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Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012 Reabilitação do Mercado do Bom Sucesso no Porto Hipólito de Sousa 1 Marco Duarte 2 Emanuel Correia 3 RESUMO Apresenta-se o projeto de reabilitação do Mercado do Bom Sucesso realizado pela SOPSEC, SA. A obra divide-se em duas grandes áreas - reparação, reabilitação e reforço da estrutura existente e a construção de dois edifícios no interior do Mercado. Esta comunicação faz referência à caracterização, análise e dimensionamento bem como às especificidades técnicas de projeto e de execução encontradas. Serão ainda abordados aspetos relacionados com as dificuldades particulares desta obra em fase de construção. Palavras-chave: Reparação, Reforço, Reabilitação, Mercado, Porto. 1. INTRODUÇÃO O Mercado do Bom Sucesso é uma referência maior na cidade do Porto e é desde 2010 classificado como Monumento de Interesse Público. Localizado na freguesia de Massarelos junto à rotunda da Boavista, o Mercado ocupa um lugar estratégico de integração com os movimentos da cidade. O projeto original da autoria do Prof. Eng. Joaquim Sarmento remonta ao ano de 1949. A obra iniciou- se em 1951 e foi pioneira, em Portugal, na utilização do sistema de lajes aligeiradas do tipo Patial- Stahlton. A estrutura é indelevelmente marcada pelos pórticos centrais com vãos de 28 metros, constituindo uma cobertura em abóbada, regularmente espaçados e desenvolvidos segundo uma planta desenhada em ligeira curva. Esta configuração permite uma iluminação natural de todo o Mercado através de amplos lanternins que correm toda a cobertura. 1 SOPSEC SA, Direção de Projetos de Engenharia, 4400-436 V.N. Gaia, Portugal. [email protected] 2 SOPSEC SA, Direção de Projetos de Engenharia, 4400-436 V.N. Gaia, Portugal. [email protected] 3 SOPSEC SA, Direção de Projetos de Engenharia, 4400-436 V.N. Gaia, Portugal. [email protected]

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  • Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012

    Reabilitação do Mercado do Bom Sucesso no Porto

    Hipólito de Sousa1 Marco Duarte2 Emanuel Correia3

    RESUMO Apresenta-se o projeto de reabilitação do Mercado do Bom Sucesso realizado pela SOPSEC, SA. A obra divide-se em duas grandes áreas - reparação, reabilitação e reforço da estrutura existente e a construção de dois edifícios no interior do Mercado. Esta comunicação faz referência à caracterização, análise e dimensionamento bem como às especificidades técnicas de projeto e de execução encontradas. Serão ainda abordados aspetos relacionados com as dificuldades particulares desta obra em fase de construção. Palavras-chave: Reparação, Reforço, Reabilitação, Mercado, Porto. 1. INTRODUÇÃO O Mercado do Bom Sucesso é uma referência maior na cidade do Porto e é desde 2010 classificado como Monumento de Interesse Público. Localizado na freguesia de Massarelos junto à rotunda da Boavista, o Mercado ocupa um lugar estratégico de integração com os movimentos da cidade. O projeto original da autoria do Prof. Eng. Joaquim Sarmento remonta ao ano de 1949. A obra iniciou-se em 1951 e foi pioneira, em Portugal, na utilização do sistema de lajes aligeiradas do tipo Patial-Stahlton. A estrutura é indelevelmente marcada pelos pórticos centrais com vãos de 28 metros, constituindo uma cobertura em abóbada, regularmente espaçados e desenvolvidos segundo uma planta desenhada em ligeira curva. Esta configuração permite uma iluminação natural de todo o Mercado através de amplos lanternins que correm toda a cobertura.

    1 SOPSEC SA, Direção de Projetos de Engenharia, 4400-436 V.N. Gaia, Portugal. [email protected] 2 SOPSEC SA, Direção de Projetos de Engenharia, 4400-436 V.N. Gaia, Portugal. [email protected] 3 SOPSEC SA, Direção de Projetos de Engenharia, 4400-436 V.N. Gaia, Portugal. [email protected]

  • Reabilitação do Mercado do Bom Sucesso no Porto

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    Figura 1. Vista do interior do Mercado do Bom Sucesso.

    A intervenção do projeto de estruturas e fundações caraterizou-se, em linhas gerais, pelos seguintes pontos:

    1. Formulação dos termos de referência para a caracterização do estado da estrutura (identificação de anomalias, estado de deterioração,…);

    2. Elaboração dos termos de referência para a caracterização geológico/geotécnica do horizonte de fundação;

    3. Verificação estrutural das áreas com alteração de uso e/ou alvo de modificações; 4. Concepção dos trabalhos de reabilitação de fundações, pavimentos térreos e elementos

    estruturais; 5. Concepção dos trabalhos de reforço de fundações e elementos estruturais; 6. Concepção, análise e dimensionamento da construção nova, incluindo a interligação com

    o existente. Desde logo, assinalaram-se os problemas mais relevantes cuja influência poderia condicionar as soluções a adotar em projeto. Estes prendiam-se sobretudo com o facto de estarmos perante um edifício com décadas de existência que apresentava diversas patologias no betão e aço, decorrentes do efeito da corrosão do metal. Havia ainda a dificuldade de, em fase de projeto, estimar e prolongar o tempo de vida da estrutura, incluindo os efeitos da corrosão. Além disso, foi essencial fazer a análise das estruturas tal como foram projectadas, aferindo da conformidade dimensional entre a obra e o projeto original. 2. DESCRIÇÃO GERAL DA INTERVENÇÃO 2.1 Edifício existente O edifício foi desenhado com três pisos, de forma a aproveitar a geometria da abóbada, e circundado por lojas independentes. A estrutura existente é constituída pelos, já mencionados, pórticos centrais rotulados nos montantes, Fig. 2. Nestes pórticos apoiam-se as vigas dos pórticos laterais que se desenvolvem à volta de todo o edifício, nos mesmos planos estruturais. Estes elementos transversais são convenientemente travados por vigas longitudinais. Estas vigas com as vigas dos pórticos definem, por sua vez, os painéis retangulares das lajes dos vários pavimentos. As lajes, do tipo Patial-Stahlton, são unidirecionais com vãos máximos de 7 metros e são constituídas por elementos cerâmicos pré-esforçados complementados por uma lajeta de betão moldada in situ, ver Fig. 3. Trata-se de um sistema que comercialmente deixou de existir e que antecedeu as lajes de vigotas pré-esforçadas.

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    Figura 2 e 3. Respetivamente, Pormenor da rótula nos pilares dos pórticos principais, Laje existente.

    Outra particularidade da estrutura existente, trata-se do elevado número de juntas de dilatação que apresentava. As partes da obra diretamente sujeitas às ações ambientais evidenciam, como norma de seccionamento, um espaçamento não superior a 14 metros. A avaliação inicial do estado da estrutura permitiu elencar, desde logo, um conjunto de anomalias das quais se destacam as seguintes [1]:

    1. Delaminação provocada pela corrosão de armaduras, em vigas e pilares; 2. Armadura de pré-esforço dos elementos cerâmicos das lajes completamente corroída; 3. Fendilhação por flexão em vigas; 4. Consolas curtas com betão desagregado devido a uma deficiente disposição das armaduras

    levando a que estas não absorvessem as tensões de tração; 5. Diversos elementos estruturais com armaduras à vista sem recobrimento mínimo; 6. Assentamentos exagerados no pavimento térreo resultantes de um menor desempenho do

    horizonte superficial de fundação.

    Figura 4, 5 e 6. Respetivamente, Viga existente, Consola curta, Pilar existente.

    Figura 7. Pavimento térreo existente.

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    2.2 Edifícios novos Toda a intervenção proposta desenvolve-se no interior do edifício, sem qualquer alteração ou ligação às fachadas e cobertura existentes. Foi prevista a construção de dois edifícios no interior, um do lado norte destinado à instalação de um hotel, outro na extremidade sul destinado a serviços. No piso térreo serão mantidas as funções de mercado/espaço comercial. A solução arquitectónica procurou que se mantivesse a leitura de todo o espaço que encerra a cobertura do Mercado, assim como a sua estrutura e ritmos de aberturas. Os edifícios novos apresentam uma forma curvilínea, adaptada às linhas interiores da estrutura existente, sendo que o bloco norte é constituído por 3 pisos novos (mais cobertura) acima da estrutura existente. O bloco sul é, por sua vez, constituído por 2 pisos (mais cobertura) acima do existente.

    Figura 8 e 9. Respetivamente, Fachada nascente do bloco norte, Pilares mistos inclinados de apoio à extremidade

    sul do bloco norte.

    A solução adotada, em projeto, para as fundações foi, genericamente, fundações indirectas constituídas por uma malha de estacas moldadas de diâmetro igual a 0,40 metros e maciços de encabeçamento que apoiam os elementos verticais estruturais. O comprimento total das estacas situa-se entre os 14 a 18 metros. Nas zonas onde, por motivos de insuficiente altura disponível entre lajes existentes inviabilizava a mobilização do equipamento de estacas, adoptou-se uma solução em micro-estacas do tipo Raccordi Regonesi N80 com diâmetros de 88.9/6.5 e 114/6.5 mm. Os edifícios novos foram concebidos como estruturas monolíticas, procurando-se dotar a estrutura de maior capacidade de repartição de esforços pelos elementos de contraventamento e evitar pontos com eventuais debilidades de funcionamento associados às juntas de dilatação. O bloco norte possui uma estrutura totalmente independente da estrutura existente, evitando deste modo, a alteração do princípio e comportamento estrutural da estrutura existente. A superstrutura é em betão armado, constituída por paredes e pilares dando apoio a lajes fungiformes maciças de 20 a 25 centímetros de espessura. Na extremidade sul do edifício a estrutura em betão é apoiada por pilares mistos aço-betão inclinados com uma forma aparentemente aleatória. O bloco sul é constituído por uma estrutura reticulada de betão armado cujos elementos verticais, pilares e paredes, dão apoio a vigas e lajes maciças de betão armado. A cobertura é constituída por pórticos metálicos, regularmente espaçados, que dão apoio a madres em aço leve e apoiam-se nos pilares de betão.

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    Figura 10. Imagem renderizada do bloco sul.

    A estrutura do bloco sul integra-se na estrutura existente havendo o prolongamento de pilares existentes e a materialização, ao nível do piso 0, de uma laje fungiforme maciça com capitéis que se apoiam predominantemente em pilares existentes, dispostos numa malha de 7,0 x 5,4 metros. O apoio da laje nos pilares existentes é realizado através de capitéis em betão armado com as armaduras seladas nos pilares. 3. CONDICIONANTES A realização de dois edifícios no interior de um pré-existente no respeito da preservação da integridade das fachadas e coberturas existentes deste num período curto de projeto e obra, definiu o quadro geral sobre o qual se desenrolou o trabalho. Das condicionantes que marcaram o projeto/obra destacam-se as seguintes:

    1. Exigências do IGESPAR para a preservação do edifício; 2. Integração da estrutura nova para que fosse o menos intrusiva e debilitante da estrutura

    existente; 3. Um número alargado de juntas de dilatação existentes; 4. Estado de deterioração da estrutura; 5. Espaço para mobilização dos equipamentos necessários à execução da obra (equipamentos

    de elevação, de execução de estacas, …); 6. Espaço exíguo entre a cobertura dos edifícios novos e a abóbada existente; 7. Condicionantes de ruído, vibrações e poeiras.

    4. ANÁLISE ESTRUTURAL 4.1 Estrutura existente – Reparação e Reforço A inspeção da estrutura permitiu identificar as anomalias e o estado de deterioração da estrutura. O tipo de deterioração identificado em obra tinha como génese a carbonatação. Este mecanismo de corrosão causou a fendilhação e delaminação do betão de recobrimento em diversos elementos estruturais. A corrosão por ação da carbonatação trata-se de um processo de degradação lento e induz uma corrosão geral das armaduras. A velocidade de corrosão é controlada essencialmente pela resistividade do betão que, por sua vez, é influenciada pelo teor de humidade. Os efeitos da corrosão das armaduras podem traduzir-se numa redução significativa da capacidade de carga nas estruturas ou mesmo no seu colapso [2]. Na avaliação do estado da estrutura este aspecto foi devidamente considerado, para tal usaram-se modelos de cálculo para aferir a capacidade resistente “atual” da estrutura. Os efeitos da corrosão em vigas implicam [3]:

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    1. O aumento da abertura de fendas (por aumento da tensão no aço fruto da redução da secção e redução da aderência aço-betão);

    2. O aumento da deformação (devido à fendilhação, redução da participação do betão entre fendas e delaminação);

    3. Alteração do modelo de comportamento estrutural; Os efeitos da corrosão em pilares implicam [3]:

    1. Redução da resistência (redução da secção, delaminação e redução da secção das cintas); 2. Redução da ductilidade (redução da secção das cintas e confinamento do betão); 3. Aumento das excentricidades devido à assimetria da delaminação;

    Estes efeitos foram analisados não só de uma forma local mas de uma forma global através da análise não linear da estrutura ou através de modelos de escoras e tirantes. A metodologia de reparação procurou refletir a melhor estratégia possível em termos técnicos, económicos e estéticos evidenciando aspetos como o tipo de utilização e período de vida da estrutura, requisitos de desempenho estrutural ou manutenção prevista para a estrutura. A reparação foi definida com base nos princípios descritos na norma EN1504, e que passaram pelos seguintes trabalhos:

    1. Preenchimento de fendas (elementos com fendas devidas a cargas); 2. Substituição do betão deteriorado; 3. Substituição/complementação de armaduras; 4. Repassivação das armaduras (aumento do recobrimento); 5. Reforço de elementos através de encamisamento com betão (pilares), injecção de fendas

    (vigas) e reforço com chapas metálicas (consolas curtas) e fibras de carbono (vigas com fendas a meio vão).

    Figura 11 e 12. Respetivamente, Reforço de pilar existente por encamisamento, Viga a ser reabilitada por

    substituição/complementação de armaduras. Pese embora os elementos estruturais terem sido reparados houve a necessidade de, em alguns, combinar essa reparação com o reforço estrutural. O reforço surgiu da necessidade de alterar o uso destinado a certos espaços e do respetivo aumento de cargas a que foram sujeitos. Os métodos de reforço adotados passaram pelo encamisamento da secção (com betão armado), nos casos em que arquitetonicamente essa era uma solução admissível, reforço por adição de armaduras exteriores com chapas metálicas (ver Fig.13) ou fibras de carbono (CFRP). O reforço por adição de armaduras foi utilizado quando o betão apresentava boa qualidade e era inviável o aumento de secções. O encamisamento foi utilizado, preferencialmente, no reforço de pilares existentes. Na análise e dimensionamento do reforço por fibras de carbono foi seguido, entre outras, a publicação da FIB - bulletin 14 – Externally bonded FRP reinforcement for RC Structures.

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    Figura 13. Pormenor de reforço por adição de armaduras exteriores (chapas metálicas).

    4.1 Estrutura nova A análise e o dimensionamento dos edifícios novos integraram uma análise tridimensional da estrutura existente, Fig.14. O comportamento estrutural global foi estimado com base em modelos tridimensionais recorrendo ao programa de cálculo, “ROBOT Structural Analysis 2012” da Autodesk numa integração direta com o programa “Autodesk Revit Structure” assente em tecnologia BIM – Building Information Modeling . O cálculo dos esforços foi obtido mediante uma modelação por elementos finitos de casca e de barra.

    Figura 14. Modelo parcial de cálculo.

    Foram elaborados modelos de cálculo globais e parciais para a análise das diferentes fases da obra. Função do facto de o Mercado possuir inúmeras juntas de dilatação foi relativamente fácil particularizar as análises. O edifício localizado na extremidade norte do Mercado possui uma estrutura completamente independente da estrutura existente pelo que foi alvo de análise individualizada. Relativamente ao bloco sul e devido à sua completa integração/interação com a estrutura existente foi necessário alargar a análise a dois modelos parciais distintos – um primeiro modelo - onde foi considerada a estrutura existente atualizada atendendo às informações relativas aos levantamentos, bem como, as acções atuantes neste estágio da estrutura, - um segundo modelo – onde se simulou a situação final com o edifício novo já construído. Estes dois modelos permitiram avaliar o acréscimo de solicitações na estrutura e fundações existentes verificando a necessidade de consolidação e de reforço estrutural, ver Figs 15 e 16.

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    Figura 15 e 16. Reforço das fundações existentes.

    5. CONCLUSÕES Nos projectos de reabilitação estrutural é importante aplicar todos os meios disponíveis para uma caraterização rigorosa da estrutura. Neste sentido, a inspeção visual das estruturas existentes e a análise dos projetos originais são, numa primeira fase, vectores de análise essenciais para compreender a real dimensão do problema e a sua origem. Esta abordagem inicial permitirá, desde logo, enquadrar adequadamente o âmbito e a extensão da intervenção. Por outro lado, na análise estrutural é também indispensável perceber as caraterísticas da estrutura atual, bem como, a sua história, o que inclui a avaliação do seu desempenho e a forma como ao longo do seu tempo de vida esta foi modificada e adaptada às condições dos diferentes usos. AGRADECIMENTOS - Mercado Urbano Gestão Imobiliária S.A; - Consórcio Mota-Engil, Engenharia e Construção S.A / Eusébios & Filhos, S.A; - Ferreira de Almeida - Arquitectos, Lda; - Professor Eng. Joaquim Sarmento; - Câmara Municipal do Porto; REFERÊNCIAS

    [1] Duarte, M. (2011). Mercado do Bom Sucesso. Projeto de execução SOPSEC, SA.

    [2] Appleton, J. (1998). Avaliação da Segurança Estrutural no Processo de Reparação. Seminário Inspecção e Reparação de Estruturas de Betão Armado com Corrosão, LNEC.

    [3] Costa, A. (1999). Mecanismos de Deterioração das Estruturas de Betão Armado. IST.