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    FRAGMENTOS DE PENSAMENTO E DE PAIXOPRIMEIRA PARTEAPRESENTAO ............................................................. 1

    Apresentao................................................................................................................... 1Programa ........................................................................................................................ 5Princpios (1952) ........................................................................................................... 11A Verdadeira Religio (1952) ....................................................................................... 17Carta Aberta a Todos (1933) ........................................................................................ 21

    SEGUNDA PARTEA EVOLUO ESPIRITUAL (1932).......................... 23Premissa ........................................................................................................................ 23

    IOs Caminhos da Libertao .................................................................................... 26

    IIA evoluo Espiritual na Cincia e nas Religies .................................................. 47

    IIIO Reinado do Super-Homem ............................................................................... 62

    IVExperincias Espirituais ....................................................................................... 92TERCEIRA PARTEVISES ..........................................................................105

    O CANTO DAS CRIATURAS (1932) ........................................................................ 105

    TRPTICO (1928) ....................................................................................................... 108

    CNTICO DA DOR E DO PERDO (1933) ............................................................. 112

    TRPTICO (1934) ....................................................................................................... 113

    QUARTA PARTEO PROBLEMA DA EDUCAO .....................................117O PROBLEMA DA EDUCAO (1939)................................................................... 117

    A PSICOLOGIA DA ESCOLAIMPRESSES (1933)........................................... 125

    A ARTE DE ENSINAR E DE APRENDER (1934).................................................... 129

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    QUINTA PARTEPROBLEMAS ATUAIS......................................................137A HORA DE NAPOLEAO (1939) .............................................................................. 137

    O PROBLEMA AGRRIO (1939)............................................................................. 141

    O PROBLEMA RELIGIOSO (1939) ......................................................................... 148URBANISMO E RAA (1939) ................................................................................... 153

    A EVOLUO E A DELINQUNCIA (1939) .......................................................... 159

    SEXTA PARTEPROBLEMAS ESPIRITUAIS.............................................165AUTO-OBSERVAO DA MEDIUNIDADE (1933) ............................................... 165

    CONSCINCIA E SUBCONSCINCIA (1930) ........................................................ 170POR UMA VIDA MAIOR (1930)............................................................................... 175

    A RECONSTRUAO DO TMULO DE SO FRANCISCO .................................. 179

    O PROBLEMA DA VIDA E DO ALM NO FAUSTO DE GOETHE (1931) ...... 196

    GNIO E DOR (1935) ................................................................................................ 205

    STIMA PARTENOVELAS............................................................................210EM BUSCA DA JUSTIATRPTICO (1953) ........................................................ 210

    I. A JUSTIA ECONMICA .................................................................................... 210

    II. VERDADEIRO AMOR ......................................................................................... 216

    III. O ENCONTRO CONSIGO MESMO .................................................................. 221

    Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse) ........................................................................... 226

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    Pietro Ubaldi FRAGMENTOS DE PENSAMENTO E DE PAIXO 1

    PRIMEIRA PARTE

    APRESENTAO

    APRESENTAO

    Apresento-me como homem.A entidade que me inspira mediunicamente e sobre mim exerce autoridade,

    no pensamento e na ao, deve ter um representante terreno, algum que as-suma todo o peso da luta e da responsabilidade; que totalmente se exponha,moral e fisicamente, aos perigos de uma realizao novssima, ao trabalho que

    toda grande conquista e todo progresso impem, necessria tenso para ul-trapassar todos os obstculos.

    Tal sou e assim me coloco hoje, ao ingressar na vida pblica.Nada possuo alm do meu trabalho para viver e da minha obra para triunfar

    no bem. Dentro de mim e acima de mim, porm, vibra uma voz que infunderespeito,que me arrasta e a todos irresistivelmente arrastar, voz que eu escutoe a que devoobedecer.

    J no mais o momento de dizer: o tempo vir, mas sim de afirmar: otempo chegou.Chegou a hora da grande ressurreio espiritual do mundo.Eis o que sou: o servo desta potncia, o servo de todos, a servio de todos,

    para o bem de todos. Nada mais me pertence, nem alma nem corpo; pertenoao bem da humanidade. Deverei ser o primeiro no trabalho, na dor, na fadiga eno perigo; e o primeiro serei nesse caminho e me esgotarei at a ltima dosede minhas energias,at o ltimo espasmo de meu lamento, at a ltima explo-so de minha paixo.

    Sou fraco, culpado e indigno; no tenho,porm, mais fora para sufocar es-ta voz, que deseja explodir e falar ao mundo, arrastar os povos, abalar os pode-rosos, convencer os doutos e todos conduzir a uma vida de bem e de felicida-de. Serei considerado louco, bem o sei. Mas Sua Voztem um poder a que nomais sei resistir. E eu, o ltimo dos homens, falarei ao mundo com palavrasnovas, num tom altssimo, de coisas grandes e tremendas, em nome de Deus.

    Estremeo e choro ao escrever estas palavras. o sinal positivo de queEle, o esprito que me assiste, est junto de mim e me faz escrever coisas queso incrveis.

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    Pietro Ubaldi FRAGMENTOS DE PENSAMENTO E DE PAIXO 2

    No obstante as almas simples sentem, com um sentido que a cincia notem e nunca ter, sentem por intuio de afetos e por penetrao de amor, acompleta naturalidade e a perfeita credibilidade destas coisas incrveis.

    To intensamente profunda essa intuio, que a alma juvenil dos povos do

    outro hemisfrio a sentiu, rpida, vibrante, espontnea, num reconhecimentoque dizia: eu sei,em face da demorada, duvidosa e sofisticada anlise cientfi-ca da velha Europa. que a cincia analisa, toca e mede, mas no tem alma, e,somente com o crebro, nada se pode sentir.

    Brasil, terra prometida da nova revelao, terra escolhida para a primeiracompreenso, terra abenoada por Deus para a primeira expanso de luz nomundo! J um incndio l se levanta; instantnea e profunda foi a compreen-so. Foi um reconhecimento sem anlise, de quem sabe porque sente, de quem

    tem certeza porque v. Os humildes, no solicitados, compreenderam e seafirmaram os primeiros, sem provas, sem discusses, no terreno em que a ci-ncia, que tudo sabe, nunca cessa de exigi-las.

    A profunda emoo que me invade ao falar-vos, o espasmo de paixo queme arrebata, o rasgar-se de meu corao a cada palavra no se podem medirnem calcular; mas vs o sentis, embora a to grande distncia de tempo e deespao! As lgrimas que me comovem enquanto escrevo e caem sobre estepapel, destas palavras ressurgiro e cobriro vossos olhos quando as lerdes.E direis irresistivelmente: verdade. E, atravs dos anos, convencero earrastaro outras almas, que ao lerem-nas, como vs, tambm diro irresisti-velmente: verdade.

    Porque a fora que me arrebata tambm vos arrasta, a paixo que me infla-ma tambm vos incendeia e nos une a todos num s esforo, numa tenso enum trabalho comuns, em favor do bem. Como grande e bela esta felicidadeilimitada de nos sentirmos todos irmos, profundamente irmos, diante dessa

    maravilhosa voz que do infinito a todos nos alimenta! Como doce, diantedela, ensarilhar as tristes armas da rivalidade e da competio que pesam sobrens e nos amarguram a vida. Que grandioso sentirmo-nos todos unidos numas humanidade, num compacto organismo; no mais como pobres seres solit-rios num mundo inimigo, mas cidados de um grande universo, onde cada atotem um alvo, onde toda vida constitui misso.

    AVoz me arrebata neste momento e senhoreia-se de minha mo, como ofaz sempre que deseja falar por meu intermdio. Eu a sigo, pequenino, confu-

    so, maravilhado por imensas vises.

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    Pietro Ubaldi FRAGMENTOS DE PENSAMENTO E DE PAIXO 3

    Agora, ela me apresenta o planeta envolto numa faixa de luz e me faz veruma humanidade mais feliz e mais sbia, ressurgindo das runas da gerao dehoje; mas tambm a ela pertenceremos, e quem houver semeado colher. Aci-ma de ns que, lutando e sofrendo, semeamos, uma falange de espritos puros

    estende-nos os braos, encorajando-nos e ajudando-nos. Somos os operriosde um grande trabalho, do maior trabalho que o mundo jamais realizou: a fun-dao da nova civilizao do Terceiro Milnio.

    Mos obra! Levantai-vos. chegado o momento. A palavra de Sua Vozencerra uma fora misteriosa, intrnseca, invisvel, mas poderosa; imponder-vel, mas irresistvel, e, por ela sozinha, avana, sabendo por si mesma escolheros meios humanos, solicitando-os a todos, convidando colaborao todos oshomens de boa vontade. Ela avana e atinge os coraes; persuade e convence,

    possuindo e ofertando, a cada momento, de si mesma, uma prova evidente: ofato inegvel de sua automtica divulgao.

    Mos obra! Espera-me, espera-nos um tremendo trabalho, mas tambmuma imensa vitria. Somente sob a direo de um chefe sobre-humano o mun-do poderia empreender uma obra to gigantesca. Temos um chefe no Cu. Eleno traz seno a paz, o amor, o respeito a todas as crenas. Nada tem Ele adestruir do que seja terreno; a ningum Ele agride; no toca a forma, que no o essencial: encara a substncia. Nada tem Ele a modificar do que seja terrenoneste mundo; tudo quer vivificar com uma chama de f, quer tudo aquecercom uma nova paixo de amor puroo amor de Cristo, esquecido.

    Nada tm a temer as autoridades nem os organismos humanos. to velhoe intil o expediente de modificar as organizaes! No mais criaes de sis-temas sempre novos e sempre velhos, mas criao do homem novo, que temorigem no ntimo, onde est a alma, e no no exterior. Toda organizao boa,quando o homem bom, e m, quando o homem mau.

    O novo reino no deste mundo, e jamais se tocar no que lhe pertence.No est surgindo um novo organismo humano, com chefes e subordinados,com cargos e funes, com propriedades e direitos. No. Absolutamente na-da disso. Trata-se, eu vos digo, do Reino de Deus, do reino que o mundoainda espera, que o mundo ainda invoca: Veniat Regnum Tuum11. umreino de almas, de amor e de paz; no possui sedes, no tem riquezas, nadapossui; no tem seno a tarefa do dever, o amor do bem, a paixo do sacrif-

    1Venha o Teu Reino uma das peties da orao dominical. (N. do T.)

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    Pietro Ubaldi FRAGMENTOS DE PENSAMENTO E DE PAIXO 4

    cio, a grandeza do martrio. E quem for o primeiro nesse caminho ser omaior nesse reino de Deus.

    Almas distantes que no Brasil tudo compreendestes, distantes pelo espao,mas to perto do corao; que o meu abrao vos chegue forte, profundo, imen-

    so, como eu o sinto agora, nesta solido montanhosa de Gbio, no mais altosilncio da noite, com minha alma nua diante de Cristo, cujo olhar me penetra,me envolve e me vence.

    Humildemente, como o ltimo dos homens que sou, eu vos suplico, pelacompaixo que pode inclinar-vos para o mais frgil e abatido dos seres: ajudai-me a compreender este mistrio tremendo que em mim se processa, ajudai-mea cumprir esta obra imensa, cujos limites no alcano.

    Gbio (Itlia), na noite de 6 de fevereiro de 1934.

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    Pietro Ubaldi FRAGMENTOS DE PENSAMENTO E DE PAIXO 5

    PROGRAMAAma a teu prximo como a ti mesmo

    Depois do escrito anterior, Apresentao, importa de imediato precisar os

    conceitos, para evitar mal-entendidos, falsas interpretaes, transposio demetas e de princpios.O conceito de Sua Vozclaro e exato. Aqui, o exponho com o menor nu-

    mero possvel de palavras, cristalino e adamantino, qual o sinto explodir emmim, para que resista a todo choque e a qualquer desvio.

    O princpio e o contedo do movimento so estrita e exclusivamente evan-glicos. Tudo aquilo que no pode permanecer no Evangelho de Cristo no pode igualmente permanecer neste movimento. No possvel distorcer em

    nenhum sentido estas palavras.As consequncias so de igual modo simples e evidentes.O movimento e quantos dele participam devem manter-se dentro do princ-

    pio fundamental do Evangelho: Ama a teu prximo como a ti mesmo.Noexiste outro caminho possvel. Quem no puder assimilar este princpio espiri-tual naturalmente estar excludo.

    O movimento, qual o Evangelho, apoltico e supranacional. simples-mente humano em sua universalidade. interior e espiritual, no externo nemmaterial, a no ser em suas ltimas e inevitveis consequncias, as quais notocam, de modo algum, as normas humanas, absolutamente fora de seus obje-tivos e de qualquer discusso.

    Assim sendo, o movimento tambm suprarreligioso, pois no atinge ne-nhuma expresso religiosa, mas as respeita todas, antes de tudo reconhecen-do-as, tanto que as envolve todas num nico amplexo. Assim faz do dividido pensamento humano uma potncia de concepo unitria; das separadas e

    multiformes crenas, um mpeto concorde de f, de esperana e de paixopara um Deus que deve ser o mesmo para todos, e uma verdade que deve sera mesma para todos.

    Como tal, o movimento a todos convoca para que todos se unam em cola- borao. Eis porque no existiro, como j se disse no precedente escrito,nem chefes, nem subordinados, nem cargos, nem funes, nem propriedades,nem direitos, nem sedes, nem riquezas. A edificao deve efetuar-se, paracada um, no intimo da prpria alma, qual obra e construo sua. Indistinta-

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    mente, todos so chamados colaborao, para que cada um seja o criador,no prprio corao, do Reino de Deus.

    Os meios humanos so, portanto, todos excludos, porque no necessrios.O novo reino deve nascer no nas organizaes humanas, mas no corao

    dos homens. E cada um deve realizar essa criao antes de tudo em si mes-mo, tornando-se melhor.No , pois, preciso outro chefe seno Deus, nem outro comando exceto a

    voz justa da conscincia. Dir-me-eis, porm: Isto no basta para fazer umareligio. E eu vos digo: No se trata de uma religio, mas de uma fora quedeve reavivar todas as religies existentes.

    Para quem discordar, no existe qualquer dispositivo de coero como nasnormas humanas,seno a perda automtica da posio privilegiada de seguidor

    de Cristo a perda da proteo da lei justa de Deus. Isso significa uma rendi-o feroz lei terrestre da luta e da fora sem justia. A lei Divina, semprepresente no interior das coisas e dos seres, no admite mentiras, porquanto imanente na conscincia; no admite violaes nem fugas, pois se situa nomais ntimo do esprito humano.

    Eis a absoluta novidade deste movimento na histria de todas as experin-cias humanas. Dele so excludos: comando, riqueza, fora. Ele construoeterna e no pode, por isso, usar seno materiais eternos. Cada empreendimen-to uma construo cuja durabilidade depende dos materiais utilizados. Quemusar da espada pela espada perecer; quem usar da violncia pela violncia perecer, pois os meios usados como causa recaem depois, por fora da leieterna, inexoravelmente, como efeito, sobre seu agente.

    Se o movimento no atender a estes princpios, ser ilusrio e caduco, co-mo todas as coisas humanas. E qualquer elemento humano que nele introdu-zirdes ser-lhe- como um caruncho destruidor, uma fora lenta continuamente

    em tenso para a destruio.Como movimento social, inspira-se, portanto, em princpios nunca usados pelo homem na histria do mundo. Por estas caractersticas, reconhecereisque ele vem do Alto, de um mundo no vosso, porque nenhum elemento vos-so nele introduzido nem nele est contido; ao contrrio, cuidadosamenteexcludo.

    A imediata consequncia prtica desta clarssima tomada de posio diantedo mundo a seguinte: se todos so admitidos, contanto que puros e honestos

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    de corao, automaticamente so excludos aqueles que assim no so. Depu-rao, portanto, por fora ntima da realidade.

    Vs, da Terra2, acostumados como sois a vos mover constantemente nummundo de imposio e de fora, sem nada poderdes obter sem estes meios,

    dificilmente vos inteirais da interveno de quais foras sutis, invisveis e n-timas, poderosssimas e inviolveis, seja feito este movimento. Destes princ-pios, aqui enunciados, emana imediatamente esta consequncia prtica e evi-dente: no podem tomar parte neste movimento os inaptos.

    Por ser ele alicerado sobre aqueles princpios, os gananciosos de riqueza,de mando, de glria e poder, sempre prontos e espera para fazer especulaode tudo, at das coisas de Deus, no encontraro alimento algum, o mnimoponto de apoio e, por si mesmos, se afastaro.

    Obtm-se, ento, automaticamente, sem demora, sem gasto de energia, oafastamento da primeira ameaa que surge em qualquer movimento humano:a possibilidade de desfrute. Evita-se que o mal possa aninhar-se nele e ob-tm-se ainda sua imediata eliminao. Vede qual potncia contm o impon-dervel fator moral tambm nas organizaes humanas. Esse poder tal que pode substituir esplendidamente, se genuno, todos os vossos exrcitos, asvossas complexas transaes econmicas, todo esse tremendo equipamentode obrigaes e vnculos que demonstram no vossa fora, mas vossa fra-queza. E, por caminhos assim to simples, conseguireis vantagens e umaperfeio que nenhuma organizao humana pode alcanar. Aqui no exis-tem atritos, pois no h luta nem fora, nem pode haver traio, porquantono existe mentira. O inimigo externo: o mal; porm o mal no se vencecom outro mal, mas sim com o bem.

    As rodas sobre as quais avana este organismo so: altrusmo (e no egos-mo), pobreza, dever, amor, sacrifcio e, se necessrio for, o martrio. Ante o

    perfume destas grandes coisas, as almas perversas fogem, e, numa atmosferaassim rarefeita, os indignos sufocam e velozmente se afastam para nunca maisse aproximarem. Eis as bases. Eis o tesouro que vos dar alimento e poder, eiso exrcito que vos defender.

    esta, pois, uma cruzada de homens honestos, simplesmente honestos. Noimporta cincia, nem riqueza, nem poderio. Disso no temos necessidade.

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    Aqui, o pensamento da entidade espiritual Sua Vozse substitui imprevistamente ao do autor.(N. do A.)

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    Atrs do justo existe uma fora tremenda: a lei Divina, que o protege. No vospreocupeis se no perceberdes essa lei. Ela a mais profunda realidade da vi-da. No temais se esta realidade permanecer sufocada em vosso baixo mundode dor, encoberta pela vossa densa atmosfera de culpa. Cada homem a sente

    no profundo de sua conscincia, como um instinto incoercvel. Mas o justo,to logo haja alcanado os mais altos nveis de vida, de imediato a encontra e asente com absoluta confiana e por ela se reconhece seguramente amparado.

    Esta cruzada de homens novos se constitui hoje, no mundo, para sua salva-o. Seus componentes sero recrutados em todas as classes, em todas as cren-as, em todos os pases.

    No se trata de vs utopias. So possibilidades lgicas e reais, baseadas so-bre foras concretas, embora sejam para vs imponderveis.

    Uma s coisa basta: ser honesto. E basta s-lo para sentir-se irmo e unidoaos irmos honestos. No vos reconhecereis por sinais exteriores, mas somentepor essa ntima sensao, que vos lanar irresistivelmente uns nos braos dosoutros. No vos fatigueis, como sempre tendes feito, a escavar abismos entrevs em todos os campos, mas lutai para reencontrar-vos todos nesta unidadesubstancial de espritos. Ela urgente, pois que so iminentes e tremendos ostempos, que a impem como questo de vida ou de morte.

    Nestas palavras, no minhas, mas de Sua Voz, tudo construtivo. Nunca

    atacam e, se h alguma coisa para destruir, elas com isso no se preocupam,mas a deixam em abandono, para que caia por si; no existe mais ativo agentede destruio do intil do que um novo organismo vital em funcionamento.

    Se um corpo velho e moribundo, afadigar-vos-eis em destru-lo? O que verdadeiramente intil cair por si mesmo, sem necessidade de se acionar umacausa de destruio violenta, que recairia depois inexoravelmente sobre quem

    a movimentou. Acreditais que, para demolir aquilo que intil, seja mesmoindispensvel a interveno do homem, ou que ele seja capaz de guiar e esco-lher com segurana, e que a Lei no contenha em si os meios para afastar aqui-lo que no tem razo de ser? Como podeis crer seja isso possvel num orga-nismo totalmente regido por um perfeito equilbrio, qual o universo?

    A condio para ser admitido neste movimento um simples exame deconscincia perante Deus. Coisa simples, profunda e imensa, fcil e tremenda.Mas isto nada , dir o mundo. Entretanto isto tudo, diz o esprito. Experi-

    mentai seriamente e sentireis que verdade. esta coisa simples e tremenda

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    que o homem deve hoje fazer, margem do abismo onde, se no se detiver,cair de maneira terrvel.

    E se vs, almas sedentas de ao exterior, de movimento e de sensaes,quereis evadir-vos desta ntima vida do esprito para ingressar em vossa exte-

    rior realidade humana e trabalhar, clamar, conquistar e vencer tambm comos braos e com a ao, ento vos digo: Sa, sa de casa; ide ao vosso inimi-go mais cruel, quele que mais vos tem trado e torturado e, em nome deCristo, perdoai-lhe e abraai-o; ide quele que mais vos tem roubado e can-celai-lhe o dbito, e mais, entregai-lhe quanto possus; ide quele que maisvos insultou e dizei-lhe, em nome de Cristo: Eu te amo como a mim mesmo,porque s meu irmo.

    Direis: Isso absurdo, loucura, desastroso; impossvel sobre a Terra esta

    deposio de armas. Mas eu vos digo: Vs sereis homens novos somente quan-do usardes mtodos e recursos novos. De outra forma, no saireis nuncado ciclodas velhas condenaes, que eternamente puniro a sociedade das suas prpriasculpas. Pela mesma razo pela qual Cristo se ofereceu na cruz, hoje a humani-dade deve sacrificar-se a si mesma por esta sua nova, profunda, absoluta e defi-nitiva redeno. Porque, sem holocausto, nunca haver redeno.

    O mundo louco arma-se contra si mesmo, com perspectivas sempre maisdesastrosas, de recursos tremendos em face dos atuais progressos cientficos.Uma conflagrao blica no deixar mais nenhum homem salvo sobre a Ter-ra, se a loucura humana no se detiver a tempo. Onde o homem assim procede,no existe seno uma extrema defesa: o abandono de todas as armas.

    Dizeis: Mas ns temos o dever de viver.E eu vos digo: Quando vs, com nimo puro, disserdes: Em nome de

    Deus ento tremer a Terra, porque as foras do universo se movero;quando fordes verdadeiramente justos, quando inocentes, se a violncia vos

    ferir, triunfando momentaneamente, o infinito precipitar-se- aos vossos pspara vos dar a vitria e levantar-vos ao Alto, na condio de triunfadores naeternidade, bem longe do timo de tempo em que a violncia venceu.

    Eis os princpios que Sua Vozme transmitedesta vez no mais sob forma

    afetuosa, mas feitos de poder e conceito.Eis o que Sua Vozpede alma do mundo. Sua alma coletiva, una e livre

    como uma alma individual,pode escolher, e dessa escolha depender o futuro.Sua Vozafasta-se, em silncio, de quem no a segue.

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    Pietro Ubaldi FRAGMENTOS DE PENSAMENTO E DE PAIXO 10

    Eis o que Sua Vozpede, primeiramente ao Brasil, escolhido para a primeiraafirmao destes princpios no mundo. E esta afirmao deve ser um imensoamplexo de amor cristo. Ser a primeira centelha de um incndio que nosdeve inflamar de bondade, para dissolver o gelo de dio e rivalidade que divi-

    de, esfomeia e atormenta o mundo.Este o esprito dos novos tempos. Somente quando virmos este espritovoltar vida dos povos, que poderemos dizer que Cristo voltou outra vez eest presente entre ns.

    Gbio (Itlia), na noite de 12 de fevereiro de 1934.

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    Pietro Ubaldi FRAGMENTOS DE PENSAMENTO E DE PAIXO 11

    PRINCPIOS (1952)

    O primeiro dever de uma revista que nasce orientar claramente seu pen-samento e declarar com sinceridade seus objetivos, estabelecendo uma linha

    de conduta segundo princpios, aos quais, depois, dever permanecer fiel.O escopo desta revista operar a transformao desses princpios em vidavivida, isto , ajudar a nascer, do homem de hoje, um tipo biolgico maisevolvido, representado pelo novo homem do Terceiro Milnio.

    Este movimento inicia-se no Brasil, tendo lambem em vista sua futuragrandeza como nao.

    Enunciar um princpio aqui significa, pois, viv-lo.Antes de iniciar o argumento, faz-se necessria uma premissa.

    O signatrio pede desculpas se algumas vezes tiver de pronunciar a palavraeu. Por essa razo, bom esclarecer e estabelecer, desde o princpio, que elenada pede jamais para si e no quer absolutamente ser chefe de coisa alguma.Quis, por isso, que a denominao ABAPU (Associao Brasileira dos Ami-gos de Pietro Ubaldi) fosse substituda pela de ABUC (Associao Brasileirada Universalidade de Cristo)3, para que a ideia se antepusesse a qualquer per-sonalismo. E este j um princpio geral para ser vivido.

    Outro princpio geral: o que importa no a pessoa, mas a ideia.Estes princpios j definem a posio do subscritor, que dever ser sempre o

    primeiro a aplic-los, vivendo-os. Sua posio de oferecer, apenas oferecer,o produto de sua inspirao. Isto ele j o tem feito ao mundo.

    O Brasil,em primeiro lugar, o compreendeu e o aceitou.O signatrio deseja apenas uma coisa: que isto seja para a grandeza desta

    nao que ele agora aprendeu a amar imensamente. Sua posio, ele o quer,deve ser apenas esta: a daquele que serve, e no a de quem servido; a de

    quem se pe a servio dos outros, e noa de quem os subordina ao prprioorgulho, domnio ou egosmo; a posio daquele que obedece, e no a dequem comanda.

    Ele serve ao prximo e obedece a Deus outro princpio geral para ser vi-vido.

    Cada ato de nossa vida deve ser inspirado por estes princpios e pelos queexporemos depois.

    3 Associao instituda em Campos. RJ, no Natal de 1949. (N. da E.)

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    Pietro Ubaldi FRAGMENTOS DE PENSAMENTO E DE PAIXO 12

    Aquele que est em posio mais elevada, mais dever viv-los, mais res-ponsvel diante de Deus e dos homens.

    Com tudo isto,estamos recordando que todos ns temos o dever do exem-plo, o primeiro dever,somente com o qual se podem pregar quaisquer princ-

    pios, demonstrando, antes com fatos que com palavras, que eles podem ser vi-vidos. De outra maneira, no se tem o direito de pregaroutro princpio geral.O leitor v como, desde a primeira enunciao, os princpios aqui se apre-

    sentam no tericos e abstratos, mas numa forma vivida ou para viver.Quem quiser buscar-lhes a justificao sistemtica e racional poder apro-

    fundar-se em seu estudo nos volumes do subscritor, tambm oferecidos aomundo para que aqueles que amam o conhecimento aprendam, saciando a inte-ligncia. Ele apenas oferece,por uma convico espontnea, sem jamais impor.

    Eis-nos diante de outro princpio geral para ser vivido: oferecer, e nuncaimpor a verdade. Eis o patrimnio espiritual de cada conscincia. Nunca intro-duzir-se na alma alheia com a violncia da argumentao, numa guerra deideias, para subjugar o semelhante; antes, procurar todos os meios de comuni-cao que conduzem compreenso.

    lei vital que a poca dos absolutismos, dos dogmatismos, dos imperialis-mos ideolgicos, hoje se v superando e eliminando.

    A nova era da bondade na compreenso recproca; da convico de todosno seio de um mesmo Deus; a era do amor. O princpio : procurar o que unee evitar o que divide.

    Sendo dever nosso viver tudo isto, conclui-se que, aqui, ser sempre evita-do o esprito de polmica, pois este considerado como expresso da psico-logia de um tipo biolgico atrasado, que est sendo cada vez mais superadopela evoluo.

    Nosso mtodo, portanto, de nunca oferecer aos vidos de polmica a re-

    sistncia de outra polmica, isto , o mau exemplo de luta e guerra.Seja nosso mtodo o do Evangelho.Este o mtodo dos evolvidos, ao passo que o outro o mtodo que logo

    revela o involudo, biologicamente atrasado. o nico mtodo que vence,pois,enquanto ambas as partes se dilaceram na luta, ganhando apenas em fero-cidade e perversidade, com nosso mtodo o antagonista, no encontrando ali-mento para seu esprito de agresso, por si mesmo se desarma e cai.

    Como se v, os nossos princpios no so uma novidade, pois que so os

    conhecidssimos princpios do Evangelho. Propomo-nos apenas a viv-los

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    seriamente, convencidos de que disso pode nascer hoje o homem novo e, comele, uma nova gerao e uma grande nao.

    Este deve ser o mtodo usado, pois o que revela a prpria natureza, o prprio tipo biolgico de evolvido ou involudo, a prpria superioridade ou

    inferioridade.A ideia de vencer esmagando o adversrio revela imediatamente o involu-do. Ainda quando isto se faa em nome de verdades absolutas e assim se justi-fique, na realidade exprime biologicamente instintos de agresso.

    Compreendamos que a verdade relativa e progressiva, portanto nos fogeem seu aspecto absoluto. Ns, relativos, no podemos possu-la seno por pro-gressivas aproximaes.

    Existe outro princpio que se segue a este: sejamos sempre construtivos, isto

    , operemos em sentido positivo, unitrio, como o bem, e jamais sejamos des-trutivos, isto , nunca ajamos em sentido negativo, separatista, como o mal.

    Tudo o que agressividade satnico. O Evangelho no o nunca.Seja nossa obra todo um amplexo ao mundo e, unicamente, um amplexo de

    amor.Guerra, jamais, a ningum, por nenhuma razo. A vitria estvel e verda-

    deira obtm-se apenas com a bondade, o amor, o exemplo, a convico.Que o Evangelho, to pouco vivido at hoje, se transforme na forma de vi-

    da do homem novo, num novo mtodo de viver, que penetre cada ato nosso,demonstre que somos evolvidos e se manifeste com nosso exemplo a cadamomento.

    Que no terreno filosfico, poltico, religioso, isso signifique tolerncia.No, porm, uma tolerncia raivosa, na atitude de quem suporta com desdm oerro alheio; ao contrrio, uma, tolerncia que busca os pontos de contato, ospontos comuns, e se alegra quando pode dizer: Mas, ento, concordamos em

    muitas coisas! No estamos, pois, to distanciados quanto nos parecia. Pode-mos entender-nos um pouco e no h necessidade de contenda.Em sua saudao, repetida em quase todas as conferncias no Brasil, o

    signatrio afirmou seus dois princpios fundamentais: universalidade e im-parcialidade.

    Que significam eles?So o emblema do homem novo.Sua Voz, j na primeira Mensagem do Natal, em 1931, estabelecia estes

    princpios fundamentais, que so, depois, desenvolvidos em toda a obra:

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    Falo hoje a todos os justos da Terra e os chamo de todas as partes do mu n-do, a fim de unificarem suas aspiraes e preces numa oblata que se eleve aocu. Que nenhuma barreira de religio, de nacionalidade ou de raa os divida,porque no est longe o dia em que somente uma ser a diviso entre os ho-

    mens: justos e injustos... Minha palavra universal... Uma grande transforma-o se aproximapara a vida do mundo....Brevemente, o mundo se organizar sobre um princpio novo, que no ser

    dado por um imperialismo religioso, isto , pela vitria de uma religio que,por absolutismo, se imponha a todas as outras. No por este caminho que sechegar unidade, a saber, um s rebanho e um s pastor.

    O nico pastor ser Cristo, e o nico rebanho ser formado por uma huma-nidade em que as vrias religies no se combatam e no se condenem mais

    reciprocamente; ao contrrio, se compreendam e coordenem, fazendo dos ho-mens todos filhos diante de um nico Deus, um s Deus, pai de todos.

    Esta compreenso e coordenao a primeira forma em que se revelar oamor em sua era, que est para surgira nova civilizao, o Reino de Deus.

    Como aplicaremos este princpio? Fraternizando. Se os outros condenam,perdoemos e amemos.

    Como respondeu Cristo aos agressores? O seu mtodo seja o nosso mtodo.Aos ataques, s polmicas, s condenaes, respondamos com o exemplo dacompreenso. Demonstremos com os fatos que o homem novo possui um novomtodo de vida e abandonemos o velho mtodo ao homem do tipo do passado.

    Este vive mais no exterior que no interior. Suas inclinaes se dirigem, depreferncia, s manifestaes exteriores da f: seguir determinada escola, igre-ja ou grupo, dar-se a certas prticas visveis.

    Aquele que compreende e tem a fora de renunciar s manifestaes, indis-pensveis aos primitivos, recolha-se o mais que puder na religio de substn-

    cia, que interior, sozinho quando for necessrio, para eliminar ataques e dis-sdios da religio de forma, que exterior.A maioria no sabe pensar seno fisicamente, com movimentos do corpo e

    da boca. O evolvido, porm, sabe que a religio de substncia, me de todas asreligies, est acima da forma e de toda manifestao sensria; uma religiomais profunda, sentida e vivida, feita de alma e de ao, no de prticas mate-riais, na qual todas as religies encontram lugar.

    Esta, verdadeiramente, a religio.

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    As religies tm trs fases. A primeira, a mais antiga, a terrorista, feita deum Deus vingativo, que se faz obedecer inexoravelmente, punindo com a leide talio. A segunda, mais recente, a tico-jurdica, feita de uma codificaode normas de vida.

    o evolver da natureza humana inferior que pode permitir uma manifesta-o de Deus e fazer transparecer cada vez mais Sua bondade.Somente hoje, a maturao humana pode permitir que, sem o perigo de

    abusos, antes temveis, seja possvel passar terceira fase, da compreenso,naqual as religies so livres econvictas, cada vez mais transformadas da forma,em que lutam os interesses, em substncia, que amor.

    Elas se sucedem, no porque sejam sancionadas por penalidades (inferno),mas porque se compreende que significam o nosso bem.

    Nesta fase, cai e perde a significao o terror de um Deus vingativo.Assim, por evoluo, do conceito de um Deus todo fora, o senhor com o

    azorrague, como era o homem com seus escravos, rbitro absoluto de tudoconforme seu capricho, passa-se ao Deus justo, que respeita completamente alei estabelecida por Ele prprio, assim como o homem moderno deve respeitaras leis que ele cria para si mesmo no Estado.

    Desse modo, por evoluo, passa-se agora ao conceito de um Deus no sjusto, mas tambm bom, que nos ama para a nossa felicidade, como o homemcivilizado e compreensivo de amanh amar seu prximo nas grandes unida-des sociais do futuro. Assim, por lento transformismo, o terror, na progressivareabsoro do mal, operada pela evoluo, desfaz-se na justia, e esta se aper-feioa e se enriquece no amor.

    Hoje se passa da segunda terceira fase. Ainda se funde e se confunde otil com a verdade. O interesse predomina, porque predomina a forma. O re-banho, para ser apascentado, a que tanto aspiram as religies, tem sido trans-

    formado muitas vezes em rebanho para mungir, propriedade do pastor.Pelo princpio das grandes unidades, a evoluo leva unificao e guia ho-je o mundo em todos os camposlogo, no religioso tambm fase orgnica,em que no h luta de rivais, mas colaborao de irmos. Penetra-se na fase doamor. O mundo se distancia cada vez mais da primitiva fase catica, e a ordemse faz sempre mais compreendida, convincente, espontnea.

    O Brasil,dentre suas qualidades, tem, sobretudo, a da tolerncia recproca:ausncia de intransigncia, de absolutismos, de racismo. , pois, acima de tu-

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    do, a terra do amor, ainda que este esteja, muitas vezes, apenas em suas mani-festaes mais elementares. J , contudo, amor e pode subir.

    Como representa a fuso das raas, tambm representa a capacidade de fu-so de ideias. Esta capacidade do Brasil, de amar em todos os nveis, se for

    desenvolvida em direo ao esprito, poder amanh fazer do Brasil a naomais capaz de compreender, representar e divulgar no mundo aquilo que aquichamamos religio, isto , a religio de substncia, que a religio do exem-plo, da bondade e do amor.

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    A VERDADEIRA RELIGIO (1952)

    Encontrei-me, viajando pelo mundo,em todos os ambientes.Achei-me entre catlicos e os observei. Muitos deles eram sinceros e con-

    victos e viviam aplicando, realmente, os princpios de sua religio. Sua ver-dadeira f me encheu de admirao. Outros deles, porm, embora verbalmen-te se confessassem e, nas prticas religiosas, se manifestassem perfeitamenteortodoxos, no viviam inteiramente seus princpios, demonstrando, com fa-tos, que, em realidade, neles no acreditavam de modo absoluto. Isso meencheu de tristeza.

    Achei-me, depois, entre os protestantes e os observei. Muitos deles eramsinceros e convictos e viviam aplicando,realmente, os princpios de sua reli-

    gio. Sua verdadeira f me encheu de admirao. Outros deles, porm, emboraverbalmente se confessassem e, nas prticas religiosas, se manifestassem per-feitamente ortodoxos, no viviam inteiramente seus princpios, demonstrando,com fatos, que, em realidade, neles no acreditavam de modo absoluto. Issome encheu de tristeza.

    Achei-me, tambm, entre os espritas e os observei. Muitos deles eram sin-ceros e convictos e viviam aplicando, realmente, os princpios de sua doutri-na. Sua verdadeira f me encheu de admirao. Outros deles, porm, emboraverbalmente se confessassem e, nas prticas formais, se manifestassem ade-rentes sua doutrina, no viviam inteiramente seus princpios, demonstrando,com fatos, que, em realidade, neles no acreditavam de modo absoluto. Issome encheu de tristeza.

    Achei-me, depois, entre os teosofistas, os maons, os maometanos, os bu-distas etc., e observei o mesmo fenmeno.

    Encontrei-me at entre ateus, materialistas convictos. No obstante, entre

    eles, encontrei os que procuravam viver segundo superiores princpios de reti-do. Senti respeito por eles. Qualquer convico vivida com retido merece res-peito. O que me encheu de tristeza foi ver o ateu materialista, animalescamenteinvoludo, somente animado de instintos egostas para prejudicar o prximo.

    Observando-os todos, perguntei a mim mesmo ento: a diviso real, ver-

    dadeira, entre homens de uma religio, doutrina ou crena, ou , antes, en-tre os homens sinceros e honestos e os homens falsos e desonestos, que se

    encontram no seio de todas as religies, doutrinas e crenas? Apesar das v-

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    rias divises humanas, em cada uma delas, sempre encontrei esta outra divi-so universal entre bons e maus.

    Perguntemos a ns mesmos ento: no ser esta a verdadeira distino,muito mais real que a outra, em que tanto se insiste? Pertencer ao primeiro

    tipo de homem, antes que ao segundo, no ser muito mais importante e de-cisivo do que pertencer a um determinado agrupamento religioso? Que im-porta pertencer a esta ou aquela religio, quando no se sincero nem hones-to? No isto o fundamental em qualquer campo? E no , ento, esta a maisimportante entre todas as divises humanas, muito mais do que a atualmenteaceita? No ser essa a diviso que Deus mais assinala, de preferncia ou-tra, que se refere, mais do que bondade do homem, aos interesses humanosque em torno dela se agrupam?

    Qual o fato mais decisivo para a edificao do homem (isso constitui oobjetivo de todas as crenas): conhecer os pormenores dogmticos e doutrin-rios na ortodoxia da letra, ou haver compreendido o simplicssimo princpio dobem e do mal, princpio universal, existente em todas as religies, inscrito noesprito humano, e, sobretudo, viver esse princpio?

    A verdadeira distino, nesse caso, no a atualmente vigorante em nossomundo, entre catlicos, protestantes, espritas, teosofistas, maons, maome-tanos, budistas etc., mas sim entre justos e injustos. Esta a distino subs-tancial, que tem valor diante de Deus, muito mais importante que a outra,que pode ser apenas formal. Pode-se mentir na segunda, que fictcia, masnunca na primeira, que real.

    Por que, ento, tantas lutas religiosas e doutrinrias? No tm elas outro va-lor seno a defesa do patrimnio conceptual do grupo e os interesses que deledependem? Por que, ento, no reduzir todas as crenas a esse seu denomina-dor comum, que a sua substncia, em que todas se encontram, alm de todas

    as divises? E por que no achar nessa substncia a ponte que as une todasnuma caracterstica comum, em lugar de procurar as especulaes sutis quepodem dividi-las? Por que no parar e insistir no que importa acima de tudo: abondade e a evoluo do homem?

    Tudo isso importantssimo para a fuso das almas no caminho da unifi-cao, que o futuro do mundo em todos os campos. Da nasceria um granderespeito recproco, uma nova possibilidade de compreenso, um superioresprito de fraternidade. O cioso amor ortodoxia, justificvel em outros

    tempos, excitado at ao ponto de preferir a letra ao esprito, pode significar

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    uma satnica falsificao da f na psicologia farisaica, enfermidade de todosos tempos e de todas as religies. Pode, ento, acontecer que se faa da reli-gio o que sempre se tem feito do amor ptria, que, embora santo em si, setransforma em agressividade e guerras contra outras ptrias. Ora, assim como

    esse tipo de amor nacional, hoje em vias de desaparecimento, est superadopela vida, que caminha para a unificao social, tambm ser superado nasreligies o esprito de absolutismo e a intransigncia, pois a vida se dirigepara a unificao religiosa.

    necessrio, assim, abandonar o esprito separatista de domnio em nome deabsolutismos, por uma verdade que, na Terra, para o homem, no pode deixar deser relativa e progressiva, isto , em funo de sua capacidade evolutiva.

    A vida, hoje, caminha para a colaborao por compreenso em todos os

    campos, e os imperialismos, polticos ou religiosos, pertencem a fases queesto sendo superadas. Os imperialismos espirituais retardam a unificao, quese situa justamente no campo das convices e das conscincias e no pode serobtida com o esprito de absolutismo e de domnio.

    Qual , pois, a religio de substncia em que podero pacificar-se todas as

    distines humanas, encontrando-se em seu denominador comum?A religio de substncia somente uma. A ela pertencem todos os honestos

    que creem sinceramente e vivem suas crenas, sejam catlicos, protestantes,espritas, teosofistas, maons, maometanos, budistas etc.

    Esto, ao contrrio, fora da religio todos os falsos, os injustos, os que inte-riormente no creem (embora formalmente em seus lugares), os que no vivemsuas crenas, sejam catlicos, protestantes, espiritistas, teosofistas, maons,maometanos, budistas etc. Estes ento se igualam, pois representam a traio ideia que professam.

    Na Mensagem de Natal de 1931, diz Sua Voz: ... no est longe o diaem que somente uma ser a diviso entre os homens: justos e injustos. NaTerra, em todos os campos, existem sempre dois tipos humanos: o evoludo eo involudo. Encontram-se em todas as filosofias, governos, religies, hierar-quias e povos.

    O involudo vive sempre no nvel animal, animado pelo esprito de domi-nao e , por isso, intransigente e agressivo; fecha-se na forma, desprezando asubstncia; mais ligado Terra que ao cu; julga-se, em todos os campos,

    sempre com a posse da verdade e da parte de Deus, julgando todos os outros

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    como situados no erro e da parte de Satans. Tende egocntrica monopoliza-o da Divindade.

    O evolvido tem caractersticas opostas. Vivendo num nvel mais alto, animado pelo esprito de fraternal compreenso; tolera e auxilia; fala com o

    exemplo, dando, e no dominando; mais aderente substncia que forma,mais unido ao cu que Terra. No julga nem condena. Tende a anular seu euem Deus e no amor ao prximo. No se faz paladino da verdade para exigirvirtude dos outros, mas comea por pratic-la ele mesmo; ilumina, no impe,pois respeita as conscincias. No pretende ser o nico que tem Deus consigo.No identifica com o mal tudo que est fora de seu eu, do seu grupo ou hierar-quia, nem condena em defesa prpria. No se faz representante de Deus paradominar com sua personalidade, mas reconhece em Deus o Pai de todos.

    O homem est evolvendo, e a religio dos justos ser a religio unitria quea todos entrelaar. O estado at hoje vigente corresponde fase catica domundo. Ele caminha,porm, para a fase orgnica, na qual os relativos pontosde vista, em todos os campos, se coordenaro numa verdade universal.

    A religio una ser a substancial, a religio do bem e dos bons, que se com-preendero, por serem evolvidos. Para essa compreenso, os involudos aindano esto maduros, pois s podem crer que a salvao depende apenas da filia-o a esta ou aquela forma da verdade, sem cuidar da substncia, que podeestar em todas as formas. Tudo isso, porm, ser fatalmente superado.

    lei de evoluo que o dualismo em que se dividiu nosso universo se vreconstituindo gradativamente, em todos os campos, em sua originria unida-de, de que o esprito caiu na ciso, na forma, na matria. fatal lei de evolu-o que chegue finalmente Terra a to esperada realizao do Reino de Deus.

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    CARTA ABERTA A TODOS (1933)

    Completam-se, hoje, dois anos desde que Sua Vozcomeou a falar. Noitede Natal, e eu me afasto por um momento da reunio familiar, para meditar e

    escrever.Este um exame pblico de conscincia, que efetuo na hora solene emque se aguarda para comemorar, uma vez mais, o nascimento do Salvador domundo.

    No sei qual imenso espanto me invade nesta hora solene, na qual o homem vencido pela maravilhosa voz de Cristo. Extasio-me na viso de um mundoregenerado por essa voz e nela detenho-me,buscando descanso. a noite en-cantada na qual o grande signo do amor adquire realidade tambm sobre a

    Terra. Cristo est aqui conosco esta noite, para nossa paz.Amanh terei que volver a empreender a caminhada sozinho, exausto,com

    uma imensa viso na alma, uma febre incessante no corao, um estalido depaixo em cada pensamento. Sinto-me oprimido pela minha debilidade e pelaimensido do programa. Quem sou eu para me atrever a tais tarefas? Haveralgum mais aterrorizado e mais aniquilado do que eu? Cumprirei totalmentecom o meu dever e haverei de cumpri-lo no futuro? Terei foras suficientespara faz-lo? Vou mendigando um consolo a todas as almas boas, para que mesirvam de apoio minha debilidade. Se Sua Vozme abandonasse,eu me senti-ria completamente arruinado.

    Entretanto, hoje se completam dois anos que essa voz retumba no mundo eo mundo a escuta. Nada me havia causado jamais tanto assombro como estaafirmao decisiva,sem preparao alguma de minha parte, nem vontade, nummundo onde, com frequncia, as coisas mais sabiamente preparadas e maisintensamente queridas no obtm xito.

    Como pode avanar tudo isso com a abstrao da minha debilidade e hesi-tao? Como pode produzir efeito e arrastar meu pensamento, que deveria sersua causa? Que fora convincente reside naquelas palavras escritas improvisa-damente, sem que delas eu me desse conta, para conseguir o assentimento detantos? Que sensao de infinito desperta e abala os espritos?

    Tremo e, no entanto, avano. Quisera resistir por um instinto de objetivida-de, e me vejo arrastado. Quem , ento, que me guia? E quem, por mim, co-nhece a estrada e o futuro? Sofro desalentos terrveis, no entanto, apesar disso,

    tudo prossegue do mesmo modo. Que sou eu diante do imenso torvelinho de

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    foras que me rodeiam? Que outro grande mundo existe alm deste que todosveem e creem ser o nico?

    Parece indubitvel que meu trabalho faa parte de um grande programa derenovao mundial, que ignoro e que no pode deter-se. Rebelar-me ou vacilar

    seria em vo. Isto j toda a minha vida. No conheo o futuro, mas sei muito bem que todo movimento iniciado no se poder deter, a menos que tenhacompletado sua trajetria.

    Nesta Noite de Natal, todos vs, homens de boa vontade, que sentis uma fviva, uma paixo de bondade, uma alma aberta s palavras de Cristo noimporta como a sintais e a manifesteis, desde que essa paixo arda dentro devs em substanciaajudai-me a orar junto ao bero para que o Santo Meninonos faa compreender esta sublime maravilha que desceu do cu sobre a Terra:

    o amor fraternal.Parece-me ver o Grande Rei, que veio Terra por amor, ir mendigando de

    porta em porta, por este nosso triste mundo, implorando-nos por caridade, peloamor de Deus, um pensamento de bondade para os nossos semelhantes.

    Perusa (Perugia, Itlia). Viglia do Natal de 1933

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    SEGUNDA PARTE

    A EVOLUO ESPIRITUAL (1932)

    PREMISSA

    Tratarei, nesta monografia,da evoluo espiritual. F-lo-ei em forma de tri-logia, com o objetivo de dar equilibro e proporo estrutura conceptual enexo lgico ao desenvolvimento do tema, tratando: I Concepo; II Osmeios; IIIA Realizao da Evoluo Espiritual.

    A necessidade de tratar numa nica monografia um argumento to vasto,

    que no poderia esgotar-se em muitos volumes, imps-me uma sntese queconcluir sem poder se deter nas interminveis particularidades de uma anli-se, sem poder completar-se com o desenvolvimento de questes colaterais, aque tive de renunciar inexoravelmente.

    No obstante este contnuo esforo de condensao de pensamento, a vas-tido do tema nos far percorrer os campos mais diversos dos conhecimentoshumanos, desde as concepes da cincia moderna histria comparada das

    religies; desde o contedo espiritual destas e do pensamento dos grandescampees da humanidade at ao estudo psicolgico da introspeco, que noslevar s misteriosas profundidades do esprito. De maneira que, mesmoquando se queira considerar este escrito somente sob o ponto de vista cultu-ral, no duvido que possa interessar s mentalidades maduras, convidando-asao exame de argumentos ultramodernos, interessantes e importantes, por-quanto constituem o campo inexplorado ao redor do qual trabalham a filoso-fia, as religies, a cincia e as artes; o campo dos futuros descobrimentos e

    das criaes intelectuais e morais.Este escrito, porm, no to-somente um ato de estudo e investigao,

    nem apenas um trabalho mental, mas tambm um trabalho de sentimento e depaixo. Nele reside sua maior importncia. No se trata da mentira literria decostume, com que frequentemente um escritor prefere mascarar mais do querevelar seu prprio esprito. coisa bem rara, especialmente hoje, um ato degrande sinceridade.

    Os conceitos que exporei, buscados ansiosamente durante vinte anos de es-tudo (pois que vida no deve interessar to somente a soluo dos problemas

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    econmicos, seno tambm o intelectual e moral), foram captados no ambientedas correntes espirituais da humanidade passada e presente, e no extradosdos trabalhos de outrem. Achei-os e reconheci-os, qual uma estranha recorda-o, nos arcanos insondveis de meu esprito. So, para mim, a revelao de

    uma recndita personalidade prpria; diria quase de um oculto euinterior, quevive e obra alm dos limites da vida e da morte.Estes conceitos manifestaram-se para mim gradualmente, como por uma

    interna revelao, que, a cada choque da vida, a cada recndita dor da expe-rincia, tornou-se mais clara. Assim foi aumentando, completando-se numorganismo ideolgico, solidificando-se sob o fogo das provas. Depois dolargo aprendizado na escola da experincia, em contato com a realidade, in-vadiram minha psique racional e humana e agora, depois da total assimila-

    o, dominam-na, conferindo-lhe, ante os mais graves e intrincados proble-mas do pensamento humano, a segurana que somente pode outorgar a visodireta. No mais, pois, vs ideologias, porm sim a sabedoria expressa pelaluta e pela dor; a experincia provada e concluda com objetividade, mesmoquando pessoal, controlada e direta; no mais uma abstrao, seno o que mais interessanteum caso vivido.

    O leitor se encontrar, portanto, diante da realidade de um drama e senti-lo-, se lograr ler profundamente, ultrapassando o sentido superficial, lgico eracional que precisei escolher para a demonstrao e o desenvolvimento datese. Um drama sobretudo verdadeiro; um drama que, sem dvida, existiutambm em muitos espritos, perdurando ainda em muitos outros, se bem queencoberto pelo silncio. Um drama que talvez seja o maior que a humanidadeconhea, porm que poucos o vivem intensamente e percebem com clareza.Um drama que dever ser desenvolvido pela nova filosofia, pelas novas religi-es, pela nova cincia, pela nova arte do futuro, e que poder ser expresso por

    uma srie de argumentaes racionais com a magnificncia do simbolismo edo rito, ou com a concatenao de frmulas matemticas e em expresso pict-rica ou potica das sensaes do subconsciente, ai onde est o futuro da alma eda arte, ou com a orquestrao sinfnica, tal como foi concebida por Wagner.

    Wagner vinculou estas concepes ao pensamento coletivo, demonstrandoa universalidade das mesmas; concedeu-lhes uma importncia que excede aminha contribuio pessoal.

    Publico-as, induzido por um misterioso, indefinvel, mandato interior, sob a

    atrao das correntes psquicas coletivas em via de rpida condensao, sob a

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    sensao da madureza dos tempos, que invocam e reclamam intrpretes. S opercebe a alma que se preparou no silncio e na solido, sozinha num mundoespiritualmente ausente e alucinado por outras miragens. Grandes tempestadesntimas, filhas do mistrio, junto ao umbral do infinito, desenrolaram-se silen-

    ciosamente sob a forma exterior da indiferena, em meio a um mundo superfi-cial e absolutamente incapaz de admitir e compreender tais fatos, que repre-sentam sem dvida um esforo enorme. Uma luta agnica, na qual o homemse encontra sozinho frente a frente aos maiores mistrios!

    Se tudo isto reduz o indivduo a uma vida aparentemente insignificante,pois o afasta de toda a afirmao exterior e absorve suas melhores energias,privando-o das vitrias que os outros podem alcanar, termina, contudo, poracumular nele tamanho caudal de fora moral, que um dia lhe criar uma vida

    nova, iluminada numa exploso de luz, como uma ressurreio.Assim, esta monografia poder interessar tambm como estudo de um caso

    psicolgico e de um determinado tipo de personalidade humana.

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    IOS CAMINHOS DA LIBERTAO

    Delineamos na primeira parte deste estudo a existncia de uma evoluoespiritual, que se manifesta especialmente no atual momento histrico, como

    resultado de dois fenmenos: a madureza psquica do organismo humano, que,superando a animalidade, conduz transformao biolgica do homem emsuper-homem, e a maturidade do pensamento coletivo da humanidade, queascende, atravs da evoluo das religies, para uma conscincia universal.

    Duas madurezas: madureza de rgos psquicos, que determina a capacida-de de concepes, e madureza de produtos conceptuais do pensamento coleti-vo. Duas madurezas que se pressupem reciprocamente, se ajustam e se sus-tm mutuamente, para levantar a humanidade ao plano da linha de evoluo

    espiritual, conduzindo-a a um novo e mais elevado estado de conscincia. Naterceira e ltima parte deste escrito, veremos qual esta conscincia. Antes dechegar a este ponto, observemos, nesta segunda parte, quais so os caminhosque conduzem realizao da evoluo espiritual.

    Denominei-os, ex-professo4, caminhos da libertao, para indicar dequantas qualidades humanas e subumanas devemos, como almas em expiao,libertar-nos antes de alcanarmos o reino do super-homem. Grandiosa ascen-so humana, que, partindo do inferno da animalidade (o mundo da besta),atravessa o purgatrio da dor, que redime (o mundo humano), para chegar ao paraso da realizao do divino (o mundo super-humano). A lembrana datrilogia dantesca e da f na ascenso espiritualque no pertence somente aopoeta, mas a toda a Idade Mdia e maior religio do Ocidentenos far umaboa companhia neste estudo, que pretende ser uma demonstrao racional doespiritualismo. Demonstrao daquela mesma f, porm de acordo com osconceitos da cincia e da psicologia modernas; uma solidificao dos funda-

    mentos desta eterna e imprecisa aspirao da alma para o Alto, batendo-a so-bre a bigorna da observao objetiva; elevao, ao mesmo tempo, do materia-lismo para o espiritualismo, continuando e completando o primeiro, justifican-do racionalmente o segundo. No mais ecletismo, mas fuso entre estes doisextremos do pensamento humano, inconciliveis to-somente na aparncia etransitoriamente; e, mais do que fuso, fecundao, j que, de sua unio, nasceuma criatura nova, um espiritualismo cientfico, que a verdade mais comple-

    4 Como quem conhece a fundo a matria ou assunto; magistralmente.

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    ta do futuro. No sendo materialismo e nem espiritualismo, os partidrios deambas as escolas ficaro insatisfeitos, porm no importa. Com isso, projeta-seuma luz nova sobre os eternos problemas, agrega-se algo s filosofias do pas-sado. Uma f viva,que no est fossilizada nas mentiras convencionais a que

    hoje ficaram reduzidas as mais altas idealidades; uma f mais prxima da novapsicologia dos tempos, que exerce forte presso; uma f da qual, para aquelesque, como eu, a possuem, mister dar o testemunho.

    Voltemos aos conceitos com que iniciamos este estudo, os quais deixamosno meio da primeira parte para estudar a evoluo das religies. A minha insis-tncia sobre esta ordem de ideias poderia fazer taxar-me de materialista, noentanto assim o fiz deliberadamente, porque julguei isto necessrio para lanar bases mais slidas ao edifcio do esprito e, da, libertar-me num impetuoso

    voo para as mais altas ascenses humanas. Delinearei, desta maneira, novosaspectos da evoluo espiritual.

    Existe na Terra, sem ir busc-lo em outras partes, um inferno constitudopelo mundo animal e subumano, no qual tomam parte a besta, o homem deraa inferior e, amide, tambm o chamado civilizado. Este mundo possui asua lei, e os instintos ferozes destes seres so os artigos escritos nas formas devida daquela lei. A reina,como valor supremo, a fora. Cada ser uma arma,um assalto contnuo, ameaa incessante para todos os demais seres. Cada vidano pode a existir a no ser impondo-se a todas as demais pela fora, comouma extorso. O indivduo, para afirmar-se, deve semear a destruio ao seuredor. Para viver, deve matar. Resulta disso um estado de agressividade e vio-lncia, de incerteza e de luta sem descanso, a fase involuda na histria da vi-da, na qual as distintas formas ainda no se organizaram em simbiose e lan-am-se desordenadamente conquista do predomnio. O prprio homem, des-de h muito tempo, empreendeu esta luta e a venceu, correspondendo-lhe en-

    to, como vencedor, organizar em nosso planeta uma forma de vida diferente,sobre a base de coordenao, e no de agresso. Contudo muito recente arecordao e ainda muito fortes os baixos instintos, de modo que, geralmente,ele vive naquele mundo selvagem que desejaria apagar. Submerso em seu pr-prio egosmo, no enxerga mais alm do que o espao que ocupa, e sua miopiapsquica o faz acreditar ser possvel a separao do bem-estar prprio do bem-estar coletivo. To-somente o interesse desperta seu desejo, dispondo-o ao;a miragem do lucro o impulsiona, lanando-o conquista. Deste modo, ele

    projeta, ensaia, exercita e tempera suas foras, progredindo quando vence e

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    sucumbindo quando perde. o sistema da seleo, que premia o mais forte, graduando a recompensa em proporo fora. Existe uma justia tambm nosmundos inferiores, e, mesmo quando seja por meios ferozes, dignos por certode quem os escolhe, tambm os seres deste nvel podem realizar um progresso.

    H, pois, uma lei,e, nesta lei, uma srie de princpios: da involuo deriva aignorncia; desta, o egosmo; do egosmo, o sistema da fora; desta, a seleoe o progresso, de um lado, e o mal e a dor, do outro.

    Este mundo de leis naturais no conhece a justia, que conceito novo, deum mundo mais elevado. A fora, frente lei moral, violao e injustia.Entretanto esta injustia, que parece no possuir limites, porquanto a forapode tudo e tudo poderia destruir e usurpar, impondo-se desmedidamente, temum freio em sua prpria lei: a fora que se desencadeia dos egosmos limtro-

    fes, uma tentativa de equilbrio, um rudimento de justia, que, mesmo toman-do por unidade de medida a injustia da fora, garante a cada ser o que lhecorresponde e, atravs do equilbrio de tantas injustias, consegue uma espciede justia primitiva,o mximo que possvel conceber naquele nvel de vida.

    Num mundo em que devorar-se reciprocamente uma necessidade primor-dialmente orgnica e os vrios graus de evoluo so uma necessidade lgica,poder parecer difcil perguntar-se como conseguiu nascer e afirmar-se o con-ceito de altrusmo, bondade e justia, to prejudicial para o eu, to antivital,porquanto se estriba no abandono de todas as ofensas e defesas; um conceitode vida que revoluciona todos os valores anteriores e que significa uma tocompleta negao de tudo quanto pode ardentemente apetecer a natureza. Oque este conceito representa na economia da vida at pareceria absurdo, noentanto, em seu nome, alguns homens se atreveram a rebelar-se contra tudo oque significa vida em nosso planeta, vivendo fora das leis da animalidade, semsucumbir, mesmo quando se haviam despojado das armas de ataque e defesa,

    antes triunfando, j que eles foram gnios e santos. Qual era, pois, essa foraque os sustentava? Existe, ento, uma ainda mais sutil e mais potente, umafora mais forte do que aquela indispensvel para a vida, capaz de impor-sea todos, mesmo renunciando luta?

    Normalmente, de acordo com a lei da fora, que domina a Terra, o sistemade altrusmo, bondade e justia vale menos do que um escrpulo intil. ver-dadeira passividade, gravame que trava e, pior ainda, sinal de debilidade,que preludia a derrota. Aquele que renuncia agredir e defender-se, aquele que

    oferece a outra face sofensas, como quer o Evangelho, aquele que se recusa a

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    afundar suas garras na carne alheia para alcanar uma vantagem e, por princ-pio, no quer obter pela fora todos os infinitos prazeres da vida, derrotado,reduzindo-se a uma existncia de dor, ilimitada na expanso, um vencido margem da lei, um desterrado do mundo, uma nulidade que se destri. Aquele

    que segue os ideais superiores, observado pelo reino da fora e com a psicolo-gia da fora, parece inerme, indefeso, ridculo. facilmente assaltado, aniqui-lado sem esforo, quase por gracejo. Entretanto o vencedor, nesse mesmo ins-tante, assim como os que crucificaram Cristo, sente naquela derrota, naqueladebilidade, o mistrio de uma fora maior, que surge de longe, como um es-trondo de trovo, despertando um eco terrvel nas profundidades do esprito.Um relmpago arroja um facho de luz em sua alma cheia de trevas, revelandoo ignoto, e ele pressente a realizao de vidas mais vastas, intui o que justo.

    Assim, o vencedor, no mesmo instante de sua vitria, experimenta a sensaoda derrota. Ento, num calafrio de espanto, treme e foge, ou melhor, permane-ce e venera. O vencido olha do alto como um vencedor, e tal o , pois desco-briu e revelou uma forma de vida mais elevada e nela triunfa.

    As foras naturais emudecem, desconcertadas, ante este estranho ser sem ar-mas, que proclama uma assombrosa lei nova e parece pertencer a outro mundo.Qual esta fora to inexorvel, esta nova lei ante a qual o mundo natural tremee se dobra? Existem, por acaso, dois sistemas de vida possveis, duas leis, doismundos prximos e em luta, entre os quais oscila a vida do homem?

    Querer concluir sem levar em conta a importncia da fora na economia davida, seria, quando menos, apressado. Foi a fora bruta quem realizou e seguerealizando a seleo no reino animal. Este tambm um modo de progredir,um tipo de tcnica evolutiva, mesmo quando implica a gnese da dor, umaspecto da grande lei de ascenso, se bem que nos graus mais baixos. A justi-a divina equilbrio universal tambm se manifesta nela, j que, no cho-

    que de foras inimigas em processo de contnua agresso, a ao e a reao seneutralizam. O desequilbrio do pormenor se equilibra no conjunto, e de umasoma de injustias resulta como dissemos antes uma primeira forma de justia. Nele, a fora encontra dentro de si mesma uma primeira limitao.Ademais, foi a fora bruta que cumpriu a grande funo, na histria do ho-mem, de lev-lo a afirmar-se como primeiro campeo do reino animal. Foi aprepotnciacarncia de escrpulos e de piedadeque criou os povos domi-nadores e vitoriosos. A fora, pelo menos nas circunstncias em que estes se

    encontravam em seu primeiro perodo de desenvolvimento, era-lhes necess-

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    ria e, sem dvida, muito criou. Observamo-lo na antiga Roma e na Amricade nossos dias, pela seleo dos indivduos mais ousados, mesmo quandomenos escrupulosos, mais ricos de energias ativas e construtivas do que daperfeio moral to ambicionada pelas velhas civilizaes. Porm, se a fora

    criou muito, tambm destruiu muito, e um mundo que se fundasse somente nafora acabaria por se destruir a si mesmo. Junto a todo vencedor h sempreum vencido que lembra, melhor do que aquele, esta destruio. Todas as ex-perincias da vida so gravadas na alma humana. As impresses retornam naraa e o instinto recorda, formando-se assim, a par com o sentimento de admi-rao e respeito pela fora, tambm um sentimento de repugnncia e de dio,porquanto, no vrtice humano, que se renova incessantemente, o vencedor setransforma amide no vencido, e todos experimentam quantas dores acarreta

    a fora quando utilizada em sua prpria vantagem.So assim as raas velhas, que, por terem vivido muito, cansaram-se da lu-

    ta at neurose; so elas que mais detestam e querem eliminar o uso da fora.Este dio, este desejo de suprimi-la, nasce da necessidade e do interesse quecada qual possui em eliminar o exerccio daquela por parte dos demais, paraconserv-lo to-somente para si. Sendo de todos em particular, converte-seem desejo da coletividade, e a represso da fora se generaliza a tal ponto,que se torna hbito, convertendo-se primeiro em lei religiosa e, depois, na leicivil dos povos. A humanidade cumpre desta maneira uma espcie de cerco, afim de expulsar de seu seio aquela audcia, qual ela deve tanto e que san-gue de seu sangue, afastando-a paulatinamente, circunscrevendo-a cada vezmais e contendo-a por todos os meios ao seu alcance. deste modo que assis-timos a um espetculo bem estranho, em que a fora, atravs do uso, tende aeliminar-se a si mesma. Ela, medida que a civilizao organiza a sociedadehumana, tornando-a mais homognea, vai perdendo cada vez mais sua impor-

    tncia, manifestando-se somente nos indivduos atrasados, o que sinal deretrocesso, assim como o seu desaparecimento o de maturidade. Tudo tendea exclu-la. Os ideais de justia e liberdade se fazem sempre mais necessrios.A diferenciao dos tipos humanos, produto da evoluo da vida, a especiali-zao para as aptides psquicas, outorgadas por acumulao de experincias,traria o afastamento dos vnculos e a desagregao social, se no os aproxi-masse outra necessidade e outra fora no reorganizasse estes especializadosem um organismo coletivo mais vasto, onde a atividade de cada um segue as

    linhas de maior rendimento, dado pelo trabalho no campo das faculdades ad-

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    quiridas. Esta fora so os ideais, que, em oposio violncia, constituem ocimento precioso que amalgama os instintos egocntricos e exclusivistas emum organismo coletivo maior e mais potente. assim que os ideais, enquantosatisfazem uma necessidade e alcanam um benefcio, abrem passagem e tra-

    duzem-se em realidade. Eis aqui uma segunda restrio que a fora encontraem si mesma. Ela um fator de evoluo que se manifesta para destruir-se,ou, em outros termos, um fator transitrio na grande rota da libertao. Afora possui um valor imenso em determinadas circunstncias de vida e am-biente, mas conserva seu domnio apenas enquanto o exijam as supremas ne-cessidades do progresso. A srie dos abusos e das violaes tende, atravs deum mecanismo de reaes e choques, a alcanar um estado de equilbrio maisfirme e mais perfeito, e, por evoluo, se cumpre o milagre da transformao

    da fora em justia. Prova evidente da relatividade e da mobilidade continuade todas as posies da vida. Prova de um transformismo ascensional de tudoe de todos. Prova de que a vida possvel em formas e em nveis distintos, acada um dos quais correspondendo um organismo de leis e todo um mundo.Um mundo que se transforma em outro sem destruir-se, do qual o ser vemtomar parte medida que afloram nele as aptides para saber viver nele e asfaculdades de sab-lo sentir.

    Tudo isto demonstra a contempornea existncia de dois mundos distintos,de duas leis: a fora e a justia, o reino da besta e o reino do super-homem,entre os quais o homem oscila e se debate, cumprindo um passo que significatransformao e criao biolgica.

    A fim de no me estender demasiadamente, delineei as duas leis sob o as- pecto de fora e justia, que constituem sua caracterstica essencial. Em umsentido mais vasto,a primeira compreende o mal, o vcio, a violncia, tudo oque na evoluo significa atraso e no homem recorda a besta; a segunda com-

    preende todo o edifcio das virtudes que as religies e as leis se esforam porinculcar no corao do homem. As duas leis so o bem e o mal. O mal o pas-sado, e o bem o futuro. A passagem cumpre-se por evoluo, e dela nasce oconflito, que contnuo, entre as duas formas. Portanto o mal e o bem so rela-tivos ao indivduo, raa, ao grau de evoluo. Isto anula o conceito de culpa,a menos que por culpa se entenda a ignorncia, que nos faz preferir a desvan-tagem de retroceder ou retardar a evoluo, obstruindo a busca de uma formamais completa de felicidade. Estes conceitos ticos sobre bases racionais e

    cientficas se afastam muito das normas dos cdigos penais religiosos e civis,

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    os quais, ainda que resultem explicveis em sua gnese como reao e comodefesa, carecem de significado no mundo superior da justia e devem ser rele-gados ao campo do egosmo e da fora.

    Quantas vezes, observando a alma humana, perguntei a mim mesmo como

    possvel a existncia contempornea de duas normas de vida to diferentes,como podem estas pretender impor-se simultaneamente, e o porqu desteconflito, desta coexistncia de afirmaes opostas, desta contradio no pr- prio corao do homem. Eu sentia seu duplo imperativo em cada ato, e emcada ato havia uma luta. De um lado, o sonho do ideal, to belo, to puro, to perfeito, e do outro, o proveito imediato do utilitarismo. De uma parte, aequidade consagrada oficialmente por todas as leis religiosas e civis, e deoutra, coroada pelo xito e apreciada incondicionalmente em privado, a for-

    a, como tal, sem escrpulos. Na prtica (o que escusvel s vezes, se forlevado em conta a opresso das necessidades materiais, as exigncias da vidae a miragem de uma utilidade mais tangvel por estar mais ao nosso alcance)eu via que os ideais, os princpios, a utilidade maior, porm mais remota,eram tidos em menor conta, como uma realidade desagregvel, que se desva-nece no mundo dos sonhos. Via, s vezes, acender-se a luta, mas quase sem-pre para optar pelo til, relegando o ideal entre as belas formas de retrica,entre as indiscutveis verdades, julgadas como mentiras convencionais, umvnculo do qual, na prtica, mister desligar-se como de uma posio des-vantajosa. Via o anjo alado, de fronte radiante, sempre em luta com a feraaudaz e selvagem. Em cada ato, dois caminhos opostos, uma teoria e umaprtica, um modo de dizer e outro de agir, uma mentira muito cmoda e umarealidade muito rdua para seguir. No compreendia como era possvel, parao mesmo indivduo, existir contemporaneamente em dois mundos opostos ecumprir duas leis contrrias. A explicao do absurdo somente me poderia

    oferecer a teoria evolucionista: uma duplicidade contempornea de leis so-mente possvel num regime de evoluo, como trnsito de uma para outrafase. Somente o ocaso de um perodo e o alvorecer de outro podem produzirtais contrastes. Somente o homem os conhece, no ainda a animalidade infe-rior, que descansa satisfeita na plenitude de sua fase.

    O homem vive, pois, em formas de transio, em nveis distintos segundoos casos, que vo da besta ao super-homem. Vive em parte no passado e, em parte, projeta-se para o futuro, ensaiando e explorando o passo para formas

    mais elevadas.

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    Restaram de tudo isto vestgios nas oscilaes seculares das religies, dasfilosofias, das leis, das instituies; oscilaes que poderiam parecer incerte-zas, mas que so evoluo. Normas e imperativos que queriam ser absolutos eperfeitos, mas que so aproximaes progressivas de perfeies cada vez mai-

    ores. Este passo uma superao biolgica, a transformao do homem nosuper-homem, o maior acontecimento da poca moderna. Realizar esta marcha a necessidade mais viva, o objetivo supremo da vida individual e coletiva.Apress-la, se fosse possvel, para alcanar uma felicidade mais estvel ecompleta, a mais profunda aspirao da alma humana.

    A busca dos meios para realizar e acelerar esta passagem constitui o objeti-vo deste captulo.

    Temos estudado a evoluo espiritual no homem, primeiro como evoluo

    de seu organismo psquico, em seguida como desenvolvimento de concepesna evoluo dos ideais. Observamo-la agora em seu aspecto mais universal egrandioso, como uma sucesso de mundos e organismos de leis, onde o ho-mem vive progressivamente a sua gloriosa ascenso.

    Esta marcha, da qual queremos estudar os aspectos,as leis e os resultados, um fenmeno susceptvel de um estudo positivo, porquanto admite a observa-o e a experimentao. um fenmeno natural no sentido de que se realizapor si s, em forma espontnea, diria quase automaticamente, por um jogo deforas irresistveis e fatais, porque a vontade das grandes leis e a necessidademais potente do ser; porque o mover-se, e mover-se ascendendo, est na es-sncia ntima do universo.

    Pode, porm, produzir-se tambm racionalmente, ou seja, primeiramentecompreendido e depois desejado e conduzido pela inteligncia humana, semque tenhamos de estranhar esta interveno do homem na conduta e na utiliza-o das leis naturais. A inteligncia humana por si mesma uma fora criado-

    ra, e das mais poderosas. Pode, portanto, no somente entrar em combinaofecunda com as outras foras, seno tambm, at certo ponto, assumir sua di-reo. Movem-se tais foras de acordo com leis que, embora sejam algo adian-tadas, no alcanaram totalmente a perfeio; acham-se sujeitas ao esforo doensaio e ao perigo do erro, mesmo quando corrigido e compensado. Se o equi-lbrio se restabelece de pronto e o progresso se manifesta em seguida, a provacontm sempre um desgaste que a inteligncia pode evitar, estudando o meca-nismo das leis que tudo regem com preciso matemtica, orientando as energi-

    as e dirigindo o esforo para obter um rendimento maior. Deste modo, o ho-

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    mem pode progredir no saber conduzir-se no grande oceano de foras que ouniverso, para conseguir, em vez de dano, vantagem. O ignorante, por nosaber mover-se no meio delas e desconhecer o efeito de seus prprios atos,pede o que o equilbrio universal no pode e nem quer absolutamente dar e,

    assim, choca-se de contnuo contra reaes dolorosas, crendo ser possvel, pelaviolncia, forar as leis, para iludi-las. Tenta substitui-las pelo impulso insigni-ficante de sua prpria vontade, rebela-se contra a corrente de todo funciona-mento orgnico do universo, mas a corrente o arrasta. O sbio, ao contrrio,pede harmonicamente s aquilo que lcito pedir, e o obtm. Deste modo, sepode realizar racionalmente, com o mximo rendimento e a maior aceleraopossvel, a ascenso de um mundo a outro.

    bem certo que,por outro lado,estas coisas so to velhas como o homem.

    Repito-as numa forma nova de objetividade analtica, mais verdadeira e maispalpitante,para que recuperem a vida da qual pareciam haver se afastado. Asreligies, as filosofias e todo o pensamento humano acumulado no passado,concordam com a crena moderna mais evoluda. As maiores inteligncias,assim como a alma amorfa das grandes massas humanas, elaboraram-nas, bus-cando e experimentando todos os dias, atravs de vrios sistemas, em todos oslugares da Terra, com todas as aproximaes e resultados possveis.

    mister explicar e afirmar aqui a existncia de um organismo de leis, deacordo com as quais, e jamais ao acaso, movem-se todas as foras do univer-so, leis que so uma vontade e um conceito e constituem a alma da criao.Seu imperativo expressa-se sempre nas coisas reais da vida, sempre umfenmeno em ao, e encontramo-lo invariavelmente como elemento ligado matria, tal como a alma ao corpo. O conceito existe detrs das coisas,oculto na profundidade do mistrio, manifestado to-somente em suas lti-mas consequncias, e por sua vez tambm vontade e ao, assumindo a

    personalidade do eu que pensa, quer e age, divindade invisvel, porm onipo-tente e onipresente. Esta concepo naturalista no diminui e nem anula, se-no agiganta o conceito da Divindade. Poder-se-ia expressar, com as mesmaspalavras da gnese bblica, o conceito antropomrfico: o homem criou Deus sua imagem e semelhana. natural que, com o progresso da sabedoriahumana, este conceito se engrandea. Cada profeta, cada fundador de religi-es, j nos proporcionou uma aproximao maior. Portanto, com a evoluoda cincia, que continua a evoluo das religies, a alma humana vai cada

    dia sondando e decifrando um novo artigo da Lei, cumprindo relativamente a

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    si mesma uma contnua e progressiva revelao da divindade. A evoluo, aelevao desde o mbito de uma lei a outro mais alto, cumpre cada dia no seruma progressiva realizao da divindade.

    Encontramo-nos, pois, perante uma grande transformao que o homem

    pode executar em si mesmo, dirigindo-a racionalmente, em harmonia comtodo o funcionamento orgnico do universo. O trabalho de compreender e o,ainda maior, de realizar o complicado fenmeno tendem, por certo, a umautilidade final, obrigando-nos a perguntar qual pode ser esta. Falei de utilida-de que justifique o esforo, o compense e nos faa decidir a intentar a difcilprova, porquanto sei, por experincia, que o prmio e o objetivo final de tudoisto no uma quimrica idealidade, um vo espiritualismo, mas sim umavantagem, que permite alcanar a mais completa felicidade. um eterno pro-

    blema que ns outros vamos encarando, problema real, fascinante, que emanade uma necessidade imperiosa do esprito, de um instinto misterioso, que ou-torga ao homem o direito de pretender e a certeza de obter, mesmo que numfuturo distante, uma satisfao absoluta. Este problema que estamos estudan-do, se bem que o mais difcil, tambm o mais radical e o mais positivo paraalcanar a meta desejada, j que no se estriba em sobrepor exteriormente a simesmo todos os possveis domnios e possesses transitrios e ilusrios, esim na transformao da maneira de ser, numa profunda e definitiva renova-o do eu. Trata-se da fuga de um mundo inferior, de uma transformao dasua lei, da libertao, enfim, de todas as dores que o povoam. Aquele que viveno nvel da lei subumana permanece isolado em seu egosmo e deve lutar semdescanso contra todos, porm, ascendendo ao mbito da lei super-humana, jno necessita lutar nem esforar-se e poder, coisa absurda no mundo inferi-or, evangelicamente depor as armas de ataque e defesa e, com estas, a angs-tia da incerteza e da derrota, porque existe uma fora mais poderosa, sob cuja

    proteo se colocou e que espontaneamente o protege. Ele se encontra nomeio da corrente, e a corrente o leva. Sua lei a grande lei, sua vontade agrande vontade. J no lhe mister o esforo para impor-se como exceo, pois vive harmonicamente com a vida universal. Sua sorte converte-se numequilbrio estvel,que tende a permanecer estvel em forma espontnea, por-quanto no produto da fora, precrio e combatido. Desce uma paz imensasobre todo o ser, um gozo difcil de compreender e de expressar, que , po-rm, o mais profundo que o homem conhece. A alma humana, invadida pela

    febre atual do trabalho e da riqueza, exige resultados menos efmeros, neces-

  • 8/3/2019 06- Fragmentos de Pensamento e de Paixo - Pietro Ubaldi (Volume Revisado e Formatado em PDF para iPad_Tabl

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    Pietro Ubaldi FRAGMENTOS DE PENSAMENTO E DE PAIXO 36

    sita, para satisfazer-se, de valores indestrutveis, algo que, atravs do tempo,no mude e nem se desvanea como uma iluso. Dada a transitoriedade detodas as coisas humanas, somente a evoluo, no vrtice de um incessantetransformismo pulsante de vida e de morte, constitui o que jamais ser destru-

    do. O tempo mede, porm no toca este transformismo, que se muda na for-ma, se renova sempre, sem perder nada na substncia, que vibra no ritmograndioso de sua ascenso. Esse movimento incessante, que no mundo inferi-or destruio e tormento, deste modo guiado para a felicidade e se conver-te em meio de conquista de afirmaes eternas.

    Se os resultados so esplndidos, o atalho spero e difcil de achar, de-mandando enorme esforo. Porm no h grandes conquistas sem grandesesforos. Aqui, o homem deve medir-se em uma luta titnica, no mais contra

    os seus semelhantes, mas sim contra as poderosas leis naturais, invisveis, te-nazes, que esto dentro dele e so a sua prpria personalidade, que ele deve, por sua vez, destruir e reedificar, matar e ressuscitar. Esta destruio de simesmo o primeiro sofrimento que lhe incumbe enfrentar. No discerne deimediato o verdadeiro caminho, seu impulso para a felicidade , em geral, ce-go e recai sobre si mesmo, inutilmente. Acredita poder agarr-la em formaestvel, usurpando-a com uma violao de equilbrio; cr ser possvel, nummundo de leis naturais, o absurdo de se obter o que no se tenha merecido. Afora um atalho cmodo que produz efeitos imediatos, mas tambm equil-brios instveis, que prontamente cedem reao natural. Da o acervo das de-siluses humanas; riqueza de energias, porm grande miopia. Estimulada pelasede dos gozos enquanto somente a minoria preferiu a estrada mais longa eescabrosa, porm mais seguraa maioria se consome e se revolve na lama, afim de pedir aos prazeres do mundo subumano um pouco mais de felicidade,numa luta encarniada em redor de resduos mesquinhos. No s insatisfao,

    mas sempre novas derrotas na inexorvel balana da justia. Quem, em troca,trabalha na senda do bem, vai acumulando crditos; um dia, daquela mesmalei, lhe manar espontaneamente a felicidade. No se atendendo a este equil-brio, nem misteriosa voz da conscincia, que nos admoesta, nem ao furacode reaes que as foras da Lei podem desencadear, algo se vai s