; parece que a voz se ausenta e se extingue; to-davia, no momento oportuno, ela ressurge vibrante; compreen-de-se, então, que ela esteve sempre presente, guiando tudo semque se revelasse. Silêncios necessários, que fazem parte do pla-no diretivo, da estratégia dos repousos e dos retornos, em queamadurecem os impulsos mais elevados. Joana, pois, deveriacair prisioneira: esta era a vontade de Deus. É requerida umanova aceitação, mas, ao mesmo tempo, se encoraja e se prometeum divino auxilio, que, depois de Orléans, vai operar o segundomilagre da inabalável firmeza de Joana até à fogueira.

De fato, Joana foi feita prisioneira em Compiègne, por umanova traição. Entra na cidade sitiada, sem de nada suspeitar,mas, ao fazer uma incursão pelas suas proximidades (o inimigotalvez estivesse mancomunado com os próprios chefes da cida-de), os ingleses lhe cortam a retirada. Nesse ínterim, Compièg-ne levanta as pontes e fecha as portas. Joana teve que se rendere foi aprisionada, em virtude da traição dos próprios franceses.Diz-se que a traição foi regiamente compensada.

Prisioneira! Assim, de mãos a mãos, ela passa aos ingleses,vendida para eles, que pagam alto preço pela rica presa. Osacontecimentos se aceleram. Joana arrasta sua paixão, de cárcereem cárcere, até que se inicia seu processo. Nas mãos dos ingle-ses, Joana deveria ser considerada uma feiticeira: esta a conclu-são preposta a todo processo, porque deveria este servir ao inte-resse de anular a consagração de Reims, reduzida, desse modo, aum sacrilégio, destruindo com isso a autoridade conferida a Car-los VII por esse novo juízo de Deus. Na incerteza das vicissitu-

des humanas, o povo havia percebido essa milagrosa interven-ção divina, que era garantia da legitimidade real. Entretanto ostrezentos homens do processo, tão aguerridos em sabedoria, nãocompreendiam esta verdade elementar: que todas as suas astú-cias e violências, se podiam aniquilar Joana, o rei e a França,não tinham poder de violentar Deus, tampouco aqueles que porEle eram protegidos, isto é, ligados ao círculo das forças superi-ores da Divindade. Os juízes, ao buscarem o ponto de contatoentre Joana e Satanás, assinalaram, ao contrário, o ponto de con-tato entre a santa e Deus. Contra ela foram utilizadas as palavrasde São Paulo. Sua perseverança foi considerada pecado de orgu-lho. Melhor não se poderia mentir. Não obstante tanta dialética,tanta pompa de encenação judiciária, tanta fúria de força e astú-

cia, não puderam cancelar uma sílaba da simples e sublime ver-dade de Joana. Para destruir o que representava a salvação daFrança, os juízes procuraram aniquilar a heroína e a santa, pon-do em seu lugar a figura de uma feiticeira. Importava inverter asituação e substituir Deus por Satanás. Pobres míopes, que nãoviam que essa inversão de valores era justamente o pedestal dagrandeza da santa, porque era a condição de seu martírio! Eleseram a força ignara que o Alto utilizava para a vitória de Joana!

Na Idade Média era fácil a acusação de feitiçaria. A atmos-fera parecia estar saturada da ideia do demônio e, verdadeira-mente, com todas aquelas mortes violentas e cruéis, com tantosódios e vinganças, ela devia estar espiritualmente irrespirável,profundamente impregnada de emanações barônticas.

Joana está sozinha, oprimida, privada até do conforto da re-ligião; sozinha diante dos insultos dos carcereiros e dos ataquesà sua pureza; sozinha diante de uma terrível assembleia de juí-zes inteligentes e de má-fé, que tentavam, por todos os meios,arrancar-lhe a renegação de suas vozes, para obter, assim, omeio legal de condená-la, a fim de que a forma da justiça fosse

salva. Eles acreditavam que aquela ilusão da forma pudessebastar para sustentar um fato que era mentira e hipocrisia. Asforças reais da vida, porém, depois se levantam e impõem a re-abilitação. Quando se compreenderão essas leis?

No caso presente, estamos vendo, no entanto, a que extremode injustiça pode chegar a justiça humana.

As vozes, porém, falavam com Joana, e ela respondia a to-dos, simples e sublime. Esta é a grande força sem armas, a for-ça do justo e do verdadeiro. Quando são iniciados certos cami-nhos, não mais se pode retroceder. Dois dramas se desenrolamnesta última fase: o drama exterior, que é o do processo em quea autoridade cega, cheia de ideias preconcebidas, de má-fé, seprecipita de erro em erro, até bater a cabeça na fogueira, dianteda qual um dos juízes ingleses gritará: “Nós nos enganamos!Queimamos uma santa!”. O bispo Cauchon, juiz no p rocesso, aquem Joana havia admoestado mais de uma vez, chorará. Aolado de tudo isso se desenrola o drama interior de Joana, queresplandece sobre o fundo cinzento de tantas baixezas. Nestedrama se agiganta a grandeza do Céu, e Joana, destruída, fulgu-ra replena da potência do infinito. Está sozinha, mas suas vozesestão com ela. Isso lhe basta. A unificação se completou emVermont e não mais poderá romper-se, nem sequer na hora do

Getsêmani e do Gólgota. São liames que não se desatam notempo e permanecem além da morte.As vozes são piedosas; amparam, não amedrontam. Prome-

teram a libertação e não mentiram, porquanto se referiam à li-bertação maior. Não tiravam de Joana a esperança de uma liber-tação humana, para não a afligirem antes do tempo, para lhe ofe-recer uma oportunidade de compreender seu novo esforço eamadurecer, gradativamente, para a grande ideia do martírio.Busca a fuga, espera a salvação material, e essa interpretação lheé deixada como uma doce piedade que mitigue sua paixão. Mui-tas vezes, é benéfica a ignorância das disposições do destino;certas ilusões da alma são frequentemente necessárias para queela afronte situações que a amedrontariam. As vozes a encora-

 jam a resistir até à libertação. Só mais tarde haveria de compre-ender. “Ne crains rien”, elas haviam dito desde o princípio. 

Era necessária a prova suprema, para dar ao mundo o tes-temunho da origem divina das vozes. O destino de Joana nãotinha de atingir somente o alvo de salvar a França, de santificarsua alma, mas também de afirmar ao mundo a verdade do espí-rito. Joana deu a vida por essa afirmação. Jamais renegou suasvozes e sempre repetiu seu moto: “ De la part de Dieu” (venhoda parte de Deus). E repete no final: “Se eu dissesse que Deusnão me enviou, eu me condenaria. Verdadeiramente, Deus memandou”. Somente na jornada do cemitério de Saint Ouen, temum momento de fraqueza humana. Seu cansaço cedeu em facede tantas pressões e astúcias; talvez tivesse sido enganada comsubstituições de textos ou talvez se houvesse enganado, pen-sando que aquela fosse a esperada libertação. Vacilou um mo-mento, vencida pela vontade tenaz de seus juízes, que, no en-tanto, não passava de uma força que desejava sua retratação,para condená-la de qualquer modo. São bem humanos essesdesânimos que obscurecem o senso de responsabilidade. Joana,porém, apenas readquire alguma força, temeu em face de suasvozes, por havê-las desmentido, embora por um momento, eimediatamente recobrou ânimo. E seu último grito, o maiorlançado ao mundo, entre as chamas da fogueira de Ruão, foi:“ Minhas vozes vinham de Deus”. 

Testemunho solene, feito em face da morte, quando não se

pode mentir; relâmpago de verdade eterna, descida como sem-pre de uma cruz, verdade provada com o martírio.Que diz a ciência dessa espécie de provas? Na apoteose do

sacrifício, Joana reafirma, dando por isso a própria vida, as su-premas verdades do espírito, testemunhando que elas existem ese atingem através da dor.

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34 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

No momento supremo, a Pucela de Orléans encontra o pon-to de contato que a une a Cristo; novamente penetra e se fixa,como força palpitante de vida, no plano divino da Sua reden-ção. E Cristo é seu derradeiro grito, que é de vitória.

Jamais na história, como neste caso, as forças do espíritodesceram tão perto da Terra e, numa luta corpo a corpo, tão re-solutamente se  impuseram aos acontecimentos humanos; ja-mais o contraste foi tão vivo, a intervenção tão evidente, nemos acontecimentos foram tão intensamente violentados pelosimpulsos do imponderável. Os dois mundos se defrontaram eolharam face a face, desafiando-se. E o espírito venceu.

V. TÉCNICA DAS NOÚRES

Quando, do estudo do meu pequeno caso, nos elevamos àinterpretação dos gigantescos casos da inspiração, devíamos terpercebido que a ciência, com suas concepções, é muitíssimopequena para contê-los, pois eles envolvem algo de sobre-humano, indispensável para sua compreensão, e fatores trans-cendentais que a ciência ignora. Existem no fenômeno elemen-tos substanciais e determinantes, que encontramos em todos oscasos e que representam, portanto, suas características funda-mentais; elementos não menos reais por serem imponderáveis,embora a ciência moderna, por suas premissas e orientações, sehouvesse tornado incompetente para apreciá-lo.

Para trazer o fenômeno aos termos da psicologia científicamoderna, impõe-se uma redução, quase uma mutilação, dopróprio fenômeno, em seu aspecto técnico e mecânico, qual é oda psicologia. É este lado particular, técnico e científico, doproblema que vamos aprofundar neste capítulo. Buscaremos,simultaneamente, elevar a ciência, infantil neste campo, até àcompreensão destes fenômenos e das forças imponderáveisque os governam.

Temo-nos movido, até agora, num campo supercientifico,num mundo de sonhos, de emoções e de esperanças, o mundo

do espírito. Para quem o sente, tudo isso já é por si mesmo su-premamente persuasivo. Agora vou mudar a engrenagem domeu pensamento e falar a quem não sente, a quem, para con-vencer-se, tem necessidade de tocar, medir, experimentar. Im-porta, porém, considerar aqueles fatores espirituais  –  emboraexista quem os negue, por não possuí-los na própria consciên-cia  –  porquanto constituem fatores integrantes do fenômeno,fundamentais na definição de seu desenvolvimento. De resto, jáafirmei que eles são produto de estados evolutivos que se eleva-ram além da mediania. É óbvio, pois, que, somente através deuma descensão, eles se possam reduzir aos limites da psicologianormal da realidade sensória.

Assim, pois, ao falarmos sobre vibrações e ondas, recorde-

mos que apenas tocamos a fase perceptiva humana do fenôme-no, a última e mais baixa zona da transmissão noúrica, seu ter-mo inferior e seu momento final de chegada, que é o mais com-preensível, por ser o mais próximo da fase sensória que chegaao contato humano. A fase mais elevada é uma emanação abs-trata, supersensória e superconceptual, que se verifica numa ou-tra dimensão de consciência e num outro plano de evolução, fa-se que a ciência e a própria psique humana normal não podemperceber e conceber por falta de meios, a não ser que haja umaredução dimensional, que é justamente o que a recepção inspi-rativa opera nas correntes noúricas.

Quando, na fonte, nos encontramos num nível evolutivo su-pertemporal e superespacial, é absurdo pretender compreendê-

lo inteiramente nos termos de uma pura questão técnica. No seuestado de emissão, a noúre ainda não é pensamento, qual nor-malmente o concebemos. Para falar nos termos da psique nor-mal, eu mesmo tenho de operar uma redução da emanação ori-ginária e de minha percepção dela à dimensão pensamento, queé um estado vibratório muito mais denso; operar um regresso in-

volutivo ao mundo mais concreto das oscilações da matéria,vestindo a irradiação primitiva de um invólucro físico que lhepermita estimular a reação sensível da psique imersa nos cen-tros cerebrais. Recordemos, pois, que este estudo do fenômeno,no seu menor aspecto técnico, o abrange apenas no plano hu-mano de chegada, e não no sobre-humano de partida. Neste es-tudo, a fim de atingir a solução desses inexplorados problemas,para a qual não encontro no conhecimento humano elementosguiadores, servir-me-ei, quando não me bastarem cultura e ra-zão, do método intuitivo e da pesquisa por captação de corren-tes noúricas. Neste momento, sinto que apenas possuo umaideia vaga e inicial do assunto, mas sei que, ao escrever, ireitendo resposta a cada interrogação.

Ao estudar o fenômeno em seus casos grandes e pequenos, jádelineei uma sua interpretação sumária. Nas características, quevimos retornarem com constância, revelando um significado,traçamos uma linha fundamental de sua figura. Entre essas ca-racterísticas, vimos estar em primeiro lugar a progressividade,pela qual defini o fenômeno inspirativo como um caso normalde sensibilização por evolução biológica, continuada nos superi-ores estados de evolução psíquica e ascensão espiritual. O caso,como evolução, é normal, mas, como posição, em face da relati-va mediania, é supranormal. Trata-se de um processo evolutivode desmaterialização do ser em planos superbiológicos, de umprocesso de purificação psíquica e orgânica, cujos fatores sãodor, renúncia, regime de purificação passional e dietética. A esserespeito já falei nos capítulos: “O Fenômeno” e “O Sujeito”.  

Encontramos esses elementos na história dos grandes inspi-rados. Suprimindo-se esses fatores determinantes, naturalmenteo fenômeno se detêm ou retrocede. Estes conceitos, emboraconduzam a um campo supercientifico, possuem bases científi-cas, pois representam a continuação da evolução biológica dar-winiana, evolução orgânica que, se deve continuar, como a ló-gica impõe, já não pode ser senão psíquica e espiritual.

Se a ciência materialista quiser continuar seu progresso, é

necessário que ela compreenda justamente este problema dadesmaterialização do organismo humano, obtida lentamente porprogressiva atrofia de funções orgânicas e hipertrofia de fun-ções psíquicas. Refiro-me a posições relativas ao momento evo-lutivo atual. Também isso é lógico, e sobre o assunto já falei.Esses princípios gerais, como sempre sucede na natureza, pas-sam por adaptações no caso particular, que é sempre o de umtipo especializado, e permanecem verdadeiros, embora não apa-reçam no breve âmbito de uma vida.

Falei em progressividade de sensibilização. E que é a evolu-ção senão um processo de sensibilização contínua? Num pri-meiro plano, temos o mineral, que, sentindo a resistência doambiente, também sabe modelar-se nas formações cristalinas;

depois a planta, com uma sensibilidade que abrange a vida ve-getativa; em seguida, o animal, que vê e ouve, no qual se deli-neia o mundo sensório; logo após, o homem, que, da síntesesensória, se eleva a uma interpretação racional da vida; depois,o super-homem, que, com a capacidade da intuição, supera oslimites da razão e sente diretamente o universo. E poderíamoscontinuar com os seres incorpóreos, chamados anjos, através detoda a hierarquia de sua elevação.

O mineral se orienta, a planta sente, o animal percebe, ohomem raciocina, o super-homem conhece por intuição: eis aevolução da sensibilidade.

Se, com a civilização, diminui a ferocidade, é porque au-menta a sensibilidade, à qual ela é inversamente proporcional.

Como se cultivam as plantas, cultivam-se os espíritos e se do-mesticam os animais. E a planta cultivada abandona os espi-nhos; o animal domesticado perde os instintos ferozes; os ho-mens civilizados se enobrecem nos pensamentos e nos atos.Trata-se de um idêntico e universal processo de sensibilização,que absorve a ferocidade. Por isso a sensibilidade dolorífica dos

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 35

animais e dos selvagens é muito menor que a do homem civili-zado. A reação investe sempre mais os estratos profundos. Oslimites do universo são dados unicamente pela capacidade per-ceptiva e se dilatam à medida que essa capacidade aumenta.

Notamos também outra característica do fenômeno inspira-tivo, comum a certos inspirados, isto é, a crise espiritual em queo fenômeno explode após uma longa e invisível maturação. Es-sa explosão se liga a profundas deslocações nos equilíbrios evo-lutivos e a novas estabilizações em planos mais elevados. Vi-mos, depois, o problema das melhores condições de ambiente ea importância deste para a pureza da recepção. Existe sempre,para todos os inspirativos, uma necessidade de solidão, quefunciona como isolante, e também de oração, que eleva o espí-rito e põe a psique em estado de receptividade, o que significacorrente elétrica negativa, necessária para fechar o circuito coma corrente das noúres, que é positiva e ativa. A prece pode sertambém um desejo que auxilia a elevação da tensão nervosanecessária para atingir os planos superiores de consciência,mais sutis, porém mais potentes, que representam, portanto, emface das correntes nervosas no estado normal, correntes de altopotencial. Tudo que eleva o potencial nervoso facilita a recep-ção noúrica, porquanto dinamiza; e, na evolução, a desmateria-

lização é proporcionalmente compensada por esta sua inversãodinâmica. A percepção noúrica, de fato, dá uma sensação dealegria e de potência ao espírito, verificando-se em organismospurificados da animalidade e representando, em si mesma, umraio de ação e sensibilização muito mais vasto que o normal.

Descrevi minhas progressivas posições até alcançar a sintoni-zação com a emanação noúrica, no processo de adormecimentoda consciência em seu potencial normal e de ativação da consci-ência em um alto potencial, que momentaneamente neutraliza ereabsorve o funcionamento da outra. Começam a delinear-se aquio significado e o porquê das condições do fenômeno.

Nesta primeira parte do capítulo, procurei eliminar os as-pectos mais espirituais e menos técnicos da questão, a fim de

sondar o fenômeno até seu aspecto mais simples e esquemático,mais facilmente analisável, portanto. Das outras características,sumariamente indicadas nos primeiros capítulos, como capta-ção consciente e ativa das noúres, individualidade ou naturezade sua fonte, minha capacidade de oscilação entre consciência esuperconsciência, sintonização por afinidade entre centrotransmissor e meu centro psíquico registrador, etc., falaremosno estudo técnico que se segue, que não poderia ser feito naprimeira parte, preponderantemente descritiva, mas só agora,que já expus e fixei os elementos de fato.

São dois momentos estes, que tinham de ser bem distintos:primeiro, a descrição e, depois, a interpretação dos fatos; ob-servação exterior de conjunto, a princípio, e penetração do sig-nificado, no final. Compreender-se-á, então, a necessidade deum ambiente bem sintonizado, como o dos bosques e monta-nhas, de um templo ou do próprio gabinete saturado de emana-ções noúricas; a necessidade de estados de ânimo de paz e doafastamento de interferências de vibrações psíquicas baixas,que perturbam a pureza da registração; compreender-se-á a ne-cessidade da purificação orgânica e psíquica, processo evoluti-vo que leva à afinidade com a fonte, possibilitando, portanto, asintonização com ela do instrumento de ressonância, que é todaa personalidade do médium; compreender-se-á o paralelismoque existe entre ascensão espiritual e sensibilização receptiva.Compreender-se-á como o instrumento, à semelhança do que

tem acontecido com alguns místicos, possa a princípio interpre-tar mal, se ainda não se encontra bem maduro; compreender-se-á, no meu caso, a transformação progressiva da minha mediu-nidade, de passiva e inconsciente, a princípio, a uma formasempre mais ativa e consciente em seguida. Compreender-se-á,finalmente, como todos esses fenômenos noúricos, não obstante

a diferenciação individual que os separa, encontram sua unida-de na grande corrente central, que se chama DEUS.

Aprofundemos, pois, o aspecto técnico do fenômeno, foca-lizando novamente nossa atenção. Qualquer fonte de emanaçãoirradia em torno de si um impulso que se transmite. Chamemosessa fonte de centro transmissor. Verifica-se por lei geral, emtodos os planos de evolução, inclusive os superpsíquicos e, por-tanto, superespaciais, este fenômeno de expansão cinética, queé um princípio de unidade e amor que coliga em suas partes eelementos todo o universo. Faltam-me palavras superespaciais,supertemporais e superconceptuais que me permitam exprimir-me, por isso evito qualquer referência às dimensões espaço etempo, que, no centro transmissor, não existem mais. Para en-tender também este aspecto técnico, importa haver compreen-dido o universo, escalonado como é em suas fases evolutivas,que significam planos ou níveis de existência, de sensibilidade,de concepção. As fases mais concebíveis e mais próximas denosso universo são matéria, energia e espírito; o universo físicoevolve para universo dinâmico, que evolve para universo psí-quico; mais além, evoluciona para planos superpsíquicos, que,atual e normalmente, constituem para o homem um inconcebí-vel. É preciso haver compreendido e ter presente a teoria daevolução das dimensões, como é desenvolvida em   A GrandeSíntese, pois a passagem, por evolução, de um plano a outroprovoca mudança de sua dimensão ou unidade de medida. Vol-vendo ao conceito inicial: aquele principio de irradiação lança,nas várias dimensões de evolução, emanações que, ao encontra-rem um centro sensível, podem ser registradas. Veremos, de-pois, se isto constitui uma recepção passiva ou uma captaçãoativa. Este segundo centro é o instrumento receptor.

Estão assim determinados os dois termos do fenômeno, queé essencialmente um fenômeno de transmissão e recepção e temsua correspondência, no plano inferior do universo dinâmico,na transmissão acústica e, num nível relativamente mais eleva-do, na transmissão radiofônica por meio das ondas   hertzianas,

forma de energia mais evolvida das ondas acústicas.Trata-se sempre de oscilações no centro transmissor, comu-nicadas por vibrações do meio (ar ou éter) ao receptor (ouvidoou aparelho radiofônico). As variações ou modulações do im-pulso originário são repetidas exatamente pelo órgão de chega-da, pois os dois centros distantes são aproximados pelo meio,que os torna realmente comunicantes e fundidos numa união demovimento. O símile acústico ou radiofônico não prejudica aespiritual imaterialidade do transmissor, porquanto, efetivamen-te, o universo, nos seus vários planos, responde a um princípioúnico, que, embora no Alto seja um inconcebível, se reflete emnosso universo físico, se bem que tornado rude pelo seu reves-timento mais denso. No Alto, apesar de nos movermos em di-

mensões superespaciais, permanece, mesmo quando destiladocomo pura emanação cinética, o princípio que, nos planos infe-riores, é transmissão espacial por ondas esféricas. A analogiaimplica uma redução de potência e de pureza, mas é exata, con-siderando-se que a vibração ondulatória é a forma de chegada(pensamento), e não a forma noúre, de partida. Por isso apenaschamamos emanação, a fim de exprimir o mesmo princípio dedifusão, recordando, entretanto, que estamos além do plano es-pacial, dinâmico e do próprio plano psíquico.

Existe, todavia, uma grande diferença entre o caso inspira-tivo e o confrontado. Neste, transmissor e receptor se locali-zam ambos no mesmo plano de evolução (dinâmico), ao passoque, no caso inspirativo, os dois termos comunicantes estão si-

tuados em dois planos diversos de evolução e, portanto, emduas dimensões diferentes. Na recepção radiofônica, o períodofinal é acústico como o inicial; a vibração acústica originária étransformada em vibração elétrica para, finalmente, retornar àforma acústica; e tanto melhor será a recepção quanto mais ofenômeno final se identificar com o inicial. Houve apenas uma

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36 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

transformação da forma dinâmica menos evolvida e, portanto,mais lenta, menos ágil e veloz, porque mais aprisionada na ma-téria, o som, na forma elétrica, que, sendo mais evolvida, maisrápida, mais livre da dimensão espacial, domina um campo es-pacial muito mais amplo. E nisso consiste justamente a utilida-de e o progresso da descoberta.

Na recepção ultrafânica, temos muito mais. Não existe ape-nas uma transformação temporária, com o objetivo único detransmissão, para voltar ao ponto de partida. Em radiofonia háuma permanência no âmbito da dimensão espaço-tempo domundo dinâmico. Em ultrafania atravessa-se uma mutação mui-to mais substancial e profunda, que não é uma simples trans-formação de ondas acústicas em elétricas e vice-versa, nemuma simples transmissão espacial. A fonte inspirativa se locali-za numa outra dimensão, e a transmissão não se dá num sentidoespacial, isto é, no campo da mesma dimensão espaço, porématravés de diversas dimensões.

Como já disse, aqui os conceitos científicos não bastam, eé necessário que a ciência faça seus estes conceitos transcen-dentais, indispensáveis à compreensão também do aspectotécnico do fenômeno.

O centro genético das emanações noúricas não possui nemos caracteres do mundo dinâmico nem os conceptuais do mun-do psíquico humano, mas está situado numa dimensão super-conceptual de caráter abstrato, onde se encontram os princípiosuniversais. A fonte não vibra, não irradia vibrações no sentidopor nós conhecido, embora sejam elas de pensamento; nãotransmite ondas-energia na dimensão espaço-tempo, mas emanaum quid absolutamente imaterial, um impulso, uma potênciaque não se pode definir com os atributos das dimensões do nos-so universo. Dessa sua dimensão mais elevada, a emanação de-ve descer; essa potência deve precipitar-se sobre a dimensãoconceptual do pensamento humano, e a chamada recepção nãopode realizar-se senão em virtude dessa descida.

O fenômeno muito mais complexo da inspiração, e que a

distingue da radiofonia, é justamente este. Os dois termos docircuito estão qualitativamente distantes, e, portanto, a comuni-cação que determina a repetição do impulso originário no re-ceptor não se pode estabelecer senão através de um processo detransformação dimensional. Este processo noúrico poder-se-iacomparar ao de um transmissor que pensasse ou compusesse“diretamente” em ondas hertzianas, que, para serem percebidasno plano sensório, devem sofrer uma transformação involutivaaté se tornarem energia mecânica (vibração da membrana mi-crofônica) e, finalmente, sonora.

Para unir os dois polos do circuito, é necessário realizar estainaudita operação, que é a passagem de um plano evolutivo aoutro, o que significa mudança de substância, de uma a outra

forma sua. Noutros termos, para exprimir a emanação originá-ria como pensamento, dentro do concebível humano, importaoperar uma redução de dimensão; essa descida à Terra significaque aquela potência tem de percorrer um regresso involutivo; éesta a condição para que ela possa manifestar-se na dimensãohumana do inteligível. Essa redução de dimensão e esse regres-so involutivo são um processo de íntima transformação da subs-tância cinética da forma radiante, que se realiza não no espaço,mas atravessando várias dimensões de diversas fases evoluti-vas, para chegar isolado ao termo de sua transformação, à nossadimensão e fase de evolução. O caminho não é, pois, percorridoem sentido espacial, mas sim em sentido evolutivo, isto é, aopercorrer a dimensão evolução, evolvendo, se ascende para o

transmissor, e, involvendo, se desce para o receptor.Como vemos, não obstante a correspondência entre os vá-rios planos, inevitável num universo orgânico regido por umprincípio unitário, o fenômeno inspirativo é bem mais profundoe complexo que o fenômeno radiofônico. Se, por exemplo, emtelepatia se pode falar de ondas-pensamento, porque existe pen-

samento, na inspiração, falar de vibrações é um absurdo, por-quanto a dimensão da zona psíquico-conceptual foi superada.Direi mais exatamente: no fenômeno inspirativo, não encon-tramos a forma vibratória da onda-pensamento senão na extre-ma fase da recepção, no final da redução involutiva, qual últi-mo derivado, por continuidade, da emanação original, traduzidaem termos do pensamento humano. Por tudo isso, compreende-se quanto estes fenômenos superam a psicologia experimentalde gabinete e como é necessário, para seu estudo, que a ciênciase afine e faça seus esses elementos do transcendental.

As duas estações estão, pois, situadas, uma, na fase evolutivado plano dinâmico (no caso de mediunidade à base de percep-ções sensórias) ou psíquico (no caso de conceitos como na me-diunidade intelectual-inspirativa), isso, do lado humano; a outra,do lado super-humano, está situada na dimensão superconsciên-cia, que supera a do psiquismo humano. Não me refiro à mediu-nidade barôntica ou física, em que o transmissor pode encontrar-se no mesmo nível humano ou ainda inferior a este. E, se evolu-ção é desmaterialização e espiritualização, a comunicação entreo transmissor evolvido e o receptor humano relativamente invo-luído não se pode realizar senão materializando a emanação, oque significa redução de potência e revestimento do conceitoabstrato, sintético, instantâneo com a forma do pensamento ob-

 jetivo, analítico e progressivo na palavra, qual é o humano.Vejamos, agora, como se pode estabelecer a comunicação

entre os dois centros. Sendo o universo sempre todo presenteem suas várias fases evolutivas e dimensões, as quais os seresatravessam no infinito, é evidente que o limite do perceptívelsomente existe nos meios individuais de percepção, e não nosfenômenos. Assim, por exemplo, o ouvido humano não abarcasenão uma determinada faixa de frequência de vibrações dossons, além da qual não há percepção. É óbvio também que,assim como, com a criação de novos instrumentos e recursosde pesquisa, se alcançou a revelação de um novo mundo, domesmo modo toda extensão de sensibilidade desloca o limite

do cognoscível, que é justamente uma função daquela, um re-lativo suscetível de contínua evolução. O perceptível, pois,não tem fronteiras em si mesmo, mas apenas na relatividadede nossa posição evolutiva; se esta se eleva, automaticamentetambém se dilata o perceptível.

Já expliquei como evolução é progressividade de sensibili-zação. A percepção e a concepção do universo são, portanto,relativas à sensibilidade individual e mudam, dilatando-se como progredir desta. Amplia-se a visão do universo à medida quea consciência evolve. Do mesmo modo, também, o concebívelé progressivo, a visão da verdade é relativa à potência indivi-dual e não pode ser atingida senão por sucessivas aproxima-ções. Se quisermos traduzir graficamente o conceito, podería-

mos graduar a sensibilidade progressiva do ser em evolução aolongo de uma escala, nesta ordem: mineral, planta, animal,homem, super-homem, capazes de responder a uma gama deradiações sempre mais vasta e profunda. Isso equivale ao pro-cesso de exteriorização cinética, que é a substância da evolu-ção, sendo simultaneamente dilatação de consciência ao longoda linha da sensibilização psíquica e manifestação da Divinda-de, duplo processo de aproximação dos dois extremos, atravésdo qual a criatura volta ao Criador.

Pode-se, pois, estabelecer para todo indivíduo, conforme oponto mais elevado que alcançou na escala, uma amplitude decapacidade perceptiva que compreende todas as menores, masda qual se excluem as mais amplas. Para que dois seres, inclu-

sive no mundo humano, possam comunicar-se, isto é, com-preender-se, é necessário que usem a mesma linguagem e ex-pressem a mesma sensação do universo, o que significa quesua sensibilidade deve abranger o mesmo campo de capacida-de perceptiva. A compreensão só é possível até onde o campose sobrepõe, até onde haja coincidência de amplitude. Assim, o

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 37

mais pode compreender o menos, mas não o contrário. Expe-rimentemos explicar um conceito abstrato a um ignorante, eele não o compreenderá se não soubermos reduzir a ideia abs-trata à sua dimensão conceptual de representação sensória. Es-ta é a condição da comunicação.

Tudo isso também pode ser dito doutro modo. Se, postosdois diapasões vibrantes à mesma nota, percutirmos um deles,fazendo-o vibrar, o outro também se porá em vibração, emitindoo mesmo som. Este princípio de ressonância é universal e ver-dadeiro tanto no campo acústico ou elétrico quanto no psíquicoe superpsíquico. O contato da consciência com o mundo exteriorpelos caminhos dos sentidos é devido justamente a um fenôme-no de ressonância. Nisso se baseiam a radiofonia e a telepatia.Muitas vezes, quando uma pessoa está para nos dizer uma coisa,nós já a sentimos no próprio pensamento. “O fenômeno de re s-sonância consiste no fato de que dois órgãos suscetíveis de osci-lações, tendo a mesma característica ou frequência (no caso deum diapasão, o número de vibrações por segundo), podem influ-enciar-se reciprocamente, se um deles, mediante as próprias os-cilações, produz ondas num meio que abranja ambos” (Eng. E.Montú, “Rádio”, pág. 31). Também o pensamento pode transmi-tir-se por ressonância quando os centros cerebrais, nos movi-mentos atômicos de sua estrutura celular, sejam suscetíveis deoscilações que possuam idênticas características. Então, os doiscentros psíquicos podem influenciar-se mutuamente, através deum meio comum que receba e transmita suas vibrações. É indu-bitável que o pensamento seja uma vibração, porém reduzida asutilíssima e evolvidíssima forma dinâmica, em vias de superara dimensão espaço-tempo. Na verdade, a psique humana é umórgão capaz de vibrar e de entrar em ressonância, de transmitir eregistrar normalmente correntes psíquicas, porquanto é assimque se forma, se projeta, se comunica e se recebe o pensamento,que, como a luz, circula por toda parte na atmosfera humana ealém dela. Assim se transmitem estados de ânimo, sentimentos,além de conceitos. O segredo dos oradores, dos caudilhos que

arrastam as massas, está em saber despertar essas ressonâncias.O pensamento vibra no universo, repercute, reage, volve à fonte,une em sintonia os centros distantes, anula-se, acumula-se, so-ma-se, desintegra-se; nós irradiamos e recebemos irradiações doambiente humano, dos planos inferiores, do Alto, num mar denoúres, de vibrações infinitas. Cada um entra em correspondên-cia como sabe e como pode, conforme sua capacidade; mas aconsciência do sensitivo é uma caixa harmônica fremente de to-das as irradiações do universo.

A telepatia outra coisa não é que um fenômeno de ressonân-cia. Ressonância significa sintonização no mesmo estado vibra-tório, base da percepção sincrônica. Significa simpatia, afinida-de. E por ressonância não só se transmite, mas também funcio-

na o pensamento, que é levado a mover-se por conexão de idei-as, que é sua forma de menor resistência. As ideias se atraemespontaneamente, por afinidade. Sua reaparição na consciênciase deve à excitação de um estado vibratório que se propaga àsformas semelhantes, capazes de ressonância. Os caminhos damnemônica são os caminhos dessa ressonância por conexão. Asestradas reais da consciência coletiva são as da ressonância. Acompreensão é um fenômeno de ressonância. O pensamento,finalmente, tende, como todas as formas menores do mundo di-nâmico, à difusão e, uma vez projetado, é indestrutível.

Tudo isso nos conduz às mesmas conclusões do início. Paraque se efetue a comunicação entre os dois centros, é indispen-sável a mesma capacidade de ressonância, isto é, que eles sejam

suscetíveis de deslocamentos cinéticos dotados das mesmas ca-racterísticas. Ora, para obter isso, é necessário partir do mesmoequilíbrio cinético, isto é, importa achar-se no mesmo grau deevolução e de sensibilização, abrangendo o mesmo campo decapacidade perceptiva ou conceptual. Só então pode realizar-sea sintonização. A base desta, portanto, é a afinidade. Para que

se possa estabelecer a comunicação, é necessária uma sintoni-zação entre a consciência do médium e o centro de emanação,um estado de simpatia que permita a atração, um estado com-plementar e de semelhança que estabeleça a fusão. As leis deafinidade se encontram na base de todos os fenômenos de atra-ção psíquica, inclusive daqueles comumente controláveis. Eisporque tanto tenho insistido sobre o paralelismo entre sofrimen-to e mediunidade inspirativa, justamente porque o primeiro éinstrumento de evolução, que é sensibilização conducente à afi-nidade com os mais altos centros transmissores. A recepçãonoúrica, que é comunicação com centros superevoluídos, exigea ascensão espiritual até àquele nível. Para que se possa estabe-lecer o contato com a fonte, é necessário que a consciência sesensibilize por evolução, até ao ponto de atingir uma amplitudede capacidade perceptiva que se sobreponha à da fonte; esta é acondição da compreensão; importa adquirir por ascensão de es-pírito a capacidade que lhe permita responder às sutis emana-ções noúricas. “Para comunicar -se, o espírito desencarnado seidentifica com o espírito do médium, e esta identificação não severifica senão quando existe entre eles simpatia, pode dizer-semesmo, afinidade”, diz Allan Kardec no seu   Livro dos Mé-diuns, Cap XX: “A alma exerce sobre o espírito livre uma espé-cie de atração ou de repulsão, conforme o grau de semelhançaou diferença entre eles; ora, os bons sentem afinidade pelosbons, e os maus, pelos maus, donde se segue que as qualidadesmorais do médium têm uma influência essencial sobre a nature-za dos espíritos que se comunicam por seu intermédio. Se ele évicioso, em torno dele se agrupam espíritos inferiores, sempreprontos a tomar o lugar dos bons espíritos que foram chamados.As qualidades que atraem, de preferência, os bons espíritos são:a bondade, a benevolência, a simplicidade de coração, o amor aopróximo, o desprendimento das coisas materiais; os defeitos queos afastam são: o orgulho, o egoísmo, a inveja, o ciúme, o ódio,a cupidez, a sensualidade e todas as paixões por meio das quaiso homem se prende à matéria. Todas as imperfeições morais são

outras tantas portas abertas que dão acesso aos maus espíritos”.  Temos, portanto, dois centros, transmissor e receptor, situ-ados em planos diversos de evolução. Comunicam-se peloprincípio de ressonância, que se dá somente quando exista ca-pacidade de vibração em uníssono, o que sucede, por sua vez,apenas quando os dois centros se encontram no mesmo nívelevolutivo, isto é, de sensibilização, perfeição moral e potênciaperceptiva conceptual.

Kardec considera particularmente o lado moral da afinidade,mas evolução é ascensão de todo o ser e implica também umasensibilização às ressonâncias mais sutis, uma expansão per-ceptiva e uma potencialidade conceptual. O fenômeno da me-diunidade intelectual inspirativa é, pois, um fenômeno de sinto-

nização, cuja condição é a afinidade. O problema da comunica-ção reside, portanto, na afinidade. Há uma distância qualitativa,de capacidade de correspondência, entre os dois centros, e épreciso preenchê-la. Para sua união em sintonia, impõe-se entãouma transformação, e são dois os casos. Ou a transformação seprocessa por obra do transmissor, que involve suas emanações(os dois centros são ativos e conscientes) até ao nível percepti-vo sensório do receptor, e este é o caso das audições acústicas,visões óticas e outras percepções sensórias de vários místicos,cuja fonte, embora de efeitos físicos, se distingue sempre dasproduções barônticas pela elevação da proveniência demons-trada pelo tipo de aparição e pelo seu elevado conteúdo moral.O encontro pode, assim, dar-se também no plano sensório hu-

mano, se esta é a via de menor resistência, dadas as característi-cas do médium. Este pode ser um santo do sentimento e dabondade, e não da intelectualidade, não especializado, portanto,no lado psíquico, até à superconsciência. Ou então, no segundocaso, a transformação se efetua por obra do receptor, que, peloseu grau de evolução, sabe elevar-se por si mesmo até ao plano

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38 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

conceptual do transmissor. Este é o meu caso de mediunidadeintelectual inspirativa e consciente. Agora se começa a compre-ender sua estrutura e seu complexo funcionamento.

Neste caso, sabendo a distância que o separa da fonte inspi-rativa, a capacidade do médium consiste em ascender ele pró-prio a escala evolutiva e alcançar a afinidade, que é base do fe-nômeno da ressonância, e isso no campo particular (moral, inte-lectual, artístico, heroico) que diz respeito à comunicação32. Oinspirado deve saber emergir ativa e conscientemente na dimen-são conceptual própria do centro transmissor e, para atingi-lo,deve haver atravessado todo o tormento de sua purificação, por-que só esta pode sensibilizá-lo até à captação das noúres maiselevadas. Se, atingida a imersão numa atmosfera rarefeita, a re-cepção é espontânea, agradável, dinamizante, o esforço, não sóda longa maturação evolutiva, mas também o imediato, de colo-cação em fase de alta sintonização e de atingir a necessária ten-são nervosa em alto potencial, é todo do médium. E ele tem demanter-se, demorada e normalmente, em casos de registraçõesvolumosas, naquele estado de tensão; tem de suportar sozinho,sem conforto e sem compensações humanas, a exaustão orgâni-ca subsequente e a tristeza na solidão que sucede ao esforço su-pranormal. Atingida a noúre, ele deve manter o contato em per-

feita consciência, relacionando tudo e conservando completa-mente a própria lucidez e potência de análise. Finalmente, em-bora imergindo numa diversa localização em fase de consciên-cia, o inspirado não deve fechar as pontes atrás de si, e sim dei-xar unidas sua superconsciência e sua consciência normal, a fimde que seja possível, após haver subido evolutivamente, descerinvolutivamente para transmitir à sua consciência comum, e comesta aos seus semelhantes, o conteúdo de sua visão.

Indispensável é, pois, saber manter desperta a consciêncianos diferentes planos, não só no alto, mas também nos planosinferiores, e saber sustentar as já referidas união e comunica-ção, para poder sempre surgir à superfície da consciência hu-mana normal. Continuamente se faz preciso o dinamismo des-

sas deslocações, que permitem a tradução das sensações e con-cepções de um a outro plano. O inspirado tem, pois, não só dedominar uma amplitude perceptiva amplíssima, em que suasensibilidade é posta a dura prova; seu ouvido psíquico não de-ve captar somente uma gama musical imensamente mais amplaque a do concebível humano, mas também tem ele que possuirrapidez de mutação interior, agilidade de deslocação ao longoda linha da evolução, presteza de adaptação às sucessivas foca-lizações das várias perspectivas de visão. Sem essas qualidades,seu trabalho seria impossível. E essas deslocações ele tem deefetuar sem descontinuidade, sem zonas de inconsciência, sem-pre consciente. Deve movimentar-se comodamente de um a ou-tro extremo, seja na pequena consciência sensória e racional,

apropriada aos conceitos analíticos e ligados à vida humana, sejana consciência intuitiva, adequada aos grandes conceitos lon-gínquos, abstratos e sintéticos do absoluto. Somente neste casose pode falar de mediunidade inspirativa consciente, que dominao fenômeno, sente, joeira e escolhe as correntes, controla seupensamento, julga-o e o aceita. Quando o grau evolutivo do ul-trafano é inferior ao da noúre captada, então a redução dimensi-onal não pode efetuar-se em sua consciência e tem-se a mediu-nidade mais comum, passiva e inconsciente, em que o sujeito éum mero instrumento que registra sem compreender. O verda-deiro ultrafano consciente tem de realizar, nas profundezas deseu eu, um laborioso esforço, pois funciona como transformadorde emanações noúricas em vibrações-pensamento, como instru-

mento de redução do superconsciente inconcebível ao consci-ente concebível. Se não executasse essa descida psicológica, não

32 Estes esboços serão completados e esclarecidos no desenvolvimen-to de outros conceitos e teorias nos volumes da II e III trilogias domesmo autor (N. A.).

saberia exprimir-se e, se conseguisse expressar-se, seria julgadoum louco. Além de tudo isso, deve ele possuir também a memó-ria precisa de seus complexos estados, para poder oferecê-loscomo elementos de observação; deve ter igualmente qualidadesde autoanálise e introspecção, que lhe permitam analisar e inter-pretar o fenômeno e apresentar e usar o método intuitivo na pes-quisa sistemática científica do inexplorado.

No meu caso, a registração dos conceitos não é recepçãopassiva, mas captação ativa; não de sinal negativo, mas positi-vo. Minha inspiração pode ser definida, então, como mediuni-dade intelectual (registração de conceitos), inspirativa (proveni-ente dos mais elevados planos de evolução), ativa (por capta-ção) e consciente (nos vários planos e dimensões). Tudo isso setorna para mim um método normal de pesquisa por intuição,uma verdadeira técnica de pensamento, um sistema intelectual ecultural que domino perfeitamente.

Já descrevi os meios com que o consigo e conservo. Se par-ticulares condições são requeridas, isso não tira o valor dos re-sultados práticos que com ele obtenho e que constituem um fato.

Nos descritos estados de adormecimento da consciêncianormal, eu realizo, por iniciativa e com esforço próprios, atransformação acima descrita, que faz ascender meu eu consci-ente a uma dimensão superior. E, quando a visão superespacial,instantânea, abstrata, atravessa minha sensibilidade, devo saberdescer novamente ao nível psicológico normal, realizando atransformação em direção inversa, pois que, sem isso, não meseria possível comunicar-me nem me fazer compreendido. De-vo, assim, saber oscilar ao longo da escala da evolução e da in-volução, com diferentes focalizações de consciência, que mepermitam exprimir, em termos racionais e de análise, a intuiçãosintética, que em sua forma originária é inexprimível.

O que descrevi é, sobretudo, a técnica funcional do meu fe-nômeno, que, melhor que ninguém, eu conheço. Assim, confi-ando-me, nos pontos mais salientes, à intuição, defini o proble-ma, para mim também até agora incerto, de minha inspiração.

◘ ◘ ◘ Estabelecida, assim, a estrutura central do fenômeno, com-pletemo-lhe a interpretação em outros aspectos seus.

O pensamento é, portanto, totalmente uma noúre e se comu-nica e ecoa de centro a centro; o universo está saturado de ema-nações conceptuais, que são percebidas todas as vezes que o ser,por evolução, haja alcançado o grau de sensibilização suficientepara entrar em ressonância. No plano dinâmico e psíquico, ouniverso aparece ao sensitivo como um oceano ilimitado de ir-radiações de todo gênero. Essas emanações, cada uma em seunível, em formas diversíssimas, obedecem ao mesmo princípiouniversal de expansão, coligam o universo em todas as suas par-tes e representam o órgão de sua sensibilidade física e psíquica.

Quanto mais se ascende evolutivamente, mais sutilmente se sen-te o universo, mais claramente se percebe e concebe a si mesmo.A consciência altíssima, que conhece todo o funcionamento dogrande organismo, é a ideia diretriz de Deus. É este o centro emdireção ao qual ascendem os vários planos da evolução, a metalongínqua a que tendem esses sobrepujamentos de consciência ede dimensões. Eis porque o conteúdo da mediunidade inspirati-va é a revelação, eis porque ela conduz à unidade e à verdade.

Isso nos faz compreender como, somente em nosso mundoinvoluído, em que o pensamento é continuamente estorvado emsua circulação pelas resistências da matéria, possa ser ele con-cebido aprisionado, separado na forma da individualidade hu-mana. Somente nesses planos mais baixos, o pensamento pode

permanecer diferenciado, entre barreiras pessoais; mais no alto,ele circula livremente, fundindo com facilidade, na mesma res-sonância, os centros hipersensíveis, que assim se unificam nomesmo modo de ser, cujo timbre é definido pela corrente de seuplano. Nesse nível, a forma do ser é psíquica, não mais física;não é mais um corpo, mas um estado de consciência, e é defini-

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 39

da pela irradiação naturalmente dominante naquele plano, emque os seres automaticamente se equilibram, pelo seu peso es-pecífico, na escala da evolução. Como estamos vendo, é possí-vel enfrentar e resolver problemas de alta teologia com os con-ceitos mais exatos da psicologia científica.

Pode-se, agora, melhor compreender o que já foi dito sobreo problema da individualidade do centro transmissor, como jáfoi por outrem percebido, isto é, que essa voz inspirativa “nãodeve ser entendida como um ser invisível individual, mas comouma emanação de energias espirituais fundidas num feixe”(Ferder, “O Ciclo Progressivo das Existências”). 

Quando a inspiração toca certo nível, não mais se pode fa-lar de uma entidade como centro psíquico, num sentido pesso-al humano, não se pode definir nem limitar a fonte a um no-me; pode-se apenas indicar a direção de proveniência e falarde planos de evolução e de correntes noúricas que os percor-rem e definem.

Foi nesse sentido que falei de Cristo como centro de emana-ção, fonte de revelação, corrente de pensamento sempre presen-te que governa o mundo. Somente esta concepção cósmica doCristo, muito superior à histórica e humana, pode dar-nos osentido de Sua divindade e de Sua presença, atividade e funçãohistórico-social. A imprensa sul-americana, com muita precipi-tação e simplicidade, atribuiu, sem mais, a Cristo as Mensagens e  A Grande Síntese, pelo seu sabor evangélico. É preciso, po-rém, compreender quão perigoso e anticientífico é definir, deforma tão categórica, uma proveniência que reduz o Cristo àcomum concepção histórica humana; é preciso entender que oCristo real não pode ter, em Sua essência, nenhuma forma emnosso concebível, que não o alcança nem o contém senão redu-zidamente. No meu caso, pois, só se pode falar de direção dadescida das noúres; pode-se dizer que, desde a direção, nin-guém sabe quão longínqua e de qual vertiginosa altura, que temseu início em Cristo e na Divindade, procede uma noúre, atra-vés não se sabe de quantos planos e sofrendo desconhecidas re-

duções de adaptação, até ao plano em que minha mais altaconsciência inspirativa, ascendendo fatigosamente, pode captá-la, para realizar o último e certamente o mais rápido caminhoque devia levá-la à forma da psicologia humana.

“A vós venho do Alto e de muito longe”, diz Sua Voz na Mensagem do Perdão. “Não podeis perceber  quão longo é ocaminho que nós, puro pensamento, devemos percorrer a fimde superar a imensa distância espiritual que nos separa de vós,imersos na terra lodosa. Vossas distâncias psicológicas sãomaiores e mais difíceis de ser vencidas que as distâncias deespaço e de tempo”. 

Isso significa distância conceptual da fonte e longo caminhopercorrido, isto é, redução dimensional efetuada para superar

aquela distância e descer daquela altura ao nosso plano de evo-lução; distâncias psicológicas, evolutivas, de dimensão concep-tual. Só agora, que delineamos este estudo técnico sobre as noú-res, podemos compreender o processo de redução que essa des-cida de correntes espirituais implica, a série de filtragens que énecessária, através de vários planos, para que a luz seja percep-tível e a irradiação acessível, e quantos intermediários, de gra-dual transparência espiritual, devem colaborar para que a ce-gueira espiritual do intermediário possa alcançar o alto e a po-tência conceptual possa chegar límpida, sem ofuscar-se, ao pla-no terreno. Nesse complexo processo, muitos auxílios são ne-cessários ao lado de meu esforço, e, não obstante minha formade mediunidade inspirativa consciente, grande parte da trans-

formação tem de se realizar fora de minha consciência, em pla-nos superiores aos que me são acessíveis; um trabalho de prepa-ração, que ignoro, tem de realizar-se acima de mim, para trazer anoúre até ao plano de minha captação. O fenômeno é vasto, feitode diversas colaborações, através de gradações de pureza e ele-vação de que eu sou apenas o último termo, o mais baixo e invo-

luído. No Alto, como realidade objetiva e científica que eu sinto,se acha uma estrutura de hierarquias que gravitam, de esfera emesfera, na grande luz de Deus, prolongando-se até aos planos in-feriores, e a Terra recebe as irradiações do Alto e é guiada.

Após tudo isso, compreende-se sempre melhor que o pro-blema para mim fundamental, como primeira condição paraminha captação noúrica, é o da ascensão espiritual; compreen-de-se como, para mim, a questão da mediunidade e a do aper-feiçoamento espiritual devem coincidir.

Se a fonte da inspiração está no Alto, eu devo viver sempreestirado para o Alto, para poder atingi-la. Sou uma antena sen-sibilizada pela dor, que deve elevar-se o mais possível aos pla-nos superiores, a fim de trazer deles ao nosso suas concepções.Quanto mais me purificar, mais alto poderei subir e mais seampliará meu raio de sintonização e captação. Em ultrafania,vigora a lei de afinidade. É princípio geral que cada médiumnão pode entrar em sintonia consciente senão com a noúre dopróprio nível evolutivo. Isso porque a recepção inspirativa nãose deve a uma transmissão individual, mas é uma imersão mi-nha numa corrente de pensamento ou atmosfera conceptual,em sintonia com a qual se determina a forma de minha consci-ência. Por isso, se eu descer moralmente, me dessensibilizotambém e perco a consciência daquele plano de noúres, densi-fico meu peso específico e perco a capacidade de mover-menaquelas alturas. Devo afinar diariamente o delicado instru-mento da minha ressonância no sofrimento e no desapego, afim de poder facilmente superar, sem correspondência, o mardas noúres involuídas e barônticas que me circunda. Devo sen-sibilizar cada dia o ambiente, para que, por diferença de suanatureza, permaneça surdo às vibrações mais baixas e se lance,pelo contrário, para o alto, somente vibrando se percutido poremanações elevadas. Do mesmo modo que a onda elétrica, porser mais evolvida, é também mais potente e mais livre que aonda acústica, isto é, domina um raio de ação mais vasto, che-ga mais depressa e mais longe porque mais supera a dimensão

espaço-tempo, também a emanação ultrafânica, captada pelaminha recepção, quanto mais no alto estiver situada evoluti-vamente, tanto mais poderosa e livre é e mais amplamente su-pera os limites das dimensões inferiores, e tanto mais vasto é ocampo conceptual que domina. De qualquer modo, quantomais elevada for, mais poderosa será. Quanto mais eu subirevolutivamente, mais potente será a fonte que poderei atingir,mais se dilatará, pois, o raio de minha captação conceptual,mais profunda será minha visão das verdades absolutas. O pro-gresso e o fortalecimento de minha inspiração provém inteira-mente de meu progresso espiritual, porquanto basta subir parasaber. Eu não estudo em livros, mas leio na vida.  “ Há mais coi-sas no livro de Deus que nos vossos”  –  dizia Joana D’Arc  –  “e

eu sei ler num livro que vós não sabeis ler ”. A sabedoria maisprofunda é dada pela evolução, e não pela cultura. Isso poderáparecer absurdo em face da psicologia prática, mas os fenôme-nos têm uma lógica, e é preciso segui-la até às profundezas.

Compreende-se, deste modo, como eu situo o problema deminha mediunidade inspirativa e por que acredito que assim sedeve orientar o estudo dos casos de ultrafania elevada. Ao pas-so que a grande distinção da mediunidade comum é entre vidaterrena e além, a minha diferenciação fundamental é entre in-voluído e evoluído; meu problema mediúnico é problema éti-co, é o problema da ascensão do universo e, enquanto imergesuas raízes na mais baixa animalidade, expande suas ramifica-ções no céu das dimensões superconceptuais. No meu caso,

por isso , não tem sentido, deixando-me indiferente, a comuni-cação com os espíritos de defuntos que, situados mais ou me-nos no nosso nível, nada sabem, nada têm para nos dizer, repe-tindo as velhas e pobres coisas humanas.

A mim urge, ao contrário, superar este plano humano emque vivos e mortos se agitam e em que se permanece sempre a-

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40 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

qui em baixo, na sombra. Hamlet  dizia: “ser ou não ser ”. Eudigo: “subir para saber, eis o problema”. Estabelecida a pr e-missa, demonstrada em  A Grande Síntese, da evolução das di-mensões e da ascensão dos seres através de planos de sensibili-dade, de perfeição moral e de potência conceptual; estabelecidoo monismo, também demonstrado em A Grande Síntese, isto é,um universo gerado por um princípio único  – Deus  – e, final-mente, admitida esta teoria, já agora evidente, por mim realiza-da, da percepção noúrica por sintonização, compreende-se co-mo minha mediunidade não pode ser senão a forma da evolu-ção psíquica e espiritual do homem, repetindo a aspiração detodo o universo, a encaminhar-se para seu centro, Deus.

Minha mediunidade ora e adora e, por isso, é religião, colo-cando-se assim em face da ciência, porque possui e demonstra averdade. O fenômeno da minha captação noúrica está aberto di-ante da eternidade. Sinto que, através dele, de corrente em cor-rente, de esfera em esfera, eu me remonto àquele divino centrode poder e de conceito. Sinto que Ele me chama das profunde-zas do meu eu e das profundezas dos seres. Imergindo por meiode minha mediunidade, nos estratos mais íntimos de minhaconsciência, sinto que, através deles, subo aos vários planosevolutivos e que meu espírito encontra a unidade, o principio, asubstância, o absoluto. Nas entranhas do relativo e além dele,sinto a verdade imóvel, em torno da qual ele vai girando novórtice da evolução. Porque a direção das noúres está nas pro-fundezas do nosso eu e das coisas, onde se encontra Deus.

◘ ◘ ◘ Dirijamos agora o olhar para o outro extremo, mais baixo e

mais acessível, do fenômeno. É evidente que, em suas zonas su-periores, o fenômeno não pode ser atingido pela observação eque, além destas declarações, que só eu posso fazer, o fenômenopermanece, em sua fase de origem, cientificamente incontrolá-vel. Pensemos na relatividade da nossa posição na escala da evo-lução intelectual dos seres e como nosso maior gênio representauma redução de dimensão, um meio denso e material em relação

a fases mais evolvidas e espirituais. Já nos espantam a instanta-neidade do pensamento e a profecia, que domina o futuro, e es-tas são apenas as primeiras vitórias sobre a dimensão temporal.A ciência, produto da psique humana, não pode possuir os meiosde observação do que supera a capacidade da própria psique.

Em sua origem, a noúre elevada da revelação não é pensa-mento, que se transmite esfericamente, por ondas, ainda queatravés dum meio sutilíssimo, aos últimos limites da dimensãoespacial; é, porém, emanação de um superior estado cinético dasubstância que, transportado ao nosso concebível, constitui umarealidade inimaginável, porque estendida numa gama de esta-dos cinéticos com os quais a psique humana normal não sabeentrar em ressonância (compreensão).

A noúre penetra na zona do perceptível normal somente emsua fase de chegada, assumindo a forma vibratória de pensa-mento só depois de concluído o processo de transformação in-volutiva na consciência do médium. A ciência não possui, porisso, outro meio de pesquisa e não pode atingir o fenômeno se-não através desse instrumento. Não existe nenhum veículo me-cânico que possibilite a alguém percorrer a dimensão evolução, senão o próprio eu que evolve. Não existem meios para captar osupersensório a não ser esse órgão ultrafânico que funcionacomo transformador noúrico ou redutor de dimensões. Não res-ta, pois, à ciência senão uma observação indireta do fenômeno,tal como aparece refletido na psique do médium inspirado. Porisso, quis analisar o meu caso, porque só eu o tenho, completo e

à mão, para as observações. Só reunindo na mesma pessoa afunção da ciência que observa e a do ultrafano que sente e re-gistra, pode-se estudar intimamente o problema. Outra pessoa,embora mais sábia, não possui o contato direto com os fatos domeu mundo interior. Somente eu assisto ao processo de minhacaptação noúrica, e não me é permitido fazer com que outros a

ele assistam senão através destas minhas descrições. Para estes,não existe senão a possibilidade de estudo das minhas declara-ções e da estrutura psicológica das registrações conceptuais pormim realizadas. Permanecerão de fora, contudo, aqueles quenão o puderem compreender, porquanto as mesmas leis do pen-samento, que também agora permanecem reais, não me permi-tem comunicar minhas sensações senão a quem é capaz de en-trar em ressonância com tal ordem de vibrações. É natural, pois,que muitos neguem, porque não acham nenhuma correspon-dência na própria sensibilidade. Nada posso fazer por eles. Nãose pode fazer ouvir o som a um surdo, nem fazer ver a luz a umcego. Os fatos, porém, continuam representando um enigma, e,com a acusação de desequilíbrio neurótico, me será atribuída apaternidade absoluta de A Grande Síntese, o que esta desmentecom toda a evidência. Para todos, permanece indestrutível oproduto do processo inspirativo, a verificação de que é difícilconsegui-lo com os recursos culturais normais; permanece a ló-gica desta minha interpretação, uma construção conceptual quese estende através de todo este volume só para sustentar umainexplicável humildade que renuncia a fazer próprio um produ-to intelectual que eu tinha a meu alcance.

Desçamos, agora, da altura da emanação noúrica ao nívelhumano, onde se detém a transmissão e se fixa a recepção. Oúltimo termo da transformação noúrica, o mais baixo do pro-cesso fenomênico, a zona de máxima involução, está no orga-nismo nervoso-cerebral do médium. Já mostrei que importaelevar o potencial nervoso para atingir a percepção noúrica. É-me necessário, por isso, um aumento de tensão elétrica que mepermita entrar em ressonância com a corrente noúrica, assu-mindo uma frequência maior (intuição) do que a racional nor-mal. O período de adormecimento da consciência normal, queinicia a recepção, é o trabalho de colocação em fase com umafrequência de percepção superior à normal, saindo da ordem devibrações comuns, para sintonizar com outra mais poderosa. Avontade é uma irradiação mais involuída, proveniente de uma

frequência vibratória inferior e cuja presença tem um poderdestrutivo sobre esses mais evolvidos e delicados estados vibra-tórios que permitem a sintonização com a noúre. Por isso o ins-pirado é um sensitivo, e não, exceto raramente, um volitivo edominador, tipo apto para dirigir e que, diante de tais proble-mas, por sua vez, é impotente.

Tudo isso explica o trabalho de sintonização ambiental queauxilia minha registração, a necessidade que tenho de encami-nhá-la a uma harmonização vibratória de meu próprio eu, aqual, quanto mais se eleva, mais tem de ser profunda. Explica-se assim o fato de um afrouxamento de tensão de minha parte,por cansaço ou por distúrbios no ambiente, poder produzir ver-dadeiros fenômenos de esvanescimento, analogamente ao fe-

nômeno de evanescência (fading) das radiotransmissões. Emsua zona mais baixa, o fenômeno tem características elétricas,pois é constituído, na verdade, no plasma cerebral, por disposi-ções de cinética atômica, e o átomo é um organismo elétrico.

Essa oscilação, pois, que meu ser psíquico tem de realizarao longo da escala de evolução e involução para ascender auma dimensão superior e depois reduzi-la à normal, se reflete,em sua zona mais baixa, em mudanças de potencial, de tensão ede frequência vibratória no meu sistema nervoso e cerebral. Atransformação de dimensão, iniciada pela emanação origináriapor processos imateriais supersensórios, incontroláveis pela ob-servação, à medida que desce involutivamente, vai-se tornandoacessível aos métodos da ciência, porque se manifesta, final-

mente, em forma de onda-pensamento no meu cérebro e termi-na através de movimentos musculares da mão sobre a ponta dapena. Esta é a fase final, a mais densa, da materialização danoúre. O pensamento, que antes era móvel e fluido, solidifica-se agora na palavra, cristaliza-se numa forma imutável. O pen-samento que antes eu sentia completo, instantâneo e contempo-

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râneo, justamente porque numa dimensão supertemporal, devotransformá-lo, na redução, em consecutivo e filiforme como napalavra: redução de dimensão volumétrica a linear.

O momento em que o fenômeno se torna tangível é o da co-agulação da substância mobilíssima e evanescente, rapidíssimapara escapar, e que eu trago segura, num estado de extrema de-licadeza perceptiva, que é também vulnerabilidade nervosa, queme faz estremecer a cada perturbação ou interrupção. Isso semostra lógico, desde que se pense no processo que se tem derealizar em minha psique e no meu cérebro. Acompanho a cor-rente noúrica como arrebatado em êxtase; devo enfrear e domi-nar sua contemporaneidade na gênese filiforme do pensamento;devo fazer transparecer na modulação racional e linguística amodulação da emanação superconceptual originária; devo man-ter, através da minha tensão, a percepção supersensória anímicae abstrata como uma ligação delicadíssima que, ao mínimochoque, se rompe. Medite-se em quanto a emanação de origemestá distante da registração final e, no entanto, elas devem estarunidas em ressonância, e a modulação de chegada, embora re-duzida, deve coincidir, sem distorções, com a modulação departida. A mínima vibração desarmônica (quanto mais alto sesobe mais o estado harmônico é necessário, porque é um avizi-nhar-se da unificação), qualquer choque heterogêneo, acústicoou psíquico, que penetre o ambiente pode produzir distorçõespor interferência. Nesse caso, eu sofro e me canso (e aí não de-ve haver cansaço), pois que tenho de reconstituir a tensão.

Um conceito é um estado vibratório individuado e delica-díssimo, que, uma vez perdido, não mais se acha nem com alógica e muito menos com a vontade, não retornando senãoquando excitado por conexão de ideias isto é, por uma novapassagem próxima num estado vibratório afim. Por isso, eu es-crevo rapidamente, deixando a forma aos automatismos; minhacultura me é necessária por esse motivo, pois certos conheci-mentos inferiores, para alcançarem mais depressa o objetivo,devem ser instintivos. Neste caso, as capacidades culturais re-

presentam a exercitação e o crisol do instrumento e são neces-sárias pela lei do meio mínimo33.Se a tensão é igual e a sintonização aderente, sem perturba-

ções e interferências, a registração se processa segura, perfeitano conceito e na forma. Por isso tomo as minhas precauções eescrevo à noite, quer pela ausência de ruídos quer pela seguran-ça de não ser interrompido, mas sobretudo pela tranquilidadeque, com o sono, sobrevêm ao estado psíquico geral, que, du-rante o dia, pelas emanações violentas, me é verdadeiramenteatordoante, e, finalmente, porque sinto que os próprios raios so-lares têm um poder destruidor.

Sei que muitos escritores e artistas trabalhavam à noite (porexemplo, Debussy). Sinto até os distúrbios elétricos da atmos-

fera. Tudo que perturba o rádio também me prejudica, emborarelativamente. Porque as descargas elétricas, se bem que pode-rosas, provenientes de planos de evolução diferentes (dinâmi-cos, e não psíquicos), sendo de natureza diversa, estão qualita-tivamente mais distantes de mim, ao passo que um estado deânimo barôntico (involuído) dos meus semelhantes, que apre-sentam maior afinidade com minha natureza humana, se intro-duz mais facilmente em meu estado vibratório. Ferem-me, porisso, um impulso de ira que se dê nas vizinhanças, as emanaçõesdos alcoolizados e de qualquer ambiente moralmente poucoevolvido. Tudo isso, especialmente se inesperado, pode consti-tuir para o meu sistema nervoso um choque que é agudo sofri-mento. Certas músicas, ao contrário, especialmente se de pro-

funda orquestração, têm para mim um poder sintonizante acen-tuado, como Bach, Wagner, o piano de Chopin e Liszt, Rimsky,

33 O princípio do meio mínimo “regula a economia da evolução, ev i-tando inútil dispêndio de forças”. Sobre o assunto fala  A Grande Sínte-se no seu Cap. XL (“Apectos Menores da Lei”) (N. do T.). 

Korsakow, Mussorgsky, Glasunow, Albeniz, Palestrina, Debus-sy e muitos outros, ao passo que Stravinsky, por exemplo, meirrita, a potência de Beethoven, assim como a de Miguel Ânge-lo, me esmaga, Mozart não sofre e não clama como eu deseja-ria. Tenho necessidade de compositores cuja noúre se afinecom a minha, para que sua música me ajude, fundindo-se emminha sintonização.

Resumindo, pois: quanto mais abstrato é o pensamento tan-to mais desmaterializada pela forma dinâmica é a onda de suavibração. O conceito, em sua origem, nem sequer de palavra sereveste, não tem linguagem, involvendo-se, em descida cada

vez maior, até à percepção sensória e à imobilização no escrito.Quanto mais desce o fenômeno involutivamente, mais éapreciável na forma ondulatória das ondas hertzianas e do som,da luz, etc., localizando-se também, especialmente, numa sedefísica: o cérebro. Pode-se buscar aqui o órgão especifico dainspiração ultrafânica: a epífise. A epífise pode definir-se: “oórgão do cérebro, não ainda suficientemente conhecido, que éindicado, ultrafanicamente, como o meio mecânico através doqual as noúres são recebidas pelos hipersensitivos” (Trespioli,“ Biosofia”, pág. 232). O órgão da sintonização noúrica se en-contra no cérebro e é particularmente a glândula pineal. Disse –   “particularmente”. Devemos entender -nos logo a respeitodos princípios de fisiologia. A ciência materialista teve a ma-

nia da localização das funções cerebrais, dando-se à caça dasede fisiológica das funções psíquicas através de experiênciasde extrações localizadas. Tudo isso é resultado de sua orienta-ção materialista e não poderia revelar-lhe senão relações e as-sociações superficiais, nunca o princípio funcional do cérebro.Este é somente o órgão das funções psíquicas, e sua estrutura éefeito, e não causa de funções. O pensamento não é uma secre-ção do cérebro, mas sim o cérebro é, se podemos dizer assim,uma secreção do pensamento.

O órgão cerebral é o produto mais elevado da evolução bio-lógica; é o órgão através do qual a química inorgânica do mun-do pré-vital, internando-se, posteriormente, no complexo meta-bolismo da química orgânica, atinge um estado de superquími-

ca, em que os íntimos movimentos planetários atômicos se des-locam até à desmaterialização da matéria.A ciência não admite nem possui os recursos de observação

para conhecer as formas de vida invisíveis, mas reais, que aevolução biológica produziu após o cérebro, isto é, a consciên-cia. Encontra-se, pois, estudando o cérebro nas mesmas condi-

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ções de um selvagem que observasse um aparelho de rádio semconhecer-lhe o princípio. É inútil olhar exteriormente os fios,lâminas e válvulas, se não se conhece o princípio das ondashertzianas. É inútil pesar o cérebro, medir-lhe o volume, se é aqualidade que importa, e não a quantidade; inútil estudar-lhe aanatomia, contar-lhe as circunvoluções, localizar centros corti-cais, perseguir os circuitos elétricos centrífugos e centrípetosatravés do sistema nervoso. A ciência se achará sempre e uni-camente em face dos fundamentos do edifício, não lhe enxer-gando a superelevação evolutiva no mundo do imponderável,outro organismo vivo, em funcionamento, palpitante de vibra-ções, mas imaterial, cujo conhecimento anatômico é atingidopor outros caminhos e com outros instrumentos, porque situadoem dimensões hiperespaciais. O cérebro é o substrato materialdestas forças superbiológicas, seu ponto de contato com o or-ganismo animal; é o órgão por meio do qual o organismo psí-quico entra em contato com o mundo sensório da matéria. O cé-rebro, pois, que foi meio construtivo do psiquismo, é igualmen-te seu invólucro exterior, seu apoio material e funcional, e estápara a consciência como o esqueleto está para o organismo hu-mano que sustenta, mas de que não poderá jamais revelar nemo princípio nem o complexo funcionamento. Para compreendero órgão cerebral, não basta, portanto, olhar seu exterior comsimplismo pueril, mas importa penetrar na orientação cinéticados movimentos planetários dos átomos de suas células, obser-var as deslocações que as vibrações ondulatórias do pensamen-to operam nessas disposições e as mudanças que aí operam asemanações noúricas quando chegam, por redução involutiva, aesse plano de oscilação dinâmica. A anatomia tem que descer àanálise da natureza magnética dessas correntes imponderáveisque emanam de todas as coisas e que impressionam esses cen-tros, nos quais a sensibilização é máxima, porque se encontramno ápice da evolução biológica.

Compreender-se-á, então, como o cérebro, órgão normal daconsciência, em certos momentos e casos, não a possa conter

completamente, e ela dele extravase, superando as limitaçõesdo meio com uma percepção anímica direta, supersensória. Etanto a consciência supera o meio, que sobrevive à sua destrui-ção, com o grau de sensibilidade que é dado, como vimos, peloplano de evolução espiritual alcançado em vida, isto é, propor-cional ao grau de desmaterialização realizado.

Leio, num tratado, que, mesmo com a destruição de um he-misfério cerebral completo, a consciência também pode persis-tir. Isso demonstra a loucura da teoria das localizações e comoé absurdo pretender estabelecer o lóbulo central da consciência.O cérebro não pode ser reduzido à função mecânica de um ór-gão muscular. Pense-se que ele funciona não somente movidopor correntes elétricas nervosas internas, mas também percutido

por correntes ondulatórias que percorrem o espaço sem suportematerial, ao influxo das quais ele também vibra.Tudo isso expus para demonstrar que a localização da re-

cepção noúrica na glândula pineal é relativa e aproximativa,sendo melhor dizer que nela o fenômeno é preponderante, poistodo o cérebro vibra em ressonância, todo o sistema nervoso,todo o organismo. A glândula pineal é o órgão central, o con-densador variável da sintonização e, também podemos dizer, oórgão de amplificação da registração noúrica. Mas todo o or-ganismo colabora mais ou menos diretamente, em conexão,funcionando como caixa ressonante em que as radiações se re-percutem e se harmonizam.

Na epífise, a percepção noúrica se realiza por uma diversa

orientação impressa pelas vibrações da corrente noúrica, degra-dada na forma de onda, nos   movimentos planetários internosdos átomos das moléculas, lançadas no metabolismo celular dasubstância glandular pineal. O último termo dos fenômenos estásempre na cinética atômica. Todo o cérebro, porém, é semprepercutido e percorrido por correntes psíquicas, que o mantêm

em contínua oscilação, funcionando constantemente comotransmissor de vibrações-pensamento. Assim como o olhosempre vibra à luz e o ouvido ao som, do mesmo modo vibra océrebro ao pensamento. Este princípio geral se aplica no casoda recepção noúrica, em que se destaca evidente a ressonância.Na percepção sensória, a ressonância se dá dirigida por ummeio condutor; na noúrica, processa-se livre, mas sempre setrata de vibração por sintonização. Isso é compreensível hoje,quando também a telegrafia se tornou sem fios.

No meu caso, a epífise deve haver atingido um grau evolu-

tivo de potencialidade (não volume, mas orientação cinéticaatômica) e de sensibilização que a possibilita funcionar comoantena na dimensão evolução e como transformador, isto é,como redutor involutivo.

O outro problema afim é o de saber como estes órgãos atin-gem esse grau evolutivo. O funcionamento e o desenvolvimen-to evolutivo de um órgão é dado pela corrente nervosa que omantém e lhe excita as trocas, fornecendo-lhe a alimentação di-nâmica. Quando do centro não descem mais essas correntesnervosas, o órgão se atrofia e, quando as correntes se intensifi-cam, ao contrário, desenvolve-se.

Essas correntes não são mais que impulsos elétricos quemodificam a orientação dos íntimos movimentos do átomo, queé um organismo elétrico, alterando, assim, toda a química datroca, que pode, assim, encaminhar-se para a atrofia ou para su-periores formas de evolução.

O centro irradiante destas correntes está além do sistemanervoso e do cérebro, que são dois meios intermediários maisbaixos; é a própria consciência que está à frente da marcha evo-lutiva e que, à medida que se vai elevando, retira as correntesdo funcionamento nos níveis inferiores, centralizando-as numfuncionamento evolutivamente mais alto. Desse modo, no ins-pirado, o organismo tende ao emagrecimento muscular, as fun-

ções digestivas não mais admitem labores pesados, tudo tende àatrofia do que é físico para alimentar o que é psíquico. É absur-do procurar no intelectual e no gênio um cérebro mais volumo-so, quando ele se acha justamente no caminho da desmateriali-zação. Estamos nos antípodas da ciência. No caso do órgão ce-rebral, a desmaterialização progressiva de funções por evolução

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 43

é, como já disse, problema de cinética atômica, e é neste senti-do que aqui falei de funções espirituais.

A glândula pineal é, pois, o órgão central da ressonância psí-quica e da sintonização noúrica. No meu caso, essa glândula é oórgão principal da ressonância superconceptual e, simultanea-mente, de transformação de dimensão, isto é, o órgão em que seforma, por deslocações cinéticas na intima estrutura dos átomos,a redução da emanação noúrica em forma de pensamento.

As ressonâncias, porém, não são todas iguais nos diversosultrafanos. Alguns deles têm uma extensa gama de possibilida-

des de sintonização, embora se mantendo num nível mais bai-xo; e, entre todas, existe muitas vezes a sintonização preferida,que é aquela de maior afinidade. O meu caso, pelo contrário,poder-se-ia chamar de sintonização fixa, de ressonância única,porque, por instinto de simpatia, eu me ligo ao contato de má-xima elevação que minha evolução me permite e rejeito todosos outros. Pelo fenômeno da ressonância, que é unificação devibrações, estabelece-se como que uma fusão do meu eu maiselevado com o centro emissor, uma reabsorção de minha perso-nalidade na noúre, pela qual, naquele nível, não mais existe dis-tinção entre o eu e o não-eu, e tudo se torna a mesma força, omesmo pensamento, a mesma corrente.

A matéria separa, mas, quando nos elevamos e nos aproxi-mamos da unificação, a evolução nos conduz ao centro divino.

Naquele plano, não mais faço distinção entre a entidadeinspiradora, a noúre captada e o meu eu mais profundo. É na-tural que o mais absorva o menos, que a pobre chamazinha demeu espírito se confunda no incêndio e que eu não mais saibadizer: “eu”. A distinção renasce, rápida, apenas quando, na re-

dução de dimensão, torno a descer, involutivamente, até minhapersonalidade humana. O meu caso é, pois, de ultrafania espe-cializada na captação conceptual, e esta é verdadeiramente amarca das minhas registrações.

Tendo à ligação máxima porque esta me dá o conceito má-ximo. Isso não impede que a ressonância possa formar-se, ferin-

do-me indiretamente, também com seres e coisas de planos in-feriores. Eu, porém, não os aceito senão como elementos ambi-entais secundários de harmonização; poderiam eles ser úteis pa-ra a inspiração artística e musical, mas não para a conceptual.Existe também nas profundezas de minha psique o poder seleti-vo, sem o qual se daria, como em alguns velhos rádios, umaconfusão de harmonias. Há em minha glândula pineal um órgãode seleção, de que me utilizo, não para captar, mas para afastar,após havê-las reconhecido, as ressonâncias que se apartam deminha registração conceptual e que me soam como dissonân-

cias barônticas, como distúrbios de que procuro isolar-me.

Se a glândula pineal ou epífise, órgão da sintonização noú-rica, não pode sobressair radioscopicamente, pela transparênciados tecidos aos raios, todavia zonas de maior sombra na foto-grafia positiva e maior luz na negativa, na zona craniana central(nas fotos I e II, um pouco acima do centro, entre os olhos; nasfotos III e IV, no centro da caixa craniana) indicam a sede dafunção noúrica, no ponto central da esfera cerebral e craniana,que funciona como invólucro exterior, protetivo e ressonante.Se, ao centro dessas zonas de maior densidade, se localizam ocondensador variável da sintonização e também o órgão de am-plificação da registração noúrica, a quase-esfera de matéria ce-rebral, delineada pela quase-esférica caixa craniana, como teci-do especializado, exerce sua função de caixa harmônica de res-

sonância e segundo órgão de amplificação. A estrutura geomé-trica desse primeiro ambiente fechado é apropriada à potencia-lização da onda transmissora e da onda captada, o que se verifi-ca na emanação e na recepção noúricas. Sobretudo neste últimocaso, da registração de emanações provenientes de dimensõessuperconceptuais, quando a corrente atinge por redução dimen-

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sional a fase dinâmica, assumindo a forma de onda que setransmite por pulsações esféricas, então a caixa craniana, fe-chada em si, multiplica e amplifica, por refração interna (noambiente cerebral particularmente apto a entrar em vibração, seexcitado pela ação de tais ondas psíquicas), aquelas ondas, que,

  justamente na zona cerebral, realizam a última fase de sua re-dução dimensional, já iniciada antes, fora do espaço e depois noespaço de emanação psíquica do sujeito. Assim transformadas epotencializadas no cérebro, em que, por absorção, se revestemde energia nervosa, ribombando, finalmente fechadas na caixacraniana, isolante e internamente quase-esférica, as ondas po-dem impressionar muito mais energicamente a epífise noúrica.

Na radioscopia lateral, é visível, como em seção, à margem,a caixa óssea, que funciona como invólucro isolante do ambien-te amplificador cerebral. Esta massa se abre para uma zona demaior transparência e menor densidade, que, na positiva, é umazona de maior luminosidade, e isso na direção do alto, que é adireção das correntes noúricas. E esta seria, por razões de dire-ção e de menor resistência, como também de equilíbrio vibrató-rio, a zona normal de penetração noúrica, a porta aberta atravésda qual a epífise pode comunicar-se externamente com as ondasque, na fase dimensional mais próxima, são espaciais. E esta nãoseria apenas a zona de penetração, mas também a janela abertada projeção noúrica, o ponto em que aflora e se projeta exteri-ormente a irradiação espiritual. Quando, através desse processoe dessa técnica, a emanação atinge o sujeito e penetra em suacaixa craniana, a corrente noúrica, degradada em forma de onda,está apta a imprimir e imprime uma diferente orientação aosmovimentos planetários dos átomos das moléculas das célulascerebrais. Então, a pura excitação noúrica se materializa aindamais, revestindo-se de energia psíquica e nervosa e tornando-sepraticamente perceptível, inclusive por instrumentos ou comosensação, e, então, atingida sua última fase de transformação, ésuficientemente densa, podendo por isso impressionar a epífise,que, arrastando consigo, em sua sintonização, o cérebro e o sis-

tema nervoso, dirige a função mecânica muscular da escrita.VI. CONCLUSÕES

Esse mundo em que nos temos agitado até agora não é ummundo fantástico. Num campo muito menos elevado, a rabdo-mancia, renascente hoje com o nome de radiestesia, demonstraque, se o sensitivo que passa sobre um manancial de água ouuma jazida mineral sente algo que pode especificar com grandeexatidão, isso quer dizer que eles emitem qualquer coisa, algu-ma irradiação de ondas eletromagnéticas que o sistema nervosohumano, sensibilizado, percebe. Os minerais, portanto, tambémemitem correntes, e no seio do universo subsiste toda uma

emanação imaterial. E, se emitem correntes os minerais, tam-bém as produzem as plantas, e uma paisagem será uma sinfoniade vibrações que o musicista poderá transformar em harmoniasmusicais. Todos os seres transmitem correntes, e, entre todos, apsique humana, que é a central mais dinâmica.

O problema das noúres adquire, assim, uma importânciamuito mais vasta que a mediúnica. O problema das noúres é oproblema da inspiração artística, que só elas podem explicar; éo problema do desenvolvimento psíquico da humanidade, dossistemas de aquisição cultural, dos novos métodos de pesquisanecessários ao ulterior progresso da ciência, métodos de con-cepção que deem novos rumos à filosofia e a todo o cognoscí-vel humano, com repercussões na direção da vida social, de

modo a tornar possíveis as bases de uma nova civilização.Observemos estas últimas consequências que enunciamos.É um fato verificado, para os que estão habituados à criação

intelectual e artística, que esta não se realiza, verdadeiramente,pelas vias da consciência quotidiana normal, que tão útil nos épara as necessidades e relações da vida. Parece quase que o pro-

cesso da racionalidade consciente e reflexa é como que suspen-so, para que, por construções superiores, um mecanismo maisíntimo e complexo seja posto em movimento numa zona maisprofunda de nosso eu, a funcionar com métodos supervolitivose super-racionais.

Os inspirados sempre tiveram uma voz; os poetas, as musas;os musicistas, a inspiração.

Wagner dizia no seu diário de vida veneziana, a propósitode uma passagem do seu Tristão: “Aquela passagem me apar e-ceu clara; transcrevi-a rapidamente, como se de há muito já asoubesse de memória”. 

Perosi diz que o compor é para ele uma necessidade impul-siva do temperamento, que tem necessidade de produzir.

Chopin compunha numa espécie de êxtase.Na realidade, artistas e gênios são ultrafanos, registradores

de noúres.É um fato que todas as mentes, sejam de artistas, sábios ou

santos, cada um em seu campo, todas as vezes que verdadeira-mente se projetaram na direção do alto, para arrancar uma orlado grande mistério das coisas  –  verdadeiros tentáculos que aevolução lança, antecipadamente, de encontro ao infinito  – usa-ram esses meios, que escapam à racionalidade comum. Esta,comparativamente, aparece como coisa vulgar, inferior, conde-nada por natureza a jamais saber elevar-se acima do plano emque se move, no infinito trabalho de análise, sem esperança desíntese. É questão de grau, porém a inspiração artística se es-fuma na mediunidade, como no caso de Rosvita Bitterlich, amenina de Innsbruck, cujas telas, tanto pelo conceito como pelatécnica, assombram os pintores e confundem os psiquiatras.

Existe outro fato, que é a fundamental unidade interior dainspiração, idêntica para todos em suas origens e que se espe-daça e modula em diversas formas somente quando desce aomundo exterior, pelos caminhos oferecidos pela capacidade dosujeito. Isso corresponde àquela unidade de princípio de que jáfalei e a que se tende por ascensão evolutiva.

Desse modo, a ideia abstrata do bem pode tornar-se músi-ca, poesia ou pintura, renúncia, martírio ou ação heroica, con-forme o ambiente humano em que se materializa. Cada reali-zação concreta é um processo involutivo em que a unidade seramifica no particular. Por isso cores e sons e as várias sensa-ções humanas se equivalem num plano mais alto e não passamde diferentes vestiduras do mesmo conceito. Esse conceito foipercebido por Franz Liszt quando, de Roma, escreve ao seuamigo Berlioz, dizendo-lhe como sentia um secreto parentescoentre Rafael e Mozart, entre Miguel Ângelo e Beethoven, entreTiciano e Rossini. Poder-se-ia afirmar que na profundeza daconsciência se tocam os planos superiores, onde a ideia, antesde descer e diferenciar-se na forma concreta, é abstrata e existe

em tipos simples e únicos para muitos grupos de manifestaçõesdiversas, e que, quanto mais subimos para o centro, tanto maisa ideia originária se faz abstrata e única, até identificar-se na-quele monismo absoluto, que é Deus. Assim, a arte e a fé, a ci-ência e a ação não passam de diferenciações produzidas peladescida daquele único princípio.

Estes elevados problemas de psicologia têm também umagrande importância prática, porque sua compreensão e soluçãorevolucionam todos os rumos intelectuais e científicos de nos-sos tempos. Revolucionam os métodos de pesquisa científica,tanto quanto os sistemas de aquisição cultural.

Estou persuadido de que o saber humano, em todos oscampos, não mais pode avançar com os velhos métodos e que

é iminente e necessária uma mudança de rota. É evidente que averdade, que tão laboriosamente se acomete, já existe íntegra,completa, funcionando desde toda a eternidade. O universo é,não de agora, um organismo perfeito, não dependendo, para is-so, da compreensão humana. Possui ele sua sabedoria e suasleis e sabe aplicá-las com consciência e equilíbrio. Não se trata,

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 45

pois, de criar coisa alguma, mas de saber enxergar o que jáexiste, de atingir conceitos que se distanciam de nosso relativo.É absurdo continuarmos a observar eterna e exteriormente osfenômenos, multiplicando observações e classificações, e per-manecermos esmagados sob a mole divergente do particular.Importa aperfeiçoar e potencializar esse instrumento de pes-quisa que é a consciência humana, se quisermos algo que pro-duza um resultado prático.

Para mim, o método racional analítico não passa de uma re-dução involutiva do método intuitivo sintético. A evolução psí-quica do homem impõe a ascensão a este método mais profun-do. Estou convencido de que a solução dos problemas não seacha no exterior sensório, mas no interior intuitivo, e só podeser alcançada se nos projetarmos dentro de nós mesmos, com aintrospecção, e não fora de nós, com a observação.

Sinto que os princípios não se podem encontrar senão porvisão, por uma transformação de consciência que se identifiquecom o fenômeno, por uma transferência do eu a um novo planoconceptual; enquanto se permanecer na dimensão atual da ra-zão, certos problemas permanecerão insolúveis. É fato compro-vado que as mais elevadas verdades, as sínteses conceptuais,sempre se descobrem a golpes de gênio, isto é, de revelação porinspiração, e não por análise objetiva e racional. Esta não sabetomar a seu cargo senão o desenvolvimento metódico de umprincípio, quando este e sua orientação já foram apresentados.

A audácia de minhas conclusões está em propor à ciência ométodo de pesquisa por inspiração noúrica como método nor-mal, a fim de que o método da intuição complete o dedutivoexperimental; estou convencido de que os conceitos já existemem forma de emanações radiantes, de correntes em expansão, eque basta captá-las; sinto que o problema do conhecimento só ésolúvel com este novo método de sintonização noúrica que te-nho vivido, aplicado e aqui amplamente descrito. Certamenteque é um método delicado e complexo. É necessário antescompreendê-lo para se saber usá-lo. Exige uma delicadeza psi-

cológica para que não se maltrate nem prejudique o delicadís-simo instrumento de pesquisa que é a psique do ultrafano. Serápreciso tempo; deverão ser superadas as resistências opostaspelo misoneísmo do passado; será laborioso reformar a psico-logia da ciência, mas não existe outro caminho para avançar.

A própria evolução tem de levar, inevitavelmente, à norma-lização da intuição.

O homem, chegado a uma determinada fase de sua evoluçãopsíquica, tem de atingir, normal e naturalmente, o conhecimen-to pelas vias da captação noúrica.

Os tempos já sentem, confusamente, essas iminentes revo-luções que abalarão em suas bases o pensamento humano; já sepronunciam vagas palavras que exprimem tentativas e tendên-

cias. Importa indicar exatamente, aprofundar, falar de coisas re-ais e casos vividos, já haver aplicado o método e realizado osresultados. Os inspirados se têm mantido até agora, comumen-te, no campo dos princípios gerais, nos termos vagos do senti-mento, nas elevadas, mas imprecisas, aspirações do misticismoe, permanecendo na linha da inspiração artística, não fizeram daintuição uma verdadeira técnica de pensamento, metodicamentedirigida na direção da pesquisa científica. Importava chegar auma revelação científica exata, dando à ultrafania um conteúdovasto e concreto, que dela fizesse um instrumento portador decontribuições tangíveis à ciência.

Nesta efervescência dos tempos, ansiosos de novas direções,foi lançada uma corrente de ideias que não poderá ser detida.

Achará ela ressonâncias que a amplificarão. Repercutirá nasconsciências que, fazendo-a suas, a levarão a grandes distâncias.O futuro da humanidade está biologicamente em sua espiri-

tualização. Ou espiritualizar-se ou morrer.O materialismo aprisionou e comprimiu o espírito na ma-

téria, talvez somente para que ele pudesse melhor explodir. Um

sopro novo tem que dinamizar tudo no espírito, pois, de outromodo, a vida se apagará. E deve ser uma espiritualidade nãovaga, sentimental, enfermiça, porém viril, operante, científica,volitiva, consciente do titânico trabalho construtivo que a es-pera e que ela tomará para si. A luta pelo espírito será a lutamais digna da vida.

Ainda outras consequências de índole prática se pode extrairdesses conceitos. Frequentemente tenho perguntado a mimmesmo: Sabemos pensar e aprender? Não encontraremos nessasprofundezas psicológicas novos métodos mais fáceis e maisprodutivos em favor da aquisição cultural?

Ao estudar e aprender, atemo-nos aos sistemas mais empíri-cos, como ler, repetir, memorizar, sem percebermos a essênciado pensamento e dos fenômenos psíquicos nem de que comple-xa entrançadura de vibrações e de ressonâncias sejam eles a sín-tese, sem nos preocuparmos de quais interferências de ondas ede quantas captações noúricas a mente seja suscetível. Não ati-ramos, talvez ao acaso, diante da mente um alimento para queela o assimile, não se sabe como?

Reconheço bem quanto a psique humana, na massa comum,é imatura para estas sutis operações de pensamento, e minhaaudácia está justamente em pensar na normalização de tais mé-

todos. Entretanto estou certo de que o homem se acha numagrande curva de seu caminho evolutivo, que a eterna criaçãobiológica está operando atualmente no nível psíquico, e quenovos métodos se impõem pela lei do meio mínimo. Por que ométodo intuitivo deve limitar-se apenas às formas artísticas epoéticas? E por que não poderá existir uma nova e normal ins-piração filosófica, matemática, social, moral, científica? Porque não reconhecermos que a sabedoria não se encontra nos li-vros, farrapos do passado, mortas cristalizações do pensamento,mas sim nas vivas correntes conceptuais em que palpita e emque se sustém todo o universo? E que, para saber, esse grandelivro do infinito é o único que importa ser lido? E, para a for-mação cultural, por que às longas e exaustivas vias do estudo

não se preferirão as da purificação da consciência, da evolução,que a conduz à dimensão superconceptual, onde a visão da ver-dade é espontânea? No Alto, a sabedoria é gratuita, e, atravésde sua progressiva espiritualização, o homem adquirirá, um dia,o conhecimento por imersão em estados vibratórios e por expo-sição da psique às correntes noúricas.

Por que, ao invés de um esforço mnemônico para acumularnoções, a formação cultural não deverá ser um processo de sen-sibilização da psique, que lhe permita a captação das ondas-pensamento por sintonização?

Tenho a sensação de um erro fundamental em todo o siste-ma cultural moderno, consistente na descentralização do co-nhecimento no particular, o que conduz ao desnorteamento naespecialização; tenho a sensação de que sob o peso esmagadorde uma série enorme de noções, ao invés da centralização con-ceptual, que, nos princípios, nos fornece a chave de todos osproblemas, se atinge a dispersão. O saber não é uma congériede conhecimentos; é uma superfície que não se domina perma-necendo no chão, percorrendo-a em todos os sentidos, mas so-mente elevando-se à altura de uma dimensão superior. A ver-dadeira cultura é algo de qualitativamente diferente da erudi-ção, é um sentido. Para o registro e armazenagem da erudiçãonão bastam as bibliotecas? A psique tem funções diretivas acumprir mais importantes que as registrações mecânicas, seme-lhantes a pesada carga para a inteligência, correspondente a tra-

balho material de caráter inferior.Na verdade, hoje se começa a pensar, mas como? A produ-ção é caótica, paleontológica, estrondeante; não é um concerto.Tenta-se, mas não se domina. A mole cultural é embaraçosa,não auxiliando, antes dificultando a síntese; o saber é exterior edesorientado e não destila na transparência que deixa ver os prin-

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46 AS NOÚRES Pietro Ubaldi 

cípios. É raro o caso da intuição que se desembaraça do passa-do, deixando de repetir velhas coisas que existem em todos oslivros e se lança, virgem, pelas vias da criação. A orientaçãomaterialista do século mecanizou também o saber, criou um ti-po de sabedoria utilitária acessível a todos, uma vestimenta quetodos podem usar; a cultura, porém, é um impulso interior, cujosegredo está na força da alma.

É necessário impelir o atual desfraldar de competições parauma direção diferente, importa deslocar o centro psicológicoda vida. Atualmente o pensamento é um esforço, porque temde emergir da cegueira da matéria; porém, em fases mais altasde sensibilização, é espontâneo, jubiloso, repousante. As at-mosferas mais rarefeitas da evolução são construídas de pen-samento; basta atingi-las.

A escola deveria ser uma palestra para a formação de cons-ciências, nunca de fatigados carregadores de conhecimentos,oprimidos pelo trabalho aquisitivo de noções.

A sufocante supercultura moderna deve ser aligeirada emverdades mais simples e sintéticas. Estas podem parecer coisaslongínquas, mas o são talvez menos do que se acredita. A vidacaminha e não pode parar. A evolução se dirigirá necessaria-mente à normalização de todas estas audácias; a ciência não

poderá permanecer sempre tão limitadamente utilitária e sentiránecessidade de completar-se. E o mundo explodirá nesses psi-quismos superiores. O pensamento superará seu hodierno perí-odo paleontológico e será a potência do homem do futuro, poiso mundo tem vivido sempre e sempre viverá de superações.

Já agora tudo disse a respeito do meu caso. Em  A GrandeSíntese, descrevi as noúres como as senti; aqui, descrevo as mi-nhas sensações ao senti-las. Observamos o fenômeno inspirati-vo em muitos outros casos, separamo-lo tecnicamente e agoraconcluímos com as consequências práticas. Agora se podecompreender o que é  A Grande Síntese. Exteriormente, é umanova filosofia da ciência, com conclusões ético-sociais, umademonstração racional de problemas científicos e éticos até

agora ainda não resolvidos e demonstrados. É uma reconquistade todo o disperso conhecimento humano, para levá-lo à unida-de. E, por esta sua amplitude de visão conceptual, que reúne opensamento religioso e o científico, a gênese mosaica e o evo-lucionismo darwiniano, já expresso pela esfinge egípcia, reli-gando-se assim a todas as revelações e atingindo a verdade úni-ca, é realmente a obra da unificação. Unificação mais profundado pensamento humano, mais completa fusão de ciência e fénão se poderia imaginar. A evolução biológica tem seu prosse-guimento na ascensão espiritual das religiões, ao longo de umaúnica linha.  A Grande Síntese realizou a audaciosa obra de fa-zer a ciência flanquear a revelação na mesma linha de desen-volvimento. É também o fato completo a demonstrar a práticaaplicabilidade do método da intuição, que nela oferece seusprodutos concretos e úteis. É uma nova pedra do edifício inspi-rativo, que prova a realidade da captação noúrica e, mais longe,da evolução psíquica em vários planos de consciência.

 A Grande Síntese, porém, é algo mais. Possui um seu aspec-to interior e é o documento que comprova a existência real dosupersensório, atingido através da inspiração. Poderá tudo issoparecer exaltação, entretanto tudo está preso em cadeias de ló-gica. As pedras são inertes, o espírito é vivo e audacioso, e eu oprendi num cárcere de racionalidade, a fim de que esta ofere-cesse a garantia da seriedade.

No seu aspecto interior e profundo, A Grande Síntese é uma

revelação. Num mundo em que todo ser é constrangido por umalei feroz a reclamar da carne do semelhante o seu próprio ali-mento, esta é uma voz que tem um timbre diferente. É uma re-velação atingida conscientemente, através de métodos precisos,de que apresentei a técnica. Sua vestimenta científica é exteriore cobre, realmente, uma substância evangélica que une a Síntese

ao desenvolvimento gradual, na Terra, do pensamento de Cris-to, que, como vimos, é uma contínua emanação. A Síntese tornaa trazer ao seio da vida o Evangelho, que hoje parece constituirsuprema utopia, unido à grande inimiga  – a ciência – como umnovo passo no caminho milenário que conduz à realização, naTerra, do Reino dos Céus.

Séria afirmação! Ondulou vagamente na profundeza de mi-nha consciência, através de todo este escrito, e somente agora,quando tenho de concluí-lo, encontrou um caminho para explo-dir em sua plenitude. Eu mesmo não havia avaliado a profundasignificação desta ou daquela sentença por mim proferida, e es-te conceito só agora o compreendo, ao investir-me ele comouma revelação. A forma da mediunidade possui uma gradaçãoevolutiva: involve na direção da forma física e evolve no senti-do da forma inspirativa.

Agora compreendo o significado da dor, da purificação, daascensão moral, colocadas no caminho da evolução de minhamediunidade, único caminho que me pode permitir alcançar es-tas noúres mais elevadas, que são minha meta. Agora compre-endo porque, no conjunto dos grandes inspirados, escolhi ins-tintivamente, por simpatia, os inspirados da revelação cristã,apartando-me dos outros, embora também grandes. Assim,

compreendo agora que me movo na linha da inspiração cristã ereconheço com que imensa noúre me acho em sintonia. Enten-do porque, ao traçar a história dos grandes inspirados, anterio-res ou posteriores a Cristo, sempre os vi encaminhando-se paraSua figura, central no mundo, e eles me apareceram natural-mente unidos em corrente na linha do lógico desenvolvimentodesta grande noúre, em cuja esteira também se arrasta minhainspiração. Agora compreendo todo o significado de  A GrandeSíntese e como existe, na verdade, essa grande noúre cristã que,de Moisés até hoje, jamais silenciou.

Com tudo isso, quero indicar apenas a direção de proveni-ência da minha fonte noúrica, que, localizando-se no Alto, estápróxima daquela unificação em que tudo se funde em Deus.

Não é Ele a fonte de todas as coisas? Que há de extraordinárioem uma inspiração descer do Alto? Por que essa grande potên-cia central deveria estar ausente, distante da Terra? Não existelá para erguer continuamente as criaturas no caminho das as-censões do espírito? Falo do Cristo cósmico, imensamente mai-or que o Cristo histórico. Com isso, repito, somente indico a di-reção, porque, como já disse, a luz, filtrada através de potênciasintermediárias e noúres de redução, não sei quanto teve deofuscar-se para chegar até mim, não obstante minha tensão as-censional, e isso por causa da opacidade de minha mediação; naregistração, certamente o pensamento original assinalará traçosde meu cansaço e de minha inferioridade humana. Nada disso éprodigioso; tudo é lógico, normal.

O martírio era um meio feroz, necessário para, em temposferozes, fazer compreender a verdade a uma humanidade feroz.Já não é ele hoje necessário, porque se entendeu a psicologiade reação que as perseguições geram e é, por isso, consideradoato de má política. Atualmente, importa trabalhar não com osangue, mas com o pensamento.

O momento histórico justifica essa descida de pensamentodos planos superiores, e já vimos que a história é uma consci-ência viva que lança forças próprias e produz os acontecimen-tos necessários à sua evolução. O momento histórico é grave.Há em seus eventos um preparar-se de maturações tão solenescomo jamais houve em tempo algum. Encontramo-nos numa

grande curva da história do mundo, e todos o pressentem. Ahumanidade está lançando as bases do novo milênio, está jo-gando a carta de sua salvação ou de sua ruína. Há hoje aquelamesma plenitude da civilização romana, que se precipitou nasinvasões bárbaras, a mesma plenitude da realeza da França,que se precipitou na Revolução.

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Pietro Ubaldi   AS NOÚRES 47

Importa dar novamente à Europa a consciência da unidadede civilização e de destino; depois da conciliação política, naItália, entre o Estado e a Igreja, urge atualmente esta maiorconciliação espiritual, no mundo, entre a ciência e a fé; é neces-sário encontrar em Deus a unidade fundamental da verdade edo pensamento. Existe, porém, nas almas o desejo da verdade, ea cisão entre ciência e fé é um caso de involução. A evolução,entretanto, é a grande lei da vida, é irresistível lei de unificação.

As civilizações se cansam; só o espírito pode dar-lhes a for-ça capaz de rejuvenescê-las. E o espírito está no Alto, na dire-ção de Cristo, Que está presente, sabe e vela.

Compreendido o mecanismo interior da vida e da sua evo-lução, tudo isso é lógico. É lógica também esta minha sinceri-dade. Agora se pode entender como este segundo volume énecessário para esclarecer, no mais íntimo,  A Grande Síntese,que, de outro modo, poderia permanecer ininteligível, mal in-terpretada em sua linguagem, por vezes audaz e apocalíptica,a ponto de poder parecer ironia se aceita como produto de mi-nha consciência normal.

Eu mesmo deveria e só eu poderia explicar certas coisas.Através desse dobrar-se sobre mim mesmo, tinha de chegar acompreendê-las.

Com o presente volume, não apenas cumpri um novo dever,mas este trabalho de reflexão foi indispensável, sobretudo paramim mesmo, para minha própria compreensão.

Fiz, neste escrito, afirmações graves; elas me empenham.Destruí as pontes à minha retaguarda: não mais me é possívelretirar-me. Este também era um dever meu.

Que sucederá agora? Aonde me conduzirá a evolução deminha mediunidade? Que novos conceitos registrará minhacaptação noúrica? Que nova maturidade espiritual e sensibiliza-ção perceptiva me trará o futuro? Que sucede nas profundezasde meu destino? De qual meta, na eternidade, me aproximo eu?

Espero a maturação de meus estados interiores e, através de-la, o contato com novas correntes de pensamento que revelem,primeiramente a mim mesmo, qual seja a direção que deve as-sumir meu trabalho. Sei que a fonte de pensamento é inesgotá-vel. Entretanto, seja o que for que possa acontecer, de uma coisaestou certo: o passado não morre; o passado é a base do futuro,no qual sempre ressurge e, por isso, jamais foi vivido em vão.

FIM

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O HOMEM

Pietro Ubaldi, filho de Sante Ubaldi e Lavínia Alleori Ubaldi, nasceu em18 de agosto de 1886, às 20:30 horas (local). Ele escolheu os pais e a cidadeonde iria nascer, Foligno, Província de Perúgia (capital da Úmbria). Foligno fi-ca situada a 18 km de Assis, cidade natal de São Francisco de Assis. Até hoje,as cidades franciscanas guardam o mesmo misticismo legado à Terra pelogrande poverelo de Assis, que viveu para Cristo, renunciando os bens materiaise os prazeres deste mundo.

Pietro Ubaldi sentiu desde a sua infância uma poderosa inclinação pelofranciscanismo e pela Boa Nova de Cristo. Não foi compreendido, nem poderiasê-lo, porque seus pais viviam felizes com a riqueza e com o conforto proporci-onado por ela. A Sra. Lavínia era descendente da nobreza italiana, única herdei-ra do título e de uma enorme fortuna, inclusive do Palácio Alleori Ubaldi. As-sim, Pietro Alleori Ubaldi foi educado com os rigores de uma vida palaciana.

Não pode ser fácil a um legítimo franciscano viver num palácio. Naturalmen-te, ele sentiu-se deslocado naquele ambiente, expatriado de seu mundo espiritual.A disciplina no palácio, ele aceitou-a facilmente. Todos deveriam seguir a orien-tação dos pais e obedecer-lhes em tudo, até na religião. Tinham de ser católicospraticantes dos atos religiosos, realizados na capela da Imaculada Conceição, nointerior do palácio. Pietro Ubaldi foi sempre obediente aos pais, aos professores, àfamília e, em sua vida missionária, a Cristo. Nem todas as obrigações palacianaslhe agradavam, mas ele as cumpriu até à sua total libertação. A primeira liberdadese deu aos cinco anos, quando solicitou de sua mãe que o mandasse à escola, eaquela bondosa senhora atendeu o pedido do filho. A segunda liberdade, verdadei-ro desabrochamento espiritual, aconteceu no ginásio, ao ouvir do professor de ci-ência a palavra “evolução”. Outra grande liberdade para o seu espírito foi com aleitura de livros sobre a imortalidade da alma e reencarnação, tornando-se reen-carnacionista aos vinte e seis anos. Daí por diante, os dois mundos, material e es-piritual, começaram a fundir-se num só. A vida na Terra não poderia ter outra fi-nalidade, além daquelas de servir a Cristo e ser útil aos homens.

Pietro Ubaldi formou-se em Direito (profissão escolhida pelos pais, mas ja-mais exercida por ele) e Música (oferecimento, também, de seus genitores), fez-sepoliglota, autodidata, falando fluentemente inglês, francês, alemão, espanhol, por-tuguês e conhecendo bem o latim; mergulhou nas diferentes correntes filosóficas ereligiosas, destacando-se como um grande pensador cristão em pleno Século XX.Ele era um homem de uma cultura invejável, o que muito lhe facilitou o cumpri-mento da missão. A sua tese de formatura na Universidade de Roma foi sobre  AEmigração Transatlântica, Especialmente para o Brasil, muito elogiada pela ban-ca examinadora e publicada num volume de 266 páginas pela Editora ErmanoLoescher Cia. Logo após a defesa dessa tese, o Sr. Sante Ubaldi lhe deu comoprêmio uma viagem aos Estados Unidos, durante seis meses.

Pietro Ubaldi casou-se com vinte e cinco anos, a conselho dos pais, que es-colheram para ele uma jovem rica e bonita, possuidora de muitas virtudes e finaeducação. Como recompensa pela aceitação da escolha, seu pai transferiu parao casal um patrimônio igual àquele trazido pela Senhora Maria Antonieta Sol-fanelli Ubaldi. Este era, agora, o nome da jovem esposa. O casamento não esta-va nos planos de Ubaldi, somente justificável porque fazia parte de seu destino.Ele girava em torno de outros objetivos: o Evangelho e os ideais franciscanos.Mesmo assim, do casal Maria Antonieta e Pietro Ubaldi nasceram três filhos:

Vicenzina (desencarnada aos dois anos de idade, em 1919), Franco (morto em1942, na Segunda Guerra Mundial) e Agnese (falecida em S. Paulo - 1975).

Aos poucos, Pietro Ubaldi foi abandonando a riqueza, deixando-a por con-ta do administrador de confiança da família. Após dezesseis anos de enlace ma-trimonial, em 1927, por ocasião da desencarnação de seu pai, ele fez o voto depobreza, transferindo à família a parte dos bens que lhe pertencia. Aprovandoaquele gesto de amor ao Evangelho, Cristo lhe apareceu. Isso para ele foi amaior confirmação à atitude tão acertada. Em 1931, com 45 anos, Pietro Ubaldiassumiu uma nova postura, estarrecedora para seus familiares: a renúncia fran-ciscana. Daquele ano em diante, iria viver com o suor do seu rosto e renunciavatodo o conforto proporcionado pela família e pela riqueza material existente.Fez concurso para professor de inglês, foi aprovado e nomeado para o LiceuTomaso Campailla, em Módica, Sicilia – região situada no extremo sul da Itália

O MISSIONÁRIO

Na primeira semana de setembro de 1931, depois da grande decisão fran-ciscana, Cristo novamente lhe apareceu e, desta vez, acompanhado de SãoFrancisco de Assis. Um à direita e outro à esquerda, fizeram companhia a Pie-tro Ubaldi durante vinte minutos, em sua caminhada matinal, na estrada deColle Umberto. Estava, portanto, confirmada sua posição.

Em 25 de dezembro de 1931, chegou-lhe de improviso a primeira mensa-gem, a  Mensagem de Natal. Por intuição ele sentiu: estava aí o início de suamissão. Outras Mensagens surgiram em novas oportunidades. Todas com amesma linguagem e conteúdo divino.

No verão de 1932, começou a escrever  A Grande Síntese, a qual só termi-

nou em 23 de agosto de 1935, às 23h00min horas (local). Esse livro, com cemcapítulos, escrito em quatro verões sucessivos, foi traduzido para vários idio-mas. Somente no Brasil, já alcançou quinze edições. Grandes escritores domundo inteiro opinaram favoravelmente sobre  A Grande Síntese. Ainda outroscompêndios, verdadeiros mananciais de sabedoria cristã, surgiram nos anos se-guintes, completando os dez volumes escritos na Itália:01) Grandes Mensagens 02) A Grande Síntese - Síntese e Solução dos Problemas da Ciência e do Espírito 03) As Noúres - Técnica e Recepção das Correntes de Pensamento 04) Ascese Mística 05) História de Um Homem 06) Fragmentos de Pensamento e de Paixão 07) A Nova Civilização do Terceiro Milênio 08) Problemas do Futuro 09) Ascensões Humanas 

10) Deus e Universo Com este último livro, Pietro Ubaldi completou sua visão teológica, alémde profundos ensinamentos no campo da ciência e da filosofia. A Grande Sínte-se e  Deus e Universo formam um tratado teológico completo, que se encontraampliado, esclarecido mais pormenorizadamente, em outros volumes escritosna Itália e no Brasil, a segunda pátria de Ubaldi.

O Brasil é a terra escolhida para ser o berço espiritual da nova civiliza-ção do Terceiro Milênio. Aqui vivem diferentes povos, irmanados, indepen-dentes de raças ou religiões que professem. Ora, Pietro Ubaldi exerceu umministério imparcial e universal, e nenhum país seria tão adaptado à sua mis-são quanto a nossa pátria. Por isso o destino quis trazê-lo para cá e aqui com-pletar sua tarefa missionária.

Nesta terra do Cruzeiro do Sul, ele esteve em 1951 e realizou dezenas deconferências de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Em oito de dezembro do ano se-guinte, desembarcaram, no porto de Santos, Pietro Ubaldi acompanhado da es-posa, filha e duas netas (Maria Antonieta e Maria Adelaide), atendendo a um

convite de amigos de São Paulo para vir morar neste imenso país. É oportunolembrar que Ubaldi renunciou aos bens materiais, mas não aos deveres paracom a família, que se tornou pobre porque o administrador, primo de sua espo-sa, dilapidou toda a riqueza entregue a ele para gerencia-la.

Em 1953, Pietro Ubaldi retornou à sua missão apostolar, continuou a re-cepção dos livros e recebeu a última Mensagem,  Mensagem da Nova Era, emSão Vicente, no edifício “Iguaçu”, na Av. Manoel de Nóbrega, 686 – apto. 92.Dois anos depois, transferiu-se com a família para o Edifício “Nova Era” (coi n-cidência, nada tem haver com a Mensagem escrita no edifício anterior), Praça22 de janeiro, 531 – apto. 90. Em seu quarto, naquele apartamento, ele comple-tou a sua missão. Escreveu em São Vicente a segunda parte da Obra, chamadabrasileira, porque escrita no Brasil, composta por:11 )  Profecias 12 ) Comentários 13 )  Problemas Atuais  14) O Sistema - Gênese e Estrutura do Universo 

15)  A Grande Batalha 16 ) Evolução e Evangelho 17)  A Lei de Deus 18)  A Técnica Funcional da Lei de Deus  19 ) Queda e Salvação 20 )  Princípios de Uma Nova Ética  21)  A Descida dos Ideais 22 ) Um Destino Seguindo Cristo 23 )  Pensamentos 24) Cristo 

São Vicente (SP), célula mater. do Brasil, foi a terceira cidade natal de Pie-tro Ubaldi Aquela cidade praiana tem um longo passado na história de nossa

Vida e Obra de

Pietro Ubaldi

(Sinopse)