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Política tributária brasileira é regressiva e recessiva Amir Khair, em 04/11/2013 A política tributária no Brasil é voltada a extrair tributos (impostos, contribuições e taxas) fundamentalmente do consumo, através de alíquotas elevadas que incidem sobre o preço de venda de bens e serviços, elevando-os. O ICMS de competência estadual é o principal causador dos preços elevados na economia. Tem alíquota normal de 18% e nos casos de comunicações por telefone fixo ou celular, energia elétrica e combustível, itens de uso geral na sociedade, a alíquota é normalmente de 25%, podendo alcançar 30%. Essa alíquota tem incidência por dentro, ou seja, majora o preço sem impostos em porcentagem maior. Assim, a alíquota de 18% eleva o preço sem imposto em 21,95% e a de 25% em 33,33%. Isso causa vários problemas: a) inibe o consumo; b) sacrifica a maioria da população, cuja maior parte da renda se destina ao consumo; c) reduz a competitividade das empresas sediadas no País e em consequência dos itens anteriores; d) freia o crescimento econômico. Por outro lado a política tributária subtributa o patrimônio e a renda, beneficiando as camadas de maior renda e riqueza. Exemplo emblemático dessa situação é a não regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), que consta do sistema tributário constitucional, mas que é rejeitado pelo Congresso Nacional, pois iria atingir o bolso da maioria dos deputados e senadores. A insignificante tributação sobre o imóvel rural é outra evidência da subtributação do patrimônio. O Imposto Territorial Rural (ITR) mal atinge 0,01% do Produto Interno Bruto (PIB) ou 0,04% da arrecadação tributária do País. O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) tem, também, baixa expressividade no total de arrecadação, atingindo apenas 1,3% dela. A incidência dos tributos sobre o consumo eleva, de forma geral, o preço de venda na proporção da alíquota de cada tributo, pois o valor desses tributos se soma ao preço do produto ou serviço sem impostos. Atingem o consumo os seguintes tributos. Na esfera federal o Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre o Produto Industrializado (IPI) e Imposto de Importação. Na esfera estadual o ICMS, principal tributo do País em arrecadação. Na esfera municipal o Imposto sobre Serviços (ISS). Um produto cujo preço sem impostos vale R$ 100,00 é majorado em R$ 37,46, considerando as alíquotas que incidem por

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Política tributária brasileira é regressiva e recessiva

Amir Khair, em 04/11/2013

A política tributária no Brasil é voltada a extrair tributos (impostos, contribuições e taxas) fundamentalmente do consumo, através de alíquotas elevadas que incidem sobre o preço de venda de bens e serviços, elevando-os. O ICMS de competência estadual é o principal causador dos preços elevados na economia. Tem alíquota normal de 18% e nos casos de comunicações por telefone fixo ou celular, energia elétrica e combustível, itens de uso geral na sociedade, a alíquota é normalmente de 25%, podendo alcançar 30%. Essa alíquota tem incidência por dentro, ou seja, majora o preço sem impostos em porcentagem maior. Assim, a alíquota de 18% eleva o preço sem imposto em 21,95% e a de 25% em 33,33%.

Isso causa vários problemas: a) inibe o consumo; b) sacrifica a maioria da população, cuja maior parte da renda se destina ao consumo; c) reduz a competitividade das empresas sediadas no País e em consequência dos itens anteriores; d) freia o crescimento econômico.

Por outro lado a política tributária subtributa o patrimônio e a renda, beneficiando as camadas de maior renda e riqueza. Exemplo emblemático dessa situação é a não regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), que consta do sistema tributário constitucional, mas que é rejeitado pelo Congresso Nacional, pois iria atingir o bolso da maioria dos deputados e senadores.

A insignificante tributação sobre o imóvel rural é outra evidência da subtributação do patrimônio. O Imposto Territorial Rural (ITR) mal atinge 0,01% do Produto Interno Bruto (PIB) ou 0,04% da arrecadação tributária do País. O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) tem, também, baixa expressividade no total de arrecadação, atingindo apenas 1,3% dela.

A incidência dos tributos sobre o consumo eleva, de forma geral, o preço de venda na proporção da alíquota de cada tributo, pois o valor desses tributos se soma ao preço do produto ou serviço sem impostos.

Atingem o consumo os seguintes tributos. Na esfera federal o Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre o Produto Industrializado (IPI) e Imposto de Importação. Na esfera estadual o ICMS, principal tributo do País em arrecadação. Na esfera municipal o Imposto sobre Serviços (ISS).

Um produto cujo preço sem impostos vale R$ 100,00 é majorado em R$ 37,46, considerando as alíquotas que incidem por dentro: ICMS de 18%, Cofins de 7,6% e PIS de 1,65%. O preço de venda fica em R$ 137,46. Se o ICMS fosse de 25%, como é em geral nas comunicações, energia elétrica e combustíveis, o preço de venda saltaria de R$ 100,00 para R$ 152,09 (!).

Para as empresas que estão no regime de lucro presumido a incidência sobre o preço envolve o Imposto de Renda, PIS, Cofins, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e, no caso dos serviços, o ISS. As alíquotas são: Imposto de Renda 4,80%, PIS 0,65%, Cofins 3,0%, CSLL 2,88% e ISS 5% (alíquota mais comum).

Incidência menor de tributos ocorre para a micro empresa e empresa de pequeno porte pelo Simples Nacional. Pela Constituição essas empresas têm tratamento diferenciado e favorecido. A tributação é de percentual progressivo incidente sobre a receita bruta. O enquadramento se dá pelo valor do faturamento bruto anual ser abaixo do limite fixado na lei, limite esse que vai sendo alterado com o tempo, conforme a política de estímulo que adota o governo federal. Para essas empresas, que representam em número a maior patê das empresas que operam no País, oito tributos são substituídos por um só. Eles são: seis federais (Imposto de Renda, IPI, INSS, PIS, Cofins e CSLL) um estadual, o ICMS e um municipal, o ISS.

A subtributação no patrimônio se deve: a) a não regulamentação do IGF; b) a quase inexistente tributação sobre o imóvel rural no ITR e; c) à baixa tributação sobre o imóvel urbano no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) nos municípios. Quanto ao IPTU vale ressaltar o potencial tributário que possui, caso os prefeitos se dispusessem a cobrá-lo, sem sacrificar a população, através de alíquotas progressivas conforme o valor venal dos imóveis.

É importante destacar que existe, de forma geral, nos municípios brasileiros uma forte concentração de valor venal global da cidade num percentual reduzido de imóveis; assim, caso

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fosse possível aplicar alíquotas mais altas para esses imóveis, ter-se-ia um substancial crescimento da arrecadação desse imposto.

A subtributação sobre a renda é caracterizada por baixa incidência na pessoa física devido à limitação da alíquota máxima de 27,5%, a mais baixa entre os países da América Latina.

O não enfrentamento do desgaste político que pode ser causado pela elevação dessa alíquota para os contribuintes de faixa de renda mais elevada, aliado à difícil aprovação no Congresso Nacional, com a maioria dos parlamentares que seria atingida pela elevação da alíquota, coloca o País como um dos que menos tributa a renda no confronto internacional.

A consequência da política tributária que se mantém historicamente submissa aos interesses das camadas de maior renda pode ser avaliada pela composição do peso dos tributos segundo a base de incidência. Na média dos últimos seis anos, o consumo representou 43,7% da tributação, seguido pela mão de obra com 37,5%. Essas duas bases de incidência superaram 4/5 da tributação no País. O lucro nas empresas representou 10,7%, o patrimônio 3,7% e a intermediação financeira 1,8%. A baixa incidência tributária sobre a intermediação financeira é outra característica do sistema tributário vigente no País.

A tributação sobre a mão de obra é, também, elevada, encarecendo este fator de produção, o que restringe seu uso. Em agosto de 2011 o governo federal iniciou o processo de desoneração da mão de obra de vários setores econômicos pela substituição da incidência da tributação de 20% sobre o valor da folha de pagamento por uma alíquota que varia entre 1% e 2% sobre o faturamento bruto das empresas. Essa alíquota é inferior à alíquota neutra, que é a que torna igual o valor da tributação do faturamento ao valor de 20% da folha e pagamento (quota patronal).

Uma crítica à desoneração da quota patronal é que possa causar prejuízo nas contas do regime geral da Previdência Social, pois o governo federal não tem sistema de informação que apure com rigor o valor que está sendo subtraído da arrecadação previdenciária.

Apesar dessa dificuldade é necessário transparência dessas estimativas com as premissas, bases de dados e memória de cálculo para acompanhamento dos impactos sobre as contas da Previdência Social.

Em síntese, o país tem uma política tributária que penaliza o consumo e mão-de-obra. Isso torna o sistema tributário regressivo, recessivo, pois reduz o poder de compra das famílias ao elevar o preço dos bens e serviços e eleva o custo da mão-de-obra para as empresas, que no processo competitivo acabam perdendo espaço para os bens importados, que vêm de países com menor tributação sobre o consumo e a mão-de-obra.

Amir Khair, engenheiro e mestre em finanças públicas pela EAESP/FGV, foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo (1989/92). Atualmente é consultor na área fiscal, orçamentária e tributária.

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O sistema tributário brasileiro é regressivo

Emir Sader, em 20/11/2010

Uma das funções fundamentais do Estado é a tributação e a redistribuição desses recursos. Ao longo de muitas décadas, considerando que o mercado concentra renda, o Estado teve a função de compensar esses efeitos do mercado, sobretudo através de suas políticas sociais.

Nos tempos neoliberais, a criminalização do Estado regulador e social fez com que as funções de apoio ao processo de acumulação de capital fossem preponderante, enquanto o Estado mínimo se retraía das suas responsabilidades sociais. A estrutura tributária passou a refletir isso muito claramente, com o Estado redistribuindo regressivamente os ingressos, acentuando a concentração de renda, ao arrecadar dos setores produtivos ¿ entre eles, os assalariados ¿ e redistribuindo para o capital financeiro, pelo pagamento das dívidas públicas.

O sistema tributário brasileiro é injusto ¿ conforme se vê da exposição do professor da Universidade Federal da Bahia, Naomar de Almeida Filho, em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do governo. Ele alinha vários argumentos, com dados, que comprovam sua tese.

Em primeiro lugar, se trata de um sistema tributário regressivo e com carga mal distribuída. As pessoas que ganham até 2 salários mínimos pagam 48,8% da sua renda em impostos, enquanto os que ganham acima de 30 salários mínimos pagam 26,3%. Os 10% mais pobres pagam 32,8% da sua renda em impostos, enquanto os 10% mais ricos pagam apenas 22,7%.

Ao contrário do que se costuma propalar na imprensa, o carga tributária geral não é alta, em comparação com os países da OCDE, por exemplo. Aqui, 34,7% do PIB, na OCDE, 35,8%. A arrecadação sobre bens e serviços (impostos indiretos, como o IPI, o ICMS) contribui com 15,5% do PIB ou 44,6% da carga tributária total. Na média da OCDE, ela corresponde a 10,9% do PIB ou 30,4% da carga tributaria geral.

Enquanto que os impostos diretos (como o IR ¿ mais justos, em que quem ganha mais paga mais) -, no Brasil somam 8,5% do PIB ou 24,4% da carga tributária total (pouco mais da metade dos impostos indiretos). Na correspondem a quase o dobro: 15,1% do PIB ou 42,3% da carga total.

Só a arrecadação do IR, no Brasil, que taxa diretamente a renda de cada um, corresponde 8,9% do PIB ou 25% da carga tributária total. A alíquota máxima do IR no Brasil é de 27,%%, enquanto na OCDE é de 42,5%.

Os rendimentos do capital são menos taxados (0,8% do PIB ou 13% da arrecadação total) do que os do trabalho (1,7% do PIB ou 26,9% do total arrecadado).

O imposto sobre herança, que existe apenas em alguns poucos estados, cobra 4% em São Paulo, enquanto na OCDE se cobra, na média dos países, mais de 10 vezes mais: 41%.

Nos próximos artigos, igualmente baseados na exposição do professor Naomar, veremos outros aspectos do mesmo tema: um retorno social baixo em relação à carta tributária, o desincentivo ao investimento, a inadequação do pacto federativo e a ausência do que ele chama de cidadania tributária.

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Reforma Tributária: chave das políticas sociais

Emir Sader , em 22/08/2013

A direção do PT decidiu incluir aos temas da reforma política (na verdade, reforma eleitoral, com ênfase no financiamento público das campanhas) e da democratização dos meios de comunicação a reforma tributária, como prioridades da luta política no período atual.

A tributação é um tema chave para que o governo possa ter os recursos para promover as transferências de renda que permitam seguir combatendo a desigualdade social. É da tributação que o Estado, numa economia de mercado, obtém os recursos para os seus gastos.

A tributação no Brasil é extremamente injusta do ponto de vista social. A maior parte da arrecadação vem de impostos indiretos, em que todos pagam o mesmo imposto. Parte bastante menor vem dos impostos diretos, em que quem tem mais, paga mais.

Ainda assim, a capacidade de evadir – de forma legal ou ilegal, sonegando – os impostos está concentrada nas grandes empresas. Os assalariados são descontados diretamente na fonte. Os grandes empresários, além de terem experts em advocacia tributária, para encontrar as formas de pagar sempre menos imposto, sonegam e gozam de isenções que o governo concede, sem contrapartidas.

A tributação é objeto de uma verdadeira luta de classes, em que se batalha para saber quem financia quem, através do governo. Atualmente, o grosso dos impostos é pagos pelos assalariados e uma parte significativa da arrecadação vai para o superávit fiscal – pagar as dívidas do Estado, isto é, transferir recursos para o capital financeiro –, enquanto outra parte é sonegada ou isenta.

Uma reforma tributária socialmente justa – isto é, em que quem ganha mais, paga mais – precisa incluir tributação sobre as grandes fortunas, sobre as heranças, sobre as grandes transações – incluindo as dos clubes de futebol –, além do fim da isenção para igrejas, clubes esportivos e outros locais afins.

Como afirma Rui Falcão, presidente do PT, se trata sobretudo de distribuir melhor os impostos pagos pela sociedade, de forma socialmente justa. A oposição conseguiu terminar com a CPMF, um imposto impossível de ser sonegado e justo, porque quem gasta mais em cheques, paga mais. Um imposto que iria integralmente para a saúde pública, que se ressente da falta desses recursos.

Só será possível uma reforma tributária desse tipo com uma Assembleia Constituinte ou com um referendo popular, que contorne as estruturas representativas atuais, comprometidas com os interesses econômicos que se favorecem dos critérios tributários atuais.

Mas, por qualquer via que seja, seguramente ela só é possível como resultado de uma ampla campanha de esclarecimento dos argumentos resumidos aqui e de outros que democratizem a estrutura tributária, combatam radicalmente a sonegação e permitam ao governo dispor dos recursos para dar continuidade ao imenso processo de democratização social que vivemos nos últimos 10 anos, mas que tem ainda grandes objetivos pela frente para a construção de um país justo e solidário.

Emir Sader possui Graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), Mestrado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e Doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). É professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É Presidente do Comitê Científico Consultivo do Programa MOST da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)

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Imposto sobre grandes fortunas: se não agora... quando?

Washington Araújo, em 04/07/2013

A ordem do dia é ouvir o clamor das ruas. A presidenta Dilma Rousseff diz que ouviu e vem pontuando gestos, atitudes e ações em consonância com o que se escuta do meio-fio. Destes sobressai a reforma política, sendo resgatado até mesmo a convocação de consulta plebiscitária. O mesmo acontece com o Congresso Nacional, onde projetos que tramitavam a passo de tartaruga ganharam a agilidade de coelhos e vêm sendo aprovados ao ritmo tic-tac das ruas. O Supremo Tribunal Federal também não se faz de morto e já foi expedito em mandar prender o deputado federal de Rondônia Natan Donadon, por corrupção.

Por enquanto, dois gritos ainda não tomaram forma de gritos unânimes por mudanças: a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) e a regulamentação que trata da democratização dos meios de comunicação.

Longe de ser “mais um” imposto, o IGF poderia estipular parâmetros visando excluir com robusta folga as classes média e média alta, como também um conjunto de famílias que podem ser consideradas ricas, mas não milionárias. A regulamentação do IGF pode definir com clareza cristalina que sua incidência atinja tão somente aqueles que apresentam grandes fortunas, estimados em cerca de 10 mil famílias e, principalmente, dentro desse universo de contribuintes, as cinco mil famílias que teriam um patrimônio equivalente a 40% do PIB.

A colocação da tributação da riqueza novamente na agenda política nacional reflete a tomada de consciência gradativa de que as iniqüidades geradas pela adoção de políticas que glorificam o Deus-Mercado, acentuadamente de extrações neoliberais, nas últimas décadas, agora se defrontam com o clamor crescente das ruas.

A cobrança de imposto sobre grandes fortunas, prevista no artigo 153 da Constituição de 1988 e nunca regulamentada, voltou ao debate nacional após as manifestações de rua exigindo melhorias na qualidade de vida da população.

É uma demanda antiga. E nunca conseguiu eficácia por sempre esbarrar nos velhos corporativismos:

- A classe política não tem interesse em regulamentar porque, quando não alcançaria boa parte da riqueza dos senhores parlamentares e chefes dos executivos estaduais e municipais, abocanharia parte dos rendimentos dos empresários que em grande medida financiam as campanhas políticas no país ao longo de sua história. Constatação: os titulares de grandes fortunas, se não estão investidos de poder, possuem inegável influência sobre os que exercem.

- Os meios de comunicação, dentre estes, aqueles com maior audiência televisiva e maior número de tiragem impressa – revistas e jornais – nunca demonstraram permeabilidade ao reclame da sociedade por uma singela motivação – qual seja, dado o grau de extrema concentração da propriedade dos veículos de comunicação (canais de tevê, canais de tevê a cabo, revistas semanais, jornais diários, emissoras de rádio, e portais na Internet), eles próprios integrariam um público-alvo de 907 indivíduos e empresas que detêm patrimônio igual ou superior a R$ 150.000.000,00 e, além de levar a própria carne ao corte, iria contrariar frontalmente interesses de suas principais fontes de receita publicitária, o cobiçado mercado publicitário, que inclui conglomerados financeiros, grupos econômicos transnacionais diversos. indústria da construção civil, agronegócio, segmento automotivo;

- Os principais nós a serem desatados tem a ver com a definição para “grande fortuna”, a base de cálculo e a alíquota por faixa de riqueza patrimonial.

É fato que se trata de um imposto de grande impacto para a realização de justiça social no Brasil, pois sua existência e regulação possibilita a redistribuição de renda em favor dos segmentos da população mais vulneráveis social e economicamente.

A própria inclusão deste artigo em nossa Constituição Cidadã de 1988 está colocada de forma cristalina e assertiva nos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias que, em seu art. 80, inciso III, estipula:

"Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: [...] III – o produto da arrecadação do imposto de que trata o Art. 153, inciso VII, da

Constituição".

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A discussão e também a adoção do Imposto sobre Grandes Fortunas não é nossa primazia nem possui o ineditismo da nossa jabuticaba. Com o chamado Éden do capitalismo mundial em crise acentuada, o fato é que a tributação sobre grandes fortunas voltou à agenda de discussão dos povos de que nunca o adotaram, como os EUA, ou em países que o revogaram e agora discutem sua reintrodução, como a Alemanha.

Existe em alguns países, como os Estados Unidos e alguns países europeus. No exterior, tem sido comum que este IGF passa a ser exigido apenas sobre os ganhos auferidos no ano, enquanto que no Brasil todos os debates apontam para a necessidade de se regulamentar o IGF de forma a que este incidiria sobre a totalidade do patrimônio dos indivíduos.

A fragilidade argumentativa dos que se opõem ao IGF é gritante:- a sonegação fiscal no Brasil seria incentivada, ao fazer com que contribuintes não

declarassem seu patrimônio por receio do imposto;- seria uma forma de o governo criar mais um imposto, diminuindo o patrimônio dos

contribuintes, sem garantias que o dinheiro seria usado diretamente na saúde (como a CPMF também não era integralmente aplicada na saúde);

- seria injusto optar por incidir sobre a totalidade do patrimônio já acumulado, algo que atingiria indivíduos que já haviam pagado todos os impostos para sua acumulação.

A contraargumentação parece-nos sólida, robusta. E madura. Se não, vejamos:- sonegadores contumazes existirão sempre, assim como existem os sonegadores

habituais do Imposto de Renda, portanto, com a criação do IGF neste momento, a Receita Federal detêm todos os meios necessários para acessar dados e cifras do patrimônio real de cada brasileiro, de forma estabilizada, mas ainda assim, parece-nos óbvio que os donos de grandes fortunas a serem tributados - e que viessem a sonegar o pagamento do IGF - há muito vêm sonegando também o Imposto de Renda; portanto, a existência ou não do IGF teria impacto nulo no aspecto sonegação fiscal;

- inferir que a existência de um imposto – qualquer que seja - tenha relação direta com sua correta aplicação é não mais que diversionismo tosco e instrumentos de fiscalização precisam ser aprimorados - ou criados - para assegurar a aplicação dos recursos de acordo com o que prevê o texto constitucional; no caso do IGF seriam aplicados para fortalecer políticas públicas de erradicação da pobreza.

- não seria injusto, sob quaisquer aspectos, que o IGF incida sobre o patrimônio acumulado do indivíduo e não sobre os ganhos anuais destes, porque é até do conhecimento vegetal a falta de lisura, a corrupção e o mau uso do próprio poder econômico visando auferir e acumular ao longo do tempo tanto ganhos de capital quanto ganhos patrimoniais.

Economistas e tributaristas informam que caso seja criado esse imposto o país terá aporte adicional de, pelo menos, R$ 14 bilhões, dinheirama que poderia ser facilmente direcionado para a saúde. E recursos que viriam, em grande parte, de apenas 907 contribuintes com patrimônio superior a R$150 milhões.

Resta saber se a imprensa que tanto se diz alinhada na missão de amplificar o grito das ruas, estádios, avenidas, praças e também das redes sociais, estaria disposta a encampar em sua seletiva agenda noticiosa a criação do IGF, assim como fez com a demanda por uma reforma política e o arquivamento da PEC 37/2013.

Caso nossos principais defensores da liberdade de expressão, guardiães autonomeados da liberdade de imprensa, optem por uma sintonia realmente fina com os anseios populares, logo nos habituaremos a ver a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas nas capas da revista Veja, carro-chefe do conservadorismo; matérias alentadas na revista Época; editoriais inflamados nos jornais O Globo, Folha de S.Paulo e o Estado de São Paulo. E também, não ficaremos surpresos se ao mudarmos de canal de tevê em uma tarde de domingo qualquer nos depararmos com a voz rouquenha e os olhos esbugalhados do global Faustão clamando pela imediata existência do Imposto Robin Hood. E daí será um passo para ouvirmos os sermões em forma de vitupérios e sandices do Arnaldo Jabor, além das habituais gracinhas cínicas do Jô Soares.

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil, Argentina, Espanha, México.

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Tributação dos ricos: o debate interditado

Paulo Gil Introíni - Teoria e Debate, em 07/03/2015 -

A velha prática das classes dominantes de se apropriar das bandeiras populares mudando-lhes a natureza e o sentido tem sido recorrentemente aplicada ao debate da reforma tributária no Brasil. O motivo é evidente: a disputa sobre quem irá financiar o Estado e as políticas públicas é inerente à tributação. Trata-se de uma das expressões do conflito de classes.

É imperdoável dizer que se trata de mera discussão técnica, a não ser que se pretenda restringir o campo de debate a “especialistas”.

No Brasil, metade da renda das famílias mais pobres é absorvida pela carga tributária, situação decorrente da elevada concentração de tributos incidentes sobre o valor dos produtos e serviços consumidos pela população. Nossa tributação praticamente não alcança o topo da pirâmide social. É irrisória sobre as altas rendas e o grande patrimônio.

A manutenção da política tributária em vigor desde os anos 1990, de imputação preferencial do ônus do financiamento do Estado aos mais pobres, constitui um sucesso notável da ideologia dominante.

O caminho da iniquidade é pavimentado pelo mantra da simplificação tributária. A mensagem subjacente é que a tributação da renda e do patrimônio é complexa. Apresentaria maior dificuldade de fiscalização e cobrança, motivo pelo qual deveríamos preferir as bases tributárias ao alcance da mão, objeto do desejo do modelo de arrecadação fácil e vulgar.

Como ensina a sabedoria popular: para alimentar um peixão, são necessários vários peixinhos. Precisa ficar claro para todos que a tributação exagerada sobre o consumo é a contrapartida da baixa incidência sobre o grande patrimônio e as rendas muito elevadas. Em “papo reto”: os pobres pagam muito porque os ricos não pagam quase nada.

A fratura exposta da tributação brasileira: o imposto sobre a renda não é para todos

Houvesse uma “bala de prata” para acabar com a distorção mais grave e perniciosa de nosso modelo tributário, qual o alvo?

Um dia depois do Natal de 1995 [1], foram concedidos dois benefícios insuperáveis aos sócios e acionistas de empresas estabelecidas no país. O primeiro, uma isenção total do imposto de renda em relação aos lucros e dividendos distribuídos pelas pessoas jurídicas [2]. Na prática, enquanto os trabalhadores informam o total anual de seus salários na ficha de rendimentos tributáveis, os empresários declaram como isentos os valores recebidos como lucros ou dividendos e não pagam um centavo de imposto.

A isenção se aplica igualmente se os sócios ou acionistas forem pessoas jurídicas. Nesse caso, o valor recebido não integrará a base de cálculo do IR da empresa beneficiária.

Não importa se o sócio ou acionista é domiciliado no país ou no exterior e não há valor limite para a isenção.

Papai Noel sempre foi mão-aberta com os ricos. Na mesma ocasião, os beneficiários das rendas do capital receberam um outro presente, ainda melhor. Foi criada uma ficção jurídica segundo a qual o lucro também pode ser chamado de “juros sobre capital próprio” (JCP). Tais lucros-juros, creditados ao sócio ou acionista, sofrem apenas uma retenção de 15%, e fica por isso [3]. A pessoa jurídica que distribui JCP também ganha, porque poderá deduzi-los na apuração de resultados – uma despesa fictícia. Economizará 19% sobre o montante distribuído aos sócios, uma vez que, sem a dedução mencionada, pagaria 34% de tributos sobre seus lucros (25% de IR e 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). E assim, nove entre dez estrelas do mundo dos negócios preferem chamar os lucros recebidos de “juros sobre o capital próprio” [4].

As remessas ao exterior também ficaram sem tributação do IR. Somente em 2013, as remessas de lucros e dividendos das empresas estrangeiras instaladas no país totalizaram US$ 23,8 bilhões e, nos últimos oito anos, atingiram o volume de US$ 171,3 bilhões [5].

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A isenção na distribuição dos resultados induz muitos profissionais liberais a formar uma pessoa jurídica, quando então receberão sob a forma de “lucros”. Outro efeito colateral é a indução às fraudes nas relações trabalhistas, com perda de direitos e dano à Previdência Social [6].

Nesse embalo, algumas categorias de trabalhadores passaram a reivindicar a isenção da participação nos lucros e resultados (PLR), como forma de garantir “isonomia” em relação aos capitalistas. Não seria mais justo e apropriado incluir os sócios e acionistas no rol dos tributados e aliviar a carga pesada sobre os trabalhadores por meio de alterações das classes de incidência da tabela progressiva do IR, inclusive ampliando o limite de isenção da classe inicial?

O custo disso tudo para o financiamento das políticas públicas é muito elevado. No ano-calendário de 2012 foram declarados R$ 207 bilhões de lucros e dividendos recebidos pelas pessoas físicas [7]. O total de lucros e dividendos distribuídos – incluídas pessoas físicas e jurídicas, exceto as optantes pelo Simples – foi de R$ 436 bilhões no mesmo ano [8]. Se aplicada uma alíquota efetiva de 25% sobre esse montante, o resultado seria uma arrecadação adicional superior a R$ 100 bilhões de imposto de renda [9].

Quanto à dedução dos “juros sobre capital próprio”, levantamento em 87 empresas com grande volume de ações negociadas [10] mostrou que somente elas pretendiam economizar pouco mais de R$ 25 bilhões pelo uso desse instrumento em 2014. O cálculo aproximado da renúncia fiscal do Tesouro foi de R$ 15 bilhões.

Curiosamente, as renúncias fiscais às rendas do capital não são consideradas nos cálculos oficiais sobre as desonerações tributárias.

A justificação do injustificável

Os interessados alegam que a empresa já pagou imposto de renda e não haveria razões para cobrá-lo dos seus sócios e acionistas. Não é bem assim. Na ampla maioria das situações, o valor devido pela pessoa física, sem a isenção, seria muito maior em proporção ao devido pela pessoa jurídica [11]. É possível, até, que haja prejuízo fiscal da pessoa jurídica e distribuição de lucros, uma vez que o critério para tanto é o resultado contábil.

Por essa lógica, não deveria incidir o IR sobre os salários do empregado doméstico, motorista, cuidadora ou enfermeira, quando contratados por uma pessoa física também assalariada, nem sobre o lucro auferido por uma empresa fornecedora de outra, pois a renda do contratante já teria sofrido a incidência. Será que imaginam o IR como um tributo não cumulativo, à semelhança do IPI ou do ICMS, em que se compensa o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores?

Se algo lembra o “patrimonialismo” é a confusão entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas de seus sócios ou acionistas. Na economia real e na ordem jurídica, cada qual tem sua autonomia e capacidade contributiva própria. E o imposto de renda é um tributo pessoal.

Quanto aos “juros sobre capital próprio”, o argumento mais repetido é que representa um incentivo ao investimento, tese jamais comprovada e, além disso, apresentada com o sinal trocado. O instrumento é um estímulo, isso sim, à distribuição aos sócios e acionistas, não ao reinvestimento na própria empresa.

Países que prezam investimentos ditos produtivos adotam a política contrária: estimulam a capitalização dos lucros. Aqui no Brasil havia uma norma de estímulo à capitalização [12], que foi atropelada em 1995, na inauguração da reforma do imposto de renda.

Como esse mecanismo foi criado em lei ordinária, para a revisão dos benefícios basta outra lei aprovada por maioria simples do Parlamento.

Diante da dimensão do problema, a revisão dos privilégios aos que recebem rendas de capital é uma condição preliminar para que sejamos levados a sério quanto à intenção de construir um sistema tributário que cumpra a função de financiar o Estado de forma justa, equilibrada e transparente, ao mesmo tempo em que, pelo mecanismo da progressividade, seja funcional ao desenvolvimento econômico e social com redistribuição de renda e de riqueza.

O esvaziamento da progressividade do imposto de renda

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Muitos dirão, com razão, que é fundamental resgatar a progressividade do imposto de renda no Brasil. De um lado, a tributação é elevada para aqueles que se encontram nas faixas inferiores da tabela de incidência do IR [13]. De outro, a alíquota máxima, de 27,5%, é muito baixa – ou, melhor dizendo, seria se, de fato, incidisse sobre as altas rendas.

Nossa alíquota marginal é muito inferior à praticada nos países desenvolvidos e se comparada à de países com algumas características semelhantes. No ano de 2012, a vizinha Argentina aplicava alíquota máxima de 35%; o México, de 30%; e o Chile, de 40%. Após a devastação neoliberal que reduziu a tributação dos mais ricos mundo afora, a média das alíquotas máximas dos países membros da OCDE permanecia muito superior à brasileira.

No Brasil, já tivemos treze classes de valores para incidência do IR e alíquota máxima de até 605. A tarefa de neutralizar a progressividade do imposto coube ao governo Sarney, protagonista do anticlímax no momento imediatamente seguinte à promulgação da Constituição Cidadã. Foram estabelecidas apenas duas alíquotas: 10% e 25%.

Deve-se levar em conta que, atualmente, a tabela progressiva aplica-se apenas àqueles que vivem da renda do trabalho. Como vimos, passa longe dos que recebem lucros e dividendos das empresas. Também não se aplica aos rendimentos de aplicações financeiras nem aos ganhos de capital [14].

Sem recuperar as características de universalidade – de modo a alcançar todos os rendimentos, independentemente de sua origem – e de generalidade – abrangendo todas as pessoas, sem distinção de sua condição –, pouco adiantará a elevação da alíquota máxima [15]. Tomada isoladamente, essa medida resultará em carga maior para a renda do trabalho dos setores médios, sem chegar aos moradores da cobertura.

O passo inicial para a recuperação da progressividade do IR consiste em submeter todos os rendimentos à tabela progressiva do imposto. O segundo, sem dúvida, é alterar a tabela de incidência progressiva, calibrando as alíquotas para que alcancem as elevadas rendas do capital recebidas pelas pessoas físicas do topo da pirâmide social.

A tributação do patrimônio: entre os impostos nanicos e os ausentes

Mais cedo ou mais tarde, os resultados finais dos processos econômicos, sejam da órbita produtiva, sejam da financeira, serão distribuídos a pessoas de carne e osso. A distribuição da renda originada da produção social é profundamente injusta, mas não é a única questão. A riqueza acumulada e concentrada em excesso acentua a disparidade de renda e aprofunda a desigualdade econômica e social, além de constituir um fator de instabilidade política das sociedades que se pretendem democráticas.

Um estudo atualizado da Oxfam, rede internacional de organizações que combatem a pobreza, revela que o número de pessoas que possuem a riqueza equivalente à metade mais pobre da população mundial vem se reduzindo rapidamente [16]. Em 2010, eram 388 bilionários; em 2013, havia 92; em 2014, apenas 80 [17].

De acordo com o Atlas da Exclusão Social, os 10% mais ricos da população brasileira detêm quase 75% de toda a riqueza nacional, enquanto os 90% mais pobres ficam com apenas 25%. Do total da renda e riqueza nacionais, 45% são apropriados por 5 mil famílias [18].

Além do alívio às rendas do capital, a baixíssima tributação sobre o patrimônio é outra via aberta para a concentração da riqueza privada. Essa tributação representou somente 1,41% do PIB brasileiro em 2013 e o maior percentual dos recursos correspondentes veio da cobrança do IPVA (0,60%) [19].

Vistos de outro ângulo, os números indicam o potencial não explorado da tributação patrimonial, quanto mais se considerado o elevado nível de concentração de riqueza no Brasil.

A arrecadação do IPTU, correspondente a meros 0,5% do PIB, é o reflexo das resistências políticas frente à tributação progressiva dos imóveis urbanos mais valorizados. Por que não persistir e enfrentá-las?

A mesma resistência se manifesta em relação à aplicação da progressividade efetiva do Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), de competência estadual. Não é a toa que a arrecadação desse tributo corresponde a somente 0,09% do PIB. Comparativos internacionais mostram que, em outros países, tributos sobre a

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herança têm alíquotas muito maiores. Nos EUA, a alíquota chega a 55%; na França, a 60%; na Alemanha, a 50%; no Reino Unido, a 40%; na Rússia, a 13%; no Japão, a 70% [20].

No Brasil, a maioria dos estados aplica uma alíquota de 4% do ITCMD [21]. A aplicação efetiva da progressividade [22], pela elevação da alíquota máxima definida pelo Senado Federal – atualmente, de 8%, –, permitiria um tratamento mais justo da tributação para as diversas camadas sociais, com ônus menores sobre as pequenas heranças e maiores sobre as grandes riquezas.

No topo da lista dos desprezados encontra-se o Imposto Territorial Rural, cuja arrecadação soma insignificante 0,02% do PIB. É mais uma prova de que os capitalistas do campo não se tornaram tão modernos como se pensa. De outra parte, apresenta-se a evidência de que a transferência da fiscalização e cobrança aos municípios não surtiu os efeitos desejados – ou será que o objetivo era mesmo deixá-lo minguar? Não há por que abandonar o imposto progressivo sobre a terra num país de dimensões continentais e tamanha concentração fundiária.

E o Imposto sobre Grandes Fortunas? Não faltam críticos ao IGF, mas sobram críticas infundadas. Diante da elevada concentração de riqueza no Brasil, difícil é justificar a ausência do imposto [23]. Em 2010 o Brasil estava em 11º lugar no ranking de milionários, perdendo apenas para EUA, Japão, Alemanha, China, Reino Unido, França, Canadá, Suíça, Austrália e Itália. Os dezoito bilionários brasileiros detinham uma riqueza superior a US$ 90 bilhões e 155.400 pessoas possuíam riquezas superiores a US$ 1 milhão.

Com dados das declarações do imposto de renda de 1999, Amir Khair estimou em 4% do PIB a arrecadação potencial do IGF, se a alíquota efetiva fosse de 1% sobre o patrimônio declarado das pessoas físicas e jurídicas [24]. A alegada dificuldade de fiscalização também não se justifica. A instituição do IGF é fundamental para diminuir a regressividade do sistema tributário.

Piketty, referência obrigatória

Thomas Piketty deu novo impulso ao debate sobre o papel fundamental da tributação na redução das desigualdades, ao defender a ideia de um imposto progressivo global sobre o capital, ao mesmo tempo em que enfatiza a importância dos impostos progressivos sobre a renda e as heranças – em sua opinião, as duas inovações mais importantes do século 20 em matéria fiscal [25]. Tem a exata noção de que as forças da concorrência fiscal entre os países representam uma ameaça à progressividade da renda, mas não embarca nas teses segundo as quais a diminuição da tributação dos mais ricos faz crescer a taxa de produtividade de uma economia nacional.

Piketty chama atenção para o objetivo principal das taxações de uma fatia de rendas ou heranças a um valor da ordem de 70%-80% [26]. Não se trata de elevar as receitas fiscais. Em suas palavras: “No fim das contas, trata-se de acabar com esse tipo de renda ou patrimônio, julgados pelo legislador como socialmente excessivos e estéreis para a economia, ou no mínimo tornar muito custoso mantê-lo em tal nível a fim de desencorajar fortemente a sua perpetuação” [27].

O economista francês também alerta para a importância do consentimento da maioria da população em relação ao sistema fiscal como um todo, fragilizado quando se sabe que alguns são poupados da tributação a que os demais estão submetidos.

Outra encruzilhada histórica e as opções de políticas tributárias

No momento em que o Brasil se encontra na encruzilhada entre renovar o ciclo de redistribuição de renda vivido nos últimos doze anos ou, na direção contrária, submeter-se à política econômica dos rentistas em aliança com o oligopólio da mídia familiar e retroceder pelos caminhos da desigualdade, o debate sobre a tributação, mais uma vez, ocupa papel central.

Não precisamos do “remédio amargo”. Existem alternativas progressistas para o financiamento do Estado, isso se o norte da opção política governamental apontar para a renovação do ciclo de redistribuição de renda vivido no último período e para o necessário passo adiante: a desconcentração da riqueza.

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Que ninguém espere convencer os tecnocratas do capital financeiro a respeito da justeza da tributação dos ricos, mas que ninguém duvide de que outra política tributária é possível.

* Paulo Gil Introíni é auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil, membro do Instituto Justiça Fiscal. Foi presidente do Unafisco Sindical entre 1999 e 2003.

Notas

1. A Lei nº 9.249 foi sancionada em 26 de dezembro de 1995 e produziu efeitos a partir de 1° de janeiro de 1996.2. Artigo 10 da Lei nº 9.249/95.3. Segundo o artigo 9°, § 3º, da Lei nº 9.249/95: “O imposto retido na fonte será considerado: I - antecipação do devido na declaração de rendimentos, no caso de beneficiário pessoa jurídica tributada com base no lucro real; II - tributação definitiva, no caso de beneficiário pessoa física ou pessoa jurídica não tributada com base no lucro real, inclusive isenta, ressalvado o disposto no § 4º;”4. Frequentemente, a imprensa especializada ressalta as vantagens superiores da modalidade de distribuição de JCP, segundo o artigo 9° da Lei nº 9.249/95, em relação à isenção pura e simples prevista no artigo 10 da mesma lei, tanto para a pessoa jurídica que distribui quanto para os beneficiários.5. Ver Nota Técnica Número 137. DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Assuntos Socioeconômicos. Junho de 2014.6. Funcionários de altos salários são “estimulados” a se transformar em empresas individuais. Incluem-se, aí, apresentadores de TV, executivos, jogadores de futebol, engenheiros, administradores, advogados das empresas, médicos, entre muitos outros. Trabalhadores especializados, mas não tão graduados, são “pressionados” para o mesmo objetivo. O resultado não é apenas um contorno ilegal da incidência do IR – pois o salário fica travestido de lucro –, mas também a evasão de contribuições previdenciárias, uma vez que reduz a folha de pagamentos.7. Ver Grandes Números IRPF – Ano-Calendário 2012. Receita Federal. Não estão incluídos nesse valor os rendimentos de sócio/titular de microempresa ou empresa de pequeno porte, de quase R$ 47 bilhões.8. Conforme dados disponibilizados pela Receita Federal ao Instituto Justiça Fiscal.9. Na imensa maioria dos casos, os rendimentos desonerados enquadram-se na última faixa de incidência do imposto, cuja alíquota é de 27,5%. Quanto às sócias ou aos acionistas pessoas jurídicas, as receitas de lucros ou dividendos distribuídos por outras empresas, sem o benefício fiscal, deveriam ser acrescentadas ao seu resultado para tributação. A incidência máxima do imposto para as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real é de 25%.10. Segundo a reportagem “Incentivo externo contra Juros sobre Capital Próprio”, publicada em 2/12/2014 no blog Casa das Caldeiras (Valor Econômico), o levantamento foi feito com 87 empresas que compõem o Ibovespa e o IBr-X. 11. Ver cálculos sobre a distribuição de pessoa jurídica em regime de lucro presumido em HICKMANN, Clair M. A Capacidade Contributiva no Imposto de Renda (p. 138-140). Monografia em curso de especialização em Direito Tributário Contemporâneo. Curitiba, 2001. Faculdade de Direito de Curitiba.12. O art. 63 do Decreto-Lei nº 1.598/77 permitia a distribuição dos lucros, desde que incorporados ao capital pelo prazo mínimo de cinco anos. Depois disso, se quisesse, o sócio poderia reduzir o capital no mesmo montante, sem incidência de IR.13. Alguns países reconhecem e utilizam o critério de “mínimo vital”, segundo o qual somente devem ser tributados os rendimentos que signifiquem acréscimo de riqueza ao indivíduo. Assim, o limite de isenção do imposto sobre a renda deve considerar o valor dos gastos necessários a uma sobrevivência digna, com alimentação, moradia, vestuário e algum lazer, bem como, não sendo oferecidos pelo Estado, transporte, saúde e educação.14. As alíquotas sobre os rendimentos de aplicação financeira em renda fixa variam de 15% a 22,5%. Sobre os ganhos de capital, a alíquota é de 15%.15. Generalidade, universalidade e progressividade são critérios constitucionais que informam o Imposto de Renda, conforme o art. 153, § 2° da CF/88.

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16. Ver Riqueza: Tenerlo Todo y Querer Más. Pode ser acessado ou baixado no endereço eletrônico .17. Os dados relativos a 2013 e aos anos anteriores até 2010 foram atualizados em relação ao estudo anterior da Oxfam.18. POCHMANN, Márcio; AMORIM, Ricardo; SILVA, Ronnie; e CAMPOS, André. Atlas da Exclusão Social – Os Ricos no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2004.19. Ver Carga Tributária no Brasil – 2013. Receita Federal do Brasil.20. Fonte: OCDE.21. Conforme levantamento do Instituto Justiça Fiscal.22. Em 2013, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a cobrança progressiva do ITCMD. Com isso, liberou o Estado do Rio Grande do Sul a aplicar alíquotas de 1% a 8% sobre a transmissão de bens móveis, segundo o valor do patrimônio.23. O IGF está previsto na CF/88 (art. 153, VII), restando sua instituição por lei complementar.24. O resultado da incidência efetiva de 1% não implica na ausência de alíquotas progressivas de acordo com o valor do patrimônio.25. PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.26. No período 1932-1980, a alíquota máxima do imposto sobre a renda nos EUA foi, em média, de 81%. A maior alíquota marginal de que se tem notícia ocorreu no Reino Unido e atingiu 98%.27. Segundo afirma, foram os países anglo-saxões, em especial os EUA, que inventaram os impostos confiscatórios sobre as rendas e os patrimônios julgados excessivos. Tal concepção se adequava bem à concepção liberal então vigente. Diz ele: “O imposto progressivo constitui sempre um método mais ou menos liberal para se reduzir as desigualdades, pois respeita a livre concorrência e a propriedade privada enquanto modifica os incentivos privados, às vezes radicalmente, mas sempre de modo previsível e contínuo, segundo regras fixadas com antecedência e debatidas no contexto de um Estado de direito. O imposto progressivo exprime de certa forma um compromisso ideal entre justiça social e liberdade individual”. PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 492.

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Imposto sobre Grandes Fortunas: de volta à cena com a força das ruas

Cristiano Lange dos Santos e Marcelo Sgarbossa, em 22/01/2014

As jornadas de junho, movimento que inflamou a cidadania em 2013, nos permitiram sonhar com o desengavetamento de questões pontuais esquecidas no Congresso Nacional há anos. É o caso da Reforma Política, que se transformou numa piada com a aprovação de um projeto que não melhora em nada o atual sistema eleitoral.

Outro ponto importante das manifestações diz respeito à implementação do chamado Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Afinal, o grito que entoava das ruas era “os ricos vão pagar”.

Embora o IGF esteja previsto no artigo 153 da Constituição Federal de 1988, até agora essa norma ainda não foi regulamentada. Esta medida tem como fato gerador a taxação de grandes fortunas, consideradas o patrimônio de pessoas físicas e jurídicas, apurado anualmente, cujo valor ultrapasse determinado limite. Seria cobrado de forma progressiva, e bem que poderia ajudar a custear o passe livre ou subsidiar o valor das tarifas do transporte público.

Vale lembrar que essa é uma tendência mundial. Nos Estados Unidos, por exemplo, se está discutindo a sua implementação numa iniciativa do presidente Obama. A Alemanha, que aboliu o IGF na década passada, também debate a sua reedição para conter a crise econômica. Na França, recentemente foi aprovado um imposto especial de 75% sobre os altos rendimentos, por um período de dois anos, relacionado ao produto do capital superiores a um milhão de euros por ano como forma de recuperar a economia do país que está em recessão econômica. Na América do Sul, Argentina, Uruguai e Colômbia são exemplos de países que tributam progressivamente a riqueza.

Já no Brasil, a instituição do IGF prevê uma arrecadação de R$ 10 bilhões com a cobrança de tributos sobre a fortuna de apenas dez mil famílias. Dentro desse universo, a estimativa é de que cinco mil famílias teriam um patrimônio equivalente a 40% do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, o percentual de famílias afetadas pela metade e que teria de pagar o imposto corresponde a 0,04% do total que declara o Imposto de Renda no País.

Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstra que 2,5% das famílias mais ricas do mundo, isto é, inseridas no grupo de 1% com as maiores fortunas, são famílias brasileiras. O dado demonstra o potencial de arrecadação do IGF, já que em paises como França, Argentina e Uruguai este grupo social representa 1,6%, 1,5% e 6,3%, respectivamente.

Temos a convicção de que a criação do IGF asseguraria maior justiça tributária, ao aplicar o principio constitucional da capacidade contributiva, que propõe distribuir a carga tributária global entre os contribuintes de acordo com a sua aptidão em pagá-la. Assim, a tributação da riqueza representa a aplicação direta do caráter distributivo do sistema, ao taxar quem tem mais como um princípio de justiça social.

Até porque o atual sistema tributa o consumo, onerando as classes menos privilegiadas por meio dos impostos indiretos e cumulativos, tal como o ICMS, que não tem o critério da equidade como objetivo final para desconcentrar a riqueza.

Diante disso, é fundamental implementar o IGF de modo que a Constituição não se transforme em mera folha de papel, haja vista estar aguardando a sua regulamentação pelo “silencioso” Congresso Nacional há 25 anos.

Portanto, cumpra-se a Constituição!

Cristiano Lange dos Santos é advogado. Especialista e Mestre em Direito, foi Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito. Atua como Procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.

Marcelo Sgarbossa é advogado. Mestre e Doutorando em Direito pela UFRGS.

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5 obstáculos para construir um sistema tributário justo no Brasil

Najla Passos , 01/08/2014

Brasília - O sistema tributário de um país é o conjunto de impostos, taxas e contribuições através dos quais o Estado obtém recursos para cumprir suas funções, como a oferta de bens e serviços públicos de qualidade. Portanto, tanto pode ser instrumento para promover a distribuição de renda quanto para ampliar a acumulação capitalista de poucos.

No Brasil, é consenso que o sistema tributário é injusto, qualquer que seja o parâmetro adotado para avaliá-lo. Estudo realizado por Maria Helena Zockum, em 2004, mostra que os mais pobres, com renda de até 2 salários mínimos, eram onerados em 48,8% com impostos, enquanto os mais ricos, com renda superior a 30 salários mínimos, em apenas 26,3%.

Para corrigir essas distorções, não há outro caminho possível que não seja executar uma ampla reforma tributária, pauta que segue emperrada no Congresso devido às diferentes visões de qual deve ser o seu propósito: a reforma tributária pela qual os empresários clamam com o apoio dos setores mais conservadores não é a mesma que irá ajudar a superar o cenário de desigualdade social e regional que ainda impera no país.

Esta semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) sabatinou os três candidatos que lideram a corrida presidencial e os presenteou com o documento “Proposta da Indústria para as Eleições 2014”, no qual propõe suas 48 reivindicações para o desenvolvimento do Brasil. Confira aqui quais são os 5 principais pontos que dialogam com a reforma tributária e entenda porque eles não favorecem o conjunto da sociedade:

1 – Nova governança para a competitividade.

Quando os setores mais conservadores da sociedade criticam a Política Nacional de Participação Social criada pelo governo Dilma, isso se deve não ao fato de que ela rompa com os trâmites legais da democracia representativa, como eles alegam, mas ao simples fato que considera ouvir a opinião do povo para a tomada de decisões do Executivo.

Quanto o tema é aumentar a competitividade tão almejada pelo setor da indústria, são eles mesmo que propõem a criação de um novo tipo de governança, formada por representantes públicos e privados, que seja priorizada pela presidência da república e tenha liderança executiva reconhecida, foco e prioridade para a ação, flexibilidade para superar obstáculos e, principalmente, poder decisório.

O problema é que a proposta reivindica que o grupo seja restrito e limita a representação social a dos empresários. Outros segmentos, como o dos trabalhadores, ficariam completamente alijados de quaisquer decisões que afetariam a vida de todos!

2 – Não pagamento de impostos sobre investimentos

Para aumentar a competitividade nacional, os empresários não querem pagar impostos. Em outras palavras, querem deixar que os outros setores da sociedade, como os dos trabalhadores e aposentados, financiem todos os serviços prestados pelo Estado. As desonerações já reduzem – e muito – os recursos para o financiamento das políticas públicas sociais. E seus patamares vêm crescendo nos últimos anos.

Como a discussão sobre a reforma tributária não ocorre de forma ampla, aberta à participação de toda a sociedade, as mudanças acabam ocorrendo nos gabinetes dos ministros, onde os empresários têm mais acesso e influência do que outros setores. Dados da Receita Federal mostram que as desonerações e isenções somaram 1,69% do PIB em 2005, 2,77% em 2008, 3,20% em 2009 e 3,42% em 2010.

Para se ter uma ideia do prejuízo que isso representa para o país, os 3,42% relativos às isenções que não entraram no PIB  em 2010 (cerca de R$ 114 bilhões) representavam mais que o dobro do orçamento inicial previsto para o Ministério da Educação (R$ 50,9 bilhões) e ficaram bem próximos do dobro do orçamento do Ministério da Saúde (R$ 66,7 bilhões).

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Ainda há outras variantes graves na política de isenções específica para os investimentos. A população de um estado que aceita sediar uma siderúrgica altamente poluente, por exemplo, não será beneficiada com os serviços públicos melhores que, pelo menos em tese, seriam possíveis de serem financiados pelo pagamento dos impostos gerados pela atividade econômica.

3 – Não pagamento de impostos sobre as exportações

Os empresários também não querem pagar impostos sobre as das exportações. É verdade que, isentos, os produtos brasileiros se tornam mais competitivas no mercado internacional. Mas o culto para o desenvolvimento regional é grande, principalmente nos estados em que a pauta se reduz aos produtos primários ou commodities. Tanto que os estados beneficiados pelas desonerações já previstas pelas legislações vigentes, em especial a Lei Kandir, são os mais pobres do país.

Os estados do norte, por exemplo, não obtém o retorno necessário com a exportação do minério que possuem. A comparação com o retorno proveniente da exploração de petróleo é gritante. Dados do Ministério de Minas e Energia revelam que os royalties minerais não chegam a representar 2% do valor da produção do setor, enquanto as rendas do petróleo representam cerca de 20%.

Além disso, as medidas que desoneram exportações de produtos primários e semielaborados terminam incentivando a exportação de commodities em detrimento da agregação de valor no país. Em outras palavras, não estimulam em nada a industrialização. Dados do Ministério de Minas e Energia, revelam que, em 2008, foram exportados 282 milhões de toneladas de minério de ferro, o seria suficiente para produzir 170 milhões de toneladas de aço. Essas transações equivaleram também à exportação de 680 mil empregos.

4 – Redução do custo do trabalho

De todas as propostas dos empresários para a reforma tributária, a redução do custo do trabalho é a que afeta de forma mais gritante a vida dos brasileiros mais pobres, porque elimina parte da proteção social que resultou de anos de luta sindical e trabalhista. Dentre as medidas apontadas, eles ressaltam a desoneração da folha de pagamento, o que deixaria apenas a cargo dos próprios trabalhadores e da sociedade por meio do estado, o financiamento das políticas sociais como INSS e Fundo de Garantia, por exemplo.

A proposta completa propõe dogmas neoliberais como associar a política de reajuste salarial a ganhos de produtividade. Em outras palavras, só dar aumento ao trabalhador que conseguir superar as metas impostas pela empresa, o que criará também a remuneração diferenciada para a mesma função. Os empresários querem, entre outras medidas, adotar jornadas de trabalho diferenciadas, com o fim do mínimo de 1 hora de descanso no almoço, por exemplo, e contratar trabalhadores que possam desempenhar múltiplas funções ao mesmo. Também apresentam marco legal para as terceirizações que, praticamente, acaba com o trabalho com carteira assinada em todas as atividades.

5 - Manter os mais pobres pagando mais

Como já foi dito, a principal razão para o sistema tributário brasileiro ser tão injusto é que os mais pobres pagam um percentual maior de impostos do que os mais ricos. Isso ocorre porque o país privilegia a taxação da circulação de bens e serviços, em que todos os brasileiros pagam a mesma alíquota, ao invés da tributação da renda e da propriedade, na qual quem tem mais paga mais, de forma progressiva.

Em 2008, por exemplo, a carga tributária do país foi da ordem de 34,9% do PIB. As incidências sobre bens e serviços somaram 16,3% do PIB e responderam por 46,8% do que foi coletado, enquanto os impostos sobre a renda e a propriedade resultaram em 8,9% do PIB ou 25,6% da carga global.

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O imposto de renda, mais especificamente, foi de 2,35% do PIB ou 6,7% do total de impostos. Nos países da União europeia, a título de comparação, os diferentes impostos sobre a renda recolheram, em média, quase 9% do PIB e somaram 25% da receita de impostos. Da mesma forma, os impostos sobre propriedade, no Brasil, coletaram cerca de 1,2% do PIB e sua participação na carga total foi de apenas 3,5%. Já nos países da União Europeia, os impostos sobre propriedade alcançaram, em média, 1,9% do PIB ou 5,4% da arrecadação global. Isso faz a diferença: lá, os que ganham mais e tem mais propriedades contribuem mais e, por isso, a desigualdade social é muito menor.

Para agravar, no Brasil, o próprio Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF) cobra mais dos pobres do que dos ricos. Ainda que os últimos sejam penalizados com alíquotas mais altas, também são beneficiados com uma série de isenções que não atingem aqueles que se servem, por exemplo, dos sistemas públicos de educação e saúde. Os empresários sabem que isso é injusto, mas não propõem nenhuma medida para corrigir a distorção. Até falam em simplificar e modernizar o Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF). Mas é só isso. Por eles, grandes fortunas e grandes propriedades seguem subtaxadas.

Najla Passos é jornalista, mestra em linguagens e repórter da Carta Maior.