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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012 Verificação da segurança de pilares de betão armado em edifícios sob a ação do incêndio padrão e dos efeitos de 2ª ordem, segundo o EC2 Luís Teixeira 1 Rui Faria 2 RESUMO O fogo é uma ação muito particular, uma vez que provoca alterações nas propriedades dos materiais, induzindo uma rápida perda de rigidez e de resistência nas estruturas. Em estruturas porticadas de betão armado (BA) os pilares são elementos suscetíveis à ação do fogo, uma vez que suportam a maior parte da carga vertical atuante, e deste modo os efeitos de 2ª ordem não podem ser negligenciados, surgindo grandes deslocamentos laterais que agravam os esforços de 1ª ordem. Para se simular o comportamento de uma estrutura em situação de incêndio realiza-se primeiramente uma análise térmica, para imposição da ação do fogo propriamente dita, e em seguida procede-se a uma análise mecânica, para atender à degradação das propriedades materiais e obter os esforços e deformações internos. No presente trabalho a ação do fogo corresponde ao Incêndio Padrão ISO834. No que diz respeito à análise mecânica, a EN1992-1-2 (EC2) indica três categorias de análise, aplicáveis a estruturas porticadas de BA, com um grau de complexidade crescente: o método tabular, métodos simplificados de cálculo e métodos avançados. Neste trabalho procede-se à comparação de um método simplificado de cálculo de pilares de BA sugerido no Anexo B.3 do EC2 o qual sugere uma via para consideração dos efeitos de 2º ordem, com os resultados provenientes de uma análise avançada realizada com o programa SAFIR. É objeto de discussão a extensão limite a considerar na fibra mais comprimida de betão em situação de incêndio, que não é detalhada no referido Anexo B.3 do EC2. Palavras-chave: Pilares de BA, Incêndio Padrão, Análise mecânica, Anexo B.3 do EC2. 1. INTRODUÇÃO As ações mais comuns e consideradas no dimensionamento estrutural dizem respeito à ação permanente e às cargas variáveis, nomeadamente, a sobrecarga, o vento, a neve e as acelerações sísmicas. Contudo, com o atual aumento das exigências da sociedade é necessário entrar em linha de 1 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Departamento de Engenharia Civil, Porto, Portugal. lteixeira@fe.up.pt 2 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Departamento de Engenharia Civil, Porto, Portugal. rfaria@fe.up.pt

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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012

FEUP, 24-26 de outubro de 2012

Verificação da segurança de pilares de betão armado em edifícios

sob a ação do incêndio padrão e dos efeitos de 2ª ordem, segundo

o EC2

Luís Teixeira1 Rui Faria

2

RESUMO

O fogo é uma ação muito particular, uma vez que provoca alterações nas propriedades dos materiais,

induzindo uma rápida perda de rigidez e de resistência nas estruturas. Em estruturas porticadas de

betão armado (BA) os pilares são elementos suscetíveis à ação do fogo, uma vez que suportam a maior

parte da carga vertical atuante, e deste modo os efeitos de 2ª ordem não podem ser negligenciados,

surgindo grandes deslocamentos laterais que agravam os esforços de 1ª ordem. Para se simular o

comportamento de uma estrutura em situação de incêndio realiza-se primeiramente uma análise

térmica, para imposição da ação do fogo propriamente dita, e em seguida procede-se a uma análise

mecânica, para atender à degradação das propriedades materiais e obter os esforços e deformações

internos. No presente trabalho a ação do fogo corresponde ao Incêndio Padrão ISO834. No que diz

respeito à análise mecânica, a EN1992-1-2 (EC2) indica três categorias de análise, aplicáveis a

estruturas porticadas de BA, com um grau de complexidade crescente: o método tabular, métodos

simplificados de cálculo e métodos avançados. Neste trabalho procede-se à comparação de um método

simplificado de cálculo de pilares de BA sugerido no Anexo B.3 do EC2 o qual sugere uma via para

consideração dos efeitos de 2º ordem, com os resultados provenientes de uma análise avançada

realizada com o programa SAFIR. É objeto de discussão a extensão limite a considerar na fibra mais

comprimida de betão em situação de incêndio, que não é detalhada no referido Anexo B.3 do EC2.

Palavras-chave: Pilares de BA, Incêndio Padrão, Análise mecânica, Anexo B.3 do EC2.

1. INTRODUÇÃO

As ações mais comuns e consideradas no dimensionamento estrutural dizem respeito à ação

permanente e às cargas variáveis, nomeadamente, a sobrecarga, o vento, a neve e as acelerações

sísmicas. Contudo, com o atual aumento das exigências da sociedade é necessário entrar em linha de

1 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Departamento de Engenharia Civil, Porto, Portugal. [email protected]

2 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Departamento de Engenharia Civil, Porto, Portugal. [email protected]

Foto do autor, com

tamanho 4×3cm2

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Verificação da segurança de pilares de betão armado em edifícios sob a ação do incêndio padrão e

dos efeitos de 2ª ordem, segundo o EC2

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conta com outro tipo de ações, particularmente as que resultam de situações acidentais, como é o caso

do fogo.

O fogo altera as propriedades dos materiais, conduzindo a uma significativa diminuição da respetiva

rigidez e resistência, produzindo grandes deformações nos elementos e induzindo extensões de origem

térmica. Deste modo os efeitos de 2ª ordem não podem ser negligenciados em situação de incêndio,

pelo que os pilares são elementos estruturais com considerável suscetibilidade à ação do fogo, mesmo

no caso de estruturas de BA. Os efeitos de 2ª ordem desempenham um papel importante na capacidade

resistente global da estrutura, sendo que as curvaturas das secções críticas são determinantes na

quantificação daqueles efeitos, que são largamente influenciados pelas extensões de origem térmica.

Regra geral a capacidade resistente das seções de BA em situação de incêndio é determinada em dois

passos: primeiramente realiza-se uma análise térmica, para determinar o campo de temperaturas

induzido pelo fogo nas fibras da secção transversal, seguindo-se-lhe uma análise mecânica, que

permite calcular o perfil de extensões locais no betão e nas armaduras e determinar a capacidade

resistente baseada na degradação das propriedades de cada material em cada instante e em cada fibra.

Neste trabalho a análise térmica é realizada usando o código SAFIR [1], considerando a curva do

Incêndio Padrão ISO834 [2] para representação da ação térmica. A subsequente análise mecânica de

pilares de edifícios porticados em BA pode ser baseada num procedimento indicado no Anexo B.3 do

EC2 [3]. Contudo este procedimento é omisso no que diz respeito à extensão última a considerar para

o betão comprimido, pelo que para o presente artigo foram equacionadas duas hipóteses: (i) uma

baseada no clássico limite de 3.5‰, usual em estudos à temperatura de 20ºC (para o caso de uma força

axial combinada com um momento fletor, e conduzindo a um eixo neutro no interior da secção), e

outra (ii) que corresponde a uma metodologia mais elaborada, baseado na compatibilização das

extensões totais na secção, conforme proposto por Meda et al. (2002) [4].

A precisão de cada uma destas alternativas será avaliada e discutida, tendo por base análises de

referência efetuadas com base num algoritmo avançado de análise não-linear material e geométrica (o

SAFIR). Finalmente, no presente trabalho ainda é discutida a real importância dos efeitos de 2ª ordem

na avaliação da capacidade resistente de pilares de BA sob a ação do Incêndio Padrão.

2. MODELAÇÃO NUMÉRICA

Neste trabalho as simulações térmicas de referência foram realizadas com um programa avançado de

análise não-linear baseado no MEF – o SAFIR, desenvolvido na Universidade de Liège –,

especialmente dedicado a análises estruturais em situação de incêndio. O objetivo da análise térmica é

determinar o campo de temperatura induzido pelo fogo ao nível das diferentes seções, com o qual se

podem obter os perfis de extensões térmicas no betão e no aço, e posteriormente avaliar o decréscimo

de rigidez e resistência destes materiais. A análise térmica é realizada considerando a secção

estritamente constituída por betão, sendo que a temperatura de cada varão é tomada como igual à do

betão na localização correspondente, simplificação que é aceitável dada a elevada condutividade

térmica do aço.

A evolução da degradação das propriedades do betão e do aço induzida pelas altas temperaturas foi

considerada recorrendo aos modelos presentes no EC2 [3]. Verdadeiramente as análises térmica e

mecânica são acopladas, embora em geral se assuma que a dependência da análise térmica

relativamente à mecânica pode ser negligenciada. A análise mecânica está no entanto intrinsecamente

dependente da térmica, uma vez que as propriedades mecânicas dos materiais são altamente

influenciadas pela temperatura.

No que diz respeito à avaliação da segurança de pilares de BA sob a ação do Incêndio Padrão, e tendo

em consideração os efeitos de 2ª ordem, para além do SAFIR foi também usado um método

simplificado de cálculo proposto no Anexo B.3 do EC2 [3]. Este método é aplicável a estruturas

porticadas contraventadas, e pode ser implementado assumindo que a secção transversal do pilar é

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Teixeira e Faria

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constituída por um conjunto de fibras, em cada uma das quais as propriedades mecânicas são função

da temperatura. Em cada fibra a temperatura pode ser determinada com base nas isotérmicas

correspondentes ao tempo de exposição ao Incêndio Padrão (ver exemplo na Fig. 1a), ou recorrendo a

um código de análise térmica. Ao longo do tempo cada fibra pode ser vista como um material

independente, com as propriedades mecânicas correspondentes à degradação determinada pelo

Incêndio Padrão, de acordo com as leis do EN1992-1-2 que estipulam a dependência das resistências

do betão e do aço relativamente às altas temperaturas.

Considerando a distribuição linear de extensões representada na Fig.1b, associada a uma curvatura 1/r,

é importante assinalar que se MEd,fi designar o momento fletor de cálculo de 1ª ordem atuante na

secção crítica do pilar em situação de incêndio (em combinação com o esforço axial de cálculo NEd,fi),

MEd,fi não pode ser diretamente comparado com o momento resistente da secção MRd,fi correspondente

ao valor de 1/r em situação de incêndio (ver Fig.1c). De facto, é necessário previamente subtrair a

MRd,fi o valor do momento fletor M2,fi correspondente aos efeitos de 2ª ordem para a curvatura nominal

1/r, de forma a determinar a capacidade resistente de 1ª ordem M0Rd,fi, diretamente comparável com

MEd,fi, para finalmente se verificar a segurança da secção crítica do pilar.

O procedimento é concetualmente bastante simples, embora aplicável apenas recorrendo a algum

apoio computacional, por forma a realizar o elevado número de cálculos que estão implícitos na

subdivisão da secção em fibras, cada uma das quais com a sua temperatura, um diferente material e

uma diferente degradação de resistência.

a) b) c) Figura 1. a) Isotérmicas na secção transversal do pilar de BA; b) Perfil de extensões; c)

Capacidade resistente MRd,fi, momento fletor de 2ª ordem M2,fi e capacidade resistente de 1ª ordem

M0Rd,fi em função da curvatura 1/r.

A aplicação do método simplificado de cálculo suscita no entanto uma dúvida importante, que não é

clarificada no Anexo B.3 do EC2, e que se relaciona com o limite a considerar para extensão última do

betão, sup (ver Fig.1b), a qual combinada com a posição do eixo neutro determina o valor de 1/r. Esta

curvatura, por sua vez, e de acordo o método baseado numa curvatura nominal proposto no

EN1992-1-1 [5], condiciona diretamente o valor do momento de 2ª ordem através da expressão:

(1)

na qual l0 é o comprimento efetivo (ou de encurvadura) do pilar. O método do Anexo B.3 do EC2 é,

assim, incompleto relativamente a uma hipótese de cálculo essencial para a verificação da segurança

de um pilar em situação de incêndio, Por este facto, neste artigo serão estudadas duas hipóteses: (i)

uma baseada na consideração do clássico limite sup = 3.5‰, aplicável à extensão de compressão

máxima do betão à temperatura ambiente (para o caso de o eixo neutro se localizar dentro da secção),

e (ii) outra que envolve uma mais complexa compatibilização das deformações totais ao nível da

secção, proposta por Meda et al. em [4], em que valores de sup muito superiores a 3.5‰ são

alcançados na fibra de betão mais comprimida.

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Verificação da segurança de pilares de betão armado em edifícios sob a ação do incêndio padrão e

dos efeitos de 2ª ordem, segundo o EC2

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Tendo em vista a realização dos cálculos parcelares requeridos na aplicação do método do Anexo B.3

do EC2, no âmbito do presente trabalho desenvolveu-se em linguagem MATLAB um código

computacional específico, denominado CFirA [6]. Considerando ao nível da secção as equações que

traduzem o equilíbrio das ações externas e das forças resistentes do betão e aço em situação de

incêndio, e utilizando um procedimento iterativo apoiado na hipótese (i) ou (ii), o CFirA determina a

posição do eixo neutro, a partir da qual é possível calcular MRd,fi. Nas Eqs (2,3) estão indicadas as

relações de equilíbrio:

d d

.

(2)

d

. .

. (3)

que envolvem a seguinte simbologia (ver Fig. 2):

c,i – Tensão de compressão no betão da fibra i, à temperatura

i

s,j – Tensão de cedência do varão j, à temperatura

j

Ac,i – Área de betão da fibra i

As,j – Área de aço da fibra j

yc,i – Coordenada cartesiana da fibra de betão i

ys,j – Coordenada cartesiana do varão j

a) b) Figura 2. Análise mecânica realizada com o CFirA: a) Perfil de temperaturas importado do SAFIR;

b) Equilíbrio mecânico das forças internas e externas para a determinação do eixo neutro.

3. HIPÓTESES DE CÁLCULO

3.1 Extensão limite de compressão do betão igual a 3.5‰

A capacidade resistente de seções de BA à temperatura ambiente pode ser facilmente determinada

considerando a clássica extensão limite de 3.5‰ para o betão em compressão, assumindo que o eixo

neutro se encontra no interior da secção. Contudo, o betão quando sujeito a elevadas temperaturas

torna-se consideravelmente mais dúctil, pelo que é expetável que alcance extensões de rotura

superiores a este limite. Devido à falta de informação no Anexo B.3 do EC2 relativamente a este

aspeto, numa primeira abordagem utilizou-se esta extensão limite, e o cálculo das forças resistentes

internas foi realizado com base no clássico diagrama parábola-retângulo para as tensões-extensões no

betão, convenientemente ajustado em função da degradação da resistência com a temperatura. No que

diz respeito ao aço usou-se um diagrama elástico-perfeitamente plástico, ajustando o valor do patamar

de cedência em função da redução da resistência deste material com as altas temperaturas.

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Teixeira e Faria

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3.2 Compatibilização das extensões totais

O procedimento proposto por Meda et al. [4] e Bamonte e Meda [7,8] baseia-se na compatibilização

das extensões totais do betão ao nível da secção, assumindo que aquelas deverão seguir uma

distribuição linear, de acordo com a hipótese de as secções permanecerem planas após a deformação.

Uma dada fibra de betão a uma determinada temperatura tem uma certa tendência para se alongar, em

função da temperatura e da carga a que está sujeita. Como numa secção de betão em situação de

incêndio os gradientes térmicos são elevados, as fibras têm tendências de alongamento muito

diferentes entre si. Estes alongamentos ocorreriam de forma independente se cada fibra se comportasse

isoladamente, o que não sucede pelo facto de fazerem parte do mesmo elemento (o pilar), pelo que terá

de existir uma compatibilização dessas extensões totais ao nível da secção.

O método proposto por aqueles autores é vocacionado para secções sujeitas à ação do fogo em todo o

seu perímetro, caso bastante corrente em pilares. Na Fig. 3 esquematiza-se o procedimento utilizado

para garantir a referida compatibilização das extensões totais, designado por “método do pivô móvel”

[4,7 e 8]. Inicialmente faz-se um levantamento das temperaturas ao longo da corda central vertical na

secção, dando origem a uma distribuição de temperaturas como a expressa pela curva a vermelho na

Fig.3a. Determinando com base nestas temperaturas as extensões totais no betão de acordo com o EC2

1-2, obtém-se uma distribuição de “extensões livres” (mas incompatíveis), como a representada na

Fig.3 pela curva RQ. Em seguida traça-se uma tangente à curva RQ até intercetar a secção, sendo este

o ponto que define a posição do eixo neutro se a Eq. (2) que expressa o equilíbrio em relação ao

esforço axial for satisfeita; a tangente à curva RQ traduz o diagrama linear de extensões já

compatibilizadas ao nível da secção. Como a posição do ponto S que define a tangente à curva RQ tem

de ser arbitrada, a determinação do eixo neutro requer um procedimento iterativo, variando a posição

da tangente até a Eq. (2) ser satisfeita (dentro de certa tolerância), situação em que o valor de MRd,fi

pode então ser obtido recorrendo à Eq. (3). Este processo iterativo é em geral difícil de efetuar

manualmente, pelo que se recorreu às potencialidades do algoritmo CFirA [6] para a respetiva

implementação.

a) b)

Figura 3. a) Distribuição de temperaturas ao longo da corda central; b) Diagrama de extensões [7].

De forma a ilustrar quão elevados podem ser os gradientes térmicos nas secções de betão em situação

de incêndio, na Fig. 4 apresentam-se os resultados ao longo do tempo de uma análise térmica realizada

pelo SAFIR considerando o Incêndio Padrão a atuar nas quatro faces de uma secção de BA com área

0.30×0.30m2. As temperaturas ao longo da corda vertical média estão representadas na Fig. 4a, onde

são notórias as diferenças entre as das fibras extremas e as das fibras que ocupam uma posição mais

central. É possível construir um diagrama semelhante a partir das extensões totais últimas, em função

da temperatura on t tu ndo um d agrama de “exten õe l vre ” no betão. te d agrama, que se

encontra reproduzido na Fig. 4b, é o ponto de partida para o procedimento de compatibilização das

extensões totais e de bu a do e xo neutro no “método do pivô móvel” de r to anter ormente.

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Verificação da segurança de pilares de betão armado em edifícios sob a ação do incêndio padrão e

dos efeitos de 2ª ordem, segundo o EC2

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a) b) Figura 4. Resultados ao longo da corda vertical média de uma secção de 0.30×0.30m

2 durante o

Incêndio Padrão: a) Temperaturas; b) Extensões livres no betão.

Para o cálculo das forças resistentes internas de acordo com as Eqs. (2,3) são necessários diagramas de

tensões-extensões para o betão e para o aço; no caso do betão estes diagramas estão representados a

tracejado na Fig. 5, correspondendo ao que é proposto no EC2. Estes diagramas exibem um ramo

descendente, permitindo que o betão alcance extensões muito elevadas. Meda et al. [6] propõem uma

simplificação nestes diagramas, que consiste em usar as curvas do EC2 sem o ramo descendente

(representadas na Fig. 5a pelas linhas contínuas). Estas curvas contêm um patamar horizontal no pico

de tensão, sendo este ligeiramente inferior ao proposto pelo EC2.

Figura 5. Diagrama de tensões-extensões para o betão, em função da temperatura, proposto pelo EC2 (linhas a

tracejado) e por Meda et al. (linhas continuas).

4. APLICAÇÕES: ANÁLISE DE PILARES ISOLADOS

4.1 Aspetos gerais

Com a finalidade de comparar os resultados decorrentes da utilização das duas hipóteses de

distribuições de extensões discutidas na Secção 3 para uma situação de incêndio, e no contexto da

utilização do método simplificado de cálculo de pilares proposto no Anexo B.3 do EC2, estudaram-se

pilares isolados articulados em ambas as extremidades, realizados com um betão da classe C25/30 e

armaduras de um aço da classe S500.

Foram também realizadas análises termomecânicas avançadas com o código SAFIR, com o objetivo

de obter soluções de referência, já que este programa reproduz igualmente os efeitos de 2ª ordem. A

discretização dos pilares foi feita usando elementos finitos de Timoshenko de três nós. A cada pilar

aplicou-se um esforço axial constante NEd,fi e um momento fletor também constante MEd,fi, como

ilustrado na Fig. 6.

Na Fig. 7a está esquematizada a discretização em fibras de uma secção de BA com dimensões

0.30×0.30m2 (Exemplo 1); no Quadro 1 apresenta-se a geometria da secção, a solução de armaduras

adotadas e os esforços atuantes correspondentes. De modo similar considerou-se ainda o Exemplo 2

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esquematizado na Fig. 7b, correspondente a uma secção de BA com dimensões 0.40×0.40m2; no

Quadro 2 apresentam-se as restantes características relevantes para este exemplo.

Figura 6. Modelo de cálculo usado para a análise termomecânica realizada com o SAFIR.

a) b) Figura 7. Discretização em fibras. a) Secção 0.30×0.30m

2 b) Secção 0.40×0.40m

2.

Quadro 1. Informação relativa ao Exemplo 1.

Recobrimento As NEd,fi MEd,fi

2.5cm 420 840 kN 58.13 kNm

Quadro 2. Informação relativa ao Exemplo 2.

Recobrimento As NEd,fi MEd,fi

3.0cm 620 1126 kN 66.55 kNm

4.2 Discussão dos resultados

Em continuação apresentam-se os resultados para os dois tipos de pilares considerados, usando as três

metodologias mencionadas: (i) recorrendo ao programa avançado de cálculo SAFIR, (ii) adotando o

procedimento simplificado do Anexo B.3 do EC2 com uma extensão limite de 3.5‰ para o betão em

compressão, e (iii) recorrendo ao procedimento simplificado do Anexo B.3 do EC2 mas usando o

método da compatibilização das extensões totais proposto por Meda et al.. Os resultados obtidos com

o SAFIR serão aqui considerados como os de referência (e nesse sentido encarados omo “exato ”), ao

passo que as metodologias (ii) e (iii) foram implementadas no algoritmo CFirA desenvolvido neste

trabalho.

Para o Exemplo 1, e considerando pilares com comprimentos efetivos de 1m, 2m e 3m, apresentam-se

na Fig. 8 os resultados obtidos em termos do tempo de resistência ao fogo (em minutos), para cada

uma das três metodologias. Na Fig. 9, e para o mesmo Exemplo 1, apresenta-se a variação do

momento fletor de 2ª ordem em função do comprimento efetivo l0. Para o Exemplo 2 procedeu-se de

forma similar, apresentando-se nas Figs 10 e 11 os correspondentes resultados. As comparações

expressas em percentagens correspondem às diferenças obtidas em relação aos resultados de referência

obtidos com o SAFIR.

Materiais:

C25/30

S500

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Figura 8. Comparação das três metodologias em termos do tempo de resistência ao Incêndio

Padrão - Exemplo 1.

Figura 9. Comparação das três metodologias em termos do momento fletor de 2ª ordem - Exemplo

1.

Figura 10. Comparação das três metodologias em termos do tempo de resistência ao Incêndio

Padrão – Exemplo 2.

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Figura 11. Comparação das três metodologias em termos do momento fletor de 2ª ordem -

Exemplo 2.

Da observação das figuras resulta notória uma maior aproximação aos resultados do SAFIR por parte

das previsões obtidas com o CFirA quando é utilizada a metodologia (iii) (que utiliza a

compatibilização das extensões proposta por Meda et al.); no que diz respeito ao tempo de resistência

o Incêndio Padrão, os resultados obtidos com a metodologia (iii) são ligeiramente não conservativos,

mas os erros envolvidos não ultrapassam os 5-6%.

Os resultados obtidos pelo CFirA adotando uma extensão limite à compressão do betão de 3.5‰

(metodologia (ii)) apresentam erros consideravelmente mais elevados, chegando a rondar os 30-35%

relativamente aos resultados do SAFIR.

No que diz respeito à quantificação dos momentos fletores de 2ª ordem, a metodologia (ii) conduz a

previsões que ficam notoriamente aquém dos resultados obtidos pelo SAFIR. A limitação a 3.5‰ da

extensão máxima nas fibras mais comprimidas do betão conduz a previsões inseguras das curvaturas

nas secções críticas, e consequentemente a valores de M2,fi bastante inferiores aos de referência, o que

globalmente se traduz na sobrestimação dos tempos de resistência ao Incêndio Padrão. Como a

quantificação dos momentos de 2ª ordem está diretamente relacionada com o comprimento efetivo do

pilar, estas diferenças vão sendo cada vez maiores à medida que l0 aumenta.

Por outro lado a compatibilização das extensões totais permite que o betão alcance extensões últimas

superiores, e mais de acordo com a realidade. Este facto conduz, no entanto, a estimativas de

curvaturas em situação de incêndio bastante superiores, e portanto a momentos fletores de 2ª ordem

mais elevados (e mais próximos dos obtidos com o SAFIR), o que se reflete em previsões mais

conservativas dos momentos resistentes de 1ª ordem M0Rd,fi.

CONCLUSÕES

O método proposto no Anexo B.3 do EC2 permite a avaliação da capacidade resistente de pilares

contraventados em situação de incêndio, tendo em linha de conta os efeitos de 2ª ordem. Contudo, não

é claro no que diz respeito aos limites das extensões de rotura que devem ser considerados para o

betão, para que seja possível realizar uma verificação fiável da capacidade resistente do pilar, tal como

acontece num cálculo a frio. Verificou-se que a clássica extensão limite de 3.5‰ usualmente adotada

para o betão comprimido (no caso de o eixo neutro se posicionar no interior da secção) não reflete o

atual comportamento do betão submetido às elevadas temperaturas. Além disso, em alguns casos são

introduzidos erros muito relevantes no cálculo da capacidade resistente da secção, podendo ocorrer

uma considerável subestimação dos momentos fletores de 2ª ordem.

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Verificação da segurança de pilares de betão armado em edifícios sob a ação do incêndio padrão e

dos efeitos de 2ª ordem, segundo o EC2

10

O método de compatibilização das extensões totais na secção, aplicado conjuntamente com a

metodologia do Anexo B.3 do EC2, permite um melhoramento considerável das previsões da

capacidade resistente dos pilares em situação de incêndio, ajustando-se melhor aos resultados de uma

análise termomecânica avançada realizada com o código SAFIR. A quantificação dos momentos

fletores de 2ª ordem com base no método da curvatura nominal, e recorrendo ao método da

compatibilização das extensões totais, permite alcançar bons resultados, uma vez que prevê

adequadamente as curvaturas nas secções críticas em situação de incêndio.

AGRADECIMENTOS

Agradece-se o financiamento da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia à unidade de

investigação LABEST.

REFERÊNCIAS

[1] Franssen, J.-M. (2003), SAFIR: A Thermal Structural Program Modeling Structures Under Fire,

in NASCC Proceedings: Baltimore, MD. p. Session D5 pp.1-22.

[2] EN 1991-1-2 (2010), Eurocódigo 1 Parte 1-2: Acções Gerais. Acções em Estruturas Expostas ao

Fogo, European Committee for Standardization.

[3] EN 1992-1-2 (2010), Eurocódigo 2 Parte 1-2: Projecto de Estruturas de Betão - Regras Gerais:

Verificação da Resistência ao Fogo, European Committee for Standardization.

[4] Meda, A., Gambarova, P. G. and Bonomi (2002), M., High-Performance Concrete in Fire-

Exposed Reinforced Concrete Sections, ACI Structural Journal, 99(3): pp. 277-287.

[5] EN 1992-1-1 (2010), Eurocódigo 2 Parte 1-1: Projecto de Estruturas de Betão - Regras Gerais e

Regras para Edifícios, European Committee for Standardization.

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