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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012 Utilização de betões de ultra elevada durabilidade (UHDC) na pré-fabricação e reabilitação de estruturas Rui Saldanha 1 Pedro Santos 2 Eduardo Júlio 3 RESUMO O dimensionamento ao corte longitudinal da interface de elementos compósitos de betão, obtidos pela colocação de camadas de betão em diferentes idades, é fundamental para garantir o seu comportamento monolítico, sendo particularmente relevante em: i) construções existentes, quando sujeitas a reparação e reforço estrutural; e ii) construções novas, quando se recorre por exemplo à utilização de elementos pré-fabricados com partes betonadas in situ. Os betões de ultra elevada durabilidade (UHDC – Ultra High Durability Concrete) apresentam duas vantagens significativas relativamente aos betões de densidade normal (BDN) e betões estruturais de agregados leves (BEAL): 1) elevada resistência mecânica; e 2) elevada durabilidade. No entanto, a produção do UHDC representa custos elevados, tanto ao nível económico como ambiental, não podendo ser realizada em grandes quantidades. De forma a reduzir os impactos da sua utilização e, simultaneamente, tirar partido das suas propriedades, propõe-se que a sua aplicação seja efetuada exclusivamente no recobrimento de elementos estruturais produzidos com outro tipo de betão. Desta forma, o núcleo do elemento estrutural pode ser constituído por betões correntes (BDN ou BEAL) sendo o seu recobrimento em UHDC. Desta combinação resulta um elemento compósito de betão armado, que apresenta simultaneamente um bom comportamento mecânico; uma elevada durabilidade; e, principalmente, um custo competitivo, quando comparado com outras alternativas. É atualmente reconhecido que são três os mecanismos de transferência de carga que contribuem para a resistência ao corte longitudinal da interface betão-betão: i) adesão; ii) atrito; e iii) dowel action. Na presente comunicação é apenas abordado o estudo do primeiro mecanismo – adesão – na ligação entre betões de ultra elevada durabilidade (UHDC) e betões de densidade normal (BDN) e betões estruturais de agregados leves (BEAL). Com o objetivo de quantificar a adesão entre BDN-UHDC e BEAL-UHDC, desenvolveu-se um estudo experimental em que se recorreu ao Modified Slant Shear Test (M-SST). Foram produzidos diversos provetes compósitos do M-SST, com partes em UHDC e BDN/BEAL, que posteriormente foram ensaiados à compressão para determinação da resistência da interface ao corte. Foram adotadas duas condições distintas para a preparação da superfície da interface. Nesta comunicação descreve-se o 1 ICIST, Departamento de Engenharia Civil, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra, [email protected] 2 ICIST, Departamento de Engenharia Civil, Escola Superior de Tecnologia e Gestão, Instituto Politécnico de Leiria, [email protected] 3 ICIST, Departamento de Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa, [email protected]

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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012

Utilização de betões de ultra elevada durabilidade (UHDC) na pré-fabricação e reabilitação de estruturas

Rui Saldanha1 Pedro Santos 2 Eduardo Júlio 3

RESUMO O dimensionamento ao corte longitudinal da interface de elementos compósitos de betão, obtidos pela colocação de camadas de betão em diferentes idades, é fundamental para garantir o seu comportamento monolítico, sendo particularmente relevante em: i) construções existentes, quando sujeitas a reparação e reforço estrutural; e ii) construções novas, quando se recorre por exemplo à utilização de elementos pré-fabricados com partes betonadas in situ. Os betões de ultra elevada durabilidade (UHDC – Ultra High Durability Concrete) apresentam duas vantagens significativas relativamente aos betões de densidade normal (BDN) e betões estruturais de agregados leves (BEAL): 1) elevada resistência mecânica; e 2) elevada durabilidade. No entanto, a produção do UHDC representa custos elevados, tanto ao nível económico como ambiental, não podendo ser realizada em grandes quantidades. De forma a reduzir os impactos da sua utilização e, simultaneamente, tirar partido das suas propriedades, propõe-se que a sua aplicação seja efetuada exclusivamente no recobrimento de elementos estruturais produzidos com outro tipo de betão. Desta forma, o núcleo do elemento estrutural pode ser constituído por betões correntes (BDN ou BEAL) sendo o seu recobrimento em UHDC. Desta combinação resulta um elemento compósito de betão armado, que apresenta simultaneamente um bom comportamento mecânico; uma elevada durabilidade; e, principalmente, um custo competitivo, quando comparado com outras alternativas. É atualmente reconhecido que são três os mecanismos de transferência de carga que contribuem para a resistência ao corte longitudinal da interface betão-betão: i) adesão; ii) atrito; e iii) dowel action. Na presente comunicação é apenas abordado o estudo do primeiro mecanismo – adesão – na ligação entre betões de ultra elevada durabilidade (UHDC) e betões de densidade normal (BDN) e betões estruturais de agregados leves (BEAL). Com o objetivo de quantificar a adesão entre BDN-UHDC e BEAL-UHDC, desenvolveu-se um estudo experimental em que se recorreu ao Modified Slant Shear Test (M-SST). Foram produzidos diversos provetes compósitos do M-SST, com partes em UHDC e BDN/BEAL, que posteriormente foram ensaiados à compressão para determinação da resistência da interface ao corte. Foram adotadas duas condições distintas para a preparação da superfície da interface. Nesta comunicação descreve-se o 1 ICIST, Departamento de Engenharia Civil, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra,

[email protected] 2 ICIST, Departamento de Engenharia Civil, Escola Superior de Tecnologia e Gestão, Instituto Politécnico de Leiria,

[email protected] 3 ICIST, Departamento de Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa,

[email protected]

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Utilização de betões de ultra elevada durabilidade (UHDC) na pré-fabricação e reabilitação de estruturas

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programa experimental, apresentam-se os materiais e métodos adotados e discutem-se os resultados obtidos com base na influência do tipo de betão e do método de preparação da interface. As principais conclusões obtidas são apresentadas. Palavras-chave: Betão; UHDC; Adesão; Corte; Durabilidade. 1. INTRODUÇÃO O betão armado é o material mais utilizado na construção de edifícios correntes, para habitação, serviços e comércio, e obras de arte como pontes, viadutos, túneis e barragens. O facto de ser moldável enquanto fresco, apresentar uma resistência à compressão relativamente elevada e um baixo custo de produção, comparativamente a outros materiais como o aço estrutural, tornam-no um dos materiais preferidos a nível mundial. Ao estar exposto às condições ambientais, o betão armado é sujeito ao ataque de diferentes agentes de deterioração, tais como os agentes físicos e químicos, entre outros. Uma das principais desvantagens da sua utilização como material de construção encontra-se relacionada com a sua durabilidade. A correta especificação do ambiente de exposição, e consequente definição do recobrimento das armaduras e o tipo e quantidade dos constituintes do betão, permite ultrapassar este problema com relativo sucesso durante o período de vida útil da estrutura. Outra desvantagem frequentemente referida é a sua reduzida resistência à tração, motivo pela qual ocorre fissuração que pode conduzir ao aceleramento da deterioração. O recente desenvolvimento de betões de ultra elevada durabilidade (UHDC) veio permitir a utilização do betão armado em estruturas com períodos de vida útil mais longos, bem como o seu uso em novas aplicações e ambientes mais agressivos [1]. Duas das principais características dos UHDC são a sua baixa relação água/cimento e uma matriz ultra compacta (Fig. 1a), que permitem obter uma permeabilidade reduzida e, consequentemente, um bom comportamento em termos de durabilidade e um aumento de resistência à compressão e tração. O elevado desempenho do UHDC é apenas possível devido à elevada percentagem de cimento e adições, resultando por isso em elevados custos, tanto ao nível económico como ambiental. Por este motivo, a sua produção não pode ser realizada em grandes quantidades. Procurando maximizar a sua aplicação devido às excelentes propriedades mecânicas e de durabilidade e, simultaneamente, reduzindo os impactos negativos da sua utilização, os autores propõem que o UHDC seja utilizado exclusivamente como recobrimento de elementos estruturais produzidos com betões correntes de densidade normal (BDN) (Fig. 1b) e betões estruturais de agregados leves (BEAL) (Fig. 1c). Esta filosofia de utilização permite obter elementos compósitos de betão armado, que apresentam simultaneamente um bom comportamento mecânico; uma elevada durabilidade; e, principalmente, um custo competitivo, quando comparado com outras alternativas de mercado.

a) b) c)

Figura 1. Superfícies representativas de: a) UHDC; b) BDN; e c) BEAL.

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Para que seja possível obter um comportamento monolítico do elemento compósito de UHDC e BDN/BEAL é fundamental que os esforços sejam transmitidos entre as diferentes camadas que o constituem. Para tal, é necessário proceder ao dimensionamento da interface betão-betão ao corte longitudinal. A seguir apresenta-se um estudo experimental desenvolvido com o objetivo de quantificar a adesão na interface betão-betão. Descrevem-se os materiais e métodos utilizados e apresentam-se e discutem-se os resultados obtidos. As conclusões mais relevantes deste estudo são apresentadas. 2. PROGRAMA EXPERIMENTAL A seguir apresentam-se os materiais e métodos utilizados no desenvolvimento do programa experimental, incluindo: i) a geometria do ensaio de aderência; ii) a composição dos betões utilizados; iii) a preparação da superfície da interface; iv) a diferença de idades entre as diferentes camadas de betão; e v) os resultados experimentais obtidos para a adesão. 2.1 Modified Slant Shear Test (M-SST) Para avaliar a adesão na interface entre BDN-UHDC e BEAL-UHDC foi adotado o ensaio Modified Slant Shear Test (M-SST) [2]. Este ensaio foi proposto anteriormente pelos autores, e é semelhante ao ensaio de corte inclinado, universalmente conhecido por Slant Shear Test (SST) [3, 4], sendo a interface sujeita a um estado combinado de tensões de compressão e corte. As principais diferenças do M-SST para o SST consistem: 1) na otimização da geometria, para que a distribuição de tensões na interface seja uniforme; e 2) na introdução de armadura de reforço em ambas as metades que constituem o provete, para que as roturas obtidas sejam sempre adesivas, ou seja, por descolamento da interface e não por esmagamento do betão mais fraco. Deste modo, o ensaio M-SST apresenta todas as vantagens do tradicional ensaio SST, com uma vantagem adicional que é forçar a obtenção de roturas adesivas. Obtém-se assim o valor real da tensão de corte na interface e não uma estimativa conservativa baseada em provetes compósitos que apresentam roturas coesivas. O provete do M-SST adotado neste estudo apresenta uma secção transversal de 150×150 mm2, uma altura total de 600 mm e uma interface que faz um ângulo de 30º com a vertical. Na Fig. 2 apresenta-se uma metade do provete com a disposição da armadura de reforço e as dimensões genéricas do provete M-SST.

a) b)

Figura 2. Modified Slant Shear Test (M-SST): a) esquema de metade do provete; e b) dimensões genéricas.

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A tensão normal e de corte na interface podem ser determinadas dividindo as componentes normal e tangencial da força de compressão, respetivamente, pela área do plano de corte da interface. Nas equações (1) e (2) são fornecidas expressões genéricas para a determinação destas componentes, sendo ‘σ’ a tensão normal na interface; ‘τ’ a tensão de corte na interface; ‘P’ a força de compressão do provete; ‘α’ o ângulo entre a interface e a vertical; e ‘a’ a dimensão da aresta da secção transversal.

2

2

sin⋅=

Pa

ασ

(1)

2

cos sin⋅ ⋅=

Paα ατ

(2)

2.2 Composição dos betões Foram adotados três tipos de betão, nomeadamente: i) betão de densidade normal (BDN); ii) betão estrutural de agregados leves (BEAL); e iii) betão de ultra elevada durabilidade (UHDC). Tal como referido anteriormente, pretende-se que o BDN e o BEAL sejam utilizados apenas no fabrico do núcleo dos elementos estruturais. Por este motivo, adotaram-se ambos os betões para a metade do M-SST correspondente ao substrato. Para a metade do provete M-SST correspondente ao betão adicionado, adotou-se apenas o UHDC uma vez que a utilização pretendida para este betão é a de recobrimento. No Quadro 1 apresentam-se os materiais constituintes e quantidades adotadas para cada tipo de betão. As composições do BDN e do BEAL foram definidas de modo a terem aproximadamente a mesma tensão de rotura à compressão, mas significativamente inferiores à do UHDC.

Quadro 1. Constituintes das composições de betão. Constituintes

[kg/m3] BDN BEAL UHDC

Cimento II 32.5 R 320 - - Cimento II 42.5 R - 360 - Cimento II 52.5 R - - 730 Areia Fina (0-2 mm) 421 272 983 Areia Média (0-4 mm) 181 634 - Bago (0-5 mm) 369 - - Brita Granítica (5-15 mm) 861 - Argila Expandida - 512 - Filer - - 219 Sílica de Fumo - - 146 Água 174 158 200 Super Plastificante 1.6 1.8 40.2

No Quadro 2 apresentam-se os valores da tensão de rotura à compressão para cada tipo de betão utilizado. Para o BDN e BEAL foram utilizados provetes cúbicos com 150 mm de aresta enquanto que o UHDC foi caracterizado através de provetes cúbicos de 100 mm de aresta, de acordo com a norma NP EN 12390-3 [5]. Note-se que com a composição utilizada na produção de UHDC seria possível atingir resistências significativamente superiores. Para tal seria necessário utilizar condições especiais de cura, nomeadamente de temperatura e humidade relativa. Na composição deste tipo de betão, a relação água/cimento é reduzida de modo a aumentar a resistência e, devido a esse fato, o cimento não é hidratado na sua totalidade. O processo de cura possibilita a hidratação da totalidade do cimento o que resulta num aumento significativo da resistência.

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Neste trabalho pretende-se quantificar a resistência da interface entre camadas de betão de diferentes idades, em que se verifiquem diferenças significativas de resistência à compressão e, por conseguinte, um aumento da rigidez diferencial entre camadas. Com as composições utilizadas consegue-se cumprir esse objetivo não sendo necessário utilizar condições especiais de cura na produção do UHDC.

Quadro 2. Valores da tensão de rotura à compressão.

Tipo de Betão Tensão de

Rotura [MPa]

Média [MPa]

Desvio Padrão [MPa]

Coeficiente de Variação

[%]

BDN 43.12

41.83 1.46 3.5 40.25 42.12

BEAL 47.55

45.68 2.05 4.5 46.00 43.48

UHDC 102.12

102.63 1.65 1.6 101.29 104.47

2.3 Preparação da superfície da interface Considerando que neste estudo apenas se pretendeu quantificar a adesão da interface betão-betão, e sendo esta significativamente influenciada pela resistência do betão mais fraco e pela rugosidade da superfície do substrato, decidiu-se efetuar um estudo preliminar com o objetivo de identificar quais os tipos de rugosidade a considerar para os provetes M-SST. Foram selecionados cinco diferentes condições para a superfície da interface, nomeadamente: i) superfície lisa (L), obtida por betonagem contra cofragem metálica; ii) superfície lisa com retardador de presa (LRP), obtida por betonagem contra cofragem metálica e posterior lavagem com jato de água; iii) jato de granalha (G); iv) superfície ondulada (O), obtida por betonagem contra cofragem metálica com esta caraterística geométrica; e v) raspagem manual (RM). Para cada condição da interface foram produzidos três provetes M-SST. Todos os tratamentos foram aplicados com o betão do substrato já endurecido, exceto a raspagem manual que foi realizada com o betão ainda fresco no início da presa. Neste estudo preliminar adotou-se apenas o BDN para o fabrico das duas metades do provete M-SST. Após a betonagem do substrato, procedeu-se ao tratamento da superfície da interface e armazenamento dos provetes durante 28 dias no laboratório sob condições normais de trabalho. Após a colocação do betão adicionado aguardou-se mais 28 dias. Assim sendo, à data do ensaio o betão do substrato e o betão adicionado apresentavam 56 e 28 dias de idade, respetivamente. Para quantificar a rugosidade da superfície do substrato recorreu-se à utilização de um rugosímetro laser 2D [6]. Efetuaram-se dez medições em cada tipo de superfície para obter os respetivos perfis de rugosidade e, a partir destes, determinou-se o parâmetro Profundidade Média do Vale (Rvm) [7] para cada perfil. No Quadro 3 apresentam-se os valores médios obtidos para a Profundidade Média do Vale (Rvm).

Quadro 3. Profundidade Média do Vale (Rvm). Tratamento da

Média

Desvio Padrão

Coeficiente de

L 0.548 0.395 72.0 LRP 1.329 0.170 12.8

G 0.921 0.156 17.0 O 2.933 0.075 2.6

RM 4.783 1.317 27.5

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No Quadro 4 apresentam-se os valores da tensão de corte na interface para cada provete e respetivos valores médios, desvio padrão e coeficiente de variação para cada série. Todas as roturas obtidas foram adesivas, ou seja, com descolamento pela interface.

Quadro 4. Valores da resistência ao corte (τ). Tratamento da

Interface

Resistência ao Corte (τ)

[MPa]

Média [MPa]

Desvio Padrão [MPa]

Coeficiente de Variação

[%]

L 11.24

10.68 2.57 24.0 12.93 7.88

LRP 13.06

13.32 0.26 1.9 13.32 13.57

G 13.40

12.06 2.28 18.9 9.43 13.37

O 13.10

13.07 0.23 1.8 13.29 12.83

RM 13.77

13.51 0.33 2.4 13.13 13.62

Na Fig. 3 apresenta-se a relação entre o parâmetro de rugosidade Profundidade Média do Vale (Rvm) e a resistência ao corte (τ). Ajustando os valores individuais a uma função do tipo potência, verifica-se a existência de uma elevada correlação entre ambos (R2 = 0.93).

L

GLRP

O RM

τ = 11.621Rvm0.1131

R² = 0.93

02468

10121416

0 1 2 3 4 5 6

Res

istê

ncia

ao

cort

e, τ

(MPa

)

Profundidade média do vale, Rvm (mm)

Figura 3. Correlação entre a Profundidade Média do Vale (Rvm) e a resistência ao corte da interface. Analisando os resultados obtidos, constata-se que a superfície lisa é a que conduz aos menores valores da resistência ao corte da interface, tal como esperado. Constata-se que os restantes tratamentos da interface conduzem a um aumento da resistência ao corte da interface, embora as diferenças sejam pouco significativas entre eles. Com base nos resultados obtidos, optou-se pela seleção da superfície lisa (L) e da superfície ondulada (O) para o fabrico dos provetes compósitos em BDN-UHDC e BEAL-UHDC. Apesar da superfície ondulada (O) não ter sido aquela que conduziu à obtenção da máxima resistência ao corte da interface, optou-se por esta devido à uniformidade do tratamento e, consequentemente, menor variabilidade nos resultados obtidos e maior facilidade na sua interpretação

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2.4 Provetes BDN-UHDC e BEAL-UHDC Estando definidos todos os parâmetros necessários à avaliação da resistência ao corte da interface entre BDN-UHDC e BEAL-UHDC, procedeu-se ao fabrico dos provetes. Para cada situação considerada – tratamento da interface e tipo de betão – foram realizados três provetes, correspondendo no total a doze provetes. O procedimento de betonagem e cura do betão do substrato foi idêntico ao adotado anteriormente. Após esta operação, os provetes foram armazenados no laboratório em condições normais de trabalho durante 28 dias. Após este período, foi colocado o betão adicionado (UHDC) e aguardou-se mais 28 dias. De seguida, procedeu-se ao ensaio dos provetes M-SST à compressão para obtenção da resistência ao corte da interface (Fig. 4).

Figura 4. Provete M-SST constituído por BDN-UHDC.

No Quadro 5 apresentam-se os valores da tensão de corte na interface para cada provete e respetivos valores médios, desvio padrão e coeficiente de variação para cada série.

Quadro 5. Resultados experimentais do M-SST com BDN-UHDC e BEAL-UHDC Betão do

Substrato-Adicionado

Tratamento da Interface

Tensão de Corte na Interface

[MPa]

Média [MPa]

Desvio Padrão [MPa]

Coeficiente de Variação

[%]

BDN-UHDC

L 8.42

9.58 1.01 10.5 10.25 10.07

O 15.62

15.05 0.55 3.6 14.53 14.99

BEAL-UHDC

L *

5.28 1.43 27.1 4.27 6.29

O 17.67

17.03 0.55 3.2 16.74 16.70

* ocorreu a separação das duas metades pela interface antes do ensaio. Todas as roturas obtidas foram adesivas (Fig. 5a), com descolamento pela interface. É de realçar a ocorrência, num número reduzido de provetes, do destacamento de parte do UHDC (Fig. 5b).

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a) b)

Figura 5. Ensaio do M-SST: a) Rotura adesiva; e b) Destacamento do UHDC. Analisando os resultados do Quadro 5, conclui-se que: 1) ocorre um aumento significativo da resistência ao corte com o aumento da rugosidade da superfície da interface; 2) os provetes cuja interface é constituída pela superfície ondulada (O) apresentam coeficientes de variação significativamente inferiores aos provetes com a interface lisa (L); e 3) os provetes com o substrato constituído por BEAL apresentam uma resistência ao corte superior aos provetes constituídos por BDN, para a interface com superfície ondulada. Era expetável que a resistência dos provetes em que foi utilizado BEAL como substrato apresentasse menor resistência devido a apresentarem menor densidade que o BDN. No entanto, o fato de o BEAL apresentar um valor de resistência à compressão superior ao BDN pode justificar os resultados obtidos. 3. CONCLUSÕES A utilização de betões de ultra elevada durabilidade (UHDC) apresenta diversas vantagens comparativamente aos betões correntes, nomeadamente no aumento da resistência e da durabilidade. Contudo, o seu custo de produção é demasiado elevado para serem utilizados de forma arbitrária. Uma utilização racional do UHDC pode passar pela sua aplicação como recobrimento em elementos estruturais, moldados em obra ou pré-fabricados em betão corrente (BDN ou BEAL). O programa experimental desenvolvido com o objetivo de avaliar a resistência ao corte da interface entre BDN-UHDC e BEAL-UHDC demonstrou as vantagens da utilização do novo ensaio proposto recentemente pelos autores, o Modified Slant Shear Test (M-SST). Todas as roturas obtidas foram adesivas, ou seja, a resistência ao corte da interface não foi determinada com base em valores conservativos obtidos a partir de roturas coesivas. Por este motivo, recomenda-se a adoção do M-SST na avaliação experimental da resistência entre camadas de betão de diferente idade. Concluiu-se que a preparação da superfície da interface é fundamental na obtenção de uma adequada adesão entre betão do substrato e betão adicionado. Para a superfície lisa (L) verificou-se que com o BDN como substrato se obteve uma resistência superior em comparação com a situação em que se utilizou BEAL. Essa situação inverteu-se para a superfície ondulada (O), ou seja, para um tratamento mais rugoso, obtiveram-se valores mais elevados de resistência utilizando o BEAL, fato que pode ser explicado devido a este apresentar um valor de resistência à compressão superior ao BDN. Com base nos resultados obtidos, demonstra-se que a utilização de UHDC em associação com outros betões pode ser executada. No entanto, é essencial efetuar um tratamento adequado que permita aumentar a rugosidade da superfície do betão de substrato, de forma a obter resistências mais elevadas.

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Saldanha, Santos e Júlio

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AGRADECIMENTOS Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) através do projeto com a referência PTDC/ECM/098497/2008. REFERÊNCIAS [1] Ghafari, E. [et al.] (2012) Enhanced durability of Ultra High Performance Concrete by

incorporating supplementary cementitious materials, Second International Conference on Microstructural-related Durability of Cementitious Composites, 11-13 April 2012, Amsterdam, The Netherlands.

[2] Saldanha, R. [et al.] (2012) Ensaio slant shear modificado para obter roturas adesivas. Betão Estrutural 2012.

[3] BS EN 12615. 1999, Products and systems for the protection and repair of concrete structures - Determination of Slant Shear Strength. European Committee for Standardization. 12 p.

[4] ASTM C882. 1999, Standard test method for bond strength of epoxy-resin systems used with concrete by slant shear. American Society for Testing Materials. 3 p.

[5] NP EN 12390-3. (2009) - Ensaios do betão endurecido. Parte 3: Resistência à compressão de provetes. Instituto Português da Qualidade. 21 p.

[6] Santos, P. [et al.] (2008). Development of a laser roughness analyser to predict in situ the bond strength of concrete-to-concrete interfaces. Magazine of Concrete Research. Vol. 60, No. 5, pp 329-337.

[7] Saldanha, R. [et al.] (2011) fib Model-Code 2010 approach for concrete-to-concrete interfaces, IABSE-IASS, London.