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USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS NA ODONTOLOGIA: conhecimentos, percepções e práticas Renata Rodrigues de Figueiredo Salvador - BA Junho de 2009 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO PROFISSIONALIZANTE ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM VIGILÂNCIA SANITÁRIA

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  • USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS NA ODONTOLOGIA:

    conhecimentos, percepes e prticas

    Renata Rodrigues de Figueiredo

    Salvador - BA

    Junho de 2009

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    INSTITUTO DE SADE COLETIVA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE COLETIVA

    MESTRADO PROFISSIONALIZANTE

    REA DE CONCENTRAO EM VIGILNCIA SANITRIA

  • Renata Rodrigues de Figueiredo

    USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS NA ODONTOLOGIA:

    conhecimentos, percepes e prticas

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao

    em Sade Coletiva do Instituto de Sade Coletiva da

    Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para

    obteno do ttulo de Mestre em Sade Coletiva.

    rea de concentrao: Vigilncia Sanitria

    Orientao: Prof. Dr. Maria Ligia Rangel Santos

    Salvador - BA

    Junho de 2009

  • Ficha Catalogrfica

    Elaborao: Biblioteca do Instituto de Sade Coletiva

    _____________________________________________________________ F475u Figueiredo, Renata Rodrigues de.

    Uso racional de medicamentos na odontologia: conhecimentos, percepes

    e prticas / Renata Rodrigues de Figueiredo. - Salvador: R.R. Figueiredo,

    2009.

    106f. Orientador(a): Prof. Dr. Maria Ligia Rangel Santos . Dissertao (mestrado) - Instituto de Sade Coletiva. Universidade Federal

    da Bahia.

    1. Uso de Medicamentos. 2. Cirurgio-dentista. 3. Propaganda de

    Medicamentos. Prticas Odontolgicas. I. Ttulo.

    CDU 614.3

    _____________________________________________________________

  • Dedicatria Dedico aos meus queridos familiares, que me

    apiam nas minhas atividades e projetos, vibram por mim e completam minha vida.

    Ao meu sobrinho Lucas, minha inspirao que nasceu na fase final da realizao deste trabalho.

  • Agradecimentos

    A Deus, obrigada por tudo.

    minha me e ao Cassio, que me deram apoio e suporte para alcanar este objetivo.

    s amigas Lorilei Wzorek e Fernanda Horne, farmacuticas, que muito contriburam durante todas

    as fases deste trabalho.

    Aos colegas do curso, especialmente s amigas Renata e Suzany, pelo apoio recproco.

    minha orientadora, que soube intervir nas horas certas.

    Aos cirurgies-dentistas que concederam as entrevistas e a todos que de alguma forma

    colaboraram para a realizao deste estudo.

  • A tendncia moderna, na teraputica geral e odontolgica, consiste no tratamento da molstia, sbre bases racionais. O moderno odontologista no

    se contenta em saber apenas que tal agente cura tal enfermidade, quer saber por que.

    Buckley, 1956

  • RESUMO

    O cirurgio-dentista faz uso de medicamentos comumente na prtica clnica e devem-se

    observar critrios preconizados pela Organizao Mundial de Sade (OMS) para seu uso racional. Estudos apontam vrios problemas no uso de medicamentos pelo cirurgio-dentista e

    que em geral est mal preparado para indicao e prescrio de frmacos para seus pacientes. Desta forma, importante anlise de seus conhecimentos, percepes e prticas sobre uso de medicamentos, sendo que o estudo objetivou descrever a percepo de cirurgies-dentistas

    sobre medicamentos quanto ao uso racional, as fontes de informao utilizadas e a influncia da propaganda na prescrio. A pesquisa foi desenvolvida com abordagem qualitativa, com

    coleta de dados realizada no Distrito Federal, por meio de entrevista individual, orientada por um roteiro semi-estruturado, com dez informantes-chave selecionados de acordo com fatores que podem estar relacionados a diferentes prticas e percepes. Para a anlise de contedo

    dos dados obtidos pela pesquisa de campo foi utilizada a tcnica de anlise temtica. Os resultados mostraram que os entrevistados consideram seus conhecimentos sobre teraputica

    medicamentosa insuficientes para uma correta e segura prescrio. Foi observado que o entendimento sobre uso racional de medicamentos limitado, se confunde com a deciso de utilizar os medicamentos somente quando necessrio, sendo que seus preceitos foram

    parcialmente observados. A prescrio da dose correta foi a mais relacionada ao uso racional; o uso do medicamento apropriado s necessidades clnicas foi resumido indicao certa e

    precisa; o tempo adequado de tratamento foi pouco destacado; e apenas um entrevistado relacionou o menor custo ao uso racional de medicamentos. Todos entrevistados desconhecem a proposta da OMS para o uso racional de medicamentos, bem como

    estratgias, intervenes e instrumentos para a promoo do uso racional de medicamentos, o que restringe a participao na formulao destas polticas e a efetivao do uso racional de

    medicamentos na odontologia. A fonte de informao sobre medicamentos mais utilizada pelos cirurgies-dentistas o Dicionrio de Especialidades Farmacuticas, seguida por pesquisas em sites de busca na Internet e livros didticos. Est presente a percepo da

    influncia das estratgias promocionais da indstria farmacutica na prescrio odontolgica, principalmente pela divulgao de medicamentos novos por meio dos representantes da

    indstria farmacutica, pela distribuio de amostras grtis, pela distribuio de receiturios prontos e no oferecimento de vantagens. A sensibilizao, a rpida prescrio e o uso amplamente difundido entre os cirurgies-dentistas dos antiinflamatrios inibidores seletivos

    da COX-2 foram atribudos diretamente influncia da propaganda da indstria farmacutica na prescrio odontolgica. O estudo demonstrou a dependncia das informaes fornecidas

    pela indstria farmacutica para o conhecimento e a atualizao profissional sobre medicamentos. necessrio o estabelecimento de uma poltica de comunicao, bem como aes de informao e educao acerca dos aspectos envolvidos no uso racional de

    medicamentos junto aos cirurgies-dentistas. preciso intensificar a regulao e fiscalizao sobre a propaganda de medicamentos; que disponibilize aos cirurgies-dentistas fontes de

    informao independentes sobre medicamentos; desenvolver aes que estimulem atitude crtica sobre as informaes fornecidas pela indstria farmacutica e a conduta baseada em evidncias cientficas; e estabelecer uma poltica de incluso destes profissionais prescritores

    para o uso racional de medicamentos.

    Palavras-chave: uso racional de medicamentos, cirurgio-dentista, difuso cientfica, propaganda de medicamentos, prticas odontolgicas.

  • ABSTRACT

    The dentist uses medicines commonly in clinical practice and the criteria recommended by the World Health Organization (WHO) should be observed for its rational use. Studies indicate

    many problems in the use of medication by the dentist and that is because usually they are not prepared to indicate and prescribe medicines for their patients. Thus, the analysis of their

    knowledge, perceptions and practices on medication use is very important, and the study aimed to describe the perception of dentists on medicines and its rational use, the source of information used and the influence of advertising on prescription. The research was conducted

    with a qualitative approach, it was held at the Federal District of Brazil, through individual interviews, guided by a semi-structured script, with ten key informers selected according to

    factors that may be related to different practices and perceptions. For the content analysis of the data obtained by the field research it was used the technique of thematic analysis. The results showed that the interviewees consider their knowledge of drug therapy insufficient for

    a correct and safe prescription. It was observed that the understanding of rational use of drugs is limited, it is confused with the decision of using the medicines only when necessary,

    because its precepts were partially observed. The prescription of the correct dose was the most related to rational use; the use of appropriate medications to clinical needs was limited to right and precise indication; the appropriate time of treatment was just posted; and only one

    interviewee related the lowest cost to the rational use of medicines. All interviewees dont know the proposal of the WHO for the rational use of medicines, as well as the strategies,

    interventions and tools to promote the rational use of medicines, which restricts the participation in the formulation of policies and effectiveness of the rational use of medicines in dentistry. The source of information on medicines most used by surgeons-dentists is the

    Dicionrio de Especialidades Farmacuticas, followed by the research on the Internet and textbooks. The perception of the influence of promotional strategies of the pharmaceutical

    industry on prescribing dental is present, especially for the dissemination of new drugs by the representatives of the pharmaceutical industry, given the distribution of free samples, the distribution of ready prescriptions and the offers of advantages. The awareness, fast

    prescription and widespread use among dentists of anti-inflammatory selective inhibitors of COX-2 were directly attributed to the influence of pharmaceutical industry advertising

    strategies on dental prescription. The study showed dependence on information provided by the pharmaceutical industry to update professional knowledge on medicines. It is necessary to establish a communication policy and actions of information and education about the issues

    involved in the rational use of medicines with the dentists. We must strengthen the regulation and control on the advertising of medicines that provides to the dentists independent

    medicines information, developing activities to stimulate critical attitude on the information provided by the pharmaceutical industry and conduct based on scientific evidence, and establish policies to include these professionals responsible for prescriptions in the rational

    use of medicines.

    Keywords: rational use of medicines, dentist, diffusion of science, drug advertising, dental practices.

  • SUMRIO

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS......................................................... 09

    1 INTRODUO.................................................................................................... 10

    2 OBJETIVOS......................................................................................................... 18

    2.1 Objetivo geral....................................................................................................... 18

    2.2 Objetivos especficos........................................................................................... 18

    3 JUSTIFICATIVA................................................................................................. 19

    4 MARCO REFERENCIAL.................................................................................. 21

    4.1 O uso racional de medicamentos......................................................................... 21

    4.2 Difuso cientfica, comunicao e o uso racional de medicamentos ................ 25

    4.3 Os requisitos para o uso racional de medicamentos......................................... 29

    4.4 Fontes de informao sobre medicamentos ....................................................... 31

    4.5 O uso racional e a propaganda de medicamentos ............................................. 35

    5 METODOLOGIA................................................................................................ 39

    5.1 Aspectos ticos...................................................................................................... 41

    6 RESULTADOS E DISCUSSO......................................................................... 43

    6.1 Conhecimentos sobre terapia medicamentosa................................................... 43

    6.1.1 Conhecimentos sobre os anestsicos locais........................................................... 45

    6.2 O uso racional de medicamentos para os cirurgies-dentistas........................ 47

    6.2.1 Os critrios e passos utilizados para o uso e prescrio de medicamentos............ 47

    6.2.2 A definio de uso racional de medicamentos para os cirurgies-dentistas.......... 53

    6.2.3 O conhecimento da proposta da OMS para o uso racional de medicamentos ..... 56

    6.3 Fontes de informao sobre medicamentos utilizadas pelos cirurgies-

    dentistas.................................................................................................................

    60

    6.4. A influncia das estratgias promocionais da indstria farmacutica na

    prescrio odontolgica.......................................................................................

    71

    6.4.1 A percepo sobre as informaes fornecidas pela indstria farmacutica........... 82

    7 CONCLUSES E RECOMENDAES.......................................................... 87

    REFERNCIAS................................................................................................... 91

    ANEXOS............................................................................................................... 104

    Anexo A Parecer de Aprovao do Comit de tica em Pesquisa................ 104

    Anexo B Termo de Consentimento Livre e Esclarecido................................ 105

    Anexo C Roteiro semi-estruturado para entrevista....................................... 106

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    Anvisa Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria

    CBM Compndio de Bulas de Medicamentos

    CIM Centro de Informao sobre Medicamentos

    CFO Conselho Federal de Odontologia

    COX Cicloxigenase

    DEF Dicionrio de Especialidades Farmacuticas

    FDA Food and Drug Administration

    OMS Organizao Mundial de Sade

    RDC Resoluo da Diretoria Colegiada

    Rename Relao Nacional de Medicamentos Essenciais

    SUS Sistema nico de Sade

  • 10

    1 INTRODUO

    O uso de medicamentos uma preocupao mundial, sendo numerosos os estudos

    sobre medicamentos, que se relacionam prtica mdica, ao uso racional, ao padro de

    prescrio, que evidenciam as reaes adversas, o aumento da resistncia bacteriana e avaliam

    as polticas farmacuticas, a questo do acesso aos medicamentos, a influncia da propaganda

    na prescrio e consumo de medicamentos, dentre outros.

    Em odontologia, pouco se tem analisado a insero do medicamento na prtica

    clnica (CASTILHO, 1999). Provavelmente porque nas afeces bucais, os procedimentos

    clnicos e/ou cirrgicos sejam imprescindveis para o sucesso do tratamento odontolgico e a

    prescrio medicamentosa seja complementar. De acordo com Tortamano (2001), a

    teraputica clnica ocupa papel de destaque nos tratamentos odontolgicos, ficando a

    teraputica medicamentosa restrita ao papel de complementao clnica do profissional, mas o

    que no quer dizer que no seja constantemente utilizada.

    O cirurgio-dentista faz uso de medicamentos comumente na prtica clnica, como o

    caso da administrao de solues anestsicas, imprescindvel para muitos procedimentos

    odontolgicos, em virtude da dor. Desta forma, deve possuir timo conhecimento sobre a

    farmacologia e toxicidade dos anestsicos locais, selecionando a soluo anestsica mais

    apropriada ao tipo de procedimento e condio de sade do paciente (ANDRADE, 2006).

    Alm do uso de medicamentos administrados pelos cirurgies-dentistas, a prescrio

    medicamentosa amplamente utilizada por estes profissionais. A literatura odontolgica

    mundial unnime em afirmar que os cirurgies-dentistas prescrevem com grande freqncia

    antiinflamatrios, analgsicos e antibiticos/quimioterpicos (VILAA, 2003). Porm, o

    autor tambm ressalta que existe concordncia geral de que o cirurgio-dentista est mal

    preparado para a indicao e prescrio de frmacos para seus pacientes.

    O cirurgio-dentista deve possuir uma srie de conhecimentos sobre farmacologia e

    teraputica para uma prescrio adequada e racional. Estudos no Brasil demonstram que os

    medicamentos mais prescritos pelos cirurgies-dentistas so analgsicos, antiinflamatrios e

    antibiticos (SIXEL, 1995; CASTILHO, 1999; PACHECO, 2000; VILAA, 2003), sendo

    indicados principalmente no manejo da dor (como para prevenir a dor, edema, eritema e

    hipertermia local, de carter inflamatrio decorrente de uma interveno ou para controlar a

    dor j instalada) e para prevenir e tratar processos infecciosos.

  • 11

    Um estudo na Espanha em uma farmcia comunitria observou que uma porcentagem

    relevante (11,2%) de todos os antibiticos so prescritos devido a infeces odontognicas e

    que os odontlogos foram responsveis por 6,1% das prescries de antibiticos

    (MACHUCA, 2000). Na Inglaterra, Palmer (2000) refere-se a um levantamento de que houve

    prescrio de mais de 3,5 milhes de antibiticos por cirurgies-dentistas em 1997,

    correspondendo a 7% da prescrio de todos antibiticos na comunidade e a um custo de 5,2

    milhes de libras.

    Porm, as pesquisas apontam srios problemas na prescrio odontolgica falta de

    registro em pronturios, erros na estrutura formal e escolha dos medicamentos, despreparo

    dos profissionais, prescries no condizentes com a literatura cientfica, grande variedade de

    condutas de prescrio para uma mesma situao clnica, dentre outros produzindo impacto

    na qualidade de vida dos pacientes e para a sade pblica (SIXEL, 1995; CASTILHO, 1999;

    PACHECO, 2000; VILAA, 2003).

    Dailey (2001) investigou a prescrio de antibiticos realizadas por cirurgies-

    dentistas em 1069 consultas de urgncia. A maioria dos pacientes atendidos relatou dor e 35%

    apresentavam pulpite, sendo que em 75% destes atendimentos, foram prescritos antibiticos

    sem qualquer interveno cirrgica, o que demonstra prescrio inapropriada destes

    medicamentos.

    As conseqncias da m prtica de prescrio so tratamentos ineficazes e inseguros,

    exacerbao ou prolongamento da doena, desconforto e dano ao paciente, custo demasiado

    alto para o indivduo e o sistema de sade (MEHTA, 2004 apud WANNMACHER, 2007).

    Como os frmacos so substncias estranhas ao organismo, diante de sua utilizao

    existe o risco de desenvolvimento de efeitos prejudiciais ou indesejados, ou seja, reaes

    adversas a medicamentos. Tais reaes constituem em importante problema para a rea de

    sade, determinando sofrimento e piora da qualidade de vida, perda da confiana nos

    prescritores, necessidade de exames e tratamentos adicionais, aumento de custos, de

    hospitalizaes e eventualmente de mortalidade (WANNMACHER, 2007).

    Alm das reaes adversas, existem outras preocupaes relacionadas ao uso de

    medicamentos, como a resistncia microbiana, que um dos problemas de sade pblica mais

    graves do mundo. Cresce a um ritmo acelerado, devido ao uso inapropriado de

    antimicrobianos. A utilizao indiscriminada de antimicrobianos na prtica odontolgica,

    tambm pode levar ao desenvolvimento de microorganismos resistentes e alterao da

    microbiota oral, exigindo seu uso criterioso e adequado (MEDEIROS, 2008). Bresc-Salinas

    (2006) afirma que o uso sistemtico por dentistas de antibiticos de amplo espectro para

  • 12

    infeces leves resulta em um sobretratamento, que contribui para o aumento da resistncia

    microbiana da flora bucal, repercutindo para outros ecossistemas.

    Os antiinflamatrios no-esterides so frmacos de uso comum na odontologia, mas

    s devem ser utilizados em processos inflamatrios clinicamente relevantes, em que dor,

    edema e disfuno decorrentes trazem desconforto ao paciente. Os efeitos indesejveis so

    comuns e correspondem principalmente a alteraes gstricas leves ou graves, risco

    aumentado para acidentes vasculares, toxicidade renal, ao antiplaquetria e efeitos na

    presso arterial (POVEDA RODA, 2007).

    Alm disso, na prtica odontolgica comum a prescrio associada de

    antiinflamatrios no-esteroidais e antibiticos, porm existem muitas interaes potenciais

    entre essas duas categorias de medicamentos, sendo a mais comum a reduo da

    biodisponibilidade dos antibiticos (POVEDA RODA, 2007b). Wannmacher (2007) ressalta

    que em processos infecciosos, administrar antiinflamatrios em conjunto com antibiticos no

    racional, j que a inflamao faz parte do mecanismo de defesa do organismo.

    Os cursos de graduao pouco enfatizam a prescrio medicamentosa e a associao

    da farmacologia bsica prtica odontolgica, ocasionando cirurgies-dentistas

    despreparados para a prescrio correta e segura. A prescrio medicamentosa uma

    realidade na prtica clnica do cirurgio-dentista. s vezes, o tratamento mais adequado

    no-medicamentoso, mas quando indicado, devem-se utilizar critrios para seu uso racional,

    sendo necessrio: prescrever o medicamento apropriado, que esteja disposto oportunamente e

    a um preo acessvel, que se dispense nas condies devidas e que seja utilizado na dose e

    intervalos indicados e durante o tempo prescrito (OMS, 1986).

    A prtica odontolgica dos profissionais que atuam no Sistema nico de Sade

    (SUS) possui especificidades que podem estar relacionadas a diferentes percepes com

    relao ao uso racional de medicamentos, j que muitos atuam em hospitais, em equipes com

    outros profissionais de sade e podem ter maior aproximao com as polticas pblicas de

    sade. Por isso, alm dos cirurgies-dentistas que atuam no sistema privado, a pesquisa

    tambm abrange profissionais que atuam no SUS. Estudos mostram que existem avanos

    considerveis na insero da odontologia no SUS, com insero objetiva e orgnica das

    prticas de sade bucal na sociedade, com prticas dirigidas aos conceitos bsicos do SUS,

    que podem vir a constituir caminhos possveis para uma transformao da prtica em sade

    bucal coletiva, mais de acordo com o projeto de vida e com as necessidades da populao

    (CORDN, 1998).

  • 13

    Porm observam-se dificuldades ligadas abordagem dos problemas de sade bucal

    de forma coletiva e integral, falta de conscincia de trabalho em equipe multiprofissional e de

    reorganizar as prticas de sade coletiva e da nfase das aes de promoo da sade. Muitas

    vezes, se reproduz no espao pblico a mesma forma hegemnica do espao privado

    (CORDN, 1998).

    Existe desinteresse dos alunos de graduao pelas questes de sade coletiva, que

    reflete uma construo de imagem social do cirurgio-dentista voltado a uma prtica

    individualista, mercadolgica e tecnicista (ZILBOVICIUS, 2005). Na gesto da odontologia

    no SUS, tambm apontada falta de capacitao especfica dos gestores para rea da

    odontologia de sade pblica, com uma linha que se adeque s necessidades e tica do SUS

    (KASPER, 2001).

    Kasper (2001) investigou a prtica odontolgica no SUS, no Rio Grande do Sul e

    mostrou que a prtica continua centrada na ateno bsica, entendida como realizao de

    restauraes, profilaxia, extrao e atendimento de urgncia, havendo nfase em atividades

    curativas, com prioridade para crianas e em alguns casos agregam-se grupos populacionais

    como idosos e gestantes. No existe um mtodo coletivo de interveno ou aes integrais,

    mas atividades soltas com conotao preventivo- informativa.

    Cordn (1998) avaliou a prtica odontolgica por meio de observaes, entrevistas,

    questionrios e documentos oficiais de treze municpios, de sete estados brasileiros e do DF.

    A maioria dos municpios se preocupa com a universalidade e equidade nas sociedades onde

    os profissionais trabalham, mas a ateno das crianas de 7 a 14 anos continuou prioritria.

    Constatou certa abstrao com relao participao da classe de odontologia nos Conselhos

    Municipais de Sade e dificuldades na abordagem da populao, cuja nfase continua sendo

    corporativa, com o planejamento dominado pelos cirurgies-dentistas, sem a participao da

    sociedade, com quase nenhuma autonomia, enraizada no nvel central. Destacou dificuldade

    de se obter eficcia social, pois os resultados poltico-administrativos so pouco relevantes,

    apesar de aumento dos aspectos preventivos e clnicos, a nfase curativa supera a promoo

    da sade. Na anlise da questo financeira e do planejamento de sade bucal, ficou clara a

    posio dos municpios com relao escassez de recursos e a contnua presso para

    racionalizar os custos.

    Zilbovicius (2005) analisou o processo de insero da sade bucal no SUS, no que

    diz respeito universalizao da assistncia e busca por uma integralidade em municpios

    do estado de So Paulo. Observou que a grande maioria (97,3%) das unidades bsicas de

    sade mantm algum tipo assistncia de odontolgica. As aes coletivas so praticamente

  • 14

    voltadas para crianas, no universalizando o acesso a estas aes s demais faixas etrias. A

    presena de ambulatrios de especialidades em sade bucal foi constatada em apenas 19,6%

    dos municpios, sendo que somente 52% dos municpios oferecem atendimentos

    especializados. Dentre as especialidades odontolgicas oferecidas, apresentam endodontia

    (29,7%), cirurgia oral menor (26,8%), prtese total (26,5%), periodontia (15,6%) e cirurgia

    buco-maxilo-facial (10,1%).

    Os processos de construo e insero da sade bucal no SUS apresentam srias

    dificuldades em sua legitimao social. A relao social entre a categoria odontolgica e a

    populao permanece exclusivamente tcnica e pouco participativa, apesar de alguns esforos

    para superao (CORDN, 1998). Neste sentido, Zilbovicius (2005) afirma que apesar de

    importantes iniciativas, como a implantao do programa Brasil Sorridente do Ministrio da

    Sade, que propicia ateno bucal em vrios nveis de complexidade pelo pas, necessrio

    fortalecimento do controle social e participao da sociedade para garantia de implantao

    dessas medidas, conquista de melhor nvel de sade bucal e melhor vida social.

    A Organizao Mundial de Sade (OMS) estima que mundialmente, mais da metade

    de todos os medicamentos so prescritos, dispensados, ou vendidos inadequadamente, bem

    como a metade dos pacientes no tomam seus medicamentos corretamente. Alm disso, cerca

    de um tero da populao mundial no tem acesso aos medicamentos essenciais (OMS, 2002).

    Para que o cirurgio-dentista racionalize a prescrio de medicamentos, necessrio

    que perceba sua importncia, entendendo os problemas e a preocupao mundial relacionados

    s prticas irracionais. Deve conhecer o real papel dos medicamentos no processo preveno e

    tratamento, bem como os preceitos sobre a correta seleo, indicao, as interaes

    medicamentosas, os efeitos nocivos, o controle dos frmacos e outros.

    De acordo Wannmacher (1999), o dentista deve possuir os devidos conhecimentos

    sobre os medicamentos, para que constitua seu prprio armamento teraputico, abrindo

    caminho na selva mercadolgica dos medicamentos e safando-se da ofensiva propagandstica,

    nem sempre concernente com os princpios cientficos e ticos.

    O profissional deve receber formao e educao continuada adequadas para

    identificar e resolver os problemas e avaliar a informao recebida de forma mais crtica. Esta

    deve ser objetiva quanto eficcia, inocuidade e qualidade do medicamento e ser utilizada

    corretamente. Existem muitas crticas propaganda da indstria farmacutica, devido ao seu

    carter invasivo e falta de objetividade, apresentao de informaes parciais, sem

    fundamentao cientfica e muitas vezes no pautada nos princpios bioticos.

  • 15

    O principal objetivo da propaganda da indstria farmacutica manter e ampliar as

    vendas. As estratgias de marketing so utilizadas muitas vezes com finalidades de

    multiplicar lucros em detrimento da qualidade da informao veiculada, ocultando ou

    diminuindo os aspectos negativos e superestimando benefcios dos produtos (MINISTRIO

    DA SADE, 2005).

    Por isso, dentre as principais intervenes para promover o uso mais racional dos

    medicamentos, incluem-se a regulamentao apropriada das atividades relacionadas e o rigor

    na aplicao. A regulamentao das atividades de todos os atores envolvidos no uso dos

    medicamentos crtica para garantir o seu uso racional. Neste sentido, destacam-se como

    medidas regulatrias o monitoramento e regulamentao da promoo de medicamentos.

    (OMS, 2002).

    A legislao brasileira, da Constituio s leis ordinrias e complementares, aponta a

    obrigao do Estado em regulamentar e controlar a propaganda de medicamentos. Desde

    cedo, foi incorporado ao esprito das leis o entendimento que tal propaganda traz em seu bojo

    um risco sanitrio potencial e que os cidados devem ser protegidos na sua vulnerabilidade

    (JESUS, 2003 apud RUBINSTEIN, 2007).

    Sob a tica da defesa do interesse coletivo, a Constituio Federal de 1988 criou

    limites propaganda de produtos, prticas e servios que possam ser nocivos sade e

    determinou que a propaganda de medicamentos e terapias deve estar sujeita a restries legais

    (NASCIMENTO, 2003).

    A Assemblia Mundial de Sade aprovou os Critrios ticos para a Promoo de

    Medicamentos (OMS, 1988). Considera promoo quaisquer atividades informativas e de

    persuaso que realizam os produtores de medicamentos a fim de induzir a prescrio, a

    proviso, a aquisio ou a utilizao de medicamentos.

    A Lei 6.360 de 23 de setembro de 1976, que dispe sobre a vigilncia sanitria a que

    ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacuticos, correlatos, cosmticos

    saneantes e outros e o Decreto n 79.094/77, que a regulamenta, j contemplava a regulao

    da rotulagem e publicidade de medicamentos. Previu a importncia da regulamentao da

    propaganda, mesmo que estabelecendo regras limitadas.

    O Cdigo de Defesa do Consumidor, institudo pela Lei n 8.078/90, trouxe

    conquistas importantes, aplicveis propaganda de medicamentos, dentre elas o direito do

    consumidor informao adequada, clara, certa e completa sobre produtos e servios e a

    proibio da publicidade enganosa ou abusiva.

  • 16

    Em 15 de julho de 1996, foi promulgada a Lei n 9.294 (BRASIL, 1996), que delimita

    restries propaganda de produtos fumgenos, bebidas alcolicas, medicamentos, terapias e

    defensivos agrcolas (BRASIL, 1996). Considerando os textos legais, Nascimento (2003)

    ressalta que h muito tempo o Estado brasileiro possua elementos suficientes para regular e

    fiscalizar a propaganda de medicamentos no pas, porm foram constantemente

    desrespeitados.

    A partir de 2000, a regulamentao das propagandas de medicamentos passou a

    abranger aspectos fundamentais com a publicao da Resoluo - RDC 102, em 30 de

    novembro (BRASIL, 2000). A promoo no tica um problema em muitos pases e desta

    forma a regulamentao deste segmento essencial, considerando os seus reflexos na sade

    da populao (MINISTRIO DA SADE, 2005).

    O Estado brasileiro vem assumindo cada vez mais a responsabilidade que lhe cabe na

    proteo e preservao da sade da populao frente s propagandas de medicamentos,

    restabelecendo assim, uma relao mais equilibrada e permeada pelos princpios da

    beneficncia e respeito autonomia da populao (GARRAFA, 2007).

    A atuao intensiva da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa) na

    fiscalizao da propaganda de medicamentos tem obtido bons resultados. Fagundes (2007)

    observou que aps a publicao da Resoluo RDC 102/2000, a incluso de informaes

    essenciais ao consumidor esto presentes em 79% das peas publicitrias, contra 28% antes

    da edio da norma. A partir de junho de 2009, a propaganda e publicidade de medicamentos

    dever se adequar Resoluo RDC n 96/2008, que atualizou e revogou a RDC n 102/2000,

    ampliando exigncias ao setor e apresentando novas regras (BRASIL, 2008b).

    Estima-se que a indstria farmacutica gasta em torno de 35% de sua arrecadao com

    atividades de mercadizao, o dobro do investido em pesquisa e desenvolvimento de novos

    medicamentos (SOBRAVIME, 2001). Para Nascimento (2003), existe um trip formado pela

    indstria farmacutica, agncias de publicidade e empresas de comunicao, com vistas a

    aumentar o consumo de medicamentos pela populao.

    dever do Estado proteger a sade da populao, mediante estmulo prescrio

    racional com provimento contnuo de informaes adequadas que orientem prescritores e

    consumidores e mediante o controle sanitrio do medicamento em todo o ciclo produtivo, de

    modo a prevenir riscos, minimizando os riscos inevitveis e garantindo a segurana no uso

    desta tecnologia. A atuao do Estado deve difundir e sustentar uma tica da responsabilidade

    pblica no lidar com um direito social e um bem to precioso que a sade da populao,

  • 17

    especialmente quando mediada por intervenes tecnolgicas como o medicamento (COSTA,

    2004).

    No contexto atual de promoo do uso racional de medicamentos e frente aos fatores

    constatados, importante anlise dos conhecimentos, percepes e prticas sobre uso de

    medicamentos do cirurgio-dentista.

  • 18

    2 OBJETIVOS

    2.1 Objetivo Geral

    Descrever a percepo do cirurgio-dentista sobre medicamentos quanto ao uso

    racional, as fontes de informao e a influncia da propaganda na prescrio.

    2.2 Objetivos Especficos

    Avaliar os conhecimentos do cirurgio-dentista sobre o uso racional de medicamentos no

    que se refere aos seus preceitos: uso do medicamento apropriado, em doses adequadas, no

    tempo adequado e com menor custo;

    Identificar e caracterizar as fontes de informao sobre medicamentos utilizadas pelo

    cirurgio-dentista;

    Analisar a percepo do cirurgio-dentista sobre a influncia das estratgias promocionais

    da indstria farmacutica nas prticas de prescrio odontolgica.

  • 19

    3 JUSTIFICATIVA

    Castilho (1997) estudou a prtica da prescrio de antimicrobianos, analgsicos e

    antiinflamatrios por cirurgies-dentistas clnicos gerais em Belo Horizonte, a partir de trs

    situaes clnicas: abscessos periapicais agudos, alveolites e profilaxia antimicrobiana da

    endocardite infecciosa. Analisou 163 questionrios preenchidos pelos profissionais

    pesquisados. Observou que a conduta prescricional destes, muitas vezes, no coaduna com a

    literatura cientfica, existe grande variedade de condutas de prescrio para uma mesma

    situao clnica, com freqncia no h registro nas fichas clnicas as prescries

    medicamentosas e que nem sempre so feitas por escrito, recaindo a deciso sobre quando e

    como usar o medicamento sobre o paciente. Pesquisados relataram que os cirurgies-dentistas

    prescrevem mal por se encontrarem pouco informados sobre farmacologia e teraputica e que

    esto preocupados com a confiabilidade da propaganda farmacutica em odontologia.

    Pacheco (2000), ao avaliar a prescrio de medicamentos feita por 77 cirurgies-

    dentistas de Belo Horizonte/MG, concluiu que existe grande divergncia entre os

    profissionais quanto s doses e indicao corretas para utilizao de medicamentos, em

    especial dos antibiticos.

    Aps anlise do perfil de prescrio de medicamentos por 143 cirurgies-dentistas de

    Recife/PE, um estudo observou uso de ampla gama de medicamentos, muitas vezes utilizados

    desnecessariamente ou no-utilizados quando o uso indicado pela literatura (HOLANDA,

    2001). Ou seja, existem deficincias no conhecimento de patologias e da atuao dos

    medicamentos para correta indicao.

    Um estudo documentou as reaes adversas e interaes medicamentosas mais

    comuns observadas por 100 dentistas no Rio de Janeiro e constatou grande dificuldade dos

    profissionais em caracteriz-las (SIXEL, 1995). Ressalta que a prescrio de medicamentos

    na clnica odontolgica foi bastante significativa, j que 54% dos entrevistados afirmaram

    prescrever sempre.

    Vilaa (2003) avaliou os conhecimentos de um total de 307 alunos da Macro-

    Disciplina de Clnica Integrada de Ateno Primria, da Faculdade de Odontologia da UFMG,

    em relao prescrio de antiinflamatrios, analgsicos e antibiticos, por meio da

    utilizao de questionrios. Em relao ao protocolo de antibioticoterapia profiltica para

    preveno da endocardite bacteriana, observou que os alunos questionados encontram-se

    totalmente despreparados para realiz-la. Alm disso, os alunos no sabem realizar

  • 20

    prescries, apresentando erros tanto na estrutura formal quanto no contedo e escolha do

    medicamento. Concluiu que os alunos questionados no sabem prescrever antiinflamatrios,

    analgsicos e antibiticos/quimioterpicos, fato este que implica no tratamento e cura de

    patologias, produzindo impactos na qualidade de vida de seus clientes.

    Segundo Barros (1995), estudos mostram que a propaganda consegue realmente

    influenciar e alterar o padro de prescrio dos mdicos. Na odontologia, foi relatado que a

    escolha quanto ao grupo farmacolgico pode ser influenciada por campanhas de marketing

    e/ou merchandising das indstrias farmacuticas, que levam o cirurgio-dentista a prescrever

    marcas comerciais mais famosas, gerando maior nus para o Estado, sistema pblico de

    sade, e/ou para o bolso do cliente (ROLA, 1995; CASTILHO, 1997; LISBOA, 2001 apud

    VILAA, 2003).

    Os conhecimentos de farmacologia, de teraputica medicamentosa e as fontes de

    informao sobre medicamentos na odontologia no so suficientes para a prtica da boa

    prescrio, a qual tambm influenciada pela propaganda da indstria farmacutica.

    Diante desta problemtica, demanda-se um conjunto de aes do governo para

    promoo do uso racional de medicamentos na odontologia, sendo que o estudo se prope a

    analisar a insero dos cirurgies-dentistas no contexto atual de promoo do uso racional de

    medicamentos, analisando-se seus conhecimentos sobre o tema e a percepo sobre a

    influncia da propaganda na prescrio odontolgica.

    Partiu-se do pressuposto que os cirurgies-dentistas, apesar de prescritores, ficam s

    margens das polticas e estratgias de promoo do uso racional de medicamentos, as quais

    so praticamente voltadas aos mdicos e farmacuticos. A contribuio do estudo a de

    conhecer a realidade sobre o tema para subsidiar aes de informao e educao a serem

    desenvolvidas junto aos profissionais de odontologia, bem como para o aperfeioamento das

    atividades de regulao sanitria de propaganda de medicamentos.

  • 21

    4 MARCO REFERENCIAL

    4.1 O uso racional de medicamentos

    O uso racional de medicamentos significa que os pacientes recebam medicamentos

    apropriados s suas necessidades clnicas, nas doses que satisfaam as necessidades

    individuais, durante um perodo de tempo adequado e ao menor custo possvel para eles e

    para a comunidade (OMS, 1986). Esta definio foi formulada na Conferncia de Expertos

    para o Uso Racional de Medicamentos, realizada em Nairobi, 1985, servindo de base para a

    estratgia em matria de medicamentos aprovada pela Assemblia Mundial de Sade e

    posteriormente para a estratgia farmacutica da OMS.

    Nessa Conferncia, reuniram-se representantes de governos, das indstrias

    farmacuticas, organizaes de pacientes e consumidores, para o levantamento dos problemas

    e mtodos para se assegurar o uso racional de medicamentos em toda sua complexidade. O

    mais urgente seria garantir o acesso a preo acessvel dos 30-40 medicamentos essenciais aos

    pases em desenvolvimento. Ao menos 75% do consumo mundial de medicamentos

    correspondem aos pases desenvolvidos e os 25% restantes aos pases em desenvolvimento,

    nos quais vivem trs quartos da populao, o que demonstra dois extremos: a falta de

    medicamentos e o consumo demasiado (OMS, 1986).

    Foram discutidos vrios temas importantes, como: o estabelecimento pelos governos

    de polticas farmacuticas adequadas; a importncia e meios para regulamentao

    farmacutica; a necessidade de reduo de custos; melhorar os sistemas de medicamentos

    essenciais; as prticas de prescrio, que precisam ser melhoradas por meio de melhor

    informao, capacitao e educao continuada; a promoo e publicidade de medicamentos

    com critrios ticos por parte de representantes, na distribuio de amostras grtis e no

    patrocnio de simpsios; estabelecimento de legislao apropriada; a informao farmacutica

    adequada aos profissionais, pacientes e autoridades e a formao terico e prtica adequada a

    todos profissionais de sade como requisito essencial para o uso racional de medicamentos

    (OMS, 1986).

    O uso racional de medicamentos acompanha sempre a prescrio racional. Os estudos

    da poca demonstravam problemas extremamente preocupantes sobre as prticas de

    prescrio, sendo os principais: a prescrio excessiva pacientes hospitalizados dos Estados

  • 22

    Unidos recebiam o dobro de medicamentos dos pacientes da Esccia, o nmero de

    medicamentos por prescrio em hospitais do sul do Brasil era 8,6, enquanto que na Sua era

    de dois; a prescrio em quantidades insuficientes em pases em desenvolvimento, devido

    falta de disponibilidade e as prescries incorretas a maior causa da resistncia aos

    medicamentos, sendo que nos Estados Unidos se administravam indevidamente antibiticos

    em mais de 60% dos pacientes hospitalizados, em 20 a 40% dos casos o tratamento estava em

    desacordo com o diagnstico, na Frana, 35% das prescries continham irregularidades e na

    ndia, mais de 30% das receitas continham antibiticos (OMS, 1986).

    Mais recentemente, estatsticas da OMS mostram que mais de um tero da populao

    mundial continua a carecer de medicamentos essenciais, podendo chegar a 50% em regies

    pobres da sia e frica. Estima-se que at 75% dos antibiticos so prescritos

    inapropriadamente e que cresce constantemente a resistncia da maioria dos microorganismos

    causadores de enfermidades infecciosas prevalentes (WHO, 1999).

    Foram estabelecidas polticas, estratgias, intervenes e recomendaes para

    promover o uso mais racional de medicamentos, sendo que foram selecionadas para discusso

    aquelas relacionadas diretamente com os objetivos do estudo. A difuso cientfica destas

    polticas pblicas aos profissionais de sade e toda a comunidade extremamente importante

    para que efetuem aes compatveis com o uso racional de medicamentos.

    Segundo a Sobravime (2001), as polticas para promover o uso racional de

    medicamentos e o acesso aos considerados essenciais devem ser feitas por meio de legislaes

    e regulamentaes sobre reas crticas do campo farmacutico, destacando-se a seleo e

    registro de medicamentos, a regulamentao da promoo comercial de produtos

    farmacuticos, a regulamentao de preos, adaptaes dos acordos internacionais s

    necessidades do pas, melhoria da formao de profissionais de sade, educao de

    consumidores e disponibilidade de informao independente e completa.

    Uma das principais intervenes proposta pela OMS a informao independente

    sobre medicamentos. Com freqncia, a nica informao sobre medicamentos que os

    profissionais recebem a fornecida pela indstria farmacutica e esta pode ser parcial (OMS,

    2002). Costa (2000) afirma que o ponto de partida para uma reflexo acerca do medicamento

    requer uma abordagem interdisciplinar orientada pela questo da informao para que se

    possam abarcar suas complexidades.

    Por isso, componente de outra interveno principal para promover o uso mais

    racional dos medicamentos, destacam-se o monitoramento e a regulamentao da promoo

    de medicamentos para garantir que seja tica e imparcial. Todas as alegaes promocionais

  • 23

    devem ser fidedignas, precisas, verdadeiras, informativas, equilibradas, atualizadas,

    comprovveis e criteriosas (OMS, 2002).

    Aps anlise dos progressos realizados na aplicao da estratgia farmacutica da

    OMS, concluiu-se que muitas das intervenes esto ao alcance de todos os Estados

    Membros, mas no esto sendo efetivadas. Ressaltam que o uso irracional de medicamentos

    continuar aumentando se medidas no forem adotadas, primeiro porque o uso de

    medicamentos em pases em desenvolvimento e de economias de transio

    significativamente pior no setor privado que no pblico e a participao do setor privado

    cada vez maior em todo o mundo, e segundo porque as iniciativas principais buscam o acesso

    sem abordar o problema fundamental de uso inadequado (OMS, 2007).

    O Brasil possui um dos cinco maiores mercados farmacuticos do mundo, com vendas

    que atingem 9,6 bilhes de dlares/ano (MINISTRIO DA SADE, 2001). Em 1998, foi

    aprovada a Poltica Nacional de Medicamentos, por meio da Portaria n 3.916, cujo propsito

    principal o de garantir a segurana, eficcia e qualidade dos medicamentos, a promoo do

    uso racional e o acesso da populao queles considerados essenciais (BRASIL, 1998).

    A promoo do uso racional de medicamentos uma das diretrizes e uma das

    prioridades da Poltica Nacional de Medicamentos. As atividades devem envolver a

    implementao da Relao Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), produtos

    considerados bsicos e indispensveis para atender a maioria dos problemas de sade da

    populao; as campanhas educativas; atividades dirigidas aos profissionais prescritores e

    dispensadores; enfoque na adoo de medicamentos genricos e consolidao de seu uso;

    elaborao e divulgao do Formulrio Teraputico Nacional; aes de farmacovigilncia e

    estudos de farmacoepidemiologia e a propaganda de produtos farmacuticos deve se

    enquadrar em todos os preceitos legais vigentes e padres ticos. Dentre as prioridades de

    organizao das atividades de vigilncia sanitria de medicamentos, ressalta-se a

    regulamentao e controle da propaganda realizada pelos fabricantes de medicamentos junto

    aos prescritores (MINISTRIO DA SADE, 2001).

    Os esforos governamentais e privados do Brasil para a promoo do uso racional de

    medicamentos so reconhecidos atualmente como feitos notveis a nvel internacional, com

    destaque para aes de educao de profissionais de sade (OPAS, 2007).

    Entre 1999 e 2001, a OPAS/OMS financiou a participao de um grupo de

    profissionais nos Cursos Latinoamericanos de Enseanza de La Farmacoterapia Racional,

    organizados pela Universidade nacional de La Plata na Argentina (OPAS, 2007). Estes cursos,

    dirigidos principalmente a mdicos e farmacuticos, utilizaram textos bsicos, que

  • 24

    posteriormente foram traduzidos para o portugus como Guia para a Boa Prescrio Mdica e

    Guia do Instrutor em Prticas da Boa Prescrio Mdica.

    Para multiplicao de cursos no pas, em 2000 foi feito um curso-piloto para docentes

    das Faculdades de Medicina, Farmcia e Odontologia da Universidade de Passo Fundo no Rio

    Grande do Sul. Em 2002, realizaram-se dois cursos nacionais, no Rio de Janeiro e no Distrito

    Federal (OPAS, 2007). A partir da, foi seguida a multiplicao regional no pas, com intuito

    de aumentar o nmero de facilitadores, incluindo-se cursos virtuais para o uso racional de

    medicamentos. Entre 2002 e 2006, com participantes de 21 dos 27 estados brasileiros, foram

    realizados 16 cursos a nvel nacional, regional, estadual e institucional. Participaram 462

    profissionais de sade e, como colaboradores, 309 estudantes universitrios (OPAS, 2007).

    Adicionalmente, foram realizados cursos especficos para prescritores, que foram organizados

    por instrutores locais comprometidos com a metodologia e disseminao do conhecimento.

    Para a OPAS (2007), a utilizao de instrutores locais representa uma estratgia muito

    importante no Brasil, pela sua dimenso continental e por contribuir para incrementar a

    autonomia geogrfica e diminuir os custos.

    Com grande interesse da populao, foram realizados em 2005 e 2007 os Congressos

    Brasileiros Sobre o Uso Racional de Medicamentos, sendo que o prximo ser realizado em

    outubro de 2009 (OPAS, 2007). Entre 2005 e 2006, profissionais de sade se reuniram em

    quatro encontros regionais e um nacional, nos Seminrios de Propaganda e Uso Racional de

    Medicamentos, para discusso do tema (BRASIL, 2006).

    Tem sido desenvolvias e apoiadas vrias aes para qualificar os profissionais de

    sade. importante destacar o respaldo poltico e financeiro para os cursos por parte de

    instituies comprometidas com o uso racional de medicamentos, como o Ministrio da

    Sade, a Anvisa, diferentes Universidades, Secretarias de Sade e Organismos de Cooperao

    Tcnica Internacional, como a OPAS/OMS e o Departamento para o Desenvolvimento

    Internacional do Reino Unido (OPAS, 2007).

    Em junho de 2007, a Portaria n 1.555 instituiu o Comit Nacional para a Promoo

    do Uso Racional de Medicamentos, de carter multisetorial, multidisciplinar, com

    representantes governamentais e setoriais afins do tema. Possui a competncia de propor

    estratgias e mecanismos de articulao, de monitoramento e de avaliao de aes destinadas

    promoo do uso racional de medicamentos (BRASIL, 2007). O plano de ao constitudo

    de quatro eixos principais: regulao, educao, informao e pesquisa (MINISTRIO DA

    SADE, 2008).

  • 25

    O Conselho Federal de Odontologia (CFO) possui representao no Comit,

    importante para que a profisso seja includa de maneira mais profunda na discusso sobre a

    promoo do uso racional de medicamentos e para que sejam destacadas as peculiaridades no

    uso de medicamentos na rea de Odontologia. Alm disso, esto sendo reunidos esforos para

    o aumento da divulgao e informao sobre o tema categoria e para o desenvolvimento de

    aes voltadas ao cirurgio-dentista.

    4.2 Difuso cientfica, comunicao e o uso racional de medicamentos

    A difuso cientfica refere-se a todo e qualquer processo usado para a comunicao da

    informao cientfica e tecnolgica, podendo ser orientada para o pblico em geral ou para

    especialistas, sendo sinnimo de disseminao cientfica neste caso (BUENO, 1984 apud

    ALBAGLI, 1996).

    O progresso cientfico-tecnolgico e sua crescente insero na sociedade implicam em

    sua assimilao pelos indivduos, os quais ampliam seus interesses em conhecer e controlar a

    cincia. Desta forma, torna-se crucial o modo pelo qual a sociedade percebe a atividade

    cientfica e absorve seus resultados, bem como os tipos e canais de informao cientfica a

    que tem acesso (ALBAGLI, 1996).

    A difuso cientfica tem sido apontada como instrumento ou movimento social capaz

    de intermediar o fortalecimento da cidadania e a melhoria da sade da populao. Envolve

    vrios aspectos, como educao, linguagem e comunicao, bem como a compreenso e

    domnio pblico da cincia (BIZZO, 2002). Para a Sobravime (2001), a difuso da

    informao cientfica um dos fatores para que ocorra a humanizao da assistncia

    farmacutica.

    A transmisso da informao cientfica pode ser direcionada aos estudantes,

    populaes letradas ou no, agentes formuladores de polticas pblicas e at aos prprios

    cientistas e tecnlogos. Possui papel importante, que vem evoluindo ao longo do tempo, pois

    instrumentaliza os atores a melhor intervir no processo decisrio, amplia o conhecimento e a

    compreenso sobre o processo cientfico, aumenta a conscincia do cidado, permite o acesso

    dos profissionais da rea e do pblico s polticas pblicas e com isso, amplia a participao

    da sociedade na formulao de polticas pblicas e nas escolhas tecnolgicas (ALBAGLI,

    1996).

  • 26

    As polticas configuram decises de carter geral que apontam os rumos e as linhas

    estratgicas de atuao de uma determinada gesto. Assim, devem ser explicitadas, de forma a

    tornar pblicas e expressas as intenes do Governo, a permitir o acesso da populao em

    geral e dos formadores de opinio, a orientar o planejamento de programas, projetos e

    atividades e a funcionar como orientadoras da ao do Governo, reduzindo descontinuidade e

    potencializando recursos (MINISTRIO DA SADE, 2001).

    Partindo-se da proposio de que as polticas pblicas s se constituem efetivamente

    como tal quando saem do papel, quando circulam, adquirindo visibilidade e quando so

    apropriadas pela populao a que se destinam, sendo convertidas em saberes e prticas, temos

    que considerar que a comunicao inseparvel desse processo (ARAJO, 2007).

    O modelo de comunicao mais adotado no campo das polticas pblicas,

    especificamente na sade coletiva, um modelo bipolar, linear, unidirecional e vertical, no

    dando conta da complexidade da prtica comunicativa e social (ARAJO, 2004). Desta

    forma, diversos autores tm realizado anlise crtica dos modos de apropriao e uso da

    comunicao, abrindo-se a discusso para novos modelos tericos e prticos de comunicao

    em sade (RANGEL-S, 2007).

    Neste sentido, Arajo (2004) desenvolveu um modelo terico de mercado simblico,

    que representa os processos sociais de formao dos sentidos e a prtica comunicativa nos

    processos de interveno social que concretizam as polticas pblicas. Neste modelo a

    comunicao entendida operando ao modo de um mercado, onde os sentidos sociais bens

    simblicos so produzidos, circulam e so consumidos. As mltiplas pessoas e comunidades

    discursivas que participam deste mercado disputam o poder simblico, de fazer constituir

    determinada viso da realidade. um mercado de desiguais, onde os interesses no so

    harmnicos, remetendo-se para a noo de confronto e luta por posies de poder discursivo.

    Entender o mercado simblico contribui para pensar estratgias de comunicao

    necessrias para produzir e fazer circular discursos sociais competentes para a disputa de

    sentidos na sociedade em geral e no territrio em particular (RANGEL-S, 2007).

    Diante da complexidade comunicacional da sociedade contempornea, h estmulo

    busca por abordagens mais abertas e plurais, que considerem sua polifonia, na qual vrias

    vozes podem ser ouvidas, manifestando o carter plural de todo e qualquer discurso, em

    disputa na sociedade (CARDOSO, 2007). Este processo faz com que a linguagem seja uma

    arena de embates sociais, na qual so propostas, negociadas e ratificadas ou recusadas as

    relaes de poder. Hoje, polifonia um conceito que no pode mais ser ignorado (ARAJO,

    2007).

  • 27

    Arajo (2003) acrescenta que considerar a polifonia reinante supe uma tolerncia

    diversidade, algo que no muito bem visto quando se tem como cenrio os contextos

    institucionais que, via de regra, produzem aes de interveno. E abrir mo do confortvel

    lugar em que se ditam regras e modelos de comportamento para assumir uma concorrncia e

    uma negociao contnua dos sentidos circulantes, no tranqilizador.

    Nas instituies de sade, tem-se mantido hipertrofia da produo e do plo emissor e

    pouca ateno aos processos e espaos de circulao. Desta forma, a capacidade dos discursos

    institucionais produzirem efeitos fica seriamente comprometida, alm do problema da

    incapacidade de competir com os discursos que veiculam interesses privatistas (CARDOSO,

    2007).

    Neste sentido, Lefvre (2007) ressalta que as relaes extremamente complexas entre

    os quatro atores: o campo sanitrio, o mercado, o estado e a populao, so dificultadores da

    comunicao em sade. Os atores so assimtricos, sendo que o mais importante o mercado,

    o qual se torna cada vez mais forte. Por isso, um trabalho muito significativo do campo

    sanitrio o de se posicionar no conflito entre a lgica do mercado e os interesses dos

    consumidores de sade, sendo tarefa poltica muito importante aumentar a eficcia regulatria

    do Estado na mdia.

    De acordo com Costa (2004), a reflexo sobre as relaes sociais produo-consumo,

    sobre as quais se produz e reproduz a sociedade do modo de produo capitalista, indicam a

    produo de um sistema de necessidades, o qual cria um estado de permanente carncia,

    caracterstico da sociedade de consumo e determinado por toda a organizao social. Na

    sociedade capitalista, no so poupados os bens e servios de sade, tratados como um bem

    de consumo como outro qualquer, inserido nas estratgias mercadolgicas (RANGEL-S,

    2007).

    Romper com a lgica instrumental impe a necessidade de investir tanto no campo da

    produo do conhecimento, quanto na formao dos profissionais, a qual muitas vezes

    inadequada e voltada exclusivamente para as necessidades do mercado (CARDOSO, 2007).

    Um dos mais importantes desafios na relao entre profissionais de sade, no que se refere

    comunicao, no dia a dia dos servios de sade, a possibilidade de realizar uma interao

    significativa com pessoas e grupos populacionais, de modo a propiciar uma comunicao

    efetiva (RANGEL-S, 2007).

    O cirurgio dentista est em meio a um mercado com informaes oriundas de

    diversas fontes, que apontam para vrios sentidos, dentre eles os interesses da indstria e da

    populao. Diante das disputas que existem no interior do campo sanitrio, vai atribuir

  • 28

    significados mais importantes a umas informaes do que a outras, de acordo com sua

    formao profissional, tica e humanista. Desta forma, para que o cirurgio-dentista tome

    decises fundamentadas e prescreva medicamentos de maneira racional, preciso receber

    formao bsica e aplicada para o ato da prescrio, estar completamente familiarizado com

    as propriedades farmacolgicas do medicamento, utilizar frequentemente meios de

    atualizao profissional e ter acesso ao conhecimento tcnico-cientfico na rea.

    Porm, existe uma fragmentao do ensino em farmacologia e distanciamento com a

    teraputica medicamentosa (BRITTO, 1996). O ensino focado nos medicamentos, enquanto

    que deveria partir do diagnstico, em direo ao medicamento. Muitas vezes espera-se que os

    alunos simplesmente reproduzam a prtica de prescrio de seus professores ou que

    reproduzam os padres vigentes, sem nenhuma explicao sobre o porqu de certos

    tratamentos (OMS, 1998).

    defendida a necessidade de se desvendarem, na educao e comunicao cientficas,

    os mecanismos pelos quais os eventos de sade e doena ocorrem. Saber o como e o porqu,

    exemplificados atravs de modelos, seria essencial para a alfabetizao em cincia

    (FOUREZ,1995 apud BIZZO, 2002).

    A prescrio racional de medicamentos provm de um processo dedutivo e lgico,

    baseado em informaes abrangentes e objetivas, no sendo uma ao reflexa, uma receita

    culinria, ou uma resposta a presses comerciais (OMS, 1998). A prescrio de receitas no

    favorece a comunicao; obstaculiza o dilogo, a reflexo e a negociao que um processo

    comunicacional genuno poderia compreender (FOUREZ, 1997 apud BIZZO, 2002).

    preciso que as ferramentas sejam repassadas ao profissional, para que ele prprio reflita e siga

    um processo de prescrio racional.

    As tentativas de educao para a sade baseiam-se em mtodos transmissionais,

    havendo predominantemente entre ns a essncia paternalista do modelo de educao em

    sade (SAMPAIO, 2000 apud BIZZO, 2002). Manter o foco na transferncia do

    conhecimento em vez de focalizar as habilidades de selecionar e prescrever o tratamento

    correto contribui para a prescrio no-racional. Os profissionais deveriam ser ensinados a

    como e no o que prescrever. Desta forma, preconizado o ensino da farmacoterapia baseado

    em problemas, objetivando-se o desenvolvimento de habilidades para selecionar e prescrever

    adequadamente tratamentos apropriados para os problemas clnicos e habilidades para avaliar

    criticamente os novos frmacos ou tratamento no-medicamentoso, alm da literatura mdica,

    das propagandas e dos padres de prescrio dos colegas (OMS, 2001).

  • 29

    4.3 Os requisitos para o uso racional de medicamentos

    O tratamento racional requer enfoques lgicos e bom senso e inclui vrios

    componentes. Em primeiro lugar, o tratamento de escolha para um determinado caso clnico,

    o chamado tratamento-I (individualizado), no necessariamente inclui o uso de

    medicamentos. Para as situaes clnicas em que o tratamento com medicamentos

    necessrio, o profissional deve selecionar um conjunto pessoal de medicamentos, aps

    estudos e consultas a fontes de informao, que sero prescritos com regularidade, para os

    casos clnicos mais comuns. So os medicamentos de primeira escolha, chamados de

    medicamentos-I (individualizados), com os quais os profissionais devem estar familiarizados

    e ter conhecimentos sobre substncia ativa, forma farmacutica, posologia-padro e durao-

    padro para o tratamento (OMS, 1998).

    Um conjunto apropriado de medicamentos-I cobrir a teraputica medicamentosa

    correta em cerca de 80% dos casos, sem que qualquer ajuste seja feito (OMS, 2001).

    Seguindo-se o processo de prescrio racional de medicamentos, para o tratamento do

    paciente individualizado, necessrio seguir seis passos, seqenciados a seguir

    (WANNMACHER, 2007; OMS, 1998).

    Em primeiro lugar, preciso definir qual o problema do paciente. O diagnstico

    correto se baseia em integrar vrias informaes, como a anamnese, queixa e histria clnica,

    exame clnico, de laboratrio e complementares e outras investigaes. A partir do correto

    diagnstico, segue-se ao tratamento.

    O prximo passo identificar se a interveno medicamentosa necessria, j que

    muitos casos clnicos podem ser solucionados com outras formas de terapia, ou at mesmo,

    sem nenhum tratamento. Se houver indicao de uso de medicamentos, deve-se especificar o

    objetivo teraputico, o que se quer com o tratamento. uma boa maneira de estruturar o

    pensamento e de se concentrar no problema, alm de facilitar a escolha final e evitar muitas

    vezes o uso desnecessrio de medicamentos.

    No passo seguinte, deve ser selecionado o tratamento mais adequado individualmente,

    para cada paciente, partindo-se da aplicabilidade do medicamento-I. A escolha feita

    utilizando critrios de eficcia, convenincia, custo e segurana. A verificao da eficcia

    inclui uma reviso das indicaes do medicamento e da convenincia da forma farmacutica.

    A convenincia do medicamento importante por contribuir para a adeso ao tratamento e

    consequentemente para sua eficcia. A anlise do custo e disponibilidade deve ser feita, pois o

  • 30

    medicamento deve ser acessvel. A segurana se relaciona com as contra-indicaes, as

    interaes medicamentosas e os grupos de alto risco. Alm disso, preciso verificar a

    posologia-padro e a durao-padro de tratamento, sendo a adaptao da posologia a mais

    comumente realizada. Este , provavelmente, o passo mais importante no processo de

    prescrio racional.

    Segue-se para a prescrio, a qual pressupe conhecimento real de farmacologia,

    quanto a aes, efeitos e esquemas de administrao de medicamentos, para uma correta

    definio da dose, via de administrao, mtodo, intervalo, cuidados e durao do tratamento.

    O fornecimento de informaes, instrues e recomendaes ao paciente a prxima

    etapa a ser seguida, pois contribui para a adeso ao tratamento. Em mdia, metade dos

    pacientes no usa os medicamentos prescritos adequadamente, tomam irregularmente ou nem

    sequer os tomam. Por isso, para se obter sucesso teraputico, o paciente deve receber

    informao mnima sobre o tratamento, em linguagem clara, concisa, apropriada e inclusive, o

    paciente deve participar da deciso do tratamento.

    Por ltimo, o prescritor deve monitorar o tratamento, avaliar benefcios e efeitos

    colaterais. Se o tratamento foi concludo e eficaz, pode ser suspenso. Se o tratamento no foi

    eficaz, os fatores causais devem ser reconsiderados para determinar a razo para a falha e

    proceder busca por solues.

    Com relao aos anestsicos locais, so frmacos comumente empregados na

    odontologia para alvio da dor. So substncias qumicas que, por meio de aes

    farmacolgicas, promovem perda de sensibilidade em uma rea do corpo, bloqueando os

    potenciais de ao de forma reversvel em todas as membranas excitveis (MALAMED,

    2005).

    A seleo dos anestsicos locais est basicamente relacionada a parmetros

    farmacolgicos, como o incio e durao de efeito, e presena de condies clnicas

    especficas, includas as caractersticas inerentes ao procedimento cirrgico, condies do

    paciente e domnio da tcnica pelo profissional, natureza, localizao e durao do

    procedimento determinam a tcnica anestsica e a escolha do frmaco, bem como condies

    especiais do paciente devem ser consideradas (FERREIRA, 2007).

    Malamed (2005) afirma que uma conduta racional para seleo de um anestsico local

    inclui a avaliao da durao necessria do controle da dor, o potencial de dor aps o

    tratamento, a possibilidade de automutilao no perodo ps-operatrio e a condio fsica do

    paciente. Nesta, devem ser consideradas as contra-indicaes absolutas, que exigem que os

    medicamentos prejudiciais no sejam administrados de modo algum e as contra-indicaes

  • 31

    relativas, casos em que preferido evitar a administrao do medicamento, utilizar agente

    alternativo, ou o medicamento deve ser empregado de forma muito criteriosa.

    A dose dos anestsicos locais varia e depende da regio a ser anestesiada e da

    vascularizao do tecido, do procedimento a ser realizado, da tolerncia individual e da

    tcnica anestsica (MALAMED, 2005). Para o uso racional, deve ser administrada a menor

    dose necessria para produzir uma anestesia eficaz. Deve-se considerar tambm a dose

    mxima recomendada para cada anestsico local, calculada de acordo com o peso corporal.

    Malamed (2005) ressalta que no h tendncia a se atingir doses mximas na maioria dos

    procedimentos odontolgicos, mas ateno deve ser dedicada para administrao em crianas

    e pacientes idosos ou debilitados.

    Como os anestsicos locais injetveis possuem alguma ao vasodilatadora, so

    adicionados vasoconstritores para equilibrar esta ao. Ferreira (2007) apresenta evidncias

    que embasam o uso racional de vasoconstritores em associao a anestsicos locais, pois

    aumentam a profundidade e prolongam a durao da anestesia, por haver esta ao efeito

    vasolidatador do anestsico, reduzem a quantidade de anestsico necessria e servem como

    agentes hemostticos, reduzindo o sangramento transoperatrio e facilitando o transcurso do

    procedimento.

    Com relao aos vasoconstritores, para Malamed (2005), na seleo de um

    vasoconstritor, devem ser considerados a durao do procedimento odontolgico, a

    necessidade de se obter hemostasia durante e aps os procedimentos nos quais o sangramento

    representa um problema e a condio clnica do paciente.

    4.4 Fontes de informao sobre medicamentos

    Uma dificuldade para o uso racional de medicamentos a multiplicidade de produtos

    farmacuticos existentes, agravada pela introduo agressiva no mercado de novos

    medicamentos, devido aos avanos da tecnologia. O conhecimento farmacolgico sobre os

    frmacos atualmente utilizados estar obsoleto dentro de cinco anos (OMS, 2001).

    Existe grande volume de literatura que os profissionais da rea de sade tm que

    assimilar e devido impossibilidade de leitura de tantos artigos publicados anualmente,

    surgiu nos anos 90 um novo processo de reviso da evidncia cientfica, a medicina baseada

    em evidncias, que utiliza reviso e anlise sistemtica e publica a evidncia relevante para as

  • 32

    situaes clnicas especficas. A partir da disseminao desta evidncia, os profissionais

    possuem subsdios para prestar o melhor cuidado aos pacientes (ISMAIL, 2004).

    Aplicando estes princpios odontologia, foi desenvolvida a odontologia baseada em

    evidncias. Opinies de expertos ou informaes baseadas em estudos de caso no so

    consideradas suficientemente fortes para o processo de tomada de deciso. O conhecimento

    gerado a partir da reviso dos estudos relevantes deve formar a base das decises clnicas. Os

    estudantes de odontologia tm sido treinados a partir da experincia dos mestres (tanto

    sucessos como falhas). No entanto, muitas vezes os professores so inconsistentes e

    contraditrios e levam o aluno a pesquisar por opinies de expertos e aprender com a

    experincia clnica, resultando em prticas no-racionais. O novo modelo de aprendizado,

    baseado em problemas, com reviso sistemtica e crtica dos estudos cientficos pode ser um

    veculo para a promoo da conduta baseada em evidncias (ISMAIL, 2004).

    Barros (2004) ressalta que a indstria farmacutica vem se valendo das teses do

    movimento da medicina baseada em evidncias, com a valorizao dos ensaios clnicos para

    incrementar os argumentos publicitrios em favor de seus produtos, sendo mais uma

    estratgia para aceitao do prescritor.

    Existem diversas fontes de informao sobre medicamentos, algumas so superiores a

    outras, de acordo com a qualidade da evidncia. Os ensaios clnicos randomizados, duplo-

    cegos, controlados por placebo so superiores a opinio emitida por um nico indivduo

    (OMS, 2001). Fuchs (2004) qualifica os estudos farmacolgico-clnicos em nveis que variam

    de I ensaios clnicos randomizados a VI srie de casos.

    De acordo com o nvel do estudo, so estabelecidos diferentes graus de recomendao

    de condutas teraputicas. Estudos de nvel I possuem grau ou fora de recomendao A e

    devem ser obrigatoriamente seguidos se no houver contra-indicao do paciente. No grau de

    recomendao B, existe moderada evidncia para suportar o uso, mas podem ser teis. As de

    grau C e D (estudos nvel IV e recomendaes de especialistas) fundamentam minimante as

    condutas, existindo fraca evidncia para suportar o uso (FUCHS, 2004).

    Wannmacher (2007) afirma que ao se selecionar fontes fidedignas, ticas e isentas, se

    exclui qualquer informao proveniente do produtor de medicamentos, o qual tem interesses

    comerciais que muitas vezes suplantam os de informar cientificamente. Mesmo artigos e

    revistas especializadas, consensos, diretrizes nacionais e internacionais podem estar

    permeados por interesses que no os cientficos (WANNMACHER 2007).

    As fontes de informao da indstria farmacutica so consideradas de origem

    comercial e incluem os manuais e guias teraputicos, boletins e impressos com propaganda,

  • 33

    simpsios patrocinados pelos fabricantes, artigos ditos cientficos encomendados pelas

    empresas farmacuticas (WANNMACHER, 2007). Cuidado especial deve ser dispensado

    sobre a utilidade da informao obtida, devido a deficincias potenciais ou falta de

    imparcialidade (ARAJO, 2002).

    As fontes comerciais de informao esto facilmente disponveis por meio de todos os

    canais de comunicao, verbais, escritos e eletrnicos, sendo as informaes distribudas por

    vrios meios. Os representantes so geralmente muito eficazes na promoo de produtos

    farmacuticos, sendo gasto, muitas vezes, mais de 50% do oramento profissional das

    companhias farmacuticas em pases industrializados com pessoal de representao (OMS,

    1998).

    Os artigos originais, metanlises e revises sistemticas em peridicos cientficos

    nacionais e internacionais, so considerados fontes primrias de informao cientfica. Muitos

    esto disponveis na internet e possuem qualidade variada, sendo que as revistas indexadas e

    que possuem corpo editorial so mais conceituadas (WANNMACHER, 2007). O profissional

    precisa de tempo e conhecimento para avaliar e utilizar este tipo de literatura (ARAJO,

    2002). Algumas revistas no so independentes bem como podem possuir suplementos

    patrocinados pela indstria (OMS, 1998).

    As fontes secundrias de informao sobre medicamentos consistem em servios de

    indexao e compilao de sumrios (resumos), os quais levam identificao da literatura

    primria (ARAJO, 2002). Como exemplos, podem ser citados MEDLINE, BIREME

    (Biblioteca Regional de Medicina) e Index Medicus (ARAJO, 2002).

    As fontes tercirias apresentam informao documentada em formato condensado. So

    livros-textos ou outros tipos de bancos de dados baseados em literatura primria (ARAJO,

    2002). So numerosas as publicaes, que incluem meios eletrnicos, utilizadas como fontes

    de literatura secundria e terciria sobre medicamentos. No entanto, representam a

    interpretao feita por um autor ao avaliar os resultados de estudos da literatura primria. Por

    esta razo, seu valor reside na qualificao de quem as redigiu e interpretou, na existncia de

    conflitos de interesse, no tipo de suporte financeiro recebido para a produo da informao e

    de seu prprio grau de utilizao (ARAJO, 2002).

    Para Wannmacher (2007), importante selecionar livros de referncia em

    farmacologia clnica, especialmente os que utilizam o paradigma das condutas baseadas em

    evidncias. Existem tambm outras fontes, como as listas de medicamentos essenciais, as

    quais so baseadas em um consenso sobre o tratamento de escolha para as prioridades em

    sade pblica; os formulrios teraputicos, que so abrangentes, objetivos, apresentam

  • 34

    comparaes, avaliaes e alguns o custo; os protocolos clnicos; as diretrizes ou consensos

    (guidelines), que podem auxiliar o cirurgio-dentista, mas muitas vezes esto baseados em

    opinies de especialistas e no em evidncias consistentes; os boletins sobre medicamentos,

    que podem ser uma fonte crtica de informao e ajudam os profissionais a se manterem

    informados; os artigos de reviso ou compilaes de outras publicaes; os centros de

    informao sobre medicamentos, informao oral em cursos e congressos (WANNMACHER,

    2007).

    Informao objetiva, comparativa, independente e com credibilidade indispensvel

    para decises teraputicas apropriadas. Estas podem ser fornecidas mediante o

    estabelecimento de Centros de Informao sobre Medicamentos (CIM), participao no

    desenvolvimento de guias ou diretrizes de tratamento e de formulrios teraputicos, a

    formao de Comisses de Farmcia e Teraputica, envolvimento com ensino e reunies

    clnicas, pesquisas sobre a prtica e servios especializados prestados pela equipe dos Centros

    de Informao sobre Medicamentos, desenvolvimento de um boletim nacional de informao

    sobre medicamentos, disseminao de literatura cientfica independente sobre o uso racional

    de medicamentos e os avanos teraputicos, organizao de programas de treinamento,

    simpsios e leituras para os vrios grupos do pessoal da sade, desenvolvimento de guias de

    tratamento e material educacional quanto ao uso apropriado de medicamentos para os

    trabalhadores de sade (VIDOTTI, 2000).

    No Brasil, foi elaborado o primeiro Formulrio Teraputico Nacional, um manual que

    contm informaes teraputicas e farmacolgicas sobre os medicamentos da relao de

    medicamentos essenciais, para promover o uso apropriado, seguro e efetivo dos

    medicamentos e subsidiar os profissionais de sade na prescrio e dispensao. Fornece

    informao imparcial sobre medicamentos, vindo a preencher uma lacuna, j que informaes

    precisas e atualizadas sobre o assunto so limitadas e de difcil acesso (CEBRIM/CFF, 2008).

    Para a tomada de deciso sobre tratamentos e uso racional de medicamentos os

    profissionais de odontologia necessitam ampliar seus conhecimentos, por meio de busca,

    coleta, anlise de informaes nas mais variadas formas de apresentao. Muitas vezes, no

    contam com fontes independentes de informao sobre medicamentos, sendo que as

    provenientes da indstria farmacutica esto facilmente disponveis, so atraentes e de fcil

    digesto (OMS, 1998).

  • 35

    4.5 O uso racional e a propaganda de medicamentos

    necessrio considerar um fato fundamental para compreender as atividades

    promocionais da indstria farmacutica: a indstria impelida pela busca do lucro

    (LEXCHIN, 1997a). Apesar de invocar elevados objetivos humanitrios, de afirmar prover

    imediata, detalhada e acurada informao para benefcio dos mdicos e pacientes, de

    promover os produtos sob o pretexto de patrocinar ensaios clnicos e educao mdica

    contnua, a nica vantagem da publicidade vai para as empresas farmacuticas (LEXCHIN,

    1997a).

    A maior parte dos investimentos da indstria farmacutica direcionada para a

    comercializao e marketing e no para a investigao cientfica. O informe de uma

    organizao dos Estados Unidos citado por Cas (2008) constatou que nove grandes

    companhias de medicamentos destinaram em mdia 32% de seus investimentos em

    marketing, publicidade e administrao, um total de 61.542 milhes de dlares e apenas 14%

    em pesquisa e desenvolvimento, no ano de 2004.

    Para Lomel (2000), evidente que a indstria farmacutica tem explorado muito

    eficientemente a popular idia de que sade no tem preo e por isso no de se estranhar

    que as indstrias farmacuticas registrem os mais altos ndices de rentabilidade do mundo,

    com margens de lucro que vo de 27% a 43%.

    O posicionamento da indstria farmacutica em relao s propagandas de

    medicamentos basicamente guiado por preceitos econmicos e, por meio destas, aumenta-se

    a carncia de sade (LEFVRE, 1991). Pelos amplos e crescentes espaos que vem de longa

    data ocupando, constitui um dos mais poderosos e influentes ramos industriais. Pelas prticas

    que adota ao erigir a lucratividade como mvel maior de sua atividade, tem sido incriminada

    pela ampliao do uso inadequado e dos efeitos adversos dos frmacos, sobretudo ao

    institucionalizar estratgias de comercializao e promoo intensificadoras da medicalizao

    (BARROS, 2008).

    As estratgias de promoo de vendas utilizadas pela indstria so diversificadas,

    incluindo meios diretos e indiretos. Entre os meios indiretos esto o financiamento de

    programas de educao continuada, de associaes profissionais ou de revistas mdicas, a

    produo de material dito educativo, o relacionamento com autoridades sanitrias, polticos,

    professores e especialistas famosos (HEMMINKU & PESONEN, 1977 apud BARROS,

    2000). Entre os meios diretos incluem-se os propagandistas, anncios em revistas mdicas, a

  • 36

    distribuio de amostras grtis, revistas e outros materiais impressos e atividades consideradas

    de relaes pblicas que incluem brindes, financiamento de recepes e coquetis em

    congressos e patrocnios de viagens (BARROS, 2000). Nos ltimos tempos, a Internet

    tambm tem sido utilizada para promover medicamentos (SOBRAVIME, 2001).

    Barros (2004) ressalta que o mdico continua sendo o alvo principal das propagandas

    de medicamentos, em virtude do papel da prescrio, do carter multiplicador da receita e da

    peculiaridade da ao do mdico como grande agente intermediador entre o setor industrial e

    os consumidores. Existe diversificao das atividades promocionais e grande dispndio, com

    privilgio aos propagandistas, com patrocnio de congressos e distribuio de amostras grtis

    e brindes.

    Moynihan (2008) chama a ateno para o formador de opinio, termo usado para

    descrever os mdicos mais experientes que ajudam as empresas farmacuticas a vender

    medicamentos. So especialistas influentes pagos pela indstria para informar os

    profissionais e pblico, os quais chegam a receber US$2.500 por uma nica palestra, em

    grande parte baseada em slides fornecidos pela empresa, podendo ser chamados tambm de

    formadores de pensamento. Este um fenmeno mundial, sendo comum o trabalho em

    conjunto com os funcionrios de marketing, para aumentarem as vendas.

    A relao mdico-indstria comum na prtica mdica. Uma pesquisa nacional,

    entrevistando mdicos nos Estados Unidos, mostrou que 78% dos mdicos entrevistados na

    pesquisa recebem amostras grtis e que 35% recebem reembolso da indstria pelas despesas

    com encontros profissionais ou educao continuada (CAMPBELL, 2007).

    A interao com os representantes da indstria farmacutica impacta a prescrio de

    medicamentos em termos de custo, de prescrio no-racional, de sensibilizao, preferncia

    e rpida prescrio dos medicamentos novos e diminuio da prescrio dos medicamentos

    genricos (WAZANA, 2000).

    As amostras grtis de medicamentos so largamente utilizadas. O valor gasto nos

    Estados Unidos com estas em 1996 totalizou mais de 4.9 bilhes de dlares e cresceu para

    mais de 16.4 bilhes em 2004. Os estudos tm descrito muitos problemas associados, como

    profissionais que desviam as amostras grtis para uso prprio ou revenda, a influncia dos

    representantes farmacuticos na prescrio mdica e a contribuio para o incremento de uso

    do medicamento e os custos dos seguros de sade (CUTRONA, 2008).

    Nos estudos analisados por Wazana (2000), a participao em eventos patrocinados

    pela indstria, financiamento de cursos e simpsios foi associado aumento de prescrio do

  • 37

    medicamento do patrocinador, bem como o recebimento de representantes da indstria

    farmacutica foi associado prescrio no racional.

    Ao analisar anncios de medicamentos em trs revistas mdicas brasileiras, Barros

    (2002) constatou que apenas em cerca de 20% dos anncios havia referncia a reaes

    adversas, contra-indicaes e interaes medicamentosas, o que demonstra serem

    tendenciosos e atenderem a propsitos mercadolgicos, no sendo um meio que subsidie a

    prescrio e a utilizao correta e segura dos produtos anunciados.

    As propagandas de medicamentos dirigidas classe mdica analisadas por Pizzol

    (1998) apresentam principalmente as vantagens dos produtos, entretanto a ausncia de

    precaues gerais na maioria das peas publicitrias um fato grave pelas possveis

    consequncias relacionadas. preciso alertar o prescritor sobre os riscos relacionados e no

    apenas as vantagens do produto. Alm do que, as propagandas indicam o medicamento como

    ponto central e indispensvel no processo sade e doena e pelos argumentos visuais e no

    visuais, tentam convencer os mdicos disso.

    Entre as peas publicitrias de medicamentos monitoradas pela equipe de Soares

    (2008), a irregularidade mais importante foi em relao s informaes prestadas aos

    profissionais de sade, seja por meio de referncias bibliogrficas inexistentes, inacessveis ou

    sem valor cientfico, seja por informao inadequada acerca das contra-indicaes,

    advertncias e cuidados.

    Inerentes s regras do jogo, as atividades publicitrias desempenham papel crucial na

    ampliao da oferta e na induo ao consumo, com todas as suas conseqncias. Para Barros

    (2008), a legislao brasileira tem sido pouco eficaz para coibir a violao das regras nas

    peas publicitrias, sendo que o nus financeiro a partir da imposio de multas s empresas

    que descumprem as normas de publicidade farmacutica no provoca reorientao de

    comportamentos, entre outros motivos, porque o retorno advindo das vendas ampliadas

    provavelmente cobre com ganhos adicionais o que foi despendido.

    A estrutura quase monoplica da indstria farmacutica, com grande concentrao e

    carter internacional, tem se constitudo um entrave ao cumprimento das leis que

    regulamentam a propaganda e a comercializao de medicamentos, especialmente em pases

    pobres e em desenvolvimento. O uso indevido de medicamentos e a proliferao de reaes

    adversas so desdobramentos perversos deste quadro, com a automedicao e a prescrio

    indevida assumindo ndices alarmantes (NASCIMENTO, 2005).

    Os estudos realizados em muitos pases tem consistentemente demonstrado que os

    mdicos quanto mais confiam na propaganda como sua fonte de informao sobre de

  • 38

    medicamentos, menos se tornam preparados como prescritores (LEXCHIN, 1997b). Desta

    forma, a propaganda da indstria farmacutica atua na contra-mo do uso racional de

    medicamentos, pois afeta a qualidade da prescrio.

    A publicidade massiva dos produtores um dos determinantes da irracionalidade no

    uso dos medicamentos. Utilizam altos investimentos nas mais diversificadas e sofisticadas

    estratgias, que terminam sendo custeadas pelos consumidores, sem que, em contrapartida,

    haja disponibilidade de outras fontes de informao, principalmente para os responsveis para

    a prescrio (BARROS, 2004).

    Para Wannmacher (2007), o poder da propaganda da indstria farmacutica forte

    condicionante do uso irracional de medicamentos, utilizam argumentos e falcias sobre os

    medicamentos novos e mais caros, que permeiam boletins informativos, bulas e propagandas

    pagas. Mais grave ainda so os resultados maquiados de trabalhos financiados pela indstria

    farmacutica e publicados em revistas cientficas, condicionando a adoo teraputica de

    profissionais que no fazem leitura crtica de tais artigos.

    A informao objetiva e imparcial da qual necessitam os prescritores para o uso

    racional de medicamentos est muito distante da disseminada pela indstria farmacutica. A

    Sobravime (2001) listou vrias consequncias para a sade pblica da hipertrofiada e muitas

    vezes distorcida promoo farmacutica: fracasso no tratamento por escolha inadequada do

    medicamento; falta de observncia do tratamento por impossibilidade de comprar um

    medicamento muito caro; exposies indevidas a reaes adversas; aumento da resistncia

    bacteriana; pssimos hbitos de prescrio e consumo de medicamentos e desperdcio de

    dinheiro do indivduo e da instituio com medicamentos inteis e desnecessrios.

  • 39

    5 METODOLOGIA

    O estudo foi desenvolvido com abordagem qualitativa, utilizando-se a entrevista como

    tcnica de coleta de dados na fase de trabalho de campo, por possibilitar compreenso dos

    mundos da vida do entrevistado e de grupos sociais especficos, suas crenas, atitudes, valores

    e motivaes (GASKELL, 2003).

    Para realizao das entrevistas, foram seguidas as orientaes propostas por Gaskell

    (2003). Os tpicos guia especificados abordaram:

    a importncia da prescrio de medicamentos na prtica clnica,

    a existncia de dificuldades na prescrio de medicamentos,

    o interesse no estudo da teraputica medicamentosa,

    o entendimento sobre uso racional de medicamentos,

    o conhecimento sobre a proposta da OMS para uso racional de medicamentos,

    as fontes de informao sobre medicamentos utilizadas,

    as estratgias promocionais da indstria farmacutica junto ao cirurgio-dentista,