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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012 Principais condicionamentos de projecto para uma barragem de gravidade em BCC Armando Camelo 1 Nuno Antunes 2 Diogo Botelho 3 Domingos S. Matos 4 RESUMO A EDP desenvolveu recentemente o projecto para construção de uma barragem gravidade com a aplicação da tecnologia do betão compactado com cilindros (BCC). A barragem tem uma altura máxima teórica de 89 m acima da superfície de fundação e um volume total de betão de cerca de 700 mil metros cúbicos. Neste artigo apresentam-se os principais condicionamentos relativos à definição geométrica da barragem e das suas cotas de fundação, à derivação provisória e ao faseamento construtivo. São ainda destacados os resultados dos estudos térmicos da fase de construção pela sua importância na validação da segurança estrutural da obra bem como na concepção da obra e faseamento construtivo. Palavras-chave: Barragens, BCC (betão compactado com cilindros), faseamento de construção, fundação, estudos térmicos 1. INTRODUÇÃO A vantagem da utilização da técnica de betão compactado por cilindro (BCC) relaciona-se com o elevado ritmo de colocação de betão e a consequente rápida evolução em altura da estrutura. No entanto, a dissipação de calor decorrente do processo de hidratação do ligante é prejudicada pelo elevado ritmo associado a esta tecnologia, resultando daí uma elevação de temperatura que é necessário controlar para evitar tensões excessivas e consequente fissuração. Neste projecto tornou-se evidente a configuração de uma barragem do tipo gravidade desde a fase inicial de concepção. As condições do local e calendarização geral do projecto exigiam especificidades que seriam mais adequadas com a adopção de um betão do tipo BCC, solução que veio a ser adoptada na fase de estudo prévio. Nos capítulos seguintes descrevem-se as principais características da obra, os condicionamentos à geometria da barragem e os resultados dos estudos térmicos em fase construtiva pela sua importância na integridade estrutural da barragem e do modo como estes influenciaram a solução do projecto e o faseamento construtivo da barragem. 1 EDP, Gestão da Produção de Energia, SA – Dir. de Projectos e Investimentos, Porto, Portugal. [email protected] 2 EDP, Gestão da Produção de Energia, SA – Dir. de Projectos e Investimentos, Porto, Portugal. [email protected] 3 EDP, Gestão da Produção de Energia, SA – Dir. de Projectos e Investimentos, Porto, Portugal. [email protected] 4 EDP, Gestão da Produção de Energia, SA – Dir. de Projectos e Investimentos, Porto, Portugal. [email protected]

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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012

Principais condicionamentos de projecto para uma barragem de

gravidade em BCC Armando Camelo1 Nuno Antunes2 Diogo Botelho3 Domingos S. Matos4

RESUMO

A EDP desenvolveu recentemente o projecto para construção de uma barragem gravidade com a aplicação da tecnologia do betão compactado com cilindros (BCC). A barragem tem uma altura máxima teórica de 89 m acima da superfície de fundação e um volume total de betão de cerca de 700 mil metros cúbicos.

Neste artigo apresentam-se os principais condicionamentos relativos à definição geométrica da barragem e das suas cotas de fundação, à derivação provisória e ao faseamento construtivo.

São ainda destacados os resultados dos estudos térmicos da fase de construção pela sua importância na validação da segurança estrutural da obra bem como na concepção da obra e faseamento construtivo.

Palavras-chave: Barragens, BCC (betão compactado com cilindros), faseamento de construção, fundação, estudos térmicos 1. INTRODUÇÃO A vantagem da utilização da técnica de betão compactado por cilindro (BCC) relaciona-se com o elevado ritmo de colocação de betão e a consequente rápida evolução em altura da estrutura. No entanto, a dissipação de calor decorrente do processo de hidratação do ligante é prejudicada pelo elevado ritmo associado a esta tecnologia, resultando daí uma elevação de temperatura que é necessário controlar para evitar tensões excessivas e consequente fissuração. Neste projecto tornou-se evidente a configuração de uma barragem do tipo gravidade desde a fase inicial de concepção. As condições do local e calendarização geral do projecto exigiam especificidades que seriam mais adequadas com a adopção de um betão do tipo BCC, solução que veio a ser adoptada na fase de estudo prévio. Nos capítulos seguintes descrevem-se as principais características da obra, os condicionamentos à geometria da barragem e os resultados dos estudos térmicos em fase construtiva pela sua importância na integridade estrutural da barragem e do modo como estes influenciaram a solução do projecto e o faseamento construtivo da barragem.

1 EDP, Gestão da Produção de Energia, SA – Dir. de Projectos e Investimentos, Porto, Portugal. [email protected] 2 EDP, Gestão da Produção de Energia, SA – Dir. de Projectos e Investimentos, Porto, Portugal. [email protected] 3 EDP, Gestão da Produção de Energia, SA – Dir. de Projectos e Investimentos, Porto, Portugal. [email protected] 4EDP, Gestão da Produção de Energia, SA – Dir. de Projectos e Investimentos, Porto, Portugal. [email protected]

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Principais condicionamentos de projecto para uma barragem de gravidade em BCC

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2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA BARRAGEM A barragem de gravidade em betão compactado com cilindro (BCC) insere-se num vale com cerca de 50 m de largura na zona do leito do rio e é constituída por uma zona galgável com 4 blocos na parte central, onde se situa o descarregador de superfície, e, dada a assimetria do vale, por 10 blocos na margem direita e 8 blocos na margem esquerda. Apresenta uma ligeira curvatura em planta de 600 m de raio na superfície de referência (SR), uma altura máxima teórica de 89 m, um coroamento com 405,5 m de desenvolvimento e um volume total de betão do de cerca de 700 mil metros cúbicos.

Figura 1. Barragem: planta geral.

Figura 2. Barragem: alçado de jusante. A barragem encontra-se dividida por 21 juntas de contracção (D1 a D11 do lado da margem direita e E1 a E10 no lado da margem esquerda) com desenvolvimentos, ao longo da superfície de referência, entre 14,0 e 20,0 m. As juntas de contração são definidas como superfícies verticais perpendiculares à superfície de referência, e serão executadas por corte direto do BCC ainda fresco em pelo menos 90% da sua espessura, incorporando na área cortada uma chapa galvanizada com 2,0 m de comprimento. Os órgãos de segurança hidráulica-operacional da barragem compreendem um descarregador de cheias e uma descarga de fundo. As capacidades máximas de vazão são, respetivamente, 540 m3/s e 240 m3/s. O descarregador de cheias é do tipo lâmina livre, não controlado (sem comportas), sendo constituído por uma soleira descarregadora, seguida de um canal em degraus formado no paramento de jusante da barragem e por uma bacia de dissipação de energia no pé de barragem. A descarga de fundo é

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constituída por uma conduta de secção circular com 3,5 m de diâmetro, blindada, que atravessa o corpo da barragem numa extensão de 70 m. Na zona a jusante da barragem situa-se a estrutura de dissipação e respectivos muros laterais para protecção das margens e, do lado da margem esquerda, a estrutura de saída da descarga de fundo com o correspondente posto de comando e plataforma de acesso. Apesar do corpo da barragem ser em betão compactado com cilindro (BCC), utilizar-se-á o seu enriquecimento com calda de cimento (BCC-EC) junto aos paramentos, superfícies cofradas e no envolvimento das lâminas water-stop das juntas transversais entre blocos, bem como será utilizado betão convencional (BC) em zonas essencialmente associadas a singularidades da obra e em exigências funcionais ou construtivas. Entre estas, podemos referir o plinto de fundação, a zona superior dos blocos galgáveis associada à crista do descarregador de cheias, os pilares do descarregador de cheias e apoios do viaduto, os muros laterais do descarregador de cheias, a estrutura de dissipação de energia e a torre da comporta ensecadeira da descarga de fundo. De modo a ser garantida a impermeabilidade da estrutura, foi prevista a aplicação de uma membrana em PVC sobre o paramento de montante executado em BCC e com fixação estanque no plinto de montante em betão convencional. Superiormente, a membrana é fixada no betão convencional da soleira descarregadora e junto ao coroamento, nas zonas galgáveis e não galgáveis, respectivamente.

Figura 3. Descarga de fundo e descarregador de superfície.

A barragem é dotada de duas galerias de visita, GV1 e GV2, e de uma galeria geral de drenagem (GGD) que acompanha o contacto com a fundação até aos blocos mais elevados de cada uma das margens, cujos hasteais de montante distam 6 m do paramento de montante. Existe também uma galeria de fundação a jusante, na zona central da barragem, A definição das cotas de fundação da barragem foi fixada de forma a garantir, por um lado, um bom encastramento na fundação e, por outro, que o contacto da barragem com a fundação ocorresse a profundidades abaixo da zona superficial de qualidade inferior, em maciço de qualidade adequada de acordo com o zonamento geotécnico efectuado. Os estudos feitos sobre as misturas de BCC com os agregados que se prevêm utilizar na construção da barragem apontam para a necessidade de dosagens em ligante hidráulico entre 170 kg/m3 e 210 kg/m3, com uma percentagem de cinzas volantes de 50%. A dosagem de ligante da mistura de BCC que foi considerada para efeitos de cálculo foi de 180 kg/m3, tendo em consideração as características mecânicas e de deformabilidade determinadas em laboratório.

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3. CONDICIONAMENTOS DE PROJECTO 3.1. Aspectos geológicos e geotécnicos Os trabalhos de reconhecimento e caracterização geológico-geotécnica efectuados no local da barragem, bem como a interpretação global desta informação, permitiram concluir que o maciço rochoso apresentava características geotécnicas adequadas à implantação de uma barragem de tipo gravidade em betão, pese embora a significativa heterogeneidade observada no maciço rochoso, particularmente na margem esquerda, o que leva a considerar imprescindível a realização de tratamentos de consolidação generalizada e de impermeabilização do maciço rochoso. A análise dos resultados obtidos com base nos diversos estudos realizados permitiu efectuar o zonamento geomecânico do maciço rochoso na zona da barragem, que condicionaram de forma substantiva a necessidade de adopção de alturas de escavação elevadas para se garantirem boas condições para a implantação da barragem, cujos valores são da ordem dos 10 a 25 metros na margem esquerda e de 10 metros na margem direita, o que conduziu à previsão de um volume de escavação da ordem dos 330 000 metros cúbicos. O maciço rochoso foi subdividido em 3 zonas (ZG1, ZG2 e ZG3) com características distintas, nas quais a ZG1 é a mais profunda e de melhor qualidade geomecânica. A ZG2 ocorre a profundidades intermédias e apresenta, dum modo geral, razoável qualidade geomecânica, sendo portanto a zona seleccionada para o estabelecimento da cota de fundação da barragem. A ZG3 é a zona mais superficial do maciço rochoso e de mais fraca qualidade geomecânica, fazendo a transição para a zona ZG4 (não caracterizada), constituída pelos solos residuais, depósitos aluvionares e coluvionares, os quais serão totalmente removidos no decurso das escavações para a fundação das estruturas a construir. Para cada zona geológico-geotécnica ZG foram estimados valores para parâmetros geomecânicos por ponderação dos resultados obtidos em ensaios laboratoriais e “in situ” (Quadro 1).

Quadro 1. Parâmetros geomecânicos do maciço de fundação

Zona ZG Parâmetros da rocha Resistência do maciço Deformabilidade do maciço

UCS (MPa) Er (GPa) Ø (º) Coesão(MPa) Em (GPa) Edilat (GPa) ZG3 < 10 (*) < 5 (*) <24 <0.185 <1 <2 ZG2 27 (**) 19 (**) 23-35 0,18-0,3 2-7 2-10 ZG1 35 (**) 53 (**) 32-42 0,28-0,4 8-19 4-39

(*) valor estimado; (**) média simples A totalidade destes elementos permitiu elaborar um modelo geológico e geotécnico previsível do subsolo no local de implantação da barragem, o qual contribuiu para o dimensionamento desta estrutura e para a definição das profundidades das escavações. 3.2. Geometria da estrutura da barragem Para atender à assimetria das condições mecânicas da fundação e geometria do vale foram adoptados perfis transversais distintos ao longo do desenvolvimento da estrutura. Assim, o perfil transversal da barragem nos blocos não galgáveis tem um coroamento de 9 m de largura e paramento de montante vertical. O paramento de jusante é também vertical até uma profundidade de 2 m em relação ao coroamento e, a partir daí, possui uma inclinação 0,7H/1V na margem direita e de 0,75H/1V na margem esquerda. A secção transversal dos blocos galgáveis insere-se num perfil teórico triangular, com o paramento de montante vertical e o paramento de jusante com uma inclinação 0,7H/1V, embora com as adaptações condicionadas pelas formas hidráulicas necessárias, nomeadamente na zona da crista do descarregador de cheias e na zona de restituição a jusante.

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Nota: O betão convencional na base dos perfis, em contacto com a fundação, corresponde apenas a betão de regularização da fundação

Figura 4. Barragem: perfis transversais tipo. De acordo com as condições da fundação tomou-se a decisão de promover o embricamento das juntas de contracção da estrutura da barragem com caixotões, promovendo assim uma segurança adicional face à deformabilidade da fundação. Além disso, este condicionamento geológico e geotécnico conduziu igualmente à adoptção de uma ligeira curvatura em planta da estrutura da barragem (raio de 600 metros). 3.3. Faseamento construtivo e derivação do rio O faseamento construtivo teve em consideração o facto de, na construção da barragem, estarem previstas 297 camadas de 0.30 m de espessura, com um volume de betão por camada que atinge os 3000 m3. Este aspecto determinaria que o número de camadas que exigiriam tratamento de “junta fria”, por falta de recobrimento atempado da camada seguinte, seria muito elevado. Por esta razão, o faseamento construtivo teve em consideração a redução da área de cada camada, através da construção da barragem em dois corpos distintos: a zona da margem esquerda até à junta D2 e a zona desta junta até à margem direita. Esta estratégia de faseamento teve também em consideração que os rendimentos de colocação de BCC fossem constantes entre juntas frias sucessivas que, deste modo, foram reduzidas para cerca de 180. De acordo com o plano trabalhos delineado a colocação do BCC na barragem arranca nos blocos do fundo do vale em início de Novembro e eleva-se em cota em todos os blocos entre a junta D2 e a margem esquerda até meados de Abril do ano seguinte num volume aproximado de 426 000 m3 e com rendimento médio da ordem dos 3 650 m3/dia em cerca de 120 dias de trabalho efectivo. A colocação do BCC entre a junta D2 e a margem direita seguirá aquela data de meados de Abril até finais de Julho seguinte num volume aproximado de 257 000 m3 em cerca de 70 dias de trabalho com um rendimento médio de 3 630 m3/dia. O bloco E3-E4 será parcialmente realizado em betão convencional por razões de carácter construtivo associadas à estratégia de desvio provisório do rio e por ser nesse bloco que se localiza a descarga de fundo. Esta será a primeira zona da barragem a ser construída e nela ficarão inseridas as aberturas para o desvio do rio e para a instalação da conduta da descarga de fundo e do dispositivo do caudal ecológico. Como aspecto construtivo relevante anota-se que durante a construção da barragem, o caudal do rio passará por três galerias provisórias localizados no bloco E2-E3. Estas galerias, cada uma com secção rectangular, convergente para jusante com altura 5 m e com 2,5 m de lado a montante e 2,15 m de lado a jusante. Na fase final da construção da barragem serão obturados definitivamente por betonagem,

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complementada por injecções de ligação nas suas superfícies periféricas delimitadas por lâminas de estanqueidade. O faseamento construtivo definido permite que a montagem da membrana de impermeabilização de montante se inicie antes da 2ª fase de execução da barragem na margem direita e o início dos betões convencionais da crista do descarregador de superfície nos blocos galgáveis executados na 1ª fase. Com a conclusão da montagem da membrana de impermeabilização no corpo da barragem executado em 2ª fase, cuja data coincide com a conclusão dos betões convencionais da crista do descarregador de superfície e do viaduto, poder-se-á dar início ao enchimento da albufeira que está condicionado à submersão de uma ponte a montante da barragem que faz a ligação entra as duas margens. O enchimento da albufeira é uma condicionante de relevo por ter uma duração não inferior a dois períodos hidrológicos. O projecto não prevê o recurso a qualquer refrigeração do BCC quer na fase de fabrico e colocação em obra como pré-refrigeracão, quer na fase de hidratação do betão como pós-refrigeração, tendo-se especificado que o processamento / armazenamento dos agregados, que representam mais de 75% do volume de betão, seja realizado nos períodos de Outono/ Inverno e mantidos no estado de humidade SSS (Saturado com a Superfície Seca) em pilhas com protecção térmica. 4. ESTUDOS TÉRMICOS 4.1. Descrição e formulação do problema O processo de construção da barragem origina variações de temperatura na massa de betão que devem ser controladas a fim de evitar a ocorrência de fissuração que comprometa o comportamento estrutural da obra. Essas variações provêm da geração de calor associada às reacções de hidratação do cimento e às trocas de calor com o exterior, e dependem essencialmente das condições ambientais, das propriedades dos materiais e do ritmo de construção. A geração de calor no betão depende das características do ligante utilizado (finura, percentagem de cinzas, etc.) e da sua dosagem, e ainda da relação água/cimento. O ritmo de arrefecimento do betão depende essencialmente da relação área exposta/volume de betão e das diferenças de temperatura com o ambiente. O ritmo de colocação é também determinante para a obtenção de uma boa ligação entre camadas. O tempo que separa os instantes de fim de colocação de uma camada e o momento de colocação da seguinte deverá ser o mínimo possível. No entanto, daqui resulta um aprisionamento de calor que contribui para o aumento da temperatura no interior da estrutura e para a instalação de gradientes térmicos que podem provocar fendilhação e a instalação de tensões residuais significativas na massa de betão. Além disso, a relação área exposta/volume das camadas das barragens de BCC, muito maior do que a das camadas das barragens de betão convencional, faz com que durante o Verão, o BCC possa absorver mais calor do ambiente. Estes factos justificam a necessidade de se definir um programa de construção detalhado e realista que deverá atender fundamentalmente à dosagem do betão em ligante, à época do ano e ao ritmo de colocação do betão. Este programa deve ser validado por uma análise térmica e estrutural que considere os seguintes principais factores:

− a evolução da colocação de betão ao longo do tempo; − a evolução das propriedades do betão com a idade; − as acções do peso próprio e das condições ambientais;

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− a condução de calor através do betão e as trocas de calor, por convecção e radiação nas fronteiras.

4.2. Propriedades dos materiais Para efeitos de análise estrutural e tendo em atenção que a profundidade da fundação estará localizada na zona geotécnica ZG2 e ainda que, a fundação será objecto de um tratamento de consolidação e de impermeabilização, considerou-se admissível assimilar o maciço de fundação a um meio homogéneo e isotrópico. As propriedades mecânicas da fundação que foram assumidas, tiveram por base os resultados dos ensaios de caracterização, enquanto a parametrização das propriedades térmicas se basearam em valores adoptados em projectos semelhantes, para o tipo de maciço correspondente. Do mesmo modo, as propriedades mecânicas e físicas do BCC também resultaram da experiência adquirida em projectos semelhantes, nomeadamente, de estudos de caracterização de BCC realizados em laboratório com constituintes (ligante, agregados e retardador de presa) idênticos aos previstos neste projecto. Os valores considerados estão indicados no Quadro 2.

Quadro 2 – Propriedades da rocha de fundação da barragem

Propriedades Rocha de Fundação Betão compactado com cilindro (BCC)

Massa volúmica 2600,0 kg.m-3 2300 kg.m-3 Módulo de elasticidade (acções estáticas) 8 GPa 20 GPa Coeficiente de Poisson (acções estáticas) 0.20 0.20 Coeficiente de Poisson (acções dinâmicas) - 0.18 Coeficiente de dilatação térmica linear 10-5/ºC 10-5/ºC Calor específico 920 J/kgºC 920 J/kgºC Condutibilidade térmica 4,6 W/(ºC.m) 2,32 W/(ºC.m) Resistência média à compressão σc - 20 MPa Resistência média à tracção σt - 2.0 MPa

O calor de hidratação da pasta de ligante corresponde igualmente aos resultados obtidos dos estudos anteriores. Admitiu-se a relação entre o calor libertado Q(t) com a hidratação do ligante e o tempo de cura do tipo (Silveira, A. F., 1961):

( ) ( ) ( )tt e1 Be1A tQ βα −− −+−= em que A, B, α e β tomam os valores apresentados no Quadro 3.

Quadro 3 - Parâmetros da curva de libertação do calor de hidratação do ligante A (kcal/m3) B (kcal/m3) α (dias-1) β (dias-1) 24,71836 40,09613 0,066564 1,199693

Na Figura 5 estão representadas as curvas de evolução adiabática do calor de hidratação do ligante Q(t) e da temperatura �(t) da mistura estudada (concentração de ligante de 180 kg/m3), no instante t.

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Figura 5. Curva de libertação do calor de hidratação q(t) e temperatura �(t) para a mistura estudada

4.3. Hipóteses de cálculo As hipóteses de cálculo adoptadas para ter em conta o programa de construção, propriedades dos materiais, acções ambientais e disposições construtivas foram as seguintes:

− O ritmo de colocação a considerar nos modelos de cálculo corresponde a um plano de betonagem definido de acordo com uma limitação horária de colocação de betão de cerca de 300 m3 e períodos de trabalho de 16 horas, 6 dias por semana;

− Consideraram-se os efeitos de fluência do betão; − O historial de temperaturas dos aparelhos de Recolha Automática de Dados (RAD) instalados

em barragens próximas permitiu considerar-se a variação diária da temperatura do ar; − A temperatura de colocação das camadas foi considerada igual à temperatura do ar no instante

da colocação; − Consideraram-se as trocas de calor por convecção nas superfícies expostas; − O efeito da cofragem foi simulado através da redução do coeficiente de convecção na

definição das condições de fronteira dos elementos correspondentes às camadas recém-colocadas; assumiu-se que a cofragem seria removida dois dias após a betonagem;

− Na resolução do problema de condução de calor adoptaram-se tempos de integração de 0,1 dia;

− Apesar de estar prevista a utilização BCC-EC junto aos paramentos de montante e de jusante, nos estudos térmicos realizados, considerou-se que toda a secção era constituída pelo material BCC;

− Não se considerou a camada de betão convencional no contacto com a fundação nem a zona em betão convencional do bloco E3-E4; considerou-se apenas a colocação de BCC na cota e data definidas, tomando como fundação o maciço rochoso;

− Os efeitos da insolação não foram considerados uma vez que se previa a adopção de práticas em obra para a minimização dos seus efeitos no estado térmico da barragem.

Apesar da análise térmica ter sido prolongada até sete anos após o início da construção, o estudo não teve em conta o arrefecimento acelerado provocado pelo contacto da água da albufeira na época em que se efectua o enchimento. 4.4. Modelos O cálculo foi conduzido em duas fases: na primeira fase resolveu-se o problema térmico, obtendo a evolução do campo de temperaturas na barragem; na segunda fase resolveu-se o problema mecânico de modo a determinar o campo de tensões a partir dos resultados fornecidos pela análise térmica, considerando a sobreposição das tensões originadas pelo peso próprio, pelos gradientes térmicos e pela deformação de fluência.

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A caracterização do campo térmico do betão durante a construção foi obtida para secções transversais planas da barragem representativas de cada uma das fases de construção descritas no Ponto 3.3. Para tal realizaram-se estudos em modelos bidimensionais, analisados em regime transitório e calculados pelo método dos elementos finitos recorrendo ao software Ansys®.

Figura 6 - Malha de elementos finitos

4.5. Resultados dos cálculos efectuados Os estudos térmicos da barragem basearam-se em análises de condução de calor e na determinação em diversos pontos da barragem da evolução do seu estado de tensão e das condições de segurança em relação à rotura com base em modelos numéricos. Anota-se que, no âmbito de uma usual colaboração do LNEC com a EDP Produção, em análises estruturais específicas de projectos de barragens, foi solicitado àquela entidade um estudo análogo ao desenvolvido pela EDP Produção, o que permitiu também validar os métodos utilizados e os cálculos realizados. Na Figura 7 está representada a evolução da temperatura em pontos equidistantes dos paramentos a duas cotas (158 e 203, aproximadamente), em cada uma das secções transversais. A análise da evolução destas temperaturas, indica que levaria mais de 7 anos para que se dissipasse toda a temperatura gerada durante o processo de construção, sem ter em conta os efeitos da subida do nível da água da albufeira. É também de realçar a influência da data de colocação de betão na evolução do campo térmico das duas secções da barragem. Tal como esperado, devido à colocação do BCC em período mais quente, as temperaturas no corpo da barragem e gradientes térmicos superficiais mais elevados foram obtidos para a secção correspondente à margem direita. Nos blocos desta margem, o corpo da barragem durante o primeiro Inverno encontra-se ainda a temperaturas elevadas, com máximos que ultrapassam os 45°C, criando um gradiente elevado em relação às temperaturas dos paramentos, o que propicia o aparecimento de fissuras. Na Figura 8 representam-se os estados térmicos nos instantes correspondentes a dez dias após a colocação da última camada de cada fase, em cada uma das secções analisadas. Nesta figura são visíveis os gradientes térmicos em idades aproximadamente idênticas de cada secção analisada. Com base nos resultados dos estudos térmicos procedeu-se à análise das tensões no betão que foi efectuada de modo a averiguar o potencial de formação de fissuras de origem térmica, em planos transversais e longitudinais da barragem. No paramento de montante da barragem estimaram-se valores de tensões de tracção de próximos da ruptura, em idade jovem do betão, com cerca de 0,15 MPa (98%) aos 3 dias de idade. Os valores

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máximos de tracção obtidos foram em geral da ordem de 0,4 MPa entre os 7 e 28 dias de idade do betão, em pontos localizados a menos de 0,5 m da superfície do paramento de montante.

Figura 7 - Evolução das temperaturas nos pontos do núcleo das secções transversais

Figura 8 - Campo térmico nos perfis transversais E3 e D2, 10 dias após a colocação da última camada de betão

No paramento de jusante, devido ao estado de compressão mais baixo deste em relação ao de montante as tensões principais máximas atingem valores elevados, superiores a 1,5 MPa (tracção) o que indicia a possibilidade de ocorrência de fissuração. Este estado de tensão é contudo superficial e não apresenta condições de progressão no tempo. Na Figura 9 representa-se a sua distribuição em diferentes instantes, verificando-se o efeito de compressão dos paramentos devido ao arrefecimento do núcleo, na redução da intensidade dos valores de tracção. Por este motivo, considera-se que na situação estudada a possibilidade de ocorrência de fissuração no paramento de jusante é pontual e tem tendência a fechar com o tempo, não sendo por isso crítica do ponto de vista da estabilidade.

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Temperatura [C]

Anos

D2 158.3

D2 203.3

E3 158.2

E3 203.21

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Figura 9 - Variação em altura das tensões principais �1 junto ao paramento de jusante

5. CONCLUSÕES O betão compactado com cilindro tem como principal vantagem a redução de prazos de construção de uma barragem, mas tal exige que na fase de projecto se tenha em consideração o controlo adequado de todo o processo construtivo, assim como se proceda à aferição antecipada das propriedades dos materiais e à validação das estratégias adoptadas recorrendo a modelos numéricos As propriedades dos materiais devem ser avaliadas com base em estudos laboratoriais de misturas de BCC utilizando constituintes (agregados e ligantes) previamente caracterizados na fase de inicial dos estudos, o que permite obter os dados de parametrização necessária aos estudos térmicos e tensionais que validarão a solução de projecto. Salienta-se assim, a sensibilidade dos resultados dos estudos térmicos e tensionais à real programação que uma obra desta natureza possa sofrer em fase construtiva. Releva-se ainda a adopção de medidas de minimização de riscos estruturais, durabilidade e de garantia de impermeabilidade, para atender aos condicionamentos relacionados com as características da fundação e com os resultados dos estudos térmicos e tensionais. Destas medidas, e para o caso analisado, salientam-se a redução da inclinação do paramento de jusante, a adopção de uma ligeira curvatura da barragem, a incorporação de caixotões de embricamento nas juntas transversais e a adopção de uma membrana de impermeabilização no paramento de montante.

REFERÊNCIAS

[1] EDP 2011, Documentos internos da EDP - Gestão da Produção (Projecto de Barragem em BCC).

[2] NPB (1993), Normas de Projecto de Barragens. Portaria nº 846/93, de 10 de Setembro, Lisboa.

[3] RSB (2007), Regulamento de Segurança de Barragens, Decreto-Lei n.º 344/2007 de 15 de Outubro, Lisboa.

[4] Silveira, A.F. (1961). As variações de temperatura nas barragens. LNEC, Memória nº 177, Lisboa.

[5] Tatro, S., and Schrader, Ernest K. (1992). Thermal Analysis for RCC—A practical approach. Roller-Compacted Concrete III, American Society of Civil Engineers, New York, pp. 389–406.