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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012 Metodologia de simulação para a avaliação probabilística da segurança sísmica de edifícios em betão armado Mário Marques 1 Raimundo Delgado 2 RESUMO A comunidade científica tem-se preocupado nos últimos anos com a caracterização da vulnerabilidade sísmica das estruturas, recorrendo para isso a procedimentos probabilísticos ou a métodos preconizados nos regulamentos de Engenharia Civil. No entanto, apesar dos actuais códigos admitirem a avaliação estrutural através de critérios de desempenho (que devem ser validados a ambos os níveis local e global), existe a preocupação constante por definir uma estratégia capaz de, através de um único parâmetro, revelar se uma estrutura está ou não em segurança relativamente à acção sísmica. Assim, uma abordagem probabilística será uma alternativa adequada uma vez que permite o cálculo de uma probabilidade de ruína, que poderá ser definida por elemento estrutural ou para a estrutura. Neste sentido têm sido desenvolvidas e apresentadas diversas metodologias para a avaliação da segurança sísmica das estruturas. Estes procedimentos podem variar consideravelmente no nível de conhecimento da estrutura que é necessário ter, distinguindo-se também em metodologias mais completas ou simplificadas, e por conseguinte envolvendo diferentes compromissos entre complexidade e precisão nestas técnicas. A probabilidade de ruína é calculada a partir da convolução das funções que caracterizam a exigência da acção sobre a estrutura e a resistência estrutural. Apesar de as diferentes propostas partilharem em comum este ponto, existem diferenças importantes nomeadamente na inclusão da incerteza existente nos vários momentos da análise, em particular a incerteza na acção sísmica e nas propriedades dos materiais. Neste trabalho é apresentado um procedimento que inclui o método de simulação do Hipercubo Latino (HCL), envolvendo as principais origens de incerteza de um problema estrutural, quer do lado da exigência quer do lado da capacidade resistente. De facto a consideração do método do HCL permitirá 1 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Departamento de Engenharia Civil, Porto, Portugal. [email protected] 2 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Departamento de Engenharia Civil, Porto, Portugal. [email protected]

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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012

Metodologia de simulação para a avaliação probabilística da segurança sísmica de edifícios em betão armado

Mário

Marques1 Raimundo Delgado2

RESUMO

A comunidade científica tem-se preocupado nos últimos anos com a caracterização da vulnerabilidade sísmica das estruturas, recorrendo para isso a procedimentos probabilísticos ou a métodos preconizados nos regulamentos de Engenharia Civil.

No entanto, apesar dos actuais códigos admitirem a avaliação estrutural através de critérios de desempenho (que devem ser validados a ambos os níveis local e global), existe a preocupação constante por definir uma estratégia capaz de, através de um único parâmetro, revelar se uma estrutura está ou não em segurança relativamente à acção sísmica. Assim, uma abordagem probabilística será uma alternativa adequada uma vez que permite o cálculo de uma probabilidade de ruína, que poderá ser definida por elemento estrutural ou para a estrutura.

Neste sentido têm sido desenvolvidas e apresentadas diversas metodologias para a avaliação da segurança sísmica das estruturas. Estes procedimentos podem variar consideravelmente no nível de conhecimento da estrutura que é necessário ter, distinguindo-se também em metodologias mais completas ou simplificadas, e por conseguinte envolvendo diferentes compromissos entre complexidade e precisão nestas técnicas.

A probabilidade de ruína é calculada a partir da convolução das funções que caracterizam a exigência da acção sobre a estrutura e a resistência estrutural. Apesar de as diferentes propostas partilharem em comum este ponto, existem diferenças importantes nomeadamente na inclusão da incerteza existente nos vários momentos da análise, em particular a incerteza na acção sísmica e nas propriedades dos materiais.

Neste trabalho é apresentado um procedimento que inclui o método de simulação do Hipercubo Latino (HCL), envolvendo as principais origens de incerteza de um problema estrutural, quer do lado da exigência quer do lado da capacidade resistente. De facto a consideração do método do HCL permitirá

1 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Departamento de Engenharia Civil, Porto, Portugal.

[email protected] 2 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Departamento de Engenharia Civil, Porto, Portugal. [email protected]

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Metodologia de simulação para a avaliação probabilística da segurança sísmica de edifícios em betão armado

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aferir quanto à importância da variabilidade material e da acção. A probabilidade de ruína é aqui definida como a região dos pontos onde a capacidade é inferior à exigência da acção sobre a estrutura, designada por região de colapso.

O comportamento estrutural face à acção dos sismos é avaliado através de análises não lineares estáticas (análises pushover), usando como referência a resposta obtida através de análises não lineares dinâmicas. Será utilizado como caso de estudo um modelo bidimensional de um edifício em betão armado. O confronto entre os dois tipos de análise permitirá validar a utilização de análises pushover numa metodologia de avaliação probabilística da segurança sísmica. Palavras-chave: Probabilidade de ruína, edifícios em betão armado, avaliação da vulnerabilidade sísmica, análises pushover, análises dinâmicas 1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos a avaliação da resposta das estruturas à acção dos sismos tem sido alvo de particular interesse e preocupação pela comunidade científica, particularmente devido aos efeitos desta acção no património edificado existente e às respectivas perdas económicas e humanas. Neste sentido, têm surgido diferentes abordagens e procedimentos de análise capazes de aferir quanto ao esperado desempenho sísmico das estruturas. Estas análises envolvem diferentes considerações para a modelação da resposta e da exigência da acção, conduzindo a níveis de precisão e complexidade consideravelmente distintos. Neste contexto, as metodologias de avaliação da vulnerabilidade sísmica de estruturas surgem como ferramentas importantes para caracterizar a segurança a estas acções [1-3]. Contudo, é através do contributo de trabalhos experimentais que são identificadas e, até, quantificadas algumas das principais variáveis intervenientes no problema do comportamento sísmico de estruturas, quer a um nível local (nos elementos) quer a um nível global (na estrutura). O problema da segurança sísmica de estruturas é caracterizado a partir da descrição da capacidade estrutural e da exigência da acção, em especial através da distribuição do dano pelos elementos resistentes. No entanto, apesar da avaliação do comportamento sísmico de estruturas poder ser reduzida à caracterização das variáveis capacidade e exigência, são vários os aspectos a ter em consideração, dos quais o mais importante corresponde ao grau de incerteza e de dispersão envolvidos. Apesar de frequentemente estas variáveis serem consideradas nas análises da vulnerabilidade sísmica de estruturas como determinísticas, tem vindo a ser realçada em alguns estudos a importância da dispersão. Por conseguinte, é notória a preponderância de um estudo que se debruce sobre a variabilidade presente nas referidas variáveis, assim como na influência do carácter não-determinístico da capacidade e exigência da acção na análise do comportamento sísmico das estruturas, que poderão ser considerações decisivas para a definição do estado de vulnerabilidade estrutural. A incerteza presente na caracterização da segurança sísmica é considerada neste trabalho do lado da capacidade e da acção. No que diz respeito à capacidade estrutural considera-se a influência da incerteza das propriedades dos materiais, ao passo que na acção sísmica é considerada a dispersão na definição da base de sismos e na intensidade da acção. Procura-se assim identificar qual a real influência de assumir um carácter aleatório e probabilístico na análise É seguido um procedimento estocástico para ter em conta a aleatoriedade das variáveis do problema, utilizando o método de simulação Hipercubo Latino [4] para geração de uma amostra aleatória, com base em distribuições estatísticas das variáveis intervenientes.

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Ferry Borges e Castanheta [5] foram os responsáveis pelos primeiros estudos em Portugal sobre o tema da fiabilidade e avaliação da segurança estrutural, introduzindo pela primeira vez o conceito de risco estrutural. Este conceito consiste na ideia de que a estrutura, ao longo do seu período de vida, poderá assumir estados de dano desfavoráveis, num determinado intervalo de valores de probabilidade de ruína. A probabilidade de ruína é um índice que reflecte a capacidade de resposta das estruturas sujeitas a uma acção sísmica. Este indicador poderá ser definido de um modo global, caso diga respeito à vulnerabilidade da estrutura, ou local, caso corresponda à probabilidade de ruína de um elemento estrutural. As metodologias de fiabilidade correntes para a avaliação da vulnerabilidade de estruturas utilizam frequentemente análises não lineares dinâmicas para determinar a resposta estrutural. Pese embora as vantagens na utilização de análises no domínio do tempo, nomeadamente na melhor representação das condições reais e do comportamento das estruturas, poderão surgir dificuldades intrínsecas à sua aplicação, determinantes para a menor qualidade dos resultados das análises probabilísticas da segurança sísmica de estruturas. As dificuldades referidas estão associadas à definição da acção sísmica, nomeadamente na selecção de um conjunto de acelerogramas representativos da região sísmica em que se insere a estrutura. Simultaneamente aspectos como a definição dos parâmetros da análise e o tempo de cálculo elevado são factores que restringem a generalização da aplicação das análises dinâmicas. O primeiro objectivo deste estudo passa por estabelecer uma metodologia probabilística para avaliar o comportamento sísmico das estruturas, particularmente para edifícios, cuja proposta deverá ser simples e assegurar a precisão na identificação da vulnerabilidade estrutural. A metodologia que é aqui proposta como se viu deriva da formulação clássica da fiabilidade estrutural, vindo a probabilidade de ruína calculada a partir da convolução das variáveis capacidade (C) e exigência sísmica (D). A utilização de análises não lineares pushover para estimar a resposta das estruturas é também avaliada neste trabalho, determinando-se se serão procedimentos válidos a incluir numa metodologia probabilística de avaliação da segurança sísmica de estruturas. Este aspecto inovador poderá ser fundamental no sentido em que alia a simplicidade e precisão das análises pushover a um método de obtenção da probabilidade de colapso. Os procedimentos de análise não linear pushover têm sido estudados e propostos nos últimos anos, com vista a estabelecerem-se como alternativas às análises dinâmicas [6, 7]. Através destas técnicas o comportamento das estruturas pode ser avaliado do ponto de vista da capacidade e do desempenho a uma acção sísmica. Na primeira situação salientam-se as análises pushover adaptativas e convencionais que, respectivamente, consideram ou não a importância dos modos de vibração superiores ao longo da análise, devido à degradação da rigidez e da resistência estrutural. Na segunda abordagem deve ser realçada a influência da definição da acção sísmica, introduzida através de um espectro de resposta, e dos factores de redução espectral, com vista à consideração da dissipação de energia histerética associada à natureza cíclica da acção, mas que não é tida em conta quando aplicado o carregamento lateral nas análises pushover. Compreende-se assim a importância do estudo proposto com vista a validar a utilização das anteriormente referidas análises não lineares estáticas, inseridas numa metodologia probabilística de avaliação da segurança sísmica de edifícios. No sentido de atingir este objectivo, serão comparadas as probabilidades de ruína obtidas através de análises pushover e dinâmicas. Nestas análises será incluído o carácter não determinístico das variáveis capacidade e exigência da acção por um procedimento estocástico.

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2. METODOLOGIA PROBABILÍSTICA DE AVALIAÇÃO DA SEGURANÇA SÍSMICA 2.1 Introdução A avaliação e dimensionamento sísmico de construções novas ou existentes é habitualmente, em particular em ambiente de projecto de estruturas, efectuada através de métodos lineares simplificados, desprezando os efeitos dinâmicos característicos da acção sísmica. De facto, não considerar nas análises sísmicas o comportamento histerético das estruturas significa que não é tido em conta o mecanismo de dissipação mais importante nas estruturas sujeitas a esta acção, principalmente em regime de deformações mais elevadas, o que conduz a resultados afastados da realidade na generalidade das situações. Este desvio poderá ainda ser amplificado caso não seja considerada a não linearidade material. Assim, e em linha com o referido na anterior secção, será fundamental a definição de uma metodologia de avaliação da vulnerabilidade sísmica capaz de reproduzir os fenómenos dinâmicos e as suas implicações na exigência da acção e na capacidade estrutural, assim como a ductilidade disponível dos elementos. Apesar de ser procurada uma metodologia robusta e que considere os aspectos referidos, deverá ser igualmente capaz de ser simples na sua formulação e aplicação, de modo a assegurar um equilíbrio óptimo entre precisão e complexidade. A metodologia proposta utiliza os conceitos teóricos das abordagens semi-probabilísticas [8], nas quais a vulnerabilidade é introduzida como uma margem de segurança (M) e que está implícita nos critérios de dimensionamento regulamentares, Eq. (1).

DCM −= (1) Neste método é necessário caracterizar convenientemente a distribuição estatística de ambas as variáveis como forma de evitar a inclusão de incerteza epistémica, que afecta o cálculo da probabilidade de ruina e por conseguinte conduz a uma avaliação errada da vulnerabilidade estrutural. 2.2 Formulação da metodologia probabilística A presente proposta de metodologia de avaliação sísmica assenta na definição do estado limite de dano, LS, correspondente ao colapso estrutural. Este estado limite corresponde à fronteira entre a capacidade (C) e a exigência da acção (D), tal como representado na Fig. 1.

Figura 1. Problema de fiabilidade estrutural [9].

Na figura anterior estão definidos os três possíveis domínios de segurança do problema de fiabilidade [5]: região de segurança (C-D<0), região de insegurança (C-D>0) e a fronteira do estado limite de colapso estrutural (C-D=0). Estas regiões determinam a condição de vulnerabilidade da estrutura e são dependentes de diversas variáveis aleatórias (Xi) que por sua vez influenciam a capacidade e a exigência da acção.

C – D < 0 C – D = 0

C – D > 0

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Por consequência, a probabilidade de atingir o estado limite de colapso, PLS, designada por probabilidade de ruína, Pf, corresponde ao conjunto de pontos onde a exigência da acção sísmica é superior à capacidade estrutural, o que significa uma margem de segurança negativa, Eq. (2).

[ ] fLS PDCPP =<= (2)

A equação anterior pode ser rearranjada resultando a Eq. (3). [ ] fLS PDCPP =<−= 0 (3)

Em que C e D são variáveis continuas e aleatórias, às quais está associada uma função densidade de probabilidade fx(C,D). Esta função representa cada uma das elipses de igual probabilidade presentes na Fig. 1, sendo possível reescrever a expressão da probabilidade de ruina para cada elemento estrutural, Eq. 4.

∫≤−=

=

0)(

).(DCXg

Xf dxxfP (4)

Em que X representa um conjunto de variáveis aleatórias xi; g(X) a função que define o estado limite correspondente a um específico mecanismo de colapso; e fx(X) a função densidade de probabilidade do vector X. O vector de variáveis aleatórias é definido pelas propriedades e parâmetros que determinam a incerteza envolvida na definição do mecanismo de colapso, a acção sísmica, as propriedades dos materiais e a geometria da estrutura. Assim, esta metodologia probabilística de avaliação da segurança sísmica é baseada na seguinte equação, que é obtida a partir da Eq. (4).

[ ] )0(0)( gf FXgPP =≤= (5)

A Eq. (5) corresponde à probabilidade da função g(X) se situar no domínio de insegurança, em que Fg(0) é a função de distribuição acumulada de g(X), avaliada na fronteira do estado limite (X=0). 2.3 Capacidade estrutural Esta variável aleatória reflecte a resistência da estrutura e é fundamentalmente, mas não em exclusivo, dependente das propriedades mecânicas dos materiais e a inerente incerteza está presente nas dimensões dos elementos, na quantidade e disposição das armaduras, e nos efeitos diferenciados no tempo nos materiais e durabilidade. De facto, a incerteza das propriedades mecânicas dos materiais, de entre o conjunto de parâmetros, é aquela que contribui mais para a variação da resistência estrutural. Diversos estudos têm-se debruçado sobre o nível de variabilidade esperado nas propriedades do aço e betão [10-12] utilizando análises numéricas e testes experimentais, contudo a sua influência no âmbito da avaliação probabilística da segurança sísmica não foi ainda verdadeiramente aferida anteriormente. Estes trabalhos evidenciaram um conjunto de propriedades dos materiais aço e betão que apresentam um carácter não determinístico, nomeadamente a resistência última de compressão do betão (ƒcu), a extensão última de compressão do betão (εcu), a tensão de cedência do aço (ƒsy) e a extensão última do aço (εsy). No presente trabalho a variável capacidade estrutural é definida de acordo com o carácter não determinístico das anteriores propriedades dos materiais, assumindo-se os valores de coeficiente de variação (CoV) indicados no Quadro 1.

Quadro 1. Incerteza associada às propriedades dos materiais.

ƒcu εcu ƒsy εsy CoV (%) 18.0 35.0 6.0 9.0

Os valores presentes no Quadro 1 são sugeridos na bibliografia supracitada, assim como a distribuição estatística que caracteriza estas propriedades, que é sugerida como uma lei de distribuição Normal.

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É seguido um procedimento numérico para determinar a capacidade de cada elemento estrutural, impondo incrementos sucessivos de curvaturas em cada extremidade (que corresponderá à zona onde é esperada a potencial formação de rótula plástica). O parâmetro de resposta utilizado neste trabalho para representar a capacidade estrutural é a ductilidade em curvaturas. 2.4 Exigência sísmica Para além da capacidade estrutural, a exigência da acção sísmica é a outra variável aleatória do problema da fiabilidade estrutural. Num contexto de avaliação sísmica a exigência da acção reflecte a resposta das estruturas a uma acção sísmica provável de ocorrer na região em que se insere a estrutura. Neste sentido, a definição da acção sísmica deve ser consistente com as características sismogénicas da região. Usualmente esta é admitida através de uma curva de Hazard que relaciona a probabilidade de excedência de determinado evento sísmico num intervalo de tempo (período de retorno), com uma medida da intensidade sísmica (PGA). Esta informação é crucial para objectivos de dimensionamento e avaliação. Alternativamente, a probabilidade de ocorrência da acção sísmica pode ser modelada utilizando uma função de distribuição que relaciona esta probabilidade com uma medida de intensidade sísmica. Na literatura esta função é atribuída a uma lei de Gumbel (que é também utilizada para modelar fenómenos meteorológicos ou cheias), caracterizada pelos parâmetros de localização (valor médio) e de escala (β). Neste estudo, os parâmetros da lei de distribuição de Gumbel são definidos para corresponderem à probabilidade de ocorrência expectável para a região tectónica de Lisboa. Por conseguinte, a exigência da acção sísmica na estrutura é caracterizada através de um parâmetro de resposta, que poderá representar o comportamento em termos de deformações, acelerações, ou outras quantidades obtidas a partir de análises da estrutura sujeita à acção sísmica. Neste estudo considera-se como parâmetro de resposta as ductilidades exigidas avaliadas em curvaturas das secções extremas (rótulas plásticas) das vigas e pilares. 2.5 Procedimento estocástico para estimar a probabilidade de ruína Tendo em mente a definição de uma estratégia para a avaliação probabilística da vulnerabilidade sísmica de estruturas que envolva a incerteza inerente às propriedades dos materiais, assim como à selecção e intensidade sísmica, é introduzido um procedimento estocástico. Esta abordagem engloba a aplicação do método de simulação do Hipercubo Latino (LH) para a geração de uma amostra das variáveis aleatórias capacidade e exigência da acção sísmica. São considerados um total de 7 parâmetros aleatoriamente seleccionados, compreendendo 4 propriedades dos materiais (ƒcu, εcu, ƒsy and εsy) e duas características da acção sísmica (acelerogramas e intensidades de pico) O resultado desta abordagem corresponde à distribuição de valores de ductilidades disponíveis (µC) e exigidas (µD), que traduzem o desempenho sísmico das estruturas, em cada simulação. Os primeiros são calculados procedendo a n simulações das propriedades dos materiais seguindo o procedimento já detalhado na secção 2.2, para avaliação da capacidade de cada secção estrutural, e que está representado na Fig. 2. As ductilidades exigidas (µD), por sua vez, resultam da resposta da estrutura a uma acção sísmica imposta (utilizando análises não lineares dinâmicas e pushover), incluindo nas análises 7 parâmetros aleatórios. Aqui, são aplicadas n análises pushover e dinâmicas, obtendo-se as ductilidades exigidas em todas as secções das extremidades de cada elemento estrutural, Fig. 3.

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Figura 2. Procedimento numérico para avaliação da ductilidade disponível de um elemento.

Figura 3. Procedimento numérico para avaliação da ductilidade exigida de cada elemento.

A vulnerabilidade estrutural é expressa a partir de uma margem de segurança e vem calculada de acordo com a Eq. 1. Ao conjunto de valores de margem de segurança (um por cada simulação pelo Método do Hipercubo Latino) é ajustada uma distribuição de acordo com a máxima semelhança, admitindo-se uma lei Normal ou de Gumbel. Em seguida, a probabilidade de ruina é obtida utilizando a equação do problema da fiabilidade estrutural, Eq. 6. Na Fig. 4 está representado este procedimento.

Figura 4. Ajuste de uma lei de distribuição estatística aos resultados de margem de segurança e cálculo da

probabilidade de ruina. O resultado final deste procedimento, um valor de probabilidade de ruina, é amplamente dependente da qualidade do ajuste da lei de distribuição. Tendo em vista este objectivo foram seguidas duas abordagens alternativas no sentido de identificar a lei de distribuição, estatisticamente significativa, que melhor se ajusta aos pontos de margem de segurança: utilizando 3 testes de hipóteses robustos (Kolmogorov-Smirnov, Anderson-Darling e Cramér-von-Mises) e uma análise gráfica através de gráficos de probabilidade. Este procedimento é aplicado a cada secção responsável pelo mecanismo de colapso da estrutura, que por sua vez, é identificado por uma análise não linear pushover inicial. A probabilidade de ruína global da estrutura é avaliada considerando um sistema em série em que os elementos estão totalmente correlacionados.

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3. CASO DE ESTUDO 3.1 Modelo estrutural É considerado como modelo estrutural para estudo e validação da metodologia proposta, um pórtico bidimensional de uma estrutura real em betão armado, localizada em Itália e representativa da construção Europeia anterior à regulamentação sísmica (apenas foi tido em consideração o dimensionamento às acções gravíticas). Este modelo, designado de mod4, consiste num pórtico de três pisos, assimétrico, sem paredes de alvenaria, com uma altura total de 9.05 m, e três vãos de 4.05 m, 3.0 m e 3.5 m cada, Fig. 5.

Figura 5. Modelo estrutural mod4.

Consideraram-se 5 secções transversais distintas para os elementos verticais (pilares), divergindo na disposição das armaduras longitudinais e nas dimensões. Após um estudo de sensibilidade inicial, admitiu-se uma única secção para as vigas da estrutura. A massa encontra-se distribuída pelos nós viga- pilar da estrutura. Refira-se ainda que foi considerado um coeficiente de amortecimento elástico de 2% em todas as análises, assim como admitida uma ligação rígida entre o solo e a estrutura. 3.2 Base sísmica O conjunto de eventos sísmicos considerados nas análises não lineares é definido por uma base de dez sismos seleccionados a partir de eventos reais, escalados para um espectro de resposta regulamentar [13] de probabilidade de excedência de 10% em 50 anos (período de retorno de 475 anos). Foram considerados 6 níveis de intensidades, linearmente proporcionais dos eventos originais, através dos factores 0.25, 0.5, 0.75, 1.0, 1.25 e 1.5, de modo a permitir identificar a evolução do comportamento estrutural em incursões não lineares. Os eventos foram seleccionados a partir de sismos reais da Califórnia com um intervalo de magnitudes entre 6.7 – 7.3 em solo firme e para distâncias epicentrais entre 13 – 30 km. A duração significativa [14] varia entre 5 e 25 segundos, enquanto que a intensidade original (factor igual a 1) em acelerações de pico (PGA) varia entre 0.23 e 0.99g, que corresponde a uma intensidade mínima efectiva de 0.05g (para o nível de intensidade 0.25) e máxima de 1.5g. Utilizou-se nas análises não lineares pushover o espectro de resposta mediano dos dez eventos sísmicos. Por fim menciona-se que as análises foram efectuadas no software de cálculo PNL, que considera a modelação da não linearidade concentrada nas extremidades dos elementos (rótulas plásticas). 4. RESULTADOS E CONCLUSÕES O desempenho sísmico da estrutura é avaliado a partir da aplicação do método N2 na sua formulação inicial [15], que é também preconizado pelo Eurocódigo 8. Este método pressupõe a definição de uma curva de capacidade estrutural obtida pela aplicação de um análise pushover convencional, cujo perfil de carga, em altura, é invariável e pode assumir a forma proporcional ao modo de vibração fundamental, uniforme ou triangular. Neste estudo considerou-se um perfil modal de carregamento tendo em conta os resultados obtidos no estudo de Marques, M. e Delgado, R. [16]. Efectuou-se um estudo preliminar no sentido de identificar a correspondência entre as análises não lineares pushover e dinâmica no âmbito do cálculo da probabilidade de ruina das secções. Esta

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comparação foi inicialmente efectuada à definição da exigência da acção nos elementos estruturais, através dos resultados de ductilidades exigidas (µD), que são comparados com a capacidade (µC) na Fig. 6.

Figura 6. Ductilidades disponíveis e exigidas a duas secções estruturais (à esquerda para um pilar, à direita para

uma viga). A figura anterior revela que as análises pushover podem ser consideradas como ferramentas válidas para estimar a exigência estrutural. Este surge como um indicador promissor no sentido do objectivo principal deste estudo de utilizar estas análises para avaliar a vulnerabilidade das estruturas de edifícios. As probabilidades de ruína obtidas para as secções críticas correspondentes às rótulas plásticas do mecanismo de colapso da estrutura revelaram, como se mostra na Fig. 7, um comportamento quase sobreposto entre as duas modalidades de análise não linear – pushover e dinâmica, comprovando a constatação inicial presente nos resultados de ductilidades exigidas. As ligeiras diferenças encontradas são contudo no sentido conservativo, valores de probabilidade de ruina superiores, para as análises pushover. A Fig. 7 revela ainda a superior vulnerabilidade no sentido negativo de actuação da acção sísmica, para as secções das vigas (a partir da S24).

Figura 7. Probabilidade de ruína para as secções críticas.

De modo a verificar a vulnerabilidade global da estrutura, a probabilidade de ruina do modelo mod4 foi calculada de acordo com a abordagem referida na secção 2.5. Pese embora ser um procedimento simples, permite identificar a consistência na avaliação da segurança estrutural através dos dois métodos de análise não linear, assim como quantificar através de um único índice a vulnerabilidade do edifício. Portanto, assumindo esta estrutura como um sistema em série e em que os elementos estão

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totalmente correlacionados, o mecanismo de colapso da estrutura será definido assim que se dê a falência da primeira secção. Esta assunção significa que a probabilidade de ruina do modelo mod4 é igual à probabilidade de ruina máxima das várias secções. Assim, obtém-se a probabilidade de ruina de 10-2 captada pelas análises pushover e dinâmica, mantendo a semelhança já detectada nas anteriores avaliações. Como ideia final, refira-se que a proposta de introdução de análises não lineares pushover no processo de avaliação do desempenho estrutural de edifícios sujeitos à acção sísmica mostrou ser uma técnica viável e capaz, face às tradicionais análises dinâmicas. Deve contudo ser seguido um método de definição do desempenho estrutural que represente de modo mais completo a dissipação de energia histerética, contrariamente à formulação inicial do método N2. REFERÊNCIAS [1] Baker, J. W. (2007). Probabilistic structural response assessment using vector valued intensity

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