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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012 Estudo térmico nas primeiras idades do envolvimento em betão da espiral de uma turbina José Conceição 1 Rui Faria 2 Miguel Azenha 3 Flávio Mamede 4 Flávio Souza 5 RESUMO O calor libertado pela reação de hidratação do cimento conduz ao aparecimento de deformações térmicas no betão. No interior de grandes massas de betão, o calor libertado pelas reações de hidratação associado à baixa condutibilidade térmica do betão, promove a ocorrência de elevações de temperatura significativas. Concomitantemente ocorrem consideráveis gradientes térmicos que, associados a impedimentos exteriores à deformação térmica, geram tensões de tração. Caso não sejam controlados, estes gradientes podem originar a fendilhação do betão nas primeiras idades. No presente trabalho é apresentado um caso de estudo relativo ao comportamento térmico nas primeiras idades do envolvimento em betão da espiral de uma turbina, procedendo-se à respetiva simulação numérica. É atribuída uma especial importância à escolha dos parâmetros térmicos e às opções de modelação. O artigo inclui também a monitorização do caso de estudo e a caracterização laboratorial do betão. São discutidos em detalhe aspetos relacionados com a coerência obtida entre os resultados numéricos e as observações em obra, bem como a validação do modelo térmico utilizado. Palavras-chave: Hidratação do cimento; Simulação numérica; Betão nas primeiras idades; Espiral de turbina. 1. INTRODUÇÃO Na construção de uma central hidroelétrica, a presença das caixas em espiral (ver Fig. 1) implica que a betonagem seja realizada de uma forma faseada, de modo a permitir a montagem das caixas. Desta forma, é frequente a colocação do betão em duas fases: numa primeira constroem-se os elementos que não contêm partes da turbina, e na segunda procede-se à betonagem da massa envolvente à espiral [1]. Os volumes envolvidos na segunda fase conduzem à libertação de grandes quantidades de calor, devido à natureza exotérmica das reações da hidratação do cimento. Esta libertação de calor provoca diferenças de temperatura entre o núcleo e a superfície das camadas de betão fresco. Para além disso, o betão endurecido da primeira fase restringe a deformação que tende a ocorrer nestas camadas. Por estes motivos podem surgir tensões de tração capazes de originar fendilhação. Consequentemente, a previsão de temperaturas no betão que envolve a espiral de uma turbina foi realizada por alguns autores nos últimos anos [2-5] a partir de modelos numéricos de elementos finitos (EF), mas não foi apresentada uma comparação com resultados experimentais. Assim, o objetivo principal deste trabalho reside na confrontação dos resultados decorrentes de modelos numéricos de EF com resultados experimentais. Para esse fim, foram realizadas as seguintes etapas: (i) aferição dos parâmetros e das 1 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Dep. de Engª. Civil - LABEST, Porto, Portugal.[email protected] 2 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Dep. de Engª. Civil - LABEST, Porto, Portugal. [email protected] 3 Dep. de Engª. Civil da Escola de Engª. da Universidade do Minho, Guimarães, Portugal. [email protected] 4 Laboratório de Concreto, ELECTROBRAS FURNAS, Goiâna, Brasil. [email protected] 5 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil. [email protected]

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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012

Estudo térmico nas primeiras idades do envolvimento em betão da espiral de uma turbina

José Conceição1 Rui Faria2 Miguel Azenha3 Flávio Mamede4 Flávio Souza5

RESUMO O calor libertado pela reação de hidratação do cimento conduz ao aparecimento de deformações térmicas no betão. No interior de grandes massas de betão, o calor libertado pelas reações de hidratação associado à baixa condutibilidade térmica do betão, promove a ocorrência de elevações de temperatura significativas. Concomitantemente ocorrem consideráveis gradientes térmicos que, associados a impedimentos exteriores à deformação térmica, geram tensões de tração. Caso não sejam controlados, estes gradientes podem originar a fendilhação do betão nas primeiras idades. No presente trabalho é apresentado um caso de estudo relativo ao comportamento térmico nas primeiras idades do envolvimento em betão da espiral de uma turbina, procedendo-se à respetiva simulação numérica. É atribuída uma especial importância à escolha dos parâmetros térmicos e às opções de modelação. O artigo inclui também a monitorização do caso de estudo e a caracterização laboratorial do betão. São discutidos em detalhe aspetos relacionados com a coerência obtida entre os resultados numéricos e as observações em obra, bem como a validação do modelo térmico utilizado. Palavras-chave: Hidratação do cimento; Simulação numérica; Betão nas primeiras idades; Espiral de turbina. 1. INTRODUÇÃO Na construção de uma central hidroelétrica, a presença das caixas em espiral (ver Fig. 1) implica que a betonagem seja realizada de uma forma faseada, de modo a permitir a montagem das caixas. Desta forma, é frequente a colocação do betão em duas fases: numa primeira constroem-se os elementos que não contêm partes da turbina, e na segunda procede-se à betonagem da massa envolvente à espiral [1]. Os volumes envolvidos na segunda fase conduzem à libertação de grandes quantidades de calor, devido à natureza exotérmica das reações da hidratação do cimento. Esta libertação de calor provoca diferenças de temperatura entre o núcleo e a superfície das camadas de betão fresco. Para além disso, o betão endurecido da primeira fase restringe a deformação que tende a ocorrer nestas camadas. Por estes motivos podem surgir tensões de tração capazes de originar fendilhação. Consequentemente, a previsão de temperaturas no betão que envolve a espiral de uma turbina foi realizada por alguns autores nos últimos anos [2-5] a partir de modelos numéricos de elementos finitos (EF), mas não foi apresentada uma comparação com resultados experimentais. Assim, o objetivo principal deste trabalho reside na confrontação dos resultados decorrentes de modelos numéricos de EF com resultados experimentais. Para esse fim, foram realizadas as seguintes etapas: (i) aferição dos parâmetros e das

1 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Dep. de Engª. Civil - LABEST, Porto, [email protected] 2 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Dep. de Engª. Civil - LABEST, Porto, Portugal. [email protected] 3 Dep. de Engª. Civil da Escola de Engª. da Universidade do Minho, Guimarães, Portugal. [email protected] 4 Laboratório de Concreto, ELECTROBRAS FURNAS, Goiâna, Brasil. [email protected] 5 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil. [email protected]

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propriedades envolvidas no problema térmico; (ii ) confrontação dos resultados decorrentes de modelos 2D e 3D; (iii ) validação destes modelos com recurso a resultados experimentais. O problema térmico foi simulado recorrendo a um modelo em regime transiente, que permite a determinação da evolução da temperatura no betão tendo em conta a geração de calor proveniente da hidratação do cimento, os fluxos energéticos por condução e convecção e as transferências através das fronteiras. 2. MODELO TÉRMICO 2.1 Lei de Fourier e geração interna do calor de hidratação do cimento Em materiais homogéneos e isotrópicos o equilíbrio térmico pode ser matematicamente expresso pelo balanço energético indicado na Eq.1, baseada na Lei de Fourier,

( )..

TcQTk ρ=+∇⋅∇ (1)

onde k é a condutibilidade térmica, T é a temperatura, .

Q designa a taxa interna de geração de calor devido à hidratação do cimento e cρ é o calor específico volumétrico. A taxa interna de geração de calor, que traduz a natureza termicamente ativada das reações químicas da hidratação do cimento, pode ser expressa através de uma formulação baseada na lei de Arrhenius [6]

( ) ( )RTEefaQ a/. −⋅⋅= α (2)

em que a é uma constante, f(α) é uma função que traduz a evolução da geração de calor normalizado, α é o grau de desenvolvimento de calor (varia de 0 no início da reação de hidratação até próximo de 1 no final), Ea é a energia de ativação aparente da reação de hidratação e R é a constante dos gases perfeitos (8.314Jmol-1K-1). Com exceção de R, as demais entidades podem ser obtidas experimentalmente com recurso a calorímetros, nos quais é feita a caraterização do calor libertado pela reação de hidratação do cimento. 2.2 Condições fronteira Para a resolução da Eq. 1 é necessário que as condições fronteira térmicas da estrutura de betão estejam adequadamente definidas [7]. O fenómeno de convecção é traduzido através da expressão [8]

)( ab TThq −⋅= (3)

onde q é o fluxo de calor por unidade de área, h é o coeficiente de convecção, Tb é a temperatura na superfície de fronteira, e Ta é a temperatura do ar. Usualmente a radiação é reproduzida no modelo numérico em conjunto com a convecção, através de um coeficiente de convecção-radiação hcr. Em aplicações práticas podem existir camadas de outros materiais entre o ar e a superfície do betão, que traduzem a existência de isolamentos e cofragens. Nestes casos o coeficiente de convecção-radiação pode ser calculado de acordo com um coeficiente de transferência de energia térmica equivalente [9]

1

1

)1

( −∑+=

n

i

i

creq k

L

hh (4)

onde Li representa a espessura e ki a condutibilidade térmica de cada camada i, e o termo 1/hcr traduz o contacto da camada exterior com o ar. 3. APLICAÇÃO: ENVOLVIMENTO DA ESPIRAL DA CENTRAL HI DROELÉTRICA DA BATALHA 3.1 Descrição geral A massa de betão que envolve a caixa espiral que será aqui analisada pertence à central hidroelétrica da Batalha, localizada no rio São Marcos, entre os estados brasileiros de Goiás e Minas Gerais. Trata-se de um bloco com 12.0×14.0m2 de dimensões em planta e uma altura de 5.83m, no qual se

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consideraram quatro camadas betonagem, com espessuras de 2.75m, 1.56m, 0.80m e 0.72m. O volume de betão que respeita à primeira camada é de 251m3, enquanto as restantes mobilizam cerca de 100m3. No interior do betão fica embebida uma caixa metálica (ver Fig. 1), que contém água sob pressão. A betonagem da primeira camada decorreu ao longo de 10.7 horas, tendo esta camada sido monitorizada ao longo de 17 dias. Não foram registadas temperaturas nas camadas superiores, desconhecendo-se também as respetivas datas de betonagem. Com o intuito de avaliar a influência do processo construtivo considerou-se um faseamento fictício, no qual a segunda camada foi considerada como betonada 17 dias após a primeira, assumindo-se um intervalo mínimo de 14 dias entre as camadas subsequentes.

a)

b) Figura 1. Caixa em espiral da central hidroelétrica da Batalha: a) vista geral; b) corte longitudinal.

3.2 Monitorização A campanha de monitorização realizada recorreu a quatro extensómetros do tipo Carlson instalados na primeira camada de betonagem, estando a respetiva localização indicada na Fig. 2. Os sensores mediram extensões e temperaturas desde o início da betonagem e ao longo de um período de 17 dias. Como condição inicial aquando da betonagem, verificou-se que o betão apresentava uma temperatura de 32°C. O ar ambiente próximo da caixa em espiral apresentou uma temperatura média diária de 25°C.

a) b) Figura 2. Secção monitorizada: a) localização em planta; b) corte 1-1.

3.3 Propriedades térmicas do betão O potencial de geração de calor do cimento adotado no fabrico do betão foi caracterizado com recurso a ensaios em calorímetro isotérmico, conduzidos às temperaturas de 15ºC, 25ºC, 35ºC, 45ºC e 55°C (ver Fig. 3). O cimento utilizado apresenta escória de alto-forno na sua constituição. O calor gerado a tempo infinito foi determinado a partir das curvas representadas na Fig. 3a, de acordo com a

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metodologia apresentada em [10]. Verifica-se um aumento do calor gerado a tempo infinito com o aumento da temperatura do ensaio calorimétrico isotérmico (ver Quadro 1), tendência que também é reportada em [11,12]. A hidratação de um cimento com escória é composta por duas reações: a do cimento Portland propriamente dito (reação P) e a da escória (reação S) [13]. Este comportamento é documentado na Fig. 3b através da existência de dois picos na curva do calor gerado normalizado: o primeiro corresponde à hidratação do cimento Portland e o segundo pico à hidratação da escória. A escória é mais sensível à temperatura do que o cimento Portland, mas verifica-se uma estabilização da curva f(α) para os ensaios conduzidos a 45ºC e a 55°C. A energia aparente foi calculada a partir do denominado “derivative speed method” [10], resultando num valor Ea/R = 4391.3 K. Com base nestes resultados experimentais, o potencial de geração de calor do betão considerado nas simulações numéricas encontra-se caracterizado na Fig. 4.

0

50

100

150

200

250

300

0 50 100 150 200

Ca

lor g

era

do a

cum

ula

do

(kJ/

kg)

Tempo (h)

15 ºC35 ºC25 ºC45 ºC55 ºC

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0f (α)

α

15 ºC25 ºC35 ºC45 ºC55 ºC

a) b)

Figura 3. Ensaios em calorímetro isotérmico: a) calor gerado acumulado; b) calor gerado normalizado.

Quadro 1. Calor gerado a tempo infinito.

Ensaio isotérmico ∞Q [kJ/kg]

15ºC 269.25 25ºC 274.61 35ºC 288.15 45ºC 293.18 55ºC 317.79

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

0 0,2 0,4 0,6 0,8 1

f (α)

α Figura 4. Parâmetros de geração de calor para o betão.

4. MODELO NUMÉRICO 4.1. Aspetos geométricos e propriedades assumidas O campo de temperaturas no betão envolvente da espiral foi simulado a partir de um modelo térmico utilizando uma discretização 2D e uma discretização 3D. No modelo 2D foram modeladas quatro camadas de betão fresco, assim como o betão endurecido e a água sob pressão contida na espiral. No modelo 3D, para além destes materiais, foram ainda discretizadas parte do maciço de fundação e a conduta de água de restituição. As galerias de acesso da caixa da espiral foram consideradas apenas na discretização 3D. A composição do betão inclui 273kg/m3 de cimento CP III 40 RS, 196kg/m3 de água, 815kg/m3 de areia natural e 1025kg/m3 de brita calcária. Os parâmetros de geração de calor para o betão estão indicados na Fig. 4. A condutibilidade térmica e o calor específico volumétrico do betão (estados fresco e endurecido) foram determinados analiticamente através de uma média ponderada das propriedades térmicas dos componentes da mistura, resultando nos seguintes valores: k = 3.0 Wm-1K-1 e ρc = 2420 kJm-3K-1.

a = 1.74994×109 W Ea = 3.6509 kJmol-1

Q∞ = 8.6757×107 Jm-3

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Para o maciço de fundação, composto por filitos quartzíticos, assumiu-se um k = 2.87 Wm-1K-1 e um ρc = 2261 kJm-3K-1 [14]. O coeficiente de convecção-radiação entre a interface betão-ar foi considerado igual a 10 Wm-1K-1, tendo em conta estudos reportados em [10,15]. Para as interfaces betão-aço-ar e água-aço-ar admitiu-se um coeficiente de transferência de energia térmica equivalente igual a heq = 10Wm-1K-1, devido à elevada condutibilidade térmica do aço e à reduzida espessura dos elementos metálicos (quando comparada com as dimensões do volume de betão). Para as superfícies com cofragem em madeira de 20mm de espessura adotou-se um heq = 4.3 Wm-1K-1. A temperatura ambiente e a temperatura inicial de colocação do betão foram consideradas conforme descrito na secção 3.2. No caso da água contida na espiral a transmissão de calor é governada por um processo de condução e convecção natural. De acordo com [16], os efeitos de convecção natural podem ser simulados através de modelos de condução, desde que, a condutibilidade térmica k seja substituída por uma condutibilidade térmica efetiva k×Nu (Nu é o número de Nusselt). Contudo, a condutibilidade efetiva foi inicialmente determinada por meio de um processo tentativa-e-erro, de maneira que as temperaturas simuladas no modelo numérico durante a fase de arrefecimento coincidissem com a evolução registada pelo sensor 4 (o mais próximo da água). Assim, o coeficiente de condutibilidade térmica da água (igual a 0.6) foi substituído por um coeficiente de condutibilidade térmica efetiva de 4.0. O fator multiplicativo Nu correspondente apresenta coerência com análises simplificadas do problema recorrendo às metodologias indicadas em [17]. 4.2 Modelo 2D Para a análise térmica 2D utilizou-se a malha de EF reproduzida na Fig. 5. O modelo é composto por EF triangulares de 6 nós (com 3 pontos de integração), quer para o betão quer para a água, sendo que para modelação das fronteiras foram considerados EF lineares de 2 nós (com 2 pontos de integração). As fronteiras foram definidas de acordo com o faseamento construtivo, sendo ativadas no correspondente instante da análise. Considerando a primeira fase da análise como a representada na Fig. 6, definiram-se as seguintes fronteiras: B1 representa uma fronteira adiabática, na qual não há qualquer transmissão de calor; B2 diz respeito à fronteira superior da primeira fase construída, constituindo uma fronteira provisória que se encontra ativa enquanto não é betonada a camada seguinte. Nas restantes fases as fronteiras são ativadas de forma análoga.

Figura 5. Malha de EF 2D.

Figura 6. Condições fronteira da primeira fase.

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4.3 Modelo 3D O modelo 3D – reproduzido na Fig. 7 - é composto por EF piramidais de 10 nós (com 4 pontos de integração), utilizados tanto para o betão, como para o maciço de fundação e para a água. Os elementos de fronteira são constituídos por EF triangulares de 3 nós (com 4 pontos de integração).

a) b)

Figura 7. Malha de EF 3D: a) vista geral; b) diferentes componentes. 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO A comparação dos resultados das simulações numéricas 2D e 3D com as evoluções de temperatura monitorizadas nos 4 sensores colocados em obra pode ser observada na Fig. 8, onde se destaca a clara concordância da generalidade das curvas. Os resultados obtidos evidenciam uma escolha adequada dos parâmetros térmicos e das opções de modelação, conduzindo à obtenção de simulações representativas da realidade observada. Da análise da Fig. 8 ressalta ainda que os resultados do modelo 3D são os mais próximos das curvas experimentais. Porém, é na verdade muito pequena a diferença entre as curvas de temperatura dos modelos numéricos 2D e 3D (cerca de 1ºC). A maior diferença regista-se para o sensor 4 (o mais próximo da água), para o qual o modelo 3D assegura uma melhor aproximação à curva experimental (ver Fig. 8e). A Fig. 8a reproduz a evolução para o ponto de máxima temperatura na secção do corte 1-1 (assinalada na Fig. 2a), no qual a curva experimental atinge 58°C. Os modelos 2D e 3D preveem para este ponto picos de temperatura de 57°C e 58°C, respetivamente. As curvas numéricas durante toda a fase de arrefecimento são praticamente indistinguíveis da evolução de temperatura registada pelo sensor 1. O sensor 2, localizado 20cm acima do betão endurecido, apresenta a evolução da temperatura reproduzida na Fig. 8b: neste caso observa-se uma ténue sobrestimação da temperatura por parte dos modelos numéricos (aproximadamente 1°C), mas não se verificam diferenças mensuráveis entre as curvas de temperatura dos modelos 2D e 3D. O sensor 3, situado a 20cm da face lateral do betão endurecido, atinge uma temperatura máxima de 50°C (ver Fig. 8c); os modelos numéricos conduzem a ligeiras subestimações deste pico, mas mesmo assim correspondem a boas aproximações ao comportamento térmico observado na estrutura. Refira-se que as diferenças entre os valores calculados e registados para os sensores 2 e 3 (próximos de fronteiras com betão pré-existente) poderão estar relacionados com a simplificação de ter sido considerado um campo de temperaturas uniforme de ZZºC para todo o betão existente aquando da betonagem da camada em estudo.

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Conceição, Faria, Azenha, Mamede e Souza

7

25

30

35

40

45

50

55

60

0 3 6 9 12 15 18

Tem

pera

tura

(ºC

)

Tempo (dias)

Experimental

Numérico 2D

Numérico 3D

25

30

35

40

45

50

0 3 6 9 12 15 18

Tem

pera

tura

(ºC

)

Tempo (dias)

Experimental

Numérico 2D

Numérico 3D

a) Sensor 1 b) Sensor 2

25

30

35

40

45

50

0 3 6 9 12 15 18

Tem

pera

tura

(ºC

)

Tempo (dias)

Experimental

Numérico 2D

Numérico 3D

25

30

35

40

45

50

55

0 3 6 9 12 15 18

Tem

pera

tura

(ºC

)

Tempo (dias)

Experimental

Numérico 2D

Numérico 3D

c) Sensor 3 d) Sensor 4

Figura 8. Temperaturas (camada 1): numérico vs. experimental. As correntes de convecção da água contida na caixa em espiral foram modeladas através de um coeficiente de condutibilidade térmica efetiva. A calibração deste parâmetro teve como base o sensor 4. Pela análise da Fig. 8d verifica-se que o pico máximo de temperatura e o valor da temperatura decorridos 17 dias coincidem nas curvas numéricas e experimental, mas as curvas numéricas não acompanham a curva experimental de forma tão precisa durante o período de arrefecimento. Apesar desta diferença, não se verifica que este facto tenha tido influência nos resultados numéricos obtidos para os restantes sensores, facto que atesta a razoabilidade da estratégia adotada para a modelação do comportamento térmico da água. O desenvolvimento de temperaturas calculado com a discretização 2D para a fase de betonagem 1 pode ser seguido na Fig. 9a para alguns instantes relevantes. A máxima temperatura ocorre para a idade t = 1.4 dias, sendo que o betão alcança uma temperatura de 34°C decorridos 17 dias de análise. Para além disso, observando as direções de maior gradiente de temperatura torna-se clara a influência das fronteiras no arrefecimento do betão. Nas Figs. 9b, 9c e 9d são apresentados mapas de temperatura para os instantes em que ocorrem os valores máximos desta nas fases 2, 3 e 4. É percetível a importância da espessura das camadas no desenvolvimento dos picos de temperatura. No caso da fase 2 foi obtida numericamente uma temperatura máxima de 53°C, enquanto que nas fases 3 e 4 se obtiveram temperaturas máximas de 49°C.

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Estudo térmico nas primeiras idades do envolvimento em betão da espiral de uma turbina

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a) Fase 1

b) Fase 2 c) Fase 3 d) Fase 4

Figura 9. Evolução da temperatura (°C) no modelo 2D. O modelo 3D permite a análise térmica da totalidade do volume de betão de envolvimento da espiral da turbina, possibilitando uma perceção espacial dos gradientes de temperatura. A Fig. 10 reproduz as distribuições de temperatura ao longo do corte 1-1, para os instantes em que ocorrem os máximos nas quatro fases de betonagem. Na Fig. 11 pode ser avaliado o gradiente de temperatura que ocorre nas quatro camadas, de acordo com as previsões do modelo 3D. As curvas representadas correspondem a pontos em diferentes localizações, e com temperaturas máximas superiores às da secção 1-1. Na fase 1 é atingida uma temperatura máxima de 62°C. Após 76 dias de análise o betão ainda não se encontra à temperatura ambiente, uma vez que apresenta 27°C. Após a betonagem de cada nova camada observa-se uma inflexão (no sentido ascendente) da curva de temperatura correspondente ao período de arrefecimento da camada precedente (ver Fig. 11). Este aspeto assume maior relevância nas camadas superiores, facto explicável pela menor espessura destas.

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Conceição, Faria, Azenha, Mamede e Souza

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a) t =1.4 dias b) t=18 dias

c) t=32 dias d) t=46 dias

Figura 10. Evolução da temperatura (°C) no modelo 3D para o corte 1-1: a) Fase 1; b) Fase 2; c) Fase 3; d) Fase 4.

25

30

35

40

45

50

55

60

65

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Te

mpe

ratu

ra (

ºC)

Tempo (dias)

Camada 1

Camada 2

Camada 3

Camada 4

Figura 11. Evoluções de temperaturas no modelo 3D para os pontos de temperatura máxima em cada camada.

CONCLUSÕES Neste trabalho foi descrita a monitorização de temperaturas, bem como a estratégia de modelação 2D e 3D referente ao estudo térmico do envolvimento em betão da espiral de uma turbina. A comparação dos resultados das previsões numéricas com as medições de temperatura obtidas no decurso da campanha de monitorização permitiu constatar os seguintes factos:

- O modelo térmico mostrou-se adequado para a previsão das temperaturas no betão, tendo em linha de conta o calor libertado pela reação de hidratação do cimento e os fluxos energéticos através das fronteiras;

- As previsões numéricas das temperaturas revelaram-se bastantes concordantes com as monitorizadas in situ, tanto em termos da tendência geral das respetivas evoluções como dos valores máximos, não se verificando uma diferença considerável entre os resultados provenientes de modelações 2D e 3D.

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A confiança adquirida com a simulação numérica apresentada permite concluir que as metodologias adotadas são válidas, e que possibilitarão em breve a previsão dos campos de tensões de origem térmica neste tipo de estruturas massivas de betão. AGRADECIMENTOS Este trabalho é financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Fatores de Competitividade - COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto de investigação PTDC/ECM/099250/2008. Agradece-se ainda à FCT o financiamento das unidades de investigação LABEST e ISISE. REFERÊNCIAS [1] EM 1110-2-3001. 1995, Engineering and Design - Planning and Design of Hydroelectric Power

Plant Structures. Washington, DC: U. S. Army Corps of Engineers. 36 pp. [2] Sharda, K. [et al.]. (2004). Thermal analysis of draft tube and spiral mass concrete. Indian

Concrete Journal, 78, pp. 11-16. [3] Xinyong, X., [et al.]. (2011). Research on transient temperature of concrete surrounding spiral case

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