reparação de vigas de betão armado com...

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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012 Reparação de Vigas de Betão Armado com Argamassas Pré-Doseadas Resende Nsambu 1 Augusto Gomes 2 RESUMO Os elementos de betão armado degradam-se por processos mecânicos, físicos, químicos e devido a acções acidentais, em alguns casos amplificados por defeitos de execução. Actualmente, a maioria das reparações são realizadas com recurso à utilização de argamassas pré-doseadas. Porém, nem sempre são bem conhecidas as propriedades reais destes produtos, nomeadamente no que se refere à retracção, aderência e às suas características de durabilidade. Neste artigo pretende-se apresentar os resultados obtidos numa campanha experimental realizada em onze modelos de viga de betão armado em que se efectuou reparações às nove delas e as restantes duas serviram para estabelecer o termo de comparação. Foram utilizadas três argamassas comercias pré-doseadas e duas argamassas fabricadas em laboratório, sendo uma modificada com uma emulsão polimérica e a outra normal utilizada como referência. Os elementos reparados foram ensaiados à flexão sob carregamento monotónico e cíclico. Foram analisados diversos parâmetros caracterizadores do comportamento das vigas, tais como: ductilidade, resistência, rigidez inicial e secante, abertura de fendas e coeficiente de monolitismo. Palavras-chave: [Reparação, Betão Armado, Vigas, Argamassas Pré-Doseadas] 1. INTRODUÇÃO A reparação das estruturas de betão tem vindo a ganhar um peso cada vez maior no sector da construção civil e das obras públicas, trazendo vantagens económicas e reduzindo o consumo de energia e de materiais. A reparação das estruturas de betão armado tem estado associada ao desenvolvimento de novas técnicas de reabilitação, Varastehpour e Hamelin (1). As argamassas normais e as modificadas com polímeros têm sido utilizadas em reparações localizadas de elementos de betão armado, de tabuleiros de pontes, de estruturas de edificios, e de pavimentos, permitindo restaurar a geometria e a estética, e restabelecer a resistência inicial da estrutura, garantindo ainda a sua durabilidade. 1 Faculdade de Engenharia da Universidade Agostinho Neto, Departamento de Engenharia Civil, Luanda, Angola. [email protected] 2 Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior Técnico, Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos, [email protected]

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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012

Reparação de Vigas de Betão Armado com Argamassas Pré-Doseadas

Resende Nsambu1 Augusto Gomes2 RESUMO Os elementos de betão armado degradam-se por processos mecânicos, físicos, químicos e devido a acções acidentais, em alguns casos amplificados por defeitos de execução. Actualmente, a maioria das reparações são realizadas com recurso à utilização de argamassas pré-doseadas. Porém, nem sempre são bem conhecidas as propriedades reais destes produtos, nomeadamente no que se refere à retracção, aderência e às suas características de durabilidade. Neste artigo pretende-se apresentar os resultados obtidos numa campanha experimental realizada em onze modelos de viga de betão armado em que se efectuou reparações às nove delas e as restantes duas serviram para estabelecer o termo de comparação. Foram utilizadas três argamassas comercias pré-doseadas e duas argamassas fabricadas em laboratório, sendo uma modificada com uma emulsão polimérica e a outra normal utilizada como referência. Os elementos reparados foram ensaiados à flexão sob carregamento monotónico e cíclico. Foram analisados diversos parâmetros caracterizadores do comportamento das vigas, tais como: ductilidade, resistência, rigidez inicial e secante, abertura de fendas e coeficiente de monolitismo. Palavras-chave: [Reparação, Betão Armado, Vigas, Argamassas Pré-Doseadas] 1. INTRODUÇÃO A reparação das estruturas de betão tem vindo a ganhar um peso cada vez maior no sector da construção civil e das obras públicas, trazendo vantagens económicas e reduzindo o consumo de energia e de materiais. A reparação das estruturas de betão armado tem estado associada ao desenvolvimento de novas técnicas de reabilitação, Varastehpour e Hamelin (1). As argamassas normais e as modificadas com polímeros têm sido utilizadas em reparações localizadas de elementos de betão armado, de tabuleiros de pontes, de estruturas de edificios, e de pavimentos, permitindo restaurar a geometria e a estética, e restabelecer a resistência inicial da estrutura, garantindo ainda a sua durabilidade.

1 Faculdade de Engenharia da Universidade Agostinho Neto, Departamento de Engenharia Civil, Luanda, Angola.

[email protected] 2 Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior Técnico, Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e

Georrecursos, [email protected]

Reparação de Vigas de Betão Armado com Argamassas Pré-Doseadas

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1.1 Concepção e Geometria dos modelos de viga Do total dos vinte e nove modelos de viga ensaiados, apresentam-se os resultados obtidos numa campanha experimental realizada em onze vigas de betão armado da primeira betonagem, onde cinco modelos foram ensaiados monotonicamente e os restantes seis ensaiados ciclicamente. A geometria dos modelos de viga utilizados neste trabalho tem sido adoptado por vários autores para estudar a eficácia e o comportamento de vigas reparadas com argamassas com ou sem contaminação, sendo de referir, entre outros, os trabalhos de Emberson e Mays, Nounu e Chaudhary, Souza e Appleton citados por Nsambu (2). No presente trabalho adoptaram-se modelos de viga com 2.25 m de comprimento total com um vão livre de 2.10 m e com uma secção transversal de 0.15 m de largura e 0.20 m de altura. A armadura longitudinal superior é constituída por 2Ø8 e a inferior por 2Ø10 em aço A500 NR. A armadura transversal é formada por varões de 6 mm de diâmetro afastados de 0.15 m no vão central e de 0.10 m nos vãos de corte. As percentagens das armaduras longitudinais de compressão e de tracção são de 0.39% e de 0.62%, respectivamente. Os modelos de viga foram reparados na zona central de flexão, na face inferior ou na face superior em toda a largura da secção. A espessura da argamassa de reparação foi de 0.035 m. Foram realizados reparações com desenvolvimentos, segundo o comprimento das vigas, de 0.70 m e 1.40 m na face inferior e de 0.70 m na face superior. Na ‘Fig.1’apresenta-se a geometria e a distribuição das armaduras dos modelos de viga bem como as zonas onde se aplicaram as reparações que estão assinaladas a tracejado.

0.035

0.035

0.035

2 Ø 8

2 Ø 10

0.70 0.70 0.70

0.700.075 2.10 0.075

Est. Ø 6 // 0.10 Est. Ø 6 // 0.175

2 Ø 10

2 Ø 8

P

Est. Ø 6 // 0.10

2.10

0.70

Est. Ø 6 // 0.10

0.70

0.075

Est. Ø 6 // 0.175

0.70P

0.075

Est. Ø 6 // 0.10

P

P

2 Ø 8

2 Ø 100.15

0.20

0.12

0.17

2 Ø 8

0.20

0.15

Recobrimento : 1.5 cm

0.035

2 Ø 101.40

Figura 1. Modelos de viga - Geometria, distribuição de armaduras e dimensões das zonas reparadas (2).

1.2 Execução dos modelos 1.2.1 Armadura, betonagem e cura Previamente à betonagem dos modelos, as zonas a reparar foram preenchidas com poliestireno expandido. Esta solução permitiu obter a geometria da zona danificada de forma simples sem necessidade de trabalho de remoção de betão e sem introduzir danos nas peças. Foram, ainda, colocados em todos os modelos de viga extensómetros eléctricos de resistência nas armaduras longitudinais inferiores e superiores. As cofragens dos modelos de viga foram dispostas horizontalmente para facilitar a betonagem e o preenchimento dos moldes. O betão foi

Resende Nsambu, Augusto Gomes

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compactado com o auxílio de um vibrador. Após a betonagem efectuou-se durante uma semana uma cura húmida através de rega e protegeram-se as vigas com uma cobertura de plástico. 1.2.2 Preparação da superfície de betão Os trabalhos de reparação das vigas foram iniciados aos oito meses de idade tendo-se começado pela remoção do poliestireno expandido colocado nas zonas a reparar. Para garantir uma melhor aderência entre a argamassa de reparação e o betão de suporte a superfície a reparar deve ficar rugosa e homogénea, retirando-se a camada superficial que resulta da leitada do betão. É recomendada a aplicação de uma argamassa de aderência no substrato do betão de suporte que estará em contacto com a argamassa de reparação. Podem ser utilizados vários processos para a preparação da superfície do betão, nomeadamente, o de jacto de areia, martelo de agulhas, escarificação através do martelo eléctrico, de escova de aço e abrasão. Este último consiste no desgaste da camada superficial do betão com um disco abrasivo designado por esmeril ou mó. No presente trabalho utilizou-se um martelo eléctrico para escarificar a superfície deixando-a com uma rugosidade homogénea e não muito elevada. Após a picagem, retiraram-se as poeiras através de escovagem com escova de aço seguida de aspiração. Importa referir que os modelos V4/ACP1/B1-C140 e V6/ACP2/B1-C140, foram reparados nas duas faces, ficaram danificados durante as operações de remoção do poliestireno expandido e de preparação da superfície do betão, tendo-se observado fendas no vão central. Face a esta situação, decidiu-se apenas substituir o betão retirado pelo material de reparação sem se ter efectuado a injecção das fendas entretanto formadas. Após a reparação procurou observar-se a evolução das fendas que se tinham anteriormente formado. 2. ARGAMASSAS PRÉ-DOSEADAS Neste estudo foram utilizadas três argamassas de reparação comerciais que se designaram por AC1, ACP1 e ACP2. As composições destas argamassas são objecto de segredo industrial não sendo revelada a sua composição. As três argamassas são prontas a utilizar bastando adicionar água nas argamassas AC1 e ACP1 e no caso da argamassa ACP2 apenas uma emulsão polimérica que é fornecida conjuntamente com a argamassa. Os detalhes das três argamassas extraídos nos documentos técnicos dos fabricantes são seguidamente apresentados: A argamassa AC1 é uma argamassa cimentícia em pó com ligante à base de cimento portland, agregados seleccionados e aditivos especiais, de elevada resistência mecânica recomendada para trabalhos de reparação em betão até 4 cm de espessura. A relação água/produto recomendada pelo fabricante é de 15%. A argamassa ACP1 é uma argamassa melhorada com resinas sintéticas, recomendada para reparação em camada grossa, formulada à base de cimento portland, areias seleccionadas, sílica de fumo, resinas sintéticas e reforçada com fibras de poliamida. A relação água/produto indicada pelo fabricante é de 14,4%. A argamassa ACP2 é um material fornecido em dois componentes, L e P. O componente L é um líquido de cor branca (resina sintética em emulsão, da família dos acrílicos) e o componente P um pó cinzento melhorado com resinas, fibras sintéticas e cargas especiais. A mistura dos dois componentes é feita na proporção de 16% do componente L e 84% do componente P. 3. ARGAMASSAS FORMULADAS EM LABORATÓRIO

Reparação de Vigas de Betão Armado com Argamassas Pré-Doseadas

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As argamassas formuladas em laboratório com o cimento portland do tipo CEM I de classe de resistência 42.5 R foram designadas por AN1 e AMP. Refira-se que estas duas argamassas foram utilizadas como argamassas de referência de forma a permitir estabelecer comparação com as argamassas industriais AC1, ACP1 e ACP2. Na formulação destas argamassas foram utilizadas duas areias, uma fina, e uma média, provenientes, respectivamente, de Sesimbra e Vale Milhaços (5). Com o objectivo de garantir uma melhor resistência, trabalhabilidade e homogeneidade, ambas as argamassas foram formuladas com 1/3 de areia fina, AF, e 2/3 de areia média, AM, e com uma relação ponderal cimento/areia de 1/3. Na argamassa N, a relação água/cimento foi de 0,5. Neste estudo foi ainda utilizada uma emulsão polimérica, designada por EP, de consistência líquida composto por 38,5±1,9% de resíduos sólidos secos. A argamassa, AMP, resultou da introdução dessa emulsão polimérica, EP, na argamassa, AN1, tendo-se como objectivo avaliar a influência deste polímero no comportamento da argamassa (5). 3.1 Aplicação das argamassas de aderência e de reparação Para a aplicação das argamassas de reparação aplicou-se uma cofragem nas duas faces laterais das vigas. De seguida, saturou-se a zona a reparar no dia anterior ao da reparação, operação repetida uma hora antes da aplicação da argamassa. A água em excesso foi removida com a utilização duma esponja. Para a reparação dos modelos de viga utilizaram-se dois tipos de argamassas de aderência pré-doseadas e uma emulsão polimérica: uma argamassa de aderência cimentícia e uma argamassa bi-componente à base de cimento com resinas sintéticas e sílica de fumo e, ainda, uma emulsão polimérica. Refira-se que a argamassa de aderência cimentícia, designada por AAC, foi aplicada nas reparações com argamassas cimentícias e a argamassa de aderência bi-componente foi utilizada nas aplicações de argamassas modificadas com polímeros, designada por AAL. A emulsão polimérica, designada por EP, foi utilizada nas aplicações da argamassa modificada com adjuvante polimérico, fabricada em laboratório. De acordo com os fabricantes, as argamassas de aderência devem ser aplicadas em duas camadas, cada uma com 2 a 3 mm de espessura, devendo esperar-se algum tempo entre a aplicação das duas camadas. Este intervalo de tempo deve ser inferior ao tempo de aplicação “pot life” da argamassa, que neste caso para as argamassas utilizadas encontra-se compreendido entre 30 a 40 minutos, a uma temperatura de 20ºC. Nas‘Figs 2 a 8’apresentam-se alguns pormenores da preparação da superfície do betão, humidificação da superfície a reparar, mistura e aplicação da argamassa de aderência, aplicação das argamassa de aderência (ponte de união) e da aplicação e compactação da argamassa de reparação. No presente trabalho adoptou-se um intervalo de tempo de 30 minutos entre a aplicação da argamassa de aderência e da argamassa de reparação. A execução das reparações das vigas iniciou-se no dia 11 de Novembro de 2004 tendo estas nessa fase uma idade superior a 90 dias. Após o início da presa das argamassas de reparação colocaram-se pastilhas metálicas que servem de base para a medição de deformações através dum extensómetro mecânico tipo Demec. A deformação é medida na zona de meio vão, sendo o comprimento inicial de referência de 200 mm. Estas pastilhas foram utilizadas para a medição da deformação por retracção restringida. As ‘Figs 9 e 10’ ilustram os pormenores da sua colocação.

Resende Nsambu, Augusto Gomes

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Figuras 2, 3, 4 e 5. Preparação da superfície do betão com martelo eléctrico, cofragens das zonas a reparar, humidificação da superfície e preparação da argamassa de aderência (2).

Figuras 6, 7 e 8. Aplicação da argamassa de aderência cimentícia, da emulsao polimérica e vibração da

argamassa de reparação (2).

Figuras 9 e 10. Definição da posição das pastilhas e do posicionamento das pastilhas para os extensómetros

mecânicos (2). Após a aplicação daquelas pastilhas as superfícies reparadas foram cobertas com uma membrana plástica, e mantidas húmidas através de um sistema de rega que continuo durante sete dias. Com esta cura procurou minimizar-se a retracção de secagem. Os efeitos da expansão inicial que ocorre nas primeiras 24 horas compensam a retracção ao longo do tempo podendo atrasar ou mesmo evitar a fendilhação do material de reparação, contribuindo para a redução das tensões de tracção e garantido, deste modo, uma melhor ligação dos materiais. Conforme se indica no Quadro 1, foi utilizado na reparação dos modelos de viga um total de cinco tipos de argamassas de reparação. Três das argamassas são pré-doseadas, uma cimentícia designada por AC1 e duas modificadas com adjuvantes poliméricos, designadas por ACP1 e ACP2. As restantes duas argamassas foram fabricadas em laboratório com o cimento do tipo CEM I/42.5R, designadas por AN1 e AMP1.

Quadro 1. Modelos de vigas reparados e de controlo.

Designação dos modelos de viga

Tipo e comprimento de

reparação

Argamassa de Reparação/tipo de

carregamento

Argamassa de Aderência

V1/AC1 V2/AC1 V3/AC1 V4/ACP1 V5/ACP2 V6/ACP2 V7/AN1

V8/AMP1 V9/AMP1

VCM VCC

S70 C140 C70 C140 S70

C140 C70 C70 C70

- -

AC1/M AC1/C AC1/M

ACP1/M ACP2/C ACP2/M AN1/M

AMP1/M AMP1/C

- -

SPU AAC AAC AAL SPU AAL AAC EP EP - -

3.2 Momentos de fendilhação, de cedência e de rotura dos modelos de viga Antes do ensaio dos modelos de viga e com o objectivo de comparar os valores experimentais com os analíticos, estimaram-se as cargas de fendilhação, de cedência e de rotura bem como as fechas a meio vão associadas aquelas cargas. O momento de fendilhação (Mcr) foi determinado com base no valor da

Reparação de Vigas de Betão Armado com Argamassas Pré-Doseadas

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resistência à tracção (fctm) definido no EC2 (3), sendo o valor de 3.0 MPa. Os momentos de cedência, My, e de rotura, Mu, foram determinados através do método do diagrama rectangular a partir dos valores da tensão de cedência e de rotura obtidos nos ensaios de caracterização das armaduras, fsym =

446 MPa e fsu = 579 MPa. Os valores analíticos dos momentos de fendilhação, Mcr, de cedência, My, e de rotura Mu, obtidos para as vigas da primeira betonagem foram, de 3 kNm, 12.2 kNm e 15.6 kNm, respectivamente. O valor característico da abertura de fendas, Wy, associado ao momento de cedência determinado de acordo com o EC2 (3), foi de 0.2 mm. O valor de P corresponde à força aplicada em cada ponto de carga. As cargas Pcr, Py e Pu representam, respectivamente as cargas de fendilhação, de cedência e de rotura. Os valores destas cargas são, respectivamente de 4.3 kN, 17.4 kN e 22.3 kN. A flecha a meio vão para as cargas de fendilhação e de cedência foi determinada a partir da inércia da secção em estado não fendilhado, I, tendo sido utilizado o método dos coeficientes globais. O valor desta flecha foi de 6.02 mm. 3.3 Sistema de ensaio e Instrumentação O tipo de carregamento utilizado pretende analisar o comportamento dos modelos de viga reparados no vão central. A zona central do vão é submetida à flexão pura e as zonas à flexão com esforço transverso. A distância entre apoios é de 2.10 m e os pontos de carga localizam-se a um terço do vão sendo a distância entre o apoio e a carga de 0.70 m, conforme a ‘Fig.11 .

Figura 11. Sistema de carregamento de modelo de vigas (2). Os modelos de viga foram ensaiados num pórtico metálico autoportante que se apresenta nas ‘Figs 12 e 13’. A carga foi aplicada através de um cilindro hidráulico ENERPAC do tipo RC 106 com 100 kN de capacidade e 0.15 m de curso. Este cilindro foi ligado a um sistema de controlo automático de pressão hidráulica, WALTER + BAIAG tipo PKNS 19-DH, com capacidade máxima de 700 Bars.

Figuras 12 e 13. Vistas de ensaios de modelos de vigas reparados na face inferior e na face inferior e superior (2). Com o objectivo de medir os deslocamentos verticais da secção de meio vão e dos pontos de aplicação da carga foram instalados nos modelos de viga três transdutores eléctricos de deslocamento de marca Vishay. Um foi colocado na secção do meio vão, δ2, com um curso máximo de 50 mm, e os outros dois, com um curso máximo de 25 mm, foram dispostos nos pontos de aplicação das cargas correspondendo aos deslocamentos δ1 e δ3. As deformações nas armaduras foram medidas através de extensómetros eléctricos de resistência do tipo TML-5-11-3L com 5 mm de comprimento, 120.3 Ω de

Resende Nsambu, Augusto Gomes

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resistência e um Gauge factor de 2.13. Em cada viga foram aplicados cinco extensómetros nas armaduras longitudinais. Nas armaduras inferiores foram colocados três extensómetros, um na secção de meio vão, εs2 e os outros nas secções de aplicação das cargas εs1 e εs3 tendo sido colocados a outro varão. Nas armaduras superiores foram colocados dois extensómetros na secção de meio vão, um em cada um dos varões, εs4 e εs5. Com a finalidade de analisar a evolução da abertura de fendas ao longo do ensaio, em alguns dos patamares de carga, mediu-se a abertura de fendas com o auxilio duma lupa de fendas do tipo WF-10X com a precisão de 0.02 mm. Para avaliar as curvaturas, utilizou-se, numa primeira fase, um extensómetro mecânico, tipo DEMEC com 100 mm de base colocados nas faces laterais das vigas, ‘Fig14’.

Figura 14. Uma vista em alçado da localização de pastilhas tipo Demecs nos modelos de viga (2).

4. CARREGAMENTO APLICADO NOS ENSAIOS Nos ensaios dos modelos de viga foram utilizados dois tipos de carregamento: monotónico (M) e cíclico (C). 4.1.1 Carregamento monotónico O procedimento de ensaio utilizado nos modelos submetidos a um carregamento monotónico começa pela calibração de todos os aparelhos e inicialização do sistema de aquisição que é efectuada com o modelo completamente descarregado. Em seguida, aplica-se a carga em patamares crescentes de força de valor pré-determinado. Após a aplicação de cada patamar de carga procede-se ao registo automático dos valores lidos pelos transdutores e pelos extensómetros de resistência, à leitura manual dos extensómetros mecânicos (Demec) e à observação, mapeamento e medição da abertura da fendilhação. 4.1.2 Carregamento cíclico Gomes (1997), Júlio (2001), Cardoso (2003) e Rodrigues (2004) entre outros investigados, referidos por Nsambu (2), afirmam que nos ensaios de estruturas ou elementos de betão armado submetidos a acções cíclicas, não existem normas ou regulamentos que definem o tipo de carregamento a utilizar. Dias et al. (4) realizaram ensaios cíclicos em modelos de vigas de betão armado reforçadas à flexão com compósitos de CFRP. Antes da aplicação da carga cíclica, as vigas foram solicitadas até uma carga de 15 kN. De seguida impuseram um carregamento cíclico até à rotura com uma frequência de 1 Hz, sendo o limite inferior da carga de 5 kN e o superior de 15 kN. No presente trabalho, adoptou-se um carregamento que consistiu na aplicação de uma força crescente até aos 13 kN. A partir daí foi imposto um carregamento constituído por ciclos de carga e descarga, sendo o valor inferior da descarga de 1.5 kN. Este procedimento teve por objectivo evitar movimentos e ajustamentos da instrumentação e do sistema de carga que ocorrem quando a carga é anulada. O limite superior de cada patamar de carga foi acrescido de 3 kN até à rotura. As cargas de 13 kN e de 1.5 kN correspondem a 33% e 4% da carga de rotura prevista. Aqueles autores referem, ainda, que, em geral, a armadura governa o comportamento dos elementos de betão armado em fase inelástica. 4.1.3 Ductilidade e coeficientes de monolitismo A ductilidade das secções de betão armado sujeitas à flexão simples é influenciada pela percentagem e distribuição da armadura longitudinal. No presente estudo determinaram-se os valores da ductilidade,

Reparação de Vigas de Betão Armado com Argamassas Pré-Doseadas

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µ, definida em termos de deslocamento e de curvatura e, ainda, do índice de energia, de acordo com as seguintes expressões, Gomes (5); Bencardino et al. (6) e Nsambu e Gomes (7):

ductilidade em deslocamento: y

u

δδµδ = (1)

índice de energia dissipada: y

uE E

E=µ (2)

ductilidade em curvatura: y

u

φφµφ = (3)

em que:

uy δδ , - deslocamento de cedência e de rotura, uy EE , - energia dissipada de cedência e de rotura e

uy φφ , - curvatura de cedência e de rotura. Os valores da energia dissipada de cedência, yE , e de

rotura, uE , correspondem às áreas delimitadas pelo diagrama carga-deslocamento, respectivamente,

até ao início da cedência e até à rotura. Em geral, a ductilidade em curvatura tem uma variabilidade superior à ductilidade em deslocamento, uma vez que depende das deformações no betão que são afectadas pela formação de fendas no betão no comprimento de base para a medida dessas deformações, Bencardino et al. (6). Para permitir uma melhor análise dos resultados utilizou-se, também, coeficientes de monolitismo que correspondem, para um dado resultado, à relação entre o valor desse resultado obtido na viga reparada e o da viga de controlo que é monolítica. Assim, no presente trabalho utilizaram-se os seguintes coeficientes de monolitismo:

Coeficiente de monolitismo em carga: controlouP

reparadauP

Pk,

,= (4)

Coeficiente de monolitismo em deslocamento: controlo

reparadak

,

,

δµδµ

δ = (5)

Coeficiente de monolitismo da energia dissipada: controloE

reparadaEEk

,

,

µ

µ= (6)

Coeficiente de monolitismo em curvatura: controlo

reparadak

,

,

φµφµ

φ = (7)

Coeficiente de monolitismo da rigidez inicial: controloik

reparadaik

kik,

,= (8)

Coeficiente de monolitismo da rigidez secante: controlosk

reparadask

ksk

,

,= (9)

em que: uP - carga de rotura; si kk , - rigidez inicial e secante; sendo a rigidez, k, determinada pela

seguinte expressão k = F/δ (kN/mm) e δ o deslocamento associado a força F.

5. RESULTADOS DOS ENSAIOS À FLEXÃO DOS MODELOS DE VIGA O objectivo destes ensaios foi o de avaliar o comportamento das vigas reparadas e observar o desempenho da ligação do material de reparação ao betão de suporte. O colapso por flexão dos modelos de viga pode ocorrer por rotura da armadura longitudinal de tracção ou por esmagamento do betão comprimido. Para percentagens moderadas de armaduras, a deformação limite no aço é atingida

Resende Nsambu, Augusto Gomes

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antes de ser esgotada a capacidade resistente do betão comprimido e o modo de rotura ocorre por tracção das armaduras longitudinais geralmente precedida de fendilhação e grande deformação. Para baixos valores da área de armaduras, o modo de rotura é frágil estando associado à fendilhação do betão na secção mais esforçada. A maioria das normas recomenda a utilização duma quantidade de armadura mínima para controlar a fendilhação e evitar este tipo de rotura. Nas secções com elevadas percentagens de armadura, a deformação limite do betão é atingida em primeiro lugar, esgotando a sua capacidade resistente e ocorrendo o seu esmagamento. Este tipo de rotura, designado por rotura por compressão do betão em flexão, pode apresentar um comportamento frágil em particular nos betões de alta resistência. Nesse estudo, a percentagem de armadura de tracção foi de 0.65% (2φ10) sendo a relação entre armaduras de compressão (2φ6) e de tracção de 0.36. Foram reparadas zonas com uma extensão de 1.50 m na face inferior e 0.35 m na face superior, ambas com 3.5 cm de espessura. Os modos de rotura observados foram por esmagamento do betão ou da argamassa, associados a fendilhação ao longo da interface de ligação entre a argamassa de reparação e o betão de suporte, seguidos de delaminação da argamassa aplicada na zona de compressão (face superior).

5.1 Resultados dos ensaios sob carregamento monotónico e cíclico

No Quadro 2 são resumidos os resultados dos modelos de viga ensaiados monotonicamente e ciclicamente, indicando-se os valores experimentais da carga de fendilhação, Pcr, cedência, Py, de rotura, Pu, e os respectivos valores dos deslocamentos associados à secção do meio vão, δcr, δy e δu. Indicam-se, ainda, os valores das deformações na armadura inferior obtidos para a carga de cedência e última, εsy e εsu, da energia dissipada até à carga de cedência, Ey, e até à carga de rotura, Eu , bem como os valores da ductilidade em termos de energia dissipada, µE, e de deslocamentos, µδ.

Quadro 2. Modelos de viga - cargas, deslocamentos, deformações e ductilidades. Modelo de viga

Pcr Py Pu [kN]

δcr δy δu [mm]

εsy εsu Ey Eu µE µδ

[0/00] [J] V1 11.1 32.7 35.8 1.41 9.18 22.8 2.74 14.4 177.9 630.7 3.55 2.48 V2 13.2 32.4 37.0 1.91 8.53 30.5 2.53 15.6 163.5 904.9 5.53 3.57 V3 11.2 33.8 35.8 1.51 9.80 39.7 2.72 17.8 194.9 1235 6.34 4.05 V4 11.1 33.9 37.2 1.77 8.99 33.8 3.13 12.2 172.0 1036 6.02 3.76 V5 13.6 35.3 36.9 1.63 9.18 31.7 2.62 8.70 196.0 1001 5.11 3.45 V6 11.2 31.9 38.7 2.02 8.94 30.5 2.92 12.9 160.4 878.3 5.47 3.39 V7 10.4 32.9 37.2 1.82 8.79 20.0 2.39 8.88 160.4 538.2 3.36 2.27 V8 12.8 35.4 37.2 1.20 8.94 21.2 2.59 10.9 194.2 632.5 3.26 2.37 V9 10.8 33.8 37.0 1.57 9.38 47.9 2.87 14.8 192.9 1541.1 8.38 5.11

VCM 10.0 34.0 38.7 1.25 9.31 29.1 2.71 21.8 183.6 873.3 4.76 3.13 VCC 12.9 34.5 36.4 1.90 8.95 48.4 2.49 14.7 179.3 1573.8 8.87 5.41

O valor da carga de cedência, Py, foi determinado com base na análise do valor da deformação lida nas armaduras traccionadas através dos extensómetros de resistência, tendo-se considerado uma deformação de cedência de 2.230/00, valor obtido nos ensaios à tracção das armaduras. Para o valor da carga de rotura foi considerado o máximo valor observado na curva carga-deslocamento. Para a paragem do ensaio foi utilizado um critério que consistiu em observar o ramo descendente da curva força-deslocamento. Os ensaios foram concluídos quando a força instalada decrescia abaixo de 90% da força máxima registado durante o ensaio, que corresponde à força de rotura, Pu. Para o valor do deslocamento de rotura foi considerado o deslocamento da primeira leitura de dados associada a uma força inferior a 0.9Pu. No Quadro 3 são apresentados os resultados dos modelos de viga ensaiados monotonicamente e ciclicamente, indicando-se os valores dos coeficientes de monolitismo (relação entre o reultado da viga reparada e o da viga de controlo) em termos de carga, kp, de ductilidade em deslocamento, kδ e de energia dissipada, kE, assim como o número e ciclos e a abertura de fendas associada ao momento de rotura.

Reparação de Vigas de Betão Armado com Argamassas Pré-Doseadas

10

Quadro 3. Coeficientes de monolitismo em carga, deslocamento e de energia dissipada dos modelos de viga. Modelo de viga Kp kδ

kE Nº de ciclos Wu

[mm] V1/AC1 0.93 0.79 0.75 - 0.70 V2/AC1 0.96 1.14 1.16 10 2.00 V3/AC1 0.93 1.29 1.33 - 1.23

V4/ACP1 0.96 1.20 1.26 - 0.70 V5/ACP2 0.95 1.10 1.07 10 1.90 V6/ACP2 1.00 1.08 1.15 - 3.20 V7/AN1 0.96 0.73 0.71 10 1.80 V8/AMP1 0.96 0.76 0.68 - 2.38 V9/AMP1 1.02 0.94 0.91 10 1.37

VCM 1.00 1.00 1.00 - 1.60 VCC 1.00 1.00 1.00 9 3.42

5.2 Rigidez inicial e secante dos modelos de viga

A rigidez dos modelos de viga foi utilizada como parâmetro para comparar o comportamento dos modelos reparados com os de controlo. A rigidez inicial e secante foi determinada através da relação entre os valores experimentais da carga e do deslocamento associado. A rigidez secante foi determinada para três valores de carga total de 8 kN, 15 kN e 30 kN. O primeiro procura caracterizar a rigidez inicial, sendo o valor de 8 kN inferior à carga de fendilhação de todos os modelos. O segundo pretende avaliar a rigidez secante no estado fendilhado, sendo o valor de 15 kN superior à carga de fendilhação de todos os modelos. O valor de 30 kN é inferior à carga de cedência observada no conjunto dos modelos ensaiados. Os valores dos parametros atrás referidos são resumidos no Quadro 4.

Quadro 4. Rigidez dos modelos de viga.

Modelo de viga

Deslocamento(mm) 8 15 30

[kN]

Rigidez inicial (kN/mm) 8 15 30 [kN]

Coeficiente de monolitismo 8 15 30

[kN] V1 0.80 2.66 7.96 10.0 5.64 3.76 0.84 1.25 0.99 V2 0.85 2.75 7.61 9.41 5.47 3.94 0.79 1.21 1.04 V3 0.87 2.73 7.29 12.9 5.49 4.12 1.08 1.22 1.08 V4 1.02 2.79 7.30 7.84 5.37 4.11 0.66 1.19 1.08 V5 0.83 2.37 7.27 9.64 6.33 4.13 0.81 1.42 1.09 V6 1.20 2.89 7.93 6.67 5.03 3.78 0.56 1.12 0.99 V7 1.20 2.97 7.74 6.67 5.05 3.87 0.56 1.12 1.02 V8 0.69 2.11 7.19 11.6 7.11 4.17 0.97 1.58 1.09 V9 0.70 2.09 7.47 11.4 7.18 4.02 1.38 1.07 0.89

VCM 0.65 3.36 7.93 11.9 4.46 3.78 1.00 1.00 1.00 VCC 0.97 2.24 6.71 8.25 6.69 4.47 1.00 1.00 1.00

5.3 Modo de rotura observado

No Quadro 5 são indicados os valores da distância média entre fendas, a carga de rotura e o modo de rotura observado e na ‘Fig15’, apresenta-se o modo de rotura observado no modelo de viga V4/ACP1.

Quadro 5. Modo de rotura nos modelos de viga.

Modelo de Viga Distância média entre fendas

[mm]

Carga de rotura

[kN]

Observação

V1/AC1 0.128 35.8 Esmagamento do betão V2/AC1 0.121 37.0 Cedência das armaduras

Resende Nsambu, Augusto Gomes

11

V3/AC1 V4/ACP1 V5/ACP2 V6/ACP2 V7/AN1 V8/AMP1 V9/AMP1

VCM VCC

0.135 0.105 0.106 0.113 0.175 0.134 0.124 0.120 0.124

35.8 37.0 36.9 38.7 37.2 37.2 37.0 37.2 36.4

Cedência das armaduras Cedência das armaduras Esmagamento do betão Esmagamento do betão Esmagamento do betão Esmagamento do betão Esmagamento do betão Esmagamento do betão Esmagamento do betão

Figura 15. Modo de rotura no modelo de viga V4/ACP1-C140 (2).

CONCLUSÕES Apesar do reduzido número de vigas ensaiadas verificou-se que a aplicação duma argamassa de reparação causa, em geral, um aumento da carga de fendilhação. A carga última da maioria das vigas reparadas atingiu ou aproximou-se da carga de rotura da respectiva viga de controlo. O menor valor de coeficiente de monolitismo de resistência foi de 0.92. Os valores de coeficiente de monolitismo de rigidez inicial e de rigidez secante são também satisfatórios. Num conjunto restrito de vigas reparadas, observaram-se baixos valores do coeficiente de monolitismo relativo à energia dissipada e a ductilidade em deslocamento. REFERÊNCIAS

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[2] Nsambu R.; (2007) - Avaliação do Desempenho de Argamassas de Reparação para Betão Armado. Tese de doutoramento.

[3] EN1992 -1-1 (2004). Eurocódigo 2: Projecto de Estruturas de Betão - Parte 1: Regras gerais e regras para edifícios, Comité Européen de Normalisation.

[4] Dias, S, [et al] (2002). Comportamento Experimental De vigas De Betão Armado Reforçadas à Flexão Com Sistemas Compósitos de CFRP do tipo MBRACE”, Relatório Técnico, Universidade do Porto da Faculdade de Engenharia, Janeiro, 2002.

[5] Gomes, A. (1992). Comportamento e Reforço de Elementos de Betão Armado sujeitos a acções cíclicas, Tese de doutoramento.

[6] Bencardino, F. [et al] (2002). Strength and Ductility of Reinforced Concrete Beams Externally Reinforced with Carbon Fiber Fabric, ACI Structural Journal, Vol. 92, N.º2, pp 163-171, 2002.

[7] Nsambu, R. Gomes, A. Flexural strength of RC Beams Repaired with Cementitious and Polymer-Modified Cementitious Mortars”, Proceedings of the International Conference and Exhibition Edinburgh, UK, 13th-15th June 2006, Structural Faults & Repair-2006.